Enviada no dia 26/07/2018
Capítulo único
Ao ir atrás da mãe, exigir respostas, ela a encontrou com um Thor com pouco mais de 3 anos de idade e um bebê que, pelo tamanho, ela acreditava ter quase 1 ano. Isso a fez parar, confusa e surpresa — primeiro, por não reconhecer o irmão mais novo, que tinha visto apenas uma vez e, segundo, por sua mãe ter tido outro bebê, sem que ela soubesse.
— Hel! — Thor gritou de alegria, o que a deixou ainda mais surpresa.
Crianças desse tamanho não deveriam falar, deveriam?
No instante em que ele a abraçou pelas pernas, Hela recuou, atordoada, o que, por consequência, fez com que Thor caísse no chão, aos prantos.
Vê-lo daquela forma fez uma pontada de pânico atingi-la. Abaixou-se, preocupada em fazê-lo parar de chorar.
— Calma... Não foi nada — disse, enquanto ajudava-o a se levantar. — Viu? Não aconteceu nada.
Aos poucos, Thor foi acalmando-se e, com as mãos pequenas, secou as lágrimas para, então, sorrir para a irmã mais velha.
Hela levantou-se, ainda incomodada com o pânico que sentiu ao pensar que podia ter machucado o irmão. Balançando a cabeça e lembrando os motivos de estar ali, virou-se para a mãe, que observava a cena com um sorriso.
— Por que... — começou, mas parou de falar quando sentiu Thor pegando-a pela mão.
— Hel! — disse, ainda sorrindo e com a fala um pouco enrolada. — Vem ve o nosso bovo imão.
Puxou-a pela mão até onde a mãe estava sentada com o bebê.
— O nome é Oki. — Thor disse, orgulhoso, ao olhar para o embrulho nos braços da mãe.
— Querido, o nome dele é Loki. — Frigga o corrigiu, ainda sorrindo.
— Oki. — Thor repetiu, sério, tentando imitá-la.
Hela olhava para a mão que Thor ainda segurava, confusa. Soltou a mão do irmão e voltou a olhar para a mãe, apenas para ter sua atenção roubada pelo bebê, que, para sua surpresa, observava-a atentamente e, pela primeira vez em anos, conseguiu deixá-la desconcertada ao lhe mostrar um sorriso banguela.
Ele era o oposto de Thor, que era loiro. Loki, pelo que ela podia ver, seria mais parecido com ela — pele clara e cabelo escuro. A única diferença era o tom dos olhos, pois seus irmãos tinham olhos claros.Thor destacava-se com os olhos azuis, e Loki se destacaria com os olhos verdes.
Hela estava sentada na varanda do quarto, observando o pôr do sol e refletindo sobre o que havia acontecido.
Depois de encontrar a mãe e ver os irmãos — e que ninguém nunca soubesse, fugir como uma criança, sem sequer confrontar a mãe —, algo a incomodava. Apesar de não admitir, até a assustava um pouco, o que ela considerava ridículo, depois de tantas batalhas, ficar abalada por causa de duas crianças. “Você é a deusa morte”, disse a si. “Não deveria se abalar com coisas como essas”. Não poderia perder tempo com eles. Não quando Odin, seu, não tão amado no momento, pai partiria para resolver questões em outro reino, deixando sua executora para trás.
Deixando-a para trás.
Era ainda pior do que ela imaginava! Além de tramar contra a própria filha, ainda a deixava de lado, como se ela não tivesse ajudado-o a conquistar os 9 malditos reinos.
Hela bufou ao se levantar e começar a andar de um lado ao outro, pensando e analisando todas as possibilidades.
Ouviu uma batida na porta, mas escolheu ignorar. Outra batida fez com que se voltasse em direção à entrada do quarto.
— Entre! — A ordem saiu, quase como um rosnado. Estava pronta para amaldiçoar ou cortar a garganta de quem se atrevia a tirar sua paz.
A porta abriu devagar e, para seu choque, Thor entrou, olhando para os lados, como se a procurasse.
— Hel? — perguntou baixinho.
Hela estreitou os olhos, desconfiada. Esperou que a mãe entrasse em seguida, mas, aparentemente, Thor tinha vindo sozinho. Cruzou os braços e esperou que o irmão terminasse de inspecionar seu quarto. Ela não pôde deixar de notar que ele parecia bem curioso.
— O que foi? — perguntou, por fim, chamando sua atenção.
— Hel — ele a chamou, abrindo outro sorriso, como se estivesse feliz só por poder vê-la. Aproximou-se com os braços esticados. — Vamo come? — perguntou, parando à sua frente, ainda com os braços esticados, como se quisesse que ela o pegasse no colo.
Hela piscou, tentando entender a situação.
— Não estou com fome — respondeu, virando-se para a varanda novamente.
— Não? — Thor perguntou em um tom de choro.
Ela voltou a olhar para o irmão e o encontrou com os olhos cheios de lágrimas. O mesmo pânico que sentiu mais cedo voltou, fazendo com que se aproximasse e o pegasse no colo.
— Não precisa chorar — disse, tentando acalmá-lo novamente. — Ok. Vamos jantar, então!
O irmão foi parando de chorar e a abraçou. Hela bufou, irritada consigo, por cair em um truque tão barato, e saiu atrás da mãe.
Depois de vasculhar a biblioteca, atrás de todos os tipos de livros de feitiços, Hela foi à sua sala de leitura favorita. Organizou os livros em cima da mesinha próxima à poltrona que escolhera e se acomodou para longas horas de leitura. Seu objetivo era encontrar algo que a protegesse dos planos de Odin — ela não iria se referir a ele como pai tão cedo.
Antes que pudesse começar, a porta foi aberta e, para sua irritação, Thor entrou, empurrando uma caixa. Ela respirou fundo, contendo a vontade de gritar.
— O que você está fazendo? — perguntou ao apoiar o livro sobre a perna.
Thor parou, olhando-a com ar inocente. Antes que ele pudesse responder, Hela ouviu um resmungo vindo da caixa. Piscou, confusa, e levantou-se para verificar.
Sentiu seu queixo cair ao ver Loki deitado dentro da caixa no meio dos brinquedos.
— Tamo bincando. — Thor disse, voltando a empurrar a caixa, até ficar próxima à poltrona em ela estava sentada.
— Não podem brincar aqui! — disse, irritada.
— Não? — Thor parou. Virando-se para ela, franziu as sobrancelhas, pensativo. — Por quê?
— Porque estou ocupada e eu disse não — ela respondeu. — Então, fora!
Thor cruzou os braços e a encarou, sério, por alguns instantes.
— Po favo? — pediu, por fim, descruzando os braços e juntando as mãos como se implorasse. — Não faço baulho.
Loki fez alguns ruídos sem sentido e riu, levantando os braços. Hela ficou olhando para aquela cena, sem acreditar. Antes que pudesse ter qualquer reação, uma criada entrou, obviamente, procurando por eles. Hela a olhou com sua costumeira expressão de desprezo, esperando.
— Princesa — disse, curvando-se. Hela sorriu ao constatar que ela parecia um pouco pálida. — Desculpe-me por isso. Vou tirá-los daqui.
Permaneceu parada, olhando. Tomando seu silêncio como consentimento, a criada aproximou-se das crianças. Thor começou a protestar, e Loki a choramingar, como se entendesse a situação.
— Deixe-os — disse, amaldiçoando o resto do mundo e todos os outros. Voltou à poltrona. — Fora.
A criada parou, olhando-a, assustada.
— Mas...
— Fora! — repetiu, sem desviar a atenção do livro que já deveria ter começado a ler.
Ouviu a porta se fechar e os irmãos resmungando alguma coisa, mas ignorou, tentando focar no que pretendia fazer.
Abriu o livro, começando a ler, mas teve sua leitura interrompida ao ouvir a risada alta dos irmãos. Ela desviou o olhar momentaneamente e viu que Thor havia virado a caixa, e Loki tinha escorregado para fora. Os dois, agora, estavam sentados, brincando.
Balançou a cabeça e voltou a atenção ao livro. O silêncio voltou, o que Hela agradeceu mentalmente. Mal se passaram 10 minutos, e sentiu algo cutucar sua perna.
Hela desviou os olhos do livro e olhou para o chão, encontrando Loki encarando-a. Ele tinha um cavalo de madeira nas mãos e a olhava, curioso. Voltou a ler, ignorando a presença dos irmãos.
Dois segundos se passaram, e sentiu novamente Loki cutucar sua perna. Respirou fundo e continuou a ler.
— Hel?! — Thor chamou, aproximando-se da poltrona.
— O que foi agora? — perguntou, desviando o olhar do livro.
— Oki quer que você binca com a gente — disse, debruçando-se na poltrona.
Hela conseguia ver suas pernas balançando.
— Eu…
Thor não esperou que a irmã dissesse algo. Com um pulo, pegou sua mão e a puxou. Hela levantou-se no automático, tentando processar toda a situação.
— É fácil... — Thor disse, puxando-a para que se sentasse no chão, coisa que Hela não fez, limitando-se apenas a encará-lo. — Pa binc tem que se no chão — disse, olhando-a, sério.
Hela desvencilhou-se do irmão e quase tropeçou ao tentar não pisar em Loki, que estava engatinhando na direção dos brinquedos. Tentou se recompor da confusão que seus sentimentos haviam se tornado naquele momento e, sem pensar, saiu o mais rápido que pôde da sala de leitura, deixando os irmãos sozinhos e Thor confuso com sua reação.
Hela derrubou seu adversário pela terceira vez, em um intervalo de 10 minutos. Era por isso que, dificilmente, treinava com os guardas do palácio: ela era forte demais e a melhor guerreira do reino. Abaixou a espada que usava e fez sinal para que fosse deixada sozinha. Respirou fundo, enquanto ia até a mesa próxima ao arco de entrada do pátio, e bebeu um pouco de água.
— Meu príncipe, por favor... — Hela reconheceu a voz da criada que ajudava a mãe a cuidar dos irmãos. Ao se virar em direção à outra entrada que dava para o pátio, viu Thor correndo em sua direção.
— Hel! — Thor disse, soltando um soluço ao abraçá-la pelas pernas.
Hela pegou o irmão pelos ombros e o afastou.
— O que aconteceu? — perguntou, séria, ao se abaixar para ficar na mesma altura que o irmão e poder olhá-lo nos olhos.
— Oki. — Thor disse, com lágrimas escorrendo.
Hela sentiu um aperto no coração. O irmão a abraçou, e o choro ficou mais forte.
— O que aconteceu? — Hela perguntou, furiosa, à criada que aproximava-se, receosa.
— O jovem príncipe está doente — a criada respondeu, obviamente, ansiosa. — Ainda não sabem o que ele tem.
Hela não deixou que a criada terminasse de falar, levantou-se, pegando Thor no colo, e saiu do pátio a passos largos.
Ao chegar ao quarto do irmão mais novo, encontrou outra criada cuidando dele. Ela estava terminando de trocá-lo. Colocou Thor no chão e aproximou-se, tentando esconder a preocupação que sentia.
— O que ele tem? — perguntou, parando próxima.
Thor também aproximou-se, com lágrimas nos olhos.
— Princesa — a criada a cumprimentou, curvando-se, ao deixar Loki no berço. — Sua majestade foi atrás de um curandeiro para cuidar da saúde do vosso irmão.
— Não perguntei onde minha mãe está. — Hela disse, passando pela criada e pegando Loki no colo. — Perguntei o que ele tem.
— Ainda não sab...
— Saia! — Hela a interrompeu, seu tom de voz baixo.
A criada conhecia muito bem os rompantes de raiva da princesa e, apesar de temer pelas crianças, saiu rapidamente do quarto.
Hela, ainda com Loki no colo, sentou-se na poltrona próxima ao berço para, então, colocá-lo sentado sobre suas pernas e ficar observando-o. Thor aproximou-se, ansioso, alternando o olhar da irmã para o irmão e tentando entender o que estava acontecendo.
Loki estava com o rosto um pouco vermelho e, pelo que Hela podia notar, com um pouco de febre.
— Hel... O que ele tem? — Thor perguntou, apoiando-se no braço da poltrona, ansioso.
— Eu... — ela começou a responder, mas foi interrompida pela mãe, que entrou no quarto e parou, surpresa, ao ver a filha mais velha.
— Hela? — Frigga perguntou, confusa. — Aconteceu alguma coisa?
— Eu... — começou, hesitante. Algo que não era de seu feitio. Balançou a cabeça ao se levantar e colocar o irmão no berço. — Thor foi atrás de mim, dizendo que Loki estava passando mal...
Frigga olhou da filha para o filho, pensativa, analisando as chances que tinha visto há alguns dias.
— Ele só está um pouco sensível por causa dos dentes. — Frigga disse, aproximando-se e pegando o filho no colo.
— Dentes? — Hela perguntou, fechando os olhos.
— Sim, alguns dentes já nasceram, mas, às vezes, alguns demoram um pouco mais, o que deixa a criança desconfortável e em estado febril.
Hela queria poder gritar. Não conseguia acreditar que Thor tinha a arrastado até ali por causa dos dentes que nasciam. Não, ela não tinha ficado preocupada, tinha acompanhado o irmão apenas para tranquilizá-lo e para que ele não ficasse atrás dela.
Sem olhar na direção da mãe ou dos irmãos, Hela saiu do quarto, furiosa. Se tivesse se dado ao trabalho de analisar a expressão da mãe, teria entendido o que estava acontecendo.
Hela estava deitada, sentindo a frustração corroê-la. Ainda não encontrara nada de útil que pudesse ajudá-la a impedir os planos do pai e, se não bastasse isso, ainda tinha certeza de que algum tipo de maldição havia sido lançada sobre ela. Além de estar convivendo mais do que gostaria com os irmãos, aqueles sentimentos a estavam confundindo e criando dúvidas; dúvidas estas que não deveriam existir.
Duas batidas soaram, fazendo com que Hela despertasse de seus pensamentos, o que a deixou mais irritada, afinal, parecia que, nos últimos dias, todos tinham se esquecido de quem ela era.
Talvez fosse hora de lembrá-los.
— Entre! — disse, levantando-se.
Uma criada entrou, ansiosa, curvando-se.
— Princesa. — Hela podia ver suas mãos tremendo levemente. — Sua majestade retornou e pede que o encontre na sala do Conselho.
Hela piscou, surpresa. Odin tinha finalmente retornado? Talvez fosse realmente hora de lembrar a todos quem ela era e o que podia fazer.
Ao chegar, encontrou os conselheiros saindo. Hela notou o temor e certa irritação em seus rostos. Passou por eles, sem dar qualquer sinal de reconhecimento, entrando na sala. Encontrou o pai e a mãe conversando:
— Tem certeza? — Ouviu Odin questionar, pensativo.
— Sim. — Frigga respondeu, desviando o olhar para a filha. — Hela.
— Pai, você, finalmente, retornou.
Odin a observou por alguns instantes, como se procurasse algo.
— Temos um problema — disse, por fim. — Remanescentes dos elfos negros foram encontrados, tentando encontrar Malakith. Algo sobre ele, supostamente, estar vivo.
— Malakith? — Hela questionou, desconfiada. — Malakith está morto.
— Sim, mas seus descendentes não estão. — Odin retrucou, levantando-se. — Vamos a Svartalfheim.
— Em 10 minutos, estarei pronta.
Hela terminou de esconder os livros que havia encontrado. Não deixaria vestígios para os espiões do pai. Vestiu sua armadura e verificou suas armas, apenas pelo hábito. Ao abrir a porta para sair do quarto, encontrou a mãe prestes a bater.
— Querida... — Frigga a comprimentou com um sorriso. — Podemos conversar?
Desconfiada, Hela deixou que a mãe entrasse no quarto, estranhando ainda mais ao não ver os irmãos.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, por fim, escondendo a pontinha de preocupação com o sumiço repentino dos irmãos.
— Não se preocupe. — Frigga começou e, então, foi interrompida.
— Não estou preocupada.
Frigga sorriu, como se soubesse de algo que Hela sequer poderia imaginar, o que a deixou levemente incomodada.
— Vim desejar boa sorte e pedir que tome cuidado. — Frigga voltou a dizer, aproximando-se. — E entregar um presente dos seus irmãos.
— Presente?
A mãe lhe entregou uma caixinha preta. Abrindo com cuidado, Hela encontrou um colar de prata com um pingente redondo com inscrições em uma língua antiga.
— Thor me pediu para lançar um feitiço de proteção no colar. — Frigga voltou a dizer, chamando sua atenção. — Ele também escolheu o pingente.
Sentiu sua cabeça ficando vazia de pensamentos. Por um momento, só conseguia ter consciência do colar que tinha em mãos. Mal sentiu o abraço da mãe, ou ouviu sua despedida, ao sair do quarto.
Voltou a si, de fato, apenas quando já estava junto ao pai, indo em direção à Bifrost para ir a Svartalfheim.
O colar no pescoço, bem escondido pela armadura.
Depois de longas semanas em Svartalfheim, Hela, finalmente, tinha retornado para casa. Passar tanto tempo ao lado do pai em um campo de batalha foi familiar e estranho ao mesmo tempo. Lutar ao lado do pai era confortável e costumava ser seguro. No entanto, depois de saber sobre seus planos, Hela não conseguia deixar de olhar sobre o ombro, sempre esperando alguém saltar sobre ela.
Nunca admitiria isso a alguém, mas até teve pesadelos sobre isso. O que a surpreendeu mais foi que os irmãos estavam no último pesadelo que tivera e foi o grito e choro deles que a fizeram despertar.
Suspirou ao se aproximar de uma campina. Era isolada da forma como ela gostava. Precisava de um tempo de silêncio e paz, depois de tantos dias em batalha. Ouviu passos abafados, e Fenrir aproximou-se.
— Também precisa de um pouco de paz, velho amigo? — perguntou ao passar a mão superficialmente em seu focinho.
Os dois aproximaram-se da maior árvore das proximidades e se sentaram. Hela se apoiou no tronco e fechou os olhos, apenas sentindo o sol bater em seu rosto. Mais sentiu que ouviu Fenrir deitar próximo.
Ficaram assim, por longos minutos, apreciando o silêncio. Uma risada alta chamou sua atenção. Abriu os olhos, preparando-se para se levantar quando Thor surgiu, correndo. O irmão parou, quase no meio da clareira, quando notou que não estava sozinho.
Hela cruzou os braços e esperou o irmão chegar perto.
— Você voltou! — disse, animado, ao parar próximo, hesitando em abraçá-la e dar as costas a Fenrir. — Gostou do colar?
Hela revirou os olhos. Sem responder, puxou a corrente escondida. O irmão sorriu ainda mais, o que ela achava ser impossível. Sem que o irmão percebesse, Fenrir levantou-se e aproximou-se. Thor, assustado, virou-se de costas para Hela, os olhos pregados no lobo, que se aproximava. Conforme Fenrir aproximava-se, ele recuou.
Hela levantou-se e o segurou pelos ombros.
— Fique parado — disse baixinho, apoiando as mãos em seus ombros.
Thor ficou parado, segurando a respiração. Fenrir parou, aproximando o focinho do rosto do irmão, e bufou. Thor pulou, começando a rir, e abraçou o focinho do lobo.
Hela sorriu, pensando que ter o irmão por perto, talvez, não fosse tão ruim.
Aos seis anos...
— Arrume a postura. — Hela disse, levantando-se e indo até Thor no centro do pátio em que praticava, com uma espada de madeira.
— Certo! — o irmão concordou, tentando seguir as instruções que a irmã tinha lhe dado.
Segurou seus ombros para que a postura ficasse correta e empurrou a perna direita mais para trás.
— Não se esqueça do jogo dos pés! Se quiser ser um bom lutador, precisa de um bom jogo de pés! — disse, afastando-se e fazendo sinal para que tentasse de novo. — Não se esqueça de observar o adversário! Imagine o que podem fazer e a melhor maneira de desviar e contra-atacar!
— Certo.
— Melhor? — perguntou, voltando aonde estava sentada com Loki.
Thor não respondeu, continuou a repetir os movimentos que a irmã tinha ensinado. Loki estava sentado, tentando produzir uma ilusão. Hela estava surpresa com a dedicação e rapidez em aprender dos irmãos. Poucas pessoas tinham isso, na idade deles. Ela não admitiria a ninguém, mas isso a enchia de orgulho.
Loki abriu os olhos, a frustração evidente, e resmungou.
Ficou observando as tentativas dos irmãos por um tempo e, vendo como eles estavam ficando irritados, decidiu que era o suficiente.
— Chega de treinamento, hoje! — disse, chamando a atenção dos dois.
Thor aproximou-se, de cabeça baixa, e Loki suspirou, a tristeza clara em seus olhos.
— Desculpe! — murmuraram juntos.
— Não peçam desculpa. — Hela começou, levantando-se.
Loki a imitou e parou ao lado de Thor.
— Mas não consegui fazer como você. — Thor começou, ansioso. — E...
— Vocês são Thor e Loki, filhos de Odin e Frigga. — Hela começou, abaixando-se para ficar na mesma altura que eles e poder olhá-los nos olhos. — E são meus irmãos! Podem fazer tudo o que quiserem e estiverem dispostos a aprender, só precisam ser mais pacientes. — Ao ver que os dois ainda pareciam incomodados, voltou a dizer: — Não estou dizendo para pararem porque acho que não são capazes, mas porque precisam descansar um pouco. Treinar sem descanso não é saudável.
Os dois a olharam, desconfiados. Vendo a seriedade da irmã, se sentiram mais tranquilos por não estarem decepcionando-a.
— Agora, vão aprontar por aí! — disse, levantando-se e virando-se de costas.
Sentiu os irmãos a abraçarem pela cintura.
— Obrigado! — murmuraram, antes de sair correndo aos risos.
Quem observasse de longe, estranharia ao ver Hela quase sorrir na direção dos irmãos.
Hela estava furiosa. A discussão com o pai ressoava em sua mente. Tentou descontar a raiva treinando, mas de nada adiantou. Por fim, retornou ao quarto. De que adiantava ela ser a executora se não podia executar? Eles deveriam estar caçando os malditos elfos que haviam fugido! Não era hora para misericórdia!
Hela pegou a primeira coisa ao seu alcance e jogou na parede. A jarra de água estilhaçou, molhando tudo. Queria gritar!
Odin estava ignorando o risco de deixar os inimigos vivos, e isso a frustrava. Como herdeira, sua opinião deveria ter peso maior que a dos conselheiros.
Estava tão furiosa e concentrada em seu problema que não notou os irmãos na porta, observando-a.
— Hel?! — Thor chamou, ansioso. Loki estava mais atrás, um pouco assustado.
Nunca tinham visto os ataques de raiva da irmã mais velha.
— O que foi agora? — perguntou, irritada.
Thor se encolheu e recuou.
— Queríamos te mostrar algo... — murmurou, desviando o olhar.
— Não tenho tempo para isso! — disse, virando as costas.
— Mas... — Loki começou com um tom choroso.
— Fora! — gritou, virando-se para os irmãos, que se encolheram, assustados.
Loki começou a chorar silenciosamente e saiu correndo. Thor, apesar de assustado, ficou bravo com a irmã por ter assustado o irmão.
— Quando você fica assim... — começou ele, jogando as folhas no chão e fechando as mãos em punhos. — Mostra que o que dizem de você é verdade.
Hela piscou, finalmente, processando o que tinha feito. Sentiu o estômago revirar pela culpa. Sem dizer mais nada, Thor saiu, correndo atrás do irmão. Ela aproximou-se das folhas no chão e as pegou. A culpa aumentou ao ver os desenhos que os irmãos tinham feito, mas o que mais a fez se sentir mal foi o desenho de Loki.
Ele tinha desenhado todos juntos e tinha tentado colocar uma descrição também. A descrição dela dizia: “Melhor irmã do mundo”, ou algo perto disso. Thor devia ter tentado ajudá-lo a escrever.
Fechou os olhos, xingando-se mentalmente por descontar sua raiva nos irmãos.
Passou o resto do dia no quarto, pensando em como falar com os irmãos. Além da culpa, Hela sentia raiva de si. Como sempre, ela havia arruinado tudo! Primeiro, o pai. Conseguira deixá-lo tão decepcionado que ele estava fazendo planos para contê-la e afastá-la. Agora, tinha, finalmente, conseguido magoar os irmãos, provavelmente, as únicas pessoas dos 9 reinos que pensavam que ela tinha algo de bom.
Notar a importância deles em sua vida tinha a deixado atordoada, afinal, apesar de aceitar as mudanças que vieram desde que permitiu a aproximação, não ousava admitir isso a si.
Um estrondo tirou Hela de seus pensamentos. Levantou-se e saiu do quarto para ver o que estava acontecendo. Ao chegar à entrada do palácio, encontrou todos em polvorosa.
— O que está acontecendo? — perguntou ao primeiro guarda que conseguiu parar.
— Princesa! — ele disse, parecendo aliviado. — O palácio está sob ataque!
— Ataque? — Sua mente disparou com estratégias e possibilidades.
— Elfos negros. Pelo que descobrimos ao conter o ataque, alguns deles conseguiram se infiltrar. Sua majestade ordenou que fosse avisada e levada a um lugar seguro, enquanto vasculhamos o castelo.
Mesmo irritada com a tentativa desnecessária de protegê-la, concordou, virando-se na direção indicada pelo guarda. Parou e voltou a chamá-lo, o pânico surgindo.
— Minha mãe e meus irmãos...?
O guarda hesitou, antes de começar a responder, o que foi o suficiente para que entendesse a situação. Hela não esperou, virou para o lado oposto e sumiu de vista.
Arrancaria o coração de quem ousasse fazer mal a um deles, com as próprias mãos.
Foi direto ao quarto dos irmãos, vasculhou cada canto e não encontrou nem uma sombra. Passou pelo quarto dos pais, também sem sucesso, parou no meio do corredor, pensando onde os irmãos teriam se escondido, e excluiu mais da metade dos cômodos do palácio. Os irmãos estavam sempre correndo de um lado ao outro, mas, geralmente, ficavam próximos aos pátios, pois gostavam de observar os guerreiros treinando. Hela, finalmente, lembrou-se do pátio mais afastado, que havia sido separado exclusivamente para eles.
Soube que tinha acertado ao se aproximar e ouvir a voz do irmão. Por um momento, o medo diminuiu. Ao se virar para a entrada do pátio, sentiu não apenas o medo retornar, mas fazê-la congelar ao ver o corpo de um guarda caído.
O medo deu lugar a fúria, ao entrar no pátio e ver Loki encolhido, agarrando a camisa de Thor, que estava parado com os braços abertos. Os dois tremiam. Podia ver as lágrimas. Qualquer pensamento sumiu. Fez sua espada surgir. Os dois elfos que se aproximavam dos irmãos não tiveram tempo de perceber sua aproximação. Suas cabeças rolaram.
Abaixou a espada, deixando-a no chão, e aproximou-se devagar, com medo de assustá-los ainda mais. Thor abraçou Loki devagar, com os olhos fixos nos corpos dos elfos. Hela ajoelhou-se, olhando atentamente os irmãos e procurando qualquer vestígio de ferimentos. Sentiu as mãos tremerem levemente quando o alívio por ter chegado a tempo a atingiu.Tentou perguntar algo que chamasse a atenção deles, mas algo a impediu.
Puxou os irmãos para perto e os abraçou, e aquilo foi o suficiente para tirá-los do estado de choque. O choro ficou mais forte. Hela sentiu os dois se agarrarem a ela. Sentiu uma pontada no peito. Sabia que essa experiência os mudaria de alguma forma e lamentou pela perda deles, ao mesmo tempo que lamentava por ele. Também sentia uma chama nascendo, pronta para queimar céus e terras pelos irmãos. Apenas por eles.
Hela sabia o caos que se seguiria quando tomou a decisão de matar os elfos que estavam presos, mas o fez da mesma forma. No entanto, sua paciência para aguentar os conselheiros irritantes estava se esgotando.
— Chega! — Odin, finalmente, se pronunciou, fazendo com que os conselheiros ficassem em silêncio. — Vou conversar com minha filha a sós.
Mesmo contrariados, todos se retiraram. Quando finalmente ficaram sozinhos, Hela encarou o pai.
— Sabe que eles têm razão. — Odin começou, atento a qualquer mudança na postura da filha. — Então, por quê?
— Fiz o que tinha que ser feito — respondeu, o tom de voz deixando clara sua irritação por estar sendo questionada. — Ao contrário do grande e poderoso Odin, fiz o que tinha que ser feito. — Seu tom de voz subindo e ecoando pela sala do trono.
— A única coisa que fez foi ser irresponsável e impulsiva! — Odin retrucou, seu tom de voz subindo tanto quanto o da filha.
— Irresponsável? — Hela repetiu, um sorriso debochado surgindo. — Deixar os malditos fugirem, impunes, depois da batalha em Svartalfheim, foi irresponsabilidade! Executá-los foi quase misericordioso! Eles mereciam menos, depois de tudo!
— Depois de tudo? — Odin disse, o rosto começando a ficar vermelho. — Eles teriam que passar pelo julgamento...
— Para que fossem condenados a passar o resto da vida miserável em uma cela? — Hela o interrompeu, avançando um passo. — Zombavam de nós só por continuarem a respirar! Além de conspirar contra Asgard, tiveram a ousadia de tentar um ataque! Exatamente como eu avisei que fariam!
— Você não podia ter feito isso. Conhece os protocolos e a lei...
— Para o inferno com os protocolos! — disse, furiosa, fechando as mãos em punhos. — Ao permitir que fugissem, deixou uma brecha para que outros pensem que podem fazer o que quiserem! Para que pensem que podem nos desafiar e sobreviver para contar a história!
— Não era seu direito intervir! — Odin gritou, a irritação clara na voz.
— Não era meu direito? — repetiu, a voz ficando perigosamente baixa. — É meu direito quando atacam meu reino, ameaçam meu povo, quando zombam de nossas forças! E, principalmente, quando ameaçam meus irmãos!
Os dois ficaram em silêncio. Hela sentia a respiração acelerada, a raiva queimando nas veias. Aos poucos, foi absorvendo o que tinha revelado. Odin a olhava como se algo finalmente tivesse ficado claro. Algo, como esperança, transpareceu em seu rosto por um momento.
— Continuar esta discussão não vai levar a lugar algum — começou, desviando o olhar. — Sei onde os outros elfos estão escondidos. Em uma hora, sairei para caçá-los.
Sem dizer mais nada, ela virou as costas para o pai e saiu da sala do trono.
Outro trovão soou, e a claridade invadiu o quarto novamente, mas o que acordou Hela foi o som de passos aproximando-se da cama. Conjurou uma faca.
— O que estão fazendo? — Hela perguntou, parando a faca a centímetros do rosto de Loki.
Os irmãos estavam enrolados nas cobertas e tremiam de leve, pelo que ela podia enxergar. Suspirou ao olhar para eles.
— É por causa da tempestade? — Eles concordaram com um aceno. — Thor...
— Eu sei, eu sei... Meus poderes vêm do trovão... — o irmão murmurou, encolhendo-se quando outro estrondo soou e a claridade preencheu o quarto.
Hela olhou para os irmãos pequenos, encolhidos nos respectivos cobertores e tremendo.
— Subam logo na cama! — disse, por fim. Sabia que não teria paz, enquanto a tempestade não terminasse.
Thor e Loki subiram na cama, deitando-se ao lado da irmã e fazendo com que Hela ficasse no meio. Hela suspirou, cansada, deitou de barriga para cima para voltar a dormir e sentiu os irmãos se aconchegando.
Com o tempo, a tempestade foi diminuindo, e o silêncio prevaleceu. Hela estava finalmente voltando à inconsciência quando sentiu os irmãos se mexendo. Ao sentir o segundo chute, desistiu de tentar ignorá-los.
— O que foi agora?
— Nada. — Thor murmurou, parando de se mexer.
— Não consigo domi. — Loki retrucou, soando um pouco irritado.
— Você só tem que fechar os olhos. — Hela disse, suspirando.
Os irmãos voltaram a ficar quietos, e Hela voltou a fechar os olhos.
— Hel?! — Loki chamou baixinho.
— Diga.
— Pode contar uma história pra gente? — Thor perguntou no lugar do irmão.
Hela ficou em silêncio, pensando. Histórias?
— Que tipo de história? — perguntou, por fim.
Os dois sentaram-se na cama, animados.
— Com lutas e dragões! — Thor disse, rindo.
— Maia! — Loki disse, segurando seu braço.
— Magia. — Hela corrigiu ao sentar, encostando-se na cabeceira da cama.
Começou a pensar no que poderia contar ao dois. Com um gesto, uma bola de luz surgiu, flutuando no meio deles e iluminando parcialmente o quarto. Hela lembrou-se de uma história sobre dragões. Ela teria que reformulá-la para não assustar os irmãos.
— Há muito, muito tempo, em Midgard, existia um povo conhecido como vikings. Eles eram conquistadores. — Hela começou, enquanto a luz se dividia e tomava a forma de homens vestidos com peles e elmos.
Thor e Loki inclinaram-se, atentos.
— Os vikings travaram grandes batalhas, mas as maiores delas foram contra os dragões. — Voando ao redor, surgiram dragões. Os dois soltaram exclamações de animação. — Em uma pequena aldeia, seus habitantes tinham como função caçar dragões. — Hela hesitou, pensando em quais alterações fazer. — O filho do líder da aldeia era..
— O mais forte? — Thor perguntou, ansioso.
— Na verdade, era considerado o mais fraco e desengonçado da aldeia — respondeu.
Thor fez uma careta, um pouco decepcionado.
— Sempre que ocorriam ataques, ele era encarregado de ficar na forja, como ajudante, para consertar e entregar as armas àqueles que precisassem. Via os colegas, que tinham idade parecida, ajudando e fazendo mais, e isso o frustrava. Como qualquer viking de respeito, queria provar seu valor. Então, um dia, quando o ataque começou, ele pegou...
— Um martelo?
— Um machado? — os irmãos perguntaram, juntos e ansiosos.
— Uma de suas invenções. — Hela continuou, como se os irmãos não tivessem dito nada. Sabia que eles gostariam mais do começo da história original, mas o final não era apropriado para crianças, e até ela sabia disso. — Foi a um dos locais mais altos da ilha e esperou. Naquela época, existiam muitos tipos de dragões...
— Que tipos? — Thor perguntou, arrumando a postura.
— Havia o Canção da Morte, Hideous Zippleback, Terror Noturno, Chicote-cortante, Skrill... — A cada espécie mencionada, os olhos dos irmãos brilhavam mais. — Mas o mais raro de todos era o Fúria da Noite.
— Foi esse que ele matou, não foi? — Thor perguntou, inclinando-se um pouco.
Loki franziu as sobrancelhas, parecendo um pouco incomodado.
Sim, havia sido esse, mas Hela não diria a verdade.
— Ele preparou sua invenção e atirou, atingindo-o. Viu-o cair mais longe do que esperava, virou-se para chamar alguém e deu de cara com outro, pronto para atacá-lo. Aparentemente, aquele era seu dia de sorte, pois seu pai surgiu e o salvou. O pai ficou furioso pela desobediência e não acreditou quando ele disse que tinha acertado um Fúria da Noite. Mandou que um de seus homens o levasse para casa, onde era seguro, e voltou à luta.
— Ele não fez nada? — Thor perguntou, fazendo bico. — Ele deveria.. — Parou de falar ao ver Hela observando-o, irritada por ter sido interrompida novamente. — Desculpe.
— Passou a noite, pensando sobre o que havia acontecido. Ele tinha acertado, disso tinha certeza. Então, ao raiar do dia, decidiu sair para procurar sozinho e provaria que estava certo. Saiu, tomando a direção que acreditava ser a certa, andou por horas, procurando qualquer sinal, e nada encontrou. Frustrado, chutou uma árvore e, por ser atrapalhado, acabou escorregando e caiu de um barranco. — Conforme contava a história, a sua magia se moldava, mostrando tudo de forma fascinante aos irmãos. — Ele levantou-se, atordoado, e olhou ao redor, percebendo árvores caídas, terra mexida... Finalmente, encontrara os rastros que estava procurando. Começou a segui-los, cauteloso, afinal, o dragão podia estar à espreita.
— À espeita? — Loki perguntou, curioso.
— Ele poderia estar escondido, esperando para atacá-lo — esclareceu.
— Ah!
— Dragões fazem isso? — Thor perguntou, um pouco desconfiado.
— Claro que fazem! Dragões são umas das criaturas mais inteligentes que existem! — respondeu. — De qualquer forma, ele aproximou-se com cautela e, alguns metros depois, o encontrou preso nas cordas que havia lançado na noite anterior.
— Ele moeu? — Loki perguntou com uma pontada de tristeza na voz.
— O viking pensou que sim, afinal, considerando a destruição ao redor, ele deveria ter morrido, enquanto tentava se soltar. Entretanto, dragões, além de inteligentes, são muito resistentes e fortes. Enquanto ele se aproximava para ter certeza de que estava morto, o Fúria da Noite se mexeu, fazendo-o recuar, assustado. Ele respirou fundo e pegou a faca que carregava. Deveria terminar o que começou, mas hesitou ao ver que o dragão o observava. Havia tanta inteligência naquele olhar! Ele soube, então, que não poderia matá-lo, por isso, cortou as cordas, soltando-o, e recuou.
— Ele atacou? — Thor perguntou, desviando o olhar da cena para olhar para a irmã.
— Sim. Ao perceber que estava solto, o Fúria da Noite levantou-se, furioso, e aproximou-se. Entretanto, não o feriu. Recuou e saiu, tentando alçar voo.
Um lindo dragão negro se formou, e eles o viram saltando. Soltaram exclamações de espanto.
— Apesar de assustado, o viking resolveu seguir o dragão, afinal, considerando tudo o que sabiam sobre os dragões, aquela atitude não fazia sentido. Aproximou-se do lago em que o dragão havia parado, aparentemente, desistindo de tentar voar, e ficou observando ao longe.
— Ele contou aos outros sobre o dragão? — Thor perguntou, alterando o olhar da imagem sendo reproduzida e a irmã.
— Ele refletiu bastante sobre isso e escolheu não contar ao perceber que o dragão estava ferido. Primeiro, porque se sentiu culpado pelo que tinha causado ao dragão e, segundo, por entender que ele não iria embora por causa desse ferimento. Ficou alguns dias observando ao longe, criando coragem para se aproximar e tentar ajudar.
Hela deixou que os irmãos absorvessem as imagens. Os olhos dos dois brilhavam.
— Hel... — Thor a chamou, uma pontada de ansiedade na voz. — O dragão vai morrer?
Observou bem o irmão e negou.
— O viking foi contra todas as suas crenças e ensinamentos ao decidir ajudá-lo. Aproximou-se do dragão com uma cesta cheia de peixes. Uma oferta de paz é sempre uma boa forma de começar, pensou.
— O que aconteceu? — Thor questionou, começando a dar sinais de cansaço. — Ele conseguiu ajudar o dragão?
— Enquanto o dragão comia, ele tratou as feridas o melhor que podia. Conforme os dias foram passando, foi conquistando sua confiança e, de alguma forma, também acabou sendo conquistado. Com a confiança, ele pôde se aproximar e analisar o que estava impedindo-o de voar. A calda tinha finalmente cicatrizado, e ele podia ver que faltava parte da membrana, o que ajudava no equilíbrio.
Os irmãos pareciam aliviados por saber que o dragão não morreria.
— Hel... — Loki chamou baixinho. — Ele vai pode voa de novo?
Olhou para o irmão que encarava o dragão, a cabeça um pouco baixa.
— Ele criou outra de suas invenções. Estava determinado a ajudar seu novo amigo — disse. Os dois puderam ver o viking se aproximar da cauda do dragão. — Esse aparelho ajudou o dragão a ter equilíbrio novamente. Em um primeiro momento, o dragão ficou desconfiado, afinal, esse tipo de aproximação era estranha. Ele conseguiu colocar a membrana substituta e a cela no dragão, que, no mesmo instante, entendeu o que acontecia. Ele se agitou, dando dois saltos, e começou a voar.
Hela ficou em silêncio. Os dois esfregaram os olhos, começando a lutar contra o sono, e sorriram ao ver o dragão voando e dando piruetas ao redor deles.
— O viking ficou assustado, no início, mas logo se acostumou com a sensação. Aproveitaram por um tempo, retornaram ao anoitecer. Os dois tinham realmente se afeiçoado um ao outro e, por isso, o dragão se escondeu o mais próximo possível da aldeia. Com o tempo, descobriu coisas sobre os dragões que ninguém sequer poderia imaginar! Conforme novos ataques aconteciam na aldeia, ele acabou se destacando ao espantá-los, o que surpreendeu seu pai, afinal, seu filho tinha ido de pior viking a quase um especialista em dragões. A única coisa que ele ainda não tinha feito era matar um. O pai, então, organizou uma iniciação para o filho. Eles capturaram um dragão e o prenderam. No dia seguinte, ele deveria matá-lo.
Thor voltou a esfregar os olhos, e Loki bocejou.
— Acho que, por hoje, chega — disse, puxou Loki para perto e o fez deitar.
Ele tentou protestar, mas parou ao bocejar novamente.
— Mas não estamos c-com... — Thor começou a falar, mas parou, imitando o irmão. — Não estamos com s-sono.
Hela revirou os olhos.
— Claro que não estão. É por isso que estão de olhos fechados! — disse. A luz que conjurou anteriormente se apagou. — Terminarei a história, outro dia...
Ele não respondeu, engatinhou até o travesseiro e se aconchegou. Hela tentou ficar o mais confortável possível.
— Hel?! — Thor chamou, a voz um pouco enrolada por causa do sono.
— O quê?
— Podemos ter um dragão? — perguntou.
— Não.
— Por quê?
— Porque não.
— Você tem um lobo gigante... — ele voltou a dizer, mexendo-se e ameaçando ficar agitado.
Hela o segurou.
— Amanhã, você conversa com a mãe sobre isso — disse, suspirando, irritada.
O irmão voltou a ficar em silêncio. Hela agradeceu mentalmente, voltando a fechar os olhos.
— Hel? Acha que ela vai deixar?
— Não sei — respondeu, segurando-se para não gritar. — Agora, dorme.
O silêncio voltou. Sentiu Loki abraçar seu braço direito e Thor se aproximar mais. Antes de, finalmente, voltar a dormir, ouviu o irmão resmungando:
— Hel, eu te amo.
Aos doze anos...
Hela terminou de separar os livros que a mãe tinha pedido, deixou-os no canto da mesa e levantou-se para sair da biblioteca. Deteve-se ao reconhecer Loki andando entre as estantes.
Seguiu-o discretamente e viu o irmão parar próximo aos livros de feitiçaria mais avançada. Loki empurrou uma das cadeiras da mesa próxima e se esticou para pegar um dos livros. A cadeira balançou um pouco. Hela deu um passo, preocupada, mas Loki foi mais ágil, pegou o livro e, com um pulo, deixou a cadeira cair com um baque surdo.
Deixou o livro no chão, pegou a cadeira, colocando-a no lugar, e voltou para perto do livro, olhando ao redor. Ao se certificar de que estava sozinho, pegou o livro e foi ao lugar mais escondido da biblioteca que encontrou. Hela continuou a segui-lo para ver o que ele faria.
Loki sentou-se no chão, as costas totalmente apoiadas na parede, e apoiou o livro nas pernas esticadas. Ela ficou observando o irmão lendo e murmurando algo baixinho por um tempo:
— Mas... — ele disse, franzindo as sobrancelhas, confuso. — Se colocar as runas dessa forma... Não deveria ser uma única runa? Mas, quando dito em voz alta, seria diferente.
— Depende do feitiço e do que pretende com ele — disse, aproximando-se e assustando Loki.
— Hel... Eu... — disse e fechou o livro, o rosto ficando um pouco vermelho. — Eu estava...
Cruzou os braços e deixou o irmão tentar encontrar uma desculpa. Por fim, ele suspirou e abaixou a cabeça.
— Desculpe — murmurou, sem encará-la.
Aproximou-se dele, devagar, e sentou-se ao seu lado, sem dizer nada.
— Pelo que está pedindo desculpas? — perguntou, pegando o livro e o folheando, sem pressa.
Loki pareceu confuso com a falta de reprimenda.
— Se está pedindo desculpas por desobedecer as regras e xeretar onde ainda não deve — continuou, sem olhá-lo nos olhos —, está desculpado. Agora, se está pedindo desculpas por buscar conhecimento, temo que não poderei te perdoar. Nunca peça desculpas por ser quem é, nem por querer saber mais. A curiosidade é uma ferramenta útil quando bem utilizada.
Ele concordou com um aceno, os olhos brilhando.
— Agora, diga-me o que exatamente está procurando e para que.
O sorriso que, raramente, via o irmão dar surgiu, e Hela pensou em como ele podia iluminar seu mundo.
Hela ouviu um barulho relativamente alto vindo do corredor, seguido de sons de briga, o que tirou sua concentração e a deixou realmente irritada. Saiu do quarto, pronta para gritar com quem estivesse fazendo tanto barulho. Encontrou Thor e Loki rolando pelo chão.
Thor realmente irritado, e Loki dividido entre ficar bravo e rir.
— O que estão fazendo? — perguntou, respirando fundo. Apesar de adorar os irmãos, eles pareciam gostar de testar sua paciência.
Os dois continuaram a discutir e a ignoraram completamente. Aproximou-se dos dois e os ergueu pelas camisas.
— O que vocês pensam que estão fazendo? — perguntou, alternando o olhar de um para o outro.
Os dois começaram a falar ao mesmo tempo. Só não voltaram a rolar pelo chão porque ela ainda os segurava pelos ombros.
— Chega! — interrompeu-os, irritada. — Um de cada vez.
— Loki começou! — Thor se adiantou, o rosto vermelho. — Criou uma ilusão para me enganar.
— Mentira! — Loki retrucou, cruzando os braços. — Eu estava brincando!
— Não estava, não!
— Estava, sim!
— Não estava!
— Sim, eu estava!
— Chega! — gritou, ainda mais irritada. — Loki, o que você fez?
— Ele se transformou em uma cobra e quase me matou de susto ao voltar ao normal.
— Você é quem tem problema e quis me abraçar. — Loki retrucou, emburrado. — Se fosse normal, teria ficado com medo.
— Você é quem tem problema.
— Não, é você quem tem! — Voltaram a discutir.
Hela pensou que a vida era mais fácil quando eles não falavam.
— Os dois, fiquem quietos! — disse, interrompendo novamente a discussão. — Preciso terminar de fazer minhas coisas e preciso de silêncio. Se querem continuar brigando, façam isso longe daqui.
Sem dizer mais nada, voltou ao quarto, trancou a porta, por precaução, e voltou ao que deveria estar fazendo.
— E por que, exatamente, você não disse para eles pararem de brigar? — Frigga perguntou, suspirando, ao pegar a xícara de chá.
— Eles precisam aprender a resolver suas diferenças sozinhos — respondeu, sem desviar os olhos do livro em seu colo —, e eu estava ocupada.
— Hela... — a mãe ameaçou começar um sermão, mas parou de falar quando Thor entrou feito um furacão.
— Achei você! — disse, sorrindo para a irmã. — Me ensina também?
— Ensinar o que? — perguntou, confusa, desistindo do livro.
— O truque que ensinou para o Loki — disse, andando de um lado ao outro. — Aquele da cobra...
Hela olhou para a mãe, que a observava, séria, como se soubesse exatamente o que ela vinha ensinando ao irmão mais novo.
— Irmãozinho, vamos conversar lá fora! — disse ao se levantar e puxá-lo para fora. — Primeira regra: nunca diga isso na frente da mãe ou do pai novamente. Segunda regra: se perguntarem, eu me neguei a ensinar vocês. Entendeu?
Thor concordou, um pouco confuso, mas feliz pela irmã aceitar ensiná-lo.
Thor suspirou, desanimado, ao tentar novamente criar uma ilusão e não conseguir absolutamente nada. Loki olhou para a irmã, uma pontada de preocupação nos olhos.
— É normal não conseguir nada nas primeiras vezes. — Hela disse, fechando o livro.
— Loki conseguiu fazer algo aos 6 anos e consegue transformar a si em outra pessoa ou criatura. — Thor respondeu, cabisbaixo.
— Nem sempre é igual para todos. Algumas pessoas aprendem com mais facilidade que outras em determinadas áreas.
— Você é melhor, lutando, que eu. — Loki disse. Hela percebeu que ele estava se esforçando para animar o irmão. — Eu sou péssimo lutando.
— Você não é tão ruim assim. — Thor retrucou, franzindo as sobrancelhas. — Só precisa treinar um pouco mais.
— Você também com as ilusões... Só precisa de mais tempo e treino. — Loki disse, sorrindo.
O loiro ficou encarando o chão por alguns instantes, então sorriu para os irmãos.
— É... — disse, devagar, ainda sorrindo. — Acho que não podemos ser bons em tudo, sempre.
Hela olhou para os irmãos e, mais que nunca, conseguiu ver que tipo de homens eles se tornariam.
Aos dezesseis anos...
Desviou de dois golpes seguidos, então acertou Thor no braço com o lado plano da espada.
— Atenção!
Voltaram a se afastar. Hela segurando uma espada de treino, e Thor uma lança. O irmão preferia lutar com o martelo, mas Hela sabia que era bom que ele soubesse manejar todos os tipos de armas possíveis.
Hela girou a espada e avançou pelo lado esquerdo. Thor bloqueou com mais dificuldade que o normal e a empurrou, fazendo-a recuar um passo. Percebeu a respiração acelerada do irmão, avançou novamente, antes que ele pudesse prever o que faria, desviou da lança e acertou o pulso do irmão com o cabo da espada, fazendo com que ele a soltasse.
Recuou, dando espaço para o irmão poder recuperar a lança. Fez sinal para Loki se juntar a eles.
O irmão aproximou-se com uma adaga e ficou em posição, esperando que Hela ou Thor fizessem o primeiro movimento. Thor respirou fundo, a respiração novamente sob controle, girou a lança e atacou Loki, que desviou com um pouco de dificuldade e tentou acertá-lo, simulando um golpe com o braço direito, e foi bloqueado. Loki, então, soltou a adaga e a pegou com a mão esquerda, e quase o atingiu.
Hela avançou, fazendo os dois se afastarem.
Tentou um ataque direto com a espada, Loki abaixou-se, e Thor bloqueou seu ataque, mas deixou a guarda parcialmente aberta. Hela aproveitou isso e o chutou na lateral do corpo, quase derrubando-o. Sem esperar que ele se recuperasse, deu uma rasteira e apontou a espada para seu pescoço.
Thor levantou, a frustração óbvia.
— Chega de treino, por hoje. — Hela disse, dando espaço para o irmão, tão frustrada quanto ele.
— Mas...
— Você não está concentrado o suficiente — interrompeu-o, virando-se para a entrada do pátio. — Amanhã, tentamos novamente
Thor passou por ela, irritado. Suspirou, cansada. O irmão andava distraído demais! No início, pensou que não era nada, mas, agora, além da distração, também havia irritação e mau humor. E ela não aguentaria mais uma das respostas malcriadas dele.
Loki passou por ela em silêncio, tentando não chamar a atenção para si, o que a fez ficar desconfiada.
— Loki! — chamou, estreitando os olhos quando ele hesitou.
— Sim? — disse ao se virar, um sorrisinho mal contido.
— O que aconteceu? — perguntou, sem rodeios, cruzando os braços.
Ele desviou o olhar por um momento.
— Sobre...? — perguntou, por fim.
Hela fechou os olhos, contando mentalmente até dez.
— Thor.
— Ah! — disse, o sorrisinho voltando. — Eu não tenho certeza, mas acho que...
Passos apressados o fizeram parar de falar, o que a deixou mais irritada.
— Altezas! — um guarda disse, fazendo uma reverência para eles. — Princesa, sua majestade solicita sua presença.
— Certo — disse e virou-se para Loki novamente. — Esta conversa não acabou.
Loki desviou o olhar e concordou.
Todos os sinais estavam ali: irritação; distração; até suspiros inesperados, mas Hela não conseguia entender qual era o problema do irmão.
Observou a mãe passando as lições do dia para ele e Loki. Assim que terminou, Frigga aproximou-se, sorrindo.
— Querida, está tudo bem?
— Sim — respondeu, desviando o olhar novamente para os irmãos —, eu acho.
Frigga acompanhou o olhar da filha e entendeu o que estava deixando-a inquieta.
— Você também notou — disse, ainda observando os dois lendo em silêncio.
Franzindo as sobrancelhas, Hela olhou para a mãe. Frigga fez sinal para que a seguisse. Pararam, próximas a uma janela, longe da sala onde os irmãos estavam.
— Reparou que Thor anda... — Frigga começou, procurando as melhores palavras. — Distraído? — Hela concordou com um aceno. — Suspeito que ele esteja apaixonado.
— Apaixonado? Notei que ele anda estranho. Hoje, enquanto treinávamos, ele estava sem um pingo de concentração. Não pensei que poderia ser isso.
— Não é algo fora do normal. Logo ele deve voltar ao que era. — Frigga disse, apoiando a mão em seu braço. — Na verdade, me surpreende não ter acontecido antes.
Frigga deixou Hela sozinha no meio do corredor, menos preocupada, claro, mas não menos curiosa. Ao se virar, viu Loki se esgueirando pelos corredores na direção oposta.
Seguiu o irmão silenciosamente até o jardim. Loki escolheu um banco mais afastado e sentou-se, abrindo o livro que estava carregando.
— Obrigada por facilitar minha vida! — disse, cruzando os braços. — Me poupou o trabalho de inventar uma desculpa para te liberar de suas funções.
Loki pareceu prender a respiração por um momento, então respirou fundo.
— Hel... — disse, virando-se para ela.
— Temos que terminar nossa conversa.
Loki assentiu e deu espaço para que Hela sentasse ao seu lado. Parou, pensativo, então soltou uma risada.
— Ele tomou um fora — disse, reprimindo outra risada. — A situação não é engraçada, mas...
— Mas?
— A forma como aconteceu foi um pouco. — Loki começou, ainda com o sorrisinho de mais cedo no rosto. — Ele ficou semanas tentando puxar conversa com uma plebeia e quase a convenceu, mas parece que ela o encontrou dizendo as mesmas coisas a outra garota. No fim, as duas resolveram que não iriam brigar por ele e o derrubaram dentro de uma fonte.
Ela soltou uma risada involuntária. O irmão andava realmente precisando de uma lição ou duas. Seu ego estava ficando insuportável! Até mesmo ela tinha que admitir!
Depois de pedir a um cavalariço que separasse três cavalos, esperou os irmãos do lado de fora dos estábulos.
Risadas altas chamaram sua atenção, mas foi o nome do irmão que a fez ir verificar. Reconheceu três cavalariços e, junto deles, duas garotas, todos rindo de algo.
— E vocês jogaram o príncipe dentro da fonte? — um deles perguntou, o medo na voz.
— Nós, não, a Gerda o empurrou — a morena disse. Apesar de ter rido, parecia um pouco desconfortável.
— Como se você não tivesse gostado de dar uma lição nele! — a ruiva retrucou, ainda sorrindo. — Só por ser um príncipe, acha que pode fazer o que quer. Bom, não conosco.
— Você deveria ter cuidado — um deles disse, sério. — Ele é o príncipe! Se ouvirem vocês falando dessa forma...
— Vão concordar comigo. — Gerda o interrompeu. — Mesmo quem gosta de sua alteza, tem que concordar que ele é arrogante e com mania de malandro.
— Agora, você está confundindo os irmãos. É o príncipe Loki que se acha o inteligente! — um deles disse, um sorrisinho debochado surgiu. — Com a pose de superior... Se ele soubesse metade do que falam pelas costas dele, não teria essa pose toda.
Hela cruzou os braços e esperou que um deles notasse sua presença. Apenas Gerda riu da imitação tosca do garoto, que paralisou ao se virar e ver Hela observando-os. Ele ficou pálido. Os outros curiosos também se viraram para ver o que tinha assustado o amigo. Nenhum deles conseguiu dizer nada ao ver Hela parada, de braços cruzados, esperando.
— A-Alteza... — o que os advertiu antes disse. — P-Precisa de alguma c-coisa?
Hela sorriu, o que fez os cinco recuarem, assustados.
— Na verdade, preciso — respondeu, ainda sorrindo.
Faz exatos 15 minutos que a mãe estava parada, apenas esperando uma confissão que não viria. Continuou a analisar o mapa de Alfheim, como se a mãe não estivesse pairando ao seu redor, esperando o melhor momento para arrancar a verdade.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, antes que a mãe começasse a fazer perguntas.
Frigga respirou fundo.
— Sabe o porquê estou aqui — a mãe disse.
— Desculpe, mas não. — Hela retrucou, voltando a olhar o mapa. — Até onde sei, a senhora é quem pode ver parte do futuro.
— Hela... — O tom na voz da mãe chamou sua atenção. — Por favor...
Encarou a mãe nos olhos por segundos. Desviou o olhar em seguida, antes que ela pudesse encontrar algo.
Os irmãos entraram, rindo, e pararam, cautelosos, ao sentir a tensão no ambiente.
— Aconteceu alguma coisa? — Loki perguntou, olhando da irmã para a mãe.
— Não.
— Sim — as duas responderam ao mesmo tempo.
Os dois trocaram olhares e voltaram a olhar para as duas, que se encaravam.
— Aparentemente, a irmã de vocês se esqueceu dos recentes acontecimentos. — Frigga disse. Apesar de preocupada, Hela também viu algo como compreensão nos olhos da mãe. — Uma moça chamada Gerda sumiu por quase um dia inteiro. Quando foi encontrada, estava murmurando algo sobre lobos, respeito e algo sobre acidentalmente cair do alto de Yggdrasil.
Loki ficou um pouco pálido e olhou de esguelha para o irmão, que pareceu surpreso no início, mas razoavelmente tranquilo ao absorver o que obviamente havia acontecido.
— E nossa mãe acredita que tenho algo a ver com esse... — Hela parou, escolhendo bem o que dizer: — Esse infeliz acontecimento.
— Eu gostaria de entender o que a levou a fazer algo como isso. — Frigga disse e suspirou, quase resignada.
— Então precisa encontrar quem fez isso com... — Hela parou, contendo um sorriso. — Com a pobre garota.
Afastou-se, finalmente, desistindo de fazer a filha falar. Parou, próxima à porta, e virou-se novamente, chamando a atenção dos filhos.
— De qualquer forma, não é mais um problema. Consegui que um mago apagasse as memórias da moça. Ela não se lembrará de nada que possa ter acontecido.
Frigga sorriu por, finalmente, ter alguma reação da filha, que, ao ouvir o que a mãe tinha feito, levantou a cabeça rapidamente, trincando os dentes, de raiva. Saiu da sala, sorrindo consigo, ouviu os filhos rindo da irmã e o som de algo batendo na parede e estourando.
Atualmente...
Hela sentiu a mobilidade retornando. Por um momento, estranhou, afinal, faz muito tempo desde que sentira algo. Respirou fundo e abriu os olhos. A única coisa que conseguia ver era escuridão para todos os lados. Sabia que algo havia acontecido com o pai. Apenas isso a libertaria de sua prisão.
Esticou o braço e tentou conjurar uma esfera de luz, mas nada aconteceu. Aparentemente, isso ainda não era possível.
Sentiu, aos poucos, sua força retornar. Sabia exatamente o que fazer quando estivesse finalmente livre. A única coisa que lamentaria seria não poder exterminar o pai e fazê-lo pagar por tudo o que fizera.
Tomaria seu trono de volta, governaria os 9 reinos e qualquer outro que existisse! Era seu direito, e ninguém poderia impedi-la!
Finalmente, um portal surgiu. Hela caminhou em sua direção. Sentiu o calor do sol e o vento, e respirou fundo, saboreando a sensação.
Dois homens a esperavam, vestidos como asgardianos.
— Deve ser Hela — o loiro disse, chamando sua atenção. Ele parecia familiar. — Sou Thor, filho de Odin.
A voz e a postura invocaram uma sensação de nostalgia, mas Hela a ignorou.
— Sério? Você não se parece com ele! — retrucou, sorrindo.
— Talvez possamos chegar a um acordo — o moreno disse, olhando de esguelha para o outro.
— Você fala como ele — disse, mas algo neles a incomodava.
Observou-os por um momento, e algo como uma lembrança veio à sua mente. Um garotinho loiro puxando-a pela mão até a mãe, que segurava um bebê, e vozes infantis chamando-a de Hel. Balançou a cabeça, tentando apagar isso da mente. Havia coisas mais importantes para se preocupar. Não deixaria nada impedi-la de conseguir o que era seu por direito, nem mesmo a lembrança de dois garotinhos.
Frigga balançou levemente a cabeça, llivrando-se da lembrança do que poderia acontecer. Graças aos seus esforços, tinha salvado sua primogênita. Sentiu orgulho da filha ao vê-la caminhando em direção ao trono. Hela não tinha apenas se tornado uma pessoa um pouco melhor, mudança essa que apenas um bom observador notaria, mas, ainda assim, uma mudança, como estava caminhando para ser uma grande rainha.
Viu Thor e Loki parados, próximos ao trono, um de cada lado, e sentiu ainda mais orgulho de sua família. Hela, para o choque dos conselheiros, escolheu os irmãos como seus generais. Thor seria o líder de seu exército em batalhas quando necessário, e Loki seria seu estrategista. Todos os conselheiros disseram que era loucura, que os dois eram jovens demais, mas, com a filha ameaçando cortar gargantas se continuassem a criticá-la, nenhum deles ousou continuar a reclamar. Suspirou. Esse era um dos aspectos da personalidade da filha que não mudaria ao longo do tempo.
Odin aproximou-se da filha. Hela ajoelhou-se.
— Hela, filha de Odin, primogênita e herdeira do trono... — Odin começou, um sorriso discreto surgindo. — Você se compromete com seu povo?
— Sim.
— Jura ser autêntica, sábia e fazer o melhor para o nosso reino?
— Eu juro.
— Hoje, eu, Odin, Pai de todos, te entrego o trono.
Um dos conselheiros aproximou-se com a coroa. Odin a pegou e a colocou sobre a cabeça da filha.
— Levante-se.
Hela levantou-se e subiu até o trono, então virou-se para o seu povo. Olhou para os irmãos, que a observavam, e sorriu para eles.
Frigga tinha um sorriso ainda maior ao ver como os laços de sua família estavam fortalecidos. Suas pequenas armações tinham dado certo, no final das contas. Frigga não se arrependia de ter armado tantos encontros acidentais e de incentivar os filhos a irem atrás da irmã. Desviou o olhar dos filhos e olhou para o marido, que se aproximava, o mais cético sobre seus planos.
— E pensar que quando eu propus essa ideia, você me olhou como se eu fosse louca... — Frigga disse, apertando sua mão. — Diga-me, então, já está tão louco quanto eu?
— Não deveria ter duvidado de sua sabedoria. — Odin respondeu, beijando sua mão. — Se nossa filha tiver herdado isso, estaremos bem.
— Ela herdou muito mais que isso.
Viraram-se para os filhos, que comemoravam. Dias gloriosos à espreita!
— Sabe, vou adorar te lembrar de que eu estava certa.
Odin sorriu ainda mais, concordando com um aceno, sem desviar o olhar dos filhos.
Fim
Nota da autora: Gostaria de agradecer se você leu minha one, eu amei escrevê-la.
E quero agradecer as meninas do grupo do wpp que me ajudaram tanto! E a Gabbe que foi maravilhosa e só ajudou e surtou a cada coisa que eu mandava pra ela por medo de não estar boa o suficiente!
Enfim.. Espero realmente que tenham gostado.
Qualquer erro nessa fanfic e reclamações somente no e-mail.
E quero agradecer as meninas do grupo do wpp que me ajudaram tanto! E a Gabbe que foi maravilhosa e só ajudou e surtou a cada coisa que eu mandava pra ela por medo de não estar boa o suficiente!
Enfim.. Espero realmente que tenham gostado.