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Heartbreak Warfare


Última atualização: 29/12/2016





Prefácio


Agosto de 2013, Fulham, Londres

Tento não derrubar o portfólio em meus braços, mas acabo me atrapalhando com as chaves do carro e alguns papéis e a pasta cai no asfalto, fazendo barulho. Solto um suspiro audível. Vamos lá, , vamos lá, digo para mim mesma, tentando acalmar o ritmo acelerado do meu coração. Faço questão de fazer mais um checklist mental antes de me aproximar sequer mais um passo do complexo à minha frente, o grupo de pequenas casas vermelhas parecendo mais ameaçador a cada segundo.
Passo pela portaria principal e me aproximo da garota na recepção, que parece com muito calor e muito tédio, mas sorri para mim mesmo assim.
- Boa tarde. Eu tenho um horário marcado com Richard Griffiths. - Falo, apoiando o portfólio em cima do balcão.
- Ah, sim. Qual seu nome mesmo? - Pergunta depois de digitar algo em seu computador.
- . . - Tento espiar por cima do balcão, mas mesmo com os saltos é difícil alcançar sequer um vislumbre do monitor.
- Você é ? - Ela parece um pouco hesitante. Olho para o nome em seu crachá. Melanie.
- Sim.
- Você não é...
- Um pouco nova? - Interrompo sua frase, sorrindo. - Escuto algo parecido às vezes.
- Você não pode ter nem 25... - Melanie ainda parece meio insegura. Tenho que me esforçar muito para não revirar os olhos.
- Tenho 20. Na verdade, termino a faculdade ano que vem.
- Você não...
- Richard Griffiths? - Interrompo, começando a ficar irritada.
- Ah, sim.... Por aqui, ele deve estar esperando.
Melanie se levanta e me guia para dentro do complexo, subindo a escada no corredor logo atrás de si. Ela parece meio confusa, mas não faz nenhum comentário, o que me deixa grata.
Desde que meu pai me fizera a proposta, eu sabia que não, ele não se tornaria um dos meus assuntos preferidos. Sim, era uma honra para a and Associates que estivéssemos prestes a representar algo tão grande, mas era uma honra maior ainda para mim, que meu pai me desse a oportunidade de cuidar de tudo antes mesmo de me formar. "Você é a melhor. Eu sei disso. Não confiaria em qualquer outra pessoa. Você é a melhor, e nós somos os melhores. Confie em mim." Foi o que me disse quando perguntei porque ele mesmo não fazia aquilo.
Confiar nele. Repeti o mantra para mim mesma várias vezes nos últimos dias, tentando abafar qualquer insegurança que surgisse. Se ele dizia que eu deveria fazer aquilo, eu não iria discutir, mas eu sabia o que as pessoas iriam pensar. Eu teria de ser três vezes melhor que qualquer outra pessoa que passasse por ali. Uma por ser mulher, uma por não ter oficialmente nenhuma experiência e outra pelo meu sobrenome. Mas se me esforçar o triplo era o que eu teria de fazer para provar meu valor, então era o que eu iria fazer.
Entrei atrás de Melanie na sala, quase com um olhar superior.
- Senhorita ? - Um homem em seus trinta e poucos chamou, erguendo-se de sua cadeira. - Você está adiantada.
Me aproximo dele com a mão estendida, segurando o portfólio com a outra. Tento não olhar para as outras pessoas na sala enquanto ele não as apresenta, me concentrando na firmeza do aperto de sua mão.
- Senhor Griffiths.
- Alguns dos garotos ainda não chegaram, mas você já pode conhecer . - Me indicou o garoto mais próximo de nós, que sorriu simpaticamente para mim. - E aquele é o .
Hesito por um momento antes de olhar para ele, e quando finalmente olho, tento manter a expressão neutra. Meu Deus. Ele é ainda mais bonito pessoalmente.
- Prazer em conhecer você. - Dizemos em uníssono, o que se segue por uma risadinha.
Fico em silêncio mais uma vez, aguardando, e não sei para quem eu devo olhar.
- Está aqui para representar seu pai? - Richard pergunta às minhas costas, fazendo com que eu me volte para ele.
- Estou aqui para representar eles. - Indico os garotos atrás de mim com o dedo e abro um sorriso, tentando soar mais tranquila do que de fato me sinto.
Griffiths parece confuso apenas por um segundo.
- Ah. - É tudo que ele consegue dizer, e pelo menos tem a decência de parecer um pouco envergonhado.
Ficamos em silêncio mais uma vez. Há uma mesa de frios nos fundos da sala, e também uma garrafa com água gelada, mas não tenho estômago para tentar nenhum dos dois. Aposto que se me arriscasse até mesmo com a água, interromperia a apresentação aos vômitos.
Exatamente na hora marcada, mais dois dos garotos chegam. e . Aperto suas mãos e tento ao máximo ignorar os olhares que me lançam, tentando me concentrar em alguns dos papéis como se eu estivesse prestes a avaliá-los, e não o contrário. Com quinze minutos de tolerância ultrapassados, Richard solta um muxoxo.
- Onde diabos está o ? Ele não é de se atrasar.
- Está tudo bem. - Tento amenizar, pois realmente não me importo. Nesse meio tempo, meu olhar se encontra com o de . Quando me dou conta, a nossa troca de olhares é intensa, como se fosse um teste para ver quem aguenta mais. Desvio, virando meu rosto para Richard.
Pelo canto do olho, vejo os lábios de se esticando num discreto sorriso.
- Não... Por que você não começa? Podemos atualizar o depois. - Griffiths sugere enquanto senta em sua cadeira, me deixando sem opção alguma a não ser aceitar.
Começo a apresentação com as mãos suadas. Enquanto falo o que tinha ensaiado brevemente, me preocupo mais em certificar que minhas mãos não estão tremendo. Não estou tomando muitos goles de água, ou falando muito rápido. Para falar a verdade, sou realmente muito boa em ser o centro das atenções. Meu coração bate em um ritmo quase normal quando alguém bate de leve na porta, abrindo-a.
- Oi. Desculpe o atraso. Problemas com o carro. - O garoto diz com uma voz muito constrangida, então, para o completo desespero do meu sistema cardíaco, se vira para mim. - Olá, eu sou o . - E se aproxima para me cumprimentar.

Capítulo I


Julho de 2014, Chelsea, Londres.

A porta do elevador se abre como uma bolha estourando em meio ao caos e quase dou um passo para trás, mas obrigo meus pés a se apressarem em direção ao ambiente tumultuado.
Empurram um café na minha mão, mas mal tenho tempo de assimilar quem foi antes de uma das assistentes começar a caminhar bem ao meu lado, mostrando as perguntas que a repórter mandou por e-mail e querendo saber se deveríamos reprovar alguma. Tomo o aparelho de suas mãos, passando pelos corredores e quase trombando nas diversas pessoas que correm de um lado para outro com roupas, lista, garrafas d’água e iPads nas mãos.
- Bom dia, , dormiu mais que a cama hoje? Venha aqui aprovar os locais do...
- Senhorita , preciso de você!
Viro em direção a eles, mas continuo andando de costas, erguendo o copo de café.
- Estou um pouco com pressa, rapazes, e há cinco pessoas atrás daquela porta que precisam muito mais da minha atenção do que vocês. Bom dia!
Me volto para a porta mais uma vez e estico os dedos para a maçaneta, respirando fundo, hesitando apenas por um momento antes de entrar.
- Que vergonha! - Exclama uma voz de forma muito lenta, vinda do fundo da sala, e abre caminho para poder me encarar. - Desde quando a assessora de imprensa tem o direito de se atrasar?
Ignoro a provocação, sorrindo para que mostra os dentes no segundo em que seus olhos encontram meu rosto, e tento me concentrar nos casacos de cores diferentes que uma das garotas me mostra.
- Qual você prefere? - Pergunto para , que aguarda em silêncio.
- O azul.
- Coloque o marrom nele. - Digo para a garota e solto uma risada quando ele leva a mão esquerda ao coração, dramatizando com a expressão ofendida.
Caminho até , olhando para sua roupa.
- Nenhum comentário?
- Como sempre. - Respondo com um sorriso. - E como se fosse adiantar comentar.
- Que bom que estamos na mesma página.
Cruzo os braços e encaro o estúdio montado à minha frente, evitando passar os olhos por ou . O sofá e as cadeiras estão posicionadas, uma mesinha com água gelada e alguns copos entre eles. Tudo parece em perfeita ordem. As pessoas parecem esperar que eu faça algo, revezando os olhos entre si e meu rosto, o que de início me deixa confusa, quando de repente caio em mim.
- Onde é que está a Gillian? - Pergunto em voz alta.
Os que ainda faziam algo param no ato, se virando para me encarar. Algumas pessoas trocam olhares mais uma vez, mas ninguém diz nada, conforme, uma a uma, as cabeças começam a se virar na direção do relógio pendurado na parede norte.
Pego meu celular e faço um gesto para parar de se aproximar, o que deixa uma expressão estranha em seu rosto.
- , eu sinto muito, eu...
- Bom dia, Gillian! – Interrompo. - Não sei se há um relógio próximo de você no momento, então acho que é minha obrigação como uma pessoa muito organizada te informar que o seu atraso acaba de totalizar vinte minutos para uma entrevista de apenas quinze. Não sei em que mundo você vive, mas meus clientes são extremamente ocupados e requisitados! Não podemos nos dar o luxo de tolerar atrasos, Gillian. Você tem exatos dez minutos para estar aqui, ou serei obrigada a contatar alguém mais pontual. Nós duas sabemos que não quero fazer isso, Gillian, então é melhor você se apressar.
Desligo o telefone e volto os olhos para o relógio, contando os segundos.
- O que vocês estão esperando? Continuem a trabalhar.
finalmente se aproxima, o braço tocando minha cintura tão de leve que quase não sinto o gesto.
- Você também se atrasou. - Sussurra, os lábios tocando meu pescoço.
- Ela não sabe que eu me atrasei. - Lembrei-o, me alongando de forma que ele tivesse mais espaço para explorar.
- Não acha que foi um pouco dura?
Paraliso em meio ao gesto de levar os dedos até seus cabelos, abrindo os olhos de supetão.
- É o meu trabalho. - Sussurro, e minha voz perde toda a suavidade. - Por favor, não me diga como fazer meu trabalho.
- Tudo bem. - concorda em voz baixa, os braços se apertando ao redor da minha cintura. - Posso te beijar agora?
- Como pedido de desculpas ou para me fazer calar a boca? - Tento descontrair.
- Um pouco dos dois.
Solto uma risada involuntária antes de virar o corpo para ele, colando meus lábios nos seus. O beijo parece não durar nem um segundo.
- Este prédio está cheio de salas vazias. Vocês podem usar qualquer uma delas. - A voz de faz com que eu me afaste de em um ímpeto, mas meu namorado apenas sorri.
- Você podia tomar conta da própria vida, só para variar. - Reclamei baixinho, mas ouviu mesmo assim.
- Não é como se vocês estivessem tentando se esconder. - Debochou.
- Você costumava ser mais agradável.
- Porque eu não conhecia você.
Solto uma risada sem humor algum, mas não me dou o trabalho de responder. Não sei o que era o gatilho para aquele comportamento, mas era só comigo que agia assim. Me senti irritada no começo, só para depois me sentir ofendida. Agora sua grosseria quase não fazia diferença.
A porta se abriu e uma assistente anunciou Gillian, que teve a decência de parecer envergonhada.
- Podemos começar? - Ela pergunta com os olhos em mim, e com a deixa, deposita um último beijo em minha bochecha antes de se afastar. Eles se acomodam no sofá, e todo o resto da minha equipe se posiciona atrás de mim.
Chamo Eric para se aproximar comigo e paro bem atrás das câmeras, os olhos revezando entre Gillian e os garotos, que parecem bem mais relaxados que eu.
- Seu café. - Eric me lembra e estende o copo na minha direção. Gillian escuta mais algumas instruções de um dos assistentes enquanto os microfones são ajustados nas roupas dos meninos, até que o homem atrás da câmera pergunta se está tudo ok.
- E Gillian… - Chamo mais uma vez, fazendo que seus olhos voltem para mim. - A pergunta dezessete foi reprovada.
Tenho a impressão de que a cada segundo olho para o relógio, mas os ponteiros não se movem mais rápido do que deveriam. Quinze minutos levam uma eternidade, até que Gillian chega a sua última pergunta, me lançando um olhar cheio de significados antes de se voltar para os garotos.
- Só para saber… - Ela faz uma pausa, e então abre um sorriso completamente inocente. - Podemos ter alguma ideia de quem ainda está disponível? Levantem as mãos por favor.
Os meninos olham de relance para mim, e sei que a câmera não perderá isso, mas estou concentrada demais em não gritar com a repórter para dizer que eles deviam desconversar. Sou obrigada a admitir que foi muito sutil da parte dela, no momento que neguei a pergunta sobre mim e , tentar receber uma confirmação de outra forma.
Lentamente, como se ainda estivessem esperando pela minha permissão, e erguem as mãos no ar, sorridentes, e Gillian apenas agradece mais uma vez.


- Não é como se as pessoas já não soubessem. - insiste, andando bem atrás de mim enquanto batalho contra as sacolas em meus braços para abrir a porta do apartamento. Empurro a porta com força, a mantendo aberta para que ele possa passar com as embalagens de comida.
- As pessoas especulavam. - Corrijo com a voz irritada, mesmo que viesse tentando disfarçar no percurso até minha casa.
- E daí, ? Uma hora ou outra íamos ter que confirmar. - Disse com tranquilidade, colocando a comida japonesa em cima da mesa antes de se dirigir para o armário da cozinha em busca de um recipiente para o molho. - Mesmo que não tivesse muito o que confirmar com tantas fotos de nós dois.
- Porque eu trabalho pra você. É uma desculpa completamente plausível para qualquer tempo que passemos juntos.
Removo os saltos e os coloco em um canto da sala, percebendo o quanto estou estressada. Tento alongar os ombros e o pescoço, passando a mão com firmeza por eles, e fecho os olhos para a visão de me servindo vinho. Vinho e sushi. Que programão, . Sinto seu cheiro muito antes de sentir seu toque, enquanto ele me abraça pela cintura e coloca os lábios em meu pescoço, a respiração irregular.
- Sem para interromper. - Ele ri baixinho, os dedos abrindo caminho pelos botões da blusa social em direção aos meus seios.
- Hmm… Falar do não me deixa exatamente excitada. - Digo em voz alta, perdendo a concentração no que ele está fazendo por alguns segundos para pensar no que foi que acabei de dizer.
- Eu não estava planejando conversar. - Ele faz com que eu me vire para encará-lo e ergue uma das sobrancelhas, como se estivesse tentando provar um ponto. Passo as mãos pelos seus ombros e tento não sustentar seu olhar, sorrindo.
- Nós compramos comida.
- A comida pode esperar. - E como se fosse para deixar bem óbvio que a comida poderia, de fato, esperar, ele me pega pela cintura e me coloca em cima da bancada, as mãos descendo para minhas coxas e abrindo-as para que ele possa se encaixar no meio das minhas pernas. Seus lábios estão nos meus, desta vez, e tenho que me esforçar muito para não suspirar quando ele desliza a língua pela minha, os dedos apertando a carne de minhas pernas com tanta força que sei que ficará arroxeado no outro dia.
Tento, como a péssima pessoa que sou, me excitar com os beijos que ele deposita em meu pescoço e com as mãos que agora brincam com o zíper do meu jeans, mas só consigo sentir o cheiro da comida que me espera na mesa, e em como comê-la com vinho de repente parece uma ótima ideia. Meu estômago solta o ronco baixo que faz seus lábios paralisarem, e solta um suspiro baixo antes de afastar, parecendo irritado.
- Acho que a comida não pode esperar. - Tento descontrair com um sorriso, mas ele não me acompanha, ao invés disso, apenas se joga em uma das cadeiras.
- Não vou me desculpar. - Corro até a mesa, pegando um sushi com a mão e mergulhando no molho, enfiando tudo na boca. Fecho os olhos e me jogo na cadeira, soltando um gemido profundo. - Tem gosto de felicidade.
não faz nenhum comentário, se dando a oportunidade de apenas comer em silêncio, os olhos em mim de vez em quando. Quando ele termina sua comida e começa a bebericar o vinho, estou comendo minha última unidade.
- Quer dividir? - Ofereço com um sorriso, torcendo para que ele não queira.
- Estou bem.
- Você poderia usar umas calorias a mais. - Brinco, insistindo com o sushi preso no hashi bem diante de seu rosto. Ele vira a cabeça para o lado e respira fundo.
- E você poderia usar umas a menos.
Demoro um longo momento para perceber o que ele disse e quase desejo não ter entendido de forma alguma. Deposito o sushi na embalagem agora vazia e o encaro em silêncio, esperando que ele dê um sorriso ou se desculpe pelo que disse, mas apenas se levanta e começa a lidar com a louça. Tento com toda força de vontade que há dentro de mim não me sentir mal com o comentário, mas encaro o sushi solitário me sentindo meio doente. Me levanto da mesa e deixo a taça de vinho intocada, caminhando até o quarto.
- Está ficando tarde. É melhor você ir. - Pronuncio as palavras sem me virar para olhá-lo, e fecho a porta do quarto às minhas costas com uma sensação que sei que não deveria sentir.


Sarm Studios, Notting Hill, Londres.

- Sua cara está uma merda. - É a primeira coisa que digo para quando ele entra no meu carro, os óculos escuros mal escondendo sua expressão de derrota. - O que foi que você fez a noite inteira?
- Não se preocupe, não há nenhum escândalo com o qual você precise lidar. - Garante em um tom impaciente, encostando a cabeça contra o vidro da janela. Tento não dar uma risada com seu atual estado, mas quando arranco o carro, ela escapa mesmo assim. - O que foi?
- Nada. Sua miséria me deixa inexplicavelmente de bom humor. O que bebeu para ter essa ressaca?
- Bem que eu queria ter bebido alguma coisa. Passei a noite no hospital com Camille.
- Ah. - É a coisa mais inteligente que consigo dizer. Não conheço muito bem a namorada de e ela não é um assunto do qual estou acostumada a falar, então espero que ele acrescente alguma coisa. Quando nada vem, desvio os olhos da rua para ele. - Ela está bem?
- Intoxicação alimentar. - Responde sem sequer se dar o trabalho de mover um músculo. Parece prestes a dormir ali mesmo.
- Muito gentil da sua parte passar a noite com ela. - Comento momentos depois, me sentindo na obrigação de sustentar uma conversa que, até ali, parecia completamente civilizada.
- Um elogio? Estou lisonjeado.
- Consigo dizer um desses uma vez ou outra. - Brinco, fazendo a curva e perdendo a expressão em seu rosto, mas escuto sua risada baixa.
- Surpreendente.
- Você também consegue ser um cara bacana quando quer. - Tento desconversar enquanto estaciono, mas o corpo de se tenciona. Ele não me responde, apenas mantém - pelo que posso ver através dos óculos escuros - os olhos fixos em mim, paralisado com a coluna muito ereta no meio do gesto de abrir a porta.
- Não tente ser minha amiga.
- Ok. - Respondo um pouco chocada, sem saber o que mais dizer.
- Não podemos ser amigos.
Não respondo desta vez. Deixo que ele desça do carro e entre no estúdio, sem segui-lo por alguns minutos, me sentindo o ser humano mais estúpido do mundo. O que eu fazia com os homens que os fazia reagir grosseiramente?
Quando entro na sala onde todos já estão agrupados, se aproxima com uma embalagem parda na mão, a expressão séria.
- Meu pedido oficial de desculpas. - Diz enquanto me estende o pacote, esperando que eu dê uma espiada lá dentro.
- Um croissant. Muito bem. - Falo muito lentamente, encarando a comida lá dentro e esperando que ele diga mais alguma coisa. Depois de alguns segundos, coloco a embalagem de volta em seus braços e fixo meus olhos nos seus, esperando que ele entenda bem o que estou prestes a dizer.
- Nunca mais faça um comentário do tipo de novo. Não me afeta em nada quando você quer ser cruel apenas para descontar sua raiva, mas pensei que a essa altura você já me conheceria suficientemente bem; não sou o tipo de garota que vai se trancar no quarto pensando que não sou boa o suficiente pra você. Se você não está feliz com meu corpo, fique à vontade para procurar uma nova namorada.
Sei que falei baixo, tive certeza de manter o volume de voz controlado durante todo o monólogo, mas a expressão em meu rosto deve ter entregado algo - ou o tom em que eu falava, pois nos encara do outro lado da sala com uma expressão impassível. também olhava de rabo de olho, um fantasma de sorriso nos lábios.
- Eu sei que fui um babaca...
- Ótimo.
- E eu quero pedir desculpas.
- Desculpas aceitas. - Cedo depois de uma pausa, descruzando os braços. - Mas não vou dizer que está ok.
- Tudo bem. - sussurra, esticando o braço para mim, e me puxa para colar os lábios em minha bochecha, me abraçando. - Você é incrível.
Quando ele finalmente me solta, não respondo seu comentário. Deixo que ele se afaste para entrar na cabine de gravação sem dizer qualquer palavra, e me aproximo da pessoa que menos esperaria me aproximar.
Analiso meu reflexo no vidro da cabine. Os cabelos castanhos parecem ok. Estão meio ondulados hoje, e com certeza poderiam usar uma hidratação, mas nunca tive muito trabalho com eles. Meu rosto também não parece ser motivo para preocupação - na verdade, sempre me disseram que era o que mais chamava atenção em mim. Os olhos claros e os lábios grandes. Sequer desço o olhar em direção ao meu corpo, pois não preciso ultrapassar aquela linha. Como se o que tivesse dito fosse me fazer ter uma visão diferente de mim mesma.
- Você acha que preciso perder uns quilos? - Pergunto em voz alta, fazendo a cabeça de se voltar para mim com uma expressão incrédula.
- Por que, diabos, você perguntaria isso para mim?
- Porque você me detesta. - Constatei como se fosse óbvio. - Imaginei que se existe alguém que não iria mentir só para me agradar, seria você. Então me diz, estou gorda ou não? Porque eu tenho a mim mesma em muita alta conta. É difícil decidir quando tudo parece ok.
- Eu não detesto você. - desvia os olhos para onde está, agindo como se aquela fosse a única coisa que eu tivesse dito nos últimos segundos.
- Ok. Mas eu preciso perder peso ou não?
- Claro que não. - Seu tom é impaciente, acompanhado de um gesto nervoso em que a sua mão passa pelos seus cabelos, bagunçando-os de uma forma que me faz, por mais involuntário que seja, prender o olhar. E a próxima coisa que ele diz não parece ser o que ele quer que eu ouça, mas estou tão perto que escuto mesmo assim. - O é um babaca.
Não pergunto como foi que ele adivinhou, e depois de um momento, decido que não quero fazer nenhum comentário. Ele realmente é um babaca.
- Obrigada, . Não que eu precise da sua validação, eu já sei que não sou difícil de se olhar. Só é bom ouvir em voz alta. E ver você admitir.
Me afasto sem olhar para ele e me sento em um dos sofás, procurando pelo meu iPad na bolsa. Se estou ali apenas de companhia, posso muito bem trabalhar um pouco.
Fico tão entretida com meus e-mails, documentos para revisar e organização de horários, que mal vejo o tempo passar. Ergo o olhar de vez em quando, checando se os garotos estão realmente trabalhando ou jogando conversa fora. Balanço o pé no ritmo da melodia que os mesmos criam, começando a mexer a cabeça quando pega o violão e passa para as cordas os sons que eles tentavam reproduzir apenas com a voz.
Chego a sorrir ao ver a alegria de todos quando percebem que mais uma música começa a tomar forma.
Meu olhar se encontra com o de e ele sorri com todos os seus dentes a mostra, o tipo de sorriso que ele deixa bem escondido da mídia de uns tempos para cá. É um privilégio testemunhar tal sorriso, porém apenas dou um leve aceno de cabeça em sua direção e percebo sua expressão alegre diminuindo, não demorando para voltar aos meus afazeres. Sinto seu olhar em mim e quase me sinto culpada por propositalmente abalar sua tão pura demonstração de felicidade. Quase.
Olho para o relógio uma última vez e solto um suspiro audível. Entre as saídas para buscar o almoço e café naquele lugar completamente fechado, perdi completamente a noção das horas.
- Você precisa de carona para voltar? - Pergunto em voz baixa para , sentado no braço do sofá onde estou e propositalmente me dando as costas.
Ele gira o corpo para me encarar e nossos joelhos se tocam. Como uma garota de colegial, encaro o ponto de encontro em nossos jeans e meu coração pula uma batida.
- Ah, você não precisa… - Quase posso ver as engrenagens em sua cabeça procurando por uma desculpa. - Posso…
- Pegar um táxi? - Sugiro, usando minha melhor expressão debochada.
- É fora de mão.
- Nós moramos no mesmo bairro. - Constato, me sentindo meio chocada. - Te peguei pela manhã, qual o seu problema?
- Ótimo, , se você faz tanta questão…
- Não faço questão alguma. – Interrompo. - Aliás, não quero que você entre no meu carro. Você pode andar até Primrose Hill, se quiser.
Para mostrar que estou falando sério, faço questão de fechar meu notebook e pegar a bolsa ao meu lado, mas segura meu pulso quando me ergo do sofá. Olho para sua mão e então para ele, mas seus olhos não estão em mim.
- Desculpa. - Pede bem baixinho, desviando os olhos de e finalmente me encarando. - Eu vou com você. Está tudo bem.
Solto meu pulso de seu toque e caminho até meu namorado, deixando que ele me beije por um longo momento antes de voltar a me afastar.
- Te vejo amanhã? - Pergunta com a expressão séria.
- Claro. - E lá tenho opção, ? Trabalho pra você.
me acompanha até o carro, em silêncio, as mãos enfiadas nos bolsos e uma expressão estranha no rosto. Penso em dizer qualquer coisa, mas me sinto tão ofendida com seu comportamento que não consigo formular sequer uma frase, o que me é completamente estranho. Ele vinha me tratando assim pelos últimos meses sem qualquer motivo aparente, e isso nunca havia me incomodado tanto. Por que eu me importava se queria ser um babaca exclusivamente comigo? Que fosse.
Ao meu lado, ele solta uma risadinha baixa antes de abrir a porta do carro e quando entro no lado do motorista, vejo um sorrisinho petulante ainda visível em seu rosto.
- O quê? - Falo com raiva.
- Tem um fotógrafo do outro lado da rua. - Explica com uma voz sem vida. - Você franze o cenho mais a fundo a cada segundo que passa, se eu não desse um sorriso, as pessoas poderiam se perguntar qual o problema entre mim e . - Coloca uma ênfase no meu nome que me deixa ainda mais ofendida, parada e o encarando sem saber o que dizer. Quero jogar ele para fora do carro e chorar, mas sei que seria infantil. Você não tem mais idade para chorar quando alguém não gosta de você, .
- Ótimo! - Exclamo ainda em um tom irritado, colocando a chave na ignição com tanta violência que quase sinto meu carro encolher. - Excelente!
Tenho a impressão que o sorriso que mantém no rosto não é mais por causa do fotógrafo, mas exclusivamente pelo meu humor. Quase desisto da carona e coloco ele para fora, mas dou partida mesmo assim. O caminho até sua mansão milionária nem é assim tão grande, penso com desgosto. Nem até a minha.
Ignoro meu subconsciente completamente ingrato pelos privilégios que minha família proporciona e encaro a rua à frente, tão concentrada que até dou seta para virar na esquina, uma coisa que esqueci de aprender antes de tirar a licença. Mas com o sobrenome que tenho, tirei mesmo assim.
- me disse para ser mais legal com você.
Quase não freio a tempo de não bater no carro da frente.
- O quê?!
- É. - É a coisa mais inteligente que ele consegue formular. Parece muito incomodado por um momento, e quando penso que ele não vai continuar, ele fala: - Ele disse que eu era um babaca de grau maior com você, o que era estranho, porque eu não sou um babaca com mais ninguém.
- Você pode simplesmente me odiar porque eu namoro ele. E você é gay. - Sugiro, os olhos ainda fixos na rua, então me dou conta do que acabei de dizer. - É isso? Você é gay?
- Eu não sou gay. - Responde com impaciência, revirando os olhos para o teto do carro. Perco a expressão que ele faz em seguida, sendo obrigada a olhar para frente mais uma vez, mas suas pernas se movem sem parar. - Não é isso.
- O que é? - Pergunto, e espero pelo que parecem quilômetros, mas ele não me responde. Quando falo novamente, parecem ter se passado horas. - Então? Vai ser mais legal comigo agora?
- Não vai machucar tentar. - Ele até dá um sorrisinho.
- O que foi que eu fiz? - Aproveito o sinal vermelho para perguntar, encarando seus olhos. - Eu disse alguma coisa que fez você se sentir irremediavelmente magoado? Fiz algo para conquistar todo o ódio no seu coração?
me encara até o sinal ficar verde mais uma vez. Preciso ouvir o carro de trás buzinar pelo menos três vezes antes de arrancar.
- Não é assim. - Me garante em uma voz muito baixa. Aquele tom que é quase um sussurro, rouco, faz um arrepio percorrer todo o caminho da minha coluna. Tento disfarçar o tremor das minhas mãos ao redor do volante, mas tenho certeza que ele pode ver.
Viro na próxima direita e o carro começa a desacelerar sozinho. Encaro o painel de olhos arregalados, sem enxergar nada de errado, abrindo as mãos em exaspero. Me belisco para ter certeza que estou sentindo a perna que definitivamente não está pisando no freio e chego até a olhar para fora da janela em busca de alguma força sobrenatural agindo sobre o meu automóvel.
- Qual o problema com você?! - Pergunto em voz alta, encarando o volante como se minha expressão irritada pudesse fazer o carro voltar a funcionar por medo. - O que é que está acontecendo?
- Sua gasolina acabou.
- O quê?
Olho para o painel mais uma vez como se estivesse desafiando-o a provar que estava certo, e sinto meu rosto esquentar quando vejo o indicador tão para baixo que mais um pouco, quebraria.
- Ai meu Deus. - Suspiro, batendo a cabeça no volante, em derrota. - Perfeito.
- Como você pode esquecer de abastecer? - Ele pergunta em um tom bem humorado, o que me surpreende. - É literalmente a única coisa que você tem que fazer pelo carro.
- Estou muito ocupada cuidando da vida de vocês cinco.
- Obrigado por isso. - Diz solenemente.
Solto um suspiro antes de descer do carro, logo sendo acompanhada por . Pego o celular no bolso e ligo para , passando a mão pela testa.
- Já está com saudade? - Ele atende com tom de riso.
- Mais ou menos. - Dou uma risadinha. - Preciso da sua ajuda. Estou na Sutherland Avenue com o e meu carro acabou a gasolina. Você poderia pedir alguém para me trazer um pouco?
- Tem um posto na Sutherland.
- Eu sei. Estamos meio que bem longe dele…
- Claro. Espere aí. - Ele chega a dar mais uma risada antes de desligar o telefone.
Bato o iPhone na mão, desviando os olhos de para a rua completamente deserta.
- Sem multidão, pelo menos. - Tento descontrair.
- Tem uma senhora caminhando nessa exata direção. Ela pode me atacar a qualquer momento.
- Claro. - Debocho, bufando.
se acomoda na escada de um dos prédios vermelhos idênticos e volta os olhos para mim, aquela mesma expressão estranha no rosto.
- Vem aqui. - Chama, e indica o lugar bem ao seu lado com um tapinha.
Como fiz durante todo o dia, tento disfarçar os sentimentos estranhos que suas ações me fazem sentir. Meu estômago despenca quando dou o primeiro passo em sua direção e coloco o cabelo atrás da orelha várias vezes até me sentar ao seu lado, tomando cuidado para não deixar nossos joelhos se tocarem mais uma vez. Como se eu precisasse disso.
- É um bom carro.
- Que o meu dinheiro não comprou. - Concordo com um aceno de cabeça. Ele ri baixinho, o que me faz virar o rosto para olhá-lo. Ele não ria perto de mim muitas vezes.
se inclina na escada, apoiando o cotovelo nos degraus superiores e continua a me encarar. Sinto meu rosto esquentar e volto a olhar para a rua, tirando os cabelos do rosto.
- O quê? – Pergunto, por fim, voltando a olhar para ele.
- Estou admirando.
- Você já me viu um milhão de vezes. - Reviro os olhos para pontuar o quanto aquilo é idiota.
- Não assim. - Responde em voz baixa. Volto os olhos para ele mais uma vez, abrindo a boca sem conseguir formular algo para dizer.
- Assim como? - Exijo, e meu tom de voz me assusta por um momento. Meu coração dispara no meu peito, e sei que é uma linha que eu não deveria cruzar, mas me vejo desesperada para me atirar para o outro lado. sequer desvia os olhos dos meus quando responde:
- Nunca me deixei olhar.
Deixo suas palavras pairarem entre nós. Deixo toda a extensão das minhas costas tremerem com o arrepio que sinto na coluna. Deixo os lábios abertos, o encarando com minha falta de conhecimento em como agir perto dele. Deixo meu coração bater tão forte no meu peito que com certeza pode ouvir no silêncio da rua.
- É por isso. - Digo bem baixinho, e eu mesma quase não me escuto. - Por isso.
não diz nada, mas também não nega.
- Por favor, diga que eu estou errada.
- Não posso fazer isso. - Ele não desvia os olhos. Não desvia o joelho que novamente toca o meu. Não muda o tom de voz baixo, rouco, reverente. Eu também não desvio o olhar.
- Ouvi dizer que alguém precisava de uma mãozinha! - A voz de me faz fechar os olhos e esconder o rosto, mesmo que eu não estivesse fazendo nada a não ser estar sentada ali.
se levanta e caminha até o carro do amigo, deixando que eu encare o lugar onde ele estava sentado no cimento com uma intensidade que me impressiona. Ele e logo tratam de dar um jeito no carro, e quando terminam, me aproximo da porta do motorista.
- … Você se importa de levar o ? - Mantenho os olhos tão fixos no garoto à minha frente para não ver a expressão de , que devo estar parecendo louca. - Eu… Eu…
- Ela precisa passar em outro lugar. - Sua voz responde por mim, mas mesmo assim não quero olhar em sua direção.
- Claro. - dá um sorriso, me olhando de um jeito estranho. - Está tudo bem.
Não, não está. Nada estava sequer perto de estar bem.

Capítulo II


Julho de 2014, Primrose Hill, Londres

Termino de coar o café para a xícara e coloco a vasilha na pia, os gestos parecendo mais mecânicos do que nunca. Ouço se aproximar das minhas costas, mas não faço qualquer gesto para afastá-lo ou para demonstrar que aprecio seus braços em minha cintura, seus lábios em meu pescoço.
- Você está bem? - Pergunta com o rosto escondido nos meus cabelos, deixando uma trilha de beijos por toda a extensão de pele dos meus ombros.
- Por que a pergunta?
- Você não foi trabalhar ontem. - Outro beijo, próximo à minha orelha. - Você nunca falta no trabalho.
- Intoxicação alimentar.
Ok, não era completamente mentira.
- Precisa de uma consulta?
- Não. - Respondo quase imediatamente. - Estou me sentindo melhor.
- Quer uma carona para o estúdio?
- Isso seria perfeito, na verdade. – Cedo, por fim, me afastando dele em direção ao quarto. - Me dê… - Lanço um olhar para o relógio e sinto antes de sequer ver o sorriso que se forma nos lábios de . - Cinco minutos. - Anuncio em desafio.
Meu namorado solta uma risadinha, se jogando na poltrona que dá para a porta do meu quarto e cruzando os braços como se não acreditasse que eu pudesse me arrumar tão rápido.
Corro até o closet e agarro a primeira blusa preta que posso ver, fazendo o mesmo com os jeans. Tiro a roupa tão depressa que uma pérola se solta do meio do meu sutiã, e chego até a dramatizar o ato de remover a peça para provocar um pouco. Visto a blusa e mal tenho tempo de apreciar a sensação do cetim contra meus seios nus, enfiando a calça tão violentamente que quase tropeço na hora de correr até os sapatos.
solta uma risadinha quando escuta o som dos saltos caindo no chão, mas ignoro seu desafio e termino de abotoar o jeans, encaixando um dos saltos no pé e me precipitando até a penteadeira. Encaro as embalagens de batom, ponderando sobre qual cor deveria escolher apenas por um breve momento antes de me contentar com o vermelho de sempre. Cutuco o olho esquerdo com a armação dos óculos escuros quando tento os colocar ao mesmo tempo em que ajeito o outro par de sapato, e quase corro para pegar a bolsa, mas paro para acalmar o ritmo do meu coração.
Coloco os brincos enquanto caminho com toda a calma do mundo até a mesa perto da cama e pego a bolsa, jogando-a sobre ombro. Saio do quarto e passo por para pegar meu celular, sequer lançando uma olhadela na direção do relógio.
- Você não vem? - Pergunto enquanto removo a corrente da porta, sorrindo para mim mesma com a certeza de que a expressão que estava no rosto era um meio termo entre choque e indignação.
- Você não precisou de cinco minutos.
- Ah, eu disse cinco minutos para sair do apartamento. - Me viro bem a tempo de surpreendê-lo com um beijo. - E você está me atrasando.

Sarm Studios, Notting Hill, Londres.

- Está todo mundo aí? – Pergunto, fingindo estar distraída com o café que pegamos no caminho.
- provavelmente está em casa, procrastinando.
- O que você provavelmente estaria fazendo se não tivesse dormido na minha casa.
- Você tem um ponto aí. - Concorda com mais um sorriso e, pela primeira vez nos últimos meses, paro para me perguntar se é só comigo que ele sorri desse jeito. Não vejo muitas fotos dele que não sejam com uma expressão séria, mas a mídia é uma coisa, e conosco ele é outra completamente diferente.
- O que foi?
- Eu amo seu sorriso. - Falo sem perceber, passando pela porta que ele segura aberta para mim.
- É todo seu.
Ainda estou com um sorrisinho quando entramos na sala de controle, meus olhos encontrando e se desviando tão rápido que minha pressão arterial vai às alturas.
- O que foi? - pergunta em voz baixa.
- O quê?
- Você está tremendo. - Ele faz questão de segurar a mão que estava meu celular e as chaves para estabilizá-la.
- Hipoglicemia. - Digo sem graça e deixo que ele me guie até um dos sofás, bem de frente para .
- Se sentindo melhor, ? - pergunta com os olhos em mim, uma expressão estranha no rosto. Eu conhecia muito bem aquele sorrisinho, mas decidi não perguntar nada na frente de todo mundo.
- Sim. Tomei um comprimido para não ficar enjoada, quando for sua vez de entrar na cabine, não se preocupe. - Brinco, e coloca a mão no peito e limpa uma lágrima imaginária.
- Você sabe o que dizem sobre enjôos matinais, não é?
vira o pescoço tão rápido que leva a mão até o local um segundo depois. tenta não dar risada, mas a expressão de horror no meu rosto provavelmente é demais para ele.
- Não tenho DST.
- Eu não tenho DST! - diz, soando quase ofendido.
- Demônios Sexualmente Transmissíveis! - Exclamo em voz alta, fazendo um dos produtores virar a cadeira na nossa direção. - Também conhecidos como bebês?
Tenho que reconhecer, bem que tentou não dar risada, mas logo acompanhou . Até deixa escapar um sorriso. Me dou por vencida e sorrio também, revirando os olhos.
Estico os dedos para a bolsa e pego meu iPad, decidindo dar um jeito no trabalho, que provavelmente se acumulara com minha falta. A caixa de e-mails, para minha completa tristeza, estava lotada. Era quase um ritual, no momento que preencho o login, rezar para sei lá qual seja o Deus que resolve esse tipo de problema pedindo que haja apenas uma ou duas pessoas para responder, mas sempre me decepciono.
Passo pelas propostas e dúvidas sem prestar muita atenção no que estou lendo, minha mente dando replay na noite de dois dias atrás em um loop cansativo. Repasso a cena com , tentando entender como foi que tudo se desencadeou, mas não chego à conclusão alguma. Continuo repetindo o momento em que ele me olhava pouco antes de chegar, e até fecho os olhos para lembrar os detalhes com precisão. Quase sinto nossos joelhos se tocando mais uma vez.
- Você está bem? - A voz de interrompe os murmúrios da sala e faz com que eu abra os olhos para ver todos me encarando.
- Estou ótima. - Tento desconversar, voltando o olhar para longe do seu.
- Tem certeza? - insiste, me forçando a encará-lo.
Não sei o que esperava ver em seu rosto, mas não estava lá. Talvez tenha fantasiado demais toda a história, e visto coisas onde elas simplesmente não existiam, pois esperava qualquer sinal de que o que aconteceu fosse tão significativo para ele quanto era para mim, mas sua expressão era impassível. Ele tinha noção do que significava, o que tinha dito? Sequer poderia ter sido mais explícito?
Como em um déjà vu, parece haver uma competição silenciosa no ar, e quem olhar para o outro lado primeiro será declarado perdedor. Me recuso a desviar o olhar, esperando por qualquer mudança em seu semblante, mas ela nunca vem.
desvia os olhos dos meus e leva os longos dedos até os lábios, como se estivesse sentindo um beijo. Tento não pensar demais em seu gesto e em toda a estética que o envolve, então também olho para outro lugar, me sentindo constrangida repentinamente. O que eu tinha na cabeça? Meu namorado estava bem ao meu lado.


- Vocês entenderam bem o que eu disse sobre os compromissos de amanhã? - Indago, já me levantando do sofá, não fazendo questão de erguer os olhos do iPad.
- Sim, . Já tínhamos entendido na oitava vez. - responde em sua posição relaxada, apoiando o cotovelo no joelho que estava jogado sobre o braço do sofá em que estava esparramado.
- Então gostaria que vocês repetissem só pra eu ter certeza. - Guardo o iPad na bolsa e cruzo os braços, dividindo o meu olhar entre os cinco garotos que ali estavam.
- Oito da manhã, prova de roupas para o ensaio de fotos. Dez e meia, ensaio de fotos da Glamour Magazine. Meio dia, almoço com Julian Bunetta pra discutir questões da produção do álbum novo. Três da tarde, estúdio. Blá, blá, blá. Oito da noite, The Graham Norton Show. - diz despreocupadamente. o observa pelo canto do olho; não é difícil de deduzir que ele está conferindo na sua cabeça tudo o que o outro disse, não confiando na memória do colega.
- Tudo bem, meninos, é isso então. Au revoir. - Pego a minha bolsa, que estava em uma mesa ao lado do sofá, e coloco a mesma no ombro, me virando para o . - Você vai para a minha casa hoje?
ergue a cabeça nada discretamente.
- Na verdade, eu estava pensando em ir na minha mãe por-
- Tudo bem, nos vemos amanhã de manhã então. - Me apresso a dizer, interrompendo-o com um rápido selinho. sorri, mas vejo a sua testa franzida em um gesto duvidoso.
- "Tudo bem"? - Repete minhas palavras, hesitando um pouco em acreditar que elas poderiam ter saído da minha boca com tanta facilidade.
- É. Vou estar ocupada hoje à noite. - Meus olhos percorrem o seu rosto, mas focam no rosto de , que está logo às suas costas. - Muito trabalho a fazer. - Digo e não sei se é normal o formigamento que percorre o meu corpo com a intensidade presente em nossa troca de olhares.
Meu devaneio se quebra quando sinto os lábios de fortemente pressionados nos meus, suas mãos deslizando pelos meus braços, encontrando um refúgio nas maçãs do meu rosto. Não faço questão de fechar os olhos, mas não consigo mantê-los em .
se afasta e me olha com um pequeno sorriso no rosto, acariciando a minha bochecha com o seu polegar.
- Bom trabalho, meu amor. Nos vemos amanhã.
Muito. Mel.
Me desvencilho do seu toque e me despeço dos outros meninos em um gesto breve, acenando. Me viro e começo a sair do estúdio, sentindo um par de olhos verdes seguindo todos os meus passos.


- Ei! - grita, correndo para me alcançar no corredor. Algumas cabeças se viram em nossa direção, mas as pessoas logo voltam para o que estavam fazendo quando veem que ele falava comigo.
Tento manter o ritmo do coração estável, mas ele acelera conforme os passos de se aproximam.
- Pensei que tivesse feito vocês decorarem toda a agenda de amanhã. - Ergo uma sobrancelha, cética, cruzando os braços enquanto ele caminha os metros finais.
- Eu sei... - Diz sem graça, e somente quando está de frente para mim parece perceber que tinha corrido até ali. - Eu...
Espero que ele fale alguma coisa, mas não me dá qualquer indicação de que fará tal coisa. Chego a ajeitar alça da bolsa no ombro para que ele perceba que estou com pressa, mas ele só olha para mim, parado no meio do corredor.
Olho ao nosso redor, fazendo com que a garota da recepção vire o rosto tão subitamente que seus óculos entortam. Mais ninguém presta atenção em nós, mas me sinto completamente exposta parada ali, a metros do meu namorado, com me encarando de maneira tão idiota.
- Posso andar com você? - Diz, estendendo a mão como se fosse segurar a minha, mas logo deixa o braço cair ao lado do corpo mais uma vez. Faço um aceno breve, sentindo alguma coisa dentro de mim aquecida, e gosto mais do seu gesto do que queria demonstrar.
Me volto para a saída e me acompanha, a cabeça levemente virada para que ele possa me olhar. Tento jogar o cabelo para frente, para impedi-lo de ver como minhas bochechas estão quentes, mas ele leva os dedos até meu rosto e coloca os fios atrás da minha orelha. Paro de andar e fecho os olhos, sentindo o indicador que então toca minha têmpora, descendo por minha bochecha e minha mandíbula em um toque tão leve que os pêlos em minha nuca se levantam.
- . - Censuro, sentindo o calor de sua pele, minha voz tão baixa que me pergunto se eu queria ter dito qualquer coisa, mas logo seu toque some.
Voltamos a andar, e a cada passo sinto seus dedos esbarrando nos meus. Sei que ambos percebemos, mas não faço qualquer esforço para me afastar. De fato, quando estamos próximos da porta e ele a abre para mim, deixo que entrelace o dedo médio no meu, e não desvio o olhar quando seus olhos buscam ferozmente pelo meu rosto. Tampouco a porta se abre e ele se afasta, erguendo a cabeça para os fotógrafos que montam vigília do outro lado da rua. Até mesmo acena para eles.
Escondo o rosto mais uma vez, me sentindo vazia. Quero que ele me toque de novo, quero que nossos dedos se esbarrem mais uma vez enquanto estivermos caminhando até a beirada da rua, mas mantenho a distância de dois passos entre nós.
- Você quer uma carona? - oferece, os olhos em meu rosto, e me sinto tentada a aceitar, mas é uma linha que não posso cruzar.
Balanço a cabeça sem dizer nada, abrindo um sorriso, e faço sinal para o táxi que vira a esquina. não desvia os olhos de mim até que eu esteja me afastando, já dentro do veículo, e apenas por um segundo, não me importo se os fotógrafos do outro lado da rua notaram.

Primrose Hill, Londres

Deixo a bolsa cair quando fecho a porta às minhas costas, levando os dedos até a parte de trás do pescoço. Alongo os músculos ali e respiro fundo, caminhando até a cozinha e ponderando se o restante da energia que eu tinha era o suficiente para cozinhar um jantar fajuto, ou se eu seria obrigada a ligar para um delivery tão fajuto quanto qualquer comida que eu pudesse cozinhar.
Decido que a melhor opção entre ambas é, na verdade, tomar um bom banho, e, na paz da minha solidão, é o que faço pela primeira vez em algum tempo. Nunca havia parado para pensar em como a rotina com alterara a minha, ou havia sequer percebido que sentia falta de quando tudo era… Bem, não era rotina. Tomar banho sozinha com uma boa taça de vinho era, provavelmente, o ponto alto de todo o meu mês.
Assim que saio da banheira, faço a mim mesma o favor de me servir mais uma taça e coloco o celular na reprodução de músicas aleatória. Sorrio enquanto caminho para o closet quando Slip, do Elliot Moss começa a tocar. Afinal, não há melhor indicador de que o restante da noite vai ser promissora do que sua música favorita aparecer como primeira opção sem que você tenha que pular pelo menos outras vinte para encontrá-la.
Coloco um conjunto de seda cinza, jogando o longo robe sobre os ombros e caminhando até a cozinha. Abro os armários em busca do que poderia ser a melhor opção para se comer com vinho, mas meu estômago definitivamente não está receptivo para uma boa dose de macarrão. Há sorvete de baunilha em algum lugar na geladeira, disso tenho certeza, e o gosto da baunilha com a essência da uva não pode ser assim tão ruim.
Como essa noite é “A noite da , não é possível que haja algo no mundo que irá desfazer meu bom humor e a minha vontade de assistir mais um episódio de House of Cards enquanto como sorvete e bebo vinho. Mas é claro que, assim que penso nessas palavras e ligo a TV, a campainha toca no andar de baixo. Abro a tela inicial para checar as horas e sinto meu cenho se franzindo. Eu sabia que não deveria ter ignorado as três mensagens de , porque obviamente aquilo o atraíra até a minha porta e arruinara todo o conceito de passar uma noite completamente sozinha.
Uma noite. Só uma. Sem sexo, sem alguém para dividir a cama a noite inteira ou o café da manhã no dia seguinte. Será que é pedir demais? Penso com raiva, amarrando o robe e nem me dando o trabalho de calçar um chinelo para ir até a porta. Pois é melhor que não tenha muitas expectativas: será mandando para casa da mãe dele sem sequer colocar um dedo dentro da minha.
Estou formulando o que deve ser a décima desculpa para não querer a companhia dele quando arredo a cortina da porta para olhar quem está lá fora, meu coração despencando dentro do meu peito tão subitamente que preciso de pelo menos um minuto inteiro para me recuperar antes de abrir.
- O que você está fazendo aqui? - Pergunto para , soando muito mais grossa do que eu queria.
Ele solta uma risada rouca, balançando nos calcanhares com os polegares enfiados nos bolsos frontais de seu jeans, e olha para a fachada da minha casa como se precisasse de tempo para pensar na resposta.
- Eu… Hmm… - Faz uma pausa e olha para mim, fechando um dos olhos. - Preciso da minha cópia das perguntas de amanhã.
- Já te entreguei isso. - Digo, desconfiada. Semicerro os olhos para ele, me segurando para não rir da sua tentativa tão ridícula de arrumar uma desculpa. - Entreguei para todos vocês essa tarde.
- Preciso de uma xícara de açúcar? - Sugere, soltando mais uma risada quando finalmente sorrio para ele.
- Você mora a duas quadras daqui. - Faço questão de lembrar, o braço que apoio no batente bloqueando sua entrada. Apesar da brincadeira, sinto minha pressão arterial começando a subir perigosamente.
- Eu provavelmente deveria ter pensado numa desculpa melhor no caminho para cá. - Concorda e desvia os olhos de mim, o rosto corando levemente.
- O que você está fazendo aqui, ? - Falo mais uma vez, o tom mais suave agora que sua imagem ali na porta não era uma surpresa.
- Tomei a decisão de não me privar dos pequenos prazeres da vida. - Diz tentando soar misterioso e solta mais uma risada nervosa. - Já que meu destino é o inferno, eu poderia muito bem aproveitar o caminho até lá.
Sei que não deveria. De fato, cada parte realmente consciente em minha consciência grita para que feche aquela porta bem na cara dele, afinal, mocinha, você tem um namorado. Meus dedos se tencionam ao redor da maçaneta, e sei que se permitir, talvez dê a a ideia errada.
Errada para quem? Uma parte de mim diz bem baixinho, bem abaixo da dignidade que me faz querer deixá-lo plantado ali. Sei que se deixar que ele entre, parecerá que toda aquela situação está ok. Sei que se deixar que ele entre, talvez eu esteja cruzando uma linha que vinha evitando sequer me aproximar. E também sei que, no momento que tomar a decisão, muitas coisas serão definidas.
Me sinto fraca. É como se eu não tivesse controle sobre o meu próprio corpo, como se eu não conseguisse fazer algo além de me afastar da entrada, dando a toda a abertura necessária para ele entrar em minha casa. Me atiro para o outro lado da linha. Mais tarde, quando as consequências de dar ampla passagem para que ele entrasse aparecessem, eu me convenceria que o vinho tinha decidido por mim, embora eu soubesse muito bem que não.
Um sorriso discreto toma conta de seu rosto, um sorriso que me faz sorrir também. Aceno com a cabeça na direção da sala de estar e ele se apressa em limpar os pés no tapete do lado de fora da porta de entrada, passando por mim com a cabeça baixa. Há um ar quase triunfal no sorriso que ele ainda exibe.
- O que nós temos? - pergunta, tirando a camisa que vestia por cima da blusa branca simples. Acompanho com o olhar o tecido escorregar por sua pele, encarando desde às tatuagens em seu bíceps até a pele limpa de seus dedos longos. parece captar meu olhar, jogando o tecido ao lado de onde nos sentaríamos.
- Vinho. - Indico minha taça em cima da mesa de centro antes de apontar para o pote de sorvete. - E baunilha.
- Essa é definitivamente uma combinação fora do comum.
Dou risada da expressão em seu rosto, me aproximando do sofá e indicando o lugar ao meu lado.
- Você pode se servir, se quiser. - Ofereço, abrindo o aplicativo de streaming e tentando não olhar demais para ele.
- Não me dou muito bem com vinho. - ergue as mãos como se estivesse pedindo desculpas, os olhos na garrafa.
- Você o quê? - Indago em um tom incrédulo, sentindo meus olhos se arregalarem para ele.
- Não me dou muito bem com vinho. - Repete com um sorriso tímido.
- Que tipo de vinho você tem bebido? - Exijo, me esquecendo completamente da maratona que nos espera e já aterrorizada com a resposta que ele pode me dar.
- Eu não decoro o nome das coisas que bebo. - revira os olhos.
- Ou você está com vergonha porque custa menos de cinco libras? - Sugiro, erguendo a sobrancelha desafiadoramente para ele. solta um suspiro e revira os olhos, mas ainda assim me lança um sorriso.
- Ok, você venceu. Pinot Noir. Esse é o nome do vinho.
- Ai meu Deus! - Exclamo, fazendo questão de exagerar na expressão horrorizada. - Você leu aquele artigo no The Guardian, não foi? Eu sabia que esse jornalismo barato destruiria paladares.
- Como você sabe sobre esse artigo?
- “Cinco bons vinhos por menos de cinco libras”. - Cito, assistindo seu rosto ficar rosado na região das bochechas. - Você comprou algum iate de luxo do qual não tenho conhecimento? Porque se não, não vejo como um milionário poderia beber… - Tento, ao máximo, evitar a expressão de nojo, mas ela escapa mesmo assim. - Pinot Noir.
- Você tem razão, eu deveria ter sido mais cuidadoso. - Concorda por fim, usando um tom solene. - Aquele vinho monstruoso destruiu toda a experiência de sommelier para mim.
- Tudo bem. Vou me arrepender disso. - Murmuro em voz alta, mais para mim do que para . - Se prepare para a selvagem aventura de degustação da . - Digo em um tom dramático e me levanto, desligando a TV antes de me encaminhar para a cozinha, bem no meu encalço.
Me aproximo do armário e abro a pequena adega, me voltando para ele com o dedo erguido em aviso.
- A questão não é se você gosta ou não de vinho. É se bebeu o vinho certo, e estou prestes a abrir alguns dos meus favoritos para você, , que será membro de carteirinha do clube de amante de vinhos.
- Sim, senhora. - A frase dele é acompanhada por uma risadinha que me faz admirar seu sorriso por um longo momento, querendo me aproximar e tocar seu rosto, mas continuo parada ali, apoiada na bancada, segurando firme no mármore para não fazer nenhuma besteira.
Tiro quatro garrafas e dois pares de taças do armário, dispondo-as na bancada que está ao nosso lado. Coloco a construção de madeira e pedra entre mim e , só por segurança, mas olho bem em seus olhos antes de me voltar para a geladeira, pegando uma garrafa de água que ainda estava em temperatura ambiente.
- As taças mais largas são para o vinho tinto. Ele precisa da devida respiração, e esse tipo de taça permite uma melhor percepção dos aromas. As taças mais finas são para o vinho branco, que geralmente é consumido gelado, então é melhor para evitar que ele esquente tão rápido.
Abro uma das gavetas e tiro um saca rolhas, começando pela primeira garrafa de tinto.
- Esse é um Cabernet. É o favorito de muita gente porque tem traços de groselha e cereja, mas é a opção mais fácil para aqueles que não gostam de se esforçar. Sua cara. - Provoco, servindo um terço da taça e estendendo-a para ele. sorri com a brincadeira, mas seus olhos continuam fixos em mim. Ele faz questão de cobrir meus dedos com os seus, demorando para afastar o braço e pousar sua taça sobre a pedra mais uma vez. - Te ensinaria a degustar propriamente, mas são três passos bem básicos. - Faço uma pausa para me servir também. - Você gira a taça para oxigenar o vinho e abrir os aromas.
Faço o gesto e ele se apressa a me imitar, abrindo um sorrisinho.
- Pensei que essa parte fosse apenas charme. - Confessa.
Solto uma risada.
- Pareço charmosa para você?
- O tempo todo.
Há um momento de silêncio em que apenas continuamos a nos encarar. A forma explícita como diz a frase me pega de surpresa; não estou acostumada a qualquer demonstração de afeição vinda de , muito pelo contrário. Tento não demonstrar o quanto aquela frase me afeta, mas sinto meu pescoço esquentar consideravelmente.
- Você sente o cheiro do vinho. - Continuo como se ele nunca tivesse dito nada. - E tenta indicar do que ele é feito, mas como já te contei, você não ganha pontos por acertar essa.
ri mais uma vez e leva a taça até o nariz.
- Tente não segurar no corpo dela. - Corrijo, levando a mão até a sua e movendo seus dedos para a haste. - Afeta a temperatura natural da bebida.
- Inventando desculpas para tocar em mim? - Ele fala baixo, os olhos fixos na minha mão.
Afasto os dedos dos seus, constrangida, e ficamos em silêncio mais uma vez. Quando finalmente falo, minha voz é tão baixa quanto um sussurro.
- Então você coloca na boca, e o sente em todas as partes da língua por alguns segundos. - Viro a taça e ele logo me acompanha, o duplo sentido das minhas palavras pairando entre nós de forma quase palpável sob seu olhar.
- Tem gosto de cereja.
- Eu disse que teria. - Sorrio, virando o resto do líquido e esperando enquanto ele termina com o seu. - Beba um pouco de água para limpar as papilas.
- Você fez um curso de degustação ou algo assim? Um ritual de entrada em um clube secreto?
Solto uma risada.
- Não. - Faço uma pausa e pondero por vários segundos se queria mesmo falar da minha família. - Meu pai gosta de vinho. Minha irmã mais nova também.
- Você tem uma família?! - exclama com uma surpresa exagerada. - Pensei que tivesse assassinado todos para herdar a empresa e o dinheiro.
Reviro os olhos para ele e passo os dedos pelo mármore, bebendo mais um gole de água para limpar o restante do gosto de vinho em minha boca.
- Você já conheceu meu pai. Só não falo muito neles.
- Por que não?
Ergo o dedo indicador em aviso.
- Não vamos nos embebedar e falar de sentimentos, senhor.
- Por que você não tem sentimentos? - sugere com um sorriso, passando o polegar pela borda de sua taça.
- Odeio ter que te dizer isso, mas eu não preciso ser salva. - Dou de ombros e abro a próxima garrafa, fazendo questão de fazer bastante barulho com a rolha para que ele não tenha a oportunidade de fazer perguntas.
apenas franze os lábios e me assiste servi-lo, acompanhando meus gestos quando giro o vinho na taça e o inspiro antes de beber.
- Syrah. - Falo, bebendo mais um pouco. - Frutas negras e especiarias.
- Tem gosto de pimenta.
- Meus parabéns. - Inclino a cabeça e ergo a taça em congratulação.
Ele me encara por um longo momento, a mão pousada na base de sua taça, a boca aberta várias vezes para me dizer algo que ele logo desiste de pronunciar.
- O que foi? - Pergunto, e não tenho certeza se quero que ele seja sincero.
- Que noite. - Suspira, por fim. - Nunca pensei que te encontraria sem maquiagem e de camisola algum dia.
- É um ótimo sinal que você não pense em mim de lingerie. - Digo solenemente, tentando amenizar o clima.
- Penso muito mais do que você imagina. - sorri, de forma que não sei ele está falando sério ou apenas brincando. - Como você dorme, por um acaso?
- Nua. Rolando no dinheiro em lençóis de seda.
- Parece mesmo você. - Concorda e desvia os olhos.
Tento decifrar seus gestos, como ele olha para baixo depois de me encarar por tempo demais, como sua boca está sempre entreaberta ou comprimida, mas quanto mais penso em sua anatomia, mais penso em coisas que jamais deveriam sequer passar por minha cabeça. Penso na textura de seus lábios, na sensação dos seus dedos nos meus, em como me sinto quente quando ele me olha, e por mais culpada que eu me sinta, não posso evitar espelhar todos os seus gestos. Olho nos olhos dele, comprimo os lábios para não dizer nada do que não deveria e sinto minhas mãos inquietas. Quero desesperadamente que ele ao menos encoste no meu rosto, mas fico parada ali, do outro lado da bancada, e sirvo as duas taças de vinho que nos restam.
- Isso é o que eu chamo de alta produtividade. - Falo quando já estamos de volta à sala de estar, me esparramando no sofá com um sorrisinho feliz no rosto. - Nada como uma noite com todos os meus vinhos favoritos de uma vez só para fazer com que eu me sinta realizada.
- Mas e o ? - pergunta e chego a abrir um olho para ver sua expressão, mas seu semblante permanece tranquilo.
- Não vamos falar sobre o . - Digo com simplicidade.
Então acontece de novo. Ele olha para mim e, meu Deus, parece que ele me vê. Seus olhos devoram cada centímetro do meu rosto, descem pelo meu colo e voltam para encarar meus olhos. não diz nada, só fica parado ali, me olhando no sofá, com uma expressão que não consigo identificar, mas me sinto honrada por alguém me olhar assim. Não sei dizer por quanto tempo ele me olha, ou por quanto espero que ele faça alguma coisa, até que seus olhos se desviam e seus dedos viajam até seus cabelos.
- Eu deveria ir embora. - Fala muito baixo.
- Sim, você deveria. - Sou obrigada a concordar.
Ele ainda mantém os olhos presos em mim quando se abaixa para pegar sua camisa. Parece que todo o tempo do mundo não vai ser o suficiente para que ele absorva cada detalhe do meu rosto. Parece que apenas olhar meu rosto nunca vai ser o suficiente.
Me ergo do sofá e ajeito o robe em volta do corpo, sentindo as bochechas coradas. Andamos lado a lado até a porta e me pego mais uma vez desejando que seus dedos rocem os meus, que ele se permita tocar mais em mim do que apenas com o olhar. Quando abro a porta e ele a atravessa, se volta para mim. Os olhos estão fixos nos meus e estou tão concentrada em não perder nem um segundo do tempo que tenho para apreciar aquilo que não vejo sua mão se erguer.
Espero que ele acaricie meu rosto, mas seus dedos não tocam minha bochecha. O polegar roça em meu lábio inferior e penso que é só aquilo que ele quer, até que seu dedo pressiona com a menor das forças, como se ele estivesse tentando limpar algo, e move meu lábio para o lado. O gesto parece mil vezes mais sexual quando desce os olhos para ver tanto quanto sentir minha boca, e ele se afasta sem dizer mais nem uma palavra, me deixando na porta a encarar suas costas conforme ele caminha pela rua.

Glamour Magazine, Mayfair, Londres.

Ok, tudo bem, sou obrigada a admitir que nem todos os lados de ser uma pessoa conhecida são bons. Como a invasão de privacidade, o fato de nunca poder sair nas ruas como uma pessoa normal e todos seus gestos são colocados em pauta para ser julgados em telejornais e talkshows, mas conforme caminho em direção a Glamour, me sinto um tantinho bem por ter escolhido salvar um bom tempo para me vestir pela manhã. Removo o casaco, deixando que os fotógrafos amontoados na portaria da revista capturem o enorme decote traseiro da blusa cinza que escolhi para hoje, e espero que a calça social combine tanto com os saltos quanto eu imaginava.
- Olá, em que posso ajudá-la? - A garota na recepção pergunta no instante em que as portas de vidro se fecham às minhas costas, parecendo um pouco intimidada.
- . Estou aqui para a sessão de fotos agendada às dez e meia. - Me inclino sobre o balcão atrás do qual a garota se esconde, com muita pressa, mas ao mesmo tempo não querendo demonstrar.
- Ah, sim! Mil desculpas, senhorita , você pode subir! - Exclama um segundo depois de se voltar para o computador, constrangida. - É o décimo sexto andar.
- Obrigada. - Faço questão de sorrir, já que a expressão que imagino ter raramente é a que, de fato, está no meu rosto.
Pressiono o botão do décimo sexto andar e bato a ponta do sapato impacientemente contra o chão de porcelanato, irritada com a musiquinha maçante. As horas e a temperatura passam pelo pequeno visor eletrônico em um loop infinito, fazendo com que eu me sinta tonta. O elevador dá um solavanco e as portas se abrem para um longo corredor. Há mais um balcão, parecido com o da recepção, e outra garota sorri para mim e indica a porta no fim do corredor, não vendo necessidade de sequer perguntar meu nome.
Outro momento de déjà vu e me vejo na mesma situação de alguns dias atrás, caminhando por um corredor com pessoas agitadas à minha volta, mas tudo parece, ao mesmo tempo, completamente diferente. Quanto pode se mudar em apenas alguns dias?
Entro no estúdio e vejo experimentando o que devem ser suas últimas peças de roupa antes de começarem a fotografar, sorrindo para sua expressão contrariada. Ele logo me vê pelo reflexo e acena animado. Aceno de volta, tão distraída que mal vejo se aproximar até ele estar com os braços ao meu redor.
- Bom dia, meu amor. - Falo de bom humor, levando os dedos até seus cabelos. me gira para colar os lábios nos meus.
- Senti falta do seu cheiro no travesseiro essa noite.
- Aposto que sua mãe está muito feliz que tenha sentido. - Comento, passando os braços por seus ombros e me afastando para poder enxergar seu rosto.
- Ela quer saber quando é que vai te conhecer. - solta uma risada baixa, parecendo surpreso. - Ela não calou a boca sobre você nem por um segundo.
- Mas eu sou bem difícil de não se apaixonar, mesmo. - Brinco, fazendo a melhor cara de charme que consigo, mas logo sendo distraída pelo beijo que ele me dá.
Pareço sentir o olhar de em nós. Não como algo sobrenatural que acontece sempre que ele está no ambiente, mas como o sexto sentido que sempre te diz quando tem alguém observando. Me seguro o máximo que posso para não me afastar de , mas fico tão incomodada que logo dou um passo para trás, deixando que ele mantenha o braço em volta da minha cintura, e me recuso a olhar na direção em que vejo pela visão periférica.
Sei que na noite anterior não aconteceu nada de mais, mas a sensação de que devo algum tipo de respeito a ele ou a parece crescer mais a cada segundo que passa. Sinto como se tivéssemos nos beijado e agora eu conseguia sequer olhar em seu rosto.
A modelo que irá fotografar com os garotos está parada a alguns metros de mim, a maquiagem sendo retocada enquanto escuta o fotógrafo em toda sua beleza descomunal. A encaro por vários segundos antes de perceber que provavelmente estava sendo mal educada, antes de me aproximar e cumprimentar o resto da equipe.
- Bom dia. - A voz de diz às minhas costas, fazendo com que eu me distraia do gesto de observar o cenário vitoriano. Quase dou um salto para trás, mas ele está bem ali, às mãos cruzadas nas costas, os olhos acompanhando o trajeto dos meus pela decoração.
- Bom dia. - Respondo sem graça.
- Eu devo estar ficando louco… - Começa, fazendo uma breve pausa. - Porque poderia jurar que você me ignorou de propósito alguns segundos atrás.
- É melhor eu marcar um psiquiatra para você, então. - Brinco, levando a mão até a bolsa e tirando o telefone.
solta uma risada e não consigo evitar o pequeno sentimento de tristeza que surge no meu peito por não poder aproveitá-la da forma que queria.
- Você tem dores de cabeça terríveis? Depois de beber tanto vinho, quero dizer.
- Às vezes. Por quê? Você precisa de um remédio? - Me viro para ele e apenas me encara, surpreso. Me dou conta do quanto soei preocupada apenas um momento depois e sinto minhas bochechas esquentarem.
- Sim. Você consegue providenciar um?
- É claro.
Começo a me virar na direção de uma das assistentes, mas ele segura meu braço, me mantendo ali.
- Não agora. Vamos… - faz outra pausa e volta os olhos para a decoração mais uma vez. - Vamos só conversar um pouco.
- Ok. - Falo em um tom quase tão baixo quanto um sussurro, parada ao seu lado, tão próxima que nossos ombros quase se tocam.
- Desculpe por ontem à noite. - Ele fala de repente, tão baixo quanto eu falara segundos atrás. Tenho que me esforçar para ouvir sua voz, mas sei que se me aproximar mais um centímetro sequer, as coisas poderiam parecer diferentes para quem estava olhando.
- Pelo quê?
- Por ter tocado você. Eu...
- Não peça desculpas. - Interrompo imediatamente, fazendo com que ele volte a atenção para mim. - Você não tem que se desculpar.
me encara sem dizer nada pelo que parece a milésima vez. Volto os olhos para a parede, mas ainda assim sinto seu olhar em mim. Ele abre um sorriso, tão pequeno que poderia ser imperceptível, e levanta a mão para tocar meu braço, o mais leve roçar da sua pele contra a minha.
- Eu deveria ter esperado por você. - É tudo o que ele diz.
Olho para ele com tanta veemência que me assusto. O que estava acontecendo era tão sutil que me surpreendia vê-lo colocando tudo em palavras tão explícitas. De repente, parecia que era tudo real, não apenas algum fruto libidinoso da minha imaginação. Não sei o que responder, e mesmo que soubesse, não haveria tempo. Meu celular começa a tocar no segundo que chamam por ele, e me afasto sem falar mais nada.
- Alô? - Respondo, não me dando o trabalho de olhar a tela.
- ! Tudo bem com você? Aqui é a Alissa, do Dailymail!
- Oi, Alissa! Eu estou bem, como você está?
- Estou ótima! Escuta, estou ligando porque preciso te dar um aviso.
- O que foi que eles fizeram dessa vez, Alissa? Se for muito ruim, não quero nem saber… - Dou ênfase na frase, soltando um suspiro cansado, e espero por sua risada do outro lado da linha, mas ela nunca vem.
- , estou ligando para te avisar que vão publicar uma história sobre você depois do almoço. Não que eu seja do tipo que se intromete na vida das pessoas, mas o que diabos estava fazendo na sua casa, de madrugada, enquanto seu namorado estava fora da cidade?

Capítulo III


Não sei o que percebo primeiro: o sangue fugindo do meu rosto ou meu coração despencando dentro do meu peito de uma maneira que não deveria ser possível. Sei que não aconteceu nada de mais - pelo menos não o que as pessoas poderiam considerar de mais -, mas consigo ver a manchete se formando com clareza em minha mente.
Meu silêncio era, de certa forma, toda confirmação que Alissa precisava.
- ! - Ela exclama do outro lado da linha, chocada.
- Eles têm fotos? - Pergunto, finalmente voltando a mim, mesmo que meu coração ainda esteja disparado em meu peito.
- , o que foi que você fez? - Alissa soa mortificada. Meu Deus, parece que eu matei alguém e dei o corpo para os cães.
- Alissa, eu te fiz uma pergunta. Você consegue respondê-la? Vou repetir para você: eles.têm.fotos? - Faço uma pausa exagerada entre as palavras, trincando os dentes.
Quando ela responde, sinto que estou prestes a chorar.
- Sim.
Não sei o que dizer. Fico parada ali no estúdio, encarando o espaço à minha frente sem realmente enxergar alguma coisa, minha mente em outro lugar, nas fotos que estariam online no horário do almoço. Eu, de camisola, levando até a porta em plena madrugada. Ah, sim, claro, com fora da cidade.
- ? Ainda está aí?
- Oi. Desculpa, estou, sim.
- Eu deveria tentar fazer alguma coisa?
- Não. Não, não arrume problemas. Eu resolvo por aqui.
- Tem certeza?
- Não estou fodendo ele. - Sussurro para o telefone, cansada, sabendo que era exatamente isso que ela queria saber.
- Ai, graças a Deus. Não queria perguntar em voz alta. - Ela solta uma risadinha nervosa, e realmente soa bastante aliviada.
- Obrigada, Alissa.
Desligo o telefone, e não me viro imediatamente na direção onde os garotos estão, segurando o celular com toda a força que consigo colocar nos dedos dobrados daquele jeito. Meus parabéns, . Está aí um problema que não vai ser nada fácil de resolver.
Solto um suspiro e decido que, por agora, minha melhor opção era apenas esperar. Não havia maneira em que eu poderia prever as reações. A melhor solução a seguir era a desculpa ridícula de : que ele tinha ido até lá à trabalho. E torcer para que não parecesse tão ridícula assim aos ouvidos alheios.
Claro que, se fizéssemos algum comentário, pareceríamos culpados. Mesmo que eu acusasse a mídia de ser sexista e usasse todos os melhores argumentos que pudesse construir, ainda assim haveria algum tipo de rumor. Não importa no que pensasse, a melhor coisa seria que aquela publicação nunca existisse.
Quando Rosie está na quarta troca de roupa, me aproximo de onde os garotos têm sua maquiagem retocada, fingindo interesse no meu celular.
- , posso falar com você um minuto? - Falo como quem não quer nada, esperando não soar preocupada para os garotos, que viram as cabeças quase em sincronia.
ergue a mão para interromper a garota que bate pó em seu rosto, a expressão preocupada. Ele me segue até um canto mais afastado e as pessoas mais próximas logo saem para nos dar privacidade.
- O que foi? - Ele pergunta, a voz tão interessada quanto seu rosto. Ergue a mão como se fosse me confortar, fazendo com que eu dê um passo involuntário para trás.
Me arrependo do gesto tão logo o faço, vendo suas bochechas ficarem rosadas. Quero deixar que ele me toque, mas ali e naquele momento dificilmente é a situação mais apropriada.
- Temos um problema. - Sussurro, passando os dedos pelo cabelo.
- Você está me deixando preocupado.
Fecho os olhos por um momento e solto um longo suspiro. Não digo nada, e ele também não. Se as coisas fossem simples assim, e pudéssemos apenas ficar em silêncio, se olhando… Me pergunto como é que nossos momentos roubados podem fazer com que eu me sinta melhor do que quando estou com meu namorado, mas é algo em que não quero procurar pela resposta, pelo menos não agora.
Por que estou tão preocupada? Não aconteceu nada, e prometo para mim mesma que nunca irá acontecer. Aquilo, ali, era o máximo que seríamos: uma troca de olhares e o mais breve toque da sua mão. Ambos tínhamos outras pessoas em nossas vidas, e o que estava acontecendo, essa atração que sentíamos agora, eventualmente iria embora. Eu não me preocupava porque tínhamos qualquer coisa para esconder, me preocupava porque eu tinha que cuidar da sua imagem. Não podia prejudicar ambas nossas carreiras por uma coisas boba, que sequer estava acontecendo.
A ideia que tive mais cedo cruza minha mente mais uma vez, e ao contrário do que havia feito antes, não a rejeito. Quero desesperadamente tocá-lo, mas me seguro, e quando finalmente falo, espero não soar tão incomodada quanto realmente me sinto.
- , você precisa ligar para a sua namorada.


Restaurante Petrus, Knightsbrigde, Londres

- Você parece tensa. - A voz de me arranca de meus devaneios, e preciso piscar algumas vezes até entender o que ele estava dizendo.
Acaricio a mão que ele deixa em meu ombro, de repente ciente que estamos em um restaurante e as pessoas nos observam, algumas até tiram fotos. Me inclino para beijar seus lábios, o que o surpreende um pouco, mas ele logo ergue a mão para segurar meu rosto.
- Estou bem. Só um pouco distraída. - Falo baixinho, sentindo os olhos de Julian e dos garotos em nós.
- Relaxe, . - fala em um tom descontraído - Ninguém acredita que você e o tenham um caso. Vocês não se bicam desde o primeiro dia.
Torcendo para que ninguém note o silêncio de , forço uma risada para acompanhar o resto da mesa.


So Television Ltd, City of London, Londres

Sou obrigada a sorrir e aplaudir o comentário de junto ao auditório. Graham faz uma pausa para respirar, então ri mais um pouco, provocando mais gargalhadas.
- Tenho outra pergunta para vocês. - Ele começa enquanto as pessoas se recuperam, ajeitando alguns papéis em sua mesa. - Para vocês dois, na verdade. - E indica e com o dedo. - Qual de vocês está namorando aquela beldade ali?
O câmera se vira para focar meu rosto, e reviro os olhos e sorrio apenas pelo show. Os garotos soltam gargalhadas, e ergue a mão com uma expressão orgulhosa, mas não é nele que presto atenção.
balança a cabeça com um sorrisinho no rosto, evidentemente evitando olhar na minha direção. Logo desvio os olhos também, mandando um beijo para Graham.
- É meio óbvio que você é o sortudo, , porque essas imagens acabam de chegar para nós, e aqui - Graham ergue o dedo para o telão atrás de si, e vários fotos aparecem na tela. - Está uma bela francesa que é bem familiar do seu colega, chegando no aeroporto de Heathrow. Matando a saudade, ?
Desvio meus olhos do seu rosto, encarando as fotos de Camille no telão, com a consciência um tanto quanto pesada. Eu não era amiga de Camille Rowe, longe disso; nos encontramos poucas vezes, e em nenhuma delas prestamos atenção uma na outra. Agora, eu a encarava ali, os cabelos loiros ao vento e um sorriso simpático no rosto delicado. O fato de que ela carregava três bolsas não a impedia de manter a postura de modelo ou a simpatia que lhe era tão comum.
- Um homem merece ser amado, Graham. - diz em tom brincalhão, sorrindo carinhosamente para as imagens da namorada.
Por um momento, me pergunto qual foi a desculpa que ele deu para que ela arrumasse um voo tão rápido, mas logo decido que não quero saber. Estava tomando a decisão de me manter o mais distante da vida privada de quanto me fosse possível; a não ser que eu tivesse de lidar com ela diretamente, não era da minha conta.
Graham alfinetou os garotos sobre mim e Camille mais um pouco antes de se voltar para os outros três, perguntando sobre as vidas amorosas deles também, antes de finalmente focar na divulgação do novo álbum. Não estava tão perto de ser lançado, mas era bom que revelássemos alguns detalhes para deixar as pessoas ansiosas, e, quem sabe, impulsionar um pouco mais as vendas.
Norton encerrou o show me chamando para o palco, fazendo com que eu ficasse entre e o tempo todo. Senti minhas bochechas quentes, mas se fosse visível para quem estava em casa, eles provavelmente pensariam que era descostume com toda a atenção.
Quando as câmeras são desligadas e somos direcionados para as os bastidores do estúdio, faz um gesto com a cabeça, me chamando para conversar em particular.
- Oi! - Falei, sorrindo para ele e tocando seu braço. - Algum problema?
Ele não sorri, muito pelo contrário: seu rosto estava contraído em uma expressão irritada, as sobrancelhas franzidas em descontentamento.
- Na verdade, tem uma coisa bem errada, sim. - Sussurrou com rispidez, apertando meu braço e nos afastando mais um pouco. - Que merda você tem na cabeça, ?
- O quê?! - Exclamei em choque, me sentindo completamente confusa. Fiquei surpresa com sua rispidez apenas por um momento antes de puxar meu braço com força, irritada com o toque nada gentil. - Do que você está falando?
deu um passo à frente, o rosto muito próximo do meu.
- Aquelas fotos no telão, , aquelas fotos que saíram no Daily Mail hoje… O que você estava pensando?
- Nada! - Olho bem nos olhos dele, esperando que ele acredite em mim. - Você, mais do que ninguém, deveria saber quando as coisas são distorcidas.
- Se eu não tivesse visto você entregar as perguntas com os meus próprios olhos, talvez acreditasse nessa baboseira que vocês inventaram. - Pontuou, entrando na minha frente quando insisti em desviar o olhar.
Não soube o que dizer. Encarei seus olhos, brilhantes e abri a boca diversas vezes para falar uma sentença que sequer consegui elaborar. A expressão dele suavizou, e quando buscou meu olhar novamente, parecia mais preocupado do que nervoso.
- Eles são meus melhores amigos. Você não pode fazer isso com nenhum dos dois.
- Eu não fiz nada. - Falo imediatamente, erguendo o queixo.
passa a mão esquerda pelos cabelos e solta um suspiro longo, me olhando de rabo de olho.
- Eles são melhores amigos. - Deu bastante ênfase no início da frase, como se aquela fosse uma parte que estava difícil para eu entender. - O tem uma namorada por quem ele é completamente louco. O é completamente louco por você. Eles são completamente loucos um pelo outro. Consegue ver o problema aqui?
- Na verdade, consigo, sim, . - Tento controlar o tom de voz, me aproximando dele mais uma vez. - Por que você não para de me encher o saco e vai passar sermão no ? Eu estava muito bem com meu namorado, na completa ignorância dos sentimentos dele.
- E eu estava completamente ok com ele se sentir atraído por você. Você não é difícil de se olhar, . - Ele faz outra pausa para segurar meu braço mais uma vez, o toque infinitamente mais suave. - Mas agora você está atraída por ele também.
Não neguei. Ele estava olhando nos meus olhos, e eu não conseguiria mentir na sua cara, deslavadamente. sabia ler as pessoas muito bem, mas não só por isso: eu era uma mulher de palavra.
- Nada vai acontecer. - Garanto e levo minha mão até a sua, tentando colocar a expressão mais solene no rosto.
- Você promete?
- Nada vai acontecer, . - Repito.



Agosto de 2014, Primrose Hill, Londres

Me remexo nos lençois, abrindo os olhos vagarosamente. Sinto seus dedos em minhas coxas, abrindo caminho para que seus lábios possam tocar minha pele, começando perto do meu joelho enquanto ele trabalha seu caminho para cima.
- Acordou cedo hoje? - Pergunto com um sorriso, tentando me espreguiçar. Sua língua trilha uma longa linha, bem próxima à minha virilha, e minha voz soa mais como um gemido do que um cumprimento apropriado.
- Longe disso. - também sorri. - Hoje é um dia especial. - Comenta com uma expressão maliciosa, apoiando os joelhos no colchão e levando os dedos até o meu quadril, elevando-se sobre mim.
- Não gosto muito de aniversários. - O lembro, abaixando mais o corpo no colchão para me acomodar melhor, o estômago revirando em expectativa. Se pudéssemos simplesmente pular a conversa fiada…
- Seja uma boa garota. - Me adverte, sorrindo de lado, e lentamente, como se suas únicas intenções fossem me provocar, ele desce os dedos até as alças de renda preta, puxando-as para baixo.
Ergo as pernas quando ele passa a calcinha por elas, encarando seus olhos com uma determinação que inicialmente me confunde. Não estou tão no clima quanto deveria, mas ninguém em sã consciência negaria sexo de aniversário. Parece haver, inconscientemente, a absurda sensação de que devo fazer aquilo por ele.
se abaixa para me beijar, uma das mãos acariciando minha perna, enquanto a outra sobe por minha coxa, tocando de leve a umidade no meio das minhas pernas. Um arrepio desce pela minha coluna, meu corpo tremendo contra o de . Ele não para de me beijar, passando os dedos por meus lábios e os posicionando na extremidade da minha vulva.
- Vai ser uma boa garota? - Pergunta bem próximo do meu ouvido, aproveitando a curta distância para roçar os dentes em meu lóbulo, descendo por meu pescoço.
Abro um sorriso enviesado, aproveitando a sensação de seus dedos parados ali.
- Eu posso tentar. - Sussurro em um tom sugestivo.
parece mudar de ideia em relação a me provocar: começa a mover os dedos em movimentos circulares, a boca tomando a minha mais uma vez.
Tento relaxar os músculos do abdômen e aproveitar a sensação de todo o seu corpo colado no meu enquanto ele me estimula, a boca concentrada em explorar a minha, mas, para minha completa surpresa, é muito mais desconfortável do que prazeroso.
desce os lábios pelo meu pescoço, erguendo a camisola para deixar meus seios expostos. Ele não vai tirar a minha roupa?!, penso com urgência, incomodada com o tecido amontoado em meu pescoço.
Espanto o pensamento com um balançar de cabeça, sorrindo quando meu namorado ergue os olhos da minha barriga, uma última provocação antes que ele use ambas as mãos para expor minha intimidade, passando a língua de uma extremidade à outra. Como se fosse um instinto, levo as mãos até seus cabelos. Mentalmente, enquanto usa a ponta da língua para estimular meu clitóris, tento convencer a mim mesma de que não o seguro ali torcendo para que ele termine logo com aquilo, de forma que eu possa me levantar da cama com a consciência limpa.
Me pergunto que brincadeira doentia era essa que Deus fazia comigo: em pleno meu aniversário, transar com meu namorado parecia ser mais por obrigação do que por diversão. Busco em minha mente pela maravilhosa sensação que a cabeça de entre minhas pernas costumava me causar, porque o gesto, hoje, deixa o local dolorido.
- … - Chamo, removendo a mão de seus cabelos e soltando um suspiro. Ao contrário do que eu esperava, ele não para o que estava fazendo: mantém o rosto ali, a língua trabalhando incansavelmente. Quando ergue uma mão para o que só poderia ser introduzir os dedos em mim, abro a boca para chamá-lo novamente.
Antes sequer que o som escape dos meus lábios, o telefone começa a tocar no criado mudo. Jogo a cabeça no travesseiro, aliviada, e espero que ele vá atender, mas ao invés disso continua ali.
- , o telefone. - Falo baixinho, passando os dedos por seu cabelo mais uma vez, agora para afastá-lo de mim.
- Deixe tocar. - Diz com pressa, se livrando das minhas mãos.
- Eu preciso atender! - Exclamo com urgência, tentando fechar as pernas.
Ele solta um suspiro irritado, sentando na cama com uma expressão desgostosa. Salto para o chão, com mais pressa do que deveria, e corro para pegar meu telefone, que vibra mais uma vez, o visor piscando para mostrar o nome de quem me salva.
Só pode ser brincadeira.
- Oi! - Atendo em um tom divertido, querendo dar gargalhada da situação.
- Boa tarde, . - A voz de me saúda, o tom controladamente em advertência - O que aconteceu com a sua pontualidade?
- O quê? - Exclamo, caminhando até a porta do quarto para olhar o relógio na parede lá fora. Me volto para - que me encara com a expressão irritada - quase imediatamente. - Por que não me disse que eu estava atrasada?!
Ele dá de ombros, sem se dar o trabalho de me fornecer uma explicação. Caminho até o banheiro com raiva, abrindo o chuveiro às pressas, o telefone ainda na orelha.
- Eu sinto muito. - Falo com sinceridade. - Estarei aí o mais rápido que puder. Peça desculpas a Camille por mim. - Não espero a resposta de . Jogo o celular em cima da pilha de roupas que deixo no chão, pulando para debaixo d’água e tomando o que deve ser o banho mais rápido da história.
Com uma toalha enrolada no cabelo e completamente nua, passo por em direção ao closet como um furacão, agradecida que ele seja inteligente o suficiente para manter a boca calada, e pego as peças de roupa com tanta violência que quase faço os cabides caírem. Prendo o sutiã e pulo para passar o jeans pelas pernas úmidas, passando a camiseta de seda em seguida.
- Inacreditável. - Falo baixinho para mim mesma, com raiva, e caminho para pegar o par de saltos pretos. - Você é inacreditável, ! - Dessa vez, deixo minha frustração escapar na intensidade da minha voz, me concentrando logo em seguida para manter aquele o único grito da casa.
Sento à frente da penteadeira, passando a maquiagem mais básica que consigo pensar, e usando o batom vermelho porque não consigo imaginar opção diferente. Quando saio para o quarto, quase pronta, se ergue da cama, caminhando na direção da bandeja de café da manhã que tinha deixado em cima do aparador. Quase me sinto mal, mas estou com tanta raiva por sua tentativa de se meter em minha vida profissional que espero que ele fique realmente magoado.
- Se você for aproveitar a carona, - começo, tentando controlar o volume da voz - é melhor que… Quer saber? Ótimo.
Desisto de expressar o quanto ele tinha passado dos limites, pegando a bolsa e as chaves do carro e caminhando, com raiva, na direção da porta. Ele me segue ainda em silêncio, sem se preocupar em esconder o ambiente decorado em rosas que nos esperava no andar de baixo, e também entra no carro sem dizer qualquer palavra que seja.
- Pensei que passar um tempo comigo fosse mais importante. - Diz em voz baixa quando já estamos quase fora da garagem, os olhos fixos na rua à frente.
- Você não pode, honestamente, estar fazendo isso sobre uma batalha ridícula entre meu trabalho e você. - Falo, incrédula, e coloco minha melhor expressão debochada no rosto. - Eu trabalho pra você!
- Então te dou o dia de folga. - Cospe em um tom ríspido, e se não fosse a expressão que ele tinha no rosto, sua frase poderia ter sido até carinhosa.
- Ah, você me dá o dia de folga? - Repito sarcasticamente, virando à direita, sem me preocupar em dar seta. - Muito obrigada, . Agora posso deixar seu melhor amigo e a namorada dele esperando, já que tenho o dia de folga e não preciso provar pra ninguém que não estou transando com vocês dois.
- Isso seria realmente absurdo, não é? Porque com um de nós você definitivamente não está.
Viro o pescoço na direção dele com tanta veemência que sinto um pouco de dor, mas a ignoro, assim como ignoro o sinal aberto e o carro atrás de mim, que começa a buzinar.
- O que foi que você disse?
Ele não diz nada, apenas vira para encarar a rua e olha para o semáforo iluminado em verde de modo sugestivo. Desisto daquela briga, me concentrando em não bater o carro com nós dois dentro.
- Obrigada pela sugestão. - Digo um minuto depois, friamente. - Já que você também acredita que estou fodendo por aí, eu posso muito bem apenas fazê-lo.
Sei que foi uma jogada cruel no momento que vejo a expressão em seu rosto. Ele não acreditou, nem por um segundo, no que a mídia estava insinuando. , em si, insinuara apenas para me magoar, e eu não deveria ter pago na mesma moeda. Mas ele não deveria querer me ver magoada, de qualquer forma.
Abro a porta do carro e desço para o estacionamento do restaurante, usando toda a força de vontade existente dentro de mim para esperar que ele caminhe até onde estou e me ofereça a mão. Como foi que saímos do clima que estávamos de manhã, para aquilo?
- Tem certeza que quer me dar a mão? - Pergunta com ironia, entrelaçando os dedos nos meus mesmo assim.
- Esse almoço inteiro é uma jogada de marketing. Nossa chegada nele também pode ser.
Dou o nome de para a anfitriã parada na entrada, que nos acompanha até a mesa onde eles estão, com um sorriso. Ambos se erguem quando veem que nos aproximamos, e a primeira coisa que me vem à mente é como o cabelo dela é bonito.
Camille se precipita para me abraçar, segurando meus ombros para depositar um beijo em minha bochecha.
- ! Quanto tempo! - Diz com um sorriso, o sotaque francês mais evidente quando seu tom de voz é tão animado. - Olá, !
Ela se afasta de mim para abraçá-lo, e encaro enquanto nossos namorados se cumprimentam. Ele olha para mim em um tom inquisitivo, como se soubesse que algo estava errado e esperasse que eu contasse para ele bem ali. Era um absurdo que ele sequer esperasse que conversássemos.
Nas últimas duas semanas sequer nos vimos. Fiz questão de manter minha promessa para e para mim mesma: quando algo não o envolvia diretamente e profissionalmente, eu apenas fingia que ele não estava lá. Sentia seus olhos em mim durante todas as horas que passávamos dentro do estúdio, mas não olhava em sua direção, e sempre que ele tentava fazer com que ficássemos sozinhos no mesmo ambiente, eu dava um jeito de fugir o mais rápido que a educação me permitia, outras vezes não o dando o luxo de nem isso.
Sem perceber, balanço a cabeça negativamente, como quem diz “agora não”, e logo me arrependo. Ele pode ter a ideia de que mais tarde talvez seja viável que possamos conversar.


Talheres são ouvidos batendo contra pratos, um som nada estressante com a combinação do burburinho comum do restaurante. Brinco com as ervilhas em meu prato, vagamente prestando atenção a conversa sem conteúdo entre e Camille.
- Não é de hoje que adoramos os chalés em Crans-Montana, não é mesmo? - Ergo os olhos e observo Camille enquanto ela fala, virando para , como se esperasse que ele engajasse na conversa. Ele concorda com um breve aceno de cabeça e um sorriso sem mostrar os dentes, olhando para a garota com ternura. Acabo me perguntando se ele olha da mesma forma para mim; se em todos esses meses que convivemos praticamente todos os dias, eu teria deixado de notar se ele me olhava daquele jeito. Não consigo chegar a uma conclusão - se a adoração que tinha no rosto para a namorada era a mesma que mostrava para mim, eu nunca notei.
- Alguns estranham essa nossa preferência. - Continua ela, erguendo a mão e colocando-a sobre o pulso de que está apoiado na mesa, próximo da taça de vinho. - Por que ir tão longe? Por que não nos contentarmos com chalés nos alpes suíços? Nós gostamos da simpatia dos argentinos; são pessoas tão gentis, hospitaleiras.
Olho para o lado e vejo finalizando a refeição. Ergue o guardanapo de seu colo, passando-o sobre os lábios enquanto acena positivamente com a cabeça, honestamente interessado na conversa. Me surpreendo quando olha para mim. Rapidamente, continuo a brincar com as ervilhas, me ocupando em mastigar algumas delas antes que alguém me faça dizer algo.
- e eu costumamos ir para lugares quentes. - começa, erguendo o braço e o passando pelas minhas costas, repousando sua mão em meu ombro. - É uma boa variável ao clima tão pesado da Inglaterra.
- Mas que maravilha! - Camille se apressa em dizer, nunca tirando o sorriso do rosto. - Seria ótimo se viajássemos juntos, não é mesmo? Nós quatro.
Ao mesmo tempo em que pigarreio, escuto soltar uma risada tão forçada que acaba arrancando um sorrisinho de , que provavelmente entendera nossas reações como fruto da nossa constante aversão um pelo outro.
- Não concorda comigo, meu amor? - Diz Camille, erguendo a mão que repousava no pulso de e levando-a a sua própria taça de vinho, segurando-a pelo corpo ao invés da haste. Meu rosto se contorce em uma discreta careta. olha na minha direção rapidamente, e um sorriso brinca em seus lábios, mas eu sou a única pessoa que percebe.
- Concordo, princesa. - Diz , lentamente. Seus lábios se curvam de forma tentadora ao proferir tais palavras e eu respiro fundo. Talvez por conta da aversão ao termo “princesa”, talvez pelo calor que senti na nuca por prestar atenção demais nos movimentos feitos pela sua boca.
- Podemos combinar isso para as próximas férias da banda, né? - diz, brincando com fios rebeldes do meu cabelo que repousam em meu ombro, agindo como se não tivéssemos chegado ao restaurante no meio de uma discussão. Sinto seu corpo inclinado contra o meu e tento não parecer tão rígida quanto meus músculos estão.
- Claro. - Diz e quase dou um pulo quando sinto um pé esbarrando no meu debaixo da mesa. Com sentado na minha frente, não tenho dúvidas de que foi ele. E de que o movimento foi intencional. Sinto que é um aviso, olhando em sua direção e vendo o mesmo erguer as sobrancelhas. “O que é que está acontecendo?” parece dizer.
Percebo, com um certo desconforto, que sabe agir perfeitamente em uma situação como essa, na qual a tensão é palpável. Presto atenção na sua linguagem corporal impecável, na sua mão próxima da de Camille, que segura de forma grotesca a taça de vinho, na forma que ele vira e sussurra palavras no ouvido dela. Eu sei que ele está encenando. E sei que, se eu não agir da mesma forma, é possível que outras pessoas desconfiem de algo.
Isso é uma jogada de marketing, . Você costumava ser a melhor nesse tipo de coisa. Onde estão suas bolas? Penso com raiva, e logo me repreendo por associar qualquer comportamento audacioso com genitais masculinos. Você tem peitos. Não precisa de bolas.
Estou tão distraída que só percebo que Camille fala comigo quando ela se inclina sobre a mesa, tão espontânea, e balança a mão em frente ao meu rosto. Nós rimos imediatamente, mas não dura nem mesmo um segundo: ela volta a se sentar e bate o cotovelo na taça de vinho, que entorna na mesa e cai no chão, manchando tudo de vermelho, sem nem se comparar ao estrago que faz na camisa de .
Me levanto, desamarrando a blusa que visto por cima da camiseta e a passando para Camille, que não para de se desculpar. Ela veste, agradecida, enquanto me abaixo para pegar a haste que caiu no chão.
- Sinto muito, eu nem deveria estar bebendo... - A namorada de diz em um tom de lamento, erguendo o braço para o garçom lá no fundo.
Não deveria estar bebendo? Ela estava grávida?!
- ! - e exclamam ao mesmo tempo, mas não rápido o suficiente para impedir que eu agarre a haste quebrada com a mão meio trôpega, cortando a parte entre o polegar e o indicador.
Solto um gemido quando vejo o sangue escorrendo e sinto a dor meio doce que o corte provoca em minha mão. me puxa para cima e Camille solta mais algumas exclamações, enquanto o garçom parece meio desesperado.
- , eu sinto muito! - Rowe repete sem parar, como se ela mesma tivesse pegado o vidro e me cortado. Não respondo nada, apenas encaro o sangue que começa a escorrer pelo meu braço e a pingar no chão.
- Senhorita, você está bem? - O garçom pergunta e algumas pessoas se levantam de suas mesas para dar uma olhada na confusão.
- Isso não para de sangrar. - reclama baixinho, não prestando qualquer atenção no que se passa ao seu redor.
se aproxima para checar o ferimento.
- Você deveria ir para um hospital. - Comenta. Quando ele chega mais perto, meu estômago se revira em expectativa, esperando que ele toque a minha mão, mas dá apenas uma rápida olhada. - Acho que vai precisar de pontos.
Deixo escapar um suspiro, removendo minha mão da de e segurando o guardanapo ensanguentado eu mesma. Aproximo-me da bolsa, indicando-a com a cabeça.
- Pegue meu cartão e diga para encerrarem a conta. Você dirige até...
Corto minha frase no meio do caminho, me lembrando que não tem habilitação. Suspiro mais uma vez e solto o guardanapo para pegar o celular.
- Deixa para lá, eu chamo um táxi.
- Eu te levo. - fala de repente, olhando para a namorada. - Você se importa de ir com para o salão?
- Não, está tudo bem. Você vai ficar ok, ?
Não, não vou. Por favor, pegue seu namorado e vá embora. Penso, mas algo me impede de pronunciar as palavras. Encontro o olhar de , sentindo um frio na barriga.
- Claro. Encontramos com vocês lá. - Falo, distraída, e mal percebo quando me guia para fora do restaurante, os outros dois se demorando um pouco mais para pagar a conta.
- Você está bem? - pergunta, a expressão preocupada.
Só o som de sua voz me irrita, e apesar de tentar não demonstrar, puxo a mão quando ele tenta segurá-la.
- Estou ótima. Só sangrando como um porco. - Reclamo em voz baixa, tentando apertar um pouco mais o machucado. Solto outro gemido de dor, desistindo, e olho para as mãos vermelhas com irritação
- Vamos lá, . Só vai demorar um segundo. - diz, já caminhando até o carro e abrindo a porta do passageiro para mim. Ele me ajuda a subir, e quando suas mãos tocam minha cintura, parece demorar uma eternidade até que eu consiga me sustentar sozinha. se inclina sobre mim para passar o cinto de segurança, me tocando em tantos lugares diferentes que tenho certeza que meu rosto está vermelho. Quando prende a trava do cinto, vejo que suas mãos tremem.
Ele fecha a porta, os olhos fixos nos meus apenas por um segundo antes de correr para o lado do motorista.
- Fique bem, ! - Camille grita do lado de fora, dando um selinho rápido no namorado e acenando para mim. - Te espero na festa!
arranca o carro, me obrigando a acenar apressadamente para os dois que ficam para trás, me sentindo ansiosa.
- Você está bem? - Ele pergunta depois de um momento, revezando-se entre prestar atenção no trânsito e em mim.
- Estou. - Falo distraidamente, tentando impedir que o sangue caia no chão de seu carro. - Só não quero ver essa coisa.
- Nunca te levei pelo tipo que se assusta com sangue. - comenta, obviamente tentando me distrair.
- Ah, não me assusto. Não quero ver o ferimento.
- Não dói? - Ele aproveita o sinal fechado para me olhar, encostando a cabeça no volante.
- Tenho alta resistência a dor. - Digo solenemente, fazendo uma expressão altiva.
ri, balançando a cabeça enquanto volta a dirigir. Ele passa pelo trânsito de Londres sem muitas palavras, dando seta nas horas certas e agradecendo quando outros motoristas são educados. Dou uma risadinha, pensando na diferença entre nossas condutas quando no controle de um automóvel. Quero conversar com ele, mas não tenho ideia do que dizer, então deixo que ele nos leve até o hospital, observando seus dedos em volta do volante, seus olhos atentos às ruas.
- Pronto. Se você não morreu de hemorragia até agora, duvido que vá acontecer. - Ele estaciona próximo à entrada de emergência, dando a volta no veículo para me ajudar a descer.
Se inclina mais uma vez para remover meu cinto de segurança, o perfume de seus cabelos alcançando minhas narinas. Ergo um joelho levemente, fazendo com que ele olhe para mim, e posso jurar, por um momento, que ele vai se aproximar e me beijar.
Mas só estende a mão, me dando apoio até que eu esteja com ambos os pés no chão. Aproveitando a porta aberta que parcialmente bloqueia a visão que qualquer um poderia ter de nós, aperto seus dedos, arrancando-lhe uma expressão confusa. Ele não diz nada, apenas se afasta e me acompanha até a recepção, parecendo meio transtornado.
Depois que explicamos a situação para a garota da recepção e apresentamos o cartão do seguro, ela nos guia para uma pequena sala, e logo chamam meu nome.
- Você vai entrar? - Pergunto para , colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha com a mão livre.
- Você quer que eu entre?
Faço uma pausa, abrindo um sorriso.
- Preciso de alguém para segurar minha mão.
Espero que sorria também, mas não faz isso. Parece mais confuso a cada segundo que passa, mas, mesmo assim, se levanta e me acompanha para dentro do consultório. Uma enfermeira muito jovem pega o guardanapo da minha mão e o joga na lixeira, se higienizando antes de caminhar até mim e limpar o ferimento. Faço uma careta e recuo um pouco, desviando os olhos do corte que começa a aparecer.
- Vou buscar alguém para dar uns pontos para você. Fique quietinha aí! - Me adverte, sorrindo antes de fechar a porta.
Então o silêncio recai sobre nós. Tento não olhar para ele, me arrependendo de ter aceitado a carona, e encaro a cortina em tons pastéis. está com o polegar na boca, os olhos fixos no linóleo. Enquanto espero ansiosamente para que a enfermeira abra aquela porta mais uma vez, solta um suspiro e passa a mão pelos cabelos.
- Ela está grávida? - Pergunto sem pensar duas vezes, sem dar tempo para me arrepender. - A Camille?
Ele se surpreende com a minha pergunta, parecendo meio chocado, mas não diz nada.
- Se estiver, eu posso evitar que noticiem isso por algum temp…
- Ela não está grávida. - Me interrompe em um tom gentil, se aproximando da maca onde estou sentada. - O que te fez pensar isso?
- Ela disse que não deveria estar bebendo, lá no restaurante.
assente, ainda em silêncio, apoiando os punhos no colchão, bem ao meu lado. Se ele arredasse sua mão apenas alguns centímetros, poderíamos nos tocar mais uma vez.
- Ela está tomando alguns remédios por causa da intoxicação alimentar. Sabe, para não prejudicar o estômago. Por isso não poderia estar bebendo, mas acho que já está ok. - Explica sem olhar para mim, encarando o logo do hospital no lençol.
Admiro a curva que seu pescoço faz, inclinado daquele jeito, e os cabelos que caem um pouco para frente naquele ângulo. Quero que ele olhe para mim, que estique os dedos e segure os meus, mas ele só fica parado ali, sem me olhar ou se aproximar.
- ? - Pergunto depois de alguns segundos de silêncio, rindo. - Você nunca me chama de .
chega a abrir um pequeno sorriso, mas é impedido de dizer qualquer coisa pela enfermeira que volta para o consultório, fazendo com que ele se afaste um pouco, sentando na maca junto comigo. Um médico a acompanha, dando uma boa olhada no corte e me explicando o procedimento. Tudo dura muito menos do que eu esperava: cerca de alguns minutos depois, já estamos voltando para o carro, se acomodando em frente ao volante.
Ergo as sobrancelhas quando ele não dá partida, confusa, e ele vira o rosto para me encarar. Seus dedos caminham até os meus, e não desvio os olhos quando ele segura minha mão boa, observando minha reação.
- Você tem uma namorada. - Falo baixinho, depois de um momento, mas não solto sua mão.
- Eu sei.
- Eu namoro o seu melhor amigo. - Continuo a argumentar, me perguntando porque simplesmente não o solto. Porque simplesmente não digo que não. Porque estou argumentando para algo que nem sei o que é, como se precisasse convencer a nós dois de que é errado.
- Eu sei. - Dessa vez ele demora um pouco mais para responder, os olhos ainda fixos em mim.
Um arrepio levanta os pelos em meus braços conforme o tempo passa e ele apenas fica ali, os dedos entrelaçados aos meus, encarando meus olhos. Me acomodo melhor no banco, apertando um pouco sua mão, e ele abre o menor dos sorrisos.
- Não se afaste de mim de novo.
Faço que sim com a cabeça.
- O que é que estamos fazendo? - Pergunto, mais para mim mesma do que para ele.
- Estamos no hospital. Você machucou a mão direita. - Brinca.
- Não, . O que estamos fazendo aqui? Nós dois?
Ele demora pouco mais que uma batida de coração para responder.
- Você sabe como me sinto em relação a você. Eu não vou negar isso.
- Como se sente em relação a mim? - Ecoo, e ele começa a acariciar minha mão com o polegar.
- Eu sou louco por você, . Pensei que já estivesse bastante claro a essa altura.
Não respondo nada. Não sei o que dizer. Mesmo se soubesse, duvido que seria como eu realmente me sentia. Eu não sabia o que queria. Não sabia como me sentir com em uma mão e a sensação de o universo inteiro na outra. Não sabia como dizer que queria escolher o universo. Ficamos tanto tempo sentados, de mãos dadas, olhando nos olhos um do outro, que eventualmente se afasta e dá partida no carro, aproveitando para enlaçar um dedo no meu toda vez que troca de marcha.
- Isso é tudo que podemos ser. - Digo baixinho, quando já chegamos em Primrose Hill, colocando os pés no banco e apoiando o rosto nos joelhos, observando as ruas cinzentas. - Isso é o quão longe podemos ir.
- Eu sei. - Ele diz pela terceira vez.
- Não quero que você pare de me tocar. - Digo em um aviso final, e, envergonhada, saio do carro para ir trocar de roupa.

Capítulo IV


Aliso o macacão mais uma vez, virando as costas para o espelho a fim de checar o enorme decote ali. Respiro fundo, bagunçando um pouco mais os cabelos, e coloco ambas as mãos na cintura. Vamos lá, . Parece uma garota de colegial indo ao primeiro encontro.
Quando buzina lá fora, meu coração dá um salto. Olho para mim mesma no espelho quase em tom de aviso: Você trate de se comportar, mocinha. Desço as escadas em uma velocidade impressionante para quem usa sandálias daquela altura, e mesmo que me segure muito para não fazê-lo, dou uma última checada no espelho acima do aparador que fica bem atrás da porta. Limpo um pouco de batom vermelho do canto da boca, criando coragem antes de sair e trancar o apartamento.
Fico de costas para o carro o tempo todo, tentando parar de me sentir como se estivesse prestes a fugir do meu marido no meio da madrugada. Escondo as chaves em meio às pedras de um vaso da entrada, caminhando com toda a calma do mundo até onde me espera, encostado contra a lataria do veículo. Quando me aproximo, ele abre a porta para mim em um gesto exagerado, arrancando uma risada de ambos nossos lábios. Seus trajes negros não combinariam tanto com a minha roupa se tivéssemos combinado.
- Que cavalheiro!
- Eu tento, às vezes. - fecha minha porta com um sorriso, dando a volta para o lado do motorista em passos largos.
Ele faz todo o processo de prender o cinto de segurança e arrancar o carro em silêncio, parecendo muito concentrado. Tento não pensar em como o tecido escuro é bonito em seu tom de pele, mas me pego encarando e, envergonhada, desvio os olhos para a rua à nossa frente, franzindo as sobrancelhas para os fotógrafos.
- Eu realmente odeio paparazzi. - Falo baixinho. - Tipo, pra caralho.
- Você está ótima. - comenta com simplicidade, como se eu nunca tivesse dito nada. - Não sabia que era possível ficar assim em tão pouco tempo. Poderia jurar que seria obrigado a esperar mais uns quarenta minutos lá fora.
Sinto um sorriso lentamente se abrir em meu rosto.
- Assim como? - Pergunto com inocência, inclinando um pouco a cabeça para observar sua expressão. Espero que elabore, mas ele apenas sorri e balança a cabeça negativamente, os olhos na estrada.
- Sua família vai estar lá? - Ele pergunta depois de alguns minutos de silêncio.
- Acho que sim. - Desvio os olhos do celular e envio o Tweet de agradecimento pelas felicitações. - Meu irmão provavelmente tem outro compromisso, no entanto.
ergue as sobrancelhas.
- No seu aniversário?
- Ele geralmente pula qualquer programa que obrigue meu pai a estar presente. Intoxicação alimentar, resfriado, uma reunião importante. Ah! Teve aquela vez que ele "estava fora do país". - Faço o gesto de aspas com as mãos e dou uma risada. - Mas não o culpo. Sempre recebo ótimos presentes depois.
- É uma pena que ele vá perder essa roupa. - diz solenemente, me indicando com a cabeça, sem desviar os olhos do trânsito.
- É uma pena esse curativo estar tirando toda a elegância. - Reclamo em um tom ingrato, encarando a mão, com raiva.
ri, mas não diz nada. Para o carro próximo à entrada lateral do hotel e solta um suspiro pesado, os dedos saindo do volante para segurarem os meus acima do painel de controle. Ficamos em silêncio, ambos encarando nossos dedos entrelaçados, os anéis tinindo baixinho quando se esbarram. Não tenho ideia do que estou fazendo. Não sei o que significa estar ali no carro, segurando a mão dele, mas tenho medo que não seja o suficiente por muito tempo. Mesmo agora, quero encerrar a distância entre nós e me embalar em seus braços.
- Você não pode segurar minha mão lá dentro. - Comento baixinho, acariciando seus dedos.
- Eu sei.
- Você acha que...
- . - me interrompe, jogando a cabeça para trás, deixando que ela bata no encosto, e fecha seus olhos.
Levo os dedos até seu pulso, subindo por seu braço, sentindo o relevo das tatuagens.
- Você me comprou alguma coisa? - Sussurro, olhando para os dedos que caminham por sua pele clara, aproveitando a sensação do toque frio.
- Não. - Ele demora uma eternidade para responder. - Pensei que não gostasse de aniversários.
- Não gosto. - Ergo os olhos para encarar os teus. - Mas estou gostando desse.
- Até a parte que cortou sua mão e foi parar no hospital? - Pergunta em um tom brincalhão, a cabeça ainda encostada no apoio do banco, um sorrisinho nos lábios e os olhos em mim. Ele deixa o braço estendido para que eu continue fazendo carinho, mas logo volto a segurar sua mão, movendo o polegar.
- Você acha que poderia fazer uma coisa por mim? - Ignoro o que ele disse e pergunto em voz baixa, tentando sustentar seu olhar. Suas sobrancelhas fazem o menor dos franzidos. - Pelo meu aniversário, quero dizer.
- É claro.
- Você acha que poderíamos… - Faço uma breve pausa, tentando frasear de um modo que não me deixasse completamente constrangida. - Eu não sei… Escapar, em algum momento? Não! Quero dizer… - Faço questão de interromper quando me olha de modo preocupado. - Só para… Eu só quero tocar você. Só isso.
- , eu…
- Não vai acontecer nada. Eu só quero tocar você. Não tem nada demais nisso, tem?
Ele fica em silêncio por tanto tempo que penso que não irá responder. Os olhos esquadrinham meu rosto, as pupilas um pouco dilatadas, os lábios comprimidos em uma linha fina. ergue a mão, como se fosse tocar meu rosto, mas olha para a rua ao nosso redor e deixa os dedos caírem para os meus mais uma vez. Ele abre um sorriso meio triste.
- Acho que não vai machucar. - E aperta minha mão.


Holiday Inn London Hotel - Kensington Forum, Kensington, Londres

indica a porta do salão com uma das mãos, colocando a outra nas costas e fazendo uma reverência com um sorriso nos lábios. O funcionário do hotel também sorri ao me ver rolando os olhos e abre as portas para que entremos.
A primeira coisa que reparo é a iluminação quase meia luz, as várias mesas decoradas em preto e dourado. Há uma roda de pequenos sofás um pouco à frente, e meu pai se ergue do meio de alguns convidados. Imitando o gesto exagerado de , mas que agora parece infinitamente mais adequado, faço uma pequena reverência quando as pessoas começam a bater palmas, colocando a mão sob o peito e tentando colocar a melhor expressão agradecida no rosto.
Meus olhos começam a procurar por quando um monte de cabelos castanhos se choca contra mim. Escuto a gargalhada de Stella e não consigo conter o sorriso, passando os braços por seu pescoço com tanta urgência que vejo algumas pessoas sorrindo antes de fechar os olhos.
- Que saudade de você! - Exclamo em um tom que beira o emocionado, e aperto seu corpo magro com todas as forças.
- ! Desse jeito vai quebrar minha coluna! - Ela reclama em voz alta, se afastando, mas há um sorriso em seus lábios.
Stella é tão parecida comigo que se não fosse o rosto mais angular, poderíamos ser gêmeas. Ela é mais esbelta também, e tem as pernas mais longas e os cabelos mais lisos, possivelmente um tom mais claro, mas são diferenças que só consigo notar porque convivi com ela por dezenove anos. Os olhos são tão claros quanto os meus, e ao notar tudo isso em sua aparência, acho ela tão bonita que a puxo para mais um abraço.
- Você está me constrangendo! - Resmunga, nada constrangida, e se afasta para que eu cumprimente nosso pai.
Ele dá um aceno de cabeça, depositando alguns tapinhas nas minhas costas.
- Gostou da festa?
- Você sempre exagera comigo. - Sinto o nervosismo em meu tom de voz, e tento imediatamente tirá-lo pelo menos do meu rosto. - Mas está ótimo. De verdade.
- Que bom que gostou. - O sorriso em seu rosto é discreto, como se ele não pudesse demonstrar qualquer porção de afeto na frente de tantas pessoas, e meu pai logo se afasta para indicar mais à fundo, olhando para mim. - Seu namorado está logo ali.
Ele olha inquisitivamente para apenas por um segundo antes de apertar sua mão, parecendo mais simpático. Desvio os olhos de com pressa, buscando qualquer pessoa próxima para conversar, mas meu namorado se aproxima com o olhar fixo em mim. Onde está Matt? Penso meio desesperada, não querendo discutir relacionamento ali, em pleno salão, com . Com um pouco de atraso, percebo que meu irmão não está ali.
me abraça antes mesmo que eu possa protestar, os lábios tocando minha bochecha e então meus lábios.
- Como está a mão?
- Ótima.
Ele assente, em silêncio, então abre um sorriso tenso.
- Escuta, , sobre hoje de manhã… Estou esperando pelo seu pedido de desculpas.
Demoro uma batida de coração para entender o que ele está dizendo.
- O quê? Um pedido de desculpas?
- Quero dizer… Você não deveria ter exagerado tanto.
- , você está louco?
- Não foi grande coisa. Venhamos e convenhamos, você exagerou um pouquinho. Não precisava ter ficado brava daquele jeito.
- . - Tento soar paciente, e coloco ambas as mãos em seus ombros. - É meu aniversário. Que tal eu fingir que está tudo bem e que você não foi completamente desrespeitoso pela paz do evento? Ok? Te amo.
Dou um beijo em seus lábios e me afasto, caminhando até um dos sócios do meu pai para cumprimentá-lo. A noite iria ser longa e meu único consolo era esperar que olhasse em minha direção e fizesse qualquer sinal.



- ! - Minha irmã me chama com urgência, fazendo eu me desvencilhar dos braços de e parar nossa dança, o que o deixa com uma falsa expressão de tristeza.
Aproximo-me dela, colocando os cabelos atrás da orelha, e curvo os ombros quando ela se aproxima para cochichar.
- Vem cá. Tem alguém que eu quero que você conheça.
Enlaça os dedos ao redor do meu pulso, me puxando através da multidão. Quando avisto o pequeno círculo de sofás, e quem está nele, sei exatamente o que está acontecendo. Mantenho os pés firmes, fazendo com que Stella se vire para mim.
- O que foi?
- Por que estamos caminhando na direção de Clarke Randall? - Pergunto em um tom desconfiado, semicerrando os olhos. Stella abre um sorriso e puxa minha mão mais uma vez.
- Será que você só poderia vir até aqui um minuto? - Insiste em um tom ansioso.
- O que está acontecendo?
- Quero que você conheça ele.
- Eu já sei quem ele é. - Puxo minha mão da de Stella, lhe lançando um olhar de aviso.
- , será que você não pode vir até aqui? É só um segundo.
Solto um suspiro e, após uma pequena pausa, a acompanho. Quando Clarke vê minha irmã se aproximando, abre um sorriso sedutor e troca a taça de champagne para a outra mão.
- . - Stella começa, parando ao meu lado, bem em frente a Randall - Esse é Clarke Randall. Um dos acionistas do papai.
Sinto a expressão de falsa simpatia tomar meu rosto e encaro o homem parado em minha frente dos pés à cabeça: sabia muito bem quem ele era. Clarke já estava na casa dos trinta e alguma coisa, era bem sucedido e tinha uma fama de mulherengo que não lhe fazia justiça. Ele flertava com qualquer coisa que respirasse e levava para cama qualquer mulher ou garota que lhe desse a oportunidade. Como o machista ridículo que ele era, eu tinha uma grande tendência a odiá-lo.
Mas Stella, muito pelo contrário, sorria na direção dos cabelos que começavam a se acinzentar e olhos azuis, parecendo muito pequena diante da figura imponente dele.
- É mesmo? - Perguntei, fingindo interesse, mas desviando os olhos com pressa.
- É um prazer trabalhar com uma família tão poderosa. Onde está o irmão de vocês, por um acaso?
- Viajando.
- Reunião importante. - Eu e Stella dizemos ao mesmo tempo, incertas de qual seria a desculpa daquela vez. Trocamos um olhar tenso e abro um sorriso.
- Viajando para uma reunião importante. - Melhoro, e seguro os dedos de Stella nos meus.
- Ah, que pena. Esperava revê-lo. - Randall diz em um tom sugestivo, olhando nos meus olhos.
Então dá uma piscadela na direção da minha irmã e se afasta, uma das mãos às costas e um sorriso no rosto.
- Ele não é charmoso?
- Stella. - Censuro e me viro completamente para encará-la. - Pare com isso. Imediatamente.
- O quê? - Ela pergunta com inocência, piscando os cílios de forma exagerada, e abre um sorriso enorme.
- Clarke não é o tipo de cara com quem você quer flertar. - Aviso. Tento não parecer tão irmãzona, mas meu tom de voz continua autoritário.
- É só um flerte inocente, ! - Stella dá uma gargalhada tão fervorosa que quase sorrio. - Não tem nada de mais.
Sua frase remexe algo em meu estômago. A coincidência é que eu havia proferido ela poucas horas atrás, sabendo que elas não passavam de uma mentira deslavada. Seu tom persuasivo só me deixava mais preocupada, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, um movimento atrás de seus ombros chama minha atenção; acena mais uma vez, do lado mais distante do salão, e quando vê que estou olhando para ele, indica uma porta discreta à sua esquerda.
- Isso vai ter que esperar. - Digo distraidamente, as mãos tremendo. - Nada de flertar com Clarke Randall, ok? - Ergo o indicador em aviso antes de lhe dar as costas, mas Stella apenas revira os olhos e caminha na direção oposta da minha.
Não olho para onde estava - caminho em direção à porta parando apenas para agradecer os desejos de feliz aniversário que recebo pelo caminho. Não sei onde está, e naquele momento, assim que seu rosto invade minha mente, o descarto. Não quero pensar em . Quero chegar até aquela porta, mas ao mesmo tempo, espero que ela nunca chegue mais perto. Alguma coisa dentro de mim parece completamente congelada - sinto a ansiedade em cada pedacinho de que tenho consciência. Quando estico a mão para a maçaneta, meus dedos tremem tanto que tenho medo de não conseguir girá-la.
Quando fecho a porta às minhas costas, o som da música e da falação no salão é quase completamente abafado. Pelo menos é tão baixo que posso ouvir a luz estalando sobre minha cabeça, e olho para cima, vendo-a vacilar por um milésimo de segundo. Quando olho para baixo mais uma vez, está parado ali, o ombro encostado na parede enquanto ele me encara com um sorriso no rosto.
- Você está bem? - Pergunta, a voz muito baixa, e uma garota passa com um carrinho no fim do corredor. Ela não olha na nossa direção; exceto por ela, parece completamente deserto.
- Eu estou ótima. - Respondo baixo também, a voz quase no tom de um sussurro.
assente muito devagar e desce os olhos por mim, fazendo meu rosto esquentar. Dou um passo na sua direção, atraindo seu olhar para o meu rosto, e quando ele não protesta, me aproximo mais uma vez. Estende a mão na minha direção e tomo seus dedos nos meus, deixando que ele me puxe para encerrar a distância entre nós.
Meu corpo está contra a parede agora. Do outro lado dela, na minha festa de aniversário, You, do The 1975 começa a tocar. Quão oportuno.
- Você quer me tocar? - Pergunta baixinho, muito próximo de mim. Ele não precisaria de meio passo para que nos encostássemos, mas não espero que faça isso. Olho nos seus olhos, as mãos ainda trêmulas, e balanço a cabeça em concordância.
Tento, com todas as forças, me concentrar. Meu coração bate tão forte que meu peito dói um pouco, e estou tão arrepiada que meus dedos parecem anestesiados, mas os ergo mesmo assim, e com ambas as mãos, sinto a pele de seu braço. Quando chego no lugar onde a camisa preta está enrolada, aperto com um pouco mais de força, e sinto os músculos tencionados por baixo do tecido. Passo a mão por seus ombros, então por seu pescoço, os olhos acompanhando meu gesto.
fica calado o tempo todo, observando minha expressão. Quando toco seu rosto, ele inclina a cabeça para beijar meus dedos, suas orbes fixas nas minhas o tempo todo.
Puxa minha mão, fazendo com que meu corpo encoste no dele, e me apoia contra a parede mais uma vez. Ele continua a beijar a pele ali, afastando de seu rosto somente para que ele possa colocar a bochecha contra a minha, os dedos em meus cabelos. É um alívio, por fim, desviar os olhos dos seus, mas suas mãos me pressionam contra ele de uma forma tão intensa que só sinto meu peito se apertar ainda mais. Também toco seus cabelos, descendo por suas costas, e encaixo meu rosto em seu pescoço para sentir seu cheiro.
mantém uma das mãos em meus fios, usando a outra para segurar minha cintura, sentindo a curvatura que vai do meu seio até meu quadril, a respiração irregular. Ele abaixa o rosto, lentamente, o nariz tocando a pele da minha bochecha, traçando o caminho até a curva do meu ombro e meu pescoço, e se esconde ali, as mãos tocando cada centímetro de mim.
Minha respiração é pesada, meu coração batendo tão forte que tenho certeza que pode escutar e, muito provavelmente, sentir, pela forma como estamos próximos. Ele não encosta os lábios em mim, e uma parte mais irracional em meu cérebro quer que ele me beije, que beije meu pescoço, que abra o zíper da minha roupa e toque meu corpo inteiro. Antes que eu possa dar ouvido e ação a esses pensamentos, a porta se abre, bem ao nosso lado, e o som da música faz com que eu e nos afastemos tão rápido que poderia muito bem ser um reflexo.
Meu coração está realmente disparado agora, e estou tão assustada que demoro consideráveis segundos para perceber que é Matthew parado ali, sorrindo e ao mesmo tempo parecendo sem graça. Ao contrário do que é esperado, não me sinto aliviada por não ser ou Camille - ainda estou tão aterrorizada que não me aproximo, não digo uma palavra sequer, e pareço desconhecer meu irmão, parado no batente da porta.
- Estou interrompendo alguma coisa? - Matt pergunta, por fim, enfiando uma das mãos no bolso do paletó. Lanço um olhar para , mas ele está de costas para nós, uma das mãos parecendo estar em seu rosto.
- Não, está tudo bem. - Afirmo, tentando parecer centrada, mas minha voz soa como a de alguém que tenta recuperar o fôlego. O que estou.
- Esse é seu namorado? - Meu irmão pergunta, se aproximando um passo.
- Não. - Respondo com simplicidade, lançando mais um olhar para , que ainda esconde o rosto.
- Ah. - Matt exclama, parecendo ainda mais constrangido.
Sem dizer qualquer coisa ou sequer olhar mais uma vez para , pego meu irmão pela mão e o puxo de volta para o salão, fechando a porta às minhas costas. Olho para Matthew em tom de aviso e apoio as mãos nos joelhos para poder respirar.
- Quem é aquele cara que você estava beijando? - Ele pergunta quando me endireito, oferecendo o braço.
- Não estava beijando ele. - Falo baixo, enlaçando meu braço no seu, e ando devagar para tentar estabilizar o ritmo do meu coração.
- Parecia que sim.
- Mas não estava. - Falo como se encerrasse a discussão. Matt apenas olha para mim, a expressão meio indecifrável, e me puxa para beijar minha testa.
- Provavelmente estaria se eu não tivesse entrado lá. - Insiste quando recomeçamos a andar e o olho como quem não pudesse acreditar que ele estava insistindo naquele assunto. Depois de um momento, no entanto, solto um suspiro.
- Obrigada por isso.
Alguém parece cutucar o ombro de Matthew, que se afasta, confuso, para revelar . Ele se aproxima de mim, me abraçando, e beija meus lábios.
- Estava procurando por você, meu amor.
- Estou bem aqui. - Respondo, distraída.
Matthew me encara, como quem acaba de entender, e não desvia os olhos dos meus até que eu esteja com eles fechados, beijando .
- Vamos cortar o bolo? - Pergunta em meu ouvido, alguns segundos depois, depositando beijos na pele ali perto.
Não consigo me concentrar no que ele está dizendo, ao invés disso, continuo encarando Matthew, que tem uma expressão indecifrável no rosto. Empurro logo em seguida, finalmente parando de encarar meu irmão para olhá-lo.
- Na verdade, isso pode esperar alguns minutos? Eu realmente preciso falar com Matt. - Falo baixinho, ajeitando a gola de sua blusa social. Ele assente, me beijando mais uma vez antes de se afastar, e o primogênito dos aproveita a deixa para me encarar descaradamente, como se esperasse alguma explicação.
- Vem cá. - Chamo com o dedo indicador e Matt hesita por um momento. Solta um longo suspiro antes de passar a mão pelos cabelos e se aproximar, deixando que eu o engolfe em um abraço apertado. - Sinto sua falta todos os dias. - Sussurro contra seu ombro, movendo os pés quando a música lenta começa e ele tenta dançar.
- Duvido muito que isso seja verdade. - Matthew debocha com uma risada fraca.
- Ok. - Cedo, por fim. - Não todos os dias. Cinco vezes na semana. Nas outras duas me lembro que você costumava encher a geladeira de cerveja…
- Agora tomei gosto pelo vinho mais uma vez. - Cochicha como se fosse um segredo, estendendo o braço para me girar.
Solto uma gargalhada, jogando a cabeça para trás, e continuo a sorrir quando me aproximo dele mais uma vez.
- Você dança bem. - Comento em um tom suspeito, intrigada com a leveza que ele segura minha cintura e minha mão, os passos elegantes.
- , por favor. - Começa debochadamente - Eu sou um .
Ele me acompanha quando gargalho dessa vez, enchendo meu rosto de beijos assim que me recupero. Me segura contra seu peito logo em seguida, beijando o topo da minha cabeça.
- Feliz aniversário, . É tão bom ver você sorrir.
- Pensei que você não fosse vir. - Confesso.
- Esperava que eu não fosse vir, é o que quer dizer. Você adora quando esvazio meus cofres para compensar minha ausência.
- Então não tem presente esse ano? - Faço um biquinho, me afastando de seu abraço para encarar sua expressão.
- Claro que tem presente esse ano. Quando chegar em casa, você vai ver.
- Por isso se atrasou?
- Precisava deixar a caixa lá. Ou você acha que eu ia ficar andando por Londres com aquela coisa enorme?
- Enorme? Estou te amando um pouquinho mais a cada segundo que passa. - Digo em um tom solene e beijo a bochecha de Matt antes de dar uma risada.
Matthew continua dançando comigo por alguns minutos, em silêncio, o queixo no topo da minha cabeça. Faz algum comentário engraçadinho uma vez ou outra, mas na maior parte do tempo só me segura ali, balançando nossos corpos devagar mesmo quando a música é animada.
- Seu amigo está encarando. - Fala baixinho, três músicas depois.
- Que amigo? - Chego a levantar a cabeça de seu peito para procurar, mas meu irmão só me empurra para lá de novo.
- O que você estava beijando.
- Matt, não estava beijando ele. - Minha voz soa tão envergonhada quanto me sinto, e queria poder apagar aquela lembrança da mente de meu irmão, mas ele parece continuar olhando para à distância.
- Você vai me contar, um dia?
- Não tenho nada para te contar. Não está acontecendo nada. O que você viu… Eu… Não nos beijamos. Ele só tocou em mim. Só isso. Eu namoro outra pessoa.
- Quando acontecer. - Se corrige. - Vai me contar?
Finjo não perceber que não houve uso do termo “se”; não vejo necessidade em pontuar o que ele insinuava. Demoro uma eternidade para responder, lutando contra a parte de mim que queria brigar com meu irmão por sequer pensar na possibilidade, apreciando as batidas do seu coração, tão próximas do meu ouvido.
- Sim. - Eu falo.




As pessoas acompanham as palmas que meu pai puxa, cantando os parabéns com sorrisos nos rostos. Não consigo prestar atenção em tudo; noto um rosto aqui ou ali, me concentrando mais em sorrir e olhar para o bolo de red velvet na minha frente, para as velas que iluminam os rostos dos meus dois irmãos, parados um de cada lado meu.
Bato palmas também. Deus, ainda precisavam montar uma aula de etiqueta sobre como se comportar quando você é a aniversariante para qual cantam parabéns. Não sabia se deveria cantar junto, ou cruzar os braços, ou fingir estar sem graça. Então mantenho o sorriso no rosto, acompanhando as palmas da minha família. Quando elas terminam, há uma série de gargalhadas tensas e alguns gritos de “faça um desejo!”.
Olho para a luz amarelada mais uma vez e sinto como se tudo se movesse em câmera lenta. Quero tantas coisas, e ao mesmo tempo quero que nada mude - temo as consequências que algumas mudanças podem trazer. Quero a brisa que o oceano sopra quando o sol se põe e meus cabelos ao vento com uma sensação de paz no coração. Quero viajar o mundo: desde os caprichos de Paris até ajudar aqueles que precisam nos continentes mais pobres. Quero visitar as sete maravilhas e me apaixonar por pessoas de culturas diferentes. Quero que me conheçam por ser , não ). Quero tanto que nem mesmo a maior quantidade de velas de aniversário seria capaz de sequer guardar meus desejos, quem dirá supri-los.
Quero tanto que fico ali, por vários segundos, encarando as chamas que brilham entre os convidados, e é um daqueles momentos em que você não espera que aconteça, mas se sente maravilhado com a vida. Sei que e me olham, mas não consigo olhar na direção dos dois. Quero tanto, quero tanto. Sou um ser humano que anda sobre essa terra e nasci no exato tempo para viver com aquelas pessoas, ali naquele salão, e eu quero tanto.
Ergo os olhos para encarar um par que parece ansiar pelos meus e respiro fundo. Meus irmãos sopram as velas antes que eu possa, mas, mesmo assim, com o último bruxulear de luz, faço meu pedido: quero que aquela chama de luz continue brilhando para sempre dentro de mim em um atemporal e intenso amor por tudo.
E por que eu deveria fingir querer qualquer outra coisa?

Capítulo V


Primrose Hill, Londres

Olhos claros. Boca em formato de coração. Cabelos castanhos, bagunçados. Pernas longas. Torso definido. Cheiro dele, só dele, de mais ninguém. Toque? Paradoxal. Afinal, como pode algo ser como seda mas, ao mesmo tempo, deixar rastros de fogo sob a pele?
Abro os olhos e passo as mãos pelos cabelos, olhando para o lado e checando o horário. Nove e quarenta e sete da manhã. Há uma hora e meia, entrei em meu escritório com o intuito de resolver assuntos pendentes, responder e-mails, agradecer Karl Lagerfeld pelos presentes que enviou, finalizar cláusulas contratuais, mandar meus sinceros parabéns para Selena Gomez e focar no meu trabalho como um todo. Seria surpreendente o fato de eu ter passado todo esse tempo contando as características de mentalmente?
Solto um suspiro e relaxo na poltrona, olhando para a minha mesa. Há uma considerável quantidade de papéis jogada em cima do teclado do Macbook, uma xícara com chá já frio, uma foto minha e do meu pai tirada nos Hamptons durante as férias de verão de 2003, uma caixa decorada com lindos grafites feitos pelo e outras coisas. No momento em que olho para o telefone, que está quase caindo da mesa, ele começa a tocar.
Ajeito o robe sobre a camisola e prendo os meus cabelos em um rabo de cavalo antes de atender.
- . - Digo, automaticamente, mesmo que seja sábado e eu não tenha que responder com todo esse profissionalismo sendo que não estou em horário se trabalho. Por Deus, eu não deveria nem estar atendendo a merda do telefone.
- ! Por que não atendeu o celular? - Escuto a voz de Matthew e dou um sorriso, pegando um lápis e começando com a minha mania de desenhar coisas aleatórias enquanto converso no telefone.
- Deixei no quarto. Você ligou muitas vezes?
- Aproximadamente trinta e sete. - Ele diz e eu solto uma risada pelo nariz.
- O deve ter acordado muito puto.
- ? Esse é o namorado número 1?
- Matthew. - Faço questão de cortar o seu barato, não tendo psicológico para lidar com aquele senso de humor.
- Enfim, piadas maravilhosas a parte, sabe que temos compromisso hoje, não é mesmo? Eu, você e a Stella. - Diz com a voz ainda risonha. Franzo as sobrancelhas e me apresso em tirar os papéis de cima do Macbook, acessando a minha agenda e estranhando minha surpresa com o assunto: Afinal, sou extremamente organizada com os meus compromissos.
- Hã? Do que você tá falando?
- Robert me avisou agora pouco. - Ignoro a técnica de distanciamento que Matt usa para se referir ao nosso pai, deixando claro que seus sentimentos não são nada fraternais - Ele tem um compromisso na França e não pode comparecer num tipo de evento beneficente dos Beckham. Acho que é nossa obrigação representar os ou algo do tipo... Para ser sincero, parei de prestar atenção logo no começo.
- E ele acha que eu tenho que ajustar os meus horários para ir onde ele deveria ir? Se soubesse dividir os horários dele direito... - Murmuro, fechando a agenda. - Ele acha certo avisar na manhã do dia do evento? Por um acaso, ele fez questão de perguntar se eu não tinha algum compromisso?
Matthew suspira do outro lado da linha.
- . - Ele faz uma pequena pausa - Vamos lá, sem brigas. Vai ser legal. Eu, você, a Stella… Faz tempo que não fazemos algo juntos.
- Por que você e a Stella não lidam com isso, de qualquer forma?
- Nós poderíamos. Para falar a verdade, até preferimos não ter sua companhia pelo dia, mas você sabe como ele é. Se ficarmos bêbados o suficiente pode até ser divertido.
- Claro, vai ser realmente muito legal ter que aguentar a cara da Victoria Beckham durante umas quatro horas. - Digo, ainda pouco convencida de que é uma boa ideia.
- , o David Beckham. Você é obcecada por ele. - Ele diz com uma voz tão calma que eu dou um sorriso. Sua paciência comigo ainda me encanta.
- Tá, enfim. Ok. Tanto faz.
-
- Matt, estou ocupada. Mais tarde nos encontramos. Diz pra Stella usar roupas decentes. Amo você, tchau.
- Amo você.
Desligo o telefone e olho para a porta. Me levanto da cadeira e pego a xícara, saindo do escritório com a intenção de ir à cozinha deixá-la na pia. Meus pés descalços não fazem nenhum ruído contra o piso amadeirado. Chego à sala de estar, completamente tomada pela luz do Sol que vem das enormes janelas do duplex.
Me assusto quando entro na cozinha e vejo , silenciosamente cortando uma maçã em uma pequena tábua.
- Bom dia. - As palavras saem da minha boca antes que eu consiga pensar. Ele vira o rosto e sorri em minha direção. Seus cabelos estão levemente bagunçados e suas costas estão marcadas por conta do lençol que ficou acumulado abaixo de sua pele.
- Bom dia, amor. - Ele me lança um último olhar antes de se voltar para o que fazia. - Acordou cedo.
- Tinha muitas coisas para fazer. - Digo, finalmente entrando na cozinha e depositando a xícara na pia. Me viro e me apoio na bancada, colocando um pé sobre o outro e observando-o.
- Conseguiu dar conta de tudo? - Continua o leve diálogo, jogando os pedaços de fruta no liquidificador logo ao seu lado.
- Mais ou menos. - Minto.
Não, fiquei o tempo inteiro pensando no seu melhor amigo.
- Seu irmão ligou umas quatro vezes. - Diz com uma risada. - Deve ser urgente, acho que deveria ligar pra ele.
- Já conversamos. Ele ligou no telefone do escritório... - Comento.
- Ah. E aí? Tudo bem?
- Sim, tudo certo. Tenho um evento com ele e a Stella mais tarde. - Dou impulso para me sentar na bancada, roubando um pedaço de maçã que ele havia deixado sobre a tábua. se vira para me olhar.
- Como assim? - Continua me encarando enquanto faz o caminho até a geladeira. - Que evento?
- Um evento beneficente dos Beckham. - Reviro os olhos para o teto e solto um suspiro. - Nada demais.
- Ah, eu não fiz nenhuma prova de roupa. Acho que...
- Oi? - Interrompo, chamando sua atenção. - Do que você está falando, ?
- Do evento beneficente.
Cruzo os braços e dou um sorriso de lado, confusa.
- É… Que eu vou com o Matthew e a Stella. - Digo pacientemente, me perguntando em qual parte não fui clara o bastante.
coloca a embalagem de leite em cima da bancada, os olhos em mim, o cenho franzido em confusão. Ele abre a tampa e gesticula incoerentemente com ela na mão.
- Você está me desconvidando?
- Em algum momento você foi convidado? - Me sinto incomodada com o modo debochado que ele está agindo, e cruzo os braços, na defensiva. repete meu gesto, abrindo um sorriso petulante, como se não acreditasse no que eu tinha dito.
- Uau, .
- Que foi? - Tento manter o tom de voz controlado, mas ele sai agudo do mesmo jeito.
- Você é inacreditável.
- Você disse que queria ficar em casa. - Pontuo, descendo da bancada e encarando seu rosto. Aponto o dedo indicador para ele, dando ênfase no sujeito. - Você disse isso ontem à noite. Perguntei se poderíamos dar uma volta em Brighton, e você disse que queria ficar em casa. Qual o seu ponto aqui?
- Eu disse que queria ficar em casa em ficar em casa com você.
- Então por que porra de motivo você não disse essa sentença?
- Não pensei que precisasse conversar ao pé da letra com a minha namorada. - Ele solta uma risada nervosa e desvia os olhos dos meus. - Pensei que vir dormir aqui era indicação o suficiente.
- Você dorme aqui praticamente a semana inteira. Não foi exatamente a maior das novidades quando encostei em você nessa madrugada. - O tom de sarcasmo em minha voz me assusta. Não sabia como um simples bom dia tinha evoluído para uma pré-discussão, mas era exatamente onde estávamos.
- Você poderia ter me avisado antes!
- Eu te avisaria, , se a informação não tivesse chegado em mim há menos de 15 minutos!
- Então por que você simplesmente não disse que não iria?
- Você está se escutando? - Me aproximo dele para perguntar, incrédula. - Estou indo praticamente a trabalho! Desculpa se nem tudo o que eu faço gira em torno de você, , mas eu tenho controle das minhas próprias decisões. - Me afasto dele como se aquilo encerrasse a discussão, e por um momento penso que meu namorado está revendo seus últimos minutos de pura insanidade, mas a voz de chega até mim antes mesmo que eu chegue até a porta.
- Você trabalha pra mim.
Paro no batente, em silêncio, e demoro uma eternidade para me virar em sua direção. Espero que sua expressão seja outra, que eu esteja escutando vozes, ou desejo ter imaginado a frase, mas as palavras pairam ali, entre nós, e a tensão cresce consideravelmente. Solto uma risada e espero, incerta até do que estou esperando - não sei se um pedido de desculpas ou uma gargalhada e um “É brincadeira!”, mas é inútil. Ele apenas encara de volta, tão firme quanto eu.
- Eu vou apenas… Eu vou subir aquelas escadas, ir para o meu quarto fazer umas ligações, e simplesmente fingir que essa frase nunca saiu da sua boca. Você sabe onde fica a porta.
Seu olhar é quase furioso. Eu talvez tivesse seguido pelos degraus e feito exatamente o que tinha dito se ele não parecesse tão no limite, e acabo me perguntando porque santo motivo ele estaria assim. De todos os ângulos em que eu tentava analisar a situação, só parecia mais um chilique ridículo.
- Nós mal temos tempo juntos!
- Do que você está falando, ?! Eu, literalmente, vivo meus dias com você!
- Juntos, . Eu e você. Como um casal. Quando você não está organizando a minha vida, inventa eventos com a sua família?
- Sim! - Exclamo com veemência. - Não sei se você percebeu, mas eu sou muito mais na vida do que simplesmente a namorada do . Namorar você não é um título, ! Não preciso usar antes do meu nome ou com você no meu braço sempre que saio de casa!
- Eu detesto quando você sai sem mim! - Ele praticamente grita. Dou um passo para trás, ofendida.
- Namorar você também não me dá uma coleira. - Falo baixo, decidindo que não vou render desta vez, não importa o que ele diga. Saio andando, ignorando a frase que ele começa a pronunciar, e só quando estou na escada anuncio: - Vou tomar um banho. Você… Faça o que tiver de fazer.
Sua voz morre no outro cômodo. O apartamento cai em completo silêncio, e espero, ali na escada, para ver o que ele pretende fazer. Mas não bate a porta nem continua a vitamina, ao invés disso, estou tão concentrada em rastrear seu próximo movimento que tomo um susto quando ele joga algo no chão, o barulho tinindo por vários segundos depois com a violência.


De Vere Portland Place, Marylebone, Londres

Ajeito os cílios postiços mais uma vez enquanto Stella termina de ser maquiada. Ela olha para mim com atenção, quase atrapalhando o profissional que esfumaça seu contorno.
- Você está estranha. - Conclui, recostando a cabeça na cadeira mais uma vez.
Pelo espelho, vejo Matt erguer os olhos do celular, já completamente penteado e vestido em um sofá no fundo da sala.
- A maquiagem? - Peter começa a se virar na minha direção, mas minha irmã segura seu braço.
- Não! Ela está linda! - Me dá mais uma olhada. - Só está inquieta.
- Queria estar na praia, com sol quente no rosto e a água gelada nos pés. - Reclamo, começando a tirar a roupa. - Não jantando com a Victoria Beckham.
- Você só diz isso porque ela é casada com o David. - Stella provoca, os olhos fechados.
A esposa de Peter pega o cabide com o vestido azul, lançando um olhar hesitante para Matthew.
- Você quer que ele dê licença? - E indica meu irmão com a cabeça.
- O Matt? - Repito, surpresa. - Ele consegue aguentar um par de seios. Não consegue, Matt?
- Sou um cara durão. - Concorda sem sequer erguer os olhos do telefone.
- Acho que se ele se esforçar o bastante pode não sexualizar as duas irmãs. - Stella comenta de sua cadeira.
- Ele já viu peitos o suficiente na vida. - Concordo.
A mulher solta uma risada tensa quando deixo o sutiã cair no chão, me ajudando a passar o amontoado de tecido pela cabeça. Me vira para fechar o zíper e me ajuda a calçar os sapatos, se abaixando para ajeitar a longa saia, sorrindo.
- Uau! Essa cor fica ótima em você.
- Obrigada. - Agradeço com um menear da cabeça.
A esposa de Peter sobe em uma cadeira para soltar os grampos que prendem meu cabelo, deixando que as ondas caiam por meus ombros. Tento ajeitar tudo eu mesma mais algumas vezes, mas acabo sendo repreendida por ela e por seu marido.
- vai chorar quando ver que perdeu esse vestido em você.
Não olho para Stella quando ela faz o comentário, mas sei que pode ver que meus olhos não se movem pela tela do telefone. De fato, Matt pigarreia e me obriga a olhar para ele, esperando por uma explicação.
- Não vamos falar sobre o . - É tudo o que digo, e sorrio.



- ! Aqui, por favor!
- Stella! Stella!
- Ei, Matthew, que tal uma mexendo no cabelo?!
Desisto de tentar entender o que gritam em nossa direção no instante em que realmente tento. Após as fotos individuais, Matt se coloca entre mim e Stella para que possamos ser fotografados juntos, o braço em nossas cinturas e um sorrisinho nos lábios.
- Quem olha para o seu rosto pode jurar que não somos suas irmãs, sim quem vai dividir a cama com você hoje à noite. - Comento quando já estamos saindo do tapete.
- E não seria uma má ideia. Poderíamos ir para seu apartamento e aquela quádrupla king size que você divide com seus namorados e fazer uma boa festa do pijama.
-Matt! - Censuro, mas a cabeça de Stella se volta para nós dois com tanta velocidade que meu irmão solta uma gargalhada. - Eu te conto depois, tudo bem?
- Ah, não estou nem aí para o número de caras com quem você está transando. - Stella espanta o pensamento com um gesto de mão e uma expressão meio irritada. - Mas gostei da frase “festa do pijama”. Você ainda tem aquela garrafa de Syrah intacta?
Sinto meu rosto esquentar e desvio os olhos.
- A Berry’s fica aberta até tarde. - Desconverso.
- Não acredito que você abriu o Syrah para acompanhar uma transa. - Stella diz em um tom descrente, a expressão decepcionada.
- Compro outro para nós. - Digo como quem encerra o assunto, e agradeço ao homem que abre a porta para que passemos por ela.



Encaro os cartões com a disposição de lugares na nossa mesa e aperto a bolsa nas mãos, irritada. Matthew acompanha meu olhar e minha expressão contrariada e solta uma exclamação: O nome de Randall está bem ao lado de Stella, e torço para que seja apenas coincidência do destino.
Nossa irmã não está em lugar algum que possa ser vista, de forma que me viro para Matt, tentando manter o movimento dos lábios o mais discreto possível.
- Não faça nada estúpido. - Peço com um sorriso forçado, e finjo limpar qualquer coisa em seu paletó.
- Ótimo conselho. - Matt ironiza, os músculos se tencionando por baixo do tecido. Seguro seu rosto com uma mão, deixando a outra apoiada em seu peito, tentando fazer com que ele pare de vasculhar o salão com o olhar.
- Provavelmente não está acontecendo nada. - Falo baixinho, mas Matthew mal olha na minha direção. - Matt! Pode não ser nada de mais.
- Como não foi nada de mais com você? - Pergunta com rispidez, virando o rosto para mim.
Tiro os dedos de seu rosto, surpresa, mas não afasto meu corpo do seu. Fico irritada apenas por um segundo antes de tentar chamar sua atenção mais uma vez.
- Essa é uma conversa para outro lugar. - Digo com simplicidade, tentando manter a expressão fria, e sei que soei exatamente como nosso pai. Matthew me olha imediatamente, surpreso. E se senta em frente a placa com meu nome sem dizer mais uma palavra.
Caminho até a mesa e tomo o lugar que deveria pertencer ao meu irmão, invertendo nossas placas. Não me agradava sentar bem ao lado de Stella e Randall, mas se impedisse Matt de sair distribuindo socos por aí, ótimo.
Alguns minutos depois, avisto a cabeleira castanha da minha irmã se aproximando em meio a multidão, um sorriso bem largo no rosto. Logo atrás dela, vejo Randall, segurando sua mão enquanto ela o puxa em direção a mesa.
Entendo tudo o que está acontecendo quase imediatamente: conheço o sorriso que Stella traz no rosto. Conheço o estado de espírito excitado que ela parece estar. Conheço todas as palavras que a deixaram daquele jeito. Seguro o pulso de Matthew quando ele faz um movimento brusco, ouvindo seu suspiro contrariado sem desviar os olhos do menu em letras elegantes, colocado ao lado de cada um dos pratos na mesa.
- Olha. Comida italiana! - Exclamo, distraída por um momento, e meu irmão sorri assim que vê o sorriso em meu rosto.
- . - Stella chama depois de um momento, quando ela e Clarke já estavam acomodados e Matt os ignorava com veemência.
Ergo os olhos para ela, curiosa, mas Stella não olha para mim: seus olhos encaram um ponto próximo no salão, que logo me apresso a procurar, e meu estômago parece congelar quando finalmente entendo. Estava tão preocupada na possibilidade de Matt perder a cabeça com Randall mais uma vez que sequer me preocupei em procurar saber quem mais estava sentado em nossa mesa. De fato, ainda há quatro lugares vagos, e como uma piada cruel do destino, tenho certeza que e Camille se aproximam para tomar dois deles.
- Pensei que você estivesse de folga. - Matt comenta em um tom ofendido, mas quando desvio os olhos para ele, há um fantasma de sorriso em seu rosto.
- Eu estou. - Respondo em um tom mal humorado, franzindo as sobrancelhas na direção de .
Ele não olha para mim: se aproxima para cumprimentar Randall, que faz um longo discurso de como é um prazer ter entrado para a empresa que cuida tão bem da imagem da banda. Stella o cumprimenta em seguida, fazendo com que eu me erga para ser, inevitavelmente, a próxima.
- Pensei que estava livre da cara de vocês por um dia. - Brinco, passando o braço pela cintura de . Ele deposita um beijo quase imperceptível em meu cabelo, sorrindo para Matt como se nada nunca tivesse acontecido, tanto agora quanto no dia do meu aniversário.
- ! - Camille sorri, me dando um forte abraço. Tento não focar em , que se senta bem ao lado do meu irmão, ou na expressão deste.
Voltamos a nos acomodar em nossos devidos lugares mais uma vez, logo sendo acompanhados pela Alexa Chung e um dos filhos mais novos dos Beckham. As atrações passam pelo palco simples montado mais a frente, algumas obras de arte e joias sendo leiloadas, enquanto outros convidados são agradecidos por terem doado alguns objetos para o evento.
A comida é agradável, embora eu quase não toque nos pratos postos à minha frente. Matthew me lança uns olhares estranhos, mas, para meu alívio, não comenta nada. Com e Camille de um lado e Stella e Randall do outro, duvido que ele não fosse entender minha falta de apetite. Me esforçando para não olhar na direção de , tomo um longo gole da taça de vinho branco, que me parece um pouco ácido.
- E agora… - O homem que apresentava o leilão começa, fazendo com que as mesas caiam em silêncio. - A família está aqui para nos apresentar sua generosa doação.
Os olhares se voltam para nossa mesa, enquanto o meu busca por Matt. Ele parece bem calmo, sorrindo e batendo palmas também, enquanto se ergue da mesa e oferece a mão para me ajudar. Eu e Stella também sorrimos, embora eu consiga ver a surpresa no rosto de minha irmã mais nova. Ela me oferece a mão, abrindo caminho entre as mesas, todos sorrindo, os dedos entrelaçados aos meus, e Matthew segue logo atrás, uma mão pousada na base da minha coluna.
- Le Bal du moulin de la galette, de Pierre-Auguste Renoir. - Sussurra em meu ouvido, e apesar da minha surpresa, mantenho a expressão neutra. - Vou introduzir, você apresenta.
- Quem é a família real, huh? - Escuto alguém debochar baixinho quando estamos mais perto do palco, mas não ouso me virar para saber quem era. Subo os poucos degraus, caminhando para o lado oposto do microfone, deixando que Matthew fique no meio e Stella na outra extremidade.
- É uma honra estar em um evento tão tradicional quanto o jantar dos Beckham. - Acompanho as palmas de todos sem olhar para a mesa onde David e Victoria estão, sorrindo quando meu irmão se volta para o microfone. - Tenho certeza que nosso pai está lamentando não poder estar aqui nesse momento, mas é com grande prazer que apresentamos para vocês o presente dele, de sua própria coleção, para o leilão.
Matthew se afasta, me fazendo uma pequena reverência quando tomo seu lugar. Olho para o salão, sem conseguir focar qualquer rosto, e abro mais um sorriso.
- Temos a honra de apresentar Le Bal du moulin de la galette, de Pierre-Auguste Renoir. - Abraço o braço direito para os homens que removem o pano branco de cima da peça, tão sobressaltada quanto o resto do salão, mas sou melhor em esconder.
O apresentador se encarrega de dizer o valor a que os lances se iniciavam, para depois recolher as melhores propostas em cada mesa. Voltamos para a nossa, cumprimentando as poucas pessoas que se dirigem a nós, e Stella solta um longo suspiro quando se senta, voltando-se para Clarke imediatamente.
Me viro completamente na direção dos dois e chamo por minha irmã, que me lança um olhar cansado antes de se voltar para o homem a seu lado. Do meu outro lado, Matthew segura minha mão.
- É uma bela obra que estão doando, ! - Camille exclama, chamando minha atenção. Sorrio para ela, mas não comento nada.
- Doando uma ova. - Matt intervém por mim, dando risada. - Pagando, praticamente.
Tanto eu quanto e Camille erguemos as sobrancelhas.
- Desculpe? - Rowe tem uma expressão confusa, a atenção ainda em meu irmão.
- Saíram esses boatos por aí de que a e a Victoria não se batem. - Ele explica, e tenho de me certificar que ninguém está escutando, mas apenas o casal presta atenção. - O Robert achou melhor que ela viesse e apresentasse a pintura. Você sabe, acabar com todo o falatório.
- O quê? - Falo, mais irritada do que surpresa. - Quando foi que você ficou sabendo disso?
- Quando ele pediu para virmos.
- Você não se dá bem com os Beckham? - pergunta, parecendo surpreso.
- Nunca sequer conheci eles!
- Foi uma jogada esperta. - Matt comenta com a expressão solene, o elogio soando estranho vindo de sua boca.
- Não acho que foi. Alguns boatos não custam mais de cem milhões de dólares. - Sei que soei fria e irritada. Stella estica o pescoço para me encarar, e os outros três também parecem surpresos com meu tom.
- Quando você tem para gastar, custam, sim. - Clarke comenta com uma expressão divertida, os braços ao redor dos ombros de minha irmã mais nova. Me viro para ele, irritada, e recuso o toque de Matt com um gesto pouco educado.
- Esqueci de convidar você para nossa conversa de família. - Poderia ter sorrido para tornar a frase mais debochada, mas ao invés disso mantenho a expressão séria. Stella ergue as sobrancelhas, franzindo-as logo em seguida.
- Você não precisa falar com ele desse jeito. - Defende.
- Eu não sabia que dormir com um cliente uma vez fazia ele da família, tampouco. - Randall emenda e abre um sorriso, indicando com o copo antes de tomar um gole, os olhos em mim.
Congelo, a expressão provavelmente tão mortificada quanto me sinto, enquanto Randall continua a me encarar nos olhos e Stella olha para qualquer lugar que não seja meu rosto. Não consigo ver a expressão de e Camille, mas mesmo se conseguisse, duvido que fosse ser agradável.
- Mais rumores ridículos. - Falo um momento depois, os dentes trincados. Volto o olhar para a loura sentada a dois assentos de distância, me esforçando para não encarar seu namorado também.
- Sinto muito por isso. Não bastasse você ter de ler essas coisas na mídia, ainda existem pessoas que se esforçam para ser desagradáveis.
Ela dispensa minhas desculpas com um gesto de cabeça, abrindo um sorriso antes de se inclinar na minha direção.
- Está tudo bem. Como você mesma disse, são apenas rumores ridículos.
- Viu, ? - O apelido parece completamente errado na voz de Clarke. - Acho que alguns rumores valem bem mais de cem milhões de dólares se alguém estiver disposto a gastá-los.


As pessoas estão fora de suas mesas há alguns minutos, dançando umas com as outras, se cumprimentando, celebrando as novas aquisições e generosas doações. Fico sentada ali, a taça de vinho na mão e uma expressão que parece afastar qualquer um que queria de fato se aproximar, exceto por Matthew e Camille, que continuam a conversar animadamente ao meu lado. Stella e Randall desapareceram para algum lugar - eu tinha uma boa ideia do que eles podiam estar fazendo - e desapareceu com Chung assim que as pessoas começaram a se levantar. O Beckham mais novo não dava o ar da graça desde antes de apresentarmos o quadro, então não fazia muita diferença.
Estava aceitando outra taça de vinho do garçom que passava quando se aproximou em passos rápidos, a expressão enérgica.
- ? Você pode vir comigo um minuto?
O encaro, surpresa, me perguntando se ele poderia realmente querer me tirar para dançar. Estava a ponto de negar com um pedido de desculpas, mas ele deve ter percebido a expressão em meu rosto.
- Tem um cara com umas propostas bem interessantes para uma campanha. - Disse com urgência, a mão estendida para mim.
Matthew se vira para me encarar, e encontro seus olhos por um segundo quando aceito a mão de e me levanto. Ele deposita um beijo no rosto da namorada antes de me puxar, se desviando e cumprimentando algumas pessoas conforme atravessamos o salão.
- Eu estou de folga. - Reclamo baixinho. - Você não poderia arrumar trabalho outro dia? Pensei que fosse minha função arranjar campanhas para vocês.
não me responde, apenas continua andando com determinação, me puxando por entre as pessoas. Tenho bastante consciência de sua mão na minha, mas atravessando um salão lotado, com a namorada dele presente e na determinação que ele estava, dificilmente parecia alguma outra coisa.
Nos aproximamos de uma porta mais afastada, imediatamente me lembrando do dia do meu aniversário, e ele estica os dedos e abre a maçaneta, me puxando para onde quer que a porta levasse sem sequer olhar para trás. Encaro o corredor, sem entender nada, e me viro para vê-lo fechando a porta atrás de si.
- O que é isso? - Pergunto, sem saber o que fazer com as mãos.
- Você está bem? - Ignora o que eu digo, a voz baixa.
- Estou. - Faço uma pausa, olhando para os lados. - O que é isso? - Repito.
Ele estende a mão, tocando meu rosto, os olhos fixos nos meus, e não diz nada.
- . - Censuro.
- Você parecia precisar de uma escapada. - Diz com simplicidade e se aproxima perigosamente, a camisa social meio transparente mostrando todos os traços em seu tórax e as linhas bem definidas em seus quadris.
Desvio os olhos de seu corpo, sentindo meu rosto esquentar, e olho para um dos lados do corredor, que começa a escurecer até atingir um certo tipo de breu. Penso em como deveria ser escapar ali, para o escuro, e desabotoar a camisa dele, mas espanto o pensamento tão logo ele entra na minha mente.
Seguro a mão que está em meu rosto, ainda me recusando a encará-lo, e deixo que termine de se aproximar, encostando o corpo no meu e levando a mão até minhas costas.
- Depois da última vez... - Começo, me esforçando para falar mesmo quando ele afunda o rosto em meu pescoço.
- Está tudo bem.
- Meu irmão viu.
se afasta com a expressão curiosa.
- Ele é seu irmão. Não acho que vá vender a história para um tabloide. E não estávamos fazendo nada demais.
- Eu pensei... Você não conseguiu nem olhar para ele. Parecia muito perturbado. Depois daquilo, pensei que não ia querer nem falar comigo mais.
- Eu estava perturbado! Pensei que estava tendo um ataque cardíaco! - Sua voz é muito baixa.
- Então por que me trouxe para cá? - Indico o corredor com a cabeça, e apesar de minha voz soar preocupada, não tento o afastar de mim.
- Você me pediu para não parar de tocar você.
Eu não tinha pedido, mas isso dificilmente era algo que eu queria o lembrar. Ao invés disso, ergo os dedos para tocar seu rosto, admirando seus cílios quando ele fecha os olhos, e passo os dedos pelo seu pescoço antes de descer por toda a extensão do seu braço, entrelaçando-os aos seus.
- Pensei que fosse me chamar para dançar. - Comento baixinho, esticando o pescoço quando ele começa a passar o nariz por meu rosto. - Fiquei aterrorizada por alguns segundos.
- Podemos dançar aqui. - Fala, tão próximo ao meu ouvido que os cabelos em minha nuca se arrepiam.
- Pensei que você não dançasse. - Comento desconfiada, me afastando para olhar seu rosto.
- Eu danço, se você quiser. - Abriu um sorriso quando disse aquela frase, esticando minha mão direita e depositando a esquerda na minha cintura, como se fosse para dar ênfase na proposta.
- Pensei que fosse fingir me odiar pelo resto da noite. - Comento, acompanhando seus passos.
- Já fiz isso por um ano. Não acha que foi sofrimento o bastante? - Quando não respondo, desce a outra mão para minha cintura, aproximando nossos corpos mais uma vez. - E eu não acho que conseguiria te ver com esse vestido a noite toda e fingir estar alheio a você.
Ele me guia em passos mais lentos agora, balançando os pés de um lado para outro, completamente fora de sintonia com a música animada do salão ao lado. Olha meu rosto por um longo tempo, e mais uma vez penso que vai me beijar, apesar de ser um limite que tenho certeza que ambos não cruzaríamos.
- Foi por isso que agia daquele jeito? - Pergunto, mesmo que já soubesse a resposta.
- Fui idiota, eu sei. Mas se eu fingisse que te odiava, pensava que conseguiria não me sentir tão atraído por você. Que enganaria o , na melhor das hipóteses. - Ele solta uma risada baixa. - Pelo menos essa parte funcionou.
Balanço a cabeça, sem saber o que dizer, e os passos de param de nos guiar de um lado para outro. Ao invés disso, ele me impulsiona para trás, encostando minhas costas na parede, com gentileza. Usa uma das mãos para tirar o cabelo do meu rosto, passando o nariz pelo meu pescoço e a parte descoberta do meu ombro, enquanto levo uma das mãos para seus cabelos, sentindo a maciez dos fios.
- Adoro o cheiro da sua pele. - Ergue a cabeça, se afastando do meu pescoço e passando o nariz por meu rosto mais uma vez, a boca tão perigosamente próxima da minha que seguro o impulso de virar o rosto. A frase faz com que algo se remexa em meu estômago, me obrigando a segurar seu rosto mais uma vez, os dedos pressionando seu bíceps com força. - Adoro a textura dela.
Ele adora. Que verbo perigoso.

Capítulo VI


- ? - Ivy chama quando passo direto por ela na recepção do prédio, caminhando decidida até os elevadores - !
- Ivy! - Exclamo no mesmo tom urgente, virando o rosto para olhá-la.
Suas vestes são completamente negras, propositalmente contrastando com as cores brancas do ambiente. Não há toque nenhum de cor na recepção do prédio da and Associates, talvez exceto pelo meu batom, já que minha combinação é dos mesmos tons que o uniforme da recepcionista à minha frente.
- Eu não sabia que você tinha hora marcada. - Ela sorri amarelo.
- Não preciso de hora marcada. - Sinto meu cenho se franzir - Eu trabalho aqui.
O rosto de Ivy fica branco como cal.
- Mas você nunca usa seu escritório. - Seu tom de voz é incerto.
- Eu sei. - A porta do elevador se abre, e ela pouco pode fazer a não ser assistir enquanto entro. - Tenha um bom dia, Ivy.
Me encosto na parede lateral do elevador, encarando o centro de Londres através da visão panorâmica. Quando chego, por fim, no último andar, o rio Thames pode ser visto à distância, assim como o palácio de Westminster e a London Bridge. As portas se abrem às minhas costas, e a voz de Matthew chega aos meus ouvidos, tão próxima que ele só poderia estar bem atrás de mim.
- ?! - Exclama quando me viro, parando a conversa com um garoto próximo de sua idade, que eu nunca tinha visto antes. Meu irmão usa uma calça social escura, a camisa branca com dois botões abertos e o cabelo penteadamente despenteado. Quase reviro os olhos.
- Bom dia, Matt. - Cumprimento.
Seu companheiro me olha com curiosidade, as sobrancelhas descaradamente erguidas. Reflito se deveria chamar a atenção dele para outro lugar que não fosse meu decote, mas decido ignorar o gesto e, ao invés disso, caminho em passos largos até o extremo oposto do andar, erguendo a cabeça para procurar por meu pai.
O último andar do prédio da and Associates era completamente feito em paredes de vidro, tanto as externas quanto as que dividiam os quatro escritórios e uma pequena recepção. Não havia qualquer privacidade, mas pelo menos dava um belo ambiente de trabalho. O escritório do meu pai era o maior, no oposto da parede que dava vista para o rio, enquanto o de Matt era bem ao lado do seu. O meu ficava logo atrás da recepção, mas não entrava nele há tanto tempo que mal me lembrava de como era decorado - parecia desabitado, como o de Stella, que não seria aberto até que ela voltasse da faculdade.
O único sinal de vida na parede às costas da garota que ficava na mesa da recepção era o computador, e em um quadro móvel, haviam alguns post-its coloridos colados que eu nem me lembrava do que falavam. Quando comecei a trabalhar com a empresa de Management dos garotos e a viajar com eles, raramente tinha tempo de voltar até o prédio, a não ser quando seus compromissos eram marcados por aqui.
O prédio da era equipado com o próprio estúdio de cinematografia, para as entrevistas gravadas, e havia também espaços para photoshoots e dois estúdios de música. Os outros vinte andares eram divididos entre os escritórios de outros consultores, managers, advogados, editores e assessores, além dos lugares onde cada um desses desempenhava suas funções. Eu não conhecia todos eles, é claro, mas acho que quando seu pai é dono de tudo, a necessidade cai de prioridade.
Entro no escritório e me sento na cadeira em que Robert deveria estar, Matt seguindo meus passos de perto.
- O que você está fazendo aqui? - Pergunta, fechando a porta às suas costas. O bom do vidro ser tão grosso é que, por mais que não desse muita privacidade visualmente, a não ser que houvesse uma discussão aos gritos, era difícil saber o que as pessoas falavam mesmo num tom de voz alterado. E sempre podíamos baixar as persianas, é claro, embora raramente fizéssemos.
- Eu vim para bater um papo com nosso doador de genes. - Faço um amplo gesto para a mesa à minha frente, sorrindo.
O vinco na testa de Matt se aprofunda ainda mais, o que não o deixa tão bonito quanto ele normalmente é.
- Você veio aprontar alguma, não foi? - Pergunta em um tom desconfiado.
Não o respondo, me limitando a tirar o computador do modo de espera e procurar pelo artigo no Google. Abro a página na tela enorme e a viro para que Matt possa ver a foto no topo: eu, ele e Stella, sorrindo na entrada do jantar beneficente. Matt tinha os braços ao redor de nossas cinturas, e do ângulo em que a imagem foi capturada, nossas expressões pareciam altivas, mesmo que sorríssemos.
- A realeza da nata britânica. - Anuncio em um tom pomposo, voltando a tela para mim mais uma vez enquanto cruzo os braços e praticamente deito contra a cadeira, acompanhando as linhas na tela - Os herdeiros da and Associates compareceram ontem, 23 de Agosto, ao jantar beneficente dado pela família Beckham. A maior empresa de marketing da Grã-Bretanha, que cuida da imagem de diversas das nossas estrelas, como a modelo Kate Moss e a cantora Adele, até o grupo pop mais famoso da atualidade, futuramente estará nas mãos de ninguém mais, ninguém menos que os três rostos mostrados acima. Os são conhecidos por suas extravagâncias profissionais: o primogênito da família, Matthew (26), está diretamente envolvido com os planos de carreira do ex-jogador mais famoso da região e anfitrião de tão elegante festa: David Beckham, que não foi o único cliente da empresa presente no evento. A estrela do momento, , marcou presença com a namorada e modelo, Camille Rowe, sentando na mesa ao lado de quem comanda tudo por trás da banda: (22), que começou a trabalhar na nata do entretenimento antes mesmo de ter se formado em relações públicas. A caçula dos , Stella (19), termina de seguir os passos da família em três semestres, quando concluirá os estudos e receberá o diploma na área de publicidade.
“Mas não para por aí! Se você tem vivido por baixo de uma pedra e não acompanhou a ascensão dos para o tão alto lugar que ocupam hoje na sociedade, provavelmente não sabe que eles foram educados, desde bem pequenos, para atingirem o sucesso tão logo pudessem soprar duas dezenas de velas nos bolos de aniversário! Frequentaram a Escola Preparatória de Wetherby, que também recebeu o herdeiro do trono britânico e seu irmão mais novo, além de diversos nomes da família real e outras pessoas influentes. Os têm tantas atividades extracurriculares quanto se pode exigir de seus filhos sem induzi-los ao suicídio: os três filhos, sem exceção, falam francês, espanhol, italiano e alemão, além de terem praticado esportes e estudado artes e política nos tempos de escola.”
“Com tamanha excelência, os cresceram para tomar conta das maiores estrelas do mundo. A única distinção entre eles e a realeza talvez seja a maior liberdade que têm, salvo uma única exceção (Olá, Príncipe !). Dentre suas extravagâncias pessoais, estão incluídos o apartamento milionário em Primrose Hill da irmã do meio, , e a mansão que o mais velho adquiriu recentemente, além das roupas de marca e as festas monumentais. No entanto, nada que os possam ter feito supera a surpresa do final de semana: a família doou o quadro Le Bal du moulin de la galette, do pintor francês Pierre-Auguste Renoir, avaliado em mais de 200 milhões de dólares, e vendido por quase o dobro do preço no jantar beneficente (valores não confirmados).”
“Com tanta questão que os fazem de nos mostrar seu poderio, tanto social quanto econômico, só nos resta duas perguntas: Quão longe os filhos prodígios de Robert irão? E quem é dono da Inglaterra, no fim das contas; os Windsor, ou quem toma conta deles?”

Termino de ler em um tom de escárnio, achando tanta graça e ao mesmo tempo tão irritada que não consigo fazer qualquer comentário sarcástico. Matt, que escutou tudo em silêncio, franze os lábios e balança a cabeça.
- Um pouco exagerados os repórteres de hoje em dia, não são? - Comenta depois de um momento.
- Com certeza fizeram parecer que fomos criados para dominar o mundo. - Sou obrigada a concordar. Matthew solta uma risada curta e se joga na cadeira à minha frente, jogando os braços para trás da cabeça.
- Entendo porque te deixa tão brava ler uma coisa dessas: te provaram errada, não foi? – Debocha. - Quero dizer, seus rumores não custaram exatamente só cem milhões de dólares.
Não fico brava com ele - o senso de humor de Matt sempre me deixa mais relaxada. Ele não leva as coisas tão a sério, e talvez por ser assim tão diferente, entenda exatamente como eu sou.
- Duzentos milhões de dólares. - Solto uma risada de escárnio e balanço a cabeça negativamente. - Ele jogou fora duzentos milhões de dólares para que virássemos piada na página de um jornal. Você pensa em usar uma coroa, Matt?
- Robert certamente pensa. - E ergue as sobrancelhas, me acompanhando quando começo a rir.
- Quero dizer, é tanto dinheiro que eu não consigo imaginar. Não consigo nem assimilar quanto vale isso tudo, e ele usou em uma jogada de marketing. - Comento ainda meio descrente, e desligo a tela do computador, suspirando. - Ele é bom. Tenho que admitir isso, pelo menos.
- Nenhum de nós dois pensaria em gastar milhões para salvar a pele de alguém, não é? Pelo menos mostra que ele se importa com você.
- Se importa com meu nome. – Corrijo. - Ele pode achar que sou boa no que faço, mas só acredita nisso porque sou filha dele, não porque sou minha própria pessoa. Quando aqueles artigos do meu namoro com o saíram, debatendo se era ético ou não eu namorar com meu cliente, ele deve ter tido vontade de arrancar os cabelos. Aposto que não esperava que eu fosse fazer tal coisa.
Espera só até você ouvir o que tenho aprontado com por aí, pai. Penso, rindo comigo mesma: Se dormir com um cliente já me faz de caráter duvidoso, o que faria de mim se eu dormisse com dois?
- Mandou o Steven embora para casa e se trancou no escritório. - Matt confidencia, me fazendo pensar em Steven, um dos sócios da empresa. - Ficou lendo todas as matérias sobre você, e quando me perguntou e eu disse não saber de nada, só suspirou e deixou para lá. Ele te acha tão boa que nem te passou sermão.
- Enquanto eu manter feliz na cama e longe de confusão fora dela, duvido que ele vá reclamar. - Não queria soar tão amargurada, mas acabou saindo, de qualquer forma. Matt assente em silêncio, brincando com uma caneta na mesa de vidro. - Será que ele vai pensar que estamos conspirando quando chegar e ver que invadimos seu escritório?
Isso arranca mais uma risada do meu irmão.
- Acho melhor sairmos. - Ele concorda, e passa o braço por meus ombros quando caminho para fora ao seu lado.
- Tenho uma coletiva para planejar. - Anuncio em tom de lamento, passando direto na porta de ambos nossos escritórios e me direcionando ao elevador. Fecho os olhos, soltando um suspiro.
- Quer ajuda?
- Se quiser fazer o meu trabalho e o seu por um dia. - Sugiro, inclinando a cabeça contra seu ombro. Matt beija minha testa quando me afasto e entro no elevador, as mãos nos bolsos da calça social.
- Não mate nenhum dos Windsor para tentar roubar o trono. - Me adverte, a expressão muito séria. - Seria péssimo pro currículo do Robert.




- Desculpe, pode repetir seu nome mais uma vez? - Falo pela terceira vez, remexendo nos papéis em cima da pequena mesa de canto em busca do desenho.
- Sara. - A garota responde em um tom cansado.
- Ok, Sara. São por volta de 40 pessoas, contando com nosso próprio staff, você pode me apresentar as opções de pratos? - Peço, meio distraída, recebendo um olhar indagador de Riley.
Riley e Eric eram meio que meus assistentes, embora eu não gostasse de usar tal termo. Riley era provavelmente uma das minhas melhores amigas, e cuidava do exato tipo de coisa que eu estava cuidando agora: os detalhes pequenos. Eric me acompanhava na maioria dos compromissos, cuidava das datas e era sua função ter certeza que tudo estava ok. Conforme eu caminhava pelo escritório de Riley, seus olhos me acompanhavam, os braços cruzados e uma expressão estranha no rosto.
- O quê? - Pergunto, interrompendo Sara no meio das opções de queijos.
Riley estende a mão para mim, indicando o telefone com um gesto impaciente.
- Delegar, ! - Exclama quando não faço qualquer movimento para ceder, tomando o celular de mim, e começa a falar com a garota do outro lado da linha.
Respiro fundo, aliviada, embora eu preferisse comer frutos do mar a ter que admitir. Pego o desenho do projeto da coletiva, apontando com o indicador onde os aperitivos deviam ficar, e me afasto para conferir a resposta dos repórteres no meu email. O pequeno sofá de Riley era desconfortável, seu cubículo era pouco ventilado e a mesinha de centro dificilmente teria o tamanho apropriado para que eu espalhasse minhas coisas.
- Você tem um escritório enorme e com ar-condicionado sete andares acima, não precisa ficar fazendo essa cara de impaciente. - Fala sem qualquer respeito pelo fato que sou, para todos os ofícios, chefe dela, e coloca meu copo de café provavelmente frio bem em cima da lista de jornalistas do evento.
- Ei! – Reclamo. - Eu vou precisar disso!
- Tem uma cópia! - Exclama com urgência, indicando a porta. - No seu escritório! Por que não sobe e me deixar trabalhar? Você aqui embaixo está me deixando louca!
- Meu pai está lá em cima. - Falo como se fosse óbvio.
- Não é esse o propósito de todo seu clã trabalhar tão próximo? Manter as forças vitais ou sei lá o quê?
- Preferia estar em casa. - Confesso com um suspiro, esfregando os olhos e tomando cuidado para não deslocar a lente de contato.
- Vá para casa. - Riley passa os dedos pela franja descolorida até ficar cinza e volta a pousá-la na cintura. - Você não tem um escritório gigante lá também?
- Você não entende: o está em casa e meu pai está aqui. Por que você não pode simplesmente ser uma boa amiga… - Abro meu melhor sorriso de chantagem e indico sua mesa de trabalho com um gesto discreto. - E me emprestar sua mesa?
- Você já olhou para o seu namorado? Por que está sequer se preocupando em trabalhar? Vá para o seu escritório e transe em cima da mesa Chupe ele até que ele fique inconsciente, só então você começa a trabalhar. Mas não em cima do corpo nu e inconsciente dele, é claro, tenho certeza que isso é crime em algum lugar.
- Riley. - Interrompo, sorrindo.
- Se você não sair daqui, vou continuar. - E abre a porta para dar ênfase.
Com um suspiro resignado, começo a juntar os papéis que espalhei pela mesa de centro e fecho o MacBook. Coloco as pastas no braço esquerdo, mordendo o celular para não deixá-lo cair e pegando o copo de café com a mão direita. Faço a maior cara de desapontamento que consigo ao passar por Riley, que toma o café da minha mão e joga na lixeira mais próxima.
- Vou trazer outro pra você.
Dentro do elevador, uma das assistentes do meu pai tem a bondade de pegar o celular na minha boca e me entregá-lo, acompanhando minha risada. Estou limpando a saliva na blusa quando a garota na recepção me para.
- Senhorita ? - Chama com urgência, chegando a se erguer da cadeira.
- Sim?
- Tem alguém te esperando no seu escritório. - Diz, meio nervosa, e me olha com ansiedade quando ergo os olhos para a parede de vidro atrás dela.
Lá dentro, se apoia contra a parede que dá vista para o Thames, olhando para baixo. Ele veste uma camisa branca simples, a forma que o sol bate na sua pele deixando ele ainda mais bonito - olhar através do vidro faz com que pareça uma obra de arte. Reprimo o sorriso que ameaça surgir em meu rosto e abro a porta, chamando sua atenção.
- Olá. - Fala com um sorriso, se precipitando para pegar as coisas em meus braços.
- Olá. - Também sorrio, me aproximando junto dele até a mesa. Quando deposita as pastas em cima do vidro, deixa a mão tocar a minha por alguns segundos, encarando meus olhos.
Por mais que queira deixar, que queria entrelaçar nossos dedos, olho ao redor, para onde Matt trabalha em seu computador e meu pai conversa com um homem animadamente. A garota da recepção está de costas para nós, então enrolo meu dedo mindinho no seu, olhando para baixo, para nossas mãos, e seu jeans tocando minha coxa, a beirada da sua bota encostando no meu sapato. Pela visão periférica, vejo Matt erguer a cabeça em nossa direção, mas voltar para o que estava fazendo poucos segundos depois. Com uma respiração profunda, me afasto dele e tiro o blazer, colocando na cadeira.
- Então? - Pergunto, sem conseguir para de sorrir. - Pensei que tivesse dado o dia de folga para vocês.
- Eu sei. Mas resolvi passar aqui para… - Ele faz uma pausa, olhando para a mesa a sua frente e então para a vista através da parede de vidro.
- Para? - Incentivo, passando as mãos pelo blazer na cadeira, tentando secar o suor que ameaçava surgir.
- Para ver você. - Volta a atenção para mim, ainda sorrindo, e toma uma das cadeiras em frente à minha mesa. - Eu trouxe almoço.
- Você não precisava fazer isso. - Balanço a cabeça, mas aceito a garrafa de água que ele me estende quando começa a tirar a comida das sacolas que colocou na outra cadeira.
- Eu convivo com você a tempo suficiente para saber que sempre esquece de comer quando pedimos comida nos compromissos. - Ele abre as caixas de comida japonesa, colocando um par de hashis para mim. - Espero que não tenha nenhuma política contra comer no escritório.
- Não tenho. - Garanto, ainda sorrindo, e tomo a cadeira onde estavam as sacolas quando ele dá um tapinha no assento, me convidando para sentar.
- Espero que não tenha nenhum compromisso agora, também. Pode colocar uma plaquinha de “Não Perturbe” na porta, se quiser. - Ele olha por cima do ombro, para a porta de vidro, e dá uma risadinha. - O vidro tira todo o propósito da placa, mas não custa tentar…
Sem desviar os olhos do seu rosto, puxo o telefone em cima da mesa e aperto o ramal da recepção. A garota do outro lado da parede atende, ainda de costas para nós.
- Sim, senhorita ?

- Vou encaminhar as chamadas do meu celular para você, e se alguém me ligar, você pode fazer a gentileza de dizer que estou em uma reunião muito importante? E pode passar o recado para a portaria?
balança a cabeça, sem acreditar.
- Claro.
- Obrigada.
Desligo o telefone, empurrando-o para o outro lado da mesa mais uma vez, e assim que termino de encaminhar as chamadas para o número da empresa, coloco o celular no silencioso e arregaço as mangas da blusa, retirando o relógio.
- Acho que é tão bom quanto uma placa de não perturbe. - Dou de ombros, colocando o pé descalço no apoio de braço da sua cadeira e pegando uma caixa de comida.
abaixa a caixa quando estava prestes a começar a comer, abrindo um sorriso e me encarando como se eu fosse de outro mundo.



Rimos tanto enquanto comíamos que tive de pedir para nos trazerem mais água. decidiu que para tornar o almoço mais divertido, devíamos ceder uma peça das nossas caixas para o outro provar, sem dizer o que era, e tínhamos de adivinhar todos os ingredientes. Suas tentativas falhas só me fizerem rir até não conseguir parar, embora eu suspeitasse que ele errava de propósito, só para me fazer sorrir, e esse pensamento me fez querer mais que nunca atravessar a distância de alguns centímetros entre nós e beijá-lo.
O tempo se passou sem que víssemos: depois que terminamos de comer, ele acabou ficando para me ajudar na coletiva, dizendo quais perguntas preferia não responder e que assunto deveríamos proibir de vez que fossem perguntados. Também me deu sugestões de coisas que gostaria de fazer: campanhas que eu deveria dar uma olhada para eles, países que eles queriam visitar e algumas instituições que talvez fosse legal conectar ao nome da banda. Passamos tanto tempo juntos que meu pai bateu na porta, por volta de duas da tarde, e veio cumprimentar . Matt também deu uma passada, embora tivesse saído poucos minutos depois, os olhos me dizendo todos os tipos de coisa que eu tinha certeza que ouviria mais tarde.
Eram três da tarde quando o telefone tocou, fazendo com que calasse a boca no meio de um monólogo sobre porque deveríamos ir promover o álbum na América do Sul e aproveitar o sol por lá, e me olhasse até que eu estivesse com o fone nas mãos.
- .
- Tem um visitante para a senhorita na portaria.
- A voz de Ivy continha um tom de aviso. - É o namorado dela, e ele deseja subir.
Encaro à minha frente, os olhos se revezando entre mim e o celular, curiosos, as mangas da camisa dobrada para que pudesse me ajudar a desenhar os gráficos, e me volto para Ivy mais uma vez.
- Diga que ainda estou em uma reunião importante.
não pergunta quem era. Vejo que ele espera que eu diga, mas peço que ele continue tentando me convencer, o que imediatamente o atira de volta ao seu monólogo. Sorrio algumas vezes, balançando a cabeça para a cara de pau que ele tem em exagerar os fatos só para tentar me convencer. Quando ele fala com tanto entusiasmo, fico tentada a fazer qualquer coisa que me peça - então poderíamos dar tchau para qualquer sucesso que eles ainda poderiam alcançar, de forma que digo que vou pensar, com carinho.
Quando meu irmão passa para se despedir, meu pai pouco atrás dele, decido não segurar mais ninguém trabalhando até tarde por minha causa.
- Você quer dividir um táxi? - Ofereço, calçando os saltos mais uma vez. - Acho melhor irmos, se não a Ivy tem que ficar lá embaixo e a garota ali na frente também, fora que quem limpa os escritórios vai ter que me esperar sair…
- Tudo bem. Eu estou com o carro, se quiser, posso te dar uma carona.
- Devia te dar folga mais vezes. - Penso em voz alta, rindo enquanto coloco o blazer pendurado no braço e pego o MacBook. estende a bolsa para mim, andando na frente e segurando a porta para que eu possa passar.
- Boa noite. - Dizemos em uníssono para a garota na recepção. Ela ergue os olhos do computador e sorri.
- Boa noite, senhorita . Boa noite, senhor . - Ele dá uma risadinha enquanto esperamos pelo elevador, mas quando ergo os olhos, esperando uma explicação, balança a cabeça.
A vista panorâmica é ainda mais bonita à noite. Me pego pensando se conseguiria arrumar um duplex com algo pelo menos parecido quando ri mais uma vez, atraindo minha atenção.
- O que foi?
- Senhor . - Debocha, rindo mais uma vez. Ergo as sobrancelhas para ele.
- O que é tão engraçado?
- Me sinto um velho de quarenta anos.
Lhe lanço meu melhor olhar insolente, tentando soar o mais debochada que consigo.
- Um senhor de quarenta anos dificilmente acharia graça disso.
Quando o elevador para na garagem, caminhamos até o seu carro, que é um dos poucos ainda estacionados ali. caminha até meu lado para abrir a porta para mim, sorrindo quando reviro os olhos.
- Você é galante como um senhor de quarenta anos. - Pontuo quando ele entra, o que arranca uma risada de seus lábios.
- Eu fui criado para ser um cavalheiro.
- É claro. - Debocho, mas sorrio quando me viro para colocar o cinto de segurança e ele sai da guarita do prédio. Algumas fãs esperavam na outra portaria, mas estavam de costas para nós, de forma que não viram quando o carro saiu do subterrâneo e foi para a direção contrária de onde elas olhavam.
- Como que elas encontram vocês tão fácil? - Pergunto baixinho, olhando para trás. - Tem certeza que não tem um chip rastreador?
- Postei uma foto da vista do seu escritório. Elas devem ter deduzido pelo Instagram… - dá de ombros.
Não faço comentário, abrindo meu celular e procurando pelo seu perfil na rede social. Quando vejo a foto, abro um sorriso.
“Não folgando no dia de folga em boa companhia.”, mas não havia ninguém na foto, só a vista do Thames e da London Bridge. Sigo , depois de me perguntar porque ainda não fazia isso, e bato uma foto dele dirigindo.
- Você não marcou horário para isso. - Me censura, sem desviar os olhos do trânsito.
Dou uma risadinha, digitando “overworker” antes de publicar. Bloqueio o celular quase imediatamente, não querendo ver os comentários que fariam.
- O que você acha de pegarmos algo para comer? - Ele olha de relance para a janela, onde passamos por um McDonalds. - Podemos ir para a minha casa.
Não olha para mim quando pronuncia a última frase, de forma que não sei como interpretar o convite. Espero até que ele pare o carro quando o sinal está vermelho, mas mesmo assim ele não faz.
- Vai me comprar almoço e jantar todos os dias? Posso ficar mal acostumada.
- Eu deixo você pagar dessa vez. - Garante com um sorrisinho.
- Onde está a Camille? - Pergunto sem rodeios.
A expressão de não se altera. Não sei se seus sentimentos por mim são tão fortes que ele não consegue se forçar a se importar com a questão da namorada, ou do melhor amigo, ou se não estamos realmente fazendo nada demais e eu que estou exagerando.
- Está na Filipinas. Tem uma sessão de fotos por lá.
Balanço a cabeça, mas não falo nada.
- Não vai se enjoar de mim? Passamos o dia inteiro juntos.
- Eu quero passar meu tempo com você. Por isso mesmo estou convidando. - Ele faz uma pausa antes de estender a mão e segurar a minha. - Não precisa ser na minha casa. Vamos para a sua. O está lá, não está?
- Sim. - Confirmo, ignorando como sua voz travou quando falou o nome de .
- Ótimo. Levamos comida para três.
E como se estivesse decidido, faz uma curva e estaciona perto de um restaurante italiano.



Abro a porta, segurando-a para que possa entrar. Caminho ao seu lado até a cozinha, colocando as embalagens com a comida em cima da bancada e me precipitando para procurar uma boa garrafa de vinho.
- ? - A voz de chama no andar de cima, um tom ansioso por trás dela. Me levanto de trás da pequena adega e ergo as sobrancelhas para , que abre um sorriso enquanto tira as coisas das sacolas. - ?
- Oi! - Grito de volta, pegando três taças no armário e entregando-as para . - Estou na cozinha!
- Bom… - A voz de começa, bem humorada, muito mais próxima do que antes. - Eu tenho uma surpresa pra você.
Me viro quando ele termina de pronunciar sua frase, curiosa, e não vejo nada demais para gerar aquela expressão aterrorizada até que exclama:
- Ai, meu Deus! - E se volta para mim, rindo e tampando os olhos.
- Ai, meu Deus! - Ecoo, só então olhando para o resto do corpo de .
É o suficiente dizer que as algemas penduradas em seu dedo indicador eram o único acessório que ele carregava. Coloco a mão sobre a testa, constrangida, e seguro a gargalhada que começa a subir por minha garganta com a expressão de .
- Por que não disse que tínhamos companhia?! - exclama em um tom irritado, e escuto seus passos mudos contra os degraus da escada.
- Eu queria que meus olhos tirassem fotos. - comenta, finalmente deixando escapar a risada que suprimia, e ergue os olhos para me encarar. Quando não respondo ao seu comentário e apenas balanço a cabeça negativamente, seu sorriso some como se alguém tivesse apagado a luz. Mais uma risadinha escapa dos seus lábios, no entanto, desta vez não há humor algum. - Algemas, hein?
O que ele quer que eu diga?, penso, mas não tenho tempo de responder. Depois que o sorriso morre também em meu rosto, aparece na cozinha mais uma vez, a calça de moletom pendendo de seu quadril, o torso nu e uma expressão de poucos amigos no rosto.
- Vou adicionar “empata-foda” para sua lista de qualidades. - Anuncia em um tom mal humorado e bate contra a cabeça de , que sorri mais uma vez e parece completamente confortável como se acionasse um interruptor. - O que vocês trouxeram para o jantar?
espia dentro das embalagens de comida, sorrindo quando vê a massa. Se aproxima e, como se me pedisse permissão, toca meu rosto, olhando bem em meus olhos antes de colar os lábios nos meus. Não consigo deixar as pálpebras caírem enquanto ele me beija, apesar de levar os dedos até seus cabelos pelos breves segundos que nossas bocas estão juntas.
- Sinto muito por ter brigado com você ontem, yeah? - Fala baixinho, colocando uma mexa do meu cabelo atrás da minha orelha. - Você chegou e eu já estava dormindo. Quando acordei, não te encontrei em casa. Fui te ver no escritório hoje, mas disseram que estava em uma reunião importante.
Às costas de , as orbes de se erguem quando ele escuta essa frase. Olha bem nos meus olhos pelo mais breve dos segundos antes de se voltar para sua taça de vinho.
- Não vamos falar sobre isso agora. - Peço com a voz gentil, segurando sua mão para tirá-la do meu rosto.
Me aproximo da bancada, puxando um dos bancos embaixo e me sentando, concentrada em abrir as embalagens e servir o vinho sem olhar para nenhum dos dois. se senta ao meu lado e acompanha o processo, estendendo a taça. Ergo as sobrancelhas para ele, surpresa.
- Nosso estoque de cervejas acabou. - E dá de ombros.
O estoque dificilmente era nosso, uma vez que eu simplesmente detestava sequer estar perto de uma garrafa de cerveja, mas não faço questão de corrigi-lo.
- É realmente bom. - Elogio a comida, me voltando para .
- Eu te disse que era. - Diz, todo condescendente, e abre um sorrisinho orgulhoso.
- Como foi que vocês se encontraram? - pergunta, meio distraído, só parecendo perceber que estávamos juntos agora.
Não ergo os olhos do meu prato. também não diz nada, e por alguns segundos, a situação é tão constrangedora que sinto começando a desconfiar de alguma coisa. Ao invés de continuar comendo, ergue os olhos para mim, esperando pela minha resposta, e pousa o garfo na mesa.
- estava na reunião importante comigo. - Falo, por fim, pensando que meia mentira era melhor do que adicionar mais uma para a coleção. - Para um projeto que querem que ele faça parte.
- Que você faça parte? - repete, pescando a mentira, como eu bem sabia que ele iria. - Não todos nós?
- É para um amigo próximo. Não tem nada a ver com música, mas não posso te dar muitos detalhes, no entanto. - Abro meu melhor sorriso apologético. - Assinamos uma NDA.
Ele ergue as sobrancelhas, compreensivo, e deixa o assunto para lá. Acordos de Não-Divulgação eram comuns na nossa rotina, então ele não discutiria com o que poderia colocar tanto eu ou em apuros. Já foram duas por você, . O pensamento é quase amargurado. E o que é que estou ganhando em troca?
Ao contrário de como foi nosso almoço, o jantar se passa na maior parte em silêncio. A não ser por alguns comentários que arrancam algumas risadas sem graças, comemos e bebemos sem ao menos erguer os olhos do prato. Com a ajuda de praticamente a garrafa inteira de vinho, domino a vontade que tenho de socar e aquela ideia estúpida de jantar a três - como se em qualquer universo paralelo aquilo fosse dar certo.
Quando ele anuncia que vai embora, me ergo do banco e coloco o lenço que tinha no colo em cima da pedra, colocando uma mexa de cabelo atrás da orelha.
- Eu te levo até a porta. - Falo quando tanto ele quanto me olham com curiosidade.
Se despede de , dando alguns tapinhas em suas costas antes de passar por mim e caminhar na minha frente até a porta, esperando que eu abrisse, sem olhar nos meus olhos. Encosto-a às minhas costas, cruzando os braços no peito e andando com ele até o elevador, o silêncio mais estranho agora do que quando éramos nós três.
-
- Eu não… - Me interrompe, parecendo muito irritado. - Eu não te pedi para mentir por mim.
Ergo as sobrancelhas.
- Eu não menti por você. - Corrijo, dando um passo para longe dele. - E você não está bravo por que eu menti.
- Ah, não?
- Nós dois sabemos que não. - Dispenso seu deboche com uma expressão irritada. - Ou você quer que eu volte lá dentro e conte a verdade para ele?
Não me responde, como eu bem sabia que ele faria. Seus olhos estão fixos na porta do elevador, como se ele esperasse que elas fossem abrir a qualquer momento, embora ambos tivéssemos bastante consciência que ele havia sequer apertado o botão.
- Nós dois também sabemos que quando voltar para lá, não vai sair tão cedo. - Seus olhos estão semicerrados agora, voltados na minha direção apenas por alguns segundos antes de se pregarem nas portas de aço mais uma vez.
- Quer que eu volte para casa com você? Que entre no seu carro, no seu quarto, e foda você? - Quando falei as palavras, me arrependi imediatamente. Quando seus olhos se voltaram para mim, assustados, desejei pegar tudo de volta. - Eu não teria problema com isso se você não tivesse a porra de uma namorada a meio mundo de distância.
- Ou se não tivesse um namorado esperando na sua cama. - Complementa, ainda soando meio irritado e apertando o botão do elevador. Parece mais envergonhado agora, como se tivesse caído na real do que estava fazendo e que não tinha direito nenhum de me cobrar aquele tipo de coisa. Chego a escutar o suspiro que ele dá antes de se virar na minha direção, a mão erguida para tocar meu rosto.
- , eu sinto…
Seguro seu pulso, me desviando do seu toque, irritada com a possessividade.
- Eu não sou uma coisa para pertencer a qualquer um de vocês dois! O não me tem. - Começo a voltar para o apartamento, mas não consigo desviar os olhos dos seus, e ele não entra no elevador quando as portas se abrem. - Você não me tem. Eu sou minha.

Capítulo VII


Agosto de 2014, Chelsea, Londres

Me afasto da mesa de centro quando a embalagem de salada é atirada nela, assustada, e ergo os olhos para o rosto de . Ele não sorri, apenas me encara, analisando minha reação, e quando tiro os fones de ouvido, esperando que ele fale alguma coisa, me dá as costas.
- O que foi isso? - Pergunto quando se senta ao meu lado, já comendo, ainda meio assustada.
- Ele disse que não era para deixar você esquecer de comer. - E indica com a cabeça.
Continuo acompanhando-o com os olhos, mas parece me evitar de propósito.
- Eu não pedi comida. - Falo para , colocando o notebook e os fones sobre a mesa e pegando a salada.
- Ele pediu pra você.
Quero ficar brava com , dizer que ele não precisava ser minha babá e me forçar a comer direito, mas entendo suas intenções, o que só me faz querer que ele sente para comer comigo. Abro a embalagem, sem saber como reagir ao pensamento que ele havia, de fato, reparado que eu me esquecia de comer - e aparentemente ia tentar evitar que eu continuasse com esse hábito.
- Vocês são amigos agora? - pergunta ao meu lado, os olhos em mim enquanto ele enfia mais uma garfada de batatas na boca. Me viro para encará-lo, procurando por qualquer segundas intenções em suas palavras, mas ele apenas me observa com curiosidade.
- Algo do tipo. - Desvio os olhos dos seus para abrir a embalagem e provar os tomates, a voz soando mais tímida do que eu pretendia. O garoto ao meu lado abre um sorriso, batendo o cotovelo contra o meu, mas volta a comer sem dizer mais nada.
Riley se joga ao meu lado no sofá, me distraindo do ato de revezar os olhares entre e minha comida, e rouba um pedaço de frango da embalagem em minhas mãos. Olha para mim sugestivamente, então para onde os garotos trocavam de roupa e ergue as sobrancelhas.
- Eu amo meu emprego. - Fala baixinho, encostando a cabeça em meu ombro.
- ! - Chamo em um tom muito alto, sem desviar os olhos da expressão excitada de Riley. - Vista uma camisa.
Escuto a risada dele a poucos metros de distância, o que faz Riley abrir um sorriso quando vê minha expressão séria. Arruma a postura no sofá, tirando a franja cinza dos olhos e prendendo o cabelo em um coque, enquanto se vira para mim.
- Para a sua informação… - Ela começa, um olhar acusatório em seu rosto. - Eu não estava encarando seu namorado. Há outros tatuados interessantes por aqui.
Olha descaradamente para e coloca ambas as mãos na cintura fina como se aquilo encerrasse o assunto. Paraliso o garfo a meio caminho da boca, e digo para mim mesma que tenho que recompor aquela expressão incomodada antes que minha melhor amiga perceba, mas olho para Riley sem conseguir mover um músculo.
- Pensei que ele não fosse seu tipo. - Eu me lembrava de uma discussão parecida com as garotas que trabalhavam na minha equipe. Vagamente.
- As tatuagens subiram no meu conceito. - E abre um sorriso.
- Estou um pouco ofendido aqui. - olha para os braços nus e faz uma expressão triste, analisando a pele limpa enquanto eu e Riley nos encarávamos.
- Que péssimo ele ter uma namorada, então. – Cedo, por fim, suspirando antes de voltar a comer. A expressão convencida de Riley desmorona e os olhos escuros analisam meu rosto com tanta intensidade que faço força para não olhar para ela.
- ? - Ela chama baixinho, agora preocupada.
- Nada. - Falo com pressa - Nada.
Começo a me erguer, deixando sua expressão ainda mais confusa, mas me puxa pela manga da camisa social.
- Não. - Fala com uma expressão muito séria e aponta para meu almoço inacabado.
- Eu não…
- Que péssimo pra você. Vai ficar aí até terminar.
- Ok, mãe. - Fecho a cara para ele também, e enfio uma garfada de alface na boca, com violência.
Puxo o MacBook para o colo mais uma vez, enfiando os fones nos ouvidos em forma de protesto. A expressão de é decepcionada apenas por um segundo antes que ele franza o cenho e indique minha embalagem de comida. Dou mais uma garfada, erguendo as sobrancelhas, e dou play na entrevista que estava assistindo antes.
Depois de alguns minutos em que assisti o mesmo trecho várias vezes, quando os cinco garotos voltavam os olhos para um ponto acima da câmera, me inclino para anotar os pontos fracos em um pedaço de papel. Eles podiam fazer um trabalho melhor quando olhavam para mim em busca de qualquer direção nos bastidores, e definitivamente tinham que melhorar o tom sarcástico para as perguntas ridículas. Eu poderia simplesmente banir as perguntas ridículas, mas, com um suspiro, sei que também reduziria consideravelmente o número de entrevistas que estaríamos dando.
- Você pode checar isso para mim? - Aponto para a parte do papel em que estava escrito “PASSAGENS!!!???” e passo as informações para Riley. Ela assente, pegando o celular que colocara em cima da mesa e se afastando para um dos cantos da sala.
- Já terminei o meu e você não comeu nem metade. - repreende, colocando a cabeça no meu ombro para olhar a embalagem de comida.
- Gosta da ideia de comer meio almoço de salada? - Dou uma última garfada, sabendo que ele iria aceitar - Está ótima.
- Nah. - Dispensa com um gesto de mão, mas mantém os olhos no meu almoço. - Você come como um pássaro.
- Você não a viu comendo japonesa. - A voz de responde antes que eu possa comentar, e quando ergo a cabeça para olhá-lo, sorri para mim.
Hesito por um momento antes de finalmente sorrir também, e estendo a comida para sem sequer olhar para ele, voltando a me concentrar na reserva dos hotéis com o rosto corado. É boa a sensação de ter me observando em silêncio de novo, e chamando a atenção para si sem mais nem menos, sorrindo. Por mais que fosse difícil me lembrar disso ultimamente, eu simplesmente adorava o sorriso dele.
Era complicado, às vezes. Claro que era - se nosso relacionamento fosse tranquilo cem por cento do tempo, eu nem me daria o trabalho de estar ao lado dele mais. Meu gênio era forte, e por mais que levasse numa boa na maior parte do tempo, era fácil ficar ainda mais ofendida quando ele não levava. Era o que eu me dizia, de qualquer forma. Podíamos não estar na melhor das situações, mas pelo menos três quartos do tempo não era assim. Era bom - a forma como ele me tocava e como me fazia sentir. Olhando-o ali, chutando uma bola encontrada em algum lugar enquanto os outros garotos ficavam prontos, sorrindo e gargalhando com os amigos, eu achava difícil sequer me lembrar do motivo porque me sentia tão estressada com ele.
Me levanto do sofá, jogando os fones de qualquer jeito em cima do teclado, e só falo seu nome quando já estou a dois passos de distância.
- Eu amo você. - Falo baixo, próxima do seu ouvido, e abre o menor dos sorrisos antes de me abraçar, chutando a bola de volta para e segurando meu rosto enquanto me beijava.
- Ah, por favor! - exclama em um tom irritado. - Isso lá é hora? Você está interrompendo a diversão por aqui, !
A risada de interrompe nosso beijo, e obrigo a mim mesma a não olhar para nenhum lugar além de seu rosto quando ele se afasta para olhar para o resto das pessoas na sala, sorrindo.



Primrose Hill, Londres

Jogo a cabeça para trás, sentindo os fios contra a pele quente e as mãos de sobem do meu quadril para minhas costas, tocando a ponta dos meus cabelos e os enrolando várias vezes, fazendo que eu estique o pescoço ainda mais e solte a cabeceira da cama, abrindo a boca para deixar escapar mais um gemido.
Sinto seus quadris no meio das minhas pernas e ele os move bem devagar, me dando um último vislumbre de seus olhos ávidos em meu rosto antes que eu feche os meus, mantendo o peso do corpo nas pernas e deixando que ele faça todo o trabalho embaixo de mim. Estico os dedos para alcançar a cabeceira mais uma vez quando sinto o membro de se mover, tateando cegamente até que meus dedos encontram sua clavícula, os cabelos livres de seu toque.
Quando me ergo mais uma vez, a sensação de ter meus seios tão empinados é tão excitante para mim quanto a visão provavelmente é para ele, que fala meu nome, bem baixo, e se move para se encostar contra os travesseiros e a cabeceira da cama, me obrigando a abaixar para que possa beijar minha boca. Tento mover os quadris, ansiosa para sentir a fricção que o movimento causaria, mas minhas pernas tremem e acabo soltando um gemido alto demais em seu ouvido, segurando seus ombros com força.
- Meu Deus, . - fala baixo, bem próximo ao meu pescoço, as mãos se movendo para segurar minha cintura, a velocidade com que ele investe o corpo contra o meu aumentando consideravelmente.
Mantenho os olhos fechados, relaxando as mãos em seus ombros e apreciando seu membro dentro de mim, uma vez e outra, a sensação de preenchimento me fazendo tremer e reprimir os sons que querem escapar da minha garganta. Mantenho meu peso em minhas coxas, abaixando o corpo devagar ao encontro do de para saciar de alguma forma a crescente pressão em um ponto baixo do meu corpo. Seus lábios produzem sons desconexos conforme nossos corpos começam a suar, e quando me afasto para trocar de posição, seus olhos devoram meu corpo.
Ele se ergue na cama, ajoelhando no colchão, e abocanha meu seio direito, os dedos descendo para a umidade no meio das minhas pernas e acariciando toda a extensão do meu órgão. Enfia dois dedos em mim, os lábios mordendo meu mamilo quando meu corpo treme em suas mãos, mas não se demora, me jogando contra os travesseiros e abrindo minhas pernas para se encaixar entre elas.
A proximidade durante o sexo costumava me incomodar; me sentia envergonhada e exposta. Mas agora, depois de tantas noites com o corpo entrelaçado ao de , me sinto bem ao encará-lo enquanto ele segura seu membro e se guia para dentro de mim mais uma vez. Seus olhos não perdem meu olhar, mas tampouco o aproveitam - se fecham assim que nos encaixamos mais uma vez, e os lábios do meu namorado tornam a se partir quando ele recomeça os movimentos de vai-e-vem.
Mordo o lábio e levo ambas as mãos até os seios, sabendo que ele apreciaria a visão, e belisco meus mamilos repetidamente até que um arrepio percorra minha coluna e eu abra a boca para soltar mais um gemido. Os dedos de cobrem os meus, empurrando-os para o lado conforme ele mesmo tenta me estimular e manter o corpo equilibrado sobre o meu, me penetrando com mais força. Com o tato tão sensível, a pele de contra o interior das minhas coxas é tão espetacular quanto seu membro entrando e saindo de mim tantas vezes, e tenho dificuldade para assimilar tantos lugares em meu corpo sendo estimulados ao mesmo tempo, sentindo a pressão ficar cada vez mais intensa na região do meu cóccix.
Empurro o peito de , fechando os olhos e passando os dedos por minha barriga, me esticando para que eu mesma possa tocar meu clitóris. Esfrego os dedos na região, ofegante, e a mão de que insiste em copiar meu gesto logo cobre a minha, colocando mais pressão na ação. Curvo os dedos dos pés, apertando ainda mais sua cintura, e esfrego com mais urgência, a sensação de seu membro me estimulando por dentro enquanto me toco, me levando até o limite. Os sons reprimidos saem do meu controle - o que sai da minha boca é quase vergonhoso enquanto ergo a coluna do colchão e tremo tanto que me esqueço de respirar, mas parece música para os ouvidos do garoto acima de mim, que tem a respiração quase tão acelerada quanto a minha.
Meu corpo está relaxado agora, mas a fricção que causa quando se move dentro de mim é mais agradável do que nunca. Não tenho esperanças de um segundo orgasmo - ele logo retira seu membro e fecha os olhos, colocando o dedo médio na entrada da minha vagina e começando a se masturbar. Observo o gesto tentando recuperar o fôlego, e quando ele está perto de se aliviar, os sons que emite quase me deixam pronta para um segundo round, o gemido rouco que sai de sua boca quando ele goza me deixando perigosamente tentada a colocá-lo na boca até que ele estivesse pronto mais uma vez.
Me ergo da cama, no entanto, e caminho até o banheiro para tomar um banho e limpar todos os resquícios de fluidos em meu corpo com a sensação de ter uma corrente elétrica ligada nas veias.


Setembro de 2014, Chelsea, Londres

Ergo os olhos para encarar Stella quando ela bate de leve no vidro do escritório e, sorrindo, abre a porta para se aproximar.
- Vou ter que olhar com alguém essa falha na segurança. - Começo em um tom desinteressado, tentando reprimir o sorriso. - Você não foi anunciada.
- Por favor. - Ela revira os olhos. - Como se não bastasse bater meus cílios para me deixarem entrar em qualquer lugar.
- Como se não bastasse ser dona desse lugar. - Ergo as sobrancelhas em deboche, rindo, e me volto para a agenda aberta no computador à minha frente.
- Isso também.
Ela se joga em um das cadeiras à minha frente e ergue os pés para colocá-los sobre a mesa, retirando o celular do bolso e se acomodando melhor. Faço uma pausa para encará-la, franzindo o cenho.
- Você não devia estar na faculdade?
- Semana de estágio internacional. - Ela dá de ombros. - Não é exatamente minha prioridade.
Assinto sem falar nada, me virando completamente em sua direção e ignorando o computador. Cruzo as mãos sob o queixo, aguardando.
- Então?
- Então o quê? - Stella ergue os olhos do telefone, toda inocente.
- A que devo a honra?
- Eu não posso simplesmente querer passar um tempo com você?! - Exclama em um tom ofendido, levando a mão ao peito como se eu tivesse dito uma atrocidade. - Aproveitar a companhia da minha querida irmã?
- Stella. - Interrompo com um revirar de olhos. - Nós duas sabemos que só está comigo porque o escritório do Matt está vazio.
- Isso não é verdade. - Ela para com o teatro, ficando um tanto envergonhada. - Eu realmente vim por você.
Também relaxo a postura de deboche, e, surpresa, me inclino em sua direção.
- Então? – Incentivo. - Por que minha presença feminina é solicitada?
- Quero sua opinião em uma coisa. - Começa com o rosto muito vermelho, e arruma a postura para se inclinar contra a mesa também. - Porque você tem mais experiência.
- Você está querendo minha ajuda para perder a virgindade? - Sugiro, acertando em cheio o assunto que ela queria abordar. Claro que eu sabia que ela não era virgem: Eu quem acobertava todas as suas escapadas quando tinha dezessete anos. Mas era bom ver seus olhos se arregalarem e sua expressão ficar mortificada, de qualquer forma.
- Claro que não. Não sou virgem desde a noite que o Nathan “dormiu” no quarto do Matt. - Faz as aspas com as mãos, me lançando um olhar sugestivo, e decido não procurar saber dos detalhes. - É que você teve mais namorados que eu. Com certeza já fez isso mais vezes.
- Estaria decepcionada comigo mesma se não tivesse. - Concordo em um tom solene, mas ela continua como se eu não tivesse dito nada.
- Eu sempre sei o que fazer com caras mais novos. Da minha idade. São sempre uns babacas, e você só tem que fingir ser uma atriz pornô para poder agradar, mas estou saindo com esse cara… E ele é um pouco mais velho. - Não olha para mim quando diz isso, mantendo os olhos na mesa. - E eu não sei se estou fazendo certo.
Retiro as mãos do queixo bem devagar, e por mais que eu tema, sei que minha expressão começa a ficar preocupada. Quase estico o braço para tocá-la, mas me contenho, minha tensão completamente exposta na coluna empertigada.
- Stella. - Começo em um tom que trai a calmaria de fachada. - Você não está falando de Clarke Randall, está?
Seu olhar entrega tudo. Soube antes mesmo que ela assentisse e abrisse um sorriso tímido. Minha reação provavelmente não foi das melhores - quando empurro a cadeira e me afasto dela quase desesperadamente, me erguendo e caminhando para o seu lado. Sento à sua frente, segurando sua mão e rezando para que ela me escute pelo menos uma vez em dezenove anos.
- Stella, ele não é o cara com quem você deveria estar se envolvendo.
Minha irmã se inclina em minha direção, sorrindo, e cobre meus dedos com a outra mão.
- , não faz diferença se ele é tão mais velho assim. Nós nos damos muito bem, eu juro. Ele diz que sou muito madura para uma garota da minha idade.
- Ele diz que você é madura para as garotas da sua idade e você abre esse sorriso, deixando a palavra “madura” ressoar na sua cabeça sem perceber que ele pensa em garotas da sua idade como um tipo de raça. - Falo baixo, ignorando quando seus olhos claros começam a ficar confusos. - O pedigree que ele te dá não vale a pena, Stella.
- Por que você não pode simplesmente ficar feliz por mim? - Joga minha mão, se erguendo tempestuosamente de sua cadeira.
- Eu estou! Porque você é linda, porque você vai ser bem-sucedida e porque está estudando algo que gosta! Estou feliz porque você é uma garota incrível! - Exclamo quando ela se afasta para encarar a paisagem de Londres através do vidro. - Não porque você está entrando em um relacionamento que não é bom o bastante para você.
- Eu sou boa o bastante, ! - Stella se vira para me encarar, parecendo à beira de lágrimas. - Pela primeira vez na minha vida eu me sinto boa. Ele faz com que eu me sinta desejada, especial. Eu não tenho que ser mais inteligente ou mais engraçada. Eu sou boa o bastante, e se não for, quero ser!
- Você quer saber como agradar o Randall? Você quer ser boa o bastante pra ele? - Pergunto com a expressão séria, mas não me ergo, tentando fazer Stella ver que quero que ela entenda o que estou dizendo, não que apenas me escute. - Isso é a primeira coisa que aprendemos quando se nasce mulher. Você tem que fazer por merecer. Não é seu direito, você tem que ser boa o bastante. E ser boa é sempre definido por outra pessoa, por alguém de fora. Isso não é saudável, Stella. Como você não pode ver?
- Eu quero que outra pessoa me ame, . - O uso do nome me magoou mais do que deveria. - Eu não sou você. Pra mim não é amor próprio e o que vier é lucro. Quero alguém que me ame também.
- Você tem que gostar de você, Stella. Como vai saber o que é bom de outra forma? Você não deveria sentir como se tivesse de se provar. Você não precisa de validação. Você nasceu uma .
- Grande coisa, . - Minha irmã debocha em um tom derrotado, pegando a bolsa na cadeira à minha frente. - Nem todo mundo pode nascer perfeita. Nem todo mundo é excepcional como você e seu sobrenome.
Tento não me magoar com a forma que ela ironizou o termo. Sempre havia o escutado: na escola, na faculdade, na empresa, na família e na imprensa, e nunca suspeitei que Stella se sentia qualquer coisa menos que excepcional. Não era assim que eu queria que ela interpretasse o que eu disse sobre ser uma . Não era arrogância. Queria que ela entendesse que já nasceu sendo motivo de orgulho para nós, de qualquer forma, que não precisava da avaliação de alguém de fora.
- Stella, eu não sou perfeita. - Digo em um fiapo de voz. Tenho um namorado que me faz sentir exatamente como você se sente. Clarke me fez sentir exatamente como você se sente. E há um garoto que faz com que eu me sinta o bastante, venha o que vier, e estou louca por ele. Estou longe de ser perfeita, Stella.
Mas ela sai e eu fico em silêncio, encarando a figura surpresa de Matt sair do elevador quando ela entra nele tempestuosamente. Meu irmão olha para mim e se aproxima da porta com as sobrancelhas erguidas, mas não quero que ele saiba que nossa irmã está na cama com Clarke Randall. Matt e Clarke estavam longe de serem amigáveis um com o outro sem precisar de adicionar Stella na equação.
- Você está bem? Vocês duas parecem um pouco abaladas.
- Estou ótima. - Digo em um tom triste e forço o melhor sorriso que consigo.
- Tem certeza? Não quer conversar?
- Desculpa, Matt. Os garotos tem uma viagem para os EUA amanhã e eu tenho que ver os últimos detalhes. - Ele entende o recado, sorrindo carinhosamente e se aproximando para beijar minha testa. Sai logo em seguida, puxando a porta e me olhando com preocupação quando me volto para meu celular, twittando uma carinha triste sem querer abrir mais delongas. Estou encarando a paisagem lá fora há alguns minutos quando o celular recebe uma notificação e o pego para ler a mensagem de .

Você está bem?

Capítulo VIII


Setembro de 2014, The Hollywood Roosevelt, Los Angeles, EUA

Riley se joga na cadeira próxima de mim, Eric se contentando em ficar de pé ao meu lado, me estendendo uma garrafa d’água. Lá na frente, os garotos se sentam lado a lado, falando sobre a nova turnê e o novo álbum, tão sorridentes e simpáticos que quase fico de bom humor.
Acordei no completo ataque de ansiedade, no entanto, e tive de verificar todos os aspectos da coletiva eu mesma para ter certeza que nada daria errado. Riley ficou irritada de início, mas depois de tantas vezes que me viu assim, acabou entendendo a situação e respondia minhas perguntas com a maior paciência, não importa quantas vezes eu perguntasse a mesma coisa.
- E como é trabalhar com sua namorada, ? - O repórter de uma revista que eu não conseguia lembrar o nome pergunta, revezando um olhar ansioso entre meu namorado e eu. também olha para mim, esperando minha reação ou meu aval para responder a pergunta. Balanço a cabeça negativamente, embora sorria.
- Ela pode ser mandona às vezes. - Brinca, rindo quando balanço a cabeça com mais insistência.
- Às vezes? - ecoa em tom de deboche.
- O tempo todo. - concorda, arrancando algumas risadas da sala, e Riley e Eric se seguram para não acompanhá-las.
Coloco as mãos nos quadris, franzindo o cenho para eles.
- Ela parece um pouco brava com vocês. - O repórter brinca, os olhos ainda em mim.
- Ela está brava conosco vinte horas por dia. - fala baixinho contra o microfone, e agora é o único reclinado contra sua cadeira, não parecendo querer acrescentar nada. Ele sorri, no entanto, os olhos em mim e os braços cruzados no peito em um gesto que eu teria de censurar depois, a linguagem corporal excessivamente defensiva.
- A parte mais divertida das coletivas é observar a reação do seu time de publicidade. Vocês levam muitas broncas depois?
- Ah! Com certeza vamos escutar um bocado quando sairmos daqui. - sorri, uma ocasião rara, e tento não acompanhá-lo com tantos olhos em mim - A é uma firme seguidora dos puxões de orelha.
- Pelo menos ela não é difícil de se olhar, . Você tirou a sorte grande! - Uma voz exclama lá na frente. Ergo as sobrancelhas, surpresa, tão dividida entre me sentir ofendida e enojada que não penso em nada para me fazer ouvir. Riley se levanta de onde está sentada, tentando achar o autor da frase com uma expressão surpresa, e Eric se remexe desconfortavelmente.
- Ela é bonita. - A voz de surpreende a todos ao falar no microfone - Mas é incrivelmente talentosa e competente. Todos nós tiramos a sorte grande por ter um time como o dela tomando conta da nossa imagem.
Não olho em sua direção; balanço a cabeça negativamente, como se me sentisse lisonjeada com o elogio, e tento esconder as bochechas coradas. Quando ergo a cabeça mais uma vez, me encara, a expressão impassível e os braços cruzados contra o peito mais uma vez. Depois de alguns segundos ele volta a responder as perguntas, os olhos em mim tantas vezes que agradeço por trabalhar com o que trabalho, de forma que não havia espaço para outras interpretações.
Quando se passam por volta de quarenta minutos, eles agradecem, se erguendo de onde estão sentados e descendo para onde estamos quando as câmeras são desligadas. Cumprimentam alguns dos repórteres quando se aproximam da mesa de aperitivos, e vejo seus sapatos caminhando na minha direção. Mesmo que diga a mim mesma para ficar calma, meu coração bate cada vez mais rápido em meu peito, meus olhos tentando não encontrar os seus.
- Que grande babaca, huh? - comenta com simplicidade, parado à minha frente.
- Você não precisava me defender.
- Eu sei que não.
- Não quero um cavaleiro na armadura brilhante. - Ergo as sobrancelhas, mantendo o tom de voz muito baixo, e cruzo os braços, como ele havia feito minutos atrás.
- Não quero salvar você. - Me garante, os olhos analisando minha expressão.
- Ótimo.
- Estamos de acordo? - Pergunta com um sorriso leve, estendendo a mão para mim.
Encaro seus dedos, a sensação na boca do meu estômago apertando mais um pouco, e encaixo nossas mãos com um sorriso, sem ter a menor ideia do que é que eu acabava de concordar. Nosso aperto de mão dura mais do que o habitual, e ao perceber isso, temo que alguém possa fazer o mesmo. Separo nossos dedos, o rosto quente, mas ele puxa minha mão mais uma vez, e acaricia minha pele com o polegar por um milésimo de segundo antes de me soltar.
- Você quer sair daqui? - Pergunta bem baixo, enquanto tento o olhar ao redor, só para ter certeza que ninguém presta atenção em nós.
- Não tem nenhum corredor deserto perto dessa sala. - Digo em um tom meio decepcionado, tentando reprimir um sorriso, mas ele ri abertamente.
- Você checou?
- Pode apostar que sim.
balança a cabeça, admirado, e cruza as mãos atrás das costas. Fica em silêncio, me olhando, e sou obrigada a dar uma risada para que, quem quer que nos observasse, não prestasse atenção nele. Depois de mais alguns segundos sem dizer nada, dou mais um passo em sua direção, para fazer com que ele me escute:
- Então você me acha bonita? - Pergunto baixinho, mais um sorriso fracamente reprimido surgindo em meu rosto.
- Eu te acho devastadora. - Sua expressão é muito séria. Quando ele continua, seu sussurro é quase uma súplica - Eu acho que você vai me arruinar.
Encaro seus olhos e seus lábios, tão próximos, por tanto tempo, que tenho certeza que alguém verá. Uma parte de mim registra isso, mas outra, maior, não se importa. Me viro completamente na sua direção, consciente de todas as pessoas presentes na sala, e ele não se afasta.
- Vamos sair daqui. - Falo baixo, passando por ele e seguindo em direção à porta. Quando me viro, ele me olha, parado no mesmo lugar, cercado de repórteres, com uma expressão que não consigo nem descrever. O tempo passa devagar - quando penso que ele irá negar, dá o primeiro passo em minha direção.

- Onde você quer ir? - pergunta quando saímos sob o intenso sol de Los Angeles. Desejo ter pegado os óculos escuros, mas não quero voltar para dentro do hotel agora. Olho ao nosso redor e respiro o ar ressecado.
- Vamos só andar um pouco. O que você acha?
- Andar soa maravilhoso. - Ele me dá um sorriso tímido, estendendo a mão para indicar o caminho.
- Tem um restaurante ótimo umas quadras pra baixo - podemos almoçar por lá. Você está com a sua carteira?
- Vou acabar me acostumando a pagar seu almoço todos os dias. - Me lança um olhar de censura, e então dá um tapa no bolso traseiro - É claro que estou com a minha carteira. Você não anda com a sua?
- Claro que não. É pra isso que servem as bolsas. - Uma garota vira o pescoço quando escuta meu sotaque, nos encarando com curiosidade. Começo a pensar que sair sem um segurança pode não ter sido a melhor das minhas ideias, mas ela não se aproxima.
- Acho que preciso comprar uma bolsa. - comenta baixinho, me observando.
- Com certeza. De couro, preta, com umas fivelas bem grandes.
- Soa bastante masculino.
- Soa bastante prático. - Corrijo.
- Não tentando mudar de assunto, mas já mudando mesmo assim, como você consegue ficar tanto tempo com essas coisas? - Ele indica meus saltos com o queixo, parecendo legitimamente interessado.
- Costume, acho. Não incomoda, mas também não vejo a hora de ficar livre deles. - Respondo em um tom desinteressado, só então, de fato, reparando em como os sapatos apertavam as laterais do meu pé.
- Sabe qual o lado bom de você andar sempre tão bem arrumada? - fala baixo, em um tom conspirador - Todo mundo vai achar que estamos juntos à negócios.
- E não estamos? - Tento suprimir o sorriso - Ou você tem segundas intenções me levando para almoçar?
- Pelo que eu saiba, senhorita , você quem está me levando para almoçar. Por um acaso tem segundas intenções comigo?
- Minha cabeça diz que não. - Respondo muito baixo, prestando bastante atenção ao acompanhar seus passos largos - Mas minhas pernas estão abertas às possibilidades.
Como eu esperava, ele para de supetão, surpreso, e quase tromba na senhora que seguia atrás de nós. É um terreno escorregadio brincar dessa forma, atraídos um pelo outro da forma como estamos, mas vinha estando tão tensa que só a ideia de uma brincadeira imprudente faz com que eu me sinta mais leve.
- .
- Oh, você deveria ver sua cara. - Abro um sorriso, rindo baixinho, e seguro sua mão apenas para fazê-lo andar.
- Você quase me matou do coração.
Bom saber que tenho todo esse poder sobre você.
- Pode se acalmar agora. Olha só, estamos quase chegando. - Aponto para a construção de vidro, tão moderna e elegante que ele solta uma risadinha de escárnio.
- Esse lugar grita seu nome.
- É mesmo?
- Caro, elegante e muito bem decorado.
- Se estou entendendo bem, é a segunda vez que você diz que sou bonita hoje. Posso ficar mal acostumada. - Brinco, tirando o cabelo dos ombros só para colocar ênfase.
- Já te disse, você é devastadora. - Ele olha nos meus olhos quando diz isso, me fazendo corar mais uma vez - É de se esperar que o te lembre todos os dias. Ele não faz isso?
Acho que meu silêncio foi resposta suficiente. balança a cabeça algumas vezes, devagar, com uma expressão estranha no rosto. Se aproxima perigosamente, como se estivesse tirando algo do meu cabelo, e se inclina um pouco para sussurrar:
- Todos os dias. Não me deixe esquecer.
Então pega minha mão e me puxa em direção ao restaurante.

- Não consigo. - Balanço a cabeça várias vezes, fechando a boca em uma linha fina que logo se desmancha em uma risada. Ele balança o garfo com um pedaço de cheesecake em frente ao meu rosto insistentemente.
- Vamos lá, só uma mordida.
- Eu juro por Deus, , se eu comer qualquer outra coisa eu não vou conseguir segurar no estômago.
- Que bela imagem daria para os paparazzi. - Ele debocha com um sorriso sarcástico.
Os fotógrafos tinham aparecido entre o momento que chegamos e pedimos nossa comida, descaradamente tirando fotos através do vidro, o barulho dos cliques quase chegando até nós. Não me preocupei com eles de início, mas cada sorriso que trocávamos parecia como um possível escândalo nos tabloides do dia seguinte.
- Acho que deveríamos sair daqui. - Bebo um pouco da taça de água à minha frente e tento não olhar na direção das câmeras.
- Tem alguma ideia de como iremos despistá-los?
- Vamos chamar um táxi. - Dou de ombros, rindo, e reparo em como nossas mãos estão próximas. Alguns centímetros e eu poderia tocar seus dedos.
acompanha meu olhar, o sorriso em seu rosto diminuindo até se tornar algo mais carinhoso. Ele arreda o braço bem devagar, quase imperceptivelmente, até tocar a ponta do meu dedo médio, tão de leve que por um momento não o sinto. O garçom que chamamos para ao lado da mesa, fingindo não perceber, e aguarda com as mãos atrás das costas enquanto pede para que ele chame o táxi e traga a conta.
Fico em silêncio durante o resto do tempo que leva para nosso carro chegar e a conta ser paga, me sentindo envergonhada e culpada. O que estávamos fazendo? Aquela cumplicidade, aqueles toques, as palavras que trocávamos, também era traição, não era? Também era infidelidade. Por que simplesmente não parávamos com aquilo tudo? Por que não dizíamos que era o suficiente?
- ? - O apelido faz com que eu me sinta ainda mais culpada - O táxi está aqui.
Ignoro a mão que ele oferece para me ajudar a levantar, caminhando na sua frente em direção ao carro. Os fotógrafos gritam perguntas que nem tento entender, fazendo os poucos metros até estarmos dentro do carro mais demorados que o necessário, e mesmo quando estamos lá dentro, continuam a colar as câmeras no vidro da janela e bater na lataria.
Mantenho a cabeça baixa, incomodada, e demora um pouco até que possamos sair dali. Quando falo o endereço, o taxista parece quase desapontado.
- Não é nem 20 minutos de corrida.
- Sinto muito. - É quem se desculpa. Me surpreendo quando vejo que ele está olhando para mim.
Ergo as sobrancelhas, curiosa, e o incentivo a dar voz ao que estava pensando.
- Você está bem? - Pergunta em um tom de voz muito baixo, o torso inclinado na minha direção. Toda a linguagem corporal entregando o que eu tentava negar.
Balanço a cabeça positivamente e não digo nada, mal enganando a mim mesma. Quando chegamos ao Roosevelt, o saguão está vazio, apenas a funcionária atrás do balcão sorrindo para nós. Dou um aceno, tentando ser educada, e caminho até o elevador com o estômago quase na garganta. As portas de aço se fecham assim que pressiona o botão, então ele se vira para mim.
- Você está bem? - Pergunta mais uma vez, em voz alta, com as sobrancelhas franzidas. Olho para o seu rosto, para os seus olhos preocupados, seus lábios tensos e sua pele clara na luz do elevador. O que é isso na sua voz que me faz querer ouvi-lo falar? O que é isso, ali, entre nós, que me toca, me emociona, me faz querer cruzar os pequenos passos que nos separam?
- Se eu estou bem? - Repito em voz baixa, olhando para todos os lados menos para ele. Seus dedos se esticam para pressionar o botão que para o elevador, nos deixando estacionados entre o sexto e o sétimo andar. - Eu não estou nem perto de estar bem.
- , me escut…
- Escutar você? - Me viro em sua direção quase com raiva - Eu vejo você. Eu escuto você. Eu penso em você. Quem é você? - Me aproximo para segurá-lo pela camisa, e parece dividido entre me beijar e fugir - Você acha que vou te destruir? Você está me destruindo!
- .
- Nós temos tempo, então me diz: por que agora? Por que demorou tanto pra me dizer? Eu não queria isso. O que nós estamos fazendo, essa sensação que eu tenho…
- Sabe o que eu acho, ? - Sua voz é firme, e os dedos que pressionam meus braços também. Penso em censurá-lo por me tocar daquela forma, mas suas mãos descem até que ele as entrelace as minhas. - Eu acho que você está assustada. Acho que você está aterrorizada que alguém possa gostar de você. Não do seu rosto, ou dos seus olhos, ou do seu corpo, mas realmente gostar. - Ele se afasta, soltando uma risada irônica, e me olha com selvageria - Não, na verdade, acho que você está aterrorizada com a possibilidade de também gostar de mim!
- É claro que estou! Não consigo ficar longe de você! - Grito como se fosse culpa dele, e quero pegar as palavras no ar tão logo elas saem da minha boca. Os olhos de se arregalam, surpresos, e ficamos em silêncio enquanto o que eu disse fica ali entre nós, por tanto tempo que meu rosto esquenta.
De qualquer forma, não tenho chance de me sentir envergonhada: seus pés se chocam contra os meus quando ele me joga contra a parede espelhada, se inclinando para me beijar.
Eu estaria mentindo se dissesse que nunca tinha pensado nesse momento. Na verdade, tinha acontecido tantas vezes que era difícil não me sentir culpada quando estava com ele. E nada me deixava mais eufórica do que a sensação, tão melhor do que nos meus pensamentos, dos seus lábios pressionando os meus. Sem tempo para qualquer cerimônia que fosse, nossas línguas se encontram antes que eu possa sequer processar o que está acontecendo - suas mãos estão nos meus quadris, nos meus cabelos, torcendo o tecido do meu macacão.
Sei que era uma linha que tínhamos prometido não cruzar, e de todas as consequências que cruzá-la acarretariam, mas não me importo. Seguro seus braços, sua camisa, seus cabelos, tudo o que está ao alcance das minhas mãos conforme sua língua se enrola na minha. Estou tremendo; consigo sentir quando ele entrelaça os dedos aos meus e me puxa para mais próximo de si, mas ele também treme. Abaixa o torso para segurar minhas coxas, me impulsionando até que minhas pernas enlacem sua cintura, e todo seu corpo treme. O peito, com a respiração acelerada, os lábios com a urgência que pressionam os meus, as mãos que seguram minhas pernas.
- . - Falo quando separo nossos rostos para conseguir respirar.
- Não. - Me interrompe, soltando minha coxa para enlaçar os dedos em meus cabelos, e beija o canto da minha boca, minha bochecha, meu queixo, e faz uma trilha pelo meu pescoço, me impedindo de sequer raciocinar quaisquer palavras que eu pudesse querer dizer.
Ele vai deixar marcas ali, penso com urgência.
- . - Chamo mais uma vez, e puxo seus cabelos com suavidade até que ele se afaste para olhar em meus olhos, as pupilas dilatadas, os lábios vermelhos e inchados. - Nós…
- Não. - Repete, e deixa que meus pés toquem o chão para colocar ambas as mãos em meu rosto, os olhos me devorando - Você não entende. Se já… Se já estamos fazendo isso, o que quer que isso seja, não podemos deixar de aproveitar. Eu consigo ver que você quer continuar, consigo ver nos seus olhos. - Ele se abaixa para colar os lábios nos meus mais uma vez, como se para provar um ponto, mas logo torna a se afastar - Sei que você está assustada. Sei o que estamos arriscando, o que nossas ações podem acarretar. Se já estamos errando, por que não errar só mais um pouco? Por que não aqui, não agora, por que não você, nesse dia e nessa cidade que mal podemos citar as diferenças de quaisquer outras cidades? Só uma vez, então nos contentamos por quanto tempo for que passarmos juntos.
Não sei o que dizer, mas sei o que ambos pensamos. Ele sabe tão bem quanto eu que não nos contentaremos, que não será uma coisa de uma única vez, e mesmo ciente disso, de tudo que estamos colocando na linha, ele me encara, esperando por uma resposta, e não consigo pensar em nada para dizer. Se eu fosse corajosa o suficiente, se não estivesse já tão assustada com o momento e tudo que estava acontecendo, eu lhe diria que não quero que minha vida seja feita de sentimentos vazios e acomodação. Amostras grátis e restos. Um gostinho de tudo e uma refeição de nada. Quero a adrenalina dos nossos encontros e a sensação dos seus dedos na minha pele, mas é claro que não digo nada disso. Faço a melhor opção no momento, e cubro seus dedos com os meus, me aproximando para que ele possa me beijar mais uma vez. Ele é mais lento agora, menos urgente, apesar de ainda intenso. Não separa nossas mãos, e me beija como se fosse a única coisa que ele tivesse para fazer no mundo, me pressionando contra a parede espelhada novamente.
Deixo minhas mãos passearem pela pele de seus braços, sentindo a textura da sua pele, os cabelos arrepiados. A sensação é a mesma das primeiras vezes que nos tocamos - como se a adrenalina tivesse sido injetada nas minhas veias e eu tivesse corrido uma maratona. Quero que ele toque todo o meu corpo, e quero ficar naquele elevador por quanto tempo for possível que fiquemos.
É difícil dizer quanto tempo se passa. Onde nossas mãos tocam um ao outro, e qual língua é a de quem. Meu rosto está quente, minha respiração ofegante, e o elevador parece nos sufocar.
Quando me afasto para tocar o botão que coloca o compartimento em movimento novamente, não diz nada, apenas me encara com olhos brilhantes e uma expressão que não consigo decifrar, os lábios inchados.
- Não vamos falar sobre isso.
- Não vamos falar sobre isso. - Ele nem mesmo pisca.
A porta do elevador abre às minhas costas.
- Isso nunca vai acontecer de novo.
- Não vai. - Sua expressão é solene.
É claro que iria.


Setembro de 2014, Primrose Hill, Londres

Passo as mãos pelo tecido transparente, pressionando contra a carne dos meus quadris e me abaixando lentamente, o movimento acompanhando a batida lenta da música. Com o olhar fixo em mim, o corpo confortavelmente recostado na cadeira, ele passa os olhos desde os meus pés até prender nossos olhares, o polegar viajando para tocar sua boca enquanto ele abre as pernas para que eu me encaixe nelas.
Deixo a camisola transparente cair no chão, deslizando os dedos pela renda do sutiã, meu coração batendo forte com as mãos que puxam minha cintura, os lábios rosados que tocam meu pescoço, meu colo e desabotoam a lingerie em busca dos meus seios, me distraindo da música cada vez mais alta e da dança.
A voz de Elliot Moss me acompanha ao desabotoar sua camisa social, que logo está no chão, junto de cada pedaço de renda que poderia cobrir meu corpo. Nossas peles nuas se tocam, e o gosto de sua boca na minha parece cada vez mais surreal, os dedos caminhando por cada zona erógena que parecia mapeada para ele, me fazendo suspirar e esticar o pescoço.
- ?
O que Stella estava fazendo ali? Quando viro o pescoço em busca da sua voz, a sala escura desaparece junto com , os olhos claros de Stella muito próximos do meu rosto, Without the Lights, do Elliot Moss, ainda tocando ao fundo no meu celular.
- Ah. - Solto um gemido, cobrindo o rosto com as mãos e tentando me lembrar do rosto no sonho, o toque que eu consegui sentir mesmo em meu subconsciente.
- É isso que você faz quando o não está aqui? - Ela sorri, brincando com um consolo prateado nas mãos - Se masturba até desmaiar de exaustão?
- Bem que eu queria. Sequer cheguei a usar. - Tomo o brinquedo de suas mãos, bocejando, e jogo do outro lado da cama - Se tivesse não estaria sonhando essas coisas.
- Essas coisas em coisas eróticas? - Stella se senta aos meus pés, toda sorrisos, e abraça um dos joelhos.
- Sim. - Passo a mão no rosto mais uma vez, ainda confusa com o despertar abrupto, e prendo o cabelo antes de olhar para minha irmã mais uma vez. - Pensei que estivesse brava comigo. Como conseguiu entrar aqui, de qualquer forma?
- Não vou passar meus dias com raiva de você, . Eu te amo. - Ela estica a mão para acariciar meu tornozelo, uma expressão carinhosa no rosto - E você deu a mim e a Matt uma chave, se não se lembra. - Balança uma chave pintada de rosa em seu chaveiro, como se para pontuar o que dizia - Com quem estava sonhando?
Sinto meu rosto esquentar e desvio os olhos dos seus. Embora eu tivesse uma boa ideia de quem poderia ser, não tinha certeza.
- Não sei. - Faço uma pausa e abro um sorriso - Meu namorado definitivamente não era.
- Por que você simplesmente não coloca um ponto final nisso? - A expressão no rosto de Stella é fechada, os olhos claros tempestuosos com confusão – Por que não dá um basta?
- Não é sempre ruim, Ella. - Dou de ombros, evitando seu olhar, e noto que passo a mão nervosamente pela seda do pijama - Eu só me sinto entediada às vezes, como se minha vida tivesse se tornado uma rotina que não estou nem um pouco ansiosa para seguir. Era bom no começo, como tudo geralmente é, mas não quero me sentir como se tudo estivesse acontecendo lá fora e eu estivesse só assistindo, sem poder fazer parte.
- Só fale com ele, . - Stella se inclina para segurar minhas mãos - Se você não está feliz, diga que é o suficiente.
- Eu não posso fazer isso. - Tento abrir um sorriso para confortá-la, mas tenho certeza que minha expressão acabou parecendo triste.
A ideia já cruzou minha mente mais vezes do que eu gostaria de admitir, mas terminar as coisas com implicaria em provavelmente terminar as coisas com a banda. Embora eu me dissesse que o motivo para recear isso fosse o impacto que teria na minha vida profissional, sabia que também teria que me afastar de , e mesmo se continuássemos a nos encontrar, todo o cenário poderia parecer muito mais suspeito. Uma parte minha também me dizia, lá no fundo, que a perspectiva de ter algo com era mais incerta do que qualquer outra coisa, e se eu abrisse mão de , poderia ficar sozinha. Eu não queria ter de dar o primeiro passo na direção que parecíamos prontos para seguir, para ser deixada para trás. Não queria mostrar o quanto tudo que estava acontecendo estava realmente mexendo com a minha cabeça e vê-lo continuar com a namorada, mas tampouco podia exigir qualquer coisa que fosse.
- Você pode fazer o que você quiser, .
- Eu queria que as coisas fossem tão simples assim. - Admito com um suspiro cansado antes de me levantar da cama, caminhando até o banheiro para tomar um banho.
Stella me acompanha, encostada no batente da porta enquanto tiro a roupa, a expressão impassível. Tento adivinhar o que ela pode estar pensando, como fazia na maioria das vezes, mas mal conseguia organizar meus próprios pensamentos.
Não fecho a porta de vidro do box quando ligo o chuveiro, esperando que ela diga mais alguma coisa.
- O que está acontecendo? - Ela pergunta depois que já lavei e enxaguei o cabelo, os olhos concentrados nos meus enquanto passo o sabão pelo corpo - Ele fez alguma coisa?
- O problema não é ele, Stella. - Dou as costas para ela, tentando esconder a expressão em meu rosto - Sou eu. Sou rancorosa demais, não sei como deixar as coisas de lado.
Tudo bem, era apenas um quarto de mentira.
- Eu só quero te ver feliz. - Diz com um tom de voz estranho, dando de ombros, e encara o chão de pedra.
- Então você entende como me sinto. - Desligo o chuveiro, enrolando uma toalha ao redor do corpo e no cabelo, os olhos ainda em seu rosto - Entende porque me sinto como me sinto sobre você e o Randall.
Não quero contar sobre Randall para minha irmã, tampouco quero contar sobre . Os segredos que guardo dela começam a se empilhar, assim como o nó em meu estômago cada vez que acrescento alguma mentira, mas não estou pronta para falar sobre o que aconteceu ou sobre como me sinto. Nunca me tomei pelo tipo de pessoa que se sentiria envergonhada de dizer algo, mas só a perspectiva de confessar as coisas para Stella me faz ter ânsia de vômito - as coisas mais importantes geralmente são as mais difíceis de serem ditas.
Tenho a impressão que se tentar colocar tudo o que sinto em palavras, seu significado será diminuído, perdendo toda a perspectiva sem limite em que existe dentro da minha cabeça. As coisas que eu queria contar para Stella estão guardadas tão perto do meu coração e de tudo que mais importa para mim que não consigo me ver pronunciando as palavras - me sinto vulnerável até mesmo com a hipótese, como se minha irmã simplesmente não pudesse entender o quanto aquilo significava para mim. O segredo torna tudo mais sagrado, mais importante, e abrir mão dele pode ser abrir mão do quanto as coisas realmente importam para mim. Por isso apenas olho para ela, parada ali, como se pronta para absorver tudo que eu pudesse lhe dizer, e abro um sorriso, abaixando a cabeça. Quem sabe um dia, Ella.
- Vamos tomar café?


The Little One Coffee Shop, Primrose Hill, Londres

Eu gostava de pensar na The Little One como um tesouro escondido bem no meio do caos em que se encontra a área central de Primrose Hill. Ficava na curva de uma rua sem saída, tão pequena que a loja poderia passar despercebida se você não estivesse procurando por ela, as mesas e cadeiras coloridas brilhando no sol fraco de uma manhã de Setembro.
Matt entra para fazer nossos pedidos enquanto nos acomodamos no banco preto bem em frente ao vidro da loja, colocando os copos em cima da mesa de centro de madeira quando retorna e se sentando na cadeira em frente a mim e Stella. Ele torna a colocar seus óculos escuros, a expressão cansada desaparecendo por trás das lentes, as mãos cruzadas em frente ao corpo.
- Parece que você foi atropelado por um caminhão. - Nossa irmã finalmente comenta, bebendo um gole do chá inglês enquanto o encara - O que fez a noite toda? E nem me diga que foi trabalhar.
- Por incrível que pareça. - Responde ironicamente, escondendo o resto do rosto atrás de seu copo de café - Sabe aquela garota que conhecemos no evento beneficente dos Beckham? A que estava com o namorado número dois.
Demoro uma batida de coração para perceber que ele fala comigo, e começo a franzir o cenho, me preparando para o ataque.
- Para com a besteira, Matt. - Censuro - O nome dela é Camille.
- Sim, eu sei o nome dela. - Dispensa meu comentário com um gesto de mão - Ela é o motivo que fiquei acordado a noite toda ontem.
Sinto meus olhos se arregalando a ponto de quase caírem do meu rosto. Milhões de cenários passam pela minha cabeça, e só a ideia de Matthew transando com a namorada de me faz querer virar a cabeça e vomitar. Tento pensar nas outras interpretações para aquela frase, mas não conseguia ver meu irmão acordado a noite inteira pensando em uma garota, tampouco.
- Ah, não! Não! - Ele exclama, balançando as mãos na nossa direção - Não precisam me olhar com essa cara! Não é isso que vocês estão pensando! Ela só quer saber se posso tomar as rédeas da carreira dela.
- Então porque você não disse isso no instante em que abriu a boca? - Pergunto com raiva, o coração acelerado.
Me sinto quase decepcionada. A ideia de que Camille poderia estar na cama com meu irmão só era positiva ao ponto de que eu poderia contar para , e talvez as coisas terminassem entre os dois. Me envergonho do pensamento tão logo ele chega na minha cabeça, me sentindo pequena e egoísta. Que coisa mais baixa, .
- Uh-oh. - Stella diz baixinho ao nosso lado, tornando a bebericar seu chá - Digam olá para os papz.
Meu pescoço vira instantaneamente, os olhos voando para os dois homens do outro lado da rua, as câmeras viradas em nossa direção. Tento manter a expressão neutra, baixando os óculos escuros que estavam em minha cabeça e finalmente bebendo do meu café, que já estava quase morno a esse ponto.
- Por que o interesse súbito na gente? - Stella pergunta meio emburrada - Nunca foram de nos seguir para os lugares.
- Agora que a namora o integrante número dois, ela virou a pessoa de interesse número um da mídia. - Matt cochicha com um sorrisinho, me fazendo querer levantar de onde estou e socá-lo.
- Quem é esse namorado número dois? - Stella pergunta em um tom cansado, como quem estava farta de ignorar as alfinetadas de Matt.
- Ninguém! - Respondo prontamente, com raiva - Eu só tenho um namorado. O Matt está delirando.
- Que saco. Só porque eu queria comer um muffin. - Stella reclama como se o assunto fosse aquele o tempo todo, se erguendo do banco do meu lado.
- Onde você está indo?
- Para o escritório. Vocês não tem que trabalhar? - Ela nos chama com a mão - Eu tenho que me encontrar com a decoradora.
Com um suspiro derrotado, dou um último longo gole no café antes de deixar o copo ainda pela metade na mesa, me erguendo para acompanhá-la.
- Eu sinto que esse encontro aconteceu solenemente no propósito de me forçar a dar uma carona para vocês dois. - Me concentro em não desequilibrar em cima dos saltos, perdendo a expressão no rosto dos meus irmãos.
- Quê?! - Stella exclama em uma voz desafinada, e quase posso ver seus olhos se revirando por trás da armação dos óculos - Que besteira.


Distrito da Cidade de Londres, Londres

O caminho até o prédio da & Associates foi pontuado por tantas brigas para mudar a estação de rádio que, em um certo ponto, Matt apenas desligou o aparelho. Os fotógrafos não nos seguiram até lá, e mesmo se tivessem, não conseguiriam uma boa imagem da garagem subterrânea. Pegamos o elevador ali mesmo, e agradeço mentalmente por não ter que passar por Ivy na recepção, visto que ela ainda se sentia envergonhada pelo episódio de um tempo atrás.
Quando as portas se abrem no último andar, meus olhos imediatamente viajam para as paredes de vidro onde se encontrava o escritório do nosso pai, a cadeira em branco vazia como se ele tivesse acabado de sair dali.
- Boa tarde, senhoritas. Boa tarde, senhor . - A garota com a mesa em frente ao meu escritório levanta a cabeça imediatamente, um sorriso em seu rosto. Finjo não notar os olhos que se demoram mais em Stella, caminhando até ela com uma expressão curiosa.
- Desculpa, qual seu nome? - Pelo menos tenho a desculpa de quase não trabalhar ali para não reconhecê-la. Antes de começar a trabalhar com os garotos, a mulher que ficava na mesa de recepção era diferente.
- Emma. - Responde prontamente, os olhos castanhos tão simpáticos quanto seu sorriso. Os cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo alto, deixando seu rosto ainda mais bonito.
- Onde meu pai foi, Emma? - Pergunto depois de alguns segundos de distração, tornando a encarar seu escritório vazio.
- O senhor está no andar de baixo, em uma reunião, eu creio.
- Ah. - Não consigo formular uma frase, a sensação de desconfiança crescendo em meu estômago - Obrigada.
Estou a meio caminho na direção do meu escritório quando Stella me chama.
- ? - Me volto para olhar para ela, esperando - Quando a decoradora chegar, você pode vir dar uma opinião?
- Claro. - Sorrio para Stella antes de entrar no escritório e colocar a bolsa perto da minha mesa, ligando o computador com as vistas cansadas. Não devia ter largado o copo de café pela metade, mas também não queria pedir que me arrumassem outro.
Pego o celular com um sorrisinho no rosto, sabendo que ela não ia gostar nada disso, e abro o aplicativo de mensagens.

Bom dia!!! Já chegou no trabalho?

Riley me responde meio minuto depois.

Claro que sim. Sou a personificação da pontualidade!
A senhora planeja aparecer hoje?


Abro um sorrisinho, balançando a cabeça.

Já estou aqui, na verdade.
O que você acha de me trazer um café? Não quero ser a chefe chata que fica pedindo pelas coisas.


Você já está sendo a chefe chata que fica pedindo pelas coisas. Ou fui promovida? ;)

A diferença é que amo você, Riley.
HAHAHAH. Continue tentando.


Não custa nada sonhar. Te vejo daqui a pouco xx

Por volta de quinze minutos depois, Riley dá dois toques na minha porta, o cabelo cinza preso em um coque alto, a franja quase tocando seus olhos. Ela veste um vestido preto longo, largo demais para o seu corpo, mas acho que faz parte do charme. Debaixo do braço da jaqueta jeans, carrega uma espécie de caderno que tenho quase certeza que é seu planner, e nas mãos trás uma embalagem descartável com dois cafés grandes e seu celular.
- Sua aparência é extremamente funcional e estilosa. - Elogio quando ela me entrega o café, arrancando-lhe uma pequena reverência.
- É meu objetivo impressioná-la, senhorita . - Riley diz em um tom pomposo, se sentando em uma das poltronas à minha frente - Tenho uma lista de assuntos que queria discutir com você hoje.
- Eu temi que fosse isso no segundo que vi o planner e as folhas de papel debaixo do seu braço. - Solto um suspiro derrotado - Pode mandar.
Riley pigarreia dramaticamente, abrindo uma das folhas de papel na mão enquanto bebo o café.
- foi carregado bêbado para fora de algum bar no centro, temos uns dois novos rumores de que ele está prestes a ir para a reabilitação, mais um rumor de que terminou com a namorada, fez uma piada de mau gosto em frente as câmeras, sim, de novo, e publicaram uma notícia falando que sempre sai com essa cara de bosta nas ruas porque a namorada dele é essa mulher superocupada que não lhe dá uma boa transa. - Diz em um único fôlego, soltando uma risada no final.
- Uau. - É tudo que digo, tentando não sorrir.
- Uau. - Riley concorda, deixando o silêncio pairar entre nós por um momento. - Quero dizer, eu sei que você é superocupada, mas realmente não consegue achar um tempo para, sei lá, bater umazinha pra ele?
Reviro os olhos para ela, bebendo do café mais uma vez para esconder meu sorriso.
- Se os rumores de reabilitação forem mesmo sérios, podemos publicar uma nota desmentindo. De outra forma acho que seria melhor ignorar, você sabe, não dar importância para algo que não é importante. - Falo com calma, anotando a sugestão no bloco de notas que ficava sobre a mesa. - Pensei em pedir lá embaixo, nas mídias sociais, para fazerem piada com a situação. Você sabe, “em qual dia da semana o vai precisar ser carregado para casa hoje?” e criar uma enquete no twitter. Entreter o público. Etc. - Ela me olha com atenção, esperando que eu reaja.
- Bem menos sério do que soltar uma nota oficial. - Concordo depois de ponderar por alguns segundos - Mas espere para ver a magnitude de tudo isso antes de falar com alguém.
- Agora, sobre os rumores do … Não é só isso.
- Não? - Finjo desinteresse, mantendo os olhos na aba em branco do computador.
Riley coloca as outras duas folhas na minha mesa, quase cautelosa. Em uma das imagens, estamos sentados no restaurante em Los Angeles, rindo, o momento parecendo muito mais íntimo capturado naquele momento. Na segunda, e eu nos encarávamos na sala de espera do aeroporto, as outras pessoas na foto distraídas com outras coisas. As imagens eram mais oportunas do que significativas.
- Acham que ele terminou com a namorada para viver uma espécie de romance sórdido com você. - Ela tenta fazer piada, mas sinto seus olhos em mim, atentos, esperando que eu confirme ou negue.
- Eles não cansam dessa história? Parecem se esquecer que eu praticamente moro com o . - Coloco as fotos na mesa, de repente enjoada de olhar para elas, de mentir para Riley.
- Acho que vocês não eram vistos juntos. Aí agora são bons amigos, e as pessoas imaginam as coisas. - Ela dá de ombros - O que vamos fazer?
- Diga para o ligar para a namorada dele.
- Nós vamos ficar voando ela pelo mundo todo sempre que surgir alguma coisa?
Solto um suspiro cansado.
- Você tem uma ideia melhor?
Riley fica em silêncio por alguns segundos, pensando. Suspira, por fim, e pega as fotos em cima da minha mesa, embolando-as e tentando acertar na lata de lixo.
- Eu odeio essas revistas idiotas. - Resmunga.
- Quanto ao , faça com que ele se retrate com o público e qualquer pessoa que ele tenha ofendido, e pelo amor de Deus, peça que ele pare de fazer merda antes que eu tenha que mantê-lo trancado dentro de casa vinte e quatro horas por dia. - Fecho os olhos com impaciência, segurando o vidro da mesa.
- Ótimo. - Riley leva mais alguns segundos para anotar - E quanto ao ?
Abro um sorriso.
- O que você acha de fazer uma ligação ameaçadora para o The Sun?
Ela se apressa para desbloquear o celular, toda sorrisos, e procura pelo número do jornal na agenda de contatos, me lançando um olhar engraçado.
- Eu te adoro.
- Eu sei.
Riley se levanta da poltrona em um gesto dramático, erguendo as sobrancelhas na minha direção, e quando alguém finalmente atende, ela força uma expressão séria.
- Bom dia. Eu falo com a redação do The Sun? Eu gostaria de falar com o editor chefe a respeito de uma matéria publicada essa semana. Claro, eu posso aguardar. - Ela faz uma pausa, sorrindo mais uma vez, e coloca uma das mãos na cintura - Olá senhor Gallagher, meu nome é Riley Cox e eu falo em nome da & Associates. Estou ligando a respeito de uma matéria publicada no dia 16, em que se referem a um de nossos clientes e uma de nossas funcionárias com extremo mau gosto. Eu gostaria de informá-lo, senhor Gallagher, que a & Associates não tolera difamação das pessoas ligadas a ela, e esperamos que tenham a decência de se retratar antes que tenhamos que tomar medidas legais para isso. Tenha um bom dia, senhor Gallagher.
Ela desliga o telefone, me lançando um olhar curioso.
- E então?
- Você poderia ter sido menos repetitiva com o “Sr. Gallagher”. O nome dele é Tony. - Seguro uma risada - Fora isso, você foi ótima.
Ela faz outra reverência, sorrindo, e lança os olhos na minha direção.
- Escola de Ligações Intimidadoras, à seu dispor.
Ainda estou rindo quando Stella bate na porta, animada, e me chama para o seu escritório. Quando Riley e eu entramos, a decoradora se vira, de aparência jovem e sorriso simpático.
- Mia, essa é minha irmã, . Essa é Riley. - Ela faz um aceno com a cabeça, ainda sorrindo e olha sobre nossos ombros um segundo depois - Ah, esse é nosso irmão, o Matthew.
- Olá.
- Uau. - Mia solta uma risada nervosa - É um público bem grande.
- Sou uma pessoa que gosta de opiniões. - Stella diz como se aquele fosse o fim da discussão, e Mia começa sua apresentação.

Já é a hora do almoço quando terminamos de ajudar Stella, e só percebo porque meu pai entra no andar, chamando atenção pela parede de vidro lateral do escritório da minha irmã mais nova, que ficava bem de frente para o elevador. Ele tem uma expressão bem humorada no rosto, abrindo a porta da sala onde estamos e acenando para mim e para Matt. Riley pede licença antes de se afastar, cumprimentando-o com um aceno de cabeça.
- O que vocês acham de almoçarmos juntos hoje? - Ele fala baixo, ainda estranhamente bem-humorado, como se estivesse se esforçando bastante para aquilo.
Hesito antes de responder, encarando meu irmão em expectativa.
- Eu… Hã… - Matt gagueja, não se esforçando para esconder que tentava se livrar da oportunidade - Eu tenho…
- Emma? - Meu pai chama em voz alta, calando a boca de Mia e Stella, que ainda discutiam sobre os arranjos de flores.
- Sim, senhor ?
- Faça o favor de limpar a agenda de Matthew pelo dia. Na verdade, faça o favor de limpar a agenda de todos os três. Temos assuntos para tratar. - Diz como se fosse o fim da discussão. - Claro, senhor .


The Square Restaurant, Mayfair, Londres

A decoração apaziguante em tons marrons do The Square não fazia nada para me apaziguar de estar participando daquele almoço. Quando Robert pede uma mesa para quatro ao maître, sinto que nos agrupamos atrás dele como coelhinhos assustados, meu estômago revirando, os óculos escuros que eram a única proteção para minha expressão contrariada indo parar no topo da minha cabeça.
Matthew se senta ao meu lado, a expressão tão impassível quanto sua postura, embora rígida demais. Tento relaxar, mas Stella parece a única ao menos confortável naquela situação, sempre com sua mania de ver o melhor nas pessoas.
- Vamos querer a o almoço tradicional de três pratos, por favor. E Romanèe-Conti para acompanhar.
Tento manter a expressão neutra para o pedido. Além de ser os olhos da cara, custando cerca de cem libras por refeição, o menu tradicional incluía dois tipos de peixes superestimados e filé de cordeiro, nenhuma das coisas que eu imaginava caindo bem no meu estômago. Se ele tivesse ao menos nos deixado escolher, penso com raiva, engolindo em seco.
O garçom se retira, parecendo um pouco surpreso com a escolha do vinho, mas meu pai está muito distraído com seu celular para perceber. Ele responde alguns e-mails antes de finalmente bloquear o aparelho e colocá-lo no bolso, sorrindo para nós.
- E então? Como vão as coisas?
- Estou puxando algumas matérias para os próximos meses, acho que vou acabar me formando mais cedo. - Stella se prontifica a falar primeiro, como sempre fazia para salvar a mim e a Matt - Por isso estava decorando o escritório hoje.
- Isso é ótimo, Ella. - Meu pai faz um aceno de cabeça, como se para reafirmar que era realmente ótimo - Você tem previsão de quando vai estar trabalhando conosco?
- Entre seis meses e um ano. Depende de como vou me sair na faculdade.
Robert acena mais uma vez, e bebe um pouco da taça de água que nos foi servida, atencioso.
- ?
Inspiro profundamente, entrando em modo -de-negócios, que era sempre a que meu pai estava interessado. Ele nunca perguntava “como estão as coisas” querendo saber do nosso dia. Robert não poderia se interessar menos por qualquer coisa que acontecesse em nossas vidas - quando perguntava como as coisas estavam indo, ele falava negócios. Como as coisas estavam indo na sua empresa, no seu nome, na sua marca.
- Alguns rumores incômodos, como sempre, mas Riley já encontrou uma maneira de lidar com eles. - Tento dispensar sua atenção o mais rápido possível, mas o nome de Riley o faz voltar o olhar para mim.
- Riley encontrou? - Ecoa, como se não tivesse ouvido direito.
Praticamente sinto Matt ficar tenso ao meu lado.
- Eu ajudei.
- Ajudou?
- Sim, ela foi ao meu escritório mais cedo e…
- Pensei que ela trabalhasse para você, e não o contrário, . - Me corta em um tom calmo, com apenas um toque de desapontamento. Ele não iria dizer que estava desapontado, é claro, mas deixava aberto para interpretação.
- Eu mandei que ela fizesse. - Reformulo como ele queria ouvir, as mãos tremendo.
Nosso primeiro prato é servido, o filé de Turbot parecendo muito apetitoso acompanhado da salada, mas não o toco. O garçom nos serve o vinho tinto enquanto ficamos em silêncio, e a expressão de Stella é bem óbvia em relação à bebida - quase havia me esquecido que ela gostava de vinho tanto quanto eu. Quando o homem parte, Robert ajeita o guardanapo no colo, puxando a faca e o garfo de peixe do meio dos outros dois talheres, as sobrancelhas erguidas.
- E então? Que rumores são esses? Como você mandou que Riley lidasse com eles?
Como um pedaço do peixe, como uma desculpa para ter que demorar mais a responder, mas eu só podia mastigar um certo número de vezes antes que ficasse constrangedor.
- De que está prestes a ir para a reabilitação. - Bebo um longo gole do vinho, o gosto forte dançando na boca, e sinto os olhos de meu irmão em mim - terminou com a namorada. Uma matéria de mau gosto no The Sun. Nada de novo.
- As providências?
- Nós conversamos sobre fazer piada sobre o assunto envolvendo o . Uma nota oficial parecia sério demais, como se estivéssemos dando mais importância para o assunto do que ele merece.
- ? ? - Ele pergunta sem sequer erguer os olhos do prato, comendo o peixe com tanta elegância quanto ele queria demonstrar. Tenho vontade de cruzar a mesa e enfiar minha faca de peixe na sua mão.
- Vamos ver se a Camille está fora do país, para fazerem uma aparição juntos. - Faço uma longa pausa, confusa, e pouso os talheres quando percebo - Eu nunca disse que a matéria no The Sun era sobre o .>
Ele para de cortar o peixe, ainda sem olhar para mim, e bebe um gole do vinho antes de me dar sua atenção.
- Eu li a matéria.
Tenho vontade de vomitar minha parte do almoço em cima da mesa.
- Bem como disse, uma matéria de mau gosto. - Matt tenta dar o assunto por encerrado, bebendo da sua própria taça, embora eu soubesse que ele não era um dos maiores fãs de vinho, e coloca o braço sobre minha cadeira.
- O que você fez quanto a isso? - Matthew poderia muito bem não ter falado nada no que preocupava nosso pai.
- Pedi uma retratação. - Minto, deixando o nome de Riley de fora - Como você faria.
Ele assente, satisfeito, e bebe outro gole. Solto um suspiro que nem sabia que estava segurando, aliviada, crente que seria a vez de Matt enfrentá-lo, mas Robert coloca a taça sobre a mesa e me olha com atenção.
- Você irá ligar para a senhorita Cox, e pedir para que ela cancele toda essa piada que vocês planejaram. - Ele praticamente cospe as palavras - Diga para que ela emita uma nota oficial. Nós não trabalhos com brincadeiras, , pelo amor de Deus. Nós trabalhamos para a rainha. Não tomei você como tão incapaz de lidar com as coisas à altura da nossa empresa.
- Você trabalha para a rainha. - Falo imediatamente, sem pensar, e me arrependo tão logo ele ergue os olhos para mim novamente.
- Faça a ligação. - Manda.
Não. Eles não são seus clientes, são meus. Não digo o que você tem que fazer com os Windsor, não me diga o que tenho que fazer com o meu trabalho. Se quer tanto lidar com as coisas do seu jeito, por que não os coloca no seu portfólio? É claro que não digo nenhuma dessas palavras. Fico sentada ali, em silêncio, me sentindo pequena e estúpida.
Quando ele se vira para Matt, me ergo da mesa, a segunda porção de peixe ainda intacta, e saio do restaurante mesmo quando ele chama meu nome com rigidez.
Considero não fazer o que ele mandou. Considero simplesmente ignorá-lo e lidar com as coisas do meu jeito - depois que fosse publicado nas redes sociais, não haveria nada que ele pudesse fazer, mas não o faço. Ao invés disso, pego o telefone, pedindo um táxi e ligando para Riley em seguida. Quando peço que ela emita a nota oficial, ela parece decepcionada. Não preciso de mais ninguém decepcionado comigo hoje, Riley. Penso com raiva, desligando sem qualquer explicação.

Quando o táxi finalmente chega, hesito por alguns segundos antes de dar um diferente endereço em Primrose Hill. A casa era simples e elegante, como eu esperava dele, e me sinto tão levemente surpresa quanto depois que abre o portão para mim e me encontra na porta.
- Oi. Você está bem? - Ele dá espaço para que eu entre na sala de conceito aberto, a expressão preocupada.
- Você tem algo para beber? Qualquer coisa com álcool.
- Não acha que é um pouco cedo? - Ele ri, ainda incerto entre parecer nervoso e simpático - Pensei que você trabalhasse quando não está conosco.
- Sempre é cinco da tarde em algum lugar. - Dou de ombros, evitando seus olhos - Minha agenda está livre pelo resto do dia.
assente brevemente, caminhando até a cozinha e abrindo a geladeira.
- Você está sozinho? - Pergunto depois de um momento, olhando ao redor.
- Por enquanto. - responde com cuidado, abrindo o fardo de cerveja para retirar as garrafas - Camille está em Paris e ficou de vir aqui mais tarde. Você tem certeza que quer cerveja?
Dou de ombros, estendendo a mão em sua direção. Quando me entrega a garrafa de cerveja, observa minha expressão atentamente, mas abro a tampa e tomo um gole sem dizer nada. Quase cuspo o líquido nele.
- Isso é nojento.
- Estou sem vinho caro no momento. - ri, me fazendo balançar a cabeça, mas não respondo nada. O que eu estava fazendo ali? - , você está bem? - O apelido soa quase sujo na sua boca, como se fosse uma traição muito maior do que o beijo que trocamos em Los Angeles - Você parece prestes a chorar. É o ?
Ignoro o tom de riso em sua voz.
- Eu não choro por garotos. - O garanto, bebendo outro gole da cerveja - Nem vi o esses dias, para ser honesta. - Espero um momento antes de falar o que aconteceu; não queria fazer de alguém em quem eu pudesse me apoiar - Na verdade, eu fui convocada para um almoço com meu pai. No The Square e tudo isso.
Ele abre um sorriso, o quadril escorado na bancada de pedra.
- Você deve ser importante.
Bebo o resto da garrafa de cerveja, colocando o vidro vazio sobre a bancada, e mesmo sabendo que poderia muito bem estar prestes a chorar, olho para ele com a expressão firme, as mãos ainda trêmulas. Que se dane.
- Me beije e você verá o quão importante eu sou.
leva apenas meio segundo.

Continua...



Nota da autora: (29/12/2016) sem nota.

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