Capítulo Único
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
– Ei, tu tá pronta pra ir?
estava jogada em sua cama com seu celular nas mãos e olhando a cada minuto as redes sociais do seu time do coração. Em poucos minutos, ela, seu pai e seu tio sairiam para mais um clássico, o maior do Brasil e até do mundo, segundo ela.
– Nasci pronta – riu ao responder e deixou o celular de lado, vendo que seu pai também esboçou uma risada e lhe avisou que escovaria os dentes antes de saírem.
Ela concordou, com certo nervosismo tomando conta do seu peito. Desde pequena fora acostumada a ir aos jogos do Grêmio com o seu pai, e cada um deles tinha um sentimento diferente. Estava vestida com o seu manto favorito e da sorte, todo tricolor e de manga comprida pelo frio que fazia naquela semana.
Checou a sua bolsa pela trigésima vez naquele dia - cachecol, check; luvas, check; ingresso, check, e carteira, caso quisesse comprar algo pra comer no estádio. Pegou o aparelho e jogou por ali, colocando a alça no ombro e saindo pela casa.
– Que camisa horrível. Esse vermelho faz com que meus olhos doam! – resmungou ao dar de cara com o seu tio, que torcia pelo time rival.
O mais velho, que tinha seus cabelos grisalhos assim como o seu pai, gargalhou e bagunçou os fios da mais nova.
– Bah, guria...
– Cheguei! – o pai de falou e ela se virou ansiosamente para olhá-lo já com um sorriso nos lábios. – Vamos?
– Vamos! Tô tri ansiosa.
O caminho da sua casa até a Arena do Grêmio foi feito a pé, tendo em vista que a jovem torcedora morava em um dos prédios que ficavam próximos ao estádio tricolor. Dias de jogos do Grêmio eram de extrema importância para , ela tentava não ter compromissos e vestir sempre o mesmo manto que dava sorte; contudo, Grenais a situação ficava ainda mais séria.
Seu coração começou a bater ainda mais forte conforme os três se aproximavam do estádio e a banda podia ser ouvida, fazendo com que ela começasse a pular e balançar um dos braços, alentando.
Se aproximaram de um dos portões que dava para a torcida mista no Grenal, espaço reservado no estádio para torcedores que não ligavam em assistir ao jogo com um rival ao seu lado, sempre sendo um amigo ou alguém da família. Esse local nunca teve nenhum problema, diferente de outras partes do estádio.
– Nem acredito que chegamos. O que tu achas, tio? O estádio é lindo, né?
Ela andava de costas, já sabendo que o seu lugar era uma daquelas cadeiras, mas sentiu algo bater nas suas costas e deu um gritinho, afinal, era gelado e estava frio. Observou a expressão do seu pai e, devagar, foi se virando para ver o que havia acontecido, mesmo que ela já soubesse o que era.
– Guria!
Seus olhos foram direto, quando se virou, na camisa vermelha do rapaz a sua frente. nem conseguiu direito olhar nos olhos dele e a raiva pareceu possuir seu corpo.
– Guria? – ela se irritou com o tom usado. – Tu virou essa merda de refri em cima de mim, babaca.
A jovem torcedora cruzou os braços e arqueou a sobrancelha como se o desafiasse.
– Virei porque tu brotou na minha frente, guria – ele usou o mesmo tom de antes, provocando, e deu um sorriso.
– Eu tô toda molhada – resmungou ao fazer uma careta rápida e passou as mãos pra trás a fim de conseguir entender o tamanho do problema. O rapaz a sua frente riu, a raiva dela triplicou instantaneamente. Sua risada era maliciosa. – Vai te...
– !
No instante em que ouviu a voz do pai, a morena, com seus cabelos escuros jogados pra frente, engoliu o xingamento que iria proferir e sustentou por longos segundos o olhar do rapaz a sua frente.
– , vamos sentar!
notou as sardinhas no nariz da garota a sua frente e percebeu que não conseguia tirar os olhos dela até que ouviu novamente a voz do seu pai dizendo pra deixar pra lá.
– Tinha que ser gremista! – ele sentou-se ao lado do pai depois de resmungar
– O que você disse? – o questionou, nervosa
– Isso mesmo que você ouviu – virou o seu rosto pra trás.
– Babaca! – murmurou
– Irritante!
– Irritante é você!
A gremista tirou o seu agasalho preto com o escudo do Grêmio enquanto fazia uma careta rápida e xingava mentalmente o tal rapaz por ter derrubado refrigerante em um dos seus agasalhos favoritos.
– Filha, vai lá comprar outro refri pra ele – virou o rosto já com o cenho franzido quando ouviu a voz do seu pai.
– Mas nunca – respondeu imediatamente. – Os jogadores estão entrando em campo pro aquecimento eu não quero perder de ver o Doga. Faz tempo que ele não joga!
– Você vai vê-lo em campo. Agora, vai – o pai pediu de um jeito sério.
– Vai com ela, .
O rapaz, que levava uma pipoca até a boca, parou no mesmo instante e olhou para o pai com o cenho franzido e uma expressão incrédula.
– Ela conhece esse lixo de estádio, então eu não preciso ir com ela – deu de ombros ao voltar a comer.
– Cala a boca, seu idiota – quase gritou.
As famílias de ambos se entreolharam, principalmente os pais. O tio de estava entretido no celular e não prestava atenção na conversa. A garota olhou para o pai como se pedisse para não fazer aquilo e recebeu um olhar que conhecia muito bem: teria que acabar indo. Revirou os olhos e se colocou em pé, quase batendo com eles no chão.
– Vamos, coloradinho!
Sem saber, teve quase a mesma reação ao pedir para o seu pai com o olhar para não ir, mas acabou se levantando e indo atrás da menina de cabelos escuros, compridos e esvoaçantes. Foram andando lado a lado por um bom tempo e sentia o perfume dos cabelos dela o atingindo junto ao vento.
– O que vai querer? – indagou com os braços cruzados ao entrarem em uma fila pequena na lanchonete.
– Uma Coca-Cola está ótimo.
O silencio predominou novamente entre os dois torcedores rivais até que a mulher fosse chamada para fazer o pedido, mas, enquanto pedia a Coca-Cola de , sentia a presença dele ao seu lado e isso fazia com que seu coração batesse em uma velocidade um pouco mais alta do que o normal. Era a raiva que sentia dele, com certeza.
Seus devaneios foram interrompidos quando ouviu o seu nome e virou para ver quem era. Engoliu seco imediatamente e, ao seu lado, notou que a feição do rosto da mulher mudou de brava para tensa. Olhou para onde ela olhava e viu um rapaz se aproximar vestindo uma camiseta do seu time.
– Oi Juls. Como você está? – ele se aproximou com um sorriso.
– Ótima. E você?
e acompanharam o movimento do rapaz, que colocou uma das mãos no balcão de pedidos e ficou mais próximo dela. Ele continuou sorrindo e passou um dos dedos pelo cachecol da garota e ela tateou, pegando em qualquer parte do agasalho de e segurando ali com firmeza.
– Ei. Dá espaço pra ela, ouviu? – falou de um jeito sério e encarou o rapaz.
– A Coca- Cola.
A garota agradeceu mentalmente e se virou para pegar o copo com o refrigerante, agradeceu a moça após pagar e chamou por . Saíram dali com o rapaz ainda olhando para o outro com o cenho franzido, que ficava cada vez mais distante.
– Quem é ele? Teu ex? – investigou. Ela negou ao lhe entregar o copo com o símbolo do Grêmio.
– Esse copo é lindo! – falou sorrindo.
Ele não teve como não corresponder ao sorriso dela ao vê-la mostrar todos os dentes e pôde, mais de perto, notar como ela tinha algumas sardinhas espalhadas pelo rosto e o nariz. Ficou preso àquela garota até voltarem aonde estavam sentados anteriormente.
O jogo começou uns bons minutos depois e se encontrava em silencio pensando no que havia acontecido na lanchonete, mas queria tirar aqueles pensamentos da sua cabeça. Então, quando o Grêmio atacou e quase fez um gol, ela se levantou para xingar o jogador que não tocou a bola.
– Boa, Douglas! Não toca a bola, não. Continua assim que tá ótimo – se levantou da mesma forma que a garota a sua frente e falou alto.
Ela olhou pra trás e o viu com um sorriso maroto nos lábios ao olhá-la de volta. Revirou os olhos e tirou o cachecol, visto que se levantar, gritar e alentar o time estava dando-lhe certo calor. Deixou a peça de roupa sobre a cadeira e ficou em pé, assim como o seu pai.
– Esse jogo tá fácil. O time do Grêmio é lento no meio de campo...
– Fácil? – se virou para olhá-lo e arqueou a sobrancelha. – Talvez você tenha memória fraca e não se lembre de que o Internacional não ganha um clássico há uns bons anos. Teve aquele cinco a zeor no Brasileirão de dois mil e quinze, e falo mais: desde que o Renato chegou, as coisas estão feias pro lado de vocês. Quantos títulos vocês ganharam nesses últimos anos?
O colorado ficou em silêncio com a mente funcionando a mil e tentando achar algo muito bom pra falar para a gremista, mas nada saiu da sua boca e só conseguiu fitar os lábios dela, tendo em vista que a torcedora mordia o próprio lábio de leve esperando que ele lhe respondesse.
O jogo acabou com um empate entre as duas equipes; no entanto, para o lado gremista, teve cara de derrota, visto que o time tricolor começou ganhando e acabou por tomar o empate duas vezes.
– Que bela porcaria – a mulher fez um bico para o pai, que concordou, rindo.
– O time ficou desligado em alguns momentos – o mais velho acrescentou.
Os três se levantaram para poderem ir embora. A torcedora se espreguiçou e viu que boa parte do estádio já estava saindo, então, sem aguentar, olhou para trás e viu tirando uma foto com o pai e um sorriso mínimo brotou em seus lábios.
Quando o garoto olhou pra frente, viu que não estava mais ali e deixou um suspiro tomar conta do seu corpo. Ouviu seu pai falar para irem embora e concordou. Foi se levantando, e quando olhou para a cadeira recém ocupada pela gremista, viu o cachecol dela ali.
– A esqueceu – soprou o óbvio.
Em um gesto espontâneo, olhou atrás do cachecol como se procurasse algum jeito de contatar a guria, mas algo escrito na etiqueta chamou-lhe a atenção.
Pertence à
Um sorriso preencheu seus lábios e ele sentiu uma das mãos do pai em seu ombro.
– Você vai vê-la de novo?
Olhou para o pai e segurou com força a peça de roupa em suas mãos.
– A gremistinha? É claro.