Friends, Lovers or Nothing

Finalizada em: 27/04/2019

Capítulo Único

Friends
segurou com força a pasta cheia de documentos, submersa no mar de transeuntes, trabalhadores como ela, que corriam como podiam para fazer de seu parco tempo de almoço um milagre e conseguir realizar a façanha de almoçar algo além de um fast-food, que era a opção mais viável quando cada restaurante do bairro estava abarrotado com filas intermináveis e morosas.
Era aquilo ou se alimentar com lanches de procedência duvidosa preparados na rua, por vendedores ambulantes e ainda correr o risco de acabar com uma infecção alimentar, precisar se afastar do trabalho e acabar demitido.
Mas esse era um dia especial para a jovem mulher, hoje ela não se uniria às massas desesperançosas que se agrupavam para pedir o mesmo hambúrguer, com o mesmo sabor industrializado padronizado das redes de fast-food. Hoje, , técnica em transações imobiliárias, iria ter um almoço digno de um dia tão importante.
Por isso sorriu presunçosa quando passou pelo McDonalds onde almoçou pelos últimos três anos e seguiu o caminho para quatro blocos adiante, na pizzaria Giordano's, onde sua melhor amiga, termo brega que todos a sua volta tentavam impedi-la de usar porque era velha demais para essas coisas, a aguardava para almoçarem juntas.
E já a aguardava bem confortável em uma mesa para quatro pessoas, alheia ao alto burburinho de dezenas de vozes misturadas em conversações distintas, lendo em seu tablet com a pacificidade de quem estava sozinha no ambiente. A morena, vestida apenas em jeans e camisa branca, era o retrato da riqueza e nem ao menos se dava conta da aura de confiança que emanava de si.
- Por que você usa seu óculos assim? Parece uma idosa lendo romances picantes! - deixou a pasta sobre a mesa e puxou uma cadeira de frente para a outra, analisando curiosa a estranha combinação de uma jovem no auge dos seus vinte e seis aninhos usando um óculos na ponta do nariz.
- É porque me deixa com o ar mais intelectual e escritores tem que ser intelectuais, certo?. - deu de ombros, ostentando um meio sorrisinho esperto. Guardou o tablet, tirou o óculos de leitura e prestou atenção na garota do outro lado da mesa, tomada por uma felicidade leve que não lhe era característica.
- Na verdade só te faz parecer velha mesmo. - assinalou e olhou de um lado para o outro, faminta. - Você já pediu alguma coisa? Eu estou morrendo de fome.
- Eu pedi uma pizza média com dois sabores, não lembro quais, mas você pode pedir algum em especial, se quiser. A propósito, quanto tempo de almoço você tem hoje? - apoiou o cotovelo sobre a mesa, interessada naquele desvio de rotina tão incomum.
- Ah, tempo o suficiente. Eu precisava ir em três bancos para tentar resolver as situações dessa pasta cheia de problemas mas consegui solucionar tudo na primeira parada e me dei ao luxo de uma pausa de almoço mais tranquila. - contou com aquele brilho no olhar, a empolgação oculta superficialmente, com um sorriso sempre brincando em seus lábios.
- Meu deus, , você não consegue nem se conter de tanta expectativa! Quem diria que a promessa de um encontro faria o que eu, em anos de um esforço contínuo pela sua felicidade, não consegui. - se esforçou em ser implicante já que não sabia quando teria outra oportunidade.
- Ai, ele é maravilhoso! - suspirou completamente apaixonada, sem ligar por parecer boba com aquela feição sonhadora e os suspiros vindos de seu devaneio perfeito. - Eu consigo imaginar nossos filhos daqui há cinco anos, Miles e Ella Mckenzie, o Miles vai herdar a simpatia e bom humor do pai, e a Ella terá o charme dele. Nós vamos nos mudar para o subúrbio e eu vou ter sexo satisfatório para o resto da minha vida!
- Uau, você planejou muita coisa com alguém que demorou dois anos pra te chamar para sair. - piscou, aturdida. Como é que a amiga, com tamanha criatividade, nunca pensou em escrever uma história? Aquele tipo de plot alcançaria uma legião satisfatória de leitoras assíduas.
- Nosso amor foi impedido por um fator chamado ética profissional, . - justificou o retardo desse desenlace afetivo.
era um dos vinte e três corretores da companhia e quando chegou, foi imediatamente atraída pelo magnetismo pessoal do colega de trabalho, e ela soube que eles estavam destinados um para o outro.
Não era incomum naquele ramo encontrar homens charmosos, ou no mínimo simpáticos, já que a profissão requeria certa habilidade social para conseguir o mínimo de sucesso. Mas sempre foi algo além e simplesmente percebeu que aquele poderia muito bem ser o amor de sua vida.
Sua mãe sempre dizia que se apaixonar era uma decisão e por que não escolher um homem perfeito para ser sua grande paixão? Se não podia ter Idris Elba, devia ser o bastante.
- E agora, do nada, vocês decidiram jogar a ética profissional para o alto? - incitou a amiga a continuar seu monólogo sobre o homem de seus sonhos. Exceto que, na opinião da escritora, trabalhar com seu parceiro amoroso não poderia resultar em coisa boa.
- Quem sou eu para questionar os meios estranhos que o destino usa para unir duas pessoas? - deu de ombros, como se não houvesse nada que pudesse fazer.
- Boa pergunta… - acenou com a cabeça, preparada para continuar o interrogatório mas a chamada no painel de retirada de pedidos a alertou e ela checou sua nota fiscal. - Esse é o nosso número, vai lá buscar, por favor. - entregou a comanda à garota que chegou por último e pegou a nota sem muita vontade de fazê-lo.
Ela não queria sair da mesa, desejava permanecer ali pelo restante da tarde e continuar seu monólogo sobre e seu sorriso perfeito, os comentários engraçados, o olhar enviesado e seu cabelo volumoso.
Por isso sua ida ao balcão foi incrivelmente rápida e antes que tivesse a chance de checar seu telefone, estava de volta com uma bandeja grande, carregando a pizza fumegando e aquilo deu água na boca das duas garotas.
- Jesus, eu vou comer isso tudo sozinha. Desculpa, . - salivou, tomando as vezes e pegando o primeiro pedaço, desejando muito aquela explosão de sabores.
pegou uma fatia também e em certa parte entendeu o extravasamento da garota à sua frente mas não pôde evitar notar que ela parecia outro alguém, uma nova , uma apaixonada e cheia de esperanças.
- , eu não sei se você está só animada com esse encontro ou se bebeu antes de vir me ver.
- Qual foi a última vez que nós ficamos bêbadas antes do meio dia, hein? - coçou o pescoço, buscando a memória em algum lugar de seu subconsciente, todavia nada a impedia de mastigar enquanto pensava, e foi isto o que ela fez mas acabou se perdendo no sabor excepcional daquela pizza. - Não consigo mais lembrar…
- Pra você isso deve ter sido hoje mesmo, ao que parece. - provocou mas o tom jocoso logo foi substituído pelo tópico: planos para a tarde. - E você não respondeu quanto tempo tem livre. Eu ainda preciso procurar o presente do e talvez você pudesse me ajudar.
- Você quer a minha ajuda para encontrar um presente pro ? - parou com a mão que ia a caminho da boca, chocada.
Era isso, sua vida não fazia mais o menor sentido.
Primeiro, ela ia sair com o homem dos seus sonhos em algumas horas e agora pedia sua ajuda para encontrar um presente para . Aquele tipo de sinal do universo a deixava apreensiva, ela devia confessar.
- Aham, eu gostaria de falar que passei a manhã procurando mas não é verdade, eu acabei me enrolando em uma livraria e quando vi, já era hora de te encontrar. - encolheu os ombros, culpada.
- Por que você não dá uma camisa? É fácil de encontrar e todo mundo usa camisas. - sugeriu simplesmente porque todo mundo gosta de camisetas, seja para dormir ou caminhar num sábado a tarde, camisetas sempre vem a calhar e era algo que se encontrava em qualquer lojinha da cidade.
Uma solução rápida para um problema simples.
- Uma camisa, ? Uma camisa? Vai parecer muito impessoal. - odiou a ideia.
- Vocês são amigos, . Ele não vai chorar pelo resto da semana porque não ganhou flores e chocolates. - tocou a mão da amiga sobre a mesa, garantindo-a que tudo ficaria bem mesmo que seu tom de voz entregasse que ela achava aquele drama todo um pouco patético.
- Você não vai me ajudar? - a encarou com uma cara de dor e sofrimento.
- Nem que eu quisesse, querida. Você é quem conhece ele desde antes da puberdade. O que eu sei sobre o é o nome dele e que ele conhece alguns famosos por causa do trabalho, e o que se dá de presente para alguém que já conheceu a Jennifer Lawrence?
- Você é uma pessoa horrível.
- E você é muito otimista em achar que pode, de alguma maneira, superar a bênção de trocar uma palavra com a Jennifer Lawrence.
- Você vai contar pro como você é uma péssima amiga que se escusa de ajudar as pessoas que se importam com a felicidade?
- A única coisa que o vai saber sobre mim hoje é que eu sou o amor da vida dele. - apontou para o próprio rosto, sorrindo maniacamente.
- Hm, é bom que sejam mesmo. - bebericou seu refrigerante. - Porque se algo der errado, eu vou escrever um livro sobre vocês.
- Você não se atreveria! - arregalou os olhos, horrorizada com a mera suposição de um fracasso daquele grande momento.
- Você duvida? - arqueou a sobrancelha, desafiando-a.
- , você é louca, então eu não duvido da sua capacidade. Porém, eu espero que você esteja pensando desde já no seu discurso de madrinha porque nós vamos nos casar daqui há cinco anos. - encerrou o embate e meia hora depois a dupla ainda estava sentada no restaurante, debatendo sobre as minúcias da grande noite.
E voltou ao escritório pelo menos alguns quilos emocionais mais leve, incapaz de sorrir boba quando passou por sua sala apenas para checar se ela não havia mudado de ideia sobre fazê-lo o homem mais feliz da terra com aquela chance de algumas horas roubadas de seu tempo. Palavras exatas usadas pelo homem que andava sentindo-se leve e confiante desde que fez a tão ansiada proposta e obteve sucesso absoluto.


ooo


batucou os dedos, nervoso, aguardando enquanto digitava uma resposta à sua mensagem questionando-a se estava chegando. Apesar de alegar que temia que se atrasassem para a sessão, seu medo real era que desistisse dele e amanhã os dois teriam que se encontrar no trabalho e seria constrangedor.
Desde que começou a trabalhar, adotou uma política severa quanto a manutenção de relacionamentos dentro do ambiente de trabalho. Mas então foi contratada pela companhia e de repente sua regra parecia estúpida e sem sentido, e o passar dos meses convivendo com ela apenas corroboraram sua teoria de que a ideia de se manter afastado era péssima.
E essa batalha mental durou dois anos, dois longos e cansativos anos, vivendo com aquele medinho constante de que alguém agisse primeiro e ele perdesse para sempre a oportunidade de pelo menos um encontro com . Mas aparentemente todos os homens daquele andar eram tão burros como ele e num ímpeto de loucura, se viu na cozinha, tomando um café com a colega de trabalho e simplesmente mandou um "O que eu preciso fazer para conseguir sair com você?", e , em sua suprema perspicácia sorriu e disse que tudo o que ele precisava fazer era pedir.
Mais tarde ele entrou na sala dela e contou uma piada idiota antes de fazer o pedido e o jeito que riu de algo tão bobo fez concluir que ela não poderia ser nada menos do que o amor de sua vida, garantindo que ele passasse o resto da semana sorrindo com tanta frequência que seu maxilar começou a doer.
E se esse era o preço a pagar pela presença contagiante de , aceitaria as dores no maxilar para o resto da vida!
O homem certamente devia o sucesso dessa noite à , sua boa amiga que pacientemente implantou nele a coragem necessária para fazer o convite. E o bom dessa intervenção é que se não aparecesse, ele culparia a amiga para toda a eternidade.
Todavia a culpa ficaria para uma próxima vez porque um táxi parou em frente ao cinema e dele saiu ninguém mais, ninguém menos do que , totalmente diferente do vestuário social a qual ele estava acostumado a vê-la. E é claro, a primeira coisa que ele falou foi um comentário muito idiota:
- Você tem muita coragem de sair toda de branco pra comer. - brincou e se arrependeu imediatamente.
Ele devia elogiá-la e não chamar a garota de doida por causa de sua escolha de vestuário!
- Não me diga que nós vamos em algum desses lugares onde as pessoas comem com as mãos e essas coisas estranhas! - falou antes que analisasse que a situação ficaria complicada se acabassem a noite num lugar desses.
A expressão de decaiu:
- Eu não acredito que você não gosta de comer com a mão! Eu fiz essa reserva há semanas! - bagunçou o cabelo, desolado.
- Sério? - tocou seu braço, sentindo-se mal por estragar o que deveria ser o melhor momento de suas vidas. Porém essa culpa durou não mais que alguns segundos porque deu um sorrisinho surpreso e a tranquilizou:
- Não. Eu nem sabia que existe esse tipo de restaurante aqui em Chicago.
- Pois é, eu também não. Mas você falou de sujar roupa branca então eu pensei logo na ideia mais absurda.
- Ah, é que eu não tenho coragem de sair de branco por aí, eu não tenho a competência de sequer chegar ao destino limpo. - encolheu os ombros, compartilhando o fato bobo.
- Não pode ser tão difícil assim, . - cerrou os olhos, claramente tomando-o por exagerado.
E sua postura cética fazia sentido se considerassem que ele era um homem concorrendo para os trinta em alguns anos, com uma carreira estável e o mínimo de inteligência que se espera do homem médio.
- Querida, vamos considerar uma vitória se conseguirmos terminar essa noite sem que suje você. - se inclinou um pouco e falou baixo como se compartilhasse um segredo de Estado. - Agora, sobre o filme para hoje, eu vou confessar que fiquei tentado a comprar ingressos para um desenho em cartaz mas fiquei com medo de parecermos pervertidos…
- Você ia mesmo. - retrucou e arqueou a sobrancelha, ultrajado com a audácia dela.
Os dois entraram no prédio, passando pela bilheteria agitada e ele não deixou de dar algumas olhadinhas sutis para a fantástica garota ao seu lado, sorrindo sozinho ao se dar conta de que estava de fato em um cinema com , o que parecia surreal mas ao mesmo tempo muito doméstico.
- Então eu pensei que se escolhêssemos um filme ruim, a sessão vai estar vazia e nós ainda vamos poder dar sugestões de como melhorar a história sem que incomodar porque não ter ninguém com a gente. - comentou casualmente.
É claro que ao menor sinal de indecisão dela, ele compraria ingressos para um blockbuster qualquer e mudaria o programa. É só que era divertida e achou que seria mais divertido criar um segundo passatempo junto ao filme do que passarem duas horas em silêncio, ou pior ainda, conversando forçadamente enquanto estavam com vontade de prestar atenção na história.
Mas era maravilhosa e por isso, quando ela falou, ele a adorou ainda mais.
- Essa é uma ideia inteligente, . Espero que você tenha encontrado um filme horrível. - ela cruzou os dedos das mãos, torcendo pelo pior (que nesse caso seria o melhor).
- Ah, mas eu encontrei. - ele assegurou, orgulhoso de sua proeza. ia sair dali chorando com o quão ruim o filme era. - O pior filme do mundo.
- Ai, meu deus. Para de fazer suspense porque eu sou ótima em criar grandes expectativas em cima de coisas mínimas. - segurou o braço dele, apertando a carne embaixo das unhas, fingindo estar tomada por um misto de nervosismo e ansiedade.
A revelação chamou a atenção dele, que esqueceu momentaneamente do que estavam falando.
- Sério? Eu também sou assim! Toca aqui! - ergueu a mão ao alto, exigindo um high-five.
- Uhuul! - comemorou e bateu na mão dele. - Agora me fala, o que nós vamos ver? - ela pediu sem reparar em como os dois chamavam a atenção, rindo e falando alto em meio ao mar de crianças e pais, se divertindo como se fizessem parte daquela trupe que estava ali pelos desenhos.
Qual não foi o alívio dos pais quando eles passaram as salas onde ocorreriam as sessões infantis.
- Piranha 3D. - contou.
- Mentira! Isso ainda está em cartaz?
- Incrível, não é?
- Mal posso esperar para ter a melhor hora da minha vida. - mordeu o lábio, aguardando com ansiedade enquanto seu parceiro tirava os ingressos do bolso e os entregava à funcionária na porta.
- Okay, eu não sei mais se você está brincando ou falando sério. - segurou a mão dela quando entraram na sala escura, levando-os em direção ao assentos indicados.
- Eu amo filmes de terror ruins, . Milhares de famílias sofrem com essa doença que aflige o cidadão americano. - a garota cochichou, respeitando a regra do silêncio ali dentro. - Se você der uma boa olhada, vai perceber que só tem casais aqui dentro.
sentou e olhou ao redor sem discrição.
- Aparentemente nós não somos os únicos com intenção de ter uma sessão de filme comentada. - sorriu sacana.
- Se eu ouvir algum gemido, vou ligar o flash do meu celular e apontar para os pervertidos. - disse mas sorria, divertindo-se com aquilo.
- E então, você está com fome ou algo assim? - ele virou-se de maneira correta em seu assento. Aquela merda era apertada demais para suas pernas.
- Não, eu comi antes de te encontrar. Fiquei com medo de você me levar para um lugar ruim e não quis arriscar passar fome. - apoiou o cotovelo direito no encosto e descansou o queixo sobre a palma da mão. - Mas eu não recusaria uma pipoca amanteigada, e um pouco da doce, e chocolate.
- Refrigerante também? - ofereceu apenas para provocá-la.
- Ai, não sei. Vai que eu queira ir ao banheiro no meio do filme e perca algo importante? - ela prensou os lábios, preocupadíssima em perder um segundo sequer daquela obra de arte cinematográfica. E mediante tamanha cara de pau, o corretor gargalhou alto, encantado com a colega de trabalho.
- Não se preocupa, se isso acontecer, eu conto para você. - prometeu, solícito.
- Sendo assim, eu vou querer uma coca grande, por favor.
- Tudo bem, eu já volto! - ele avisou e desceu os degraus de dois em dois e saiu cantarolando em direção a lanchonete do cinema.
Em sua opinião, aquele encontro estava indo muito bem, estava confortável com como nunca havia ficado ao redor de outra garota com quem saíra e ela estava linda sem as roupas costumeiras de trabalho, uma pena que estragou a oportunidade de elogiá-la quando a viu pela primeira vez, mas fez uma nota mental para não deixar a noite acabar sem mencionar aquilo.
Mandou uma mensagem para mas ela não estava online, o que não foi uma surpresa já que ela estava em uma festa com e amigos. Mas pelo menos teria informações do sucesso da operação quando chegasse em casa!
- Boa noite. Duas cocas grandes, uma pipoca mista nesse balde gigante e quatro desses chocolates, por favor. - fez seu pedido e pagou, tomando o cuidado de pentear os cabelos para trás com os dedos mesmo enquanto aguardava. Honestamente esperava que gostasse de homens com cabelos mais compridos do que o usual porque senão, dificultaria um pouco o amor predestinado dos dois.
Foi um problema voltar com a comida, mas com jeitinho e paciência ele conseguiu voltar para dentro da sala sem derramar muita coisa, e a torcida de , que torceu por ele, garantindo que confiava em sua capacidade de chegar até ela intacto, foi de vital importância.
Duas horas depois, cada casal daquela sala de cinema odiava profundamente a dupla e ria sozinho a cada olhadela feia que recebia das pessoas que saíam da sala e o encontravam parado na área dos banheiros, com os braços cruzados, esperando esvaziar a bexiga pela quarta vez.
- Voltei! Acredita que tem duas garotas lá dentro reclamando "de um casal de idiotas" que não calou a boca durante o filme? - empurrou a franja para trás e passou as mãos na calça para garantir que estavam bem secas mesmo.
- Eu acredito porque estou sendo julgado com olhares por todo mundo que passa por aqui. Eles devem olhar pra gente e pensar "Ah, esses são os filhos da puta que atrapalharam meus planos"! - confidenciou, levando-os por entre os corredores mal iluminados para fora do prédio. - Então, está pronta para a parte dois do nosso encontro, ?
- Depende muito do que vai ser essa parte dois. - ela cerrou os olhos, simulando desconfiança quanto aos planos do colega de trabalho, como se até ali ele não tivesse cumprido com excelência a missão de fazê-la ter uma noite leve e divertida.
- Bom, eu fiz uma reserva num restaurante chique onde um prato custa no mínimo a metade dos nossos salários.
- Sério? - arregalou os olhos.
O desespero que lhe bateu foi real, a culpa por ter comido demais e agora mal podia andar ereta porque sua barriga pesava! E o pior de tudo: fez esse estrago enquanto havia reservado algo caro para eles!
- Não! - a tranquilizou, jogando a cabeça para trás e rindo alto ao ver sua expressão em pânico, normalizar. - Eu ia te levar para comer tacos mas se você estiver sem fome, nós podemos encerrar por hoje. - disse, mas não queria de jeito nenhum deixá-la ir, não agora quando eles estavam tendo momentos tão legais!
É verdade que normalmente precisava de metade daquele tempo para conseguir sexo em um encontro normal, mas não era normal porque a noite estava passando em um piscar de olhos e ele só queria mais e mais daquela conexão incrível, nunca saciado o bastante da presença entusiasmada dela.
E parecia compartilhar da mesma aura cúmplice porque não precisou pensar muito antes de impedi-lo de encerrar a noite e se despedir. A verdade é que ela ainda não havia sentido alguma coisa e só iria embora quando encontrasse aquela fagulha de amor/ paixão que jurou sentir por seu colega de trabalho.
- Ah não, tem uma sorveteria perto do prédio onde eu moro, nós podemos ir para lá porque eu acho que ainda cabe um pouco de sorvete nessa barriguinha sexy. - ofereceu, ainda que estivesse ciente de que amanhã os dois tinham trabalho.
- Meu deus, você é um buraco sem fundo. - deu uma risadinha aliviada - Vamos pedir um táxi então. - anunciou, dirigindo-se à beira da calçada para esticar o braço comprido quando visse um dos carros amarelos.
- Eu pensei que você veio dirigindo. - parou ao seu lado, enfiando as mãos nos bolsos de sua jaqueta jeans.
era alto e sempre estava arrebatador em roupas sociais de bom gosto e claramente sob medida, mas naquela noite estava casual, de calça jeans e camisa xadrez, parecendo um lenhador de livro de ficção e só ali fora a Srta. reparou que ele usava um relógio no pulso direito.
Ela pensou em comentar suas impressões sobre o estilo dele fora do trabalho mas calculou que já havia falado merda demais pela noite e aproveitou a deixa do táxi que acostou ao lado deles e ficou calada.
- Ah, não. Vai que nós acabássemos bebendo. - abriu a porta para e entrou em seguida, certificando-se de que fechou a porta corretamente enquanto sua acompanhante ditava o endereço ao motorista.
- Mas hoje é segunda-feira! - retomou a conversa.
- E? - ele arqueou as sobrancelhas, sorrindo convencido.
- E nós deveríamos procurar um bar agora. - ela concluiu, triste por não terem pensado nisso antes. Mal podia lidar com a decepção de toda a diversão perdida caso estivessem num bar desde o início da noite.
- Hoje não, . - balançou a cabeça e sorriu. - Não quero receber olhares assassinos amanhã porque vai estar com uma ressaca horrível.
- Ressaca? Isso é coisa de velho! Eu nem ao menos sei o que é uma ressaca!
- Você não me engana, querida.
- É a verdade. - deu de ombros, mentindo com categoria.
- Nós vamos ter que sair num fim de semana para eu confirmar essa sua história. - disse após um suspiro longo o bastante para mostrar sua descrença absoluta nas palavras de sua colega de trabalho.
- Vamos, e eu vou te ensinar como sobreviver a uma noitada sem acordar com vontade de morrer. - ela prometeu, atraindo a atenção do homem que deixou de olhar para a paisagem em movimento e a fitou.
- Então você já experimentou uma ressaca, afinal de contas… - arqueou uma sobrancelha.
- Claro, há uns dois anos atrás, quando eu tinha dezesseis anos.
- Quantos anos você tem realmente?
- Vinte e três é uma idade razoável?
- Eu acho que dependendo da boa vontade de quem te vê.
- Uau, isso é bom de ouvir. - ela falou para si mesma, dando-se conta de que fazia algum tempo desde que alguém acreditou que aparentava ser mais jovem do que o que realmente era.
A viagem até a sorveteria foi rápida demais para o casal que engatou uma conversa sobre suas famílias e até o destino designado, sabia que tinha dois irmãos adolescentes, gêmeos de dezessete anos, e que seus pais eram divorciados mas compartilhavam a educação dos adolescentes de maneira relativamente amigável, ela descobriu também que o homem tinha um cachorro, Benny, um Beagle de três anos que adorava as meias divertidas de seu dono e precisava de muita atividade física para exaurir sua incansável energia.
por sua vez descobriu que era filha única porém foi criada ao redor de muitos primos que serviram de influência para tudo de errado que ela fez durante a infância e adolescência em Sacramento, na Califórnia. E que esses mesmos primos não brincaram em serviço e agora ela tinha quase dez sobrinhos a quem ela adorava perseguir e encher o saco durante as reuniões de família.
Infelizmente, o tempo não foi o bastante para que compartilhassem tantas histórias e eles finalmente estacionaram em frente à pequena sorveteria na rua vazia.
- É aqui? - inclinou-se para enxergar através da janela e visualizar o estabelecimento.
- Aham. Pode deixar que eu pago a corrida, você já pagou tudo no cinema.
- Tudo bem. - ele concordou e desceu, aguardando que se juntasse a ele. - Eu acho que não vai ter ninguém além de nós aqui, hein.
- Que pena para a cidade, não sabe o que está perdendo! - deu de ombros. Empurrou a porta pesada e os dois sentaram na primeira mesa vazia, sendo abordados imediatamente por uma garçonete. - Oi, tudo bem? Eu vou querer um top sundae de baunilha com calda de caramelo e amendoins na cobertura, e uma água.
- Eu vou querer o mesmo, sem os amendoins, por favor. - pediu porque sentiu que deveria confiar em alguém que já chegava mandando o que queria assim, sem titubear.
- Sem os amendoins? - A garota empurrou os cabelos para atrás das orelhas e cruzou os braços sobre a mesa, curiosa com a subtração da cobertura crocante.
- Sem os amendoins. Eu tenho alergia a amendoins. - ele se inclinou para frente sobre a mesa, ficando próximo do rosto de . - Não, eu não vou morrer asfixiado se comer amendoim por acidente, nem ficar inchado ou manchado, na verdade só vou ficar com uma cólica intestinal horrível e amendoins nem são bons os suficiente para valer a pena esse desconforto.
- O que seria bom o suficiente pra valer uma dor de barriga? - cerrou os olhos.
reclinou-se na cadeira pequena e pensou no que valeria aquele desconforto incômodo de uma semaninha com dor de barriga. Chocolate, talvez… Cerveja, com certeza...
- Ahn, sexo, eu acho.
- Quem tem alergia a sexo, ? - gargalhou mediante a resposta boba.
A garçonete voltou com os sundaes e a conta, se ficou chocada com a pergunta absurda da cliente, não aparentou pois voltou para o caixa e continuou a usar o computador, claramente entediada com o desenrolar lento da noite.
- Eu fiz uma pesquisa e descobri que existe e atinge apenas mulheres… - se viu compartilhando mais daquela matéria estúpida que leu. Pouco a pouco estava estragando as chances de parecer charmoso para aquela mulher incrível mas não conseguia resistir à deliciosa experiência de vê-la maravilhar-se com suas excentricidades!
- Não acredito nisso. - balançou a cabeça.
Que tipo de mundo injusto era aquele onde apenas mulheres sofriam com uma alergia estúpida a sexo?
- Pois é, e não é alergia ao ato sexual em si, e sim ao esperma do homem. - complementou.
- De todos os homens? Ou um só?
- Como assim?
- A mulher fica com alergia a todos os tipos de sêmen ou só de um homem em especial?
- Não faço ideia, mas essa é uma pergunta válida.
- Isso é assunto para um livro. Imagina só um romance onde os personagens demoram mas finalmente conseguem ficar juntos e então descobrem que a garota tem alergia ao sêmen do amor da vida dela! - disse com os olhos arregalados de tanta animação com aquele plot louco. precisava saber daquilo!
- Deus me livre, isso parece um grande pesadelo!
- Nem me fale…
Dito isso, os dois se dedicaram a devorar a sobremesa com concentração e afinco, até que lembrou de uma ideia nonsense que de vez em quando pairava em sua cabeça:
- Você já teve aqueles momentos de adrenalina otimista? - ela largou a colherzinha descartável e apoiou os cotovelos sobre a mesa.
- Adrenalina otimista? - juntou as sobrancelhas, curioso.
- É! Quando você se sente capaz de conquistar o mundo, estabelece metas altas porque confia no seu potencial e acredita que vai conseguir?
Diante a explicação, ele lembrou de todas as vezes que tomou uma grande decisão para sua vida (como se inscrever para fazer serviço voluntário no Nepal ou mesmo juntar-se a uma sociedade de leitura) para desistir de tudo antes mesmo de começar.
É claro que sabia do que estava falando!
- Ahh, claro que sim. Os melhores vinte minutos do ano! - concordou entusiasmado.
- Exatamente! Meu deus, por que não é possível passar pelo menos uma semana nesse estado? Eu poderia fazer muito em uma semana!
- Porque nós provavelmente morreríamos de tanto trabalhar, eu acho. - ele deu de ombros e comeu mais uma colherada de sorvete antes de continuar: - Quando eu era menor achava que meu pai era viciado em trabalhar, mas na verdade ele só tinha contas para pagar.
- Quando eu era criança achava que era fisicamente impossível existir vida após os vinte e quatro anos, parecia loucura ter mesmo pessoas com vinte e cinco anos! Vinte e cinco era um número muito alto! - compartilhou a antiga lembrança e riu, maravilhada com o fato de que passou os vinte e quatro há dois anos e descobriu que havia sim, vida após os vinte e quatro anos, e era ótimo!
- Eu achava que existia uma transição da infância para a fase adulta e que eu me transformaria em alguém totalmente novo. - disse com um sorrisinho tímido. - Eu acreditei piamente que seria um príncipe.
- Se serve de consolo, eu achava que os adultos tinham solução para tudo mas aí virei adulta e descobri que na verdade nós fingimos entender a metade das coisas que acontecem. - ela sorriu também mas um bocejo interrompeu seu gesto de solidariedade.
- Eu acho que é hora de deixarmos você em casa e eu também vou antes que comece a passar mal de tanto comer e estrague a minha imagem de galã encantador e charmoso. - pegou a conta e viu o valor, tirando uma nota de vinte dólares e deixando sobre a mesa.
Os dois caminharam sem pressa até o grande prédio amarelo que estava há três quadras dali e as expectativas sobre o que aconteceria em seguida os deixavam ansiosos e agitados. Nenhum dos dois quis falar algo e acabar estragando a noite perfeita mas chegaram a casa de e o momento, o grande momento da noite, chegou.
- Então é aqui que você mora? - enfiou as mãos nos bolsos da calça e apontou com a cabeça para o prédio alto amarelo. É claro que iria morar num edifício tão chamativo, e ele adorou aquilo.
- Pois é, olhando pra esse rosto de realeza você nem faz ideia de que eu posso ser tão humilde. - virou-se para enxergar seu lar, podendo identificar a janela do seu pequeno apartamento lá em cima.
Ele riu e se aproximou um passo, mantendo-se na calçada, fora da escada.
- E se eu quiser fazer uma visita surpresa devo procurar qual apartamento? - questionou com um sorrisinho interessado.
- O dezenove. - ela respondeu sorrindo como uma idiota.
- Dezenove, certo. - tirou as mãos dos bolsos e se deu mais um passo, ficando colado ao corpo de . - E agora eu vou fazer o que estou desejando desde que te vi. - anunciou e segurou a mão dela junto à sua, brincando com os dedos magros, apreciando a simplicidade do singelo toque.
gostou da sensação de sua mão junto à de e gostou também de estar um degrau acima, podendo ficar face a face com ele e assim enxergá-lo no exato momento em que as borboletas em seu estômago se agitassem, como ela esperava que fosse acontecer.
Foi então que seus lábios se tocaram, tímidos e macios, e todas aquelas histórias de pernas bambas, corações acelerados e mãos suadas, e todos as reações físicas da química incontestável da paixão, se provaram ser a maior mentira de todos os tempos.
Porque estava beijando o cara que devia ser o amor de sua vida, pai dos seus filhos, seu homem, e não sentia absolutamente nada.
Abriu os olhos no meio do beijo para entender o que estava acontecendo com o universo e o fez só para descobrir que a encarava, igualmente desapontado.
Eles se afastaram, desconfortáveis, mas não soltou a mão de . Ele estava obstinado a tentar quantas vezes fosse necessário até sentir algo. Por isso, a beijou mais uma vez, sendo mais exigente agora, explorando a boca da garota com mais fervor e regalando-se com a entrega dela, que se esforçava com a mesma paixão.
Mas aí é que estava o problema, aquele momento não deveria ser resultado de um esforço. Ela era a mulher de sua vida, sua escolhida! Assim como o restante da noite, aquele pequeno momento no tempo deveria ser perfeito, mas por alguma razão, ele ainda era o mesmo . E isso o frustrava.
- , e-eu… - se afastou, desolada. - Ahn, a noite foi incrível, mas é melhor eu entrar. Até amanhã, boa noite! - ela abriu o portão e entrou, mas parou no meio do caminho e disse: - você quer que eu faça companhia até o táxi chegar?
- Não! Não, não. Não se preocupa. - tratou de tranquilizá-la, desesperado para ficar sozinho e pensar no que diabos acabou de acontecer ali.
E foi embora, em estado de choque, arrasada com aquele desfecho inesperado. era perfeito, charmoso, gentil, engraçado, inteligente. Qual era o seu problema por não sentir absolutamente nada quando foi beijada? O universo a odiava tanto assim? Qual o sentido de sua vida agora que o objeto de sua obsessão havia se transformado em uma desoladora decepção?
O que tornava tudo pior é que ela tinha quase certeza que sentiu tanto quanto ela e não conseguiu nem esconder o desapontamento.
Precisava falar com , mas como ela com certeza estava sendo a amiga perfeita para , sabia que não conseguiria contatá-la até o dia seguinte. Então escovou os dentes, colocou o pijama e dormiu apenas para sonhar a noite inteira com .


ooo


No dia seguinte, simplesmente sumiu no meio da manhã, desceu escondido para encontrar na cafeteria lá embaixo, no térreo. E ele normalmente executava essas fugas, sem peso na consciência, pelo simples prazer de um bate-papo no meio do expediente para ouvir as histórias absurdas que a amiga sempre trazia do consultório. Mas naquela manhã o encontro aconteceria exclusivamente por causa dele, e também.
- E então, como foi? - cruzou a perna direita sobre a esquerda e apoiou as mãos com delicadeza, aguardando até que o homem do outro lado da mesa estivesse pronto para falar.
- Uma merda. - balançou a cabeça, frustrado. Lembrar de suas próprias conclusões ao final da noite era irritante e as lembranças o faziam sentir-se estúpido.
A mulher pareceu analisar a curta resposta, procurando uma explicação mais eficiente nas entrelinhas. Afinal de contas, encheu o saco durante os últimos meses, buscando a coragem para convidar a grande para sair, e então seguiram-se sete longos dias de conversas inacabáveis sobre as expectativas dele sobre o evento e na véspera, lhe garantiu que era sua alma gêmea.
Todavia, os ombros caídos do homem a sua frente não condiziam com o estado de espírito de alguém que experienciou o fenomenal encontro de dois astros que se colidem em uma explosão de sensações inebriantes.
E os desdobramentos que os levaram até ali eram no mínimo interessantes.
- Foi tudo uma grande merda, ! - tamborilou os dedos nervosamente ao lado de sua xícara de café. Em uma hora tinha um encontro com um cliente importante mas isto não o atormentava a metade do que a questão com fazia. - Eu me senti sexualmente atraído por ela como eu me sinto por você! Você! - apontou para a amiga, absolutamente desgostoso.
- Se você puder colocar as coisas de uma maneira que não pareça que sou tão indesejável, eu ficaria grata. - pediu secamente apesar de não parecer ofendida com a afirmação dele.
- Não é como se isto fosse uma coisa ruim no nosso caso. Nós não conseguiríamos ser amigos caso eu te desejasse, não é? - sorriu, dando o exato tipo de sorriso que fazia a população solteira de Chicago estremecer.
- Eu vou me abster de uma resposta para não magoar seu ego. Fale mais sobre ontem.
- Metade da beleza da é a personalidade dela. Ela é perfeita, divertida, inteligente, engraçada, eu ri tanto que minha barriga começou a doer e a noite toda foi incrível mas estava faltando algo...
perdeu-se em suas próprias palavras, relembrando os momentos agradáveis que viveu na noite passada, buscando compreender o que deixou de fazer para que a faísca da atração acendesse entre eles.
Porque se não era a mulher da sua vida, ele morreria sozinho já que ela elevou seus padrões e praticamente o tornou impossível para qualquer outra mulher.
- Nós definitivamente temos uma conexão, isso é inquestionável. - assegurou, tentando se convencer que não estivera errado.
- , você já considerou que não é porque você tem uma conexão com uma pessoa que necessariamente vocês têm que ser compatíveis sexualmente? - inclinou levemente a cabeça para o lado, refletindo em um possível diagnóstico dos eventos narrados.
- O quê? Do que você está falando, ? - cerrou os olhos, confuso. - Às vezes parece que você esquece que está falando comigo e não com um dos seus pacientes.
respirou fundo, preparando-se para falar a verdade que via naquele quadro, sabendo que o amigo não ia gostar do que ouviria.
- Eu sei muito bem com quem estou falando, . Você tem essa tendência de perder seu juízo imparcial quando fica obcecado com algo ou alguém e frequentemente se frustra com suas expectativas impossíveis de serem supridas.
- Para de me analisar. - ele se incomodou com as palavras de e não foi por causa de sua dureza e sim pela verdade ali contida. - Como você se sentiria se toda vez que eu entrasse no seu apartamento começasse a valorar os cômodos? - contra-atacou, sorrindo vitorioso com a volta por cima.
- Ah, mas você faz isso, a diferença é que você não diz em voz alta. - pontuou, terminando o último gole de seu café morno.
- Até porque o me condenaria com aquele olhar superior dele. - se espreguiçou, esticando os membros longos para alongá-los.
- O meu ponto sobre tudo isso é que talvez você tenha se equivocado sobre seus sentimentos pela , o que é bom se você lembrar da política de relacionamentos entre colegas de trabalho.
- Eu não acredito em você. - ele retrucou infantilmente.
- Tudo bem. - sorriu.
- Por isso nós vamos sair novamente. - anunciou do nada, inclinando-se para frente enquanto ostentava um olhar animado tanto porque teria uma segunda chance mas também porque sua querida amiga definitivamente não esperava por essa. - Hoje.
- Ai,
- Eu passei na sala dela antes de descer pra te encontrar, e dessa vez ela quem vai montar o programa. - ele contou, colocando na boca as últimas migalhas de seu croissant.
- Eu realmente gostaria de conhecer essa . Você está louco demais pra eu poder fazer uma análise precisa do que está acontecendo. - confessou seu desejo de conhecer o outro lado dessa história louca.
- Você vai poder fazer isto quando nós oficializarmos as coisas. - lhe assegurou. - Aposto que você vai ficar louca com as ideias dela - riu sozinho ao lembrar do tipo de respostas que daria em uma conversa daquelas.
- Eu não duvido disso…
- Agora me diz o que aconteceu ontem. O realmente comprou um presente de merda? - ele perguntou, apoiando o cotovelo sobre a mesa e preparando-se para uma longa história, mas felizmente, minutos depois já estava completamente submerso em suas indagações sobre o que diabos planejaria para aquela noite.

Enquanto sofria lá embaixo, na cafeteria. tinha um acesso de ansiedade ao telefone, parcialmente irritada com por não se dar ao trabalho de dar uma passadinha lá para conversarem e para que pudesse tirar de seu peito a angústia dos eventos da noite passada.
Mas se não se veriam até o dia seguinte, pelo menos, a ligação teria de bastar para que ao menos desabafasse sobre o fracasso épico do encontro de almas que tanto almejou. Infelizmente, o monólogo já começou mal porque tinha muito a dizer sobre o aniversário de , sobre , sobre o presente que comprou para e uma lista infinita de coisas engraçadas relacionadas a .
- , já chega. Eu não aguento mais ouvir nada relacionado ao ! - interrompeu a história chata da amiga sem fazer muita cerimônia.
- Desculpa, é que foi muito divertido. Você deveria ter vindo. - deu um sorrisinho do outro lado da linha.
- Qual a parte de estar em um encontro com o futuro pai dos meus filhos você não ouviu ontem? Até parece que eu ia trocar esse acontecimento histórico por uma noite de karaoke com você e o Sam…
- Meu deus, quando você fala assim, parece que nós somos horríveis.
- E não são? - arqueou uma sobrancelha, encarando-se no vidro da janela. Uma dúvida surgiu: ela sempre ficava charmosa daquele jeito quando arqueava a sobrancelha?
- Como foi o encontro, ? - resgatou o tópico que motivou aquela ligação. Deus sabe que ela deveria estar escrevendo, produzindo conteúdo, mas as histórias de eram tão mais divertidas...
- Uma grande merda. As coisas não podiam dar mais errado!
- Como assim? O que aconteceu? Como você não me contou antes? O que esse cara fez?
- Ele me beijou.
- E era isso que você queria, certo? - a escritora questionou cautelosa.
- Sim! Mas quando ele me beijou foi… normal! - sentou na cadeira giratória e deu um pequeno impulso com os pés para começar a girar.
- Do que você está falando, ? O que você esperava de um beijo? Fogos de artifício?
- Desse beijo, sim! - ela ergueu em um só impulso e foi até a janela que dava acesso ao restante do escritório, olhando através da fresta da cortina, a procura de . - Qual é, , ele devia ser minha alma gêmea! Como diabos eu posso ser alma gêmea de alguém que nunca vai me fazer sentir borboletas no estômago quando me beijar?
- Sabe, , eu andei pensando bastante naquela teoria de conhecer a pessoa certa no momento errado…
- Desde quando você decidiu começar a pensar? - retrucou apenas para provocar , infelizmente a amiga não caiu na sua lábia e continuou a falar sério:
- Eu estou falando sério! Além do mais, eu acredito que almas gêmeas tem a ver com almas que se conectam, através não só de amor mas de amizades para a vida inteira!
- Nossa, como você soou apaixonadinha. - revirou os olhos e soltou o ar pelo lábios, dramática como só ela poderia ser.
- O que eu estou dizendo é que talvez você colocou muita expectativa em cima e arruinou a magia do momento. - estava se esforçando muito para soar razoável, até parece que esquecera que conversas sérias e não eram dois elementos que combinavam.
- Você pode ter razão… - coçou a cabeça, soando pensativa. - E pra consertar esse mal entendido, nós vamos sair hoje de novo!
- Ai, meu deus… - pulou no sofá, chocada. - O que diabos vocês vão tentar dessa vez? Não há muito que se possa fazer depois de um encontro super romântico.
- Existe uma coisa…
- Ah, não! Isso é golpe sujo, ! Você não pode simplesmente enganar o destino com sexo!
- Não é enganar, nós só vamos dar uma ajudinha! - riu, adorando a discussão boba. precisava ouvir aquilo!
- Pelo amor de deus, você é inacreditável, viu.
- O plano vai ser simples: nós vamos para minha casa, eu vou exibir meus dotes culinários, que são uma merda, e então vou fazer o sacrifício de me oferecer em troca da frustração do jantar.
- Isto não me parece nada simples se nós considerarmos que vocês não aguentam nem beijar. - a lembrou.
- Eu poderia discutir isso mas preciso terminar meu trabalho e ir pra casa me depilar e hidratar o cabelo, amanhã eu vou te mandar uma mensagem compartilhando o sucesso da operação.
- Eu acho incrível como o maior encontro romântico desse século se tornou facilmente uma operação…
A sentença não foi terminada porque já havia encerrado a ligação, retornando ao seu trono enquanto sorria maligna diante o leque de planos sórdidos que sua cabeça transviada maquinava para aquela noite.

Quando saiu do elevador, no andar indicado na mensagem de , a anfitriã o aguardava na porta, de pés descalços e um aventalzinho amarelo amarrado na cintura, parecendo uma dona de casa que esperava o marido após o dia de trabalho. E foi exatamente isso o que ele comentou:
- Você está parecendo uma dona de casa que está esperando o marido voltar do trabalho. - ergueu o vinho que comprou para eles, para saber se ela aprovava.
- Se esse é o caso, você é o melhor marido do mundo. - tomou o presente e entrou com em seu encalço.
O apartamento estava reluzindo, pelo menos a sala e a cozinha, até onde o rapaz conseguia ver, e se sentiu imediatamente em casa. Tudo bem que se ele decidisse tirar um cochilo, poderia se sentir em casa até mesmo em um estádio lotado em uma final, mas definitivamente gostou daquele apartamento.
- Uau, que cheiro é esse? - ele não pode evitar questionar o que diabos estava acontecendo naquele apartamento. A garota estava cozinhando ratos? Com água do próprio esgoto?
- Ah, esse é o cheiro do nosso jantar! - explicou enquanto cuidava do molho na panela. Ela teve algum problema em lidar com o peixe e tinha certeza que o cheiro ficaria preso ali por pelo menos uma semana. Mas, desde que pudesse ignorar o fedor, ela também poderia fazê-lo.
- Você está brincando? - ele sorriu, incrédulo sobre aquilo ser mesmo o jantar deles.
- Não, eu mesma quem fiz. - a garota sorriu largo, como se não estivesse com a coisa mais fedida do mundo sendo preparada em suas panelas que quase nunca eram usadas.
- Eu não vou mentir só pra agradar, querida. Se estiver ruim, é melhor nós começarmos a beber logo pra não haver sofrimento. - avisou, sentando num dos banquinhos do balcão que dividia a cozinha da sala de jantar e sala de estar.
- Para de ser ruim! - reclamou (comemorando internamente o sucesso prévio de suas intenções) - Eu estou cozinhando pra você! - ela se inclinou sobre o celular para acompanhar em que passo da receita estava.
- O que é isso, ? - o corretor perguntou entre risos porque estava começando a ficar nervoso com o rumo daquela noite. Ele não ia comer aquela merda.
- Salmão com alho poró e cream cheese.
- Soa como algo horrível. - fez uma caretinha, graças ao seu paladar infantil que desprezou o nome chique. Mal sabia ele que tinha o mesmo pensamento sobre refeições de adultos, ela era muito mais a favor de hambúrgueres e fritas. - Nós podemos colocar uma música?
- Você vai ter a coragem de compartilhar sua playlist comigo? - deixou o queixo cair, fingindo estar abismada com tal ideia.
- Devemos ouvir a sua? - o homem levantou para alcançar o controle da TV e esticou o tronco para poder enxergar trabalhando na cozinha.
- Não! , playlists são pessoais, os diários dos adultos. Seus piores segredos podem estar escondidos na sua playlist.
Ela não via problema em compartilhar suas músicas mas tinha certeza de que os dois dariam boas risadas por causa do conteúdo duvidoso que colecionava ali, afinal de contas, ninguém jamais saberia que na calada da noite ela se emocionava com I Have a Dream, do Abba ou que treinava o balanço do quadril com Stayin' Alive e agora já conseguia fazê-lo no ritmo dos "Ah, ha, ha,ha".
- E na minha playlist realmente tem algumas escolhas duvidosas… - comentou distante, com medo do que o mundo pensaria de sua pessoa se vissem aquelas músicas. - É, eu acho melhor nós ouvirmos uma playlist do youtube, aleatória, para evitar constrangimentos. - concluiu e fechou o aplicativo de música.
- Ah, não! Coloca a sua playlist, deixa de ser bobo! - o incentivou a se libertar, a passar vergonha, compartilhar seus segredinhos sujos, e o seu tom de voz simpático deixavam bem óbvio que ela adoraria se escandalizar com aquelas mais cafonas e inesperadas.
- Eu vou por Bruno, assim todo mundo fica feliz. - disse com um sorrisinho, iniciando a transmissão via YouTube de um vídeo de quarenta minutos com o "melhor" de Bruno Mars.
Ele voltou até a cozinha para pegar o isqueiro e acender o par de velas na mesa posta e o encarava com os braços cruzados, segurando uma colher de pau:
- Estou começando a achar que você me deseja, . - ela cerrou os olhos, gracejando com a letra ridiculamente sexy de Locked Out of Heaven que declamava as proezas sexuais da amante do cantor.
- E eu achei que tinha deixado isso bem claro. - falou baixo, agravando ainda mais sua voz, esforçando para ser super sexy mas então os dois caíram em uma gargalhada.
A próxima hora foi o mais perto que os dois tiveram do paraíso porque a conversa foi idiota e engraçada como ambos adoravam e a garrafa de vinho só aflorou ainda mais a emoção e paixão com que eles discutiram vários temas, com direito a vozes altas e calorosos debates quando discordavam em algum tópico, por mais bobo que fosse, como por exemplo o direito de expressão dos veganos e o limite daquela acusação contínua aos amigos que comem produtos de origem animal.
É claro que eles também tiveram a conversa do século sobre o que eles poderiam ter feito para tornar aquele prato bom e concluíram que não fazê-lo e encomendar uma pizza era a melhor decisão.
foi o primeiro a levantar-se e levar a louça para a pia, sendo seguido por que decidiu jogar o restante do jantar no lixo, fazendo um favor para a humanidade. O homem procurou pelos utensílios de limpeza e a anfitriã não titubeou ao entregá-lo a esponja e o detergente.
- Você não está tentando parecer educado esperando que eu te impeça de lavar a louça, não é? - indagou arqueando as sobrancelhas ao assistí-lo girar o registro da torneira para molhar a esponja e fazer com que muita espuma saísse dali.
gargalhou, voltando o rosto para a colega de trabalho que abria uma gaveta para pegar um pano de prato branquinho e secar os pratos que eram colocados no seca louças metodicamente.
- Porque eu odeio trabalhos domésticos e como você se ofereceu para me salvar desse martírio, vou permitir que você continue. - informou, colocando os pratos já limpos em cima do balcão para posteriormente guardá-los o armário.
- Na verdade eu só queria parecer educado mesmo, mas eu te ajudo com essa. - piscou para a moça que guardava os talheres em uma gaveta do lado dele.
não levou muito tempo para finalizar seu serviço e logo o casal se dirigiu para o sofá, cada um com uma taça de vinho, que foi repousada na mesa de centro próxima a garrafa pela metade
- Então você odeia trabalho doméstico? - o rapaz falou e a viu acenar positivamente enquanto procurava por alguma música dentre as que apareciam como sugestão na tela de sua TV. - Então me diz o que é pior, limpar a casa toda por uma semana ou ser atacada por um urso pardo?
- Uhm… - descansou as costas no encosto do sofá e ao virar o rosto para seus cabelos deslizaram por seu ombro e seu perfume de coco inundou o olfato do corretor que sorriu e aproximou-se dela instintivamente. - Depende. - disse calculista - Quando você diz limpeza, você quer dizer pacote completo? Janelas, lavar cortinas, mover móveis?
- Sim.
- O quão grande é esse urso? - cerrou os olhos, caindo na risada ao ouvir o riso melódico de que colocou a mão na barriga que já doía devido as graças de sua acompanhante.
- Não acredito que você está cogitando a morte!
- Responde, !
- Muito grande. Imenso! E não tem garras e dentes, então o processo seria muito mais longo.
- Nossa, você apelou demais!
- Estou aqui para isso. - pegou sua taça na mesa de centro, tomando um pouco de seu vinho e ao recostar sua costas no sofá, passou a ponta da língua pelos próprios lábios, sentindo ali o resquício do sabor doce da bebida.
abaixou o rosto, fingindo que não prestava atenção a cada movimento do rapaz e que seus olhos estavam presos nos lábios convidativos dele.
- Já que você acabou com meus planos, eu vou ceder a limpar a casa por uma semana. - bufou fingindo irritação e colocou os pés sobre o assento do sofá, sorrindo sozinha ao perceber que apesar de aquela ser apenas a segunda vez que saia com , já haviam angariado conforto um ao lado do outro.
notou que um clipe antigo da Miley Cyrus passava em sua TV e voltou-se para para fazer um comentário que provavelmente o faria rir, todavia não disse nada ao notar que o rapaz já a mirava.
- O que foi? - indagou, franzindo o cenho tentando não transparecer o constrangimento por já estar sendo observada.
- Você estava sorrindo sozinha. - respondeu, aproximando o rosto do dela. - Eu gosto do seu sorriso. - confirmou com a cabeça, beijando a bochecha da moça que abriu um sorriso ainda maior que o anterior e inclinou-se beijando os lábios que havia conhecido na noite anterior.
E mais uma vez não sentiu as estúpidas borboletas voando, ou um sopro mágico na espinha e quando as mãos dele foram para sua coxa e cintura seus poros não se dilataram, ao sentir os dedos de pressionar sua pele uma corrente elétrica não a incendiou. Mas não desistiria facilmente e tomou impulso sentando no colo do homem, com uma perna de cada lado de seu corpo.
pressionou o quadril da moça contra o seu e decepcionado constatou que o desejo que o tomava não possuía a intensidade esperada. era uma moça linda, inteligente, divertida, sexy e suas mãos travessas, percorrendo o tronco do homem em direção a seu abdômen não o deixavam sem fôlego.
cortou o beijo, mirando-o pensativa, tentando analisar a situação e entender o que havia de errado com ela. Seu cenho cerrado e sobrancelhas juntas alarmaram que endireitou a postura, retirando as próprias mãos de cima da mulher.
- Tem algo errado? - ele perguntou, mesmo que entendesse que tudo ali estava errado e aquela palavras brilhava como um letreiro em vermelho neon a sua frente.
- Não…? - respondeu incerta, cruzando os braços.
- Tem certeza? - sorriu sem jeito pois a decepção na expressão de era visível e frustrante.
- , você é incrível! - falava irritada como se odiasse estar sentada no colo daquele homem charmoso - Você é inteligente e divertido e eu me sinto confortável quando estamos juntos, você também se sente assim?
- Neste exato momento não - cruzou os braços frente ao peito, não apreciando o fato de sentir- se exposto - , mas no geral… E-Eu entendi o que você quis dizer. - rolou os olhos, vendo-a passar as mãos pelo rosto.
- E você também sente que quando nos beijamos parece um pouco…
- Esquisito? - arriscou a primeira palavra que apareceu em sua mente, logo arqueando uma sobracelhas percebendo que poderia magoá-la - Sem ofensas.
- Não se preocupe, porque é exatamente isso que eu sinto! - bufou desapontada.
coçou a nuca, sentindo-se mal pois apesar de não achar que era a razão da decepção de , entendia o que ela queria dizer. Também havia colocado grandes expectativas em cima daquela interação e a cada minuto que passavam juntos, a cada vez que ela o fazia rir com um comentário irreverente ou rolava os olhos diante de alguma das piadas dele, o rapaz sentia o desejo de explorar ainda mais aquela relação, que apesar de soar perfeita não possuía magia alguma.
Havia se desenvolvido como uma grande árvore, sua copa já alcançava o céu e suas raízes cravadas na terra eram estáveis e seguras, no entanto não possuía nenhuma flor, não daria nenhum fruto. Não aquele que ambos esperavam!
- Talvez - disse tentando animá-la - só estamos cansados, afinal hoje é terça e trabalhamos bastante.
- Talvez. - deu de ombros, não satisfeita.
- Pode ser o vinho também. - sua voz grave ecoou pela sala, sendo a causa do sorriso de .
- Essa é uma ideia inteligente, - inclinou a cabeça para lado, ignorando o fato de sentir-se estranha por ainda estar no colo dele.
inclinou-se para frente beijando os lábios da moça que apesar de terem o sabor de favos de mel não adoçavam sua língua.
Farta de se frustrar com a estúpida magia que não acontecia nunca, decidiu acelerar um pouco as coisas e suas mãos foram até a barra da blusa do homem que afastou-se do encosto do sofá para que ela a retirasse, todavia assim a moça puxou a camiseta, tentou ajudá-la e o dedo de foi parar dentro de seu olho.
- Meu deus, me desculpa! - pulou do colo de , tentando mirar o estrago que havia feito, tentando descobrir se havia o cegado, todavia o rapaz estava com a mão frente ao rosto.
- Tudo bem. Eu estou bem. - dizia piscando excessivamente, tentando abrir o olho esquerdo que clamava por ficar fechado e não ser invadido por luz e qualquer outro objeto estranho. - Eu estou bem.
- Meu deus, isso é um desastre! - enterrou o rosto nas próprias mãos, mortificada.
- Não se preocupa. - tocou o pulso da mulher, tentando fazê-la mira-lo - Eu estou bem, olha. - sorriu forçado com a pálpebra esquerda não completamente aberta e o olho avermelhado.
- Você está péssimo! Seu olho está péssimo.
- Claro que não. Ele só está feliz por ver você! - arriscou o primeiro argumento que cruzou a sua mente. - Vem, sobe aqui de novo. - chamou-a indicando seu colo e fez uma careta, negando com cabeça.
- Acho melhor tentarmos de outra forma. - ajoelhou-se sobre o assento do sofá, arqueando as sobrancelhas - O que você acha?
- Boa ideia.
Aproximou-se da moça, desconfortável, decidindo a melhor forma de beija-la, inclinando a cabeça de um lado para o outro, assistindo-a inclinar-se a ele e recuar, também esforçando-se para desvendar aquela incógnita.
-Oh, o que você acha de eu tirar minha blusa antes?! - apontou para si, sorrindo empolgada e suspirou alto, abanando a mão no ar, incentivando-a continuar.
- Bonito sutiã. - o rapaz arqueou as sobrancelhas diante da elegante lingerie verde escuro que destacava os olhos da mulher que sorriu orgulhosa - Verde é a sua cor.
- Eu sei! - ela deixou o queixo cair diante do elogio, pois vivia repetindo aquilo a , que nunca a dava ouvidos! - Eu não estou incrível?! - ficou de pé sobre o sofá, jogando os cabelos de um lado para o outro, excêntrica e animada, sentindo-se musa de um comercial de lingerie.
- Com certeza. - ria.
- Sabe qual é a melhor parte? - sentou-se em pulo, já não se lembrando mais do desconforto da situação anterior. - A calcinha é conjunto. - aproximou-se do ouvido de , cochichando seu segredo e sorriu ao ouvir a risada contagiante dele - Mas você precisa merecer chegar nessa parte! Então, vamos trabalhar! - bateu uma palma, confiante que sua história de amor finalmente iria começar.
- Você é incrível, !
- Obrigada, . - colocou a mão sobre o peito, realmente feliz com o elogio - É muito bom ser reconhecida.
Puxou ele pela gola da camiseta, que após o incidente com o olho não foi retirada. Selou seus lábios ainda sorrindo, e prendeu a respiração na garganta ao sentir os dedos ágeis de subir por suas costas em direção ao feixe de seu sutiã. As mãos da moça dançaram pelo pescoço do rapaz, por suas costas, tórax, abdômen e arriscaram o cós da calça dele, que não conseguia aproveitar o momento pois o maldito feixe do sutiã de parecia ter sido selado com o cadeado dos deuses mitológicos da infelicidade e frustração.
Ainda a beijando, abriu os olhos, a fim de concentrar-se em sua missão que foi um completo fracasso, pois a mulher logo afastou-se, notando que a simples tarefa lavava mais tempo que o usual.
Você quer que eu…? - questionava embaraçada, sentindo a guerra que ocorria em suas costas, desviando o rosto para não encarar o soldado abatido a sua frente.
- Pode deixar. - forçou um sorriso educado - Talvez se eu der uma olhada no feixe… - disse baixo, já vendo a moça prestativa virar as costas para ele, para que pudesse trabalhar na tarefa árdua - Ele está emperrado.
- O quê? - voltou o rosto por cima do ombro, tentando ver sobre o que o rapaz se referia.
- Eu não sei o que aconteceu, mas ele emperrou. - constatou frustrado, bufando impaciente, tendo certeza que mais nada ruim poderia surpreendê-lo naquela noite.
- Bem, já que você achou ele bonito, acho que podemos continuar com ele, né? - indagou incerta, virando-se para que a encarou desmotivado.
- Está bem. - deu de ombros, concordando. Afinal já haviam se esforçado tanto. Por que não continuar a sequência de frustrações e constrangimentos, certo?!
Iniciaram mais um beijo e deitou a moça sobre as confortáveis almofadas do sofá, deitando-se sobre ela, que beijava seu pescoço, enquanto arranhava sua nuca não causando nenhum arrepio, ou suspiro pesado, ou o acelerar de seu coração, entretanto já não esperava mais nenhuma daquelas reações.
O rapaz moveu-se a procura de uma posição mais confortável, mas seu braço direito não encontrava um local para acomodar-se e na terceira vez que se mexeu inquieto, o abajur que servia de ornamentação em uma pequena mesinha de canto, redonda, posicionada estrategicamente ao lado do sofá, caiu sobre que assustou-se e jogou o objeto no chão quebrando sua lâmpada e ao levantar-se para descobrir o que foi a causa do barulho, bateu a testa na de .
Ai! - a moça cobriu o ferimento com a mão, vendo o estrago no chão e também que o rapaz recuava, sentando-se do outro lado do sofá com o olho, a testa e o ego feridos.
recostou as costas no sofá e suspirou alto, cruzando os braços, decepcionada por ter destruído cada oportunidade que teve naquela noite. não compreendia como tudo poderia dar errado com a garota encantadora a seu lado e passou as mãos pelo jeans da calça, incerto sobre quando e o que dizer.
Nós somos péssimos nisso. - foi a primeira a se pronunciar após longos 5 minutos de autorreflexão - Quer dizer, você deve ser incrível, mas…
- Eu entendi. - fechou os olhos, confirmando com a cabeça, pois todo aquele episódios já era estranho, caso tentasse explicá-lo tudo poderia piorar.
- Eu não sei o que há de errado…
- Bem, basicamente tudo! - indicou o ambiente ao redor de ambos e sorriu ao ouvir a risada melódica dela. - Desculpa pelo seu abajur.
- Desculpa pelo seu olho. E por sua testa. - juntou as sobrancelhas, concluindo facilmente quem havia sido o mais prejudicado ali.
- , isso - apontou para ambos - não está dando certo.
- Você acha? - questionou fazendo um biquinho, fingindo não entender sobre o que ele dizia e o riso divertido de a tranquilizou.
- Mas eu realmente gosto de você. E eu fui sincero quando disse que acho você incrível. - lembrou de sua fala de minutos atrás, vendo-a confirmar com a cabeça afinal também se achava incrível.
- Eu também gosto de você . - sorriu - E isso não acontece com frequência… - cerrou os olhos meditando em seu pequeno círculo social, que incluía muitos parentes e poucos amigos, que apesar de serem em pequeno número eram os melhores!
- Então… amigos? - arqueou as sobrancelhas, apreensivo com a resposta que receberia, afinal poderia decidir que aquilo era tudo uma bobagem mandá-lo para o inferno com sua maldita amizade.
- Amigos! - a moça estendeu a mão para cumprimenta-lo, sustentando um lindo sorriso que foi a causa do sorriso empolgado de que selou o cumprimento - E eu preciso da minha blusa de volta. - ao olhar para baixo encontrou sua linda e ineficiente lingerie.
- Não se incomode com a minha presença, fique a vontade. Pode ficar de sutiã se quiser! - apesar de tentar incomodá-la com suas palavras já a entregava a peça de roupa que até então estava sobre a mesa de centro ao lado das taças de vinho.
- Quer assistir um filme? - perguntou passando os braços pelas mangas da blusa cinza.
encarou o relógio em seu pulso, constando que aproximavam-se da meia noite e que provavelmente deveria voltar para casa, afinal ainda era terça e no dia seguinte ele teria duas reuniões importantes com dois clientes em potencial!
Me surpreenda, . - foi a resposta que deu a moça, acomodando-se no sofá, onde passou as próximas duas horas.

Lovers
Há 21 anos:

Naquela manhã o sol havia espantado todas as nuvens carregadas e cinzas. O grande astro ocupava o centro do céu azul celeste, brilhante em um mesclado de amarelo e laranja, seus raios aqueciam a grande cidade de Chicago e aquela tabela de cores ardente harmonizava com o auge da primavera naquele mês de Maio. As folhas das árvores e o gramado dos parques variavam em seus tons de verde vivo, as flores espalhadas pelas copas das árvores e arbustos ocasionavam o ar fresco que se espalhava pela grande metrópole, os pássaros dançavam pelo vasto céu acolhidos pela brisa fresca, de flor em flor as abelhas zuniam pelos ares e aguardando na fila do Shedd Aquarium, a garotinha de apenas cinco anos de idade não percebia nenhum dos nuances daquela manhã, pois enlouquecia seus pais correndo de um lado para o outro.
Diversão havia sido prometida a e ali, às margens do Lago Michigan, a pequena menina não conseguia controlar a ansiedade de finalmente poder adentrar o quarto museu mais visitado de Chicago. Seu pai havia falado por dias que o aquário abrigava aproximadamente 25 mil peixes e mais de 1.500 espécies aquáticas, nem ao menos tinha noção do quanto aqueles números representavam, mas estava disposta a descobrir.
Todavia, logo na entrada do museu, foi hipnotizada por um tanque de 340 mil litros de água que comportava uma reprodução do habitat natural das criaturas marinhas encontradas no Caribe. Um cardume de peixes continha tantas cores e pequenos peixinhos que a garotinha o seguia de um lado para o outro do tanque e foi em uma dessas idas e vindas que a pequena esbarrou em um garoto de oito anos que se debruçava no corrimão, procurando por algo no interior do tanque.
- Desculpa. - disse desviando do menino, que a viu voltar a sua caça ao cardume.
No entanto, ao voltar a caminhar para o outro lado do tanque a atenção de foi capturada pelo garoto que pulava eufórico.
- Oi. - cumprimentou parando ao lado dele, colocando as mãos no corrimão que ficavam na altura de seus olhos.
- Oi. - o menino sorriu animado para ela.
- O que você está fazendo?
- Procurando a Nickel! Olha ela ali! - apontou para uma tartaruga marinha verde, o símbolo do aquário, que logo voltava de sua rápida caminhada e sumia por entre os ornamento do tanque. - Ela se esconde, é difícil de encontrá-la, mas ela é muito bonita.
- Ela é estranha! - a garota fez uma careta, rindo pelo absurdo que era aquele menino achar uma tartaruga bonita!
- Eu gosto dela. - deu de ombros, apoiando o queixo na mão, disposto a esperar pelos próximos minutos, ou até quem sabe a próxima hora, até Nickel decidir dar mais uma volta.
- Como é seu nome?
- . - o garotinho voltou o rosto para ela, que sorria - E o seu?
- .
E aquele breve cumprimento foi o suficiente para unir as crianças pelas próximas duas horas em frente ao tanque Recife do Caribe, a procura de Nickel, seguindo o cardume colorido de peixes, concentrado no mergulhador que adentrou o tanque para alimentar os animais, mais frente encontraram arraias e até mesmo um tubarão que fez gritar histérica e gargalhar da reação da mais nova.
- - a menina sentada ao chão, ao lado de seu novo amigo, ouviu seu pai a chamando- , vamos continuar o passeio? - o homem a chamou, pois as duas primeiras horas do dia foram investidas na mesma atração e ainda havia muito a se explorar.
- Tchau . - ela levantou-se e saiu correndo, acenando para o garotinho que continuou sentado no chão também acenando para ela.

Há 18 anos:
Os termômetros da cidade de Chicago alcançavam os 26 graus celsius, o que não era uma temperatura muito elevada, entretanto a combinação calor e umidade era a responsável pelo desconforto de muitos. E , nascido e criado em Chicago, conseguiu incomodar seu irmão mais velho o suficiente para fazê-lo dirigir até a praia Oak.
Os garotos passaram um bom tempo na larga pista voltada aos ciclistas, pedalando de um lado para o outro e quando o sol foi demais para ambos, colocaram as bicicletas no porta malas da caminhonete antiga de Jim e arriscaram um mergulho nas águas frias do Lago Michigan.
, no entanto, teve a imprudente ideia de molhar o irmão mais velho, o que deu início a uma cruel e sangrenta guerra de água, que castigava até os ossos do garotinho de 11 anos e seu mais novo nemesis, que carregava toda a sabedoria de um adolescente de 17 anos. E em meio a uma fuga insensata, ao olhar para trás a fim de saber o quão distante estava de Jim, pisou sem querer em um castelo de areia.
- Ah não! - a exclamação indignada da provável arquiteta do projeto destruído, foi ouvida pelo garoto que recuou instantaneamente, colocando as mãos atrás do corpo, vermelho de vergonha. - Olha o que você fez! - a menina de oito anos apontou para o montante de areia que em um saudoso passado havia sido a casa de sua Barbie.
- Desculpa. - disse, sentindo a mão do irmão em seu ombro, passando-lhe apoio em meio aquele momento difícil.
- Desculpa, ele não tinha visto o castelo. - Jim falou a uma mulher sentada em uma toalha na areia da praia, próxima a menininha revoltada que enchia um balde com areia.
- Imagina. - ela sorriu, abanando a mão no ar displicente - Essas coisas acontecem - falou ao garotinho que envergonhado - E você pode construir um novo castelo. Um mais bonito que o outro.
- O outro era muito bonito! - a garota pontuou, concentrando-se em seus planos de arquitetura.
- Eu posso te ajudar, se você quiser. - deu de ombros e a pequena menina elevou os olhos para ele, ponderando suas opções.
- Pode ser. - respondeu, esticando na direção dele uma pazinha rosa.
O garoto elevou os olhos buscando a aprovação do irmão que confirmou com a cabeça e sentou-se na areia para que o mais novo brincasse um pouco com a desconhecida.
- Eu me chamo . Como é o seu nome?
- .
E o castelo construído de fato era mais bonito que o anterior! Possuía torres, janelas, portões e até um lago, o que fazia uma das crianças correr pela areia vez ou outra, em busca de água para encher o laguinho quando este secava. A Barbie de era uma princesa, mas naquele castelo também havia um guerreiro e em certo momento um dragão apareceu e só quando este foi derrotado os bonecos puderam se casar!
- Acho que já está na hora de nós irmos, . - Jim chamou a atenção do irmão, que levantou-se, acenando para sua nova amiga.
- Tchau, .
- Tchau, .

Há 11 anos:
O natal estava próximo e ar frio se espalhava por toda a cidade, os termômetros marcavam temperaturas próximas a zero e os moradores de Chicago já haviam retirado seus grandes casacos de inverno do fundo dos armários. Havia nevado nos últimos dois dias e todos estavam ansiosos para uma branca temporada de feriado.
Naquela tarde a pista de patinação no gelo do Maggie Daley Park contava com alguns visitantes e sentada em um banco, próximo ao gelo, a garota tentava se colocar de pé sobre a superfície irregular dos patins. Ao finalmente estabelecer equilíbrio, conseguiu dar dois passos e quase caiu para trás, recebendo ajuda de um rapaz que se dirigia a pista.
- Você está bem? - ele questionou, ajudando-a a permanecer em pé.
- Sim… É que é muito difícil ficar em cima disso. - mantinha os olhos vidrados nos patins, dando pequenos passos.
- Quer ajuda para chegar a pista?
- Não precisa se incomodar. - sorriu educada para ele, que deu de ombros e saiu patinando livre. - Espera! - com os olhos fechados a menina gritou chamando a atenção do garoto que voltou até ela rapidamente - Talvez uma ajudinha… - sorriu envergonhada e o desconhecido a segurou pelo braço, auxiliando a percorrer a curta distância que a separava da pista de gelo. - Aliás, meu nome é . - cumprimentou-o com os braços abertos, atenta a tudo que se passava ao seu redor, a fim de não perder o equilíbrio.
- . - sorriu, parado em seu lugar, imaginando o que faria se aquela menina caísse.
- Eu conheci um uma vez. - divagou, arriscando alguns movimentos sobre o gelo. - Eu estava brincando na areia e ele destruiu meu castelo. - suspirou alto, lembrando do dia de verão que teve há sete anos.
- Espera, aquela era você?! - indagou chocado.
No ímpeto, voltou-se abruptamente para o rapaz, perdendo o equilíbrio e quase caindo de costas sobre o gelo, contudo a segurou pela segunda vez naquela tarde.
- Quais são as possibilidades…? - com as sobrancelhas juntas, a garota indicava ambos, perplexa.
- Exatamente! - soltava o braço dela, ainda alerta aos movimentos da menina que visivelmente não tinha prática em patinação no gelo.
- Isso é o destino! - cresceu os olhos rindo - Aquela tarde na praia foi legal, então talvez o destino queira que nós tenhamos outra tarde legal. - voltou a arriscar curtos passos sobre a pista, sentindo-se segura ao ver que a acompanhava.
- Então, você está me falando, que o destino nos quer juntos?
- Não juntos. - frisou sua última palavra - Talvez, andar por aí, de vez quando… Quem sabe? - deu de ombros, dirigindo-se ao corrimão, a fim de apoiar-se conforme patinava. - A qualquer momento que ele decidir.
- Está bem. - concordou com um aceno de cabeça. - E você realmente precisa de ajudar com os patins. - riu ao vê-la agarrar-se fortemente ao corrimão ao resbalar.
- Está tão na cara assim? - riu também, sentindo-se ridícula por não conseguir manter a postura ereta.
- Vem - estendeu a mão para a menina, com um sorriso que a incentivava a aceitar sua assistência - , eu te ajudo.
E conforme as horas passavam e o sol descia pelo céu, escondido atrás de nuvens cinzas, a temperatura caia, a lua surgia, as estrelas emitiam cada uma seu brilho e e ainda conversavam, patinando pela pista, sem perceber que o local já se esvaziava. A ajuda de foi realmente útil e já tinha mais segurança para andar sozinha pelo gelo, movimentando-se levemente sem o medo que antes a dominava.
- Acho que eu preciso ir. - parou, pegando o celular no bolso interno do casaco, checando a hora e fez uma careta ao ver duas ligações não atendidas de sua mãe. - Já está tarde e eu preciso pegar o metrô de volta para casa.
- Eu vou com você.
Ambos devolveram os patins, recolheram seus pertences em seus respectivos armários e encontraram-se na área externa do parque. Caminharam lado a lado até a estação de metrô mais próxima e quando o metrô que levaria para casa parou na plataforma e suas portas se abriram, acenou para a menina.
- Tchau , até a próxima.
- Tchau .

Há 7 anos:
A primavera finalmente havia chegado e com ela os universitários tomaram o rumo para Cancun para o Spring Break! Um fim de semana inteiro de festa, alcool, praia, desconhecidos e nada de estudo, provas, trabalhos, resenhas, resumos, livros, artigos e professores. Apenas música e diversão!
As duas garotas viravam shots de tequilas um atrás do outro, em um jogo frenético e altamente competitivo de flip cup. A visão de já ficava embaçada, todavia a cada momento que conseguia virar seu copo sobre a mesa improvisada na areia da praia vibrava alegremente, voltando-se para , esperando que a amiga realizasse a mesma proeza.
- Eu amo você! - gritou para a melhor amiga, abraçando-a aos pulos quando o rapaz que se intitulou o juiz do jogo, declarou que a vitória era das meninas - E eu acho que vou vomitar. - falou no ouvido de que riu, tirando-a daquele aglomerado de pessoas, a fim de conseguirem respirar melhor.
- Eu disse que nós íamos vencer. - sorriu perspicaz, vendo a garota ao seu lado, soltar o rabo de cavalo para prendê-lo novamente.
- As meninas com quem nós competimos já estavam na terceira rodada de flip cup! - justificou a prematura vitória, rindo descrente - Eu não sei como elas conseguiam ficar em pé!
- Você tem um ponto… - deu de ombros, sentindo-se cansada - Eu vou procurar um lugar para sentar. - apontava para o bar, com esperanças de conseguir encontrar um banco vazio.
- Okay, eu já te encontro lá. - respondeu, sem mirar o rosto da amiga, pois um rapaz, a poucos metros de distância, chamava a sua atenção.
A garota sorriu divertida, encantada com as possibilidades que surgiam a sua frente. Respirou fundo e caminhou decidida até o garoto, pronta para cumprimentá-lo e ter mais uma dose daquela conversa agradável, que tiveram há… 4 anos atrás!
E se ele não se recorda-se de ?!
Seria muito constrangedor!
Ele poderia julgá-la maluca!
apenas precisa esticar a mão e cutucar o ombro de , mas o medo de ele não ter a menor ideia de quem ela era falou mais alto e a menina girou sobre os calcanhares pronta para voltar ao bar e sentar-se quietinha ao lado de . Talvez o destino não desejava que eles se encontrassem naquela ocasião e apressar as circunstâncias poderia suscitar em um desfecho catastrófico!
No entanto, o destino mostrou-se ciente das aflições da jovem universitária e ocasionou um esbarrão em , fazendo-o derrubar sua cerveja e cambalear para trás esbarrando em .
- Merda! - reclamou irritado, sacudindo a mão a fim de limpá-la, mesmo que soubesse que não adiantaria - Me desculpa! - virou-se para trás a fim de se redimir com a pessoa que não tinha nada a ver com que se passava e poderia ter se machucado. - ?! - perguntou pasmo com o cenho franzido.
- ! Você lembrou de mim! - exclamou surpresa, sorrindo feliz.
- Claro! - sorriu divertido, pela reação animada da mais nova - Eu nunca esqueci você!
- Oh… - arqueou as sobrancelhas.
- O que você acha de irmos para outro lugar para conversarmos? - sem perceber a surpresa da garota por sua frase anterior, falou alto para que ela conseguisse ouvi-lo em meio ao burburinho e música.
- Ah, claro. - concordou seguindo-o pela areia e ao passar pelo bar acenou para a fim de mostrar que ainda estava viva, rindo sozinha ao vê-la mostrar os polegares para cima, congratulando-a por estar acompanhada de um belo rapaz.
Com dificuldade desviavam das pessoas, a frente abrindo caminho e atrás, segurando a barra da camiseta do menino, sem que ele percebesse, para que não se perdesse no meio da multidão. Sentaram-se à sombra de uma árvore na orla da praia e a menina suspirou alto, sorrindo sozinha.
- O que foi? - a mirava pelo canto dos olhos, espelhando o sorriso alegre que ela sustentava.
- Eu disse que o destino queria que nos encontrassemos as vezes… - deu de ombros satisfeita por estar correta.
Pois a verdade, era que durante os 4 anos que separavam o presente da tarde no Maggie Daley Park perguntou-se, mais de uma vez, se voltaria a encontrar . A ideia de que o universo havia a escolhido para viver algo excitante, extraordinário e atípico como aqueles encontros incomuns era tão empolgante que a adolescente de 19 anos desejava estar certa e dessa forma usufruir de cada momento daquela aventura.
- É você estava certa. - concordou com a cabeça, tão surpreso como no dia em que ouviu toda a teoria que explicou com cuidado e dedicação. - E então, o que aconteceu na sua vida desde aquela tarde na pista de patinação?
- Eu curso literatura agora. - sorriu empolgada - Quero escrever romances um dia.
- Uau… - cerrou os olhos desconfiado. - Quantos anos você tem?
- Dezenove.
- Que estranho. - negou com a cabeça dando uma risada nasalada - Sempre que eu pensava em você me vinha a cabeça a menina de quinze anos do Maggie Daley Park.
- Você pensava em mim? - franziu o cenho, admirada com a admissão por parte dele.
- Claro! - respondeu como se fosse óbvio - Eu até procurei por você algumas vezes - apoiou os braços nos joelhos dobrados - Quando estava em um lugar qualquer, analisava o perímetro para saber se você não ia aparecer. Depois de um tempo eu desisti e tive certeza que você estava errada sobre essa história de destino. - deu de ombros.
- Mas eu estou certa!
- Eu sei, mas agora eu entendo que esses encontros esporádicos só acontecerão quando eu não estiver preparado. Aparentemente o destino quer me surpreender.
- Vocês também mudou bastante. - o mirou de cima a baixo, claramente analisando-o - Parece mais alto e agora você tem barba! - arqueou as sobrancelhas, aproximando o rosto do dele, cerrando os olhos a fim de examinando com cuidado o queixo do rapaz - Ou está tentanto ter uma…
- Hey! - protestou, vendo-a rir - É uma escolha pessoal me barbear!
- Ahan… - concordou soando desconfiada e rolou os olhos, sorrindo sozinho achando estranho o fato de que a conversa simplesmente fluía com aquela estranha ao seu lado. - E o que você faz agora? - perguntou com os olhos fixos em um jogo de beer pong que acontecia bem a sua frente.
- Design gráfico. - passou a mão pelo rosto - Estou no último ano e não tenho ideia do que fazer com a minha vida.
- Okay. - acenou positiva - Então, basicamente, você é como todo jovem na faixa etária dos dezessete aos vinte e cinco anos.
- Eu estou com vinte e dois agora. - cresceu os olhos, fazendo os cálculos na cabeça. - Tenho três anos para descobrir.
- Viu. - tentou soar suportiva - Você consegue.
- E se agora eu te comprar uma bebida?
- Eu aceito!
levantou-se e estendeu a mão para ajudar , sustentando um sorriso que a incentivava aceitar seu auxílio. Tal fato não passou despercebido pela mente de , que sabia já ter vivido aquela cena, há quatro anos, na pista de patinação no gelo, na cidade de Chicago.
Os jovens repartiram bebidas, dançaram, arriscaram alguns jogos e como sempre quando estavam na companhia um do outro, não viram o tempo passar. Já era noite quando acompanhou até o hotel onde estava hospedada.
- Tchau , até a próximo. - colocou as mãos nos bolsos ao parar em frente a porta de entrada do prédio.
- Tchau .

Há 4 anos:
O rapaz segurava uma cesta azul enquanto circulava pelas gôndolas do supermercado. No interior da cesta, uma caixa de lasanha congelada e um engradado de seis latas de cerveja, chocavam-se a medida que ele caminhava. Estancou os passos em frente a prateleira de papel higiênico e coçou a nuca lidando mais uma vez com o dilema "Levo apenas o pacote com 4 rolos ou o com 8 que tem o preço mais em conta, mas demora meses para acabar porque moro sozinho e passo o dia todo fora?". Suspirou alto estendendo a mão para o pacote com 4 rolos e recuou, reconhecendo que aquilo necessitava de uma análise mais detalhada.
- ?!
Voltou o rosto para quem o chamava, crescendo os olhos ao encontrá-la ali, ao seu lado, comprando papel higiênico!
- ! Oi!
- Oi!
Ambos sorriam surpresos, aproximando-se para um cumprimento que nenhum dos dois entendeu se resumiria-se a um aperto de mão, ou beijo na bochecha, ou caloroso abraço. E após o breve constrangimento, encararam-se por breves segundos felizes e perplexos por de fato estarem ali.
- Você sempre vem a esse mercado? - perguntou, cortando o silêncio.
- Não. Eu saí do trabalho a pouco tempo e estou indo encontrar alguns amigos…
- E um deles te pediu para comprar papel higiênico? - riu, apontando para o pacote que a moça tinha embaixo do braço.
- É. - confirmou com a cabeça, sorrindo divertida. - E qual é sua explicação para estar aqui? - apontou para ele com o queixo.
- O meu irmão mora aqui perto e eu estava lá - apontou com o polegar por cima do ombro, para a direção a qual achava ser a casa de Jim - , então resolvi passar neste mercado antes de ir para casa.
- Destino! - não conseguia conter-se e seu sorriso ficava maior a cada minuto - Bem, como eu disse, estou indo encontrar uns amigos, você quer ir comigo?
- Claro.
Após dirigirem-se ao caixa e pagarem por suas respectivas compras, e caminharam lado a lado pela calçada pois a garota havia informado que a casa onde seus amigos se encontrariam não era longe dali.
- E você está escrevendo romances? - carregando suas compras, questionou, recordando-se do Spring Break de 4 anos atrás, onde havia dito que aquele seria o rumo que desejava seguir com sua vida.
- Não. - negou com cabeça, desviando os olhos, a fim de esconder o constrangimento - Eu escrevi muita coisa, até mesmo na época da faculdade… Mas nada parecia bom o suficiente. Eu nunca consegui finalizar um livro porque desisto da história na metade por não achá-la boa o suficiente. Escrevo contos, mas não tenho coragem de deixar alguém ler. - revirou os olhos, soltando o ar por entre os lábios, sentindo-se imprudente e aliviada por repartir sua inseguranças com o rapaz. - Eu sou estagiaria em um jornal.
- Isso é legal... - sorriu tentando soar positivo.
- E você?
- Eu trabalho em uma emissora de televisão. Faço parte da equipe de produção visual de um programa de esporte.
- Isso é legal! - usou a mesma frase que tentara anteriormente com a diferença de que realmente achava aquele trabalho interessante, portanto sua exclamação esbanjava empolgação.
A casa de fato não era longe e após percorrerem algumas quadras, a garota indicava o sobrado de tijolo a vista, com amplas janelas de vidro e uma elegante porta de madeira, arbustos bem aparados adornavam a frente da casa, no início da escada dois vasos de cerâmica, um de cada lado, abrigavam grande e lindas flores de pétalas cor-de-rosa e a luminária acima da porta de entrada era a única luz acesa em toda a construção.
- Você tem certeza que tem alguém em casa? - indagou, subindo os poucos degraus, encarava a janela, tentando encontrar algo no interior da residência que indicasse a presença de alguém
- Ahan. - afirmou, entregando sua sacola para ele a fim de procurar a chave da porta dentro de sua bolsa tiracolo.
Ao destrancá-la recuperou sua sacola que estava com e virou a maçaneta, empurrando a porta de madeira com o pé, enquanto tirava a alça da bolsa de seu ombro, clicou no interruptor próximo, acendendo a luz e permitiu a entrada do rapaz na casa, vendo-o cautelosamente adentrar o hall, colocando os pés sobre a passadeira que transmitia uma sensação de conforto e comodidade.
varreu o recinto com os olhos, vendo a escada a sua frente e alguns porta retrato sobre o aparador a seu lado, um deles carregava a foto de criança fantasiada como uma princesa, provavelmente para o Halloween já que carregava uma pequena cesta de abóbora; outro trazia um casal feliz e; o último era ao lado de uma garota.
- Quer que eu pendure seu casaco? - a menina ofereceu, reparando onde a atenção dele estava focada.
Respectivos casacos foram pendurados no cabideiro de parede e as compras de foram colocadas embaixo do aparador. convidou-o para irem até a sala e assim que colocaram os pés no cômodo, tomou um susto ao assistir pessoas desconhecidas pularem de trás dos móveis gritando "Surpresa" e "Feliz aniversário".
- É seu aniversário? - indagou atônito a moça que sorria imensamente, com a mão sobre o peito, agradecendo a todos.
- Sim! Eu disse que ia encontrar alguns amigos! - respondeu abraçando os que se aproximavam para felicitá-la pela importante data.
- É uma festa surpresa! - declarou - Você descobriu antes? - perguntou baixo notando que esforçava-se para fingir surpresa a medida que cada um a questionava se ela suspeitara de algo.
- Sim… Ouvi a no telefone com a minha mãe. - deu de ombros, sentindo-se culpada por ter descoberto dos planos da melhor amiga com sua progenitora. - E essa é a . - disse abrindo os braços para receber a moça que se aproximava com os olhos cerrados, investigando cada reação e fala de .
- Você já sabia, não é? - perguntou fazendo um careta ao ser abraçada pela amiga.
- Não! - prontamente negou, crescendo os olhos, fingindo indignação - Foi uma grande surpresa. - afirmava com a cabeça, sentindo-se pressionada pela expressão imutável de . - Está bem, eu suspeitava…
- Você sabia!
- Eu não acredito que ela já sabia. - Sra. , visivelmente decepcionada, aproximou-se.
- Eu trouxe o papel higiênico! - levantou a sacola.
- E um desconhecido. - atestou, cruzando os braços, analisando da cabeça aos pés, sorrindo sagaz ao vê-lo acenar para ela e para Sra. .
- . É um prazer. - estendeu a mão para a mulher mais velha, que o cumprimentou com um sorriso simpático e acolhedor que o fez recordar-se do sorriso alegre de .
- O prazer é meu. Vamos pegar alguma coisa para você comer enquanto conversamos. - Sra. já empurrava o rapaz para a cozinha, desviando dos convidados, não permitindo-o olhar para trás.
Por cima do ombro, os acompanhava com o olhar, achando engraçado a cada vez que assistia sua mãe falar algo e responder constrangido. Perdeu-os de sua vista assim que adentraram por uma porta e voltou-se para a amiga, encontrando-a a encarando com as sobrancelhas arqueadas.
- O que foi? - indagou franzindo o cenho.
- … Onde eu já ouvi esse nome?
- É o cara do Spring Break.
- Meu deus! - teve um sobressalto, cobrindo os lábios com a mão. - O cara do destino?! - perguntou empolgada, afinal havia julgado a amiga louca diversas vezes devido aquela história, mas todo aquele enredo sem sentido se passava diante de seus olhos naquele exato momento! - Você sabe o que isso significa, não é?
- Que eu estou certa…?
- Que vocês vão transar.
- … - passou a mão pelo rosto, jogando a cabeça para trás.
- Estou apenas te alertando. - deu de ombros - E não aja como se você nunca tivesse pensado nisso. - cantarolou, sorrindo e deixou sozinha ao sair para conversar com as outras pessoas.
A noite seguiu perfeitamente, conversou com todos os convidados, agradeceu-os pela presença, riu de piadas engraçadas e das que não entendeu, reviu rostos que não via há meses, cantou parabéns e assoprou as vinte e duas velinhas sobre o bolo.
À porta da casa de seus pais, despedia-se de um casal que conhecia desde a época da faculdade, o último dos convidados a ir embora. Sr. e Sra. estavam na cozinha lavando a louça e conversavam com que guardava as sobras de comida em potes para empilhá-los na geladeira.
- Eu também já vou indo. - ouviu atrás de si e ao virar-se encontrou já segurando seu casaco, suas compras e sustentando um sorriso.
- Obrigada por ter vindo. - a moça manteve a porta aberta e aproximou-se dele para um abraço de despedida.
- Tchau , até a próxima. - acenou dirigindo-se a pequena escadaria.
- Tchau .
o assistiu descer cada degrau, ponderando as opções que tinha, imaginando se o destino ficaria zangado com ela se a menina resolve-se dar uma pequena ajudinha aos planos reservados para aqueles encontros esporádicos e atípicos
Ao chegar a calçada, a ouviu chamando por ele.
- ! - falou alto, pulando pelos degraus para poder alcançá-lo. - O que acha do Chicago Bulls? - questionou a frente dele, sorrindo animada.
- Melhor time de todos os tempos! - cresceu os olhos.
Estavam falando do Bulls, o time que havia sido liderado pela lenda do basquete, Michael Jordan; o time que venceu seis vezes o título da NBA na década de 90! O time que passava por uma fase ruim, mas ainda sim era o melhor time de todos na concepção de !
- Ótimo! Eu tenho um ingresso extra para o jogo da próxima quarta, você quer ir comigo?
- Claro!
trabalhava com esporte, tinha acesso fácil à ingressos como aquele o tempo todo, mas a ideia de ir ao jogo com era empolgante.
- Nós vemos na quarta, então. - confirmou com um aceno de cabeça e subiu as escadas que a levariam para o interior quentinho da casa.
- Sabe - chamou a atenção dela que voltou-se para ele - , é legal saber quando será a próxima vez que nós veremos.
O jogo de basquete do Bulls contra o Jazz foi um fiasco, o time da casa perdeu por 31 pontos e culpou , alegando que era o destino castigando-os por terem apressado o próximo encontro que deveria estar agendado para um futuro muito distante, como 7 anos.
Todavia ambos estavam dispostos a bagunçar a ordem natural do mundo e aquela quarta feira marcou o início daquela amizade.

Dias atuais:
e Anne deixaram a pizzaria Giordano's, caminhando lado a lado pelas quadras que as levariam até o trabalho de , despediram-se na entrada do prédio e iniciou sua caçada ao presente ideal para .
Os três anos anteriores foram marcados por presentes que o rapaz gostou muito e até mesmo, , amigo de , reconhecera a perspicácia de em uma das ocasiões. Portanto começava a ficar difícil manter o nível elevado de criatividade e peculiaridade.
Foi necessária uma tarde inteira, muitas viagens de uber, e uma pitada de imaginação para encontrar não o presente ideal, mas um que com certeza iria gostar!
E confiante com a sacola que carregava, adentrou o pub onde encontraria e um casal de amigos, ficando na ponta dos pés e esticando o pescoço para encontrá-los, sentados a uma mesa próxima do palco onde o homem já cantava no karaokê.
- Feliz aniversário! - , surpreendeu o amigo pelas costas, abraçando-o pelos ombros. - Oi gente. - cumprimentou o casal a sua frente, sentando na cadeira livre. - Confesso que esse ano foi difícil. - entregou a sacola para que arqueou as sobrancelhas, recebendo-a com um sorriso nos lábios.
- Nada, nunca estará ao nível do presente do ano passado. - dizia divertido retirando um embrulho e um envelope de dentro da sacola, colocando-os sobre a mesa.
- O manuscrito do livro ainda não publicado, que o estava louco para ler, foi muito ganancioso, . - brincou apoiando o braço nas costas da cadeira de , que sorria acompanhando rasgar o papel de presente. - Vai ser difícil superar.
- Bem, o está sempre falando que gosta de comida mexicana então…
Ao terminar de rasgar o papel de presente, deu de cara com uma caixa preta e ao retirar a tampa encontrou quatro frascos de pimenta e um pequeno bilhete que informava o ingrediente de cada mistura, como também seu nível de ardência.
- Ahn! O que acharam?! - sorria, alternando os olhos da pessoa para pessoa em busca de suporte. - Bem legal, não é?!
- Obrigada, . - seu amigo agradeceu a dando um beijo na bochecha.
- Desculpa, , não superou o do ano passado. - provocou, dando de ombros e tomando um gole de sua bebida.
- Eu achei útil e criativo. - sorriu, apoiando , que voltou-se para com um sorriso superior.
- Obrigada, !
- E isso aqui? - pegou o envelope e ao abri-lo encontrou dois ingressos para o Shedd Aquarium. - Eu não acredito!
- Eu pensei que seria legal visitar o lugar onde nós no conhecemos!
- Apelando para o sentimentalismo? - sorriu de lado - Bem pensando!
- Obrigada, !
havia presenteado o amigo com um localizador de cerveja. Meses atrás assistiam a um jogo de futebol quando no intervalo, ao mexer no celular, encontrou o utensílio que supostamente detectava o álcool em substâncias líquidas e os dois homens passaram o restante do tempo criando teorias sobre o funcionamento da peça. Portanto o rapaz acreditou ser aquele um presente divertido a dar ao amigo de longa data, mesmo que sua namorada não estivesse completamente de acordo.
A noite seguiu agradável, todos beberam e se divertiram, apagou a vela do cupcake que levou para ele, cantou empolgado quando uma dupla subiu ao palco para cantar Bonnie Tyler, arrastou para trás do microfone mais de uma vez durante as horas que se passaram pois era sempre divertido assistir moça ser tomada por uma alter ego que performava muito bem.
E foi após uma de suas performances que descia do palco, sorrindo empolgando ouvindo os aplausos do pessoal.
- Eu amo a do karaokê! - apertava os ombros da amiga, conforme caminhavam em direção ao bar, distanciando-se do palco
- Eu sempre me empolgo demais. - rolava, apesar de não carregar culpa em sua voz - Mas não me arrependo de nada. - declarou sorrindo, ocupando um banco e apoiou os braços no balcão de madeira.
- Essa música é muito boa! - despencava sobre o assento, ainda sentindo a adrenalina de sua apresentação espetacular no pequeno palco do pub.
- A e o já foram embora mesmo? - a moça esticou a cabeça para conseguir ver por cima das pessoas, a procura do casal.
- Sim e eles se despediram de você. - franziu o cenho e aproximou seu rosto do dela, a fim de examinar o quanto a amiga havia bebida naquela noite, afinal ela aparentemente sofria de perda de memória recente.
- Eu sei! - empurrou-o pela testa - Mas está cedo, eu pensei que eles iam mudar de ideia.
- A não estava muito bem. - disse, logo voltando-se para o barman pedindo por duas cervejas.
- Eu percebi. Ela estava mais quieta que o normal.
e eram inseparáveis desde os tempos de ensino médio e quando foi apresentada ao melhor amigo de conheceu também sua namorada, a tímida , com seu olhar doce e sorriso inibido.
O casal já estava junto há cinco anos e , assim como , não sabiam como era estar em um relacionamento tão duradouro! colecionava relacionamentos de no máximo cinco meses com as mais variáveis mulheres com personalidades distintas. E já havia tido seu coração quebrantado em milhões de pedaços como também sentiu-se uma pessoa abominável ao partir o coração de seu último namorado.
Mas nenhum dos dois jamais experienciou uma relação como a de e .
- Eles pareciam distantes… - divagou. Afinal era muito observadora e criativa portanto via além do que era posto a sua frente e criava mil teorias em sua mente.
- O comentou que eles não estão muito bem ultimamente. - respondeu sem interesse naquele tópico, focado em agradecer a cerveja que recebia do barman.
- Como assim?
- Não é algo que nós precisamos nos preocupar - deu de ombros, tomando um pouco de sua bebida e pousou a garrafa em cima do guardanapo verde sobre o balcão - Quer dizer, eles são o e a ! - falou como se fosse óbvio e viu a amiga concordar sua exclamação. - Eles nasceram um para outro, são almas gêmeas, a pessoa certa… essas coisas. Da última vez que eles passaram por uma crise, três dias depois eu estava ajudando na mudança porque eles iam morar juntos!
- Eles passaram por uma crise!
- Todo casal passa. Eu acho…
- Afinal, a cada vez que uma coisinha pequena parece dar errado em algum dos seus relacionamentos você cai fora. - acusou de olhos cerrados.
- Eu não faço isso! - defendeu-se, mantendo a postura ereta - Eu só quero ter boas memórias de todas as minhas amantes…
- Meu deus. - negava com a cabeça, rolando os olhos diante daquela bobagem.
- … e permanecer em uma casa em chamas não é uma boa lembrança.
- O quê?!
- É só uma expressão. - meneou a cabeça, suspirando alto - Mas por que estamos falando só de mim?! Se não estou enganado você também está solteira. - a expôs, deixando-a de queixo caído.
- Porque eu sou ser humano normal que tem sentimentos. - esclareceu, sorrindo vitoriosa - Eu já me apaixonei, já amei e acabou. - deu de ombros não gostando do rumo daquela conversa, pois sentia que nada bom sairia dali.
- Ah é verdade, quando você descobriu que ia ser pedida em casamento surtou.
- Claro! - cresceu os olhos revoltada - Ele foi muito apressado!
- Vocês já namoravam há dois anos e meio!
- Eu era muito jovem!
- Isso foi há seis meses!
- Exatamente! - eufórica, bateu a garrafa no balcão, causando um alto com que chamou atenção de alguns curiosos. - Muito jovem. - abaixou os olhos, recordando-se de que terminar com Mark foi uma das coisas mais difíceis que já fez na vida - É sempre assim - voltou-se ao amigo que a mirado sentindo-se culpado por trazer o complicado assunto a tona - quando eu estou tão apaixonada que até perco o fôlego só por ser encarada pelo cara dos meus sonhos, ele não sente o mesmo. E quando estou apenas dançando no ritmo da música, esperando para ver o que acontece, mas definitivamente sem perder o fôlego BAM - bateu as duas mãos juntas, ocasionando uma palma alta - casamento!
- Essas coisas são complicadas.
- Não parece complicado para o e a . Eu queria ter o que eles tem, sabe? - empolgou instantaneamente, sorrindo abertamente - Paixão, companheirismo, certeza!
- É, eu sei… - tomou um gole de sua bebida, e empurrou-a com o ombro, - Você não sabe o que o Jim me disse hoje no almoço.
Havia saído para almoçar com o irmão mais velho e a cunhada e pensava que seria apenas mais um almoço de aniversário, o mesmo de sempre, quando de repente o homem lhe contou a novidade do ano.
- Ele e a Melissa vão começar a tentar ter um bebê!
- O quê?! - estupefata, deu um pulo do banco, realmente feliz pelo irmão de seu amigo.
- Sim! Eu vou ser tio… Meu deus, como estou velho. - a idade pareceu pesar em seus ombros e até mesmo a pele de seu rosto pareceu ficar flácida, repentinamente - Eu realmente preciso crescer.
- E você percebeu isso aos 29 anos? - indagou, rindo divertida, sendo acompanhada por ele.
- Crescer mesmo, sabe? Pensar sobre o futuro, hipoteca, férias de verão…
- Eu entendo. - acenou com a cabeça. - Afinal o e a estão caminhando para o sexto ano de relacionamento, o Jim está falando sobre filhos e a encontrou o amor da vida dela.
- Sério?! - questionou surpreso, afinal sabia apenas de um encontro casual entre duas pessoas, não que este era o pacote completo: alma gêmea, amor, casamento, filhos e uma casa com lareira.
- Sim, é um cara que trabalho com ela.
- Uhh, antiético. Eu gosto disso, gosto disso!
Ficaram em silêncio por um breve momento, pelo qual a mente de viajou para terras antigas e distantes, recordando-se de algo que nunca havia compartilhado com e desde que haviam se tornados amigos, há 4 anos, repartiam grande parte de seus segredos um com o outro, senão todos!
- Eu tenho uma confissão a fazer. - sorria, com a mão elevada como nos tempos de escola, pedindo permissão para falar - Lembra quando nos encontramos naquele fim de semana do Spring Break.
- Há sete anos. Eu esbarrei em você, você estava de rabo de cavalo, biquíni verde… É eu lembro.
- Então, naquele dia eu… - suas cordas vocais falharam devido a vergonha, a moça fechou os olhos e abaixou a cabeça, tentando esconder, todavia falou alto para ser ouvida - Eu dei cima de você, mas você não entendeu os sinais…
- O quê?! - bateu a mão no balcão, adorando aquela descoberta. - deu em cima de mim?!
- Argh, eu já me arrependi de ter te contato. - afundou o rosto entre as mãos, tendo certeza que o amigo não teria piedade dela.
- Não assim, . - sorriu, passando a mão pelas costas dela, incentivando-a a encará-lo - Você não resistiu ao meu charme nato e eu fui estúpido e não percebi. - fez uma careta, envergonhado. Feliz ao vê-la fitá-lo divertida
- Mas eu não me arrependo de nada relacionado a nós. - apoiou o cotovelo sobre o balcão e o queixo sobre a mão. - Talvez se aquela tarde tivesse seguido um rumo diferente nós não estaríamos aqui hoje. - sorriu, tomando um gole de sua cerveja - Comemorando seu aniversário de 29 anos.
segurou sua garrafa, sobre o balcão de madeira, com ambas mãos, sentindo sobre a ponta de seus dedos a superfície fria do vidro e abaixou seus olhos, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Sabia que sempre focou-se tanto em como o destino havia escrito cada nuance da vida de ambos, entrelaçando-os em momentos inesperados, que nunca parou para pensar o que teria acontecido se tivessem tomado escolhas diferentes das que o levaram até o presente.
- Ou talvez teríamos ficado juntos. - disse mirando-a, podendo assistir o sobressalto da moça, que a fez encará-lo surpresa. - Ah, Clem… Nós ficaríamos lindos juntos! - deu de ombros levando a garrafa até os lábios.
- Você acha que nós teríamos dado certo? - cerrou o cenho, projetando seu tronco para frente a fim de aproximar-se dele como se fosse revelar um grande segredo. - Porque eu já falei, ou eu pressiono a pessoa com conversas sobre o futuro, ou me sinto pressionada.
- Essas coisas são complicados - aproximou o seu rosto do da amiga, perto o suficiente para sentir o hálito cálido dela soprar por seus lábios - , mas eu gosto de pensar que sim.
- Mas nós éramos tão jovens... - soltou uma risada nasalada - Provavelmente teríamos terminado em seis meses.
- Isso seria uma opção. - concordou, fazendo-a sorrir ao mirar o sorriso que se espalhava pelos lábios dele. - Mas o destino sempre esteve do nosso lado. Talvez ele fizesse com que nos encontrassemos novamente, anos depois, já maduros e aí nós ficaríamos juntos!
- Isso daria um bom livro. - fechou os olhos, sentindo a pressão da necessidade de desenvolver outra história que alcançasse o mesmo sucesso que sua última criação.
- Por que você não escreve nossa história?! - juntou as sobrancelhas, julgando aquela uma ótima ideia! - Você altera alguns nomes, acrescenta detalhes, muda outros e dá o fim que você quiser, sem estar a mercê do destino. - a viu arquear as sobrancelhas, provavelmente ponderando aquela sugestão - E assim eu descubro o que você de fato esperava para nós, se não dependêssemos dessa besteira de destino.
- Você está impossível hoje, hein! - sorriu cerrado, sentindo seu coração acelerar, acarretando um calor em sua nuca que alastrou-se por seu rosto, indicando que sua face ruborizava.
- Não. - elevou seu dedo em riste - Estou apenas completando 29 anos, não tenho mais imaginação para lidar com isso.
rolou os olhos, puxando o braço direito de a fim de encarar o relógio em seu pulso e descobrir a hora: - Eu acho melhor eu ir embora. - concluiu, pulando de seu banco e arrumou a blusa que usava.
- Não! Fica. - pediu, segurando-a pela mão - Eu vou pedir mais uma cerveja para gente. - fez um sinal para o barman que estava atendendo um cliente e logo se dirigiria até ele.
- Já está tarde e eu não quero mais uma cerveja. - negou com a cabeça, beijando a bochecha do amigo que estava visivelmente decepcionado.
- Qual foi a última vez que ficamos bêbados juntos?!
- Semana passada no meu apartamento quando a nos obrigou a beber porque não queria beber sozinha. - lembrou-se rindo, vendo-o fazer o pedido de apenas uma cerveja.
- Está bem, você venceu. - aceitou a resposta, soltando a mão da moça que aproximou-se, dando um beijo na bochecha dele. - Tchau , até a próxima.
- Tchau .

A televisão ligada no canal de esporte permanecia mutada enquanto ouvia a um dos álbuns da banda The Killers no volume máximo, procurando pelos armários um saco de batatinhas e um pote onde pudesse despejar a guloseima, certificou-se que havia cerveja o suficiente na geladeira e ao ouvir os primeiros acordes de uma de sua música favorita tentou aumentar ainda mais volume, decepcionando-se ao constatar que não era possível.
Movimentava a cabeça ao ritmo da música e pegou o celular que descansava sobre a balcão de mármore, automaticamente abrindo a conversa com , percebendo que ambos não haviam trocado uma mensagem sequer durante o dia todo e aquilo não acontecia há meses! Digitou um cumprimentou e titubeou antes de enviá-lo, chegando a conclusão que precisava parecer mais animado, portanto o apagou a fim de utilizar mais pontos de exclamação, ou quem sabe uma gíria, talvez usasse um emoticon sorrindo. Todavia ficou com receio de parecer um sociopata, apagou novamente sua caixa de texto e pensou que um áudio seria uma boa opção, mas ao clicar na função gaguejou um pouco e logo desistiu daquela ideia também.
Deus, nunca havia sido tão difícil iniciar uma conversa com !
Aquela era , sua amiga, a garota que o destino havia colocado em sua vida, a mesma garota quem já havia partilhada boas histórias com ele...
Felizmente ouviu a campainha soar pelo apartamento e guardou o celular no bolso, caminhando até a porta para abri-la e encontrar com um engradado de cerveja nas mãos, abotoaduras nos pulsos e um terno elegante que o deixava distante daquele garoto de 17 anos que passava as tardes jogando basquete.
- Chegou cedo! - deu passagem para o amigo que já se dirigia até a geladeira onde colocava as cervejas.
- Pensei que ia ficar até mais tarde no escritório, mas consegui sair na hora. - pegou duas garrafas já frias, deixando uma sobre a pia e entregou outra para , caminhando até o cabideiro onde pendurou o blazer e a gravata, abriu os primeiros botões da camisa social e dobrou as mangas até os cotovelos - E então, como foi ontem depois que a e eu fomos embora?
- A e eu cantamos Total Eclipse Of The Heart e o bar inteiro cantou com a gente. Sério, eu me sentia a própria Bonnie Tyler!
- A estava especialmente animada ontem. - comentou levando a garrafa até os lábios, bebericando sua cerveja.
- É… Depois disso nós tivemos uma conversa - procurou pelo melhor adjetivo para intitular o que se passou na noite anterior - meio estranha. E eu preciso da sua opinião.
- Defina "estranha". - arqueou as sobrancelhas, pegando as batatas sobre o balcão e se dirigiu ao confortável sofá.
- Foi meio que minha culpa - revelou com receio, bagunçando os cabelos, parando em frente a TV a fim de prender completamente a atenção do amigo sobre si - Ela falou sobre o dia em que nos encontramos no Spring Break e disse que deu em cima de mim e eu não entendi os sinais, mas que não se arrependia de nada relacionado a nós e então eu disse uma... besteira.
- Que tipo de besteira? - sentado confortavelmente no sofá com o pote em seu colo e a garrafa gelada em sua mão, sentia-se um adolescente dando conselhos amorosos para o melhor amigo atrapalhado.
- Que se eu tivesse entendido os sinais, talvez nós estaríamos juntos hoje…
- Por quê?! - projetou o tronco para frente, a fim de tentar entender a lógica distorcida da realidade que carregava em sua mente - Por quê você diria algo assim? - abriu os lábios para explicar-se, no entanto, foi interrompido pelo homem que continuou: - Você ao menos contou para ela?
cruzou os braços franzindo o cenho, meneando a cabeça e arqueou apenas uma sobrancelha, pressionando a continuar. por sua vez passou a mão na nuca e negou, fazendo o amigo suspirar alto.
- Você disse que iria contar para ela ontem!
- Eu sei!
- Faz um mês que você está evitando este assunto com a .
- Eu não sei quando estes assuntos tornaram-se tão difíceis entre nós. - sentou-se ao lado de , afundando-se no sofá. - Eu só não quero que ela fique magoada.
- Okay… - franziu o cenho, não entendo porque ficaria deprimida quando o amigo finalmente lhe contasse o que adiou pelo último mês. - Não é como se fosse a primeira vez que você fizesse isso e por deus! Vocês são amigos ou quê?!
- É claro que somos amigos!
- Desde que a terminou o namoro com aquele cara que ia pedi-la em casamento as coisas entre você parecem ter evoluído. - o homem foi sincero - Vocês parecem um casal sem a parte do sexo!
- Nós somos amigos!
- Olha, a disse que essas coisas são normais. - explicou esticando-se para pegar o controle na mesa de centro e aumentar o volume da TV - Como a passou por um episódio nocivo que causou muito estresse ela iria aproximar-se dos amigos e da família e é comum apegar-se mais a uma figura masculina.
- A costuma analisar todas as pessoas que existem como se o mundo fosse o consultório dela?
- Sim. - deu de ombros, comendo uma batatinha - E eu adoro os comentários. - sorriu nada amigável, desejando prestar atenção aos que comentaristas da espn falavam pois o jogo estava prestes a começar.
- Eu não sei porque falei aquilo… - levou a garrafa até os lábios, bebendo um gole da cerveja que não despertou o sentido de suas papilas gustativas e automaticamente foi engolida.
- , você já se imaginou em um relacionamento com a ?
- Não…?
- Tem certeza? - riu com o cenho franzido, enquanto o amigo tamborilava a ponta dos dedos sobre os lábios. - Você… já pensou no assunto? - procurava pelas palavras corretas a serem utilizadas a fim de não causar alarde.
meditou por um instante na declaração de . Nunca se permitiu pensar sobre construir um relacionamento amoroso com , mas pensava nela o tempo inteiro, a cada minuto de seu dia, a cada nuance de seu humor, a cada momento de sua rotina.
Ria ao ouvir uma piada, prometendo-se mantê-la em mente até contar para porque ela acharia engraçado. Reparava em um outdoor no centro da cidade e nem ao menos precisava questionar a opinião da amiga sobre, pois a conhecia bem o suficiente para saber qual seria seu ponto de vista. Ao adentrar a cafeteria próxima ao prédio onde morava, a cada domingo de manhã, a fim de comprar seu cappuccino e donuts, seus olhos eram atraídos para a torta de limão, a favorita de e ele sempre acrescentava um pedaço da sobremesa a seu pedido final pois sabia que encontraria com a moça mais tarde naquele dia. Em dias chuvosos, lembrava-se de pois aqueles eram os seus prediletos, todavia em dias de sol recordava-se do dia em que foi buscar a amiga no aeroporto pois ela voltava das férias no Caribe e estava bronzeada, ainda com os cabelos longos e um sorriso relaxado no rosto.
possuía vários sorrisos, cada um diferente do outro e conhecia todos eles. Havia o sorriso de quando entravam em uma livraria e a moça folheava um livro novo, aproximando-o de seu rosto, pois gostava do aroma das páginas. O sorriso ao ver seu próprio livro na vitrine de alguma livraria. O sorriso de quando torciam fervorosamente pelo Bulls. O sorriso de quando, em casa em um fim de semana, arrumava os óculos ouvindo os pingos de chuva caindo do outro lado da janela. O sorriso ao ouvir as brincadeiras de . O sorriso das tardes de primavera ao sair da floricultura com um novo arranjo de flores. O sorriso ao decidirem jantar comida mexicana após a sessão de cinema. E havia o sorriso que sustentava quando olhava para e aquele era o favorito do rapaz.
- Nós somos amigos. - respondeu automaticamente.
E concordou com um aceno de cabeça, preferindo não continuar a despir aquele sentimento, expondo-o completamente a frente de , pois claramente havia confusão e bagunça na mente de que infelizmente achava que cometeria um pecado caso se apaixonasse pela amiga.
- Eu vou conversar com a amanhã, ou talvez depois de amanhã. - informou, sentindo o olhar julgador de perfurar seu perfil como uma bala. - A melhorou? - questionou interessado, afinal na noite anterior a moça havia justificado que não passava bem, portanto queria ir para casa.
- Sim.
- O que ela tinha.
- Não sei.
- Está tudo bem?

Dois dias haviam se passado desde o aniversário de e trancou-se em seu apartamento, buscando uma forma de lidar com o que acontecia em seu interior, tentando entender se aquilo era apenas fruto de sua imaginação ou o que o destino havia planejado desde o início.
Talvez estivessem predestinados a passarem por aquilo.
Paralelamente tentava desenvolver a história de seu próximo livro. Cogitou a ideia de sobre narrar os acontecimentos que entrelaçavam suas vidas, a ideia de criar um alter ego era excitante. Entretanto sempre que digitava dois parágrafos recordava a forma como a mirou naquele noite, sentados ao bar, lembrou-se das palavras dele, tentando desvendá-las a fim de descobrir se tudo não passava de mais uma brincadeira do amigo ou se uma real mensagem estivesse por trás daquilo. A segundo opção era absurdamente eletrizante!
Recebeu algumas mensagens de e não as respondeu com a desculpa de que precisava pensar antes de agir, todavia havia se comunicado normalmente com , o que a fazia sentir-se mal por estabelecer tal regime de silêncio com o amigo, contudo buscava animar-se com a promessa de que aquilo era o melhor a se fazer.
não tinha conhecimento do dilema pelo qual a moça passava, portanto, ao final de seu expediente dirigiu até o endereço da mulher que não o esperava e atendeu a porta visivelmente surpresa.
- Oi! - sorriu divertido ao fitar os olhos pasmos da amiga ao vê-lo ali. - Posso entrar? - questionou com as mãos nos bolsos, após os segundos que apenas o encarou sem tomar alguma atitude e sem parecer que tomaria alguma.
- Claro! - riu, sendo despertada de seu transe. Dando passagem para ele e fechando a porta. - E então como você está?
- Bem. E você?
- Bem. - confirmou passando as mãos pelo short jeans, mirando o rapaz em pé no centro de sua sala de estar.
Ambos foram submersos novamente em um silêncio constrangedor, desviando os olhos um do outro para qualquer móvel ou detalhe presente naquele amplo cômodo.
- A gente precisa conversar.
- Você não respondeu as minhas mensagens.
Tomaram a decisão de se pronunciar no mesmo instante, sorrindo embaraçados ao selarem os lábios novamente.
- Pode falar primeiro. - declarou, preocupado com o tom utilizado pela moça.
Desde a noite no bar desaparecera, não retornou suas mensagens e ligações, não demonstrou interesse em encontrá-lo, ou manter o mínimo de comunicação possível. E este fato o preocupava pois desde que a moça havia entrado em sua vida não conseguia e, nem ao menos gostaria, de imaginar seus dias sem ela.
Quando costumavam encontrar-se ocasionalmente por obra do destino, como gostava de divagar, mantinha em sua mente a memória da garota divertida e cativante pelos dias seguintes, esperando que ela não estivesse completamente louca e errada e que algo a mais estivesse designado para ambos. Procurava por ela aonde quer que estivesse, esperando mais um encontro inesperado e impressionante.
Ao passear com a família, aos domingo de manhã, pela praia Oak, mantinha os olhos atentos a procura dela. Após a tarde no Maggie Delay Park retornou ao local por três dias, esperando encontrá-la. Caminhava pela ruas de Chicago sempre esperando que aquela garota aparecesse. Até que se convencesse de que tudo aquilo não passava de uma grande coincidência e que nenhuma força sobrenatural moldava seus caminhos um para o outro. No entanto, quando tinha certeza que nunca mais admiraria aqueles olhos, aparecia repentinamente em seu caminho.
Há 4 anos quando a convidou para o jogo de basquete decidiu que não deixaria o futuro de ambos na mãos do destino. Eles agora escreveriam sua própria história, eles seriam os responsáveis por seu futuro e não via sentido em um futuro sem .
- Você não quer sentar? - indicou o sofá, acomodando-se ao lado do amigo. - Eu poderia inventar uma desculpa de que não respondi suas mensagens porque estava concentrada no livro, mas a verdade é que eu estive pensando na nossa conversa no bar…
- Eu também!
- Sério?
- Aquilo foi estranho.
- Muito estranho! - riu, dando um pulinho para o lado a fim de ficar mais próxima a ele. - E isso me fez pensar que… Bem, eu estivesse pensando… Meu deus isso é tão difícil. - passou as mãos pelo rosto, sorrindo ao mirar o sorriso do rapaz. - Eu já tinha pensado no que falar, eu tinha tudo em mente, mas agora estou nervosa.
- Qual é, , sou eu! - segurou a mão dela, acariciando o dorso com seu polegar - Você pode me falar qualquer coisa.
- Okay… , eu posso estar tendo um dia péssimo, mas tudo fica melhor quando eu sei que te verei mais tarde. Você sempre me apoia e me dá asas para voar, mesmo que a ideia seja absurda! Você me acalma quando eu começo a surtar por qualquer motivo. Você aceita os compromissos mais questionáveis sempre que eu apareço com um convite novo. Você é essa pessoa que eu adoro. - sorriu, sentindo-o apertar sua mão - E sempre que eu te olho eu sinto que é certo. Entende?
- Não. - junto as sobrancelhas, divertido.
- Eu sempre tive esse sentimento mas não o entendia antes e estou apavorada, mas ao mesmo tempo tão empolgada! - tinha medo de qual seria a reação do rapaz que mantinha o cenho franzido tentando decifrá-la. - Todas essas borboletas, você me toca eu fico completamente arrepiada e quando você me olha… Tudo faz sentido agora!
Ao ouvir as palavras da moça, foi tomado por uma ansiedade que o fez endireitar a postura e soltar a mão dela, que sem entender sorriu constrangida.
- Onde você está tentando chegar, ?
- Eu acho que… A quem estou tentanto enganar? - cresceu os olhos, rindo nervosa. - Eu estou apaixo…
- Eu estou saindo com uma garota há quatro meses.
congelou ao ouvir tais palavras, sentiu o peso de cada uma em seus ombros, o amargor em sua boca, o eco em seus ouvidos, o deturpar de sua mente.
Havia colorido aquele momento em seus sonhos, colocando sobre a mesa o fato de que poderia perder o que tinha, todavia estava disposta a tomar aquela atitude. Contudo, ao analisar suas opções e possíveis conclusões que aquele episódio obteria, sua imaginação fértil nunca conseguiria criar aquele desfecho detestavelmente infeliz.
- O quê? - conseguiu indagar sem perceber que ficara longos segundos sem fala, reação, com os olhos distantes e expressão vazia ocasionando o desespero de que levantou-se abruptamente do sofá andado de um lado para o outro da sala.
- Você não podia ter feito isso. - amassava os cachos por entre os dedos atormentados - Você não podia ter feito isso! - repetia incessantemente, sendo guiado por seus pés a lugar nenhum a medida que seu cérebro latejava e seu coração sucumbia aquela declaração.
- Você mentiu para mim! - arqueou as sobrancelhas, fuzilando-o com seus olhos magoados regados a raiva e auto compaixão.
- Não! - sua caminhada aflita foi detida pela acusação da moça. - Eu apenas levei um tempo para te falar.
- E por que você não me contou?! - levantou-se e cruzou os braços.
- Porque - suspirou profundamente, apertando sobre a ponta dos dedos - Porque eu não queria te magoar. - admitiu baixo, desviando os olhos para o próprio sapato.
- Me magoar?! - juntou as sobrancelhas, dando dois passos a frente - Por que eu ficaria magoada? Você aparece com uma garota nova a cada semana e isso nunca me afetou, por que seria diferente agora?
- Claramente é diferente agora, ! - apontou para ela exasperado.
- Não! Você está saindo com essa garota há quatro meses, por quatro você escondeu isso de mim. - atribuiu com o dedo em riste - Eu percebi… isso - foi a melhor forma que encontrou para se referir a seus sentimentos - há duas noites atrás.
- Há duas noites. - riu sem humor, confirmando com cabeça - Você sabe o quão difícil foi ignorar o meu desejo por você durante todos esse anos? Eu tentei demonstrar, eu ansiei te contar, mas você estava ocupada criando teorias estúpidas sobre a porra do destino tecer os nossos caminhos, sobre como encontrávamos a direção de volta um para o outro, que estávamos destinados a viver isso!
Naquela sala de estar, se expôs por completo, calando as mentiras que ecoavam em sua mente, as mentiras que estava acostumado a repetir a si cada dia ao levantar-se. Abandonou o orgulho, silenciou o ego e admitiu o que não tinha coragem de admitir frente ao espelho, o que tinha vergonha de imaginar.
- Você não tem o direito de decidir agora que o que nós temos não é o suficiente! - com o dedo em riste, declarou.
- E você não pode me culpar pela sua covardia! - gesticulou exasperada, assistindo-o voltar a caminhar em círculos, furioso.
- Quando o Mark me procurou para ajudá-lo a encontrar o anel perfeito, que te deixaria sem fôlego - parafraseou o babaca que graças a deus havia sido expulso de sua vida por uma assustada ao descobrir que seria pedida em casamento - eu fiquei desesperado pensando que tinha te perdido para sempre! Agora você simplesmente decidi que o que temos não é o suficiente? - com o cenho franzido, apontava de um para outro, incrédulo.
- Por que você continua repetindo isso como se fosse algo ruim?
- Porque como tudo na sua vida você vai se animar por um mês e logo desistir! - esbravejou enfurecido - Você já escreveu o início de centenas de histórias e só conseguiu publicar uma até agora, porque você se empolga com qualquer desafio colocado a sua frente e logo decide que não é bom o suficiente.
- São coisas completamente diferentes! - a moça defendeu-se já irritando-se com o tom utilizado pelo suposto amigo que usava do fato de conhecê-la muito bem para distorcer a verdade ali manifestada. - Eu tenho bloqueios criativos as vezes, mas isso…
- Não, não são bloqueios criativos! - determinou aproximando-se dela, pois ainda que estivesse sendo consumido por aquela sala em chamas deseja permanecer ali e mergulhar no mar revolto de emoções que eram os olhos decididos de - Eu sofro de bloqueio criativo, a sofre de bloqueio criativo, você abandona o que tem por achar que não tem o suficiente. Duas noites atrás você decidiu que o que temos não é bom o bastante, você quer mais e sabe o que vai acontecer quando eu der o que você quer? Um dia você vai acordar e decidir que quer mais e então vai embora. - reconheceu, sendo tomado pela melancolia de reconhecer o fato de que nunca conquistaria a mulher de seus sonhos por não ser o suficiente para ela - E eu não suportaria perder você.
precisou de tempo para dissecar aquela declaração e aceitar que apesar de fatos serem expostos ali, não estava completamente certo. Não podia estar!
Ela nunca o magoaria daquela forma. Todavia ao ingressar em um relacionamento ambas as partes sabiam que não era apenas o sucesso e plena felicidade que os aguardavam na linha de chegada. O caminho era difícil, as vezes tortuoso e cansativo, por vezes parecia longo demais e ocasionalmente apenas uma alma cruzava a linha de chegada pois o desafio final fora difícil demais.
havia considerado o fato de não alimentar por ela os mesmo sentimentos que a enlouqueciam nos últimos dias, aquilo seria difícil de superar, no entanto a moça conseguiria e seu amigo permaneceria ali. Entretanto, não havia refletido no possível final trágico de um relacionamento, que com certeza os separaria para sempre.
E diante das declarações do amigo e de sua expressão derrotada, sentia-se culpada por não ter percebido antes e consequentemente por fazê-lo duvidar da intensidade e veracidade de sua paixão.
- Me perdoa, Sam… Eu não sabia como você se sentia. - tocou o rosto triste do rapaz que tentou escapar de suas mãos obstinadas logo desistindo, pois a verdade é que não queria estar em nenhum outro lugar. - Eu estou apaixonada por você e não existe coisa melhor que isso e se você deixar, eu vou provar. A cada dia eu vou me esforçar, você vai ver! - sorriu aflita, esperando que ele acreditasse em seu pedido desesperado.
a mirou, concentrando-se nas sardas que as vezes eram escondidas por trás da maquiagem, ele sabia de cor a disposição de cada uma daquelas estrelas pelas maçãs do rosto de . Foi submergido pelos olhos dela e por fim fitou seus lábios, passando a ponta de seu polegar por aquela carne avermelhada e macia.
- Você estragou tudo. - declarou magoado. - Como você espera que continuemos amigos se agora eu sei que tive a chance de te beijar?
levou os olhos até os lábios de e sentiu que ambos voavam com as borboletas que o cercavam naquela fração de segundos. Aproximou o rosto do dele e foi embriagada ao sentir suas respirações mesclado-se. Tocou os lábios de com os seus e aquele mínimo contato a fez desfalecer no braços fortes do rapaz que a puxava perto, apertando sua cintura, arranhando sua nuca, fazendo seus sentidos aflorarem e sua mente anuviar.
Ao afastar-se de , decidia que aquilo não era apenas um beijo, era sua religião e sua vida toda foi arquitetada para que a moça vivesse aquele momento!
Mas ao abrir os olhos e encontrar a feição preocupada de desejou poder voltar o tempo e viver infinitamente os minutos onde tudo fazia sentido, onde ela perdia fôlego enquanto sua línguas moldavam-se perfeitamente e ela era acolhida por ele.
Todavia não compartilhava da mesma ideia, pois sem dizer uma palavra passou pela porta do apartamento, deixando para trás sendo consolada por sua angústia.

O sol se pôs, declarando o fim de mais um dia, contudo o grande astro logo voltou a brilhar no céu de Chicago, despertando a todos para mais uma vez seguirem suas rotinas, enfrentar seus obstáculos e com sorte encontrar redenção.
tentava não pensar em , em seu toque e em seu sabor, a maciez de seus cabelos, seu perfume, seus olhos aflitos e sua palvras magoadas, porém foi a imagem do rapaz que vou a sua frente até conseguir fechar os olhos e adormecer para sonhar com ele mais uma vez e ao acordar pela manhã lembrar-se se como era amargo o fato de que ela magoou seu melhor amigo, sua paixão.
Encarando seu reflexo no espelho ao escovar os dentes, procurava a melhor forma de pedir perdão, conquista-lo, fazê-lo sorrir, no entanto parecia ter tanta certeza quando disse que uma manhã a moça despertaria para uma realidade onde as borboletas não voariam ao redor de ambos, ao invés disso estariam presoso ao chão e sem fôlego, não porque a visão um do outro lhes roubava o ar dos pulmões, mas porque a infeliz verdade de que a paixão não estava mais ali os deixava triste.
Todavia ao servir-se com uma xícara de chá, já tinha certeza de que se permitisse, ela ficaria a seu lafo para sempre.
Com um sorriso no rosto pegou o celular no bolso para ligar para , mas foi contida pela campainha que soava pelo apartamento, deixou sobre a pia o aparelho e a xícara de chá e correu até a porta, que ao ser aberta revelou , com as mãos nos bolsos e a cabeça baixa.
- Você voltou! - sorriu, contendo o ímpeto de abraçá-lo.
- Eu precisava conversar com a Maura… explicar que não nos veríamos mais. - informou acenando com a cabeça.
- Você não quer entrar? - deu passagem para ele, tremendo da cabeça aos pés pela ansiedade, pelo medo da resposta, pela alegria que a dominava.
- Antes, eu preciso dizer que se eu entrar, eu nunca mais vou embora.
- Sim, faça isso!
O viu adentrar seu apartamento, sua vida, seu coração. E tomar seus lábios com os dele, fazendo-a ser arrebatada pela mesma sensação do dia anterior, quando tudo começou a fazer sentido.
delineava a cintura e o quadril de com a ponta de seus dedos, memorizando as curvas da moça, que se arrepiava a medida que ele beijava seu pescoço e mordia o lobo de sua orelha, suspirando com dificuldade.
Em pensamento, repreendia-se por ter desperdiçado aquela sensação ao longo dos anos que teve ao seu lado. Tapando os olhos para a verdade que seus caminhos não eram apenas tecidos, mas sim interligados.
- Sabe quando eu disse que nunca mais ia embora? - com os olhos fechados o rapaz perguntou, sem coragem de afastar seus lábios dos dela e a sentiu sorrir. Espelhando o gesto da moça, feliz ao sentir cada nuance daquele toque. - Então, na verdade eu preciso ir trabalhar.
riu, apoiando a cabeça no ombro de , aspirando o perfume que emanava dele. Conhecia aquele cheiro, afinal ele já ficara impregnado nas almofadas de seu sofá e seus cobertores devido as vezes que acabava dormindo em sua sala e não tinha coragem de acordá-lo durante a madrugada, portanto apenas retirava seus sapatos, tentando não despertá-lo e, o cobria com cuidado para que não passasse frio durante a noite.Contudo aquela foi a primeira vez que de fato notou o perfume do rapaz.
- Eu acho que tudo ficará bem se você prometer voltar. - a moça afundava os dedos os cabelos dele, beijando sua bochecha sem vontade de soltá-lo.
- Eu prometo. - confirmava com a cabeça, segurando cuidadosamente o rosto de entre suas mãos, voltando a beijá-la, enquanto caminhava até a porta ainda aberta, levando-a consigo. - Está preparada para conhecer todas as minhas manias? - questionava, animado com a expectativa do relacionamento que era colocado a frente de ambos.
- Eu já conheço todas elas. - arqueou as sobrancelhas, sorrindo de lado. - E você conhece as minhas.
- É verdade. - cerrou os olhos, entrelaçando seus dedos aos dela - Inclusive precisamos conversar sobre isso, porque você morde tudo que está na sua mão?
- Eu não faço isso! - negou, ofendida, deixando o queixo cair.
- Claro que faz! - cresceu os olhos não entendendo se ela negava pois estava envergonhada ou por nunca ter percebido que realmente tinha aquela mania maluca. - Você morde qualquer coisa que estiver na sua mão, caneta, a perna do seu óculos, o canudo do milk-shake, o chaveiro da sua chave, o chaveiro da minha chave! Teve um dia que você não estava segurado nada e começou a morder seu dedo! Sério, por que você faz isso?
- As vezes eu fico estressada! - defendeu-se empurrando-o porta a fora.
- Acho que você deveria se consultar com a . - fingia preocupação, rindo enquanto era enxotado do apartamento da namorada. - Isso é sinal de ansiedade, hein.
- Tchau . - declarou, fechando a porta e apoiou-se contra a mesma, rindo sozinha ao sentir cada célula de seu corpo pulsar de felicidade. Subiu a gola da blusa que usava a fim de cobrir o rosto que sustentava um sorriso bobo e suspirou alto, sentindo-se ridícula por desejar que o expediente de já tivesse se findado e ele já estivesse de volta.
- Eu já volto, babe. - foi ouvido do corredor, como se soubesse o que pensava.
A moça abriu a porta, encontrando-o parado no mesmo lugar com um sorriso semelhante ao dela e os olhos brilhantes como duas pedras de rubi negro. aproximou-se e o beijou uma última vez antes de despedir-se e vê-lo acenar antes de adentrar o elevador.

Anualmente os moradores de Chicago e turistas dirigiam-se para as margens do Lago Michigan, ao longo da Avenida Fullerton até a Rua Oak para o Chicago Air and Water Show, o segundo festival mais popular da cidade que ocorre todos os anos desde 1959 e trazia façanhas ousadas de destemidos pilotos civis e militares dos Estados Unidos em um grande variação de aviões sofisticados e antigos.
Sob um guarda sol, estava sentada sobre uma manta, estendida sobre a areia da praia a fim de assistir a mais um show ao lado de , que a metralhava com perguntas e exclamações sobre o novo relacionamento da moça com o cara que até ontem ate seu amigo.
- Vocês já transaram?! - indagou baixo, aproximando o rosto do de para que ela a ouvisse.
- O quê? Não!
- Pelo amor de deus, ! - bateu as mãos nas coxas, revoltada.
Afinal e se conheciam há anos, tinham aquela história de destino que sempre achou que não passava de uma maluquice da cabeça de , apesar de também achar bonitinho. Agiam como um casal o tempo todo, sem perceber que afugentavam possíveis pretendentes. Entendiam um ao outro e o mais importante, entendiam e aceitavam o jeito de , o que era importante pois se terminasse seus dias com alguém que não gostasse de sua melhor amiga teriam grandes problemas!
- , quinta feira nós discutimos, ele disse que estava saindo com uma garota há quatro meses, eu o beijei e ele foi embora sem dizer uma palavra. Eu pensei que ele me odiava! - tentou argumentar já que sentia a decepção de a fuzilando a medida que falava - Ontem ele apareceu na minha porta e foi… perfeito e depois nós jantamos no meu apartamento e ele acabou dormindo lá, mas nós ficamos conversando…
- , amigos conversam! Você conversaram por quatro anos! - explicou, tentado colocar um pouco de juízo na cabeça da amiga que as vezes parecia ter a maturidade de uma adolescente. - Agora que estão namorando precisam fazer outras coisa! Quando as pessoas começam a sair levam um tempo para chegarem ao ponto de transar porque estão se conhecendo e existe insegurança, mas vocês já passaram por tudo isso!
- Eu sei… Eu só não quero apressar as coisas ou colocar grandes expectativas sobre isso, entende? - colocou alguns fios atrás da orelha e arrumou o óculos de sol no que escorregava por seu nariz. - Você sabe que eu sempre estrago as coisas e não quero que isso aconteça dessa vez.
- Você não pode se pressionar assim. - aproximou-se da amiga, sorrindo - Não é verdade que você sempre estraga tudo. É que sempre foi o , por isso não deu certo com os outros caras. - viu a outra moça abrir um sorriso imenso e a empurrou pelo ombro - Olha aí você rindo boba!
- Eu não consigo evitar, desculpa. - cobriu os lábios com a mão e piscou algumas focando-se em outro assunto - E o ? Estou empolgada para conhecê-lo!
- Você vai adorá-lo, sério! Ele é divertido, inteligente e charmoso - dizia sonhadora, sorrindo de lado, recordando-se de quando a levou no cinema - só de lembrar eu fico irritada! - o sorriso de seu rosto desmanchou-se e a moça chutou a areia sujado o pé de um transitante, sem se preocupar em pedir desculpa para a cara feia que ele fazia, afinal a pessoa que vai até a praia deve saber que pode acabar se sujando com toda aquela areia - Ele é um ótimo partido!
- Que pena que não deu certo, .
- Eu sei. - deu de ombros, arrumando o boné azul do Cubs que havia ganhado de quando o homem levou e ela para assistir ao jogo de beisebol no ano anterior - Ao mesmo tempo que eu fico brava e envergonhada pelo o que aconteceu, fico feliz que decidimos ser amigos.
- Foi tão ruim assim? - cerrou os olhos, pois não era comum ver constrangida e ainda mais, ver a mulher admitindo sua vergonha!
- , eu fui tirar a camiseta que ele estava usando e enfiei o dedo no olho dele! - falava séria, vendo a amiga rir - Ele foi se mexer no sofá e derrubou o abajur em cima de mim! O feixe do meu sutiã não abria por nada!
- Você estava de sutiã? - indagou surpresa - Você nunca usa sutiã quando sabe que vai transar!
- Exatamente! - gesticulava abertamente, com os olhos arregalados - Eu não sei o que aconteceu. Foi horrível!
ria da latente frustração e irritação da amiga que aos poucos rendia-se as risadas, sem perceber que um rapaz se aproximava com as mãos nos bolsos da bermuda e um boné na cabeça protegendo os olhos dos raios de sol.
cumprimentou as duas e foi devidamente apresentado a , logo tomando lugar na manta estendida, ao lado de , tentando limpar as mãos que de alguma forma se sujaram de areia, sem que ele percebesse. O homem se mantinha integralmente sobre a área de proteção que a manta proporcionava contra a areia.
- Por que nós temos que ficar na areia para assistir a - apontava para o céu com descaso, procurando a melhor forma de expressar sua falta de apreciação pelo programa - essa coisa?
- Porque aqui é o melhor lugar! - respondeu como se fosse óbvio, indignada com aquela pergunta e com o tom de voz utilizado pelo amigo.
- Tem uma coisa que você precisa saber sobre mim. - falou sério, sem perceber o olhar o compenetrado de sobre a interação do casal - Eu odeio praia. A areia, o sol, o mar, o sal, pessoas com roupas de banho!
- Então, por que você aceitou vir?! - indagou revoltada, sem encontrar tempo para sentir-se culpada por ter convidá-lo para seu programa anual com a melhor amiga. Que em sua opinião era ótimo!
- Porque quando você me chamou eu estava no meio de uma ligação importante e não entendi direito o que você tinha falado. - franziu o cenho, lembrando que aquela ligação importante havia o rendido uma excelente comissão sobre a venda de um apartamento no centro de Chicago.
- Portanto a culpa é exclusivamente sua. - a moça deu de ombros.
- O já deve estar chegando com os guarda-sóis. - tentou ajudar - Vamos resolver pelo menos um dos problemas.
- É o mínimo que você pode fazer já que a ideia desse passeio foi sua. - ainda procurava por alguém para jogar a culpa que recusava aceitar.
, acostumada com o jeito peculiar da amiga, apenas arqueou as sobrancelhas, sorrindo cerrado para o rapaz que acabara de conhecer e sorria intercalando os olhos de uma para .
- Nós adoramos praia. - falou, sentindo-se mal por relacionar-se com alguém que não adorava uma manhã de domingo na areia, lendo um bom livro ou conversando, preparando-se para um mergulho nas águas frias do Lago Michigan. - E todos os anos assistimos o festival.
- Quando eu era criança meu pai me trazia ano após ano. - falava de olhos cerrados, perdendo-se em memórias de dias que iniciavam quentes, com milhões de desconhecidos ao seu redor e sempre findavam deixando o garotinho com torcicolo por ficar horas olhando para o céu vendo aviões e fumaça. - Ele comprava sorvete de baunilha para mim, preparava hambúrguer para o almoço, eu sempre fazia um amigo novo para ficar brincando enquanto o festival não começava e nunca mais via aquela criança na vida… - suspirou profundamente, sorrindo abertamente, assistindo uma família que chegava e arrumava o próprio acampamento a frente deles - Eu odiava cada minuto.
- Não é possível que você não gostava de pelo menos uma coisa! - ria.
- Ah claro. - concordou, voltando o rosto para a amiga que aguardava com expectativa sua resposta - A minha parte favorita era chegar em casa e poder tomar banho para tirar toda a areia que entrava nos mais variados orifícios.
As garotas riam, enquanto o rapaz mantinha um sorriso divertido nos lábios, fingindo não ser atingido pela própria piada, mesmo que houvesse a achado sensacional.
E foi aquele cenário que encontrou quando aproximou-se do grupo, equilibrando os guarda-sóis embaixo do braço e uma caixa térmica com bebidas para todos. logo levantou-se para cumprimentá-lo com um beijo nos lábios que foi a causa da histeria de , que emocionada por finalmente testemunhar aquela cena, colocava-se de pé para abraçar . cumprimentou o rapaz que chegava, ajudando-o a fixar os guarda-sóis na areia e ficou feliz ao receber uma garrafa gelada de cerveja.
- E então - voltou-se para enquanto fazia uma trança nos cabelos de - , como vocês se conheceram? - questionou a respeito do casal, que sorriu voltando o rosto um para o outro.
- Péssima pergunta. - falou, forçando a melhor amiga a olhar para frente para que pudesse terminar seu trabalho como cabeleireira. - Eles podem ficar o dia todo falando sobre isso!
- Há 21 anos. - respondeu a indagação de que arqueou as sobrancelhas, surpreso com aquela resposta.
Apenas para provar que estava errada, investiu poucos minutos em sua explicação dos fatos que antecederam seu namoro com a linda mulher ao seu lado, que agora servia como cobaia para as mãos astutas de .
- Uau! - foi o que conseguiu responder diante da história de amor verdadeiro, alma gêmea e destino que colocou a sua frente.
Basicamente todas as pessoas que ele conhecia haviam encontrado sua cara metade, menos ele! Sua melhor amiga, estava prestes a casar com . Agora ele conhecia um casal que claramente lidava com uma situação de caminhos selados pelo destino há anos! começava a acreditar que havia sido uma pessoa muito ruim em sua vida passada e agora sofria as consequências e castigos das atrocidades que havia cometido!
- E como vocês se conheceram? - devolveu a pergunta para , apontando com o queixo para que havia desistido da trança e agora parecia se empenhar em enlinhar os fios , que fazia uma careta ao sentir o cabelo ser puxado.
- Nós trabalhamos juntos. - respondeu confirmando com a cabeça.
- Eu sou a chefe dele. - complementou a informação.
- Não é não! - o homem protestou, franzindo o cenho, ouvindo a risada do casal.
- Eu gosto e pensar que sou. - deu de ombros, abdicando da função de destruir a aparência da amiga e sentou-se tranquila sobre a manta, tranquilamente.
- Ela é sempre assim? - perguntou para , sorrindo divertido.
- Não. - , negou com a cabeça, defendendo a amiga que provocava o colega de trabalho com um sorrisinho vitorioso - A maior parte do tempo ela é pior.
- Hey! - protestou voltando-se bruscamente para que ria de sua reação.
- A comentou que você trabalha como produtor de um programa de esporte! - recordou-se da informação, visivelmente empolgado com aquele tópico da conversa.
- Ele é o cara que consegue tickets para qualquer jogo. - deu asas para a imaginação do colega de trabalho que colocou em um pedestal no mesmo instante.
- Sério?! - os olhos de brilhavam e ele esperava que sua empolgação não fosse entendida da forma errada.
- É só me falar a data que eu te entrego o ingresso. - respondeu exatamente o que o outro rapaz queria ouvir e podia chorar de felicidade a qualquer momento.
- Eu quero ser amigo dele, não seu. - o corretor de imóveis falou para que arremessou a tampinha da sua garrafa de cerveja contra o peito dele, que ria.
O festival não demorou a começar e o céu azul foi decorado com lindos anjos azuis marinhos que sobrevoavam pelos espectadores, deixando seu rastro por onde passavam. Utilizado o firmamento como uma folha de papel em branco, onde desenhavam livremente com a leveza de uma criança.
e assistiam a tudo empolgadas, enquanto os rapazes dividiam a atenção entre o show que ocorria a cima de suas cabeças e a conversa que haviam iniciado. Todavia o celular de vibrou em seu bolso, forçando-o a interromper o diálogo com para atender que parecia bem do outro lado da linha.
- Ahn, . - chamou pela moça que aplaudia a um piloto atrevido que fazia uma linda manobra. - Eu preciso ir embora, uma amiga acabou de me ligar...
- Isso foi uma ligação de segurança para se livrar desse agradável passeio vespertino, destinado a família toda?! - a mulher indagou de olhos cerrados, deixando o casal desconfortável com sua falta de discrição.
- Não! - riu daquela da ideia absurda que fazia total sentido - A minha amiga realmente precisa de mim... Eu não sei o que aconteceu exatamente, mas ela não parecia nada bem e eu estou preocupado. - explicou, sem vontade de expor muitos detalhes já que não se tratava de um problema pessoal.
- Oh, não se preocupa , vai lá! - abanava a mão no ar, incentivando a partida do rapaz.
- Foi um prazer conhecer vocês. - muito educado, se dirigiu ao casal que sorriu acenando para ele. - E nós precisamos terminar essa conversa. - disse a que confirmou com a cabeça.
- É só marcar a data. - sorrindo, mostrou-se disponível a qualquer compromisso.
- E sem praia. - acrescentou - Promessa! - deu sua palavra, vendo o rapaz sorrir em resposta e então afastar-se.

Nothing
Quando entrou no apartamento, foi invadido pelo cheiro do perfume cítrico da água de colônia refrescante que usava desde que se conheceram, e as notas de lima e limão invadiram seu sistema olfativo quando inspirou profundamente, causando-lhe uma vaga melancolia pela presença dela ali, que estava tão próxima de seu toque e ainda sim, tão distante dele.
Largou o carregador, a carteira e a chave do carro sobre a mesa de jantar, e se dirigiu à pilha de correspondências, separando as que estavam endereçadas a ele para ver se recebeu algo que exigia sua atenção imediata e logo reparou que as correspondências de só aumentavam, dia após dia, acumulando-se intocadas sobre o rack.
- ? - ele falou alto, anunciando sua presença em casa.
Foi até o quarto dos dois, sentindo a essência dela intensificar a medida em que se aproximava e fechou os olhos por alguns segundos, pedindo aos céus que algo estivesse mudado. Mas antes que sua prece fosse concluída, viu na porta do banheiro deles, segurando um pincel de maquiagem em uma mão e um produto na outra.
- Eu estou aqui. - ela avisou tarde demais e sorriu ao ver que havia encontrado-a antes. - Oi.
- O seu cheiro está por todo o apartamento. - informou, apoiando-se contra a porta e cruzando os braços. Reservando aquele instante no tempo apenas para admirar a namorada.
- Desculpa. - disse mas não havia arrependimento em seus olhos castanhos.
- Como foi o seu dia, babe? - ele questionou quando ela se voltou para o espelho do banheiro e continuou aplicando a base. Sentia as mãos formigando de desejo de ir até , aquela criatura etérea e reflexiva, e abraçá-la, questionar qual era o problema e obter respostas verdadeiras e não aquela frustrante desculpa ridícula de que só estava cansada ou teve um dia difícil no consultório. era ótima com desculpas, sempre o fora e era por isso que eles conseguiram escapar de tantos compromissos perigosamente tediosos para passarem mais tempo juntos.
- Cansativo. Tive que transferir um dos meus pacientes para um psiquiatra e esse processo me tomou a tarde inteira. - ela contou, lembrando-se de como a operação exauriu suas forças mentais e depois disso ainda atendeu duas sessões. - E como foi a reunião? Seu maltês ainda dá pro gasto?
respondeu à pequena provocação no idioma maltês, divertindo-se com o súbito e inesperado incitamento da mulher. Sentou na cama gigante e começou a tirar com cuidado o blazer, dispondo-o com cuidado sobre o colchão, para então desabotoar o colete e alocá-lo junto a outra peça.
- O que nós falamos sobre o uso de outros idiomas além do inglês, ? - questionou de dentro do banheiro, sem fazer ideia do ritual que acontecia do outro lado da porta, um de seus preferidos: assistir tirar a roupa de trabalho. A maneira metódica e cuidadosa com que ele se livrava das peças sempre a encantou, a leveza nos gestos era quase graciosa e existiram dias em que ela desejou poder ver o espetáculo duas vezes.
- Que eu posso usá-los sempre que for para te elogiar? - respondeu de modo brincalhão, livrando-se da camisa social antes de partir para os sapatos e meias.
- Não, não foi isso. - retrucou. - E ainda que fosse, tenho quase certeza de que você não me elogiou. - ela apareceu na porta, pronta. - Tem certeza de que só vamos ao karaokê? - questionou enquanto analisava a escolha da roupa, que poderia facilmente se transformar em algo mais requintado se trocasse o tênis branco por saltos altos.
Ele ergueu o rosto e como se soubesse exatamente o motivo da dúvida de , a olhou dos pés a cabeça.
- Você está linda, e mesmo que esse não fosse o caso, é real a probabilidade do e da aparecerem de pijamas combinando só porque é engraçado. - disse, pronto para levantar e tomar em seus braços. Deus, ele estava desesperado…
- Esse seria um desenrolar interessante dos fatos. - Ela sorriu, pensativa. - Bem, enquanto você fica pronto, vou preparar uma água com limão.
- Tudo bem, vou só me trocar. - avisou, assistindo acenar com a cabeça e sair do quarto.
Ela fez sem pressa o percurso do corredor em direção à cozinha, apreciando a limpeza e organização do lugar, fruto das visitas semanais de uma funcionária que limpava a fundo cada centímetro daquele apartamento.
Na cozinha, abriu a geladeira e tirou uma garrafa de água mineral e levou até o balcão, voltou e encheu a mão de gelo direto do congelador e só então se tocou que nem havia pegado o copo, mas para não perder a viagem correu até o outro armário com a mão cheia de gelo e pegou o primeiro copo ao seu alcance, suspirando aliviada quando despejou o conteúdo no recipiente de vidro.
Com mais calma, cortou um limão e espremeu o conteúdo das duas bandas no copo antes de desprezar o restante do fruto e despejar água até um pouco antes da borda do copo. Apoiou-se contra o balcão branco e deixou os olhos delongarem-se sobre a paisagem estritamente urbana do centro de Chicago enquanto apreciava a bebida natural.
Antes que terminasse o último gole, ouviu os passos fortes de ressoando pelo piso de madeira. Colocou o copo dentro da pia e respirou fundo, tomando forças para a saída, que fazia parte da rotina deles há alguns anos e sempre era fonte de alguma fofoca absurda que alimentava as conversas picantes entre ela e pela semana seguinte, até o próximo encontro.
- Eu pensei que poderíamos ir de táxi, , assim nós dois podemos beber tranquilamente. - sugeriu, pegando a carteira para checar se os cartões estavam todos lá e também dinheiro em nota para pagar o táxi.
- Não se preocupa, eu dirijo. - abriu a porta do apartamento. - Cadê a chave do carro?
- Você não quer beber? - franziu o cenho mas entregou o objeto para a mulher e a seguiu para fora do apartamento, em direção ao elevador, tratando de apressar o passo para não ficar para trás, esperar a próxima vez que ele subisse e atrasasse ainda mais porque aparentemente já estava lá e sozinho, exigindo a presença do casal.
- Eu só vou beber vinho, não posso me dar ao luxo de uma ressaca em plena terça-feira. - ela deu de ombros mas o movimento foi tão suave que era quase imperceptível.
estava há alguns centímetros atrás dela, o suficiente para analisasse o perfil da namorada sem que ela notasse, já que parecia entretida o bastante com seus próprios pensamentos. Daria sua herança para descobrir o que diabos mantinha tão distante.
No último mês inteiro ela foi se afastando, submersa em seu próprio mundinho, mais silenciosa, menos brincalhona, e todas as vezes que , que achava que a conhecia como a si mesmo, questionava sobre o que estava acontecendo, ouvia a mesma resposta mecânica de que estava tudo bem. Ela não parecia se dar conta de que ele via através daqueles sorrisos falsos e se preocupava com aquela sensação de que estava perdendo-a um pouco um dia após o outro.
Sempre foi , desde a noite em que a viu num show da Sheryl Crow, embalando o corpo ao ritmo da música alta, os cabelos longos movimentando lindamente. Ele soube naquele instante que os dois construiriam uma vida juntos e seriam felizes. Por que quem não seria feliz estando ao lado daquela criatura serena e bela?
Quanto lembrava da noite em que se conheceram, uma de suas memórias favoritas, impressionava-se com a riqueza de detalhes que sua mente armazenou. A precisão daquelas imagens, sensações e sons tão específicos poderiam certamente ser transcritas para a eternidade.
Entretanto, quando olhava para agora, concentrada em ajustar o banco do motorista, checando os espelhos retrovisores e colocando o cinto de segurança, a história de cinco anos dos dois parecia longínqua, envolta em uma névoa da abismal indiferença que existia entre eles ultimamente.
- Coloca a localização no meu celular, por favor. - pediu, arrastando-o para fora daquele oceano de lembranças. Notou que a olhava intensamente mas não se atreveu a perguntar o motivo, apenas lhe entregou o iphone sem a capa protetora porque esqueceu no consultório.
- É perto daquele cinema que nós levamos as crianças, sabe? - comentou sobre o passeio com seus sobrinhos que passaram um fim de semana em sua casa no verão passado, mas de qualquer maneira atendeu ao pedido de .
- Aham, acho que sei onde é. - ela acenou positivamente, atenta ao movimento na rua ao sair com o SUV. - O que você comprou para o ? Eu esqueci completamente de perguntar antes. - se culpou por sua memória falha.
- Ah, você não vai acreditar! - o homem se animou com o rumo daquela conversa (naquela altura do campeonato, ele estava feliz com a mera existência de uma conversa!) e inclinou-se para pegar um pacote no banco de trás. - Lembra que eu estava indeciso entre o drone e um relógio?
- Aham. - acenou levemente. Estava concentrada na direção mas lembrava vagamente da conversa que tiveram há alguns meses e lhe apresentou diversas ideias de presentes para e juntos eles consideraram os prós e contras de cada opção até que restou um bom relógio ou um drone, sendo este a opção ridiculamente mais cara e inútil.
- Então, não comprei nenhum dos dois. - anunciou, exibindo a caixa média embrulhada.
- O que tem aí dentro? - se viu curiosa com o conteúdo escondido.
- Um localizador de cerveja!
- O quê?
- Um local…
- Não, eu ouvi da primeira vez. - o interrompeu. - O que seria exatamente um localizador de cerveja, ? - questionou, desacreditada do que o namorado havia feito.
- Ahn, eu não sei. O vai usar e nos contar. - sorriu e batucou os dedos elegantes sobre a caixa. Foi sutil mas ele notou o descontentamento em sua voz. - É que há um tempo atrás nós vimos uma propaganda e o quis saber como funcionava, eu acho que ele vai entender o apelo da situação. - explicou, o tom um pouco mais seco do que o pensado.
Uma nuvem pesada de desconforto pairou no carro e o casal passou o restante do percurso, quinze minutos inteiros, sem dizer uma única palavra. Mas após estacionar o carro, falou antes que abrissem as portas.
- , você está chateada por causa do presente? - segurou a mão dela, que sobressaltou-se com o toque aquecedor.
- Não. - foi honesta. A princípio achou a ideia ridícula mas a explicação dele fez sentido e então ficou com vergonha por ter soado tão brusca, estragando a felicidade alheia. Arruinando o pequeno momento bom entre eles, como ela andava arruinando tudo ultimamente. - Eu tenho certeza que o vai gostar, você é um bom amigo, . - ela apertou a mão dele de volta.
fitou suas mãos juntas, olhou para e tomou fôlego para perguntar o que estava acontecendo com eles, mas desistiu antes que começasse um diálogo frustrante com a psicóloga que era expert em fechar as portas emocionais nas discussões deles.
- Vamos? - sorriu charmoso e abriu a porta do carona, correndo até a calçada para não ser atropelado antes de entregar o presente a .
Eles entraram no bar animado e manteve a mão na base das costas da namorada, que foi a primeira a avistar o aniversariante sozinho na mesa, comendo distraído com o trio que cantava no pequeno palco. Quando o casal parou a sua frente, levantou para cumprimentá-los, beijando as duas bochechas de e abraçando o melhor amigo de mal jeito por causa do presente entre eles.
- Finalmente! Achei que ia comemorar os quase trinta sozinho! - pegou a embalagem das mãos de , afinal de contas se alguém tinha legitimidade sobre o objeto, essa pessoa era ele. - O que é isto, ?
- Você não acertaria nem em um milhão de anos, . - arqueou uma sobrancelha, sorrindo convencido. Dessa vez ele não acertaria pelo simples fato de não fazer ideia de que existia mesmo um localizador de cerveja. - E se eu fosse você, abriria em casa, sozinho. - provocou.
- Eu ficaria assustado com essa sua dica se não confiasse totalmente no bom gosto e bom senso da . - sorriu para a mulher ao depositar sua confiança nela.
Do outro lado da mesa, sorriu tímida e disse:
- Dessa vez eu não tive nada a ver com o presente. Não faço ideia do que pode ter aí dentro.
- Ah, meu deus. O que você fez, ? - questionou o outro, desesperado.
- Abre seu presente, . - apontou para a caixa e então virou-se para . - Você quer beber alguma coisa, babe? Eu vou no bar buscar. - se ofereceu, tocando a perna dela levemente.
- Eu mesma vou buscar, não se preocupa. Você quer uma cerveja? - levantou, afinal de contas, era o momento dos amigos abrirem o presente e fazerem suas piadinhas sobre, então nada mais justo do que ela ir até o bar enquanto isto.
- Sim, por favor. - sorriu, agradecido.
A psicóloga foi até o bar e aguardou a sua vez de fazer o pedido, usando toda a sua concentração para ler o cardápio, onde decidiu pedir uma porção de batatas, hambúrguer para , que não havia jantado ainda, uma água com gás e limão, um milkshake de morango para ela e a cerveja do namorado.
Sentia-se agoniada e sufocada ali dentro, recebendo o toque de , seu olhar cuidadoso, o sorriso lindo. Sabia que ele se preocupava e podia entender o fundamento de sua apreensão, mas se havia uma analogia para a situação em que se encontrava era: estava se afogando em um lago gélido e ninguém podia salvá-la.
Pagou pelo pedido e voltou para a mesa com a cerveja de e sua água. Os dois homens discutiam animadamente sobre a geringonça que também era chamada de localizados de cerveja. Entregou a bebida dele e sentou, conformando-se em assistir os amigos interagirem por um longo tempo até que a comida foi trazida e meia hora depois, chegou.
A partir daí a noite transcorreu em pura animação, esqueceu por alguns instantes de sua cabeça ferrada e se deliciou estudando a interação inflamável entre e . Não precisaria nem ser uma psicóloga para ver que alguns limites daquele relacionamento ultrapassavam as barreiras da simples amizade, mas como profissional estava na vantagem quando observava e analisava os dois. Se intrigava profundamente com a reticência cautelosa de , apesar de toda sua dedicação à , e ansiou conviver um pouquinho mais com os dois para descobrir o que ele escondia.
O problema de olhar com tanta atenção para os dois é que a enchia de pânico lembrar do homem perfeito ao seu lado, com o braço apoiado sobre as costas de seu banco, sorrindo em puro charme enquanto se divertia com a apresentação boba de e , causando no palco. Era injusto que estivesse preso a ela e a felicidade do casal no palco só aumentava sua culpa.
- A gente pode ir embora, por favor? Eu não estou me sentindo bem. - chamou a atenção de , que imediatamente a olhou, preocupado.
- O que aconteceu? O que você está sentindo? - ele levou a mão até a dela mas recolheu a sua, mantendo-a sobre o colo. - O que foi, ? - questionou baixo e impaciente. Desde quando ela recusava seu toque como se ele tivesse uma doença contagiosa?
- Vamos para casa, por favor. - ela repetiu o pedido, aflita.
levantou e acenou para , avisando que estava indo embora e apontou para , como se justificasse porque estava saindo fugido. O amigo acenou para os dois e voltou a cantar com .
e saíram do bar quietos mas na calçada, indo em direção ao carro, ele não se aguentou e questionou:
- O que está acontecendo com você, ?
- Eu falei que não estou me sentindo bem. - ela respondeu apesar de saber muito bem que seu namorado não estava falando sobre aquilo.
- Nós precisamos conversar, você sabe disso. - parou ao lado da porta do motorista e viu o pânico que brotou nos olhos de quando fez a sugestão. Mas ao invés de pressioná-la, abriu a porta para que entrasse pois não iria criar uma cena na porta do bar.
respirou fundo uma vez, e então uma segunda inspiração profunda foi necessária para que não começasse a chorar ali, sem razão alguma.
Se o clima da vinda até ali foi ruim, a volta pra casa se revelou ainda pior, consolidando a chegada em casa como um completo fracasso para os dois, que se espalharam pelo apartamento de maneira que não tivessem que se ver. foi direto para o quarto, para dormir, e foi assistir TV até que tivesse certeza que a namorada estava dormindo para então entrar no quarto.
E três horas depois, quando ele desligou a TV e arrastou os pés até o quarto deles, estava completamente desperta, deitada de costas para a porta, ciente do peso dele no colchão, ajustando-se para dormir. Ou pelo menos tentar. Já que a manhã veio e os dois assistiram o alvorecer do dia sem conseguir fechar os olhos.

ooo


- O realmente comprou um presente de merda? - pigarreou, mudando de assunto. E podia ver nos olhos do amigo que ele não estava interessado ou sequer conseguiria pensar em algo além da Srta. Mulher da Minha Vida, a quem atendia comumente pelo nome de .
Mas isso nunca a impedia de falar.
- O problema nunca foi o presente. Eu acho que tem alguma coisa errada comigo. . - desabafou, admitindo em voz alta, pela primeira vez, que não estava bem.
- Bobagem. - o rapaz balançou a cabeça, desaprovando a ideia ridícula. - Você é perfeita. - apontou desleixadamente para ela, como se provasse seu ponto.
suspirou, cansada. Convencer de que não estava bem seria mais frustrante do que imaginou. Como abordaria seu constante estado deprimido e a sensação de vazio em seu peito que a perseguia se o seu amigo não conseguia ao menos cogitar a possibilidade?
As pessoas realmente acreditavam que ela estava imune a esse mal apenas porque conhecia uma fração mínima do estudo da mente?
- Eu estou falando sério, tem algo errado. Há algum tempo eu não me sinto eu mesma…
- Você tem usado drogas? - cerrou os olhos, procurando sinais de que estava em perigo. Um perigo real e tangível.
- . - ela travou o maxilar, nervosa. A conversa estava sendo pior do que havia previsto.
- Nós temos que considerar todas as possibilidades, . - decidiu falar sério. - O que o acha dessa sua ideia? - questionou, apelando para o bom senso do outro homem, que normalmente estava certo. Mas a resposta que recebeu o deixou alerta.
- Eu não sei, nós não conversamos sobre.
Isso era um fator interessante.
Desde quando e deixavam de conversar sobre coisas?
- Essa não é mais uma daquelas crises antes de vocês tomarem um grande passo, certo? - ele mordeu a unha, ansioso. Talvez estivesse a caminho de fazer uma grande descoberta, afinal de contas!
- Como assim? - franziu o cenho, claramente ignorante quanto ao tópico citado.
- Vocês vão casar? O te pediu em casamento? Deu a entender? Você ficou nervosa? - disparou em um milhão de perguntas, sua cabeça funcionando a mil. - Você está grávida?
- Não, definitivamente. - negou veemente pois ainda tomava todas as precauções necessárias para evitar uma gravidez não planejada.
Lembrou de quando planejou em sua cabeça como seriam as coisas quando eles tivessem o primeiro bebê, pediria licença estendida para se dedicar aos cuidados constantes do pequeno bebê e então eles teriam mais um porque ela sempre quis ter dois filhos e sempre disse que se imaginava sendo pai de duas crianças, além do mais era um número razoável para que conseguissem mantê-los com conforto.
Agora a ideia de criar uma nova vida parecia inócua diante seu desinteresse pela própria vida.
- O que é então, ? - o amigo questionou em um tom de voz suave, se esforçando para entendê-la. - Você e o tem o que poucas pessoas terão durante a vida. Às vezes eu mesmo me dou conta de que fico procurando esse tipo de conexão especial em qualquer pessoa, porque é algo tão único!
E aquelas palavras foram um balde de água fria sobre a cabeça de , que naquele instante compreendeu como ninguém na face daquela terra poderia compreendê-la. Ninguém.
- Você tem razão, . - sorriu o mais real que pode. - Deve ser só coisa da minha cabeça.
- Eu tenho certeza disso, minha querida. Olha pra você, pura inteligência, elegância e paz! E como se não fosse o suficiente, está prestes a casar com aquele homem que parece uma wikipedia de idiomas e roupas caras!
- Você faz uma imagem do que nem ele reconhece. - levantou e a acompanhou para fora da cafeteria. - Eu preciso ir, . Tenho um atendimento e preciso me preparar psicologicamente pra isso.
- Eu pensei que você preparava as pessoas psicologicamente… - o corretor não resistiu ao trocadilho idiota e começou a rir sozinho de sua própria genialidade.
- Essa piadinha não, por favor. - tocou a testa, mortificada.
Em alguns passos os dois estavam na frente da entrada do trabalho de e quando ela foi se despedir, o amigo a interrompeu, ansioso:
- Será que eu devia voltar na sala da e tentar uma segunda vez o beijo encantado?
- Não é uma boa ideia. - a psicóloga o aconselhou.
- Eu acho que vou fazer isso… - ele ignorou as palavras dela, decidido a ser dono da própria história, fazer o próprio destino etc. - Até mais, ! - beijou a bochecha de e entrou, batucando os dedos e cantarolando a música de um comercial que impregnou em sua cabeça porque o maldito cliente não parou de cantá-la durante o encontro comercial daquela manhã.
A mulher ficou parada ali fora por alguns momentos, pensando no que precisava fazer e então pediu um táxi e retornou ao consultório onde teve tempo para estudar um pouco até que os últimos pacientes da manhã começassem a chegar.
Gostaria de dizer que o restante do dia passou como um borrão mas na verdade esteve ciente de cada segundo que se arrastava, cada minuto pesarosamente demorado e a constante ânsia de concluir aquilo e ir para casa ficar sozinha por algum tempo até que chegasse também.
Mas como nada em sua vida parecia cooperar, quando chegou em casa, já estava lá, jogando videogame em roupas casuais, tão distraído que nem ouviu quando a namorada chegou. suspirou pesarosa (deus sabe como tudo o que ela sabia fazer ultimamente era suspirar) e deixou o hall, aparecendo na sala.
- Você veio antes. - atestou o óbvio, passando os olhos pela bagunça confortável ao redor dele. Era o tipo de ambiente confortável que gostava de manter quando em casa, e já havia gostado daquilo também.
- Pois é, terminou antes do previsto. - ele segurou o console com as duas mãos, reticente.
Quis convidá-la para sentar com ele, perguntar como foi seu dia enquanto ela relaxava os ombros por causa da massagem que ele fazia. Cogitou levantar e ir até ela, tomar seu rosto entre as mãos e beijá-la até que perdessem o fôlego, até que esquecessem do precipício formado entre eles.
- Eu vou tomar um banho. - avisou e apressou o passo até sair da presença de , que ficou atônito com os modos arredios dela e voltou a jogar mecanicamente, esforçando-se para obter a distração que o jogo devia lhe oferecer.
Mas não pode, não conseguia ignorar os sons de transitando lá dentro, engoliu em seco ao ouvir o barulho do chuveiro soar pela casa, pensou se seria bem vindo caso decidisse se juntar a ela, mas então a água foi cessada e ele perdeu sua chance. Alguns minutos depois o barulho abafado do secador indicaram que ela já estava vestida, porque sempre deixava o processo de secar o cabelo por último.
levantou. Não sabia o que iria dizer à namorada mas foi até o quarto e procurou .
- Como foi seu dia? - tentou uma aproximação amigável.
- Tranquilo. - desplugou o cabo do secador e o guardou na parte debaixo da pia. - E o seu?
- O Hoover conversou comigo de novo, pressionando sobre uma posição na proposta dele. - ele contou, reprisando a insistência do Secretário Nacional de assuntos Diplomáticos em contratar os serviços de como tradutor oficial em missões diplomáticas do Estado.
O salário era tão bom quanto o esperado mas em compensação, ele teria que vender cada segundo de seu tempo para o trabalho, e honestamente, sentia que esse movimento apresentaria danos permanentes ao seu relacionamento desgastado.
- E o que você disse? - foi até o closet deles e começou a dar uma olhada nas roupas, procurando o que vestiria na manhã no outro dia.
- Que ainda não tive tempo pra pensar nisso. - permaneceu sentado na beira da cama deles, comemorando o sucesso daquela abordagem. Agora só precisava fazer a conversa durar mais do que cinco minutos.
- Seria tão ruim assim ter que responder a alguém? - a psicóloga desistiu da roupa e escolheu um sapato amarelo, para a partir dele, montar o restante do visual.
- Eu não sei, o que você acha?
- Acho que você está em uma fase da sua vida em que pode se dar ao luxo de tomar uma decisão dessas sem o peso de muitas responsabilidades, .
- Às vezes eu fico pensando na questão do meu tempo, que vai ficar integralmente comprometido…
- Não é como se você ficasse muito em casa, de qualquer maneira. - parou na porta entre o closet e o quarto, argumentando contra os fracos fundamentos de seu namorado para recusar a proposta.
- Eu estava em casa hoje quando você chegou. - arqueou uma sobrancelha e sorriu.
- E eu tenho certeza de que em algum lugar do mundo, alguém está pagando o terrível preço dessa perversão da ordem natural das coisas. - retrucou, questionando-se sobre quando os lindos sorrisos de deixaram de lhe afetar e logo concluiu que nada mais lhe causava sensações há algum tempo.
- Você já comeu alguma coisa? - ele mudou de assunto.
- Não, ainda não. - balançou a cabeça, negando.
- Eu estou com fome. - coçou a cabeça, inseguro sobre a proposta que pretendia fazer. - E pensei que nós poderíamos jantar fora, colocar a conversa em dia, faz tempo que nós não saímos, só nós dois. - sugeriu com um sorriso tímido.
E assim que as palavras foram ditas, a postura amigável de desapareceu.
- Eu estou cansada demais pra me arrumar, . - ela deu de ombros e voltou para dentro do closet, mexendo ansiosamente entre os cabides, sem procurar nada em especial.
- Você não precisa se arrumar, nós vamos em algum lugar simples. - persistiu, arrependido de ter iniciado aquele tópico estúpido, eles podiam muito bem ter comido em casa e terem evitado aquele momento.
- Nós já passamos o dia fora de casa, agora é a única oportunidade do dia de aproveitar um pouco de paz. - engoliu em seco, tomada pelo pânico por causa da simples ideia de ter que sair e lidar com pessoas quando aquilo era exatamente o que ela não queria.
-
- Hoje não, . Quem sabe uma outra vez… - deu o assunto por encerrado e saiu do quarto, deixando um homem transtornado por causa da ignorância do que aconteceu entre eles e a falta de sabedoria para consertar aquilo.
levantou-se, saindo pelo corredor atrás da namorada que se dirigia a cozinha a fim de preparar algo rápido para comer. Fazia algum tempo que não ia até o mercado, portanto as compras ficaram sob a responsabilidade de e a moça não sabia mais o que preenchia os armários de sua cozinha.
- Você anda muito cansada ultimamente. - o rapaz declarou cruzado os braços e apoiou o quadril contra o mármore da pia.
- Sim, estou com muitos pacientes. - respondeu mecanicamente, sentindo sua nuca queimar devido o olhar intenso que o homem a direcionava.
Tirou do congelador um pacote de hambúrguer congelado e o abriu, colocando o sanduíche no microondas, respirando fundo ao ativar o timer e perceber que precisaria continuar a conversa por mais dois minutos.
- Nós podemos viajar no fim de semana. - sorriu com a ideia, obtendo como resposta apenas o som do motor do microondas, enquanto mantinha os olhos sobre a máquina - Para um lugar tranquilo no interior, sem trabalho, só nós dois. O que você acha? - questionou, aproximando-se, tamborilando os dedos sobre os braços.
A cada passo que dava sentia que se afastava de , afinal aquela não era mais a garota por quem havia se apaixonado, era apenas o fantasma de uma mulher brilhante, pois de seus olhos não fluíam mais paixão, apreço, curiosidade, vida. continuavam escalando, todavia as paredes entre os dois apenas cresciam a cada dia e quanto mais se esforçava mais era puxado para baixo devido o peso da indiferença de em seus ombros.
- Ahan. - foi apenas o que a moça respondeu, confirmando com a cabeça, ainda mirando o prato do microondas girar e girar. - Mas talvez no próximo. Eu preciso estudar esse fim de semana.
- Entendi. - recuou alguns passos, voltando a apoiar-se no mármore da pia, mantendo seus olhos sobre enquanto ela pegava um prato no armário, uma lata de refrigerante na geladeira, abria a porta do microonda e dali retirava seu jantar.
caminhava para fora da cozinha sem dizer uma palavra, a fim de jantar no quarto, com a porta fechada como se acostumou a fazer ao longo dos últimos três meses, mas sentiu segurá-la pelo braço e o mínimo toque não a causou reação alguma, nem ao menos recordava a última vez que desejou a pele quente do namorado sobre a sua. Não sabia desde quando, nem ao menos o porque, os toques de não a alcançavam mais.
O homem aproximou o rosto do dela e seus olhos foram atraídos para os lábios de . No entanto seu alvo foi a bochecha da namorada, onde depositou um beijo vago e a viu sorrir, como se tivesse sido programada a fazer aquilo, para então dar as costas a ele e fechar-se em seu esconderijo, onde seus segredos eram mantidos debaixo de seu travesseiro e não sentia-se bem vindo há muito tempo.
não lembrava-se a última vez que viu um sorriso verdadeiro adornando o rosto de e aquilo o assustava pois não era apenas aquela mentira que a moça mantinha. E o pior, era que o homem sabia que a psicóloga via por trás da máscara que ele sustentava, fingindo acreditar no que ela o dizia. Suspirou derrotado e afundou-se no sofá, permitindo ser soterrado por aquela avalanche de frustração, martirizando-se até dormir desconfortavelmente. Entretanto, pela primeira vez em muito tempo, não adormeceu ao lado da estranha que apesar de esforçar-se para afastar-se dele, ainda residia em seu coração.

A recusa de foi a gota d'água na crise, já que a aparente indiferença dela permaneceu na cabeça de durante toda a quarta-feira, atrapalhando o seu desempenho no trabalho, deixando-o em constante estado de irritação e impaciência.
Ele dormiu fora da própria cama pela primeira vez em cinco anos, pelo amor de deus!
E fez isso para fugir daquela pessoa que deveria ser sua cara metade, sua alma gêmea, sua parceira e confidente. Não podia mais suportar as maneiras esquivas de e a tempos admitira a si mesmo que estavam passando por uma crise mas cada tentativa de trazer o assunto à tona foi muito bem ignorado e relevado pela mulher que transformava-se na Dra. e o fazia sentir-se tolo por sequer cogitar a existência de algo errado na vidinha perfeita dos dois.
Depois de perceber que não podia mais trabalhar, na verdade não conseguia, avisou que sairia mais cedo e desceu até a garagem, entrou no carro e se perguntou aonde ir. Não queria voltar pra casa e ser sufocado por aquele apartamento que agora representava uma grande mentira em sua vida, mas também não tinha para onde ir, podia incomodar mas dificilmente o amigo sequer atenderia o telefone porque costumava desaparecer durante seu expediente.
Mandou uma mensagem para , pedindo para que ela fosse direto para casa após seu trabalho porque eles precisavam conversar.
Não adiaria mais aquele confrontamento, ou resolveriam de vez a situação, ou ele daria um fim àquilo, embora não soubesse exatamente a que tipo de fim se referia. Ou sabia mas tinha medo de admitir.
Chegou em casa e olhou para o apartamento escuro, folgou a gravata e jogou-se no sofá. Iria só sentar ali por uns dez minutinhos antes de pensar no que diria à , só precisava de alguns minutos, pensou antes de apagar em um sono profundo e sem sonhos.
Acordou em um sobressalto, assustado com o repentino acordar e se pôs de pé, constatando que: o sol já fora embora, o apartamento estava todo escuro e não havia chegado ainda. O que não era necessariamente ruim porque esse retardo lhe dava tempo para pensar em suas palavras mas também mostrava a clara falta de interesse da mulher e isso sim era preocupante.
Mas parece que estava apenas o momento certo para chegar porque entrou no apartamento momentos depois que teve a ideia de acender as luzes para não parecer uma aberração sinistra.
Os dois se encontram quando ela apareceu e ficou parada entre o espaço entre cozinha e sala, o silêncio pesado e carregado fazia com que fosse quase palpável a tensão no ar, tornando difícil respirar.
- Onde você estava? - ele falou primeiro, sentando no braço do sofá e cruzando os braços. - Estou te esperando aqui desde de tarde.
- Pensei que você estava trabalhando, como eu estava fazendo. - respondeu, analisando o homem meticulosamente enquanto tirava os saltos para deixá-los no canto, próximo a saída, os maxilares tensos dele não eram um bom indicativo, em sua perspectiva.
- Até essa hora? Eu espero que você receba uma excelente bonificação por essas horas extras. - arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa, apesar das palavras triviais, sua voz era puro sarcasmo.
- O que você queria falar, ? - ela tirou o blazer branco e o segurou entre as mãos enquanto cruzava os braços também.
- Sobre você, na verdade.
- Ah, não. Nós definitivamente não vamos ter essa conversa. Não hoje, eu estou cansada e…
- E eu estou cansado de ser ignorado por você, então nós dois só vamos sair daqui quando você me explicar algumas coisas. - o homem a interrompeu, levantando-se. Infelizmente para , ele não ia dormir mais uma noite sem entender porque era o objeto de desprezo daquela estranha que um dia ele achou ter conhecido, não ia se submeter a dividir a cama com ela ou pior ainda, dormir no sofá mais uma vez.
se surpreendeu ao notar que estava irritada com o tom condescendente de . Ele não tinha o direito de estar bravo com ela, quando tudo o que fez foi exigir um tempo sozinha para descobrir o que diabos acontecia com sua cabeça danificada.
- Eu não estou te ignorando. Na verdade, eu não poderia nem se quisesse já que você fica em cima de mim cada maldito segundo que eu passo nesse lugar. - ela retrucou acidamente.
- Nem isso você pode alegar já que tem três meses que eu não posso tocar em você sem que você faça essa cara de quem quer morrer. - parou de andar pelo perímetro da sala mas manteve as mãos na cintura.
Como , sua tímida e doce , conseguiu transformar-se naquela mulher fria e amarga? Quando aquela mudança horrível aconteceu e o que ele estava fazendo para não ter parado aquele desastre iminente antes que chegassem a aquele estado?
Nunca imaginou que sentiria nada menos do que amor por ela, e agora… Agora sentia aversão àqueles olhos castanhos insatisfeitos e a expressão imperturbável de suas feições.
- Eu preciso de espaço. - disse entredentes, impaciente com tudo aquilo. Deus, seus dias já eram tão difíceis, porque ele tinha que tornar seu momento de descanso um inferno com todas aquelas perguntas?
- Três meses não foram o suficiente, babe? Você quer que eu saia do apartamento pra você ficar mais confortável? - abriu os braços e apontou para a casa, o lar deles, rindo debochado da desculpa ridícula que ouvia.
- Para de usar esse tom desdenhoso, não te cai bem.
- Sabe o que não cai bem em você, ? Covardia. - voltou a andar ansiosamente pela sala, o barulho seco do sapato contra o piso ecoavam pelo apartamento em um ritmo irritante. - Eu tenho o direito, depois de cinco anos juntos, de ter pelo menos uma explicação, um motivo pra você me desprezar assim. Eu fiz algo e estou sendo punido? Me diz o que eu fiz, porque não tem como corrigir um erro se eu não faço ideia do que seja!
- Meu deus, , para de achar que tudo na minha vida é sobre você! Você não para pra pensar por um segundo que eu posso estar lidando com problemas próprios? - ergueu a voz sem dar conta de que o fazia.
- Eu não posso ler mentes, querida! Não posso olhar pra você e adivinhar o que você quer de mim! Como você espera que eu deduza isso quando todas as pessoas dessa cidade são merecedoras da sua simpatia e educação mas eu, o seu namorado, a pessoa com quem você divide a cama, recebo respostas monossilábicas que me deixam louco e o seu silêncio superior?
"Todas as pessoas dessa cidade não me sufocam com olhares o tempo todo! Todas as pessoas dessa cidade não me perseguem atrás de respostas só porque eu decidi que preciso de um pouco de silêncio!" pensou em uma fração de segundos, mas as palavras que saíram de sua boca foram:
- Você está me sufocando, me deixando louca! - ela gritou, agitando inquietamente os braços, - Meus dias são horríveis e eu só quero desaparecer por algumas horas quando chego aqui mas isso não é possível! Por que você não me deixa em paz? Por que, ?! - aproximou-se o suficiente para apontar o dedo indicador contra o peito dele, acusando-o e culpando-o por tirar sua paz.
- Porque eu preciso de respostas, porra! Você não fala comigo, me deixa no escuro! Eu não me sinto bem vindo nesse apartamento, na nossa casa! - gritou de volta, indignado com as injustas queixas de . Como alguém podia ser tão absurdo assim?
Aquela mulher o levaria à loucura, e não no bom sentido. Mais no lado literal e doloroso da situação, ele ia terminar aquilo com o coração partido e a ciência disso pressionava seu peito e tornava as batidas do seu coração mais pesadas, latejando em seus ouvidos.
- E você não é bem vindo, de fato, se tudo o que sabe fazer é me perseguir! - a psicóloga esfregava os olhos cansados enquanto falava, inspirando fundo para controlar a rapidez com que respirava, quase superficialmente. Como nunca percebeu o quão egoísta sempre foi?
Será que estava cega por causa da paixão? Questionou-se enquanto se afastava dele, dando as costas para aquele homem mimado e egocêntrico.
- Vai se foder, ! - a voz grave de reverberou pelo cômodo, exacerbando o auge de sua frustração.
- Não, vai você se foder! Eu não tenho as respostas que você quer, eu não tenho respostas nem pra mim! Tudo o que eu sei é que estou infeliz, ter que levantar todos os dias me faz infeliz, ter que lidar com pessoas me deixa infeliz, você me faz infeliz quando é gentil comigo, quando me toca, exigindo respostas! - enumerou nos dedos as causas de sua infelicidade ultimamente.
A essa altura do campeonato, ela não podia se importar menos se os vizinhos estivessem ouvindo a discussão. Que o prédio inteiro ouvisse! Chicago inteira testemunhasse aquele caos!
- Se eu te faço tão infeliz assim, por que você não termina com isto? Por que não dá um basta nesse inferno que está sendo pra nós dois, hein? Você é egoísta ao ponto de me manter preso nisso? - tomou sua oportunidade de se defender, aproximando-se de passo a passo, até que estava cara a cara com ela. - Porque nós dois sabemos que eu não vou a lugar nenhum a menos que você me diga claramente, e eu não vou fazer isso porque te amo, mas tenha a decência de me informar que acabou comigo antes de fingir que eu não existo na sua vida.
- Talvez eu faça isso mesmo! - retrucou, tremendo de raiva. Seus rostos estavam tão próximos que ela podia sentir a respiração acelerada de batendo em seu rosto.
- Vai ser um favor que você me faz! - ele disse mas por dentro gelou ao ver que ela cogitava tamanha atrocidade.
não queria que terminassem o relacionamento. Não depois de cinco anos de investimento, não quando haviam esperanças de que consertassem e juntassem as peças quebradas. Eles sempre podiam recomeçar, certo? Faria qualquer coisa para fazer funcionar, embora naquele exato momento, com o nível de stress e raiva que sentia, provavelmente nem sofresse caso ela terminasse tudo.
- Sendo assim, acho que vou te manter "preso a mim" por mais um tempo, te manter nessa vida de sofrimento e solidão que você vem vivendo.
afastou-se dele, indo para o lado oposto da sala, o mais distante possível do calor do corpo de .
- Que bom que pelo menos você reconhece como tem sido uma canalha comigo. - ele falou com o único intuito de magoá-la.
- Eu quero você fora daquele quarto hoje. - anunciou e saiu tempestivamente dali, encerrando a discussão com o que restou de sua dignidade.
Mas fez questão de tirar isso dela quando gritou alto o suficiente para que ela ouvisse:
- Como se eu pretendesse dividir uma cama com você!

e apenas não queriam findar o que já estava terminado, destruído e completamente arruinado. Era difícil aceitar a falha, seguir em frente e deixar para trás cinco anos da construção de uma relação que estava aos frangalhos a frente de ambos. Doía imaginar cada novo dia sem a segurança que um passava ao outro, o suporte e carinho, mesmo que aquele porto seguro apenas se degenerava com o passar do tempo.
Aceitar a derrota machucava e aquela dor corrompia o restante da sanidade de , que acordava uma hora mais cedo, a cada manhã, se arrumava em silêncio e deixava o apartamento as pressas antes que despertasse. Sentia-se culpada pela falha no relacionamento, contudo havia mudado, não era mais a mesma garota de cinco anos atrás, seus olhos não reconheciam , nem ao menos o enxergavam mais e seu coração doía apesar de não bater mais da mesma forma.
A frustração de roubava seu apetite, sua vontade de sair do sofá, deixar o apartamento e enfrentar mais um dia de trabalho. Não amava como antes, seu amor pela moça crescia a cada dia e fluia por sua veias, pois era parte de quem ele era! A saudade da namorada o desesperava, pois apesar de ela estar ao seu lado, o homem não a sentia mais, há muito tempo.
tentava se ocupar ao máximo no trabalho, adiantando tarefas e refazendo as que já havia terminado apenas para conseguir sair mais tarde do escritório e chegar em casa quando já estivesse dormindo. Moravam embaixo do mesmo teto e conseguiram se evitar por dois dias inteiros, experimentando um pouco da rotina sem o parceiro, pois sabiam que já estava acabado, só precisavam admitir.
E no sábado manteve a porta da sala de estudos fechada, mas não conseguia mais viver naquela situação e encarando a madeira da porta, juntava coragem para pedir permissão para adentrar o cômodo e sem perceber bateu firmemente, ouvindo a mulher permitir a sua entrada.
Ao adentrar o recinto encontrou as cortinas fechadas, as luzes apagadas, a mesa arrumada, todos os livros nas prateleiras e o computador desligado. encarava um ponto fixo no chão e o coração do rapaz acelerou ao constatar que a moça manteve-se no escuro, sozinha, sem se mover por horas.
- Precisamos conversar. - falou tentando fazê-la encará-lo.
- Eu sei, mas não quero. - admitiu, aninhando-se a cadeira giratória de couro.
- , você disse que eu te faço infeliz…
- Por favor não, . - pediu fechando os olhos, exausta. Não queria ter suas palavras usadas contra ela, interpretadas de forma equivocada.
- E a única promessa que eu fiz em relação a nós era que eu faria de tudo para te fazer feliz. - terminou sua fala, aproximando-se da mesa, preste a implorar que ela ao menos olhasse para ele. - Me fala o que eu preciso fazer. - apoiou as mãos na mesa, projetando o tronco para frente, a procura dos olhos da moça - Eu faço qualquer coisa.
E quando finalmente voltou seu rosto para ele, fitando-o, preferiu que a mulher não tivesse o feito, pois cada um de seus olhos o feriu como adagas afiadas, perfurando sua espinha, deixando-o para agonizar no chão, sozinho e derrotado.
E mais uma vez não tinha respostas. Todos a sua volta julgavam sua vida perfeita, bem sucedida no trabalho, um relacionamento duradouro ao lado de um namorado dedicado, um belo apartamento no centro, um carro elegante na garagem. Entretanto a moça sentia-se vazia, oca, sem propósito e apreço pelos mínimos detalhes a sua volta, apenas permitia seu corpo viver ao longo dos dias, esperando o momento em que seria poupada daquela realidade e seria deixada em paz para sempre.
- , há dois anos, quando as coisas ficaram complicadas porque eu estava viajando muito devido o trabalho, você disse que eu deveria lutar por esse relacionamento se eu te amasse. - a lembrou do episódio, mesmo que encarasse através dele, sem enxergá-lo a sua frente. - Você me ama o suficiente para lutar por nós?
- Não é questão de amor, .
- Por favor me explica o que é. - pediu caminhando até ela, ajoelhando-se a sua frente.
- Eu não me conheço mais. - repousou a mão sobre a face do namorado, ignorando o fato de não sentir a textura e o calor da pele dele - Eu não sei quem eu sou. E eu preciso entender o que está acontecendo comigo antes de seguir com esse relacionamento. Me perdoa por tudo o que eu fiz você passar. - a primeira lágrima escorreu por seu rosto e foi secada por ele, que já havia secado muitas de suas lágrimas como também havia sido a razão de outras - Você foi muito importante para mim durante esses anos e eu nunca conseguiria agradecer tudo o que você fez por mim, não apenas nos nossos dias bons, mas também na minha crise. Você é um homem incrível, , mas eu não posso continuar com isso… - cobriu o rosto que se desmanchava em um choro sofrido, cheio de dor de culpa.
- Eu vou sentir tanto a sua falta. - o ouviu dizer, sendo a razão pelo aumento de sua lágrimas. - Você me ensinou muito, e eu nunca vou te esquecer.
- Me perdoa. - a moça repetiu, sentindo o peso daquela conversa a puxar para o chão e o seu maior medo era nunca mais conseguir se levantar.
- Não é sua culpa. - tentou aliviar a dor que ela sentia, descobrindo o rosto dela, beijando cada uma das mãos da moça, ensopadas com suas lágrimas.
- Eu vou arrumar minhas coisas. - disse, levantando-se a caminho do quarto que um dia pertenceu aos dois.
E ainda estava sentado no chão da sala de estudo, com as costas apoiadas na parede e os olhos perdidos no nada, quando partiu, discando o número de pois precisa de um rosto familiar naquele momento difícil, como também, um lugar para passar a noite.


ooo


Alguns acreditam no destino e na forma que ele predestina os eventos de nossas vidas. Outros acreditam no livre arbítrio e que as decisões que tomamos são as responsáveis pelos desfechos que vivemos. Mas todos concordam que é a incerteza do amanhã a causa de expectativas e, as vezes, angústias.
Não sabemos quando o futuro amor de nossas vidas é colocado à nossa frente. Não sabemos o que determina o início de uma amizade cúmplice. E também não sabemos porque nossos corações são quebrados ou porque e quando começamos a nos sentir incompletos.
Todavia é preciso compreender que a vida tem seus nuances e que viver significa cruzar cada uma dessas experiências. Sendo assim, cada dia pode ser enfrentado com um novo olhar, pois apenas se vive uma grande aventura se estiver aberto a uma nova oportunidade.


Fim.


Nota da autora: Sem nota.



Outras Fanfics:
Desastre Iminente



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Quer saber quando esta fic irá atualizar? Acompanhe aqui.


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