These flames tonight
Look into my eyes and say you want me too
Like I want you
I got a hunger in me
Noites em Varsóvia são sempre iguais. Eu tinha sido convocado para defender a seleção da Polônia em uma classificatória da próxima Copa do Mundo e o jogo seria aqui, na minha cidade Natal, que eu deixei há alguns anos quando fui contratado para jogar no futebol alemão. Varsóvia nunca deixou de ser minha casa, mas aqui tinham memórias que não me eram muito agradáveis.
Varsóvia tinha um par de olhos azuis. E um dos sorrisos mais encantadores que eu já tinha visto.
Eu nunca havia me desfeito do apartamento que eu tinha no centro da cidade, minha primeira conquista após assinar contrato com o Lech Poznań. Foi para onde eu vim, após desembarcar no aeroporto. O lugar claramente precisava de reformas, mas eu iria pensar nisso em um outro momento.
Deveria me apresentar à concentração apenas amanhã à tarde, o que me dava mais algumas horas de folga até, na minha concepção, ficar preso por alguns dias e então poder voltar para a Alemanha.
Veja bem, não é ingratidão. Muito pelo contrário, eu sou completamente grato pelas oportunidades que a vida me deu e pelas habilidades que eu conquistei com muito treino, mas, na minha cabeça, concentração só serve para aumentar o nervosismo, fazer os ânimos ficarem à flor da pele e, particularmente, não acho legal. Sou da opinião de que liberdade, se usada da forma adequada, alcança muito mais sucessos. Deixa os jogadores se divertirem, encontrarem as famílias, algumas mulheres, beber um pouco. Alivia o stress, acalma a alma, atinge o resultado esperado.
Mas eu não sou treinador, nem dirigente, nem mando em alguma coisa e, por isso, eu me permito a noite de folga. Eu só preciso estar no hotel amanhã à tarde.

Desliguei a televisão pelo controle remoto e caminhei em direção ao quarto onde minha mala estava aberta em cima da cama. Procurei uma calça jeans no fundo da mesma e uma camisa de botões que eu tinha quase certeza que tinha trazido de Munique. De lá, fui para um banho de água e sabão, seguido de um banho de perfume e logo eu estava vestido e pronto para sair.
Só esperava que as noites polonesas continuassem as mesmas.

xxx

Um motorista particular me levou até o bar que eu costumava frequentar antes de me mudar. Era o meu preferido, entre dezenas que Varsóvia tem a oferecer, faltava apenas descobrir se, sete anos depois, ele continuava o mesmo.
A fila ao lado de fora me dizia que não só era o mesmo, como havia melhorado. Quando desci do carro, algumas dezenas de celulares com suas câmeras foram direcionados a mim, mas procurei não me sentir intimidado. Eu devia estar acostumado. Fazia algum tempo que eu não jogava na Polônia, mas eu ainda era o cara que estava batalhando para levar minha seleção para a Rússia no ano seguinte. O polonês que ganhou os campos da Alemanha. Após um sorriso discreto seguido de um aceno, caminhei até a entrada principal do local.
Eu nunca havia falado com o segurança da porta, mas acho que, assim como as pessoas da fila, ele também me reconheceu e simplesmente me deu passagem. De repente estava lá, dentro do bar que eu sempre gostei de frequentar na capital da Polônia, na minha antiga casa. Era quase impossível não sentir dezenas de pares de olhos em cima de mim, mas é isso que acontece quando se ganha na vida.
Tenho que estar na concentração à tarde, então decidi fazer aquilo que me tirou de casa para a noite polaca: beber. Se houvesse ressaca, depois eu me resolvia com o Nawałka.
Cerveja seria fraco demais, optei pelo uísque escocês. Quando o garçom colocou no balcão, virei metade da dose de uma só vez e franzi os olhos enquanto sentia o líquido amargo descer pela minha garganta. Não demorou, virei o que restou e em dois goles, meu copo já estava vazio. Fiz sinal solicitando mais um e, ao tê-lo em mãos, saí caminhando pelo lugar.
Não consegui encontrar o antigo dono pelo local, aquele cara que sempre me colocava nas melhores mesas e cercado das melhores pessoas de Varsóvia. Seja lá quem estivesse responsável pela minha noitada preferida por aqui, havia conseguido manter a essência.
Enquanto bebericava mais um gole de minha bebida, tive a impressão de ver um rosto antigo e muito conhecido por mim pela refração do copo. Abaixei novamente e não encontrei mais ninguém. Talvez eu estivesse ficando louco.
Chegou um momento da noite que as pessoas estavam se jogando em cima de mim. Se fosse há alguns anos, era só escolher umas duas ou três que estavam se colocando à minha disposição e levar embora, mas não naquele momento. Elas não tinham sorrisos encantadores, muito menos olhos azuis.
— .
Ouvi alguém me chamar e colocar a mão no meu ombro de forma gentil. Girei meu corpo e ali encontrei meu porto seguro.
Quando o Borussia Dortmund me contratou, eu vi na Alemanha uma possibilidade de crescimento e visibilidade no meio futebolístico. Eu jogava em um bom time no meu país, mas a tradição polonesa no futebol não chega nem aos pés da alemã e, por isso, juntei minhas coisas e me mudei para o Vale do Ruhr.
Sorte no jogo, azar no amor, eles dizem. Aquela voz amável não fez as malas comigo. Ela também era uma esportista em ascensão no nosso país, não era justo pedir que largasse tudo para me acompanhar. Ela colocou um fim no relacionamento no momento em que eu assinei o contrato com o time de Dortmund.
— .
Respondi assim que nossos olhos se cruzaram. Ela sorriu de forma tímida para mim, devolvi o sorriso e senti o peito estufado como um pombo. Eu tive mulheres no Borussia, eu tenho mulheres em München, e, por mais que seja clichê, nenhuma delas é como a . Que não liga se eu jogo na primeira divisão ou na quarta. Que sofre comigo antes das convocações da seleção. Que larga todos os planos que tem simplesmente para ficar segurando um saco de gelo no meu tornozelo porque eu torci em algum treino. Que faz eu gritar de animação por dentro enquanto escuto ela falar sobre seus planos e sonhos.
Eu nunca amei nenhuma outra mulher do jeito que eu a amo.
— Parabéns… — ela falou, dando um gole em seu suco, sempre saudável, e devo ter feito alguma cara de interrogação — Pelas eliminatórias. Fiquei sabendo que dessa vez existe uma chance real de ir para a Copa.
Concordei com a cabeça, esboçando um sorriso no rosto. Não podia negar que eu estava sendo bom naquilo que estava fazendo.
Por mais que a música no lugar estivesse alta, um silêncio perturbador se instalou entre nós. Eram sete anos sem nos ver. Ela estava mais bonita. Acho que era o cabelo, estava castanho. O azul no olho brilhava cada vez mais, e parecia cada vez mais vivo.
— Eu senti sua falta.
Confessei. Não sei se foram as doses de uísque que me deram uma coragem súbita, mas percebi que o sentimento era recíproco quando ela mordiscou o canudo de seu suco e seus olhos sorriram para mim.
— Você quer ir conversar em algum lugar mais calmo?
Ela sugeriu. Quando dei por mim, estava na calçada com a mulher da minha vida ao meu lado, esperando por um motorista particular.

xxx

Senti o sol invadir meus olhos e resmunguei. Nawałka iria pedir minha cabeça em praça pública. Levei uma mão à cabeça e, com o braço livre, escondi meus olhos. Senti algo se mexer ao meu lado e respirar de forma pesada. estava ao meu lado. Em minha cama. No apartamento que nós vivemos boa parte da nossa história.
Ela estava pacífica, linda, como quem estivesse tendo um sonho bom.
Levantei da cama com cuidado e fui para o banho. Ela continuava na mesma posição. Me arrumei e juntei minhas coisas. Antes de sair, deixei um bilhete em cima do meu travesseiro.
Eu vou voltar.
E nossa história vai continuar de onde parou.

Nota da autora:
Gente, faz quase um ano que escrevi essa one-shot e deixei parada no meu Drive. Quando esse projeto incrível foi anunciado, eu sabia que era hora de tirar a poeira, revisar e finalmente enviar para o conhecimento de vocês. Para quem tem curiosidade, a one-shot é baseada na música Hunger, do Ross Copperman, e é para ficar assim mesmo, praticamente sem fim. Fica a vontade de vocês pensarem no fim.
Espero que tenham gostado e entrem em contato comigo pelo grupo no whatsapp e outras redes sociais. Para ler minhas outras histórias, é só visitar minha página de autora.
Um grande beijo, Liih.



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