It Ain't Me


O uísque estava em suas mãos. Provavelmente esse já era o quinto ou sexto copo, mas depois do terceiro ela já havia parado de contar. Afinal, a mulher tinha acabado de ter um amável encontro com o seu agora ex-marido.
De longe, ela parecia alguém apenas cansada após um longo dia de trabalho, o jaleco ao seu lado indicava sua profissão. Talvez ela tivesse passado por alguns plantões, mas fora isso, tudo parecia tranquilo. Ah, é claro. Tinha a exceção da quantidade ingerida por ela.
O copo passava de uma mão para outra, enquanto a mulher brincava com a bebida. Seus olhos ardiam um pouco e já estavam vermelhos, tanto pela falta de sono, quanto a embriaguez. Ela largou alguns dólares na mesa para pagar o que ela havia consumido, pegou suas coisas e saiu rapidamente do bar.
A cidade de New York a recebeu de braços abertos: a rapidez das pessoas andando de um lado para o outro, sem parar, as inúmeras lojas e de longe ela podia ver as luzes da Times Square. Tinha sido uma longa caminhada desde o Hospital of Special Surgery até aquele bar e nesse exato momento ela não sabia para onde ir. Ela entrou no metrô e foi descendo até o sul e parou na estação próxima à New York University. E literalmente, apenas decidiu continuar andando sem rumo. Aquele homem, Parker, tinha sido a sua vida nos últimos vinte e três anos. Eles tinham passado por todo tipo de situações possíveis e agora tudo estava acabado.
Ela passou em frente ao The Bowery Hotel e as memórias inevitavelmente acabaram vindo em sua mente:

“I had a dream
(Eu tive um sonho)
We were sipping whiskey neat
(Nós bebíamos uísque)
Highest floor, The Bowery
(No andar mais alto do hotel The Bowery)
Nowhere’s high enough
(Não há lugar algo o bastante)”


flashback - ’s POV

— Cuidado! — riu enquanto finalmente chegávamos no último andar do The Bowery, hotel que estávamos hospedados para a nossa lua de mel. Devo admitir, tínhamos passado um pouco da quantidade segura de álcool que uma pessoa humanamente poderia consumir, mas era nossa lua de mel. Queríamos aproveitar o máximo possível!
— Olha as luzes, ! Essa cidade é maravilhosa! O movimento, as pessoas, lugares! Por favor — pedi, enquanto fazia minha carinha mais fofa possível para ele — vamos morar aqui assim que nosso curso terminar! Você pode trabalhar no Presbyterian, é um dos melhores para cirurgia cardíaca e eu posso fazer minha residência lá também! Sei que você não é muito fã da cidade grande, mas New York pode fazer você se apaixonar por ela!
Seus olhos estavam firmes em mim e naquele momento, eu sabia… não! Eu tinha a certeza de que era a garota mais amada em todo esse universo, em toda essa galáxia. veio mais para perto de mim e acariciou meu rosto calmamente com sua mão livre.
— Para você? Tudo o que você quiser. Meu coração é seu. Meu corpo, minha alma, tudo o que eu sou, é seu. Eu amo New York porque você ama essa cidade. Céus! Eu moraria até embaixo da ponte se você fosse feliz lá.
Eu sorri o máximo que podia enquanto puxava seu rosto para mais um beijo, sem me importar com mais nada e nem mesmo quando ouvi o som dos copos de whiskey quebrando no chão eu não me importei. Eu tinha ele. O amor da minha vida comigo e nada mais importava.

fim do flashback - ’s POV continua.

As lágrimas caíram mais fortemente no meu rosto. Depois desse dia, nos mudamos para New York assim que o nosso curso acabou, e entramos no programa de residência do Presbyterian Hospital. Ele virou um cardiologista cirurgião e eu fui para a cirurgia ortopédica no Hospital of Special Surgery, o melhor na área.
Aquela cidade tinha sido cenário dos momentos mais felizes da minha vida. Até cerca de duas semanas atrás, quando as brigas começaram. Pelos motivos mais estúpidos que pudessem existir. Já estávamos um pouco balançados há alguns meses, nos tornamos distantes, frios um com o outro. Eu já não o reconhecia mais.

“Somewhere along the lines
(Em algum momento de nossas vidas)
We stopped seeing eye to eye
(Nós paramos de nos olhar nos olhos)
You were staying out all night
(Você ficava fora a noite inteira)
And I had enough
(E eu cansei)”


Eu tentava me recordar de qual foi o momento em que tudo começou a dar errado. Quando virou normal ficarmos dias sem nos vermos, cada um tendo plantões em seu próprio hospital. Quando eu estava em casa, ele estava no plantão e quando eu saia para trabalhar, ele voltava para casa. E teve uma hora que eu cansei. De toda aquela distância, da frieza. Acho que foi nesse momento em que as brigas começaram.

“No, I don’t wanna know
(Não, eu não quero saber)
Where you been or where you goin’
(Onde você esteve ou onde está indo)
But I know I won’t be home
(Mas eu sei que não estarei em casa)
And you’ll be on your own
(E você estará por conta própria)”


flashback

— Você nunca está em casa, ! Sempre está no hospital ou saindo com seus amigos e todos os momentos que eu escapo das cirurgias, você tem algo mais interessante para fazer ao invés de ficar com o seu marido. — a briga já tinha saído do nível civilizado há algum tempo. Já estávamos na fase dos gritos fazia alguns minutos. Das acusações sem sentido também.
— Eu? Acho que você está se confundindo comigo, . — eu desliguei o fogo do fogão, desistindo de fazer o jantar. Depois de dias sem nos vermos, iríamos tentar ter um jantar juntos, para conversar e nos entendermos, mas até então estava tudo dando errado. — Todas as vezes que a gente tenta marcar algo, você sempre arruma uma desculpa. E algumas delas são bem estúpidas.
— Estúpidas? Me dê um exemplo. — ele riu sarcasticamente.
— Bem, eu acho que jogar baseball no mesmo dia que iríamos sair para jantar depois de quase cinco dias sem nos vermos é BEM estúpido. — joguei o pano de prato no balcão e abri uma das gavetas atrás de algum número de delivery. Já percebi que não ia rolar um jantar amigável hoje.
— Aquele jogo estava marcado já fazia um mês, eu não podia cancelar. Mas se for para contar pontos, e aquela vez que estávamos três dias sem nos vermos e você foi para a casa da Kylie, aquela sua amiga do hospital?
— Sério? Sério mesmo? A mãe da Kylie tinha ACABADO de morrer! Eu fui dar suporte para uma das minhas melhores amigas naquele hospital! — me virei rapidamente em sua direção, algumas lágrimas escapando do canto dos meus olhos.
— Ok, desculpa. Eu não lembrava que esse era o motivo. ,…
Antes mesmo que ele falasse, eu já sentia que era aquilo. Era o nosso fim. Eu só estava curiosa para saber o motivo de porque tudo aquilo estava acontecendo.
— Não dá mais. A gente não está fazendo bem um ao outro. Isso tem que terminar. — veio em minha direção e tentou pegar minha mão, mas eu puxei ela para perto de mim o mais rápido que pude.
— Então é isso. 23 anos de história, 14 anos de casamento podem terminar desse jeito. Bom saber.

“I had a dream
(Eu tive um sonho)
We were back at seventeen
(Nós tínhamos dezessete anos de novo)
Summer nights and The Libertines
(Noites de verão ao som dos The Libertines)
Never growing up
(Nunca cresceríamos)
I’ll take with me
(Levarei comigo)
The polaroids and the memories
(As polaroids e as memórias)
But you know I’m gonna leave
(Mas você sabe que eu vou deixar)
Behind the worst of us
(Para trás o pior de nós)”


A cozinha estava em um silêncio total. Uma agulha poderia cair e ainda assim ouviríamos o barulho. Todo o ambiente parecia estar em câmera lenta. Eu queria lembrar daqueles garotos de dezessete anos, ouvindo The Libertines e jurando que aquele amor de verão seria algo para a vida inteira. As risadas e as polaroids tiradas, as frases de amor e juras de algo que duraria para sempre.
A ideia de que algo pudesse durar para sempre me parecia um pouco trágica agora. Olhei para o canto da sala onde a gente tinha um mural, cheio de fotos da nossa adolescência e que contavam um pouco a nossa história. Ele percebeu onde eu estava olhando e olhou naquela direção também.
— Nós fomos algo bem especial, não?
— Já estamos falando de nós dois no passado? Bem rápido, não? — o sarcasmo saiu de mim involuntariamente. — Desculpe. Não queria falar nesse tom.
, só porque algo não é eterno, não significa que não foi amor. — veio para mais perto de mim e me encarou firmemente, percebi que seus olhos também estavam marejados.
— Eu sei. Eu só não queria que tudo isso acabasse desse jeito.
— Nenhum de nós queria. Mas esse foi o final.

“Who’s gonna walk you through the dark side of the morning?
(Quem vai te acompanhar pelo lado negro da manhã?)
Who’s gonna rock you when the won’t let you sleep?
(Quem vai te embalar quando o sol não deixar você dormir?)
Who’s waking up to drive you home when you’re drunk and all alone?
(Quem vai acordar para te levar para casa quando estiver bêbado e sozinho?)
Who’s gonna walk you through the dark side of the morning?
(Quem vai te acompanhar pelo lado negro da manhã?)
It ain’t me, no
(Não serei eu, não)”


— Bem… eu acho que este é o fim. — eu falei enquanto caia no sofá da sala.
Nenhum de nós falou algo por um tempo. Como se adaptar à uma nova rotina depois de vinte e três anos de convivência? Nenhum de nós dois sabia como reagir.

Fim do flashback

Depois dessa conversa, foi quando eu fui para o bar, bebi todas as minhas frustrações e agora eu estou sentada em um banco perto do The Bowery, totalmente sozinha e ainda tentando entender o que tinha acabado de acontecer.
Agora era um momento para eu descobrir a mim mesma, quem eu sou quando eu não estava com o . E essa era uma descoberta que eu estava ficando ansiosa para desvendar.

Continua...



Nota da autora: Hey pessoal! Espero que vocês tenham gostado. Escrevi essa short em duas horas, estava chateada com uma situação que estava acontecendo na minha vida e acabei me inspirando para escrever essa short. Várias coisas mudaram da minha idéia original até eu terminar de escrever, mas eu gostei do resultado final. O propósito era falar sobre um término dolorido, de uma história bem longa mas que no final, a pp pudesse perceber que tem algumas coisas que por mais que sejam doloridas, elas vem para nos fazer melhor. Qualquer coisa, dá um oi no @rockvatodl! E comentem aqui embaixo! <3 Caso queiram me acompanhar em outras histórias, tenho outra fic em andamento chamada Rock Bottom.




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