Finalizada em: 22/10/2020

Capítulo 1

Era mais uma noite chuvosa em Seattle. Dei-me conta de que horas eram quando decidi olhar o celular após sentir o outro lado da cama vazio. Já se passavam das três da manhã e meu sono simplesmente foi embora. Não me importando muito com a hora, liguei para null, esperando alguma justificativa para não estar na minha casa.
Como esperado, a chamada não foi atendida. Joguei-me na cama e fiquei pensando sobre toda a minha vida, sobre um relacionamento desgastado em que eu estava vivendo, mas que não tinha forças para terminar.
Peguei no sono antes do que esperava. E naquela noite eu tive um sonho bastante estranho. Neste sonho eu me levantei da cama, que não era aquela velha que eu costumava dormir e eu não estava em meu apartamento. Eu estava em um quarto claro e enorme, onde a cama era macia como uma nuvem e mesmo no sonho eu sentia um cheiro de café da manhã que eu nunca tinha sentido em toda a minha vida. Segui o cheiro e encontrei um homem em frente ao fogão, ele com certeza não era null, mas de alguma forma naquele sonho eu o amava.
— Bom dia. — Ele falou amável, assim que me avistou.
— Bom dia. — Respondi, assim que ouvi sua voz. — O café já está pronto?
De alguma forma eu sabia o seu nome. Ele se chamava null. Caminhou até mim com uma xícara enorme de café. Eu me sentei em uma cadeira e ele me deu um leve beijo na testa.
A mesa era linda, com sucos, torradas, bolinhos, tudo o que o café da manhã dá direito em um mundo que obviamente não era meu.
null, você me passa a geleia?
Eu estava me sentindo muito à vontade ao seu lado, de forma que aquele silêncio entre nós dois era extremamente confortável.
— Isso está ótimo, null. — Comentei, mordendo a torrada. Aquele sonho era muito palpável, real de alguma forma. Eu sentia tudo, o gosto da comida, as borboletas no estômago e seu toque quando ele pôs sua mão sobre a minha.
— Qualquer coisa por você. — Ele respondeu.
— Ei, null, acorda. — Eu senti mãos me balançando levemente. Abri os olhos e a vida real tomou conta de tudo rapidamente. A cama era péssima, o papel de parede estava descolado nas laterais e eu teria que preparar meu próprio café da manhã.
null? — Respondi sonolenta. Eu ainda tinha a sensação do sonho, o rosto daquele homem que o nome eu já havia esquecido ainda estava em minha cabeça.
Sentei-me na cama tentando prestar atenção no que ele tinha a falar enquanto me lembrava do bolo que recebi na noite anterior.
— Desculpa por não ter aparecido ontem, você sabe como estão as coisas. — Foi exatamente isso que ele me falou, como se aquilo clareasse algo em minha cabeça.
— Não sei, já que você não me conta mais como as coisas estão. — Respondi, me levantando e caminhando até o banheiro que ficou com a porta entreaberta.
— Alguém acordou de mal humor. — Ele enfiou a cabeça para dentro do cômodo enquanto eu escovava os dentes.
— Na verdade não. — Respondi com a boca cheia de espuma da pasta de dente.
null null e eu nos conhecemos no último ano da faculdade, eu fazia Artes enquanto ele fazia Medicina. Na verdade, éramos completos opostos. Ele era do tipo que estudava em escolas caras e entrava na faculdade com bolsa de esporte, enquanto eu tinha que ralar para ser a melhor aluna e conseguir ter um futuro descente.
Ele vinha de uma família bastante rica, enquanto eu tinha uma condição menos favorável. No entanto, nunca passei fome nem nada do tipo, mas nunca tive o luxo que ele estava acostumado.
— Você deveria mudar de apartamento, esse está horrível. — Ele comentou, olhando a estrutura da minha casa.
— É o que eu consigo pagar. — Comentei, enquanto saia do banheiro.
— Já falei que posso te ajudar com isso. — Ele falou, me abraçando.
— Você não acredita, não é? Que eu vou conseguir vender meus quadros. — null podia parecer preocupado e amoroso, mas eu o conhecia bem como o oportunista que era, do tipo que achava que tudo se resolvia com dinheiro, é verdade que o dinheiro facilitava muito as coisas, mas quando o dinheiro era nosso.
Para mim ele era incrível, e bem diferente de sua mãe que mesmo depois de dois anos não aceitava nosso relacionamento por não estarmos no mesmo “patamar”.
— Eu te acho muito talentosa, mas você sabe que é um mercado complicado. Só queria te dar assistência até você chegar lá. — Ele respondeu, pegando sua pasta.
— Você já vai? — Perguntei.
— Tenho que ir para o hospital. — Ele me deu um selinho. — Mas eu prometo que essa noite eu venho.
O que eu poderia fazer? Ele já tinha me despertado do meu sonho perfeito, e aparentemente veio aqui só pra isso já que os quinze minutos que ele ficou, foram para absolutamente nada.
Peguei um pão que provavelmente estava tempo demais na geladeira, um pouco de manteiga e esse foi meu café da manhã de verdade.


Capítulo 2

O dia passou depressa, já que passei a tarde toda pintando no estúdio, improvisado que eu tinha feito no segundo quarto do meu apartamento. Eu me virava com o dinheiro de algumas artes gráficas que eu fazia para algumas empresas, mas a minha grande paixão era a pintura. Mesmo que ninguém, além de mim mesma, colocasse muitas expectativas nisso, no entanto as minhas próprias já eram o suficiente.
— Trouxe comida chinesa. — null anunciou, assim que entrou pela porta.
Eu saí do estúdio completamente cheia de tinta como de costume. Ele colocou a sacola sobre a mesa o que me deu tempo de olhar para o relógio de parede e percebido que mais uma vez eu havia perdido a noção do tempo. Já passavam das dez da noite e eu sequer tinha parado pra comer, já que foi nesse momento que minha barriga denunciou a fome, fazendo um barulho estrondoso.
Diferente do que foi no meu sonho, meu silêncio com null não era confortável. Era como se nós dois sempre tivéssemos que quebrar alguma barreira.
— Eu acho que vou tomar um banho. — Falei, cerrando os lábios.
As coisas nem sempre foram assim entre nós dois. Acho que é normal que as pessoas amem, se apaixonem e posteriormente se desiludam. Basicamente éramos amigos que transavam e o que nos transformou nisso com certeza foi a interferência de toda a família dele, mesmo que ele insistisse em fechar os olhos para as maldades de sua mãe.
Eu tomei banho o mais rápido que pude e saí com os cabelos ainda úmidos.
— Está caindo o mundo lá fora. — Ele falou, assim que eu apareci na cozinha.
Sentei-me à mesa e ele acompanhou, e assim nos servimos.
— Você vai passar a noite aqui? — Perguntei, tentando mostrar algum interesse.
— Eu queria, mas amanhã tenho que levar minha mãe até o aeroporto. — Ele respondeu, me olhando com um pouco de pena.
— Tudo bem. — Respondi, indiferente.
Terminamos o jantar em completo silêncio. Não um silêncio confortável como aquele de meu sonho, um silêncio chato e um pouco constrangedor.
Quando terminamos de comer, ele retirou a mesa e se sentou a minha frente.
— Nós deveríamos conversar.
— Com toda a certeza. — Concordei.
Eu estava esperando por essa conversa há meses, esperando ele ter a iniciativa de deixar o que temos para trás e seguirmos como amigos, ou de alguma maneira, mudar algumas coisas.
— Você sabe que eu te amo. — Ele falou como se fosse óbvio, mas eu não ouvia aquelas palavras há muito tempo. — Eu sei que as coisas entre nós dois não estão muito boas, mas eu não imagino outra pessoa para passar o resto da minha vida.
— Eu não quero casar com você. — Respondi rapidamente, antes que ele pudesse finalizar. null começou a rir.
— Eu não ia te pedir em casamento. — Ele se recompôs, parecendo um pouco pensativo. — Mas você não quer casar comigo agora, ou não quer casar comigo nunca?
— Não sei... Provavelmente não agora, não sei... — Respondi e ele me beijou levemente.
— Tudo bem. Eu só ia dizer que eu vou tentar me esforçar mais para nos comunicarmos mais. Eu sei que não estou te dando tanta atenção.
null, faz dois meses que a gente não transa. — Comentei indignada.
— Eu sei. — Ele respondeu um pouco culpado. — Você sabe como eu ando sobrecarregado.
— Tudo bem, tentarei ser mais compreensiva. — Falei etérea, colocando a mão sobre a sua.
— Hoje não vai dar, porque eu preciso ir agora. — Ele beijou minha bochecha e pegou sua bolsa. — Eu te amo.
null saiu rapidamente e nem deu tempo de eu reclamar sobre o fato de ele ter ficado comigo por uma hora. Fui até meu quarto e peguei meu laptop, finalizando algumas artes antes do prazo para entregar no dia seguinte. E mais uma noite fui dormir tarde, sozinha em uma cama enorme.

Capítulo 3

Em outra noite, meu sonho foi diferente de tudo o que eu já havia sonhado, tudo naquele fagulho de imaginação me parecia tão palpável. Desde a mobília daquela casa, até os sentimentos e sensações que eu sentia quando via aquele homem a minha frente.
— Por que é sempre na minha casa? — null perguntou, me abraçando e beijando minha testa.
Eu sabia e sempre soube que aquilo era um sonho, eu tinha isso na minha consciência, mas eu queria poder ficar nos braços daquele homem para sempre e não acordar.
Dizem por aí que nossa mente não é capaz de criar um rosto. Que todas as pessoas que apareciam em nossos sonhos já havíamos visto em algum momento de nossas vidas, mesmo que de relance. Eu não sei se é verdade, eu não esqueceria aquele rosto, de maneira alguma ele passaria despercebido por meus olhos.
— Minha casa não é como isso aqui. Estou a uns passos atrás. — Falei, respirando fundo, a fim de conseguir sentir seu perfume com mais intensidade.
— Você é uma artista incrível, você vai ter tudo o que você quiser. Não se esqueça disso.
— Com você falando dessa forma, seria impossível de esquecer. — Pousei a cabeça em seu ombro.
— Eu te amo.
Quando as palavras saíram da boca de null, as borboletas em meu estômago que me acompanhavam em cada minuto de cada sonho se agitaram. Era possível você estar imensuravelmente apaixonada por sua própria imaginação? Era possível que, enquanto você dorme, seu corpo crie estímulos físicos e emocionais tão reais a ponto de você questionar absolutamente tudo na sua vida real?
— Eu também te amo.
As palavras escaparam de minha boca naturalmente, e naquele lapso imaginário eu realmente sentia aquilo. Ou talvez eu amasse a idealização da vida perfeita que aqueles sonhos representavam. Algo que estava completamente fora de meu alcance. Mas seus braços em volta de minha cintura, seus olhos fixos nos meus, seu abdômen colado aos meus peitos e seu cheiro que eu não podia explicar, esse conjunto todo fazia meu coração bater mais forte, minhas pernas ficarem bambas e a sensação de viver aquilo por pouquíssimos minutos do meu dia era desesperador. E era no momento em que eu acordava que meu pesadelo começava.
De longe pude ouvir o toque de um celular, mas null parecia alheio aquilo tudo. Seu rosto sereno continuava o mesmo, me observando com muita paz.
— Você não está ouvindo? — Perguntei. null aparentou estar confuso.
— O quê, null?
E, novamente, eu estava acordada na minha cama, frustrada enquanto via aquele papel de parede descolado. Peguei o celular que gritava ao meu lado e é claro que era uma ligação de null.
— Oi. — Respondi.
— Oi, te acordei? — Olhei o relógio e revirei os olhos.
— Sim, null, nem todos têm o hábito de acordar às cinco e meia da manhã.
— Desculpa. — Ele suspirou. — É que minha mãe está saindo de viagem hoje e volta amanhã. Ela te convidou para um jantar.
Todo o sono se esvaiu do meu corpo e me sentei bruscamente na cama, talvez null tenha percebido já que perguntou se estava tudo bem.
— O que você falou para ela? — Eu obviamente tinha que perguntar, em todos aqueles anos ela jamais quis um contato comigo sequer. Chegava a cruzar a rua para não ter que passar ao meu lado.
— Nada, eu juro. — null respondeu, suplicante. — Ela só mandou eu te chamar. Amanhã ás oito na minha casa.
— Eu não sei se é uma boa ideia.
— Se você espera que as coisas voltem a dar certo entre nós dois, você deveria tentar. — Esse era o problema, eu definitivamente não tinha certeza do que eu queria. — Você prometeu ser compreensiva.
— Tudo bem. — Respondi. — Mas...
— Mas se ela for uma vadia você vai levantar e ir embora? — null perguntou, humorado.
— Não, se ela for uma vadia, eu vou ser mais vadia que ela. — Ele riu divertido.
— Eu te apoio.
Foi tudo o que ele respondeu antes de desligar. Deitei na cama novamente, eu juro que eu queria ficar preocupada, mas era null que estava na minha cabeça ainda. Como eu poderia pensar em alguém que eu sequer conhecia, que eu sequer sabia se existia?
Abri o notebook que estava ao meu lado na cama e comecei a pesquisar seu nome em todos os lugares da internet. O que eu deveria saber que não daria certo, já que saber somente o primeiro nome de alguém em um mundo com quase oito bilhões de pessoas era saber absolutamente nada.
Dei-me por vencida e voltei a desligar o computador. Estava disposta a voltar a dormir e viver um pouco mais da vida perfeita que minha cabeça criava. Onde havia um homem atencioso, cheiroso, forte e extremamente bonito me esperando.
O sono voltou mais rápido do que eu poderia imaginar. E novamente eu me sentia minhas mãos envoltas por mãos grandes e firmes. Lá estava null, me observando com um sorriso satisfeito em seus lábios.
— É estranho que eu tenha o mesmo sonho inúmeras vezes. — Falei e null franziu sua sobrancelha.
— Você está tendo sonhos estranhos? — Ele perguntou, interessado, é claro que eu vou falar pro meu sonho que ele é um sonho e ele vai entender...
Ainda assim, aquele lugar era tão real que era difícil que eu não ficasse confusa com tudo aquilo, enquanto eu estava lá me questionava inúmeras vezes se aquilo era de fato, fruto da minha imaginação.
— Esquece! Nada com o que se preocupar. — Eu o abracei e juntei meus lábios aos dele.
— Acho que a gente podia sair uma hora dessas. — Ele ponderou. — Só nós dois, pra qualquer lugar.
A ideia daquilo me deixa extasiada, mesmo que fosse difícil assimilar que aquilo não era real, eu me deixaria viver aquilo, pelo menos enquanto durasse. Se na minha vida real aquilo não era possível, eu tornaria aquilo ali a minha dose de felicidade diária.
— Eu iria pra qualquer lugar que você fosse null. — De alguma forma, eu vi seu sorriso crescer mais alguns milímetros. — Eu queria que isso aqui fosse pra sempre.
— E pode ser. Só depende de você.
Acordei rapidamente, não sabendo o que aquilo podia significar. Não conseguia assimilar o que dependia de mim. Era confuso, aquilo era um sonho. Não havia ninguém, nenhuma ciência que explicaria o fato de eu me apaixonar por uma ilusão.
Assim que me levantei da cama me vesti para sair, eu não podia ficar esperando a noite chegar para quem sabe voltar a ver aquela pessoa que eu sequer conhecia. Mesmo que eu já estivesse acostumada a ficar sozinha, já que null não passa mais de sessenta minutos comigo por dia, aquilo não deixava as coisas mais fáceis.

Capítulo 4

Próximo ao meio dia, eu estava no centro de Seattle e tinha aproveitado o pouquinho do dinheiro que havia sobrado da semana para comprar algumas latas de tinta para que eu pudesse me livrar daquele papel de parede rasgado em frente a minha cama.
Meu celular começou a tocar enquanto eu chamava por um Uber, já que seria difícil levar três latas de tintas no transporte público e o frete para entregar era caro demais para mim.
— Oi. — Respondi.
— Oi, null. — null respondeu, animado. — Estou com a tarde livre e estava pensando em sair pra almoçar com você.
— Ótima ideia. — Repliquei. — Estou a duas quadras do hospital, aqui em frente à loja de tintas.
— A caminho. — Foi tudo o que ele falou antes de desligar.
Dessa forma eu economizaria o dinheiro do Uber e com toda a certeza null faria questão de pagar o meu almoço e me levaria até minha casa depois.
Ele chegou com seu carro esportivo e ficou levemente espantado com as latas imensas de tinta que havia em minha frente. Ele desceu e se aproximou me dando um selinho rápido antes de finalmente desembuchar suas amáveis colocações.
— Eu achei que você tivesse vindo comprar tinta para as telas. — null abriu o porta-malas, colocando as latas ali.
— Eu cansei daqueles papeis de paredes horríveis no meu apartamento, por isso decidi que vou pintá-lo. — Respondi, alcançando a ultima lata a ele.
— Você sabe que eu ficaria muito feliz em pagar um apartamento melhor pra você, null. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
— E você sabe que isso não me deixaria feliz. — Respondi, antes de juntar meus lábios aos dele.
— Nós moramos em Seattle, é tudo muito úmido, vai demorar dias para secar.
— Eu vou sobreviver. — Respondi e entrei no carro rapidamente.
— Escuta, null. — null me olhou de canto de olhos enquanto dirigia para um restaurante qualquer. — Minha mãe quer ir ao SkyCity amanhã.
— SkyCity? Você ta falando do restaurante giratório do Space Needle? Eu nem tenho roupa para isso.
Eu ainda não sabia onde estava com a cabeça quando decidi aceitar aquele convite. Era óbvio que aquela mulher ia me testar de todas as formas possíveis.
— Nós compramos, não se preocupa. Me fala a loja que eu te levo lá depois do almoço. — null segurou minha mão.
Era estranha a sensação de parecer estar enganando ele o tempo todo, ele estava se esforçando para que nós dois déssemos certo. Eu sentia que aquilo não seria o meu “felizes para sempre”, ou mesmo que aquilo tivesse algum concerto.
null, eu gastei meu último dinheiro nessas latas de tinta, eu só tenho o dinheiro para o apartamento agora. Desculpa.
— Eu pago! — Ele respondeu prontamente antes de vislumbrar o meu olhar não tão contente. — Tudo bem, eu te empresto o dinheiro e você vai me pagando conforme sua condição vai permitindo. Pode ser?
— Perfeito. — Respondi um pouco mais satisfeita.
O restante do meu dia foi basicamente almoçar em silêncio, visitar algumas lojas com null e descobrir que ele tinha mais opinião para moda do que eu e finalmente estar em casa.
Comecei o trabalho de arrancar todo aquele papel de parede antes de ir dormir. Aquele pedaço rasgado que me encarava toda vez que eu acordava já não estava mais ali, eu sentia que descontava toda a minha frustração naquele simples ato de puxar aquele pedaço fortemente colocado naquele apartamento completamente úmido.
Assim que vislumbrei meu quarto em paredes com madeiras um pouco desgastadas com o tempo eu me senti satisfeita, aquela tinta sem odor faria uma grande diferença naquele cômodo.
Tomei um banho antes de finalmente cair na cama, tudo o que eu queria era mais um sonho com aqueles que eu havia tendo. Deitei com os cabelos molhados e comecei a encarar o teto idealizando como a vida deveria ser mais fácil quando você convive com pessoas que você ama e quer estar junto.
Peguei no sono rapidamente e lá estava ele, null me olhando da porta do banheiro com um sorriso singelo em seus lábios enquanto eu escovava o cabelo.
— O que foi? — Perguntei o mirando através do reflexo do espelho.
— Eu já disse o quanto sou sortudo por ter você? — Ele questionou, se colocando atrás de mim e me abraçando. — Eu queria ter você aqui cada minuto dos meus dias.
Me virei para ele e o beijei. Eu sentia mais verdade em seu toque tão delicado, tão cuidadoso, com tanto respeito que eu jamais senti com ninguém que de verdade, estava ali comigo.
— Você parece preocupada. — null ponderou me observando.
— Eu tenho um jantar importante amanhã. Eu sinto que o meu destino vai ser definitivamente traçado de acordo com o resultado deste jantar. — Falei, caminhando para fora daquele banheiro e entrando em seu quarto que dava o tamanho de todo o meu apartamento.
— Você é uma mulher forte, você não pode definir sua vida com base em um jantar null, independente do que acontecer, não vai definir você neste momento e nem no futuro.
— É fácil falar. — Me dei por vencida, me sentando na cama. — Eu queria que você estivesse lá.
— Se você me falar onde é, talvez eu apareça. — null perguntou, enquanto enchia duas taças com vinho.
— Amanhã. Space Needle. Oito da noite. — Falei, o olhando desconfiada e ele finalmente me entregou aquela taça. — Nossa isso é bom.
Falei me referindo ao vinho, null sorriu levemente e se sentou ao meu lado da cama.
— A melhor bebida para a mulher que me faz o homem mais feliz nesse mundo.
A diferença de literalmente viver um sonho é que você não precisa se limitar para nada, aquilo é você criando coisas para você mesmo, a fim de poder fugir um pouco da sua própria realidade frustrante.
E por isso eu tirei aquele cristal da mão de null e coloquei ambas as taças em cima do aparador que havia ali. Ele me olhou um pouco confuso enquanto eu caminhava em sua direção e passava as pernas ao redor de sua cintura enquanto ele ainda estava sentado na cama.
Ele tinha um sorriso travesso em seus lábios, quando eu posei minhas mãos em seu rosto e tomei sua boca com tanto desejo que demorou alguns segundos para ele entrar no ritmo. Eu tirei sua camisa rapidamente e admirei aquele homem enquanto aproveitava a sensação de finalmente me sentir desejada.
null passou seu polegar por minha bochecha e respirou fundo, seus olhos estavam mais escuros e sua testa um pouco franzida. Podia sentir algo ficando um pouco diferente dentro de suas calças enquanto eu ainda estava sentada sob seu colo.
— Acho que a gente não deveria fazer isso hoje, null. — null pronunciou aquilo um pouco derrotado.
Levantei-me rapidamente de cima dele, andei até o aparador e virei o resto do vinho que havia naquela taça.
— Desculpa. — Falei sem poder olhar para ele. Bom, parece que é possível se sentir envergonhada do seu próprio sonho.
— Você não precisa se desculpar. — Ele andou até eu e me virou para ele, me abraçando. — Eu quero isso até mais do que você, eu aposto.
null sorriu, brincalhão, juntando nossos lábios e esses foram os últimos toques que eu senti null aquela noite, já que meu celular despertou na manhã seguinte.

Capítulo 5

Aquele fora um daqueles dias que passa extremamente rápido, pois você quer que ele passe devagar. No fim das contas, viria bem a calhar esse jantar já que eu precisaria de três a quatro horas fora do apartamento para a tinta sem odor, bem, ficar sem odor.
Sentei no chão do meu quarto, observando o aspecto de todo o cômodo e como ele parecia diferente sem aquele papel de parede mofado e destruído do antigo dono. Criei coragem e me levantei rumando para o banheiro para finalmente me arrumar e encontrar a pessoa que mais detestava a minha presença naquela cidade.
No meio do banho meu telefone passou a tocar insistentemente. Eu imaginava que poderia ser null, tão nervoso que me mandou mensagem o dia inteiro com instruções para lidar com a mãe dele. Mas ele não era o tipo de pessoa que persistia nas ligações. Geralmente quando eu não atendia, ele deixava algum recado e esperava que eu retornasse.
Apressei-me para tentar descobrir quem precisava tanto falar comigo, então eu me enrolei na toalha e corri alcançando meu celular. Era um número desconhecido.
— Oi. — Falei prontamente.
— Boa tarde, falo com null Hoffmann? — A voz era feminina e eu com toda a certeza nunca havia ouvido.
— Sim, posso ajudar?
— Eu espero que sim. — Ela respondeu entusiasmada. — Sou Luísa. Luísa null. Eu vi que você está anunciando alguns quadros para venda na internet. Eles são seus?
— Sim. — Respondi rapidamente, aquela era a primeira pessoa em dois meses, desde que eu decidi vender meus quadros, que me ligavam para comprá-los.
— Eu estou redecorando minha casa e eu achei que as suas obras tem tudo a ver com o que estou imaginando. Podemos marcar um horário para eu ir até ao seu local vê-los pessoalmente?
— Claro, é só me avisar quando.
— Daqui uma semana, na próxima quarta-feira. Sou médica e tenho uma conferência em outro estado por isso não posso ir antes. Tudo bem por você?
— Tudo ótimo, na próxima quarta. Estarei te esperando, te mando uma mensagem com o endereço.
Luísa desligou o telefone e eu pude surtar por finalmente ter uma oportunidade com o meu trabalho e estava feliz por ela não querer vir antes de eu terminar a minirreforma no meu apartamento.
Tratei de me arrumar com rapidez enquanto estava eufórica por conta da ligação. Colocava o último brinco e null me mandou uma mensagem avisando que já estava lá em baixo. Dei uma última olhada no espelho, não me reconhecendo já que não era o meu estilo me vestir com roupas de grife para impressionar ninguém, mas me dei por vencido já que aquilo poderia tornar a vida de null mais fácil, ou talvez até a minha sem esses problemas com sogra.
Assim que entrei no carro pude perceber que null parecia muito nervoso, ele me olhou e eu segurei sua mão.
— Vai dar tudo certo. — Falei, aumentando um pouco a pressão da minha mão.
— Você viu a mensagem que te enviei? — Ele perguntou, não dando muita importância ao meu encorajamento, talvez ele tenha percebido que eu tivesse falado aquilo mais para mim mesma do que para ele.
Peguei meu celular para olhar a mensagem da qual ele estava falando, eu abri e fechei a boca algumas vezes na tentativa de formular uma frase.
— Sua mãe decidiu não ir mais ao Space Needle? — Perguntei, tentando fazer com que minha indignação não transparecesse. No mesmo instante lembrei-me do meu último sonho. Aquele que eu havia avisado a null que era lá que eu estaria às oito da noite.
Fiquei indignada comigo mesma por esperar que o homem dos meus sonhos estaria lá, esperando por mim com uma garrafa de espumante e um buquê de flores, mas não seriam quaisquer flores, seriam flores amor-perfeito por serem as minhas preferidas já que me lembravam Alice no País das Maravilhas, ninguém sabia disso, mas null saberia.
— No que você tá pensando? — null perguntou, me olhando de canto de olhos me puxando pra fora dos meus próprios pensamentos.
— Nada, por quê? — Respondi, dando de ombros.
— Porque eu respondi que minha mãe cancelou a reserva do Space Needle porque null chegou hoje da Austrália e preferiu um jantar em casa e você parece não ter ouvido.
— Ouvi, é claro que eu ouvi. — Menti. — Só não achei que eu precisasse falar alguma coisa.
null era a irmã mais nova de null, eu ainda não a conhecia, pois ambos não compartilhavam a mesma mãe, somente o mesmo pai. Ela morava na Austrália e dificilmente visitava null já que a mãe dele não era muito fã dela também.
— Estranho ela ter vindo. — Decidi comentar, já que ainda parecia que null gostaria que eu falasse algo. — Mais estranho ainda sua mãe ter a deixado ficar na sua casa.
— Ela tá ansiosa para te conhecer. — Ele respondeu, finalmente estacionando seu carro em frente à sua enorme casa.
Eu nunca havia passado daquela fase, as vezes que estive ali era para esperar no carro, já que null precisava pegar suas coisas e essas vezes eu podia ver a sua mãe da janela do segundo andar fuzilando todo o seu nojo olhando em minha direção.
Respirei fundo e saí do carro, já que null fez questão de abrir a porta para mim. Às vezes eu sentia pena porque geralmente ninguém escolhe a família que tem.
Ele segurou minha mão e finalmente compartilhávamos o mesmo sentimento: o nervosismo. null abriu a porta e lá estavam as duas aguardando por nós.
null era muito diferente de null, seus cabelos um pouco por cima dos olhos a dava um olhar divertido e ela carregava um sorriso alinhado e sincero em seus lábios. Diferente da mãe dele, aquela mulher que se chamava Susan null, que forçava o sorriso direcionado ao filho, mas eu ainda conseguia sentir toda aquela aversão que ela sentia por mim.
— Oi! — null veio em minha direção e me abraçou fortemente. — É um prazer finalmente te conhecer, eu sou null null... null, null é melhor.
— Oi! — Respondi e respirei aliviada por ter alguém ali que provavelmente não me odiava. — É um prazer, você pode me chamar de null.
Pude voltar a respirar no momento em que ela me soltou. Olhei um pouco ao redor para poder ver a casa ou provavelmente não precisar olhar para aquela mulher que tinha uma taça enorme de vinho nas mãos e me olhava de uma maneira desconfiada.
Lá havia um relógio enorme que marcavam exatamente oito horas, se por algum motivo houvesse um verdadeiro null me esperando, ele esperaria por bastante tempo.
— Olá, Susan. — Estiquei a mão para cumprimentá-la.
É claro que eu não esperava um abraço caloroso como o de null vindo dela, o que eu também não esperava era que Susan fosse alternar a visão da minha mão para meu rosto algumas vezes e responder com um “hum”, virando as costas para todos nós e seguindo para a sala de jantar, sem ao menos encostar sua mão na minha.
Aquele era um bom motivo para eu apenas virar as costas e simplesmente ir embora. Era o que eu deveria ter feito, mas antes que eu pudesse ter qualquer reação, null segurou minha mão e abanou a mão na tentativa de insinuar que eu deveria deixar Susan pra lá.
O jantar foi quase divertido, a comida estava ótima, mesmo que eu tinha razões pra desconfiar que Susan pudesse estar tentando me envenenar. Mas provavelmente era apenas paranoia minha. null era uma pessoa falante, me contou sua vida toda e me incentivava em contar a minha para ela.
— E sua família, null? — Ela perguntou. Nesse momento Susan me olhou com mais atenção, mas ainda assim continuava completamente muda.
— Minha história é bem simples. Meus pais era viciados, fui criada nessas condições até pelo menos meus sete anos quando os dois tiveram uma overdose juntos e a partir daí fui criada por minha avó, que já havia tentado pegar minha guarda antes, mas a justiça não havia cedido já que meus pais eram ótimos em enganar assistentes sociais. Minha avó faleceu no meu último ano da faculdade, ela descobriu um tumor no cérebro e então ela faleceu quatro meses depois. null estava estudando medicina e na residência para neurologia, ele foi muito importante naquele período, não sei se teria conseguido sem ele.
Depois de muito tempo eu havia me lembrado do motivo de eu sentir que devesse tanto a ele. null apertou levemente minha mão que estava sobre a mesa e sorriu afável para mim.
— Eu sinto muito. — null falou aparentemente com pena, mas eu forcei meu melhor sorriso de superação em sua direção.
— Está tudo bem, ela sofreu bastante e depois pôde descansar. Depois disso eu consegui comprar meu apartamento e agora estou tentando crescer como pintora então... Bom, eu estou viva e no final das contas é isso que importa.
Quando eu voltei meu olhar a null, lá estava ele, ajoelhado com um anel enorme na minha frente. Sua mão tremia levemente, seus olhos brilhavam e algumas gotículas de suor eram visíveis em sua testa.
— Só diz que sim. — Ele falou, eu estava com as duas mãos na boca. Eu estava muito surpresa, eu não queria casar com ele, como ele tinha chegado àquela conclusão? Quando eu pensei em negar tudo o que saiu foi um “sim”.
null ria divertida, enquanto Susan ainda bebericava seu vinho alheia a tudo aquilo. Quando null pegou minha mão para colocar o anel eu tremia tanto quanto ele. Eu sabia que eu não deveria ter ficado naquele jantar.

Capítulo 6

Eu basicamente fugi daquela casa com null depois do jantar, parecia que eu ia virar do avesso já que de um lado eu tinha duas pessoas completamente animadas e felizes, no caso null e null e do outro eu tinha uma mulher completamente desgostosa com aquilo tudo, e essa era eu, porque se eu for falar de Susan, não existiriam adjetivos negativos para descrevê-la.
— Parece que eu e sua mãe faremos parte da mesma família agora. — Comentei, já dentro do carro com null.
— Não desista por isso. — Ele falou divertido
Depois que chegamos à minha casa e nos deparamos com as paredes secas e sem odor sorrimos juntos.
— Eu posso me acostumar com isso aqui. — null falou, colocando seu casaco sobre a mesa. — Nós podemos morar aqui depois do casamento, eu sei que esse lugar significa muito pra você.
Aquilo me pegou de surpresa a de alguma forma mágica um pouco do meu arrependimento pareceu ter ido embora. Eu me virei pra ele passei meus braços por seu pescoço.
— Não. Eu posso vender, e compramos juntos um lugar maior. — null me beijou apaixonado e eu fiz o mesmo.
Em tempos que eu não sentia por ele o que eu estava sentindo naquele momento e eu sentia falta daquilo.
Aquela noite transamos como há muito tempo não havíamos feito. Ele estava disposto a suprir todas as minhas necessidades e acabou sendo uma das melhores noites que já havíamos passados juntos.
— Eu estou tão feliz. — Ele falou, me abraçando, enquanto eu passava meu polegar por seu rosto e vislumbrava o quanto aquele homem era desejável.
— Falando em felicidade, hoje uma médica me ligou, talvez você a conheça. Luísa... O sobrenome dela é... — Ponderei por ter esquecido.
null? — null completou com o cenho franzido.
— Isso. Ela me ligou, viu o anuncio dos meus quadros e quer vir até aqui... Ela está redecorando a casa dela.
— Espero que dê certo. — Ele sorriu.
— Ela disse que vai pra uma conferência por isso não consegue vir antes.
— Sim, Luísa é ginecologista, vai ter uma conferência em Columbus e eu fui convidado, mas como tava planejando o convite decidi ficar pra passar mais tempo essa semana com você.
— Você deveria ir, você acaba sua residência em oito meses é importante pra você e para a sua carreira.
— Você tem certeza? — Ele perguntou.
— Absoluta, vai ligar pra quem você tem que ligar porque eu não vou morrer de passar uma semana sozinha.
— Ou você poderia ir comigo.
— Eu preciso arrumar o apartamento e o quarto de pintura para receber a Luísa. O que você acha de seis meses?
— Seis meses? — Ele perguntou estranhando.
— Para o casamento. — Aquela noite não havia qualquer outra pessoa na minha mente, era somente eu e null e a idealização de que uma cerimônia poderia mudar o que estávamos sendo um para o outro.
null abriu a boca e fechou algumas vezes, mas no fim nenhuma palavra foi necessária já que ele sorriu de forma que eu pudesse ver todos os seus dentes e me beijou, eu o afastei com a as mãos em seus ombros antes que ele se jogasse em cima de mim.
— Isso parece perfeito pra mim. — Ele respondeu se levantando.
— Vai fazer sua ligação.
Assim que ele sumiu da minha vista na sacada de tijolos eu peguei no sono rapidamente.
Lá estava null, com sua camisa de botão, sentado em um balcão bebendo uma dose de uísque. E agora, tão rapidamente era apenas o que eu via, ou que eu pensava e o que eu sentia.
— Oi, null. — Coloquei a mão em seu braço e parece que só nesse momento ele notou minha presença.
null, adorei o bolo que você me deu hoje no Space Needle.
null falou sério. Eu tinha me preocupado tanto com aquilo por um tempo que provavelmente estava sentindo a consciência pesada somente no meu sonho.
null... Desculpa. — Foi o que eu consegui falar antes de me largar em seus braços e literalmente começar a chorar.
— Calma. — Ele pareceu desesperado. — Não foi tão grave assim.
É claro que eu não estava chorando por ter dado um bolo naquele homem que sequer existia, eu estava chorando porque sentir os toques de null sobre mim, seus olhos tão astutos observando cada movimento meu fazia com que eu sentisse que não tivesse certeza de null, e com certeza eu não tinha. Acreditava que aquela era minha forma de contribuir para uma relação melhor.
Era como se uma chave tivesse se virado e a minha realidade foi completamente misturada com a realidade que eu havia criada pra mim, eu descobri novamente que eu amava null e uma vida ao seu lado não seria a pior coisa que aconteceria a minha vida e ele ao menos era real, assim como seu amor por mim, ninguém havia ganhado prêmio por viver de ilusão.
Por outro lado, o que eu sentia toda vez que null estava ali, de uma maneira ficcional fazia eu me sentir diferente, única de um jeito que eu jamais imaginaria que alguém pudesse se sentir e quando eu estava com null, tudo o que eu queria era estar com null acordada, de preferência. E quando eu estava com null era impossível não me sentir culpada por null.
— Eu te amo. — Ele falou secando as minhas lágrimas. — Nada vai mudar isso. Você é tudo o que eu sempre sonhei.
Por mais irônico que podia parecer, não tinha nada melhor que isso para ele falar.
— Eu te amo também.
Nossos lábios se juntaram e não demorou muito para que o quarto de null aparecesse magicamente ali.
— Eu não fiz isso. — Comentei rapidamente.
— Relaxa... Fui eu que fiz. — Ele sorriu travesso.
— Mas e aquele lance de esperar?
— Dane-se.
Sua boca voltou a se juntar a minha e antes que pudesse pensar em qualquer coisa, já estávamos ambos, sem roupa alguma. Logo que pude sentir meu ápice chegando, acordei e null dormia tranquilo ao meu lado da cama, tirei sua mão levemente e peguei meu celular.
Pesquisei sobre isso que estava acontecendo e procurando uma resposta plausível para tudo. Encontrei alguns fóruns de pessoas que sonharam uma vez com alguém e se sentiram “apaixonados” por um curto período de tempo, nada era parecido com o que eu estava passando.
Levantei-me e fui até o outro quarto e comecei a desenhar o rosto de null sorrindo para mim, cada vez que terminava um, desenhava outro e isso aconteceu diversas e diversas vezes até eu conseguir ver o sol nascendo pela janela.
Nem vi null entrando, mas quando o percebi, já estava ali em pé ao meu lado me vendo desenhar null.
— O que você está fazendo? — Ele perguntou olhando ao desenho.
— Desenhando.
— Quem é ele? — Ele perguntou, mexendo nas diversas folhas com o mesmo rosto ao meu lado.
Ele não havia perguntado de maneira agressiva, nem mesmo enciumada apenas curioso mesmo.
— Ninguém, uma moça pediu que eu desenhasse seu namorado para presenteá-lo. — Menti. — Já desenhei tantas vezes que nem preciso mais da foto, mas eu termino isso depois.
Peguei os desenhos da mão dele, amassei e joguei na lata de lixo. Beijei sua bochecha e caminhei em direção à saída com a intenção de ir ao banheiro, quando cheguei ao batente da porta pude ouvi-lo falando comigo novamente.
— Você teve um sonho erótico não teve? — Meus olhos se arregalaram no mesmo instante, mas não fiz questão de me virar pra ele. — Eu ouvi você gemer algumas vezes, eu espero que tenha sido comigo.
null falou brincalhão e eu pude ouvir sua risada.
— É claro que foi! Com quem mais seria? — Menti novamente e me odiei por isso.

Capítulo 7

Tomamos café da manhã rapidamente e null foi embora para que pudesse arrumar a mala para a conferência em Columbus. Ele estava ansioso, pois em meses realizaria a última prova para terminar a sua residência e finalmente se tornar atendente no hospital em que trabalhava.
Não pude deixar de fazer, ou pelo menos tentar fazer algumas perguntas sobre Luísa null para conhecer um pouco dela antes de recebê-la na minha casa. No entanto, null não tinha muito que falar a não ser que não eram muito próximos já que eram de especialidades diferentes e a doutora null era casada com alguém um tanto “peculiar”, nas palavras dele.
Dei-me por vencido quando percebi que não tinha jeito, eu teria que descobrir tudo sozinha.
Passei o resto do dia arrumando meu apartamento. Reformei algumas mobílias já que não tinha dinheiro para comprar nova e finalmente no final daquela semana eu já estava completamente satisfeita com o resultado final. null teria uma surpresa quando chegasse, era como estar em um lugar completamente novo. As paredes claras deixavam o ambiente muito mais iluminado e consequentemente aparentavam ser maiores, aproveitei algumas tintas para pintar alguns objetos de várias cores o que deixavam o ambiente divertido e descontraído.
O restante da semana até terça-feira, o dia que null voltaria, eu tinha usado todo o tempo para pintar. Alguns serviços de designer gráfico haviam surgido por isso eu tive algum dinheiro para comprar mais algumas telas. Eu queria ter uma variedade de telas quando doutora null chegasse em meu apartamento e foi o que eu fiz.
Eu havia pelo menos umas quinze obras prontas para esperá-la, de diversos estilos para que ela pudesse levar qualquer ou até mesmo encomendar algo que eu não tivesse pronto.
No meio da tarde de terça-feira decidi descansar para aguardar null e passar algum tempo com ele antes que ele fosse correndo para sua mãe. Desde que havia ficado sozinha, não tinha sonhado com null. Eu acreditava que de alguma forma minha vida estava entrando nos eixos e meu subconsciente decidiu que eu já não precisara mais de uma válvula de escape.
Eu não me sentia assim, mesmo que doa muito falar isso, a falta que eu sentia de um mero sonho era extremamente grande, muito mais do que a falta que eu sentia de null, que de fato, existia.
Toda noite eu pensava em null antes de dormir, para quem sabe meu cérebro se desse por vencido e percebesse que eu ainda precisasse daquilo. Eu vivia um conflito enorme todos os dias por isso. Culpa, eu sentia muita culpa. Mas se me fazia bem e não fazia mal a ninguém, não tinha problema algum que continuasse.
Lá estava eu, pegando no sono no meio de uma sexta-feira chuvosa de Seattle esperando em alguns dias meu noivo voltar de uma conferência médica. Ainda soava estranho... Noivo.
Lá estava eu, no Central Park de Nova York, provavelmente porque eu havia me inspirado em algumas paisagens para uma das minhas últimas obras. Nova York ficava literalmente do outro lado do país, um lugar que eu sequer havia chegado perto. Mas eu estava lá, minha mão com a mão de null enquanto sentávamos em um banco e visualizávamos os primeiros indícios do pôr do sol. O cheiro da grama misturado com o cheiro do carrinho de crepe que estava a alguns metros de distância inundava meu olfato.
null me puxou para um beijo, lento e completamente apaixonado. Aquilo me deixava especialmente feliz, assim que nos afastamos ele segurou meu rosto a passou seu polegar pela minha bochecha sem dizer uma palavra sequer, somente analisando minhas feições.
Decidi analisar todo aquele lugar, afinal, eu não voltaria ali tão em breve. Havia uma árvore enorme com alguém encostado sorrindo pra mim. Eu senti a mão de null soltar da minha, ele já não estava mais ali. Meu coração bateu forte, seu sorriso extremamente branco aumentava na medida em que eu me aproximava.
null estava lá, com seus braços cruzados, esperando que eu me aproximasse. Estando na frente dele, meus olhos se encheram de lágrimas, foi a minha vez de segurar o rosto de alguém e beijar seus lábios que esperavam ansiosamente por um pouco de atenção. Eu o abracei forte, enquanto sua mão espalmava minhas costas me segurando perto.
— Central Park, huh? — Foram as primeiras palavras de null. — Ótimo lugar para um primeiro encontro.
— Eu estava pintando alguns quadros inspirados por aqui, então...
null não deixou terminar de falar antes de me interromper.
— Claro. Era sobre isso que eu queria falar com você. Vai ter uma exposição de obras daqui alguns meses, acho que você deveria se inscrever. Quem tiver o melhor portfólio, sabe... Ganha a posição de obra destaque da noite. — Ele falou animado me puxando para um banco idêntico ao que eu estava sentada com null anteriormente.
— Acho que é muito cedo, eu consegui minha primeira cliente agora. Ela se chama... O nome dela é... — E não havia maneira que me fazia lembrar o nome dela. — Bom, mas enfim, o que eu estou tentando dizer é que é muito cedo, eu não sou tão boa assim.
— Eu sei que são ótimas, mas se você não se sente pronta... Bom, no fim de tudo só você pode tomar essa decisão. Caso mude de ideia, o site que está promovendo essa exposição é o “Galeria Le Merveilleux”.
null me aconchegou no seu abraço enquanto o por do sol era finalmente visível. Eu estava ao lado do homem que eu imensuravelmente amava, mesmo que eu amasse uma imaginação, eu ainda o amava. E sua presença era mais sentida do que as vezes que null decidia passar apenas uma fração de hora comigo.

Capítulo 8

O restante da semana passou vagarosamente de forma que eu pude deixar diversos quadros prontos para esperar a doutora Luísa. Havia um que tinha sido o meu preferido de todos, eu pintara minhas flores preferidas, amor-perfeito, alguns pequenos botões azuis desabrochando coroavam as coloridas flores retratadas. Eu costumava gostar até mesmo dos meus quadros menos agradáveis aos olhos por motivos de: eu sempre aprendia algo com aquilo que não desce certo, talvez a mistura de cores, ângulo de imagem, luz e foco.
null aparecera algumas vezes durante a semana com a desculpa de me fazer provar comidas que ela comprava por toda a Seattle, mas no fundo eu sabia é que ela estava se sentindo sozinha por null estar viajando e sufocada por estar na mesma casa que Susan por tanto tempo. Aquela mulher não gostava muito mais dela do que gostava de mim.
Já era terça-feira, null chegaria aquela noite e Luísa null me visitaria em vinte e quatro horas. Naquele momento me lembrei da última vez que sonhei com null, a mera lembrança de um sonho me fez fechar os olhos e respirar fundo tentando lembrar de cada sensação, cheiro, palavra... Neste momento lembrei sobre a exposição de arte que null havia falado. Percebi que estava delirando de vez quando estava pesquisando “Galeria Le Merveilleux”. Me senti pior quando descobri que o tal ateliê existia e ainda pior quando a grande propaganda com as inscrições abertas para a tal exposição brilhava na tela do meu computador.
Eu estava pronta para abrir o edital e ler as regras tentando me convencer de que eu provavelmente tinha lido em algum lugar e meu sonho projetou null tentando de alguma forma me encorajar. Até meu subconsciente sabia o quanto eu me sabotava.
Antes que eu pudesse começar a ler a campainha tocava incisivamente. Olhei o relógio percebendo que null não deveria chegar naquele horário. Abri a porta dando de cara com uma null molhada e cheia de sacolas.
— Oi. — A cumprimentei surpresa.
— Eu decidi que hoje você vai escolher o que pedir pra comer. Eu esqueço como chove nesse lugar. Sabe, Austrália é quase sempre quente.
Ela tremia da cabeça aos pés. Seu vestido laranja mostrava que com toda a certeza, ela não era de Seattle. Qualquer um que estivesse aqui por mais de dois meses saberia que dificilmente você podia sair de casa sem um guarda-chuva. Fui até meu quarto escolhendo um par de roupas que poderiam servir nela, um conjunto de moletom com um meia quente deveriam ser o suficiente, entreguei a ela junto com uma toalha, ela agradeceu e foi direto ao banheiro.
— O que tem nas sacolas? — Perguntei, em um tom de voz alto para que ela ouvisse lá de dentro.
Ouvi null destrancar a porta e pegar rapidamente a xícara de chá que eu havia deixado pronta em cima da mesa na intenção de deixa-la mais confortável com o frio.
— Eu comprei umas coisinhas para você receber sua primeira cliente amanhã. — null falou orgulhosa. — Tem uns lanchinhos, champagne, sucos, refrigerantes... Não sei de qual ela gosta, então comprei tudo.
Sorri o mais amável que meu rosto permitia, a abracei com força no mesmo instante, esperando que ela captasse todo o meu sentimento de “obrigada por me apoiar sem ganhar nada em troca”.
— Então. — Falei tentando tomar um pouco de ar pelo fato do abraço de null ficar cada vez mais apertado. — Eu terminei minha melhor obra, você quer ver?
null prontamente confirmou, me seguindo até minha sala de produção. O lugar estava lindo, arrumado, todas as tintas dentro do armário. Quadros por todos os lados, formando uma simetria perfeita dentro da sala. Eu tinha tomado cuidado até com o aroma da sala, para deixar tudo da forma mais agradável possível.
null caminhou diretamente para minha pintura preferida. Ela passou a ponta de seus dedos suavemente pela tinta seca, as molduras que tinha me dado com “presente de aniversário adiantado” mesmo que faltassem cinco meses para o mesmo davam o toque final necessário.
— É incrível! — Exclamou. — Se sua cliente não comprar eu faço questão de levar para a Austrália comigo.
Enquanto null parecia eufórica com todas as obras ali presente, aquela maldita exposição não saia da minha mente. Ela pulava de um lado a outro do quarto admirando cada traço de cada quadro ali.
— Não acha? — Ela questionou, enquanto minha cabeça estava a quilômetros de distância dali.
— Desculpa, não escutei. — Respondi.
— Eu estava dizendo que talvez a sua favorita tenha ficado... Não sei, tecnicamente melhor? — Ela falou um pouco insegura. — Mas essa aqui, é a minha favorita, não tenho dúvidas.
null indicava uma obra de uma mulher, seminua coberta apenas por um pedaço de tecido azul, estava sentada em um banco de madeira. Sua perna esquerda sobre o banco enquanto sua mão e seus rosto descansavam sob o joelho levantado. O cenário era escuro, no entanto a personagem retratada aparentava ter uma luz própria.
— Essa é ótima. — Falei orgulhosa. — É sua. Com toda a certeza.
null colocou as duas mãos em frente à boca e sorriu, alguns segundos depois sua aparência mudou totalmente de expressão para um claro desamino.
— Eu não posso aceitar assim, é seu trabalho. — null falou com sensatez.
— Nada me deixaria mais desgostosa se você pagasse. — O sorriso de null retornou ao seu rosto e ela me abraçou.
— Tudo bem, eu vou aceitar desde que você me fale o que te preocupa tanto.
Eu passei mais algumas horas contando a ela tudo sobre a exposição e como minha alma desejava que eu me inscrevesse, mas que meu consciente achava que ainda não era a hora. Obviamente não mencionei null por razões óbvias, ninguém quer uma cunhada maluca. Como esperado, null me incentivou com argumentos válidos. Tão válidos que cinco minutos antes de ela ir embora, minha inscrição estava completamente homologada.
— Temos duas semanas para montar seu portfólio. — null falou já no batente da porta. — Começaremos semana que vem.
Alguns minutos de completa solidão a campainha voltou a tocar. Supus que null podia ter esquecido alguma coisa, mesmo que nenhum de seus pertences estivesse no meu campo de visão. Abri a porta com meu melhor sorriso, que murchou no mesmo momento quando vislumbrei quem de fato, estaria solicitando minha companhia.
Susan null estava ali, com um guarda-chuva enorme ao seu lado. Suas roupas de grife completamente secas em comparações com suas enormes botas de couro que faziam meu estômago revirar, que estavam cobertas por água. Sua expressão estava impassível como sempre, seu cabelo preso em um coque perfeito e seus olhos que me olhavam de cima, com tanta superioridade que quase me fizeram encolher em desagrado.
— Oi, Susan, que surpresa! — Falei rapidamente, antes que ela esbarrasse em meus ombros e entrasse na minha cozinha sem permissão.
— Demorou para aquela fedelha ir embora. — Ela falou em um tom completamente arrogante e arrastado.
— Está falando de null? — Perguntei esperando que aquilo fosse algum tipo de brincadeira, mesmo que no fundo eu tivesse pouca esperança que fosse. — Ela te passou meu endereço, ou foi null?
— Eu a segui, garota estúpida. Você acha que eu quero que alguém saiba que eu estou aqui na sua... Você chama isso de casa? — Susan falou completamente enojada.
— Tudo bem, Susan. Você já deu o seu recado, já pode ir embora. — Falei firmemente, temendo que ela visse minhas mãos que chacoalhavam como dois cachorros com frio.
— Não ouse falar meu nome, garotinha. E não, eu não dei meu recado. — Ela passou a revirar as sacolas cheias em cima da mesa, aquelas que null tinha trazido para que eu pudesse oferecer a doutora Luísa. — Você vai falar para null que não deseja mais se casar com ele, e partirá o coração dele. Invente que está grávida de outro, que vai voltar para o prostibulo que sua mãe costumava trabalhar, invente o que quiser, mas faça com que ele queira ficar o mais longe de você possível.
Susan passou a abrir todos os sacos de guloseimas e derramar sobre o chão, fazendo questão de pisar em cada farelo, os sucos e as bebidas estavam deixando o assoalho inundado já que ela abrira cada um despejando sobre as comidas que já estavam ali. Eu estava completamente estática, não é sempre que sua futura sogra entra em sua casa e decide fazer uma cena dessas.
— E se eu não fazer? — Perguntei trêmula, nesse momento ela já havia percebido que eu estava completamente vulnerável.
— Bom, comidas e bebidas sob o assoalho será o menos dos seus problemas. — Nesse momento ela chegou à embalagem parda que continha a garrafa de champagne. — Champagne Krug Clos du Mesnil Blanc de Blancs.
Susan falou em um francês perfeito, observando a garrafa de todos os ângulos possíveis.
— Uau, caro! — Ela deu riso sem muito animação em minha direção. — Você sabia que isso aqui custa mais de novecentos dólares? Ah, é claro que sabe, já que comprou com o dinheiro que roubou do meu amado filho.
— Vá embora! — Vociferei.
— Parece que encontrou sua voz. — Susan falou completamente arrogante. — Já não basta a mãe daquelazinha ter levado o meu marido embora, agora alguém como você querer que meu filho te acompanhe, é desprezível.
— Você é desprezível, e é razoável que as pessoas te abandonem. Vá embora, e eu espero não ter que falar uma terceira vez. — Eu sentia minhas unhas cortarem a palma de minha mão por conta da força com que eu a apertava.
— Eu vou, e vou levar isso. Já que foi comprado com o dinheiro do meu filho. — Ela segurou a garrafa de champagne com força ao lado de seu corpo. — E realmente espero que você tenha entendido o recado.
— Certamente. — Fora minha última palavra antes que ela sumisse no corredor do prédio e eu fechasse a porta com mais força do que deveria.

Capítulo 9

Me sentia impotente, eu não tinha absolutamente ninguém a quem recorrer. null chegaria dentro de algumas horas, null provavelmente estava em algum bar para não ter que dar de cara com sua madrasta na casa em que estava hospedada. Comecei a limpar antes que pudesse cair no choro. Peguei todo o material de limpeza disponível no meu apartamento e limpei até ficar exausta, comecei pela bagunça que Susan tinha deixado e depois dei uma geral por todo o resto do apartamento.
Quando dei por mim, já era tarde e meu celular brilhava incisivamente com as mensagens de null avisando que estava a caminho. Guardei o que sobrou dos produtos e me dando conto do mal cheiro que eu estava, decidi tomar um banho para esperá-lo.
Quando ele cruzou a porta, largou a mala pela cozinha e admirou a nova decoração, finalmente foi até o quarto me encontrando deitada de costas para a porta com uma única lágrima solitária descendo por minha bochecha.
— Oi, null. Que saudades. — Ele beijou minha bochecha sentindo em seus lábios a umidade que havia ali. — null, o que aconteceu?
Passei a próxima hora contando a ele tudo o que havia acontecido aquele dia mais cedo, parando algumas vezes para me debulhar em lágrimas. Desejei diversas vezes que eu pudesse ser um pouco mais forte, que eu pudesse ter expulsado Susan a ponta pés de dentro do meu apartamento quando ela abriu a boca pela primeira vez. null por diversas vezes me olhou incrédulo, talvez fosse minha insegurança, mas eu sentia como se ele achasse que eu delirasse em frente aos seus olhos.
— Se você não acredita em mim, vá até sua casa e procure por uma Champagne Krug Clos du Mesnil Blanc de Blancs. — Falei, imitando a maneira arrogante que Sra. null usava.
null bufou levemente, pegou a chave de seu carro em cima da mesa rumando em direção a saída. Ele me olhou mais uma vez, mas não falou nada, só olhou com certa decepção em minha direção e sumiu de vista.
Na primeira hora acreditei que talvez ele voltaria, fui na sacada diversas vezes esperando os faróis brilhantes de seu carro cruzando a rua e dirigindo em direção ao meu prédio, mas ele não veio. Decidi me deitar novamente e fiquei ali, incontáveis vezes me perguntando o porque eu deveria esperar a lealdade de null se todas as vezes ele provara que sua mãe era basicamente imaculada aos seus olhos.
Peguei meu telefone, me perguntando se deveria desmarcar com Luísa. Tudo me pedia para que o fizesse. Olhei para cima tentando conter as lágrimas mais uma vez quando já estava com o número discado, faltando apenas apertar o fatídico botão verde em formato de telefone que parecia convidar meu dedo a pressioná-lo.
Ouvi a maçaneta mexer na porta da frente mexer novamente. Ouvi no telefone “Oi, aqui é null. Luísa não pode atender agora, posso ajudar?”. Desliguei a ligação quando null cruzou a porta do quarto, não dando importância para o homem que tinha atendido, explicaria o mal entendido no dia seguinte quando a encontrasse.
Meu coração ficou mais leve quando null me abraçou, null surgiu logo atrás sorrindo enquanto olhava seu irmão também derramar algumas lágrimas.
— Achei que você não voltaria. Achei que não tivesse acreditado em mim.
— Eu sempre vou voltar, independente da distância que eu estiver.
Com o seguir da noite contei a história para null mais uma vez, que me prometeu comprar um novo champagne no outro dia, que eu neguei alegando que ninguém deveria pagar mais de vinte dólares em uma bebida. Mesmo depois de tudo o que eu havia passado, eu me sentia feliz por null ter me escolhido em relação a sua mãe e mesmo assim eu sentia que seria difícil escolher ele em relação a um sonho, mas eu tinha que fazer.
Não demorou para que eu estivesse deitado no meio de null e null na minha cama para dormir, ainda bem que a cama de casal era consideravelmente grande e não havia ficado tão desconfortável. null sugeriu que iria para um hotel, mas como continuava chovendo canivetes a obrigamos a ficar. Dormi depois de implorar para sonhar com null uma última vez e fechei meus olhos, caindo em um sono profundo rapidamente.
Andei por um corredor repleto de rosas vermelhas, velas que contornavam todas as paredes estavam acesas iluminando mais ainda aquele cumprido corredor azul a minha frente. Na metade do caminho encontrei uma mesa alta com uma taça de champagne com um bilhete ao lado. “Mal posso esperar por você”. Eu de alguma forma, tinha certeza que aquele garrancho pertencia a null. Não pude deixar de sorrir.
Guardei o cartão no bolso de trás e peguei a taça. Alguns metros à frente haviam outra mesa, dessa vez com um enorme buque de rosas, o maior que eu já tinha visto, e de novo um bilhete pairava ao seu lado “Você é tudo aquilo que eu sempre sonhei.”. Meus olhos nunca tinham brilhado tanto em minha vida. Guardei o novo cartão e segurei o grande buquê em um braço enquanto que com o outro ainda segurava a taça.
Eu conseguia ver que o corredor chegava ao fim, e lá estaria null esperando por mim. Neste ponto eu já nem lembrava mais que planejara deixar ele para trás, no entanto não demorou muito para isso inundar minha mente já que finalmente o avistei, sentado de costas para mim com um copo tomando uma dose dupla de uísque.
Me aproximei e toquei levemente seu ombro. Ele me olhou penetrante, seus olhos mais escuros que o normal por conta das inúmeras lágrimas que escorriam de seus olhos.
— Não me diga que você o escolheu. — null suplicou. — Por favor não me diga.
— Desculpa. — Pedi, largando as flores e a taça sobre o balcão. — Ele me ama e eu descobri que o que eu sinto por ele não está acabado, eu o amo também.
Aquelas palavras pareciam ter cortado null como uma navalha.
— Eu teria te priorizado muito antes dele, muito mais rápido do que ele fez.
— Eu sei. — Neste momento meus olhos já não se controlavam mais. Peguei seu rosto com as minhas mãos enquanto secava suas lágrimas. Me aproximei de seu ouvido a fim de sussurrar algumas palavras a ele. — Eu te amo, e se de alguma forma você fosse real, eu teria te escolhido há muito tempo.
Juntei nossos lábios, no mesmo momento acordei ainda ao meio dos dois no meu apartamento, sem o papel de parede rasgado me olhando. Pude ouvir a respiração pesada de ambos em meus ouvidos enquanto a sensação de que alguém arrancara algo de mim perdurara por um tempo.
Me levantei e caminhei ao outro quarto, peguei um pedaço de papel e pela última vez desenhei aquele rosto que me visita nos sonhos por algum tempo pela última vez. Desenhei com o máximo número de detalhes que consegui para nunca o esquecer.

Capítulo 10

Deixei que null e null dormissem até um pouco mais tarde aquela manhã, a chuva tinha finalmente dado uma trégua. Escondi o desenho que havia passado o resto da noite fazendo em baixo de um grande livro de rascunhos que havia por ali. Fui a um mercadinho próximo para comprar o almoço e algumas coisas para servir à Luísa null, eu não tinha novecentos dólares para uma champagne, mas tinha dinheiro para algumas laranjas e um suco natural certamente estava à altura.
Próximo à hora em que meu compromisso estava marcado, null e null saíram, decididos a buscar o restante dos pertences que havia ficado na mansão e posteriormente procurar um hotel para a mais nova. Aparentemente para os dois dormir em três em uma cama de casal não era propriamente o que confortável significava.
O barulho da campainha se fez presente por todo o apartamento. Abri a porta, e lá estava doutora Luísa, sorridente e extremamente simpática, me abraçou apertado no momento em que colocou seus olhos em mim, mais tarde eu perceberia que null e Luísa tinham algo em comum, elas gostavam muito de abraçar.
— Desculpa pela ligação ontem, era tarde. — Falei, assim que tive oportunidade.
— Sem problemas, Srta. Hoffmann. — Falou educadamente.
null... null, se você se sentir confortável.
null está ótimo!
Luísa prontamente entrou na sala em que eu trabalhava assim que a porta foi aberta. Fui explicando cada uma das pinturas a ela avisando que eram apenas modelos que eu havia prontos, mas pintaria aquilo que ela tinha em mente.
Quando terminei de apresentar a ela todas as obras e antes que eu pudesse falar novamente que eu faria aquilo que ela quisesse de muito boa vontade, ela tirou um talão de cheque preencheu e me entregou. O valor fez meus olhos brilharem, era o valor suficiente para comprar todas aquelas pinturas.
— Esse valor parece bom pra você? — Ela pareceu insegura.
— Bom? Parece ótimo. — Segurei o cheque contra o peito.
— Então, vou fazer com o mesmo valor para as demais. Só não vou levar aquele. — Ela apontou para o que eu havia dado para null. — Não parece que é para ser meu.
— Isso aqui não é por todos os quadros? — Falei incrédula.
— Claro que não, bobinha. Você é ótima, uma artista, vale cada centavo. Valorize seu trabalho. Vou querer encomendar mais algumas.
— Eu deveria ter uma champagne, que pena. — Falei sem graça.
— Suco de laranja está ótimo. — Ela sorriu olhando para os copos postos na mesa de centro ali. — Eu tenho um probleminha com bebida... Alcoolismo.
— Ah. — Alcancei o suco para ela, agradecendo Susan por ter levado o champagne embora. — Então, posso te mostrar um pouco dos meus esboços antes de você encomendar seus quadros?
— Claro.
Luísa não parecia ter ficado sem graça depois de falar sobre sua doença, ainda parecia super confortável. Levantei o livrão e o desenho do rosto de null surgiu sobre a pequena mesa. Luísa pegou o desenho rapidamente e franziu seu cenho, olhando para mim em seguida.
— Esse rosto me parece familiar. — Ela comentou, neste momento algo desconfortável havia pairado no ar.
— Sério? Ah... — Falei tentando criar alguma desculpa para aquilo. — Bom, estou criando alguns rostos para minhas próximas pinturas... E sabe, esse é bem padrão, por isso é facilmente semelhante com setenta por cento dos homens de Seattle.
Falei, sabendo que tudo aquilo não passava de uma mentira, mas deu certo já que Luísa se deu por vencida e passou a descrever as obras que tinha em mente.

Seis meses depois...

— Você está pronta? — null perguntou, me olhando através do espelho.
— Depende pra quê. — Falei nervosa, null me olhou com uma expressão que dizia “não finja que é boba”. — Pra hoje? Não tenho dúvidas. Amanhã é que me preocupa...
— Você é ótima. Serão dois dias incríveis, e depois você estará embarcando para França. — null era basicamente meu lado otimista.
— Bom, se casar não deve ser tão difícil.
— Espero que não, pois meu irmão já está no altar esperando por você. — null finalizou assim que verificou o seu celular.
Era hora. Levantei-me da cadeira que estava sentada em frente ao espelho, null me olhava encorajadora. Vislumbrei minha imagem uma última vez. O vestido branco contrastava perfeitamente com minha pele, enquanto minha barriga de cinco meses de gestação era perfeitamente emoldurada por ele. Pousei minha mão ali, imaginando em que momento minha vida deu essa volta e me trouxe tanta felicidade.
Finalmente meu trabalho estava sendo reconhecido, depois que Luísa comprou todos os meus quadros, ela fez questão de indicar para todas as pessoas que pensavam em decorar suas casas, escritórios e afins. Obviamente eu não estava rica, mas vivia bem melhor do que a alguns meses atrás. Já tinha meu próprio carro, comprei uma casa junto com null e finalmente pude pagar a ele a roupa que eu havia comprado para a desastrosa noite em que oficialmente conheci Susan.
Minha relação com ela não tinha mudado muito, algumas mensagens ameaçadoras, alguns carros estranhos que passavam pela vizinhança em que estávamos morando e finalmente uma medida protetiva. Acredito que ela não quisesse me fazer um mal muito grande, mas desde que null quebrou total contato com ela, ela passou a persegui-lo para persuadi-lo. No fim, quem optou pela medida foi ele, logo que descobrimos a gravidez.
null estava diferente, era óbvio que com a prova dele chegando para atendente no hospital e os diversos plantões, era natural que ele ficasse bastante ocupado. No fim vinha bem a calhar quando eu precisava de tempo para produzir meus quadros. Ele estava muito ansioso para o fim da gravidez, mas o parto ainda me assustava, ele insistia que eu pedisse dicas para a doutora Luísa, o que certamente eu não fiz. Mudamos-nos assim que legalmente a casa era nossa, null vinha da Austrália pelo menos uma vez por mês, e por isso compramos uma casa com três quartos para que ela pudesse ficar o tempo que precisar.
O quadro em sua casa tinha feito muito sucesso com seus amigos Australianos que insistiam que ela deveria levar meu portfólio a próxima vez que me visitasse. Naturalmente não havia ninguém melhor para ser minha dama de honra.
Assim que a marcha nupcial começou a ser tocada, vislumbrei todos os bancos lotadas de diversas pessoas, algumas que eu nem conhecia. A maioria era a família de null. Ao lado dele estavam seus padrinhos e seu pai que estufava seu peito orgulhoso.
Meus olhos focaram na única pessoa que realmente me importava, seus dedos abriam e fechavam em sua mão e eu podia apostar como estavam suadas. Quando cheguei perto o suficiente pude olhar que seus olhos pareciam pequenas piscinas, repletos de água. Entreguei meu buquê para null e null segurou minha mão para me auxiliar no degrau do altar.
Agora eu podia sentir suas mãos úmidas de suor, e ficava mais mágico quando aquelas mãos grandes e suadas seguravam minhas mãos também suadas. Posso dizer que de fato, nenhuma palavra que saia da boca do ministro era totalmente absorvida por minha cabeça. Elas pairavam pôr ali, com toda a certeza, mas minha atenção tinha outro foco.
Os votos chegaram depressa, decidimos que escreveríamos os nossos próprios, eu garanto que era melhor pintando do que escrevendo, mas não ficaram tão ruins. null pegou sua pastinha que fizemos para colocar os votos, eu havia às pintado, aquele momento estava cheio de significado para nós dois.
null olhou para as palavras que ele mesmo escreveu, olhou para mim e seus olhos voltaram a se encherem de água.
— Sabe... — null respirou fundo. — Eu escrevi meus votos, mas eu não precisava disso porque tudo o que eu queria te falar já está tão impregnado dentro mim, que me faz parecer um tolo se eu não olhasse nos seus olhos e dissesse, no momento de maior vulnerabilidade que eu sou completamente apaixonado por você.
“Eu te amei no primeiro momento em que te vi, com suas calças largas, suas camisas constantemente sujas de tintas e a mesma tela, todos os dias andando de cima para baixo no campus.
Eu nunca admiti em voz alta, mas aquele dia em que a gente se esbarrou na biblioteca e eu te convidei pra sair e você perguntou o que eu estava lendo, parecendo que não sairia com alguém estúpido, eu te falei que estava lendo algo sobre anatomia. Bom, eu menti, menti porque eu até hoje não faço ideia do que eu lia, eu nem estava lendo na biblioteca, eu chegava na biblioteca todos os dias às três e doze da tarde, seis minutos depois de você para criar coragem e te chamar pra sair, porque eu sabia que você ia casar comigo, eu sabia que eu te amaria de forma que eu nunca poderia amar ninguém.
E aquelas vezes que eu não fui presente e acabei sendo tudo aquilo em que eu abominei em pensamentos que alguém fizesse a você, eu me odiei cada segundo dos meus dias, pois você merecia mais e eu me esforcei desde então para ser o mais que você precisasse. É você, e sempre será você. Não importa quantas vezes eu tenha que escolher, sobre qualquer coisa e qualquer circunstância. Sempre será você.”.
Meus olhos já não se comportavam mais e eu não me importava. Não sabia se meus votos estariam à altura, mas eu teria que tentar. Peguei minha pasta com meus votos e a abri. Um envelope realmente bonito estava ali sobre o papel. Olhei com estranheza para null e ele me olhava satisfeito, imaginei que talvez fosse algum tipo de surpresa que ele pudesse ter preparado. Puxei o material que havia ali dentro. Com uma letra extremamente bonita havia escrito “Conferência Médica” e as datas do período que null estivera fora há seis meses atrás. Puxei o papel e nada do que passara pela minha cabeça estava ali, era de fato uma surpresa, uma surpresa que fez meu mundo cair. Diversas fotos de null em momento notavelmente prazerosos com outra mulher. Ri sem emoção, imaginando quantas vezes um ministro tinha casado alguém naquelas circunstâncias. Aquilo tinha obviamente sido plantado ali e tinha causado o efeito esperado.
Voltei a colocar o papel com o título na frente e entreguei tudo ao homem a minha frente. As palavras de seus votos ainda ecoavam em minha cabeça de forma que deixava aquilo tudo mais doloroso. null olhou tudo com certa pressa, seu rosto ficou extremamente vermelho.
Olhei para os convidados e todos estavam olhando com estranheza, não sabendo o que poderia estar acontecendo. Desci o degrau e caminhei para fora dali, no meio do caminho arranquei os saltos dos pés e deixei por ali mesmo. Eu ainda não gostava de sapatos altos. Quando cheguei na porta da igreja, pude ouvir null implorando para que eu esperasse.
— Me escuta, por favor. — Ele pediu se colocando a minha frente. — Eu posso explicar.
— O que você vai me dizer? Que são montagens? Que foram antes de eu te conhecer?
— Não. — Ele falou alternando a visão entre mim e o restante dos convidados que olhavam curiosos, null chegou às minhas costas com o envelope em mãos. — Aquilo aconteceu, mas eu me arrependo todos os dias.
null riu, incrédula, às minhas costas.
— Fala sério, null. Até eu esperava uma explicação melhor. — null empurrou o envelope com força no peito dele e me puxou até seu carro.

Capítulo 11

— Deixa que eu faço isso, ele deveria fazer... Você já passou por coisa demais. — null nunca esteve tão irritada, passamos o restante da noite cancelando viagens, a festa após o casamento.
— Concordo, mas preciso me ocupar com algo sabe... Pra acabar não surtando.
— Você tem o direito de surtar, null, você passou por coisa demais por ele. Eu sei, a mãe dele, a indiferença que ele mesmo teve diversas vezes e agora você está grávida, e vão fazer parte da vida um do outro até que a morte os separe. — null falou percebendo a ironia no mesmo momento. — Acho que é uma boa hora para surtar.
E foi assim que eu passei o restante da noite, chorando sob um pote de sorvete enquanto null insistia que era uma péssima amiga e ex-cunhada por instigar aquilo.
Acordamos cedo no dia seguinte, null para pegar seu voo para Austrália com seu pai e eu para seguir a exposição de obras que null havia me avisado. Eu certamente não tinha ganhado a vaga para obra destaque, mas uma noite antes de casamento a pessoa que havia ganhado havia desistido por um motivo que não me foi falado, acabaram me selecionando. A exposição seria das dez da manhã às nove da noite, sem pausa para almoço. Meia hora antes do fim seria a revelação da obra destaque e era onde esperavam o maior pico de visitantes e até compradores.
Depois que viram meu portfólio, me informaram que eu teria espaço para doze pinturas, e depois mais uma como destaque que seria, uma espécie de leilão. Pesquisando os anos anteriores, tinham chegado a trinta mil dólares na obra destaque.
Deixei todo o drama em casa, tentando ter o mesmo dia mágico que teria se estivesse casada com null e, falando nele, eu estava feliz por ele ter tido a decência de não aparecer em casa aquela noite, mesmo que provavelmente tivesse voltado para as garras de sua mãe, o que já não era mais da minha conta.
A manhã passou arrastada e com baixo movimento, diversas vezes a menina da organização insistia que aquilo era perfeitamente normal e depois dava sorrisos amigáveis e encorajadores. Doutora Luísa apareceu me cumprimentando com o mesmo abraço apertado de sempre, sendo muito discreta em relação ao casamento já que estava lá. Foi sozinha no dia anterior e estava sozinha também na exposição, não deixou de falar “Que seu amorzinho estava em viagem, mas chegaria ali naquela noite e ficaria feliz com as pinturas expostas”.
Quando os últimos raios de sol finalmente se esconderam atrás das montanhas e a escuridão da noite surgiu, eu já estava muito cansada. Decidi sair do meu posto por alguns minutos antes da revelação da última pintura, pra poder apreciar os outros pintores. Era inegável que o movimento havia aumentado muito, agora as pessoas andavam e comentavam obra por obra como se estivessem no Louvre. Haviam muitos artistas talentosos ali, com toda a certeza. Enquanto caminhava de um lado para o outro pela enorme exposição ouvi uma voz muito familiar, procurei de relance, mas não encontrei nenhum rosto conhecido por ali.
null! — Chamaram enquanto seguravam meu braço. Era a moça da organização. — Já estamos prontos para a obra destaque, estive te procurando por aí, você deveria ir até o palco. Antes de você ir... Tem um moço abrindo um hotel aqui em Seattle, comprou suas obras. Todas.
Incrédula e sem oportunidade de reagir à altura da notícia que recebera, fiz o que me mandaram e fui até lá. Certamente o maior foque de luz era o palco, já que a plateia ficava em quase completo breu, as primeiras filas eram mais fáceis de visualizar e ali estavam olhos conhecidos com um ar encorajador me observando, doutora Luísa com uma taça de suco de maçã acenava freneticamente.
Outra moça em uma espécie de tribuna ao meu lado anunciou o leilão e numerou suas regras. Me entregou um microfone, eu havia ensaiado tantas vezes aquele discurso quanto meus votos de casamento e depois do dia anterior, parecia que nenhum dos dois daria certo.
— Oi... B-Boa noite. — Olhei para Luísa, que me repreendia com o olhar e voltei a tomar postura, senti meu pequeno bebê se mexer levemente e respirei fundo, sorrindo já que era a primeira vez que eu o sentia. — Sou null. null Hoffmann. Uma artista, pintora. Formada em Artes e finalmente tendo minhas primeiras oportunidades. Gostaria de agradecer à Luísa, minha primeira cliente, null que não pôde estar aqui hoje e...
Aquele momento do discurso estava pronto para que eu agradecesse meu marido null, o que para mim, naquele momento, já não fazia mais sentido.
— E agradecer a alguém que meu deu a dica da exposição. — Sorri, me lembrando de todos os sonhos malucos. — E agradecer a vocês que estão aqui apreciando. Sei que ninguém gosta de discursos, então... Fiquem à vontade para dar os lances.
Assim que o grande pano vermelho foi puxado da tela enorme que parecia maior por conta da moldura grossa prateada, o rosto de Luísa ficou completamente espantado e eu já não sabia dizer se aquilo significava que a pintura estava magnífica ou completamente desprezível, um longo arrepio percorreu minha espinha. Se tratava de um casal que dançava, a mulher com um longo vestido de gala na cor azul RAF e um homem com um terno cinza, ela afundava seu rosto no pescoço do homem que sorria singelamente com seus olhos fechados. O fundo tinha pouco foco, mas se podia ver que estavam em um salão detalhadamente dourado.
Quando falei para doutora Luísa null que o rosto que eu havia desenhado era esboço para uma futura pintura, eu não menti. null estava ali, dançando com a moça de vestido azul que eu sonhava que fosse eu, cada vez que olhava para aquele quadro.
Parei para prestar atenção quando a frase “Vendido, por sessenta e dois mil dólares” e o martelo fora de encontro a tribuna. Todos aplaudiram freneticamente, enquanto Luísa ainda olhava atônita para o quadro ao meu lado.
Desci do palco após agradecer mais um pouco e parti para minha parte da exposição, feliz por ter chegado lá com treze obras e saindo de mãos vazias de obras e cheias de dinheiro. Todos já estavam se retirando, eu juntava minhas coisas para fazer o mesmo. Luísa me abraçou assim que apareceu, mesmo que aparentemente tinha perdido sua voz. Ela se virou sorridente assim que me soltou.
— Amor! — Falou animada. — Você está aí.
Pisquei algumas vezes e dei leves beliscões para ter certeza que eu estava cordada porque por alguma razão ele estava lá. null caminhava em minha direção, ou na direção de doutora Luísa. Meu coração batia tão forte dentro de peito e meu estômago deu algumas cambalhotas quando por um segundo imaginei que eles fossem se beijar, mas ao invés disso, beijou pra valer a mulher que estava ao lado dele.
null, espero que tenha trazido o que eu te pedi. — Luísa null falou, assim que descolou seus lábios da outra. Minha boca estava seca e eu sabia que estava branca como um fantasma, minhas mãos tremiam e eu sentia que eu iria enfartar.
null, essa é minha noiva, Jucy, lutador de MMA e esse é meu irmão, null. null null, incrivelmente parecido com sua obra destaque.
null tinha exatamente a mesma expressão que eu, sua boca abria e fechava. Ele estendeu os braços me entregando o buquê de amor-perfeito de diversas coloridas.
— L-Luísa pediu para eu trazer flores, achei que gostaria dessas. — Ele pigarreou.
— Acho que você já conheceu o homem que comprou todas as suas pinturas para o mais novo hotel de Seattle. — Luísa comentou, antes de se afastar.
Essa foi a deixa para que eu pudesse me jogar nos braços daquele homem a minha frente. Seu cheiro era exatamente como o do meu sonho, a textura de sua pele, seus olhos...
— Você é a mulher dos meus sonhos. — Foram as palavras responsáveis por nos fazer sentir que finalmente nossos corações se colidiam. Peguei seu rosto em minhas mãos, como na última vez em que nos vimos, ele era, literalmente tudo o que eu sempre sonhei. Nossos lábios se tocaram, de verdade, pela primeira vez mesmo que eu já conhecesse aquele beijo como a palma da minha mão.

Epílogo

— Você foi mesmo ao Space Needle? — Perguntei colocando uma batata frita em minha boca.
— Óbvio, mesmo que eu tinha plena certeza que estava ficando louco. — Nós dois rimos.
— Olha, eu acho que minha vida seria mais fácil se eu estivesse lá.
Após a exposição, null me prometeu a melhor bata frita de Seattle por uma conversa, eu como a grávida faminta que era não pude recusar. Estávamos em um bar, no balcão. O bar deveria descumprir algumas dúzias de regras sanitárias, mas a batata frita era deliciosa.
— Você é null Hoffmann, deve ter alguma explicação pra isso. — Ele juntou seus lábios nos meus mais uma vez.
— Eu não faço a menor ideia, foi a coisa mais maluca que aconteceu comigo e olha que recebi fotos de sexo do meu noivo no altar. — Falei humorada e null riu.
— Eu só sei que alguma coisa poderosa nos queria juntos, e conseguiu. — null se aproximou do meu ouvido. — Se você gostou do que eu fiz com você naquela situação, não sabe do que sou capaz fisicamente.
Em toda a minha vida eu nunca tinha sentido aquele turbilhão de sentimentos, havia a impressão que eu podia acordar a qualquer momento. Mesmo que estivesse mais acordada que nunca. Conversamos tudo o que podíamos naquela mesa de bar, fomos embora algumas horas depois. Na ocasião não sabia que ) estivera lá, no canto mais escuro do bar observando tudo enquanto tomava doses e mais doces alcoólicas que o estabelecimento podia oferecer.
— Sabe, eu sinto que isso pode ser pra sempre, porque isso é a minha vida real agora.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

Nota de Beta: O homem dos sonhos literalmente!! Eu adoro o jeito que você escreve, Nana, e não consigo nem esconder! Que susto, pensei que ele era casado no meio da história e quase tive um treco hahaha. AMEI!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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