Capítulo 20 - Dia I
Wolverhampton – 21 de agosto de 2016 – 11:40 am.
- Chegamos à terra do estranho aqui. – Mesmo com uma enorme placa revelando o nome da cidade, fiz questão de lúcidar a que ali era a minha cidade natal.
- Começamos bem, direto para o buraco. – Entortou a boca ainda evitando me encarar, não esmoreci a empolgação.
- Primeiro nós vamos almoçar, depois...
- Você só pensa em comida? – Olhou pra mim como se me medisse, e estivesse com repulsa. – Você deveria parar de comer, já está bem gordo e as pessoas estão comentando.
Fingi me ofender pra deixá-la mais confortável, mas eu estava rindo por dentro, com a sua tentativa de magoar e me afastar.
- Mesmo ferindo o meu ego, eu vou te levar no meu restaurante favorito, o Penn Tandoori, eles fazem o melhor chicken tikka bhuna do mundo.
- E o que seria isso?
- Basicamente é um frango com bastante especiaria.
voltou a ficar muda, observando a cidade que surgia quase como fotografias através da janela do carro.
O pequeno restaurante agora parecia mais luxuoso, mas eu ainda sentia o aconchego que o lugar sempre me trouxe. Estacionei o carro e me virei pegando a mochila onde os disfarces estavam e decidi usar uma peruca de fios platinados, e que iria me deixar ridículo, mas irreconhecível também.
- O que você vai usar? – analisou as suas opções e decidiu usar uma peruca que não era diferente de seu cabelo, exceto pelo comprimento muito menor, depois colocou enormes óculos escuros. Antes que pudesse sair do carro, ela me impediu.
- Nós precisamos de novos nomes. Você está ridículo, a propósito. – Sua birra a impossibilitou até de ri de mim.
- Quero ser Bruce Wayne.
- Sério? – Ela ergueu a sobrancelha. – Por causa do Batman?
- Eu estou sendo criativo, e ele é meu super-herói favorito.
- Então eu serei Selina Kyle. – Se decidiu, e foi a minha vez de impedir a sua saída.
- Sério? Mulher gato?
- Gosto de pensar nela como a melhor inimiga do Batman. – Forçou um sorriso. – Que foi? Estou sendo criativa.
Deu de ombros e desceu do carro, entrando no restaurante sem esperar por mim. Escolheu uma mesa um pouco afastada, mas de frente para as enormes janelas de vidro que mostravam ainda mais a cidade. Me apressei em segui-la, porque sabia que seria reconhecido ali, e se eu estivesse certo, Sue largaria a sua cozinha só para vir me atender.
Acomodei-me numa cadeira em frente a que estava, e não precisei de cinco minutos pra conseguir notar os sussurros vindos dos funcionários que nos encaravam, e não nos atendia. Abaixei a cabeça fingindo que estava analisando o cardápio, como eu previa Sue surgiu com um enorme sorriso.
- Eu sei que é você cabeça de queijo. – Riu e agitou os cabelos da minha peruca. – Meu pequeno . – Diminuiu o tom de voz ao pronunciar o meu nome, e não estragar o péssimo disfarce. Ri no mesmo tom e me levantei para abraçá-la.
- Você sempre me descobre.
- Eu sempre vou conhecer essas bochechas. – Apertou o local por três vezes antes de finalmente me liberar e levar a sua atenção a . – Escolheu bem dessa vez, como vai querida?
sorriu pra ela e também se levantou, mas antes que estendesse a sua mão para cumprimentá-la, a mulher também apertou suas bochechas, e o gesto espontâneo parece tê-la divertido e a distraído de todos os sentimentos ruins.
- Eu sou Sue.
- Muito prazer, eu sou... . – Revelar o nome verdadeiro foi mais como um gesto de confiança.
- É a sua primeira vez em Wolverhampton?
- Sim, estou encantada, é uma cidade linda.
- Eu aprovo essa namorada, Cabeça de queijo.
- Ah não! – a corrigiu de imediato. – Não sou namorada, sou uma... – Procurou as palavras exatas e ao encontrar me olhou provocante. – Uma prisioneira.
Sue riu, mesmo sem entender e continuou a sua análise admirada pra mim e .
- Vou preparar de tudo um pouco, vocês parecem famintos, e estão muito magros.
- me disse isso agora a pouco. – Passei a mão na barriga e lancei à um sorriso de escárnio, que me devolveu um impaciente. – Ela vive dizendo o quanto sou gostoso.
- Isso é apenas amor, Cabeça de queijo.
A mulher robusta, que agora tinha cabelos grisalhos, e fortes linhas de expressão, saiu antes que pudesse contestar alguma coisa, trazendo certa frustração a ela.
Voltei a me sentar, e meu riso foi se desfazendo quando não consegui arrancar nenhuma palavra de , até que o nosso almoço chegasse. Como sempre, Sue havia exagerado na quantidade de comida, e na perfeição na qual fazia o seu trabalho, estava tudo delicioso e pareceu despertar o apetite até então inexistente de . No final ela fez grandes elogios à comida e ao atendimento. Sue mostrou através das janelas, alguns pontos turísticos da cidade, e também lhe ensinou algumas gírias locais, além de me constranger revelando como eu era na infância.
- Trouxe a sobremesa favorita desse mocinho aqui. – Sue apertou minhas bochechas mais uma vez. – A receita inclusive vem da família dele.
- Obrigado, Sue. – Agradeci, e não evitei passar a língua pelos lábios já prevendo a delícia que provaria. olhou pra mesa e se assustou ao ver rice pudim numa taça.
- Achei que sua sobremesa favorita fosse torta de mirtilo. – Me encarou buscando entendimento. – Você sempre pedia torta de mirtilo. – Havia em seu olhar uma sensibilidade palpável, provavelmente assim como eu, ela estava lembrando-se do meu avô, mas o que não sabia é que de nada ele tinha a ver com minha usual mania de pedir a torta.
- Eu sempre pedia porque essa era a sua sobremesa favorita. – me olhou com apresso de quem havia descoberto algo realmente valioso, depois voltou a sua atenção para Sue.
- Você poderia me passar à famosa receita? – Os olhos de Sue brilharam de empolgação com o pedido.
- Farei mais. – Sorriu pra e segurou sua mão. – Vou te ensinar agora mesmo, vamos até a cozinha.
Prontamente se levantou e seguiu a mulher, deixar uma estranha entrar na cozinha do Tandoori era algo tão inédito que nem os outros funcionários podiam acreditar. havia mesmo conquistado Sue.
Eu sabia que não se interessava por gastronomia, tampouco estava fazendo aquilo pra me agradar, mas vê-la se esforçar pra encontrar novas perspectivas era um ótimo exercício, que estava me fazendo sorrir como um grande imbecil.
Comi a sobremesa, conversei com algumas pessoas, e esperei pacientemente para que a “aula” de terminasse. Um tempo depois as duas voltaram conversando como se fossem amigas de infância, retomou o seu lugar na mesa e me entregou outra taça com mais rice pudim.
- Você precisa experimentar esse. – Ordenou empolgada e eu logo obedeci. A sobremesa preparada por estava incrível, e eu poderia continuar provando aquela pequena dose não só de açúcar, mas também das emoções dela que eu estava buscando.
- Um dia você chega lá. – Provoquei e me jogou um guardanapo mostrando certo receio, mas acompanhou a gargalhada de Sue.
- Está tão ruim assim?
- Não, só estou brincando com você. – Quando ela respirou fundo por alivio ao ouvir a minha avaliação eu fui até o céu, tendo certeza de que estava no caminho certo, esperança renovada.
Com um grande esforço, já que por Sue nós deveríamos ficar para o jantar, nós saímos do restaurante, e mesmo fazendo mais calor fora do lugar, eu acabei sentindo uma friagem, e ela vinha de .
- Permitam ser felizes, não sabemos se essa sensação será passageira. – Foi o conselho que Sue nos deu, enquanto abraçava . – Aproveitem a aventura.
- Nós iremos. – Provavelmente mentiu pra não demonstrar sua antipatia à uma pessoa que lhe foi tão carinhosa e agradável.
- Voltaremos em breve.
- Ah, Cabeça de queijo. – Apertou a minha bochecha depois de um rápido abraço. – É bom que esteja falando a verdade, eu sinto muito a sua falta.
- Eu prometo. – Gritei já entrando no carro, e esperei por mais um abraço de despedida entre as duas.
Quando entrou no carro, seu animo foi se desfazendo assim que seus olhos cruzaram com os meus, como se eu a lembrasse da dor. Tentei não me abalar com isso, e me manter positivo, mostrando a onde eu havia estudado, onde eu fazia boxe, e até o lugar onde eu tinha dado meu primeiro beijo, tudo mesmo diante a sua falta de interesse.
Estacionei em frente a enorme instituição que eu havia ajudado a construir, e que me enchia de orgulho. Lhe expliquei suscintamente a proposta do lugar, e que com a correria do meu trabalho, eu ainda não havia tido tempo pra fazer uma visita, então aquela era a minha primeira vez ali também. retirou sua peruca e óculos escuros, e fez o mesmo com os meus.
- Quem você quer ser agora? – Perguntei sem entender o seu gesto.
- Ninguém. – Encarou o prédio, depois os meus olhos, como se a resposta fosse óbvia e estivesse bem diante dela. – Aqui eu quero ser eu mesma.
Deixei estampado o meu sorriso de orgulho, e ela saiu do carro primeiro que eu, mas esperou por mim pra entrar.
Blake nos recepcionou. Ela deveria ter a mesma idade que eu e , e era bastante simpática e comunicativa, fez questão de nos guiar para conhecer cada lugar dali.
Entramos num ginásio enorme, os adolescentes estavam jogando futebol, enquanto outros treinavam basquete. Nenhum deles pareceu se importar com a nossa presença.
- Cerca de cem alunos se inscreveram, nós buscamos atingir o pleno potencial de cada jovem, para que eles alcancem os seus objetivos e sonhos.
- E como isso aqui é mantido? – perguntou a Blake, mas mantendo seu olhar para as atividades das crianças.
- Doações. – Ela sorriu com obviedade. – Principalmente dos locais. Todos tentam ajudar, sejam com donativos ou incentivos.
Assistimos um pouco do jogo dos garotos, e estava realmente impressionado com a habilidade deles. Pareciam profissionais que se divertiam com a bola, em cada truque ou drible. ao meu lado agitava levemente as pernas como se estivesse refazendo os passos de cheerleader.
O apito do professor pausou o jogo, e os garotos foram até nós.
- Olá crianças, vocês devem conhecer. – Apontou pra mim e depois se voltou pra minha acompanhante. – E essa é .
Vi os garotos cumprimentarem e se entreolharem, todos com risinhos que demonstravam o quanto a beleza dela era admirada. Provavelmente eles já a conheciam, mas foram bastante educados e agiram com naturalidade, diminuindo a barreira que estava estabelecendo com as pessoas. Ela estava solta, comunicativa, e brincalhona. Nós conhecemos um por um, falamos um pouco sobre o esporte, o que eles esperavam do futuro, e sobre um campeonato que eles participariam.
- Você vai jogar com a gente? – Um garoto perguntou a , que riu negando.
- Sou um total desastre, a menos que vocês me ensinem. Mesmo assim, eu acho que posso até machucar vocês. – Eles riram, e o garoto mais baixo da turma, mas que corria como um foguete tomou a frente.
- Futebol é muito simples, e pode ter certeza que jogando alguns minutos com nosso time, vai sair daqui quase profissional. – Determinou com autoconfiança, qualidade que eu sabia o quanto admirava.
Ela decidiu encarar a experiência e não se parecia com aqueles artistas que doavam seu tempo e atenção às crianças para ganharem algum tipo de reconhecimento, era totalmente o contrário. buscava apenas um acalanto, e sem seu sapato de salto alto, um coque mal feito prendendo o cabelo, as bordas de suas calças erguidas até os joelhos, rosto corado pelo esforço de aprender a jogar futebol, um sorriso frouxo, e os olhos negros que estavam voltando a brilhar, aquelas crianças que estavam preenchendo espaços em branco do coração dela.
Depois do breve e animado jogo, se recompôs e se despediu de cada um, prometendo lhes fazer uniformes exclusivos. Seguimos nosso tour pela instituição junto a Blake, e entramos numa enorme, vazia e iluminada sala.
- Aqui é a oficina de arte onde as crianças aprendem música, dança ou pintura. – Ela nos indicou uma porta. – As crianças estão esperando por vocês, elas farão uma apresentação.
- Acho que esse é o meu lugar favorito. – Brinquei e antes de continuarmos pra chegar até o auditório, notei que estava parada observando uma garotinha sentada sozinha.
- Aquela é Sara, ela prefere ficar um pouco mais reclusa, enquanto faz vários desenhos de roupas. Vai até lá, você vai gostar dela. – Blake incentivou e sem pestanejar, se aproximou.
- Oi, Sara. Meu nome é , mas pode me chamar de .
- Oi. – A menininha loira, com sardas adoráveis, deveria ser um pouco mais velha do que Jazzy. Ela olhou fixamente, com seus enormes olhos verde, pra , como se soubesse exatamente quem ela era, mas não fez nenhum alarde com isso.
- Posso me sentar? – O sorriso doce brincou no rosto da menina e foi mais do que acolhedor, que o retribuiu. Puxou uma pequena cadeira colorida e se sentou. – Soube que você gosta de desenhar.
- Por que dizem que eu sou boa. – Deu de ombros, e pela primeira vez a garotinha não pareceu tão animada.
- Mas só por isso? – Ela confirmou com um aceno, ainda concentrada em seu trabalho, assim como eu, percebeu que havia mais ali, e instigou a criança. – Bom, eu adoro desenhar, eu trabalho com isso.
- E você consegue ganhar bastante dinheiro?
- Sim, mas acho que essa não é a questão, fazer o que se ama é mais importante.
- Não, agora é importante o dinheiro.
- Por quê?
- Meu irmãozinho está doente, e mamãe me disse que só um milagre poderia salvá-lo, então eu preciso juntar dinheiro pra comprar um milagre pra ele.
- Como o seu irmão se chama?
- , ele tem dois aninhos, e quando eu chego em casa ele sempre quer brincar comigo, mas ele fica logo cansado e quer dormir, ou a mamãe não deixa.
- Ela não deve fazer por mal.
- Eu sei. Toda noite ela parece triste, então eu a abraço bem forte e a ajudo chorar. – Meus olhos brilharam pelas lágrimas que surgiram e eu tentei segurar.
- Você é uma criança incrível, seu irmão tem sorte de ter você na vida dele. – Vi o nó se formar na garganta de , e sua pose desmoronar a cada segundo. – Eu tenho um amigo que se chama .
- E ele é legal?
- Não. – Riu e olhou pra mim, também aguando um choro por dentro. – Ele é um chato. - Mas se ele é seu amigo, você deve gostar dele. E ele deve ser um pouquinho legal.
- Ele é. Muito, muito legal. – olhou rapidamente pra mim, depois abaixou a cabeça. – Eu é que estou com o coração um pouco doente. – Antes que a curiosidade da menina disparasse, ela mudou de assunto. – Você poderia me mostrar àqueles desenhos ali? – apontou pra uma pilha de papéis coloridos, Sara os entregou, e teatralmente os analisou por vários minutos. – Eu adorei a combinação de cores, e o caimento de suas roupas são bem característicos. – falava como uma profissional, e mesmo a criança não entendendo nada, o objetivo era fazê-la se sentir grande e especial, e pelos os olhos de Sara, estava conseguindo exatamente isso. – O que você acha? – Perguntou a mim, mostrando-os e eu mantive a postura construída por ela.
- São realmente ótimos.
- Sara, eu e meu sócio ali, gostamos dos seus desenhos, você poderia vendê-los pra mim?
- Hã? – Abriu sua boca no máximo de seu espanto. – O que?
- Te pago o valor do seu milagre, vamos fechar negócio? – Como se soubesse que aquilo era uma doação, a menina abraçou com uma força desmedida, num agradecimento tão puro quanto a sua inocência. – Você vai voltar a brincar com o seu irmãozinho.
O sussurro de tinha um tom embargado, recheado dos sentimentos que ela estava perdendo.
- Os garotos já vão começar. – O aviso de Blake interrompeu o momento entre as duas.
- Você não quer assistir a apresentação com a gente? – Sara negou.
- Preciso fazer uma coisa, bem rápido! – Garantiu a ainda mantendo um sorriso no rosto.
- Tudo bem. – lhe deu um beijo na bochecha, e só então nós seguimos para o auditório.
Assistimos as apresentações, recebemos o carinho de todos os que ali estavam, mas assim que acabou, seguimos guiados pela ansiedade de , até o setor administrativo. Ela estava mesmo disposta a saber tudo sobre as condições médicas do irmão de Sara, e as maneiras que poderia ajudar.
Fiquei impressionada com o seu empenho e engajamento, ela havia saído do total estado de torpor assim que encontrou um motivo para se movimentar. Esperamos pacientemente pela chegada da Senhora Allen que parecia não acreditar na ajuda que iria receber. Ficamos sabendo que o pequeno , tinha nascido com uma doença rara, mas que com o tratamento adequado poderia viver uma vida longa e tranquila. E assim seria, graças a .
Acertamos tudo, e a partida do sol anunciou que deveríamos fazer o mesmo. Nos despedimos de todos, e prometeu, por nós dois, que voltaríamos. Ela parecia mais leve, ou pelo menos mais motivada. Antes que pudéssemos entrar no carro o chamado estridente de Sara por nos impediu. A garotinha correu com uma folha de papel nas mãos e um sorriso enorme que correspondeu.
- Eu esqueci alguma coisa? – se abaixou ficando na altura de Sara, que lhe entregou a folha com um enorme coração colorido, desenhado nela.
- Você me disse que o seu coração estava doente, então eu estou te entregando o meu, até você se recuperar. – a abraçou, incrédula e grata, então se entregou ao choro, ainda sem lágrimas. Naquele instante, através do sorriso e amor daquela criança, eu assisti, ainda extasiado, a Estranha começar sua metamorfose.
Enquanto eu dirigi, ficou olhando para os desenhos, supostamente comprados, e seu dedo traçou cada um deles, mas foi naquele coração que ela se demorou encarando, como se de fato ele pudesse ajuda-la a se recuperar. Em silêncio eu também torci que sim.
Chegamos à casa onde eu havia crescido, desceu do carro, e enquanto analisou a construção de tijolos vermelhos, vi os questionamentos surgirem através de seus olhos. A sombra da enorme árvore bateu em seu rosto, assim como os últimos raios de sol daquele dia, a agitação de estava sumindo, ao estar sozinha comigo.
- Está impressionada?
- Foi aqui que você cresceu?
- Sim, até o meu avô adoecer e termos que vender tudo e nos mudarmos.
- É uma bela casa, confesso que mesmo você contando, eu não achava que ela seria assim, tão grande.
- E como imaginava?
- Algo mais parecido com uma fazenda, na verdade um curral ou algo assim. – Eu ri e ela esboçou algo parecido.
- Vamos entrar! Mamãe conseguiu deixar a casa exatamente como era na minha infância, mas agora com vários pôsteres meus de papelão espalhados.
- Mais de um ? E em tamanho real? – Confirmei rindo, e ela acabou acompanhando com um sorriso. – Deve ser assustador.
- Acredite, concordo com você.
Enquanto eu lhe mostrava a casa por dentro, ela permanecia em total silêncio, já eu não parava de falar. Em nossa conversa unilateral, eu conseguia ouvir todas as respostas de , ou as suas perguntas, por isso continuava insistindo. Contudo não havia mais um clima hostil, ela só parecia pensativa.
- Você pode ficar no meu quarto, se estiver mais a vontade. – Disse quando notei que aquele foi o cômodo que mais a interessou, e ela examinava cada pequeno espaço, como se pudesse descobrir mais sobre mim.
- E onde você vai dormir?
- No quarto dos meus pais, ou da minha irmã, ou no de hóspedes. – Ri, ela concordou e voltou a se concentrar em alguns objetos que tinham ali. Não fiquei surpreso, muito menos incomodado, eu iria dar a todo o espaço necessário, e não tinha nenhuma intenção de forçar nada. – Vou tomar um banho, depois podemos pedir comida, assistir alguma coisa.
- Tudo bem, desço em alguns minutos.
Decidi pelo quarto de hóspedes, tomei um longo banho e assim que terminei de me vestir, tive que descer correndo ao ouvir o barulho insistente da campainha, poderia ser importante, mas também poderia ser alguns fãs ou imprensa, que descobriram que eu e estávamos na cidade. Quando abri a porta, uma onda de cabelos vermelhos surgiu em meio aquele sorriso sarcástico, mas empolgado.
- Oi vizinho, pode me emprestar uma xícara de açúcar?
- Eu não acredito! – Gargalhei surpreso. – Ophelia! – Abracei a garota com tanta empolgação que tirei seu corpo do chão, esmagando literalmente a saudade.
- Eu sabia que se não aparecesse, você acabaria definhando de saudades de mim! – Me abraçou ainda mais e depois de beijar minha bochecha, se afastou pra me analisar. – Você está um gato, como eu pude te perder?
- Ah, cala a boca, você me dispensou.
- Porque eu era uma idiota. Podemos consertar isso?
Não pude responder sua brincadeira, já que os passos de , descendo as escadas enquanto nos olhava atenta, roubou a nossa atenção.
- Oh meu Deus, ! – Ophelia não se conteve e praticamente gritou, depois de segundos encarando de pra mim, como se não acreditasse que aquilo fosse possível. Antes que eu pudesse apresentá-las, Ophelia venceu a distância e deu um abraço acalorado em , que a princípio permaneceu estática, mas depois retribuiu. – Me desculpa, é que sempre falou tanto de você, que é como se eu te conhecesse. – Elas desfizeram o abraço e lançou um sorriso sem graça.
- Tudo bem. – Olhou pra mim buscando uma explicação.
- E eu adoro as suas roupas. – Acrescentou.
- Parece que toda garota próxima a , gosta de minha grife. – me alfinetou e olhou pra mim, ainda sem entender.
Sorri bobo com aquilo e me aproximei das duas, finalmente as apresentando.
- Essa é Ophelia, minha vizinha e uma grande amiga.
- Grande amiga, é o cassete. – Ophelia brincou, e fingi estar ofendido. – Você é um ingrato, sem coração.
- Gostei de você. – disse em escárnio e segurou no braço de Ophelia seguindo com ela até o sofá, como se fosse melhores amigas.
Pedi comida japonesa, servir vinho em três taças e levei para as garotas que conversavam animadamente. Pelo menos Ophelia estava assim.
- Não precisava se incomodar , eu já estou indo, vocês devem estar cansados, mas amanhã nós poderíamos sair juntos, mostrar a como o interior pode ser selvagem. – Rugiu como um tigre.
- Vamos embora amanhã cedo, foi uma visita curta. – Não detalhei, pois aquilo era tudo que Ophelia precisava saber sobre minha viagem com .
- É uma pena.
- Nós... – começou a falar incerta. – Nós íamos pedir comida pra o jantar, por que você não fica?
- Na verdade eu já pedi o jantar, é comida japonesa. – Apontei o dedo pra Ophelia. – Você costumava ser viciada.
- Não quero incomodar. – Ophelia me olhou e eu sabia que ela estava me perguntando se aquilo era uma boa ideia.
- Fazemos questão, além do mais você e deve ter bastante assunto pra colocar em dia.
Não havia sarcasmo ou nenhum tipo de ciúmes, o convite de foi claro e sincero, e foi impossível uma recusa.
- Se é para o bem de todos, eu fico! – Decidiu jogando os cabelos para o lado, fingindo ser esnobe, depois pegou sua taça de vinho bebericando. O jeito elétrico de Ophelia parecia um motor essencial pra ligar algo em , que observava tudo sorrindo.
O jantar foi tranquilo, Ophelia era uma verdadeira matraca, então o assunto nunca se perdeu, nem o silêncio surgiu pra incomodar. parecia interessada nas histórias constrangedoras que minha amiga contava a meu respeito, e mesmo quando a narração passou pelo meu passado amoroso com Ophelia, ela não pareceu nem um pouco chateada, pelo contrário, vi seus olhos ficarem instigados a cada palavra. Apesar de saber que ela me queria longe de sua vida, e que faria de tudo pra que isso acontecesse, incluindo me jogar pra cima de uma ex-namorada, pareceu ter gostado mesmo de Ophelia.
- A noite foi bem divertida, mas eu estou com dor de cabeça e vou tomar um remédio e dormir. – falou se levantando.
- Está tudo bem? Quer que eu suba também e...
- para. – Me freou. – Eu estarei no andar de cima e não vou me jogar, eu prometo. – Sua brincadeira não foi nem um pouco aceita por mim, e meu maxilar assim como minha expressão se fechou de imediato.
- Acho que agora está realmente na hora de ir... – Ophelia também ia se levantar, mas impediu.
- Fica mais, precisa mesmo de uma companhia, e assim eu consigo uma folga de seus cuidados exagerados. – Revirou os olhos como se estivesse entediada, e abraçou rapidamente Ophelia. – Foi um prazer te conhecer, manteremos contato.
- Com certeza, tenha uma boa noite, .
Assim que saiu eu recostei meu corpo na cadeira, e meu súbito cansaço por toda aquela situação me dominou, e não passou despercebido por minha amiga, que assim como oitenta por cento do resto do mundo, ficou sabendo pela mídia uma história confusa e distorcida de nós dois.
- Vocês irão ficar bem. – Afirmou numa tentativa de me confortar, mas eu não tinha a mesma certeza.
Depois que Ophelia foi embora, tentei dar um jeito na bagunça do jantar e subi. Parei afrontando o final do corredor, reprimindo minha vontade de ver como estaria, mas antes que eu pudesse realmente desistir, a porta do meu quarto se abriu e ela parou recostada no batente, me encarando com seus olhos grandes e pedintes. Meu corpo formigou ao ver que ela vestia apenas uma camisa grande, e implorei uma trégua com aquela luxúria corrosiva.
- ... – Sussurrou o meu nome de maneira sucinta, e manejou a cabeça me chamando.
- Está precisando de alguma coisa?
- Eu acho que não quero dormir sozinha, essa casa é muito grande. – Se esforçou pra parecer indiferente, mas eu enxerguei a sua timidez.
- Ok, eu me acomodo no sofá. – Disse ao seguir ela e entrar no quarto.
- Para de ser bobo, não somos crianças, muito menos desconhecidos. – Ela se deitou e deixou o meu espaço ao seu lado na cama.
Mesmo com medo daquilo ser demais, eu segui suas instruções e depois de desligar a luz, me juntei a ela. Mais uma vez o silêncio reinou, e eu fiquei ouvindo a respiração de ir diminuindo o ritmo, pra assim permitir me entregar ao cansaço.
- Ela me pareceu uma ótima pessoa.
- Quem? – Minha confusão foi inocente, já estava quase dormindo e achei que também estivesse.
- Ophelia. – Se remexeu na cama, e no seu tom de voz eu só notei curiosidade. – Qual a história de vocês?
- Não tem uma história, o pouco que houve entre a gente, você soube por ela.
- Sempre tem mais. – Insistiu impaciente.
- Ela era minha namorada antes de eu me mudar pra Londres, depois continuamos amigos.
- E o que aconteceu?
- Eu me mudei pra Londres. – Repeti com obviedade, sem achar necessário mencionar que depois disso eu a conheci, e tudo de fato mudou. – Já não tinha mais razão de manter nada.
- Entendo acabar por conta da distância, mas pode haver tempo ainda.
- Pra alguns relacionamentos o tempo realmente passa, . – Tentei encontrar seu olhar em meio à penumbra, mas não consegui. – Pra outros é como se ele nem existisse.
- Provavelmente estão perdendo uma grande oportunidade. – Se virou, e eu sabia que a nossa breve conversa estava encerrada.
Capítulo 20 - Dia II
Stratford-upon-Avon – 22 de agosto de 2016 – 01:44 pm.
havia acordado de péssimo humor, como se toda a experiência vivida no dia anterior a tivessem despertado para a realidade que ela tanto detestava. Enquanto dirigia, toda aquela negatividade me deixou impaciente, fiquei minutos batucando os dedos contra o volante, até que não aguentei mais.
- Você precisa rir, vou contar uma piada.
- Não, por favor! – Revirou os olhos, como se automaticamente tivesse absorvido a minha impaciência.
- Por que não?
- Você só sabe contar uma única piada, e é péssima.
- Só conto a do mexicano, porque ela realmente é boa.
- É péssima.
- Então qual o nome do mexicano que perdeu o carro? – Ela deu de ombros, esquecida da resposta ou indisposta a responder. – CARLOS! – Eu comecei a gargalhar bem além do que a piada ruim merecia, e em segundos começou a rir junto, descendo do seu pedestal. – Entendeu? Car Lost!!!!!!
Não sei se foi a necessidade de agradar, ou o fato de ser realmente um bobo por achar graça de algo tão babaca e antigo, mas eu ri tanto que meus olhos lacrimejaram. Ao menos eu tinha conseguido contagiar .
- Ok, a piada continua ruim, eu só estou rindo da sua risada. – Ela se esgueirou pra o meu lado e limpou meu rosto. Um passo que diminuiu a distância entre dois continentes.
- Isso já é um começo.
- Um começo. – Repetiu minhas palavras de maneira mais contemplativa, mas agitou a cabeça a fim de afastar qualquer reflexão. – As piadas sobre a monarquia são melhores...
Contar, ou tentar lembrar piadas ruins foi um ótimo e divertido exercício pra passar o tempo. Chegamos a Stratford-Upon-Avon um pouco depois do almoço, e fomos recebidos por um enorme abraço abrasador, aquele era um dia atipicamente quente, e o sol brilhando no enorme céu azul e sem nuvens, era ao mesmo tempo lindo e estressante. Calor em excesso me irritava, mas havia um coração dentro do carro que precisava ser aquecido, derretido. A cidade minúscula, provavelmente não estaria no mapa, se não fosse por um importante detalhe, Shakespeare havia nascido, e vivido os seus últimos dias ali. Ele era um dos autores favoritos de e talvez aquela visita a fizesse bem, inspirando de alguma maneira. O lugar ficava as margens do rio Avon, e era charmosa e cheia de personalidade, assim como a garota ao meu lado.
- Bem vinda à terra de Shakespeare! – Li em voz alta as palavras receptivas que estavam escritas numa placa entalhada na madeira, mas aderiu a irritação do começo do dia.
- Nós só estamos de passagem, não é?
- Claro que não. – Eu ri em confusão. – Shakespeare é um dos seus autores favoritos, achei que você gostaria desse lugar.
- Você é um idiota. – Foi tudo o que ela se limitou a dizer, e fiquei tão decepcionado com a ofensa que achei melhor não perguntar as razões por ela ter feito. Ao invés disso eu mais uma vez respirei fundo e busquei a paciência que já havia perdido e continuei a dirigir até o centro da pequena cidade.
optou por usar uma peruca de cachos vermelhos, e resolveu se chamar de Santini, obviamente eu lhe disse que me chamaria Christian. Ela precisava entender que eu seria sempre o seu par, independente de como ou onde.
- Isso é ótimo, Christian. Espero que você lembre que Santini morre no final da história. – Riu como se sua piada mórbida tivesse graça, eu apenas ignorei o que havia escutado e reverti à situação.
- Não tem como esquecer esse filme. Eu vi a primeira vez quando você me levou pra sair, lembra? – Ela não respondeu, mas eu continuei. – Lembra o quanto você era sentimental e chorou mesmo já sabendo o que iria acontecer no final da história? Lembra o quanto você era independente e correu pra chegar a tempo e manter o nosso relacionamento? Lembra o quanto você era enérgica e me obrigou a dançar as músicas do Elvis Presley naquela lanchonete?
Desci do carro e a deixei sozinha. Eu não precisava daquelas respostas, mas ela sim.
Enquanto explorávamos a cidade a pé, segurou os cachos da peruca e os prendeu em um coque alto, passando as mãos pelo pescoço suado, o abanando depois. Enquanto andávamos sobre uma ponte em estilo medieval cheio de arcos, um grupo caracterizado passou encenando uma das cenas de Hamlet, e logo tratou de revirar os olhos.
- A grande pergunta não deveria ser aquela. – Resmungou baixo, mas eu soube que ela estava puxando assunto.
- O que?
- “Ser ou não ser, eis a questão”? – Debochou. – Ser é fácil, é natural. “Como ser” é complicado.
- Por quê?
- Como ser depois de uma separação? Ou depois de você ser demitido? Ou, não sei... Como ainda continuar sorrindo, continuar sendo você se o que você sente não é mais nada daquilo?
- Realmente não é fácil. Mas quando você já conseguiu ser, fica fácil voltar a ser o que era. Talvez Shakespeare quisesse dizer isso. – O que eu falei trouxe alguma coisa de valor pra ela, só que preferiu manter a pose.
- Ou só estivesse bêbado demais. – Deu de ombros e eu a imitei.
- Provavelmente. – Vi a coisa mais bizarra daquela cidade e soube que era exatamente aquele lugar que deveríamos ir. Segurei a mão de , sem me incomodar com seu protesto silencioso, e a arrastei até o lençol colorido que servia de porta pra uma tenda. O seu letreiro iluminado prometia revelar o seu futuro através de um poema de Shakespeare, obviamente. – Quer tentar? – Antes que a usual palavra “Não” se formasse, eu interrompi. – Sabia que você gostaria da ideia!
Forcei a nossa entrada na pequena tenda, que parecia estar às moscas, tirando uma senhora que lá estava. Ela vestia uma roupa ridícula de cigana, e em sua frente havia um enorme baú, ao seu lado um pequeno ventilador servia de ajuda para abrandar o calor, duas vezes maior lá dentro. Tudo era bastante engraçado, mas era também mais uma experiência peculiar que eu queria viver e compartilhar com .
Quando a senhora de cabelos ridiculamente pintados de laranja nos viu, ela sorriu em ganância, deveríamos ser os seus primeiros clientes naquele dia, mas antes que ela pudesse se levantar algo a puxou de volta para a cadeira de plástico na qual estava sentada. Instantaneamente os seus olhos fecharam e a sua boca abriu levemente, assustando tanto eu quanto .
- O amor dá sempre um jeito de nos tocar, pra provar que ele está ali e ainda existe, seja sob qualquer perspectiva, boa ou ruim, o amor continua a existir em tudo. Até os mais céticos continuam desejando encontrar sua outra metade. – A senhora disse num ímpeto, como se fosse uma ordem, só depois ela respirou e abriu os olhos. Parecendo normal de novo. – Desculpe, ele manda recado pra poucos, sintam se gratos. – Ela sorriu e a sua voz estava diferente, menos grave e desesperada.
Eu gargalhei, muito. Uma mão ficou sobre meu peito, a outra no joelho, enquanto a gargalhada explodia de mim, eu havia assistido a cena mais engraçada do mundo. Obviamente aquilo era uma encenação medíocre, apesar das palavras dela terem ficado incutidas como se de fato fizesse sentido pra mim, pra , pra nós. A garota ao meu lado permaneceu calada e eu não consegui entender o por que. Uma charlatã, uma muda e um bobo da corte.
- Do que você está rindo, ? – Bastou ela citar o meu nome para que eu, instantaneamente, perdesse a graça e emudecesse. Como ela sabia daquilo? Idiota! Eu era ! Certo?
- Isso é uma bobagem. – tentou sair, mas eu puxei o seu braço a fazendo permanecer. Minha curiosidade se tornou válida e latente. A senhora, que agora parecia mais com uma bruxa, empurrou o baú em nossa direção.
- Teste a sorte, ele quer falar mais com vocês. – Insistiu. – Primeiro , depois você, .
Se em algum momento eu havia duvidado da veracidade dos nossos disfarces, eu soube ali, quando a velha encarou os olhos negros de e falou o seu nome. Era como se ela pudesse ver as nossas almas, sem truques. Eu estava completamente assustado, mas me esforcei a dar os três passos que me separavam da mesa e estendi a mão pegando o primeiro papel que os meus dedos tocaram. Li mentalmente, depois reli, e então tive certeza que de uma maneira bizarra aquilo era verdade.
- "Em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor”. – Minha voz saiu um tanto embargada, mas eu dei o primeiro sorriso sincero do dia, era iluminado como o sol, pois trazia a certeza de cada palavra dita. pareceu ainda mais abismada e depois de conferir o papel em minha mão, ela tentou fugir dali, sendo mais uma vez impedida por mim. – É a verdade e você sabe. Por favor, , se esforce. – Implorei deixando evidente um cansaço. – Se esforce pra enxergar. – Depois de quase um minuto brigando com a sua própria consciência, ela decidiu voltar, e de lá retirou um papel.
- Leia. – A senhora pediu empolgada. – Leia pra ele, minha jovem.
ficou encarando o papel por um tempo, e quando começou a falar, também voltou a respirar. O ar preso de seus pulmões saiu emanando uma compreensão que pelo seu olhar, tinha julgado indevida.
- “O amor só é amor, se não se dobra a obstáculos e não se curva à vicissitudes... É uma marca eterna... Que sofre tempestades sem nunca se abalar”.
- O amor está aqui. – Foi à vez de a mulher gargalhar, enquanto abria os braços e os erguia. – Em todos os lugares dessa cidade, em tudo o Shakespeare criou, enxerguem, absorvam.
- Vamos sair daqui. – pediu baixo, mas a mulher ouviu.
- A consulta custou trezentas libras.
- O que? – Aquele era o maior roubo da história, mas pra não deixar procurar uma briga desnecessária, eu retirei a quantia do bolso, paguei e saí arrastando ela que dizia insanidades à gananciosa que contava cada nota do dinheiro, sem se incomodar com as ofensas. – Você não deveria ter pagado! Você é um fraco, !
- Se acalme! Esse dinheiro não vai me fazer falta.
- O problema não está no dinheiro, seu presunçoso ridículo. – Empurrou o indicador no meu peito. – Está na...
- O problema está nas verdades que você ouviu! – Gritei pra ela de volta, sem me incomodar com os olhares curiosos. – Cada palavra que você ouviu ai dentro fez sentido pra você, fez sentido pra nós.
Como se eu tivesse dito a maior das ofensas, se desvencilhou das minhas mãos e saiu me deixando sozinho. Soquei o ar num gesto impossível de conter, e mínimo pra dar vazão a impaciência que tinha me acometido.
Eu a segui, respirando fundo e procurando dentro de mim, o homem que eu vinha sendo. Parei em frente a uma barraca de sorvete, comprei um pra mim e um pra , esperando que aquela dose de açúcar pudesse nos acalmar, e ser uma trégua. Ela aceitou o doce, agradeceu por educação, e depois voltou a se calar.
Ao chegarmos numa baía próxima ao canal, vimos muitas pessoas à beira da água, turistas, como nós, perambulando animados sob aquele fim de tarde quente. Havia barcos amarrados ao lado da água que vendiam de tudo, desde comidas exóticas à pinturas, parecia um verdadeiro carnaval.
Depois de darmos mais uma volta, um garoto magricela parou em nossa frente sorrindo pra nós, e como se já estivesse encenando, apontou de modo dramático para o extremo a nossa esquerda. Olhamos pra o local indicado, mas a movimentação normal, não nos disse absolutamente nada. continuou entediada, e quando eu pensei em chamá-la pra ir embora, batidas de bongo e zumbidos de guitarra surgiram, como num passe de mágica, a multidão praticamente se perfilou para assistir a encenação de uma peça. Tive que seguir os passos de que se aproximou interessada, e vi que se tratava da tragédia Romeu e Julieta.
Os atores encenavam e quando caminhavam, a plateia os seguia, era um teatro vivo e em movimento, onde eu sentia um chacoalhar de sentimentos a cada ato. Só no grande e trágico final eu me lembrei de me permitir olhar pra , examinei cada traço de sua expressão, completamente imersa naquele mundo ilusório. Ela aplaudiu como se buscasse por mais, preferindo aquilo à sua realidade. No fundo eu me sentia da mesma maneira.
- Essa foi a primeira releitura alegre de Romeu e Julieta que eu vi. – escondeu o seu rosto de mim ao evitar me olhar, mas a emoção que havia ali, não me escapou.
- Estou cansada, podemos procurar um hotel?
- Mas são sete da noite!
- Eu estou cansada, ou vamos pra um hotel, ou eu vou dormir na droga do carro! – Rugiu sua exigência.
- Ok, se acalme. – Minha condescendência freou a sua exaltação. – Vamos encontrar um hotel, mas depois de um breve descanso nós vamos sair.
- Não, já disse...
- Sabia que você aprovaria! – Sorri e ela me encarou ultrajada.
Enquanto continuou resmungando, eu andei ao seu lado cantando baixo, e me esforçando pra parecer alegre, vivo, mas estava ficando a cada segundo mais complicado.
pareceu mais convencida com o poder de transformação que a experiência daquela viagem estava lhe trazendo. Por isso sua irritação e impaciência. Por isso a sua vontade imensurável de largar tudo. Sua desistência ainda era maior que sua vontade de lutar.
Achei que não iria fazer isso em pouco mais de vinte quatro horas de viagem, mas se um embate acontecesse, eu teria que ser direto e revelar as minhas reais intenções, não dava mais pra amenizar o que eu sentia, e pela maneira como vinha me tratando ao longo do dia era exatamente isso que ela esperava. Uma mistura de ansiedade e medo havia se apoderado de mim, durante o nosso breve trajeto até o hotel. Dizer a ela que eu a amava lhe afugentaria de vez, ou a faria se cercar, buscando uma oportunidade.
- Um quarto de casal? – A morena perguntou animada.
- Sim!
- Não!
A recepcionista, da pequena pousada em estilo colonial, ficou confusa com a divergência das respostas.
- Pode acreditar em mim, é apenas um quarto. – Disse à atendente que parecia um pouco incerta, e depois me aproximei de pra sussurrar. – Te desafio.
Ela revirou os olhos como resposta e esperou até que fossemos liberados do check-in.
Ainda inconformada em ter que dividir um quarto comigo, jogou sua bolsa sobre a cama e passou a analisar o lugar. Antes que mais comentários raivosos ou desdenhosos surgissem, eu lhe avisei que tomaria um banho, omiti a parte em que desejava que a água lavasse as inseguranças que surgiu a pouco.
- Não precisa fazer essa cara, nós sempre dividimos quarto, inclusive dividimos um ontem. – Disse assim que saí do banheiro, apenas com uma toalha envolta da cintura, que tampouco incomodou .
- Porque eu estava com medo de dormir sozinha naquela casa grande.
- Bobagem, você só não admite, mas adora a minha presença. – Tentei fazer uma piada, mas só agravou a situação.
- Babaca. – Bateu com força a porta do banheiro.
- Linda. – Berrei e ela resmungou algo que não compreendi, me fazendo rir ainda mais de seu esforço em ser antagonista. Mais um resmungo, a porta do banheiro foi aberta mais rudemente do que fora fechada.
- Cadê a chave do banheiro, ?
- Não tem necessidade de se trancar, eu não vou invadir. – Lhe garanti, mas os olhos de reluziram a decepção que ela tentou conter.
- Vou perguntar uma última vez. – Fechou os olhos e respirou fundo. – Cadê a chave?
- Eu não sei, talvez... – Ela não deixou completar a minha mentira.
- Você é um imbecil!
- ...
- Eu achei que o fato de não ter nenhuma chave no quarto e banheiro da sua casa fosse só coincidência. – Mordeu o lábio com força, enquanto encarou seus próprios pés e agitou a cabeça em negação. – Mas agora tudo faz sentido. Você não confia em mim, acha que vou me trancar aí dentro e me matar? – Fez piada do nosso próprio caos, passando a me encarar, me depreciar.
- Estou tentando te manter segura. – Minha justificativa pareceu tão irrelevante a ponto de diverti-la por um breve instante.
- Você é um hipócrita. Acredita que eu posso me refazer nessa viagem, que eu devo confiar em você e nessa sua crença cega no amor, destino e blá, blá, blá, mas não confia em mim pra ficar sozinha!
- , eu...
- Eu não vou mais tentar suicídio, fique tranquilo. Eu já descobri que a morte está na droga dessa vida. – Assim como os lábios dela, os meus também tremeram, e como se quisesse provar o quanto eu era desleal, ela entrou no banheiro e deixou a porta completamente aberta.
Impedi que os meus olhos seguissem a sua roupa encontrando o chão, e de admirar o corpo nu que foi revelado.
Sentei na varanda do quarto e fiquei assistindo a movimentação da cidade, havia fumado dois cigarros e bebido uma cerveja, mas ainda não havia terminado o seu banho. Quando finalmente saiu do banheiro a fumaça do vapor da água quente, pareceu nada, perto da que saiu de sua cabeça.
- O que você está fazendo? Deixou o quarto todo fedendo a cigarro.
- Você nunca se importou. – Dei de ombros sem entender. – Você fuma.
- Eu não fumo! Bom, não no meu quarto! – Eu ri e ficou ainda mais furiosa.
- Para de drama e implicância. Se você está tão incomodada, podemos pedir outro quarto.
- E se eu estiver incomodada com a sua presença? – Colocou as mãos na cintura e me olhou inquisitiva. Seria um mentiroso ainda maior, se não assumisse o quanto aquilo me afetou.
- Não precisa tentar me agredir o tempo inteiro. – Peguei os sapatos e me sentei na cadeira pra calçá-los. Não sei se foi a minha falta de relutância ou o prazer de me ver ir embora, mas simplesmente parou a minha ação, como se precisasse se justificar. Seu olhar encontrou o meu, e endureceu em pura defesa.
- Sempre que eu olho pra você eu me sinto arrasada. – Confessou e instantaneamente eu me levantei e segurei os seus ombros.
- Você não precisa se sentir assim, tudo o que eu quero é mudar isso.
- Por que você está insistindo nisso? Por que você está insistindo nessa droga de viagem?!
- Porque uma vez você me disse que foi assim que o seu pai resolveu o relacionamento dele com a sua mãe e eu só quero salvar o nosso.
- Não existe “nosso”! – Praticamente gritou.
- Eu te amo, e não importa o que você tenha feito, como se sinta ou o quanto o tempo nos afaste, eu vou continuar te amando. – Disse exasperado. – Eu posso continuar sendo esse ciumento egoísta e você essa antipática orgulhosa, que nada do que eu sinto vai mudar. – Senti o seu corpo tremer e achei que ela iria ceder. – Eu te amo, .
- Bom, é uma pena que ame. – Tirou as mãos de mim e depois de pegar uma muda de roupa na mala, voltou para o banheiro para se vestir.
Um funcionário do hotel, quando foi servir o nosso jantar no quarto, nos indicou uma festa que aconteceria a apenas duas quadras do hotel. Era uma boate conhecida e bem procurada pelos turistas, e tudo o que precisávamos pra ao menos abrandar as tensões.
abandonou o tênis e a calça jeans, e apareceu com um vestido verde e perigosamente curto demais, antes que pudesse questionar onde ela havia encontrado tal peça de roupa, eu percebi que aquilo na verdade era uma camisa minha perfeitamente customizada.
andava afastada de mim, mas a passos decididos, a brisa que nos tocava eram resquícios do dia quente, mas parecia que estávamos imersos no olho de um furacão que insistia em nos manter separados. Rompi a distância que ela havia imposto, já que seu cheiro me atraía, a química entre nós dois ainda era palpável, e era um dos ínfimos motivos pra eu querer começar de novo, sempre que ela dissesse que não.
Parecia que todas as pessoas da cidade estavam dentro daquele mesmo pub. Quando eu e adentramos o local, esprememos os nossos corpos em busca de um mínimo de espaço, ela apenas se virou pra mim e me disse que iria até o bar, e assim nos perdemos. Ao menos ela tinha avisado.
Segui relutante, me sentindo um velho ranzinza, que se incomodava com as luzes, o som alto e as garotas fáceis que se aproximaram de mim. Não encontrei no bar, e mesmo assustado com a simples possibilidade dela ter ido embora me assolar, eu decidi pedir uma bebida, tentar me acalmar, e dar a ela o voto de confiança que a pouco havia sido questionado.
Um tempo, mais duas bebidas depois, eu vi uma pequena mesa ficar vaga e me apressei a torná-la minha, se tudo desse errado aquela noite, ao menos as minhas pernas teriam sustento.
- Você parece um velho psicopata, sentado nesse canto escuro. – surgiu sorridente, o corpo brilhando de suor e as bochechas coradas pelo álcool. – Achei que você queria se divertir.
- Eu estou me divertindo. – Menti mais pra mim do que pra ela, que se limitou a mexer o ombro e roubar a minha bebida.
Com um único levantar de dedos, um dos garçons prontamente apareceu com uma bandeja repleta de copinhos de vidro, com uma bebida verde dentro.
- Estranho! – Achei que ela estivesse falando comigo, e por quatro segundos ouvir aquele apelido me paralisou, até perceber que ela só estava respondendo a pergunta que eu iria fazer sobre que bebida era aquela. – Inventei a bebida, então pude nomear ela. Hoje eu quero ver a fada verde!
Quando fomos brindar nossos shorts da tal bebida inventada por , mas que consistia numa mistura de vodca, tequila, whisky e absinto, ela resolveu me alertar.
- Cuidado, você pode sentir muito amanhã. – Falou presunçosa, virando sua bebida.
- Melhor do que não sentir nada. – Enquanto eu bebia, a postura de mudou, ela jogou o cabelo para o lado e minhas palavras pareciam ter lhe dado um tapa na cara.
Como um raio ela se recuperou, do que talvez nem tenha se afetado tanto, e se levantou com a graciosidade e imperiosidade de sempre.
- Onde está indo?
- Estão fazendo body short. – Respondeu com um sorriso de obviedade. – Sem essa, , você fez isso com a minha melhor amiga, e eu nem reclamei.
Se desvencilhou dos meus braços, e ao se aproximar da roda, logo se tornou o centro dela, corriqueiramente roubando toda a atenção pra si.
Eu sabia que meu ciúme ia ser a primeira e principal coisa testada por , infelizmente era algo que eu não conseguia domar com facilidade, mas naquele momento, o movimento das pessoas não me permitiu ver muito do que aconteceu. Apenas só o ato seguinte, onde foi erguida como um verdadeiro troféu.
Em seguida ela começou a dançar, seus saltos finos sustentaram seus movimentos, enquanto deslizavam pelo salão, e pelo meu coração. Prendi meus lábios entre os dentes, e voltei o meu olhar pra meu copo, tentando reprimir a vontade animal de ir até lá e requerê-la só pra mim. A intenção dela era me afastar, testando meus limites, me empurrando pra o meu lado mais obscuro e brutal, mas ela não iria conseguir. Tudo se resumia a algo maior, uma obstinação que era capaz de refrear meus piores instintos, me mantendo sentado, esperando pelo fim de sua diversão.
desistiu de seu jogo, e voltou a se sentar ao meu lado. Sua respiração resfolegava devido a dança, e seus olhos procuraram os meus.
- O que está acontecendo com você? – A pergunta não foi direta, mas eu senti sua resignação. – Não vai levantar daí e tentar aproveitar a noite?
- Não. – Tentei um sorriso que não foi correspondido. – Isso é tudo sobre você.
Como vinha acontecendo por pura facilidade, decidiu e não absorveu a intensidade do que tinha dito, e mais uma vez convocou o garçom, que prontamente serviu outra generosa rodada de bebidas.
- Vamos beber então! Eu ainda pretendo ver a fada. – Me entregou um copo, brindou com o seu e virou todo o conteúdo.
A cena se repetiu por diversas vezes durante aquela noite, mesmo quando eu julguei que já havia ultrapassado o seu limite, só consegui levá-la pra o hotel quando o seu corpo reclamou descanso.
Em meio a uma cantoria grogue, um sorriso ébrio, e meus braços sustentando os seus passos, nós finalmente entramos no quarto. Num rompante, se desvencilhou de mim e foi até o frigobar, abrindo uma garrafa de cerveja, que eu tratei de tirar de suas mãos.
- Chega! Você já bebeu demais.
- Me deixa em paz! – Exigiu tentando pegar a garrafa de volta, mas eu me afastei dela. – Porra, ! Se você não me devolver isso eu vou fazer um escândalo!
- Não! – Repreendi num tom mais firme e paternal. Ergui ainda mais a mão que segurava a garrafa, e quando tentou alcançar, se desequilibrou e caiu sentada no chão.
- Vem levanta daí. – Coloquei a garrafa na pia e estendi a mão que foi recusada com repulsa.
- Eu te odeio! Eu me odeio! – confessou, abaixou à cabeça, e seus movimentos descoordenados me fizeram achar que ela iria vomitar, mas então eu ouvi o seu choro. O que iria sair dela era apenas um jato de verdades e ressentimentos. – Eu queria tanto aquele bebê. – Chorou como uma criança, sua dor se sobressaiu ao discurso arrastado e embolado. – Ele era nosso, eu o senti, falei com ele, e... – Soluçou e me deu um longo olhar, dos que me fazia ouvir toda sua dor através de um amplificador, dez vezes mais potente do que usávamos nos shows. – Ele mexeu na minha barriga quando te ouviu cantar naquela noite. – Foi o fim. Caí ao seu lado e a abracei, antes que eu pudesse desmoronar, ela se deitou no chão, me levando junto. Nossa troca de olhar permaneceu, e aquela imensa escuridão de seus olhos não pareciam me enxergar, iam além. – Ele já nos amava, , e eu nem sei era “ele” mesmo.
Seus dedos se apertaram ao redor do colarinho da minha camisa, nos unindo ainda mais, buscando alguma segurança. Eu a tomei em meus braços lhe dando tudo de bom que tinha, e incapaz de dizer nada, apenas com as palavras dela me sufocando. Aos poucos seu choro foi cessando, até sua respiração diminuir e seu corpo finalmente relaxar. Fiquei deitado, segurando sua inconsciência, sentindo todas as nossas emendas arrebentarem, sem conseguir maquiar mais as cicatrizes do nosso passado.
Stratford-upon-Avon – 23 de agosto de 2016 – 08:59 am.
Acordei sobre o chão duro e meus músculos reclamaram, mas não tanto quanto a minha mente gritou a ausência de ao meu lado. Meus olhos varreram o cômodo, e quando eu achei que ela tivesse partido, a porta se abriu e ela surgiu gloriosa, com uma caixa de papelão na mão, e um ar refrescante, como se nenhuma ressaca pudesse ter lhe atingido, ou como se não tivéssemos tido nenhuma conversa na noite passada.
- Trouxe seu café da manhã. – Disse colocando a caixa sobre a pequena mesa. – Desculpe por ter te feito dormir no chão.
Levantei, e antes que eu pudesse espantar o sono de uma vez, e poder dizer alguma coisa, voltou a falar.
- , nós precisamos conversar. – Aquela frase funcionou como um potente despertador, tencionando todo o meu corpo.
- O que houve? – Minha voz soou amedrontada demais, mas o pequeno sorriso que recebi, conseguiu me tranquilizar um pouco. Ela indicou a cadeira ao seu lado, e movido por minha curiosidade eu logo me sentei, tendo que esperar ainda por seu longo suspiro.
- Confesso que não lembro muito do que te disse, mas eu sei o que estou sentindo. Ontem eu estava confusa, sendo guiada por muito álcool, pelo medo da mudança. Estive tão acostumada a não ter esperança, que a remota possibilidade de me sentir melhor, foi apavorante. – Revelou, em nenhum momento mostrando vergonha. – Você é a maior dualidade da minha vida, eu não posso te oferecer nada, em partes por não ter nada, outras por não querer.
- , quando eu disse que isso é sobre você, eu não estou mentindo, eu também não menti ao dizer que eu esperarei sempre pelo seu amor, mesmo que possa parecer impossível agora.
- Não parece, é impossível. – Sua constatação veio embebida de tristeza, e mesmo sem querer me atingir, eu senti como se uma faca fosse girada constantemente no meu peito. – Eu vou me esforçar a partir de agora, aproveitar toda e qualquer experiência que surgir, eu estou sentindo... – Buscou dentro de si e através da paisagem da janela, uma palavra que pudesse definir aquele momento. – Estou sentindo vontades.
- Isso é um ótimo começo. – Segurei a sua mão e apertei enquanto sorria.
- Mas... – Ela disse e depois engoliu com dificuldade a palavra que eu mais odiava, e continuou. – Quando essa viagem acabar, eu preciso me afastar de você, eu agradeço o que está fazendo por mim, mas eu não posso te ver mais. É muito difícil. – Concordei mais uma vez, mantendo o meu sorriso, fazendo dele um ótimo esconderijo pra os sentimentos funestos.
- Eu entendo. Você terá tudo o que quiser.
- Obrigada, . – Me deu um sorriso sincero, mínimo pra reatar as minhas esperanças. – Até porque, essa não é uma daquelas histórias baratas que suas fãs postam na internet.
- É, e você nem faz o meu tipo. – Fingi desdenho, e rimos.
- Ótimo. – Ela se levantou espantosamente bem humorada. – Se apresse, temos estrada pela frente.
Meus lábios se abriram levemente, assustados com a dicotomia no comportamento de , mas a sua disposição me contagiou.
Betada até aqui por Mayh Angeli
havia acordado de péssimo humor, como se toda a experiência vivida no dia anterior a tivessem despertado para a realidade que ela tanto detestava. Enquanto dirigia, toda aquela negatividade me deixou impaciente, fiquei minutos batucando os dedos contra o volante, até que não aguentei mais.
- Você precisa rir, vou contar uma piada.
- Não, por favor! – Revirou os olhos, como se automaticamente tivesse absorvido a minha impaciência.
- Por que não?
- Você só sabe contar uma única piada, e é péssima.
- Só conto a do mexicano, porque ela realmente é boa.
- É péssima.
- Então qual o nome do mexicano que perdeu o carro? – Ela deu de ombros, esquecida da resposta ou indisposta a responder. – CARLOS! – Eu comecei a gargalhar bem além do que a piada ruim merecia, e em segundos começou a rir junto, descendo do seu pedestal. – Entendeu? Car Lost!!!!!!
Não sei se foi a necessidade de agradar, ou o fato de ser realmente um bobo por achar graça de algo tão babaca e antigo, mas eu ri tanto que meus olhos lacrimejaram. Ao menos eu tinha conseguido contagiar .
- Ok, a piada continua ruim, eu só estou rindo da sua risada. – Ela se esgueirou pra o meu lado e limpou meu rosto. Um passo que diminuiu a distância entre dois continentes.
- Isso já é um começo.
- Um começo. – Repetiu minhas palavras de maneira mais contemplativa, mas agitou a cabeça a fim de afastar qualquer reflexão. – As piadas sobre a monarquia são melhores...
Contar, ou tentar lembrar piadas ruins foi um ótimo e divertido exercício pra passar o tempo. Chegamos a Stratford-Upon-Avon um pouco depois do almoço, e fomos recebidos por um enorme abraço abrasador, aquele era um dia atipicamente quente, e o sol brilhando no enorme céu azul e sem nuvens, era ao mesmo tempo lindo e estressante. Calor em excesso me irritava, mas havia um coração dentro do carro que precisava ser aquecido, derretido. A cidade minúscula, provavelmente não estaria no mapa, se não fosse por um importante detalhe, Shakespeare havia nascido, e vivido os seus últimos dias ali. Ele era um dos autores favoritos de e talvez aquela visita a fizesse bem, inspirando de alguma maneira. O lugar ficava as margens do rio Avon, e era charmosa e cheia de personalidade, assim como a garota ao meu lado.
- Bem vinda à terra de Shakespeare! – Li em voz alta as palavras receptivas que estavam escritas numa placa entalhada na madeira, mas aderiu a irritação do começo do dia.
- Nós só estamos de passagem, não é?
- Claro que não. – Eu ri em confusão. – Shakespeare é um dos seus autores favoritos, achei que você gostaria desse lugar.
- Você é um idiota. – Foi tudo o que ela se limitou a dizer, e fiquei tão decepcionado com a ofensa que achei melhor não perguntar as razões por ela ter feito. Ao invés disso eu mais uma vez respirei fundo e busquei a paciência que já havia perdido e continuei a dirigir até o centro da pequena cidade.
optou por usar uma peruca de cachos vermelhos, e resolveu se chamar de Santini, obviamente eu lhe disse que me chamaria Christian. Ela precisava entender que eu seria sempre o seu par, independente de como ou onde.
- Isso é ótimo, Christian. Espero que você lembre que Santini morre no final da história. – Riu como se sua piada mórbida tivesse graça, eu apenas ignorei o que havia escutado e reverti à situação.
- Não tem como esquecer esse filme. Eu vi a primeira vez quando você me levou pra sair, lembra? – Ela não respondeu, mas eu continuei. – Lembra o quanto você era sentimental e chorou mesmo já sabendo o que iria acontecer no final da história? Lembra o quanto você era independente e correu pra chegar a tempo e manter o nosso relacionamento? Lembra o quanto você era enérgica e me obrigou a dançar as músicas do Elvis Presley naquela lanchonete?
Desci do carro e a deixei sozinha. Eu não precisava daquelas respostas, mas ela sim.
Enquanto explorávamos a cidade a pé, segurou os cachos da peruca e os prendeu em um coque alto, passando as mãos pelo pescoço suado, o abanando depois. Enquanto andávamos sobre uma ponte em estilo medieval cheio de arcos, um grupo caracterizado passou encenando uma das cenas de Hamlet, e logo tratou de revirar os olhos.
- A grande pergunta não deveria ser aquela. – Resmungou baixo, mas eu soube que ela estava puxando assunto.
- O que?
- “Ser ou não ser, eis a questão”? – Debochou. – Ser é fácil, é natural. “Como ser” é complicado.
- Por quê?
- Como ser depois de uma separação? Ou depois de você ser demitido? Ou, não sei... Como ainda continuar sorrindo, continuar sendo você se o que você sente não é mais nada daquilo?
- Realmente não é fácil. Mas quando você já conseguiu ser, fica fácil voltar a ser o que era. Talvez Shakespeare quisesse dizer isso. – O que eu falei trouxe alguma coisa de valor pra ela, só que preferiu manter a pose.
- Ou só estivesse bêbado demais. – Deu de ombros e eu a imitei.
- Provavelmente. – Vi a coisa mais bizarra daquela cidade e soube que era exatamente aquele lugar que deveríamos ir. Segurei a mão de , sem me incomodar com seu protesto silencioso, e a arrastei até o lençol colorido que servia de porta pra uma tenda. O seu letreiro iluminado prometia revelar o seu futuro através de um poema de Shakespeare, obviamente. – Quer tentar? – Antes que a usual palavra “Não” se formasse, eu interrompi. – Sabia que você gostaria da ideia!
Forcei a nossa entrada na pequena tenda, que parecia estar às moscas, tirando uma senhora que lá estava. Ela vestia uma roupa ridícula de cigana, e em sua frente havia um enorme baú, ao seu lado um pequeno ventilador servia de ajuda para abrandar o calor, duas vezes maior lá dentro. Tudo era bastante engraçado, mas era também mais uma experiência peculiar que eu queria viver e compartilhar com .
Quando a senhora de cabelos ridiculamente pintados de laranja nos viu, ela sorriu em ganância, deveríamos ser os seus primeiros clientes naquele dia, mas antes que ela pudesse se levantar algo a puxou de volta para a cadeira de plástico na qual estava sentada. Instantaneamente os seus olhos fecharam e a sua boca abriu levemente, assustando tanto eu quanto .
- O amor dá sempre um jeito de nos tocar, pra provar que ele está ali e ainda existe, seja sob qualquer perspectiva, boa ou ruim, o amor continua a existir em tudo. Até os mais céticos continuam desejando encontrar sua outra metade. – A senhora disse num ímpeto, como se fosse uma ordem, só depois ela respirou e abriu os olhos. Parecendo normal de novo. – Desculpe, ele manda recado pra poucos, sintam se gratos. – Ela sorriu e a sua voz estava diferente, menos grave e desesperada.
Eu gargalhei, muito. Uma mão ficou sobre meu peito, a outra no joelho, enquanto a gargalhada explodia de mim, eu havia assistido a cena mais engraçada do mundo. Obviamente aquilo era uma encenação medíocre, apesar das palavras dela terem ficado incutidas como se de fato fizesse sentido pra mim, pra , pra nós. A garota ao meu lado permaneceu calada e eu não consegui entender o por que. Uma charlatã, uma muda e um bobo da corte.
- Do que você está rindo, ? – Bastou ela citar o meu nome para que eu, instantaneamente, perdesse a graça e emudecesse. Como ela sabia daquilo? Idiota! Eu era ! Certo?
- Isso é uma bobagem. – tentou sair, mas eu puxei o seu braço a fazendo permanecer. Minha curiosidade se tornou válida e latente. A senhora, que agora parecia mais com uma bruxa, empurrou o baú em nossa direção.
- Teste a sorte, ele quer falar mais com vocês. – Insistiu. – Primeiro , depois você, .
Se em algum momento eu havia duvidado da veracidade dos nossos disfarces, eu soube ali, quando a velha encarou os olhos negros de e falou o seu nome. Era como se ela pudesse ver as nossas almas, sem truques. Eu estava completamente assustado, mas me esforcei a dar os três passos que me separavam da mesa e estendi a mão pegando o primeiro papel que os meus dedos tocaram. Li mentalmente, depois reli, e então tive certeza que de uma maneira bizarra aquilo era verdade.
- "Em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor”. – Minha voz saiu um tanto embargada, mas eu dei o primeiro sorriso sincero do dia, era iluminado como o sol, pois trazia a certeza de cada palavra dita. pareceu ainda mais abismada e depois de conferir o papel em minha mão, ela tentou fugir dali, sendo mais uma vez impedida por mim. – É a verdade e você sabe. Por favor, , se esforce. – Implorei deixando evidente um cansaço. – Se esforce pra enxergar. – Depois de quase um minuto brigando com a sua própria consciência, ela decidiu voltar, e de lá retirou um papel.
- Leia. – A senhora pediu empolgada. – Leia pra ele, minha jovem.
ficou encarando o papel por um tempo, e quando começou a falar, também voltou a respirar. O ar preso de seus pulmões saiu emanando uma compreensão que pelo seu olhar, tinha julgado indevida.
- “O amor só é amor, se não se dobra a obstáculos e não se curva à vicissitudes... É uma marca eterna... Que sofre tempestades sem nunca se abalar”.
- O amor está aqui. – Foi à vez de a mulher gargalhar, enquanto abria os braços e os erguia. – Em todos os lugares dessa cidade, em tudo o Shakespeare criou, enxerguem, absorvam.
- Vamos sair daqui. – pediu baixo, mas a mulher ouviu.
- A consulta custou trezentas libras.
- O que? – Aquele era o maior roubo da história, mas pra não deixar procurar uma briga desnecessária, eu retirei a quantia do bolso, paguei e saí arrastando ela que dizia insanidades à gananciosa que contava cada nota do dinheiro, sem se incomodar com as ofensas. – Você não deveria ter pagado! Você é um fraco, !
- Se acalme! Esse dinheiro não vai me fazer falta.
- O problema não está no dinheiro, seu presunçoso ridículo. – Empurrou o indicador no meu peito. – Está na...
- O problema está nas verdades que você ouviu! – Gritei pra ela de volta, sem me incomodar com os olhares curiosos. – Cada palavra que você ouviu ai dentro fez sentido pra você, fez sentido pra nós.
Como se eu tivesse dito a maior das ofensas, se desvencilhou das minhas mãos e saiu me deixando sozinho. Soquei o ar num gesto impossível de conter, e mínimo pra dar vazão a impaciência que tinha me acometido.
Eu a segui, respirando fundo e procurando dentro de mim, o homem que eu vinha sendo. Parei em frente a uma barraca de sorvete, comprei um pra mim e um pra , esperando que aquela dose de açúcar pudesse nos acalmar, e ser uma trégua. Ela aceitou o doce, agradeceu por educação, e depois voltou a se calar.
Ao chegarmos numa baía próxima ao canal, vimos muitas pessoas à beira da água, turistas, como nós, perambulando animados sob aquele fim de tarde quente. Havia barcos amarrados ao lado da água que vendiam de tudo, desde comidas exóticas à pinturas, parecia um verdadeiro carnaval.
Depois de darmos mais uma volta, um garoto magricela parou em nossa frente sorrindo pra nós, e como se já estivesse encenando, apontou de modo dramático para o extremo a nossa esquerda. Olhamos pra o local indicado, mas a movimentação normal, não nos disse absolutamente nada. continuou entediada, e quando eu pensei em chamá-la pra ir embora, batidas de bongo e zumbidos de guitarra surgiram, como num passe de mágica, a multidão praticamente se perfilou para assistir a encenação de uma peça. Tive que seguir os passos de que se aproximou interessada, e vi que se tratava da tragédia Romeu e Julieta.
Os atores encenavam e quando caminhavam, a plateia os seguia, era um teatro vivo e em movimento, onde eu sentia um chacoalhar de sentimentos a cada ato. Só no grande e trágico final eu me lembrei de me permitir olhar pra , examinei cada traço de sua expressão, completamente imersa naquele mundo ilusório. Ela aplaudiu como se buscasse por mais, preferindo aquilo à sua realidade. No fundo eu me sentia da mesma maneira.
- Essa foi a primeira releitura alegre de Romeu e Julieta que eu vi. – escondeu o seu rosto de mim ao evitar me olhar, mas a emoção que havia ali, não me escapou.
- Estou cansada, podemos procurar um hotel?
- Mas são sete da noite!
- Eu estou cansada, ou vamos pra um hotel, ou eu vou dormir na droga do carro! – Rugiu sua exigência.
- Ok, se acalme. – Minha condescendência freou a sua exaltação. – Vamos encontrar um hotel, mas depois de um breve descanso nós vamos sair.
- Não, já disse...
- Sabia que você aprovaria! – Sorri e ela me encarou ultrajada.
Enquanto continuou resmungando, eu andei ao seu lado cantando baixo, e me esforçando pra parecer alegre, vivo, mas estava ficando a cada segundo mais complicado.
pareceu mais convencida com o poder de transformação que a experiência daquela viagem estava lhe trazendo. Por isso sua irritação e impaciência. Por isso a sua vontade imensurável de largar tudo. Sua desistência ainda era maior que sua vontade de lutar.
Achei que não iria fazer isso em pouco mais de vinte quatro horas de viagem, mas se um embate acontecesse, eu teria que ser direto e revelar as minhas reais intenções, não dava mais pra amenizar o que eu sentia, e pela maneira como vinha me tratando ao longo do dia era exatamente isso que ela esperava. Uma mistura de ansiedade e medo havia se apoderado de mim, durante o nosso breve trajeto até o hotel. Dizer a ela que eu a amava lhe afugentaria de vez, ou a faria se cercar, buscando uma oportunidade.
- Um quarto de casal? – A morena perguntou animada.
- Sim!
- Não!
A recepcionista, da pequena pousada em estilo colonial, ficou confusa com a divergência das respostas.
- Pode acreditar em mim, é apenas um quarto. – Disse à atendente que parecia um pouco incerta, e depois me aproximei de pra sussurrar. – Te desafio.
Ela revirou os olhos como resposta e esperou até que fossemos liberados do check-in.
Ainda inconformada em ter que dividir um quarto comigo, jogou sua bolsa sobre a cama e passou a analisar o lugar. Antes que mais comentários raivosos ou desdenhosos surgissem, eu lhe avisei que tomaria um banho, omiti a parte em que desejava que a água lavasse as inseguranças que surgiu a pouco.
- Não precisa fazer essa cara, nós sempre dividimos quarto, inclusive dividimos um ontem. – Disse assim que saí do banheiro, apenas com uma toalha envolta da cintura, que tampouco incomodou .
- Porque eu estava com medo de dormir sozinha naquela casa grande.
- Bobagem, você só não admite, mas adora a minha presença. – Tentei fazer uma piada, mas só agravou a situação.
- Babaca. – Bateu com força a porta do banheiro.
- Linda. – Berrei e ela resmungou algo que não compreendi, me fazendo rir ainda mais de seu esforço em ser antagonista. Mais um resmungo, a porta do banheiro foi aberta mais rudemente do que fora fechada.
- Cadê a chave do banheiro, ?
- Não tem necessidade de se trancar, eu não vou invadir. – Lhe garanti, mas os olhos de reluziram a decepção que ela tentou conter.
- Vou perguntar uma última vez. – Fechou os olhos e respirou fundo. – Cadê a chave?
- Eu não sei, talvez... – Ela não deixou completar a minha mentira.
- Você é um imbecil!
- ...
- Eu achei que o fato de não ter nenhuma chave no quarto e banheiro da sua casa fosse só coincidência. – Mordeu o lábio com força, enquanto encarou seus próprios pés e agitou a cabeça em negação. – Mas agora tudo faz sentido. Você não confia em mim, acha que vou me trancar aí dentro e me matar? – Fez piada do nosso próprio caos, passando a me encarar, me depreciar.
- Estou tentando te manter segura. – Minha justificativa pareceu tão irrelevante a ponto de diverti-la por um breve instante.
- Você é um hipócrita. Acredita que eu posso me refazer nessa viagem, que eu devo confiar em você e nessa sua crença cega no amor, destino e blá, blá, blá, mas não confia em mim pra ficar sozinha!
- , eu...
- Eu não vou mais tentar suicídio, fique tranquilo. Eu já descobri que a morte está na droga dessa vida. – Assim como os lábios dela, os meus também tremeram, e como se quisesse provar o quanto eu era desleal, ela entrou no banheiro e deixou a porta completamente aberta.
Impedi que os meus olhos seguissem a sua roupa encontrando o chão, e de admirar o corpo nu que foi revelado.
Sentei na varanda do quarto e fiquei assistindo a movimentação da cidade, havia fumado dois cigarros e bebido uma cerveja, mas ainda não havia terminado o seu banho. Quando finalmente saiu do banheiro a fumaça do vapor da água quente, pareceu nada, perto da que saiu de sua cabeça.
- O que você está fazendo? Deixou o quarto todo fedendo a cigarro.
- Você nunca se importou. – Dei de ombros sem entender. – Você fuma.
- Eu não fumo! Bom, não no meu quarto! – Eu ri e ficou ainda mais furiosa.
- Para de drama e implicância. Se você está tão incomodada, podemos pedir outro quarto.
- E se eu estiver incomodada com a sua presença? – Colocou as mãos na cintura e me olhou inquisitiva. Seria um mentiroso ainda maior, se não assumisse o quanto aquilo me afetou.
- Não precisa tentar me agredir o tempo inteiro. – Peguei os sapatos e me sentei na cadeira pra calçá-los. Não sei se foi a minha falta de relutância ou o prazer de me ver ir embora, mas simplesmente parou a minha ação, como se precisasse se justificar. Seu olhar encontrou o meu, e endureceu em pura defesa.
- Sempre que eu olho pra você eu me sinto arrasada. – Confessou e instantaneamente eu me levantei e segurei os seus ombros.
- Você não precisa se sentir assim, tudo o que eu quero é mudar isso.
- Por que você está insistindo nisso? Por que você está insistindo nessa droga de viagem?!
- Porque uma vez você me disse que foi assim que o seu pai resolveu o relacionamento dele com a sua mãe e eu só quero salvar o nosso.
- Não existe “nosso”! – Praticamente gritou.
- Eu te amo, e não importa o que você tenha feito, como se sinta ou o quanto o tempo nos afaste, eu vou continuar te amando. – Disse exasperado. – Eu posso continuar sendo esse ciumento egoísta e você essa antipática orgulhosa, que nada do que eu sinto vai mudar. – Senti o seu corpo tremer e achei que ela iria ceder. – Eu te amo, .
- Bom, é uma pena que ame. – Tirou as mãos de mim e depois de pegar uma muda de roupa na mala, voltou para o banheiro para se vestir.
Um funcionário do hotel, quando foi servir o nosso jantar no quarto, nos indicou uma festa que aconteceria a apenas duas quadras do hotel. Era uma boate conhecida e bem procurada pelos turistas, e tudo o que precisávamos pra ao menos abrandar as tensões.
abandonou o tênis e a calça jeans, e apareceu com um vestido verde e perigosamente curto demais, antes que pudesse questionar onde ela havia encontrado tal peça de roupa, eu percebi que aquilo na verdade era uma camisa minha perfeitamente customizada.
andava afastada de mim, mas a passos decididos, a brisa que nos tocava eram resquícios do dia quente, mas parecia que estávamos imersos no olho de um furacão que insistia em nos manter separados. Rompi a distância que ela havia imposto, já que seu cheiro me atraía, a química entre nós dois ainda era palpável, e era um dos ínfimos motivos pra eu querer começar de novo, sempre que ela dissesse que não.
Parecia que todas as pessoas da cidade estavam dentro daquele mesmo pub. Quando eu e adentramos o local, esprememos os nossos corpos em busca de um mínimo de espaço, ela apenas se virou pra mim e me disse que iria até o bar, e assim nos perdemos. Ao menos ela tinha avisado.
Segui relutante, me sentindo um velho ranzinza, que se incomodava com as luzes, o som alto e as garotas fáceis que se aproximaram de mim. Não encontrei no bar, e mesmo assustado com a simples possibilidade dela ter ido embora me assolar, eu decidi pedir uma bebida, tentar me acalmar, e dar a ela o voto de confiança que a pouco havia sido questionado.
Um tempo, mais duas bebidas depois, eu vi uma pequena mesa ficar vaga e me apressei a torná-la minha, se tudo desse errado aquela noite, ao menos as minhas pernas teriam sustento.
- Você parece um velho psicopata, sentado nesse canto escuro. – surgiu sorridente, o corpo brilhando de suor e as bochechas coradas pelo álcool. – Achei que você queria se divertir.
- Eu estou me divertindo. – Menti mais pra mim do que pra ela, que se limitou a mexer o ombro e roubar a minha bebida.
Com um único levantar de dedos, um dos garçons prontamente apareceu com uma bandeja repleta de copinhos de vidro, com uma bebida verde dentro.
- Estranho! – Achei que ela estivesse falando comigo, e por quatro segundos ouvir aquele apelido me paralisou, até perceber que ela só estava respondendo a pergunta que eu iria fazer sobre que bebida era aquela. – Inventei a bebida, então pude nomear ela. Hoje eu quero ver a fada verde!
Quando fomos brindar nossos shorts da tal bebida inventada por , mas que consistia numa mistura de vodca, tequila, whisky e absinto, ela resolveu me alertar.
- Cuidado, você pode sentir muito amanhã. – Falou presunçosa, virando sua bebida.
- Melhor do que não sentir nada. – Enquanto eu bebia, a postura de mudou, ela jogou o cabelo para o lado e minhas palavras pareciam ter lhe dado um tapa na cara.
Como um raio ela se recuperou, do que talvez nem tenha se afetado tanto, e se levantou com a graciosidade e imperiosidade de sempre.
- Onde está indo?
- Estão fazendo body short. – Respondeu com um sorriso de obviedade. – Sem essa, , você fez isso com a minha melhor amiga, e eu nem reclamei.
Se desvencilhou dos meus braços, e ao se aproximar da roda, logo se tornou o centro dela, corriqueiramente roubando toda a atenção pra si.
Eu sabia que meu ciúme ia ser a primeira e principal coisa testada por , infelizmente era algo que eu não conseguia domar com facilidade, mas naquele momento, o movimento das pessoas não me permitiu ver muito do que aconteceu. Apenas só o ato seguinte, onde foi erguida como um verdadeiro troféu.
Em seguida ela começou a dançar, seus saltos finos sustentaram seus movimentos, enquanto deslizavam pelo salão, e pelo meu coração. Prendi meus lábios entre os dentes, e voltei o meu olhar pra meu copo, tentando reprimir a vontade animal de ir até lá e requerê-la só pra mim. A intenção dela era me afastar, testando meus limites, me empurrando pra o meu lado mais obscuro e brutal, mas ela não iria conseguir. Tudo se resumia a algo maior, uma obstinação que era capaz de refrear meus piores instintos, me mantendo sentado, esperando pelo fim de sua diversão.
desistiu de seu jogo, e voltou a se sentar ao meu lado. Sua respiração resfolegava devido a dança, e seus olhos procuraram os meus.
- O que está acontecendo com você? – A pergunta não foi direta, mas eu senti sua resignação. – Não vai levantar daí e tentar aproveitar a noite?
- Não. – Tentei um sorriso que não foi correspondido. – Isso é tudo sobre você.
Como vinha acontecendo por pura facilidade, decidiu e não absorveu a intensidade do que tinha dito, e mais uma vez convocou o garçom, que prontamente serviu outra generosa rodada de bebidas.
- Vamos beber então! Eu ainda pretendo ver a fada. – Me entregou um copo, brindou com o seu e virou todo o conteúdo.
A cena se repetiu por diversas vezes durante aquela noite, mesmo quando eu julguei que já havia ultrapassado o seu limite, só consegui levá-la pra o hotel quando o seu corpo reclamou descanso.
Em meio a uma cantoria grogue, um sorriso ébrio, e meus braços sustentando os seus passos, nós finalmente entramos no quarto. Num rompante, se desvencilhou de mim e foi até o frigobar, abrindo uma garrafa de cerveja, que eu tratei de tirar de suas mãos.
- Chega! Você já bebeu demais.
- Me deixa em paz! – Exigiu tentando pegar a garrafa de volta, mas eu me afastei dela. – Porra, ! Se você não me devolver isso eu vou fazer um escândalo!
- Não! – Repreendi num tom mais firme e paternal. Ergui ainda mais a mão que segurava a garrafa, e quando tentou alcançar, se desequilibrou e caiu sentada no chão.
- Vem levanta daí. – Coloquei a garrafa na pia e estendi a mão que foi recusada com repulsa.
- Eu te odeio! Eu me odeio! – confessou, abaixou à cabeça, e seus movimentos descoordenados me fizeram achar que ela iria vomitar, mas então eu ouvi o seu choro. O que iria sair dela era apenas um jato de verdades e ressentimentos. – Eu queria tanto aquele bebê. – Chorou como uma criança, sua dor se sobressaiu ao discurso arrastado e embolado. – Ele era nosso, eu o senti, falei com ele, e... – Soluçou e me deu um longo olhar, dos que me fazia ouvir toda sua dor através de um amplificador, dez vezes mais potente do que usávamos nos shows. – Ele mexeu na minha barriga quando te ouviu cantar naquela noite. – Foi o fim. Caí ao seu lado e a abracei, antes que eu pudesse desmoronar, ela se deitou no chão, me levando junto. Nossa troca de olhar permaneceu, e aquela imensa escuridão de seus olhos não pareciam me enxergar, iam além. – Ele já nos amava, , e eu nem sei era “ele” mesmo.
Seus dedos se apertaram ao redor do colarinho da minha camisa, nos unindo ainda mais, buscando alguma segurança. Eu a tomei em meus braços lhe dando tudo de bom que tinha, e incapaz de dizer nada, apenas com as palavras dela me sufocando. Aos poucos seu choro foi cessando, até sua respiração diminuir e seu corpo finalmente relaxar. Fiquei deitado, segurando sua inconsciência, sentindo todas as nossas emendas arrebentarem, sem conseguir maquiar mais as cicatrizes do nosso passado.
Stratford-upon-Avon – 23 de agosto de 2016 – 08:59 am.
Acordei sobre o chão duro e meus músculos reclamaram, mas não tanto quanto a minha mente gritou a ausência de ao meu lado. Meus olhos varreram o cômodo, e quando eu achei que ela tivesse partido, a porta se abriu e ela surgiu gloriosa, com uma caixa de papelão na mão, e um ar refrescante, como se nenhuma ressaca pudesse ter lhe atingido, ou como se não tivéssemos tido nenhuma conversa na noite passada.
- Trouxe seu café da manhã. – Disse colocando a caixa sobre a pequena mesa. – Desculpe por ter te feito dormir no chão.
Levantei, e antes que eu pudesse espantar o sono de uma vez, e poder dizer alguma coisa, voltou a falar.
- , nós precisamos conversar. – Aquela frase funcionou como um potente despertador, tencionando todo o meu corpo.
- O que houve? – Minha voz soou amedrontada demais, mas o pequeno sorriso que recebi, conseguiu me tranquilizar um pouco. Ela indicou a cadeira ao seu lado, e movido por minha curiosidade eu logo me sentei, tendo que esperar ainda por seu longo suspiro.
- Confesso que não lembro muito do que te disse, mas eu sei o que estou sentindo. Ontem eu estava confusa, sendo guiada por muito álcool, pelo medo da mudança. Estive tão acostumada a não ter esperança, que a remota possibilidade de me sentir melhor, foi apavorante. – Revelou, em nenhum momento mostrando vergonha. – Você é a maior dualidade da minha vida, eu não posso te oferecer nada, em partes por não ter nada, outras por não querer.
- , quando eu disse que isso é sobre você, eu não estou mentindo, eu também não menti ao dizer que eu esperarei sempre pelo seu amor, mesmo que possa parecer impossível agora.
- Não parece, é impossível. – Sua constatação veio embebida de tristeza, e mesmo sem querer me atingir, eu senti como se uma faca fosse girada constantemente no meu peito. – Eu vou me esforçar a partir de agora, aproveitar toda e qualquer experiência que surgir, eu estou sentindo... – Buscou dentro de si e através da paisagem da janela, uma palavra que pudesse definir aquele momento. – Estou sentindo vontades.
- Isso é um ótimo começo. – Segurei a sua mão e apertei enquanto sorria.
- Mas... – Ela disse e depois engoliu com dificuldade a palavra que eu mais odiava, e continuou. – Quando essa viagem acabar, eu preciso me afastar de você, eu agradeço o que está fazendo por mim, mas eu não posso te ver mais. É muito difícil. – Concordei mais uma vez, mantendo o meu sorriso, fazendo dele um ótimo esconderijo pra os sentimentos funestos.
- Eu entendo. Você terá tudo o que quiser.
- Obrigada, . – Me deu um sorriso sincero, mínimo pra reatar as minhas esperanças. – Até porque, essa não é uma daquelas histórias baratas que suas fãs postam na internet.
- É, e você nem faz o meu tipo. – Fingi desdenho, e rimos.
- Ótimo. – Ela se levantou espantosamente bem humorada. – Se apresse, temos estrada pela frente.
Meus lábios se abriram levemente, assustados com a dicotomia no comportamento de , mas a sua disposição me contagiou.
Capítulo 20 - Dia III
Liverpool – 23 de Agosto de 2016 – 02:01 pm.
Com um humor assustadoramente melhor e diferente da noite passada, eu e seguimos até a louca e excitante Liverpool. Não consegui esconder a minha empolgação, e disse, enquanto revirava os olhos, que eu parecia uma criança na véspera de natal.
Existia mesmo algo quase mágico em viajar. Pouco depois que saímos de Stratford-Upon-Avon eu havia perdido um pouco das sombras que se instaurou lá. Poderia ser o calor, as novas paisagens, ou a expectativa de chegar logo ao novo destino, mas tudo parecia... Bem. Só tranquilamente bem.
A cidade era grande, cosmopolita e estimulante, mas eu, assim como qualquer turista que chegara ali, só respirei o rock dos Beatles, com um adicional extra ao futebol.
Estava bem empolgado e contava a histórias sobre a banda e seus integrantes, como se ela fosse uma leiga e nunca tivesse ouvido Beatles. As vezes ela abria a boca, olhava para as unhas ou revirava os olhos pra dizer que estava entediada e me provocar.
Como um verdadeiro guia, conduzi nossa visita aos principais pontos turísticos, e depois da nossa passagem ao museu dos Beatles e ao da música Strawberry Fields, nós almoçamos nas docas.
Parei o carro, e depois que desceu, eu peguei o violão, transpassei a alça da case pelo corpo, e o olhar que recebi foi o suficiente para notar que só naquele momento, havia reparado que o seu presente de tantos anos atrás, nos acompanhava.
Um ônibus parou e cerca de sessenta pessoas desceram com suas câmeras em mãos. Os turistas estavam imersos na construção vitoriana do antigo orfano Strawberry Field, onde havia um maravilhoso jardim, segundo a história, ali aconteciam festivais frequentados por John Lennon e seus amigos.
- Quando viemos fazer um dos shows da turnê aqui, fizemos uma visita por todos os pontos turísticos, e mesmo a noite esse lugar foi o que eu mais gostei.
encarou as grades do portão vermelho, respirou fundo e concordou.
- Eu vim aqui uma vez, mas faz muitos anos. – Ela não me disse, mas percebi que o lugar agora tinha um significado diferente pra ela, assim como tinha pra mim.
- Há uma lenda que diz que Lennon gostava tanto desse lugar, que mesmo depois de sua morte Yoko vinha até aqui, para cuidar do jardim.
voltou a direcionar sua atenção para o lugar, mas sem nenhuma surpresa com o que tinha dito.
- Se for mesmo verdade, ela é mais irracional do que imaginava. – O desdenho de me pareceu forçado.
- Por que diz isso? Não acho irracional você tentar agradar quem ama, mesmo que ele não esteja mais presente em vida.
- E a sanidade dela? Em algum momento cultivar um jardim pode ser doloroso, porque simplesmente não flori.
- Mas isso não tirou a satisfação que ela deve ter sentido quando viu coisas novas nascendo. O ambiente ao seu redor sendo empertigados de beleza.
- Uma beleza fugaz.
- Ainda sim uma beleza. As coisas mudam, crescem ou não, mas a vida continua, porque tudo faz parte de um ciclo, incluindo nós, mas sempre existirá algo maior. A esperança.
- Eu aposto que Yoko jamais voltou aqui.
- Talvez você esteja certa, mas ela sempre saberá que isso aqui existe, e é parte do amor deles.
- Se você... – Ela hesitou. – Se você ama alguém, não é uma obrigação ou função ficar ou manter ela consigo.
- Exato. É só uma necessidade. – Como a necessidade gritante que eu tinha por ela. Pensar sobre isso me distraiu tempo suficiente pra quase permitir que entrasse no lugar. – Antes que a gente entre, tenho um desafio. – esperou que eu lhe revelasse. – Tanto você quanto eu teremos sessenta minutos pra percorrer a cidade e comprar um presente.
- Uma hora em Liverpool, sem você por perto, e podendo fazer o que eu quiser?
- Não, você terá que me comprar um presente.
Ela ergueu a sobrancelha e sorriu como se o que eu disse fosse bobagem, depois sua expressão adotou uma malícia.
- Eu posso me meter em confusão, ou comprar uma passagem pra ir embora.
- Confio em você. – olhou pra mim, compreendendo o tamanho do significado de minha afirmação. – Nos vemos aqui em breve.
Dei um beijo em sua bochecha, demorado demais pra se assistir, rápido demais pra mim. Então acenei com a mão antes de virar a esquina e perder completamente o contato visual com .
Dos sessenta minutos que eu tinha, quarenta eu passei tentando resistir aos pensamentos de avançar sobre o que eu considerava, pra pular pra o que eu sentia, e mandar o meu autocontrole pra o inferno. Os quinze minutos que me restaram, usei pra entrar numa joalheria e comprar o tal presente.
se atrasou pouco mais de vinte minutos, mas não foi isso que me surpreendeu. Seus olhos estavam vermelhos e arrasadores, ela havia chorado, ou prendido tanto o choro, que seus passos estavam determinados e furiosos.
- O que aconteceu?
- Nada que eu já não sabia.
Ela empurrou para as minhas mãos mais uma capa de revista, nessa, eles a chamavam de assassina, mas usavam palavras aveludadas.
- Isso é uma bobagem e sabemos disso. – grunhiu em frustração, e apertou os nós de seus dedos. – Aquele nerd já deve estar pagando pelo que fez.
- Espero que esteja, mas não posso culpa-lo por ter tido a coragem de jogar lavagem aos porcos.
- Essas pessoas são idiotas!
- Elas estão curiosas, e agora vão me incriminar pra se sentirem melhor.
- É isso que sempre me assustou na fama, essa idolatria tão exagerada e gratuita quanto o ódio.
- Lennon foi um caso claro disso. – Ela mordeu forte o lábio e ergueu a cabeça, se livrando de qualquer reflexão profunda. – Vamos acabar logo com isso!
Eu a abracei, lhe pegando de surpresa, mas fui grato por ela não ter me afastado. Esse foi meu único acalento, nós dois precisávamos seguir em frente e eu não poderia me abalar mais e deixá-la pior.
Nos afastamos, e ela buscou algo do bolso de seu jeans claro e me entregou, sem o menor cuidado ou delicadeza.
- Um relógio? E do Batman? – Perguntei rindo e analisando a peça infantil em minha mão, e que com certeza não caberia em meu pulso.
- Eu só tinha cinco libras. – Se justificou sem nenhum remorso. – Não seja mal agradecido, eu poderia ter comprado o do Thor.
- Odeio o Thor. – Senti os vincos de desgosto surgirem em minha testa.
- Viu? – Ergueu a sobrancelha. – Admita. Você amou.
- Sim, obrigado. – Agora os vincos na minha expressão eram delicados por refletir o sorriso dela.
- Cadê o meu presente? – Estendi o pequeno saco de veludo vermelho e arregalou os olhos. – Relaxa não é uma aliança. – “Ainda”, completei o sonho, apenas em minha mente.
fingiu um suspiro de alívio, e abriu o presente, analisando bem a corrente de ouro e diamantes que eu havia comprado.
- Isso não parece ter custado apenas cinco libras. – Comentou estática, mas com os olhos admirados e brilhantes como a joia que era reluzida pelo sol.
- A vendedora me garantiu que a rosa dos ventos significava liberdade, e acho que é o que você merece... – O significado revelado do pingente, a fez perder um pouco de fôlego. – Você merece ser livre.
Negou com um aceno, um tanto perturbado, mas me entregou o colar para que eu colocasse em seu pescoço.
- Você achou isso na rua, e está me dando como presente, e inventando essa história de liberdade, não é?
A voz de tremulou, assim como a sua pele, ao sentir meus dedos roçarem seu pescoço.
- Não. – Sussurrei com intuito de provocar seu corpo ainda mais. – Isso seria um péssimo clichê daqueles romances chatos.
Inimaginavelmente, ela achou graça e olhou rapidamente pro seu pulso, onde a sua pulseira estava.
O jardim estava lindo. O aumento da temperatura deixou tudo mais verde, alegre, e ainda era possível sentir o frescor deixado pela primavera. Trilhamos por um caminho de pedras, até que apontei um banco pequeno e de ferro, que ficava ao lado de uma fonte, onde nos sentamos.
Tudo o que ouvimos por um instante foi o som dos pássaros agitando os galhos das árvores.
- Você deveria cantar pra mim. – O ímpeto de seu pedido me assustou.
- Deveria?
- Se trouxe o violão, não foi a toa, e esse pode ser meu desafio.
- O que você quer ouvir? – Perguntei já retirando o violão da case. me olhou com obviedade, mexendo os ombros, então eu procurei uma música dos Beatles que além de nos retratar, mostrasse que aquele momento era único, como se nada antes dele tivesse existo, como se nada depois dele pudesse existir. Foi encarando o seu sorriso de expectativa que encontrei uma resposta.
Eu comecei a cantar baixinho, um frio percorreu minha espinha, então corrigi minha entonação e recomecei.
Para ouvir a música clique aqui!
Quando eu terminei de cantar, os olhos de tinham voltado a ficar vermelhos, ela deveria se libertar.
- Tenho um novo desafio, você só terá cinco minutos para realizá-lo.
- O que?
- Mergulhar.
- Nessa fonte?! – Ri do seu espanto genuíno.
- Não. – Deslizei meus dedos em sua bochecha, num carinho que ela não recusou. – Na sua tristeza mais profunda. Sinta ela sem medo, se deleite, desfrute, depois se despeça e siga em frente, ficarei com você durante o processo e obviamente depois dele, se você não se importar.
- ...
- Vai. – Exigi com mais firmeza, e minha determinação não permitiu que ela recuasse. – Vai embora e volta, que eu cuido de você, então nós seguiremos juntos, para qualquer outro lugar ou nenhum, mas até você ficar cem por cento boa. – Despejei meus desejos, e os olhos de se acumularam gradativamente em sua tristeza, implorando pra serem liberados. – Vai e volta que eu cuido de você e não te deixo morrer nunca mais.
Ela foi.
Como se tivesse adquirido asas, o seu choro irrompeu o silêncio e a fez voar, sozinha, olhando pra o jardim como se olhasse pra si mesma. Eu observei tudo a distância, sem nenhuma compaixão, só orgulho ao vê-la dissipar uma parte daquele fardo.
Liverpool – 23 de agosto de 2016 – 08:44 pm.
- O que achou do quarto? – Perguntei encarando a expressão de nojo que fazia ao examinar o cômodo. Não era ruim, ou estava sujo, mas as cores das paredes eram tão excêntricas que traziam esse aspecto. Nada ali parecia confortável, faltava vida.
- Normal? De um jeito péssimo?
- Achei que diria isso. – Ri. – Vamos redecorar.
Enquanto eu retirava os três quadros que estavam pendurados, resmungou.
- O que está fazendo?
- A verdadeira arte dos quadros de hotéis está no verso. – Curiosa, ela sentou ao meu lado na cama.
Em um dos quadros havia desenhos pornográficos e engraçados. Noutro tinham palavrões, ou frases obscenas que haviam sido completadas por outras pessoas, como uma resposta dita a um completo desconhecido. Eu e rimos enquanto apreciávamos as artes.
- Como você sabia disso?
- Viver mais em hotéis do que na própria casa te mostra muita coisa. Te insere nesse círculo de estranhos que parecem unidos.
- Eu também quero participar. – Se levantou ultrajada com a suposta exclusão, e buscou na mochila duas canetas. – Vamos deixar recados para os próximos estranhos habitantes desse lugar.
Concordei, sentou na extremidade oposta a minha, e enquanto ela pensava no que escrever ou desenhar, o quadro escondia o seu sorriso, mas seus olhos brilhantes, não. Alguns minutos depois, nós havíamos terminado, e quis fazer suspense, então tive que ser o primeiro a mostrar.
- Aqui tem o anúncio de uma pizzaria, então eu escrevi: “A gente pode anunciar, mas o boca a boca é você quem faz”.
- Adorei, a carinha de safado ficou legal, mas... – Ainda rindo, virou a cabeça pra analisar melhor. – Essa com a língua de fora, sensacional! Bom trabalho, .
Elogiou e então me mostrou o que fez.
Haviam desenhado um pênis, e além da descrição do tamanho e dimensões, prometiam que o membro ficava sempre ereto.
- “A vida é dura para quem é mole”. – Li a frase rindo, e mesmo sem ter sido elogiada ainda, já jogava o cabelo para o lado. – Espero que ele volte e veja isso.
- Eu taaaaambém. – Disse entre a sua gargalhada. Depois se levantou num pulo e colocou os quadros em seus devidos lugares, e saiu olhando as outras partes do quarto. – E que note o quanto ele é um babaca de pau pequeno. Ninguém que tenha um pau grande ostenta, apenas mostra. – Fui até o frigobar e peguei uma garrafa de água, rindo e concordando com suas teorias. – , vem aqui. – Encontrei parada diante do parapeito de vidro da varanda. – Pelo menos a vista vale a pena.
Duas enormes piscinas eram circundadas pelas grandes árvores e gramados verdes de um campo de golfe. Mais atrás as luzes da cidade brilhavam para nós.
- Vale muito a pena. É de tirar o fôlego. – Eu poderia estar falando do crepúsculo no céu, já embebido pela presença da lua, mas eu estava encarando , admirando a beleza que emanava dela e de seu coração. – Eu gosto disso, sentar e observar tudo assim, calmo. – Comentei, mas ela me olhou como se eu estivesse louco.
- A cidade parece estar dormindo.
- Exatamente, e então você percebe que sonhar acordado é ainda melhor.
- Não consigo concordar com você, ainda. – Aquela palavra pequena era uma fagulha de esperança. – Vem comigo. – Me virei e olhei pra que já estava na porta.
- Pra onde?
- Vem logo, !
Passamos no bar do lounge e pegamos duas taças de vinho. Havia apenas um casal de idosos na piscina menor, e empolgados com algum tipo de exercício, nem reparou nossa presença. Nos sentamos numa espreguiçadeira em frente à outra piscina, depois de virar a bebida de sua taça, pareceu mais eufórica.
- Vamos entrar na piscina? – Me convidou com uma ordem.
- Só se saltarmos dali. – Apontei pra o trampolim, relativamente alto, que havia ao lado.
- Melhor não.
- Não era você que vivia se gabando dizendo que tinha enfrentado seu medo de altura? – Desdenhei revirando os olhos. ia retrucar com uma ofensa, mas seu corpo relaxou e ela sorriu diante de alguma ideia.
- Ok, mas temos que subir juntos.
A tábua de madeira que sustentava o meu peso e o de , era azul e estreita o suficiente pra que nós dois ficássemos quase abraçados.
- Tira a roupa, . – ordenou, depois de tirar sua calça e camiseta, eu arregalei meus olhos quando notei que ela iria tirar o sutiã também.
- O que você está fazendo?
- Não precisamos de roupa pra tomar banho. – Me olhou presunçosa com a sobrancelha erguida.
- Mas se formos pegos, vamos ser presos.
- Não era você que vivia se gabando dizendo que agora era um bad boy? – Recebi sua indiferença e a lingerie que cobria seus seios na minha cara. Ela parou instante antes de retirar a calcinha. – A menos que me ver nua seja difícil pra você.
Tentei ao máximo mostrar indiferença, mas aquele era sem sombra de dúvidas o maior desafio.
- Você é o diabo na terra .
- É, já devo ter ouvido isso algumas vezes.
Ela riu, e quando apenas a luz da lua tocava o seu corpo, pulou na piscina. Não foi um pulo elegante, daqueles que uma garota costuma dar. Se jogou sem nenhum receio, e segurando os joelhos contra o peito, caiu como uma perfeita bomba na água.
Olhei pra baixo e já apareceu gargalhando, o azul iridescente da piscina acesa, era mais brilhante que o sorriso que ela trazia.
- A água está quase tão delícia quanto eu. – Riu da sua prepotência, que pra mim, não passava de uma verdade. – Se joga!
Joguei minhas roupas e constrangimentos para o lado e saltei.
- Eu não acredito que concordei com isso. – Disse assim de emergi e receber um golpe de água vindo dela.
- Confessa que você está adorando. – foi até a borda, pegou minha taça e me entregou, ela estava totalmente confortável com seu corpo e nudez. Eu precisei beber todo o vinho pra não morrer na tentativa de esconder minha excitação. – Fiz isso uma vez, quando estive num hotel no Texas. Esse medo de ser flagrada deixa tudo divertido.
- Parece um pouco com as loucuras do .
- Quem você acha que me deu essa ideia?
Estava quase gargalhando ao lembrar uma história vivida com e , numa viagem da turnê, mas um funcionário do hotel estava se aproximando com uma bandeja brilhante e um sorriso forçadamente profissional.
Apavorado, a minha única reação foi abraçar , e torcer para que assim ele não percebesse a ausência de nossas roupas.
Ela deu um pequeno pulo e primeiro eu achei que tinha sido pela surpresa, mas depois ela elucidou.
- Uou , acalma o seu amigo, é só um garçom lindo, e se alguém deveria ficar excitada por ele, seria eu. – Gargalhou de sua piada ridícula e da minha masculinidade toda levantada pra ela, mas não ousou se afastar.
- Gostariam de mais alguma coisa? – O moleque deveria ser um estagiário feliz e cheio de vivacidade, mas o que realmente me enfureceu, foi o olhar descarado que ele lançou pra os seios de , mesmo estando sendo cobertos por meus braços.
- Não. – Falei ranzinza.
- Sim. – Ela respondeu num tom provocante. – Uma garrafa de tequila, mais uma porção de morangos.
O tal garoto não questionou qual ordem deveria seguir, mas assim que ele foi em direção ao bar, eu sabia que seria a de que ele acataria.
- Que garoto fofo.
- Você não pode estar falando sério! E não vamos beber tequila!
apenas se virou pra mim, e seus braços rodearam meu pescoço.
- Ah não. – Ela olhou pro meu membro e riu ainda mais. – Não precisa ficar desanimado. Ao invés de ficar bravo e lhe dar algumas respostas mal educadas, o sussurro dela voltou a me despertar, então eu fiz questão de me esfregar nela, que não pareceu se incomodar. – Vamos fazer um jogo?
- Qual jogo?
- Basicamente, nós só viramos uns shorts de tequilas, comemos o morango e é isso.
- Você já foi mais criativa.
- Aqui está. – O garoto nos interrompeu, colocou a bandeja com o pedido, mas tudo o que eu fiz foi abraçar mais forte a mantendo ali comigo. Ela agradeceu, e depois olhou pra mim com cara de tédio.
- Você está me sufocando.
- Se o cara se esforçasse mais iria ver seus seios, pra não dizer o resto.
- Não banque o ciumento, você está me vendo.
- Eu posso ver. – Ela gargalhou, mas não contestou minha afirmação possessiva.
- Abre a boca, e se concentra. Se você derramar perde essa regalia. – Fiz o que ela pediu, senti o gosto forte da tequila, que foi apaziguado pelo doce do morango. Eu havia estremecido.
- Uma vez eu sonhei com algo assim. – Preferi não dizer que havia sido um pesadelo que tive assim que ela retornou pra Londres.
- Com te embebedando? – Ironizou. – Acho que não foi um sonho.
- Talvez fosse o meu sonho. – Ela voltou a me abraçar.
- Você insiste que eu me divirta, mas não está fazendo isso.
- Claro que estou.
- Você parece tenso.
- Como não ficar? – Olhei pra os nossos corpos nus, aumentos pela projeção que a água fazia, e deixei claro toda a minha tentativa de controle.
- Certo. – Ela riu e foi até a borda pegar mais morangos. – Te faço uma pergunta, se errar você bebe, se acertar, eu bebo.
- Tudo bem. – Aceitei a sua oferta, e enquanto pensava na pergunta que me faria, estendeu o litro na direção da minha boca, como se já soubesse que eu seria o perdedor.
- Quanto é mil oitocentos e vinte e quatro, dividido por trinta e um, somado a dez?
- Que tipo de pergunta é essa?
- Responde logo, ! – Me apressou, e como se a minha vida dependesse daquela resposta eu me senti nervoso.
- Não sei! Cinquenta e sete?
- Errou! – Eu mal abri a boca, e ela despejou o liquido, depois de fazer uma nova careta, ela colocou um morango em minha língua, e o gosto acalmou meu paladar.
- Qual a resposta certa?
- Como vou saber? Sempre fui péssima com números. – Deu de ombros, nem um pouco incomodada com a sua trapaça, eu ri sabendo que também poderia jogar.
- Minha vez. – O sorriso que lhe dei, não escondeu a minha malícia. – Qual a sua posição sexual favorita?
- Duas doses de tequila, e você já mostra o quanto é safado. – Ri. ergueu a sobrancelha e mordeu o lábio, só depois respondeu. – Por cima.
- Errou. – Me desvencilhei dela e da imagem que fiz dela cavalgando em mim, peguei a garrafa de sua mão, e indiquei que ela bebesse, assim ela fez, depois eu mesmo coloquei um morango em sua boca. – Sua posição favorita é de quatro.
- É a minha posição, eu sei do que eu gosto!
- Não, eu sei do que você gosta. – Os olhos dela faiscaram de desejo, mas tentando conter as reações de seu corpo, frente a minha constatação, ela deu mais dois goles num movimento eufórico, quando mordeu o morango, parte do sumo vermelho da fruta escorreu pelo canto de sua boca, ela logo passou a língua e limpou. Eu fiquei mais duro ainda.
- O que você está pensando agora?
- No quanto você é linda.
- Beba. Seu mentiroso! – Tomei a garrafa de sua mão e bebi confessando a minha mentira.
- Eu estava pensando em passar o morango nos seus seios, e depois chupar.
- Chupar o que? – Perguntou sonsa, mordendo um sorriso luxurioso.
- O morango, depois o seu seio, por inteiro. O sexo era uma grande parte de . Vê-la resgatar o conforto com sua sexualidade e corpo novamente, era tão importante quanto a recuperação de sua alma. Como se eu tivesse lhe dado um roteiro bem construído, ela estava seguindo um mapa que a levaria ao seu início, a sua essência.
- Assim? – mordeu um pedaço de morango, e a parte que sobrou, ela esfregou do meu pescoço até a altura de minha clavícula, deixando também um rastro de tequila no mesmo lugar. Os lábios dela tocaram a pele do meu pescoço, e automaticamente causaram um choque. Sua língua desenhou alguma coisa no local, e deslizou firme e suavemente, assim como os seus dentes, antes que seus lábios chupassem avidamente a minha pele, me fazendo gemer por descontrole.
- Sim. – Ela riu satisfeita, como se ainda precisasse saber o quanto eu a desejava.
- Tão gostoso. – Foi a vez dela sussurrar, me provocando ainda mais. – Mas lerdo também. – Segurou meus ombros e me afundou. Aproveitei que estava embaixo d'água e puxei o seus pés, fazendo ela também levar um caldo.
Quando emergimos, ela bateu em meu peito e jogou água no meu rosto.
- Quem é o lerdo agora? – Perguntei sorrindo presunçoso e ela continuou jogando água, em instantes tudo tinha virado uma guerra.
Quando abrimos a segunda garrafa de tequila, eu já estava tão bêbado que me obrigou a vestir a cueca, totalmente desinibido, eu não me importava mais com a minha nudez e não sentia o pudor. Disse que ela ficava mais gostosa sem a lingerie que ela havia voltado a usar, corremos pelo campo de golfe pra ganhar alguma aposta feita e que no calor do momento eu julguei bastante séria. Não sei quem ganhou. A última coisa que lembro foi de chegarmos ao quarto, eu havia tirado o colchão da cama e colocado no chão, porque achei que seria divertido, a bebedeira de , similar a minha, a fez concordar empolgada.
Com um humor assustadoramente melhor e diferente da noite passada, eu e seguimos até a louca e excitante Liverpool. Não consegui esconder a minha empolgação, e disse, enquanto revirava os olhos, que eu parecia uma criança na véspera de natal.
Existia mesmo algo quase mágico em viajar. Pouco depois que saímos de Stratford-Upon-Avon eu havia perdido um pouco das sombras que se instaurou lá. Poderia ser o calor, as novas paisagens, ou a expectativa de chegar logo ao novo destino, mas tudo parecia... Bem. Só tranquilamente bem.
A cidade era grande, cosmopolita e estimulante, mas eu, assim como qualquer turista que chegara ali, só respirei o rock dos Beatles, com um adicional extra ao futebol.
Estava bem empolgado e contava a histórias sobre a banda e seus integrantes, como se ela fosse uma leiga e nunca tivesse ouvido Beatles. As vezes ela abria a boca, olhava para as unhas ou revirava os olhos pra dizer que estava entediada e me provocar.
Como um verdadeiro guia, conduzi nossa visita aos principais pontos turísticos, e depois da nossa passagem ao museu dos Beatles e ao da música Strawberry Fields, nós almoçamos nas docas.
Parei o carro, e depois que desceu, eu peguei o violão, transpassei a alça da case pelo corpo, e o olhar que recebi foi o suficiente para notar que só naquele momento, havia reparado que o seu presente de tantos anos atrás, nos acompanhava.
Um ônibus parou e cerca de sessenta pessoas desceram com suas câmeras em mãos. Os turistas estavam imersos na construção vitoriana do antigo orfano Strawberry Field, onde havia um maravilhoso jardim, segundo a história, ali aconteciam festivais frequentados por John Lennon e seus amigos.
- Quando viemos fazer um dos shows da turnê aqui, fizemos uma visita por todos os pontos turísticos, e mesmo a noite esse lugar foi o que eu mais gostei.
encarou as grades do portão vermelho, respirou fundo e concordou.
- Eu vim aqui uma vez, mas faz muitos anos. – Ela não me disse, mas percebi que o lugar agora tinha um significado diferente pra ela, assim como tinha pra mim.
- Há uma lenda que diz que Lennon gostava tanto desse lugar, que mesmo depois de sua morte Yoko vinha até aqui, para cuidar do jardim.
voltou a direcionar sua atenção para o lugar, mas sem nenhuma surpresa com o que tinha dito.
- Se for mesmo verdade, ela é mais irracional do que imaginava. – O desdenho de me pareceu forçado.
- Por que diz isso? Não acho irracional você tentar agradar quem ama, mesmo que ele não esteja mais presente em vida.
- E a sanidade dela? Em algum momento cultivar um jardim pode ser doloroso, porque simplesmente não flori.
- Mas isso não tirou a satisfação que ela deve ter sentido quando viu coisas novas nascendo. O ambiente ao seu redor sendo empertigados de beleza.
- Uma beleza fugaz.
- Ainda sim uma beleza. As coisas mudam, crescem ou não, mas a vida continua, porque tudo faz parte de um ciclo, incluindo nós, mas sempre existirá algo maior. A esperança.
- Eu aposto que Yoko jamais voltou aqui.
- Talvez você esteja certa, mas ela sempre saberá que isso aqui existe, e é parte do amor deles.
- Se você... – Ela hesitou. – Se você ama alguém, não é uma obrigação ou função ficar ou manter ela consigo.
- Exato. É só uma necessidade. – Como a necessidade gritante que eu tinha por ela. Pensar sobre isso me distraiu tempo suficiente pra quase permitir que entrasse no lugar. – Antes que a gente entre, tenho um desafio. – esperou que eu lhe revelasse. – Tanto você quanto eu teremos sessenta minutos pra percorrer a cidade e comprar um presente.
- Uma hora em Liverpool, sem você por perto, e podendo fazer o que eu quiser?
- Não, você terá que me comprar um presente.
Ela ergueu a sobrancelha e sorriu como se o que eu disse fosse bobagem, depois sua expressão adotou uma malícia.
- Eu posso me meter em confusão, ou comprar uma passagem pra ir embora.
- Confio em você. – olhou pra mim, compreendendo o tamanho do significado de minha afirmação. – Nos vemos aqui em breve.
Dei um beijo em sua bochecha, demorado demais pra se assistir, rápido demais pra mim. Então acenei com a mão antes de virar a esquina e perder completamente o contato visual com .
Dos sessenta minutos que eu tinha, quarenta eu passei tentando resistir aos pensamentos de avançar sobre o que eu considerava, pra pular pra o que eu sentia, e mandar o meu autocontrole pra o inferno. Os quinze minutos que me restaram, usei pra entrar numa joalheria e comprar o tal presente.
se atrasou pouco mais de vinte minutos, mas não foi isso que me surpreendeu. Seus olhos estavam vermelhos e arrasadores, ela havia chorado, ou prendido tanto o choro, que seus passos estavam determinados e furiosos.
- O que aconteceu?
- Nada que eu já não sabia.
Ela empurrou para as minhas mãos mais uma capa de revista, nessa, eles a chamavam de assassina, mas usavam palavras aveludadas.
- Isso é uma bobagem e sabemos disso. – grunhiu em frustração, e apertou os nós de seus dedos. – Aquele nerd já deve estar pagando pelo que fez.
- Espero que esteja, mas não posso culpa-lo por ter tido a coragem de jogar lavagem aos porcos.
- Essas pessoas são idiotas!
- Elas estão curiosas, e agora vão me incriminar pra se sentirem melhor.
- É isso que sempre me assustou na fama, essa idolatria tão exagerada e gratuita quanto o ódio.
- Lennon foi um caso claro disso. – Ela mordeu forte o lábio e ergueu a cabeça, se livrando de qualquer reflexão profunda. – Vamos acabar logo com isso!
Eu a abracei, lhe pegando de surpresa, mas fui grato por ela não ter me afastado. Esse foi meu único acalento, nós dois precisávamos seguir em frente e eu não poderia me abalar mais e deixá-la pior.
Nos afastamos, e ela buscou algo do bolso de seu jeans claro e me entregou, sem o menor cuidado ou delicadeza.
- Um relógio? E do Batman? – Perguntei rindo e analisando a peça infantil em minha mão, e que com certeza não caberia em meu pulso.
- Eu só tinha cinco libras. – Se justificou sem nenhum remorso. – Não seja mal agradecido, eu poderia ter comprado o do Thor.
- Odeio o Thor. – Senti os vincos de desgosto surgirem em minha testa.
- Viu? – Ergueu a sobrancelha. – Admita. Você amou.
- Sim, obrigado. – Agora os vincos na minha expressão eram delicados por refletir o sorriso dela.
- Cadê o meu presente? – Estendi o pequeno saco de veludo vermelho e arregalou os olhos. – Relaxa não é uma aliança. – “Ainda”, completei o sonho, apenas em minha mente.
fingiu um suspiro de alívio, e abriu o presente, analisando bem a corrente de ouro e diamantes que eu havia comprado.
- Isso não parece ter custado apenas cinco libras. – Comentou estática, mas com os olhos admirados e brilhantes como a joia que era reluzida pelo sol.
- A vendedora me garantiu que a rosa dos ventos significava liberdade, e acho que é o que você merece... – O significado revelado do pingente, a fez perder um pouco de fôlego. – Você merece ser livre.
Negou com um aceno, um tanto perturbado, mas me entregou o colar para que eu colocasse em seu pescoço.
- Você achou isso na rua, e está me dando como presente, e inventando essa história de liberdade, não é?
A voz de tremulou, assim como a sua pele, ao sentir meus dedos roçarem seu pescoço.
- Não. – Sussurrei com intuito de provocar seu corpo ainda mais. – Isso seria um péssimo clichê daqueles romances chatos.
Inimaginavelmente, ela achou graça e olhou rapidamente pro seu pulso, onde a sua pulseira estava.
O jardim estava lindo. O aumento da temperatura deixou tudo mais verde, alegre, e ainda era possível sentir o frescor deixado pela primavera. Trilhamos por um caminho de pedras, até que apontei um banco pequeno e de ferro, que ficava ao lado de uma fonte, onde nos sentamos.
Tudo o que ouvimos por um instante foi o som dos pássaros agitando os galhos das árvores.
- Você deveria cantar pra mim. – O ímpeto de seu pedido me assustou.
- Deveria?
- Se trouxe o violão, não foi a toa, e esse pode ser meu desafio.
- O que você quer ouvir? – Perguntei já retirando o violão da case. me olhou com obviedade, mexendo os ombros, então eu procurei uma música dos Beatles que além de nos retratar, mostrasse que aquele momento era único, como se nada antes dele tivesse existo, como se nada depois dele pudesse existir. Foi encarando o seu sorriso de expectativa que encontrei uma resposta.
Eu comecei a cantar baixinho, um frio percorreu minha espinha, então corrigi minha entonação e recomecei.
Para ouvir a música clique aqui!
Oh yeah, I'll tell you something,
Oh yeah, eu vou te dizer uma coisa,
I think you'll understand.
Eu acho que você vai entender.
When I say that something
Quando eu digo isso
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
Oh yeah, eu vou te dizer uma coisa,
I think you'll understand.
Eu acho que você vai entender.
When I say that something
Quando eu digo isso
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
Os olhos dela estavam atentos, sendo preenchidos ao poucos, tão de leve que parecia apenas um pincel tocando uma tela em branco, mas pesado como uma grossa gota de tinta.
Oh please, say to me
Oh, por favor, diga-me
You'll let me be your man
Você vai me deixar ser seu homem
And please, say to me
E por favor, me diga
You'll let me hold your hand.
Que você me deixará segurar sua mão.
Now let me hold your hand,
Agora, deixe-me segurar sua mão,
I want to hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
And when I touch you I feel happy inside.
E quando eu toco você eu me sinto feliz por dentro.
It's such a feeling that my love
É um sentimento que o meu amor
I can't hide, I can't hide, I can't hide....
Eu não posso esconder, não posso esconder, eu não posso esconder...
Yeah, you've got that something,
Sim, você tem aquela coisa,
I think you'll understand.
Eu acho que você vai entender.
When I feel that something
Quando eu sinto essa alguma coisa
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
Oh, por favor, diga-me
You'll let me be your man
Você vai me deixar ser seu homem
And please, say to me
E por favor, me diga
You'll let me hold your hand.
Que você me deixará segurar sua mão.
Now let me hold your hand,
Agora, deixe-me segurar sua mão,
I want to hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
And when I touch you I feel happy inside.
E quando eu toco você eu me sinto feliz por dentro.
It's such a feeling that my love
É um sentimento que o meu amor
I can't hide, I can't hide, I can't hide....
Eu não posso esconder, não posso esconder, eu não posso esconder...
Yeah, you've got that something,
Sim, você tem aquela coisa,
I think you'll understand.
Eu acho que você vai entender.
When I feel that something
Quando eu sinto essa alguma coisa
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand,
Eu quero segurar sua mão,
I wanna hold your hand.
Eu quero segurar sua mão.
Quando eu terminei de cantar, os olhos de tinham voltado a ficar vermelhos, ela deveria se libertar.
- Tenho um novo desafio, você só terá cinco minutos para realizá-lo.
- O que?
- Mergulhar.
- Nessa fonte?! – Ri do seu espanto genuíno.
- Não. – Deslizei meus dedos em sua bochecha, num carinho que ela não recusou. – Na sua tristeza mais profunda. Sinta ela sem medo, se deleite, desfrute, depois se despeça e siga em frente, ficarei com você durante o processo e obviamente depois dele, se você não se importar.
- ...
- Vai. – Exigi com mais firmeza, e minha determinação não permitiu que ela recuasse. – Vai embora e volta, que eu cuido de você, então nós seguiremos juntos, para qualquer outro lugar ou nenhum, mas até você ficar cem por cento boa. – Despejei meus desejos, e os olhos de se acumularam gradativamente em sua tristeza, implorando pra serem liberados. – Vai e volta que eu cuido de você e não te deixo morrer nunca mais.
Ela foi.
Como se tivesse adquirido asas, o seu choro irrompeu o silêncio e a fez voar, sozinha, olhando pra o jardim como se olhasse pra si mesma. Eu observei tudo a distância, sem nenhuma compaixão, só orgulho ao vê-la dissipar uma parte daquele fardo.
Liverpool – 23 de agosto de 2016 – 08:44 pm.
- O que achou do quarto? – Perguntei encarando a expressão de nojo que fazia ao examinar o cômodo. Não era ruim, ou estava sujo, mas as cores das paredes eram tão excêntricas que traziam esse aspecto. Nada ali parecia confortável, faltava vida.
- Normal? De um jeito péssimo?
- Achei que diria isso. – Ri. – Vamos redecorar.
Enquanto eu retirava os três quadros que estavam pendurados, resmungou.
- O que está fazendo?
- A verdadeira arte dos quadros de hotéis está no verso. – Curiosa, ela sentou ao meu lado na cama.
Em um dos quadros havia desenhos pornográficos e engraçados. Noutro tinham palavrões, ou frases obscenas que haviam sido completadas por outras pessoas, como uma resposta dita a um completo desconhecido. Eu e rimos enquanto apreciávamos as artes.
- Como você sabia disso?
- Viver mais em hotéis do que na própria casa te mostra muita coisa. Te insere nesse círculo de estranhos que parecem unidos.
- Eu também quero participar. – Se levantou ultrajada com a suposta exclusão, e buscou na mochila duas canetas. – Vamos deixar recados para os próximos estranhos habitantes desse lugar.
Concordei, sentou na extremidade oposta a minha, e enquanto ela pensava no que escrever ou desenhar, o quadro escondia o seu sorriso, mas seus olhos brilhantes, não. Alguns minutos depois, nós havíamos terminado, e quis fazer suspense, então tive que ser o primeiro a mostrar.
- Aqui tem o anúncio de uma pizzaria, então eu escrevi: “A gente pode anunciar, mas o boca a boca é você quem faz”.
- Adorei, a carinha de safado ficou legal, mas... – Ainda rindo, virou a cabeça pra analisar melhor. – Essa com a língua de fora, sensacional! Bom trabalho, .
Elogiou e então me mostrou o que fez.
Haviam desenhado um pênis, e além da descrição do tamanho e dimensões, prometiam que o membro ficava sempre ereto.
- “A vida é dura para quem é mole”. – Li a frase rindo, e mesmo sem ter sido elogiada ainda, já jogava o cabelo para o lado. – Espero que ele volte e veja isso.
- Eu taaaaambém. – Disse entre a sua gargalhada. Depois se levantou num pulo e colocou os quadros em seus devidos lugares, e saiu olhando as outras partes do quarto. – E que note o quanto ele é um babaca de pau pequeno. Ninguém que tenha um pau grande ostenta, apenas mostra. – Fui até o frigobar e peguei uma garrafa de água, rindo e concordando com suas teorias. – , vem aqui. – Encontrei parada diante do parapeito de vidro da varanda. – Pelo menos a vista vale a pena.
Duas enormes piscinas eram circundadas pelas grandes árvores e gramados verdes de um campo de golfe. Mais atrás as luzes da cidade brilhavam para nós.
- Vale muito a pena. É de tirar o fôlego. – Eu poderia estar falando do crepúsculo no céu, já embebido pela presença da lua, mas eu estava encarando , admirando a beleza que emanava dela e de seu coração. – Eu gosto disso, sentar e observar tudo assim, calmo. – Comentei, mas ela me olhou como se eu estivesse louco.
- A cidade parece estar dormindo.
- Exatamente, e então você percebe que sonhar acordado é ainda melhor.
- Não consigo concordar com você, ainda. – Aquela palavra pequena era uma fagulha de esperança. – Vem comigo. – Me virei e olhei pra que já estava na porta.
- Pra onde?
- Vem logo, !
Passamos no bar do lounge e pegamos duas taças de vinho. Havia apenas um casal de idosos na piscina menor, e empolgados com algum tipo de exercício, nem reparou nossa presença. Nos sentamos numa espreguiçadeira em frente à outra piscina, depois de virar a bebida de sua taça, pareceu mais eufórica.
- Vamos entrar na piscina? – Me convidou com uma ordem.
- Só se saltarmos dali. – Apontei pra o trampolim, relativamente alto, que havia ao lado.
- Melhor não.
- Não era você que vivia se gabando dizendo que tinha enfrentado seu medo de altura? – Desdenhei revirando os olhos. ia retrucar com uma ofensa, mas seu corpo relaxou e ela sorriu diante de alguma ideia.
- Ok, mas temos que subir juntos.
A tábua de madeira que sustentava o meu peso e o de , era azul e estreita o suficiente pra que nós dois ficássemos quase abraçados.
- Tira a roupa, . – ordenou, depois de tirar sua calça e camiseta, eu arregalei meus olhos quando notei que ela iria tirar o sutiã também.
- O que você está fazendo?
- Não precisamos de roupa pra tomar banho. – Me olhou presunçosa com a sobrancelha erguida.
- Mas se formos pegos, vamos ser presos.
- Não era você que vivia se gabando dizendo que agora era um bad boy? – Recebi sua indiferença e a lingerie que cobria seus seios na minha cara. Ela parou instante antes de retirar a calcinha. – A menos que me ver nua seja difícil pra você.
Tentei ao máximo mostrar indiferença, mas aquele era sem sombra de dúvidas o maior desafio.
- Você é o diabo na terra .
- É, já devo ter ouvido isso algumas vezes.
Ela riu, e quando apenas a luz da lua tocava o seu corpo, pulou na piscina. Não foi um pulo elegante, daqueles que uma garota costuma dar. Se jogou sem nenhum receio, e segurando os joelhos contra o peito, caiu como uma perfeita bomba na água.
Olhei pra baixo e já apareceu gargalhando, o azul iridescente da piscina acesa, era mais brilhante que o sorriso que ela trazia.
- A água está quase tão delícia quanto eu. – Riu da sua prepotência, que pra mim, não passava de uma verdade. – Se joga!
Joguei minhas roupas e constrangimentos para o lado e saltei.
- Eu não acredito que concordei com isso. – Disse assim de emergi e receber um golpe de água vindo dela.
- Confessa que você está adorando. – foi até a borda, pegou minha taça e me entregou, ela estava totalmente confortável com seu corpo e nudez. Eu precisei beber todo o vinho pra não morrer na tentativa de esconder minha excitação. – Fiz isso uma vez, quando estive num hotel no Texas. Esse medo de ser flagrada deixa tudo divertido.
- Parece um pouco com as loucuras do .
- Quem você acha que me deu essa ideia?
Estava quase gargalhando ao lembrar uma história vivida com e , numa viagem da turnê, mas um funcionário do hotel estava se aproximando com uma bandeja brilhante e um sorriso forçadamente profissional.
Apavorado, a minha única reação foi abraçar , e torcer para que assim ele não percebesse a ausência de nossas roupas.
Ela deu um pequeno pulo e primeiro eu achei que tinha sido pela surpresa, mas depois ela elucidou.
- Uou , acalma o seu amigo, é só um garçom lindo, e se alguém deveria ficar excitada por ele, seria eu. – Gargalhou de sua piada ridícula e da minha masculinidade toda levantada pra ela, mas não ousou se afastar.
- Gostariam de mais alguma coisa? – O moleque deveria ser um estagiário feliz e cheio de vivacidade, mas o que realmente me enfureceu, foi o olhar descarado que ele lançou pra os seios de , mesmo estando sendo cobertos por meus braços.
- Não. – Falei ranzinza.
- Sim. – Ela respondeu num tom provocante. – Uma garrafa de tequila, mais uma porção de morangos.
O tal garoto não questionou qual ordem deveria seguir, mas assim que ele foi em direção ao bar, eu sabia que seria a de que ele acataria.
- Que garoto fofo.
- Você não pode estar falando sério! E não vamos beber tequila!
apenas se virou pra mim, e seus braços rodearam meu pescoço.
- Ah não. – Ela olhou pro meu membro e riu ainda mais. – Não precisa ficar desanimado. Ao invés de ficar bravo e lhe dar algumas respostas mal educadas, o sussurro dela voltou a me despertar, então eu fiz questão de me esfregar nela, que não pareceu se incomodar. – Vamos fazer um jogo?
- Qual jogo?
- Basicamente, nós só viramos uns shorts de tequilas, comemos o morango e é isso.
- Você já foi mais criativa.
- Aqui está. – O garoto nos interrompeu, colocou a bandeja com o pedido, mas tudo o que eu fiz foi abraçar mais forte a mantendo ali comigo. Ela agradeceu, e depois olhou pra mim com cara de tédio.
- Você está me sufocando.
- Se o cara se esforçasse mais iria ver seus seios, pra não dizer o resto.
- Não banque o ciumento, você está me vendo.
- Eu posso ver. – Ela gargalhou, mas não contestou minha afirmação possessiva.
- Abre a boca, e se concentra. Se você derramar perde essa regalia. – Fiz o que ela pediu, senti o gosto forte da tequila, que foi apaziguado pelo doce do morango. Eu havia estremecido.
- Uma vez eu sonhei com algo assim. – Preferi não dizer que havia sido um pesadelo que tive assim que ela retornou pra Londres.
- Com te embebedando? – Ironizou. – Acho que não foi um sonho.
- Talvez fosse o meu sonho. – Ela voltou a me abraçar.
- Você insiste que eu me divirta, mas não está fazendo isso.
- Claro que estou.
- Você parece tenso.
- Como não ficar? – Olhei pra os nossos corpos nus, aumentos pela projeção que a água fazia, e deixei claro toda a minha tentativa de controle.
- Certo. – Ela riu e foi até a borda pegar mais morangos. – Te faço uma pergunta, se errar você bebe, se acertar, eu bebo.
- Tudo bem. – Aceitei a sua oferta, e enquanto pensava na pergunta que me faria, estendeu o litro na direção da minha boca, como se já soubesse que eu seria o perdedor.
- Quanto é mil oitocentos e vinte e quatro, dividido por trinta e um, somado a dez?
- Que tipo de pergunta é essa?
- Responde logo, ! – Me apressou, e como se a minha vida dependesse daquela resposta eu me senti nervoso.
- Não sei! Cinquenta e sete?
- Errou! – Eu mal abri a boca, e ela despejou o liquido, depois de fazer uma nova careta, ela colocou um morango em minha língua, e o gosto acalmou meu paladar.
- Qual a resposta certa?
- Como vou saber? Sempre fui péssima com números. – Deu de ombros, nem um pouco incomodada com a sua trapaça, eu ri sabendo que também poderia jogar.
- Minha vez. – O sorriso que lhe dei, não escondeu a minha malícia. – Qual a sua posição sexual favorita?
- Duas doses de tequila, e você já mostra o quanto é safado. – Ri. ergueu a sobrancelha e mordeu o lábio, só depois respondeu. – Por cima.
- Errou. – Me desvencilhei dela e da imagem que fiz dela cavalgando em mim, peguei a garrafa de sua mão, e indiquei que ela bebesse, assim ela fez, depois eu mesmo coloquei um morango em sua boca. – Sua posição favorita é de quatro.
- É a minha posição, eu sei do que eu gosto!
- Não, eu sei do que você gosta. – Os olhos dela faiscaram de desejo, mas tentando conter as reações de seu corpo, frente a minha constatação, ela deu mais dois goles num movimento eufórico, quando mordeu o morango, parte do sumo vermelho da fruta escorreu pelo canto de sua boca, ela logo passou a língua e limpou. Eu fiquei mais duro ainda.
- O que você está pensando agora?
- No quanto você é linda.
- Beba. Seu mentiroso! – Tomei a garrafa de sua mão e bebi confessando a minha mentira.
- Eu estava pensando em passar o morango nos seus seios, e depois chupar.
- Chupar o que? – Perguntou sonsa, mordendo um sorriso luxurioso.
- O morango, depois o seu seio, por inteiro. O sexo era uma grande parte de . Vê-la resgatar o conforto com sua sexualidade e corpo novamente, era tão importante quanto a recuperação de sua alma. Como se eu tivesse lhe dado um roteiro bem construído, ela estava seguindo um mapa que a levaria ao seu início, a sua essência.
- Assim? – mordeu um pedaço de morango, e a parte que sobrou, ela esfregou do meu pescoço até a altura de minha clavícula, deixando também um rastro de tequila no mesmo lugar. Os lábios dela tocaram a pele do meu pescoço, e automaticamente causaram um choque. Sua língua desenhou alguma coisa no local, e deslizou firme e suavemente, assim como os seus dentes, antes que seus lábios chupassem avidamente a minha pele, me fazendo gemer por descontrole.
- Sim. – Ela riu satisfeita, como se ainda precisasse saber o quanto eu a desejava.
- Tão gostoso. – Foi a vez dela sussurrar, me provocando ainda mais. – Mas lerdo também. – Segurou meus ombros e me afundou. Aproveitei que estava embaixo d'água e puxei o seus pés, fazendo ela também levar um caldo.
Quando emergimos, ela bateu em meu peito e jogou água no meu rosto.
- Quem é o lerdo agora? – Perguntei sorrindo presunçoso e ela continuou jogando água, em instantes tudo tinha virado uma guerra.
Quando abrimos a segunda garrafa de tequila, eu já estava tão bêbado que me obrigou a vestir a cueca, totalmente desinibido, eu não me importava mais com a minha nudez e não sentia o pudor. Disse que ela ficava mais gostosa sem a lingerie que ela havia voltado a usar, corremos pelo campo de golfe pra ganhar alguma aposta feita e que no calor do momento eu julguei bastante séria. Não sei quem ganhou. A última coisa que lembro foi de chegarmos ao quarto, eu havia tirado o colchão da cama e colocado no chão, porque achei que seria divertido, a bebedeira de , similar a minha, a fez concordar empolgada.
Capítulo 20 - Dia IV
Liverpool – 24 de Agosto de 2016 – 07:01 am.
Estava a bons minutos vendo a nossa figurinista, sim agora nós pagávamos pra nos vestirem, erguer peças de roupas esperando pela minha decisão. A minha cabeça não conseguia processar nada, só havia um branco na minha mente, um vazio que veio com o fim. Tinha sido mesmo um fim? Continuava sendo um fim? A raiva me mordeu e automaticamente eu respondi com um enorme "SIM", afastei e o nosso passado, apontei pra peça de roupa da esquerda e me levantei. Querendo sair o mais rápido dali, não me preocupei em ser educado, já teria que encenar bastante a noite, na festa de lançamento do nosso álbum. Meu celular vibrou, era uma mensagem de , completamente estranha. A imagem de uma boneca, e mais nada. Ela deveria estar bêbada, ou... De repente a boneca saiu da tela e se materializou bem na minha frente, ao alcance de minhas mãos. Não foi de um jeito bizarro ou assustador, foi quente. Peguei aquele brinquedo e como uma criança, ela buscou o conforto do meu peito, se aninhando ali, num abraço forte e apaziguador, me inundado de um sentimento que eu nunca havia experimentado. Até que o que era bom ficou sufocante, não trazia mais paz, era só tormenta. O maior adeus, a maior despedida.
Meu sistema implorou por ar, gritei e acordei. Luz do dia, realidade. Uma lembrança.
Bati a mão contra o peito e me sentei na cama, sentindo o suor escorrer pelo meu corpo, e os primeiros raios de sol incomodaram minha visão.
- O que aconteceu? – Busquei ainda mais ar e discernimento sobre o que eu deveria dizer. – fala comigo... Foi um pesadelo?
Confirmei com um aceno e abracei , era tudo o que eu precisava, tão necessário quando o ar que ausente queimava os pulmões. Ela não se opôs e me rodeou com seus braços finos, me acolhendo mais do que um urso polar iria conseguir.
- Está tudo bem, eu estou aqui. – Jéss segurou o meu rosto, e seu olhar reafirmou o que havia dito.
- Eu... Me...
- Se acalma, não precisa dizer nada. – Seus dedos fecharam os meus olhos, e depois de beijar a ponta do meu nariz, beijou cada pálpebra minha, e me puxou pra deitar, agora em seu colo, sob os seus carinhos. Foi a sua maneira de me dizer que ela também estaria em meus sonhos. Voltei a dormir.
Acordei perto da hora do almoço, e encontrei uma mensagem de colada na tela da TV em frente a cama. Breve e sucinta, ela me disse que foi fazer uma massagem, pra tentar amenizar a ressaca. Eu estava muito grato por ter aquele tempo sozinho, e fiquei sentado na varanda resfolegando aquela lembrança que veio me golpear em forma de sonho. Longe de era melhor pensar, clarear a minha mente pra decidir o que fazer com a nova informação que possuía. Eu que a julguei tanto por manter um segredo de mim, estava começando a cultivar um.
Toda a animação da viagem se dissipou, eu só saí daquele quarto de hotel, porque as necessidades de vinham a frente. Ela pareceu notar minha mudança de humor, e passou a tagarelar, não me dando espaços pra sequer pensar, o que foi de grande alívio, já que minha mente, assim como meu peito, passou a pesar toneladas.
Eu precisava desaparecer com aquilo, arrancar de mim a angustia que havia se apoderado e seguir a diante, pelo menos até voltarmos pra Londres.
Para ouvir a música clique aqui!
- Você está muito tenso desde o pesadelo, relaxa nenhum monstro pode te pegar acordado. – Ela riu e deu um soquinho em meu ombro. Sorri tenso, apreensivo com sua possível investigação, mas não houve uma. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, aumentou o som do rádio. – Vai , você é o cantor aqui.
Ordenou e cantou tão empolgada quanto às cantoras, e se agitou no banco do carro, conseguindo coreografar, mesmo estando sentada.
- Não sei essa música. – Menti tentando resguardar minha masculinidade e ela gargalhou incrédula.
- Por favor... Se anima.
Não podia negar um pedido seu, assim como eu não podia respirar debaixo d'água. Então, não só assumi que sabia a letra inteira, como a dancinha ridícula.
A gargalhada dela deu inicio ao meu esquecimento.
Liverpool – 24 de agosto de 2016 – 07:22 pm.
Insisti pra que ficássemos mais um dia em Liverpool, por sorte um grande clássico da Premier League iria acontecer naquela noite e era uma chance quase que irrecusável. Tudo bem que eu não podia usar a influência do meu nome pra comprar ingressos de última hora, mas seria interessante o desafio, e mais uma vez não pode se opor.
As ruas que circundava o estádio Anfield estavam lotadas, e pareciam ter uma linha imaginária que dividia os torcedores mais apaixonados. Um lado só se via vermelho e coros de incentivo pra o Liverpool FC, o oposto era um mar azul de torcedores do Everton FC.
- Eu até gosto de futebol, mas não sei o porquê de você colocar esse programa na nossa viagem. – Primeiro eu sorri por ter ouvido o “nossa” e saber que ela estava considerando dividir algo comigo, depois fiquei pensando numa resposta que pudesse ser satisfatória, enquanto eu segurava sua mão e tentava nos infiltrar em algum lugar ao menos próximo das bilheterias.
- Vai ser legal.
Conseguimos parar no fim de uma fila quilométrica e meu desanimo não pode ser disfarçado, mas pareceu não notar, só havia curiosidade em seus olhos que buscaram os meus.
- Por que é tão importante assistir a um jogo que nem é dos nossos times?
- A gente nunca consegue prever o próximo lance, é isso o que torna o futebol emocionante, e é por isso que eu estou dizendo que devemos assistir a esse clássico.
- Não vamos conseguir ingressos assim de última hora, isso aqui está um caos.
- Eu aprendi a ser persuasivo com você, Senhorita Dawson. – ergueu a sobrancelha em desafio.
- Então se você foi um bom aluno vai voltar com os ingressos. – Pisquei pra ela e saí fazendo uma dancinha ridícula que ao menos tirou dela uma boa risada.
Demorei apenas vinte minutos pra conseguir os ingressos, não iria dizer a que tive que pagar uma pequena fortuna por eles, e a deixaria pensando que os consegui por métodos mais autênticos. Depois de procurar por ela dentre toda aquela movimentação de pessoas, a encontrei em frente a uma loja que vendia todos os tipos de souvenir para torcer.
Assim que ela me viu, eu ergui os ingressos e de maneira falsamente esnobe eu exibi.
- Não esperava nada menos do que isso. – Ela me disse usando o mesmo tom do meu gesto, mas seus olhos brilharam em animação. – Se formos reconhecidos aqui, estaremos perdidos.
- Conseguimos nos disfarçar durante toda a viagem, acha mesmo que em um estádio com quarenta mil pessoas irão nos reconhecer? – Tornei a hipótese improvável e absurda arrancando um sorriso dela.
- Claro que não, que paranoia a minha. – Devolveu o sarcasmo, depois pegou um enorme chapéu com a forma de um pássaro vermelho, o Mighty Red, mascote do Liverpool FC e gritou. – Go Liverpool!
- O que? Não! – Tirei o objeto dela. – Eu sou de Wolverhampton, nós não torcemos pra o Liverpool. – O time da minha cidade natal, wolverhampton wanderers tinha um histórico de derrotas sobre o Liverpool que eu jamais iria admitir a , ou a qualquer outro ser vivo.
- Azar o seu, eu não vou torcer pra o perdedor. – Pegou a quinquilharia de volta e colocou na cabeça, ainda exigiu que eu pagasse e mesmo a contra gosto eu não recusei.
- Do que você está falando? Everton vai ganhar e chegar a final pra arrasar o Chelsea.
- Vai sonhando, a Premier League já é do Chelsea, mas sobre esse jogo de hoje, o Liverpool com certeza vai ganhar.
- Quer apostar, Jack Dawson? – Sem pestanejar ela estendeu a mão pra mim.
- É sempre um prazer ganhar de você, Rosie Dawnson. – Puxei a sua mão, colei os nossos corpos, depois nossa boca, afinal era assim que selávamos um acordo.
Nos acomodamos em nossos lugares, na torcida do Everton, e não se incomodou em ter um enorme mascote do time rival sobre sua cabeça, e nem de ouvir provocações nada sutis dos mais fanáticos. Há muito tempo eu não tinha tempo de acompanhar nada sobre futebol, então eu não fazia ideia de qual time tinha uma vantagem, mas a minha aposta com deixou tudo mais interessante.
O estádio estava lotado e suas estruturas pareciam vibrar com cada lance, junto com a torcida enlouquecida dos dois times.
Assim que voltei a me sentar com nossos cachorros quentes, Liverpool fez um gol e levantou gritando em êxtase pelo momento, tomada pela sua ousadia e ignorando os olhares de repudia pelos adversários. Êxtase e adrenalina. Mais dois sentimentos que eu assisti se incorporarem a ela.
- Não fica com essa cara, Jack Dawnson, a derrota já é suficiente demais. – Apertou minha bochecha e antes que pudesse zoar ainda mais de minha expressão birrenta, e continuar com suas provocações, pulei do assento, assim como todos que nos rodeavam, e um coro de euforia calou a todos que estavam de vermelho, incluindo . Everton haviam empatado, faltando apenas três minutos para o fim da partida, tempo que contou por cada segundo, vidrada no campo, esperando por uma reação, mas nada adiantou, ficou naquilo. Uma bela porcaria de empate, que deixou amargurada.
Assim que conseguimos sair do estádio e entrar no carro, ainda tivemos que enfrentar o grande congestionamento até a rodovia que nos tiraria de Liverpool.
- Foi um péssimo jogo, que não valeu termos que enfrentar isso. – Apontou irritada pra enorme fila de carros em nossa frente.
- O jogo foi incrível. – Discordei. – Aquele empate nos últimos minutos e na casa do adversário foi de arrepiar.
- Arrepiar? – Torceu à boca e li seu comando “pare de ser gay” soar em seu silêncio de desprezo. – Odeio empates, prefiro ganhar ou perder de uma vez.
- Você prefere ganhar, . – Corrigi e ela deu de ombros. – No futebol depois da derrota o pior resultado de fato é o empate, mas no amor não. – Ela se virou pra mim, achei que ganharia um olhar impaciente, mas não, só serenidade e paciência pra me ouvir continuar. – No amor só se ganha com o empate.
- Está generalizando.
- Alguns relacionamentos eu diria que se haver a derrota, é impossível de se empatar com qualquer outro no mundo. – Eu estava falando de nós dois e ela sabia disso. Li cada expressão se formando, e seus lábios levemente abertos eram um indicativo de que eu deveria beijá-la. Me aproximei sem pensar em nenhuma consequência que viria após o meu ato, mesmo podendo estragar tudo, a minha necessidade era maior, inconsequente me movi. Algum sentimento deixou paralisada esperando por mim, e quando os nossos lábios iam se tocando, barulhos estridentes de buzinas nos assustou e nos trouxe pra porcaria da realidade, na qual eu deveria seguir com o carro.
Toda a possível inconsequência de um beijo pesou pra , ela ligou o som, se virou pra janela, e eu sabia que dali não haveria mais nada. Nem conversa muito menos a fragilidade que me permitiria entrar, respirei fundo e tentei não assumir pra mim mesmo o quanto eu estava ficando devastado.
~*~*~*~*~*~
Quando conseguimos chegar à rodovia já era madrugada e sucumbia ao sono, me deixando ainda mais solitário, exceto pelo som que reverberava, a noite de lua cheia, e nuvens pesadas. Alguns quilômetros percorridos, e a chuva começaram a cair sem contenção, mas decidi continuar por achar que aquilo se tratava apenas de um trecho e logo estaríamos seguros. Mais um erro que eu cometi naquela noite.
Mesmo dirigindo com maior cautela, tudo o que eu via na frente era uma tempestade que aumentava circunstancialmente a cada quilometro percorrido, o barulho da água brigando contra os vidros acordou que pareceu assustada com a situação em que nos encontrávamos.
POV .
- é melhor encostar e esperar que a chuva passe. – Me sentia sonolenta, mas estava desperta pra nossa condição.
- Não. – Negou teimoso, enquanto dirigia com os olhos apertados e tronco próximo ao painel tentando ter uma maior visibilidade da estrada. – Deve ter alguma cidade a alguns quilômetros e paramos lá, é mais seguro.
Antes que a sua garantia pudesse ser questionada, senti o carro dar trancos e diminuir ainda mais a velocidade. Fechei os olhos e tentei acreditar que ainda estava dormindo e aquilo era um pesadelo.
- Droga. – Resmungou baixo, mas quando estacionou no acostamento, suspirou e se aconchegou mais no banco.
- O carro quebrou? – Estar no meio de uma chuva forte, num lugar qualquer do Reino Unido e ver o carro que você está parar, é um tanto assustador. O relógio em meu pulso indicava que já passava das duas da madrugada. Perfeito!
- Acho que sim. – deveria se sentir culpado por nos colocar naquela situação, mas ele estava completamente confortável, e então aumentou o som do carro.
- Você deveria mandar esse lixo pra o conserto, assim como você fazendo com a nossa história, não é pra isso que serve essa viagem? Consertar o seu ego ferido e que se acha responsável por algo que você NÃO tem culpa?!!!
- Você acabou de se descrever. – Disse com naturalidade, mesmo diante da minha enxurrada de palavras azedas, retirou o cinto e saiu do carro.
Abaixei o vidro, ainda me esquivando da chuva que insistia em entrar e me fiz ouvir sob todo aquele barulho.
- Volta pra o carro, está querendo se matar?
- Vem. – Seu sorriso era refletido pelo brilho da lua nas gotas grossas que caiam, e seus olhos tinham um apelo quase infantil. – Não pensa, só vem.
Eu estava muito brava, queria fechar os olhos e desaparecer, mas eu fui. Fui torcendo pra pegar uma pneumonia e encerrar de uma vez aquela droga de viagem e culpar por ter insistido. Fui por birra e por desejar que um carro me atropelasse no meio daquela estrada e assim, pudesse passar o resto da sua vida miserável se culpando. Eu queria culpá-lo por tudo, agora que ele sabia a verdade, ele deveria me odiar, mas não, estava me desafiando a viver.
Abri a porta bruscamente e saí, fiquei parada em sua frente sem me mover, um instante depois, eu estava completamente molhada, tirando o tremor dos meus lábios e o dos dele, nenhum era capaz de dar nenhum movimento ou falar. Ele tinha os seus propósitos, eu tinha os meus.
- Eu adoro o quanto eu sou família. – Gritou sob o barulho da chuva. Continuei estática e sem entender o que ele queria com aquilo e ele prosseguiu. – Sou completamente compreensivo e carinhoso.
- Vai gritar pra o mundo inverdades, ? Pra isso queria se molhar na chuva? – Perguntei sarcástica e cruzei os braços. Ele não mentiu, mas eu não assumiria isso.
- Sou bastante paciente. – Se referiu a mim e a minha implicância, rindo em sequência. – Generoso também.
- Se é tudo isso, eu sou altruísta e corajosa. – Percebi que seu sorriso só cresceu.
- Sou determinado.
- Fiel e apaixonada.
- Nobre.
- Amiga.
- Ciumento.
- Insegura.
- Impulsivo.
- Infantil.
- Eu me amo, , com meus defeitos e qualidades eu me amo. Você percebeu o quão incrível você é? Por que não volta a se amar?
E ali eu compreendi tudo. não era egoísta pra querer que eu o amasse. Ele queria que eu me amasse incondicionalmente, pra que assim eu pudesse amá-lo, esse era o jeito correto. Esse era sendo o mais sincero de nós dois, porque em todos aqueles anos ele não deixou de me amar, mas ele definitivamente aprendeu a se amar.
- Sabe por que eu estou aqui na chuva com você, ? – Ele negou, provavelmente esperando receber mais uma agressão verbal e gratuita. – Porque se você se molha, eu me molho! É a nossa regra! – Gritei por cima da chuva, da nossa história e principalmente da nossa dor e culpa, então nossas respirações passaram a se igualar em descompasso. Minhas palavras derrubaram um muro de contenções de , e em questão de milésimos de segundos, tenho certeza que sem ao menos pensar sobre, ele estava segurando a minha nuca e me beijando, sendo total e completamente retribuído por mim.
Não ousamos quebrar os beijos com conversas desnecessárias, tínhamos voltado pra o carro, e feito dos bancos do fundo o aconchego pra os carinhos que trocamos, e o nosso descanso depois deles.
Estava a bons minutos vendo a nossa figurinista, sim agora nós pagávamos pra nos vestirem, erguer peças de roupas esperando pela minha decisão. A minha cabeça não conseguia processar nada, só havia um branco na minha mente, um vazio que veio com o fim. Tinha sido mesmo um fim? Continuava sendo um fim? A raiva me mordeu e automaticamente eu respondi com um enorme "SIM", afastei e o nosso passado, apontei pra peça de roupa da esquerda e me levantei. Querendo sair o mais rápido dali, não me preocupei em ser educado, já teria que encenar bastante a noite, na festa de lançamento do nosso álbum. Meu celular vibrou, era uma mensagem de , completamente estranha. A imagem de uma boneca, e mais nada. Ela deveria estar bêbada, ou... De repente a boneca saiu da tela e se materializou bem na minha frente, ao alcance de minhas mãos. Não foi de um jeito bizarro ou assustador, foi quente. Peguei aquele brinquedo e como uma criança, ela buscou o conforto do meu peito, se aninhando ali, num abraço forte e apaziguador, me inundado de um sentimento que eu nunca havia experimentado. Até que o que era bom ficou sufocante, não trazia mais paz, era só tormenta. O maior adeus, a maior despedida.
Meu sistema implorou por ar, gritei e acordei. Luz do dia, realidade. Uma lembrança.
Bati a mão contra o peito e me sentei na cama, sentindo o suor escorrer pelo meu corpo, e os primeiros raios de sol incomodaram minha visão.
- O que aconteceu? – Busquei ainda mais ar e discernimento sobre o que eu deveria dizer. – fala comigo... Foi um pesadelo?
Confirmei com um aceno e abracei , era tudo o que eu precisava, tão necessário quando o ar que ausente queimava os pulmões. Ela não se opôs e me rodeou com seus braços finos, me acolhendo mais do que um urso polar iria conseguir.
- Está tudo bem, eu estou aqui. – Jéss segurou o meu rosto, e seu olhar reafirmou o que havia dito.
- Eu... Me...
- Se acalma, não precisa dizer nada. – Seus dedos fecharam os meus olhos, e depois de beijar a ponta do meu nariz, beijou cada pálpebra minha, e me puxou pra deitar, agora em seu colo, sob os seus carinhos. Foi a sua maneira de me dizer que ela também estaria em meus sonhos. Voltei a dormir.
Acordei perto da hora do almoço, e encontrei uma mensagem de colada na tela da TV em frente a cama. Breve e sucinta, ela me disse que foi fazer uma massagem, pra tentar amenizar a ressaca. Eu estava muito grato por ter aquele tempo sozinho, e fiquei sentado na varanda resfolegando aquela lembrança que veio me golpear em forma de sonho. Longe de era melhor pensar, clarear a minha mente pra decidir o que fazer com a nova informação que possuía. Eu que a julguei tanto por manter um segredo de mim, estava começando a cultivar um.
Toda a animação da viagem se dissipou, eu só saí daquele quarto de hotel, porque as necessidades de vinham a frente. Ela pareceu notar minha mudança de humor, e passou a tagarelar, não me dando espaços pra sequer pensar, o que foi de grande alívio, já que minha mente, assim como meu peito, passou a pesar toneladas.
Eu precisava desaparecer com aquilo, arrancar de mim a angustia que havia se apoderado e seguir a diante, pelo menos até voltarmos pra Londres.
Para ouvir a música clique aqui!
- Você está muito tenso desde o pesadelo, relaxa nenhum monstro pode te pegar acordado. – Ela riu e deu um soquinho em meu ombro. Sorri tenso, apreensivo com sua possível investigação, mas não houve uma. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, aumentou o som do rádio. – Vai , você é o cantor aqui.
Ordenou e cantou tão empolgada quanto às cantoras, e se agitou no banco do carro, conseguindo coreografar, mesmo estando sentada.
So tell me what you want, what you really really want
Então, diga-me o que você quer, o que você realmente quer
I wanna, I wanna, I wanna, I wanna
Eu te direi o que quero, o que eu realmente quero
I wanna really really really wanna zig-a-zig, ah
Eu realmente, realmente quero um zigue-zague, ah
Então, diga-me o que você quer, o que você realmente quer
I wanna, I wanna, I wanna, I wanna
Eu te direi o que quero, o que eu realmente quero
I wanna really really really wanna zig-a-zig, ah
Eu realmente, realmente quero um zigue-zague, ah
- Não sei essa música. – Menti tentando resguardar minha masculinidade e ela gargalhou incrédula.
- Por favor... Se anima.
Não podia negar um pedido seu, assim como eu não podia respirar debaixo d'água. Então, não só assumi que sabia a letra inteira, como a dancinha ridícula.
If you wanna be my lover, you gotta get with my friends
Se você quer ser meu namorado, tem que estar com meus amigos
Make it last forever, friendship never ends
Faça durar para sempre, amizade nunca acaba
If you wanna be my lover, you have got to give
Se você quer ser meu namorado, tem que conseguir se entregar
Taking is too easy, but that's the way it is
Conquistar é fácil demais, mas é assim que isto é
What do you think about that?
O que você acha disso?
Se você quer ser meu namorado, tem que estar com meus amigos
Make it last forever, friendship never ends
Faça durar para sempre, amizade nunca acaba
If you wanna be my lover, you have got to give
Se você quer ser meu namorado, tem que conseguir se entregar
Taking is too easy, but that's the way it is
Conquistar é fácil demais, mas é assim que isto é
What do you think about that?
O que você acha disso?
A gargalhada dela deu inicio ao meu esquecimento.
Liverpool – 24 de agosto de 2016 – 07:22 pm.
Insisti pra que ficássemos mais um dia em Liverpool, por sorte um grande clássico da Premier League iria acontecer naquela noite e era uma chance quase que irrecusável. Tudo bem que eu não podia usar a influência do meu nome pra comprar ingressos de última hora, mas seria interessante o desafio, e mais uma vez não pode se opor.
As ruas que circundava o estádio Anfield estavam lotadas, e pareciam ter uma linha imaginária que dividia os torcedores mais apaixonados. Um lado só se via vermelho e coros de incentivo pra o Liverpool FC, o oposto era um mar azul de torcedores do Everton FC.
- Eu até gosto de futebol, mas não sei o porquê de você colocar esse programa na nossa viagem. – Primeiro eu sorri por ter ouvido o “nossa” e saber que ela estava considerando dividir algo comigo, depois fiquei pensando numa resposta que pudesse ser satisfatória, enquanto eu segurava sua mão e tentava nos infiltrar em algum lugar ao menos próximo das bilheterias.
- Vai ser legal.
Conseguimos parar no fim de uma fila quilométrica e meu desanimo não pode ser disfarçado, mas pareceu não notar, só havia curiosidade em seus olhos que buscaram os meus.
- Por que é tão importante assistir a um jogo que nem é dos nossos times?
- A gente nunca consegue prever o próximo lance, é isso o que torna o futebol emocionante, e é por isso que eu estou dizendo que devemos assistir a esse clássico.
- Não vamos conseguir ingressos assim de última hora, isso aqui está um caos.
- Eu aprendi a ser persuasivo com você, Senhorita Dawson. – ergueu a sobrancelha em desafio.
- Então se você foi um bom aluno vai voltar com os ingressos. – Pisquei pra ela e saí fazendo uma dancinha ridícula que ao menos tirou dela uma boa risada.
Demorei apenas vinte minutos pra conseguir os ingressos, não iria dizer a que tive que pagar uma pequena fortuna por eles, e a deixaria pensando que os consegui por métodos mais autênticos. Depois de procurar por ela dentre toda aquela movimentação de pessoas, a encontrei em frente a uma loja que vendia todos os tipos de souvenir para torcer.
Assim que ela me viu, eu ergui os ingressos e de maneira falsamente esnobe eu exibi.
- Não esperava nada menos do que isso. – Ela me disse usando o mesmo tom do meu gesto, mas seus olhos brilharam em animação. – Se formos reconhecidos aqui, estaremos perdidos.
- Conseguimos nos disfarçar durante toda a viagem, acha mesmo que em um estádio com quarenta mil pessoas irão nos reconhecer? – Tornei a hipótese improvável e absurda arrancando um sorriso dela.
- Claro que não, que paranoia a minha. – Devolveu o sarcasmo, depois pegou um enorme chapéu com a forma de um pássaro vermelho, o Mighty Red, mascote do Liverpool FC e gritou. – Go Liverpool!
- O que? Não! – Tirei o objeto dela. – Eu sou de Wolverhampton, nós não torcemos pra o Liverpool. – O time da minha cidade natal, wolverhampton wanderers tinha um histórico de derrotas sobre o Liverpool que eu jamais iria admitir a , ou a qualquer outro ser vivo.
- Azar o seu, eu não vou torcer pra o perdedor. – Pegou a quinquilharia de volta e colocou na cabeça, ainda exigiu que eu pagasse e mesmo a contra gosto eu não recusei.
- Do que você está falando? Everton vai ganhar e chegar a final pra arrasar o Chelsea.
- Vai sonhando, a Premier League já é do Chelsea, mas sobre esse jogo de hoje, o Liverpool com certeza vai ganhar.
- Quer apostar, Jack Dawson? – Sem pestanejar ela estendeu a mão pra mim.
- É sempre um prazer ganhar de você, Rosie Dawnson. – Puxei a sua mão, colei os nossos corpos, depois nossa boca, afinal era assim que selávamos um acordo.
Nos acomodamos em nossos lugares, na torcida do Everton, e não se incomodou em ter um enorme mascote do time rival sobre sua cabeça, e nem de ouvir provocações nada sutis dos mais fanáticos. Há muito tempo eu não tinha tempo de acompanhar nada sobre futebol, então eu não fazia ideia de qual time tinha uma vantagem, mas a minha aposta com deixou tudo mais interessante.
O estádio estava lotado e suas estruturas pareciam vibrar com cada lance, junto com a torcida enlouquecida dos dois times.
Assim que voltei a me sentar com nossos cachorros quentes, Liverpool fez um gol e levantou gritando em êxtase pelo momento, tomada pela sua ousadia e ignorando os olhares de repudia pelos adversários. Êxtase e adrenalina. Mais dois sentimentos que eu assisti se incorporarem a ela.
- Não fica com essa cara, Jack Dawnson, a derrota já é suficiente demais. – Apertou minha bochecha e antes que pudesse zoar ainda mais de minha expressão birrenta, e continuar com suas provocações, pulei do assento, assim como todos que nos rodeavam, e um coro de euforia calou a todos que estavam de vermelho, incluindo . Everton haviam empatado, faltando apenas três minutos para o fim da partida, tempo que contou por cada segundo, vidrada no campo, esperando por uma reação, mas nada adiantou, ficou naquilo. Uma bela porcaria de empate, que deixou amargurada.
Assim que conseguimos sair do estádio e entrar no carro, ainda tivemos que enfrentar o grande congestionamento até a rodovia que nos tiraria de Liverpool.
- Foi um péssimo jogo, que não valeu termos que enfrentar isso. – Apontou irritada pra enorme fila de carros em nossa frente.
- O jogo foi incrível. – Discordei. – Aquele empate nos últimos minutos e na casa do adversário foi de arrepiar.
- Arrepiar? – Torceu à boca e li seu comando “pare de ser gay” soar em seu silêncio de desprezo. – Odeio empates, prefiro ganhar ou perder de uma vez.
- Você prefere ganhar, . – Corrigi e ela deu de ombros. – No futebol depois da derrota o pior resultado de fato é o empate, mas no amor não. – Ela se virou pra mim, achei que ganharia um olhar impaciente, mas não, só serenidade e paciência pra me ouvir continuar. – No amor só se ganha com o empate.
- Está generalizando.
- Alguns relacionamentos eu diria que se haver a derrota, é impossível de se empatar com qualquer outro no mundo. – Eu estava falando de nós dois e ela sabia disso. Li cada expressão se formando, e seus lábios levemente abertos eram um indicativo de que eu deveria beijá-la. Me aproximei sem pensar em nenhuma consequência que viria após o meu ato, mesmo podendo estragar tudo, a minha necessidade era maior, inconsequente me movi. Algum sentimento deixou paralisada esperando por mim, e quando os nossos lábios iam se tocando, barulhos estridentes de buzinas nos assustou e nos trouxe pra porcaria da realidade, na qual eu deveria seguir com o carro.
Toda a possível inconsequência de um beijo pesou pra , ela ligou o som, se virou pra janela, e eu sabia que dali não haveria mais nada. Nem conversa muito menos a fragilidade que me permitiria entrar, respirei fundo e tentei não assumir pra mim mesmo o quanto eu estava ficando devastado.
Quando conseguimos chegar à rodovia já era madrugada e sucumbia ao sono, me deixando ainda mais solitário, exceto pelo som que reverberava, a noite de lua cheia, e nuvens pesadas. Alguns quilômetros percorridos, e a chuva começaram a cair sem contenção, mas decidi continuar por achar que aquilo se tratava apenas de um trecho e logo estaríamos seguros. Mais um erro que eu cometi naquela noite.
Mesmo dirigindo com maior cautela, tudo o que eu via na frente era uma tempestade que aumentava circunstancialmente a cada quilometro percorrido, o barulho da água brigando contra os vidros acordou que pareceu assustada com a situação em que nos encontrávamos.
POV .
- é melhor encostar e esperar que a chuva passe. – Me sentia sonolenta, mas estava desperta pra nossa condição.
- Não. – Negou teimoso, enquanto dirigia com os olhos apertados e tronco próximo ao painel tentando ter uma maior visibilidade da estrada. – Deve ter alguma cidade a alguns quilômetros e paramos lá, é mais seguro.
Antes que a sua garantia pudesse ser questionada, senti o carro dar trancos e diminuir ainda mais a velocidade. Fechei os olhos e tentei acreditar que ainda estava dormindo e aquilo era um pesadelo.
- Droga. – Resmungou baixo, mas quando estacionou no acostamento, suspirou e se aconchegou mais no banco.
- O carro quebrou? – Estar no meio de uma chuva forte, num lugar qualquer do Reino Unido e ver o carro que você está parar, é um tanto assustador. O relógio em meu pulso indicava que já passava das duas da madrugada. Perfeito!
- Acho que sim. – deveria se sentir culpado por nos colocar naquela situação, mas ele estava completamente confortável, e então aumentou o som do carro.
- Você deveria mandar esse lixo pra o conserto, assim como você fazendo com a nossa história, não é pra isso que serve essa viagem? Consertar o seu ego ferido e que se acha responsável por algo que você NÃO tem culpa?!!!
- Você acabou de se descrever. – Disse com naturalidade, mesmo diante da minha enxurrada de palavras azedas, retirou o cinto e saiu do carro.
Abaixei o vidro, ainda me esquivando da chuva que insistia em entrar e me fiz ouvir sob todo aquele barulho.
- Volta pra o carro, está querendo se matar?
- Vem. – Seu sorriso era refletido pelo brilho da lua nas gotas grossas que caiam, e seus olhos tinham um apelo quase infantil. – Não pensa, só vem.
Eu estava muito brava, queria fechar os olhos e desaparecer, mas eu fui. Fui torcendo pra pegar uma pneumonia e encerrar de uma vez aquela droga de viagem e culpar por ter insistido. Fui por birra e por desejar que um carro me atropelasse no meio daquela estrada e assim, pudesse passar o resto da sua vida miserável se culpando. Eu queria culpá-lo por tudo, agora que ele sabia a verdade, ele deveria me odiar, mas não, estava me desafiando a viver.
Abri a porta bruscamente e saí, fiquei parada em sua frente sem me mover, um instante depois, eu estava completamente molhada, tirando o tremor dos meus lábios e o dos dele, nenhum era capaz de dar nenhum movimento ou falar. Ele tinha os seus propósitos, eu tinha os meus.
- Eu adoro o quanto eu sou família. – Gritou sob o barulho da chuva. Continuei estática e sem entender o que ele queria com aquilo e ele prosseguiu. – Sou completamente compreensivo e carinhoso.
- Vai gritar pra o mundo inverdades, ? Pra isso queria se molhar na chuva? – Perguntei sarcástica e cruzei os braços. Ele não mentiu, mas eu não assumiria isso.
- Sou bastante paciente. – Se referiu a mim e a minha implicância, rindo em sequência. – Generoso também.
- Se é tudo isso, eu sou altruísta e corajosa. – Percebi que seu sorriso só cresceu.
- Sou determinado.
- Fiel e apaixonada.
- Nobre.
- Amiga.
- Ciumento.
- Insegura.
- Impulsivo.
- Infantil.
- Eu me amo, , com meus defeitos e qualidades eu me amo. Você percebeu o quão incrível você é? Por que não volta a se amar?
E ali eu compreendi tudo. não era egoísta pra querer que eu o amasse. Ele queria que eu me amasse incondicionalmente, pra que assim eu pudesse amá-lo, esse era o jeito correto. Esse era sendo o mais sincero de nós dois, porque em todos aqueles anos ele não deixou de me amar, mas ele definitivamente aprendeu a se amar.
- Sabe por que eu estou aqui na chuva com você, ? – Ele negou, provavelmente esperando receber mais uma agressão verbal e gratuita. – Porque se você se molha, eu me molho! É a nossa regra! – Gritei por cima da chuva, da nossa história e principalmente da nossa dor e culpa, então nossas respirações passaram a se igualar em descompasso. Minhas palavras derrubaram um muro de contenções de , e em questão de milésimos de segundos, tenho certeza que sem ao menos pensar sobre, ele estava segurando a minha nuca e me beijando, sendo total e completamente retribuído por mim.
Não ousamos quebrar os beijos com conversas desnecessárias, tínhamos voltado pra o carro, e feito dos bancos do fundo o aconchego pra os carinhos que trocamos, e o nosso descanso depois deles.
Capítulo 20 - Dia V
Lugar desconhecido – 25 de agosto de 2016 – 08:08 am.
POV .
Mesmo tendo dormido nos meus braços, quando eu acordei já estava fora do carro negociando com um mecânico. A coragem que a chuva tinha lhe dado, pareceu ter sido roubada com os primeiros raios de sol. Eu continuei imparcial, não iria forçá-la a nada.
O carro não precisou ser guinchado e duas horas depois, ele ficou pronto pra seguirmos viagem.
continuou sentada naquela lanchonete de beira de estrada me castigando com a crueldade do seu silêncio. Me permiti então fantasiar as diversas maneiras de como as coisas poderiam terminar pra nós dois. A maioria das versões eram confiantes, onde nós conseguimos derrubar qualquer barreira do nosso grande engano pra ficarmos juntos como supostamente deveria ser. comeu apenas um terço do seu sanduiche e me lançou um olhar que desfez qualquer pensamento positivo. Seus olhos continuavam turbulentos e me encaravam zangados.
- Odeio quando você faz isso. – Finalmente ela havia quebrado o silêncio, mas apenas pra me deixar confuso.
- Isso o que?
- Me analisa, e é covarde demais pra me fazer perguntas.
- Só queria saber se você está se divertindo. – Minha pergunta a deixou ainda mais irritada.
- Na maior parte do tempo não, . Eu não estou.
- Bom, ainda temos alguns dias na estrada, espero que mude de opinião.
bufou impaciente e não sei o motivo, mas preferiu engolir o que iria me dizer, pra evitar mais discussões. Ela não sabia, mas havíamos feito um contrato, entre ela ou eu, seria ela, sempre ela.
- Podemos ir embora?– Seu pedido soou como uma exigência e conseguiu me irritar. Finalmente.
- Todo mundo tem as suas tragédias, e eu não vou mais mimar você, ou te sufocar até que se perca ainda mais. Pode parecer uma obrigação pra você estar aqui, mas não é, eu estou te ajudando, estou te fazendo viver. – Falei sem parar ao menos pra respirar, sem nenhum traço de delicadeza, e a Estranha me encarou atenta e surpresa. – Então trate de melhorar o seu humor, porque você terá que sair sem pagar a conta, esse será o seu desafio.
Não esperei o começo de seu protesto, apenas coloquei os óculos, dei o ultimato e me levantei. Sorri de lado antes de sair do lugar, a expressão resignada e incrédula de foi impagável. Entrei no carro e o liguei deixando preparado pra nossa fuga, então esperei por ela, depois de uns bons minutos eu achei que ela havia desistido dos meus desafios, que pagaria a conta e voltaria marchando enquanto me xingava de todos os nomes possíveis. Eu não poderia estar mais enganado.
surgiu dos fundos do restaurante enquanto corria e olhava pra trás, a pobre da garçonete finalmente havia percebido o nosso delito e ainda tentou correr, mas entrou no carro com toda a sua agilidade.
- Vai, vai, vai. – Ordenou batendo as mãos no painel, mesmo assustado eu acelerei.
Quando estávamos longe o suficiente, a adrenalina fez gargalhar e eu acompanhei. Não pela situação, já que tudo não passou de uma encenação, e eu já havia pagado a conta, mas por naquele breve instante eu ter conseguido arrancar toda aquela alegria dela.
- Se eu for presa por isso, vou permanecer na cadeia por assassinato, com certeza eu vou te matar. – As ameaças dela saíram por cima de sua risada, matando de fato, um pouco da saudade que eu estava disso.
- Você não iria conseguir viver sem mim.
- Não me subestime, . – Cutucou a minha barriga e deitou a cabeça em meu ombro, minha mão apertou forte o volante, buscando controle pra não abraçá-la. – Não precisa ficar esquisito comigo, só porque nos beijamos. – O choque do seu pedido, e a maneira como ele soou despretensioso, me impediu de falar. – Eu sempre faço isso com qualquer um. – Testou meus ciúmes com seu desdenho. – Acho que vou dormir um pouco. – Foi à mão dela que buscou a minha e fez o meu braço rodear o seu corpo, buscando o carinho que eu tanto queria lhe dar.
York – 25 de agosto de 2016 – 12:35 pm.
Decidimos parar em York pra um almoço rápido, e logo decidimos descer e explorar o centro histórico a pé. Cada pequena rua parecia guardar algum tipo de encanto medieval que nos fazia voltar no tempo sem o menor esforço, nos dando a sensação de que seria possível encontrar um cavaleiro medieval na próxima esquina, ou tomando uma cerveja no pub mais próximo.
parecia encantada e estava atenta a cada detalhe da cidade e os hábitos dos moradores, sua peruca de cabelos cacheados e loiros lhe davam uma aparência engraçada, mas linda e renovada.
- Eu tenho um desafio pra você. – Segurou a minha mão e saiu me guiando com uma enorme empolgação. – Vem!
Ela me fez sentar numa pequena mesa de um bistrô aconchegante, pintado com cores exageradas e um enorme jardim vertical, e entrou dizendo que iria providenciar uma surpresa. Instantaneamente eu me contagiei com sua animação, mesmo que hesitante em saber se aquilo iria durar mais do que algumas horas.
- O que é isso? – Perguntei quando voltou, e depois de se sentar colocou uma enorme caixa sobre a mesa, enquanto uma garçonete nos servia taças de vinho.
- Isso é o meu desafio, vi uma vez num filme e sempre quis fazer isso. – Abriu a caixa revelando vários chocolates artesanais, que se diferenciavam na cor, tamanho ou formato, imediatamente o cheiro do cacau nos abraçou. – É uma espécie de roleta russa, não vamos saber o que estamos comendo até experimentar.
Continuei meio absolto sem ter entendido de fato a proposta, até vê-la pegando um bombom e colocando na boca, seus lábios e olhos se fecharam e ao mastigar ela esperou que o sabor dominasse o seu paladar, sorriu e limpou os lábios com a língua, me fazendo acompanhar cada movimento como se fosse um adolescente virgem, capaz de se excitar com qualquer coisa.
- É de cereja. – Disse ainda de boca cheia, e eu continuei parado, desejando sentir o sabor através de sua língua. – É a sua vez. – Deslizou a caixa pra mim, e eu precisei me esforçar pra empurrar a onda bizarra de luxúria que havia me apoderado. Fiz mais drama do que necessário e peguei meu primeiro chocolate, mas ao mastigar só consegui sentir um gosto intragável e amargo, assim como uma careta foi inevitável.
- Muito ruim! – Peguei um guardanapo e cuspi, bebendo um gole generoso de vinho, enquanto gargalhava de mim, instantes depois eu estava rindo junto, mas por aquele dia, aquela alegria boba, aquela paz despretensiosa e livre de tudo.
Nossas mentes libertas e o mundo lá fora poderia estar caindo aos pedaços que não notaríamos, eu sabia que precisava de mim, daquela viagem, daqueles momentos, mas foi ali, vendo aquela tarde passar ao seu lado, enquanto nossas conversas não poderiam ser mais cafonas e engraçadas, eu percebi que eu precisava dela ainda mais.
Robin Hood’s Bay – 25 de agosto de 2016 – 05:42 pm
No meio da tarde, chegamos à Robin Hoods Bay, e ficamos observando a baía onde o legendário e mais famoso justiceiro atracava os seus barcos pra fugir. Eu disse a que iriamos acampar e precisávamos ser mais rápidos do que o pôr do sol. Ela não pareceu muito contente já que não gostava muito de se aventurar ao ar livre, mas também não se opôs, nem mesmo quando eu não disse onde ficaríamos.
Em busca de um lugar mais isolado e especial, eu saí da rodovia e dirigi durante alguns minutos por uma velha estrada de terra. tinha todas as perguntas quase lhe escapando, mas não fez nenhuma, e fiquei contente por ela desejar ter aquela surpresa. Parecia que a tensão que insistia em nos acompanhar, havia sido despachada em algum lugar da estrada.
Quando parei o carro, desceu e ficou sem fôlego ao admirar a vista. Uma baía de águas calmas e cristalinas era perfeitamente aprisionada por uma cadeia de montanhas, por aonde o sol logo iria se despedir.
- Bem vindo ao nosso quarto de hotel, espero que aproveite a estadia e a vista, Senhorita . – Brinquei e com esforço, desprendeu os seus olhos do pôr do sol, e me encarou receosa.
- Onde está o camping?
- Campings são para turistas bobos, nós somos especiais e acamparemos livremente.
- Jamais! – elevou a voz alarmada. – Você nunca assistiu filmes de terror? Porque eu definitivamente já!
- Não estamos num filme.
- Babe, isso é demais pra mim, eu não vou consegui dormir.
Ouvi a sua voz soar um apelido carinhoso novamente, me deixou em transe. Por sorte, estava assustada demais pra notar.
- Relaxa. Eu já vim aqui diversas vezes com a minha família. E admita, esse lugar é incrível.
- Sim, é lindo. – Admitiu com expressão ranzinza, mas quando eu ri, ela sorriu de volta, me matando de vontade de lhe roubar seu fôlego com os meus beijos. – Melhor montarmos a barraca.
- Pode deixar comigo. – Sabia que estava forçando uma pose, mas ao menos fiz sorrir.
- Não quer ajuda?
- Não, sente e aproveite.
- Sabe. – Ela olhou ao seu redor, e trazia algo novo consigo. Era inspiração. – Acho que vou desenhar um pouco.
- Ótima ideia. – Tentei conter o sorriso bobo e admirado, mas devo ter falhado, porque desviou o olhar do meu, numa atípica demonstração de vergonha.
Depois de montar a barraca, recolher gravetos suficientes pra ascender uma fogueira, e assim conseguir deixar tudo pronto e confortável pra passarmos a noite ali, me sentei ao lado de , encarando a vista a nossa frente, ela não se incomodou com a minha aproximação, concentrada demais em seu trabalho. Espiei através do canto de olho, o lápis correu a página, cada linha desenhada parecia preencher de sensações boas, como se cada traço fosse a resolução de um dos seus problemas.
A princípio eu achei que estivesse desenhando um esboço de alguma roupa, mas ela foi além, dando formas e um ambiente. A garota do desenho estava de costas e encarava uma paisagem igual a que nos rodeava, seu vestido e seus cabelos eram agitados pelo vento, mas eu só entendi que ali era um autorretrato, quando uma sombra translucida surgiu, e parecia estar voltando a se fundir ao corpo. A alma e o ego de estava retornando, trazendo luz e vida.
Enquanto passava o dedo sobre o papel, esfumaçando o grafite, eu já encarava o desenho com o tamanho da profundidade que ele representava. Depois de julgar pronto, encarou o papel, se levantou e o colocou sobre a água do lago, em segundos tudo havia se perdido e ficado imerso.
- Aquilo estava incrível. – Falei um tanto exasperado, por ela ter se livrado de algo tão forte. Me levantei e me prostrei ao lado dela, ainda mais frustrado. – Eu entendi o que aquilo significava, eu percebi que ali se tratava de você e...
- Xi... – apenas me abraçou, e o conforto dos seus braços e daquele contato inesperado me frearam. – Ali era eu sim, e eu não preciso de um desenho pra me lembrar quem eu estou me tornando.
- Voltando a se tornar. – Corrigi, e ergueu a cabeça e me olhou sorrindo, eu estava conseguindo retirar a preocupação de seus olhos, deixando os seus lábios entreabertos como se buscassem os meus. Abaixei meu rosto, ajustando ao seu, e quando eu jurei que iria sentir o seu nariz tocar o meu tudo retornou.
- Estou com frio, acho que está na hora de ascender à fogueira. – Ela se afastou de mim, abraçando o próprio corpo, e a sua falta de contato foi o que me deixou congelando.
Apenas concordei e fiz o que ela pediu. Minutos mais tarde, nos sentamos em volta da fogueira, e apenas conversamos. Simples, fácil, como costumava ser. Como deveria continuar sendo.
- Você não fica assustado em estar assim? – estava deitada ao meu lado na barraca. O espaço era mínimo, mas mesmo assim, os nossos corpos não se tocavam.
- Já disse, aqui não tem cobras.
- Não estou falando disso. – Me corrigiu rindo. – Quis dizer sobre ficar tão ao ar livre... É como não ter um lar.
- Não me incomodo porque você está aqui comigo. – Apertei os meus dedos, obrigando meu corpo a permanecer parado e não avançar. – É você que torna o lugar um lar pra mim.
Diferente do que eu esperava que fizesse à respeito da minha sinceridade espontânea, ela simplesmente me abraçou forte, buscando proteção ao se aninhar ainda mais em meu corpo, que se arrepiou ao ouvir ela dizer que se sentia da mesma maneira. E que se arrepiou ainda mais ao sentir os seus lábios nos meus.
POV .
Mesmo tendo dormido nos meus braços, quando eu acordei já estava fora do carro negociando com um mecânico. A coragem que a chuva tinha lhe dado, pareceu ter sido roubada com os primeiros raios de sol. Eu continuei imparcial, não iria forçá-la a nada.
O carro não precisou ser guinchado e duas horas depois, ele ficou pronto pra seguirmos viagem.
continuou sentada naquela lanchonete de beira de estrada me castigando com a crueldade do seu silêncio. Me permiti então fantasiar as diversas maneiras de como as coisas poderiam terminar pra nós dois. A maioria das versões eram confiantes, onde nós conseguimos derrubar qualquer barreira do nosso grande engano pra ficarmos juntos como supostamente deveria ser. comeu apenas um terço do seu sanduiche e me lançou um olhar que desfez qualquer pensamento positivo. Seus olhos continuavam turbulentos e me encaravam zangados.
- Odeio quando você faz isso. – Finalmente ela havia quebrado o silêncio, mas apenas pra me deixar confuso.
- Isso o que?
- Me analisa, e é covarde demais pra me fazer perguntas.
- Só queria saber se você está se divertindo. – Minha pergunta a deixou ainda mais irritada.
- Na maior parte do tempo não, . Eu não estou.
- Bom, ainda temos alguns dias na estrada, espero que mude de opinião.
bufou impaciente e não sei o motivo, mas preferiu engolir o que iria me dizer, pra evitar mais discussões. Ela não sabia, mas havíamos feito um contrato, entre ela ou eu, seria ela, sempre ela.
- Podemos ir embora?– Seu pedido soou como uma exigência e conseguiu me irritar. Finalmente.
- Todo mundo tem as suas tragédias, e eu não vou mais mimar você, ou te sufocar até que se perca ainda mais. Pode parecer uma obrigação pra você estar aqui, mas não é, eu estou te ajudando, estou te fazendo viver. – Falei sem parar ao menos pra respirar, sem nenhum traço de delicadeza, e a Estranha me encarou atenta e surpresa. – Então trate de melhorar o seu humor, porque você terá que sair sem pagar a conta, esse será o seu desafio.
Não esperei o começo de seu protesto, apenas coloquei os óculos, dei o ultimato e me levantei. Sorri de lado antes de sair do lugar, a expressão resignada e incrédula de foi impagável. Entrei no carro e o liguei deixando preparado pra nossa fuga, então esperei por ela, depois de uns bons minutos eu achei que ela havia desistido dos meus desafios, que pagaria a conta e voltaria marchando enquanto me xingava de todos os nomes possíveis. Eu não poderia estar mais enganado.
surgiu dos fundos do restaurante enquanto corria e olhava pra trás, a pobre da garçonete finalmente havia percebido o nosso delito e ainda tentou correr, mas entrou no carro com toda a sua agilidade.
- Vai, vai, vai. – Ordenou batendo as mãos no painel, mesmo assustado eu acelerei.
Quando estávamos longe o suficiente, a adrenalina fez gargalhar e eu acompanhei. Não pela situação, já que tudo não passou de uma encenação, e eu já havia pagado a conta, mas por naquele breve instante eu ter conseguido arrancar toda aquela alegria dela.
- Se eu for presa por isso, vou permanecer na cadeia por assassinato, com certeza eu vou te matar. – As ameaças dela saíram por cima de sua risada, matando de fato, um pouco da saudade que eu estava disso.
- Você não iria conseguir viver sem mim.
- Não me subestime, . – Cutucou a minha barriga e deitou a cabeça em meu ombro, minha mão apertou forte o volante, buscando controle pra não abraçá-la. – Não precisa ficar esquisito comigo, só porque nos beijamos. – O choque do seu pedido, e a maneira como ele soou despretensioso, me impediu de falar. – Eu sempre faço isso com qualquer um. – Testou meus ciúmes com seu desdenho. – Acho que vou dormir um pouco. – Foi à mão dela que buscou a minha e fez o meu braço rodear o seu corpo, buscando o carinho que eu tanto queria lhe dar.
York – 25 de agosto de 2016 – 12:35 pm.
Decidimos parar em York pra um almoço rápido, e logo decidimos descer e explorar o centro histórico a pé. Cada pequena rua parecia guardar algum tipo de encanto medieval que nos fazia voltar no tempo sem o menor esforço, nos dando a sensação de que seria possível encontrar um cavaleiro medieval na próxima esquina, ou tomando uma cerveja no pub mais próximo.
parecia encantada e estava atenta a cada detalhe da cidade e os hábitos dos moradores, sua peruca de cabelos cacheados e loiros lhe davam uma aparência engraçada, mas linda e renovada.
- Eu tenho um desafio pra você. – Segurou a minha mão e saiu me guiando com uma enorme empolgação. – Vem!
Ela me fez sentar numa pequena mesa de um bistrô aconchegante, pintado com cores exageradas e um enorme jardim vertical, e entrou dizendo que iria providenciar uma surpresa. Instantaneamente eu me contagiei com sua animação, mesmo que hesitante em saber se aquilo iria durar mais do que algumas horas.
- O que é isso? – Perguntei quando voltou, e depois de se sentar colocou uma enorme caixa sobre a mesa, enquanto uma garçonete nos servia taças de vinho.
- Isso é o meu desafio, vi uma vez num filme e sempre quis fazer isso. – Abriu a caixa revelando vários chocolates artesanais, que se diferenciavam na cor, tamanho ou formato, imediatamente o cheiro do cacau nos abraçou. – É uma espécie de roleta russa, não vamos saber o que estamos comendo até experimentar.
Continuei meio absolto sem ter entendido de fato a proposta, até vê-la pegando um bombom e colocando na boca, seus lábios e olhos se fecharam e ao mastigar ela esperou que o sabor dominasse o seu paladar, sorriu e limpou os lábios com a língua, me fazendo acompanhar cada movimento como se fosse um adolescente virgem, capaz de se excitar com qualquer coisa.
- É de cereja. – Disse ainda de boca cheia, e eu continuei parado, desejando sentir o sabor através de sua língua. – É a sua vez. – Deslizou a caixa pra mim, e eu precisei me esforçar pra empurrar a onda bizarra de luxúria que havia me apoderado. Fiz mais drama do que necessário e peguei meu primeiro chocolate, mas ao mastigar só consegui sentir um gosto intragável e amargo, assim como uma careta foi inevitável.
- Muito ruim! – Peguei um guardanapo e cuspi, bebendo um gole generoso de vinho, enquanto gargalhava de mim, instantes depois eu estava rindo junto, mas por aquele dia, aquela alegria boba, aquela paz despretensiosa e livre de tudo.
Nossas mentes libertas e o mundo lá fora poderia estar caindo aos pedaços que não notaríamos, eu sabia que precisava de mim, daquela viagem, daqueles momentos, mas foi ali, vendo aquela tarde passar ao seu lado, enquanto nossas conversas não poderiam ser mais cafonas e engraçadas, eu percebi que eu precisava dela ainda mais.
Robin Hood’s Bay – 25 de agosto de 2016 – 05:42 pm
No meio da tarde, chegamos à Robin Hoods Bay, e ficamos observando a baía onde o legendário e mais famoso justiceiro atracava os seus barcos pra fugir. Eu disse a que iriamos acampar e precisávamos ser mais rápidos do que o pôr do sol. Ela não pareceu muito contente já que não gostava muito de se aventurar ao ar livre, mas também não se opôs, nem mesmo quando eu não disse onde ficaríamos.
Em busca de um lugar mais isolado e especial, eu saí da rodovia e dirigi durante alguns minutos por uma velha estrada de terra. tinha todas as perguntas quase lhe escapando, mas não fez nenhuma, e fiquei contente por ela desejar ter aquela surpresa. Parecia que a tensão que insistia em nos acompanhar, havia sido despachada em algum lugar da estrada.
Quando parei o carro, desceu e ficou sem fôlego ao admirar a vista. Uma baía de águas calmas e cristalinas era perfeitamente aprisionada por uma cadeia de montanhas, por aonde o sol logo iria se despedir.
- Bem vindo ao nosso quarto de hotel, espero que aproveite a estadia e a vista, Senhorita . – Brinquei e com esforço, desprendeu os seus olhos do pôr do sol, e me encarou receosa.
- Onde está o camping?
- Campings são para turistas bobos, nós somos especiais e acamparemos livremente.
- Jamais! – elevou a voz alarmada. – Você nunca assistiu filmes de terror? Porque eu definitivamente já!
- Não estamos num filme.
- Babe, isso é demais pra mim, eu não vou consegui dormir.
Ouvi a sua voz soar um apelido carinhoso novamente, me deixou em transe. Por sorte, estava assustada demais pra notar.
- Relaxa. Eu já vim aqui diversas vezes com a minha família. E admita, esse lugar é incrível.
- Sim, é lindo. – Admitiu com expressão ranzinza, mas quando eu ri, ela sorriu de volta, me matando de vontade de lhe roubar seu fôlego com os meus beijos. – Melhor montarmos a barraca.
- Pode deixar comigo. – Sabia que estava forçando uma pose, mas ao menos fiz sorrir.
- Não quer ajuda?
- Não, sente e aproveite.
- Sabe. – Ela olhou ao seu redor, e trazia algo novo consigo. Era inspiração. – Acho que vou desenhar um pouco.
- Ótima ideia. – Tentei conter o sorriso bobo e admirado, mas devo ter falhado, porque desviou o olhar do meu, numa atípica demonstração de vergonha.
Depois de montar a barraca, recolher gravetos suficientes pra ascender uma fogueira, e assim conseguir deixar tudo pronto e confortável pra passarmos a noite ali, me sentei ao lado de , encarando a vista a nossa frente, ela não se incomodou com a minha aproximação, concentrada demais em seu trabalho. Espiei através do canto de olho, o lápis correu a página, cada linha desenhada parecia preencher de sensações boas, como se cada traço fosse a resolução de um dos seus problemas.
A princípio eu achei que estivesse desenhando um esboço de alguma roupa, mas ela foi além, dando formas e um ambiente. A garota do desenho estava de costas e encarava uma paisagem igual a que nos rodeava, seu vestido e seus cabelos eram agitados pelo vento, mas eu só entendi que ali era um autorretrato, quando uma sombra translucida surgiu, e parecia estar voltando a se fundir ao corpo. A alma e o ego de estava retornando, trazendo luz e vida.
Enquanto passava o dedo sobre o papel, esfumaçando o grafite, eu já encarava o desenho com o tamanho da profundidade que ele representava. Depois de julgar pronto, encarou o papel, se levantou e o colocou sobre a água do lago, em segundos tudo havia se perdido e ficado imerso.
- Aquilo estava incrível. – Falei um tanto exasperado, por ela ter se livrado de algo tão forte. Me levantei e me prostrei ao lado dela, ainda mais frustrado. – Eu entendi o que aquilo significava, eu percebi que ali se tratava de você e...
- Xi... – apenas me abraçou, e o conforto dos seus braços e daquele contato inesperado me frearam. – Ali era eu sim, e eu não preciso de um desenho pra me lembrar quem eu estou me tornando.
- Voltando a se tornar. – Corrigi, e ergueu a cabeça e me olhou sorrindo, eu estava conseguindo retirar a preocupação de seus olhos, deixando os seus lábios entreabertos como se buscassem os meus. Abaixei meu rosto, ajustando ao seu, e quando eu jurei que iria sentir o seu nariz tocar o meu tudo retornou.
- Estou com frio, acho que está na hora de ascender à fogueira. – Ela se afastou de mim, abraçando o próprio corpo, e a sua falta de contato foi o que me deixou congelando.
Apenas concordei e fiz o que ela pediu. Minutos mais tarde, nos sentamos em volta da fogueira, e apenas conversamos. Simples, fácil, como costumava ser. Como deveria continuar sendo.
- Você não fica assustado em estar assim? – estava deitada ao meu lado na barraca. O espaço era mínimo, mas mesmo assim, os nossos corpos não se tocavam.
- Já disse, aqui não tem cobras.
- Não estou falando disso. – Me corrigiu rindo. – Quis dizer sobre ficar tão ao ar livre... É como não ter um lar.
- Não me incomodo porque você está aqui comigo. – Apertei os meus dedos, obrigando meu corpo a permanecer parado e não avançar. – É você que torna o lugar um lar pra mim.
Diferente do que eu esperava que fizesse à respeito da minha sinceridade espontânea, ela simplesmente me abraçou forte, buscando proteção ao se aninhar ainda mais em meu corpo, que se arrepiou ao ouvir ela dizer que se sentia da mesma maneira. E que se arrepiou ainda mais ao sentir os seus lábios nos meus.
Capítulo 20 - Dia VI
Newcastle – 26 de agosto de 2016 – 03:27 pm.
Quando acordamos, insisti pra que tomássemos banho no lago, e acabamos passando toda a manhã nele.
Continuamos nossa viagem sem muita pressa, apenas aproveitando a estrada, sem nenhuma cobrança ou uma conversa além da trivial. Nós dois acabamos notamos que tínhamos algo em comum, criar histórias pras pessoas que passavam por nós, ou sobre como era e como viviam as pessoas de determinadas casas que chamavam a atenção, então passamos a fazer isso junto, o que nos rendeu um ótimo e engraçado passatempo.
Sobre Newcastle pairavam enormes nuvens escuras, e uma chuva fina, que mesmo assim não impediam o mormaço e calor. Demos uma volta de carro pela cidade, e sem muito interesse por qualquer coisa, paramos num drive-thru, compramos uma porção absurda e exagerada do que tinha de mais calórico, e comemos dentro do carro, diante de um pequeno parque. Na quinta música de um CD de rap, berrou que estava detestando o som, e me encorajou a conhecer a cidade a pé.
- O que você quer fazer? – Perguntei a em apenas dois minutos de caminhada.
- Achei que você tivesse planejado tudo.
- Eu não... – Antes que pudesse me justificar, viu algo por cima de meu ombro e saiu me puxando pela mão até pararmos em frente a uma academia. – Eu com certeza sei como fazer você se exercitar durante essa viagem, não precisa malhar.
Ela revirou os olhos pra meu comentário malicioso, mas sorriu.
- Você vive dizendo que fazia boxe, eu queria dar uns socos, achei que pudesse ser interessante.
- Está falando sério? – Além da aparência frágil de , imaginá-la com luvas de boxe me parecia irreal.
- Não te trouxe até aqui pra fazer uma brincadeira e perder o meu tempo. – Respondeu birrenta e impaciente me fazendo rir.
- É, acho que você está precisando mesmo descontar essa raiva, antes que sobre pra mim.
Tivemos que esperar durante uns minutos, para que uma aula terminasse e o ringue ficasse livre, apenas para nós dois. Quando se faz uma oferta alta, fica facilmente viável ter uma regalia dessas.
Arrumei as luvas em suas mãos, e começou a se agitar fingindo uma pose de pugilista, cena hilária que levou nós dois aos risos.
- Agora que coloquei as luvas é só dar uns socos nesse seu rosto que vale milhões e eu me sinto mais feliz? – Perguntou e sorriu fofa, como se fosse uma criança arteira.
- Melhor a gente usar esse cara aqui. – Fingi estar com medo e me afastei dela, pegando o boneco de plástico que era usado pra treino. – Esse será o seu maior rival, e você pode até dar um nome pra ele.
pensou por uns instantes e olhou pra mim com sorriso malicioso e a sobrancelha erguida.
- Acho que vai ser .
- Quanto amor. – Fiz uma reverência exagerada. – Fico lisonjeado. – Ri junto com ela.
- É só bater e descontar as frustrações?
- Não... – Me posicionei atrás dela e indiquei como seu corpo deveria ficar, e depois, como se mover a cada golpe. – Aqui não é só bater. – Sussurrei contra a pele de sua nuca e vi seus pelos se arrepiarem. – A luta que acontece aqui no ringue é como um reflexo da luta que acontece em nossos corações. Por isso aqui também é uma forma de arte, e no final todos encontram o seu maior rival, aquilo que se teme, o que nos impossibilita de sermos nós mesmos, então o derrotamos e encontramos a paz. – Ela concordou com um aceno trêmulo. – Derrote seus medos.
Dei minha última dica e me afastei deixando a vontade. Ela ajustou as luvas, arrumou a postura e encarou o boneco, depois fechou os olhos e respirou fundo, provavelmente porque de fato ela estava encarando seu maior rival. O primeiro murro saiu fraco, quase tímido, eu me afastei ainda mais até sair completamente do ringue e dar espaço pra ela. sussurrou alguma coisa e deferiu outro murro, agora com mais força, e então outro e mais outro, até que os golpes ficaram mais rápidos e furiosos.
Alguns fios de cabelo se soltaram e pressionaram o seu rosto, os olhos traziam um vermelho de raiva por tudo o que lhe havia acontecido e lhe tornado. Mais um peso do seu passado ia se desprendendo de suas costas. Então ela caiu no chão, exausta, mas leve.
Newcastle – 26 de agosto de 2016 – 07:37 pm.
Pegamos um quarto de hotel apenas para tomarmos um banho, deixamos o carro estacionado numa das ruas movimentas da cidade, e a pé nós iriamos em busca de um lugar onde pudéssemos encontrar um pouco de diversão, mas surgiu outros planos.
- Vamos ao shopping?
- Shopping? – O programa pareceu ainda mais entediante quando soado em voz alta por mim, mas um sorriso encrustado de malicia surgiu iluminando o rosto de .
- É. Eu me lembrei de um desafio pra você, vi em One Tree Hill e acho que vai ser divertido.
Percorremos várias lojas, e enquanto fazia diversas compras eu tentava parecer entretido, mas na maioria das vezes eu só pensava no quanto eu gostaria de uma bebida. Assim eu acabei esquecendo que alguma coisa da mente maquiavélica de estava por vir.
- Nossa, eu comprei errado. – Me disse parando em frente a primeira loja que tínhamos ido.
- Você demorou quarenta minutos escolhendo, como pode ter comprado errado?
- Esse tom de rosa não realça a minha pele. – Ela mordeu o lábio e um sorriso malvado e contido. – Você vai ter que trocar esse sutiã e essa blusa pra mim.
- Por que eu?
- É o meu desafio. – Ela começou a rir. Eu peguei a sacola de compras e mesmo sem entender o motivo de sua risada, estendi a mão esperando pela nota fiscal, que ela retirou do bolso e me entregou.
- Ok. – Achei bobagem, não tinha nada de desafiante em seguir ordem pra um de seus caprichos. Fiz a minha melhor cara de tédio, mas me impediu de me afastar.
- Pra trocar você precisa estar vestindo elas.
- O que? Você está falando sério? – Ela confirmou energicamente com a cabeça. Estar com uma peruca de cabelos cacheados e tão compridos quanto os de , não pareceu ridículo o bastante pra que já gargalhava pela desgraça que estava por vir.
Tirei a camisa e aceitei o desafio sem mais nenhuma relutância. Eu deveria ficar irritado por estar usando um sutiã rendado, coberto por uma blusa de seda, mas a alegria de era tão contagiante que joguei teatralmente os cabelos para o lado, ergui o rosto e entrei na loja ouvindo sua gargalhada.
Um atendente afetadíssimo veio ao meu encontro com um sorriso simpático.
- Vim fazer uma devolução.
- Tudo bem senhor. – Ele piscou pra mim. – Onde estão as peças?
- Aqui. – Ri forçadamente, e isolando o constrangimento, retirei a blusa e depois o sutiã, dançando como se fizesse um strip-teaser.
O funcionário tentou conter sua risada, mas um garotinho, que acompanhava a sua mãe, riu tanto que fez com que todos ali me notassem e rissem juntos. Isso me incluía.
- Posso saber o motivo da troca? – Perguntou buscando o tom profissional, mas ainda tentando se recompor do acesso de risos.
- Disseram que essa não é a minha cor. – Respondi tirando a franja do rosto, com as pontas dos dedos.
- Definitivamente. – Concordou e providenciou a troca.
Depois de me entregar novas peças e me dizer que se eu fosse um pouco mais másculo iria pedir meu telefone, me despedi dele e saí da loja com as novas roupas na sacola. ria tanto que as lágrimas rolavam de seus olhos.
- Já disse que odeio One Tree Hill?
- Eu com certeza amo ainda mais essa série. – Ela veio até mim e me entregou a camisa, além de me ajudar a vestir. – Foi ótimo te ver assim.
estava leve. Estava alegre e se divertindo sem nenhuma pretensão ou contenção, apenas vivendo cada momento.
Tiramos mais fotos do que a cabine fotográfica permitia, as imagens capturaram as nossas caretas, sorrisos e provocações. Comemos fish and chips, e largou tudo pra dançar música mexicana no meio de um parque, agitando a apresentação de um artista de rua.
Quando passamos por uma cabine telefônica eu entrei, puxei e nos tranquei lá dentro.
- O que você está querendo, ? Isso é algum fetiche sexual? – Zombou.
- Não, é o seu? – Devolvi a pergunta, mas não deixei que respondesse. – Transformaram as cabines telefônicas, grandes ícones britânicos, em uma máquina do futuro. – Me abaixei pra sussurrar em seu ouvido. – Mas é um segredo nosso.
riu e cruzou seus dedos indicadores e depois os beijou, me dando sua confiança.
- Como isso funciona?
- Você disca 2026 e então consegue falar com você mesma no futuro.
- Então faça as honras. – Indicou o aparelho. – Posso ouvir a sua ligação?
- Claro! – Peguei o gancho e disquei os números, depois bati o pé fingindo esperar. – Alô? É o do passado. Ele não está acreditando em mim. – revirou os olhos, mas estava apenas fingindo impaciência com o meu eu no futuro.
- Conte algo que só vocês sabem.
- Sabemos que não devemos nos envolver com Estranhos. – Nós dois gargalhamos. – Ele acredita em mim agora.
- É bem justo.
- Ah não cara, sério? – Bati com a testa no gancho forçando minha lástima. – Você precisa parar de comer porcarias e voltar pra academia, manter esse corpo delícia que estou te dando agora. – Parei como se ouvisse uma resposta no outro lado. – Ok, estamos entendidos. Estou ligando pra te dizer o quanto você está sendo sortudo. Nesses últimos dias está viajando com a garota mais linda que você já viu então você deve querer me matar por ter estragado tudo, e eu apoio sua revolta, cara. Mas saiba que estou te dando uma linda história e te confesso que o tempo jamais passa por ela. Espero que você tenha aprendido que o amor não pode esperar tanto tempo por um beijo. – passou a língua pelos lábios e depois o mordeu. Num gesto tão simples e instigante que eu soube que ela estava concordando comigo. – Até mais, mate. – Então eu desliguei.
- Tenho mesmo que fazer isso?
- Óbvio!
Assim como eu havia feito, encenou fazer a sua ligação.
- Ela não quer me atender.
- Você não vai se safar, .
- Alô. É , sou sua versão mais nova, mas igualmente maravilhosa. – riu como se conversar com ela foi altamente divertido, então cobriu o gancho pra sussurrar pra mim. – Ela me conheceu logo, somos mais espertas que vocês. – Piscou pra mim, antes de voltar pra sua ligação. – Só preciso que você continue se lembrando de se divertir, e se entregar, tente ser destemida, porque algumas coisas se partem pra conseguirem se manter inteiras.
Ela disse tudo isso olhando dentro dos meus olhos, me perfurando o peito. Buscando uma lembrança viva pra relembrar no próprio futuro, sem pedir ou temer, eu me aproximei dela e lhe beijei. Rápido, puro, mas que trouxe uma tensão que tanto eu quanto tentou esconder. Havia amarras soltas, dos dois lados de nossa corda. A suposta cabine para o futuro, havia nos levado para o passado.
Newcastle – 26 de agosto de 2016 – 10:22 pm.
Parecia que todos ali se conheciam, e cada novo cliente era integrado ao grupo como se fosse um amigo de infância. Fizeram o mesmo comigo e . Não perguntaram os nossos nomes ou o que queríamos, só enfiaram em nossas mãos um copo de cerveja stout e nos puxaram pra a confraternização empolgada.
Era como uma enorme roda de dança. Uma pequena banda composta apenas por um cara tocando banjo, outro violino, um mais bêbado comandava o violão, e uma cantora que ainda não havia conseguido enxergar, só ouvir. Os mais atrevidos ou bêbados dançavam, enquanto os mais tímidos batiam palmas e cantavam incentivos.
Um homem se aproximou de e eles conversaram ao pé do ouvido por alguns minutos, até que ela nos apresentou.
Pra o tal Hien eu era Rony, o irlandês tinha um sotaque carregado como o olhar malicioso que ele lançava pra Hermione, ou a "minha" .
A conversa passou a ser mais algo dos dois e logo eu fui deixado de lado, totalmente desfalcado eu comecei a observar cada um ali, fazendo análises bizarras, mas que iriam me distrair do ciúme que estava incomodando mais do que deveria. Meus olhos então caíram sobre uma garota, primeiro eu vi a sua mão acenando e convidando, depois os seus olhos azuis, cada traço do seu rosto delicado que era emoldurado por um cabelo tão dourado quanto ouro, admiti que ela era linda e custei a acreditar que o seu chamado era pra mim. Virei rapidamente pra e como a sua conversa continuava animada eu segui até a tal garota. Ela estava sentada diante de um washboard, então tive que me abaixar pra cumprimentá-la.
- Sou Edina Brazen. – Sorriu decidida, mas delicada.
- Eu sou o... – Quase dizia o meu nome verdadeiro de tanta segurança que ela instantaneamente havia me passado. – Rony. – Consegui me corrigir a tempo.
- Sabe tocar violão? O Billy bebeu demais e estamos desfalcados, isso sempre acontece, então sempre convidamos alguém.
- É você que faz a escolha?
- Geralmente.
- Sempre acerta?
- Sim.
- E em que se baseia? Como você sabe que a pessoa sabe ou não tocar?
- Pelo ritmo das palmas, quem entende de música consegue sentir a vibração silenciosa que ela emite.
A simplicidade do qual Edina disse revelava a paixão que sentia pela música, contudo ela tocava num pub minúsculo, diferente do tamanho do sorriso e satisfação que ela trazia consigo.
- Então, aceita tocar?
- Claro.
- Rony. – Senti o toque de sobre o meu ombro. – Eu estava te chamando, ficou surdo?
me tirou do transe de reflexão no qual me encontrava, perdido nos olhos da garota.
- Desculpa, não ouvi.
Ela provavelmente achou que meu desatento era proveniente da falta de costume de ser chamado por Rony, mas eu sabia que era algo mais, algo que aquela desconhecida havia trazido pra mim.
- Tudo bem. – Me desculpou e se esgueirou pra ver de perto com quem eu estava conversando. – Oi, sou Hermione.
As duas se cumprimentaram com sorrisos largos, mas a sobrancelha de estava erguida, e os olhos cerrados. Ela estava com ciúmes? Quis crer que sim.
- Rony e Hermione, como em Harry Potter. – Edina constatou rindo, mas o seu jeito reservado não a fez sondar mais.
- Trouxe sua bebida. – O tal Hien apareceu com um copo cheio pra , e em um segundo o jogo virou. Pra completar, ele foi até Edina e apertou o seu nariz, a musicista torceu o rosto numa careta, mas logo sorriu. – Então vocês conheceram minha irmãzinha?
- Você só é mais velho por cinco minutos, para de se gabar disso.
Eles eram gêmeos. Só depois do comentário de Edina eu pude notar o quanto ambos eram idênticos, diferentes apenas no corte de cabelo e nos traços mais finos ou mais marcados e só. Mesmo sorriso, mesmas expressões e mesma hospitalidade.
se interessou ainda mais pela história deles e minha curiosidade me fez participar ativamente da conversa sobre a vida dos irmãos Brazen.
Em resumo eles eram de Arklow uma pequena vila do condado de Wicklow, na IrIanda. Hien tinha o sonho de largar a cidade, abrir seu próprio negócio e dar uma vida melhor aos pais e dois irmãos mais novos, Edina sonhava em ter a sua própria banda de folk rock e não conseguia viver longe do irmão, então o seguiu, eles abriram o Brazen Head e assim se estabeleceram na cidade e em suas realizações.
Antes que eles pudessem fazer perguntas sobre eu ou , o violinista anunciou o fim da pausa.
- Vai assumir o seu lugar, Rony. – Edina ordenou em tom brincalhão.
- Já que eles vão tocar, você vai dançar comigo, Hermione. – Imitou a voz imperativa da irmã, e não sei se involuntariamente, me questionou se deveria ir.
- Dança com ele. – Incentivei e ela foi. Hien segurou sua cintura e a rodou, antes mesmo que começássemos.
Entre as notas que eu tirava do violão, e sorrisos, eu mordia o lábio, o mais forte que conseguia. Literalmente, eu estava mordido de ciúmes.
Horas depois nós já tínhamos tocado e dançado mais do que o teor de álcool em nossos corpos permitia.
Quando eu contei a única piada que conhecia, do tal mexicano, e que odiava, Edina gargalhou tanto que seus braços rodearam meu pescoço num abraço mal posicionado, assumiu uma postura ereta e quase magoada, de maneira tão impositiva que foi como se todos ao nosso redor tivessem se calado pra ouvir a tensão que berrava entre nós.
- Vocês formam um belo casal. – disse enfática, como se acreditasse no que dizia.
- Você acha? – Edina colou os nossos rostos pra que análise de pudesse ser mais precisa. Foi então que notei que todos, com exceção de nós, não estavam cientes do frenesi de desgosto.
- Tenho certeza, os filhos seriam lindos, e se tivessem a sua inteligência seriam ainda mais sortudos. – Brincou por cima de sua amargura, reconhecida apenas por mim.
- Já imaginou se forem gêmeos também. – Hien, com mais uma previsão bizarra sobre um futuro improvável, terminou por cravar o punhal que havia apontado pra si.
- É tudo o que mais deseja.
falou o meu nome verdadeiro como prova irrefutável de que era aquilo o que eu queria, e ela não podia me dar.
- Está na hora da gente ir. – Determinei sem me incomodar em estar sendo rude.
- Se acalma Rony. Nós só estávamos brincando.
- Eu sei que sim. – Lancei um sorriso errático, indigno de convencimento, e segurei o antebraço de a obrigando a levantar.
Mais uma dúzia de desculpas e promessas foram ditas antes que pudéssemos de fato deixar aquele pub. O que mais estava me angustiando era a nossa caminhada lenta e pacifica. Tudo o que eu queria era correr, gritar, ou voltar pra esmurrar o primeiro que aparecesse na minha frente, e assim dar vazão a toda aquela angustia e impaciência.
- Eu estava falando sério. – mal havia começado e eu já sentia a irritação me dominar. – Você e Edina combinam em tudo. São músicos apaixonado, são gentis, mas atrevidos, e até riem de péssimas piadas.
Travei o maxilar e enfiei as mãos nos bolsos diante da constatação de , o embate iria começar. Segurei seus ombros, e a fiz parar.
- Isso tudo é ciúme?
- Não, é a verdade, e não sei por que tivemos que vir embora.
Não sabia se era o álcool, a falta de perspectivas de em ter algo comigo no futuro, ou a porra daquele sentimento esmurrando o meu peito, mas eu não senti nenhum receio em dizer a o quanto ela era egoísta. Ao menos naquele instante.
- É sempre isso! Você diz besteiras, sem se incomodar com nada além de você mesma, esperando que alguém apareça pra limpar a sua bagunça!
- Você não apareceu no hospital! – Minha ironia morreu diante da frase simples que ela lançou. De repente as nossas magoas passadas estavam ali nos esmagando. me fez parar e encará-la, queria está atenta a cada expressão minha enquanto eu me justificaria. – Eu passei nove dias internada, e você não apareceu.
- Por que a gente tinha terminado e estava naquela guerra infinita, além do mais me disseram que você estava bem, por que VOCÊ fez todo mundo mentir.
- Admito que eu fui orgulhosa, como nunca havia sido, mas...
- Você fugiu! Me jogou na porra de um buraco negro por anos! Existe covardia, mas existe crueldade!
Sobre as sombras daquela rua mal iluminada, vi através de sua sobrancelha erguida que ela estava tentando descobrir se eu havia surtado. Pela primeira vez, durante toda a viagem, eu suprimi ao máximo a minha falta de paciência e vontade de erguê-la pelos ombros, chocar os nossos corpos até fazê-la sentir todas as vibrações que iriam se apoderar de nós. Eu estava com vontade de toma-la pra mim, até fazer os nossos quadris chacoalharem e sua respiração sumir, enquanto eu devoraria ela e os seus medos, transmitindo tudo o que ela se forçava a não acreditar.
- ... – Tentou falar ainda paciente, como nunca havia sido. Seu tom ameno revelava que pra ela aquela era uma conversa inevitável, mas aprazível, já eu sentia que aquilo era o estopim de uma guerra. E quando uma guerra explode, a verdade é a primeira vítima.
- Vamos embora! – Impaciente, a minha voz saiu como um rosnado. – É isso que você queria desde o começo.
- Você está sendo cruel com você mesmo, agora. – Me instigou e eu explodi.
- FORAM SEIS ANOS, ! SEIS ANOS! POR QUE VOCÊ NUNCA ME DISSE NADA?
O olhar dela era feroz, novamente vivo. O vento balançou os cabelos daquela peruca azul e pareceu um personagem místico, poderoso, como uma feiticeira linda, mas assustadora.
- POR QUE NÃO?! – Perguntei de novo, aflito com aquele silêncio e aquele olhar.
- Por que eu te odiava! Por que eu te culpava por tudo! – Ela não gritou, mas o zumbido que veio após aquela revelação machucou os meus ouvidos, como quando acontecia depois de grandes shows. Ela repetiu baixo que me odiava e o meu coração estava parado. – Você me deu o que eu mais queria, só pra o acaso poder me tomar.
Só percebi que estava sem condições pra responder ao sentir o gosto de sal nos meus lábios. Eu estava me derramando como um bebê, aceitando a humilhação de estar soluçando na frente de , na frente da porra do mundo. Aquele deveria ser o momento certo pra lhe contar tudo, mas o meu choro foi a minha fraqueza, o meu coração sendo, finalmente, rasgado em culpa, em mais um segredo que havia surgido e eu coloquei entre nós dois. Um grito que implorava o perdão de . Então ela me abraçou, e eu tive a minha resposta.
insistiu que queria ir ao último destino de nossa viagem, e também fez questão de dirigir. Eu não me opus. O meu choro havia cessado, mas havia a culpa resignada em ter que esconder de , o que eu não sabia o que poderia lhe causar.
- Eu não te odeio e não te odiava, percebi isso quando voltei pra Londres e te vi chegar à casa de , mas eu só... Pareceu mais fácil fazer tudo aquilo pra minha própria sobrevivência.
Foi a única coisa que ouvi dizer, eu já estava quase dormindo, e nem sei ao certo se aquilo foi um sonho, mas quis crer que não.
Quando acordamos, insisti pra que tomássemos banho no lago, e acabamos passando toda a manhã nele.
Continuamos nossa viagem sem muita pressa, apenas aproveitando a estrada, sem nenhuma cobrança ou uma conversa além da trivial. Nós dois acabamos notamos que tínhamos algo em comum, criar histórias pras pessoas que passavam por nós, ou sobre como era e como viviam as pessoas de determinadas casas que chamavam a atenção, então passamos a fazer isso junto, o que nos rendeu um ótimo e engraçado passatempo.
Sobre Newcastle pairavam enormes nuvens escuras, e uma chuva fina, que mesmo assim não impediam o mormaço e calor. Demos uma volta de carro pela cidade, e sem muito interesse por qualquer coisa, paramos num drive-thru, compramos uma porção absurda e exagerada do que tinha de mais calórico, e comemos dentro do carro, diante de um pequeno parque. Na quinta música de um CD de rap, berrou que estava detestando o som, e me encorajou a conhecer a cidade a pé.
- O que você quer fazer? – Perguntei a em apenas dois minutos de caminhada.
- Achei que você tivesse planejado tudo.
- Eu não... – Antes que pudesse me justificar, viu algo por cima de meu ombro e saiu me puxando pela mão até pararmos em frente a uma academia. – Eu com certeza sei como fazer você se exercitar durante essa viagem, não precisa malhar.
Ela revirou os olhos pra meu comentário malicioso, mas sorriu.
- Você vive dizendo que fazia boxe, eu queria dar uns socos, achei que pudesse ser interessante.
- Está falando sério? – Além da aparência frágil de , imaginá-la com luvas de boxe me parecia irreal.
- Não te trouxe até aqui pra fazer uma brincadeira e perder o meu tempo. – Respondeu birrenta e impaciente me fazendo rir.
- É, acho que você está precisando mesmo descontar essa raiva, antes que sobre pra mim.
Tivemos que esperar durante uns minutos, para que uma aula terminasse e o ringue ficasse livre, apenas para nós dois. Quando se faz uma oferta alta, fica facilmente viável ter uma regalia dessas.
Arrumei as luvas em suas mãos, e começou a se agitar fingindo uma pose de pugilista, cena hilária que levou nós dois aos risos.
- Agora que coloquei as luvas é só dar uns socos nesse seu rosto que vale milhões e eu me sinto mais feliz? – Perguntou e sorriu fofa, como se fosse uma criança arteira.
- Melhor a gente usar esse cara aqui. – Fingi estar com medo e me afastei dela, pegando o boneco de plástico que era usado pra treino. – Esse será o seu maior rival, e você pode até dar um nome pra ele.
pensou por uns instantes e olhou pra mim com sorriso malicioso e a sobrancelha erguida.
- Acho que vai ser .
- Quanto amor. – Fiz uma reverência exagerada. – Fico lisonjeado. – Ri junto com ela.
- É só bater e descontar as frustrações?
- Não... – Me posicionei atrás dela e indiquei como seu corpo deveria ficar, e depois, como se mover a cada golpe. – Aqui não é só bater. – Sussurrei contra a pele de sua nuca e vi seus pelos se arrepiarem. – A luta que acontece aqui no ringue é como um reflexo da luta que acontece em nossos corações. Por isso aqui também é uma forma de arte, e no final todos encontram o seu maior rival, aquilo que se teme, o que nos impossibilita de sermos nós mesmos, então o derrotamos e encontramos a paz. – Ela concordou com um aceno trêmulo. – Derrote seus medos.
Dei minha última dica e me afastei deixando a vontade. Ela ajustou as luvas, arrumou a postura e encarou o boneco, depois fechou os olhos e respirou fundo, provavelmente porque de fato ela estava encarando seu maior rival. O primeiro murro saiu fraco, quase tímido, eu me afastei ainda mais até sair completamente do ringue e dar espaço pra ela. sussurrou alguma coisa e deferiu outro murro, agora com mais força, e então outro e mais outro, até que os golpes ficaram mais rápidos e furiosos.
Alguns fios de cabelo se soltaram e pressionaram o seu rosto, os olhos traziam um vermelho de raiva por tudo o que lhe havia acontecido e lhe tornado. Mais um peso do seu passado ia se desprendendo de suas costas. Então ela caiu no chão, exausta, mas leve.
Newcastle – 26 de agosto de 2016 – 07:37 pm.
Pegamos um quarto de hotel apenas para tomarmos um banho, deixamos o carro estacionado numa das ruas movimentas da cidade, e a pé nós iriamos em busca de um lugar onde pudéssemos encontrar um pouco de diversão, mas surgiu outros planos.
- Vamos ao shopping?
- Shopping? – O programa pareceu ainda mais entediante quando soado em voz alta por mim, mas um sorriso encrustado de malicia surgiu iluminando o rosto de .
- É. Eu me lembrei de um desafio pra você, vi em One Tree Hill e acho que vai ser divertido.
Percorremos várias lojas, e enquanto fazia diversas compras eu tentava parecer entretido, mas na maioria das vezes eu só pensava no quanto eu gostaria de uma bebida. Assim eu acabei esquecendo que alguma coisa da mente maquiavélica de estava por vir.
- Nossa, eu comprei errado. – Me disse parando em frente a primeira loja que tínhamos ido.
- Você demorou quarenta minutos escolhendo, como pode ter comprado errado?
- Esse tom de rosa não realça a minha pele. – Ela mordeu o lábio e um sorriso malvado e contido. – Você vai ter que trocar esse sutiã e essa blusa pra mim.
- Por que eu?
- É o meu desafio. – Ela começou a rir. Eu peguei a sacola de compras e mesmo sem entender o motivo de sua risada, estendi a mão esperando pela nota fiscal, que ela retirou do bolso e me entregou.
- Ok. – Achei bobagem, não tinha nada de desafiante em seguir ordem pra um de seus caprichos. Fiz a minha melhor cara de tédio, mas me impediu de me afastar.
- Pra trocar você precisa estar vestindo elas.
- O que? Você está falando sério? – Ela confirmou energicamente com a cabeça. Estar com uma peruca de cabelos cacheados e tão compridos quanto os de , não pareceu ridículo o bastante pra que já gargalhava pela desgraça que estava por vir.
Tirei a camisa e aceitei o desafio sem mais nenhuma relutância. Eu deveria ficar irritado por estar usando um sutiã rendado, coberto por uma blusa de seda, mas a alegria de era tão contagiante que joguei teatralmente os cabelos para o lado, ergui o rosto e entrei na loja ouvindo sua gargalhada.
Um atendente afetadíssimo veio ao meu encontro com um sorriso simpático.
- Vim fazer uma devolução.
- Tudo bem senhor. – Ele piscou pra mim. – Onde estão as peças?
- Aqui. – Ri forçadamente, e isolando o constrangimento, retirei a blusa e depois o sutiã, dançando como se fizesse um strip-teaser.
O funcionário tentou conter sua risada, mas um garotinho, que acompanhava a sua mãe, riu tanto que fez com que todos ali me notassem e rissem juntos. Isso me incluía.
- Posso saber o motivo da troca? – Perguntou buscando o tom profissional, mas ainda tentando se recompor do acesso de risos.
- Disseram que essa não é a minha cor. – Respondi tirando a franja do rosto, com as pontas dos dedos.
- Definitivamente. – Concordou e providenciou a troca.
Depois de me entregar novas peças e me dizer que se eu fosse um pouco mais másculo iria pedir meu telefone, me despedi dele e saí da loja com as novas roupas na sacola. ria tanto que as lágrimas rolavam de seus olhos.
- Já disse que odeio One Tree Hill?
- Eu com certeza amo ainda mais essa série. – Ela veio até mim e me entregou a camisa, além de me ajudar a vestir. – Foi ótimo te ver assim.
estava leve. Estava alegre e se divertindo sem nenhuma pretensão ou contenção, apenas vivendo cada momento.
Tiramos mais fotos do que a cabine fotográfica permitia, as imagens capturaram as nossas caretas, sorrisos e provocações. Comemos fish and chips, e largou tudo pra dançar música mexicana no meio de um parque, agitando a apresentação de um artista de rua.
Quando passamos por uma cabine telefônica eu entrei, puxei e nos tranquei lá dentro.
- O que você está querendo, ? Isso é algum fetiche sexual? – Zombou.
- Não, é o seu? – Devolvi a pergunta, mas não deixei que respondesse. – Transformaram as cabines telefônicas, grandes ícones britânicos, em uma máquina do futuro. – Me abaixei pra sussurrar em seu ouvido. – Mas é um segredo nosso.
riu e cruzou seus dedos indicadores e depois os beijou, me dando sua confiança.
- Como isso funciona?
- Você disca 2026 e então consegue falar com você mesma no futuro.
- Então faça as honras. – Indicou o aparelho. – Posso ouvir a sua ligação?
- Claro! – Peguei o gancho e disquei os números, depois bati o pé fingindo esperar. – Alô? É o do passado. Ele não está acreditando em mim. – revirou os olhos, mas estava apenas fingindo impaciência com o meu eu no futuro.
- Conte algo que só vocês sabem.
- Sabemos que não devemos nos envolver com Estranhos. – Nós dois gargalhamos. – Ele acredita em mim agora.
- É bem justo.
- Ah não cara, sério? – Bati com a testa no gancho forçando minha lástima. – Você precisa parar de comer porcarias e voltar pra academia, manter esse corpo delícia que estou te dando agora. – Parei como se ouvisse uma resposta no outro lado. – Ok, estamos entendidos. Estou ligando pra te dizer o quanto você está sendo sortudo. Nesses últimos dias está viajando com a garota mais linda que você já viu então você deve querer me matar por ter estragado tudo, e eu apoio sua revolta, cara. Mas saiba que estou te dando uma linda história e te confesso que o tempo jamais passa por ela. Espero que você tenha aprendido que o amor não pode esperar tanto tempo por um beijo. – passou a língua pelos lábios e depois o mordeu. Num gesto tão simples e instigante que eu soube que ela estava concordando comigo. – Até mais, mate. – Então eu desliguei.
- Tenho mesmo que fazer isso?
- Óbvio!
Assim como eu havia feito, encenou fazer a sua ligação.
- Ela não quer me atender.
- Você não vai se safar, .
- Alô. É , sou sua versão mais nova, mas igualmente maravilhosa. – riu como se conversar com ela foi altamente divertido, então cobriu o gancho pra sussurrar pra mim. – Ela me conheceu logo, somos mais espertas que vocês. – Piscou pra mim, antes de voltar pra sua ligação. – Só preciso que você continue se lembrando de se divertir, e se entregar, tente ser destemida, porque algumas coisas se partem pra conseguirem se manter inteiras.
Ela disse tudo isso olhando dentro dos meus olhos, me perfurando o peito. Buscando uma lembrança viva pra relembrar no próprio futuro, sem pedir ou temer, eu me aproximei dela e lhe beijei. Rápido, puro, mas que trouxe uma tensão que tanto eu quanto tentou esconder. Havia amarras soltas, dos dois lados de nossa corda. A suposta cabine para o futuro, havia nos levado para o passado.
Newcastle – 26 de agosto de 2016 – 10:22 pm.
Parecia que todos ali se conheciam, e cada novo cliente era integrado ao grupo como se fosse um amigo de infância. Fizeram o mesmo comigo e . Não perguntaram os nossos nomes ou o que queríamos, só enfiaram em nossas mãos um copo de cerveja stout e nos puxaram pra a confraternização empolgada.
Era como uma enorme roda de dança. Uma pequena banda composta apenas por um cara tocando banjo, outro violino, um mais bêbado comandava o violão, e uma cantora que ainda não havia conseguido enxergar, só ouvir. Os mais atrevidos ou bêbados dançavam, enquanto os mais tímidos batiam palmas e cantavam incentivos.
Um homem se aproximou de e eles conversaram ao pé do ouvido por alguns minutos, até que ela nos apresentou.
Pra o tal Hien eu era Rony, o irlandês tinha um sotaque carregado como o olhar malicioso que ele lançava pra Hermione, ou a "minha" .
A conversa passou a ser mais algo dos dois e logo eu fui deixado de lado, totalmente desfalcado eu comecei a observar cada um ali, fazendo análises bizarras, mas que iriam me distrair do ciúme que estava incomodando mais do que deveria. Meus olhos então caíram sobre uma garota, primeiro eu vi a sua mão acenando e convidando, depois os seus olhos azuis, cada traço do seu rosto delicado que era emoldurado por um cabelo tão dourado quanto ouro, admiti que ela era linda e custei a acreditar que o seu chamado era pra mim. Virei rapidamente pra e como a sua conversa continuava animada eu segui até a tal garota. Ela estava sentada diante de um washboard, então tive que me abaixar pra cumprimentá-la.
- Sou Edina Brazen. – Sorriu decidida, mas delicada.
- Eu sou o... – Quase dizia o meu nome verdadeiro de tanta segurança que ela instantaneamente havia me passado. – Rony. – Consegui me corrigir a tempo.
- Sabe tocar violão? O Billy bebeu demais e estamos desfalcados, isso sempre acontece, então sempre convidamos alguém.
- É você que faz a escolha?
- Geralmente.
- Sempre acerta?
- Sim.
- E em que se baseia? Como você sabe que a pessoa sabe ou não tocar?
- Pelo ritmo das palmas, quem entende de música consegue sentir a vibração silenciosa que ela emite.
A simplicidade do qual Edina disse revelava a paixão que sentia pela música, contudo ela tocava num pub minúsculo, diferente do tamanho do sorriso e satisfação que ela trazia consigo.
- Então, aceita tocar?
- Claro.
- Rony. – Senti o toque de sobre o meu ombro. – Eu estava te chamando, ficou surdo?
me tirou do transe de reflexão no qual me encontrava, perdido nos olhos da garota.
- Desculpa, não ouvi.
Ela provavelmente achou que meu desatento era proveniente da falta de costume de ser chamado por Rony, mas eu sabia que era algo mais, algo que aquela desconhecida havia trazido pra mim.
- Tudo bem. – Me desculpou e se esgueirou pra ver de perto com quem eu estava conversando. – Oi, sou Hermione.
As duas se cumprimentaram com sorrisos largos, mas a sobrancelha de estava erguida, e os olhos cerrados. Ela estava com ciúmes? Quis crer que sim.
- Rony e Hermione, como em Harry Potter. – Edina constatou rindo, mas o seu jeito reservado não a fez sondar mais.
- Trouxe sua bebida. – O tal Hien apareceu com um copo cheio pra , e em um segundo o jogo virou. Pra completar, ele foi até Edina e apertou o seu nariz, a musicista torceu o rosto numa careta, mas logo sorriu. – Então vocês conheceram minha irmãzinha?
- Você só é mais velho por cinco minutos, para de se gabar disso.
Eles eram gêmeos. Só depois do comentário de Edina eu pude notar o quanto ambos eram idênticos, diferentes apenas no corte de cabelo e nos traços mais finos ou mais marcados e só. Mesmo sorriso, mesmas expressões e mesma hospitalidade.
se interessou ainda mais pela história deles e minha curiosidade me fez participar ativamente da conversa sobre a vida dos irmãos Brazen.
Em resumo eles eram de Arklow uma pequena vila do condado de Wicklow, na IrIanda. Hien tinha o sonho de largar a cidade, abrir seu próprio negócio e dar uma vida melhor aos pais e dois irmãos mais novos, Edina sonhava em ter a sua própria banda de folk rock e não conseguia viver longe do irmão, então o seguiu, eles abriram o Brazen Head e assim se estabeleceram na cidade e em suas realizações.
Antes que eles pudessem fazer perguntas sobre eu ou , o violinista anunciou o fim da pausa.
- Vai assumir o seu lugar, Rony. – Edina ordenou em tom brincalhão.
- Já que eles vão tocar, você vai dançar comigo, Hermione. – Imitou a voz imperativa da irmã, e não sei se involuntariamente, me questionou se deveria ir.
- Dança com ele. – Incentivei e ela foi. Hien segurou sua cintura e a rodou, antes mesmo que começássemos.
Entre as notas que eu tirava do violão, e sorrisos, eu mordia o lábio, o mais forte que conseguia. Literalmente, eu estava mordido de ciúmes.
Horas depois nós já tínhamos tocado e dançado mais do que o teor de álcool em nossos corpos permitia.
Quando eu contei a única piada que conhecia, do tal mexicano, e que odiava, Edina gargalhou tanto que seus braços rodearam meu pescoço num abraço mal posicionado, assumiu uma postura ereta e quase magoada, de maneira tão impositiva que foi como se todos ao nosso redor tivessem se calado pra ouvir a tensão que berrava entre nós.
- Vocês formam um belo casal. – disse enfática, como se acreditasse no que dizia.
- Você acha? – Edina colou os nossos rostos pra que análise de pudesse ser mais precisa. Foi então que notei que todos, com exceção de nós, não estavam cientes do frenesi de desgosto.
- Tenho certeza, os filhos seriam lindos, e se tivessem a sua inteligência seriam ainda mais sortudos. – Brincou por cima de sua amargura, reconhecida apenas por mim.
- Já imaginou se forem gêmeos também. – Hien, com mais uma previsão bizarra sobre um futuro improvável, terminou por cravar o punhal que havia apontado pra si.
- É tudo o que mais deseja.
falou o meu nome verdadeiro como prova irrefutável de que era aquilo o que eu queria, e ela não podia me dar.
- Está na hora da gente ir. – Determinei sem me incomodar em estar sendo rude.
- Se acalma Rony. Nós só estávamos brincando.
- Eu sei que sim. – Lancei um sorriso errático, indigno de convencimento, e segurei o antebraço de a obrigando a levantar.
Mais uma dúzia de desculpas e promessas foram ditas antes que pudéssemos de fato deixar aquele pub. O que mais estava me angustiando era a nossa caminhada lenta e pacifica. Tudo o que eu queria era correr, gritar, ou voltar pra esmurrar o primeiro que aparecesse na minha frente, e assim dar vazão a toda aquela angustia e impaciência.
- Eu estava falando sério. – mal havia começado e eu já sentia a irritação me dominar. – Você e Edina combinam em tudo. São músicos apaixonado, são gentis, mas atrevidos, e até riem de péssimas piadas.
Travei o maxilar e enfiei as mãos nos bolsos diante da constatação de , o embate iria começar. Segurei seus ombros, e a fiz parar.
- Isso tudo é ciúme?
- Não, é a verdade, e não sei por que tivemos que vir embora.
Não sabia se era o álcool, a falta de perspectivas de em ter algo comigo no futuro, ou a porra daquele sentimento esmurrando o meu peito, mas eu não senti nenhum receio em dizer a o quanto ela era egoísta. Ao menos naquele instante.
- É sempre isso! Você diz besteiras, sem se incomodar com nada além de você mesma, esperando que alguém apareça pra limpar a sua bagunça!
- Você não apareceu no hospital! – Minha ironia morreu diante da frase simples que ela lançou. De repente as nossas magoas passadas estavam ali nos esmagando. me fez parar e encará-la, queria está atenta a cada expressão minha enquanto eu me justificaria. – Eu passei nove dias internada, e você não apareceu.
- Por que a gente tinha terminado e estava naquela guerra infinita, além do mais me disseram que você estava bem, por que VOCÊ fez todo mundo mentir.
- Admito que eu fui orgulhosa, como nunca havia sido, mas...
- Você fugiu! Me jogou na porra de um buraco negro por anos! Existe covardia, mas existe crueldade!
Sobre as sombras daquela rua mal iluminada, vi através de sua sobrancelha erguida que ela estava tentando descobrir se eu havia surtado. Pela primeira vez, durante toda a viagem, eu suprimi ao máximo a minha falta de paciência e vontade de erguê-la pelos ombros, chocar os nossos corpos até fazê-la sentir todas as vibrações que iriam se apoderar de nós. Eu estava com vontade de toma-la pra mim, até fazer os nossos quadris chacoalharem e sua respiração sumir, enquanto eu devoraria ela e os seus medos, transmitindo tudo o que ela se forçava a não acreditar.
- ... – Tentou falar ainda paciente, como nunca havia sido. Seu tom ameno revelava que pra ela aquela era uma conversa inevitável, mas aprazível, já eu sentia que aquilo era o estopim de uma guerra. E quando uma guerra explode, a verdade é a primeira vítima.
- Vamos embora! – Impaciente, a minha voz saiu como um rosnado. – É isso que você queria desde o começo.
- Você está sendo cruel com você mesmo, agora. – Me instigou e eu explodi.
- FORAM SEIS ANOS, ! SEIS ANOS! POR QUE VOCÊ NUNCA ME DISSE NADA?
O olhar dela era feroz, novamente vivo. O vento balançou os cabelos daquela peruca azul e pareceu um personagem místico, poderoso, como uma feiticeira linda, mas assustadora.
- POR QUE NÃO?! – Perguntei de novo, aflito com aquele silêncio e aquele olhar.
- Por que eu te odiava! Por que eu te culpava por tudo! – Ela não gritou, mas o zumbido que veio após aquela revelação machucou os meus ouvidos, como quando acontecia depois de grandes shows. Ela repetiu baixo que me odiava e o meu coração estava parado. – Você me deu o que eu mais queria, só pra o acaso poder me tomar.
Só percebi que estava sem condições pra responder ao sentir o gosto de sal nos meus lábios. Eu estava me derramando como um bebê, aceitando a humilhação de estar soluçando na frente de , na frente da porra do mundo. Aquele deveria ser o momento certo pra lhe contar tudo, mas o meu choro foi a minha fraqueza, o meu coração sendo, finalmente, rasgado em culpa, em mais um segredo que havia surgido e eu coloquei entre nós dois. Um grito que implorava o perdão de . Então ela me abraçou, e eu tive a minha resposta.
insistiu que queria ir ao último destino de nossa viagem, e também fez questão de dirigir. Eu não me opus. O meu choro havia cessado, mas havia a culpa resignada em ter que esconder de , o que eu não sabia o que poderia lhe causar.
- Eu não te odeio e não te odiava, percebi isso quando voltei pra Londres e te vi chegar à casa de , mas eu só... Pareceu mais fácil fazer tudo aquilo pra minha própria sobrevivência.
Foi a única coisa que ouvi dizer, eu já estava quase dormindo, e nem sei ao certo se aquilo foi um sonho, mas quis crer que não.
Capítulo 20 - Dia VII
Cambridge – 27 de agosto de 2016 – 07:21 pm.
Cambridge é conhecida como a cidade das bicicletas, e logo nós alugamos duas, e assim iniciamos o nosso passeio. A brisa fresca amenizava o calor, e balançava os cabelos da peruca colorida que usava. Às vezes ela fechava os olhos, enquanto olhava pra o céu, e absorvia os raios solares e a liberdade adquirida em cada lugar. Eu a observava e me sentia mais aliviado, mais motivado com o futuro. A noite anterior estava viva em nós dois, e havia sido tão necessária que nos trouxe um reconforto e coragem, pra mais uma entrega ao vazio.
Paramos as margens do rio e eu disse a que passearíamos de punting, nas gôndolas de Cambrigde, mesmo zoando o passeio, dizendo que aquilo era irritantemente romântico, ela não escondeu a animação.
- Você não deveria ter dispensado o chauffeur. – disse quando eu me desequilibrei e a pequena embarcação pendeu de um lado pra outro.
- Está de brincadeira? Não precisamos de um, eu sou muito bom nisso. – Fiz uma pose ainda mais exagerada de marujo, vendo erguer a sobrancelha pra minha autoconfiança.
Eu estava no meio da gondola, segurando o enorme remo, até então tudo estava indo bem, estava conseguindo fazer o treco flutuar pelo rio, e no nosso passeio já tínhamos visto a maioria Universidade de Cambridge por dentro, com seus prédios históricos e belos jardins.
Eu e nos permitimos fingir que éramos estudantes, e imaginar a nossa vida de um jeito completamente diferente do que o que foi.
- Você acha que iria se dar bem na universidade? – Perguntei a , assim que passamos pela famosa Mathematical Bridge.
- Provavelmente eu seria expulsa por ter organizado alguma festa fora de controle. – Riu e me devolveu a pergunta.
- Eu acho que não me divertiria ou aprenderia tanto, quanto ter estado na estrada com a banda.
- Com certeza, você seria ainda mais chato.
- Não sou eu quem tem medo do Barney.
- Foi algo que eu não consegui superar, ok? – Eu dei de ombros, e meu olhar dizia o quanto a sua justificativa era insuficiente.
- Trouxe algo que pode te ajudar com o trauma.
- E o que é?
- Fecha os olhos.
- Não sei se devo confiar um trauma de infância a você.
- Para de ser ainda mais boba e fecha os olhos. – Resignada ela me obedeceu. Eu já havia começado a rir antes mesmo de tirar a máscara do Barney da mochila e colocar. – Pode abrir.
Quando me viu com aquele treco na cabeça, suas mãos tremeram e aquele espaço pequeno entre nós dois se tornou uma emboscada perfeita. Eu não satisfeito em ver o seu desespero, ainda comecei a cantar a música do personagem que tanto temia.
- Tira isso agora, !
Ela gritou e pulou em minha direção fazendo a embarcação tremer, enquanto eu ria feito louco frente ao histerismo dela. Tentei me afastar pra ela não pegar a máscara e continuei cantando a música. O barco ia de um lado pra o outro, então recebi mais um empurrão de , escorreguei, e nem o remo ajudou com o desequilíbrio. Meu corpo caiu na água fazendo o maior barulho. Quando eu emergi, a máscara já não estava mais me sufocando, e não só ria da minha situação, mas as pessoas ao redor também.
- Ah Babe, isso vai ter volta. – Disse com a voz tão maldosa quanto minhas intenções, e me aproximei do barquinho.
Os olhos de ficaram assustados e seu riso agora era de pânico.
- Não , por favor. – Tentou um sorriso. – Por favorzinho?
Antes que ela pudesse tentar fugir eu puxei a sua mão e a fiz cair na água ao meu lado. Seus gritos agudos continham ameaças de morte, sopradas em meio a nossa crise interminável de risos.
Terminamos o passeio molhados e rindo mais do que o nosso sistema aguentava. O sol já estava quase indo embora, e as roupas ainda úmidas não incomodavam nenhum de nós.
- Nós não viemos a Cambridge a toa.
- Não? – Ela ergueu a sobrancelha e me deu um sorriso enviesado e cheio de expectativas.
- Não. – Sorri. – Vamos, você verá.
reclamou do meu mistério, mas foi rindo e segurando a minha mão, pelas três quadras a frente. Viramos numa pequena, estreita e deserta rua, até pararmos no nosso destino.
- É agora que você me diz que me trouxe até aqui pra me matar? – A pergunta de foi divertida, mas seus olhos estavam assustados diante da enorme construção de tijolos, com apenas duas grandes portas de ferro. – Não quero entrar nesse galpão abandonado.
- Isso não é um galpão. – Ri. – Mas é bom saber que você tem a mente aberta sobre as maneiras que eu poderia te matar.
Gargalhei ainda mais, quando ela mordeu meu braço. Enquanto eu procurava a chave certa, em meio a dezenas, ouvia o solado do tênis de baterem incessantemente contra o paralelepípedo.
- Pode parar com isso? – Pedi.
- Me dá uma dica do que terá aí. – Antes que eu pudesse negar mais uma vez, ela se apressou com a lamúria. – Por favorzinho?
- Envolve a sua lista de desejos.
- Eu tenho uma?
- Você pode não lembrar, mas você vivia listando ela pra mim.
- Sério? – Rolei os olhos.
- A idade chega mesmo pra todo mundo.
- Quer levar outra mordida? – Ameaçou.
- Talvez mais tarde. – Deixei a malícia explícita, mas apenas riu em deboche. A chave foi encontrada, levantei a porta e esperei que ela passasse.
Enquanto eu nos trancava ali, se aproximou de mim, segurando firme o meu antebraço, provavelmente com receio do escuro que nos cercou. Se manteve assim, indo comigo até o enorme interruptor que havia ao lado, esperando que eu ascendesse a luz. A claridade incomodou nossos olhos até nos acostumarmos. Quando notou que apenas um corredor de tijolos vermelhos nos cercava, ela ficou literalmente perdida, tendo que me apressar na explicação.
- Na sua lista tinha aprender a dirigir, isso já realizei anos atrás. Posso muito bem te dar um milhão de libras.
- Exibido.
- Casar em Vegas, você realizou sozinha.
- Supere. – Nós rimos.
- Sobra um desejo. – Eu havia excluído o seu principal sonho, e pelo clima descontraído que fluía ainda mais entre nós, eu sabia que também não estava relacionando nosso passeio a nada sério, ou nefasto.
pensou por uns três segundos, então sua expressão se tornou lívida e excitante. A boca se abriu num O perfeito, e ela começou a pular, agitando as mãos.
- Esse lugar é mesmo o que estou pensando? – Mordi o meu sorriso, confirmando.
- Confesso que pra isso eu tive que abusar dos privilégios de ser .
- Vamos logo então! – Vibrou como uma criancinha e puxou minha mão, como se soubesse exatamente o trajeto. Depois de subir uma pequena escada, estávamos oficialmente numa loja de departamentos vazia. não me esperou, e simplesmente correu com os braços abertos, como se aquele fosse seu paraíso.
- Quer uma carona? – Peguei um carrinho de compras e tratou logo de subir.
- Leve-me para a sessão de doces, Escravo.
- Como quiser. – Me abaixei pra sussurra em seu ouvido. – Segure-se, milady.
Dado o aviso eu corri empurrando o carrinho, tão rápido que por vezes ele parecia que ia virar então eu ouvia os gritos histéricos, gargalhadas e falsas ameaças de .
Pegamos das prateleiras um pouco de tudo, se afundou num saco de M&M's, dando inicio ao que ela chamou de overdose de açúcar, eu comia ruffles enquanto dirigia o carrinho por entre as sessões.
- A gente pode fazer mesmo o que quiser aqui?
- Calma, , têm câmeras espalhadas, não podemos fazer sexo. – Ela revirou os olhos, mas depois riu.
- É só fazer uma cabana em uma das camas. – Apontou pra os móveis que serviam de mostruários, como se fosse óbvio.
- Você é um gênio! Deixa comigo que sua cabana será montada. – Ela se virou pra me lançar um olhar inquisitivo. – Não que vá ter sexo, é só que... É...
Sua gargalhada me impediu de continuar com a gagueira, mas não de me sentir envergonhado por ter agido como a porra de um garoto virgem.
Agradeci pela sessão de brinquedos ter sido a próxima, e eu ter encontrado um jeito de mudar de assunto, acabando com os seus risinhos provocantes.
- O aniversário da Jazzy será daqui a dois dias, me ajuda a escolher um presente?
- Claro, acho que ela está querendo um hoverboard, mas o já comprou. Então... – Ela parou pensando um pouco e olhando as opções das prateleiras. – Ali. – Apontou e como um fiel servo eu conduzi o carrinho até lá.
Ela desceu, e depois de se esticar um pouco, pegou uma caixa e analisou rapidamente, antes de me entregar.
- Esse é um livro de princesas, mas que vem com um tutorial incrível de modelagem, ela até pode costurar roupas com a máquina de costura que aquela sua ex nojenta deu a ela de presente no natal.
- Você fica linda com ciúmes. – Lhe abracei por trás, e ela não fez questão de negar.
- Achei mesmo que vocês iriam casar. – A confissão trazia um gosto amargo, principalmente pelo filho que poderia mesmo ter sido gerado naquele relacionamento, mas escondido por seu riso indiferente.
- Não podia casar com ela. – Beijei seu ombro. – Ela não era você.
- Suas cantadas são muito baratas. – Se virou rindo e bateu de leve no meu peito.
- Você gosta de mim assim.
- Iludido.
- Realista. – Revirou os olhos e depois colocou a caixa no carrinho. – Você já comprou o presente dela?
- Não, eu sempre lhe dou um cheque, e ela decide o que fazer com o dinheiro.
- De onde surgiu essa tradição, afinal?
- Você sabe que eu não voltava pra Londres, principalmente pra o aniversário dela... De vocês. – Se corrigiu. – Então e eu fazíamos alguma coisa pra ela, assim que ela chegava em Nova York, não importava quanto tempo depois do aniversário tinha se passado. – Respirou fundo e encarou o teto, antes de prosseguir. – No quarto ano, eu estava atolada de trabalho, dor e o que fosse, mas bastou apenas um olhar de Jazmyn pra que ela me compreendesse. Ela entendeu meu relapso com sua festa, com seu presente, e o meu mau humor. Uma criança tão pequena, mas tão compreensiva e autossuficiente, mergulhou na minha bagunça e me trouxe ar. – Sorriu mesmo me contando uma lembrança que parecia ser dolorosa. – Ela só tinha algumas horas na cidade, então eu lhe entreguei um cheque e a levei numa loja de brinquedos, e quando ela percebeu que aquele pedaço de papel lhe dava o direito de comprar o que bem quisesse, ela disse que aquele tinha sido o melhor presente que já havia recebido.
- Você é uma ótima Madrinha, e assim fica difícil competir com você. – sorriu ainda mais e me abraçou passando o nariz pelo meu pescoço.
- Cala a boca, você faz sempre um bom trabalho.
O resto da noite passou rápido, com nós dois agindo como duas crianças. Fizemos corrida de patins, bicicleta, quem vestia mais peças de roupa em dois minutos, até brincamos de esconde-esconde. Foi uma bagunça boa e necessária. havia ficado na sessão de produtos de cosméticos, e depois eu não a vi mais.
Ao invés de procurá-la, eu aproveitei pra arrumar o local onde iríamos dormir. Estiquei os lençóis sobre a cama, que julguei mais confortável, e o lugar ficou exatamente como as cabanas que costumava fazer com a minha irmã, quando era pequeno. Depois, peguei duas cervejas e saí em busca de .
Só depois de ter certeza de que não estava dentro daquela loja, que eu pude perceber que havia uma pequena porta próxima aos banheiros, estava aberta e a luz da lua invadia o lugar. Fui até lá, e depois de subi as escadas, cheguei ao terraço da loja, e encontrei sentada, contemplando a lua beijando o rio.
- Improvisei uma cama, se estiver cansada pode ir dormir. – Me sentei ao seu lado, lhe entreguei uma cerveja, e mesmo agradecendo, ela foi incapaz de tirar seus olhos da paisagem a sua frente. – Nossa última noite, e então sua tortura terá fim, vamos fazer um brinde. – Brinquei e ergui minha garrafa na direção dela, finalmente ela me olhou, enquanto o tilintar do vidro se sobressaía ao silêncio, enxerguei apenas a sua insatisfação.
- Estou com medo de encarar a realidade, . – Revelou num único fôlego. – Por mais terrível que eu tenha feito isso parecer, estar dentro de um carro viajando, e com você, me parecia o lugar mais seguro do mundo.
- Não existe mágica em viajar. Existe em viver.
- Seria esquisito eu admitir que ainda sinta um nó me prendendo ao passado? – Foi a minha vez de encarar um ponto insignificante a minha frente, só pra não ter que olhar pra ela. Um suor gélido escorreu pela minha espinha, sabia que deveria contar minha suspeita, não era justo, muito menos compreensível, que mais um segredo estivesse entre nós. – Estúpido, eu sei.
negou com a cabeça, achando que a minha reação surgiu ao seu comentário.
- Não é estúpido, talvez o seu instinto esteja correto.
- O que você quer dizer com isso, ? – segurou o meu queixo, e analisou meu rosto. – Tem a ver com aquele pesadelo, não é? Você mudou desde então.
- Não foi um pesadelo, foi uma lembrança.
- Que lembrança? – Ela estava mais curiosa, do que chateada por minha mentira, mas me lançou um olhar de incentivo, era mais como uma ameaça pra que eu acabasse logo com todo o suspense desnecessário.
- No dia do lançamento do álbum, me mandou a foto de uma boneca, não entendi nada, mas agora faz todo o sentindo.
Antes de processar o que eu disse as lágrimas já escorriam pelo seu rosto.
- Não era ele. Era uma menina, . – Sua respiração parou. – E eu sinto muito, acho que nada do que eu faça irá reparar a minha ausência num momento tão difícil pra você.
Através de seus longos cílios e seus olhos que adotaram um preto cintilante pelas lágrimas, eu assisti um filme passar, feliz, rápido e com final doloroso. Tudo havia tomado forma em nossa imaginação. A imagem de como aquela garotinha seria, sua personalidade, seu primeiro dia na escola, o susto do primeiro amor, os conflitos de adolescentes, as conquistas de adulto. Tudo que havia sido tirado de , e de mim.
O choque pareceu acordar algo dentro dela, o corpo tremeu implorando por uma libertação que veio com uma enxurrada de lágrimas.
Eu a abracei com cuidado e só ao apertá-la percebi que também chorava.
- Eu não consigo imaginar a dor que você sente, mas acredite que eu também estou sofrendo, também estou sendo perseguido por diversas memórias do que poderia ter sido, do que poderia ter existido, mas Estranha... – Segurei seu rosto e a encarei, não com pena, mas com compreensão, desejando dividir aqueles sentimentos por dois. – Não há respostas, justificativas ou morte. Há apenas vida.
me abraçou forte e nos mantemos assim, chorando a nossa perda, doando força e vida um para o outro.
Aos poucos nós dois nos acalmamos, como se nossa dor tivesse virado um combustível.
- Era uma menina. – Um esboço de um sorriso surgiu em seus lábios, ao dizer aquilo para o mundo. – Acredita que imaginei até ela indo pra faculdade?
- Eu iria morrer de ciúmes. – Nossa risada aumentou, se misturando ao nosso choro.
- Você seria ainda mais chato.
recostou a cabeça em meu ombro e mais um silêncio contemplativo apareceu. O silêncio da vida que não tivemos, mas que eu ainda desejava ter.
- Sei que agora, com uma perspectiva mais real do que poderia ter sido, as coisas fiquem mais dolorosas. – Ela negou energicamente com a cabeça e voltou seus olhos pra mim. Estavam ainda mais brilhantes.
- É mais fácil pra deixar pra trás. Deixá-la ir.
A abracei de novo, e deixei minha mente vagar pelos sonhos e desejos não mais escondidos.
Levantei e estendi minha mão pra ela, um pedido silencioso, não apenas pra ela voltar pra loja, mas pra voltar pra mim. Ela entendeu, porém não aceitou a minha oferta. Seus olhos voltaram para a vista a nossa frente, deixei minha mão estendida por mais um minuto, e então desisti. Me virei, e desci um degrau. Frustração me dominou. Desci o segundo. Com total falta de esperança...
- Estranho.
Não foi seu chamado soprado doce e calmo, foi aquele apelido. Instantaneamente tudo voltou. Um soco de perspectiva me fez virar abobalhado. Encontrei no topo da escada. Nessa posição ficamos da mesma altura, olhos intensamente conectados que não seriam desviados nem se houvesse uma força sobrenatural.
- O que você me disse em Stratford, era verdade? Você ainda me ama? Depois de tudo você ainda consegue me amar? – Perguntou e mordeu o lábio inferior apreensiva. Ela estava nervosa então não demorei a responder, a fim de acabar com a sua agonia.
- Não. Depois de tudo eu te amo ainda mais.
Ela soltou o ar e minha respiração vacilou miseravelmente quando a mão dela tocou o meu rosto. Não havia mais nada além do fogo que saia e me queimava. não enxergava mais dor ao me encarar, ela finalmente estava conseguindo ver o amor que inteiramente esperou e ansiou por ela.
Seus dedos correram pelo meu maxilar, arrumaram a minha sobrancelha e acariciaram os meus lábios se demorando um pouco mais, antes que os seus o fizessem. Nosso beijo foi tão puro e delicado, doce como no fundo ela era, precisei segura-la em meus braços, pra acreditar que tudo de fato era real. E foi.
A alcancei no degrau e a pressionei na parede, separei levemente nossos lábios dando-lhe um sorriso de canto ainda com os olhos fechados e eu sentia que ela estava fazendo o mesmo.
- Estranha. – Sussurrei e voltei a beijá-la pressionando-a ainda mais e tomando a decisão de tê-la em meus braços, como se fosse a primeira vez, com uma delicadeza quebrada pela urgência.
Desejo.
Seus lábios soltaram minha boca e foram para o meu pescoço dando mordidas suaves e me fazendo arrepiar de um jeito gostoso, apertei levemente sua cintura em um ato involuntário soltando um gemido baixo em seu ouvido a fim de provocá-la ainda mais, suas mãos foram para a barra da minha camisa puxando devagar dedilhando cada parte do meu corpo até chegar ao meu peito, espalmou suas mãos ali, antes de arrastar suas unhas.
Puxei-a para outro beijo, escorregando as mãos que estavam em sua cintura apertando sua bunda de forma agressiva, gemeu em minha boca, não sei se pelo toque possessivo ou por me sentir tão duro contra ela.
Calor.
Uma de suas pernas foi de encontro ao meu quadril, e o leve roçar de nossas pélvis nos deixou entorpecidos. Levei minhas mãos até as suas pernas e a suspendi, enquanto nos beijávamos nos guiei cego para dentro da loja. Desgrudei nossos lábios com o impacto de forçá-la junto a mim, mordi meu lábio com força e abri os olhos encarando-a. Os olhos de estavam devidamente cerrados pra mim com desejo, sua respiração acelerada, as mãos inquietas em meus ombros, apertando-os e puxando minha camisa, finalmente retirando com a pressa que o momento incitava, então sorriu satisfeita.
Lambi os seus lábios e mordi levemente, direcionando a carícia para seu pescoço, passei as mãos pelas alças de sua blusa e elas escorregaram por seus ombros, uma de cada vez, sendo acompanhados pelos meus olhos ansiosos.
Ela gemeu, assim que passei a língua pelo vale entre seus seios e soltei a única peça que estava cobrindo o que eu queria apreciar. Perfeitos. Contemplei os poucos segundos que pude, antes de sentir a urgência em seu toque, me puxando para outro beijo. Calmo e ao mesmo tempo louco, necessitado e significativo. Eu era dela, totalmente.
O desejo estava subindo acelerado demais, forte demais numa dose incontrolável, a desci levemente do meu colo e me afastei, um pouco, estudando a parte descoberta do seu corpo gravando todos os detalhes, balancei a cabeça e me aproximei rápido grudando meus lábios nos seus e retirando o pouco de roupa que ainda restava nela. Quando a peguei em meus braços no melhor estilo noivos na noite de núpcias, nós rimos, e seguimos trocando carícias e provocações até chegarmos à cama.
Seu corpo nu caiu sobre os lençóis tão negros quanto os seus olhos, e não havia nada, nada mais lindo no mundo.
Beijei seu queixo, pescoço, coração, e antes de me deliciar com seus seios, beijei os três sinais que havia abaixo do direito, e que eu tanto amava, mas foi no seio que cobria seu coração que eu mais me demorei, o esquerdo tinha o gosto ainda mais doce, acompanhado pela batida frenética que saia dali.
Fiz o caminho inverso até chegar as suas pálpebras, firmemente fechadas.
- Olha pra mim. – atendeu o meu pedido com muito custo. – Eu te amo.
Colhi com meu beijo, a lágrima que escorreu pelo sorriso dela. Lhe beijei sem esperar uma resposta, ali comigo era a própria reciprocidade do meu amor. Nós iríamos fazer amor, como nunca antes, e como se não houvesse vida lá fora. Só nós dois. Dois estranhos.
Beijei a ponta do seu nariz e os cantos de sua boca chupando seu lábio inferior e arrastando meus dentes sobre o mesmo levando-me a fazer um caminho por seu queixo, pescoço e colo. Seu gemido saia baixo e sôfrego, mas eu não tinha pressa, mordi e chupei cada parte do seu corpo, fazendo um caminho molhado até sua intimidade e arrastei a língua uma única vez da forma mais lenta que consegui, repeti uma, duas, três e a cada vez era um gemido diferente.
Intenso. Forte. Alto. Era um pedido por mais.
Tirei o resto de minhas roupas, forcei suas pernas as abrindo um pouco mais e chupei todo seu gosto doce mordendo sua coxa em seguida, antes de voltar à atenção em seus olhos escuros brilhando em excitação e sua boca levemente inchada.
- Eu quero você! – Sussurrei à medida que colocava meu corpo sobre o seu, ela cruzou suas pernas em meu quadril me forçando abaixar e roçar em sua intimidade, gemi fechando um poucos olhos tentando manter o foco. – Quero fazer amor com você, ! – Afirmei mais pra mim do que pra ela e a forcei me olhar enquanto lentamente entrava em sua intimidade, seu corpo, sua vida.
Todo meu corpo arrepiou e eu não me lembrava de ter prendido a respiração, até soltar o ar e me movimentar sentindo cada centímetro seu, tão quente, tão minha. A massageei por dentro, aproveitando a sensação de controle que eu ainda tinha, senti suas mãos em todas as partes do meu corpo, me apertando e certificando-se que eu era real, tocou meu rosto o segurando com força.
- Me beija! – Pediu direta e exigente, atendi seu pedido e comecei um movimento de vai e vem preciso, devagar e forte, muito forte. Nossos gemidos estavam misturados e altos, estava cada vez mais perdida em seus pedidos, ela queria tudo de mim e eu daria, com prazer.
- Shhh... – Convoquei seu silêncio e ela me atendeu, me sentindo entrar e sair quase por inteiro e devagar, para depois investir forte, e ouvir seu uivo. Aumentei a velocidade aos poucos até perder o controle e estocar de forma bruta e rápida, descontrolado ao ouvi-la pedindo mais, gemendo o meu nome. Suas unhas estavam cravadas em minhas costas, marcando-me todo e isso me excitava ainda mais.
- ... – Ela gemeu e se estremeceu embaixo de mim, ela ia gozar a qualquer momento e isso não estava longe de acontecer pra mim também, chupei seus lábios e encostei nossas testas enquanto estocava firme, três vezes, e a senti gozando, acompanhando em seguida e dando tudo de mim para dentro dela.
- Amo você! – Falamos praticamente juntos e ela me olhou satisfeita, se sentindo amada assim como eu me sentia.
Tive que ficar alguns minutos, apenas segurando os nossos corpos esgotados, e sem forças pra me mover, eu continuei dentro dela, ali era meu lugar afinal de contas. Quando eu deitei ao seu lado nosso abraço pareceu o mundo. Ela dormiu ali, enquanto eu afagava os seus cabelos. Eu tinha viajado em tudo. Em seu olhar, no amor, principalmente nos segredos dela, que agora eram meus também. Nossos. Era improvável saber se todos aqueles dias e experiências haviam surtido mesmo algum efeito positivo em , mas em mim com certeza sim.
POV .
Cambridge – 28 de agosto de 2016 – 07:17 am.
- ? ?! – havia acordado e em seu tom de voz o desespero era notório por não ter me encontrado ao seu lado.
Eu continuei parada, olhando minha própria imagem no espelho e me reconhecendo, cada traço marcado por um passado de dor que estava ajudando a amenizar.
- ?!!! – Continuei ouvindo os seus chamados, mas continuei sem coragem pra responder, eu tinha voltado a sentir, e naquele momento a vergonha me dominava, medo do que estava por vir, e uma imensa gratidão. – Aí, está você! Quer me matar de susto?!
Os olhos de pareceram perfurar os meus através do espelho, e como sempre ele conseguiu ler minha expressão, e imediatamente sentou atrás de mim e me puxou pra o seu colo. Instantaneamente eu aceitei o seu abraço e me confortei em seu calor e proteção.
- Desculpe.
- O que aconteceu? Eu achei que depois de ontem... – Interrompi o seu discurso embargado de receios com um beijo cálido e breve.
- Eu quero ficar com você. – Passei meus dedos por seu rosto, agora aliviado. – Eu quero ficar com você pra sempre, por que eu estou e sempre fui apaixonada por você, e sei que isso só vai aumentar, mas...
- Odeio essa palavra. – Trocamos um sorriso nervoso, por razões distintas, e colamos nossas testas.
- Eu não sei se um dia vou poder te dar uma família, se vou conseguir ou querer te dar aqueles cinco filhos.
- Não eram três? – Sua tentativa de me fazer rir em meio aquela confissão sôfrega me fazia admirá-lo e amá-lo ainda mais.
- Você sempre quis cinco.
- Eu sempre quis você. – Sorriu com tanta ternura e com tanto amor, que conseguiu roubar meu ar. – Olha pra lá. – Me indicou o espelho, e esperou que eu admirasse a nossa imagem. Nossos corpos se encaixavam numa falta de sincronia perfeita, como uma pintura abstrata, repleta de sentimentos e significados. Era tudo o que eu via, mas como sempre parecia estar um passo a frente. – Essa mulher linda nos meus braços sortudos, pode ter passado por coisas boas e ruins, como qualquer um nessa vida, mas a decisão de como viver é só dela. Vai ser o que lhe aconteceu, ou o que vai decidir ser?
O fardo que eu sentia não havia sumido, mas também já não incomodava mais. Muito menos o egoísmo de afastar de mim, ele havia feito de tudo pra me recuperar, sempre me colocando a frente, em primeiro lugar. Agora faria de tudo pra encontrarmos um equilíbrio, seguir lado a lado.
O Estranho foi a minha proteção, a paz da minha guerra, o meu estado de espírito, subitamente eu estava inundada de amor novamente.
- Você sabe que eu não estou muito bem e que ainda vai demorar um pouco pra me recuperar...
- Eu estarei com você, não importa a situação.
- Obrigada, você faz tudo parecer mais fácil.
Depois de mais do seu carinho, aproximou os lábios perto do meu ouvido, beijando suavemente atrás da minha orelha e provocando um arrepio delicioso. Começou a cantarolar tão baixo, que a principio eu achei que fosse o vento.
It's always have and never hold
É sempre ter e nunca segurar
You've begun to feel like home
Você começou a sentir-se em casa
What's mine is yours to leave or take
O que é meu é seu, aceite ou ignore
What's mine is yours to make your own
O que é meu é seu para fazer de si mesma
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Be my baby
Seja minha garota
I'll look after you
Eu cuidarei de você, de você
- Be my ‘Strange’? – Fez de fato a pergunta, mordendo bem de leve o meu pescoço, me fazendo rir ao mergulhar naquela lembrança.
- Está me pedindo em namoro?
- Sim.
- Com a mesma música? Que falta de criatividade, Estranho.
- Faz parte da gente. – Concordei com ele e segurei o seu rosto e lhe beijei com tudo o que eu tinha.
POV .
Londres – 28 de agosto de 2016 – 04:40 pm.
Diferente do que imaginou, quando chegamos em Londres eu não fui pra casa. Na cidade existiam vários lugares que eram apenas nossos, mas havia um em especial, que me marcou. Não porque tivemos algo romântico, ou explosivo ali, mas por ter sido a nossa primeira verdade, transformada no nosso primeiro segredo. Parei o carro próximo ao parque St. James, exatamente em frente a árvore onde eu tinha encontrado há tantos anos atrás..
FLASHBACK ON
Londres – 19 de outubro de 2008 – 11: 55 pm.
Depois de tentar ignorar ao máximo os celulares, que não eram meus, vibrarem irritantemente sobre a mesa, eu peguei o celular de que voltou a chamar. O nome irmã brilhava no visor e sem questionar eu atendi. Resolvi falar antes que ela pudesse me relatar algo indevido, e de imediato, reconheceu minha voz e sua era um sopro de desespero atrelado a confusão.
O vidro da minha janela balançou ainda mais pelo vento e fui tomado por um medo e um total instinto protetor.
- ?
- ? – Bati contra a própria testa por ser tão imbecil.
- Você está com o ? Preciso falar com ele.
- Não, ele saiu com a e com o , e acabou deixando o celular aqui. Que voz é essa? Onde você está?
- Eu precisava que ele viesse me buscar, se você o ver pode pedir pra ele retornar minha ligação?
- Onde você está?! – A minha pergunta havia sido soprada quase como uma ordem.
- Em algum lugar do Parque St. James. – Dito isto, como se a natureza estivesse justificando o meu desespero, um raio irrompeu o céu clareando tudo, seguindo por um enorme estrondo.
- O que você está fazendo ai numa tempestade? – Estava preocupado com tamanho absurdo, e não me importei de estar sendo repreensivo. – Ficou maluca?
Enquanto eu esperava uma resposta plausível, apoiei o celular contra o ouvido e o ombro e tratei de calçar meus sapatos e vestir um casaco pra me proteger do frio.
- Só passe o meu recado se o ver, certo? Obrigada, .
- Espera! – Supliquei pra uma chamada agora muda, havia desligado antes mesmo que eu pudesse tentar convencê-la.
Xinguei pra o vento e aquela situação, ainda mais frustrado. Não que eu esperasse que logo fosse confiar em mim, alguém que ela mal conhecia e ainda considerava estranho, mas eu provavelmente era a sua única oferta de ajuda, e mesmo assim recusou, atingindo um pouco do meu ego. Então tudo se desfez, assim que eu a encontrei. Mesmo de longe, a silhueta da garota era contornada pela luz que irradiava nas gotas grossas de chuva que caiam. estava sentada, abraçando o próprio corpo, qualquer um poderia achar a atitude desistente e resignada, eu não. Era a dicotomia perfeita entre ser um anjo intocável, e uma frágil humana, despertando em mim um sentimento diferente, novo, forte, que não sabia o que era, mas que eu escondi com o nervosismo de toda a problemática.
Desci do carro, chamei por ela e quando seus olhos encontraram os meus notei uma paz lhe abater, meu corpo aqueceu, mas se manteve em alerta.
- Por Deus, você está bem? – Me ajoelhei diante dela, encarando ainda preocupado. Sua negativa a minha pergunta me deixou ainda pior. – Alguém te machucou? – Novamente negou, e eu não me incomodei de inspecionar o seu corpo, torcendo pra que algo de pior não tivesse lhe acontecido, e tentando entender o que a levaria àquela situação. – Vem, vou cuidar de você. – Sussurrei, quando meu peito se encheu de Jéssica, de algo só pra ela que nada mais importava. Peguei ela em meus braços e a levei com todo cuidado até o carro, liguei o aquecedor pra deixa-la não só quente, mas confortável com a minha presença, pra então olhar pra ela. – Retire a maior parte dessas roupas molhadas, eu tenho uma manta aqui no fundo.
Diferente do que eu estava imaginando, ela não se intimidou e me obedeceu, ficando apenas com uma blusa, e uma saia curta demais pra que eu pudesse pensar muito a respeito. Ao menos não naquele momento.
- Estou com muito frio. – Revelou, tentando aquecer seu corpo tremulo.
- Vem, deixa eu te esquentar. – Sem medir as consequências do meu ato, eu a envolvi com uma manta grossa, segurei suas duas mãos esfregando uma na outra, depois beijei delicadamente cada um dos seus dedos. – Está melhor? – Perguntei apreensivo, e entorpecido com o cheiro adocicado que emanava dela.
Como se tivesse dado vazão e confiança o suficiente a ela, com meu ato e minha pergunta, se aninhou ainda mais em meus braços, seus dedos apertaram firmemente a gola de minha camisa e eu pude ouvir o seu choro, eu estava quebrado pela primeira vez na vida. Eu não senti piedade por aquela Estranha, mas sim uma necessidade de afagar aquela dor, como eu estava fazendo com seus cabelos.
Abracei, cuidei dela, e esperei pacientemente pra que cada lágrima escorresse, torcendo pra que entendesse que dali em diante, eu iria estar com ela sempre.
FLASHBACK OFF
POV .
- A primeira vez que eu te vi foi aqui. – apontou pra uma árvore robusta.
- Claro que não, foi no colégio. – Ri com obviedade. – Eu te chamei de Estranho, você me disse que eu tinha belas pernas.
- Ainda tem. – Corrigiu. – Mas a primeira vez que eu te vi de verdade foi aqui. Sem nenhuma máscara ou fortaleza em volta, só uma garota precisando de ajuda.
- Eu estava realmente em apuros. – Ri, mas revirou os olhos pra meu drama.
Ele segurou a minha mão esfregando a ponta dos meus dedos, mesmo sem nenhuma necessidade de me aquecer, beijando delicadamente cada um dos dedos. Repetindo o mesmo gesto cuidadoso e repleto de amor.
- Estava aqui nesse parque há anos atrás e eu só queria sentir algo diferente, que movesse a minha vida e me tornasse única. Eu esperava ser salva, e essa foi só a primeira vez em que você fez isso.
- Não espero que você precise de mais salvação, mas mesmo como agora você não precisa de calor, eu estarei aqui pra você. Seja pra salvar, ou só pra te amar. – Lhe beijei até a falta de ar ser insuportável. – Fica comigo?! – Pediu e me lançou um sorriso confiante e esperançoso, o olhei com expressão divertida e que lhe chamava de bobo. – Vem pra casa comigo.
- Estou aqui com você, Estranho, não vou fugi. – Lhe garanti, sem entender a imensidão de seu pedido. – E nós vamos pra minha casa.
- Quero que você fique comigo... Pra sempre. – Acrescentou todo aquele infinito e além, e o encarei com ainda mais confiança, certa e rendida ao que queria.
- Eu fico.
- Você não respondeu meu pedido de namoro lá na loja.
Gargalhei de sua insegurança desnecessária.
- Achei que não fosse necessário, mas eu aceito. – Ergui os pés para deixar a minha boca próxima ao seu ouvido e sussurrar. – Namorado, sei que eu tinha te pedido pra se afastar, mas não faça isso. Nunca mais.
- Eu não vou. Eu não iria.
Londres – 28 de agosto de 2016 – 11:55 pm.
- Oi dorminhoco. – Virou minimamente o rosto pra me recepcionar com o sorriso que eu tanto amava.
- Você não tinha autorização pra sair daquela cama. – Me aproximei ainda mais dela e a abracei por trás, afastei o seu cabelo e beijei a sua nuca.
- Precisava te fazer uma surpresa, já é quase seu aniversário.
- Não precisava de nada, mas o que está fazendo? – Ela riu da animação que tentei esconder.
- Comprei pizza e estou fazendo seu pudim rice, mas não sei se vai ficar tão bom sem as instruções precisas de Sue.
Virei pra mim, e prendi meus olhos nos seus. Não estavam mais acompanhados de escuridão, era só luz. Segurei a sua mão, e lambi delicadamente cada dedo seu, sorvendo o sabor da massa junto ao dela. Melhor combinação.
- Está perfeito.
- Ainda precisa ir ao forno.
- Cuidamos disso depois. – Ela concordou com um aceno, olhando pra minha ação e já imersa em nossa bolha de luxúria.
- É... Cuidamos.
beijou minha boca, com seu dedo ainda estando lá, depois deslizou os dentes pelo meu pescoço, chupando e beijando delicadamente o meu ombro.
- Assim, você vai me sufocar, Linda. – Disse pra provocá-la, mas estava amando cada beijo e carinho lascivo.
- Estranho, eu vou te entregar todos os beijos que não te dei, e um pouco mais, só porque eu sou exagerada.
Antes que sua promessa pudesse ser cumprida, o celular dela apitou sobre a bancada e isso findou nos despertando. Ela abriu os olhos e sorriu, desistiu de qualquer coisa que iria fazer na cozinha, rodeou o meu pescoço e me beijou. Forte, intenso, gostoso.
- Feliz aniversário, Estranho. – Mordeu meu lábio. – Eu te amo.
Ia beijá-la de novo, mas sua mão segurou a minha e me guiou de volta ao quarto.
- Sente-se. – Ela ordenou, indicando a cama, e eu ri, fazendo erguer a sobrancelha em desafio. Sem questionar mais, eu acatei sua ordem.
- Adoro quando você fica mandona.
Foi a vez dela ri, antes de se aproximar e passar o indicador pelos meus lábios, me pedindo silêncio.
- Sei que esse é só o começo, eu sei que não fui e nem tenho sido a melhor pessoa nos últimos anos, mas eu realmente te amo.
- Babe, eu...
- Eu te amo e quero ter tudo ou nada, mas quero isso junto de você. Não quero só recuperar o tempo perdido, quero criar as melhores memórias.
tirou o roupão que usava e eu paralisei. Ela era literalmente o melhor presente de aniversário que poderia ganhar. Estava usando apenas uma calcinha vermelha, os seios firmes, sustentados por um enorme laço vermelho. Meu presente. Seu corpo, sua alma e o seu amor.
Tudo começou a se dissipar com tamanha facilidade que não pareciam mais blocos rochosos de dor. Finalmente a época turva e o amor desperdiçado por uma vida triste e vazia estavam no fim. Eu levantei e fui desembrulhar e desfrutar do meu presente.
Londres – 29 de agosto de 2016 – 01:55 pm.
Eu e chegamos, com quase duas horas de antecedência. A nossa vida havia adotado tanta vivacidade, que se movimentar era uma necessidade. Ele mesmo havia feito questão de embrulhar o presente de Jazzy, estava ridículo, mas a intenção era tão boa que eu não ousei questionar nada.
Palco com karaokê, barracas de comidas e doces. havia transformado o seu jardim num verdadeiro parque de diversões, com trampolins, fliperamas, piscina de bolinhas, cama elástica, gangorras, e até uma roda gigante.
Depois de praticamente esmagarmos Jazzy com beijos e abraços, ao ponto dela ter a audácia de revirar os olhos, nós a liberamos, e ela correu pra aproveitar sua festa, o seu dia.
seguiu até um pequeno palco, onde , e arrumavam algo no som, acenei pra eles, e fui falar com e estavam num canto e completamente estáticas. Cumprimentei o resto das poucas pessoas que haviam ali e me aproximei delas a passos lentos e cautelosos, de fato eu estava assustada com a recepção das minhas duas amigas e só consegui relaxar quando elas se entreolharam e finalmente sorriram pra mim. A nossa distância foi vencida por elas e eu posso jurar que o abraço que recebi das duas foram tão apertados e cheios de sentimentos, que parecia que não nos víamos em décadas.
- ... – me soltou e ao me encarar vi algumas lágrimas ameaçarem cair, exatamente como haviam nos olhos de . – Você... Você...
- Eu...?
- Você voltou! – disse e voltou a me abraçar. – Sentimos a sua falta.
- Mas eu só estive fora por uma semana. – segurou a minha mão e negou com a cabeça.
- Não, você esteve fora por alguns anos.
Entendi que a minha perda estava ligada não só a mim ou a e a história de desentendimentos que tivemos, mas a todos os nossos amigos. Concordei com um tanto de culpa, mas feliz por finalmente aquilo ter acabado.
Tivemos mais um único momento sentimental naquele dia. Eu contei a elas como havia sido a viagem, confirmou o que eu já sabíamos, então nos abraçamos e podemos virar aquela página.
Os convidados começaram a chegar e teve que nos deixar pra ser uma boa anfitriã.
Entre toda a barulheira de crianças, e os relatos frustrados de suas mães. e eu nos afastamos e nos entupimos de doces e drinks suficientes pra entreter os mini convidados, como verdadeiras rainhas de programa infantil.
Um garoto fofo, que eu não sabia de quem era filho, correu em minha direção e me entregou um pirulito. Poderia ser apenas um gesto de uma criança educada, mas era um recado. Atrás do doce, um bilhete tinha instruções claras.
"Sei que você adora mergulhar, venha me encontrar na melhor piscina daqui".
Ri sabendo quem era o autor, e pra onde deveria ir.
- Estranho? – Chamei colocando a cabeça dentro da casa de piscina de bolinhas, mas não consegui encontrá-lo. – ?
- RÁ!
- AAAAAH! – Gritei assim que ele emergiu do meio de todas aquelas bolas coloridas e me puxou fazendo cair sobre si. – SEU IDIOTA, EU ODEIO SUSTO.
Parecia que nada iria fazer parar de rir, e aquilo acabou me contagiando. Em questão de segundos o estava acompanhando, achando graça da situação.
- Você fica linda brava.
- Eu provavelmente deveria te morder. – Nem minhas ameaças contra ele tinham forças. – Ou deveria ficar preocupada com a sua mania de me sequestrar.
- Você não queria vir? Eu tive que ameaçar umas oito crianças pra elas saírem daqui, e termos o brinquedo só pra gente.
- Que péssima pessoa você é. – Fingi espanto.
- Serei bom com nossos filhos. – Apenas revirei os olhos, aquele tipo de comentário não me afetava mais.
- Você sabe que eu não posso. – Foi uma constatação, simples, não mais amarga ou lamuriosa, riu como se me chamasse de boba.
- Não importa o que te disseram. Nós seremos pais.
- Seremos? – Ri de sua empolgação.
- Claro. Nem que tenhamos que fazer os tratamentos mais loucos, ou adoção... Ou melhor, sequestro. – Seus olhos brilharam como os de uma das crianças traquinas que estavam na festa.
- Gosto da ideia do sequestro.
- Até porque se a criança for chata e malcriada, a gente pode devolver. – Nós dois gargalhamos de tantas bobagens.
- Eu amo você. – Disse roçando meus lábios nos seus, meu corpo no seu. – E eu amo piscina de bolinhas, e quer saber um segredo?
- Qual? – estava mais interessado em beijar meu pescoço e apertar minha bunda.
- Eu nunca fiz sexo em uma, e eu tenho esse sonho.
- E eu estou aqui pra garantir que ele se torne realidade.
me beijou e nossos corpos se perderam entre as bolas e um no outro. Infelizmente não por muito tempo.
- Dinda? Dindo?!
O chamado de Jazzy fez com que a gente se afastasse mais rápido que um raio. Nossa afilhada e mais umas dez crianças nos encaravam. Umas curiosas, outras espantadas, e as mais atrevidas sorriram achando aquilo incrível.
- O que vocês estavam fazendo? – O garoto ruivo tinha um perfeito sorriso malicioso, que indicavam que ele sabia exatamente a resposta.
- Nós estávamos brincando. – Disse enfática, mas gargalhou e roubou minha credibilidade.
- Na verdade, Princesa, a diversão mesmo vai ser em casa.
- !
- Ninguém pode ir embora agora. – Determinou birrenta, e acredito que um pouco enciumada. – Os meus papais estão chamando vocês, venham!
Todas as crianças correram, aproveitou que estávamos novamente sozinhos pra me beijar, mordiscar e me provocar ainda mais com seus sussurros, pra então permiti nossa saída.
- Hora dos parabéns! – apertou num abraço desajeitado e saiu puxando ele até a mesa.
Além de todos os doces coloridos e balões, havia um bolo minimamente decorado com o nome de Jazzy escrito com letras douradas. Ao lado havia um bolo do Toy Story, era o de . Ser lembrado, havia deixado o Estranho mais abobalhado do que qualquer criança ali.
Cantamos os parabéns, antes de soprar as velas e fazer seu pedido, olhou pra mim e sorriu do seu jeito espontâneo que fazia os seus olhos fecharem, não me restou dúvidas que eu fazia parte dos seus desejos, assim como ele fazia dos meus.
- Não cortem esse bolo! – apareceu gritando e segurando outro bolo, esse era grande, retangular e coberto por glacê, metade branco, metade rosa.
Ela estava falsamente benévola, e todos nós prendemos o riso, precisou se abaixar e praticamente se morder pra que sua gargalhada não estragasse a brincadeira. olhou temerosamente maternal, mas abaixou seu olhar e rindo, não impediu nenhuma ação.
A gente sabia o que iria fazer, era um truque ridiculamente antigo, que ela praticava quando éramos crianças, mas que ainda era novo pra Jazzy e .
- O seu bolo mágico! – gritou empolgado, fingindo estar diante de um tesouro, o que despertou maior interesse de Jazmyn.
- Isso mesmo! – Sorrindo, colocou o bolo diante dos aniversariantes. – Vocês precisam fazer um pedido pra esse bolo, e lhes garanto que ele irá se realizar.
- Mas não tem velas, Tia .
- Exatamente. – disse em tom de segredo. – O verdadeiro pedido é feito para o próprio bolo. Vocês estão prontos?
Jazzy concordou agitando energicamente a cabeça em pura expectativa, se abaixou imitando o gesto da afilhada, não porque acreditava, mas pra não estragar o momento.
Tentei sentir pena pelo que viria, mas não, peguei o celular e deixei a câmera pronta pra capturar o momento.
Instigados por , os dois se aproximaram ainda mais do bolo, e como ninjas, e empurraram a cabeça dos dois sobre a guloseima.
A primeira reação de Jazzy, assim como a de qualquer criança, seria o choro, mas foi mais rápido ao cochichar algo em seu ouvido, e logo os dois trocaram um olhar cúmplice e arteiro, limparam o rosto e começaram a correr atrás de nós, em segundos, estávamos todos sujos de bolo e glacê, numa verdadeira guerra, que continuou com um empurrando o outro na piscina.
- Você não vai escapar, . – saiu da piscina, assim que o jogou lá, e nem tive tempo de pensar em correr, ele segurou minha cintura e pulou comigo.
- Seu desgraçado. – Berrei por cima da minha gargalhada, pretendia dar um caldo por vingança, mas meu pé foi puxado por . Mais uma guerra.
- FIQUEM ONDE ESTÃO! – A irmã mais nova de roubou nossa atenção, e apontou o celular na nossa direção.
Nós nos aproximamos pra tirar a foto, mas sem nos importar muito com ela. Ela fez sinal positivo e disse o quanto a imagem tinha saído espontânea e linda. Automaticamente os meus olhos encontraram os de .
FLASHBACK ON
Nova York – 29 de outubro de 2015 – 07:15 am.
- Você é feliz aqui? Nos refizemos nesse lugar, temos uma à outra, mas você está feliz?
- Eu acho que sim, mas só o fato de não ter certeza, já responde sua pergunta?
- Nós temos tudo, conquistamos o mundo, fazemos o que mais amamos e porque eu sinto que nada disso faz sentido? O que nos falta, ? – O desespero era explicito em minha pergunta.
- Amor. – Ela me encarou séria, e vi uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto. – Amor de amigos verdadeiros, de família. – Agora o rosto claro e franzino de minha amiga estava molhado pelas emoções. – Amor que só encontramos no nosso lar.
Levantei-me e depois de pegar uma caixa de madeira branca, que nunca havia tocado desde que chegara à América, eu a abri. Várias fotos estavam empilhadas ali e a primeira me faria derramar lágrimas, se eu ainda conseguisse. Aquela era a minha vida, nossa turma reunida num dos raros dias de sol de Londres, tomando banho de piscina na casa do lago.
e tinham garotas em cima de seus ombros, que sinceramente não lembro os nomes, segurava a cintura de por trás, enquanto esta mantinha a cabeça em seu ombro, seus cachos loiros e ainda compridos pareciam iluminar o seu rosto, enquanto ela dava língua pra foto. e estavam ao lado, ele beijando sua barriga de oito meses, já eu e estávamos no canto direito, fazendo uma espécie de guerrinha porque ele queria me "afogar". Eram dias como aqueles, sem preocupações, responsabilidades ou horários que eu não me permitia recordar, pra não enxergar a droga que era minha vida atualmente. Nós nos perdemos tanto durante esses anos, e se aquela foto fosse tirada hoje, o amor de e seria reafirmado ainda mais com a presença de Jazzy ali, certamente novas garotas estariam com o e , e também teriam novas companhias. Enquanto e eu nos resignamos a manter distância.
- Sinto falta de tudo. Eu olho pra o passado e as coisas eram tão mais fáceis, como se o "felizes para sempre" existisse. – Respirei fundo e sentei novamente na cama recebendo o abraço de . – Eu sinto saudades de casa.
- Às vezes eu tenho a sensação de que nunca saímos de lá. Pelo menos não os nossos corações.
FLASHBACK OFF
Eu e havíamos sonhado com aquilo, agora não havia mais nada além da nossa realidade. Agora a nova imagem captada tinha beijando Elle, uma garrafa de cerveja, e se encaravam, fazendo careta para o outro. e esmagavam Jazzy com cócegas, enquanto a garota gargalhava e se contorcia. mantinha os seus braços envolta da minha cintura, enquanto eu mordia a sua bochecha.
Assim como a estação, os nossos corações estavam quentes, aquecidos e protegidos. Em casa.
Cambridge é conhecida como a cidade das bicicletas, e logo nós alugamos duas, e assim iniciamos o nosso passeio. A brisa fresca amenizava o calor, e balançava os cabelos da peruca colorida que usava. Às vezes ela fechava os olhos, enquanto olhava pra o céu, e absorvia os raios solares e a liberdade adquirida em cada lugar. Eu a observava e me sentia mais aliviado, mais motivado com o futuro. A noite anterior estava viva em nós dois, e havia sido tão necessária que nos trouxe um reconforto e coragem, pra mais uma entrega ao vazio.
Paramos as margens do rio e eu disse a que passearíamos de punting, nas gôndolas de Cambrigde, mesmo zoando o passeio, dizendo que aquilo era irritantemente romântico, ela não escondeu a animação.
- Você não deveria ter dispensado o chauffeur. – disse quando eu me desequilibrei e a pequena embarcação pendeu de um lado pra outro.
- Está de brincadeira? Não precisamos de um, eu sou muito bom nisso. – Fiz uma pose ainda mais exagerada de marujo, vendo erguer a sobrancelha pra minha autoconfiança.
Eu estava no meio da gondola, segurando o enorme remo, até então tudo estava indo bem, estava conseguindo fazer o treco flutuar pelo rio, e no nosso passeio já tínhamos visto a maioria Universidade de Cambridge por dentro, com seus prédios históricos e belos jardins.
Eu e nos permitimos fingir que éramos estudantes, e imaginar a nossa vida de um jeito completamente diferente do que o que foi.
- Você acha que iria se dar bem na universidade? – Perguntei a , assim que passamos pela famosa Mathematical Bridge.
- Provavelmente eu seria expulsa por ter organizado alguma festa fora de controle. – Riu e me devolveu a pergunta.
- Eu acho que não me divertiria ou aprenderia tanto, quanto ter estado na estrada com a banda.
- Com certeza, você seria ainda mais chato.
- Não sou eu quem tem medo do Barney.
- Foi algo que eu não consegui superar, ok? – Eu dei de ombros, e meu olhar dizia o quanto a sua justificativa era insuficiente.
- Trouxe algo que pode te ajudar com o trauma.
- E o que é?
- Fecha os olhos.
- Não sei se devo confiar um trauma de infância a você.
- Para de ser ainda mais boba e fecha os olhos. – Resignada ela me obedeceu. Eu já havia começado a rir antes mesmo de tirar a máscara do Barney da mochila e colocar. – Pode abrir.
Quando me viu com aquele treco na cabeça, suas mãos tremeram e aquele espaço pequeno entre nós dois se tornou uma emboscada perfeita. Eu não satisfeito em ver o seu desespero, ainda comecei a cantar a música do personagem que tanto temia.
- Tira isso agora, !
Ela gritou e pulou em minha direção fazendo a embarcação tremer, enquanto eu ria feito louco frente ao histerismo dela. Tentei me afastar pra ela não pegar a máscara e continuei cantando a música. O barco ia de um lado pra o outro, então recebi mais um empurrão de , escorreguei, e nem o remo ajudou com o desequilíbrio. Meu corpo caiu na água fazendo o maior barulho. Quando eu emergi, a máscara já não estava mais me sufocando, e não só ria da minha situação, mas as pessoas ao redor também.
- Ah Babe, isso vai ter volta. – Disse com a voz tão maldosa quanto minhas intenções, e me aproximei do barquinho.
Os olhos de ficaram assustados e seu riso agora era de pânico.
- Não , por favor. – Tentou um sorriso. – Por favorzinho?
Antes que ela pudesse tentar fugir eu puxei a sua mão e a fiz cair na água ao meu lado. Seus gritos agudos continham ameaças de morte, sopradas em meio a nossa crise interminável de risos.
Terminamos o passeio molhados e rindo mais do que o nosso sistema aguentava. O sol já estava quase indo embora, e as roupas ainda úmidas não incomodavam nenhum de nós.
- Nós não viemos a Cambridge a toa.
- Não? – Ela ergueu a sobrancelha e me deu um sorriso enviesado e cheio de expectativas.
- Não. – Sorri. – Vamos, você verá.
reclamou do meu mistério, mas foi rindo e segurando a minha mão, pelas três quadras a frente. Viramos numa pequena, estreita e deserta rua, até pararmos no nosso destino.
- É agora que você me diz que me trouxe até aqui pra me matar? – A pergunta de foi divertida, mas seus olhos estavam assustados diante da enorme construção de tijolos, com apenas duas grandes portas de ferro. – Não quero entrar nesse galpão abandonado.
- Isso não é um galpão. – Ri. – Mas é bom saber que você tem a mente aberta sobre as maneiras que eu poderia te matar.
Gargalhei ainda mais, quando ela mordeu meu braço. Enquanto eu procurava a chave certa, em meio a dezenas, ouvia o solado do tênis de baterem incessantemente contra o paralelepípedo.
- Pode parar com isso? – Pedi.
- Me dá uma dica do que terá aí. – Antes que eu pudesse negar mais uma vez, ela se apressou com a lamúria. – Por favorzinho?
- Envolve a sua lista de desejos.
- Eu tenho uma?
- Você pode não lembrar, mas você vivia listando ela pra mim.
- Sério? – Rolei os olhos.
- A idade chega mesmo pra todo mundo.
- Quer levar outra mordida? – Ameaçou.
- Talvez mais tarde. – Deixei a malícia explícita, mas apenas riu em deboche. A chave foi encontrada, levantei a porta e esperei que ela passasse.
Enquanto eu nos trancava ali, se aproximou de mim, segurando firme o meu antebraço, provavelmente com receio do escuro que nos cercou. Se manteve assim, indo comigo até o enorme interruptor que havia ao lado, esperando que eu ascendesse a luz. A claridade incomodou nossos olhos até nos acostumarmos. Quando notou que apenas um corredor de tijolos vermelhos nos cercava, ela ficou literalmente perdida, tendo que me apressar na explicação.
- Na sua lista tinha aprender a dirigir, isso já realizei anos atrás. Posso muito bem te dar um milhão de libras.
- Exibido.
- Casar em Vegas, você realizou sozinha.
- Supere. – Nós rimos.
- Sobra um desejo. – Eu havia excluído o seu principal sonho, e pelo clima descontraído que fluía ainda mais entre nós, eu sabia que também não estava relacionando nosso passeio a nada sério, ou nefasto.
pensou por uns três segundos, então sua expressão se tornou lívida e excitante. A boca se abriu num O perfeito, e ela começou a pular, agitando as mãos.
- Esse lugar é mesmo o que estou pensando? – Mordi o meu sorriso, confirmando.
- Confesso que pra isso eu tive que abusar dos privilégios de ser .
- Vamos logo então! – Vibrou como uma criancinha e puxou minha mão, como se soubesse exatamente o trajeto. Depois de subir uma pequena escada, estávamos oficialmente numa loja de departamentos vazia. não me esperou, e simplesmente correu com os braços abertos, como se aquele fosse seu paraíso.
- Quer uma carona? – Peguei um carrinho de compras e tratou logo de subir.
- Leve-me para a sessão de doces, Escravo.
- Como quiser. – Me abaixei pra sussurra em seu ouvido. – Segure-se, milady.
Dado o aviso eu corri empurrando o carrinho, tão rápido que por vezes ele parecia que ia virar então eu ouvia os gritos histéricos, gargalhadas e falsas ameaças de .
Pegamos das prateleiras um pouco de tudo, se afundou num saco de M&M's, dando inicio ao que ela chamou de overdose de açúcar, eu comia ruffles enquanto dirigia o carrinho por entre as sessões.
- A gente pode fazer mesmo o que quiser aqui?
- Calma, , têm câmeras espalhadas, não podemos fazer sexo. – Ela revirou os olhos, mas depois riu.
- É só fazer uma cabana em uma das camas. – Apontou pra os móveis que serviam de mostruários, como se fosse óbvio.
- Você é um gênio! Deixa comigo que sua cabana será montada. – Ela se virou pra me lançar um olhar inquisitivo. – Não que vá ter sexo, é só que... É...
Sua gargalhada me impediu de continuar com a gagueira, mas não de me sentir envergonhado por ter agido como a porra de um garoto virgem.
Agradeci pela sessão de brinquedos ter sido a próxima, e eu ter encontrado um jeito de mudar de assunto, acabando com os seus risinhos provocantes.
- O aniversário da Jazzy será daqui a dois dias, me ajuda a escolher um presente?
- Claro, acho que ela está querendo um hoverboard, mas o já comprou. Então... – Ela parou pensando um pouco e olhando as opções das prateleiras. – Ali. – Apontou e como um fiel servo eu conduzi o carrinho até lá.
Ela desceu, e depois de se esticar um pouco, pegou uma caixa e analisou rapidamente, antes de me entregar.
- Esse é um livro de princesas, mas que vem com um tutorial incrível de modelagem, ela até pode costurar roupas com a máquina de costura que aquela sua ex nojenta deu a ela de presente no natal.
- Você fica linda com ciúmes. – Lhe abracei por trás, e ela não fez questão de negar.
- Achei mesmo que vocês iriam casar. – A confissão trazia um gosto amargo, principalmente pelo filho que poderia mesmo ter sido gerado naquele relacionamento, mas escondido por seu riso indiferente.
- Não podia casar com ela. – Beijei seu ombro. – Ela não era você.
- Suas cantadas são muito baratas. – Se virou rindo e bateu de leve no meu peito.
- Você gosta de mim assim.
- Iludido.
- Realista. – Revirou os olhos e depois colocou a caixa no carrinho. – Você já comprou o presente dela?
- Não, eu sempre lhe dou um cheque, e ela decide o que fazer com o dinheiro.
- De onde surgiu essa tradição, afinal?
- Você sabe que eu não voltava pra Londres, principalmente pra o aniversário dela... De vocês. – Se corrigiu. – Então e eu fazíamos alguma coisa pra ela, assim que ela chegava em Nova York, não importava quanto tempo depois do aniversário tinha se passado. – Respirou fundo e encarou o teto, antes de prosseguir. – No quarto ano, eu estava atolada de trabalho, dor e o que fosse, mas bastou apenas um olhar de Jazmyn pra que ela me compreendesse. Ela entendeu meu relapso com sua festa, com seu presente, e o meu mau humor. Uma criança tão pequena, mas tão compreensiva e autossuficiente, mergulhou na minha bagunça e me trouxe ar. – Sorriu mesmo me contando uma lembrança que parecia ser dolorosa. – Ela só tinha algumas horas na cidade, então eu lhe entreguei um cheque e a levei numa loja de brinquedos, e quando ela percebeu que aquele pedaço de papel lhe dava o direito de comprar o que bem quisesse, ela disse que aquele tinha sido o melhor presente que já havia recebido.
- Você é uma ótima Madrinha, e assim fica difícil competir com você. – sorriu ainda mais e me abraçou passando o nariz pelo meu pescoço.
- Cala a boca, você faz sempre um bom trabalho.
O resto da noite passou rápido, com nós dois agindo como duas crianças. Fizemos corrida de patins, bicicleta, quem vestia mais peças de roupa em dois minutos, até brincamos de esconde-esconde. Foi uma bagunça boa e necessária. havia ficado na sessão de produtos de cosméticos, e depois eu não a vi mais.
Ao invés de procurá-la, eu aproveitei pra arrumar o local onde iríamos dormir. Estiquei os lençóis sobre a cama, que julguei mais confortável, e o lugar ficou exatamente como as cabanas que costumava fazer com a minha irmã, quando era pequeno. Depois, peguei duas cervejas e saí em busca de .
Só depois de ter certeza de que não estava dentro daquela loja, que eu pude perceber que havia uma pequena porta próxima aos banheiros, estava aberta e a luz da lua invadia o lugar. Fui até lá, e depois de subi as escadas, cheguei ao terraço da loja, e encontrei sentada, contemplando a lua beijando o rio.
- Improvisei uma cama, se estiver cansada pode ir dormir. – Me sentei ao seu lado, lhe entreguei uma cerveja, e mesmo agradecendo, ela foi incapaz de tirar seus olhos da paisagem a sua frente. – Nossa última noite, e então sua tortura terá fim, vamos fazer um brinde. – Brinquei e ergui minha garrafa na direção dela, finalmente ela me olhou, enquanto o tilintar do vidro se sobressaía ao silêncio, enxerguei apenas a sua insatisfação.
- Estou com medo de encarar a realidade, . – Revelou num único fôlego. – Por mais terrível que eu tenha feito isso parecer, estar dentro de um carro viajando, e com você, me parecia o lugar mais seguro do mundo.
- Não existe mágica em viajar. Existe em viver.
- Seria esquisito eu admitir que ainda sinta um nó me prendendo ao passado? – Foi a minha vez de encarar um ponto insignificante a minha frente, só pra não ter que olhar pra ela. Um suor gélido escorreu pela minha espinha, sabia que deveria contar minha suspeita, não era justo, muito menos compreensível, que mais um segredo estivesse entre nós. – Estúpido, eu sei.
negou com a cabeça, achando que a minha reação surgiu ao seu comentário.
- Não é estúpido, talvez o seu instinto esteja correto.
- O que você quer dizer com isso, ? – segurou o meu queixo, e analisou meu rosto. – Tem a ver com aquele pesadelo, não é? Você mudou desde então.
- Não foi um pesadelo, foi uma lembrança.
- Que lembrança? – Ela estava mais curiosa, do que chateada por minha mentira, mas me lançou um olhar de incentivo, era mais como uma ameaça pra que eu acabasse logo com todo o suspense desnecessário.
- No dia do lançamento do álbum, me mandou a foto de uma boneca, não entendi nada, mas agora faz todo o sentindo.
Antes de processar o que eu disse as lágrimas já escorriam pelo seu rosto.
- Não era ele. Era uma menina, . – Sua respiração parou. – E eu sinto muito, acho que nada do que eu faça irá reparar a minha ausência num momento tão difícil pra você.
Através de seus longos cílios e seus olhos que adotaram um preto cintilante pelas lágrimas, eu assisti um filme passar, feliz, rápido e com final doloroso. Tudo havia tomado forma em nossa imaginação. A imagem de como aquela garotinha seria, sua personalidade, seu primeiro dia na escola, o susto do primeiro amor, os conflitos de adolescentes, as conquistas de adulto. Tudo que havia sido tirado de , e de mim.
O choque pareceu acordar algo dentro dela, o corpo tremeu implorando por uma libertação que veio com uma enxurrada de lágrimas.
Eu a abracei com cuidado e só ao apertá-la percebi que também chorava.
- Eu não consigo imaginar a dor que você sente, mas acredite que eu também estou sofrendo, também estou sendo perseguido por diversas memórias do que poderia ter sido, do que poderia ter existido, mas Estranha... – Segurei seu rosto e a encarei, não com pena, mas com compreensão, desejando dividir aqueles sentimentos por dois. – Não há respostas, justificativas ou morte. Há apenas vida.
me abraçou forte e nos mantemos assim, chorando a nossa perda, doando força e vida um para o outro.
Aos poucos nós dois nos acalmamos, como se nossa dor tivesse virado um combustível.
- Era uma menina. – Um esboço de um sorriso surgiu em seus lábios, ao dizer aquilo para o mundo. – Acredita que imaginei até ela indo pra faculdade?
- Eu iria morrer de ciúmes. – Nossa risada aumentou, se misturando ao nosso choro.
- Você seria ainda mais chato.
recostou a cabeça em meu ombro e mais um silêncio contemplativo apareceu. O silêncio da vida que não tivemos, mas que eu ainda desejava ter.
- Sei que agora, com uma perspectiva mais real do que poderia ter sido, as coisas fiquem mais dolorosas. – Ela negou energicamente com a cabeça e voltou seus olhos pra mim. Estavam ainda mais brilhantes.
- É mais fácil pra deixar pra trás. Deixá-la ir.
A abracei de novo, e deixei minha mente vagar pelos sonhos e desejos não mais escondidos.
Levantei e estendi minha mão pra ela, um pedido silencioso, não apenas pra ela voltar pra loja, mas pra voltar pra mim. Ela entendeu, porém não aceitou a minha oferta. Seus olhos voltaram para a vista a nossa frente, deixei minha mão estendida por mais um minuto, e então desisti. Me virei, e desci um degrau. Frustração me dominou. Desci o segundo. Com total falta de esperança...
- Estranho.
Não foi seu chamado soprado doce e calmo, foi aquele apelido. Instantaneamente tudo voltou. Um soco de perspectiva me fez virar abobalhado. Encontrei no topo da escada. Nessa posição ficamos da mesma altura, olhos intensamente conectados que não seriam desviados nem se houvesse uma força sobrenatural.
- O que você me disse em Stratford, era verdade? Você ainda me ama? Depois de tudo você ainda consegue me amar? – Perguntou e mordeu o lábio inferior apreensiva. Ela estava nervosa então não demorei a responder, a fim de acabar com a sua agonia.
- Não. Depois de tudo eu te amo ainda mais.
Ela soltou o ar e minha respiração vacilou miseravelmente quando a mão dela tocou o meu rosto. Não havia mais nada além do fogo que saia e me queimava. não enxergava mais dor ao me encarar, ela finalmente estava conseguindo ver o amor que inteiramente esperou e ansiou por ela.
Seus dedos correram pelo meu maxilar, arrumaram a minha sobrancelha e acariciaram os meus lábios se demorando um pouco mais, antes que os seus o fizessem. Nosso beijo foi tão puro e delicado, doce como no fundo ela era, precisei segura-la em meus braços, pra acreditar que tudo de fato era real. E foi.
A alcancei no degrau e a pressionei na parede, separei levemente nossos lábios dando-lhe um sorriso de canto ainda com os olhos fechados e eu sentia que ela estava fazendo o mesmo.
- Estranha. – Sussurrei e voltei a beijá-la pressionando-a ainda mais e tomando a decisão de tê-la em meus braços, como se fosse a primeira vez, com uma delicadeza quebrada pela urgência.
Desejo.
Seus lábios soltaram minha boca e foram para o meu pescoço dando mordidas suaves e me fazendo arrepiar de um jeito gostoso, apertei levemente sua cintura em um ato involuntário soltando um gemido baixo em seu ouvido a fim de provocá-la ainda mais, suas mãos foram para a barra da minha camisa puxando devagar dedilhando cada parte do meu corpo até chegar ao meu peito, espalmou suas mãos ali, antes de arrastar suas unhas.
Puxei-a para outro beijo, escorregando as mãos que estavam em sua cintura apertando sua bunda de forma agressiva, gemeu em minha boca, não sei se pelo toque possessivo ou por me sentir tão duro contra ela.
Calor.
Uma de suas pernas foi de encontro ao meu quadril, e o leve roçar de nossas pélvis nos deixou entorpecidos. Levei minhas mãos até as suas pernas e a suspendi, enquanto nos beijávamos nos guiei cego para dentro da loja. Desgrudei nossos lábios com o impacto de forçá-la junto a mim, mordi meu lábio com força e abri os olhos encarando-a. Os olhos de estavam devidamente cerrados pra mim com desejo, sua respiração acelerada, as mãos inquietas em meus ombros, apertando-os e puxando minha camisa, finalmente retirando com a pressa que o momento incitava, então sorriu satisfeita.
Lambi os seus lábios e mordi levemente, direcionando a carícia para seu pescoço, passei as mãos pelas alças de sua blusa e elas escorregaram por seus ombros, uma de cada vez, sendo acompanhados pelos meus olhos ansiosos.
Ela gemeu, assim que passei a língua pelo vale entre seus seios e soltei a única peça que estava cobrindo o que eu queria apreciar. Perfeitos. Contemplei os poucos segundos que pude, antes de sentir a urgência em seu toque, me puxando para outro beijo. Calmo e ao mesmo tempo louco, necessitado e significativo. Eu era dela, totalmente.
O desejo estava subindo acelerado demais, forte demais numa dose incontrolável, a desci levemente do meu colo e me afastei, um pouco, estudando a parte descoberta do seu corpo gravando todos os detalhes, balancei a cabeça e me aproximei rápido grudando meus lábios nos seus e retirando o pouco de roupa que ainda restava nela. Quando a peguei em meus braços no melhor estilo noivos na noite de núpcias, nós rimos, e seguimos trocando carícias e provocações até chegarmos à cama.
Seu corpo nu caiu sobre os lençóis tão negros quanto os seus olhos, e não havia nada, nada mais lindo no mundo.
Beijei seu queixo, pescoço, coração, e antes de me deliciar com seus seios, beijei os três sinais que havia abaixo do direito, e que eu tanto amava, mas foi no seio que cobria seu coração que eu mais me demorei, o esquerdo tinha o gosto ainda mais doce, acompanhado pela batida frenética que saia dali.
Fiz o caminho inverso até chegar as suas pálpebras, firmemente fechadas.
- Olha pra mim. – atendeu o meu pedido com muito custo. – Eu te amo.
Colhi com meu beijo, a lágrima que escorreu pelo sorriso dela. Lhe beijei sem esperar uma resposta, ali comigo era a própria reciprocidade do meu amor. Nós iríamos fazer amor, como nunca antes, e como se não houvesse vida lá fora. Só nós dois. Dois estranhos.
Beijei a ponta do seu nariz e os cantos de sua boca chupando seu lábio inferior e arrastando meus dentes sobre o mesmo levando-me a fazer um caminho por seu queixo, pescoço e colo. Seu gemido saia baixo e sôfrego, mas eu não tinha pressa, mordi e chupei cada parte do seu corpo, fazendo um caminho molhado até sua intimidade e arrastei a língua uma única vez da forma mais lenta que consegui, repeti uma, duas, três e a cada vez era um gemido diferente.
Intenso. Forte. Alto. Era um pedido por mais.
Tirei o resto de minhas roupas, forcei suas pernas as abrindo um pouco mais e chupei todo seu gosto doce mordendo sua coxa em seguida, antes de voltar à atenção em seus olhos escuros brilhando em excitação e sua boca levemente inchada.
- Eu quero você! – Sussurrei à medida que colocava meu corpo sobre o seu, ela cruzou suas pernas em meu quadril me forçando abaixar e roçar em sua intimidade, gemi fechando um poucos olhos tentando manter o foco. – Quero fazer amor com você, ! – Afirmei mais pra mim do que pra ela e a forcei me olhar enquanto lentamente entrava em sua intimidade, seu corpo, sua vida.
Todo meu corpo arrepiou e eu não me lembrava de ter prendido a respiração, até soltar o ar e me movimentar sentindo cada centímetro seu, tão quente, tão minha. A massageei por dentro, aproveitando a sensação de controle que eu ainda tinha, senti suas mãos em todas as partes do meu corpo, me apertando e certificando-se que eu era real, tocou meu rosto o segurando com força.
- Me beija! – Pediu direta e exigente, atendi seu pedido e comecei um movimento de vai e vem preciso, devagar e forte, muito forte. Nossos gemidos estavam misturados e altos, estava cada vez mais perdida em seus pedidos, ela queria tudo de mim e eu daria, com prazer.
- Shhh... – Convoquei seu silêncio e ela me atendeu, me sentindo entrar e sair quase por inteiro e devagar, para depois investir forte, e ouvir seu uivo. Aumentei a velocidade aos poucos até perder o controle e estocar de forma bruta e rápida, descontrolado ao ouvi-la pedindo mais, gemendo o meu nome. Suas unhas estavam cravadas em minhas costas, marcando-me todo e isso me excitava ainda mais.
- ... – Ela gemeu e se estremeceu embaixo de mim, ela ia gozar a qualquer momento e isso não estava longe de acontecer pra mim também, chupei seus lábios e encostei nossas testas enquanto estocava firme, três vezes, e a senti gozando, acompanhando em seguida e dando tudo de mim para dentro dela.
- Amo você! – Falamos praticamente juntos e ela me olhou satisfeita, se sentindo amada assim como eu me sentia.
Tive que ficar alguns minutos, apenas segurando os nossos corpos esgotados, e sem forças pra me mover, eu continuei dentro dela, ali era meu lugar afinal de contas. Quando eu deitei ao seu lado nosso abraço pareceu o mundo. Ela dormiu ali, enquanto eu afagava os seus cabelos. Eu tinha viajado em tudo. Em seu olhar, no amor, principalmente nos segredos dela, que agora eram meus também. Nossos. Era improvável saber se todos aqueles dias e experiências haviam surtido mesmo algum efeito positivo em , mas em mim com certeza sim.
POV .
Cambridge – 28 de agosto de 2016 – 07:17 am.
- ? ?! – havia acordado e em seu tom de voz o desespero era notório por não ter me encontrado ao seu lado.
Eu continuei parada, olhando minha própria imagem no espelho e me reconhecendo, cada traço marcado por um passado de dor que estava ajudando a amenizar.
- ?!!! – Continuei ouvindo os seus chamados, mas continuei sem coragem pra responder, eu tinha voltado a sentir, e naquele momento a vergonha me dominava, medo do que estava por vir, e uma imensa gratidão. – Aí, está você! Quer me matar de susto?!
Os olhos de pareceram perfurar os meus através do espelho, e como sempre ele conseguiu ler minha expressão, e imediatamente sentou atrás de mim e me puxou pra o seu colo. Instantaneamente eu aceitei o seu abraço e me confortei em seu calor e proteção.
- Desculpe.
- O que aconteceu? Eu achei que depois de ontem... – Interrompi o seu discurso embargado de receios com um beijo cálido e breve.
- Eu quero ficar com você. – Passei meus dedos por seu rosto, agora aliviado. – Eu quero ficar com você pra sempre, por que eu estou e sempre fui apaixonada por você, e sei que isso só vai aumentar, mas...
- Odeio essa palavra. – Trocamos um sorriso nervoso, por razões distintas, e colamos nossas testas.
- Eu não sei se um dia vou poder te dar uma família, se vou conseguir ou querer te dar aqueles cinco filhos.
- Não eram três? – Sua tentativa de me fazer rir em meio aquela confissão sôfrega me fazia admirá-lo e amá-lo ainda mais.
- Você sempre quis cinco.
- Eu sempre quis você. – Sorriu com tanta ternura e com tanto amor, que conseguiu roubar meu ar. – Olha pra lá. – Me indicou o espelho, e esperou que eu admirasse a nossa imagem. Nossos corpos se encaixavam numa falta de sincronia perfeita, como uma pintura abstrata, repleta de sentimentos e significados. Era tudo o que eu via, mas como sempre parecia estar um passo a frente. – Essa mulher linda nos meus braços sortudos, pode ter passado por coisas boas e ruins, como qualquer um nessa vida, mas a decisão de como viver é só dela. Vai ser o que lhe aconteceu, ou o que vai decidir ser?
O fardo que eu sentia não havia sumido, mas também já não incomodava mais. Muito menos o egoísmo de afastar de mim, ele havia feito de tudo pra me recuperar, sempre me colocando a frente, em primeiro lugar. Agora faria de tudo pra encontrarmos um equilíbrio, seguir lado a lado.
O Estranho foi a minha proteção, a paz da minha guerra, o meu estado de espírito, subitamente eu estava inundada de amor novamente.
- Você sabe que eu não estou muito bem e que ainda vai demorar um pouco pra me recuperar...
- Eu estarei com você, não importa a situação.
- Obrigada, você faz tudo parecer mais fácil.
Depois de mais do seu carinho, aproximou os lábios perto do meu ouvido, beijando suavemente atrás da minha orelha e provocando um arrepio delicioso. Começou a cantarolar tão baixo, que a principio eu achei que fosse o vento.
É sempre ter e nunca segurar
You've begun to feel like home
Você começou a sentir-se em casa
What's mine is yours to leave or take
O que é meu é seu, aceite ou ignore
What's mine is yours to make your own
O que é meu é seu para fazer de si mesma
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh
Be my baby
Seja minha garota
I'll look after you
Eu cuidarei de você, de você
- Be my ‘Strange’? – Fez de fato a pergunta, mordendo bem de leve o meu pescoço, me fazendo rir ao mergulhar naquela lembrança.
- Está me pedindo em namoro?
- Sim.
- Com a mesma música? Que falta de criatividade, Estranho.
- Faz parte da gente. – Concordei com ele e segurei o seu rosto e lhe beijei com tudo o que eu tinha.
POV .
Londres – 28 de agosto de 2016 – 04:40 pm.
Diferente do que imaginou, quando chegamos em Londres eu não fui pra casa. Na cidade existiam vários lugares que eram apenas nossos, mas havia um em especial, que me marcou. Não porque tivemos algo romântico, ou explosivo ali, mas por ter sido a nossa primeira verdade, transformada no nosso primeiro segredo. Parei o carro próximo ao parque St. James, exatamente em frente a árvore onde eu tinha encontrado há tantos anos atrás..
FLASHBACK ON
Londres – 19 de outubro de 2008 – 11: 55 pm.
Depois de tentar ignorar ao máximo os celulares, que não eram meus, vibrarem irritantemente sobre a mesa, eu peguei o celular de que voltou a chamar. O nome irmã brilhava no visor e sem questionar eu atendi. Resolvi falar antes que ela pudesse me relatar algo indevido, e de imediato, reconheceu minha voz e sua era um sopro de desespero atrelado a confusão.
O vidro da minha janela balançou ainda mais pelo vento e fui tomado por um medo e um total instinto protetor.
- ?
- ? – Bati contra a própria testa por ser tão imbecil.
- Você está com o ? Preciso falar com ele.
- Não, ele saiu com a e com o , e acabou deixando o celular aqui. Que voz é essa? Onde você está?
- Eu precisava que ele viesse me buscar, se você o ver pode pedir pra ele retornar minha ligação?
- Onde você está?! – A minha pergunta havia sido soprada quase como uma ordem.
- Em algum lugar do Parque St. James. – Dito isto, como se a natureza estivesse justificando o meu desespero, um raio irrompeu o céu clareando tudo, seguindo por um enorme estrondo.
- O que você está fazendo ai numa tempestade? – Estava preocupado com tamanho absurdo, e não me importei de estar sendo repreensivo. – Ficou maluca?
Enquanto eu esperava uma resposta plausível, apoiei o celular contra o ouvido e o ombro e tratei de calçar meus sapatos e vestir um casaco pra me proteger do frio.
- Só passe o meu recado se o ver, certo? Obrigada, .
- Espera! – Supliquei pra uma chamada agora muda, havia desligado antes mesmo que eu pudesse tentar convencê-la.
Xinguei pra o vento e aquela situação, ainda mais frustrado. Não que eu esperasse que logo fosse confiar em mim, alguém que ela mal conhecia e ainda considerava estranho, mas eu provavelmente era a sua única oferta de ajuda, e mesmo assim recusou, atingindo um pouco do meu ego. Então tudo se desfez, assim que eu a encontrei. Mesmo de longe, a silhueta da garota era contornada pela luz que irradiava nas gotas grossas de chuva que caiam. estava sentada, abraçando o próprio corpo, qualquer um poderia achar a atitude desistente e resignada, eu não. Era a dicotomia perfeita entre ser um anjo intocável, e uma frágil humana, despertando em mim um sentimento diferente, novo, forte, que não sabia o que era, mas que eu escondi com o nervosismo de toda a problemática.
Desci do carro, chamei por ela e quando seus olhos encontraram os meus notei uma paz lhe abater, meu corpo aqueceu, mas se manteve em alerta.
- Por Deus, você está bem? – Me ajoelhei diante dela, encarando ainda preocupado. Sua negativa a minha pergunta me deixou ainda pior. – Alguém te machucou? – Novamente negou, e eu não me incomodei de inspecionar o seu corpo, torcendo pra que algo de pior não tivesse lhe acontecido, e tentando entender o que a levaria àquela situação. – Vem, vou cuidar de você. – Sussurrei, quando meu peito se encheu de Jéssica, de algo só pra ela que nada mais importava. Peguei ela em meus braços e a levei com todo cuidado até o carro, liguei o aquecedor pra deixa-la não só quente, mas confortável com a minha presença, pra então olhar pra ela. – Retire a maior parte dessas roupas molhadas, eu tenho uma manta aqui no fundo.
Diferente do que eu estava imaginando, ela não se intimidou e me obedeceu, ficando apenas com uma blusa, e uma saia curta demais pra que eu pudesse pensar muito a respeito. Ao menos não naquele momento.
- Estou com muito frio. – Revelou, tentando aquecer seu corpo tremulo.
- Vem, deixa eu te esquentar. – Sem medir as consequências do meu ato, eu a envolvi com uma manta grossa, segurei suas duas mãos esfregando uma na outra, depois beijei delicadamente cada um dos seus dedos. – Está melhor? – Perguntei apreensivo, e entorpecido com o cheiro adocicado que emanava dela.
Como se tivesse dado vazão e confiança o suficiente a ela, com meu ato e minha pergunta, se aninhou ainda mais em meus braços, seus dedos apertaram firmemente a gola de minha camisa e eu pude ouvir o seu choro, eu estava quebrado pela primeira vez na vida. Eu não senti piedade por aquela Estranha, mas sim uma necessidade de afagar aquela dor, como eu estava fazendo com seus cabelos.
Abracei, cuidei dela, e esperei pacientemente pra que cada lágrima escorresse, torcendo pra que entendesse que dali em diante, eu iria estar com ela sempre.
FLASHBACK OFF
POV .
- A primeira vez que eu te vi foi aqui. – apontou pra uma árvore robusta.
- Claro que não, foi no colégio. – Ri com obviedade. – Eu te chamei de Estranho, você me disse que eu tinha belas pernas.
- Ainda tem. – Corrigiu. – Mas a primeira vez que eu te vi de verdade foi aqui. Sem nenhuma máscara ou fortaleza em volta, só uma garota precisando de ajuda.
- Eu estava realmente em apuros. – Ri, mas revirou os olhos pra meu drama.
Ele segurou a minha mão esfregando a ponta dos meus dedos, mesmo sem nenhuma necessidade de me aquecer, beijando delicadamente cada um dos dedos. Repetindo o mesmo gesto cuidadoso e repleto de amor.
- Estava aqui nesse parque há anos atrás e eu só queria sentir algo diferente, que movesse a minha vida e me tornasse única. Eu esperava ser salva, e essa foi só a primeira vez em que você fez isso.
- Não espero que você precise de mais salvação, mas mesmo como agora você não precisa de calor, eu estarei aqui pra você. Seja pra salvar, ou só pra te amar. – Lhe beijei até a falta de ar ser insuportável. – Fica comigo?! – Pediu e me lançou um sorriso confiante e esperançoso, o olhei com expressão divertida e que lhe chamava de bobo. – Vem pra casa comigo.
- Estou aqui com você, Estranho, não vou fugi. – Lhe garanti, sem entender a imensidão de seu pedido. – E nós vamos pra minha casa.
- Quero que você fique comigo... Pra sempre. – Acrescentou todo aquele infinito e além, e o encarei com ainda mais confiança, certa e rendida ao que queria.
- Eu fico.
- Você não respondeu meu pedido de namoro lá na loja.
Gargalhei de sua insegurança desnecessária.
- Achei que não fosse necessário, mas eu aceito. – Ergui os pés para deixar a minha boca próxima ao seu ouvido e sussurrar. – Namorado, sei que eu tinha te pedido pra se afastar, mas não faça isso. Nunca mais.
- Eu não vou. Eu não iria.
Londres – 28 de agosto de 2016 – 11:55 pm.
- Oi dorminhoco. – Virou minimamente o rosto pra me recepcionar com o sorriso que eu tanto amava.
- Você não tinha autorização pra sair daquela cama. – Me aproximei ainda mais dela e a abracei por trás, afastei o seu cabelo e beijei a sua nuca.
- Precisava te fazer uma surpresa, já é quase seu aniversário.
- Não precisava de nada, mas o que está fazendo? – Ela riu da animação que tentei esconder.
- Comprei pizza e estou fazendo seu pudim rice, mas não sei se vai ficar tão bom sem as instruções precisas de Sue.
Virei pra mim, e prendi meus olhos nos seus. Não estavam mais acompanhados de escuridão, era só luz. Segurei a sua mão, e lambi delicadamente cada dedo seu, sorvendo o sabor da massa junto ao dela. Melhor combinação.
- Está perfeito.
- Ainda precisa ir ao forno.
- Cuidamos disso depois. – Ela concordou com um aceno, olhando pra minha ação e já imersa em nossa bolha de luxúria.
- É... Cuidamos.
beijou minha boca, com seu dedo ainda estando lá, depois deslizou os dentes pelo meu pescoço, chupando e beijando delicadamente o meu ombro.
- Assim, você vai me sufocar, Linda. – Disse pra provocá-la, mas estava amando cada beijo e carinho lascivo.
- Estranho, eu vou te entregar todos os beijos que não te dei, e um pouco mais, só porque eu sou exagerada.
Antes que sua promessa pudesse ser cumprida, o celular dela apitou sobre a bancada e isso findou nos despertando. Ela abriu os olhos e sorriu, desistiu de qualquer coisa que iria fazer na cozinha, rodeou o meu pescoço e me beijou. Forte, intenso, gostoso.
- Feliz aniversário, Estranho. – Mordeu meu lábio. – Eu te amo.
Ia beijá-la de novo, mas sua mão segurou a minha e me guiou de volta ao quarto.
- Sente-se. – Ela ordenou, indicando a cama, e eu ri, fazendo erguer a sobrancelha em desafio. Sem questionar mais, eu acatei sua ordem.
- Adoro quando você fica mandona.
Foi a vez dela ri, antes de se aproximar e passar o indicador pelos meus lábios, me pedindo silêncio.
- Sei que esse é só o começo, eu sei que não fui e nem tenho sido a melhor pessoa nos últimos anos, mas eu realmente te amo.
- Babe, eu...
- Eu te amo e quero ter tudo ou nada, mas quero isso junto de você. Não quero só recuperar o tempo perdido, quero criar as melhores memórias.
tirou o roupão que usava e eu paralisei. Ela era literalmente o melhor presente de aniversário que poderia ganhar. Estava usando apenas uma calcinha vermelha, os seios firmes, sustentados por um enorme laço vermelho. Meu presente. Seu corpo, sua alma e o seu amor.
Tudo começou a se dissipar com tamanha facilidade que não pareciam mais blocos rochosos de dor. Finalmente a época turva e o amor desperdiçado por uma vida triste e vazia estavam no fim. Eu levantei e fui desembrulhar e desfrutar do meu presente.
Londres – 29 de agosto de 2016 – 01:55 pm.
Eu e chegamos, com quase duas horas de antecedência. A nossa vida havia adotado tanta vivacidade, que se movimentar era uma necessidade. Ele mesmo havia feito questão de embrulhar o presente de Jazzy, estava ridículo, mas a intenção era tão boa que eu não ousei questionar nada.
Palco com karaokê, barracas de comidas e doces. havia transformado o seu jardim num verdadeiro parque de diversões, com trampolins, fliperamas, piscina de bolinhas, cama elástica, gangorras, e até uma roda gigante.
Depois de praticamente esmagarmos Jazzy com beijos e abraços, ao ponto dela ter a audácia de revirar os olhos, nós a liberamos, e ela correu pra aproveitar sua festa, o seu dia.
seguiu até um pequeno palco, onde , e arrumavam algo no som, acenei pra eles, e fui falar com e estavam num canto e completamente estáticas. Cumprimentei o resto das poucas pessoas que haviam ali e me aproximei delas a passos lentos e cautelosos, de fato eu estava assustada com a recepção das minhas duas amigas e só consegui relaxar quando elas se entreolharam e finalmente sorriram pra mim. A nossa distância foi vencida por elas e eu posso jurar que o abraço que recebi das duas foram tão apertados e cheios de sentimentos, que parecia que não nos víamos em décadas.
- ... – me soltou e ao me encarar vi algumas lágrimas ameaçarem cair, exatamente como haviam nos olhos de . – Você... Você...
- Eu...?
- Você voltou! – disse e voltou a me abraçar. – Sentimos a sua falta.
- Mas eu só estive fora por uma semana. – segurou a minha mão e negou com a cabeça.
- Não, você esteve fora por alguns anos.
Entendi que a minha perda estava ligada não só a mim ou a e a história de desentendimentos que tivemos, mas a todos os nossos amigos. Concordei com um tanto de culpa, mas feliz por finalmente aquilo ter acabado.
Tivemos mais um único momento sentimental naquele dia. Eu contei a elas como havia sido a viagem, confirmou o que eu já sabíamos, então nos abraçamos e podemos virar aquela página.
Os convidados começaram a chegar e teve que nos deixar pra ser uma boa anfitriã.
Entre toda a barulheira de crianças, e os relatos frustrados de suas mães. e eu nos afastamos e nos entupimos de doces e drinks suficientes pra entreter os mini convidados, como verdadeiras rainhas de programa infantil.
Um garoto fofo, que eu não sabia de quem era filho, correu em minha direção e me entregou um pirulito. Poderia ser apenas um gesto de uma criança educada, mas era um recado. Atrás do doce, um bilhete tinha instruções claras.
"Sei que você adora mergulhar, venha me encontrar na melhor piscina daqui".
Ri sabendo quem era o autor, e pra onde deveria ir.
- Estranho? – Chamei colocando a cabeça dentro da casa de piscina de bolinhas, mas não consegui encontrá-lo. – ?
- RÁ!
- AAAAAH! – Gritei assim que ele emergiu do meio de todas aquelas bolas coloridas e me puxou fazendo cair sobre si. – SEU IDIOTA, EU ODEIO SUSTO.
Parecia que nada iria fazer parar de rir, e aquilo acabou me contagiando. Em questão de segundos o estava acompanhando, achando graça da situação.
- Você fica linda brava.
- Eu provavelmente deveria te morder. – Nem minhas ameaças contra ele tinham forças. – Ou deveria ficar preocupada com a sua mania de me sequestrar.
- Você não queria vir? Eu tive que ameaçar umas oito crianças pra elas saírem daqui, e termos o brinquedo só pra gente.
- Que péssima pessoa você é. – Fingi espanto.
- Serei bom com nossos filhos. – Apenas revirei os olhos, aquele tipo de comentário não me afetava mais.
- Você sabe que eu não posso. – Foi uma constatação, simples, não mais amarga ou lamuriosa, riu como se me chamasse de boba.
- Não importa o que te disseram. Nós seremos pais.
- Seremos? – Ri de sua empolgação.
- Claro. Nem que tenhamos que fazer os tratamentos mais loucos, ou adoção... Ou melhor, sequestro. – Seus olhos brilharam como os de uma das crianças traquinas que estavam na festa.
- Gosto da ideia do sequestro.
- Até porque se a criança for chata e malcriada, a gente pode devolver. – Nós dois gargalhamos de tantas bobagens.
- Eu amo você. – Disse roçando meus lábios nos seus, meu corpo no seu. – E eu amo piscina de bolinhas, e quer saber um segredo?
- Qual? – estava mais interessado em beijar meu pescoço e apertar minha bunda.
- Eu nunca fiz sexo em uma, e eu tenho esse sonho.
- E eu estou aqui pra garantir que ele se torne realidade.
me beijou e nossos corpos se perderam entre as bolas e um no outro. Infelizmente não por muito tempo.
- Dinda? Dindo?!
O chamado de Jazzy fez com que a gente se afastasse mais rápido que um raio. Nossa afilhada e mais umas dez crianças nos encaravam. Umas curiosas, outras espantadas, e as mais atrevidas sorriram achando aquilo incrível.
- O que vocês estavam fazendo? – O garoto ruivo tinha um perfeito sorriso malicioso, que indicavam que ele sabia exatamente a resposta.
- Nós estávamos brincando. – Disse enfática, mas gargalhou e roubou minha credibilidade.
- Na verdade, Princesa, a diversão mesmo vai ser em casa.
- !
- Ninguém pode ir embora agora. – Determinou birrenta, e acredito que um pouco enciumada. – Os meus papais estão chamando vocês, venham!
Todas as crianças correram, aproveitou que estávamos novamente sozinhos pra me beijar, mordiscar e me provocar ainda mais com seus sussurros, pra então permiti nossa saída.
- Hora dos parabéns! – apertou num abraço desajeitado e saiu puxando ele até a mesa.
Além de todos os doces coloridos e balões, havia um bolo minimamente decorado com o nome de Jazzy escrito com letras douradas. Ao lado havia um bolo do Toy Story, era o de . Ser lembrado, havia deixado o Estranho mais abobalhado do que qualquer criança ali.
Cantamos os parabéns, antes de soprar as velas e fazer seu pedido, olhou pra mim e sorriu do seu jeito espontâneo que fazia os seus olhos fecharem, não me restou dúvidas que eu fazia parte dos seus desejos, assim como ele fazia dos meus.
- Não cortem esse bolo! – apareceu gritando e segurando outro bolo, esse era grande, retangular e coberto por glacê, metade branco, metade rosa.
Ela estava falsamente benévola, e todos nós prendemos o riso, precisou se abaixar e praticamente se morder pra que sua gargalhada não estragasse a brincadeira. olhou temerosamente maternal, mas abaixou seu olhar e rindo, não impediu nenhuma ação.
A gente sabia o que iria fazer, era um truque ridiculamente antigo, que ela praticava quando éramos crianças, mas que ainda era novo pra Jazzy e .
- O seu bolo mágico! – gritou empolgado, fingindo estar diante de um tesouro, o que despertou maior interesse de Jazmyn.
- Isso mesmo! – Sorrindo, colocou o bolo diante dos aniversariantes. – Vocês precisam fazer um pedido pra esse bolo, e lhes garanto que ele irá se realizar.
- Mas não tem velas, Tia .
- Exatamente. – disse em tom de segredo. – O verdadeiro pedido é feito para o próprio bolo. Vocês estão prontos?
Jazzy concordou agitando energicamente a cabeça em pura expectativa, se abaixou imitando o gesto da afilhada, não porque acreditava, mas pra não estragar o momento.
Tentei sentir pena pelo que viria, mas não, peguei o celular e deixei a câmera pronta pra capturar o momento.
Instigados por , os dois se aproximaram ainda mais do bolo, e como ninjas, e empurraram a cabeça dos dois sobre a guloseima.
A primeira reação de Jazzy, assim como a de qualquer criança, seria o choro, mas foi mais rápido ao cochichar algo em seu ouvido, e logo os dois trocaram um olhar cúmplice e arteiro, limparam o rosto e começaram a correr atrás de nós, em segundos, estávamos todos sujos de bolo e glacê, numa verdadeira guerra, que continuou com um empurrando o outro na piscina.
- Você não vai escapar, . – saiu da piscina, assim que o jogou lá, e nem tive tempo de pensar em correr, ele segurou minha cintura e pulou comigo.
- Seu desgraçado. – Berrei por cima da minha gargalhada, pretendia dar um caldo por vingança, mas meu pé foi puxado por . Mais uma guerra.
- FIQUEM ONDE ESTÃO! – A irmã mais nova de roubou nossa atenção, e apontou o celular na nossa direção.
Nós nos aproximamos pra tirar a foto, mas sem nos importar muito com ela. Ela fez sinal positivo e disse o quanto a imagem tinha saído espontânea e linda. Automaticamente os meus olhos encontraram os de .
FLASHBACK ON
Nova York – 29 de outubro de 2015 – 07:15 am.
- Você é feliz aqui? Nos refizemos nesse lugar, temos uma à outra, mas você está feliz?
- Eu acho que sim, mas só o fato de não ter certeza, já responde sua pergunta?
- Nós temos tudo, conquistamos o mundo, fazemos o que mais amamos e porque eu sinto que nada disso faz sentido? O que nos falta, ? – O desespero era explicito em minha pergunta.
- Amor. – Ela me encarou séria, e vi uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto. – Amor de amigos verdadeiros, de família. – Agora o rosto claro e franzino de minha amiga estava molhado pelas emoções. – Amor que só encontramos no nosso lar.
Levantei-me e depois de pegar uma caixa de madeira branca, que nunca havia tocado desde que chegara à América, eu a abri. Várias fotos estavam empilhadas ali e a primeira me faria derramar lágrimas, se eu ainda conseguisse. Aquela era a minha vida, nossa turma reunida num dos raros dias de sol de Londres, tomando banho de piscina na casa do lago.
e tinham garotas em cima de seus ombros, que sinceramente não lembro os nomes, segurava a cintura de por trás, enquanto esta mantinha a cabeça em seu ombro, seus cachos loiros e ainda compridos pareciam iluminar o seu rosto, enquanto ela dava língua pra foto. e estavam ao lado, ele beijando sua barriga de oito meses, já eu e estávamos no canto direito, fazendo uma espécie de guerrinha porque ele queria me "afogar". Eram dias como aqueles, sem preocupações, responsabilidades ou horários que eu não me permitia recordar, pra não enxergar a droga que era minha vida atualmente. Nós nos perdemos tanto durante esses anos, e se aquela foto fosse tirada hoje, o amor de e seria reafirmado ainda mais com a presença de Jazzy ali, certamente novas garotas estariam com o e , e também teriam novas companhias. Enquanto e eu nos resignamos a manter distância.
- Sinto falta de tudo. Eu olho pra o passado e as coisas eram tão mais fáceis, como se o "felizes para sempre" existisse. – Respirei fundo e sentei novamente na cama recebendo o abraço de . – Eu sinto saudades de casa.
- Às vezes eu tenho a sensação de que nunca saímos de lá. Pelo menos não os nossos corações.
FLASHBACK OFF
Eu e havíamos sonhado com aquilo, agora não havia mais nada além da nossa realidade. Agora a nova imagem captada tinha beijando Elle, uma garrafa de cerveja, e se encaravam, fazendo careta para o outro. e esmagavam Jazzy com cócegas, enquanto a garota gargalhava e se contorcia. mantinha os seus braços envolta da minha cintura, enquanto eu mordia a sua bochecha.
Assim como a estação, os nossos corações estavam quentes, aquecidos e protegidos. Em casa.
Capítulo 21
and it goes up you don’t have to be alone.”
A message – Coldplay.
Londres – 21 de março de 2018 – 09:45 am.
Fui acordado por uma gritaria e um barulho vindo do andar de baixo, desci ansioso para ver a bagunça, a música estava alta o suficiente para encobrir os meus passos, ao chegar à sala de vídeo, sorri ainda mais ao ouvir os latidos de Simba se misturando as gargalhadas de , Jazzy e Ben. Parei, cruzei os braços e me encostei na porta observando a festa particular dos quatro.
Quando deu uma volta como parte da coreografia ridícula que acompanhava, fui pego espiando.
- Não se incomode com minha presença palhaça dançante. – riu e foi abaixar o volume da TV. – Vocês também Jazzy e Ben.
- HA - HA - HA. – Ela tentou parecer ofendida, mas como em todas as manhãs estava genuinamente feliz em me ver.
Jazzy continuou dançando sendo rodeada por um Simba bastante animado. Ben tentava se equilibrar enquanto a imitava, era engraçado vê-los juntos. acompanhou meu olhar por um instante, depois se aproximou e me puxou pra um abraço.
- Bom dia, Estranho marido.
FLASHBACK ON
Milão – 19 de fevereiro de 2017 – 10:03 pm.
Assim que ela desceu da limusine eu segurei a sua mão e como se tivesse instantaneamente reconhecido ela apertou firme, só então se virou constatando que de fato sua intuição havia acertado.
- O que você está fazendo aqui? – Perguntou animada com a respiração entrecortada pela surpresa.
- Soube que o desfile de Milão é um dos mais importantes da semana de moda. – Me fiz de indiferente. – Não poderia deixar de vir.
- Você assistiu meu desfile? O que achou? – Ficou ainda mais surpresa e um tanto insegura. – Eu nunca sei se as pessoas gostaram...
me fez uma enxurrada de perguntas que competiam com a quantidade de flashes que vinham em nossa direção, eu não respondi a nenhuma, só pensava no quanto eu era sortudo por tê-la. Ela ainda parecia com a garota que eu conheci e me apaixonei, era meio rocha, meio flor.
- Estava tudo tão perfeito quanto à criadora. – Finalmente sussurrei minha resposta pra que ela conseguisse me ouvir e com um suspiro longo, seguido por um sorriso, eu senti se acalmar e recuperar toda a sua autoconfiança.
Paramos pra pousar pras fotos, a noite era de e eu estava adorando ser só o seu acessório, seguindo e esperando pacientemente as entrevistas rápidas que concedia. Assim que entramos na casa onde haviam preparado uma enorme festa pra sua grife, me puxou para atrás de uma árvore, não era escondido o suficiente, mas nos daria um pouco de privacidade, então ela me beijou ferozmente, matando a sua saudade e a minha, segurei sua cintura e permitir a audácia de apertar sua bunda, arrancando gemidos de aprovação, que infelizmente foram sobrepostos por uma tosse forçada de um dos seguranças que pediu para que entrássemos.
e eu rimos cúmplices, como dois adolescentes que haviam sido flagrados, algo em sua risada infantil me trouxe ainda mais certeza do que pretendia. Segurei a sua mão e a impedi de sair.
- Eu sei que a festa é pra você, mas existe alguma possibilidade de você escapar e vir comigo, agora?
Ela parou por um instante e levou o indicador ao queixo, num gesto dramático de quem estava pensando.
- Bom. – Começou com uma expressão triste. – Só a minha presença lá fecharia todos os contratos que a grife precisa, sem contar na promoção da marca e aumento das vendas pra nova coleção. – Me desanimei, aquele era o trabalho dela e eu teria que esperar, mas então surgiu um sorriso ladino de obviedade e malícia. – Mas a única possibilidade que existe agora é de ir com você pra onde quer que seja. – Eu deveria estar sorrindo como um bobo quando ela me abraçou e deixou um beijo no meu pescoço.
- Aceita sem pestanejar?
- Sim. – Esse foi o primeiro “sim” que recebi naquela noite.
FLASHBACK OFF.
POV .
- Bom dia, minha Estranha esposa. – retribuiu meu abraço e passou a barba pelo meu pescoço, deixando em seguida uma trilha de beijos ali. – Você está tão cheirosa. – Sussurrou.
Antes que eu pudesse formular algo coerente para dizer, Benjamin abraçou a perna de e acabou nos afastando. O meu irmão era louco por ele, os dois adoravam brincar juntos, eram tão afetuosos que era impossível não se apaixonar. Meu marido o pegou no colo e depois de um pedido balbuciado, virou Ben de cabeça pra baixo, essa era a travessura favorita dos dois e a minha também. Eu amava ouvir o som de suas risadas.
Eu olhava pra toda manhã e era tão grata por tê-lo comigo, que às vezes eu me sentia culpada por tanta sorte. Não havia uma conversa sobre isso ou um desequilíbrio em nosso relacionamento, mas vê-lo ser tão bom com crianças partia meu coração, por mim e por ele, era como testemunhar a dor de uma felicidade que provavelmente ele não teria ao meu lado. Sabia que era uma frustração pra ele também, talvez íntima até mesmo pra seus próprios pensamentos, eu sabia, porque era transparente pra mim. Quando as crianças estavam em casa, era como se a parte que nos faltava, enfim nos preenchia, nos tornando um lar.
A princípio, achei que seria fácil, meus médicos diziam que o único problema que eu tinha era psicológico, então eu tentei ao máximo derrubar minhas barreiras. Comecei assumindo pra mim mesma, e depois pra que eu ainda queria ter um bebê, deixei o resto pra natureza, mas não estava funcionando. Eu não ficava grávida.
Eu queria poder dar tudo o que o meu Estranho merecia, e merecia uma família, merecia ser pai. Ter seus filhos para que ele pudesse lhes ensinar sobre música ou amor, pra sentir ciúmes e frustração quando fossem rebeldes. Pra ser cuidado e amado por eles, assim como eu fazia.
“ terá isso um dia.”
“ terá isso um dia.”
“Nós teremos isso um dia.”
Era o mantra que me acalmava e me mantinha firme, mantinha o nosso casamento. Me casar com ele foi a escolha mais sensata do meu coração, o melhor destino. não era só o amor da minha vida, era o amor do meu sempre.
FLASHBACK ON
Desci do carro e fui guiada por , ele mantinha as mãos protetoras em minha cintura para que eu pudesse seguir o caminho mesmo em meio à escuridão por estar vendada. Eu só pensava no quanto àquilo era uma analogia perfeita pra nossa própria vida.
Ao sair do elevador, uma porta foi aberta, sussurrou me pedindo para parar, senti o pano de cetim ser retirado dos meus olhos. Luz. Estávamos em um apartamento com algumas mesas rústicas dispostas na sala de estar, era um pequeno restaurante secreto e exclusivo, que deveria comportar apenas poucos clientes. Eu estava confusa e não processei ou me permiti analisar melhor o ambiente, só estava concentrada no sorriso bobo de . Sua animação continuou me arrastando pelo lugar, passamos por uma cozinha clean e moderna, o aroma que exalava era excitante e invadiu meu olfato.
abriu uma porta de vidro que dava para a área externa, a noite estava fria, mas nada comparada as baixas temperaturas que enfrentávamos em Londres. A varanda não era muito grande, mas tinha uma vista legal do centro da cidade, o deque de madeira estava todo decorado com velas, pétalas de rosas espalhadas pelo chão, pequenas luzes e fotos que contavam a nossa história pendiam de um pergolado com folhagens e mais flores. A imagem que mais me chamou a atenção provavelmente foi a primeira que tiramos juntos, os dois sorrindo durante o nosso encontro na Hyde Park Winter Wonderland, tudo parte de um desafio bobo e desnecessário. Tanta coisa havia acontecido desde aquele momento, mas eu continuava apaixonada por da mesma maneira.
O resto do local era formado por móveis de vime com almofadas que pareciam confortáveis e faziam o caminho até uma pequena mesa de jantar, ao pararmos em frente, me encarou e me puxou para os seus braços.
Só havia nós dois ali, e eu continuei sorrindo sem entender.
- Sabe onde estamos? – Sua mão tocou o meu rosto e seus olhos explodiram em frenesi e expectativa.
- Num restaurante? – Eu estava arfando e tremendo.
- Sim, hoje é um restaurante. – Sua testa prendeu-se a minha conectando ainda mais os nossos olhos, havia ansiedade, paixão, euforia latente no ar, fazendo cada batida de nossos corações serem ouvidas numa melodia harmônica. – Mas antes isso aqui costumava ser o seu apartamento.
O choque foi tão intenso que comecei a rir e chorar, por nervoso, por incredulidade. Por amor.
- Eu não...
- Você me disse que sempre sonhou em voltar aqui e... – se ajoelhou diante de mim e estendeu uma pequena caixa preta, nós dois paramos de respirar, o mundo parou de girar. – , minha Estranha, eu...
- Sim! – Respondi veemente. Meus olhos reluziram diante do brilho dos olhos de , que haviam mudado a cor do enorme diante que havia no anel. – Sim e sim!
- Me deixa fazer o pedido? – Concordei com um aceno de cabeça frenético e nós rimos, meu rosto transbordava lágrimas de alegria, esperando ansiosa por cada palavra que seria dita. – A primeira vez em que te pedi em casamento aqui, nesse mesmo lugar, eu trazia comigo vários sentimentos errados. Ciúme, insegurança e imaturidade, mas também tinha amor, paixão, esse medo que a gente sente de perder quem se ama. Essas coisas não mudaram, mesmo depois de tudo, eu sinto o mesmo amor, a mesma paixão e o mesmo medo, mas agora é seguro, maduro, maior e mais forte. Eu quero me casar com você porque foi feito pra ser assim desde o primeiro instante quando te vi correndo na minha direção com aquela roupa sexy de cheerleader. – Piscou de um jeito safado e sorriu. – Então... , você aceita se casar comigo?
- Sim! – Minha resposta convicta saiu em meio a um soluço e gargalhada. Balancei a cabeça ainda mais energicamente pra reforçar minha aceitação, o meu amor e toda a minha certeza. Me ajoelhei também e distribuir beijos em seu rosto. – Sim, meu Estranho, tudo o que eu mais quero é me casar com você!
colocou o anel no meu dedo, ele tinha acabado de realizar mais um sonho meu. Nos levantamos e ele me deu aquele sorriso enorme que fazia os seus olhos fecharem, então me abraçou, enquanto me girava nós dois gritamos feito bobos.
Finalmente eu seria .
- Eu não acredito que você fez tudo isso por mim.
- Eu pretendo fazer muito mais. – Sua boca invadiu a minha e o beijo ganhou um tom de luxúria, desejo e paixão. – Vou fazer muito mais agora mesmo. – Enquanto anunciava a sua mão apertou a minha bunda e os nossos corpos se chocaram ainda mais.
- Vai? – Mordi o seu lábio e provoquei. – Eu duvido.
desceu ainda mais as mãos e em questão de segundo as minhas pernas estavam rodeando a sua cintura, eu o beijei ainda mais energicamente, enquanto ele me carregava para o sofá.
As mãos de passearam pelo meu corpo retirando a pouca roupa que eu usava, ele me tocou com tanta sutileza que parecia estar pintando uma tela, eram traços suaves, mas precisos e fortes. Todos causando um frenesi ainda maior, uma necessidade de ser ainda mais dele, de tocá-lo também.
Enquanto seus olhos encaravam os meus, me penetrou forte e deliciosamente doce. O melhor dos contrastes.
me amou, me torturou, me tirou de órbita várias e várias vezes. Me fez completamente sua, não que eu já não fosse antes.
Repousei sobre o seu peito, não conseguíamos parar de rir e nos beijar como bobos que haviam acabado de se conhecer.
Meu corpo estava leve como pluma, mas aquela calmaria não tirou a adrenalina que pulsava por um pensamento conflituoso, não era necessário, ou talvez fosse, a simples menção de ser era que me amedrontava.
- Posso ouvir as engrenagens do seu cérebro funcionando daqui. – brincou e eu ergui a cabeça para encarar seus olhos. – No que está pensando?
- No quanto eu te amo.
- Eu sei que sou irresistível, mas tenho certeza que não é isso. – Meus dedos passearam suas sobrancelhas antes bagunçadas, enquanto eu buscava uma maneira de trazer o assunto à tona sem estragar o clima de felicidade e esperança, aproveitou o carinho esperando pacientemente.
- Estranho, você sabe que talvez eu nunca consiga engravidar e talvez nós... – O beijo dele me interrompeu. Diferente dos outros que trocamos ao longo daquela noite, esse tinha um afago desmedido, uma calma, segurança.
- Babe, nós já somos uma família, na pior das hipóteses passaremos o resto da vida sendo só você e eu, ainda é uma ótima hipótese, certo?
Mesmo se nunca tivéssemos nossos filhos, ter ele ao meu lado seria mais do que o suficiente pra eu ser a mulher mais feliz do universo.
- Sim, será perfeito. – Ergui meu corpo ainda mais sobre o seu e o beijei.
- Podemos nos casar no próximo final de semana? – pediu num murmúrio que me fez rir. – O que significa esse riso? Um “sim”?
Sua voz pareceu mais abobalhada pela expectativa e enquanto eu processava se aquilo era mesmo um pedido relevante, a pulsação de acelerou, ergui a cabeça pra conseguir encarar seus olhos e foi impossível não sorri ainda mais apaixonada.
- Me casaria com você até mesmo agora.
- Vamos pra Vegas! – Se ergueu e me levou junto. – Pegamos um avião particular, amanhã já estaríamos lá e...
- Estranho! – Minha exclamação em meio a uma gargalhada o freou brevemente. – Não quero me casar com você em Las Vegas.
- Mas você já fez isso... – Tive que beijá-lo pra finalmente conseguir pará-lo de vez.
- Aquilo não deve ser considerado um casamento. – Revirei os olhos reforçando a obviedade, tentando expulsar de vez aquele fantasma. – Não havia amor ou cumplicidade, tudo ali estava errado. Já com você tudo é certo, calmo. – Abaixei o olhar e vi minhas unhas passearem pelo seu peito.
- Eu só quero que seja logo e seja perfeito.
- Será. Devemos criar a melhor lembrança desse dia, não algo repentino e esquisito. – Segurei a sua mão, e beijei a palma tentando tranquilizá-lo. – Nosso relacionamento não é a junção de duas metades, mas sim de dois inteiros. É forte, verdadeiro. Pra sempre, pra nós dois cuidarmos e cultivarmos todo dia. Pra ser pra sempre. Não precisa pressa. Meant...
- Meant to be. – Completou a nossa frase, segurando firme o pingente da minha pulseira.
se enterneceu e seus olhos brilharam pra mim. Suas mãos passearam por minhas costas até alcançarem o meu pescoço, aquele afago era o sinal de sua quietação.
- Como você imagina o nosso casamento? – Me perguntou voltando a me puxar pra um abraço, nos deitamos novamente. – Uma grande festa?
- Não. Não quero nenhuma mídia ou publicidade, apenas nós dois, nossas famílias e amigos. – Fechei os olhos e vaguei pelo plano onírico que há anos eu sonhava, até mesmo quando tentava negar. – Um lugar perto do mar, quente e ensolarado, onde eu possa ver bem você chorando enquanto declama seus votos.
- Eu não vou chorar. – Automaticamente, retesou o corpo e adotou uma pose mais máscula. Ergui a cabeça e o encarei cética, assim que ele relaxou os músculos se entregando a derrota, nós dois rimos. – Provavelmente só vou chorar um pouco.
- Lindo, eu amo você. – Contornei com o polegar a sua sobrancelha direita, depois o seu sorriso.
- Eu te amo, Estranha noiva.
- Gostei do meu novo apelido, meu Estranho noivo. – Ri de nossa bobagem.
- Não se acostume, não será por muito tempo. – Ele beijou o meu dedo. – Logo você será minha Estranha Esposa.
POV .
Londres – 11 de março de 2017 – 05:19 pm.
Nem tudo era lindo e flores, especialmente no início, mesmo nos conhecendo, nos amando, éramos dois seres humanos, éramos diferentes, errávamos e a graça era justamente conseguir se adequar ao outro, ter essa iniciativa e vontade. entrou na fase onde as futuras noivas se tornam monstros, andava cansada e estressada com os preparativos da nossa festa e não aceitava a minha ajuda, depois reclamava justamente pela falta dela.
Eu havia ficado fora por uma semana gravando em um estúdio em Liverpool. Não aguentava mais de saudade de , desde que ficamos noivos eu me mudei pra o seu apartamento, foi de maneira progressiva e sutil, então aos poucos eu passei a ter mais coisas em seu lar do que no meu, ela custou um pouco para assumir isso, mas eu não me importava, só adorava chegar e encontrar ela, ou esperar por ela.
Passei todo o caminho imaginando como seria ao chegar no nosso apartamento e poder matar o desejo que vinha guardando, várias cenas pervertidas iam se construindo em minha cabeça me deixando ainda mais louco.
”Estou chegando, espero que não esteja vestindo nada que ame muito, pretendo rasgar você e qualquer tecido.”
Não recebi uma resposta, aquilo significava que ela iria me fazer uma surpresa, me deixando ainda mais ansioso.
Foi o que eu pensei.
Ledo engano.
Eu mal havia passado pela porta do apartamento e encontrei batendo os saltos no chão e me encarando com olhar furioso, Simba como um verdadeiro melhor amigo, abaixou as orelhas e depois de me lançar um olhar condescendente fugiu dali.
- Oi, minh…
- EU VOU TE MATAR, !
- O que eu…
- Nem tente se fazer de desentendido, você sabe exatamente o que fez. – Bradou apontando seu dedo acusatório, enquanto eu me sentia ainda mais perdido ali. Joguei a mala no chão e resolvi esperar o que viria antes de tentar me aproximar.
- Essa é uma daquelas discussões na qual eu devo dizer exatamente o que você quer ouvir e…
- AAAAAAH! – Nem o meu sorriso tinha surtido efeito para tornar o clima amistoso. – Você deixou todos os seus instrumentos, CDs e discos espalhados no MEU ateliê. Aquela é a minha área, mas agora eu não consigo encontrar nada! – Ela dizia rápido e gesticulando. – E sabe por quê? Porque lá virou a porcaria de um estúdio de música!
- Estranha, eu…
- Não me chame assim! – Não consegui conter revirar os olhos.
- Fica calma, a nossa casa vai estar pronta antes do casamento e vai estar do jeito que nós sonhamos. Nossas bagunças vão estar separadas. – Acrescentei rindo.
- Essa não é a pior parte! Eu fui arrumar os seus estúpidos CDs, com a minha atitude estúpida, porque eu sou estúpida... – Drama. Ela estava fazendo o maior drama e me controlei para não rir.
- Você não é…
- ...O único CD que temos em comum são os da sua banda!
- Posso conviver com seu péssimo gosto musical. – Tentei brincar, mas fui o único que esboçou um sorriso.
- Não temos mais nada em comum! Começamos a morar juntos rápido demais. Nós somos péssimos e…
- Ei! – Me assustei com o provável rumo que a conversa teria e a fiz parar imediatamente. – O que está acontecendo? De onde você está tirando essas coisas? – Segurei ela pela cintura, mesmo temendo que fosse morto por algo que supostamente eu fiz, mas desconhecia. – Nós somos ótimos! Sobre morar juntos, nós não somos mais estranhos um com o outro, somos o Estranho um do outro. – Tentei animá-la. – Ah, qual é? Depois de tudo o que vivemos e não vivemos não existem regras pra o nosso relacionamento.
Uma lágrima quis escorrer de seus olhos, mas ela a segurou com veemência. Então me empurrou e estendeu bruscamente a mão me entregando uma fotografia. Nela eu estava abraçando uma garota por trás, nós dois sorríamos e parecíamos o casal mais feliz do planeta, mas pra ser sincero, eu não lembrava sequer o sobrenome dela, muito menos de qualquer momento que tenhamos passados juntos.
- “Para meu eterno amor, ” – Recitou com desdém o que tinha escrito no verso da foto. – Estava dentro de um dos discos, se você guardou ela deve ter sido mesmo importante, ela deve ter o mesmo gosto musical que você e...
Abstrair o resto do drama que veio em seguida, foi impossível não rir do seu ciúme infantil, foi impossível não achar ela a coisa mais adorável desse mundo. Suas narinas inflaram e as bochechas coraram ainda mais, estava morrendo de raiva e eu morrendo de vontade de beijá-la. Com coragem voltei a me aproximar aos poucos e decidi abaixar suas fortalezas lhe dando um abraço.
- Me desculpa? Eu sou o pior namorado do mundo. Vou arrumar as minhas coisas. – Tentei deixar de fora a conversa sobre a ex-namorada.
- Você ainda é apaixonado por ela? – Ela era tão incrível que fez essa pergunta sem um traço de insegurança.
- Eu nem sabia que isso estava aí, você não merecia ver, me desculpa. – Dobrei a foto e a coloquei sobre uma pequena mesa, depois ela iria pra o lixo, ou não, eu não poderia me importar menos.
- Eu perguntei se…
- Claro que não sou apaixonado por ela! Todo meu amor é seu! Se essa foto tivesse algum significado, todas as que aparecem quando eu jogo o seu nome na internet também teriam. – colocou as mãos na cintura e me encarou buscando no meu olhar um entendimento. Eu dei de ombros e me fiz de indiferente.
- O que você quer dizer?
- A sua extensa lista de namorados e suas respectivas fotos com eles.
- Eu não guardei foto com nenhum deles, a verdade é que eu não tive uma lista extensa. – Disparou na maior cara de pau.
- Chris Pine, James Lafferty, Jared Leto...
- Pode parar co...
- John Mayer.
- Ei, nós só fomos ao cinema uma vez e ele é muito boçal.
- Jared Padalecki?
- Não quero falar sobre isso. – Ela escondeu propositalmente um sorriso só para me provocar e deixar afetado.
- Ah não? – Ela negou com a cabeça. – Eu morro de ciúmes em ver cada uma daquelas fotos, deve ser natural, ou não, mas o que eu quero dizer é que...
- , eu...
- Todos os dias eu me esforço pra ser o seu homem, o único que te faz querer seguir em frente e que não vai te deixar retroceder para nenhum passado. E isso inclui o passado no qual você viveu com uma versão imatura minha. – Os olhos dela estavam brilhando.
- Eu só... – deu um longo suspiro e deixou seus ombros e resistências caírem. – Me desculpa? Estou nervosa com o casamento, a nossa casa que nunca fica pronta, os lançamentos dos novos produtos da grife, a minha mãe que não te aceita.
- Sua mãe ainda não me aceita? – Ela revirou os olhos e eu decidi que não queria saber mais de nada. Eu beijei sua boca, cada parte do seu rosto. Ela empurrou meu corpo na parede e sua língua invadiu ainda mais a minha boca, num beijo profundo, molhado e demorado que logo nos deixou sem fôlego.
- Eu senti a sua falta, Lindo... Me desculpa?
Ergui sua perna e me friccionei nela, gemeu e depois mordeu meu pescoço, todo o meu descontrole ressurgiu. Saudade mais desejo era uma arma letal e eu estava disposto a usar.
Peguei seu cabelo e como um tecido eu emaranhei em minhas mãos antes de virá-la contra a parede, onde o seu sorriso depravado se chocou. Instantaneamente ela empinou a sua bunda pra mim, se esfregando, convidando e provocando.
- Mais! – pediu assim que meu corpo a prensou ainda mais contra o seu, um gemido sôfrego escapou de nós dois.
- Hoje você vai ter tudo! – Minha mão invadiu a sua saia, seu pensamento e qualquer raciocínio. – Eu disse que iria te rasgas hoje, mas ao contrário do que você imaginou, eu não vou começar pelas suas roupas. – Quando três dedos meus a invadiram uma explosão se iniciou.
Por horas aquele lugar ficou desprovido de lógica ou pudor. Eliminamos qualquer tensão, quaisquer resquícios de dúvidas. Nos amamos toda a noite, em cada canto daquele apartamento, por fim ela havia relembrado como era ótimo morarmos juntos.
FLASHBACK OFF.
- A cama estava vazia sem você. – Beijei a curva de seu pescoço. – Acordaram cedo.
- Tenho que levar as crianças antes do almoço. – Disse desanimada.
- Mas já?
- disse que se Jazzy ficasse aqui mais um dia, iria nos denunciar por sequestro. Meu pai e Elena já devem ter feito isso.
Ela fez um bico fofo e ri dos seus exageros, mas ainda podia sentir uma linha ínfima de tensão que surgia entre nós quando o assunto “não dito” aparecia.
Eu e estávamos casados há mais de um ano, exatamente trezentos e trinta e dois dias. Perfeitos e incríveis, longe de qualquer clichê.
Na nossa lua de mel, nós resolvemos nadar pelados numa praia particular e dentro de toda a imensidão do mar que beijava a lua, me disse o que queria.
Enquanto fazíamos amor, ela sussurrou em meu ouvido de maneira tão decidida e poderosa que pareceu um grito para todo o universo, admitiu que estava pronta pra tentar ter um filho, pronta pra voltar a sonhar com aquilo de novo, era o que faltava pra ela, o que faltava pra mim e o que faltava pra nossa família. Não pude discordar, enquanto a beijava disse que lhe daria isso. Foi a minha promessa.
Mês a mês nós nos decepcionávamos, me dizia estar irritada por conta da TPM e eu fingia acreditar que toda aquela crise e falta de educação comigo era por conta dos hormônios, mas nós dois sabíamos que era mais. Eu também me sentia desapontado, mesmo jamais permitindo mostrar, havia lhe jurado uma família e estava falhando.
Pacientemente eu tentava acalmá-la, o seu período menstrual se iniciava e eu lhe fazia uma surpresa. Tirava uma foto dela, revelava e escrevia uma dedicatória atrás. Ela estava sempre despreparada e bagunçada, linda, única, e era isso que eu lhe dizia, a fazendo enxergar a si própria com os meus olhos.
Virou um ritual, um tanto cruel, mas ainda assim repleto de amor.
- é um egoísta. – Brinquei e afastei os nossos fantasmas. – Seu pai é desumano.
- Sim, muito. – Foi à vez de ela me beijar, quando fez me arrepiou como sempre. – Ouvi dizer que talvez hoje chova bastante, podíamos deixar as crianças em suas casas e depois matar o trabalho. – Finalizou o pedido me mordendo fraco.
- Eu ia adorar, mas...
- Odeio essa palavra “mas”. – Imitou a voz de desdenho que eu sempre fazia ao dizer aquela frase, depois mordeu o lábio e abaixou as sobrancelhas em desistência.
- Eu preciso ir ao estúdio e você tem o desfile próxima semana.
- Tem razão, mas eu queria ficar em casa com você, acordei um pouco indisposta.
- Percebi. – Disse me referindo à dança e ela revirou os olhos.
- Estou falando sério.
- Podemos voltar mais cedo e eu prometo te fazer uma massagem. – Minha barganha fez o olhar de se tornar lascivo.
- De uma hora? – Se aproveitou.
- Trinta minutos. – Tentei negociar, mas a verdade era que ela sempre conduzia os nossos contratos.
- Quarenta!
- Fechado. – Ela me deu um selinho para fechar nosso acordo.
- Eca. – Jazzy disse fazendo uma careta fofa e como um papagaio, Ben a imitou. – Beijar assim é nojento.
- Isso mesmo princesa. – Apertei a sua bochecha, porque sabia que ela detestava. – Não deixe nenhum garoto fazer isso com você até ter uns trinta anos.
- Para . – cutucou minha barriga e meu ciúme. Voltou-se para Jazmyn, acariciou o seu cabelo e a salvou de meu ataque. – Quando você estiver apaixonada vai mudar de ideia, Jazzy.
A garota apenas revirou os olhos, achando tudo uma grande bobagem. Como uma líder nata, só permitiu que dançássemos mais duas músicas, depois nos convocou para o café da manhã. Ela não era boa na cozinha, admitia, mas eu não podia negar o seu capricho e amor em fazer questão de preparar tudo para as crianças e pra mim. Então ficava claro que eu só precisava viver aquilo todos os dias pra o resto da minha vida e seria o mais feliz dos homens.
FLASHBACK ON
Marbela – 19 de abril de 2017 – 10:47 pm.
Faltavam quatro dias pra o meu casamento com , já estávamos em Marbella, mas naquela noite teríamos o que denominamos de broken. Durante as últimas semanas ficamos nos provocando, contando pequenos e propositais detalhes de como seria as nossas despedidas de solteiro.
A de seria num iate e pelo quanto a conhecia, seria regado por todos os tipos de insanidade cabíveis a ela ou não. Eu só esperava que ela se divertisse ao extremo, fazendo tudo o que fosse deixá-la feliz.
Diferente do que eu havia lhe dito, não iria pra nenhuma boate e também não receberia nenhuma dança no colo de um grupo de dançarinas brasileiras. Não sentia necessidade dessas coisas, a minha diversão mesmo aconteceria no domingo, quando aparecesse em seu vestido de noiva e me dissesse "sim".
Obviamente os meninos ficaram revoltados comigo e o único que pareceu mesmo entender, foi . foi o primeiro a me chamar de babaca e depois tentou me amedrontar contando histórias exageradas sobre a vida de casado. Por fim eu reconheci que precisava de um tempo com meus amigos. Fechei a sala de conferência do hotel, meu pai e Robert haviam conseguido vários jogos de fliperamas e havia bebida suficiente pra uns oito dias de festa. Eu estava há uns três copos de começar a ficar um bêbado alegre, quando parou em minha frente, impedindo a passagem de uma pessoa, mas só bastaram algumas palavras para que ele resignado abaixasse a cabeça e desse um passo para o lado.
- Olá . – Anne estava parada mexendo a corrente em seu pescoço e apesar da sua usual postura impositiva, ela estava me dando, pela primeira vez, um sorriso ameno. – Sei que está se divertindo, mas eu acabei de chegar e gostaria de conversar com você.
Anne já não me assustava ou me incomodava como antes. Desde que eu voltei com tive que me acostumar com a sua presença recorrente e mesmo tendo que ouvir um ou vários comentários amargos, eu ficava feliz em vê-la fazendo parte da vida de sua filha. Ela era ruim e negativa, mas sabia ser mãe e foi a única que teve.
- Claro. – Aceitei seu convite, soado impressionantemente como um pedido. Ela sorriu e enquanto eu saía do cômodo a seguindo, pude ver que além de curiosos, todos estavam assustados com a cordialidade de Anne, assim como eu.
Fomos até o bar do hotel, ela se sentou de frente pra mim e pediu um Martini. Decidi por um uísque, não tinha ideia do que aquela mulher queria, então precisava estar preparado. Nos últimos meses, Anne parecia estar observando meu relacionamento com sua filha de modo cuidadoso, com os olhos de águia. Naquele momento a sua postura sarcástica e intimidadora ainda estava presente, mas foi o gesto inquieto de mexer em suas joias que me fez perceber o quanto ela estava nervosa, me fazendo enxergar certa fragilidade nessa mulher.
Quando nossas bebidas chegaram, Anne deu um gole generoso, buscando coragem pra começar a falar.
- Obrigada por ter aceitado vir até aqui. – Minha sogra jamais agradecia principalmente a mim, por isso ouvir a simples palavra de agradecimento sair por sua boca me deixou assustado.
- Confesso que estou bastante curioso. – Não disfarcei. Eu estava cansado, levemente bêbado e com zero paciência pra receber críticas desnecessárias.
- Eu nunca gostei de você. – Sua sinceridade era rápida e precisa como uma navalha nas mãos de um barbeiro, mas me fizeram sorrir aliviado, Anne continuava sendo ela.
- Não posso dizer que estou surpreso com sua afirmação. – Respondi sarcástico, despertando um pouco de fúria em seu olhar.
- Eu odeio isso.
- O que? – Apoiei meus ombros sobre a mesa, estávamos cara a cara e eu não iria fingir ou fugir. – Eu ser esperto o suficiente pra notar o seu desgosto gratuito por mim?
- Não, a forma como você desafia tudo e todos. – Seu olhar se suavizou, recuou. – E é isso que eu mais adoro também. – Uma frase pequena e a mulher me desarmou como nunca.
- O que? – Eu estava atordoado demais pra disfarçar. – É agora que você ri e tenta me persuadir a não casar com a sua filha?
Ela sorriu pro meu sarcasmo depois de revirar os olhos e revisar um discurso em sua mente.
- Eu jamais impediria minha filha de ser feliz. Toda essa teimosia, obstinação e amor que você traz consigo é o que faz feliz. Eu a amo, ! A primeira vez que eu vi aquele bebê eu me apaixonei. Ela é tão minha filha quanto que saiu de mim, sei que tenho os meus defeitos. – Abaixou o olhar e sua postura para revelar suas verdades. – Mas eu a amo e vou protegê-la sempre, é a minha função como mãe.
- Anne, eu compreendo e prometo que sempre irei fazer feliz, é a minha função como ser humano, foi pra isso que vim ao mundo.
Ela sorriu de um jeito que me acusava de bobo e romântico incurável, mas algo no que eu disse a satisfez, agora parecia mais relaxada.
- Eu sempre considerei que ninguém seria o suficiente pra minha filha, mas estou feliz em ter errado. Eu quero... – Pegou a sua bebida e engoliu também um pouco do seu orgulho para conseguir concluir. – Eu quero te agradecer. Sei que eu pareço uma mulher fútil e ruim, mas meus filhos são as melhores coisas que a vida me deu e você foi a melhor coisa que a vida deu para .
Anne tinha os seus defeitos como mulher, como ser humano, mas era a mãe de e a amava tão loucamente quanto eu. Assim como o meu próprio relacionamento, foi o destino que as uniu e fez Anne adotar como filha. Tardiamente, naquele instante, eu percebi o quanto era necessário ter a minha sogra fazendo parte da família que iniciaríamos.
- Muito obrigado, Anne. – Foi a minha vez de surpreendê-la ao segurar a sua mão. – Você é a família de , agora é a minha também.
Um sorriso claro, sincero e bonito surgiu de seus lábios. Agora, e eu tínhamos todas as bênçãos necessárias para casarmos.
Marbela – 23 de abril de 2017 – 11:01 am.
me pediu distância, na cabeça dela aquilo tornaria as coisas mais interessantes, na minha, qualquer remota longitude era uma tortura, mas pior que isso, seria lhe negar qualquer coisa, então tive que aceitar. Obviamente a minha paciência se foi junto com as duas noites que se seguiram.
Aquela manhã estava oscilando entre o frio e o calor, uma dualidade presente dentro de mim também. Frio pela saudade e quente de expectativas. Desconsiderei o clima e os cinco andares abaixo de mim. Pulei de uma varanda pra outra, passei por três até finalmente chegar à dela, eu já não aguentava mais sentir a sua falta. Mantive segura a caixa que trazia e a coloquei com cuidado sobre uma mesinha. Quando bati de leve na porta de vidro, ouvi gritos histéricos e uma correria de mulheres que tentavam escondê-la. Era uma verdadeira fortaleza ao redor de , todos a estavam protegendo de mim, impedindo que me aproximasse. Ninguém teria sucesso frente à minha determinação. Finalmente se virou, os nossos olhos se fixaram. Uma rendição.
Ela gargalhou, assim como eu, sem se importar com o exagero daquelas mulheres, que cismavam em esconder o vestido que usaria, acreditavam que uma superstição boba poderia estragar os rumos de um destino cravado. levantou da cadeira que estava sentada e foi ao meu encontro. Usando um roupão branco, pantufas e bobes nos cabelos, estava radiante e exalando felicidade e nervosismo.
- Sei que combinamos, mas eu precisava te ver antes. – Ela balançou a cabeça, negando a minha justificativa.
- Ainda bem que você veio, estava arrumando um jeito de me livrar dessas loucas e ir até o seu quarto. – Fechou a porta, me abraçou e me beijou, antes que eu perdesse a consciência eu encerrei nosso beijo.
- Vim te trazer uns presentes.
- Presentes? – Só então ela pareceu se dar conta da enorme caixa que eu havia trazido.
- Sim, você sabe da tradição. Algo antigo, novo, azul e emprestado. – sorriu ainda mais pra o meu cuidado.
- Meu Deus, que sorte eu tive por ter um homem tão maravilhoso assim.
- Realmente, bem justo você dizer isso. – Gargalhou da minha prepotência. – Falando em sorte, vamos começar com algo antigo. – Me desfiz de seus braços e tirei da caixa maior, uma menor e de acrílico, e entreguei a ela, que sorriu ao ver uma moeda lá dentro. – Minha moeda da sorte.
- Achei que só a sua irmã tinha uma. – Me encarou sem entender.
- Não, nós dois recebemos isso depois de termos ficados presos no porão da fazenda dos meus avós. Então pra pararmos de chorar, mamãe nos deu e disse que com isso nós iríamos ter sempre coragem e sorte.
- E ela estava certa?
- Eu estava com a moeda quando vim pra Londres, quando te conheci, quando assinei o contrato da banda, quando te recuperei, quando te pedi em casamento, então eu tenho certeza que mamãe estava certa, não era apenas fantasia, a moeda é mesmo poderosa.
Os olhos de marejaram e seus dedos contornaram os meus lábios, como se acreditasse no que eu havia dito e tivesse amado.
- Mas agora eu não preciso mais de sorte, em algumas horas eu terei tudo o que eu sempre sonhei.
- E eu vou precisar de sorte? – Seu riso foi emocionado.
- Um pouco, para me aturar o resto de nossas vidas.
- Bem justo você dizer isso. – Mordi seu lábio e sua provocação.
- Agora algo novo. – Peguei uma embalagem de veludo preto, desfiz o laço dourado e quando estendeu a palma de sua mão, eu coloquei lá um pingente dourado com formato de âncora.
- É lindo.
Segurei seu pulso e acrescentei o pingente na sua pulseira, enquanto ela beijava a ponta do meu nariz e depois minha testa.
- A cada nova etapa da sua vida, você pode acrescentar um pingente que simbolize algo, esse é da minha fidelidade a você e ao amor desmedido que eu sinto.
- Eu adorei, meu Estranho.
- Ainda não acabou. – Se agitou empolgada como uma criança. – Esse é o mais especial. – Brinquei e indiquei o presente.
Sem conter a ansiedade, ela mesma pegou, antes que pudesse intervir o desembrulhou se deparando com uma pequena calcinha rendada e azul.
- O mais especial? – Riu erguendo a sobrancelha. – Você anda muito safado.
- Porque você anda muito gostosa. – Bateu no meu ombro, fingindo estar afetada, mas deixou um beijo luxurioso em meu pescoço.
- Agora só falta o presente emprestado.
- Esse foi o emprestado.
- Achei que fosse o azul. – Ela voltou a me encarar com sorrindo enviesado. – Esse é o emprestado por que isso aqui é seu? – Rodou a peça no seu dedo indicador.
- Claro que é.
- Estranho! – Assim como eu havia me feito de ingênuo, forçou um espanto.
- Juro que é minha e assim que a cerimônia acabar eu vou querer de volta, acho até que vou rasgar.
- Acho que devíamos antecipar essa cerimônia.
Distribuiu beijos no meu rosto, depois na minha boca. Nosso beijo cheio de promessas e luxuria teve que ser freado para a entrega do último presente, era o mais íntimo e o que eu esperava que mais gostasse. Me afastei depois que ela mordeu meu lábio.
- Vai em frente. – Incentivei e pegou a caixa de madeira delicada e abriu.
- Mas... Isso... Isso é... – As palavras lhe faltaram e lágrimas escorreram por seu rosto.
- Sim, seu pai me entregou, assim ela também faz parte desse dia com você.
me abraçou forte, sem nem colocar o anel azul. A peça havia sido da mãe dela Haley, Robert tinha dado a esposa quando soube que seriam pais.
- Eu te amo demais, . – Coloquei o anel em seu dedo e beijei as lágrimas que escorriam pelo seu sorriso. – Obrigada por tudo isso, obrigada pelo seu amor.
- Sempre seu. Sempre nosso.
Nos beijamos por mais um tempo, até que tivemos que nos despedir. Eu só a veria no altar. Sorte a minha.
Marbela – 23 de abril de 2017 – 05:39 pm.
Estava no altar, esperando por ela por torturantes trinta e nove minutos, consegui me manter em pé, mas senti que poderia morrer de ansiedade.
- Calma, filho. – Mesmo sem ter largado a minha mão, mamãe fez força desmedida ao me apertar para assim elucidar sua presença.
- Vai chover! Droga olha essas nuvens. Eu sabia que algo de errado ia acontecer. queria sol e calor, mas hoje o dia está cinzento, não podia e...
- Querido. – Mamãe sorriu e me fez encarar os seus olhos. – Hoje será o dia mais lindo de todos, independentemente do clima, eu sei disso porque é o dia que eu sempre sonhei pra um filho tão maravilhoso como você. É o início de uma jornada destinada a amor e companheirismo.
Aquela afirmação aparentemente boba foi o chá de calmaria que me abrandou, eu a abracei com força desmedida e lhe disse o quanto a amava.
- Obrigado, mãe, acho que estou mais calmo. – Suspirei inalando confiança.
- Ah, não. – se queixou. – Desmaie como uma garotinha, , e nos deixe orgulhosos.
- Mais tarde eu tenho certeza que a sua irmã vai me deixar cansado o suficiente pra isso.
Todos riram o mais baixo que conseguiram, até mesmo minha mãe, depois de me repreender.
- Calado seu broxa, não quero saber disso. – empurrou o meu ombro e gargalhando de nossa brincadeira, me fez voltar ao modo de alerta, esperando a minha futura esposa aparecer. Eu ia me casar, caralho!
A vista natural de mar e céu era misturada com as sombras cor de rosa, laranja, amarela, lilás e roxa, cores que formavam um fundo extraordinário durante o pôr-do-sol e se fundiam as nuvens pesadas de chuva, que pareceram se iluminar com a chegada de .
O tempo parou pra sua beleza, tudo desapareceu e ficou branco e brilhante como seu vestido e sorriso, vermelho dos seus lábios, negros dos seus olhos. E do jeito mais intenso ela absorveu todos os meus sentidos e sentimentos. A cada passo determinado e confiante, que nos aproximava, o meu fôlego era sugado por uma alegria que eu achei que não poderia conter. Eu havia inexistido só esperando por esse momento. Amei desde o primeiro dia e continuaria amando por uma infinidade deles.
Robert colocou a mão trêmula de sua filha sobre a minha, me disse alguma coisa que eu teria entendido se não estivesse perdido em , imerso no seu infinito e perfume.
- Casa comigo? – Perguntei baixinho, e mesmo tendo ficado arrepiada e abrindo um enorme sorriso, fingiu desdenho.
- Ainda tenho uns minutos pra decidir. – Passou o indicador suavemente pela minha sobrancelha, eu precisei de muito autocontrole para não beijá-la antes da hora.
O celebrante deu início a cerimonia dizendo palavras bonitas sobre amor, destino, tempo e reencontro, sem dúvidas, esses quatro ingredientes faziam a mistura da nossa história.
- Vamos aos votos. – Disse, e eu nos encaramos. Sua sobrancelha esquerda erguida estava trêmula, assim como as nossas mãos. Os dentes dela morderam o lábio inferior, ela fechou os olhos por breves instantes e quando eles voltaram a reluzir pra mim, tudo estava claro, límpido e sereno.
- Estranho, eu sempre falei muito, mas meus maiores sentimentos são expostos através das minhas criações, das minhas roupas. Hoje é o dia mais feliz da minha vida, eu precisei desenhar um vestido pra essa ocasião perfeita, mas nada do que eu pudesse criar rebuscaria o meu sorriso, nada pode retratar o tamanho do meu amor por você, , espero que esteja apresentável, ao menos. – brincou, e me lançou um sorriso contido, tímido, mas no fundo ela sabia que estava perfeita e estonteante. – Eu sei que sou exagerada, mas o meu maior e melhor exagero é ser incondicionalmente apaixonada por você. Segure a minha mão, o meu coração e o meu amor, que... – Suas lágrimas deslizaram com suas palavras. – Estranho, eu prometo não te abandonar jamais. Prometo aprender com você, cuidar de você, do nosso amor e da família que construiremos.
Ouvir dar a mim, aos convidados, e principalmente a si mesma, a certeza de que teríamos uma família, me fez derramar a primeira lágrima naquele dia.
Eu estava paralisado em seu discurso, em seu olhar e no amor que emanava dela, tanto que ela precisou apertar a minha mão para que eu pudesse ser trazido de volta à realidade.
- Eu... Eu... – Gaguejei fazendo e os convidados rirem, ela acariciou o meu rosto e o incentivo funcionou. – Minha Estranha, você é a música que cada estação trás, como um sopro doce, ou uma louca tempestade. Necessário como tudo o que me completa, você é exatamente o que me completa. Então, se você me der a sua mão hoje, eu nunca irei soltá-la, se você me der o seu coração, eu jamais o farei se quebrar... E Linda... Se você me der o seu amor, eu nunca deixarei de retribuir, te dando sempre mais... Só porque você me ensinou a ser exagerado também. – Quando soltou um riso em meio a um soluço eu a acompanhei e só então notei o quanto havia chorado. Me virei e então me entregou o violão que havia me dado anos atrás quando me fez uma promessa. – Você lembra o que você me prometeu no dia em que me deu esse violão? – Ela fechou os olhos e sorrindo apenas concordou. – Obrigado por ter cumprido.
Londres – 30 de agosto de 2009 – 08:49 am.
Eu havia confessado o medo que eu sentia de lhe perder. Seria uma nova vida pra nós dois, e eu não sabia o que nos aguardava.
- Você não vai me perder. – Seu olhar cheio de certezas encontrou o meu. – Mesmo se um dia eu me perder, o seu amor vai me encontrar. Não importa o quão longe estivermos, nós sempre encontraremos o caminho de volta, o caminho que vai nos levar um ao outro.
- Ment to be? – Assim que perguntei como um bobo, ela ergueu seu braço e beijou sua pulseira antes que eu fizesse o mesmo.
- Meant to be.
- Eu te prometo , mesmo sem precisar eu vou sempre lutar por você, lutar pela gente.
- Amo você, Estrannho .
- Eu te amo, Linda . – Me aproximei dela e sussurrei em seu ouvido. – Promete casar comigo um dia?
Assim como eu ela chorou, agora eram lagrimas de esperança e certeza.
- Sim, eu prometo!
- Obrigada por não ter desistido de nós dois. – sussurrou como se só estivéssemos nós dois ali e quando voltou a olhar pra mim nos trouxe de volta ao nosso presente.
Sua mão se encaixa na minha como se tivesse sido feita só pra mim
But bear this mind it was meant to be
Mas coloque isso na cabeça era pra ser assim
And I'm joining up the dots with the freckles on your cheeks
E eu estou ligando os pontos junto com as sardas em sua bochecha
And it all makes sense to me
E tudo faz sentido pra mim
I've just let these little things slip out of my mouth
Eu acabei de deixar essas pequenas coisas saírem da minha boca
Because it's you, oh it's you, it's you they add up to
Porque é você, oh é você, é você que elas formam
And I'm in love with you
Eu estou apaixonado por você
All these little things
E todas essas pequenas coisas
I won't let these little things slip out of my mouth
Não vou deixar essas pequenas coisas saírem da minha boca
But if it's true, it's you, it's you they add up to
Mas se for verdade, é você, é você que elas formam
I'm in love with you
Eu estou apaixonado por você
And all your little things
E todas essas pequenas coisas
Dissemos as palavras indicadas pelo celebrante e deslizamos os anéis pros nossos dedos, já havia gotas de chuva caindo, então quando finalmente foi dito que estávamos casados e que eu poderia beijar a minha esposa, veio o temporal, forte, intenso, teimoso, assim como era o meu amor e o de . Tenho certeza que houve correria entre os convidados a fim de se protegerem, o vento também derrubou algumas coisas e levou a decoração, mas tudo que eu pude ouvir foi a nossa gargalhada, antes de darmos o nosso primeiro beijo como marido e mulher. Bem ali, deixando a chuva e o mar serem as únicas testemunhas. Ela estava sorrindo enquanto nos beijávamos e não havia melhor sensação no mundo do que a de colher a felicidade de , fazendo se somar a minha.
FLASHBACK OFF.
Londres – 21 de março de 2018 – 09:15 pm.
A previsão de chuva para aquele dia se confirmou, em poucas horas a cidade tinha se transformado num caos e acabado com meus planos de chegar cedo. A casa estava totalmente escura, Simba não veio me recepcionar, apenas o silêncio. Eu comecei a imaginar que Jéssica também havia tido problemas pra chegar, mas então eu vi que a luz baixa da sala de estar estava acesa. estava diante da lareira, Simba repousava a cabeça em seu colo numa espécie de consolo, assim como a xícara de chá em suas mãos. Os seus olhos desaguavam enquanto estavam presos as labaredas.
- ? – A chamei de longe, sendo um total covarde diante do choro dela. Eu havia saído de casa e deixado uma esposa feliz, agora o seu rosto estava vermelho e lavado por lágrimas, numa expressão contida.
notou minha presença e desabou. Um choro forte e alto que me fez correr pra abraçá-la. Ela me encontrou no meio do caminho, desesperada pelos meus braços, enquanto todo meu anseio era pra confortá-la seja pra o que fosse.
Tomei seu rosto em minhas mãos, beijei sua testa, depois eu impedi que suas lágrimas continuassem caindo, foi então que sorriu, abriu os olhos e os prendeu nos meus. Ela não precisou dizer palavra alguma, pra que um turbilhão de flashbacks invadisse o nosso espaço.
"- Você tem um bom gosto, Estranho.
- E você tem belas pernas."
"- E o seu maior sonho, ?
- Ser mãe."
"- Eu adoro o seu cheiro, adoro a sua risada, adoro o fato de você ser impulsiva, carinhosa, ciumenta e divertida. Eu acho que adoro tudo em você. , eu estou apaixonado por você."
As imagens iam saltando entre nós. O passado, se embaralhando ao presente, tudo pra chegar ali, naquele momento. No início do nosso futuro.
- , eu... – segurou as minhas mãos e as colocou sobre a sua barriga.
- É verdade? – Ela confirmou com um aceno. – Me diz, eu preciso ouvir.
- Eu estou grávida, nós vamos ter um bebê! – A abracei ainda mais forte, agora sem nenhuma preocupação, só com amor multiplicado e potencializado.
"- Sabe por que eu estou aqui na chuva com você, ? Porque se você se molha, eu me molho! É a nossa regra!”
"- Eu te amo e quero ter tudo ou nada, mas quero isso com você. Não quero só recuperar o tempo perdido, quero criar as melhores memórias."
"- O destino está nos nossos corações, confie que você pode chegar até o fim do seu 'Rainbow'."
"- Você é minha música favorita."
Desde a excitação do início, brigas, voltas, dores, perdas, lutas, risadas, destino e amor. Muito amor. Todo o amor. Pra nossa história se firmar ali. Eu e minha Estranha realizaríamos o nosso maior sonho. Nós iríamos ter um bebê Ouvi minha própria gargalhada, nem se eu quisesse conseguiria conter toda minha euforia.
continuava chorando, numa felicidade ainda silenciosa, ou era só parte do mundo que havia parado e congelado como uma fotografia espontânea e feliz. Eu podia sentir o calor emanando de sua barriga. Eu era a homem mais sortudo do universo.
- Eu te amo. – Beijei a sua boca, depois me curvei e distribuí beijos por sua barriga. – Eu já te amo, muito. – Falei pro nosso bebê.
Ela finalmente conseguiu rir, conseguiu acreditar. E ao me encarar eu notei que nunca esteve tão linda, tão feliz em toda sua vida.
Mesmo em meio a tudo eu sempre soube que o nosso amor iria nos manter aquecidos. E hoje, tantos anos depois eu estava mais do que certo, o mundo estava cheio de mágica, agora mais do que nunca eu acreditava nisso.
O destino havia unido os nossos corações para sempre, mas o tempo que nos contemplou com o nosso maior sonho. O nosso amor era grande demais pra nós, finalmente ele seria compartilhado. Seriamos três.
Capítulo 22
Drag Me Down – One Direction.
POV .
Londres – 01 de abril de 2018 – 06:35 pm.
- , você falou pra ou para o sobre o bebê? – Perguntei enquanto revirava o emaranhado de roupas no meu closet sem conseguir encontrar nada que me agradasse naquele momento.
- Não, não contei nem pra minha mãe, o combinado não foi de contar a todos amanhã no almoço de Easter Monday que seu pai fará?
- Sim, mas então por que diabos a marcou esse jantar assim do nada? Cheio de pompas e notícias a dar?
- Não sei, por que hoje é páscoa? – Revirei os olhos. – Talvez eles irão se casar. – deu de ombros e assim que terminou de abotoar sua camisa, se jogou na cama sabendo que teria que me esperar.
- A princípio eu pensei nisso, mas é ansiosa demais, ela não iria aguentar esperar pra mostrar um anel de noivado pra mim ou pra . – Ele continuou alheio e desinteressado nas minhas especulações. – Que droga, esse momento era pra ser só nosso. – Fiz birra como uma criança.
- Realmente eles são terríveis. – Seu sarcasmo me fez revirar os olhos. – Já estou pronto, não demore, estamos atrasados.
- A culpa foi sua que invadiu meu banho.
- A culpa é sua por ser tão gostosa. – Rebateu rindo com malícia.
- Já sei! – Meu alarde assustou . – Eu engordei e ela descobriu que eu estou grávida!
Parei em frente ao espelho e me virei de um lado para o outro analisando o meu corpo. A minha lingerie branca estava exatamente onde deveria, mas acho que estava ansiosa pra que minha barriga crescesse logo que cismei que havia ao menos um sinal ali.
- Eu engordei, não foi, ?
- Babe, eu aprendi que nunca se deve dizer a uma mulher que ela engordou.
- Mas a minha barriga já está grande! – Protestei. – Fala que eu engordei, !!! – Meu rosnado autoritário fez ele gargalhar, suas mãos passearam por todo meu corpo me arrepiando.
- Você continua magra e gostosa. – Sussurrou no meu ouvido para me provocar, mas não de um jeito bom. Eu estapeei seu peito pra ouvir sua gargalhada aumentar. – Veste esse vestido aqui. – Me entregou uma peça preta. – E não demore, já estamos atrasados. – Repetiu.
- Droga, ! – Bati o pé no chão. – Preto dá impressão que estou mais magra! – Gritei pra ele que já saía do quarto ainda rindo de mim.
Chegamos à casa do meu irmão e todos já estavam lá, se eu me sentia feliz e reluzente, conseguia se superar. Ela estava sorridente, ainda mais comunicativa e inacreditavelmente afetuosa. Ninguém sabia qual seria o grande anúncio que o casal faria, mas combinei com que deixaríamos pra contar aos nossos amigos sobre o nosso bebê, só se o momento fosse conveniente, caso contrário, seguiríamos o plano e só contaríamos no dia seguinte.
- Que horas vamos ficar sabendo do grande anúncio? – perguntou demonstrando a impaciência coletiva. – Desde que recebi o e-mail de vocês todos escrito em CAPS LOCK, eu não tenho mais paz.
- Nós enviamos o e-mail hoje pela manhã. – justificou.
- São quase treze horas sem paz, só não é pior do que ficar sem comida por todo esse tempo.
- Ou sexo. – disse rindo e logo lançou um olhar feio pra ele, já que Jazzy estava na sala.
- Sexo é bom como comida, mamãe?
- Acho que está na hora de você jogar um pouco de vídeo game. – pegou ela no colo a levando pra sala e todos nós gargalhamos da cara de .
- , assim que eu me recompor, eu juro que te mato. – Sem parecer se importar, ele apenas jogou um beijou pra ela como resposta.
Assim que retornou, pediu a atenção de todos.
- Acho que eles irão casar. – cochichou no meu ouvido.
- Aposto que ela está grávida. – Eu disse rindo e não desconfiou que aquilo fosse uma piada interna.
- Cem libras? – Perguntou com a mão estendida.
- Fechado.
- Bom, pode parecer bobagem, mas nós achamos que devíamos contar isso a vocês antes que se torne público. – começou a falar e abraçou de lado, como se um estivesse passando força pra o outro, então eu consegui enxergar o que viria através do olhar dos dois, bem lá no fundo, tão óbvio que passou despercebido por todos.
- e eu não estamos mais juntos. – O anúncio foi feito enquanto os dois se encaravam e sorriam um para o outro.
começou a gargalhar e quebrou o silêncio que havia se instaurado.
- Hoje é primeiro de abril, isso é uma pegadinha de april fools. – Revirou os olhos para o casal, ou ex-casal. – Bela tentativa.
Tanto quanto pareceram confusos, era notório que os dois estavam alheios ao calendário, aquilo infelizmente não era uma pegadinha.
- Não brincaríamos com isso. – foi tão enfática que não deixou mais dúvidas para ninguém.
Todos se limitaram a um silêncio pesaroso e constrangedor, foi natural já que não havia nada que pudéssemos dizer ou fazer por eles.
- e eu vamos ter um bebê! – disse tão rápido que assustou até a mim e teve que repetir duas vezes para que todos entendessem.
Ele levantou e me puxou pela mão, em segundos a sala estava sendo preenchida por perguntas, gargalhadas, gritos histéricos e comemorações.
- Podem me mimar bastante, eu os obrigo! – Disse enquanto recebia abraços e carinhos em minha barriga. Olhei pra e pisquei o olho, ele sabia que eu estava agradecendo por ter conseguido tirar o foco de todos para a notícia triste de e .
O jantar ganhou outro tom graças à revelação da minha gravidez. As coisas pareciam mais leves, mesmo que sempre houvesse um olhar voltado para e . Os dois se tratavam como se ainda estivessem juntos e isso me fez questionar se era uma prova de maturidade, ou eles vinham fingindo amor por algum tempo.
Com a desculpa de colocar Jazzy para dormir um pouco, finalmente estávamos eu, e no quarto. Como já era esperado, tentou desconversar falando o máximo de trivialidades que conseguiu.
- Tem certeza que você não quer conversar? – segurou a mão de e fez aquela pergunta pela sexta vez, o que fez suspirar impaciente.
- Já disse, não tem o que dizer. Não estávamos mais funcionando como um casal, por que deveríamos continuar?
- Mas e o amor? – continuava não convencida.
- Ele ainda existe, sempre vai existir, só que já não tinha mais paixão, desejo e... – Ela balançou a cabeça agitando os cabelos loiros e espantando algum sentimento ruim que veio com um calafrio. – Não dava mais para continuar.
Antes que fizesse outra pergunta eu intervi.
- , nós te apoiamos, mas só estamos confusas e surpresas.
- , desculpa, mas eu e o não somos como você e o , por um tempo até achamos que fôssemos, desejamos que esse sentimento que nutrimos no passado fosse tão forte quanto o de vocês. – Ela nos lançou um sorriso contido. – Mas não é. – Anui, mesmo que ainda estivesse com os pensamentos desordenados.
- Só queremos o melhor pra você e que fique bem.
- A gente morre um pouco a cada dia. – Nos assegurou. – Eu vou ficar mais do que bem.
Bastou que eu suspirasse um tanto mais alto para que os olhares de minhas amigas se concentrassem em mim.
- Estou tão feliz em te ver grávida! Está sentindo alguma coisa?
- Sim, só um pouco enjoada. – sorriu pra mim como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. – Acho que ainda não me acostumei. – Ri para tentar disfarçar a dor que havia sentido.
- Já sentiu algum desejo esquisito?
- Nada fora do comum, mas ontem eu tomei sorvete enquanto comia sanduiche de queijo.
- Eca! – torceu o nariz.
- Pelo menos não precisei fazer correr por aí para me comprar nada. – Dei de ombros. – Ainda.
- Essa é a melhor parte! – gargalhou e olhou pra de soslaio. – No final da minha gravidez fiz ir até uma fazenda só para me comprar a melhor torta de nozes que eu já havia comido na vida.
- Mas no final da gestação não se tem mais isso de desejos. – Falei e também pareceu confusa. revirou os olhos.
- não sabia disso e nem precisava saber.
Nós rimos, mas nenhuma sentindo piedade do nosso amigo. Ficamos conversando por mais alguns minutos, mas precisei chamar para irmos embora mais cedo.
Todos acharam que eu tinha ficado abalada demais com a recente notícia, não era uma total mentira, mas desde que havia jantado o meu estômago passou a reclamar, afetando a minha cabeça também, todo o meu corpo doía, eu precisava descansar e não preocupar ninguém com o que estava sentindo.
- Você está quieta. – segurou a minha mão e a beijou, mesmo concentrado na estrada eu podia sentir sua preocupação. – Está triste por e ?
- Isso. Eu também estou um pouco enjoada e sonolenta, deve ser normal. – Agradeci por estar dirigindo e não poder me encarar. Tinha sentindo uma pontada na barriga que foi impossível não me contorcer numa careta.
- Eles garantiram que estão melhor assim, acho estão sendo maduros e dando um fim antes que se perca o respeito, perca o...
continuou tagarelando até chegarmos em casa, de todas as palavras que saíram de sua boca nenhuma foi captada por meu cérebro que estava apenas concentrado numa cólica que vinha ficando cada vez mais forte.
- Você tem certeza que está bem, linda? – me olhou de soslaio preocupado. – Desde que saímos de lá você não parece bem.
- Sim, eu só... – Não completei, apenas suspirei fundo.
Eu não sabia o que dizer, também não queria dizer o que estava sentindo.
“Vai passar... Vai passar”.
Repeti esse mantra na minha mente, até perceber que havia estacionado o carro. Desci, respirei mais fundo ainda para conseguir dar poucos passos e entrar em nossa casa, funcionou até a sala.
- Ai!!!! , me ajuda! – A dor foi tamanha que instantaneamente me abaixei e pressionei meus braços contra o baixo ventre.
- , o que houve?!
Em fração de segundos estava ao meu lado tão assustado quanto eu, encarando o sangue que escorria por minhas pernas.
POV .
Chegamos ao hospital em poucos minutos, foi atendida imediatamente. Tentei me manter como uma rocha, mas o pavor percorria cada parte de mim, aquilo não poderia ser algo ruim.
Assim que realizou alguns exames, foi transferida pra um quarto, era enorme e aconchegante, mas naquele instante parecia pequeno e claustrofóbico, mesmo estando apenas nós dois ali. Nenhum ousou dizer nada, contemplamos o silêncio durante os cruciantes minutos em que esperamos.
- Eu estou com medo. – sussurrou e apertou a minha mão.
- Não precisa. – Lhe dei um sorriso nada convincente. – Está tudo bem com você. – Os seus olhos cresceram pra mim. – Com vocês! – Ressaltei e deixei um beijo em sua testa.
Demorou mais alguns minutos até que o médico de entrasse segurando uns papéis na mão. As feições dele eram indecifráveis, tornando tudo mais angustiante.
- Como está meu bebê?! – perguntou enfática.
- Está bem. – Um suspiro de alívio saiu de nós. – Mas precisamos ficar de olho. Acho melhor te manter aqui por mais algumas horas.
- O que aconteceu? Isso é comum?
- No primeiro trimestre quando o sangramento é fraco, geralmente está associado às mudanças do corpo, algo que não afeta nem mãe ou bebê. – ouvia atenta, as suas mãos passavam por sua barriga de maneira protetora. – Quando o sangramento é mais abundante e vem acompanhado com fortes cólicas, como foi o caso, pode ser sinal de aborto espontâneo ou gravidez ectópica. Não foi o caso. – Ele sorriu, mas as palavras ditas ficaram pairando no ar.
- Eu... – Uma lágrima que ela tentou conter escorreu. – Você acha que corro risco de abortar?
O doutor Shane se aproximou e passou as mãos pelo cabelo de num gesto totalmente paternal.
- Está tudo bem, mas quero observar seu caso pelas próximas horas, não se preocupe. – Ele apontou pra mim. – Isso vale pra você também. – Assenti com a cabeça, mas sabíamos que era mentira. – Você precisa descansar , amanhã pela manhã venho ver como você e o bebê estão.
- Obrigada. – Se esforçou e esboçou um sorriso.
Assim que nós ficamos sozinhos novamente, eu me acomodei na cadeira ao lado de sua cama, segurei a sua mão e a beijei.
- Eu já sou uma péssima mãe. – Me confidenciou num sussurro.
- Claro que não, meu amor, você está fazendo tudo certo e o importante é que tudo está bem com vocês. – Eu sorri, mas depois de me encarar se deitou de costas pra mim.
- Até quando?
A pergunta foi feita com desanimo e falta de expectativas, segurou a barriga de forma protetora, foi frustrante assistir ela se fechar pra mim e pra o mundo de novo.
POV .
Londres – 22 de junho de 2018 – 02:09 pm.
Assim que entrei no carro e não consegui corresponder o comprimento de a altura ela começou com uma enxurrada de perguntas das quais eu consegui fugir de responder até chegarmos ao consultório médico.
Enquanto esperávamos, ela folheava uma revista, mas era evidente que não estava prestando atenção, eu continuei parada observando as outras pacientes, até que minha amiga não aguentou mais conter sua agitação.
- Não faz isso com você!
- Isso o quê?
- Sei que você está se martirizando e encarando esse dia de hoje como um déjà vu vivido anos atrás.
- Não estou fazendo isso. – Tentei mentir em vão pra ela e pra mim mesma. – Só estou cansada, são as coisas do bebê, a nova coleção que ainda não está pronta, o lançamento do álbum do . – Ignorando exatamente todas as desculpas que eu havia dado, apenas apertou a minha mão e me olhou condescendente.
- , se o não está aqui hoje é porque ele realmente não pode estar. Além do mais você poderia ter remarcado essa consulta pra quando ele voltasse de viagem. – Revirei os olhos.
- Eu não poderia remarcar, é sobre a saúde do meu filho, além do mais eu estou ansiosa querendo saber se está tudo bem com ele, querendo saber se é ele mesmo e não ela.
- O filho é de vocês, se você decidiu estar aqui hoje comigo a esperar mais alguns dias pra que o pudesse fazer parte disso não o culpe. – Foi a vez dela de revirar os olhos e me olhar com indiferença, meio segundo depois o seu olhar estava transformado em compaixão. – , você tem que parar de afastar o mundo por medo de que as coisas deem errado, você não precisa desse tipo de paranoia, tem que aproveitar esse momento incrível que você está vivendo. – Preferi apenas mentir e me defender, do que admitir e me justificar.
- Não estou afastando ninguém.
- Você não sai de casa, trata mal e até o seu trabalho não está indo bem.
sabia bem o que estava acontecendo.
- Eu só... Fico irritada com o às vezes. – Dei de ombros. – E com a gravidez fico mais indisposta, também não quero a mídia em cima de nós.
- Tudo o que está fazendo é pra melhorar a relação de vocês. O cara parou de fumar, dorme muito menos pra conseguir chegar em casa e ficar com você, vive lendo matérias sobre maternidade e te mimando, enquanto você torce o boca pra isso tudo e não reconhece que ele está ao seu lado nessa.
- Eu...
- Não gaste seu tempo pra vir me dizer mais uma mentira, você sabe que tudo o que eu falei é verdade e estou dizendo porque eu te amo e quero o seu bem. – Ela segurou a minha mão e me fez encarar seus olhos. – Eu estou aqui se você precisar conversar, pra te apoiar em tudo, só não deixe que um passado ruim te amedronte e te impeça de ser feliz agora.
- Obrigada. Eu... Prometo tentar.
Foi tudo que eu consegui dizer, passei a encarar um quadro abstrato que tinha numa parede a minha frente, porque eu não queria pensar, eu sabia que deveria ao menos tentar tirar aquelas sensações ruins de mim, mas eu me sentia cansada demais pra me movimentar, eu precisava de uma razão maior do que todas que estavam diante de mim.
Desde que tinha passado mal e sangrado, fiquei apavorada e passei a sentir medo, era um sentimento desmedido e invasivo, um instinto maior do que o natural de proteção ao bebê que eu carregava. Além do triste acaso que havia me acontecido, o fato da minha mãe Haley ter morrido no meu parto me tornava ainda mais preocupada e paranoica. Eu acabava descontando e culpando por absolutamente tudo. Desde a sua presença, as suas ausências devido ao trabalho de divulgação de seu CD solo.
Eu sabia que não havia nada de incomum comigo ou minha gravidez, mas isso não impedia meus receios, eu estava cuidando do meu corpo, mas deixando que essas frustrações arruinassem a minha mente. Estava saudável, mas isolada e intransigente, havia passado as últimas semanas sem realmente aproveitar aquele momento tão mágico e feliz.
Continuava trabalhando, socializando, mas tudo de maneira branda. Convivia com , mas agora eu poderia sentir o muro que estava construindo entre nós dois, só falávamos sobre trivialidades, a troca de afetos já não existia, assim como os planos para o futuro.
Não que eu fosse admitir, mas sentia a falta dele, como meu namorado, melhor amigo e marido, eu o estava punido sem nem ao menos ter razões, talvez meu ego fosse grande demais para assumir que o problema estava em mim, então era mais fácil colocar a culpa nele.
- Senhora .
Ouvir meu nome junto ao sobrenome dele fez eu me sentir ainda pior por privá-lo de estar ali. Havia falado rapidamente com naquela manhã e mesmo ele pedindo pra que eu adiasse a consulta pra próxima semana e assim pudéssemos descobrir o sexo do bebê juntos, eu desconversei e disse que não poderia. Não sabia o porquê de ter feito aquilo, já que o sentimento de culpa veio logo em seguida, mas o medo ainda era maior, não queria arriscar perder nada.
- Minha paciente favorita. – Doutor Shane nos recepcionou cheio de sorrisos.
- Aposto que diz isso para todas. – Ele gargalhou com seu típico jeito não britânico de ser e olhou atrás de mim constatando que só estava eu e ali.
- Mas onde está o pai do ano? – me olhou acusatoriamente enquanto esperava que eu respondesse.
- Está viajando a trabalho, mas vai participar da consulta através de uma chamada de vídeo.
- Claro, viva a modernidade! – Ele passou a mão por minha barriga. – Vamos dar uma olhada nesse bebê?
Assenti com um aceno e fui me trocar, ao retornar mexia no celular nervosamente.
- não está atendendo, tem certeza que vai fazer o exame mesmo assim?
Hesitei por uns instantes até que o passado veio como uma ameaça, passei a mão pela minha barriga e senti medo, então resolvi continuar.
- Eu preciso saber se meu filho está bem.
- Mas , o ...
- Eu preciso saber se meu filho está bem! – Repeti enfática. Me deitei na maca esperando o exame e ignorei os olhares de reprovação que me lançaram.
O gel frio caiu sobre a minha barriga e assim como havia acontecido nas consultas anteriores, meu coração também esfriou. segurou protetoramente a minha mão e apertou mais forte assim que a imagem do meu bebê surgiu na tela. Nós duas sorrimos bobas encarando cada contorno e formato perfeito.
- Você está com dezoito semanas e seu bebê está bastante saudável.
- O senhor tem certeza? Eu não preciso tomar mais vitaminas? Fazer exercícios ou quem sabe...
- , o seu bebê está ótimo, você está fazendo um ótimo trabalho e já é uma mãe maravilhosa.
- Exatamente, é isso que precisa lembrar constantemente pra evitar paranoias. – me cutucou, mas eu fingi não ter entendido o seu recado.
- Já dá pra saber se é menino ou menina?
- O seu bebê...
- NÃO!!!! – Como um raio, invadiu o consultório. Ele estava pálido e ofegante, mas sorria. Era um sorriso bobo que acalmou o meu coração e me fez chorar. – Nós vamos saber juntos. – Ele beijou a minha testa e depois segurou a minha mão. – Eu não vou sair do lado de vocês, Estranha, nunca.
Sibilei um pedido de desculpas que não julgou necessário, mas nós sabíamos que era mentira.
- Eu ia dizer que o bebê estava com as pernas fechadas e que não daria pra ver nada hoje, mas parece que ele gostou de ouvir a voz do pai e colaborou.
- Tive uma conversa séria com... – parou no meio de sua piada. – Você disse “ele”?
- Sim, é um menino.
e gritaram e riram, eu os acompanhei e passei a mão sobre a minha barriga e conversei pela primeira vez com meu filho.
POV .
Londres – 22 de junho de 2018 – 07:22 pm.
[]: Aceita jantar comigo? Te espero no jardim!”
Li e reli a mensagem de várias vezes, sem acreditar. Há alguns meses aquilo soaria engraçado e normal, na nossa atual situação era surreal, estava fazendo questão de me afastar dela, me deixando triste e confuso, já que eu sempre imaginei que viveríamos aquele momento com cumplicidade e alegria, não com reclamações e ausências. Guardei o celular sem responder à mensagem e preferi descer sem pensar muito sobre o que me aguardava.
Ao chegar ao deque, a brisa quente daquela noite de verão me atingiu, a mesa estava arrumada, velas davam um tom romântico e intimista. Eu estava sorrindo para o seu trabalho quando ela surgiu da cozinha, segurando um prato. O vento bagunçou seus cabelos e o vestido que cobriam a barriga que agora estava grande e exibida.
- Uau, isso parece incrível. – O sorriso largo que há tempos eu não via, deixava mais linda e me incentivou a me aproximar e lhe beijar, foi breve, porque ela logo nos afastou, mas mesmo assim foi significativo... Um avanço.
- , eu fiz esse jantar, porque nós precisamos conversar. – Instantaneamente tudo passou a ficar escuro e esquisito. – Sente que eu vou te servir um pouco de vinho. – Nem a sua cordialidade e afago conseguiram dissolver a tensão que havia se instaurado em mim.
Fiz o que ela havia pedido e num único gole eu terminei com uma taça de vinho, enquanto era observado atentamente por ela. Ela me serviu mais e se sentou de frente pra mim, bebeu um pouco de água enquanto mantinha os seus olhos nos meus. Parecia estar buscando coragem e aquilo me sufocou.
- Sobre o que você quer conversar? – segurou a minha mão e eu não soube se era para me garantir que estava tudo bem ou para me reconfortar.
- Primeiro eu quero te agradecer, depois pedir desculpas. – Minha desorientação fez com que ela continuasse. – Eu te amo muito. Sei que estou diferente, sei que está sendo complicado pra você, mas acredite, está sendo ainda pior pra mim.
- ...
- Eu vou voltar a me consultar com o Doutor Turner.
- Meu amor. – Eu sorri surpreso, mas contente. – Eu acho isso ótimo, vai te fazer um bem enorme. Eu acho também que seria bom eu participar de algumas sessões.
Meu entusiasmo fez ela se empolgar ainda mais.
- Mais ainda, eu acredito que vai fazer bem pra nossa família, para o nosso filho. – Arrastei a cadeira para ficar ainda mais próximo dela e passei a mão pela sua barriga, sentindo seu corpo se arrepiar.
- Você sabe que quando quiser também pode conversar comigo, não é?
- Claro que sei e o que mais estava me doendo era justamente não conseguir conversar com você, o meu melhor amigo.
A fiz levantar e a aninhei em meu colo, acariciando a sua barriga e beijando o seu pescoço.
- Nós passamos por tantas coisas que o que menos precisamos agora é de medo. O nosso bebê não merece nascer num ambiente assim. – Ela concordou veemente. – Você é a mulher mais corajosa que eu já conheci, espero que o nosso filho seja tão forte quanto a mãe dele.
- Nosso John. – Parei todos os meus movimentos e encarei o sorriso travesso que ela estava tentando conter.
- John?
- Sim, desde que soube hoje à tarde que seria um menino eu só consegui pensar no seu avô, no quanto ele lutava por sua família e pelo amor, eu acabei me sentindo um pouco salva por ele de novo e mais confiante, acho que não teria um nome melhor pra o nosso filho. – Ela beijou meu sorriso. – Claro que isso se você estiver de acordo. – Deu de ombros como se estivesse indiferente.
- Claro que eu estou! – Gritei. – Eu... Eu te amo pra caralho, Estranha.
- Ei, não fala palavrão perto do John. – Eu vi um sorriso bobo depois de muito tempo e me animei. Levantei a levando junto e a puxei pra o meio do jardim. – O que está fazendo? – Ela perguntou quando eu a abracei e comecei a nos embalar.
- Dançando.
- Mas não tem música. – Riu ainda mais da nossa piada interna.
- Desde quando precisamos de música? – ergueu a sobrancelha e depois passou a beijar o meu rosto enquanto cantarolava uma melodia suave.
- Esse bebê é o nosso milagre, eu vou passar a vida garantindo que você e ele sejam felizes. – Ela anuiu com a cabeça enquanto encarava os meus olhos, os seus negros brilhando pra mim. – Nada vai acontecer, porque nós estamos juntos e sempre estaremos.
- Meant to be. – sussurrou tocando seus lábios nos meus. – Eu amo você.
- Eu amo vocês. – Fiz carinho em sua barriga, no nosso filho, enquanto beijava a sua boca.
Londres – 25 de agosto de 2018 – 07:40 pm.
Haviam balões verde e marrom, vários bichos de pelúcia e uma decoração com mais árvores, folhagens e galhos que transformaram o nosso jardim num safari para bebês. tinha organizado o chá de bebê e tinha realmente se superado deixando surpresa e emocionada.
estava quase com oito meses e agora parecia grávida, a sua barriga havia ficado enorme nas últimas semanas a deixando mais deslumbrante. O que também a deixava assim era a felicidade que agora se permitia ter, a terapia estava realmente ajudando e nos dias em que era claro a sua luta contra os sentimentos paranoicos sua determinação em ficar melhor por mim e por nossa família era admirável.
O dia passou como um sopro e todos pareceram se divertir, até John que não parou de se mexer na barriga da mãe, indicativo de que seria festeiro como ela.
- Você não está cansada, minha girafa? – Brinquei já que estava com o rosto pintado do referente bicho e a abracei por trás assim que nos despedimos dos últimos convidados, isso não incluía os nossos amigos.
- Não, estou tão feliz, meu tigre. – Ela se virou sorrindo e me beijou. – Hoje passei o dia imaginando como será quando John estiver aqui correndo...
- ...E chorando...
- ...Brincando...
- ...E fazendo birra.
- Para, . – Recebi um tapa no ombro pela minha provocação. – O nosso filho não vai ser mau.
- Só um pouco porque ele tem o seu sangue. – Ela ponderou e concordou. – Mas ele vai ser a criança mais perfeita desse mundo.
- Sim! – Rimos de nossa bobagem. – Com toda certeza ele será o mais amado.
Beijei dando tudo de mim, ela fincou as unhas em meus ombros procurando equilíbrio em suas pernas e quando eu apertei ainda mais seu corpo contra o meu ela sussurrou um gemido que me deixou louco.
- Eca, nós ainda estamos aqui seus grávidos pervertidos – apareceu e acabou com o nosso momento.
- , você está morto pra mim! – Gritei minha indignação e recebi uma dancinha sarcástica dele e a risada de .
- Se acalma , mais tarde você será todo meu. – Sussurrou em meu ouvido e depois mordeu meu queixo. – Agora eu preciso conversar com , trate de falar com o . – Ordenou.
POV .
- só organizou essa festa, porque espera ser a madrinha do bebê. – revelou seu ciúme, mas ela já imaginava a minha escolha.
- Na verdade eu ainda...
- Tudo bem. – me cortou antes que eu começasse a omitir. – Eu ficarei feliz e realizada sendo apenas tia, mas... – O dedo dela foi parar no meu rosto. – Se eu não for madrinha do próximo filho as coisas ficarão muito feias pra você, senhora .
- Vai com calma. – Revirei os olhos fingindo desdém, parecendo achar absurdo ter mais de um milagre como aquele que eu carregava, mas com ambição latente em meu coração de que eu teria sim.
- ! – entrou como um furacão animado. – Você precisa ver como ficaram as suas fotos enquanto o sol estava se pondo. – e eu trocamos um olhar cúmplice, que não passou despercebido por . – O que está havendo? Por que vocês estão com essa cara?
- Estava comentando com que estou louca pra ver o rosto do seu afilhado, saber se ele terá os olhos de , ou se terá o meu sorriso...
- Geralmente os meninos parecem mais com a mãe, mas... – Ela parou abruptamente pondo as mãos na boca. Os olhos brilharam e uma lágrima teimosa saiu do seu olho e do meu também. – Eu vou ser a madrinha?
- Claro. – Estendi a mão pra ela que segurou com força desmedida. O rosto pálido e franzino emanava felicidade. – Não somos muito disso, eu juro que não estou bêbada, mas preciso te confessar que eu te amo. – Um soluço lhe escapou e ela sorriu como uma criança. – Foi você que estava comigo quando eu mais sofri, porque você sentiu a minha perda, você perdeu também, mas diferente de mim você sempre acreditou no amor, acreditou que seria possível, que esse momento chegaria. Nós dois. – Passei a mão por minha barriga. – Te amamos demais. Isso aqui... – Estendi minha outra mão pra e formamos um círculo – ...É pra sempre, vocês são meu lar, minha família, eu não poderia ser mais sortuda e feliz por ter vocês, e se...
- Nem pense em formular essa frase. – me interrompeu brava.
- Eu preciso. – Sorri tentando manter o clima amistoso. – Se acontecer alguma coisa comigo, eu vou me sentir segura, eu sei que vocês cuidarão de tudo que eu deixar.
- Não vai ser necessário. – disse convicta, enquanto ria. – Vamos viver muito pra estragar netos e bisnetos.
O abraço mais amigo foi dado, seis braços, três corações, uma vasta história, uma infinidade de amor e lealdade.
- EU VOU SER O PADRINHO! – O grito de entusiasmo de foi ouvido até no Alaska, a gargalhada de e os ruídos de desgostos de e também.
Quando chegamos à sala, eles estavam discutindo o merecimento do cargo que seria de , mas apenas ria e filmava os outros quatro. Quando me viu virou a câmera do seu celular pra mim.
- , você tem certeza que está grávida? Eu acho que você apenas engordou. – Me provocou.
- A minha mão na sua cara também vai crescer. – Ele riu e veio me abraçar.
- Vocês parem. – Ele fez os meninos pararem e dar atenção apenas a nós. – Esse bebê vai ser muito amado, coitada da Jazzy, ninguém vai ligar pra ela, já está grande e sem graça.
- ! – Todos nós gritamos juntos, antes de rir, sorte que Jazzy já havia dormido.
- Sendo honesto. – Deu de ombros, rindo ainda mais que nós. – O que eu quero dizer é que nós somos uma família, ela está crescendo e isso que importa.
- Meu . – Meus hormônios de grávida me fizeram esmagar num abraço e derramar umas lágrimas. – Você será um ótimo tio!
- Só preciso que me empreste o bebê uma vez por semana pra ir ao parquinho conhecer umas babás gostosas.
- Eca! – Estapeei o seu peito o afastando de mim.
- Vamos deixar, Babe. – me abraçou por trás, alisando a minha barriga. – Só através do nosso bebê maravilhoso o vai deixar de ser virgem.
- Vai à merda, .
- Ei, não xinga perto de mim, o bebê mesmo na minha barriga escuta.
- Isso é bobagem.
- Não é! – disse. – Eu li num livro que...
Uma confusão se instaurou e cada um dizia uma coisa, uma piada, uma birra. Eu parei naquele momento pra apenas observar a minha felicidade, a nossa felicidade. Nosso lar, nossa família, tudo exatamente onde deveria estar. Principalmente o fato de estar sendo mimada constantemente. Eu não poderia estar mais grata.
Londres – 22 de novembro de 2018 – 08:00 am.
Eu ainda estava sob o efeito do sono, mas mesmo de olhos fechados eu pude sentir o toque de sobre a minha barriga, que já estava enorme. Estava com trinta e sete semanas e umas vinte noites mal dormidas por uma ansiedade que crescia junto com meu bebê. passou a beijar o lado esquerdo, exatamente onde o bebê se mexia, pelo formato de seus lábios ele estava sorrindo bobo.
- Bom dia, filho, falta poucos dias pra você estar aqui conosco, e antes que você chegue precisa ficar sabendo algumas coisas dessa casa, dessa família. A primeira é: Não importa o que aconteça, sua mãe sempre tem a razão, mesmo se parecer não merecer, ela merece. Ela é tudo pra mim, e tenho certeza que será tudo pra você também, ela é linda, forte, inteligente e perversa de um jeito maravilhoso. – Ele riu ainda mais. – Portanto seja gentil e carinhoso com ela. A divirta e a encha de orgulho. Filho, você foi muito esperado por todos nós, e não posso te dizer o quanto eu te amo, porque ainda não sei o tamanho do infinito.
- Seja carinhoso com o seu pai, ele é um bobo lindo e não deixa a mamãe dormir. – riu e passou a distribuir seus beijos no meu rosto. - É feio ouvir conversas alheias.
- Desculpa, foi inevitável. – Eu segurei seu rosto e fiz com que ele me encarasse. – O nosso bebê já te ama tanto quanto eu, principalmente quando você canta rap pra ele.
- Eu achei que você estivesse dormindo. – Neguei rindo.
- Como eu poderia se ele faz festa dentro de mim?
Pra provar o que eu havia dito, ficou em pé em cima da cama e começou a cantar a plenos pulmões, enquanto eu ria e jogava travesseiros nele. Como eu havia dito, John se mexeu parecendo estar acompanhando o pai.
A minha vida com parecia um álbum de fotos que ia crescendo, contando as nossas histórias, nossos acertos, conquistas e momentos inesquecíveis. Neles não havia as partes tristes, o que houve de ruim foi descartado espontaneamente, só que esses supostos espaços em branco eram as linhas que ligavam coisas boas, a outras melhores.
POV .
Londres – 26 de novembro de 2018 – 10:10 am.
- !!! !!! !!!
Ouvi os gritos de e saí desesperado e tropeçando em tudo que vi pela frente. Encontrei minha esposa na cozinha com o rosto sereno e despreocupado, um contraste aos seus gritos.
- O que aconteceu? É o bebê? Ele vai nascer? – Ela riu de minha preocupação e negou com a cabeça.
- Não, eu só preciso que você pegue um pouco de farinha de trigo, está na última prateleira da despensa. – Exigiu e depois voltou a sua concentração para um livro de culinária. – Vou fazer muffin para o café da manhã.
- Porra, , precisava desse escândalo todo?
- Olha a boca, mocinho. – Ela me abraçou, sentiu meu coração acelerado e riu ainda mais. – Tomara que esse bebê nasça logo ou o pai dele vai ter um surto toda hora que eu chamar por ele.
- Eu só quero estar preparado. – Dei de ombros e alisei sua barriga. – A gente está te esperando, cara, vem logo.
- Vai logo você pegar o que eu pedi, preciso terminar isso, estamos famintos.
- Você é péssima na cozinha, vai continuar com fome. – Provoquei.
- Eu acho que alguém irá aderir a dieta do jejum intermitente. – Assoviou pretenciosa.
Quando voltei da despensa estava estática no meio da cozinha encarando o chão, agora molhado, diante dela.
- Você é mesmo um desastre na cozinha em menos de dois minutos você já fez bagunça. – Ri sozinho de minha piada.
- Seu filho é bastante obediente, . – me encarou. – Ele vai nascer.
- Agora?!
- Sim, não surta e faz tudo o que combinamos.
- Não sei. Eu não lembro. – Fui até ela e por pouco não escorreguei. – Está sentindo muita dor? Que pergunta idiota, claro que está. Eu vou...
- , se acalma! – Ela segurou meu rosto e tomou o controle da situação, já que eu estava sendo um pateta. – Agora eu não estou sentindo dor, vou subir, tomar um banho e me arrumar, enquanto isso você liga pra o médico, avisa também a nossa família e coloca o que falta no carro. – Ela sorriu e beijou rapidamente meus lábios. – Fica calmo, o nosso bebê está chegando.
Como um robô, obedeci todos os comandos de e subi para ajudá-la. O longo banho quente auxiliou na dor que ela estava sentindo.
Ajudei a se secar e a se vestir, o sorriso não saía de seu rosto, parecia estar gravando em sua mente cada detalhe daquele dia. Eu não julgava, estava fazendo o mesmo. Beijei a sua testa e me abraçou.
- Como você está?
- Estou me sentindo Estranha, mas feliz e ansiosa.
- E as dores?
- Dando pra supor... – Ela não terminou a frase, fechou os olhos e depois respirou fundo. – Estão aumentando. – Sorriu.
- Vamos logo para o hospital. – Antes que eu pudesse sair, ela segurou a minha mão.
- Me dá um beijo.
- Mas...
- , quando a gente voltar pra esse quarto nós estaremos com o nosso bebê. – Seu sorriso aumentou. – Só preciso me lembrar desse beijo, aqui e agora, enquanto somos apenas eu e você.
Segurei o seu rosto e nos dei de presente aquela lembrança.
Eu checava o celular toda hora e o aplicativo que indicava as contrações não erravam. Enquanto meu segurança dirigia com uma calma que eu não tinha naquele momento, eu abraçava que se mantinha quieta.
- Nós vamos ver o rostinho dele hoje. – Ela disse com a voz embargada.
- Sim, eu sei que você será incrível. – Beijei seus cabelos. Então ela agarrou o meu braço e apertou forte se contorcendo de dor. – Vai passar, meu amor... Pode me morder, apertar, faz o que você quiser para amenizar o que está sentindo. – Segundos depois respirou fundo, depois sorriu pra mim, aquela contração havia passado e ela beijou exatamente o lugar que tinha apertado, um gesto totalmente desnecessário.
- Você já é um pai incrível, Senhor .
- Tenho que estar à sua altura, Senhora .
Chegamos ao hospital e bastaram poucas horas para que descobrisse que as dores que estava sentindo antes eram apenas uma breve introdução do que viria. Foram longas onze horas. A cada dor que sentia, ela se contorcia na cama procurando uma posição mais confortável, ela estava uma bagunça linda e radiante e a cada intervalo, mesmo que curto entre as contrações, ela respirava fundo e parecia ainda mais focada e determinada, me deixando ainda mais admirado. Quando não suportava, apertava, arranhava ou mordia o meu braço e eu só desejava poder fazer mais. Não queria só ficar ali confortando ela com palavras de incentivo, massagens e bolsas de água quente, eu queria poder amenizar a sua dor, ou que ao menos fosse compartilhada comigo.
Depois de choros, xingamentos e gritos, houve um último. O silêncio que se seguiu na sala me assustou, minha esposa, que agora eu considerava uma heroína, repousou a cabeça no travesseiro exausta e então surgiu o som mais lindo do mundo, era o choro do nosso filho.
POV .
Londres – 27 de novembro de 2018 – 03:55 am.
Enquanto a enfermeira limpava o meu filho, eu arranjei forças não sei de onde e estendi os braços para recebê-lo. Assim que ele se acolheu em mim o seu choro cessou fazendo o meu aumentar ainda mais, eu simplesmente não conseguia parar, era um choro de felicidade desmedida.
- Oi meu amor. – Limpei as lágrimas e vi ele nitidamente, perfeito, saudável, lindo. Segurei sua mãozinha a beijei. – Sou eu, a mamãe. – nos abraçou e eu nunca havia me sentido tão completa e grata na vida. – E esse é o seu papai.
- Obrigado, meu amor. – Os dedos de percorreram os bracinhos de John e ele pareceu ainda menor.
- Ele é perfeito, não é?
- Estranhamente perfeito. – Rimos. – Estranhamente nosso.
John havia mamado há uma hora e agora dormia profundamente nos meus braços, estava sentado na cama ao meu lado e assim como eu não conseguia parar de olhar pra ele com um amor desmedido, em poucas horas John já havia se tornado o centro do nosso universo. Eu analisava cada detalhe do nosso filho e ficava encantada com cada suspiro ou movimento dele, totalmente histérica por uma alegria que me transbordava.
- Você precisa descansar. – acariciou minha bochecha e depois deixou um beijo.
- Não estou com sono, na verdade eu estou exausta, mas não consigo dormir.
- Eu também não consigo tirar os olhos dele. – Ele sorriu, mas voltou seu olhar preocupado pra mim. – Mas você precisa dormir um pouco.
- Seu marido tem razão, senhora . – A enfermeira, que no crachá indicava que se chamava Pamela, apareceu e sorriu pra nós. – Daqui a uns meses você irá implorar pra ouvir uma ordem dessas. – Ela se aproximou e verificou John. – Vou colocá-lo aqui no berço, bem ao seu lado, Senhor , faça-a dormir. – Brincou e fez o que havia dito. De imediato o peso de todas aquelas horas de esforço e emoções caiu sobre mim e entrei em sono profundo.
Londres – 29 de novembro de 2018 – 04:03 pm.
Nós havíamos chegado em casa naquela manhã e fomos recepcionados por toda a nossa família, eu nunca havia visto a minha mãe chorar, mas aconteceu assim que ela pegou John no colo, a verdade é que todas as mulheres ali choraram, Vika não queria mais soltar ele e brigou literalmente com a minha sogra por conta disso. Meu pai, Elena e Benjamin fizeram uma festa tão grande que eu pude jurar que o bebê ia se assustar, ao invés disso como se estivesse escutando uma música relaxante, dormiu tranquilo e sereno. Ele realmente estava inserido naquela louca e barulhenta família. Aproveitei o seu cochilo e me permiti descansar também, havia sido longos dias e era ótimo estar em casa.
Quando eu acordei poderia jurar que estava numa das reuniões malucas e adolescentes que fazíamos no colégio.
, e conversavam empolgados e pareciam estar zoando por alguma coisa. segurava John, enquanto conversava com Jazmyn que parecia enciumada. Ri observando eles, permaneci alguns instantes assim até notar que eu estava acordada e logo veio até mim.
- Como você está se sentindo?
- Uma mãe. – Nós rimos. Os dois absorvendo o peso daquela afirmação.
- Finalmente a mãe mais gostosa de Londres acordou. – também se aproximou de mim e eu fiz bico.
- Achei que fosse a mais gostosa do mundo. – Brinquei e negou com a cabeça.
- Sinto muito , mas conheci uma mãe em Los Angeles na semana passada que nem parecia que tinha um filho indo pra faculdade. – tentou se gabar, mas em uníssono fizemos um coro de desgosto.
- Ai que nojo, tio . – Provoquei, mas ele apenas deu de ombros.
- Sou o melhor tio aqui. Sabe o que você escolheu pra ser padrinho do seu filho? – Apontou pra . – Ainda nem triscou nele, está aí com essa cara de que está vendo um ser de outro mundo.
continuou encarando John enquanto ele permanecia nos braços de e ri dele.
- Não precisa ter medo, .
- Ele ainda está me olhando. – Acusou. – Ele fez bico! Agora ele piscou três vezes.
- Pegue ele no colo. – Disse já gargalhando de seus olhos que se arregalaram ainda mais. – Pega ele no colo e converse para ele passar a reconhecer a sua voz.
- O quê?! Não! – Negou rápido com a cabeça.
- Para de ser medroso, . Segura ele assim. – foi instruindo e lhe entregou John. – Isso, devagar.
foi de tenso para ainda mais encantado.
- Oi carinha. – Ajeitou John eu seus braços, percebi o quanto agora ele estava resoluto e tranquilo. – Eu sou seu padrinho, lembra que eu te alimentei bastante de batata frita?
- A maioria das batatas você comia. – Acusei.
- Não escuta a sua mãe, ela é doida. – Revirou os olhos. – Ele vai fazer sucesso, é tão lindo.
- Puxou ao pai. – se gabou, mas olhou pra mim e piscou um olho como se estivesse pedindo desculpas.
- Eu acho ele idêntico a . – disse e uma discussão se instaurou, enquanto eles examinavam cada parte de John e as comparavam com as minhas, de ou até deles mesmo, notei Jazmyn ainda absorta em nosso meio.
Durante a gravidez ela não havia dado um sinal claro de que sentiria ciúmes, ela continuava carinhosa comigo e , mas já não queria ir tanto pra nossa casa, principalmente depois que o quarto de John ficou pronto e era ao lado do que tínhamos feito para ela.
Chamei ela baixinho e pedi pra que ela se sentasse na cama, ela fez isso, eu lhe dei um abraço, ela retribuiu, mas continuou muda.
- Adorei o seu vestido, você está linda. – Ela me olhou surpresa, depois revelou uma resistência.
- O John é lindo.
- Sabia que quando você nasceu tinha o narizinho bem vermelho igual ao dele? – Jazmyn pareceu surpresa, mas interessada com a história. – E também era bastante quieta. A sua mamãe foi descansar e você passou horas deitada no meu colo, isso quando os seus tios não te tiravam de mim e ficavam brincando com você.
- Até o meu tio ? – Eu ri e fiz um gesto mínimo pra que se aproximasse.
- Sim, até o medroso do . – Quando sentou conosco Jazzy abaixou o olhar pra nós dois e parecia se sentir uma intrusa. – Jazzy, - eu apertei ela em meu abraço. - você sabe que sempre será a minha panqueca de chocolate, não é?
- E sempre vai ser a minha princesa favorita. – fez um carinho nos cabelos dela.
- Você também sempre será minha princesa favorita, Dindo. – Ela confirmou desanimada.
- Jazzy, seu Dindo e eu sempre amaremos e estaremos com você.
- Isso mesmo, eu vou continuar comprando bastante sorvete pra você sem a sua mãe ficar sabendo.
- E nós ainda iremos tomar café da manhã na cafeteria usando só pijamas. – Jazzy finalmente sorriu um pouco mais convencida. – Agora que você já está uma mocinha e nós queremos te pedir um favor enooooorme. – Dramatizei roubando novamente a sua atenção.
- O quê?
- Será que ela vai aceitar? – fingiu sussurrar a sua pergunta pra mim, entrando na encenação e deixando Jazzy ainda mais curiosa.
- Eu vou! Eu vou! – Se agitou e nós reprimimos o riso.
- Nós queremos que você nos ajude a cuidar do John, ele vai precisar de você.
- Eu posso fazer isso, Dinda! Eu prometo cuidar dele.
- Sei que vai, minha princesa. – Beijei seu rosto e fiz um gesto para que trouxesse John até nós e assim ela fez. Jazzy se acomodou melhor e então segurou John com maior cuidado.
- Oi Johnny, eu sou a Jazzy e sou sua amiga, assim como nossos papais são. – Ela beijou sua testa e olhou pra nós como se buscasse aprovação para aquele carinho. – Eu vou cuidar de você pra sempre e te levar pra passear só de pijamas.
Eu fui às lágrimas.
Londres – Algum tempo depois...
Eu acordava todos os dias ao lado de e o nosso encontro sempre parecia particular e infinito.
Depois de anos em amargura por viver sem amor, nós aproveitamos a grandeza de viver através dele.
Nos pequenos detalhes que era a experiência de compartilhar a vida. Aquele abraço nada acidental durante a madrugada. Manhã tranquila e preguiçosa motivada a brincadeiras bobas e risos, ou manhãs apressadas nas quais se tem apenas um beijo rápido. Sentar na cama e conversar sobre tudo ou sobre nada, diálogos fáceis que só nós dois compreendemos, assim como a arte de dividir os mesmos espaços, só porque precisávamos ficar juntos.
As discussões que precisam ser interrompidas por um abraço forte, um beijo ainda com resquícios de mágoas insignificantes. É explorar o amor, novos lugares e criar novas memórias. É o cuidar, o aquecer nos dias frios, descansar no outro, aconchego ao dividir o sofá, um livro, as tarefas diárias ou os problemas do cotidiano.
É o sorriso fácil dos nossos filhos brincando com nosso cachorro, é cada nova descoberta deles e nossa também. São as nossas danças ainda que não tenha música, as nossas festas e as nossas viagens de carro sem roteiro.
Tudo era sobre as pequenas coisas e as grandes também, sobre a normalidade de uma vida extraordinária e repleta de amor.
Epílogo
Trancoso – 05 de agosto de 2020 – 10:32 am.
- Estava no telefone com , acertando minha participação no show dele em Miami.
- E como ele está?
- Achei ele mais animado. – Meu sorriso triste, fez negar com a cabeça. – Não estava bêbado, mas animado mesmo, motivado. Parece que a fã que ganhou a promoção e está em turnê com ele o está enlouquecendo, e o trazendo de volta. Sorri mais aliviada, já desejando encontrar a tal garota.
John correu pela areia e saiu em seu encalço.
A leve brisa ensolarada da praia que estávamos varreu meus cabelos me relaxando. Ri de Johnny brincando com já dentro do mar. Meu filho gritava toda vez que uma onda batia em seu corpo, e quando se acostumou com o banho, estranhou o gosto da água salgada, fazendo uma careta adorável.
Rosie terminou de mamar e olhou pra mim como se sorrisse em agradecimento. Ela tinha os olhos apertados como os de e os cabelos escuros como os meus, era tão perfeita e esperta pra um bebê de seis meses, que impressionava todos.
Johnny correu de mais uma onda que bateu em seus pés e gritou ao ver algo que o mar havia trazido, se abaixou para pegar depois que o incentivou. Meus dois meninos conversaram, até que meu filho correu em minha direção, com as mãozinhas fechadas protetoramente, como se estivessem protegendo um tesouro.
- Oh, Mamá! – Exclamou empolgado me mostrando pequenas conchas. Seu rosto estava corado pelo sol e sujo de areia, os olhos escuros como os meus, brilharam pela nova descoberta.
- São lindas, meu amor. – Ele continuou gritando agitado, fazendo suas usuais estripulias. – Cadê meu beijo?
John entendeu meu pedido, mas primeiro tratou de beijar a bochecha da irmã que se remexeu em meu colo para enfim vir me dar um pouco do seu carinho.
Tanto amor e superproteção não pareciam caber em noventa centímetros de altura, mas lá estava o altruísmo daquele pequeno grande irmão mais velho.
A simplicidade da cena dos meus filhos me fez derrubar três lágrimas, enquanto eu sentia os beijos de John sujando meu rosto de areia.
- Tudo bem? – se sentou atrás de mim e eu tratei de recostar meu corpo sobre o seu. Rosie se remexeu novamente, quando seu pai fez cócegas em sua barriga e eu precisei arrumar a fantasia adorável de sereia que havia colocado nela. Johnny se sentou ao nosso lado brincando com seu balde de areia, vez ou outra descobrindo algo e nos mostrando.
- Está estranhamente perfeito.
parou por um segundo, provavelmente observando a nossa vida, nossa família e depois virou delicadamente o meu rosto para o seu. O cheiro dele atrelado ao da maresia me entorpeceu e me fez fechar os olhos.
- Eu amo você. Eu amo a nossa família. – Sorri esbarrando os nossos lábios.
- Vocês são as minhas músicas favoritas. – Eu disse e ele concordou antes de finalmente me beijar.
- Eeeew! – Johnny resmungou com seu ciúme habitual, fazendo eu e rir e interromper o beijo. Sabíamos a quem ele havia puxado.
Mas algumas coisas simplesmente foram feitas para acontecer e o meu sonho estava acontecendo, todos os dias.
- Estava no telefone com , acertando minha participação no show dele em Miami.
- E como ele está?
- Achei ele mais animado. – Meu sorriso triste, fez negar com a cabeça. – Não estava bêbado, mas animado mesmo, motivado. Parece que a fã que ganhou a promoção e está em turnê com ele o está enlouquecendo, e o trazendo de volta. Sorri mais aliviada, já desejando encontrar a tal garota.
John correu pela areia e saiu em seu encalço.
A leve brisa ensolarada da praia que estávamos varreu meus cabelos me relaxando. Ri de Johnny brincando com já dentro do mar. Meu filho gritava toda vez que uma onda batia em seu corpo, e quando se acostumou com o banho, estranhou o gosto da água salgada, fazendo uma careta adorável.
Rosie terminou de mamar e olhou pra mim como se sorrisse em agradecimento. Ela tinha os olhos apertados como os de e os cabelos escuros como os meus, era tão perfeita e esperta pra um bebê de seis meses, que impressionava todos.
Johnny correu de mais uma onda que bateu em seus pés e gritou ao ver algo que o mar havia trazido, se abaixou para pegar depois que o incentivou. Meus dois meninos conversaram, até que meu filho correu em minha direção, com as mãozinhas fechadas protetoramente, como se estivessem protegendo um tesouro.
- Oh, Mamá! – Exclamou empolgado me mostrando pequenas conchas. Seu rosto estava corado pelo sol e sujo de areia, os olhos escuros como os meus, brilharam pela nova descoberta.
- São lindas, meu amor. – Ele continuou gritando agitado, fazendo suas usuais estripulias. – Cadê meu beijo?
John entendeu meu pedido, mas primeiro tratou de beijar a bochecha da irmã que se remexeu em meu colo para enfim vir me dar um pouco do seu carinho.
Tanto amor e superproteção não pareciam caber em noventa centímetros de altura, mas lá estava o altruísmo daquele pequeno grande irmão mais velho.
A simplicidade da cena dos meus filhos me fez derrubar três lágrimas, enquanto eu sentia os beijos de John sujando meu rosto de areia.
- Tudo bem? – se sentou atrás de mim e eu tratei de recostar meu corpo sobre o seu. Rosie se remexeu novamente, quando seu pai fez cócegas em sua barriga e eu precisei arrumar a fantasia adorável de sereia que havia colocado nela. Johnny se sentou ao nosso lado brincando com seu balde de areia, vez ou outra descobrindo algo e nos mostrando.
- Está estranhamente perfeito.
parou por um segundo, provavelmente observando a nossa vida, nossa família e depois virou delicadamente o meu rosto para o seu. O cheiro dele atrelado ao da maresia me entorpeceu e me fez fechar os olhos.
- Eu amo você. Eu amo a nossa família. – Sorri esbarrando os nossos lábios.
- Vocês são as minhas músicas favoritas. – Eu disse e ele concordou antes de finalmente me beijar.
- Eeeew! – Johnny resmungou com seu ciúme habitual, fazendo eu e rir e interromper o beijo. Sabíamos a quem ele havia puxado.
Mas algumas coisas simplesmente foram feitas para acontecer e o meu sonho estava acontecendo, todos os dias.
Fim.
Nota da (16/08/2017): Oi Estranhas, Provavelmente essa é a décima terceira nota de agradecimento que escrevo e nenhuma parece suficiente. O primeiro capítulo dessa Fanfic foi postado dia 14 de fevereiro de 2014 e posso dizer que assim como o Estranho salvou a Estranha tantas vezes, foi essa história que me salvou. Me reconstrui, encontrei amigas que vou levar pra o resto da vida, enxerguei um mundo de possibilidades e o melhor de tudo foi poder dividir isso com cada um de vocês! Muuuuuuito obrigada por tudo, pelas indicações, pelas críticas, pelos comentários, pela paciência (principalmente), por estarem aqui ainda!!!!!! Teria uma lista de pessoas pra serem citadas aqui, mas como eu esqueceria alguém eu prefiro dizer que vocês estão no meu coração e obrigada pela ajuda, eu nunca irei esquecer!!! Seria ridículo eu agradecer ao One Direction também? Rs. Foi essa bandinha adolescente, a síndrome de Peter Pan (como meus amigos brincam) que me tornou melhor. Estou chorando demais agora, só espero que vocês gostem um pouquinho (gostando ou não venham me contar o que acharam)! Que venham mais criações, mais amor!!! Love. Love. Love.OBRIGADA!!! xX
Nota da (24/03/2019): Minha última atualização para o Fanfic Obsession e posso dizer que me impressiona que a fanfic, mesmo tendo sido finalizada há quase dois anos ainda tenha novos leitores! Eu ainda me perco em meio a todos os sentimentos bons que essa história me trouxe e acho que isso é um ótimo sinal, mas o que vocês acharam do final? Ficou digno???? Muito obrigada por estarem aqui ainda e saibam que tem muita coisa boa sobre It Was Meant To Be, por causa de It Was Meant To Be e relacionada a It Was Meant To Be vindo por aí. Acredito que ainda esse ano vocês fiquem sabendo!!! Mais uma vez, muito obrigada!!!! Todo amor pra gente!
Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Nota da (24/03/2019): Minha última atualização para o Fanfic Obsession e posso dizer que me impressiona que a fanfic, mesmo tendo sido finalizada há quase dois anos ainda tenha novos leitores! Eu ainda me perco em meio a todos os sentimentos bons que essa história me trouxe e acho que isso é um ótimo sinal, mas o que vocês acharam do final? Ficou digno???? Muito obrigada por estarem aqui ainda e saibam que tem muita coisa boa sobre It Was Meant To Be, por causa de It Was Meant To Be e relacionada a It Was Meant To Be vindo por aí. Acredito que ainda esse ano vocês fiquem sabendo!!! Mais uma vez, muito obrigada!!!! Todo amor pra gente!