Capítulo Único
Não conseguia me lembrar da última vez que dormi tão bem, consegui até sonhar! Coisa que não me acontecia com muita frequência, dadas as minhas sempre poucas horas de sono. Sempre cheia de horários, minha vida tinha sido conduzida daquela maneira desde pequena, sempre correndo para lá e para cá, nunca desacelerando.
Pisquei alguma vezes, tentando em vão me acostumar com a claridade do quarto. Sentia a textura macia das cobertas envoltas ao meu corpo e um pequeno peso na região da minha cintura. Uma respiração calma e ritmada batia levemente contra minha nuca. Suspirei, já sabendo que precisaria lidar com aquilo; como sempre fui de deixar tudo para depois, planejava adiar aquele assunto o máximo que conseguisse.
Eu só precisava sair de mansinho, sem fazer barulho. Era simples. Já havia chego ao amanhecer em casa diversas vezes, mamãe nunca me pegou entrando escondida. Não podia ser tão difícil com ele.
Ele.
Virei o pescoço lentamente, perguntando-me pela primeira vez o que diabos eu estava pensando no momento em que decidi que seria uma boa ideia beijá-lo. A resposta veio rápido até demais, bastou eu apenas descer o meu olhar pelo peito tatuado exposto de , que comecei a me lembrar o que foi que me levou para aquela cama.
Aquele era o meu grande problema: Ser impulsiva demais.
Tudo o que me levou a acordar nua ao lado dele foi culpa da minha impulsividade.
Lembrar-me do momento vergonhoso que sucedeu meu término aos berros com , fazia-me voltar a espumar de raiva. Ainda não acreditava que ele tinha feito aquilo comigo. Foram mais de quatro anos juntos jogados janela afora, nossos planos já estavam feitos, sonhos compartilhados e famílias praticamente fundidas numa só.
Magoada, revisitei tudo o que vivemos de bom no momento em que entrei no meu carro, puta da vida, e dirigi em alta velocidade até aquele hotel.
estava certo -eu não queria que ele estivesse-, doeria confirmar com meus próprios olhos o que ele me disse, então decidi ir até a casa de naquele fim de tarde. Meu namorado tinha me dito que estava se preparando para dormir, que tinha passado a tarde arrumando as malas para viajarmos pela manhã.
Um dos nossos sonhos estava prestes a se tornar real, iríamos para Oxford. Eu cursaria direito, ele medicina. Já estava tudo preparado. Éramos o assunto principal do jantar que meus pais deram na noite anterior, mamãe jurava que me casaria com . Eu também cheguei a pensar naquela possibilidade. Até receber aquela mensagem.
me mandando mensagem. Cheguei a me assustar ao saber que ele tinha meu número de telefone, não que fosse muito difícil de conseguir. Apesar de ser melhor amigo de , ele nunca demonstrou ir muito com a minha cara. Sempre esteve entre nós dois, mas nunca tínhamos saído juntos, eram sempre rolês separados, quando eu chegava perto dos dois, o assunto sempre morria e ficava mal humorado, como se eu fosse o assunto das conversas que eles tinham aos cochichos.
Demorei muito tempo para descobrir.
O motivo de não ter tido nem a oportunidade de ser amiga dele, a razão pela qual sempre evitou minha presença e até mesmo falar comigo: Ele gostava de mim. Há anos.
Estudei na mesma turma que desde a pré-adolescência, praticamente o vi crescer e virar o homem que se tornou; o que já não tinha mais problemas com garotas, nem de comunicação em geral. Diferente do passado, era rodeado de todas que queria, não era tão popular quanto , porém tinha sua fama por conta de seu talento inquestionável para música.
Mas, mesmo assim, eu não poderia afirmar com todas as letras que o conhecia direito.
Não sabia seu filme preferido, o que ele gostava de fazer ou o que ele não curtia, não sabia nada além do que já havia observado de forma superficial ou o que escutei de outras pessoas com o passar dos anos. Tudo o que eu sabia de era que seus pais eram divorciados, que ele morava com a mãe e a irmã mais velha, não era muito bom com cálculos e não pensava em entrar para nenhuma universidade. Todo mundo sabia que ele iria tentar carreira na música, só terminou o ensino médio por pressão da mãe e do pai, que mesmo de longe ainda tentava controlar as coisas que deixou para trás.
não falava muito sobre comigo, apenas dizia que o amigo era orgulhoso demais para aceitar ajuda financeira dele e do próprio pai, com quem mantinha uma relação difícil. Não sabia bem o que pensar sobre ele, mas sempre achei estranho o fato de vê-lo sendo tão simpático com todos menos comigo.
Encarei o ser, que dormia sereno ainda abraçado a mim. Era surreal me sentir tão confortável nos braços de outro que não fosse e era inacreditável pensar que algum dia acordaria ao lado de .
Minha cabeça latejava. Parecia um sonho completamente aleatório, igual ao que tive noite passada.
Seus cabelos bagunçados lhe davam o ar despojado que ele sempre teve. Ouvia-se muitos boatos sobre sua sexualidade durante o ensino médio, os outros garotos falavam e falavam sobre o fato dele ter as unhas pintadas e de seus jeans boca de sino. A grande verdade era que sempre me pareceu ser tão único, por isso sempre causou burburinhos por onde passava. E eu não era a única a perceber tais atributos nele, todas na escola falavam.
Sua voz era linda, e mesmo que meus pais pensassem completamente diferente de mim, planejando-me um futuro brilhante numa universidade conceituada, eu tinha certeza de que ele iria longe apenas com aquela voz e seu violão. Não precisaria de diploma algum, ele exalava talento. E talvez eu já tenha andado observando-o até demais. Apesar de sempre ter sido extremamente fiel ao meu namorado, nunca poderia afirmar que era cega. Os amigos de eram todos muito bonitos, porém, uns completos babacas.
Ao meu ver, transitava entre babaca e um cara legal, nunca soube decidir bem o que achava dele.
Saí de seu abraço devagar, arrastando-me lentamente colchão a fora. Assim que meus pés descalços tocaram o piso gélido, arrepiei-me por completo, o choque de temperatura me acordou ainda mais. Zanzei o quarto atrás das minhas peças íntimas, achando somente a calcinha, e passei a procurar minha blusa e o restante que usava ontem. Eu estava completamente perdida, não somente fisicamente; minha cabeça dava voltas e mais voltas, tentando raciocinar direito.
— Vai embora?
— Puta merda. — Levei as mãos ao meu peito após aquele susto. Logo lembrei que não usava sutiã e tratei de tentar cobrir meus seios pequenos, virando-me de costas.
— Sabe que eu já vi tudo o que tinha para ver, não sabe? — Riu, sarcástico.
Aliás, que voz rouca maravilhosa.
— Onde está meu sutiã? — Remexi nas peças de roupas dele jogadas pelo chão.
— Aqui. — Levantou a peça vermelha, ainda sentado na cama, envolto no cobertor acolchoado. Lhe estendi uma das mãos, enquanto teimava em tentar me cobrir e recebi um não como resposta. — Não respondeu a minha pergunta. — Bufei, estressada.
— Sim, estou querendo ir. Você pode, por favor, me devolver isso? — suspirou e se rendeu, me estendendo a peça, que tratei de vestir rapidamente.
Eu queria deixar aquele quarto o mais rápido possível. Como tinha planejado antes de acordar, eu não sabia como iria lidar com ele e seus sentimentos. Naquele momento não estava sabendo lidar nem com os meus.
Tentava, ao máximo, me distanciar emocionalmente de tudo aquilo. Só queria meu quarto e tomar um banho longo para pensar. Eu não sabia que horas eram, nem tinha começado a arrumar minhas malas, muito menos sabia se ainda teria algum lugar para ir depois de tudo. Estava tudo tão confuso e incerto em minha cabeça.
Meu celular começou a tocar em algum lugar daquela bagunça, arrancando-me de mais uma crise existencial minha.
— Não pare de tocar, por favor, não pare de tocar... — Murmurava, seguindo o barulho abafado. levantou o travesseiro em que dormi a noite inteira e lá estava ele. Tocando e vibrando incessantemente.
O nome de piscava no visor, fazendo-me recuar minha mão que ia em direção ao aparelho. Olhei para e por um instante me senti a pessoa mais suja da face da Terra. Meu Deus! Eles eram melhores amigos! O que eu tinha feito? Nem ao menos tinha digerido a história da traição e já tinha corrido para a cama de .
— Não comece, não de novo. — Sentei-me na beira do colchão, já desistindo de procurar minhas roupas. — Não está fazendo nada de errado, . quem te traiu, não se sinta culpada, vocês não estão mais juntos.
— Nada de errado. — Ri sem humor. — Terminei e na mesma noite fui pra cama com o melhor amigo dele. Isso parece certo pra você? — Virei meu pescoço, vendo-o passar as mãos no próprio rosto e cabelos, nervoso.
saiu nu debaixo das cobertas, fazendo-me encarar o teto imediatamente; parecia que ele não tinha a mesma necessidade de se auto preservar que a minha. Quando se sentou ao meu lado, já vestia uma cueca preta. Não resisti e dei uma leve espiada em seu corpo, tendo algumas lembranças vívidas da noite passada. Mordi o lábio inferior, voltando a encarar minhas mãos sobre meu colo. Não era hora de pensar naquilo.
— Se eu soubesse que ficaria assim, não teríamos feito nada. — Olhei em seu rosto, percebendo sua expressão triste. Suspirei, pegando sua mão devagar.
tinha sido um verdadeiro anjo em ter me arranjado um lugar para onde eu pudesse ir e refletir um pouco.
— Não era isso o que você queria? — Encolhi meus ombros, analisando seu rosto.
— Não. Quer dizer, sim, é claro que eu queria. — Seus olhos verdes me encararam e senti seus dedos se entrelaçarem aos meus. Sua expressão se tornou mais leve assim que o incentivei a continuar a falar — Você é minha utopia, . A noite passada foi uma das mais incríveis da minha vida. — Sorri sem graça, sentindo meu coração bater mais forte. Coisa que já não sentia mais há algum tempo. — Mas o que fiz não foi certo, acabei com seu relacionamento e ainda me aproveitei da sua situação com para te falar como me sentia e, agora, te faço sentir culpada por isso.
Neguei veemente com a cabeça.
Meu relacionamento com já estava fadado ao fracasso há tempos, terminar era uma questão de tempo. Sabia que lá no fundo ainda estávamos juntos por puro comodismo. Nossas famílias planejavam fazer alguns negócios conjuntos, já existia uma sociedade na rede de hospitais de meu pai com os , acho que terminar tinha ficado nos nossos planos inconscientemente. Eu já sabia que não duraríamos mais após o fim do ensino médio, porém ambos empurrávamos com a barriga, com a esperança de algo novo reacender o que sentíamos um pelo outro no passado.
Mas, mesmo prevendo o fim, eu nunca, jamais pensei em traí-lo. E, por mais certo que estivesse, eu não conseguia deixar de pensar que tinha feito algo de errado! E o pior, eu tinha gostado.
Pela primeira vez na vida, eu não me via arrependida e desesperada para desfazer algo que fiz por impulso. Sentia como se estivesse traindo , mas, ao mesmo tempo, parecia tudo tão certo que sentia que poderia ficar ali, naquela cama, por mais alguns dias se pudesse. Trancafiada, escondida do mundo exterior e de tudo o que me causava estresse.
Se pudesse.
Meu celular tornou a tocar, dando-me mais uma das pontadas da dor de cabeça que já começava a me irritar. O nome de papai piscava no visor que se apagou por completo quando pressionei o botão de bloqueio, recusando a chamada.
Eram quase dez da manhã, meu voo partiria a uma hora da tarde. Meu assento ao lado de já havia sido o motivo de meu alívio por ter medo de voar, tê-lo junto de mim já me acalmou várias vezes. Mas, naquele dia, e pelo menos pelos próximos que viriam, eu não sentia vontade de olhar em seu rosto novamente, quanto mais passar algum tempo trancafiada num avião ao seu lado. Já estava na hora de fazer o que adiamos por muito tempo: dar um fim naquele namoro.
Nossos pais começariam a fazer perguntas, das quais as respostas teriam que ser mentiras. jamais admitiria que estava dormindo com outras para os pais, seria decepcionante. Ele era o caçula de dois brutamontes problemáticos, a última esperança do pai que sonhava com um deles seguindo sua brilhante carreira médica, casando-se com alguém de boa família e vivendo de aparências, como se tudo fosse perfeito.
Eu o amava, demais. Porém não podia fazer parte daquele circo. Quando nos casássemos, seria pior. Todas as vezes que ouvia mamãe e Syntia, minha ex sogra, falarem sobre noivado, corria como o diabo foge da Cruz. Era um alívio saber que tudo tinha acabado. Ainda esperava tê-lo como amigo no futuro, era uma pessoa maravilhosa, apenas alguém que tentava ser perfeito para não matar os pais de desgosto, algo que tínhamos em comum.
Eu era filha única, adotada aos sete anos de idade. Além da solidão de não ter alguém para dividir as expectativas dos meus pais e da enorme gratidão por tudo o que fizeram por mim, eu ainda era a única herdeira e, portanto, era quem recebia toda a pressão de também seguir a carreira de um deles algum dia. Acabei "escolhendo" direito, não tinha vocação para ser médica e mamãe me apoiou em minha decisão de "ser como ela". A grande verdade era que eu não sabia o que queria fazer da vida. E, aparentemente, aquilo era considerado um crime na minha casa.
Mas, mesmo contra a minha vontade, cursar direito seria um sacrifício que eu faria para agrada-la.
— Eu também queria. — Disse em alto e bom tom, para mim mesma e para , que eu realmente quis transar com ele.
Sim, mesmo que ele fosse alguém próximo a ...amigo...melhor amigo...eu nunca poderia dizer que nunca senti atração por ele. Por mais errado que aquele pensamento parecesse, quando o tive e tentei afastá-lo da minha cabeça, estava bêbada demais para pensar em moralidades. Foi numa festa que tinha dado quando os pais viajaram, estava lá, como sempre muito distante para que eu pudesse percebê-lo a minha volta. Eu estava na pista de dança com minhas amigas, quando bati o olho nele conversando com uma garota no canto da sala.
O jeito como ele a pegou pela cintura e a trouxe para mais perto, sua mão grande pegando-a pela nuca, enquanto a outra descia pelas costas dela e chegava em sua bunda, apertando-a com vontade...desejei, sem ar, por um mísero segundo, ser aquela garota. Seu beijo parecia ser tão bom que me vi tentada a beijar aquela boca rosada.
Aquele episódio tinha sido apagado da minha mente na manhã seguinte, quando acordei morta de ressaca moral e física, após ter transado com meu namorado pensando em outro. tinha sumido com a garota logo depois daquele beijo, provavelmente foi embora, ou a levou para um dos quartos.
Ri brevemente, atraindo sua atenção.
— O que foi?
— Nada. É que é tão fácil te dizer o que eu quero. — Balancei os ombros, deixando-o ainda mais confuso. — Geralmente eu acabo calada, fazendo o que os outros querem para mim. — Suspirei, sentindo-me minúscula, tão pequena que cheguei a encolher os ombros sem ao menos me dar conta.
Eu tinha vergonha de não me impor. Sabia que não poderia viver daquela maneira para sempre. Ontem havia sido a primeira vez em anos que eu virava as costas para alguém e realmente tomava minha própria decisão. Eu disse para que acabou, e, por mais surpreendente que possa parecer, não fiquei para saber o que ele achava. Simplesmente fui embora, afastando-me de seus gritos pedindo-me para ficar.
— Ok. — virou seu tronco para mim, dobrando uma das pernas e apoiando o queixo nela. Seus olhos se voltaram para mim, como se eu fosse a coisa mais interessante do mundo. — Então o que quer fazer agora?
Respirei fundo, encarando um ponto qualquer do quarto.
— Queria resolver minha vida num estalar de dedos. — Ri da minha própria estupidez.
Parecia tudo tão fácil ao lado dele. não estava me cobrando nada, apesar de eu lhe dever algo. Não tínhamos que decidir nada ali, não precisávamos escolher o que cursar, o que fazer com um namoro falido ou cobrança familiar, não precisávamos nem usar roupas se não quiséssemos!
Eu estava sendo eu mesma, a que era quando ficava sozinha em meu quarto, quando não tinha ninguém me olhando. A que eu geralmente tentava esconder com maquiagem, roupas de grife e assuntos chatos e corretos demais. Ali eu estava a vontade, despida, provavelmente borrada de rímel e chorando minhas pitangas para um cara incrivelmente gato, que acabou de me dizer que eu era sua utopia. Sabia que uma hora ou outra eu não supriria suas expectativas.
Pelo menos o sexo foi bom. E naquele quesito, superou as minhas e se provou ser maravilhosamente bom, como os boatos que já ouvi.
— Isso é meio impossível. — Riu pelo nariz, atraindo minha atenção para seu rosto, que, mesmo amassado, continuava lindo. — Não sei direito o que está passando, mas queria poder te ajudar. — Seus dedos largos se aproximaram do meu rosto, colocando meus cabelos curtos para trás da minha orelha.
O par de olhos verdes vidrados nos meus me causou um leve arrepio. Desviei o olhar, abaixando a cabeça. Era loucura, só poderia ser! Eu nunca na vida iria me imaginar numa situação daquelas justo com .
— Já ajudou, na verdade. — Me remexi desconfortável. — Sei que não agradeci ontem, mas muito obrigado pela mensagem. Se não tivesse me avisado, eu provavelmente iria no avião raspando meu chifre no teto. — Nos entreolhamos e no mesmo momento soltamos uma gargalhada sonora. Lágrimas enchiam meus olhos, tinha esquecido como era bom rir daquele jeito. — Mas, sério, sei o quão difícil foi para você expor .
O nome dele foi mais uma vez um peso enorme no clima que estava naquele quarto. O sorriso de covinhas se fechou instantaneamente. Eu o sentia cabisbaixo, sabia que no fundo também se acusava por termos passado a noite juntos.
— Eu não aguentava mais esconder isso de você. Vê-lo desperdiçar algo que eu quis por anos e ele tinha pra si e não dava o devido valor. sabia...que eu não gostava quando ele ficava com outras meninas, ele...sabia que eu não achava certo.
Meu estômago se revirou devido ao meu nervosismo. Estive tanto tempo com , que acho que desacostumei a sentir aquelas sensações bizarras quando ouvia alguém se declarar para mim. Meu próprio namorado já não me falava nada bonito, e com eu já tinha experimentado aquela sensação várias vezes em poucas horas juntos.
Desde o modo como me acolheu quando eu, desesperada e revoltada, lhe pedi socorro, por não querer ir para casa, após descobrir meu novo par de chifres, quando me deu o ombro para chorar e secou minhas lágrimas, até mesmo a forma como me tocou, me despiu e me deitou na cama em que estávamos, fez tudo com um carinho indescritível. Era como se eu fosse uma porcelana rara que ele morria de medo de quebrar. Foi, estranhamente, tudo o que eu estava precisando naquela noite terrível.
Quando nos deitamos para dormir noite passada, pensei na possibilidade de tê-lo usado como válvula de escape, e que talvez realmente tenha, sim, se aproveitado de minha fragilidade para finalmente conseguir me levar para cama. Mas, no fim das contas, ainda estávamos ali, conversando sobre tudo. Se realmente fosse o que suspeitei ser antes de adormecer, eu já teria ido para casa e também, afinal, ele já tinha conseguido o que queria.
Me assustava pensar que poderia ter sentimentos envolvidos no conjunto da obra. Porque seria muito mais fácil se aquela transa tivesse sido apenas uma vingança de uma recém corna e o oportunismo de um fura olho aproveitador.
Qualquer possibilidade de algo sério sair dali resultaria em algo tão destrutivo quanto uma bomba atômica. Eu estava mais fodida do que quando entrei naquele quarto, tinha que viajar para longe para fazer algo que eu não queria, além da difícil missão de acabar com uma sociedade milionária entre famílias, quando comunicasse aos meus pais de que eu estava com o melhor amigo do meu ex. Já teria que me apresentar como namorada para o meu ex namorado e para todos que nos conheciam.
Hiroshima e Nagasaki, que dupla.
— Então é verdade, você...gosta de mim desde o quinto ano?
— , tudo o que eu te disse ontem, — Pegou minhas duas mãos e segurou entre as suas. — eu falei sério.
As mensagens de texto ainda estavam no meu celular, quando comecei a ler pela barra de notificação me assustei ao ver o começo de uma história que tinha seu início lá no quinto ano. Meu susto foi ainda maior ao ver a foto daquele número que eu não tinha salvo em meus contatos, eu conhecia aquele rosto.
me contou tudo, foi muito além da traição de , me contou sobre o motivo por nunca ter tido coragem para falar comigo por ser muito tímido no começo da adolescência. Ele me disse que eu era muito enérgica e que aquilo o intimidava na época. Ri daquela informação, minha mãe já havia me alertado daquilo, mesmo eu sendo nova demais para pensar em namorados. Ao me recordar daquela parte da mensagem, me surgiu uma dúvida.
— Você disse que era tímido, mas, depois que crescemos, você não tinha mais problemas com garotas. — riu fraco, passando uma das mãos em seus cabelos bagunçados. Observá-lo fazer aquele simples gesto e ficar incrivelmente sexy apenas de cueca e com as tatuagens a mostra, apenas serviu como um recurso visual para comprovar minha fala. — Por que nunca falou comigo? chegou só depois.
suspirou alto, ainda mantendo o sorriso amarelo nos lábios.
Meu celular tocou mais uma vez, ignorei a chamada como da última vez, mas sem ao menos me dar ao trabalho de ver quem era. Qualquer pessoa que me ligasse era, provavelmente, alguém que eu estava evitando.
— Se lembra daquele baile de Halloween que tivemos, bem na época em que se transferiu para a nossa escola? — Assenti, relembrando daquela noite. Foi tão divertido! Meu primeiro "encontro" com . — Tinha ouvido boatos de que você e suas amigas iriam juntas, por isso desisti de tentar te convidar. — Lhe sorri triste.
Eu já sabia o final daquela história. Na época, Abby tinha terminado seu namoro e não teria mais como arranjar um par de última hora, então decidimos que iríamos recusar qualquer convite de garotos e iríamos acompanhando umas às outras. Mas aconteceu o que mais temíamos, Abby e Bradley reataram aquele relacionamento tóxico e eu e as outras ficamos a ver navios.
Lembro-me vividamente daquele dia, quando chegou em mim com sua confiança invejável em pleno treino de vôlei feminino e me convidou para ir ao baile. Claro que aceitei na hora, eu já havia reparado nele por ser novato, e também não queria ir sozinha, já que as outras já estavam arranjado novos pares.
— Não fiquei surpreso em te ver dançando com . — Riu triste. — Ele havia me dito que te chamaria, me ignorou quando eu disse que tinha desistido por conta da suas amigas.
— Então ele sabia. sabia que você era a fim de mim.
— Sim, ele sabia. — Completamente confusa, o encarei esperando alguma explicação. Como ele sabia e nunca tinha me dito nada? — Antes de vocês começarem a sair, ele me perguntou se eu tinha algum problema. Eu disse que não, você parecia gostar dele, eu não iria impedir vocês dois de ficarem juntos. — falava evitando meu olhar, completamente sem graça. — Eu menti, disse que não sentia nada por você.
Me peguei pensando, imaginando o que teria acontecido se tivesse tentado ir falar comigo antes de . Eu teria aceitado seu convite, já o conhecia de vista, sabia que adorava música e sempre quis ter um pouco de abertura com ele para conversar sobre as bandas estampadas nas camisetas dele. sempre me pareceu ser um cara legal. Mas, assim que comecei a sair com , seu comportamento em relação a mim deixava-me receosa de tentar uma aproximação.
Se tivéssemos ido juntos a aquele baile, se as coisas progredissem como aconteceu com , teríamos ficado juntos até agora? Parar para pensar naquela possibilidade, imaginar tudo tão diferente do que tinha sido era bizarro! Porque eu sabia que não fazia o tipo de genro que mamãe e papai queriam ter. Eu seria a filha rebelde namorando um rock star, ao invés de alguém como , filho de médicos e herdeiro de uma grande fortuna.
Minha mãe me mataria se pudesse me ver naquele quarto.
— Mas eu nunca te esqueci. — Sua mão tornou a se aproximar de meu rosto, daquela vez, se emaranhou em meus cabelos, encaixando-se em minha nuca. Um arrepio me subiu pela espinha, me vi sem ar diante daquele par de olhos verdes. — Nunca deixei de te querer. — Seu sussurro próximo de meus lábios me fez entreabrir minha boca, que a aquela altura estava seca de vontade de tocar a dele.
Seus beijos foram rápidos, alguns selinhos dados numa lentidão tão gostosa que me fazia esquecer de onde estávamos, para onde eu iria ou até onde eu queria estar. Parecia que o tempo tinha parado.
Aquela era uma sensação tão esquisita. Maravilhosa, mas, ainda assim, esquisita.
Seu rosto se afastou do meu, fazendo-me abrir meus olhos pesados para entender o motivo daquela pausa. O jeito que me olhou, com dúvida, como se estivesse se certificando de que eu queria mesmo ficar com ele.
E a urgência que minha boca procurou a dele apenas lhe deu uma resposta silenciosa. Seus braços me envolveram e quando dei por mim, já estava no colo dele, sentindo-o explorar meu corpo com suas mãos grandes e quentes. Me dei conta de que estava realizando aquele meu desejo oculto do passado, quando sua mão me apertou a bunda, pressionando-me contra seu membro já ereto com o calor do momento. Soltei um gemido involuntário com o atrito.
Meu coração batia tão rápido que parecia até que era audível. Sua língua explorava minha boca enquanto eu passei a rebolar em seu colo, buscando cada vez mais contato. Meu Deus, estava me deixando louca. Queria, desesperadamente, tirar aquela calcinha e sua cueca, deixa-lo nu, o queria dentro de mim novamente.
Mas não podia.
E saber daquilo era frustrante. Eu tinha que parar, tinha que ir para casa fazer minhas malas, mas também queria estar ali. Só parar quando a noite caísse, cansada, deitada ao lado dele.
Mais uma vez meu celular berrou em nossos ouvidos, provocando um pequeno susto em ambos. Ofegante, procurei o aparelho pelo colchão a nossa volta, ainda recebendo beijos molhados de em meu pescoço. Assim que peguei o aparelho, vi o nome de Syntia chamar e ignorei, jogando o celular para longe de nós.
Será que tinha confessado o que fez comigo e convencido nossos pais a perdoá-lo? Ele já tinha me ligado milhares de vezes desde a noite anterior, papai começou a ligar desde cedo, e agora a mãe dele? Era uma total perda de tempo, porque eu não voltaria atrás.
já puxava as laterais da minha calcinha, tentando se livrar dela de um jeito nem um pouco eficiente, tamanha era sua urgência. Seu quadril avançou contra o meu, como se estivesse me penetrando. Mordi meu lábio com força, ao gemer alto outra vez. O visor ainda estava aceso e, num reflexo, vi que horas eram.
Quase onze. Eu estava ferrada.
— Eu tenho que ir. — Minha voz entrecortada quebrou o silêncio, antes preenchido apenas por nossas respirações ofegantes e gemidos contidos.
— Fica. — Sua fala saiu abafada, ele tinha o rosto enterrado na curva do meu pescoço, causando-me cócegas. Encolhi os ombros, ouvindo sua risada baixa ao pé do ouvido.
— Não posso. — Lamentei, manhosa. — Tenho fazer minhas malas ainda, estou mega atrasada e...oh!
desceu a alça do meu sutiã, abocanhando meu seio com avidez, causando-me um arrepio que me fez curvar todo o meu corpo de tanto prazer. Puxei seus cabelos castanhos, ao mesmo tempo em que me movia em direção ao seu membro.
— Muda a data da passagem, sei lá, — me apertou as coxas. — fica mais um pouco. Eu demorei tanto pra te ter.
— Não posso. — sorri docemente, ainda grudando-me a . Ao mesmo tempo que o negava, dada as circunstâncias, meu corpo implorava pelo dele.
Nunca tinha reparado na tensão sexual que tinha entre nós, nunca tinha me deixado aproximar dele. Talvez por medo do que poderia fazer caso tivesse oportunidade de chegar perto.
arrastou-se pelo colchão de repente, levantando-se comigo ainda em seu colo.
— O que está fazendo? — exclamei, rindo pelo susto do movimento repentino. Agarrei-me em seu pescoço com medo de ser derrubada.
A verdade era que ele não parecia ter dificuldade de me carregar pelo quarto. Eu era tão pequena e magra em relação a ele que na realidade parecia bem fácil.
— Vamos tomar um banho, já que está tão atrasada assim. — chegamos no banheiro, quando ele finalmente me colocou no chão. — Vamos economizar tempo e água.
Sua mão deslizou pelas minhas costas, quando chegou no quadril, puxou minha calcinha tirando-a uma perna por vez enquanto me apoiava em seus ombros largos a fim de não perder o equilíbrio. Quando se encarregou de tirar a própria cueca, eu me livrei de meu sutiã.
Nos aproximamos, já nus, travando uma batalha maravilhosa com nossas línguas. Minha pele contra a dele, causava-me sensações inimagináveis, colava-me cada vez mais a ele em busca de mais, meu corpo clamava por mais. Caminhamos aos beijos até o box do hotel, onde esticou o braço e ligou o chuveiro de águas quentes, que nos abrigou debaixo de si, apenas aumentando o nosso fogo.
***
Sentei-me na cama, secando meus cabelos com a toalha, ainda vestindo o roupão felpudo branco. se vestia ao lado da cama abarrotada, eu estava tomando coragem para ir procurar as minhas roupas. O observei pegar o próprio celular e tentar ligá-lo, sem sucesso. Provavelmente estava sem bateria.
— Está com fome? — Neguei com a cabeça. Eu estava era apavorada por antecedência, seria novamente uma menina órfã quando chegasse em casa e meus pais descobrissem que eu perdi meu voo. Minha situação pioraria ainda mais quando eu tivesse que explicar o quê me deixou ocupada. — Posso pedir comida, se quiser.
Neguei mais uma vez, apenas olhando em volta e reparando mais no quarto de decoração minimalista.
— Porque viemos pra cá?
— Não sou de levar garotas lá pra casa. — Arqueei minha sobrancelha. Era mentira, conheci uma garota que já passou a noite lá. Aliás, eu sabia de várias.
— Ela sabe, não sabe? — estreitei os olhos, desconfiada.
— Sim, ela sabe. — Mordeu o lábio sem jeito. — Ela me pediu para esquecer essa história, já que eu não tinha coragem de falar com você. Minha mãe adora o e ele sempre disse para ela o quanto você o fazia bem.
— É, a minha também. — Sorri irônica.
Meu celular tocou pela milésima vez, naquele dia que estava apenas começando. Daquela vez era mamãe quem me ligava, pela segunda vez ao julgar pela outra chamada, provavelmente tocou enquanto estávamos...ocupados no banho.
— Falando nela. — Respirei fundo, me preparando psicologicamente para atender a aquela chamada.
Já previa seus berros e broncas. Não lhe tirava a razão, eu tinha um compromisso naquele dia, e, também, meio que estava desaparecida desde a noite passada, quando resolvi não dar sinal de vida.
— ! Graças a Deus você me atendeu! — Tive que afastar o aparelho de meu ouvido para fugir de seus berros. — Você precisa vir para o hospital agora! — Meu coração gelou.
— Está tudo bem? O que houve? — vinha ao meu encontro, percebendo minha fragilidade momentânea.
Eu provavelmente já estava branca feito papel. Meus olhos já tinham transbordado, sem que me desse conta. Finalizei a ligação trêmula, completamente em choque com a notícia que tinha recebido.
— , o que aconteceu?
— T-Temos que ir... sofreu um acidente ontem a noite — levei minhas mãos à cabeça, completamente desesperada. ficou atordoado com o que ouviu. Seus olhos marejaram instantaneamente. — E-Ele está no Saint Peace. O-Onde estão minhas roupas?
Na minha cabeça surgiam milhares de situações horríveis envolvendo . Minha mãe não se prolongou com explicações, e só pelo jeito com que ela falou comigo eu já sabia que estava encrencada. Me perguntei o que teria acontecido na noite passada... sempre foi de beber e dirigir. Nunca gostei de estar com ele naqueles momentos, simplesmente não curtia o modo com o que ele exagerava sempre na bebida, para fugir da sensação de controle que os pais sempre o fazia sentir.
Pensar que ele talvez tenha ido recorrer a bebida, para fugir da responsabilidade de seus atos após nossa discussão ontem, fazia-me sentir culpada. Sabia que era irracional pegar a culpa de ter reclamado de sua infidelidade, afinal eu estava com a razão, estava magoada, sentindo-me traída. Mas, se eu não tivesse sido tão extrema, se eu não tivesse gritado com ele...talvez se eu tivesse ficado, conversado, tentando resolver nossa situação sem alarde, talvez não tivesse saído para encher a cara e não se acidentaria.
Voltei a realidade com estendendo-me minhas peças de roupas. Vesti meus jeans e minha blusa numa rapidez impressionante, ainda tremendo demais. Cada segundo que eu me demorava ali, significava milhões de horas para a minha ansiedade de chegar no hospital e vê-lo, saber se ele estava bem.
— Minhas chaves, o-onde estão? — Revirava minha bolsa, me desesperando ainda mais ao não encontrar o que procurava em meio a aquela bagunça de maquiagens e cremes.
— Vamos no meu carro. Não vou te deixar dirigir nesse estado.
Seguimos pelo corredor ainda atônitos. não faria o check out ainda, meu carro continuava no estacionamento e os pertences dele ainda estavam no quarto. A chegada do elevador pareceu uma eternidade. Assim que entramos, nos encaramos através do espelho grande. Estávamos sozinhos e aquela caixa de metal nunca me pareceu ser tão fria quanto naquele momento.
tinha as mãos no bolso do moletom escuro que usava, estava escondendo as mãos trêmulas para disfarçar o nervosismo; já tinha reparado aquilo nele, desde quando começamos a estudar juntos e ele era tímido demais para apresentar seminários na escola. Seus olhos tempestuosos encaravam o chão e os ombros largos estavam caídos. estava tão preocupado quanto eu, só que não queria demonstrar para não me apavorar ainda mais.
e se conheciam desde crianças, William, o pai de , havia empregado a mãe de anos atrás, as famílias acabaram por se aproximar, porém uma proposta melhor de emprego surgiu para ela, que se mudou com e a outra filha. Eles foram se reencontrar anos depois, quando e a família também se mudaram para a nossa cidade. Qualquer um que olhasse nossa história de fora, poderia dizer que estava tentando ficar entre eu e , mas na verdade, eu era a intrusa em meio a aquela amizade de anos.
O abracei de repente, após sentir que ele precisava daquilo. Não vi se chorava, mas o ouvi fungar em meu ouvido, enquanto afundava a cabeça na curva do meu pescoço e me apertava contra si.
— Ele vai ficar bem. — Murmurou, saindo do meu abraço. — Eu sei que vai, é o , ele sempre fica bem. — Riu triste, beijando minha testa.
Eu acreditei nele, em tudo o que me disse desde a primeira palavra que direcionou a mim noite passada. Mas naquela vez eu não apenas acreditei, como torci desesperadamente para que ele estivesse certo.
O caminho até o hospital foi silencioso, não conseguia parar meus pensamentos turbulentos e imaginava que também não. Tínhamos tanto a conversar, ainda mais naquele momento em que veríamos e todas as pessoas que tinham a ver com meu relacionamento com ele. Eu já estava tensa antes mesmo de desembarcar do carro, no estacionamento do hospital.
— Pronta? — Assenti, incapaz de formular alguma frase.
O vento gélido daquele dia nublado bateu em meus cabelos, fazendo-me encolher meu corpo de frio. Vi fazer menção a me abraçar, mas desistiu no meio do caminho ao perceber que já não estávamos mais a sós. O jeito como ele me olhou e abaixou a cabeça, antes de abrir a porta para que eu entrasse, me deixou mal. Eu ainda estava naquela luta interna entre estar gostando dele e estar me sentindo culpada por estar naquela situação.
Tinha consciência de que uma coisa não necessariamente levava a outra, até porque sequer sonhava que e eu havíamos passado a noite juntos, mas saber que tudo aquilo tinha acontecido com ele e eu não estive ao seu lado para ajudar fazia-me sentir arrependida. Mas, ao mesmo tempo me punia por sentir todas aquelas coisas. me traiu por meses e não teve um pingo sequer de consideração por mim.
— ! — Mamãe me recebeu em seus braços, apertando-me forte. — Onde você se meteu? Te ligamos de todos os celulares possíveis! — Sua mão pegou alguns fios do meu cabelo molhado, estranhando. — Achávamos que estava com na hora do acidente.
Minha mãe era estéril, quando descobriu ela e papai eram jovens, recém-casados e tinham aquele sonho de ter um filho. Surgi na vida deles durante uma visita que fizeram no abrigo onde cresci, eles foram a minha primeira família, fui adotada aos sete anos e jamais conheci meus pais biológicos. Acho que, ao invés de um cordão umbilical, eu era conectada a ela pelo coração mesmo. Sabia do medo dela em me perder e estava me matando saber que a tinha preocupado a toa.
Foi minha vez de apertá-la em meus braços. Sua voz embargada me cortou o coração. Tinha sido egoísta da minha parte ignorar todas as ligações, porém eu estava com medo de enfrentá-los, não sabia o que fazer! Minha única saída foi recorrer a , mesmo que ele fosse a última pessoa que eu algum dia imaginei me socorrer. Mas, por incrível que pareça, havia sido minha melhor escolha. Ele era o único que sabia o que eu estava passando em relação a .
Mamãe ainda chorava no meu ombro quando avistei chegar pelo outro lado da sala de espera do Saint Peace.
Syntia o abraçou forte, sendo amparada pelo mesmo, já Willian apenas lhe deu dois tapas nas costas, sorrindo brevemente.
— Como ele está? — Mudei de assunto, já prevendo que ela começaria a me bombardear de perguntas.
— Graças a Deus foi apenas um susto. — Pude finalmente respirar aliviada. — Mas o carro deu perda total, foi um milagre apenas ter fraturado algumas costelas e quebrado a perna.
Passei as mãos no rosto aliviada. Pelo menos não parecia ser nada que oferecesse algum risco de vida a ele.
— Teve algum outro veículo envolvido no acidente? — indagou, quando começamos a formar um pequeno círculo com todos os visitantes de .
— Não, ele bateu num poste de luz, perdeu o controle da direção.
— Estava bêbado. — Willian completou a fala da esposa com uma cara nada boa. também estava encrencado.
— Por favor, conversem com ele sobre os perigos de dirigir alcoolizado. — Abraçou o marido de lado.
e eu nos entreolhamos numa comunicação silenciosa.
Eu já havia perdido as contas de quantas vezes já tínhamos brigado por ponta de seus exageros com a bebida. Sabia que também já vinha alertando-o sobre aquilo há algum tempo. Com o fim do ensino médio, ele começou a descontar na bebida toda a ansiedade e o medo de entrar para mesma universidade em que o pai cursou medicina; não se achava capaz e a pressão que o pai fazia nele apenas piorava tudo.
não precisava daquilo, era muito inteligente, ia bem em várias matérias e eu sabia que ele nunca teria problemas com notas por mais difícil que a faculdade fosse. Ele tinha o futuro brilhante pela frente, e mesmo que não fosse para a universidade, os pais o amariam da mesma forma.
— Acho que ele já aprendeu a lição, não é mesmo? — Assenti em concordância com o pai dele.
— Posso vê-lo?
Uma enfermeira me guiou até o quarto onde ele estava alojado. Assim que entrei, fui notada. me sorriu fraco, apesar de estar com uma leve expressão de dor. Tinha alguns arranhões no braço, um roxo na lateral do rosto e sua perna estava elevada e devidamente engessada.
— Que susto você nos deu, hein. — Sorri, encarando seu corpo grande, praticamente imóvel naquela cama.
— Achei que tivesse um voo para agora. — Meu sorriso murchou. — Ontem você me disse que iria sozinha, lembra? — Eu não queria tocar no assunto, não era um momento apropriado, queria deixá-lo descansar. — Pelo visto estava certa, não vou para Oxford nem tão cedo. — Encarou a janela grande despreocupadamente.
— Eu disse que iria sozinha porque terminamos... sinto muito que isso tenha te acontecido, . Mas, quem sabe depois disso você não aprende a dar valor nas coisas que tem?
Seu rosto se virou para mim e me senti incomodada com a pequena análise que seus olhos claros fizeram em mim.
— Vai mesmo terminar comigo? — Revirei os olhos.
— Você realmente acha que não tem nada para me dizer?
Imagens da noite anterior invadiam minha cabeça. Tudo o que foi dito vinha a tona novamente, deixando-me cada vez mais magoada. Lembrava de tudo o que aconteceu, do momento em que peguei e outra garota na piscina da casa dele, quando o vi vindo atrás de mim, vestindo aquela maldita sunga, chamando o meu nome. Mas me recordava principalmente do momento em que me virei e lhe dei uma chance de falar, esperando por um simples pedido de desculpas.
Não iria apagar o que tinha acontecido, claro, mas era uma forma de demonstrar arrependimento por ter me feito sofrer.
— Quem te contou? — E não demonstrava um pingo de arrependimento.
— Não interessa quem foi. — Cruzei os braços irritadiça. — Olha, , eu realmente não esperava que nossa primeira conversa após o término fosse dentro de um hospital, pior ainda, que ao invés de me pedir desculpas por ter me enganado há não sei quanto tempo, você queira saber quem foi que me contou e acabou com a sua farra.
— Eu vou descobrir quem foi... — Ralhou, fazendo-me encarar sua cara fechada.
— E vai fazer o quê? Hã? Parabenizar quem finalmente acabou com o nosso namoro? Porque eu sei que não fui a única que senti que já estava acabando faz tempo, você até estava transando com outras. — Arquei minhas sobrancelhas. — Pra que queria me manter ao seu lado se você já não me ama mais?
— Mas eu te amo, . — A irritação se dissipou por um segundo. Respirei fundo, negando com a cabeça em sinal de reprovação. Eu não iria ceder daquela maneira.
Eu sabia que ele não me amava mais como antes, aquele esforço todo dele em me fazer ouvi-lo e esquecer aquela traição era por puro comodismo. Ficarmos juntos não faria bem para nenhum de nós dois.
— Eu sei que ama. E eu também te amo, . Mas não mais como sua namorada. — Lhe sorri triste, aproximando-me da cama. — Vamos acabar com isso sendo amigos, por favor, eu não quero te perder, você é o meu melhor amigo. — Peguei em seu rosto machucado, fazendo-lhe um breve carinho.
pegou minha mão, beijando o dorso devagar. Seus olhos azuis se encheram de lágrimas, acho que ele percebeu que era a hora de cada um de nós soltar a ponta da corda que nos unia como um casal, segurá-la tão forte enquanto o outro puxava sozinho apenas acabaria nos machucando ainda mais. Nossas mãos já estavam calejadas, estava feliz que pudemos terminar ainda nos amando. Vivemos coisas maravilhosas juntos e seria horrível simplesmente fingir que nunca o conheci.
— Olhe só, recebendo os cuidados da namorada! — A porta foi aberta revelando a enfermeira, que trazia consigo um carrinho contendo a refeição de .
Do lado de fora estava ele. esperava a sua vez de entrar para visitar o melhor amigo, mas a primeira coisa que ele olhou quando a porta se abriu foi nossas mãos juntas enquanto beijava a minha. Puxei minha mão numa rapidez absurda, a porta foi fechada após o carrinho ser encostado num canto. Não pude vê-lo mais, porém já imaginava que, pela sua expressão, estava magoado.
— Não somos mais namorados. — Ri fraco ainda olhando para a porta branca. — E eu já estou de saída.
— Oh, me desculpe. — Assenti com a cabeça, ainda sem jeito. — Mas o senhor não ficará sozinho, tem um amigo seu lá fora aguardando para entrar. — A mulher sorriu docemente, deixando o quarto em seguida.
— está aí? — Respondi silenciosamente, incapaz de falar sobre ele para . Mesmo que fosse apenas para confirmar sua presença em algum lugar. — Porra, do jeito que ele é deve ter ficado preocupado. — Passou a mão nos cabelos, nervoso.
— Todos nós ficamos. — Desconversei, passando a mão em minha nuca desconfortável. Já sentia meu rosto esquentar e sabia bem que estava com as bochechas rubras uma hora daquelas. — Sua mãe, seu pai, até mesmo meus pais.
— Vai falar com eles?
— Vou. Hoje mesmo. — Sabia que aquela minha urgência toda, em dizer para todos que tínhamos terminado, tinha algo a ver com o que estava acontecendo entre mim e . Não sabia ainda se viraria algo mais sério, mas sentia que era melhor estar completamente livre, caso acontecesse algo entre nós. — Mas não se preocupe, não vou falar o motivo. Isso é entre nós dois, ninguém precisa ficar sabendo.
respirou aliviado, sorriu de leve.
— Muito obrigado por isso, . E por todos os anos juntos. — Me estendeu a mão novamente. A peguei, segurando-a com firmeza enquanto lhe sorria com ternura. — Um último beijo? — Neguei com a cabeça, soltando uma risada alta. Era típico dele, me fazer rir quando eu estava falando sério. — Só um beijinho, Brake!
Revirei os olhos inclinando-me em sua direção.
Sua mão pegou-me pela nuca, juntando nossos lábios. Minha intenção era apenas um beijo simples, porém pediu passagem com a língua, invadindo minha boca devagar. Era um beijo espetacular, como todos os milhares que demos com o passar do nosso relacionamento, porém eu já não sentia mais nada, não significava mais nada. Terminamos com um selinho e me afastei um pouco, sorrindo fraco.
— Espero ainda te ter na minha vida. — Beijei sua testa. — Tenho que ir, já demorei demais por aqui. Até mais, .
Deixei o quarto, sentindo-me um pouco mais leve. Era daquela maneira que devíamos ter terminado, sem a necessidade daquele show que foi dado noite passada ou todos aqueles gritos e lágrimas.
passou por mim sem me olhar no rosto. Me senti estranha diante de seu desprezo, mas teria que deixar aquilo para resolver depois, ainda teria que conversar com meus pais e os de .
Respirei fundo, percorrendo o corredor que dava para os quartos e indo de encontro ao grupo reunido na sala de espera.
— Querida, estávamos decidido quem ficará com em observação. Ele terá alta amanhã cedo, mas tenho certeza que irá preferir passar a noite com a namorada, não é. — Syntia desatou a falar antes mesmo que eu abrisse a minha boca.
Fiquei sem fala por um instante, sendo encarada por todos eles. Comecei a me arrepender de ter decidido enfrentá-los sozinha.
— Nós...não estamos mais juntos. — O choque foi coletivo.
— Como assim não estão mais juntos? Filha, eu achei que iriam se casar! — Ri de seu exagero. — O que aconteceu?
— Não seja dramática, mãe. Nós decidimos terminar, o motivo não interessa a ninguém além de nós. — Dei de ombros.
Fui puxada para um canto enquanto a ouvia pedir desculpas aos pais de . Quando chegamos num dos corredores vazios do hospital, ela me soltou, encarando-me como se eu fosse louca.
— E os negócios que fizemos com eles pensando que seríamos uma família?
Respirei fundo. Eu não iria mais me estressar, não depois de finalmente colocar tudo para fora e finalmente conseguir resolver as coisas.
— Nós continuaremos a ser uma família, mamãe. O meu carinho pelo e a família dele não irá acabar! Eu apenas não podia mais ficar num relacionamento que não estava mais dando certo.
— Então foi ideia sua terminar! — Afirmou, ofendida. Respirei fundo, mantendo a calma. Parecia até que eu estava terminando com ela!
— Eu realmente pensei que a senhora iria se importar mais com meus sentimentos do que com a porra das ações e os negócios do papai.
— Eu me preocupo com você, filha! — Sorri irônica. — Mas tudo são negócios, são eles que nos sustentam, meu amor. Eu achei que você queria ter uma vida boa, se formar e ter uma família ao lado de . Não vai me dizer que desistiu da faculdade também!
Engoli a seco, sem fala. Não tínhamos entrado naquele assunto por conta do acidente, e eu esperava que não tivéssemos que discutir aquilo ali. Não tinha planejado falar daquele jeito, sem preparo.
— , você está querendo matar a sua mãe de desgosto? — Meus olhos se encheram de lágrimas, eu só queria pelo menos uma vez na vida tomar minhas próprias decisões. — O que você quer da sua vida então?
Era a primeira vez que eu ouvia sua voz me perguntar aquilo. Eu queria sim ser consultada sobre o que eu queria fazer, mas não daquela maneira. Sentia-me pressionada, acuada. Com não tinha sido daquela maneira, por que minha própria mãe não poderia ser como ele?
— E-Eu não sei. — Solucei.
— Pois trate de descobrir, porque não vou mais te sustentar já que você não quer ajudar nos negócios da sua família por puro capricho. — Engoli o choro, assentindo com a cabeça.
— Bom saber que o dinheiro vale mais que minha felicidade.
Deixei o hospital aos prantos, não sabia o que iria acontecer a partir dali, eu só sabia que tinha acabado de fazer o que tinha que ser feito. Por anos eu sonhei em finalmente enfrentá-la, só não imaginava que seria tão doloroso ouvir o que ela tinha a dizer e a forma que ela agiria quando eu lhe dissesse não. O que eu mais temia aconteceu, quando eu mais precisei do apoio dela, estava cheia de dúvidas e magoada pela traição, foi o momento em que ela me virou as costas.
Fui para o estacionamento, onde me sentei no meio fio escondida atrás do carro de . Ali, chorei por um tempo tentando tirar aquela mágoa toda de dentro do meu coração. Eu não podia sentir raiva dela, sempre me impedi de ter aquele sentimento em relação aos meus pais, nunca iria me esquecer do dia em que eles chegaram na minha vida e das oportunidades que me deram. Era ingrato da minha parte. Por um segundo, pensei na possibilidade de voltar até o quarto e reatar com , ir a Oxford e fazer o que mamãe queria a fim de não contrariá-la.
se aproximou em silêncio. Assim que o vi, corri em sua direção, abraçando-o forte. Seus braços não contornaram o meu corpo, mas eu sabia e entendia o motivo daquilo.
— O que houve? — Solucei, afundando ainda mais minha cabeça em seu peito. Chorava, molhando sua blusa de frio.
— V-Você poderia m-me levar pra casa? — Levantei meu rosto molhado para encará-lo. Ao ver meu estado, seu rosto contorceu-se em preocupação.
— Achei que iria com sua mãe, mais tarde eu poderia te levar seu carro. — Neguei veemente com a cabeça.
A última coisa que eu queria era ficar com ela. Mamãe me fez questionar até o meu término com ! Algo que eu estava tão certa de que iria fazer há muito tempo. Quase me sacrifiquei, apenas para agradá-la, como sempre fiz. E eu não podia! Não poderia me afundar mais ainda naquela areia movediça e ainda por cima levar junto de mim, ter uma vida infeliz sendo mandados por alguém.
— Não, não quero ir pra casa. Me leva pra sua casa? — Com a voz embargada, segurei o choro esperando sua resposta.
suspirou, olhando-me com pesar. Eu sabia que estava pedindo a ele uma coisa difícil, que a mãe dele com toda a certeza perguntaria o que eu estaria fazendo com ele. Mas era o meu único refúgio. Não teria coragem de passar aquela noite em casa, papai ficaria sabendo de toda a história e a reação dele seria muito pior que a dela em relação aos negócios.
— Não quer me contar o que aconteceu? — Franziu a testa, ainda analisando meu estado.
Pensei em contar tudo, sobre minha conversa com , e, logo depois, minha discussão com minha mãe, repetir para tudo o que me foi dito, como me senti ao ouvir tudo aquilo. Mas eu não conseguia. Um nó me subia à garganta e eu apenas conseguiria recomeçar a chorar.
— N-Não consigo. — Meus olhos voltaram a transbordar e os soluços involuntários ressurgiram, fazendo-o me abraçar forte daquela vez.
— Tudo bem, não precisa me contar agora, respira...vai ficar tudo bem, tá? — Afagou minhas costas, guiando-me em seguida até o lado do passageiro.
abriu a porta para mim e me ajudou a entrar, colocou o cinto de segurança enquanto eu ainda me desfazia em meio a soluços e um choro desenfreado. Meu coração estava despedaçado, e se quebrava a cada vez que eu pensava em minha mãe e tentava imaginar o que aconteceria dali pra frente.
Passamos no hotel novamente, ele pegou as coisas dele, fez o check out e ali nos separamos para irmos cada um no seu carro até a casa de . Não fazia ideia de onde era, por isso o segui pelo caminho.
Durante o trajeto, não pude deixar de pensar o quão nobre era sua atitude de não ter me negado ajuda novamente, mesmo tendo me visto com no quarto, podendo estar até pensando que nós reatamos o namoro. não pensou duas vezes ao me ajudar, me colocar em seu carro e me tirar dali. Mesmo existindo a possibilidade de não me ter jamais, ele ainda me levaria para casa e cuidaria de mim.
estava me mostrando um jeito de ressignificar o conceito de amor. Não, ele nunca disse que me amava, se tivesse me dito soaria estranho, apenas me disse que era apaixonado. Mas o que ele estava fazendo por mim não era fruto de uma simples paixão, o fato de ter nutrido aquele sentimento por anos, se contentando em apenas me ver sendo feliz com outro, significava que ele me amava.
E eu já havia conhecido outros tipos de amor, o dos meus pais adotivos, até mesmo o de , que, apesar de tudo, sempre me teve como porto-seguro e sua melhor amiga. Todos eles me tocaram de formas diferentes e foram correspondidos na mesma intensidade.
Com não estava sendo diferente, desde que acordei mais cedo e percebi que não queria mais sair daquela cama, ao lado dele senti algo florescer dentro de mim. Era completamente bizarro me sentir daquele jeito pelo melhor amigo do meu ex namorado, e eu tentei lutar contra aquilo, impedir-me de sentir ou me forçar a classificar o que tivemos como apenas sexo. Mas não pude me enganar por muito tempo.
Assim que estacionei meu carro no meio fio, me permiti um segundo de paz, encostando minha cabeça no volante e respirando um pouco antes de sair. Iria ser mais uma situação tensa naquele dia bizarro. A última delas, eu esperava.
— Venha. — foi na frente. Entrou pelo pequeno jardim que fazia uma pequena trilha até a porta de entrada da casa. O alcancei, pegando em seu braço, agarrando-me ali.
A porta se abriu revelando uma sala de estar simples, porém muito bonita. As vozes de duas mulheres eram ouvidas de onde estávamos, comecei a ficar nervosa ao perceber passos vindos do cômodo da frente. Uma mulher muito familiar surgiu brava, marchando em nossa direção.
— Edward , onde você se meteu a noite toda?
— Mãe, calma, eu pos... — Saí detrás dele, sem ao menos perceber que tinha me escondido.
— Oi, querida. — A mulher me sorriu docemente. Enquanto eu me sentia um peixe fora d'água, ela e o filho trocaram olhares que eu nunca entenderia. — Ouvi falar muito bem de você, mas não imaginava que te conheceria dessa forma. — Aquela indireta eu tinha entendido. — Onde está ?
Minhas bochechas coraram, eu tinha certeza que sim. Olhei para pedindo socorro, porém o mesmo estava, assim como eu, sem reação.
— Oi, Sra. . É um prazer conhecê-la. — sorri amarelo, completamente sem graça. — e eu não estamos mais juntos.
— Eu percebi. — Cruzou os braços ainda muito séria. Eu estava com medo dela. — Meu filho teve alguma coisa a ver com isso?
Engoli a seco, querendo sair correndo dali e nunca mais voltar. Mas, infelizmente aquele era o meu único abrigo. Minhas amigas estavam todas ocupadas demais com suas mudanças para seus respectivos campus para me socorrer e eu não me atreveria a usar o cartão de crédito que mamãe havia me dado. Talvez por temer que esteja bloqueado.
— O quê? N-não...
— Sim, mãe, eu contei a ela das traições de . — disse, atraindo minha atenção. Aparentemente até mesmo a mãe dele sabia dos meus chifres.
— Finalmente! — Exclamou, surpreendendo-me. — Me ouviu pela primeira vez na vida. — Ri da bronca que ele estava recebendo na minha frente. — Eu amo como se fosse um filho, mas mulher nenhuma merece o que ele te fez. — Concordei com a mais velha.
— Ela vai passar a noite aqui. — anunciou.
— Se não for atrapalhar, é claro. — Completei encolhendo meus ombros.
— Querida, não se preocupe. Sinta-se em casa.
Subimos as escadas e nos colocou para dentro do seu quarto. Era até arrumadinho, se não fossem por algumas peças de roupas amontoadas em sua cama. Ele as retirou, colocando-as na cadeira de sua escrivaninha, deixando espaço livre para nos sentarmos.
Olhei em volta, reparando num violão bege muito bonito, encostado num canto da parede ao lado da escrivaninha. Um caderno aberto me chamou a atenção, ao que parecia, havia um amontoado de coisas escritas despretensiosamente, algumas palavras rabiscadas, como uma espécie de rascunho.
— São suas músicas? — Sorri maldosa, indo praticamente correndo em direção a ele. Mas fui impedida por e seus braços, puxando-me de volta, causando-me risos. — Me deixa ver!
— Não. — Riu, alcançando o caderno primeiro e mantendo-o longe.
— Por favor! — Implorei, recebendo outro não. — Por que não? Tem algo sobre mim aí? — Indaguei sugestiva. não conseguiu disfarçar, atiçando ainda mais minha curiosidade. — Me deixa ver? Prometo que não vou falar nada!
Suspirou, estendendo-me o que eu e minha curiosidade tanto queríamos.
Confusa, folheei o caderno algumas vezes encontrando várias anotações, nada muito linear. Talvez fosse o jeito dele de compor, ou fossem apenas esboços que somente ele entenderia. Algumas folhas adiante encontrei algumas composições completas, títulos e mais títulos escritos nos topos delas, alguns eram bem ambíguos, como nomes de frutas e afins, outros melancólicos e românticos.
— Qual delas é a minha? - Indaguei animada.
Eu sempre amei ouvir música, imaginava o quão incrível devia ser ter uma música dedicada a você... todas as vezes que a pessoa cantar aquela canção, irá se lembrar de você. É algo tão lindo e único. Um presente muito especial.
Ele pegou o caderno das minhas mãos, mostrando-me algumas delas, após a terceira folha comecei a ficar impressionada.
— É, eu sei bem, escrevo muitas músicas sobre você. — Riu sem jeito, ainda olhando o caderno.
Eu estava completamente intrigada com aquele garoto. Quando se declarou para mim, imaginei diversas vezes o modo como ele devia ter se sentido ao me ver com por todos aqueles anos, e eu estava ali, com todos os registros em mãos para finalmente saber.
— Eu não imaginava que gostasse tanto de mim assim. — O encarei séria, esperando-o me olhar de volta. Mas por alguma razão, não conseguia.
Parecia um assunto difícil para ele, o deixava sem graça, vulnerável demais. Eu não via aquele tímido desde a nossa adolescência. E poderia dizer, gostava das duas versões que conheci dele.
— Quer ouvir uma?
Arregalei os olhos.
— Mas é claro que sim! — exclamei animada. riu, indo buscar o violão. — Posso escolher uma? — ele concordou, ainda procurando a palheta.
Folheei os escritos e um deles me chamou a atenção: Adore You.
Quando começou a cantar, meu coração disparou imediatamente. Era a música mais linda que eu já havia ouvido na vida.
You don't have to say you love me
(Você não precisa dizer que me ama)
You don't have to say nothing
(Você não precisa dizer nada)
You don't have to say you're mine
(Você não precisa dizer que é minha)
Honey
(Amor)
I'd walk through fire for you
(Eu andaria no fogo por você)
Just let me adore you
(Apenas me deixe te adorar)
Oh, honey
(Oh, amor)
I'd walk through fire for you
(Eu andaria no fogo por você)
Just let me adore you
(Apenas me deixe te adorar)
Like it's the only thing I'll ever do
(Como se fosse a única coisa que eu faria na vida)
Não o deixei terminar de cantar. ainda tocava o violão, para mudar de estrofe, quando eu literalmente voei em seu pescoço, beijando sua boca. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, tamanha era a minha emoção ao ouvir algo tão lindo.
Não imaginava que alguém algum dia sentiria tudo aquilo por mim, que existia alguém que me olhasse daquele jeito como aquela música descrevia.
— Eu sei que prometi que não falaria nada, — ri, ainda pausando para beijar aqueles lábios rosados. — mas essa é a melhor música que eu já ouvi na minha vida!
— Ok, eu entendi que gostou. — estava completamente sem graça, e era a coisa mais bonitinha que eu já havia visto.
Sua mão afastou o violão até que ele estivesse seguro no chão. Eu tomei o lugar do instrumento, sentando-me em seu colo. Nos beijamos, como se não houvesse nada ao nosso redor, nem o caos, a calmaria, muito menos as pessoas que seriam contra nós dois.
Seus beijos em meu pescoço me faziam fechar os olhos e apenas relaxar em seus braços, um lugar completamente novo para mim. me disse que eu era sua utopia. Mas no fim das contas, aos poucos, ele também estava se tornando a minha.
Seus braços eram um pedacinho recém descoberto por mim do paraíso na Terra.
— , voc...
Num pulo só, sai do colo dele, arrancando gargalhadas da garota que abriu a porta de supetão.
— Emma! Aprenda a bater! Eu já te disse milhões de vezes! — esbravejou, fazendo-me rir junto dela.
— Desculpa! Mamãe, me disse que ela estava aqui e eu corri pra conferir!
Arquei as sobrancelhas. Aparentemente todo mundo daquela casa sabia do crush de em mim; e eu esperava que mais ninguém soubesse do meu par de chifres. Sabia que não deveria me envergonhar daquilo, afinal o erro não tinha sido meu e um animal sem chifres era um animal indefeso. Mas, eu definitivamente queria deixar aquele episódio para trás, para impedi-lo de afetar minhas relações futuras.
— Pronto, já viu. , esta é Emma, minha irmã insuportável, que já está de saída. — fechou a porta na cara dela, me mostrando que talvez não ter irmãos não fosse necessariamente algo tão ruim assim. — Onde estávamos?
Suspirei, vendo-o se aproximar de mim e jogar seu corpo em cima do meu, esmagando-me contra o colchão.
— Obrigada por me acolher. Ontem e hoje. — se ajeitou entre minhas pernas, deixando-me mais confortável e me permitindo respirar.
— Quer me contar o que aconteceu? — mexi em seus cabelos macios, organizando meus pensamentos.
— Eu falei com minha mãe. — Ele percebeu a seriedade do assunto e saiu de cima de mim, deitando-se ao meu lado e apoiando a cabeça no travesseiro. — Ela me disse que se eu terminasse com perderíamos os negócios e as ações que temos com os . — suspirei, controlando meu choro. — E que se eu não ajudasse com os negócios ela não me sustentaria mais.
Cobri meu rosto com os braços, abafando minhas emoções. Senti suas mãos arrastando-me pela cama até que nossos corpos estivessem colados. me acalmou por um tempo, esperando meu choro cessar para que eu pudesse falar sobre aquilo.
— Sabe o que eu acho? — Levantei a cabeça, espiando entre meus cabelos bagunçados pelo peito dele. — Que ela só está brava, falou isso no calor do momento.
— Você acha?
— Eu tenho certeza. — mordi meu lábio inferior, ainda insegura. — , minha mãe me deserda todos os dias! Ela só está fazendo drama, espere um pouco e verá.
— O drama dela me machucou demais. — murmurei ressentida.
— Eu sei. — beijou o topo da minha cabeça. — Mas, pense, ela te ama mais que tudo nesse mundo, . Te escolheu para ser filha dela, jamais te deixaria por algo tão pequeno.
Me esforcei mais uma vez para acreditar nele. Da última vez, estava certo. E eu pedia aos céus que tudo se resolvesse logo.
Pisquei alguma vezes, tentando em vão me acostumar com a claridade do quarto. Sentia a textura macia das cobertas envoltas ao meu corpo e um pequeno peso na região da minha cintura. Uma respiração calma e ritmada batia levemente contra minha nuca. Suspirei, já sabendo que precisaria lidar com aquilo; como sempre fui de deixar tudo para depois, planejava adiar aquele assunto o máximo que conseguisse.
Eu só precisava sair de mansinho, sem fazer barulho. Era simples. Já havia chego ao amanhecer em casa diversas vezes, mamãe nunca me pegou entrando escondida. Não podia ser tão difícil com ele.
Ele.
Virei o pescoço lentamente, perguntando-me pela primeira vez o que diabos eu estava pensando no momento em que decidi que seria uma boa ideia beijá-lo. A resposta veio rápido até demais, bastou eu apenas descer o meu olhar pelo peito tatuado exposto de , que comecei a me lembrar o que foi que me levou para aquela cama.
Aquele era o meu grande problema: Ser impulsiva demais.
Tudo o que me levou a acordar nua ao lado dele foi culpa da minha impulsividade.
Lembrar-me do momento vergonhoso que sucedeu meu término aos berros com , fazia-me voltar a espumar de raiva. Ainda não acreditava que ele tinha feito aquilo comigo. Foram mais de quatro anos juntos jogados janela afora, nossos planos já estavam feitos, sonhos compartilhados e famílias praticamente fundidas numa só.
Magoada, revisitei tudo o que vivemos de bom no momento em que entrei no meu carro, puta da vida, e dirigi em alta velocidade até aquele hotel.
estava certo -eu não queria que ele estivesse-, doeria confirmar com meus próprios olhos o que ele me disse, então decidi ir até a casa de naquele fim de tarde. Meu namorado tinha me dito que estava se preparando para dormir, que tinha passado a tarde arrumando as malas para viajarmos pela manhã.
Um dos nossos sonhos estava prestes a se tornar real, iríamos para Oxford. Eu cursaria direito, ele medicina. Já estava tudo preparado. Éramos o assunto principal do jantar que meus pais deram na noite anterior, mamãe jurava que me casaria com . Eu também cheguei a pensar naquela possibilidade. Até receber aquela mensagem.
me mandando mensagem. Cheguei a me assustar ao saber que ele tinha meu número de telefone, não que fosse muito difícil de conseguir. Apesar de ser melhor amigo de , ele nunca demonstrou ir muito com a minha cara. Sempre esteve entre nós dois, mas nunca tínhamos saído juntos, eram sempre rolês separados, quando eu chegava perto dos dois, o assunto sempre morria e ficava mal humorado, como se eu fosse o assunto das conversas que eles tinham aos cochichos.
Demorei muito tempo para descobrir.
O motivo de não ter tido nem a oportunidade de ser amiga dele, a razão pela qual sempre evitou minha presença e até mesmo falar comigo: Ele gostava de mim. Há anos.
Estudei na mesma turma que desde a pré-adolescência, praticamente o vi crescer e virar o homem que se tornou; o que já não tinha mais problemas com garotas, nem de comunicação em geral. Diferente do passado, era rodeado de todas que queria, não era tão popular quanto , porém tinha sua fama por conta de seu talento inquestionável para música.
Mas, mesmo assim, eu não poderia afirmar com todas as letras que o conhecia direito.
Não sabia seu filme preferido, o que ele gostava de fazer ou o que ele não curtia, não sabia nada além do que já havia observado de forma superficial ou o que escutei de outras pessoas com o passar dos anos. Tudo o que eu sabia de era que seus pais eram divorciados, que ele morava com a mãe e a irmã mais velha, não era muito bom com cálculos e não pensava em entrar para nenhuma universidade. Todo mundo sabia que ele iria tentar carreira na música, só terminou o ensino médio por pressão da mãe e do pai, que mesmo de longe ainda tentava controlar as coisas que deixou para trás.
não falava muito sobre comigo, apenas dizia que o amigo era orgulhoso demais para aceitar ajuda financeira dele e do próprio pai, com quem mantinha uma relação difícil. Não sabia bem o que pensar sobre ele, mas sempre achei estranho o fato de vê-lo sendo tão simpático com todos menos comigo.
Encarei o ser, que dormia sereno ainda abraçado a mim. Era surreal me sentir tão confortável nos braços de outro que não fosse e era inacreditável pensar que algum dia acordaria ao lado de .
Minha cabeça latejava. Parecia um sonho completamente aleatório, igual ao que tive noite passada.
Seus cabelos bagunçados lhe davam o ar despojado que ele sempre teve. Ouvia-se muitos boatos sobre sua sexualidade durante o ensino médio, os outros garotos falavam e falavam sobre o fato dele ter as unhas pintadas e de seus jeans boca de sino. A grande verdade era que sempre me pareceu ser tão único, por isso sempre causou burburinhos por onde passava. E eu não era a única a perceber tais atributos nele, todas na escola falavam.
Sua voz era linda, e mesmo que meus pais pensassem completamente diferente de mim, planejando-me um futuro brilhante numa universidade conceituada, eu tinha certeza de que ele iria longe apenas com aquela voz e seu violão. Não precisaria de diploma algum, ele exalava talento. E talvez eu já tenha andado observando-o até demais. Apesar de sempre ter sido extremamente fiel ao meu namorado, nunca poderia afirmar que era cega. Os amigos de eram todos muito bonitos, porém, uns completos babacas.
Ao meu ver, transitava entre babaca e um cara legal, nunca soube decidir bem o que achava dele.
Saí de seu abraço devagar, arrastando-me lentamente colchão a fora. Assim que meus pés descalços tocaram o piso gélido, arrepiei-me por completo, o choque de temperatura me acordou ainda mais. Zanzei o quarto atrás das minhas peças íntimas, achando somente a calcinha, e passei a procurar minha blusa e o restante que usava ontem. Eu estava completamente perdida, não somente fisicamente; minha cabeça dava voltas e mais voltas, tentando raciocinar direito.
— Vai embora?
— Puta merda. — Levei as mãos ao meu peito após aquele susto. Logo lembrei que não usava sutiã e tratei de tentar cobrir meus seios pequenos, virando-me de costas.
— Sabe que eu já vi tudo o que tinha para ver, não sabe? — Riu, sarcástico.
Aliás, que voz rouca maravilhosa.
— Onde está meu sutiã? — Remexi nas peças de roupas dele jogadas pelo chão.
— Aqui. — Levantou a peça vermelha, ainda sentado na cama, envolto no cobertor acolchoado. Lhe estendi uma das mãos, enquanto teimava em tentar me cobrir e recebi um não como resposta. — Não respondeu a minha pergunta. — Bufei, estressada.
— Sim, estou querendo ir. Você pode, por favor, me devolver isso? — suspirou e se rendeu, me estendendo a peça, que tratei de vestir rapidamente.
Eu queria deixar aquele quarto o mais rápido possível. Como tinha planejado antes de acordar, eu não sabia como iria lidar com ele e seus sentimentos. Naquele momento não estava sabendo lidar nem com os meus.
Tentava, ao máximo, me distanciar emocionalmente de tudo aquilo. Só queria meu quarto e tomar um banho longo para pensar. Eu não sabia que horas eram, nem tinha começado a arrumar minhas malas, muito menos sabia se ainda teria algum lugar para ir depois de tudo. Estava tudo tão confuso e incerto em minha cabeça.
Meu celular começou a tocar em algum lugar daquela bagunça, arrancando-me de mais uma crise existencial minha.
— Não pare de tocar, por favor, não pare de tocar... — Murmurava, seguindo o barulho abafado. levantou o travesseiro em que dormi a noite inteira e lá estava ele. Tocando e vibrando incessantemente.
O nome de piscava no visor, fazendo-me recuar minha mão que ia em direção ao aparelho. Olhei para e por um instante me senti a pessoa mais suja da face da Terra. Meu Deus! Eles eram melhores amigos! O que eu tinha feito? Nem ao menos tinha digerido a história da traição e já tinha corrido para a cama de .
— Não comece, não de novo. — Sentei-me na beira do colchão, já desistindo de procurar minhas roupas. — Não está fazendo nada de errado, . quem te traiu, não se sinta culpada, vocês não estão mais juntos.
— Nada de errado. — Ri sem humor. — Terminei e na mesma noite fui pra cama com o melhor amigo dele. Isso parece certo pra você? — Virei meu pescoço, vendo-o passar as mãos no próprio rosto e cabelos, nervoso.
saiu nu debaixo das cobertas, fazendo-me encarar o teto imediatamente; parecia que ele não tinha a mesma necessidade de se auto preservar que a minha. Quando se sentou ao meu lado, já vestia uma cueca preta. Não resisti e dei uma leve espiada em seu corpo, tendo algumas lembranças vívidas da noite passada. Mordi o lábio inferior, voltando a encarar minhas mãos sobre meu colo. Não era hora de pensar naquilo.
— Se eu soubesse que ficaria assim, não teríamos feito nada. — Olhei em seu rosto, percebendo sua expressão triste. Suspirei, pegando sua mão devagar.
tinha sido um verdadeiro anjo em ter me arranjado um lugar para onde eu pudesse ir e refletir um pouco.
— Não era isso o que você queria? — Encolhi meus ombros, analisando seu rosto.
— Não. Quer dizer, sim, é claro que eu queria. — Seus olhos verdes me encararam e senti seus dedos se entrelaçarem aos meus. Sua expressão se tornou mais leve assim que o incentivei a continuar a falar — Você é minha utopia, . A noite passada foi uma das mais incríveis da minha vida. — Sorri sem graça, sentindo meu coração bater mais forte. Coisa que já não sentia mais há algum tempo. — Mas o que fiz não foi certo, acabei com seu relacionamento e ainda me aproveitei da sua situação com para te falar como me sentia e, agora, te faço sentir culpada por isso.
Neguei veemente com a cabeça.
Meu relacionamento com já estava fadado ao fracasso há tempos, terminar era uma questão de tempo. Sabia que lá no fundo ainda estávamos juntos por puro comodismo. Nossas famílias planejavam fazer alguns negócios conjuntos, já existia uma sociedade na rede de hospitais de meu pai com os , acho que terminar tinha ficado nos nossos planos inconscientemente. Eu já sabia que não duraríamos mais após o fim do ensino médio, porém ambos empurrávamos com a barriga, com a esperança de algo novo reacender o que sentíamos um pelo outro no passado.
Mas, mesmo prevendo o fim, eu nunca, jamais pensei em traí-lo. E, por mais certo que estivesse, eu não conseguia deixar de pensar que tinha feito algo de errado! E o pior, eu tinha gostado.
Pela primeira vez na vida, eu não me via arrependida e desesperada para desfazer algo que fiz por impulso. Sentia como se estivesse traindo , mas, ao mesmo tempo, parecia tudo tão certo que sentia que poderia ficar ali, naquela cama, por mais alguns dias se pudesse. Trancafiada, escondida do mundo exterior e de tudo o que me causava estresse.
Se pudesse.
Meu celular tornou a tocar, dando-me mais uma das pontadas da dor de cabeça que já começava a me irritar. O nome de papai piscava no visor que se apagou por completo quando pressionei o botão de bloqueio, recusando a chamada.
Eram quase dez da manhã, meu voo partiria a uma hora da tarde. Meu assento ao lado de já havia sido o motivo de meu alívio por ter medo de voar, tê-lo junto de mim já me acalmou várias vezes. Mas, naquele dia, e pelo menos pelos próximos que viriam, eu não sentia vontade de olhar em seu rosto novamente, quanto mais passar algum tempo trancafiada num avião ao seu lado. Já estava na hora de fazer o que adiamos por muito tempo: dar um fim naquele namoro.
Nossos pais começariam a fazer perguntas, das quais as respostas teriam que ser mentiras. jamais admitiria que estava dormindo com outras para os pais, seria decepcionante. Ele era o caçula de dois brutamontes problemáticos, a última esperança do pai que sonhava com um deles seguindo sua brilhante carreira médica, casando-se com alguém de boa família e vivendo de aparências, como se tudo fosse perfeito.
Eu o amava, demais. Porém não podia fazer parte daquele circo. Quando nos casássemos, seria pior. Todas as vezes que ouvia mamãe e Syntia, minha ex sogra, falarem sobre noivado, corria como o diabo foge da Cruz. Era um alívio saber que tudo tinha acabado. Ainda esperava tê-lo como amigo no futuro, era uma pessoa maravilhosa, apenas alguém que tentava ser perfeito para não matar os pais de desgosto, algo que tínhamos em comum.
Eu era filha única, adotada aos sete anos de idade. Além da solidão de não ter alguém para dividir as expectativas dos meus pais e da enorme gratidão por tudo o que fizeram por mim, eu ainda era a única herdeira e, portanto, era quem recebia toda a pressão de também seguir a carreira de um deles algum dia. Acabei "escolhendo" direito, não tinha vocação para ser médica e mamãe me apoiou em minha decisão de "ser como ela". A grande verdade era que eu não sabia o que queria fazer da vida. E, aparentemente, aquilo era considerado um crime na minha casa.
Mas, mesmo contra a minha vontade, cursar direito seria um sacrifício que eu faria para agrada-la.
— Eu também queria. — Disse em alto e bom tom, para mim mesma e para , que eu realmente quis transar com ele.
Sim, mesmo que ele fosse alguém próximo a ...amigo...melhor amigo...eu nunca poderia dizer que nunca senti atração por ele. Por mais errado que aquele pensamento parecesse, quando o tive e tentei afastá-lo da minha cabeça, estava bêbada demais para pensar em moralidades. Foi numa festa que tinha dado quando os pais viajaram, estava lá, como sempre muito distante para que eu pudesse percebê-lo a minha volta. Eu estava na pista de dança com minhas amigas, quando bati o olho nele conversando com uma garota no canto da sala.
O jeito como ele a pegou pela cintura e a trouxe para mais perto, sua mão grande pegando-a pela nuca, enquanto a outra descia pelas costas dela e chegava em sua bunda, apertando-a com vontade...desejei, sem ar, por um mísero segundo, ser aquela garota. Seu beijo parecia ser tão bom que me vi tentada a beijar aquela boca rosada.
Aquele episódio tinha sido apagado da minha mente na manhã seguinte, quando acordei morta de ressaca moral e física, após ter transado com meu namorado pensando em outro. tinha sumido com a garota logo depois daquele beijo, provavelmente foi embora, ou a levou para um dos quartos.
Ri brevemente, atraindo sua atenção.
— O que foi?
— Nada. É que é tão fácil te dizer o que eu quero. — Balancei os ombros, deixando-o ainda mais confuso. — Geralmente eu acabo calada, fazendo o que os outros querem para mim. — Suspirei, sentindo-me minúscula, tão pequena que cheguei a encolher os ombros sem ao menos me dar conta.
Eu tinha vergonha de não me impor. Sabia que não poderia viver daquela maneira para sempre. Ontem havia sido a primeira vez em anos que eu virava as costas para alguém e realmente tomava minha própria decisão. Eu disse para que acabou, e, por mais surpreendente que possa parecer, não fiquei para saber o que ele achava. Simplesmente fui embora, afastando-me de seus gritos pedindo-me para ficar.
— Ok. — virou seu tronco para mim, dobrando uma das pernas e apoiando o queixo nela. Seus olhos se voltaram para mim, como se eu fosse a coisa mais interessante do mundo. — Então o que quer fazer agora?
Respirei fundo, encarando um ponto qualquer do quarto.
— Queria resolver minha vida num estalar de dedos. — Ri da minha própria estupidez.
Parecia tudo tão fácil ao lado dele. não estava me cobrando nada, apesar de eu lhe dever algo. Não tínhamos que decidir nada ali, não precisávamos escolher o que cursar, o que fazer com um namoro falido ou cobrança familiar, não precisávamos nem usar roupas se não quiséssemos!
Eu estava sendo eu mesma, a que era quando ficava sozinha em meu quarto, quando não tinha ninguém me olhando. A que eu geralmente tentava esconder com maquiagem, roupas de grife e assuntos chatos e corretos demais. Ali eu estava a vontade, despida, provavelmente borrada de rímel e chorando minhas pitangas para um cara incrivelmente gato, que acabou de me dizer que eu era sua utopia. Sabia que uma hora ou outra eu não supriria suas expectativas.
Pelo menos o sexo foi bom. E naquele quesito, superou as minhas e se provou ser maravilhosamente bom, como os boatos que já ouvi.
— Isso é meio impossível. — Riu pelo nariz, atraindo minha atenção para seu rosto, que, mesmo amassado, continuava lindo. — Não sei direito o que está passando, mas queria poder te ajudar. — Seus dedos largos se aproximaram do meu rosto, colocando meus cabelos curtos para trás da minha orelha.
O par de olhos verdes vidrados nos meus me causou um leve arrepio. Desviei o olhar, abaixando a cabeça. Era loucura, só poderia ser! Eu nunca na vida iria me imaginar numa situação daquelas justo com .
— Já ajudou, na verdade. — Me remexi desconfortável. — Sei que não agradeci ontem, mas muito obrigado pela mensagem. Se não tivesse me avisado, eu provavelmente iria no avião raspando meu chifre no teto. — Nos entreolhamos e no mesmo momento soltamos uma gargalhada sonora. Lágrimas enchiam meus olhos, tinha esquecido como era bom rir daquele jeito. — Mas, sério, sei o quão difícil foi para você expor .
O nome dele foi mais uma vez um peso enorme no clima que estava naquele quarto. O sorriso de covinhas se fechou instantaneamente. Eu o sentia cabisbaixo, sabia que no fundo também se acusava por termos passado a noite juntos.
— Eu não aguentava mais esconder isso de você. Vê-lo desperdiçar algo que eu quis por anos e ele tinha pra si e não dava o devido valor. sabia...que eu não gostava quando ele ficava com outras meninas, ele...sabia que eu não achava certo.
Meu estômago se revirou devido ao meu nervosismo. Estive tanto tempo com , que acho que desacostumei a sentir aquelas sensações bizarras quando ouvia alguém se declarar para mim. Meu próprio namorado já não me falava nada bonito, e com eu já tinha experimentado aquela sensação várias vezes em poucas horas juntos.
Desde o modo como me acolheu quando eu, desesperada e revoltada, lhe pedi socorro, por não querer ir para casa, após descobrir meu novo par de chifres, quando me deu o ombro para chorar e secou minhas lágrimas, até mesmo a forma como me tocou, me despiu e me deitou na cama em que estávamos, fez tudo com um carinho indescritível. Era como se eu fosse uma porcelana rara que ele morria de medo de quebrar. Foi, estranhamente, tudo o que eu estava precisando naquela noite terrível.
Quando nos deitamos para dormir noite passada, pensei na possibilidade de tê-lo usado como válvula de escape, e que talvez realmente tenha, sim, se aproveitado de minha fragilidade para finalmente conseguir me levar para cama. Mas, no fim das contas, ainda estávamos ali, conversando sobre tudo. Se realmente fosse o que suspeitei ser antes de adormecer, eu já teria ido para casa e também, afinal, ele já tinha conseguido o que queria.
Me assustava pensar que poderia ter sentimentos envolvidos no conjunto da obra. Porque seria muito mais fácil se aquela transa tivesse sido apenas uma vingança de uma recém corna e o oportunismo de um fura olho aproveitador.
Qualquer possibilidade de algo sério sair dali resultaria em algo tão destrutivo quanto uma bomba atômica. Eu estava mais fodida do que quando entrei naquele quarto, tinha que viajar para longe para fazer algo que eu não queria, além da difícil missão de acabar com uma sociedade milionária entre famílias, quando comunicasse aos meus pais de que eu estava com o melhor amigo do meu ex. Já teria que me apresentar como namorada para o meu ex namorado e para todos que nos conheciam.
Hiroshima e Nagasaki, que dupla.
— Então é verdade, você...gosta de mim desde o quinto ano?
— , tudo o que eu te disse ontem, — Pegou minhas duas mãos e segurou entre as suas. — eu falei sério.
As mensagens de texto ainda estavam no meu celular, quando comecei a ler pela barra de notificação me assustei ao ver o começo de uma história que tinha seu início lá no quinto ano. Meu susto foi ainda maior ao ver a foto daquele número que eu não tinha salvo em meus contatos, eu conhecia aquele rosto.
me contou tudo, foi muito além da traição de , me contou sobre o motivo por nunca ter tido coragem para falar comigo por ser muito tímido no começo da adolescência. Ele me disse que eu era muito enérgica e que aquilo o intimidava na época. Ri daquela informação, minha mãe já havia me alertado daquilo, mesmo eu sendo nova demais para pensar em namorados. Ao me recordar daquela parte da mensagem, me surgiu uma dúvida.
— Você disse que era tímido, mas, depois que crescemos, você não tinha mais problemas com garotas. — riu fraco, passando uma das mãos em seus cabelos bagunçados. Observá-lo fazer aquele simples gesto e ficar incrivelmente sexy apenas de cueca e com as tatuagens a mostra, apenas serviu como um recurso visual para comprovar minha fala. — Por que nunca falou comigo? chegou só depois.
suspirou alto, ainda mantendo o sorriso amarelo nos lábios.
Meu celular tocou mais uma vez, ignorei a chamada como da última vez, mas sem ao menos me dar ao trabalho de ver quem era. Qualquer pessoa que me ligasse era, provavelmente, alguém que eu estava evitando.
— Se lembra daquele baile de Halloween que tivemos, bem na época em que se transferiu para a nossa escola? — Assenti, relembrando daquela noite. Foi tão divertido! Meu primeiro "encontro" com . — Tinha ouvido boatos de que você e suas amigas iriam juntas, por isso desisti de tentar te convidar. — Lhe sorri triste.
Eu já sabia o final daquela história. Na época, Abby tinha terminado seu namoro e não teria mais como arranjar um par de última hora, então decidimos que iríamos recusar qualquer convite de garotos e iríamos acompanhando umas às outras. Mas aconteceu o que mais temíamos, Abby e Bradley reataram aquele relacionamento tóxico e eu e as outras ficamos a ver navios.
Lembro-me vividamente daquele dia, quando chegou em mim com sua confiança invejável em pleno treino de vôlei feminino e me convidou para ir ao baile. Claro que aceitei na hora, eu já havia reparado nele por ser novato, e também não queria ir sozinha, já que as outras já estavam arranjado novos pares.
— Não fiquei surpreso em te ver dançando com . — Riu triste. — Ele havia me dito que te chamaria, me ignorou quando eu disse que tinha desistido por conta da suas amigas.
— Então ele sabia. sabia que você era a fim de mim.
— Sim, ele sabia. — Completamente confusa, o encarei esperando alguma explicação. Como ele sabia e nunca tinha me dito nada? — Antes de vocês começarem a sair, ele me perguntou se eu tinha algum problema. Eu disse que não, você parecia gostar dele, eu não iria impedir vocês dois de ficarem juntos. — falava evitando meu olhar, completamente sem graça. — Eu menti, disse que não sentia nada por você.
Me peguei pensando, imaginando o que teria acontecido se tivesse tentado ir falar comigo antes de . Eu teria aceitado seu convite, já o conhecia de vista, sabia que adorava música e sempre quis ter um pouco de abertura com ele para conversar sobre as bandas estampadas nas camisetas dele. sempre me pareceu ser um cara legal. Mas, assim que comecei a sair com , seu comportamento em relação a mim deixava-me receosa de tentar uma aproximação.
Se tivéssemos ido juntos a aquele baile, se as coisas progredissem como aconteceu com , teríamos ficado juntos até agora? Parar para pensar naquela possibilidade, imaginar tudo tão diferente do que tinha sido era bizarro! Porque eu sabia que não fazia o tipo de genro que mamãe e papai queriam ter. Eu seria a filha rebelde namorando um rock star, ao invés de alguém como , filho de médicos e herdeiro de uma grande fortuna.
Minha mãe me mataria se pudesse me ver naquele quarto.
— Mas eu nunca te esqueci. — Sua mão tornou a se aproximar de meu rosto, daquela vez, se emaranhou em meus cabelos, encaixando-se em minha nuca. Um arrepio me subiu pela espinha, me vi sem ar diante daquele par de olhos verdes. — Nunca deixei de te querer. — Seu sussurro próximo de meus lábios me fez entreabrir minha boca, que a aquela altura estava seca de vontade de tocar a dele.
Seus beijos foram rápidos, alguns selinhos dados numa lentidão tão gostosa que me fazia esquecer de onde estávamos, para onde eu iria ou até onde eu queria estar. Parecia que o tempo tinha parado.
Aquela era uma sensação tão esquisita. Maravilhosa, mas, ainda assim, esquisita.
Seu rosto se afastou do meu, fazendo-me abrir meus olhos pesados para entender o motivo daquela pausa. O jeito que me olhou, com dúvida, como se estivesse se certificando de que eu queria mesmo ficar com ele.
E a urgência que minha boca procurou a dele apenas lhe deu uma resposta silenciosa. Seus braços me envolveram e quando dei por mim, já estava no colo dele, sentindo-o explorar meu corpo com suas mãos grandes e quentes. Me dei conta de que estava realizando aquele meu desejo oculto do passado, quando sua mão me apertou a bunda, pressionando-me contra seu membro já ereto com o calor do momento. Soltei um gemido involuntário com o atrito.
Meu coração batia tão rápido que parecia até que era audível. Sua língua explorava minha boca enquanto eu passei a rebolar em seu colo, buscando cada vez mais contato. Meu Deus, estava me deixando louca. Queria, desesperadamente, tirar aquela calcinha e sua cueca, deixa-lo nu, o queria dentro de mim novamente.
Mas não podia.
E saber daquilo era frustrante. Eu tinha que parar, tinha que ir para casa fazer minhas malas, mas também queria estar ali. Só parar quando a noite caísse, cansada, deitada ao lado dele.
Mais uma vez meu celular berrou em nossos ouvidos, provocando um pequeno susto em ambos. Ofegante, procurei o aparelho pelo colchão a nossa volta, ainda recebendo beijos molhados de em meu pescoço. Assim que peguei o aparelho, vi o nome de Syntia chamar e ignorei, jogando o celular para longe de nós.
Será que tinha confessado o que fez comigo e convencido nossos pais a perdoá-lo? Ele já tinha me ligado milhares de vezes desde a noite anterior, papai começou a ligar desde cedo, e agora a mãe dele? Era uma total perda de tempo, porque eu não voltaria atrás.
já puxava as laterais da minha calcinha, tentando se livrar dela de um jeito nem um pouco eficiente, tamanha era sua urgência. Seu quadril avançou contra o meu, como se estivesse me penetrando. Mordi meu lábio com força, ao gemer alto outra vez. O visor ainda estava aceso e, num reflexo, vi que horas eram.
Quase onze. Eu estava ferrada.
— Eu tenho que ir. — Minha voz entrecortada quebrou o silêncio, antes preenchido apenas por nossas respirações ofegantes e gemidos contidos.
— Fica. — Sua fala saiu abafada, ele tinha o rosto enterrado na curva do meu pescoço, causando-me cócegas. Encolhi os ombros, ouvindo sua risada baixa ao pé do ouvido.
— Não posso. — Lamentei, manhosa. — Tenho fazer minhas malas ainda, estou mega atrasada e...oh!
desceu a alça do meu sutiã, abocanhando meu seio com avidez, causando-me um arrepio que me fez curvar todo o meu corpo de tanto prazer. Puxei seus cabelos castanhos, ao mesmo tempo em que me movia em direção ao seu membro.
— Muda a data da passagem, sei lá, — me apertou as coxas. — fica mais um pouco. Eu demorei tanto pra te ter.
— Não posso. — sorri docemente, ainda grudando-me a . Ao mesmo tempo que o negava, dada as circunstâncias, meu corpo implorava pelo dele.
Nunca tinha reparado na tensão sexual que tinha entre nós, nunca tinha me deixado aproximar dele. Talvez por medo do que poderia fazer caso tivesse oportunidade de chegar perto.
arrastou-se pelo colchão de repente, levantando-se comigo ainda em seu colo.
— O que está fazendo? — exclamei, rindo pelo susto do movimento repentino. Agarrei-me em seu pescoço com medo de ser derrubada.
A verdade era que ele não parecia ter dificuldade de me carregar pelo quarto. Eu era tão pequena e magra em relação a ele que na realidade parecia bem fácil.
— Vamos tomar um banho, já que está tão atrasada assim. — chegamos no banheiro, quando ele finalmente me colocou no chão. — Vamos economizar tempo e água.
Sua mão deslizou pelas minhas costas, quando chegou no quadril, puxou minha calcinha tirando-a uma perna por vez enquanto me apoiava em seus ombros largos a fim de não perder o equilíbrio. Quando se encarregou de tirar a própria cueca, eu me livrei de meu sutiã.
Nos aproximamos, já nus, travando uma batalha maravilhosa com nossas línguas. Minha pele contra a dele, causava-me sensações inimagináveis, colava-me cada vez mais a ele em busca de mais, meu corpo clamava por mais. Caminhamos aos beijos até o box do hotel, onde esticou o braço e ligou o chuveiro de águas quentes, que nos abrigou debaixo de si, apenas aumentando o nosso fogo.
Sentei-me na cama, secando meus cabelos com a toalha, ainda vestindo o roupão felpudo branco. se vestia ao lado da cama abarrotada, eu estava tomando coragem para ir procurar as minhas roupas. O observei pegar o próprio celular e tentar ligá-lo, sem sucesso. Provavelmente estava sem bateria.
— Está com fome? — Neguei com a cabeça. Eu estava era apavorada por antecedência, seria novamente uma menina órfã quando chegasse em casa e meus pais descobrissem que eu perdi meu voo. Minha situação pioraria ainda mais quando eu tivesse que explicar o quê me deixou ocupada. — Posso pedir comida, se quiser.
Neguei mais uma vez, apenas olhando em volta e reparando mais no quarto de decoração minimalista.
— Porque viemos pra cá?
— Não sou de levar garotas lá pra casa. — Arqueei minha sobrancelha. Era mentira, conheci uma garota que já passou a noite lá. Aliás, eu sabia de várias.
— Ela sabe, não sabe? — estreitei os olhos, desconfiada.
— Sim, ela sabe. — Mordeu o lábio sem jeito. — Ela me pediu para esquecer essa história, já que eu não tinha coragem de falar com você. Minha mãe adora o e ele sempre disse para ela o quanto você o fazia bem.
— É, a minha também. — Sorri irônica.
Meu celular tocou pela milésima vez, naquele dia que estava apenas começando. Daquela vez era mamãe quem me ligava, pela segunda vez ao julgar pela outra chamada, provavelmente tocou enquanto estávamos...ocupados no banho.
— Falando nela. — Respirei fundo, me preparando psicologicamente para atender a aquela chamada.
Já previa seus berros e broncas. Não lhe tirava a razão, eu tinha um compromisso naquele dia, e, também, meio que estava desaparecida desde a noite passada, quando resolvi não dar sinal de vida.
— ! Graças a Deus você me atendeu! — Tive que afastar o aparelho de meu ouvido para fugir de seus berros. — Você precisa vir para o hospital agora! — Meu coração gelou.
— Está tudo bem? O que houve? — vinha ao meu encontro, percebendo minha fragilidade momentânea.
Eu provavelmente já estava branca feito papel. Meus olhos já tinham transbordado, sem que me desse conta. Finalizei a ligação trêmula, completamente em choque com a notícia que tinha recebido.
— , o que aconteceu?
— T-Temos que ir... sofreu um acidente ontem a noite — levei minhas mãos à cabeça, completamente desesperada. ficou atordoado com o que ouviu. Seus olhos marejaram instantaneamente. — E-Ele está no Saint Peace. O-Onde estão minhas roupas?
Na minha cabeça surgiam milhares de situações horríveis envolvendo . Minha mãe não se prolongou com explicações, e só pelo jeito com que ela falou comigo eu já sabia que estava encrencada. Me perguntei o que teria acontecido na noite passada... sempre foi de beber e dirigir. Nunca gostei de estar com ele naqueles momentos, simplesmente não curtia o modo com o que ele exagerava sempre na bebida, para fugir da sensação de controle que os pais sempre o fazia sentir.
Pensar que ele talvez tenha ido recorrer a bebida, para fugir da responsabilidade de seus atos após nossa discussão ontem, fazia-me sentir culpada. Sabia que era irracional pegar a culpa de ter reclamado de sua infidelidade, afinal eu estava com a razão, estava magoada, sentindo-me traída. Mas, se eu não tivesse sido tão extrema, se eu não tivesse gritado com ele...talvez se eu tivesse ficado, conversado, tentando resolver nossa situação sem alarde, talvez não tivesse saído para encher a cara e não se acidentaria.
Voltei a realidade com estendendo-me minhas peças de roupas. Vesti meus jeans e minha blusa numa rapidez impressionante, ainda tremendo demais. Cada segundo que eu me demorava ali, significava milhões de horas para a minha ansiedade de chegar no hospital e vê-lo, saber se ele estava bem.
— Minhas chaves, o-onde estão? — Revirava minha bolsa, me desesperando ainda mais ao não encontrar o que procurava em meio a aquela bagunça de maquiagens e cremes.
— Vamos no meu carro. Não vou te deixar dirigir nesse estado.
Seguimos pelo corredor ainda atônitos. não faria o check out ainda, meu carro continuava no estacionamento e os pertences dele ainda estavam no quarto. A chegada do elevador pareceu uma eternidade. Assim que entramos, nos encaramos através do espelho grande. Estávamos sozinhos e aquela caixa de metal nunca me pareceu ser tão fria quanto naquele momento.
tinha as mãos no bolso do moletom escuro que usava, estava escondendo as mãos trêmulas para disfarçar o nervosismo; já tinha reparado aquilo nele, desde quando começamos a estudar juntos e ele era tímido demais para apresentar seminários na escola. Seus olhos tempestuosos encaravam o chão e os ombros largos estavam caídos. estava tão preocupado quanto eu, só que não queria demonstrar para não me apavorar ainda mais.
e se conheciam desde crianças, William, o pai de , havia empregado a mãe de anos atrás, as famílias acabaram por se aproximar, porém uma proposta melhor de emprego surgiu para ela, que se mudou com e a outra filha. Eles foram se reencontrar anos depois, quando e a família também se mudaram para a nossa cidade. Qualquer um que olhasse nossa história de fora, poderia dizer que estava tentando ficar entre eu e , mas na verdade, eu era a intrusa em meio a aquela amizade de anos.
O abracei de repente, após sentir que ele precisava daquilo. Não vi se chorava, mas o ouvi fungar em meu ouvido, enquanto afundava a cabeça na curva do meu pescoço e me apertava contra si.
— Ele vai ficar bem. — Murmurou, saindo do meu abraço. — Eu sei que vai, é o , ele sempre fica bem. — Riu triste, beijando minha testa.
Eu acreditei nele, em tudo o que me disse desde a primeira palavra que direcionou a mim noite passada. Mas naquela vez eu não apenas acreditei, como torci desesperadamente para que ele estivesse certo.
O caminho até o hospital foi silencioso, não conseguia parar meus pensamentos turbulentos e imaginava que também não. Tínhamos tanto a conversar, ainda mais naquele momento em que veríamos e todas as pessoas que tinham a ver com meu relacionamento com ele. Eu já estava tensa antes mesmo de desembarcar do carro, no estacionamento do hospital.
— Pronta? — Assenti, incapaz de formular alguma frase.
O vento gélido daquele dia nublado bateu em meus cabelos, fazendo-me encolher meu corpo de frio. Vi fazer menção a me abraçar, mas desistiu no meio do caminho ao perceber que já não estávamos mais a sós. O jeito como ele me olhou e abaixou a cabeça, antes de abrir a porta para que eu entrasse, me deixou mal. Eu ainda estava naquela luta interna entre estar gostando dele e estar me sentindo culpada por estar naquela situação.
Tinha consciência de que uma coisa não necessariamente levava a outra, até porque sequer sonhava que e eu havíamos passado a noite juntos, mas saber que tudo aquilo tinha acontecido com ele e eu não estive ao seu lado para ajudar fazia-me sentir arrependida. Mas, ao mesmo tempo me punia por sentir todas aquelas coisas. me traiu por meses e não teve um pingo sequer de consideração por mim.
— ! — Mamãe me recebeu em seus braços, apertando-me forte. — Onde você se meteu? Te ligamos de todos os celulares possíveis! — Sua mão pegou alguns fios do meu cabelo molhado, estranhando. — Achávamos que estava com na hora do acidente.
Minha mãe era estéril, quando descobriu ela e papai eram jovens, recém-casados e tinham aquele sonho de ter um filho. Surgi na vida deles durante uma visita que fizeram no abrigo onde cresci, eles foram a minha primeira família, fui adotada aos sete anos e jamais conheci meus pais biológicos. Acho que, ao invés de um cordão umbilical, eu era conectada a ela pelo coração mesmo. Sabia do medo dela em me perder e estava me matando saber que a tinha preocupado a toa.
Foi minha vez de apertá-la em meus braços. Sua voz embargada me cortou o coração. Tinha sido egoísta da minha parte ignorar todas as ligações, porém eu estava com medo de enfrentá-los, não sabia o que fazer! Minha única saída foi recorrer a , mesmo que ele fosse a última pessoa que eu algum dia imaginei me socorrer. Mas, por incrível que pareça, havia sido minha melhor escolha. Ele era o único que sabia o que eu estava passando em relação a .
Mamãe ainda chorava no meu ombro quando avistei chegar pelo outro lado da sala de espera do Saint Peace.
Syntia o abraçou forte, sendo amparada pelo mesmo, já Willian apenas lhe deu dois tapas nas costas, sorrindo brevemente.
— Como ele está? — Mudei de assunto, já prevendo que ela começaria a me bombardear de perguntas.
— Graças a Deus foi apenas um susto. — Pude finalmente respirar aliviada. — Mas o carro deu perda total, foi um milagre apenas ter fraturado algumas costelas e quebrado a perna.
Passei as mãos no rosto aliviada. Pelo menos não parecia ser nada que oferecesse algum risco de vida a ele.
— Teve algum outro veículo envolvido no acidente? — indagou, quando começamos a formar um pequeno círculo com todos os visitantes de .
— Não, ele bateu num poste de luz, perdeu o controle da direção.
— Estava bêbado. — Willian completou a fala da esposa com uma cara nada boa. também estava encrencado.
— Por favor, conversem com ele sobre os perigos de dirigir alcoolizado. — Abraçou o marido de lado.
e eu nos entreolhamos numa comunicação silenciosa.
Eu já havia perdido as contas de quantas vezes já tínhamos brigado por ponta de seus exageros com a bebida. Sabia que também já vinha alertando-o sobre aquilo há algum tempo. Com o fim do ensino médio, ele começou a descontar na bebida toda a ansiedade e o medo de entrar para mesma universidade em que o pai cursou medicina; não se achava capaz e a pressão que o pai fazia nele apenas piorava tudo.
não precisava daquilo, era muito inteligente, ia bem em várias matérias e eu sabia que ele nunca teria problemas com notas por mais difícil que a faculdade fosse. Ele tinha o futuro brilhante pela frente, e mesmo que não fosse para a universidade, os pais o amariam da mesma forma.
— Acho que ele já aprendeu a lição, não é mesmo? — Assenti em concordância com o pai dele.
— Posso vê-lo?
Uma enfermeira me guiou até o quarto onde ele estava alojado. Assim que entrei, fui notada. me sorriu fraco, apesar de estar com uma leve expressão de dor. Tinha alguns arranhões no braço, um roxo na lateral do rosto e sua perna estava elevada e devidamente engessada.
— Que susto você nos deu, hein. — Sorri, encarando seu corpo grande, praticamente imóvel naquela cama.
— Achei que tivesse um voo para agora. — Meu sorriso murchou. — Ontem você me disse que iria sozinha, lembra? — Eu não queria tocar no assunto, não era um momento apropriado, queria deixá-lo descansar. — Pelo visto estava certa, não vou para Oxford nem tão cedo. — Encarou a janela grande despreocupadamente.
— Eu disse que iria sozinha porque terminamos... sinto muito que isso tenha te acontecido, . Mas, quem sabe depois disso você não aprende a dar valor nas coisas que tem?
Seu rosto se virou para mim e me senti incomodada com a pequena análise que seus olhos claros fizeram em mim.
— Vai mesmo terminar comigo? — Revirei os olhos.
— Você realmente acha que não tem nada para me dizer?
Imagens da noite anterior invadiam minha cabeça. Tudo o que foi dito vinha a tona novamente, deixando-me cada vez mais magoada. Lembrava de tudo o que aconteceu, do momento em que peguei e outra garota na piscina da casa dele, quando o vi vindo atrás de mim, vestindo aquela maldita sunga, chamando o meu nome. Mas me recordava principalmente do momento em que me virei e lhe dei uma chance de falar, esperando por um simples pedido de desculpas.
Não iria apagar o que tinha acontecido, claro, mas era uma forma de demonstrar arrependimento por ter me feito sofrer.
— Quem te contou? — E não demonstrava um pingo de arrependimento.
— Não interessa quem foi. — Cruzei os braços irritadiça. — Olha, , eu realmente não esperava que nossa primeira conversa após o término fosse dentro de um hospital, pior ainda, que ao invés de me pedir desculpas por ter me enganado há não sei quanto tempo, você queira saber quem foi que me contou e acabou com a sua farra.
— Eu vou descobrir quem foi... — Ralhou, fazendo-me encarar sua cara fechada.
— E vai fazer o quê? Hã? Parabenizar quem finalmente acabou com o nosso namoro? Porque eu sei que não fui a única que senti que já estava acabando faz tempo, você até estava transando com outras. — Arquei minhas sobrancelhas. — Pra que queria me manter ao seu lado se você já não me ama mais?
— Mas eu te amo, . — A irritação se dissipou por um segundo. Respirei fundo, negando com a cabeça em sinal de reprovação. Eu não iria ceder daquela maneira.
Eu sabia que ele não me amava mais como antes, aquele esforço todo dele em me fazer ouvi-lo e esquecer aquela traição era por puro comodismo. Ficarmos juntos não faria bem para nenhum de nós dois.
— Eu sei que ama. E eu também te amo, . Mas não mais como sua namorada. — Lhe sorri triste, aproximando-me da cama. — Vamos acabar com isso sendo amigos, por favor, eu não quero te perder, você é o meu melhor amigo. — Peguei em seu rosto machucado, fazendo-lhe um breve carinho.
pegou minha mão, beijando o dorso devagar. Seus olhos azuis se encheram de lágrimas, acho que ele percebeu que era a hora de cada um de nós soltar a ponta da corda que nos unia como um casal, segurá-la tão forte enquanto o outro puxava sozinho apenas acabaria nos machucando ainda mais. Nossas mãos já estavam calejadas, estava feliz que pudemos terminar ainda nos amando. Vivemos coisas maravilhosas juntos e seria horrível simplesmente fingir que nunca o conheci.
— Olhe só, recebendo os cuidados da namorada! — A porta foi aberta revelando a enfermeira, que trazia consigo um carrinho contendo a refeição de .
Do lado de fora estava ele. esperava a sua vez de entrar para visitar o melhor amigo, mas a primeira coisa que ele olhou quando a porta se abriu foi nossas mãos juntas enquanto beijava a minha. Puxei minha mão numa rapidez absurda, a porta foi fechada após o carrinho ser encostado num canto. Não pude vê-lo mais, porém já imaginava que, pela sua expressão, estava magoado.
— Não somos mais namorados. — Ri fraco ainda olhando para a porta branca. — E eu já estou de saída.
— Oh, me desculpe. — Assenti com a cabeça, ainda sem jeito. — Mas o senhor não ficará sozinho, tem um amigo seu lá fora aguardando para entrar. — A mulher sorriu docemente, deixando o quarto em seguida.
— está aí? — Respondi silenciosamente, incapaz de falar sobre ele para . Mesmo que fosse apenas para confirmar sua presença em algum lugar. — Porra, do jeito que ele é deve ter ficado preocupado. — Passou a mão nos cabelos, nervoso.
— Todos nós ficamos. — Desconversei, passando a mão em minha nuca desconfortável. Já sentia meu rosto esquentar e sabia bem que estava com as bochechas rubras uma hora daquelas. — Sua mãe, seu pai, até mesmo meus pais.
— Vai falar com eles?
— Vou. Hoje mesmo. — Sabia que aquela minha urgência toda, em dizer para todos que tínhamos terminado, tinha algo a ver com o que estava acontecendo entre mim e . Não sabia ainda se viraria algo mais sério, mas sentia que era melhor estar completamente livre, caso acontecesse algo entre nós. — Mas não se preocupe, não vou falar o motivo. Isso é entre nós dois, ninguém precisa ficar sabendo.
respirou aliviado, sorriu de leve.
— Muito obrigado por isso, . E por todos os anos juntos. — Me estendeu a mão novamente. A peguei, segurando-a com firmeza enquanto lhe sorria com ternura. — Um último beijo? — Neguei com a cabeça, soltando uma risada alta. Era típico dele, me fazer rir quando eu estava falando sério. — Só um beijinho, Brake!
Revirei os olhos inclinando-me em sua direção.
Sua mão pegou-me pela nuca, juntando nossos lábios. Minha intenção era apenas um beijo simples, porém pediu passagem com a língua, invadindo minha boca devagar. Era um beijo espetacular, como todos os milhares que demos com o passar do nosso relacionamento, porém eu já não sentia mais nada, não significava mais nada. Terminamos com um selinho e me afastei um pouco, sorrindo fraco.
— Espero ainda te ter na minha vida. — Beijei sua testa. — Tenho que ir, já demorei demais por aqui. Até mais, .
Deixei o quarto, sentindo-me um pouco mais leve. Era daquela maneira que devíamos ter terminado, sem a necessidade daquele show que foi dado noite passada ou todos aqueles gritos e lágrimas.
passou por mim sem me olhar no rosto. Me senti estranha diante de seu desprezo, mas teria que deixar aquilo para resolver depois, ainda teria que conversar com meus pais e os de .
Respirei fundo, percorrendo o corredor que dava para os quartos e indo de encontro ao grupo reunido na sala de espera.
— Querida, estávamos decidido quem ficará com em observação. Ele terá alta amanhã cedo, mas tenho certeza que irá preferir passar a noite com a namorada, não é. — Syntia desatou a falar antes mesmo que eu abrisse a minha boca.
Fiquei sem fala por um instante, sendo encarada por todos eles. Comecei a me arrepender de ter decidido enfrentá-los sozinha.
— Nós...não estamos mais juntos. — O choque foi coletivo.
— Como assim não estão mais juntos? Filha, eu achei que iriam se casar! — Ri de seu exagero. — O que aconteceu?
— Não seja dramática, mãe. Nós decidimos terminar, o motivo não interessa a ninguém além de nós. — Dei de ombros.
Fui puxada para um canto enquanto a ouvia pedir desculpas aos pais de . Quando chegamos num dos corredores vazios do hospital, ela me soltou, encarando-me como se eu fosse louca.
— E os negócios que fizemos com eles pensando que seríamos uma família?
Respirei fundo. Eu não iria mais me estressar, não depois de finalmente colocar tudo para fora e finalmente conseguir resolver as coisas.
— Nós continuaremos a ser uma família, mamãe. O meu carinho pelo e a família dele não irá acabar! Eu apenas não podia mais ficar num relacionamento que não estava mais dando certo.
— Então foi ideia sua terminar! — Afirmou, ofendida. Respirei fundo, mantendo a calma. Parecia até que eu estava terminando com ela!
— Eu realmente pensei que a senhora iria se importar mais com meus sentimentos do que com a porra das ações e os negócios do papai.
— Eu me preocupo com você, filha! — Sorri irônica. — Mas tudo são negócios, são eles que nos sustentam, meu amor. Eu achei que você queria ter uma vida boa, se formar e ter uma família ao lado de . Não vai me dizer que desistiu da faculdade também!
Engoli a seco, sem fala. Não tínhamos entrado naquele assunto por conta do acidente, e eu esperava que não tivéssemos que discutir aquilo ali. Não tinha planejado falar daquele jeito, sem preparo.
— , você está querendo matar a sua mãe de desgosto? — Meus olhos se encheram de lágrimas, eu só queria pelo menos uma vez na vida tomar minhas próprias decisões. — O que você quer da sua vida então?
Era a primeira vez que eu ouvia sua voz me perguntar aquilo. Eu queria sim ser consultada sobre o que eu queria fazer, mas não daquela maneira. Sentia-me pressionada, acuada. Com não tinha sido daquela maneira, por que minha própria mãe não poderia ser como ele?
— E-Eu não sei. — Solucei.
— Pois trate de descobrir, porque não vou mais te sustentar já que você não quer ajudar nos negócios da sua família por puro capricho. — Engoli o choro, assentindo com a cabeça.
— Bom saber que o dinheiro vale mais que minha felicidade.
Deixei o hospital aos prantos, não sabia o que iria acontecer a partir dali, eu só sabia que tinha acabado de fazer o que tinha que ser feito. Por anos eu sonhei em finalmente enfrentá-la, só não imaginava que seria tão doloroso ouvir o que ela tinha a dizer e a forma que ela agiria quando eu lhe dissesse não. O que eu mais temia aconteceu, quando eu mais precisei do apoio dela, estava cheia de dúvidas e magoada pela traição, foi o momento em que ela me virou as costas.
Fui para o estacionamento, onde me sentei no meio fio escondida atrás do carro de . Ali, chorei por um tempo tentando tirar aquela mágoa toda de dentro do meu coração. Eu não podia sentir raiva dela, sempre me impedi de ter aquele sentimento em relação aos meus pais, nunca iria me esquecer do dia em que eles chegaram na minha vida e das oportunidades que me deram. Era ingrato da minha parte. Por um segundo, pensei na possibilidade de voltar até o quarto e reatar com , ir a Oxford e fazer o que mamãe queria a fim de não contrariá-la.
se aproximou em silêncio. Assim que o vi, corri em sua direção, abraçando-o forte. Seus braços não contornaram o meu corpo, mas eu sabia e entendia o motivo daquilo.
— O que houve? — Solucei, afundando ainda mais minha cabeça em seu peito. Chorava, molhando sua blusa de frio.
— V-Você poderia m-me levar pra casa? — Levantei meu rosto molhado para encará-lo. Ao ver meu estado, seu rosto contorceu-se em preocupação.
— Achei que iria com sua mãe, mais tarde eu poderia te levar seu carro. — Neguei veemente com a cabeça.
A última coisa que eu queria era ficar com ela. Mamãe me fez questionar até o meu término com ! Algo que eu estava tão certa de que iria fazer há muito tempo. Quase me sacrifiquei, apenas para agradá-la, como sempre fiz. E eu não podia! Não poderia me afundar mais ainda naquela areia movediça e ainda por cima levar junto de mim, ter uma vida infeliz sendo mandados por alguém.
— Não, não quero ir pra casa. Me leva pra sua casa? — Com a voz embargada, segurei o choro esperando sua resposta.
suspirou, olhando-me com pesar. Eu sabia que estava pedindo a ele uma coisa difícil, que a mãe dele com toda a certeza perguntaria o que eu estaria fazendo com ele. Mas era o meu único refúgio. Não teria coragem de passar aquela noite em casa, papai ficaria sabendo de toda a história e a reação dele seria muito pior que a dela em relação aos negócios.
— Não quer me contar o que aconteceu? — Franziu a testa, ainda analisando meu estado.
Pensei em contar tudo, sobre minha conversa com , e, logo depois, minha discussão com minha mãe, repetir para tudo o que me foi dito, como me senti ao ouvir tudo aquilo. Mas eu não conseguia. Um nó me subia à garganta e eu apenas conseguiria recomeçar a chorar.
— N-Não consigo. — Meus olhos voltaram a transbordar e os soluços involuntários ressurgiram, fazendo-o me abraçar forte daquela vez.
— Tudo bem, não precisa me contar agora, respira...vai ficar tudo bem, tá? — Afagou minhas costas, guiando-me em seguida até o lado do passageiro.
abriu a porta para mim e me ajudou a entrar, colocou o cinto de segurança enquanto eu ainda me desfazia em meio a soluços e um choro desenfreado. Meu coração estava despedaçado, e se quebrava a cada vez que eu pensava em minha mãe e tentava imaginar o que aconteceria dali pra frente.
Passamos no hotel novamente, ele pegou as coisas dele, fez o check out e ali nos separamos para irmos cada um no seu carro até a casa de . Não fazia ideia de onde era, por isso o segui pelo caminho.
Durante o trajeto, não pude deixar de pensar o quão nobre era sua atitude de não ter me negado ajuda novamente, mesmo tendo me visto com no quarto, podendo estar até pensando que nós reatamos o namoro. não pensou duas vezes ao me ajudar, me colocar em seu carro e me tirar dali. Mesmo existindo a possibilidade de não me ter jamais, ele ainda me levaria para casa e cuidaria de mim.
estava me mostrando um jeito de ressignificar o conceito de amor. Não, ele nunca disse que me amava, se tivesse me dito soaria estranho, apenas me disse que era apaixonado. Mas o que ele estava fazendo por mim não era fruto de uma simples paixão, o fato de ter nutrido aquele sentimento por anos, se contentando em apenas me ver sendo feliz com outro, significava que ele me amava.
E eu já havia conhecido outros tipos de amor, o dos meus pais adotivos, até mesmo o de , que, apesar de tudo, sempre me teve como porto-seguro e sua melhor amiga. Todos eles me tocaram de formas diferentes e foram correspondidos na mesma intensidade.
Com não estava sendo diferente, desde que acordei mais cedo e percebi que não queria mais sair daquela cama, ao lado dele senti algo florescer dentro de mim. Era completamente bizarro me sentir daquele jeito pelo melhor amigo do meu ex namorado, e eu tentei lutar contra aquilo, impedir-me de sentir ou me forçar a classificar o que tivemos como apenas sexo. Mas não pude me enganar por muito tempo.
Assim que estacionei meu carro no meio fio, me permiti um segundo de paz, encostando minha cabeça no volante e respirando um pouco antes de sair. Iria ser mais uma situação tensa naquele dia bizarro. A última delas, eu esperava.
— Venha. — foi na frente. Entrou pelo pequeno jardim que fazia uma pequena trilha até a porta de entrada da casa. O alcancei, pegando em seu braço, agarrando-me ali.
A porta se abriu revelando uma sala de estar simples, porém muito bonita. As vozes de duas mulheres eram ouvidas de onde estávamos, comecei a ficar nervosa ao perceber passos vindos do cômodo da frente. Uma mulher muito familiar surgiu brava, marchando em nossa direção.
— Edward , onde você se meteu a noite toda?
— Mãe, calma, eu pos... — Saí detrás dele, sem ao menos perceber que tinha me escondido.
— Oi, querida. — A mulher me sorriu docemente. Enquanto eu me sentia um peixe fora d'água, ela e o filho trocaram olhares que eu nunca entenderia. — Ouvi falar muito bem de você, mas não imaginava que te conheceria dessa forma. — Aquela indireta eu tinha entendido. — Onde está ?
Minhas bochechas coraram, eu tinha certeza que sim. Olhei para pedindo socorro, porém o mesmo estava, assim como eu, sem reação.
— Oi, Sra. . É um prazer conhecê-la. — sorri amarelo, completamente sem graça. — e eu não estamos mais juntos.
— Eu percebi. — Cruzou os braços ainda muito séria. Eu estava com medo dela. — Meu filho teve alguma coisa a ver com isso?
Engoli a seco, querendo sair correndo dali e nunca mais voltar. Mas, infelizmente aquele era o meu único abrigo. Minhas amigas estavam todas ocupadas demais com suas mudanças para seus respectivos campus para me socorrer e eu não me atreveria a usar o cartão de crédito que mamãe havia me dado. Talvez por temer que esteja bloqueado.
— O quê? N-não...
— Sim, mãe, eu contei a ela das traições de . — disse, atraindo minha atenção. Aparentemente até mesmo a mãe dele sabia dos meus chifres.
— Finalmente! — Exclamou, surpreendendo-me. — Me ouviu pela primeira vez na vida. — Ri da bronca que ele estava recebendo na minha frente. — Eu amo como se fosse um filho, mas mulher nenhuma merece o que ele te fez. — Concordei com a mais velha.
— Ela vai passar a noite aqui. — anunciou.
— Se não for atrapalhar, é claro. — Completei encolhendo meus ombros.
— Querida, não se preocupe. Sinta-se em casa.
Subimos as escadas e nos colocou para dentro do seu quarto. Era até arrumadinho, se não fossem por algumas peças de roupas amontoadas em sua cama. Ele as retirou, colocando-as na cadeira de sua escrivaninha, deixando espaço livre para nos sentarmos.
Olhei em volta, reparando num violão bege muito bonito, encostado num canto da parede ao lado da escrivaninha. Um caderno aberto me chamou a atenção, ao que parecia, havia um amontoado de coisas escritas despretensiosamente, algumas palavras rabiscadas, como uma espécie de rascunho.
— São suas músicas? — Sorri maldosa, indo praticamente correndo em direção a ele. Mas fui impedida por e seus braços, puxando-me de volta, causando-me risos. — Me deixa ver!
— Não. — Riu, alcançando o caderno primeiro e mantendo-o longe.
— Por favor! — Implorei, recebendo outro não. — Por que não? Tem algo sobre mim aí? — Indaguei sugestiva. não conseguiu disfarçar, atiçando ainda mais minha curiosidade. — Me deixa ver? Prometo que não vou falar nada!
Suspirou, estendendo-me o que eu e minha curiosidade tanto queríamos.
Confusa, folheei o caderno algumas vezes encontrando várias anotações, nada muito linear. Talvez fosse o jeito dele de compor, ou fossem apenas esboços que somente ele entenderia. Algumas folhas adiante encontrei algumas composições completas, títulos e mais títulos escritos nos topos delas, alguns eram bem ambíguos, como nomes de frutas e afins, outros melancólicos e românticos.
— Qual delas é a minha? - Indaguei animada.
Eu sempre amei ouvir música, imaginava o quão incrível devia ser ter uma música dedicada a você... todas as vezes que a pessoa cantar aquela canção, irá se lembrar de você. É algo tão lindo e único. Um presente muito especial.
Ele pegou o caderno das minhas mãos, mostrando-me algumas delas, após a terceira folha comecei a ficar impressionada.
— É, eu sei bem, escrevo muitas músicas sobre você. — Riu sem jeito, ainda olhando o caderno.
Eu estava completamente intrigada com aquele garoto. Quando se declarou para mim, imaginei diversas vezes o modo como ele devia ter se sentido ao me ver com por todos aqueles anos, e eu estava ali, com todos os registros em mãos para finalmente saber.
— Eu não imaginava que gostasse tanto de mim assim. — O encarei séria, esperando-o me olhar de volta. Mas por alguma razão, não conseguia.
Parecia um assunto difícil para ele, o deixava sem graça, vulnerável demais. Eu não via aquele tímido desde a nossa adolescência. E poderia dizer, gostava das duas versões que conheci dele.
— Quer ouvir uma?
Arregalei os olhos.
— Mas é claro que sim! — exclamei animada. riu, indo buscar o violão. — Posso escolher uma? — ele concordou, ainda procurando a palheta.
Folheei os escritos e um deles me chamou a atenção: Adore You.
Quando começou a cantar, meu coração disparou imediatamente. Era a música mais linda que eu já havia ouvido na vida.
(Você não precisa dizer que me ama)
You don't have to say nothing
(Você não precisa dizer nada)
You don't have to say you're mine
(Você não precisa dizer que é minha)
Honey
(Amor)
I'd walk through fire for you
(Eu andaria no fogo por você)
Just let me adore you
(Apenas me deixe te adorar)
Oh, honey
(Oh, amor)
I'd walk through fire for you
(Eu andaria no fogo por você)
Just let me adore you
(Apenas me deixe te adorar)
Like it's the only thing I'll ever do
(Como se fosse a única coisa que eu faria na vida)
Não o deixei terminar de cantar. ainda tocava o violão, para mudar de estrofe, quando eu literalmente voei em seu pescoço, beijando sua boca. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, tamanha era a minha emoção ao ouvir algo tão lindo.
Não imaginava que alguém algum dia sentiria tudo aquilo por mim, que existia alguém que me olhasse daquele jeito como aquela música descrevia.
— Eu sei que prometi que não falaria nada, — ri, ainda pausando para beijar aqueles lábios rosados. — mas essa é a melhor música que eu já ouvi na minha vida!
— Ok, eu entendi que gostou. — estava completamente sem graça, e era a coisa mais bonitinha que eu já havia visto.
Sua mão afastou o violão até que ele estivesse seguro no chão. Eu tomei o lugar do instrumento, sentando-me em seu colo. Nos beijamos, como se não houvesse nada ao nosso redor, nem o caos, a calmaria, muito menos as pessoas que seriam contra nós dois.
Seus beijos em meu pescoço me faziam fechar os olhos e apenas relaxar em seus braços, um lugar completamente novo para mim. me disse que eu era sua utopia. Mas no fim das contas, aos poucos, ele também estava se tornando a minha.
Seus braços eram um pedacinho recém descoberto por mim do paraíso na Terra.
— , voc...
Num pulo só, sai do colo dele, arrancando gargalhadas da garota que abriu a porta de supetão.
— Emma! Aprenda a bater! Eu já te disse milhões de vezes! — esbravejou, fazendo-me rir junto dela.
— Desculpa! Mamãe, me disse que ela estava aqui e eu corri pra conferir!
Arquei as sobrancelhas. Aparentemente todo mundo daquela casa sabia do crush de em mim; e eu esperava que mais ninguém soubesse do meu par de chifres. Sabia que não deveria me envergonhar daquilo, afinal o erro não tinha sido meu e um animal sem chifres era um animal indefeso. Mas, eu definitivamente queria deixar aquele episódio para trás, para impedi-lo de afetar minhas relações futuras.
— Pronto, já viu. , esta é Emma, minha irmã insuportável, que já está de saída. — fechou a porta na cara dela, me mostrando que talvez não ter irmãos não fosse necessariamente algo tão ruim assim. — Onde estávamos?
Suspirei, vendo-o se aproximar de mim e jogar seu corpo em cima do meu, esmagando-me contra o colchão.
— Obrigada por me acolher. Ontem e hoje. — se ajeitou entre minhas pernas, deixando-me mais confortável e me permitindo respirar.
— Quer me contar o que aconteceu? — mexi em seus cabelos macios, organizando meus pensamentos.
— Eu falei com minha mãe. — Ele percebeu a seriedade do assunto e saiu de cima de mim, deitando-se ao meu lado e apoiando a cabeça no travesseiro. — Ela me disse que se eu terminasse com perderíamos os negócios e as ações que temos com os . — suspirei, controlando meu choro. — E que se eu não ajudasse com os negócios ela não me sustentaria mais.
Cobri meu rosto com os braços, abafando minhas emoções. Senti suas mãos arrastando-me pela cama até que nossos corpos estivessem colados. me acalmou por um tempo, esperando meu choro cessar para que eu pudesse falar sobre aquilo.
— Sabe o que eu acho? — Levantei a cabeça, espiando entre meus cabelos bagunçados pelo peito dele. — Que ela só está brava, falou isso no calor do momento.
— Você acha?
— Eu tenho certeza. — mordi meu lábio inferior, ainda insegura. — , minha mãe me deserda todos os dias! Ela só está fazendo drama, espere um pouco e verá.
— O drama dela me machucou demais. — murmurei ressentida.
— Eu sei. — beijou o topo da minha cabeça. — Mas, pense, ela te ama mais que tudo nesse mundo, . Te escolheu para ser filha dela, jamais te deixaria por algo tão pequeno.
Me esforcei mais uma vez para acreditar nele. Da última vez, estava certo. E eu pedia aos céus que tudo se resolvesse logo.