Última atualização: 01/09/2020

Capítulo 1

O plantão que fazia no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos havia finalmente terminado após um pouco mais de 24 horas. Ele estava podre. Apesar de estufar o peito toda vez que mencionava ser um medi-bruxo na área contra envenenamentos por plantas e poções, tinha que fazer muito para o título valer. E mesmo que tivesse consciência desde o começo de que o trabalho exigiria paciência para lidar com pessoas, não conseguia se sentir menos irritado por saber que parte daquela enlouquecedora movimentação de pacientes podia ser evitada se não fosse a Santa Ignorância.
Parte dos doentes, que o homem ficava responsável por atender, só chegava lá como estava, porque manusearam substâncias que não tinham propriedade para discutir. O melhor que o estagiário poderia receitar no final era: não mexa com o que não conhece. Não sabe que poção é aquela? Nem o nome da planta encontrada por acaso? Fique longe.
A curiosidade excessiva ainda seria o fim da comunidade mágica.
Ao chegar em casa, foi automaticamente atacado por uma porçãozinha de gente que também reconhecia como irmã mais nova. Às vezes, ficava tão imerso no próprio trabalho que se esquecia de que a caçula ainda não completara os famigerados onze anos para receber a carta de Hogwarts. Ficava; portanto, atazanando os pais e os elfos em casa o dia inteiro, principalmente os segundos.
ainda vivia com os pais. Os ’s tinham uma boa área de propriedades, não havia necessidade dele gastar ainda mais por um espaço próprio, se os progenitores tinham de sobra para oferecer.
Apesar de que sentia falta de privacidade algumas muitas vezes.
, você voltou! — os braços dela envolveram a cintura dele em um abraço forte — Estava com saudades.
— Bom te ver de novo, nanica. Vou me banhar agora, depois a gente conversa.
No entanto, a mais nova não o soltou. Forçou ainda mais os braços e fez um bico, de forma que ele não conseguiria avançar sem usar um pouco de força.
— Mia... — o chamado foi em um tom de alerta — Estou todo fedido, preciso trocar de roupa. Eu sei que você me ama muito e não consegue viver sem mim, mas se aguentou todo esse tempo, mais alguns minutos não vão te matar.
— Calado! — ela o soltou, irritada com a convicção do irmão — Você é um chato!
Foi o instante necessário para que o homem voltasse a se mover pela casa. Vez ou outra, ele encontrava alguns elfos trabalhando e os cumprimentava com um leve aceno de cabeça. Quando estava prestes a alcançar o quarto, Mia entrou na frente, impossibilitando-o de seguir em frente.
franziu o cenho.
Algo estava estranho.
— Você não prefere comer alguma coisa antes? — ela parecia nervosa.
Os olhos do mais velho recaíram na maneira como Mia brincava com os dedos insistentemente, ela olhava para os lados também e pela experiência de irmãos que tinha de bagagem, sabia que ela estava nervosa.
— Mia... — proferiu ameaçador — O que você fez?
— Nada de errado. De verdade, ... Nada... — justificava-se à medida que via o irmão girar a maçaneta do próprio quarto.
Inesperadamente, tudo estava em ordem no cômodo, como ele havia deixado antes de sair para o St. Mungus. Entretanto, uma pontinha de desconfiança ainda habitava a cabeça de .
— Viu? — a garotinha riu nervosa — Eu não mexi em nada.
Mas a fala apenas deixou o homem ainda mais em alerta. Deixando o plano de tomar o banho o quanto antes para trás, o dono do quarto se pôs a observar canto por canto até localizar um problema. Jogou a maleta que usava para transportar os pertences até o trabalho em cima da cama e começou uma inspeção detalhada.
Mia sentou-se sobre o colchão, calada. Aceitando a derrota e esboçando um semblante de culpa ainda que o irmão não tivesse encontrado o que fizera. Toda vez que o via chegar perto do que escondia, prendia a respiração. Quase acreditou que ia se safar, até os pés de esbarrarem na ponta de uma caixa que estava sobressaindo de baixo da cama.
A garota recebeu um olhar fulminante que a fez se retrair.
— Você não fez isso!
O homem se apressou em puxar o objeto para fora e só com isso percebeu que ela estava mais leve que o normal. Retirou a tampa e viu a caixa vazia.
— Mia , onde está o pacote que deveria estar nesta caixa? — o tom subiu um pouco.
A caçula não respondeu, limitou-se a apontar para o armário.
De início, não compreendeu como o conteúdo da caixa poderia entrar no móvel. Então, percebeu que o que a irmã queria dizer é que o objeto não estava dentro, mas escondido atrás. Com passos largos, foi até o armário e suspirou aliviado ao encontrar o quadro encostado entre a parede o fundo do móvel.
— Ele está inteiro. Eu só... Só rasguei o pacote sem querer quando estava o guardando o quadro de volta. Mamãe ainda não foi ao Beco Diagonal para comprar papel de pergaminho. Eu ia embrulhar de volta, igualzinho ao outro, juro!
Mia foi ignorada.
— Depois... — piscou pesadamente — Depois a gente conversa.
A mais nova não se opôs, vendo que o mais velho estava contendo a irritação. Fora deixada para trás com um quadro misterioso que tinha uma ilustração curiosa se mexendo.


Capítulo 2

— Como foi que encontrou o quadro? — questionou, sentado na cadeira que completava a mesa de madeira escura bem polida. Os cabelos molhados estavam penteados para trás, vestia uma camisa branca e sobre ela um suéter verde musgo.
Quase estava um estudante de Hogwarts outra vez.
O quarto do homem era simples, composto de cores neutras, predominantemente cinza escuro. Havia uma cama, em um dos lados dela estava a porta para o banheiro e do lado oposto, o armário com a mesa.
Mia continuava sobre a cama, evitando contato visual com o irmão. Constrangida, concentrava toda a atenção no quadro ao seu lado.
— Não posso encontrar uma coisa que não estava guardada ou escondida.
— O quê? Estava embaixo da cama!
— Se não quisesse que eu achasse essa coisa, deveria esconder melhor, ! — rebateu no mesmo tom impaciente.
— Você não deveria nem entrar no meu quarto para início de conversa.
A garota baixou a bola, deixando os ombros caírem, sendo pega pela culpa. Nisso, talvez, o irmão tivesse razão.
— A porta também não estava trancada.
— Então é assim que você lida com as coisas? Só porque não tem nenhum aviso dizendo que você não pode fazer tal coisa, não quer dizer que você deve fazer também, Mia.
A mais nova abriu e fechou a boca no instante seguinte, sem palavras para retrucar, optou por mudar o assunto:
— Por que não pendura?
— Hm?
— O quadro. — passou os dedos na tela — Por que não está pendurado?
Dessa vez, foi o mais velho que não achou uma boa resposta. Seu semblante ficou sério e os olhos encararam o chão de um jeito vago.
— O pai e a mãe estão no Departamento?
— Óbvio. — a garotinha respondeu ao mesmo tempo em que revirava os olhos — Não foi a mamãe que comprou esse quadro, né?
— E o que te faz pensar isso? — um sorriso discreto surgiu nos lábios dele. De fato, tinha uma irmã bem astuta e se vangloriava, pois ela certamente puxara a ele nesse quesito.
— Mamãe tem um gosto... — fez careta, cuidando com as palavras que estava prestes a soltar — Diferente. Isso! Ela tem um gosto diferente. Além disso, esse quadro não combina nada com o resto da casa e nós dois sabemos que mamãe jamais compraria algo que não se encaixe.
— Por que não? — cruzou os braços, jogando o tronco confortavelmente contra o encosto da cadeira, interessado na conversa que estavam desenvolvendo.
— As cores. Não sei o que é, mas não se parece nada com os desenhos dos quadros da sala, por exemplo. Eu gosto. É o mais bonito de todos. — confessou baixinho, temendo que a matriarca pudesse ouvir essa afronta artística, seja lá onde estivesse no Departamento no exato instante.
A senhora com certeza ficaria muito brava por ter os gostos sendo colocados à prova.
soltou uma breve risada, feliz por saber que a caçula partilhava da mesma opinião dele em relação ao quadro. A pintura posta em cima da cama era a favorita dele sem dúvidas.
A obra em questão tinha um fundo azul tão escuro que beirava ao preto. No centro, em contrapartida, havia dois bichos pintados como se fossem inteiramente compostos por chamas azuis. Eles eram os protagonistas do quadro e Mia gostava de olhar por serem animados por algum feitiço. Os animais se mexiam, ainda que minimamente, aninhando-se um ao outro, como se fossem amigos.
Adorável.
As cores tinham sido selecionadas com tanta propriedade que o contraste fazia os bichos parecerem tão reais que iluminavam tudo ao redor.
— Ele foi um presente. — disparou de repente, distante, enquanto Mia prestava atenção em cada uma das palavras.
— De quem?
— Da mesma pessoa que o pintou. .
. — a mais nova proferiu pensativa — Nunca ouvi mamãe falar dela. — deu os ombros, evidenciando o quanto a matriarca influenciava e era referência se tratando de artes.
Aquele quadro sempre estivera ali, embaixo da cama, escondido e esquecido. andava constantemente com a cabeça cheia, que nem reparava mais ou tirava um tempo para apreciá-lo, tornando o presente apenas um item qualquer no cômodo, quando não deveria ser.
Fazia um pouco mais de dois anos que se formara em Hogwarts com louvor nos N.I.E.M’s (Níveis Incrivelmente Exaustivos em Magia). Não tinha saudades das provas; os amigos mais próximos, ele encontrava sempre que tinha um tempo livre, no Três Vassouras; contudo, bastou que Mia questionasse sobre a origem daquela pintura para uma onda de nostalgia o envolver violentamente. Uma onda em um nível forte o suficiente para que o fizesse desejar um vira-tempo para aproveitar melhor aqueles anos dourados.

Capítulo 3

— Tem tempo para ouvir uma história, Mia? — perguntou frustrado, dando-se por vencido.
No dia que descobriu que a irmã mais nova havia mexido no quadro que ganhou, o homem a expulsou do cômodo em que estavam logo depois que perguntas inconvenientes começaram a brotar.
“Hm, ela era a sua namorada?”, lembrou-se de ouvir a irmã questionar, com um sorriso sapeca.
indignou-se.
— Você nem tem idade para pensar nessas coisas! — exasperou — Garotas da sua idade não deveriam estar se entupindo de doces da Dedos de Mel ou quebrando uma perna em cima da vassoura?
— Posso fazer tudo isso enquanto falo das suas namoradas.
O mais velho tinha uma azaração na ponta da língua e se remoeu por não poder concretiza-la.
Foi bobo ao acreditar que a história ficaria por isso mesmo. Diziam que mente vazia é a oficina do capeta, o mais velho só não esperava que o capeta estivesse sob o mesmo teto, no lugar ao lado da mesa de jantar.
— Mamãe, você sabe quem é ?
O primogênito quase cuspiu toda a sopa. Qual era o problema que Mia tinha para trazer aquele nome à tona, no meio da refeição, ainda mais para a mãe?
Com a conexão que irmãos tinham, mandou um olhar significativo o bastante para que a mais nova entendesse o recado e se calasse.
Por fim, terminaram onde estavam.
— Tem tempo para ouvir uma história, Mia?
— História sobre o quê, ?
— Uma história sobre .
Um brilho surgiu nos olhos da menina, que no instante seguinte, começou a vibrar. ainda não acreditava que estava cedendo. Queria se enganar que era pelos caprichos da mais nova, mas no fundo sabia que estava só revelando à Mia, porque, antes de tudo, precisava de um pretexto para falar de .
— Vai esperar até quando para começar, bobão?
Ele a fitou ofendido.
— Onde aprendeu a ser tão mal educada?
— Com a mesma pessoa que aprendi a ser tão inteligente. — sorriu angelical, apesar da língua afiada.
Eles definitivamente eram irmãos e Mia uma forte candidata para ser da Sonserina, assim como o resto da família.
e eu éramos do mesmo ano na escola. Entramos em Hogwarts juntos, mas só fui ter conhecimento dela de verdade no terceiro ano. Fazíamos aulas extras de artes juntos.
— Você desenha e pinta, ? — Mia fez careta — Eu não sabia.
— Eu não faço nada disso, mas a mãe achou que seria bom eu entrar nessa aula naqueles tempos para aprender e ganhar gosto pelas artes. — relembrou com desgosto do tempo perdido — Se prepara, porque vai ser a mesma coisa com você. — sorriu debochado e satisfeito.
— Eu não! — negou prontamente — Eu não sou frouxa que nem você. Irei fazer o que quiser.
Naquele instante, o medi-bruxo teve certeza de que todas as mulheres da família seriam problema.
— Tudo bem. Posso continuar? — viu a garota diante de si assentir — Onde estava mesmo?
— Na parte que vocês faziam aula juntos.
— Aulas de artes, isso! Era difícil não reparar na quando ela era destaque do professor em todas as aulas. — revirou os orbes sem perceber — Foi assim que ela começou a ganhar a minha atenção. — sorriu automaticamente, ainda que a ação fosse mínima.
Embora não percebesse as reações que esboçava ao contar a história, Mia, por outro lado, reparava em todos os detalhes e achava fofo como o irmão se portava diante de uma garota que ele claramente, mesmo não assumindo, gostava. Nem em sonhos teria ideia de que o mais velho seria assim.
— Vocês viraram amigos?
— Não! – exclamou prontamente, de olhos arregalados, achando aquela teoria absurda – Ela me odiava. E o sentimento era retribuído.
— Por que uma pessoa que te odiava daria um quadro? — não entendeu nada.
— Você quer esperar eu terminar de contar tudo? — repreendeu, eletrizado pelas memórias que vinham à tona.
— Ok, estressadinho. Continue: por que vocês não eram amigos?
— Eu não gostava das aulas, mas não seria por isso que tiraria notas ruins, precisava honrar nosso sobrenome. – estufou o peito com orgulho – Eu me esforçava e aparentemente, não gostava disso. Ela não gostava de competição. Ela queria ser a número um. O problema é que eu também queria e todos sabem que só pode ter um número um na contagem.
— Você não gostava dela por isso? Que coisa de criança, !
a fitou com os olhos cerrados.
— Olhe pra si mesma antes de falar, garota. Não fique se achando grande coisa só porque já sabe contar até dez. — caçoou, ouvindo-a grunhir.
— Tomara que você tenha perdido todas as vezes para . — amaldiçoou, sem saber que aconteceu exatamente isso. Ao presenciar o irmão adquirir uma postura carrancuda, ela riu — Você perdeu mesmo pra ela? Seu perdedor! Vergonha da família.
— Mia.
— Eu nunca serei como você.
— Mia... — trincou o maxilar.
— Espera até eu entrar em Hogwarts, aí vou te mostrar como se deve fazer as coisas, irmãozinho.
— Já chega. — interrompeu bruscamente, assustando a outra e levantando-se do sofá — Eu não quero falar mais nada.
Deixou a sala sob protestos da irmã e voltou para o quarto, lugar onde acreditava que nunca deveria ter saído naquele dia. Mal podia crer que estava tomando esporro de uma pirralha que nem tinha sido escolarizada ainda. Mia pagaria por isso: ficaria sem saber do restante da história.
Sorriu satisfeito.
Mesmo que não tivesse continuado os relatos, os acontecimentos passavam e repassavam em sua mente, como flashes saudosos. Esticado sobre a cama, ia se perdendo em devaneios envolvendo o seu terceiro ano em Hogwarts.
Era como se ainda pudesse sentir o cheiro daquela sala velha misturado ao cheiro forte e enjoativo das tintas naturais ali mesmo.
— Esse trabalho pode não ser o mais perfeito, mas achei interessante a proposta e ninguém tinha trazido alguma coisa assim para a aula. Repito: tem defeitos, mas gostaria que focassem na ideia. Parabéns pelo trabalho, senhorita .
— Nossa, isso foi um elogio ou um rebaixamento, professor? — a garota se fingia de ofendida, enquanto exibia um sorriso enorme de orgulho e levantava do lugar para buscar o trabalho.
— Senhor , pode vir também.
O sorriso da murchou instantaneamente e achou aquilo tão mesquinho. Ela não queria dividir os holofotes. Fingia que era modesta para no segundo seguinte não conseguir segurar o incômodo de compartilhar os elogios do professor.
— Eu queria poder colocar algum defeito nessa sua tela, mas não posso enganar a mim mesma quando na verdade gostei do trabalho. Não fique se achando, .
O garoto ouviu a colega sussurrar entredentes.
Aquilo era um elogio reverso?
— Eu não me acho, eu sei que sou incrível e não é só porque você está me elogiando, corvina tosca. — respondeu em baixo tom, sustentando um sorriso falso diante da sala.
— Ótimo! Prepare-se, porque não vai ter espaço para você nessa aula.
— Você vai precisar se esforçar mais pra isso, .
E assim nascia mais uma história de amizade feliz em Hogwarts.
A relação baseada em disputas e em maior número de vitórias perpetuou até o quarto ano. As desavenças por competitividade ficaram tão fortes, que acabaram ultrapassando as barreiras dos quadros e indo para as demais matérias, além do pessoal.
Por mais que insistisse em negar com todas as células do corpo, ele tinha mais consideração pela corvina do que ela sabia. De fato, ela era uma oponente que julgava muito interessante. , em seus olhos, não tinha nada de intrigante. Ela era uma garota de muitas palavras e cumpria com elas. Achava engraçado como ela falava e tinha pavio curto. De certo, um ótimo desafio para um , seja nas notas ou na paciência.
O problema de verdade começou no quinto ano, quando percebeu que tinha voltado das férias um pouco estranha. Como o esperado dos alunos excepcionais que eram, viraram monitores.
O cargo permitiu que passassem mais tempo juntos do que quando eram estudantes comuns. Vez ou outra coincidiam de ter que fazer rondas noturnas no mesmo dia e foi em uma dessas ocasiões que ela despejou tudo o que ele não esperava ouvir para ter uma tranquila noite de sono.
Ambos caminhavam em silêncio pelos corredores, virando o rosto para os lados em alguns momentos para checar se não havia ninguém escondido pelos pilares. Não era uma situação problemática o suficiente para causar desconforto, mas queria que conversassem, mesmo que fosse para a garota provocá-lo.
O garoto só não tinha conhecimento que não estava em toda essa plenitude que exibia. A mente dela pensava tanto que a qualquer momento sairia fumaça, denunciando que os neurônios estavam entrando em combustão. Ela poderia se arrepender mais tarde pelo o que estava prestes a fazer, contudo guardar coisas nunca foi do seu feitio.
Precisava confessar.
A ausência de falas prevaleceu até o fim do turno deles. Quando estavam prestes a seguir caminhos opostos para chegar aos respectivos dormitórios, parou com um leve puxão na manga das vestes pesadas dele.
, podemos conversar?
A voz serena dela o fazia suar frio de ansiedade por algum motivo.
Aquele cenário.
Aquele instante.
Ele seria um mentiroso se negasse que não imaginava o que poderiam fazer ali. Ainda sem abrir a boca, ele apenas confirmou com a cabeça.
demorou a começar. Seu peito subia e descia, revelando que estava tomando bastante ar e coragem. Todavia, ao abrir a boca, não parou mais de falar.
— Eu pensei muito antes de decidir se deveria ou não te contar essas coisas. — suspirou, olhando para os próprios sapatos — Mas estou tão cansada ultimamente, que pelo menos desse peso eu quero me livrar. Eu posso me livrar. — seus olhos buscaram os do sonserino.
A troca de olhares foi tão intensa que mal respirou. Foi inesperado os olhos dela irem de encontro com os dele, quando tudo que ela fazia ultimamente era o evitar.
Os olhos eram tão brilhantes e expressivos.
Ela era fodidamente bonita.
— Nada precisa mudar entre nós depois do que eu disser aqui, ok? — sorriu fraco — Você pode, inclusive, fingir que não ouviu nada. — deu uma risada sem humor e o garoto ficou tenso, pressentindo problemas à caminho — Mas eu preciso falar.
...
— Sh! Eu falo! — decretou — Se você continuar me interrompendo, vou acabar fugindo por achar que é um sinal de Merlin para não fazer essa burrada. Eu gosto de você, . Eu não sei como isso foi acontecer, mas gosto de você muito mais do que deveria. — confessou rapidamente, exalando irritação por não compreender tais sentimentos.
Na mesma velocidade que os ouvidos dele capturaram as palavras, o coração acelerou. Parecia que todas as portas em seu interior estavam abertas e tudo estava vazando e se misturando em seu corpo. estava em êxtase. Tudo que tinha de líquido dentro de si borbulhava.
Eles entendiam muito mais ao outro do que poderiam imaginar.
— Mas é só isso mesmo. — continuou, agora, triste — Você poderia tentar me enganar e me chamar de iludida, dizendo que não acontece nada. Só que eu sei que você sente alguma coisa aí por mim. Talvez não na mesma intensidade? Pode ser. Mas existe algo! E eu não estou sabendo lidar com isso, principalmente porque eu sei que não vai acontecer nada entre a gente, não pode...
Logo, o peito dele começou a pinicar de maneira incômoda, pesando mais que o normal. Do que ela estava falando?
?
— Você não precisa se sentir obrigado a falar nada! — declarou nervosa, com o cenho franzido — Eu só precisava desabafar. Nada vai mudar. — garantiu — Boa noite, .
A ficha não caiu.
O sonserino passou mais um longo tempo parado ali, repensando nos fatos.
A garota tinha se declarado.
Depois disse que as coisas não iriam se desenrolar.
E no fim, acabou saindo feito uma Firebolt e ainda desistiu de usar o sobrenome com ele.
Como deveria agir?


Capítulo 4

Havia dias em que se pegava entediada e, com isso, tendia a ficar ainda mais pensativa do que sempre foi.
Concluindo que era uma boa hora para uma pausa, pousou o pincel de cerdas grossas e sintéticas no pote de vidro com água suja e foi para a janela.
Aquele era um dia bonito para ela, que todo mundo consideraria feio. O céu estava coberto por volumosas nuvens e adquirindo um tom escuro no horizonte: iria chover. Ela sentia uma paz indescritível com a visão. Da grande abertura do ateliê, a mulher gostava de se distrair olhando para as pessoas indo de um lado para o outro, imaginando o que elas teriam de tão importante para fazer agora para tanta pressa.
Talvez, apenas fugir da tempestade naquele dia.
Às vezes, sentia uma pontada de inveja dos desconhecidos apressados. sentia falta de um pouco de emoção e efervescência na rotina. Tirando os raros dias em que se esquecia de que tinha clientes à caminho para buscar a encomenda que ela não tinha concluído, ficava limitada a passar o dia no ateliê, trocar algumas fofocas com Joanne, sua recepcionista, e depois ir para casa, cozinhar algo simples e dormir com a televisão ligada.
Ainda assim, a vida que levava sempre foi o que imaginou que seria e queria. havia adquirido a independência da família como sempre lutou para conseguir, estava vivendo da própria produção, adquirido um público fiel com os quadros e ainda se dava ao luxo de alugar um espaço fino para pintar, quando poderia estar se apertando no pequeno apartamento que também tinha alugado.
A questão era que só não conseguia deixar de se sentir menos do que um dia ela já foi como adolescente.
Nos tempos de Hogwarts, sentia que o volume de tarefas e responsabilidades era mais intenso, cheio de cobranças, e mesmo assim ela dava conta com muita satisfação. Além da escola, também tinha que lidar com os pais intolerantes em casa.
Não eram todos que conseguiam aceitar que havia uma bruxa na família e, ainda, com tendências alternativas para as artes. Depois de incontáveis gerações de , a história tinha decidido que logo ela deveria ser presenteada mágica no sangue.
— Amém... – agradeceu em um sopro, com o olhar distante.
Hogwarts deu a ela coisas que qualquer criança saudável no mundo poderia ter: uma varinha, uniformes incríveis, doces únicos, professores carrascos, muito conhecimento e risadas infinitas.
A simples materialização da escola em sua mente trouxe o passado à tona. Mentindo ela estaria, se dissesse que não sentia falta dos professores elogiando seus feitos, de ganhar ponto para a, indiscutivelmente, melhor casa: Corvinal.
No entanto, junto das glórias, sempre vinham os tormentos.
não conseguia segurar a própria expressão de desgosto quando as lembranças daquela noite batiam na sua porta. Se ela tivesse a oportunidade, teria feito tudo diferente?
Era tão constrangedor que o rosto se retorcia em uma careta e os dedos se fechavam em punho com força, mesmo que não tivesse ninguém olhando. Ela sentia vontade de gritar.
“Você poderia tentar me enganar e me chamar de iludida, dizendo que não acontece nada. Só que eu sei que você sente alguma coisa aí por mim.”
O estômago revirou.
Fazia quase meia década do acontecimento e a vergonha parecia nunca diminuir. Ela era sempre tão inconsequente, dramática e intensa nas ações antigamente.
Riu nervosa, ao constatar mais uma vez que ela, como quintanista e apaixonada por , era muito presunçosa. Tinha despejado tanta coisa na cara do garoto naquela época e tomado a própria visão como verdade absoluta, que nunca chegou a confirmar que os sentimentos entre eles eram recíprocos.
Depois, agiu como uma covarde, evitando-o sempre que estava próximo, ato que correspondia a quase todo o passo que ela dava dentro do castelo. Nem sempre a missão era um sucesso, como naquele dia...
Para o azar daqueles que se achavam melhores por terem influência e poder aquisitivo, ainda sustentava o broche de monitora. Não pensou duas vezes ao interromper uma briga para, em seguida, embarcar em outra.
— Vocês, sonserinos, se acham sempre tão bons, mas nunca escolhem alguém do mesmo tamanho, não é? – começou, chegando mais perto do trio.
Uma garota e um garoto com vestes verdes, que a reconheceu serem do último ano, seguravam um lufano novato, visivelmente assustado, pela gola.
— Soltem ele. – ordenou dura – É uma pena, mas vou ter que descontar cinco pontos da Sonserina. — anunciou sem esconder o sorriso.
— Ora, sua maldita... – a outra garota começou, largando as vestes do menor, e soube que só deixaram o garotinho ir, pois a nova vítima seria ela.
Como se os movimentos entre eles estivessem sincronizados, todos sacaram as varinhas no mesmo instante.
— São dois contra um, corvina insignificante. – o sonserino disparou, portando um sorriso escárnio – Portanto, nenhum ponto vai ser deduzido da nossa casa. – alertou.
riu com a presunção.
— Me desculpem, mas não me lembro de ter aberto o tópico para uma negociação. – balançava a cabeça divertida com as ideias absurdas – Deveriam pensar nisso antes de com... – a fala morreu pela surpresa.
A própria varinha que tinha entre os dedos foi arrancada.
Agora, eram dois contra um e ela não tinha nenhuma garantia de proteção.
— Olha só, parece que ela ficou bem quietinha de repente, Black. – viu o casal trocar risadas e sentiu o sangue ferver.
Black. Ela guardaria bem aquele nome.
— Vocês sabem que isso só piora a situação da casa de vocês, não é? – a monitora relembrou, entredentes – Menos cinco pontos para a Sonserina, de novo. E não me obriguem a usar de táticas trouxas para dar uma lição em vocês.
já aquecia os pés para uma futura voadora quando alguém surgiu no final do corredor.
— Devolvam a varinha para ela.
As pernas da tremeram com o tom de autoridade. Como se tivesse sido pega em uma câmera lenta, ela espiou por cima dos ombros a tempo de ver se aproximando, com as mãos enfiadas nos bolsos, como se não tivesse preocupações, enquanto ela estava prestes a ter a batalha da vida.
— Nem brinca com isso, ... – Black riu.
— Eu estou com cara de quem está brincando? – rebateu, ainda inexpressivo.
— É sério, cara... Se você não vai ajudar, também não atrapalha. É só a Krystal e eu apagarmos a memória dela, que tudo fica bem.
Krystal. fez outra anotação na cabeça. Aqueles sonserinos já eram.
— Ou é melhor vocês saírem daqui antes que as coisas saiam do controle, porque mesmo sem a varinha, parece convencida a ir até o fim com isso. Se McGonagall aparecer, vou ter que tomar o lado dela, por ser monitor. – respirou fundo – E eu realmente não quero ir contra a minha casa, entendem?
— Tudo bem... – Black concordou a contragosto e temeu que talvez não ficasse tão bem para o – Conversaremos melhor no salão comunal. Vamos, Krystal.
A mais velha seguiu, não sem antes olhar feio para os dois que ficavam e jogar a varinha da outra para o colega de casa de maneira agressiva.
Aquele foi o primeiro momento que a ficha da corvina caiu para a situação complicada em que havia se metido. O quinto ano ainda não tinha propriedade para lidar com aquele nível de feitiço. E apagar as memórias dela? Sentiu-se ultrajada por tamanho absurdo, sendo que tudo que o casal tinha que fazer era baixar a bola e dar para trás. Afinal, eram eles que estavam fazendo bosta desde o começo.
Sonserinos não deixavam mesmo a pose de lado.
Quando estavam finalmente a sós, tratou de cruzar os braços e se colocar de frente para o também monitor. Então, viu que ele parecia mais alto, contudo aquela observação não era a mais propícia para o momento.
— Se você acha que com isso eu vou devolver os dez pontos para vocês...
— Eu nem pensei nisso, . Você está bem?
Ela engoliu seco pela preocupação dele e ao perceber que estava sendo analisada da cabeça aos pés.
— É claro que estou. Estava tudo no controle. Sonserinos aterrorizando novatos, nada novo sob o sol. – disparou a falar sem pausas.
quis rir de deboche. Aquela era com certeza uma das características de que roubavam toda a sua atenção. Ela era cheia de si e das palavras, sempre com uma resposta na ponta da língua, mesmo que não fosse muito convincente. Ele não sabia se ela estava tentando o enganar, ou enganar a si mesma sobre tudo estar bem contra os dois colegas.
— Se você diz... – deu os ombros, nada convencido – Toma. – estendeu a varinha dela.
— E estava bem mesmo. – reiterou aos resmungos, ao mesmo tempo em que limpava a varinha nas próprias vestes, dando a entender que o toque das cobras era sujo – Esses desocupados... Não tinham nenhum N.I.E.M para estudar, não?
O sonserino tombou a cabeça levemente para o lado, enquanto se limitava a admirar a carranca que se formara na garota em poucos segundos.
— Eu, como não sou nenhuma mal educada, agradeço pela sua ajuda. – sorriu forçadamente – Mesmo que não fosse necessário. – emendou em seguida.
bufou.
— É sério mesmo? Você com certeza nunca os viu em um duelo. Não teria nenhuma chance contra o Black.
Foi a vez de bufar.
— Tudo bem, grandioso, ilustre e bonitão . Obrigada por usar do seu precioso tempo para me ajudar. Se não fosse você, eu poderia estar desmemoriada agora. Obrigada mesmo.
O garoto gargalhou.
— Eu só queria um obrigado, garota. Mas os adjetivos grandioso, ilustre e bonitão pareceram partir bem do fundo do seu coração, então considere seus agradecimentos aceitos.
sentiu o rosto queimar. Ela poderia ter ocultado o bonitão, pensando agora, mas já tinha escapado. Sem palavras, limitou-se a fuzilá-lo, ainda com as bochechas quentes.
limpou a garganta antes de adquirir uma postura séria outra vez e mudar o assunto:
— Agora que eu consegui a sua atenção, podemos conversar melhor sobre os sentimentos que você diz nutrir por mim?
poderia prever que mil estrelas cruzariam o céu, ou que ela teria uma vida amorosa desastrosa nas aulas de Adivinhação, mas nem com todos os galeões do mundo poderia ver essa situação chegando como um Balanço, pronto para matar, enviada diretamente pelo batedor .
Ele tinha sido muito direto.
engasgou com a própria saliva. Passando a mão pelo pescoço, de maneira desconfortável, soltou um riso nervoso.
— Sabe, diferente dos seus amigos, eu tenho muuuuuita – frisou – coisa para estudar ainda. Hoje não vai dar, . – levantou os ombros, soltando mais um riso nervoso – Quem sabe outro dia? – recuou dois passos tímidos e depois desatou a correr para o lado oposto do dele.
Do parapeito da janela, ia deixando as lembranças para retornar ao mundo atual. Com um sorriso querendo aparecer, ela só poderia concluir que viveu bem os seus anos dourados. Toda aquela intriga adolescente faria qualquer trouxa suspirar em uma novela.
Talvez ela devesse voltar com o passatempo de ir aos jogos de quadribol sozinha, para ficar tensa com o pomo e passar um pouco de raiva toda vez que machucavam algum jogador do seu time de coração.
Definitivamente, um pouquinho de emoção seria bom.
sempre foi muito boa em saber o que sentia, o que queria e o que poderia ter para si. No entanto, naquele dia, ela não viu que tinha deixado para trás, sozinho, um olhando para o nada, com um misto de sorriso e incredulidade no semblante pela forma escorregadia que adotava para levar alguns assuntos.
Talvez ele não devesse ter devolvido a varinha para ela de primeira.


Capítulo 5

— E depois, ? — Mia quis saber, claramente envolvida na história — Você foi atrás dela, certo? Você a beijou?
Mais uma vez, se encontrava sob as chantagens daquele bolinho de gente. Mia havia feito pirraça e o ameaçado, alegando que se ele não entregasse um desfecho satisfatório para a história, ela voltaria a atrapalhar os pais para descobrir quem era . Os irmãos sabiam como os responsáveis estavam atarefados com o Ministério naqueles dias.
disse que nada precisava mudar, mas ela não cumpriu com a palavra. — sorriu melancólico — Só voltamos a ter contato direto naquele mesmo ano, nas festas de fim de ano. Antes disso, ela conseguiu me evitar em todos os lugares. Toda vez que eu ia atrás, ela repelia feito famosos fugindo da Rita Skeeter atrás de um furo jornalístico. Patética. A mãe e o pai tinham me deixado de castigo no natal do quinto ano e acabamos nos encontrando nos jardins por acaso. – mentiu, a irmã não precisava saber exatamente de todos os detalhes, principalmente daquele que escancarava como ele tinha percorrido o castelo, como um cachorrinho abandonado atrás da dona — Ela estava mal e algo dizia que tinha a ver com as mesmas coisas que a fizeram voltar estranha desde que o ano em Hogwarts se iniciou.
— O que é que você está olhando? — a garota gritou agressiva ao perceber que não estava mais só, na parte descoberta de Hogwarts.
...
— Me deixa em paz. Saia daqui, ! — permaneceu irredutível — E trate de tirar essa cara de espanto. Eu sou uma pessoa normal. Até mesmo eu preciso de um tempo. Estou feliz quase todos os 365 dias do ano, então seria que poderia me dar esse direito de ser triste pelo menos uma vez?
Quanto mais ela despejava as palavras, mais volumosa ia ficando a água que se formava nos olhos brilhantes de raiva.
Os pés de pareciam ter ficado estacados no chão por magia. Fazer o que ela estava mandando era o mais viável, porém parecia errado ao mesmo tempo. Ficou longos segundos ali, como uma estátua, apenas mirando a garota com pesar. Ela chorava muito e soluçava na mesma intensidade.
Mulheres poderiam vir com um manual de dicas sobre o quê fazer quando se encontrava uma delas aos prantos.
De fato, ele nunca sabia como agir. Fosse agora ou a irmã mais nova, Mia, quando ralava a perna. Vê-las chorando era um feitiço pesado e de mau gosto.
Na ansiedade de fazer algo que cessasse o choro, apelou para a arma que não planejara revelar tão cedo. Buscou um objeto no bolso interno do casaco e ao encontrar, tratou de pegar e estica-lo o suficiente para que entrasse no campo de visão da chorona.
— É um presente de natal para você. — estendeu uma caixinha pequena e delicada que não correspondia ao perfil ele portava.
Ainda retraída no próprio canto, ela não ousou em erguer a mão para receber o mimo, apenas levou as costas de uma das mãos para enxugar as lágrimas que inundavam os olhos.
— Por que? Eu não comprei nada pra você. — a fala saiu trêmula e rouca pelo choro.
A voz estava embargada pelos soluços.
Ele não conseguiu evitar a gargalhada por perceber que mesmo naquela situação, ela não largava a desconfiança e o modo defensivo. Ainda esperando que a corvina aceitasse o presente, tomou a liberdade para sentar próximo à ela. Não muito, pois mulheres são ainda mais perigosas quando estão instáveis.
— Eu sei. Você é uma pessoa terrível que não merecia esse tratamento de princesa que te ofereço, mas pegue. Não é algo que vou usar para exigir alguma em troca mais tarde. Estou te dando porque eu quero. De qualquer forma, não pedi nada, então não fique achando que precisa me presentear de volta. Seria desumano. É impossível encontrar algo à altura de um , até porque não existe nada mais brilhante do que eu.
— Por Merlin... — sussurrou em desgosto, olhando para o lado oposto do que o garoto estava, enjoada — Que amor próprio da porra.
Ainda triste com alguns acontecimentos que trazia de casa, finalmente começava mudar o foco. Percebeu que em todos esses anos de convivência, nunca havia presenciado falar tanto.
No fundo, ela estava agradecida por ele não estar fazendo um interrogatório sobre o estado dela.
— É quase natal, você não tinha que estar sendo a chata que normalmente é, perturbando todo mundo na escola, reclamando sobre alguma decoração brega fora do lugar?
A corvina abraçou as próprias pernas e apoiou o rosto de lado nos joelhos, de forma que a deixasse encarar o rapaz. Os olhos ainda brilhavam demais, cheios de lágrima a ponto de cair. Sua visão estava turva, mas conseguia decifrar o borrão que correspondia à e sorriu confortável pela primeira vez naquele dia.
Ainda que tivesse dito há instantes que não precisava ganhar presente, presenciar ela sorrindo, ainda que pouco era o suficiente; principalmente por saber que era o causador de tal feito.
— É uma data festiva. Decidi dar uma folga para todos.
Com uma mão no peito, fingiu estar aliviado por ela dar uma trégua, tomando liberdade para se incluir automaticamente no “todos” da fala da outra.
— E você? Por que não está em casa? Achei que Meyers fossem brilhantes demais para se juntar com os plebeus em uma comemoração na escola.
— Esse ano, decidi que vou dar esse gostinho para vocês de ter a minha importante presença. — exibiu um sorriso convencido — Não! Por favor! — exagerou teatralmente — Não precisa ficar enlouquecida por saber que vou estar por perto! — a garota não se moveu ou esboçou qualquer reação a mais — Pelo menos disfarce toda essa sua emoção! — pediu forçado, fazendo a rir com vontade.
— Você é um idiota de primeira.
a imitou, abraçando as pernas e a encarando também.
— Pelo menos em nisso eu consigo ser primeiro lugar, já que um monstro não deu nenhuma chance nas aulas de artes.
— Se esforce mais, bonitinho. — sorriu sem mostrar os dentes.
Permaneceram nessa posição por minutos, um sorrindo para o outro até os olhos dela se encherem de lágrimas mais uma vez, fazendo gotas consideráveis escorrerem pelo rosto inchado, assustando o sonserino.
— O que aconteceu? Eu fiz alguma coisa errada? — ficou em posição de alerta.
Ela prontamente negou com a cabeça:
— Apenas emocionada. Eu só estou feliz que esteja aqui, , de verdade. — crispou os lábios para evitar mais choro desnecessário.
No segundo seguinte, fora surpreendida por um abraço envolvente e quente. Não hesitou em retribuir.
— Uau, será que as pessoas vão acreditar que está chorando por minha causa? — brincou, recebendo um tapa pesado nas costas.
O contato, em nenhum momento, foi interrompido.
Ele não sabia o que ela estava passando e não tinha ideia de até que ponto as pessoas ao redor podiam estar sustentando problemas com um sorriso no rosto. Desejava ser verdadeiramente útil. Não queria dizer nada genérico, só o suficiente para que a fizesse entender que ele ligava realmente e passasse confiança o suficiente para ela se abrir, se assim quisesse em algum instante.
— Seja lá o que esteja passando, você não precisa lidar com tudo sozinha. O mundo é muito grande para que o carregue sozinha nas costas. — o garoto a reconfortava, com um tiro no escuro, ao mesmo tempo em que fazia carinho nas costas dela.
o apertou mais, como um agradecimento.
era como uma caixinha de surpresas.
— Meus pais não queriam que eu voltasse para Hogwarts. – sussurrou, para a surpresa dos dois.
— Olha, você não precisa falar... – ao perceber que poderia estar desmotivando-a a desabafar depois de tanto tempo, emendou: — Mas se quiser, sou todo ouvido.
Muito lentamente, a soltou, quebrando o abraço para que ambos retomassem a posição inicial.
Desviando do olhar dele, voltou a confessar:
— Meus pais não queriam que eu continuasse em Hogwarts. – a simples afirmação fez a garganta se fechar um pouco – Eles não acham que aqui é um bom lugar, que vai poder me levar muito longe na vida – os lábios tremeram, sentindo o choro voltar – Logo Hogwarts, o lugar que se tornou a minha maior casa e ganhou o meu coração.
segurou o ímpeto que as mãos tiveram de ir até os cabelos dela e fazer um carinho.
— Você é boa com tudo. Já mostrou as coisas que faz aqui? Os quadros que pintou?
Então, riu sem humor, ainda mirando um canto qualquer da grama.
— Eles também não acham que eu vou muito longe com a arte. E talvez eu não vá mesmo. – concluiu – Mas a falta de apoio deles me fez ver que deveria repensar nos planos para o futuro. Fora de Hogwarts, nem tudo é magia e eu preciso me garantir. Talvez, devesse focar em uma carreira mais sólida: uma auror, uma auror, ou pasme: uma auror!
riu baixinho com o senso de humor dela mesmo para esses momentos.
— Você sabe que não existe só essa carreira, certo?
— Sim, eu poderia me tornar medi-bruxa, mas odeio essas coisas. – fez cara de nojo – Poderia me transformar em uma vilã, revoltada com a vida, que resolve destruir a escola, porque está descontente com os rumos e a falta de sucesso, mas não sei se essa opção daria orgulho aos meus pais também.
O sonserino balançou a cabeça, desacreditado. Mais uma vez, ela ia escondendo os sentimentos nas piadas, mudando de assunto aos pouquinhos até que se esquecessem do por que tinham começado a conversar.
Era assim que ela era.
Entretanto, ele não esqueceria.
Sobre os pais dela, também nada disse, mas não por falta de vontade. Temia que insultando os pais dela e a intolerância deles, acabasse insultando a corvina por tabela. Por isso, ficou quieto e foi nesse silêncio confortável que permaneceram olhando para o céu.
Um pouco antes da ceia, surgiu outra vez diante de , desta vez afobado, alegando ter um lugar impressionante para apresentar.
— Para onde está me arrastando, garoto? — a corvina indagava, à medida que tentava frear os passos, receosa — Se você me contasse, poderia andar por conta própria. — rolou os olhos ao perceber que estava sendo ignorada.
Os dois continuaram se esgueirando pelos corredores de Hogwarts em silêncio. Por conta das festividades, a escola estava mais deserta do que o normal. Hora ou outra, batiam de frente com algum outro estudante perambulando, nada que fosse causar problemas para o que arquitetara.
— Você não está me levando para um canto desconhecido e escuro para abusar de mim, certo?
O sonserino parou imediatamente, mirando-a seriamente.
— Olha para a mim e me diz se eu tenho cara de quem faz essas coisas?
— Não custa perguntar. — deu os ombros, escutando uma risada debochada.
— Acha mesmo que se um abusador fosse pra cima de você, ele anunciaria aos quatro ventos? — balançou a cabeça — É patética.
— Ei! Não foi isso o que eu quis dizer. — protestou, batendo os pés.
— Tanto faz. Vamos! — puxou a mão dela, que se desvencilhou do toque.
— Vamos onde? Estamos no final do corredor! Não tem mais nenhum lugar para ir além de dar meia volta. Escuta aqui, , está brincando comigo?
No meio tempo que ela ficou resmungando, o garoto parou diante de uma das paredes e pensou em uma porta que não tardou em se materializar diante deles.
— Mas... — a garota perdeu as palavras — Como você fez isso? — exasperou com os olhos arregalados
— Você quer fazer o favor de andar mais e falar menos? — estressou-se.
Atravessar aquele pedaço de madeira foi como atravessar um portal. Uma sala comum que esperava ver não foi encontrada, ao invés disso, percebeu que estavam diante de uma pista larga com várias linhas brancas pintadas no chão, como se fossem marcações que repartiam o espaço em vários pedaços iguais.
Uma pista de corrida.
Além dos recém-chegados, vários alunos de anos distintos das quatro casas estavam ali. Todos pareciam ansiosos por um motivo que a desconhecia ainda. Permaneceu desnorteada ali, até que um garoto negro parou diante dela e , estendendo duas folhas.
— Vocês têm apenas dois minutos para fazer uma aposta.
Dito, o garoto que não fazia ideia no nome se afastou, procurando pessoas como eles, que não tinham dado um lance.
— Aposta? — direcionou a questão ao responsável por trazê-la até ali.
não a ouviu. Estava mais interessado no pedaço de pergaminho que ganhara. Havia uma lista de animais escritos e ao lado, o nome de seus respectivos donos. Logo abaixo da lista, ainda havia um campo para ser preenchido com o nome e valor que desejava colocar em jogo.
A resposta parecia bem óbvia: o cavalo de Edmundo Stuart, da Sonserina.
Aquele quadrúpede venceu a maior parte das corridas.
! — tentava ganhar atenção — Pode me explicar em que estamos metidos?
— Não está na cara? — virou-se para a garota pela primeira vez desde que pisaram no lugar — É uma corrida de Patronos.
— O quê? — a fala saiu alta e os olhos se esbugalharam — Isso existe? Quem foi o Cabeça de Bagre que teve tempo para pensar em um absurdo desses? Expecto Patronum é um feitiço muito complexo, por que todos aqui estão desperdiçando as energias para ganhar dinheiro?
. — chamou-a, contido, recebendo um olhar recriminador — Cala a boca. — viu a corvina abrir a boca pronta para discutir — É natal! E diversão! A varinha é deles. Se quiserem lançar dezenas de patronos, não é você que vai impedir. Só fique quieta e aprecie a corrida, antes que resolvam nos expulsar por você ser muito escandalosa.
Mais uma vez, teve razão. Após o pequeno discurso, a garota optou por obedecê-lo, escolhendo um macaco para apostar três nuques. Ao fim da corrida, perdeu tudo. O macaco tinha ficado em penúltima colocação, perdendo apenas para um bode que não tinha se formado perfeitamente e evaporou no caminho.
A quantia que investira era uma miséria, se comparada ao sonserino do lado, que apostou cinco galeões. A diferença é que ele ganhou com o cavalo de ouro. Apesar de ter perdido no aspecto financeiro, ela estava bem satisfeita, pois sentia que havia ganhado em um outro lado. Depois dos tempos difíceis que vinha enfrentando, conseguia, por fim, sentir leveza.
Uma felicidade momentânea.
Não tardou para que as coisas voltassem ao normal. Um normal que nunca quis.
voltou a agir com indiferença.
No sexto ano, a corvina retornou com uma aparência mais exausta que o usual. Quase mal se encontravam, nas poucas vezes que os olhares se cruzavam, ela dava um sorriso triste, que só servia para deixá-lo apreensivo.
Todavia, nada fez.
Não era da conta dele.
Se ela realmente quisesse ajuda, teria pedido.
Naquele ano, aprendeu a fazer o feitiço do Patrono. Os boatos que corriam pelos corredores era que ela conseguia formar uma raposa.
Dizem que a forma do animal originado era influência dos sentimentos que moldavam o bruxo e da personalidade que ele portava. julgava uma raposa combinar bastante com . Ambos eram inteligentes e tinham uma tendência individualista, não necessitando de companhias para andar em bandos.
Em um café da manhã comum na escola, uma correspondência chegou pelas corujas de Hogwarts. O pacote grande despertou curiosidade dos amigos da casa, ; entretanto, fez questão de só desembrulhá-lo quando não houvesse mais ninguém.
Era um quadro escuro com dois patronos pintados no centro. Os bichos pareciam confortáveis para estarem aninhados ao outro.
Uma raposa e um cachorro.
O patrono dele tinha a forma de um cachorro.
— E o que isso significa? — Mia indagou com o cenho franzido, sem saber da forma do patrono do irmão — Ela é meio doida! Te mandou um quadro, sem mais e nem menos, de repente, sendo que vocês nem conversavam mais? — bufou cheia de incompreensão — Essa é a história mais esquisita que ouvi. Não faz sentido.
O medi-bruxo ficou no próprio canto, assistindo à irmã deixar o cômodo revoltada.
As coisas faziam mais sentido do que Mia poderia cogitar. Além da pintura, uma carta tinha sido mandada junto do pacote. Uma carta que Mia só não encontrou, pois estava em uma gaveta do armário, trancada com magia.

,
Há um ano, coisas indesejadas começaram a acontecer e minha vida tomou rumos diferentes das que esperava. Fiquei perdida no meio do caminho e demorei para me encontrar. Então, sua presença irritantemente forte começou a ganhar um espaço especial.
Meu nível de desconforto com a situação estava em um nível tão alto que me desesperei. Confessei. Porém, assim como naquela época, um “nós” hoje, continua sendo inviável. Minhas prioridades são outras, mas jamais me esquecerei da estrela que você se tornou em minha trilha cheia de escuridão.
Você me apresentou às famosas e secretas Corridas de Patronos. Sem querer fazer muito, você fez tudo.
Um feitiço do Patrono só pode ser conjurado com uma lembrança feliz e forte. Obrigada por fazer parte da minha.
Sigo errando e tropeçando às vezes, mas agradeço por ter me relembrado que momentos de felicidades são sim importantes, ainda que passageiras.
Obrigada pelas felicidades momentâneas.
Atenciosamente,


O quadro era uma lembrança dos dias que eles compartilharam. Era um agradecimento por ter iluminado os dias difíceis da , com instantes de diversão.
Ainda que custasse para o acreditar que fizera o suficiente pela garota, ele estava feliz por ela considerar tanto os dias incríveis de corridas, assim como ele.


Capítulo 6

Arriscar era preciso para conseguir o que queria. Ele como um eterno sonserino, deveria manter as expectativas e ambições sempre altas. Passaram-se quase três anos, poderia ter seguido com a vida e ter encontrado um cara legal para compartilhar as coisas.
Ele não se importava.
Uma mentira.
havia pesquisado bastante antes de decidir que era hora de dar um passo para frente.
não estava namorando e tinha um ateliê no centro de Londres que atendia tanto à comunidade mágica quanto aos trouxas.
Essa era uma ótima chance para velhos conhecidos se reencontrarem.
Da entrada do ateliê ele não conseguiu passar. entrou em uma discussão com a atendente, enquanto tentava explicar que não desejava encomendar nada, mas apenas conversar com a dona do local. Era algo que só podia ser tratado com a chefona, era mesmo difícil de entender ou ele estava falando em Runas?
— O que está acontecendo? — uma figura apareceu pela extensa porta francesa que repartia a entrada do estúdio. Ela tinha um semblante de confusão no rosto.
De fato, rever um colega da escola que fazia parte de outro mundo na recepção do trabalho não era algo esperado. Todavia, o coração bobo de palpitou insistentemente feliz.
Ela jamais confundiria aqueles traços. O rosto ainda era o mesmo, embora estivesse mais maduro. As linhas de expressão e o olhar eram iguais aos do garoto chato com quem cruzou pelos corredores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
Estava mais do que óbvio que aquela figura diante delas era .
Ela se sentia muito imbecil, quase como que tivesse voltado aos tempos de adolescente apaixonada: sem reação.
— Er... Joanne. — direcionou-se para a atendente — Será que poderia ir trocar a água do pote em que estão os pincéis? Pode deixar esse senhor comigo.
A outra mulher não hesitou em cumprir a ordem, após sentir que a atmosfera do ambiente estava alterada.
— Senhor? — repetiu o pronome de tratamento com deboche.
— De verdade: o que faz aqui? — não fez rodeios, apoiando as mãos na cintura para omitir a apreensão.
— Você disse que a gente se encontraria um dia. — relembrou das últimas palavras dela antes de se separarem.
Ao descer na estação de Kings Cross, o sonserino deu alguns passos para trás e se limitou a assistir aos alunos deixando os vagões, diretamente da passarela.
fora uma das últimas a sair.
Essa era a oportunidade dele.
, espera... — aproximou-se dela.
! — ela se virou com um sorriso contido — Foram anos bacanas e uma honra ser sua colega. Parabéns! Desejo muito sucesso daqui pra frente.
A boca dele se abriu em choque.
— Então, vai ficar tudo assim? De verdade? — exasperou.
Os dedos compridos dela ficaram brancos com tamanha força que estava depositando contra a barra da alça que a mala de rodinhas tinha.
— Você não entenderia algumas coisas. Eu ainda tenho um longo caminho para percorrer e muitas coisas para provar aos meus pais. Por mais difícil que seja de acreditar: merece algo melhor, . Alguém melhor que eu, que vá priorizar a pessoa incrível que é.
— Vai continuar agindo assim até o último instante? — encarava a corvina diante de si.
— Sinto muito, preciso ir. Talvez você possa entender as coisas mais para frente. — suspirou — A gente se vê algum dia, .
se inclinou e depositou um selinho demorado nos lábios dele.
— Você também se lembra, não é? O dia no King’s Cross.
Era óbvio que a recordava. Até ousara roubar um beijo, que nos dias atuais não seria muito, mas naquela época pareceu ser a faísca para um vulcão entrar em erupção.
O dia que ela sentiu que estava abrindo mão de um pedacinho da própria alma.
O dia que jurava que nunca mais iam se cruzar.
quis bufar.
Ela era sempre muito sentimental.
— Eu só cansei de esperar e estou fazendo as coisas acontecerem, porque se depender de você, eu morreria esperando. — piscou conquistador, arrancando, de imediato, uma gargalhada estridente familiar, que fez seu corpo vibrar.
— Você não mudou nada. Como nos antigos tempos, continua terrível, .
— É sempre muito bom te ver também, . Tem tempo para uma caneca de cerveja amanteigada, enquanto um cara desabafa sobre os próprios sentimentos e sobre como ele nunca teve a oportunidade de dizer para a garota que gostava dele, que ele gostava dela de volta?




Fim!



Nota da autora: Olá! Se você teve a impressão de que já leu essa história, você acertou! Felicitatem Momentaneum está um pouco mudada, com algumas cenas adicionais, que haviam sido cortadas sem querer na primeira versão (por eu mesma???). Não é o plot da minha vida, mas espero que a fic deixe o coração de vocês quentinho, como deixa o meu.
Laura Ambar, Nyah e Laura San Martin, vocês não podem ser menos que INCRÍVEIS! Obrigada pelos comentários e por todo o incentivo <3 Que sorte a minha ter recebido vocês por aqui!
Se tinha um momento bom para a fic entrar corrigida, esse momento é o Especial de 20 anos ~surtossss
Espero que todas as autoras e suas obras também incluídas nesse especial recebam todo o carinho do mundoooo! Apesar de ter conseguido acompanhar quase nada, sei que não havia grupo mais feliz, incentivador e unido por uma causa do que elas. Está esperando o quê para dar biscoito para todas?



Outras Fanfics:
Finally Champion


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus