CAPÍTULOS: [Único]





Innocence Lost






Capítulo Único


“Sabe de uma coisa, mulher?” a voz de faz com que eu me vire para encara-la outra vez. “Cobrir o seu cabelo com esse trapo cinzento é um absurdo.” Rio, enquanto ela aponta nervosamente para meu cabelo loiro, e depois para a capa cinza que o cobre. “O trapo cinzento foi presente seu, Heath. Tudo culpa de seu bom gosto.”
A outra ri. Ergue os braços modestamente e retruca “Você disse que queria ficar invisível, e eu acho que me saí bem na escolha desse pano que você veste. Se eu não a conhecesse, te daria um trocado a cada vez que te encontrasse. Se dependesse de mim, , você estaria rica.”
Sorrio outra vez, olhando através da janela de sua banca, vendo a garoa deixar pequenas marcas em meu reflexo.
“Já fazem dezessete anos, . Ninguém mais se lembra, todos tem mais coisas para cuidar, e você também. precisa de você.” sua voz agora é severa, assim como seu olhar, que não desvia do meu por um segundo sequer.
“É… é por ela!” retruco, apertando as mãos na frente do corpo, minha voz entregando o quão desconfortável esse assunto ainda me deixa “Para mantê-la longe do que eu passei!”
“Pois coloque uma coisa em sua cabeça, mulher.” começa, vindo até mim e segurando minha mão com firmeza, mas sem ser rude. “Ela só será afetada se alguém lembrar-se disso. E os outros só vão esquecer depois que você o fizer.”
Solto-me de seu aperto e me afasto, assustada. Minha cabeça se move de um lado para o outro em confusão e penso em responder algo em meu favor, mas desisto e acabo desviando o olhar. “É minha hora, e como você disse, precisa de mim. A essa hora, ela já está em casa.”
Passo pela porta rapidamente, notando o olhar de desaprovação que mantém sobre mim enquanto olho para os dois lados antes de seguir o caminho até minha casa. A chuva aumenta quando estou na metade do caminho, motivo pelo qual apresso meus passos e acabou por tropeçar em alguém. Ergo a cabeça e quem encontro faz com que todos os pensamentos que estavam em minha cabeça se dissipem. , senhor regente do Rei. Com os mesmos olhos cinza, e também a mesma expressão de desdém da última vez em que nos vimos, há muito tempo atrás. Quando tudo começou a mudar.
Mas ele sustenta o olhar por pouco tempo, o que acontece também comigo. Afasta-se sem olhar para trás, a passos pesados e determinados, deixando bem clara sua irritação, enquanto permaneço olhando o rastro que ele deixara no chão molhado. Seguro meu vestido longe do chão, impedindo que se suje com a lama e a terra, e apresso-me ainda mais perturbada do que estava antes - agora, com um real motivo para fazê-lo.
Na chegada de minha casa, olho em volta outra vez, querendo evitar olhares inconvenientes. Abro a pesada porta de madeira e, depois de adentrar a casa, fecho-a com cuidado. Viro-me e levo um susto ao encontrar a silhueta de me fitando, curiosa, em minha frente.
! Como ainda não acendeu as velas?” pergunto, aproximando-me dela para lhe abraçar e beijar-lhe na testa.
“Acabei de chegar. Falo sério, estava entrando agora.” ela retruca e ri, o que me faz sentir menos tensa. “Estava ansiosa para que chegasse, mãe. Tenho novidades.”
“Tem? Hmm, vou querer saber de todas. Por que nós não fazemos assim… você sobe pro seu quarto e troca de roupa enquanto eu acendo algumas velas que alguém não teve tempo de acender?” sorrio e passo a mão por seus cabelos claros como os meus, para depois apontar para as escadas.
“Pode ser. Mas é bom que você esteja bem animada na hora das novidades, está bem?” retruca e ri, e depois segue na direção dos quartos. Rumo para a cozinha, cantarolando algo no fundo da garganta, tranquila por estar em casa. Acendo as velas que ficam em cima da mesa da cozinha, organizo algumas coisas para tomar café, e logo ouço enquanto desce as escadas.
“Preparada?” a garota pede, chegando na porta da cozinha e secando os cabelos com uma toalha cor de rosa.
“Preparada.”
“Eu encontrei uma pessoa…” começa a garota, pendurando a toalha em um canto do cômodo, um olhar malicioso no rosto que me faz rir. “Um garoto. Ele é diferente de todo mundo, mãe! Ele disse que vinha me observando há várias semanas e que finalmente tomou coragem pra falar comigo. Beijou minha mão, me elogiou e tudo mais. E ficou todo encabulado na hora em que me deu um beijinho na bochecha."
"!" falo, sem esconder um sorriso. "Eu preocupada e você aos beijos com um rapaz! Já disse que não pega nada bem aos olhos dos outros. Sabe o que eles pensam."
"Sim, eu sei, mãe. O que eles dizem, mesmo? 'Moça direito casa cedo e dá filhos ao marido'. Não acho que a primeira parte seja problema por muito tempo..." fala, um olhar vago acompanhado de um riso alegre.
"Oh meu Deus!" deixo escapar, surpresa. Apresso-me até seu lado e seguro sua mão entre as minhas. "Não me diga que ele..."
"Estará aqui em dois dias com o pedido formal! Ele vai pedir minha mão!" responde ela e depois começa a bater palmas de animação.
"! Você o conheceu hoje! São novos demais! Deus do céu!" passo as mãos pelos cabelos, assustada.
"Eu o conheço desde pequena , mãe. Sempre o via brincar com um guarda real. Foi ele quem veio me dar o carrinho de madeira em que estava brincando. Lembra disso? É destino, eu sei. E também, ele é um cavalheiro. Ficou me elogiando e pedindo se isso me deixava constrangida ou algo assim. E... quando nós tínhamos treze anos, nós nos víamos todos os dias quando eu ia na banca da tia para ouvir as histórias dela. A mãe dele era cliente fiel dos tecidos dela, por mais que eles sejam simples. Ele me contou que a mãe dele é bem diferente do pai, e que ela com certeza apoiaria o pedido dele. Sendo assim, o pai dele não poderia ser contra."
"E por que o pai dele seria contra?" pergunto, curiosa. Ela se senta à mesa e faço o mesmo, ouvindo sua resposta.
"Porque o pai dele é , mãe. O pai dele é o senhor regente do rei." a voz de agora é nervosa e trêmula. Seu olhar encontra o meu algumas vezes enquanto tento entender o que ela me diz.
"Não! Esse casamento não pode..." começo, levantando-me e colocando as mãos em minha cabeça.
"Mãe! Você não pode deixar esse homem estragar o nosso amor!" a outra protesta, levantando como eu.
"Esse homem... você sabe o que esse homem fez com a nossa família!" grito, sentindo um nó fechar-se em minha garganta.
"Sim, ele contou algumas mentiras e..."
"Algumas mentiras?" aproximo-me dela, que aparenta ter se arrependido do que falou.
"Algumas mentiras, ? Você sabe o que é ter o nome comparado ao de uma feiticeira? Sabe o que é ser olhada e ouvir comentários sobre você em todos lugares em que pisa? Por acaso imagina o que é esconder a si e a filha pra protegê-la das más língua? O que fez pra mim foi muito mais que uma mentira, foi muito mais que uma ofensa." minha voz, por sua vez, não falha. Mantém-se alta e agressiva, fazendo escorrer lágrimas de meus olhos e dos de minha filha também.
"Família, família, família. Você fala tanto disso. Por que não me responde uma coisa? Já o amava quando se casou?" ela aponta para a pintura de seu pai que há na sala de estar. Meu silêncio faz com que ela prossiga. "Exatamente. Você não teve a chance de conhecer o amor, mãe. Eu quero ter isso. Eu já tenho dezoito anos, e de um modo ou de outro, seria obrigada a me casar com alguém que nem conheço. Por que não com ele, com alguém por quem ja sinto algo? Só por causa de uma intriga do passado? Não posso deixar isso passar, mãe. Não agora."
Passo as costas da mão no rosto para secá-lo e concordo com a cabeça. "Na primeira palavra dele, na primeira afronta, estará tudo acabado. Tudo. Entendido?" dessa vez, é que apenas concorda com a cabeça. Ela senta-se outra vez e serve café para nós duas. Sento ao seu lado, ainda atordoada, mas não consigo nem tocar no café.
O dia fora cheio de mais, e não havia mais nem sinal de fome em mim.

~**~


Acordo com barulhos vindo de fora do quarto. Levanto-me e troco de roupa, sabendo pela luz que entra por entre as cortinas que já está na hora de acordar.
Quando chego na cozinha, percebo que os ruídos vinham de lá, e que era por conta de estar arrumando o café da manhã.
"A pombinha caiu da cama?" pergunto e a abraço, pegando um pedaço de bolo do pote que ela abre.
"Só quis fazer alguma coisa pra você. Sabe que eu não quis insinuar que não ama papai, não sabe? Me desculpa." sua voz de garotinha faz com que eu a abrace outra vez.
"Eu sei, meu amor. Está tudo bem." e faço com que ela sente na mesa, no lugar em que costumo sentar. "Sabe, você ainda é minha garota, . Você pode casar, me dar netos, ficar velhinha. Sempre vai ser minha garota. E eu sempre vou cuidar de você." e sirvo café em sua xícara, retribuindo o sorriso que ela me lança.
É quando ouvimos um estrondo que indica que algo caiu no chão, na chuva. Ando até a janela e percebo que na verdade foi alguém que caiu no chão, e logo após que ele fora jogado ali. É James, nosso vizinho, que foi lançado ao chão pelo senhor regente do rei. Estava ele ali outra vez, em minha frente; mas dessa vez, não era a mim que ameaçava, mas ao homem. Ouço a voz de uma criança chorando e sei que é a filha pequena de James. Abro a porta da casa, paro e observo a cena. Algumas pessoas se amontoam em volta de , provavelmente tiradas de suas camas por seus gritos.
"É isso que acontece quando não se pagam os impostos. Sabem, a corte tenta ajudar vocês. Nós tentamos. O dinheiro que vem de vocês é destinado à proteção desse lugarzinho. Sejam gratos. Paguem. E então não serão despejados."
A mulher de James agora está na porta, segurando a filha no colo, chorando como a criança. "Por favor... nós não temos para onde ir... temos uma filha pequena, ela precisará de casa, de conforto. Dê-nos apenas mais um mês e terá nossas dívidas em mãos."
"Ah, tem razão. A criança" ele se aproxima da menininha e a puxa dos braços da mãe, fazendo com que ela e James gritassem. entrega a garota para um guarda e limpa as mãos. "Encontraremos um lugar para ela. A igreja sempre estará de braços abertos para nossas crianças órfãs."
"Ela não é órfã!" James tenta se levantar, mas outro guarda mantém sua cabeça no chão com o pé.
"Será? Os pais não terão casa. Comida, calor, conforto. Ela pode não ser órfã agora. Mas eu poderia apostar que em pouco tempo..." sua voz cheia de desdém faz me estômago revirar. "É tudo! Não há nada para verem aqui, voltem para suas casas e cuidem de seus problemas." e então vira-se e dirigi-se para mim "Principalmente você, feiticeira."
Suas palavras pesam em mim. Havia muito que não ouvia isso em sua voz, havia muito que não sentia o peso desse nome. Feiticeira.
"Não me chame de feiticeira!"
"Como ousa? Esqueceu quem é a autoridade aqui?" ele sorri maldosamente, fazendo com que um arrepio atravesse minhas costas. Se aproxima alguns passos e me encara em desafio.
"Autoridade. É assim que chama? Pois aqui parece que se acha muito mais. Está na hora de parar de se aumentar, de se pôr entre os deuses e nos tratar como monstros a serem controlados! Isso não é um mundo de deuses e monstros!" minha voz sai mais firme do que eu poderia imaginar, e o olhar desconcertado que ele toma faz com que valha a pena.
"Cale-se, sua cigana maldita!" retruca, aproximando-se outro passo.
"Pois..." começo, mas a voz trêmula e baixa de me interrompe atrás de mim.
"Mãe. Pare." ela fala em sussurro, mas todos a ouvem em meio ao pesado silêncio.
esboça outro de seus sorrisos maldosos. "É essa a sua filha? A grande pretendente de meu filho?" e então gargalha. "Não, isso nunca acontecerá."
"Não toque no nome dela." aviso, dessa vez dando um passo em sua direção em afronta. Ele segura meu braço e o puxa para o lado, fazendo com que eu caia no chão.
"Eu nunca deixarei que seu sangue amaldiçoado polua minha família. Não quero meu filho se misturando com almas sujas como a sua!" ele diz e se vira, agora indo na direção contrária da minha. Todos em volta fazem silêncio, como se no momento fossem expectadores petrificados. anda até mim para me ajudar a levantar, e depois de pôr-me de pé, arrumo a manga que cai de meu vestido.
"Mentira!" grito, mas ele não se vira. "Apenas não quer que seu filho prove de algo que você já provou!"
E assim, torna a me olhar. Um olhar frio, mas surpreso. Nele, vejo que se lembra de tudo assim como eu.
Lembra de como éramos jovens e de como era a sensação de descobrir algo novo a cada dia. Um novo toque, um novo sentimento. Como era bom descobrir isso juntos.
Éramos jovens, ambos com grande vontade de descobrir o amor. O fizemos. Eu nunca sentira algo como com ele, algo muito mais do que físico, algo que nos unia acima das diferenças.
Mas em certo ponto, as desigualdades não podiam ser vencidas pelo cansaço. O pai dele nunca poderia deixar que o filho se relacionasse com uma garota tão pobre, tão distante de sua realidade. Tentara de tudo para nos separar, mas apenas as provas de que minha família tinha sangue de feitiçaria nos separaram. Obviamente, uma mentira. As provas foram implantadas, e quem não acreditaria na mão direita do rei?
Minha família estava na lama. Eu também. E eu percebera só então que para , o sangue ainda era mais importante que a alma. Percebera só então que para ele, a primeira desconfiança foi motivo para esquecer tudo o que ele sentira. E ele me humilhou. Meu pai foi preso e minha mãe escondeu-se na casa de familiares, sem ter o que fazer contra. E eu, nas palavras de , fui condenada à vida de culpa.
Mas agora, ele não tinha resposta. A humilhação maior, as palavras mais agressivas saíram de minha boca. O regente do rei se relacionara com uma acusada de bruxaria. Inaceitável.
E sem o que retrucar, o homem apenas voltou para sua carruagem e deixou que o único som do local fosse o toc-toc dos cascos de seus cavalos.
Deixou o silêncio assombrasse a todos.

~**~


Entro em minha casa novamente, antes que alguém possa surgir com perguntas. Preciso puxar para dentro; a garota parece a mais assustada e surpresa entre os espectadores.
"É... é por isso?" ela pergunta, a voz alta e agressiva. "Por isso é contra o casamento? Porque não aguentaria ver seu namoradinho?" há desdém em sua voz, o que faz com que me sinta culpada.
"Não! , não! É muito mais, é..." começo, mas ela não me deixa terminar. Vira-se de costas para mim e começa.
"Há quanto tempo? Faz quanto tempo desde quando estiveram juntos?"
"Dezessete anos." minha resposta faz com que ela torne a me encarar, uma mão sobre a boca.
"É ele? é meu pai?" minha filha pede, indignada com a hipótese.
"..."
"Então você se casou com papai apenas para disfarçar? É isso?"
"Não! Nunca repita isso! Ele é seu pai!" aponto para o quadro na parede "Nunca repita isso, , pela memória dele!"
A menina se senta, e um silêncio se estende por o que parece uma hora, na qual acabo me sentando como ela.
"Ainda o ama?" ela pede, um tom mais baixo e menos ofensivo.
Rio. "Não, não. Há certas coisas que o amor não aguenta. Certas palavras, certos atos. Eles nos destroem." respondo tranquilamente, mas com certa mágoa na voz.
"Então não haverá mais casamento." dessa vez, ela demonstra estar magoada.
"Haverá" respondo, e novamente olha-me com a mão tapando a boca. "Você não precisa sofrer com aquilo. Não disse que se a mãe dele estivesse de acordo, aconteceria casamento? Pois esperaremos que em um dia seu rapaz chegue aqui."
Sinto-me bem com minha escolha. Se o pedido surgisse, seria aceito. Com a vontade de ou não. Com o meu bem estar ou não. Era para o bem de . E foi por isso que sempre busquei.

~**~

[Dias depois]


" , você está uma graça. Vai sair dessa festa casada." fala, fazendo-me girar em torno de mim mesma, balançando o longo vestido escarlate em volta de meu corpo. Ela, por sua vez, veste um modelo esmeralda, com dourado nos ombros.
"As únicas pessoas que sairão casadas dessa noite serão e seu rapaz, o ." retruco e prendo uma mecha de seu cabelo com uma flor.
"E cresceu." ela comenta "Está se casando hoje, ." apenas concordo com a cabeça, sentindo uma nostalgia de quando minha filha era criança. "E, quem diria, com o filho daquele lá. ." o nojo com o qual ela pronuncia seu nome me faz rir. "Como conseguiram que ele permitisse?"
Sorrio. "A mulher dele conseguiu." o que falo agora é um sussurro "Parece que ele ainda se rende para... certos encantos" e ambas rimos.
"Você pode viver cem vidas e nunca vai prestar, mulher." "Assim como você não vai deixar de me apoiar nisso."
É quando entra no quarto, sorridente em seu vestido branco de noiva. "Tia !" ela grita e corre para abraçá-la.
"Olá, pequena coisa loira!" responde, retribuindo o abraço.
E então uma criada bate à porta. "Senhorita! É hora da cerimônia. Estão todos lhe esperando."
A ama se retira e se vira para mim, aflita. "Estou bem? Não. Eu tenho que estar perfeita. Estou perfeita?" ela pede, engomando a longa saia clara.
Rio. "Como sempre."
"A sua opinião não vale. Ai, eu tenho que ir. Venham, vamos!"
E é animada e elétrica, que nos puxa para fora do quarto, cada uma segurando uma mão dela. A cerimônia que nos recebe não é nada simples, com lustres e castiçais, banquetes e bebidas caras, membros da nobreza e até cantores. Pessoas que já haviam olhado de cima para , e que agora não conseguiam desviar o olhar da vitória dela.
Havia um celebrante, que foi breve nas palavras; as mínimas bênçãos e então começara a festa. Era uma senhora que cantava, músicas sobre o amor, o desejo e o poder para que os noivos dançassem.
"Hoje, celebramos a união de dois jovens que descobriram o amor em meio às diferenças de nossa sociedade." ela começa, erguendo uma taça, promovendo um brinde. "A carne. O osso. A alma. A relação deles hei de ultrapassar todas as barreiras e prosperar na eternidade. Tão jovens e com tanto para viver. Que encontrem o que precisam no outro, e que não percam a inocência desses anos que os uniram." e toma um gole de sua bebida de cor quente, assim como todos em volta e inclusive eu. Começa a cantar uma música calma, oportunidade para outra dança dos recém-casados - mas só volto a prestar atenção em sua voz quando volta a discursar.
"Essa música eu gostaria que fosse reservada aos pais dos noivos. A união das famílias. O grande perdão." sua última frase é um sussurro, como que para avisar apenas a mim e a que sabe o que acontecera entre nós.
Começa a cantar, acompanhada dos instrumentais atrás de si, enquanto a maioria dos outros casais que dançavam abandonam o centro do salão para deixar apenas a mim e ao pai de ali. O clima entre nós é o mais pesado que poderia existir, e nenhum se atreve a chegar até o outro. Apenas quando a mulher de fala algum incentivo, o homem se aproxima de mim e estende o braço para pousá-lo em minha cintura.

"Fame, liquor, love
Give it to me slowly
Put your hands on my waist
Do it softly
Me and God, we don’t get along
So now I sing"

Ela canta e se move elegantemente, enquanto me move em seus braços no ritmo da canção. Estar tão perto dele faz meu corpo querer o que eu tive há muito com ele, mas tal pensamento me enche de culpa. Seus olhos não se desviam dos meus, mas não consigo sustentar meu olhar por muito tempo; desvio-o para o da cantora, e em seu sorriso percebo que armou esta dança de propósito. Desejara desde o começo nos colocar em uma situação tão desconfortante quanto nostálgica.

"Oh, yeah, give it to me
This is heaven
What I truly want
It's innocence lost
Innocence lost"

me curva para trás, segurando meu corpo perto do dele. Levanto-me novamente e ergo as mãos acima da cabeça, assim como ele faz, para depois as juntar com as minhas e escorregá-las pela lateral de nossos corpos enquanto a música cessa em torno de nós.
Nos olhamos por um tempo enquanto os convidados batem palmas, mas isso é a última coisa com a qual me importo. se aproxima um pouco mais de mim, até seus lábios estarem colados em meu ouvido.
"Eu nunca vou cair no seu olhar outra vez, feiticeira." é o que diz antes de se virar e seguir para perto de sua esposa outra vez.

~**~


Há dois meses houve um casamento. O casamento de minha filha com o quem chamou de amor na primeira vez em que tocamos no assunto.
Há dois meses, tive o grande pesadelo de minha vida em minha frente outra vez, e sem nada para fazer contra. Há todo esse tempo, fiz minha escolha. A decisão de sacrificar meu sorriso para ver um no rosto de .
E hoje, sentada em minha casa, sozinha, percebo que foi a melhor decisão que poderia ter tomado. Em todos esses anos, busquei a proteção dela. Busquei que fosse feliz com o pouco que temos. Busquei que não passasse pelo que passei. E se para que ela tenha isso, eu precisar encarar o homem que não tive, o farei. Nem que perca uma parte de mim a cada vez que encontro com o sogro de minha filha. Nem que chore calada a cada jantar em que preciso encontrá-lo. Deixarei que ela tenha o que eu não tive. Amor.


Continua...



Nota da autora: (09/01/2016) Sem nota.




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