FFOBS - Just Like Animals

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Última atualização: 12/11/2015





Prólogo


Ele estava viciado.
Estava obcecado.
Vê-la todos os dias na escola só piorava a situação que ele impôs a si mesmo. Vê-la andando para lá e pra cá com o uniforme desgraçado que a escola exigia era mais do que a sanidade dele poderia permitir.
O problema é que, a partir do momento em que ele a viu, toda e qualquer (pouca) sanidade que havia em sua mente se esvaiu. A realidade agora era que ele agia irracionalmente, como um animal; um animal disposto a dar o bote a qualquer minuto.




I. Rumors insignificant... or not?


A imagem que ele via de si mesmo no espelho era de arrepiar. Desde quando ele tinha ficado tão desfalcado? Desde quando começara a definhar debaixo do próprio nariz e nem perceber o que estava acontecendo? Deu um sorriso irônico ao lembrar-se da própria vida. Como não definhar se não tinha ninguém no mundo por ele? Como conseguir continuar com uma vida normal se nem dentro da própria casa ele tinha a tão falada paz que todos comentavam na rua? Como ele poderia ser feliz se seus pais não paravam de brigar entre si e, constantemente, o colocava no meio das brigas alegando coisas dolorosas sobre ele?
Não. Não tinha como não definhar. Seria pedir demais.
A briga no andar de baixo era tão alta que ele duvidava muito que os vizinhos não estivessem ouvindo. Rolou os olhos para a sua desgraça pessoal. Tudo parecia tão monótono dentro daquela casa. Ele estava cansado de viver ali. Queria tanto morrer de uma vez. E olha que só tinha dezenove anos, mas, mesmo com a pouca idade, não suportava mais os chiliques dos pais.
A voz de sua mãe berrava fina com o homem de voz trovejosa que era o seu pai. Ambos discutiam por, mais uma vez, o homem chegar com marcas de batom no pescoço, deixando explícita a traição cometida.
Marcius era um maníaco sexual, isso era fato para . Mas o problema era que Anabell não pedia o divórcio e aguentava toda e qualquer falcatrua do marido. Deixava tudo à mercê de sua paixão inexplicável por aquele bandido. Sim, considerava seu pai um bandido. Um bandido sem alma que vaga na Terra apenas para ocupar espaço. Se Marcius tivesse algum vestígio de bondade dentro do coração, o mundo cairia em dois segundos.
Ele, infelizmente, tinha provado da ruindade do pai quando ele o feriu com uma adaga em meio ao braço, acima do pulso. Além de xingá-lo dos piores nomes que se pode xingar alguém, o ferira fisicamente deixando a cicatriz em seu braço como uma lembrança de seu surto violento. Anabell também sofria os abusos morais e sexuais impostos pelo homem, mas, mesmo assim, se fazia de cachorro sem dono deixando-o domá-la e fazer dela o que bem entendesse.
tinha tantos atritos com sua mãe por causa disso. Ela não suportava que reclamasse de seu pai para ela. sabia que apanharia se dissesse a palavra “divórcio” na mesma frase onde estivesse ela e o marido sádico. “Não preciso passar por essa humilhação por conta de dois idiotas que dizem que se amam, mas se matam dentro de casa”, pensou o garoto.
A briga se tornava mais audível à medida que os pais se aproximavam do corredor a passadas fortes e duras.
— Onde está aquele garoto imbecil?! — perguntou a voz grossa de seu pai. — Amanhã começa a porra da aula e ele não pode faltar.
— VOLTE AQUI AGORA! EU AINDA NÃO ACABEI! — a voz de sua mãe o irritava às vezes, principalmente quando insistia algum diálogo com aquele filho da puta. — SE VOCÊ QUER UMA RELAÇÃO LIBERAL, EU SAIO PELA MERDA DAQUELA PORTA E DOU PRO PRIMEIRO QUE APARECER! FIQUE AVISADO!
E então um som de tapa se ouviu em meio à discussão. sentiu seu coração apertar tanto que chegou a doer dentro do peito. Ele odiava ouvir o pai batendo em sua mãe, mas ela merecia. Quem sabe parava de ser idiota e o mandava para o inferno?
Saiu do pequeno banheiro que tinha dentro de seu quarto e passou a trinca na chave com calma e silêncio. Não queria que Marcius viesse lhe importunar, justamente quando estava tão violento e covarde. Não precisava do pai para lembrá-lo que o dia seguinte teria o primeiro dia de aula e o inferno se tornasse ainda pior. Se vivia um inferno dentro de casa, na escola não era diferente. Ninguém conversava com ele. Ninguém sequer encostava onde ele estava. Se a sala de aula não fosse tão pequena e ignorante, as pessoas deixariam ele sozinho na fileira e se enfurnariam em outro lugar. Mas quanto mais distância daquele garoto estranho e perturbado, melhor.
— Se soubessem metade do que eu passo na porra dessa casa, iriam me respeitar como nunca… — falou, enquanto abria o armário e pegava a sua válvula de escape mais recente: a cocaína.
não era o tipo de adolescente/jovem que se drogava para esquecer os problemas da vida. Achava isso patético. Apenas fumava e cheirava no intuito de conseguir dormir em paz. No intuito de ter, pelo menos em seus sonhos, uma noite tranquila. Odiava ter que depender de drogas para ter a paz que ele tanto almejava. A cocaína já estava separada nas carreiras que ele queria e, enrolando um papel em forma de canudo, passou a cheirar com força aquela merda que tanto o acalmava.
O ardor que sentia no nariz ao aspirar aquele pó do demônio o deixava mais leve e mais aéreo de tudo à sua volta. Apenas queria um pouco de paz; um pouco de descanso para sua mente conturbada e doentia. Sim, ele se considerava um doente. Um doente que a vida insiste em massacrar sem nenhuma dó ou compaixão. Odiava tanto a sua vida que era capaz de se suicidar, se possível. Mas nem no dia em que ele tentara seu pai o deixou em paz.
Eram tantos remédios, ele lembrava, tantos comprimidos fortíssimos, alguns de tarja preta espalhados pelo criado-mudo de seu quarto. Seu pai o batera tanto naquele dia que ele nem ao menos esperou os hematomas pararem de doer, apenas raspou todos os remédios da casa e trouxe para o seu quarto. Estava decidido a acabar de vez com aquela porra de vida desgraçada que ele levava.
Tirou tantos comprimidos e misturou-os num pequeno monte, só esperou um segundo para respirar e logo colocou cinco de vez na boca. E daí que se engasgasse? De qualquer jeito estava bom para ele, desde que morresse de uma vez. Mas antes que pudesse sequer engolir os pequenos comprimidos, a porta de seu quarto se escancarara revelando o rosto furioso do pai. Mais uma nota baixa na escola e ele foi capaz de perder as estribeiras.
Sorriu sarcástico ao lembrar-se do motivo em que seu pai interrompeu o momento mais importante da sua vida. “Como se ele realmente se importasse se eu estudo ou não. Velho idiota. Se ele pensa que eu vou trabalhar para sustentar um maldito vagabundo imprestável, ele está muito enganado.”

As batidas violentas na porta de seu quarto anunciavam que o pai estava, de qualquer forma, tentando acordá-lo.
— Espero que você se lembre que amanhã você volta a estudar! — rosnou com sua voz ameaçadora. — E ai de você se faltar um dia que seja. Eu te quebro no pau.
— Marcius, deixe o garoto. Ele está dormindo quieto na dele… — disse a mãe suplicando por , mas não dava atenção, apenas aspirava a terceira das carreiras de cocaína.
— Cala a sua boca! Ele precisa saber que eu não pago aquela merda de colégio de mauricinho pra ele ficar de gracinha e faltar. Eu quero o seu diploma na minha mão no final do ano, ouviu seu moleque? — deu um soco na porta. — Se você me arrumar mais um ano retido, eu coloco você no olho da rua! Pensa que eu me esqueci que você está cursando essa porra de terceiro ano pela segunda vez?
Ao terminar a última carreira, apenas pegou o celular colocando-o para despertar às sete da manhã e caiu na cama disposto a dormir e deixar seu pai falando sozinho, como o retardado que era.


***

Parecia que só tinham passado cinco minutos e o despertador já tocava estridente em seus ouvidos. A dor de cabeça que sentia pela discussão da noite passada e pelas carreiras de cocaína o assolavam constantemente. Parecia que tudo explodiria se ele não tomasse um banho quente e despertasse um pouco. Saiu arrastando até o banheiro se enfiando ali para tomar banho e fazer a higiene matinal. Os cabelos estavam tão desgrenhados e os olhos tão roxos, mas ele nem se importou. Apenas queria que o mundo se explodisse, principalmente sua casa e a maldita escola.
Ele se recusava a acreditar que estava voltando para aquela porcaria novamente. Odiava todo mundo daquela escola, desde os professores até as patricinhas e mauricinhos “Não-Me-Toque”. Ele dava razão a seu pai quando se referia àquela escola como a escola dos ricos retardados e filhos da puta. Porque realmente era isso. Nenhum daqueles idiotas poderiam ser considerados como gente. Odiava simplesmente o fato de respirar o mesmo ar que aquele bando de inúteis. Arrependeu-se muito de não ter se dedicado no ano passado e acabado com essa merda de uma vez. Poderia estar agora numa faculdade que preste ou até mesmo trabalhando para sair da casa de seus pais malucos. Mas em vez disso, estava ali pronto, mesmo que indiretamente, para encarar o terceiro ano novamente.
Saiu do banho sentindo o frio da manhã atingi-lo até que ele colocasse sua roupa. A roupa do uniforme, apertada, era uma das piores coisas que ele poderia enfrentar. A camisa social branca era apertada em seus braços fortes e tronco musculoso, enquanto que a calça apenas servia para cobri-lo. Seus cabelos não tinham muito jeito, eram desengonçados por natureza e a única coisa que restava ele a fazer era bagunçá-lo para, pelo menos, disfarçar o mal jeito. Sua mochila surrada estava posta em um lugar qualquer do quarto e ele fez uma careta desgostosa ao pegá-la e colocá-la em seu ombro descendo as escadas. Além de ir para aquele manicômio cheio de dementes ricos e imbecis, odiava tomar café com seu pai o fitando com os olhos coléricos e sua mãe marcada de um tapa ou murro qualquer no rosto.
Agradeceu mentalmente quando chegou na cozinha e a encontrou vazia. Largou a mochila de qualquer jeito numa das cadeiras e foi em direção à geladeira pegando o litro de suco de laranja e o pote de manteiga e colocando-os em cima da mesa recheada de frutas. Trouxe prato, faca e o pacote de pão e sentou-se. Marcava exatamente sete e trinta e cinco da manhã e ele tinha que dirigir um bocado até chegar ao inferno. Teria de ser rápido, senão chegaria atrasado. não suportaria mais uma ligação da Sra. Ohara para seu pai dizendo que o garoto saíra da linha.
Emília Ohara era a diretora da escola, veio do Japão e ainda se perguntava o que ela queria nessa merda de Estados Unidos. Japão era um país mais do que desenvolvido, com a ciência avançadíssima e as pessoas mais inteligentes que ele sequer poderia imaginar conhecer. “Talvez seja só o meu carma negativo que trouxe essa mulher para cá.”, tinha a certeza disso. A Sra. Ohara não perdia a chance de pegá-lo fazendo alguma malandragem como pichar e fumar no banheiro dos garotos, discutir com algum professor mosca morta que o questionasse e até mesmo desrespeitá-la. E conseguido que mordesse sua isca maldita, ele ligava para Marcius comunicando a suspensão ou a quase expulsão de seu filho rebelde, o que trazia sérias consequências para o garoto quando ele voltava para casa. Seu maior desejo era dar um belo chute no traseiro japonês daquela velha e mandá-la voando de volta para o país dela. Odiava aquela mulher como se ela fizesse parte de sua vida pessoal.
Guardou o suco e a manteiga de volta na geladeira e saiu com pressa, pois só faltavam quinze minutos para a aula. Correu até sua moto Harley Davidson Night Rod dada de presente por seus avós quando completou dezoito anos e saiu disparado para a escola torcendo para que o trânsito não estivesse congestionado. E, pela primeira vez na vida, teve sorte. Chegara na escola em dez minutos, estacionando a moto de qualquer jeito no cubículo pequeno e saindo depressa. Muitos alunos ainda estavam fora do prédio escolar, mas ele não poderia se dar a esse luxo. Ainda teria que ver em que sala caiu, com quais professores havia ficado. lamentou-se muito por não ter quase nenhuma mudança quanto ao corpo docente. A mesma coisa de sempre, ele diria. A única coisa que ele via de diferente eram os alunos novos que ingressariam em sua sala e não se sentiu mais confiante com isso, muito ao contrário. Os segundos anos do ano passado eram insuportáveis. Sua fama de delinquente perturbado espalhou até para eles que eram apenas uns pequenos idiotas, como considerava. Viver com o preconceito era o que ele mais fazia na vida, mas não aguentaria os segundanistas que agora eram terceiranistas enchendo o seu saco e olhando-o como se ele fosse matar a todos com um facão de roceiro.
Sua fama de delinquente pegara como uma epidemia quando ele agrediu um dos garotões fortes do time de futebol do ano passado que havia insultado sua mãe. Na verdade, sempre foi delinquente aos olhos dos outros, pois todos sabiam que ele fumava maconha e cheirava cocaína sempre que podia, tinha surtos nervosos às vezes, o que ocasionava certa apreensão nos colegas, sem dizer na aura negra que ele carregava para todos os lados. Mas a fama pegou quando ele resolveu acertar as contas com certo grandalhão que se achava a última bolacha do pacote. conseguiu pegá-lo direitinho e lhe dar a surra que merecia. O porte físico do garoto era tão ou mais forte e grande que o do carinha do time, então o trabalho foi mais simples do que ele imaginava. O que ele não imaginava era que quando chegasse em casa o pai o espancaria por ter sido suspenso pela milésima vez naquele ano. Embora tivesse o porte de surrar o pai idiota, não cometia tal ato para não piorar sua situação. Rompeu para a sala de Matemática, que seria a primeira aula do dia em dois tempos. Lamentou-se por sua segunda-feira já começar tão mal. Arrastou-se até o armário onde os livros já estavam postos e pegou os que precisaria naquele dia. Matemática, Física, Inglês, Química e História. Só aula infernal que ele deveria ter, pelo menos, a paciência que há muito não tinha.


***

— […]minha aula é muito simples quando temos um vínculo formado. Quero que vocês saibam que eu não sou somente a professora de Matemática, mas quero ser uma amiga e conselheira para vocês…
A voz irritante da professora nova de Matemática lhe deixara com um sono tão grande que ele sentia que se não se esforçasse, cairia em cima dos livros que estavam na mesa. Sentou-se em seu canto de sempre: na última fileira, que era a da janela, e na última carteira. Os olhares curvados que recebia dos “colegas de classe” eram evasivos, mas ele não se importou. Apenas se sentou e esperou que a aula começasse.
A Sra. Maggi comentou seus métodos incansáveis de aula no primeiro tempo inteiro, mas em compensação pela atenção (ou quase atenção) de seus alunos, deixou o segundo tempo livre, mas com a promessa de que no dia seguinte a matéria do ano letivo começaria a ser dada sem reclamações. colocara seus fones de ouvido de vez em quando olhando o slide do celular na esperança de receber alguma mensagem que poderia deixar o seu dia um pouco menos cinzento. Mas nada. Ele não sabia nem o porquê de esperar alguma mensagem sendo que ninguém tinha seus contatos ou, ao menos, demonstrava querer ter.
— […]fiquei sabendo que ela chega na sexta-feira. Pensa só que coisa de louco? — ele ouviu a voz de um grupo misto de garotos e garotas conversando e só então percebeu que não colocou nenhuma música para relaxar a mente. — A filha de Héricles aqui na escola? Difícil acreditar…
— Dizem que ela é bem bonitinha. — falou um loiro com o olhar malicioso. — Quem sabe podemos pegá-la algum dia?
— Você é surdo ou o quê? — uma garota com a voz irritante falou. — Não ouviu a gente dizer de quem ela é filha?
E não foi a primeira vez que escutou isso pelos arredores da escola. A novidade de que a filha de um dos grandes administradores daquela escola estudaria com eles correu como água. Todos se perguntavam quando que ela chegaria e como seria a garota que alguns alegavam ter conhecido e que diziam ser linda e gostosa. “Deve ser rodada como o inferno”, pensou com desgosto ao imaginar uma garota fútil e arrogante andando pela escola como se fosse A garota. Sentado em seu lugar sozinho no refeitório, ele ouvia mais conversas e boatos sobre a tal menina que era tão aguardada.
— Fiquei sabendo que ela estava fazendo intercâmbio na França. — disse uma garota mordiscando um pedaço de pão. — Dizem que ela volta na quinta-feira. Talvez sexta venha para a escola.
Mas a maldita garota não chegava na sexta-feira?
— Ah, deve ser mais uma dessas patricinhas sem nexo que a gente vê por aí… — um grupo de nerds fofocavam como um bando de meninas. — Vai fazer que nem Anya Miller: nos rebaixar dizendo que somos idiotas.
até sentiu pena dos pequenos nerds segundanistas e terceiranistas. Eram o tipo de gente que demonstravam humildade, mas que não dava para ter amizade com nenhum deles por dois motivos. Um: quando eles começavam a falar de estudo se assemelhavam às garotas histéricas que vivam falando dos namorados perfeitos, e isso era mais irritante do que qualquer outra coisa. Dois: eles eram muito inteligentes para se misturar com gente como ; com gente delinquente e “perigosa”, na visão deles.
— Eu não quero saber! — berrou uma das líderes de torcida que era de sua sala. — Eu quero a filha do em nosso time! Você acha que uma garota que está fazendo intercâmbio na Austrália tem corpo feio? Ah, me poupe! Corpo feio tem a gente que mora nessa porcaria de cidade.
rolou os olhos e saiu do refeitório na direção das escadas perto de sua sala. Não aguentava mais tantos boatos sobre a tal garota que fazia intercâmbio na França, ou na Austrália, que estudaria na mesma escola que ele, que faria parte do time de líderes de torcida e ser objeto e desejo sexual de muito marmanjo por lá. Só de saber que teria mais um cérebro de passarinho naquela escola o deixava irritado. Pra que tanto intercâmbio se patricinha não tem cérebro; não tem inteligência? Só sabe ficar de agarra agarra com os idiotas dos times da escola e dar sem cansar. E ele achava isso patético.

A semana passou sem grandes novidades. A única novidade que ele escutara em todos os dias era a tal filha de Héricles que chegaria, oficialmente, na sexta-feira. Ele não suportava mais ouvir a garota ser fetiche dos tarados da escola, ser selecionada sem consentimento para os grupos de garotas fúteis e já ter vaga no time de líderes de torcida. Na verdade, achava que a garota aceitaria, mas era completamente desnecessário todo esse alarde por causa de uma garota puta qualquer. Enquanto pensava que a escola não poderia piorar, ele via que tudo se tornava um grande estorvo. Aquela filha do administrador ia acabar com a sua paz. Não que se importasse muito, mas odiava as garotas daquela escola. Apenas as achavam putas demais para que fossem consideradas normais. Dormira uma vez com Anya Miller no segundo ano, mas foi somente para se arrepender amargamente. Talvez por sua experiência ser uma farsa, ela não conseguia transar por muito tempo sem reclamar que ele estava sendo bruto. Uma verdadeira merda na cama. Deveria ser isenta do cargo de prostituta daquela escola, porque nem para isso estava servindo mais.
Sábado haveria a costumeira festa de início de ano que sempre os alunos organizavam para se conhecerem mais e terem uma noção de como podem deixar melhor o convívio entre eles. não se sentia incluso nessa festa e nem em nenhuma das festas que aquelas pessoas organizavam, mas sua semana fora tão cheia de informações sobre a tal filha de Héricles que ele concluiu que não aguentava esperar mais nem um dia sem conhecê-la e saber quem a garota era. A menina estaria presente na noite da festa e ele iria para vê-la de perto. Estranhava essa curiosidade repentina, porque no fundo ele sabia muito bem que a garota era uma vadia como todas as outras, mas…
E se não fosse?



II. The Party and


O sábado chegou e ele havia decidido, mesmo que relutante: iria àquela festa idiota. Mas iria apenas com uma única intenção que era saber quem aquela garota era. Ouvira falar tanto naquela infeliz que não aguentava mais a curiosidade. Mesmo sabendo que receberia tantos olhares de reprovação por estar ali, por exemplo, olhares de medo que ele acabasse com a festa. Ele não se importou e decidiu que iria. Mesmo não sendo bem recebido, ninguém o impediria de não entrar, afinal, ele também estudava naquela escola imbecil. Perto das 20hrs ele estava em frente ao espelho tentando dar um jeito no cabelo desgrenhado. Não queria aparecer na festa desarrumado e sem requinte. Não que se importasse com a aparência, mas não queria manchar mais ainda sua reputação que já era bem suja perante os olhos dos infelizes da escola. Optou por bagunçar os cabelos da maneira que sempre fazia e passou um perfume qualquer nos dois lados do pescoço e se olhou mais uma vez. Até que não parecia tão desengonçado como sempre. A camisa social xadrez branca e roxa caía perfeitamente por seus ombros largos e fortes deixando evidente seu corpo sarado e bem avantajado. A calça jeans preta realçava o que ele tinha de melhor e ele sorriu para si mesmo num olhar penetrante. Poderia até mesmo pegar a patricinha sem cérebro se ele quisesse. Saiu do quarto pegando sua carteira e seu celular guardando-os no bolso da calça. Desceu as escadas encontrando sua mãe assistindo televisão na sala e a ignorou, não queria responder perguntas tão em cima da hora.
— Aonde você vai? — perguntou a mulher fitando o filho.
— Uma festa. Não sei que hora eu volto. Tchau.
— Espera, ! — o garoto, sem esperar, fechou a porta e a mãe soltou um suspiro.
foi correndo para a sua moto e logo saiu em direção de onde seria a festa. Os alunos do grêmio estudantil haviam alugado um salão no centro que era bem caro, mas isso não importava. Pelo menos era um bom salão de festa, ele tinha que admitir. Dirigia calmamente pelo congestionamento mais pesado do sábado à noite e sentiu uma espécie de nervoso. Se pegava imaginando como seria essa garota. Como seria sua aparência, seu modo de ser, seu jeito… Se seria arrogante como tinha a leve certeza que sim ou se seria apenas uma garota comum como as que não eram tão ricas como as patricinhas do colégio. “Impossível”, pensou. “As arrogantes são as mais ricas e essa aí, com certeza, tem dinheiro guardado até na calcinha”.
Ao chegar ao local da festa, estacionou a moto o mais próximo que pôde da saída e desceu. Ao contrário do que disse a Anabell, ele tinha sim hora para voltar. Não aguentaria passar uma madrugada inteira ao lado daquelas pessoas fúteis, mesmo que por um capricho de sua curiosidade. Se recusava a se socializar com ambas as pessoas. Entrou com sua pose desleixada pela porta da boate e então foi parado por um garoto que ele via às vezes na escola.
— Segundo ou terceiro ano? — perguntou o garoto carrancudo olhando-o de cima abaixo como se medisse suas alternativas de tirá-lo fora daquele lugar.
— Terceiro. — respondeu simplesmente, enquanto o garoto ruivo de cara fechada lhe prendia uma fita com o número “três” no pulso.
Depois de ter a entrada autorizada, ele avançou os passos e desceu as escadas que levavam-no para o andar de baixo onde ocorria a festa. O salão era enorme e as luzes eram multicoloridas iluminando o lugar com um ar exótico. Lembrava-se vagamente de ter estado naquela boate algumas vezes, mas isso foi em outra época quando não era tachado de “maluco delinquente” pelas pessoas. A pista de dança era gigante, enquanto que um balcão com vários barmans estava apinhado de gente procurando o que beber. A única coisa que o animava era a bebida. Pelo menos não teria que aguentar aquela porcaria a seco. Beberia, pelo menos para esquecer que estava numa festa organizada pelas pessoas que ele mais odiava no mundo.
Ao chegar na parte de baixo do lugar, atravessou várias pessoas que o encaravam com um ponto de interrogação enorme na cara e arrumou um lugar para se sentar na frente do balcão de bebidas.
— Amigo, pode me ver uma margarita? — perguntou ao barman mais próximo que estendeu a mão para ver a fita no pulso do garoto. Ele a mostrou e o barman se retirou para preparar o drink.
Enquanto sua bebida não chegava, ele olhava tudo ao redor procurando algum rosto desconhecido no meio da multidão. É claro que ele viu vários rostos desconhecidos de meninas tão fúteis quanto as que estava acostumado, mas tinha a impressão que nenhuma delas era a .
— Aqui. — disse o barman entregando o drink a que agradeceu. Bebericou um pouco da bebida olhando tudo à sua volta quando sentiu alguém parar ao seu lado encarando-o com o olhar malicioso.
— Olá. — disse a garota loira que usava um vestido rosa mais do que colado ao corpo, o que fazia seus peitos siliconados saltarem. a encarou estranho sentindo raiva. “A garota não tem nem dezoito anos e já tem litros de silicone nos peitos?”— Qual o seu nome? — ela perguntou erguendo uma sobrancelha para ele. Se fossem outros tempos, ele até teria dado trela e pegado porque ia ser fácil demais. Ela já estava praticamente esfregando os peitos no braço forte do garoto, mas isso só o fez ter mais repulsa. Tomou a bebida inteira num só gole e deixando o copo no balcão em seguida.
— Com licença. — falou frio e se retirou de perto da garota deixando-a sozinha. Não se atreveu a olhar para trás para ver a reação da menina, apenas seguiu em direção ao banheiro. Não queria mais nada com esse tipo de gente. Fazia tempo que não beijava ou transava com uma garota, mas isso era irrelevante. Ele apenas não queria ter nenhum vínculo com essas pessoas desgraçadas que apareciam em sua vida somente para atrapalhar.
Entrou no banheiro masculino que era incrivelmente limpo e ligou a torneira, molhando o rosto com a água gelada. Sentia dor de cabeça pela falta de costume de ouvir música tão alta e se encarou.“Será que eu realmente perdi o jeito de festa? Estou tão designado ao fracasso dessa forma?”. Ele balançou a cabeça negativamente apoiando as mãos no mármore frio da pia. Se sentia patético. Ele não deveria estar ali apenas para ver uma garota. O que ele tinha na cabeça? Poderia vê-la na semana em que ela estudaria. Por que se atreveu a vir nessa festa idiota?
Antes que uma súbita raiva de si mesmo o atingisse, ele ouviu um barulho forte vindo da porta do banheiro e risadas masculinas se aproximando. Correu para dentro de um box, pois não queria ser visto por ninguém, principalmente quando começaria um surto nervoso. As risadas estavam cada vez mais altas, o que indicava que os idiotas estavam bem na frente do box onde estava escondido.
— Cara, você viu a garota? — perguntou uma voz arrastada com interesse. — Aquela filha do bambambã da escola lá?
— Quem? ? — o primeiro garoto concordou com um resmungo. — Claro que vi. Como não ver aquela beleza?
— Que filha da mãe gostosa, meo. — a primeira voz disse e apurou os ouvidos, mesmo que estivesse escutando com clareza. — Você viu que corpinho aquela garota tem? E aquele vestido lilás que ela está usando? Puta que pariu!
— Ela é uma delícia. Eu daria tudo para comê-la essa noite, mas ela não é desse tipo, já dá pra sacar.
— Até parece. Toda garota gosta de uma boa rodada de sexo. Mas tem que ser boa.
fitava a porta do box com os dentes cerrados. era o nome da garota?
— Ela vai te dar um belo fora. Fiquei sabendo que agora há pouco ela deu um fora em Karlson Kisstlen. Ele saiu com o rabinho entre as pernas. Parece que não volta a perturbá-la tão cedo. — os garotos riram alto e revirou os olhos. Precisava ver essa garota e ter a certeza de que ela era realmente difícil como eles diziam. Conseguia reconhecer uma vadia de longe, com ela não seria diferente.
— Mesmo assim eu vou arriscar. — falou a primeira voz. — Vou ser lendário se conseguir pegar a garota mais desejada do momento.
— Você quem sabe, né…
E então as vozes diminuíram e a porta se fechou.
saiu do box encarando-se mais uma vez no espelho e sem demora saiu para encontrar . Vestido lilás… Quantas garotas estariam vestidas de lilás ali? Vária, com certeza. Mas como saber que é a certa?
Optou por voltar ao balcão e pediu um Cosmopolitan observando cada garota que aparecia em sua frente. Nenhuma até então usava vestido lilás. Sua bebida chegou depois de quase dez minutos que fez o pedido, mas isso não o importava mais. Seus olhos fitavam cada lugar daquele salão à procura de um ponto lilás qualquer. Não encontrou. “Onde será que essa patricinha idiota se meteu? Parece que todo mundo já a viu, menos eu que vim aqui somente pra isso.”, pensou irritado.
Assim que fez outro pedido de Cosmopolitan, recebendo-o na hora, ouviu uma voz doce e meiga ao seu lado e logo seu coração parou.
— Hey! Pode me ver um shot de tequila, por favor? — a garota que estava ao seu lado falava com o barman que a fitava com os olhos brilhantes. Era óbvio que o cara estava encantado pela menina. — Se não se incomoda, eu gostaria de José Cuervo. Acho que é a melhor. — falou simpática e a olhou.
Seus cabelos eram enormes e lisos, pareciam a mais pura seda. Sua pele era branca como leite e sua mão era miúda, como de uma criança de dez anos. Quando ele menos esperava, ela o olhou bem fundo em seus olhos. O rosto dela parecia a de uma criança, os traços angelicais o deixaram sem chão por alguns segundos. Os olhos azuis fracamente pintados da garota eram intensos, seu nariz era pequeno e arrebitado, suas bochechas levemente rosadas e seus lábios pequenos em forma de coração, porém cheios, estavam pintado com um batom claríssimo. A inocência de seu rosto não compatibilizava com o corpo escultural que ela possuía. O corpo na forma de violão estava coberto por um vestido lilás de seda rodado que batia até depois de suas coxas, e em sua cintura havia um cinto dourado, que dava um ar mais sensual ao look da garota. “Então essa é a que tanto falam?”.
— Aqui está, senhorita. — o barman a chamou e ela desconectou seu olhar de para receber a bebida com um sorriso pequeno.
— Obrigada. — o barman piscou o olho para ela que corou. franziu a testa com a atitude da garota. Como assim ela havia corado? Foi só uma piscadela… Deve estar acostumada com coisa muito mais pesada do que uma piscada de olho.
Assim que ela virou o corpo para sair, encarou mais uma vez e deu um sorriso saindo em seguida. a acompanhou com os olhos e a viu sentar em uma mesa onde estavam as garotas líderes de torcida e os grandalhões do time de futebol. “Que garota era aquela? Ela é de verdade?”.
ainda olhava para a mesa onde a garota com o rosto de bebê ria de qualquer coisa que estavam conversando. Os grandalhões do time tentavam se aproximar dela, mas a menina se esquivava de forma educada e meiga, o que deixavam os idiotas ainda mais encantados por ela. Inclusive .
Ele não conseguia tirar seus olhos daquela garota por nada no mundo. A cada sorriso dela ele ficava ainda mais fissurado. Logo, ela encontrou o olhar penetrante do garoto e o firmou por alguns segundos. Eles se encararam e ela sorriu tímida olhando para as mãos que seguravam o copo já vazio de tequila. sentiu seu coração acelerar. A atenção da menina fora roubada no momento em que um garoto forte começou a lhe sussurrar coisas no ouvido e, pelo tapinha que ela deu no menino, não foi algo que ela gostaria de ter escutado. Mas nem isso o fazia tirar os olhos dela. Ele estava hipnotizado pela garota angelical que achava que era uma verdadeira vadia, mas ao contrário, parecia mais uma inocente no mundo horrendo e pervertido dos adolescentes.
A festa se seguiu com olhando por onde ela passava e todas as vezes ela devolvia o olhar, mesmo que apreensivo. sabia que ela se sentia observada e incomodada, mas ele não conseguia tirar os olhos dela. Parecia um verdadeiro ímã que o prendia aos olhos daquela menina. A delicadeza dela, o modo gracioso como andava, a forma como ficava corada e sem graça quando algum garoto se aproximava dela com um elogio. O mais engraçado era a forma como ela os dispensava, deixando-os todos chateados e sem graça.
Então, depois de muito tempo a observando naquela festa, vendo como ela se interagia com as pessoas, a forma como sorria que encantava até mesmo os mais durões, ele percebeu… “Ela não é uma vadia como as outras. Ela é diferente.” E isso era realmente verdade. Era visível de longe a classe de . Diferente das outras garotas do colégio que se ocupavam em se esfregar em qualquer mastro pronto para fodê-las, ficava na dela apenas observando tudo, curtindo a festa com a maior cautela possível, e mesmo de longe a observava. Era fato que a pequena garota estava se sentindo milimetricamente observada por ele, mas ele não se importava. Se seus olhos fossem desfocados dela, ele sentia como se estivesse vulnerável, como se nada tivesse o sentido, ou conceito. Olhar para aquela menina o deixava alheio as pessoas que o observavam como se ele fosse maluco, alheio a sua vida miserável, alheio de tudo o que é ruim. Apenas a olhava. Como se sua vida dependesse disso. Foi quando ele a viu olhar o celular e sair da mesa onde estava com um pedido de licença aos que estavam presentes. A menina olhou mais uma vez para ele e logo saiu em direção a um lugar mais afastado do barulho, onde ficavam os banheiros. Sem ao menos ligar ou perceber o que estava fazendo, viu-se seguindo a menina pela mesma direção que ela havia tomado. Ali o barulho era menor, mas não completamente, a música ainda podia ser ouvida alta ao longe. A “privacidade” fazia com que o corredor ficasse ocupado por alguns casais se agarrando e planejando entrar no banheiro para um momento mais íntimo. Rolou os olhos ao passar por um casal quase praticando sexo oral em público e parou na porta onde vira de relance entrar. Olhou ao redor para ver se seria observado. Vendo que ambas as pessoas estavam muito ocupadas pela pressa de transarem, encostou seu ouvido à porta e forçou sua audição para ouvir a voz doce do outro lado.
— Fale mais alto, amor, não consigo te ouvir direito. — a voz da menina falava em algumas notas mais altas que o normal e conseguiu ouvir, mesmo assim não deixando de encostar o ouvido fortemente na porta. — Eu estou numa festa com o pessoal da escola do papai. Eles são muito legais, gostei de todos. — houve uma pausa e franzia o cenho ainda mais na tentativa de não deixar escapar nada. — Não, eu não estou na companhia de garotos, fica tranquilo. Estou conversando com algumas líderes de torcida… Elas querem que eu entre para o time, não é legal? — ela perguntou animada e quis muito saber com quem ela estava conversando para estar tão feliz e assegurando de que não estava com nenhum garoto. Seria o que ele estava pensando? — Tudo bem, eu te ligo quando chegar em casa. Eu te amo, meu amor. — e então ela parou de conversar. Um peso desconhecido tomou conta de seu peito e ele franziu a testa. “Amor? Como assim “amor”?”. Então tinha um namorado fora da escola? Não. Não podia ser! Ele escutou errado. Tantos garotos tentando chegar nela naquela festa… Mas ela dispensou todos, o que indica que…
Não.
NÃO.
Ele não aceitava. Não queria que ela tivesse um namorado. Não queria vê-la namorando. Queria vê-la desprezar todo e qualquer garoto que chegasse um centímetro perto dela. Queria ela sozinha. Completamente sozinha.
Ao sair do corredor em passadas fortes e rápidas, ficava se perguntando se por uma acaso ele teria ficado literalmente maluco. Como estava se importando tanto se estava namorando? Por que se importava tanto? Ele nem conhecia a menina do vestido lilás para exigir alguma coisa. Ela poderia namorar com quem ela quisesse, não poderia? E mais uma vez a sua mente disse “não”.
“Ela é muito frágil para ser usada por esses imbecis”, dizia a si mesmo enquanto subia as escadas, nervoso para sair daquele lugar. “Ela é muito inocente. Vai ser enganada por esses idiotas que só querem uma coisa de garotas como ela...” .
Sua cabeça estava girando em confusão. Ele tentava tirar todo e qualquer pensamento sobre a garota que acabara de ver e ficou encantado. Ao subir na moto e disparar para sua casa, ele tentava tirar os vestígios do rosto dela que estavam tão sólidos em sua mente. Os olhos azuis intensos, as bochechas coradas naturalmente, a boca em formato de coração… Quem aquela menina pensava que era para tomar parte de sua mente tão descaradamente? O que ele estava pensando quando foi àquela festa? Somente para se desgraçar ainda mais. Além de receber olhares de desgosto por sua presença, voltou para casa fissurado na filha do administrador mais poderoso da escola, Héricles . Por que foi tão burro a ponto de ir até ali e ficar como um idiota a encarando?
Uma parte de si se culpava por ter sido tão imbecil ao ponto de ceder aos encantos aleatórios da menina, mas outra parte o deixava ainda mais encantado. Ela sorrira para ele. Ela o olhou a festa inteira com o olhar interessado, mesmo nervosa por ser observada tão frequentemente por ele, mas, mesmo assim, interessada. O olhar tímido que ela dava quando percebia seus olhos pesados em cima do corpo frágil dela. Ele a achava encantadora por simplesmente ter a fragilidade igual à de um bebê. Sem falar em seu rosto pequeno e bem desenhado, no qual lhe lembrava muito das crianças perfeitas que o Google mostra. parecia uma criança que havia crescido demais. Uma criança que, de repente, adquiriu um corpo escultural que deixaria qualquer um maluco. “Pare de pensar nela. Você não escutou que ela tem namorado?”.
E daí se ela tem um namorado? Ele não queria vê-la com ninguém. Já havia decidido disso. Não queria vê-la com outro. Então, dentro de sua cabeça, ele se convenceu de que a menina estava conversando com alguma amiga distante, que não vê há muito tempo e a chama de amor como um apelido carinhoso. É, ela estava conversando com uma amiga. Não existe namorado. Ela nem saberia namorar com toda aquela inocência e fragilidade que demonstrou aquela noite. Era só uma amiga que ligou e ficou realmente feliz em conversar novamente com ela.
Ao chegar em casa, estacionou a moto de qualquer jeito e rumou com pressa para o quarto. Precisava tirar essa menina da cabeça. Ele demorou muito tempo para poder desencanar de garotas e viver sua vida apenas com aquelas que lhe interessam. E não era tão interessante. Não interessante ao ponto dele se envolver. Imagina. Ele gostava de experiência e a timidez incessante da menina só mostrava que ela não tinha vivência alguma, não tinha a mínima noção do que era ter um relacionamento aberto casual, imagine um namoro firme. Mas no fundo de sua mente ele sabia que estava mentindo. poderia até não ter experiência, mas era fato inegável que ela era muito interessante.
O que ele queria era apenas descansar sua mente perturbada e esquecer que a conheceu. Esquecer que segunda-feira iria vê-la de novo e seu encantamento passaria do nível um. Não queria se prender a ninguém. Principalmente quando não tinha ninguém que também se atreveria a se prender por ele. Não sairia machucado como sempre saiu. Era um homem diferente agora. E mostraria para os seus sentimentos quem estava sob o controle naquela merda.


***

Ela saiu do banheiro com um sorriso no rosto. Sentia seu coração apertar de tanta saudade de seu namorado, . Conheceu em seus seis meses de intercâmbio, enquanto ele já estava no décimo mês. Por sorte do destino, como ela dizia, ele também morava nos Estados Unidos e, coincidentemente, na mesma cidade que ela. Foi quando eles se conheceram numa escola na França e começaram a namorar. Ela se sentia extremamente feliz ao lado de um garoto perfeito como aquele. Seus olhos eram do mais puro verde, seu sorriso de dentes perfeitos e bonitos e a barba rala moldando o queixo quadrado. O porte forte e sarado do garoto era o destaque de todo o seu corpo. Mas ela não se apaixonou apenas pelos músculos avantajados do rapaz. Se apaixonou porque ele era exatamente aquilo que ela sempre quis. O seu jeito carinhoso, seu apreço em vê-la feliz, os métodos que ele insistia em atingir para vê-la contente. Ele era mais do que ela merecia, isso era.
Chegou ao salão da festa procurando pela mesa onde estava sentada com os mais novos colegas de escola. Ao passar pelas pessoas dançando na pista principal, ela direcionou quase que automaticamente seu olhar para o local onde o garoto que a observava provavelmente estaria. Mas ela se enganou, pois ele não estava.
Olhou para todos os lados procurando-o com os olhos ansiosos, mas nada encontrou. Queria muito saber quem era aquele garoto e porque ele a olhava tão explicitamente. Ficou incomodada por ser observada a festa inteira, mas não poderia dizer que não gostou. Os olhos faiscantes daquele garoto a deixaram levemente interessada. Apenas levemente. Somente a ponto de aguçar sua curiosidade para saber quem era o dono daquele par de olhos que a fitavam sem desviar o olhar. Algo no olhar daquele rapaz poderia ter deixado-a amedrontada como sempre ficava quando alguém a olhava minuciosamente. Mas ela se sentiu quente, diferente. Um olhar que nem por seu amor, , foi olhada alguma vez.
Afastando os pensamentos confusos de sua cabeça, voltou a sentar com os mais novos colegas, onde as meninas da torcida lhe informavam o horário dos ensaios. Ela havia participado de um time de líderes na França, mas sempre preferiu se enturmar com as pessoas de seu país. Talvez pela cultura, ela não sabia dizer, mas se sentiu lisonjeada pelo convite e o aceitou sem pestanejar. Sua lista de qualidades aprendidas envolviam a dança e a animação, que eram praticamente de sua própria natureza. Não se via em lugar melhor do que fazendo o que gosta.
Depois de fitar o relógio e ver que eram quase três horas da manhã, decidiu que era a hora de ir embora. Sua cabeça já explodia por conta da música alta e das bebias ingeridas. Vendo que não encontraria o garoto do olhar penetrante de forma alguma, viu que não tinha mais nada a fazer ali. Ela apenas queria dormir e descansar no dia seguinte para voltar a estudar na segunda.
— Eu acho que já vou indo. — falou com a voz levemente embargada de sono. Os amigos insistiram para ela ficar até o final da festa, mas ela negou prontamente. — Meu pai não quer que eu chegue de manhã, desculpem. Eu prometo que segunda conversaremos mais. — ela sorriu simpática para o grupo e logo a chefe das líderes de torcida, Britney Heigns, a abraçou com força.
— Ficamos muito contentes que você tenha aceitado entrar para o time. Queremos você bem linda no dia dos jogos e apresentações.
— Pode deixar. Escolheram a pessoa certa. — a menina sorriu mais uma vez e logo se despediu de todos os garotos e garotas que estavam na mesa. Pegou sua bolsa dourada e foi em direção à escada para a saída.
Ela não conseguia ouvir, mas todos na festa estavam realmente empolgados por terem a conhecido. Nunca tinham conhecido uma garota tão educada, simpática e meiga. Diferente das esnobes, ela era o verdadeiro conceito de classe. Todos queriam sua amizade e os garotos queriam, mais do que tudo, namorá-la. Ela se diferenciava e isso os deixava malucos. Mas todos que chegaram nela foram dispensados educadamente com um “Me desculpe, mas… estou legal hoje.” e um sorriso pequeno da mesma. E isso só aumentava as esperanças deles.
A menina saiu da boate e de lá de fora pôde sentir seus ouvidos exclamarem em gratidão, embora pinicassem irritantemente. O barulho na boate estava tão alto que ela nem se deu conta, apenas quando chegou no silêncio da noite percebeu o quanto precisava ir para casa dormir. Bobby estaria por ali esperando-a em seu carro preto. Ela balançou a cabeça negativamente. Era desnecessário deixar o coitado esperando-a por horas apenas para ela não ter que ir para casa dirigindo sozinha. Seu pai, Héricles , era muito protetor e extremamente preocupado. Tinha um medo imenso de que acontecesse alguma coisa com a garota e ele ficasse sozinho no mundo, sem o apoio e amor da única filha. Hesitou muito em deixá-la ir para a festa organizada pelos alunos da escola que administrava, mas viu que a filha precisava se enturmar se quisesse que seus dias na escola fossem proveitosos. Então a deixou ir, mas com uma condição: que Bobby, o motorista dele, a levasse e esperasse até que ela saísse da festa. pestanejara, pois não queria que Bobby ficasse plantado horas no mesmo lugar por culpa dela, mas contrariar seu pai não ia adiantar de nada. Ou ela aceitava sua condição ou não iria a festa alguma.
Pediu milhões de desculpas a Bobby assim que entrou no carro e o viu cochilando .
— Meu Deus Bobby, eu não sei nem com que cara te olhar agora… — falou mordendo o lábio inferior, enquanto o motorista de cinquenta e poucos anos sorria.
— Até parece que tem que pedir desculpas, mon chéri*. — a menina sorriu alto. Desde que voltara da França ouvia os empregados de sua casa e seu pai a chamarem pelos adjetivos franceses. — Eu é que estava dormindo em serviço. Não conte para o seu pai.
— Como se eu tivesse a coragem de te dedurar, não é? — ela rolou os olhos e ele saiu com o carro em direção à casa da menina .
— Como foi a festa? Alguém interessante?
— Você sabe que eu tenho namorado, Bobby. Como poderia ser tão interessante se ele não estava lá comigo? — e mesmo a contragosto, ela sentiu que estava mentindo. A festa tinha sido, sim, interessante, mesmo sem por perto. Tinha sido interessante porque alguém também muito interessante a observou o tempo inteiro…
— Ainda tento entender porque ele não a acompanhou. — disse o motorista franzindo o nariz. Seria tão digno da parte do rapaz se ele tivesse ido acompanhar a garota à festa.
— Ele estava ocupado com os estudos da faculdade, cher*. Eu tenho que entender que agora ele está tendo que dividir o tempo dele. Não posso exigir tal atenção.
— É. Tem razão. Espere até você cursar sua faculdade pra ele ver o que é bom ser deixado de lado.
sorriu alto. Bobby era mais do que o motorista da família, era o amigo que ela sempre tinha do lado para contar os segredos e acobertá-la quando precisasse se encontrar com sem que seu pai soubesse. Não saberia viver sem o seu melhor amigo motorista para contar-lhe todas as suas travessuras. Ao chegar na grande casa onde morava, sentiu um imenso alívio. Iria, finalmente, poder dormir.
Despediu-se depressa de Bobby agradecendo-o pela milésima vez por ter a esperado e correu para dentro sentindo sua cabeça pesar. Precisava dormir rapidamente ou sentiria o peso das bebidas em seu estômago. Era realmente fraca para álcool, mas não se importava em ingeri-lo desenfreadamente, principalmente quando estava em uma festa. Subiu as escadas, apressada, mas, mesmo assim, procurando não acordar o pai que a essa hora deveria estar dormindo. Entrou depressa em seu quarto e assim que caiu na cama sentindo a cabeça rodar, uma pequena bola de pelos subiu em sua barriga ronronando.
— Ah, não! Eu não quero papo com você hoje. Estou com uma dor de cabeça infernal. — a garota murmurou para o gato que a fitava com seus grandes olhos amarelos. — Merlim, sai, por favor. — mas o gato continuou parado em sua barriga e ela desistiu. “Por que mimei tanto esse gato?”.
Merlim era um filhote de gato Scottish Fold tão branco quanto ela poderia imaginar. Seus olhos amarelos eram grandes e a observavam como se soubessem o que a dona estava passando, a confusão em sua cabeça.
— Tudo bem, tudo bem. Vem aqui seu folgado. — pegou o gato o deitando em seu braço, fazendo carinho em sua cabeça miúda. — Vou parar de te expulsar.
Mesmo com sua cabeça embaralhada e sonolenta ela não pôde deixar de se lembrar dos olhos do garoto que a observava na festa. Não pôde negar o quanto ele era bonito, o quanto ele era extremamente encantador. Lembrou do corpo forte do garoto e mordeu, instintivamente, o lábio inferior ao lembrar de seus bíceps fortes e musculosos, seu corpo coberto pela camisa xadrez realçando seus músculos peitorais e abdominais…
— Pare com isso! — falou mais alto assustando o gato já quase adormecido em sua cama. — Você tem namorado, o que você está pensando? Aquele garoto nem deve ser da escola… E mesmo se fosse, você não tem nada a ver com isso.
E com raiva, deitou-se na cama quase esmagando Merlim. Não tirou a roupa da festa, sapatos, acessórios, nem nada. Se esqueceu de ligar para e não pensou em nada mais. Apenas quis dormir.
Mas e quem disse que dormindo ela se livraria dos sonhos onde olhos a fitavam?



III. Penetrating Looks and Fixation.


A segunda-feira chegou tão rápido quanto ela menos esperava. Passou o domingo inteiro sentindo dor de cabeça e sono. Odiava beber daquela forma, mas não podia negar que era bom, independente da ressaca. Seu pai havia ficado um pouco bravo por ela ter bebido tanto, mas não a culpou. Na verdade, até deu um de seus remédios para a garota, o que a deixava com a leve impressão de que ele também tinha os seus momentos de farra. Acordou com a cabeça ainda doendo pela “ressaca não terminada” e foi tomar banho. Eram exatamente quinze para as sete da manhã e, mesmo que se sentisse envergonhada por isso, desejava estar dormindo.
— Isso é pra você aprender a não beber tanto em final de semana antecedente às aulas. — falou para si mesma enquanto retirava o pijama dentro de seu banheiro e entrava no box ligando o chuveiro de água quente.
Enquanto lavava seus cabelos, ela se lembrava vagamente de . Um sorriso surgiu em seus lábios ao lembrar-se das mãos dele acariciando seus cabelos enquanto tomavam banho juntos. Sentia tanta falta de ficar com seu namorado. Teria que ligar para ele combinando o dia de se encontrarem quando ele tivesse alguma noite de folga. Mas lembrar-se de a fazia ter vertigens pelos olhos do garoto da festa. Ela ainda não conseguia se livrar da lembrança de seus olhos a buscando o tempo inteiro e isso a estava deixando assustada. Tentava a todo custo esquecer. Talvez ele nem estivesse a olhando, tivesse olhando qualquer outra garota da mesa. As meninas da torcida eram tão bonitas, até mais do que ela. Com certeza ele olharia para alguma delas. Tinha que manter o seu foco completo em , que merecia sua total fidelidade e respeito. Não poderia deixar-se levar por um garoto que ela, com certeza, não veria de novo, enquanto tinha o namorado perfeito ao lado dela pronto para satisfazê-la em todos os sentidos.
Saiu depressa do banho vestindo seu roupão felpudo branco e secou os cabelos com a toalha penteando-os depois. Ligou o secador e secou os longos cabelos pretos sob a vista de Merlim que, mesmo relutante em entrar no banheiro, ficava na porta observando a dona. O gato tinha pânico de água e toda vez que escutava o barulho da água no banheiro, se escondia debaixo da cama da dona e só saía quando a área estava estritamente segura. Se enroscou pelas pernas da menina que secava o cabelo em frente ao banheiro e ela sorriu. Merlim era o gato mais querido que já tivera. Seu pai o deu de presente para a menina assim que faltavam duas semanas para ela chegar de viagem. Estava ansiosa para conhecer o pequeno bichinho de estimação e quando o conheceu, começou a mimá-lo tanto que o gato ficou completamente derretido.
Assim que terminou de secar o cabelo, voltou para o quarto com Merlim em seu encalço e passou a colocar a roupa da escola. O uniforme era levemente curto e ela não gostava muito de roupas chamativas. Seu pai havia dito que foi escolha de uma das administradoras e não teve como discutir. A blusa branca social que ela escolhera usar na segunda era de manga curta e justa, o que fazia com que seu corpo ficasse modelado sob o tecido branco. As blusas sociais do uniforme escolar variavam entre mangas curtas para o calor e compridas para o inverno. A saia era vermelha e batia em suas coxas, o que a fez corar ligeiramente. “Não acredito que ficou curta assim. Papai comprou errado.”. A menina se desesperou e logo chamou seu pai para mostrar a saia curta demais.
— Pai, olha pra isso... — ela disse apontando a saia curta. — O senhor deve ter comprado a saia números menores do que a que eu uso.
O homem a olhou assustado e fez uma cara sem graça. Coçou a cabeça olhando a filha, confuso.
— Esse é o número maior, querida. — arregalou os olhos e o homem ficou desconcertado. — Eu não sabia que você tinha... crescido assim.
— Pai, tem certeza que esse é o número maior? Porque tem meninas lá na escola com muito mais corpo que eu e essa saia é minúscula e…
— Calma! Tem gente que encomendou saias maiores. Eu não imaginava que ficaria pequena. fitou o pai com pena. Ela não podia culpá-lo, pois passou um ano fora e o pai não tinha a mínima noção de como estava seu corpo atualmente. Ela foi à direção dele para abraçá-lo.
— Me desculpa, papai. Eu não queria me descontrolar. — ela disse beijando o topo da cabeça do pai que a abraçava sorrindo. — É que eu tenho vergonha de ir com essa saia... Será que eu não posso ir com outra vermelha qualquer que eu tiver?
— Não, meu amor. Senão a disciplina do uniforme obrigatório começa a ser desobedecida pelas outras garotas. Aguenta aí que amanhã você já vai ter a saia no seu tamanho. Apenas quero que você me dê um modelo e mando costurar uma para você.
Ela sorriu assentindo e foi correndo ao quarto buscar uma saia modelo e terminar de se arrumar. Não gostava muito de se maquiar para ir à escola, então optava apenas pelo básico como rímel, um delineador finíssimo e um gloss incolor. Suas bochechas eram rosadas naturalmente, o que não era preciso ser usado do blush para dar uma cor além da branca de sua pele. Ela pegou o colar que sua mãe lhe deu antes de morrer e o pendurou no pescoço. Era um colar de ouro com um pingente de diamante. Era herança de família e sua mãe havia lhe dado com o pedido de que ela passaria para seus futuros filhos como um presente e assim sucessivamente. Toda vez que olhava aquele colar e o segurava entre seus dedos pequenos ela sentia saudades. Sentia vontade de chorar por ter perdido a mãe antes de viajar para a França, por ela ter sido levada pelo câncer quando tinha apenas quarenta e dois anos. Todos os dias ela tentava encontrar uma forma de não chorar na frente das pessoas quando ambas falavam de suas mães e seus adjetivos infinitos. Ela só faltava morrer de sentir tanta falta da sua, que se pudesse, voltaria atrás e faria muito mais do que já fez por ela.
Pegou sua mochila preta com detalhes rosa e saiu do quarto com a saia e o celular na mão. Seu pai estava esperando-a na sala de jantar com o café posto na mesa e ela se sentou colocando a mochila no canto da sala.
— Eu trouxe a saia. — falou para o pai, que assentiu enquanto colocava café em uma xícara de porcelana pura. — Olá, bom dia. — ela cumprimentou os empregados que sorriram respondendo. — Ah, mon fille*! — uma senhora de no máximo sessenta e sete anos vinha em sua direção com os braços abertos e sorriu retribuindo o abraço apertado. — Eu queria tanto te ver! Não me cabia de saudades de você, chéri.
— E eu então, Nana? — a mulher passou a mão por todo o rosto da menina impressionada com o quanto ela havia mudado naquele ano longe de casa.
Anastacia Mouty ou Nana, como todos chamam, é a governanta da casa dos . Desde quando era um bebê ela cuidava da menina como se fosse sua filha. A protegia como se sua vida não fosse mais importante do que a de e a mimava de todas as formas possíveis. A governanta tinha origem francesa e o intercâmbio de até a França fora organizado pela senhora, que orientou sua família a abraçá-la no país.
— Você mudou, fille*. Está mais incorporada, mais mulher. Precisamos conversar muito depois que você voltar do colégio, tudo bem? — o sotaque francês da mulher era forte, mas ela falava tão bem o inglês que o sotaque era somente um charme a mais, como dizia constantemente.
— Claro, estou ansiosa para te contar como foi lá. Sua família é adorável.
— Oh, merci mon amour*. — disse dando um beijo em cada lado do rosto pequeno da menina. — Agora tome o seu café. Seu pai já está me olhando atravessado.
— Não quero que ela se atrase, Nana. — falou o homem enquanto lia o jornal e sorria pequeno. — Tome o seu café, . Temos só trinta minutos para chegar lá.
sentou-se correndo na mesa e apenas pegou uma metade de uma maçã e um copo d’água gelada. Comeu rapidamente e logo estava pronta para sair, mesmo sendo repreendida pelo pai e por Nana por comer pouco. A garota sempre fora de comer pouco e achava que Nana e seu pai esperavam que ela mudasse o hábito na viagem. Mas ao contrário, ela voltou como a mesma de sempre. Só o que mudou foi o corpo da menina que antes era pequeno e agora estava cheio de curvas e mais avantajado, para o desgosto e preocupação de seu pai.
Héricles quase enfartou quando soube que começou a namorar na França. Quis viajar na hora e tirá-la de lá de qualquer jeito, mas Nana o falou tantas coisas que ele até sentiu vergonha.
era uma garota muito bonita, era lógico que arranjaria um namorado mais cedo ou mais tarde. Mas ele tinha medo. Medo que ela se machucasse ou que algum garoto não fosse bom o suficiente para ela, que a fizesse sofrer, chorar... Ele não suportava nem o pensamento de sua filha chorando pelos cantos porque um garoto a magoou. E quando ela voltou de viagem sua preocupação redobrou ao ver a filha com o corpo tão bem feito, tão mais bonita do que antes e mais esperta, porém frágil como sempre. Teria que ficar de olhos bem abertos com os garotos daquela escola em cima de sua menina e também com o namorado dela, . Assim que o garoto voltou do intercâmbio na França enquanto ficou por lá para completar os quatro meses que faltavam para voltar aos Estados Unidos, ele resolveu ir à casa de Héricles pedir a mão de , oficialmente, em namoro. O pai da menina ficara carrancudo nos primeiros segundos, mas resolveu aceitar assim que se lembrou da felicidade da filha ao comentar do namorado pelo telefone, ao dizer que estava muito mais do que contente por tê-lo ao seu lado. Fez prometer que iria ser o melhor namorado para a garota e o menino não demorou a aceitar a oferta tentadora. Ao saber do que havia acontecido, agradeceu seu pai inúmeras vezes além de ter o amor ainda maior por seu namorado, que até então, era mais do que perfeito.
— Tudo o que eu te peço é cuidado. — a voz forte de seu pai reverberava em seus ouvidos dentro de seu carro moderno, onde estava sentada no banco do passageiro. — Esses garotos de escola são bem assanhadinhos.
— Pai... Eu não me esqueci de como é uma escola, fica tranquilo. — o homem ia resmungar, mas ela foi mais rápida. — E esqueceu que eu estou com o ? Não se preocupe com nada.
— Eu concordei que você namorasse esse rapaz somente para vê-la feliz, mas não porque eu queria aceitar. — rolou os olhos. Seu pai era protetor ao extremo e isso às vezes a desconcertava. — Vejo que até uma aliança de compromisso ele te deu. — o homem disse apontando para a mão direita da menina.
levou a mão defronte aos olhos e sorriu. havia comprado as alianças prata antes de viajar de volta para os Estados Unidos. Prometera esperar se assim ela o esperasse. E os dois cumpriram a promessa. O compromisso estava cada vez mais firme, porém se sentia culpada. Ela ainda pensava em certos olhos .
— Eu prometo que o senhor não vai se decepcionar comigo, ok? — o homem crispou os lábios, mas sorriu com a promessa. — Eu arranjei amigos muito legais na festa. Mas como eu disse, apenas amigos.
Depois de alguns minutos eles estavam chegando ao estacionamento da escola onde vários alunos já tomavam a direção do grande prédio. saiu do carro e então se lembrou da saia curta, sentindo as bochechas arderem. Abaixou mecanicamente a saia para esconder mais as pernas, mas o cós da saia já estava praticamente abaixo de sua lingerie e nem dessa forma ela conseguiu esconder mais as coxas. Sentiu o pai colocar a mão em suas costas e a conduzir até o prédio onde vários alunos os observavam. Ela se sentia envergonhada com toda aquela atenção voltada para ela, mas teria de se acostumar, principalmente com seu pai ao seu lado levando-a para a sala.
— Se o senhor quiser que eu me vire aqui... — ela disse sentindo-se nervosa, mas Héricles negou.
— Vou te levar até a sua sala, sim senhora. Quero saber quem são seus professores e tudo o mais. rolou os olhos e quis muito colocar o cabelo em frente ao rosto para não ter que ser mais observada do que já estava sendo. Seu coração acelerava e ela sentia a expectativa de estar de volta à escola da sua cidade mesmo com tantas pessoas diferentes.
Conheceu muitos dos seus colegas do terceiro ano na festa, mas sentia que conheceu apenas um quarto de todos que estudavam ali. Apertou o pingente de seu colar de ouro e pedia forças para conseguir se dar bem com todo mundo naquela escola. Não suportaria passar mais um ano onde os colegas a chamavam de “filhinha de papai rico”. Sofria tanto preconceito por ser rica que às vezes chorava sozinha ou até mesmo no colo de Nana, que dava mais um de seus conselhos sábios para a garota. Antes de subirem o lance de escadas que levava às salas de aula, Héricles a puxou em direção à secretaria, onde conseguiria as informações sobre a sala da menina.
observava tudo à sua volta e os olhares dos colegas estavam voltados para ela e seu pai. Ambos os apontavam com curiosidade e, mesmo desviando o olhar rapidamente, ela via os olhos maliciosos dos garotos em sua direção. Ignorava-os com as bochechas coradas.
— Bom dia? — o pai da menina cumprimentou uma mulher que tomou um susto ao vê-lo e endireitou rapidamente a postura.
— Bom dia, Sr. . Que surpresa vê-lo aqui hoje. — disse nervosa e sem jeito. quis sorrir.
— Minha filha, , começa o ano letivo hoje. Vim saber onde ela estudará. — falou abraçando a filha pelos ombros.
— Ah... A pequena . — a mulher levantou e analisou a menina com os olhos arregalados. — Oh, de pequena já não tem mais nada, não é, querida? Está magnífica como sempre. Parabéns.
— Obrigada. — agradeceu envergonhada, enquanto a mulher mexia em várias pastas em cima da mesa.
— Vejamos... ... — ela olhava atentamente as folhas de chamada das salas. — Ah, aqui! Ela ficará no 3ºB, sala 31.
— Certo. — disse Héricles. — E quem são os professores?
— Não há muitas mudanças esse ano, exceto a Sra. Vera Maggi, que é a professora de Matemática, Sr. Augusto Salvador, o professor de Física e a Sra. Kirsten Finnigan que é a de Artes.
— Tudo bem, então. Obrigada pelas informações. — a mulher sorriu voltando a guardar as pastas.
— Vamos. — puxou a filha que estava relutante em ter que ser deixada na sala pelo pai.
— Pai, por favor... — suplicou novamente. — Não precisa me levar na sala, eu posso me virar sozinha.
— Está com vergonha de mim? — perguntou arqueando a sobrancelha e fitando a filha com desafio explícito.
— Claro que não, é que…
— Tudo bem, querida. Eu deixo você, minha pequena mademoiselle. Por aqui, mas suba depressa porque o sinal bate em cinco minutos, ande. — ele deu um beijo na filha que o abraçou e logo ela já estava subindo as escadas sob os olhares penetrantes das pessoas.
Era óbvio que ela chamaria a atenção facilmente. Uma garota nova e ainda por cima filha de um dos administradores era novidade na escola. Sem falar que a atenção também era voltada para a beleza fascinante da menina. Todos a olhavam como se ela fosse a única naquela escola que merecesse atenção. E era. A diferença entre ela e as garotas que estudavam lá era gritante. Tão gritante que além dos olhares de encantamento e admiração dos colegas, ela recebia olhares tortos de algumas garotas que não queriam perder seus postos de gostosas, estilo Anya Miller. As únicas garotas que acenavam felizes ao vê-la eram as meninas do time de líderes de torcida, que corriam para abraçá-la com todo o carinho do mundo junto dos garotos fortões que conhecera na festa. Ambos a elogiavam por estar tão bonita aquela manhã e ela se sentiu corar.
Assim que o sinal bateu, ela foi para a classe que estudaria sendo seguida por Britney Heigns, que por sorte caíra na sala dela junto com um dos bonitões do time de futebol, Kaius McMillan.
— Ai, eu não acredito que estamos na mesma sala! — Britney vibrava, enquanto segurava o braço de a levando para a sala que era do outro lado do corredor. — Vai ser um ano muito, mais muito, divertido!
Britney Heigns era alta, loira e de corpo modelado, mas não avantajado como de . O corpo da loira era meio reto, mas nada que a deixasse menos atraente. sentia uma aura boa ao ficar ao lado dela. Iriam ser grandes amigas, com certeza.
— Também fico feliz. Pensei que ia ficar sozinha sem ninguém. — a garota falou e Kaius a abraçou.
— Você nunca ficaria sozinha nessa escola, mesmo que não conhecesse ninguém da sua nova sala. sorriu e abraçou o grandalhão de volta. Kaius era realmente muito forte. Seu corpo era larguíssimo e toda a massa muscular era enorme, o que fazia se sentir uma criancinha perto dele. Ambos os três entraram na sala e todos encararam a menina que estava entre Britney e Kaius.
Os garotos presentes na sala variavam entre mais grandalhões e nerds que a observavam embasbacados. Algumas garotas a olhavam com desprezo e outras animadas para conversar com a garota e serem amigas dela. Britney deu um tapinha nas costas de a guiando para o meio da sala sob o olhar atento das pessoas. Sentaram-se no fundo onde estavam três lugares vagos, um ocupou-se por Kaius, outro por Britney e ela sentou no terceiro. As pessoas mais próximas se viraram e a cumprimentaram como se a conhecessem há muito tempo. Britney apresentou-os como o “grupo do fundão” que era composto por alguns garotos do time de futebol com Kaius e algumas meninas felizes demais, que ela supôs serem amigas de Britney. Em meio às apresentações ela fitou a sala inteira olhando cada um com interesse. Cada nerd que a olhava, cada garota invejosa transbordando raiva, cada garoto praticamente babando. E então ela o viu…
Sentado na última fileira da janela, com os fones de ouvido brancos e os cabelos desgrenhados. Seus olhos profundos a fitavam da mesma forma invasiva da festa.
Ela não sabia se sentia felicidade por ele estar ali na mesma sala que ela ou se sentia nervoso.

***

Ao chegar à escola com sua Harley, não pensava em mais nada a não ser sair de vez daquela droga. Acordou com os berros do pai furando seus tímpanos e se pudesse nem dava as caras na escola. Mas ele não podia. Principalmente quando ela estaria ali. Tinha desistido de ficar pensando em de uma maneira mais insistente, porém nada adiantava. Sempre os olhos azuis e inocentes da garota estavam presentes em sua mente, deixando-o maluco. O que essa garota havia feito com ele? Apenas com um olhar o deixou completamente vulnerável à sedução? Ele não sabia dizer o que estava acontecendo na mente dele. Não sabia explicar que porra estava acontecendo com sua cabeça insana. Ele não conseguia parar de pensar na maldita garota e cada vez mais que ele adentrava o prédio, ele se sentia pateticamente ansioso. Se repugnava por isso. Tanto sacrifício para viver a sua vida sem ter uma garota atrapalhando seus pensamentos... Tudo indo por água abaixo.
Chegou em sua sala e quase ninguém havia entrado ainda. Apenas duas garotas e uns quatro nerds estavam conversando entre si e nem repararam quando ele chegou com sua pose desleixada e desorientada. Ele tinha começado a usar o uniforme ridículo da escola e odiava sentir os olhares em cima dele por conta disso.
Por ter o corpo largo e cheio, o uniforme ficava justo em seu corpo, o que dificultava as coisas. A camisa social branca era quase que transparente e ele praticamente se sentia nu, mas pouco se importava. O que o incomodava eram os olhares das garotas sobre seu corpo e o que falavam dele pelas costas. A calça preta também ficava levemente apertada, mas, mesmo assim, ele a usava. Sua mãe não gastaria o pouco dinheiro que tinham para comprar outro uniforme que servisse nele. Sentou-se em sua carteira na última fileira e puxou os fones de ouvido do MP3 deixando-o no último volume. À medida que as oito horas se aproximava, a sala se enchia cada vez mais, mas ele pouco ligava. Estava em um mundo muito paralelo dali. Seus olhos estavam focados em apenas um ponto que era bem distante daquelas pessoas insignificantes. E mesmo por cima da música alta, ele percebeu o silêncio repentino da classe. Pensou que fosse a Sra. Maggi entrando para a aula, mas a sala não teria parado de falar tão abruptamente.
Foi quando ele olhou para a porta e viu um dos fortões do time de futebol e a líder de torcida abraçando, um de cada lado, uma garota com o rosto bem corado. Os cabelos da menina caíam sobre seu busto farto e cintura até o cós da saia, que era ligeiramente curta. Sua pele era tão branca que poderia até ser comparada a uma folha de papel. Os olhos azuis estavam nervosos e fitavam a classe, apreensivos. Então foi que os dois a levaram para tão perto dele que ele sentiu o coração despencar. Ela sentou-se sem jeito e mesmo já se enturmando com as pessoas do fundo, os olhares estavam completamente nela, sem desviar. Sentia a cólera das rivais sobre ela, o olhar dos nerds que comprovava as paixões pelas populares da escola e os outros garotos que nem se importavam em disfarçar a cara de espanto e satisfação. E assim ele também a observava. Cada centímetro do corpo curvilíneo sentado naquela cadeira, cada mecha de seu cabelo sedoso e grande que lhe cobria as costas inteiras. O rosto pequeno de perfil e o nariz arrebitado, suas mãos minúsculas de unhas médias... Foi então que ela o olhou. Os olhos azuis da menina se colocaram sobre os seus e ele sentiu-se aquecer por dentro.
O olhar dela estava ao mesmo tempo surpreso, como também ficou apreensivo. Não era de se esperar, pois a encarou a festa inteira e ela havia percebido. Talvez pelo susto de vê-lo encarando-a ali tão de perto. Ela mordeu o lábio inferior, sua boca em formato de coração contraindo-se pela mordida. acompanhava cada movimento com os olhos cravados nela, como se enxergassem o fundo da alma da garota. Então ele a viu corar fortemente e virar para qualquer lado que não fosse ele. Nem mesmo o olhar desconfiado de Kaius McMillan o deixou abalado. Nada o faria tirar os olhos dela naquele momento.
E ali, a olhando, ele percebeu: “Ela está na mesma sala que eu?”. Um súbito calor subiu por suas costas e formigava em sua nuca. Era possível que ele teria tanta sorte assim em ter a garota na mesma sala que ele, sentada apenas algumas carteiras de distância? Era realmente possível? Não... Ele não acreditava. Todo o casulo que ele havia construído no final de semana para não pensar nela havia se rompido no momento que ela havia entrado ali, curiosa e nervosa, com as bochechas coradas. A inocência daquela menina havia o fascinado inexplicavelmente e tudo o que ele queria era nunca mais tirar seus olhos dela.
A Sra. Maggi entrou cumprimentando os alunos e se viu obrigado a tirar os fones de ouvido e também os olhos de cima d0a garota. Sentiu-se levemente observado e virou rapidamente o rosto para encará-la. Ela o olhava com a sobrancelha franzida e ele deu um riso irônico por dentro. Com certeza haviam falado coisa dele para ela ou então ela estava apenas assustada pela forma como ele a olhava. E logo a professora desatou a falar.
— Hoje temos uma aluna muito querida aqui, creio que todos já saibam. — a Sra. Maggi agora olhava diretamente a menina, que se encolheu no lugar. Aproveitando a deixa, a encarou fixamente passando os olhos por todo o corpo da garota. — , por favor, levante-se para que toda a sala te conheça.
A garota olhou apreensiva para Britney que balançava a cabeça freneticamente encorajando-a. Ao levantar-se ela segurou a barra da saia tentando abaixá-la, o que a deixava numa situação mais difícil, pois um filete de sua barriga acabava ficando de fora.
sentiu um aperto em seu baixo ventre ao ver a menina envergonhada travando uma luta contra o uniforme minúsculo. “Você vai realmente ficar abaixando essa merda dessa saia a ponto de mostrar sua barriga? Não reclame se eu não conseguir tirar os olhos de você depois.”, ele pensava. Era óbvio para qualquer um que a menina estava morrendo de vergonha da roupa curta e tentava ao máximo disfarçar as coxas descobertas, mas a saia era realmente curta, o que não a possibilitava de cobrir as coxas, mas mostrava ainda mais.
— Essa é pessoal. É filha de um dos grandes administradores dessa escola. Espero que vocês sejam complacentes com ela assim como tenho certeza que ela será com vocês. — a professora olhou maternalmente para a menina que sorriu pequeno. — Você estava fazendo intercâmbio, certo?
— Isso. — a voz da garota saiu ligeiramente falha, mas, ainda assim, clara. Ouvir aquela voz novamente deixou ainda mais empolgado.
— E onde? Por quanto tempo? Gostaria de relatar a experiência?
— Fui para a França, por incentivo de uma grande amiga. Fiquei cerca de um ano por lá na casa dos familiares dela estudando várias matérias importantes, conhecimentos gerais, culturas... — agora a garota falava mais à vontade e até tinha se esquecido da saia curta.
não tirava os olhos dela e a media constantemente, sentindo sua calça se apertar à medida que percebia o quão era realmente bonita, para não dizer gostosa. — Foi uma experiência incrível, eu aconselharia a todos que tem o interesse... É um misto de culturas muito legal de se aprender.
— Um dia queremos saber com mais detalhes sobre a sua viagem. — a professora sorriu e autorizou a menina a se sentar novamente. Ao receber os olhares felizes dos mais novos amigos, a viu sorrir de verdade, mostrando o quanto o seu sorriso era encantador. — Vamos abrindo os cadernos, pois começaremos a relembrar Geometria Analítica. Teremos uma atividade muito importante ao decorrer do bimestre e quero vocês afiados na matéria porque…
O sorriso dela não saía de sua mente. As bochechas rosadas, a voz doce e calma, as mãos nervosas em abaixar a saia... A maldita saia... Aquela saia não ficava interessante em nenhuma das outras garotas. A aula inteira, seus olhos o levavam a olhá-la e a ver concentrada em anotar a matéria no caderno, prestar atenção nas explicações de Maggi e ao mesmo tempo receber olhares interessados da sala inteira. Britney estava sentada com a carteira colada na dela e ambas conversavam assim que tinham oportunidade, quando terminavam a parte teórica da matéria e esperavam a explicação da professora.
nem se deu ao trabalho de abrir o estojo. Ele repetiu de ano apenas pelas faltas constantes na escola justamente em dias de prova ou trabalhos para nota. Ao contrário do que todos pensavam ali, ele era muito inteligente. Embora odiasse as matérias escolares, tinha uma facilidade muito grande em aprender sem ter que copiar nada. Na verdade, ele sentia vontade de dormir ou de observar sem parar. Conhecia Geometria Analítica como a palma da mão e o deixava irritado o simples fato de que estava vendo a matéria pelo terceiro ano consecutivo. O segundo ano ensinava praticamente todo o conteúdo enquanto que no terceiro havia as revisões para a continuação da matéria. Nem se daria ao trabalho de fazer alguma coisa.
Entre deitar a cabeça na mesa e ser acordado aos berros por Maggi, ele optou observar . Ele sentia dentro de si uma coisa diferente ao olhá-la. Não uma coisa normal como um simples encantamento. Talvez fosse isso no momento em que ele a viu na festa de sábado. Mas naquela segunda-feira? Ele estava simplesmente fixado na garota. E ele via que ela também fazia um grande esforço para não olhar em sua direção. Ele encarava isso como um desafio. “Por que você não olha? Eu estou bem aqui ao seu lado... Olha para mim, vai”, mas a garota não devolvia o olhar e quando devolvia, desviava rapidamente como se recebesse um choque. sentia vontade de rir. era muito fraca, muito transparente. Era óbvio que ela estava ficando balançada pelo olhar constante do mais velho, apenas era muito inexperiente para devolver à altura. Mas não podia culpá-la. A encarava tão profundo que até mesmo Anya Miller, a vadia mor do colégio, se recebesse algum olhar assim da parte dele, se envergonharia. As aulas passaram rapidamente e mesmo assim não tirava os olhos da garota pequena e indefesa. Por algumas vezes surpreendeu-se com o olhar de desafio lançado pela mesma, mas logo a menina desviava e se concentrava em qualquer coisa que não fosse ele. Na hora do intervalo, o refeitório inteiro a observava com olhos minuciosos, mas ela não corava mais. Andava como se ninguém a tivesse olhando, era o que via. Enquanto ele sentava em seu lugar, sozinho, afastado de todos os outros, sentava-se com o grupo dos populares, como as líderes de torcida e os garotos do time de futebol e basquete. Eram constantes as cantadas que ela recebia, mas fazia o mesmo que fez na festa... Desviava-se educadamente talvez sem a mínima noção de que isso deixava os garotos ainda mais fissurados nela. não tirava os olhos da mesa da garota e podia ver que estava sendo muito explícito no modo de olhar, porque uma das líderes de torcida comentou com um moreno alto do basquete “o que tanto olhava na mesa deles”. Assim que o moreno começou a espalhar que estava olhando o grupo sem parar, o garoto levantou-se deixando metade de seu prato na mesa e saiu do refeitório sob os olhos atentos de .
Foi em direção ao banheiro masculino e sentou-se sobre o chão frio olhando tudo ao redor. Sua cabeça pesava e ele sabia que não tinha mais nada o que fazer. Estava, oficialmente, fixo em . Cada sentido de seu corpo o alertava da besteira que ele estava fazendo, mas ele não conseguia mais frear o sentimento de fixação. Ele apenas se sentia preso àquela garota como nunca antes se atreveu a ficar preso por nenhuma outra. Olhar para o fazia esquecer a vida desgraçada que ele levava, o julgamento das pessoas do colégio, os olhares maldosos e cheios de interrogações que lançavam sobre ele... Ao contrário de todos, não o olhava com os olhos cobertos de julgo. Olhava-o tímida como se pedisse silenciosamente para ele deixá-la estudar em paz, deixa-la estudar sem ser milimetricamente observada. O desafio por vezes implícito em seu olhar o deixou ainda mais intrigado. Ele sabia que no fundo ela estava gostando e isso não o deixava completamente bem. “Se ela soubesse quem eu sou...”, indagava para si mesmo com a expressão colérica. “Se ela soubesse o quanto ela está mexendo com a minha cabeça, ela sairia para bem, mas bem longe daqui”. Mas ele sabia que tudo isso estava apenas dentro da cabeça dele.
Ao contrário dos outros garotos, tinha a mente realmente perturbada. Os problemas familiares e pessoais, o preconceito na escola pelos surtos nervosos que acabavam acontecendo sem ele prever ou remediar, o medo que as pessoas passaram a sentir dele quando ele surtava ou fumava dentro dos banheiros descaradamente... tinha a mente insana pelas pancadas que a vida dava nele sem dó. A única coisa que o deixava aéreo do mundo horrendo em que viva era a cocaína, mas ele passou a perceber outra válvula que, possivelmente, poderia levá-lo para outra dimensão. Não. Não podia viciar-se na filha do administrador de sua escola. Não podia deixar-se levar por ela. Mesmo que ela fosse encantadora, transpirasse uma inocência excitante, usasse saias curtas que o deixassem duro por alguns minutos, o olhasse com apreensão, mas ao mesmo tempo interesse…
Não. Ele se recusava.
Mas ele sabia que seus sentimentos não tinham freios. Ele sabia que estava entrando num poço sem fundo. Para não se viciar em ele teria que fazer de tudo para se separar dela, tentar não vê-la nunca mais. Mas ele não via possibilidade nisso. Não quando ele já estava fixado nela como nunca esteve em nenhuma garota, no recorde de três dias.
No dia seguinte, ele tentou de todas as formas não encará-la na aula, o que para ela fora um alívio, mesmo que indiretamente. A garota se sentia incomodada com o olhar incessante do rapaz sobre ela e ele se sentia incompleto quando não a encarava, como se ele fosse inteiramente oco. Mas entre se viciar e se apaixonar por e parar de se importar com sua existência, ele preferia a segunda opção. Não poderia se comprometer a ter sentimentos por outra garota. Não com a vida de merda que ele levava. Não colocando , justamente ela, em sua vida complicada e virada de cabeça para baixo. Não quando ele poderia ser perigoso quando se sentia irritado ou nervoso. Mas era tão difícil não observá-la quando ela estava tão perto, quando o som de sua risada tomava conta de seus ouvidos, quando ela ia à mesa de algum professor pedir ajuda em alguma matéria complicada…
Ele estava perdido e reconhecia isso.
Não dava mais para escapar. Estava inteiramente fixo em e isso não mudaria tão cedo.



*Mon Fille: Minha menina.
*Fille: Menina.
*Merci: Obrigada.
*Mon Amour: Meu amor.

IV. Suspension VS. Addiction


Quarta-feira.
estava sentado em seu mesmo lugar de sempre, porém seus olhos estavam na porta. Sua mais nova fixação não havia chegado ainda e ele estava ficando nervoso. Será que ela havia faltado? Mas ele não queria que ela faltasse. Ele a queria ali, a três carteiras de distância, sob os olhares constantes dele. Havia percebido também que todas as vezes em que se afastava da garota depois da aula, um vazio tomava conta de seu coração e de sua mente e ele se sentia completamente vulnerável às coisas. Tentava de todos os modos ainda frear o sentimento complexo que nascia dentro de si, mas a sua luta interna era realmente forte para que ele conseguisse suportar.
Ainda com os olhos fixos na porta, ele viu Britney Heigns entrar. Esperava ver por trás dela, mas a loira entrou sozinha, indo se sentar com suas amigas alegres demais. Dois minutos depois entrou Kaius McMillan em companhia dos grandalhões da sala e sentaram-se junto com as garotas. sentiu um aperto no coração. Ela havia faltado.
— Cadê a ? — perguntou um dos fortões e ambos deram de ombros.
— Não sei. Não a vi em lugar algum, pode ser que faltou. — disse Britney olhando ao redor e consequentemente seu olhar caiu em que desviou rapidamente. Fitava seus dedos com extremo interesse, disfarçando seus olhares sinistros para cima do grupo.
Então todas as pessoas da sala começaram a entrar rapidamente e ele se deu conta de que o professor de Geografia, Sr. Evan Smith, chegaria para mais uma de suas aulas insuportáveis. Se tinha um professor no mundo que odiava era Evan Smith. O homem grisalho de estatura mínima, gorducho e enrugado dava aula para desde o primeiro ano do garoto na escola, mas o que o deixava com raiva era o quanto aquele velho nojento o pirraçava. Simplesmente fazia o garoto passar a maior vergonha do mundo perante os alunos e ainda por cima aguentar as risadinhas de satisfação. Odiava Evan Smith com todas as forças.
Mas então, antes que o dito cujo chegasse, ele teve sua esperança renovada quando viu irromper pela sala segurando o celular, afobada. Estranhou a atitude da menina, pois ela sempre entrava com a maior calma do mundo, mas não naquela quarta feira. Na verdade ela estava bastante feliz e não escondia isso de ninguém.
— Olha só quem está chegando! — falou um grandalhão loiro olhando-a com interesse. — Essa felicidade toda é só pra me ver?
— Ele me ligou! — ela ignorou o loiro e falou diretamente com Britney e as amigas. não tirava os olhos dela e muito menos a atenção. “Ele quem?” — Ele disse que vai vir me ver na sexta à noite!
Todos os garotos da mesa, Kaius, o loiro e os de fora, como , estavam completamente confusos quando as amigas de começaram a pular e então a menina sentou falando baixo e mostrando o celular para as amigas. Todos poderiam estar atônitos com a súbita felicidade de pela ligação de alguém, mas a rebelião acontecia apenas na cabeça de .
A lembrança dela conversando no celular no banheiro da boate lhe atingiu como uma bofetada. Tudo o que ele havia construído naquele tempo havia ido por água abaixo assim que ouviu a palavra “ele” duas vezes na mesma frase. E não foi a única vez.
Mesmo com o Sr. Smith entrando na sala com a sua carranca de sempre, contava empolgada sobre a ligação daquele que mais temia... O namorado.
— Eu não estou me cabendo de saudades dele! — ela falava com a voz completamente apaixonada e sentiu um solavanco em seu peito. Não. Era uma amiga, não pode ser namorado. — Acreditam que eu não o vi desde que cheguei da França? Não o vejo faz quase cinco meses. Mal posso esperar para que chegue sexta-feira. — ela disse animada e as meninas a abraçaram.
— Ele deve ser um excelente namorado, . Você merece mesmo. — uma das meninas falou enquanto via o celular da garota. Ela sorriu feliz e, sem querer, olhou na direção de que a fitava com o olhar inexpressivo. Talvez pelo peso do olhar do garoto, ela corou violentamente virando para qualquer lugar que não tivesse ele em seu ponto de visão. Uma verdadeira ebulição acontecia dentro do garoto que fechava suas mãos em punho. Mesmo sabendo que não tinha direito algum sobre , ele não suportava a ideia de vê-la com outro garoto. Na verdade, só de pensar que ele não tinha direitos sobre ela, ele sentia tontura. Estava se tornando completamente possessivo pela garota que nem uma palavra havia lançado na direção dele. Apenas de olhá-la ele já estava sentindo uma revolução tremenda acontecer em seu peito e a imagem dela beijando ou sendo tocada por outro rapaz por pouco não o descontrolara.
Não sabia como havia se apegado tanto à garota. Acreditava que era porque sua diferença entre as demais era gigantesca. Seu costume com garotas era muito ao contrário da pessoa que era. Ele se relacionava, saía e se amigava com as garotas que têm a cabeça voltada para apenas uma coisa: Sexo.
Manter relacionamentos com as demais garotas era tão difícil como conviver com seus pais. Por se envolver com as garotas erradas, que o machucaram, o usaram, ele se tornara rude. Bruto, para falar a verdade. Qualquer garota que se aproximava dele, ele sentia a necessidade de repeli-la. Apenas conversava com aquelas que lhe pareciam mais inteligentes. Por isso odiava tanto as garotas de sua escola. Por isso queria que todas se explodissem com suas fofocas, com suas putarias, com suas histerias. De tão acostumado que estava com a rotineira onda de putas em sua frente, ao ver com toda a sua postura, classe, elegância e educação, ele ficou fascinado. Era como se uma espécie rara aparecesse bem diante de seus olhos provando que o mundo ainda não estava completamente perdido.
A simples ideia de que a garota perfeita aos seus olhos, além de ser perfeita aos olhos dos outros, era comprometida com outro rapaz o deixava louco da vida. “Como se eu fosse idiota a ponto de me desinteressar por ela porque um qualquer está namorando-a.”. Ele não aceitava. Não aceitava que a única garota perfeita para ele, que apareceu uma única vez em sua vida, fosse comprometida com outro e ele ficasse ali, jogado de escanteio tendo que se contentar apenas com seu olhar apavorado e ao mesmo tempo interessado. Não. Ele não aceitava.
— Você aí! — a sala abruptamente parou de falar e todos os olhos se voltaram para ele, inclusive os olhos azuis que o estavam deixando louco. — Pode vir aqui para a carteira de frente à minha mesa. Acha mesmo que eu vou deixar você se sentar aí atrás? — o Sr. Smith o olhava com maldade e o garoto semicerrou os olhos. — Você é um problema grave demais para ficar aí isolado. Faça o favor de sentar aqui na frente.
Sob os olhares constantes dos colegas, ele pegou sua mochila e, lentamente, sentou no lugar indicado pelo professor rechonchudo. Jogou-se de má vontade e o fitou com raiva. “Velho idiota”, praguejava sua mente contra o professor. Olhou para trás e viu o olhando com um misto de curiosidade e a costumeira apreensão. Então o professor simplesmente se sentou em sua mesa e começou a mexer em vários papéis, o que fazia irritar-se pelo fato de que ele estava ali sem fazer merda nenhuma. Queria voltar para o seu lugar a três carteiras de distância de sua nova fixação, queria olhá-la e analisar cada parte de seu corpo pequeno e marcado por curvas.
A sala começou a falar em seu volume habitual e ele olhou para todos os cantos vendo cada grupo conversar animadamente, inclusive o grupo do fundo. O modo como sorria e segurava o celular no peito era encantador, mas, ao mesmo tempo, o apunhalava. Ela estava falando do idiota do namorado. Ele queria tanto que fosse apenas uma amiga, que estivesse livre... Mas o fato é que era um namorado.
— Sabe, ... Não me admira que você esteja aqui no terceiro ano novamente. — falou o Sr. Smith ainda analisando os papéis.
o encarou com displicência e rolou os olhos, sem saco para ouvir monólogos de professor em abstinência. — Ano passado você era bem desleixado, sabia? Pensei que com o tempo você mudaria esse seu jeito e tomar um rumo na sua vida... O professor continuou a falar, mas já não estava escutando uma palavra do que ele dizia. Estava muito interessado na conversa de um grupo de garotos bem perto de onde ele estava. Mas o que ele não imaginava eram as coisas sujas que eles diziam.
— Toda empolgada por causa do namorado. — um dos garotos apontava que conversava animadamente com o grupo do fundo.
— Você realmente achava que ela não teria namorado? Imagina, gata do jeito que ela é.
— Gata é pouco. — falou o terceiro garoto e franziu o cenho. — Ela é a mais gostosa da escola. Até mais gostosa que Britney Heigns, e olha que ela é a chefe das líderes de torcida.
— Já viram que boca perfeita ela tem? — perguntou o primeiro garoto olhando com os olhos pingando malícia. — Imagina como ela chuparia um pau bem…
— É verdade, essa cara de santinha não engana ninguém... Sortudo pra cacete esse namorado dela.
arregalou os olhos e viu os garotos fazendo gestos obscenos de boquete, o que o deixou realmente nervoso. Ainda em mais comentários maliciosos, a voz de seu professor atingia sua audição o deixando dividido entre ouvir insultos vindos do velho à sua frente e as obscenidades que os garotos estavam falando dela.
— [...]Você é um péssimo aluno. Eu deveria te ensinar a ser menos displicente com as pessoas, porque tenho certeza que na sua casa você não recebe esse tipo de educação privilegiada…
— Se eu tivesse a oportunidade, eu a comeria todinha. Colocaria meu pau em todas as partes do corpo dela e ainda fazia ela me chupar até que eu gozasse naquela boquinha perfeita…
— [...]Eu não vou ter nenhuma pena em te reprovar novamente se você não melhorar suas atitudes e suas notas. Pensa que eu não sei que você vive pichando o banheiro com pornografias e fumando maconha enquanto os seus colegas estudam?…
— [...]E então ela gemeria tão alto que o que me restaria a fazer era somente fodê-la mais fundo.
Sua cabeça estava girando. Era como se uma pedra do tamanho do mundo tivesse sido arremessada contra a sua cabeça e ele se sentisse tonto, pronto para desmaiar. O nervoso que ele sentia corroendo suas veias, o sangue agitado pela adrenalina da irritação, as unhas cravando sua pele da mão, o pulso firme e o seu autocontrole se esvaindo de sua mente.
— [...]A diretora está doidinha por um pequeno motivo de te expulsar da escola…
— [...]Ela cavalgaria tão loucamente em meu colo que eu não iria nem conseguir pensar... E então já era tarde demais. Sua paciência se explodira e em meio aos berros, a sala inteira o encarava assustada.
— CALEM A BOCA! — ele estava em pé, seu corpo inteiro tremendo, a raiva corrompendo sua sanidade. A mochila foi jogada abruptamente ao chão e todos, inclusive o Sr. Smith o olhavam com temor. — EU NÃO AGUENTO MAIS! EU QUERO UM POUCO DE SILÊNCIO NESSA MERDA! — logo as lágrimas estavam presentes em seus olhos e escorriam por seu rosto vermelho.
— EU QUERO QUE VOCÊS MORRAM! Morram... — sua voz se abaixava à medida que o tremor se tornava mais forte.
Os gritos que ele proferiu foram ouvidos por um dos inspetores que caminhava pelo corredor e assim que ele adentrou a sala, contemplou o garoto chorando de raiva, tremendo e pronto para atacar o primeiro que aparecesse em sua frente.
— Com licença. — falou adentrando a sala com os olhos fixos no garoto perturbado que tremia violentamente. — O que está acontecendo aqui, posso saber, ?
— Outro surto nervoso. — disse o Sr. Smith levantando-se de sua cadeira com cuidado, temendo ser atacado pelo garoto. — Dessa vez não quebrou nada, pelo menos.
— Mas está para quebrar. — disse o inspetor que, com cuidado, tocou o braço do garoto que tentou de todas as formas se dispersar do toque.
— ME LARGA! EU QUERO FICAR EM PAZ! — ele gritou e num ímpeto de descontrole, chutou o pé da carteira fazendo-a mudar de lugar abruptamente no chão. — ME SOLTA!
— Temos que levá-lo para a Sra. Ohara. Ele não pode ficar na sala dessa forma. — disse o professor e logo o garoto era segurado pelo inspetor e o professor, um de cada lado.
Mesmo tentando relutar contra os dois, ele sentia seu coração pesado e sem forças. Todas as vezes que surtava daquela forma, ele sentia como se o mundo fosse desabar em sua cabeça, via a sua vida se passando como um filme diante de seus olhos e sentia vontade de se machucar para diminuir a dor que sentia dentro de si. Ele apenas queria que tudo voltasse ao normal.


***

A garota olhava a cena assustada e ver o garoto sendo levado por dois homens a deixou chocada. Mas o que aconteceu ali, afinal? O que aconteceu com o menino para ele ficar tão descontrolado?
maluco! — falou um dos garotões quando a sala começou rapidamente a comentar o fato ocorrido. — Acho que ele deveria se tratar urgentemente.
— Ele é um lunático. Não sei como ainda estuda aqui. — disse Kaius com a expressão nervosa.
— Ai, eu tenho dó dele. — disse Britney olhando com pena para o lugar onde estava sentado. — Ele é problemático, temos que dar um desconto pra ele.
— Será que alguém pode me explicar o que aconteceu aqui? — perguntou com a voz trêmula e Kaius mordeu o lábio inferior, ainda mais nervoso. — Quem é aquele garoto e por que ele estava violento daquele jeito? E mesmo que indiretamente, ela percebeu que acabara de proferir em palavras a sua curiosidade. Quem era o garoto dos olhos ?
— Aquele é . — disse Britney olhando-a. — Ele estuda aqui desde o primeiro ano e... É bem esquisito, pra falar a verdade. — vendo o olhar de confusão de , Britney suspirou e começou a contar tudo. — Ele é meio problemático, sabe? Sempre dá umas vaciladas feias. Ele é meio viciado em maconha e cocaína e têm esses tipos de ataques quando está nervoso. Todos nós sabemos que ele odeia o Sr. Smith e ano passado, numa das aulas dele, ele surtou porque Smith estava provocando-o…
— Ele não gosta do cara, mas Smith também não o suporta. — disse Kaius dando de ombros. — Na verdade, todos detestam o Smith, então damos um pequeno desconto para o maluco. Mas surtar já é demais.
— Ninguém sabe nada sobre a vida dele. — disse Britney ignorando Kaius. — Ninguém sabe o que se passa com ele, porque ninguém conversa com ele. Desde que ele surtou ano passado e quebrou uma carteira, as pessoas passaram a sentir medo de ficar perto dele, medo de ele ficar realmente perigoso. Ele é muito misterioso e isso também contribui com essa relutância das pessoas.
— Ele quebrou uma carteira? — perguntou surpresa e todos assentiram. — Mas ele fica tão violento dessa forma?
— Fica. — Britney assentiu. — Ele também já deu uma surra num dos garotos do time de futebol do ano passado. Foi uma briga feia, ambos saíram machucados, mas ele bateu tanto em Nicholas Niwman que o garoto teve que ficar semanas de repouso.
— É, aquele tem um braço bem forte. — disse o loiro, cujo nome sempre esquecia. — Nicholas Niwman era um dos maiores jogadores do time e apanhou pra cacete aquele dia.
— De qualquer forma, tentamos a maior distância possível de . É bem melhor ele ficar sozinho se tiver um desses ataques violentos novamente. — concluiu Britney.
olhou para a carteira do garoto na última fileira. Sentiu seu coração se contorcer de pena. É claro que ele não era maluco, ela sabia disso. Ele nem estaria ali se fosse perigoso como os colegas pensavam.
“Ninguém sabe nada sobre a vida dele”. Era óbvio que o garoto enfrentava problemas. Para ter aquele surto de repente, ele deveria estar internamente perturbado e irritado. A violência é construída numa pessoa através das situações difíceis da vida, de como ela foi educada, a forma como ela vive... Ela sabia que deveria sofrer muito para ser daquela forma estourada, violenta e equivocada. Sem falar em seus olhos penetrantes e sombrios. Ao ver aquela cena, ela se lembrava do quanto ele a encarava. Mesmo achando que tinha a mente perturbada, ela não pôde deixar de se sentir amedrontada. E se algum dia ele a atacasse no meio de um surto nervoso? E se algum dia ele fosse violento com ela de alguma forma? Não. Ela não poderia pensar assim. Nunca fez nada para o garoto e pretendia manter-se distante dele com todas as forças. Mesmo que não quisesse se afastar de seus olhos viciantes, mas ela não tinha alternativa. Se ele era violento, o melhor que poderia fazer era se afastar.
O Sr. Smith chegou na sala passando um pano branco por sua cara severa e feia, limpando o suor que o empapava o rosto e as vestes. Todos pararam de falar assim que ele chegou. Ele olhou para a classe atônita por informações e deu um sorriso mal formado.
— O garoto está bem. Foi só um descontrole, ok? Não se preocupem.
Mas ele não convencera a ninguém. via o quanto ele estava nervoso pelo acontecido, o quanto ele estava preocupado. Era bem difícil tranquilizar os alunos se ele mesmo não estava nem um pouco tranquilo.
Passou-se as aulas restantes daquele dia, o intervalo e nada de aparecer. Sua mochila havia sido retirada da sala junto com seus materiais e levados para qualquer lugar que ela não fazia a mínima ideia. Tinha a esperança de vê-lo entrar pela porta em sua cor normal, a beleza de seu rosto novamente em seu lugar, seu corpo forte e grande mais calmo... Mas isso não aconteceu.
Ele não voltou.
Mesmo com toda a sua mente voltada apenas no objetivo de se distanciar de , ela não queria deixar de vê-lo. Mesmo com a apreensão e invasão que sentia quando ele a encarava, ela gostava. O olhar dele não era como se ele fosse a atacar ou violentá-la... Era um olhar longe de perigo. Mas ela poderia confiar em apenas olhares? Ele também a olhou e depois de dez minutos surtou na sala falando coisas terríveis. Como ela poderia confiar em um garoto que sequer conhecia? A distância era a melhor das alternativas. Mesmo que ela não quisesse que fosse.


***

A sala de Emília Ohara era tão feminina que dava enjoo. Havia quadros de paisagens pendurados em alguns lugares das paredes, um quadro com seu diploma de Mestrado e Doutorado em Pedagogia e um retrato gigante de sua foto que, para , foi tirada há mais de setenta anos. A mesa de madeira enorme da diretora era impecavelmente limpa, organizada e cheirava fortemente a produto de limpeza com álcool, sem falar no perfume extremamente doce que ocupava a sala inteira. Talvez os alunos fugissem da diretoria por conta do perfume doce enjoativo mais do que qualquer outra coisa.
Ao entrar sendo segurado pelos dois homens, tudo o que ele queria era se desvencilhar e sair correndo de volta para a classe. Queria sentar em sua cadeira na última fileira e observar a aula inteira. Não queria estar ali na sala da diretora asquerosa e correr riscos de ser expulso.
Expulso.
Ele não podia ser expulso. Não ali, naquele momento. E pensar que Smith o dissera que Ohara estava apenas arranjando um pequeno motivo para jogá-lo fora da escola. Ele teria que ser bem calminho se quisesse continuar perto de .
Logo, a visão da diretora sentada em sua cadeira tomou conta de seus olhos. Mais calmo, ele balançou a cabeça negativamente, sentindo-se estúpido por ter se descontrolado daquela forma. A diretora estava curvada sobre a mesa, escrevendo alguma coisa e assim que ouviu o barulho da porta, ergueu seus olhos puxados para o garoto. A expressão confusa da diretora se transformou numa de surpresa e ao mesmo tempo prepotência. desviou o olhar da mulher, sabendo que o pior ainda estava por vir.
? — perguntou levantando-se da cadeira e indo até o garoto que, mesmo calmo, ainda estava vermelho e tremendo um pouco. — O que aconteceu?
— Outro surto, Sra. Ohara. — disse Smith segurando o menino. — Inexplicável como sempre. Disse coisas terríveis como “quero que vocês morram”.
A diretora o espiou por cima dos óculos e seus olhos faiscaram. Ela suspirou, autorizando a entrada do garoto e assim os homens o colocaram na cadeira de frente à mesa depois de conferirem que o menino não surtaria novamente. Saíram em seguida e então a diretora sentou-se encarando .
O rosto de Emília Ohara era o típico japonês, mas a prepotência que exalava a deixava detestável. Os cabelos eram constantemente presos em um coque e ridiculamente bem penteados. A boca era sempre pintada por um vermelho vivo enquanto que os olhos eram carregados de sombra e lápis de olho fortes. Os colares e brincos pesados eram sempre presentes, porém nunca repetidos. A variedade de acessórios que aquela mulher possuía, não saberia nem imaginar. As roupas eram sempre elegantes e acentuadas, o que a deixava com o ar de superioridade ainda maior.
— E então? — sua voz arrastada perguntou enquanto ela cruzava as mãos sobre a mesa. — Qual o problema dessa vez?
— Nada. — disse o garoto friamente virando a cara. — Muito bem. Então vamos ver pelo meu ponto de vista. Você chega aqui sendo segurado por dois homens, tremendo, e ainda me diz que não aconteceu nada? — a mulher falava calmamente e o garoto sentia a raiva voltando aos poucos. — Vamos, , eu não tenho dia todo. O que aconteceu?
O garoto contou até dez respirando fundo. Ele apenas queria voltar para a sala e ficar quieto em seu canto, ouvindo seu MP3 e observando a garota que mexia com sua cabeça. Mas... Ele estava ali por causa de quem? Ele havia surtado por qual motivo, mesmo?
— Apenas estou cansado daqui, só isso. — falou com sinceridade e a mulher rolou os olhos.
— Eu não quero meias palavras, . Eu quero os fatos. Ande logo, menino.
Ele não poderia contar à Emília Ohara que surtara por conta do falatório obsceno dos garotos em cima de . Não poderia falar isso nem em pensamento pra quem quer que fosse. Mas não fora somente isso que o irritou. Evan Smith estava afiado e testou sua paciência e isso juntou com o descontrole de ouvir outros garotos usando o nome de como se ela fosse uma puta qualquer.
— Smith me irritou. Como sempre. — falou firme e a diretora o fitou.
— O que aconteceu entre vocês dessa vez? Você não pode ficar brigando com os professores e…
— Ele me provocou. — falou alto, calando a diretora. — Ele ficou falando no meu ouvido como se eu fosse o pior tipo de gente que ele já conheceu e também tem aqueles idiotas que... — ele parou rapidamente. Não poderia contar sobre os garotos. Calou-se. Ohara deu um suspiro alto, passando a mão pela testa.
— E isso foi motivo para você simplesmente surtar? , você falou que queria que todos morressem... Tem noção disso? Não é assim que você vai conseguir lidar com as pessoas.
— Você não sabe o que se passa dentro de mim para falar alguma coisa, como se eu fosse o errado. — a diretora arregalou levemente os olhos e pegou um bloco de papel, tirando uma folha e escrevendo rapidamente. — Você não vai me suspender, não é? Escute aqui, eu não sou maluco e você sabe disso. Eu simplesmente não aguento mais que fiquem me olhando atravessado, que comentem da minha vida como se ela fosse um livro aberto, eu não estou aguentando mais essa merda dessa escola e todos que estudam nela... Mas eu não quero me afastar daqui. — disse rapidamente e a diretora retirou os óculos, encarando-o com os olhos puxados em fendas.
— Mais um motivo para você ficar em casa descansando a sua mente. Se não está aguentando a pressão, tem que se recuperar em casa por uns dias e…
— MAS EU NÃO QUERO! — o pânico o invadia e ele sentia o suor descer por seu rosto. Não poderia ficar longe de nesses dias de suspensão. — EU NÃO POSSO! EU QUERO FICAR NA ESCOLA! — em meio aos berros, ele levantou da cadeira olhando a diretora com os olhos irritados. — VOCÊ ESQUECEU QUE MEU PAI VAI ME MATAR SE EU FOR SUSPENSO NA SEGUNDA SEMANA DE AULA? ESQUECEU QUE ELE ME ODEIA? EU QUERO ESTUDAR QUIETO NO MEU CANTO, EU SÓ QUERO PAZ!
— Sente-se, . — falou rispidamente, mas o garoto não obedeceu. A fitava abismado, como se aquilo fosse o fim do mundo. — Eu sei o que você quer, mas não posso deixar você nesse estado. Portanto, o resto da semana de suspensão está de bom tamanho. Hoje é quarta-feira, são apenas dois dias e o final de semana em casa. Segunda você volta.
— Por favor... — ele suplicou com os olhos úmidos. — Você não entende, mas eu não posso ficar em casa! Eu preciso vir para a escola, eu necessito…
— Sem “mas”! Já basta! — ela levantou com o papel na mão indo para a porta. — Só quero te ver aqui na segunda-feira. Descanse a mente, , você está ficando literalmente perturbado. — Emília saiu pela porta deixando o garoto sozinho na sala, trêmulo e com lágrimas nos olhos.
Quatro dias longe de . Quatro dias no inferno que era a sua casa. Quatro dias com sua mente perturbada tomando o caminho da loucura... Ele não suportaria. — Edmund foi buscar sua mochila na sala de aula. Tome um pouco d’água e assim que eu te liberar, pode ir para casa. E tente ficar calmo. Segunda não demora a chegar. — ela colocou um copo d’água na frente do garoto que hesitou por um momento, mas tomou em um só gole.
Depois de uns quinze minutos, com a mochila do garoto nas costas, Edmund, o inspetor, o acompanhou até a saída da escola e o coração de sangrava a cada segundo. Ele não poderia ficar suspenso sem ter notícias de . Ele não suportaria o peso da sua vida, ele não queria se entregar novamente à maconha e cocaína para ficar mais leve. Não quando o privava disso. Não aguentaria.
Assim que estava no estacionamento vazio da escola, sentado em sua Harley, ele decidiu que iria esperar para ver a garota sair da aula. Não sairia dali enquanto não a visse. Não poderia ir para casa e encontrar sua mãe com o olhar de interrogação por ele ter chegado mais cedo e à noite seu pai o espancar por ter sido suspenso logo na segunda semana de aula. Saiu com a Harley do estacionamento da escola, mas ficou na espreita esperando que a aula terminasse e assim pudesse ver seu mais novo vício pela última vez naquela semana.
Depois de horas parado na frente dos portões da escola, a sineta bateu audivelmente e logo várias pessoas saíam desesperadas para irem para casa. Ele observava cada pessoa que saía e sentia seu coração nervoso por não ver em lugar algum. Depois de mais de vinte minutos esperando, ele viu de longe Kaius e Britney saírem na companhia de uma pequena menina que tinha os cabelos enormes esvoaçados pelo vento e sorria abertamente, mesmo que olhasse para todos os lados procurando algo. Ele sentiu a curiosidade invadi-lo. Queria saber o que a garota tanto procurava aos arredores da escola. Será que o idiota do namorado dela estaria ali para buscá-la? Mas ela havia dito que eles só iriam se ver na sexta…
O que ele faria para poder impedir esse encontro na sexta? Seria capaz de intervir na vida pessoal de e arruinar o encontro dela com o namorado?
— Mas é claro que sou. Se eu quiser, coloco esse idiota para correr. — disse fitando a garota que agora entrava num carro prata e dirigia para longe da escola.
Era isso que ele ia fazer. Se dependesse dele, não veria o namorado tão cedo.



V. Confused Feelings


O jantar estava posto na mesa com tudo o que ela gostava. Dentre massas como lasanha e espaguete, haviam molhos diversos para comer com os nachos feitos por Nana. Por mais que ela estivesse encantada com todo aquele carinho que recebia dentro de sua casa, ela não poderia deixar de pensar nele... Em como ele estaria àquela hora. Enquanto ela se servia com os melhores pratos, enquanto esbaldava de felicidade por ser tão bem-amada, o que ele aproveitava da vida? O que ele faria naquele momento? Estaria sentado à mesa junto com seus pais conversando sobre seu surto nervoso na aula ou estaria trancado no quarto sozinho com seus pensamentos?
— Não está me ouvindo te chamar? — a voz de seu pai a despertou do transe e, com um pequeno susto, ela tirou de sua mente o garoto problemático de lindos e sombrios olhos .
— Ahn... Me desculpe. Eu me distraí sem querer. O que dizia?
— Perguntei como foi na escola. Está tão quieta e nem tocou no assunto sobre o seu dia. — o pai a fitava curioso e ela mordeu o lábio inferior, hesitante.
Não poderia contar para seu pai que um garoto de sua sala havia surtado de repente. Seu pai ficaria louco da vida e trataria de mudar o garoto ou ela de sala e ela não queria isso. Queria continuar na mesma sala que seus amigos e o mais importante... Na mesma sala que . Não suportava a ideia de que poderia ter ele longe dela. E se sentia muito confusa por pensar dessa forma, pois ela estava tão feliz que, finalmente, na sexta iria rever seu namorado e passar a noite tão desejada com ele. Por que ela simplesmente não conseguia parar de pensar em ?
— Ah, foi legal. — a menina respondeu fugindo do assunto enquanto Nana colocava a comida em seu prato. — Eu só estou com um pouco de dor de cabeça hoje. Acho que quando terminar o jantar irei dormir.
— Bebeu novamente? — perguntou o pai a fitando severamente. Ela negou prontamente sorrindo pequeno. — Ah, bom. Nem pense em beber na semana de aula, mocinha. Você sabe que te prejudica.
— Eu sei pai, pode ficar tranquilo. Mas me conta, como foi hoje no trabalho? A empresa vai bem?
Héricles desatou a falar sobre os problemas e acertos de sua empresa de cursos educacionais. Embora o assunto interessasse , o pensamento dela estava bem longe. Nana a observava atentamente percebendo a perturbação da menina com alguma coisa, mas mesmo assim não se dava conta de que sua preocupação estava dando às caras. Ela remexia o espaguete em seu prato sem a mínima fome e depois que comeu apenas duas garfadas do macarrão, pediu licença e avisou que iria dormir. Enquanto ela se afastava, o pai a fitava com curiosidade e preocupação. Sua filha não era dessa forma, nunca agiu tão estranhamente sem motivo. Ele olhou questionador para Nana que deu de ombros.
— Vou conversar com ela. — disse enquanto retirava o avental e entregava a uma das empregadas. — Essa atitude não é o normal de ma fille. — o homem assentiu terminando o jantar enquanto Nana subia as escadas em rumo ao quarto da menina.
Dava passos calmos até chegar ao andar de cima e encontrar a garota deitada em sua cama em posição fetal, enquanto seus olhos estavam fixos em um lugar qualquer do quarto. A governanta sorriu pequeno ao vê-la tão compenetrada em seus pensamentos que quando sentou na cama da garota, passando a mão por seus cabelos sedosos, a menina tomou um leve susto. — Ah, é a senhora. — disse sorrindo e fechando os olhos à medida que o carinho ficava mais proveitoso. — Nem te vi entrar, chérie.
— Quer conversar, ma petit *? — perguntou enquanto passava os dedos pelas mechas longas de cabelo da menina.
— Eu estou tão confusa, Nana. — ela deitou a cabeça nas pernas da senhora e olhava para o teto. — A minha cabeça virou uma confusão de sábado para cá... Eu... Não sei. — disse fazendo uma careta nervosa e a mulher sorriu.
— Isso me cheira a confusão que vem daqui, oh — ela disse tocando o coração da menina, que bateu mais forte. levantou a cabeça olhando a mulher que sorria ternamente.
— Como você sabe?
— Esqueceu que eu já tive a sua idade? — a mulher disse sorrindo, fazendo a menina deitar-se novamente onde estava. — Se tem uma coisa que acontece com frequência nessa fase é se apaixonar, querida. É sofrer por amor. Ficar confusa e nervosa, porque a situação é complicada... Quer me contar o que, exatamente, está te afligindo?
— Eu... Eu estou me sentindo uma traidora, Nana. Eu amo o , mas... Estou entrando em uma guerra comigo mesma, entende?
— Outro garoto está mexendo com a sua cabeça? — a menina assentiu e mordeu o lábio inferior buscando as palavras certas para contar os fatos à Nana.
— Eu o conheci na festa de sábado. Mas não foi bem conhecer, sabe? Apenas o vi. — ela se pegou sorrindo ao lembrar-se da festa onde era constantemente observada. — Ele me olhou a festa inteira, me olhou o tempo todo... Não desviava por nada. Eu me sentia incomodada, você sabe como eu fico quando alguém me olha demais, mas... Por mais que eu ficasse sem graça, eu adorei sentir o olhar dele em mim, me analisando, me queimando...
— É mesmo? E quem é esse garoto?
— O nome dele é . Ele... Ele é bem bonito, sabe? Forte, sarado, rosto bem desenhado, pele clara, olhos intensos... — ela tremeu ao se lembrar do olhar do garoto. — Mas ele é extremamente fechado. Como se alguma coisa o afligisse lá no fundo... — a mulher escutava atentamente o que a menina dizia. fechou os olhos prendendo o lábio inferior entre os dentes lembrando-se do surto nervoso do garoto que aconteceu pela manhã. — Ele, por coincidência, está na mesma sala que eu e... Ele sempre me olha. Eu tento não encará-lo de volta por respeito a , mas... É tão difícil, porque eu quero olhar para ele...
— Está começando a gostar desse rapaz? Como você se sente em relação a ele?
— Eu não sei. Gostar com certeza não, mas estou criando um certo interesse, estou ficando presa... Aos olhos dele, sabe? Mas hoje aconteceu uma coisa estranha e eu estou em uma dúvida se devo ou não me aproximar dele. Na verdade, tudo me leva a me afastar, mas eu não quero.
— O que houve? Pelo jeito é isso que está te deixando dessa forma. — a mulher afirmou e a garota assentiu.
— É. Estávamos na aula de Geografia quando o professor o chamou para sentar na carteira na frente. Ele não queria ir, isso era mais do que claro, mas ele não podia discutir. Ele foi e depois de dez minutos, ninguém sabe o que aconteceu, ele surtou.
— Surtou? Em que sentido? — a mulher franziu a testa encarando a menina.
— Surto nervoso mesmo. Se descontrolou completamente. Eu não sei o que aconteceu, porque eu estava distraída demais e ele estava sentado longe de mim. Apenas escutei os gritos dele e a sala inteira parou para olhar... Aí ele foi levado pelo Prof. Smith e um inspetor e não voltou mais. Não sei se aconteceu alguma coisa, se ele foi expulso ou...
— Expulso? Mas não podem expulsá-lo por um surto nervoso, ninguém sabe o porquê que ele surtou, não é verdade?
— Ele já surtou outra vez ano e quebrou uma carteira. — a governanta arregalou os olhos para ela e suspirou. — Minha amiga me contou. Na verdade, ela disse que ninguém o conhece direito, ele é meio misterioso, entende? E por causa desses surtos e uma briga que ele se meteu com um garoto, as pessoas têm medo de se aproximar dele, medo de ele ser perigoso.
— Se você acha que ele representa perigo...
— Mas aí que está. Eu acho exatamente o contrário. Ele não me olha com o ar violento ou perigoso... Ele me olha de uma maneira que balança comigo. Nem me olha daquele jeito... Eu estou ficando maluca, Nana! — ela colocou as mãos no rosto, apertando seus olhos. — Eu não quero que ele vá embora daquela escola, eu quero que ele fique. Eu quero que ele permaneça na minha sala, que me olhe daquele jeito que só ele sabe, mas ao mesmo tempo...
— Tenho certeza que ele não vai ser expulso. Ele não quebrou nada dessa vez não é? — ela negou. — Não tem motivos. Fica tranquila, chérie. Acho que semana que vem ele já está na sua sala, como sempre.
— Nana? — a chamou e a mulher a encarou. — Não conte para o meu pai que eu te contei isso... Eu não quero que ele saiba o que aconteceu, tudo bem? — Como você quiser, chérie.
A mulher deu um beijo de leve na cabeça da garota, desejando que ela dormisse bem e se retirou. A confusão na cabeça de estava deixando-a exausta e ela não viu alternativa senão abraçar Merlim e dormir.


***

sentia seu coração acelerar à medida que a noite caía. Ficar suspenso por dois dias mais o final de semana era preocupante, pois além da falta imensa que sentiria de , seu pai cairia matando em cima dele. Cada minuto que passava, ele sentia seu medo crescer porque sabia que o pai surtaria e com certeza o espancaria. Maldita hora que não se controlara. Devia ter implorado mais um pouco à Emília Ohara para não suspendê-lo. Mas foi uma grande sorte ser apenas uma suspensão e não uma expulsão.
chegar em casa, sua mãe nem havia percebido nada, pois ele havia chegado na hora de sempre depois da aula. A imagem de ainda estava fresca em sua mente, mas ao encontrar sua mãe preparando o almoço e fazendo mil planos para receber amigas em casa no dia seguinte, ele percebeu que não poderia esconder que havia sido suspenso. Na hora do almoço, despejou a suspensão para a mãe, contando seu “pequeno” surto na sala de aula. Pelo menos os detalhes mais precisos.
! Você enlouqueceu? Não pode desafiar um professor, ainda mais correndo o risco de expulsão! — ela falava alto, indignada, e apenas cerrava os olhos não acreditando que ela iria defender outra causa a não ser ele. — O que seu pai vai dizer quando chegar e souber que você tomou uma suspensão na segunda semana de aula? Ele vai acabar com você!
— Não tem como você me dar uma força? — perguntou suplicante à mãe que mordeu o lábio inferior. — Quero dizer, eu queria muito que a senhora o impedisse de me agredir... Eu odeio quando ele faz isso.
Anabell olhou para suas mãos. Ouvir o filho pedir por ajuda dessa forma a matava por dentro, mas ela tinha tanto medo de Marcius que não teria coragem de enfrentá-lo nem que fosse para defender o filho. Sabia que estava errado, mas sentia uma tristeza enorme pelo filho ser agredido quase sempre pelo marido violento.
— Eu prometo que vou tentar. — disse sincera segurando a mão do filho. — Eu... Eu não posso enfrentá-lo, mas eu tento correr o risco por você. — sorriu agradecido para a mãe, mas mesmo assim sentia-se nervoso e com medo. Sabia que seu pai não mediria esforços em castigá-lo, mas quem sabe se sua mãe intercedesse por ele... Quem sabe o pai o deixaria em paz.
Seu quarto ia ficando cada vez mais escuro e ele não se atrevia a levantar-se da cama por nada no mundo. Estava se sentindo como um verdadeiro covarde. Ele não sentia medo de seu pai. Na verdade o que lhe deixava apavorado era a agressividade que seu progenitor aplicaria a ele. Todas as vezes em que ele saía um dedo da linha, seja recebendo uma detenção, suspensão ou uma nota baixa na escola, seja irritando o pai sem querer, seja respirando, o pai o agredia. E as agressões eram completamente violentas e cometidas sem dó. A sua grande sorte é que Emília Ohara não ligou avisando da suspensão e, mesmo com seu ódio enorme pela diretora, naquele momento ele a agradeceu silenciosamente por não ter ligado. Mesmo que fosse apanhar da mesma forma, pelo menos uma ligação da diretora não complicaria ainda mais a sua vida. Em meio à luz da lua que adentrava seu quarto, ele podia contemplar a cicatriz permanente em seu braço, abaixo do pulso. Lembrou-se do dia em que seu pai havia chegado em casa com uma raiva tão grande que ninguém entendia. Anabell tentou contê-lo, mas não tinha nem um terço da força que o marido. Foi apenas questão de aparecer, acidentalmente, em sua frente e ele atirou o menino brutalmente em seu quarto pequeno, segurando uma adaga afiada e penetrando-a na pele branca do braço do garoto. A dor que sentiu aquele dia foi a pior dor física da sua vida. Parecia que suas veias iriam se romper todas, o que causava uma queimação horrível em seu braço e pulso. O corte havia atingido uma ligação de veias e o sangue jorrava como uma cachoeira e, em menos de dois minutos, o lençol de sua cama já estava sujo de grossas gotas que caíam do corte aberto. Aquele dia foi de longe um dos piores da vida de , pois ele perdera tanto sangue que precisou ficar internado por um dia e uma noite no hospital do centro da cidade e o que mais lhe machucava era que sua mãe o proibiu de contar à polícia que sofreu uma agressão de seu pai, portanto todos acreditavam que ele havia se cortado de propósito. Sentia-se mal só de pensar em cometer tal ato. Não aprovava os cortes nos pulsos ou em qualquer lugar que poderia ser considerado proposital, mas não opinava sobre o assunto. Ele apenas queria ter contado a verdade para ver se, pelo menos daquela vez, o pai pagasse pelas injustiças que fazia. Ao fitar aquela cicatriz ele sentia ódio. Sentia-se capaz de ferir seu pai com a mesma adaga que um dia o cortou para que ele sentisse a mesma dor que ele sentiu. Sua cabeça dava voltas, ele sentia tontura e nervoso. Não queria ter que passar por mais humilhações em sua vida. A rejeição imposta pelas pessoas da escola já era o suficiente para que ele se sentisse insignificante no mundo. Pior do que isso era ser rejeitado por seu pai, que deveria amá-lo, apoiá-lo, aconselhá-lo, ser amigo... Mas ao contrário do que ele pensava, em vez de conhecer o amor de pai, ele conheceu o ódio, conheceu a dor, a tristeza.
Sentia inveja das pessoas que tinham a vida perfeita, a casa perfeita, os pais perfeitos... Talvez seja por isso que ele odiasse tanto as pessoas do colégio, porque além da arrogância de ambos, ele via que a vida da maioria ali era muito fácil, muito simples enquanto que a dele era um verdadeiro inferno. Sua garganta estava seca e tudo o que ele queria era poder ir à cozinha tomar um copo d’água sem que corresse o risco de seu pai chegar e o espancar ali mesmo. Deixando de lado toda sua apreensão e medo da dor que sentiria assim que a palma da mão de seu pai encontrasse seu rosto e seu corpo, ele abriu a porta do quarto, mas bastaram apenas cinco passos para ele ouvir a voz de sua mãe suplicando por ele.
— Ele não tem culpa, Marcius! — dizia Anabell e até podia imaginar a expressão de sua mãe ao encarar o marido. — Ele é só um menino. Quem nunca levou uma suspensão na vida?
— Você fala como se fosse a primeira suspensão da vida dele. — a voz de seu pai soava alta e ele fechou os olhos. — Esse moleque folgado me trouxe, só no ano passado, mais de cinco suspensões e agora você está me dizendo que ele simplesmente foi suspenso na segunda semana de aula? Você acha isso normal, sua idiota? Isso é o fim para quem paga aquela porra de escola cara para o maldito filho não ser mais uma mula ignorante no mundo!
— Não fale assim dele, Marcius, porque se você parar para pensar, aquele garoto é mais inteligente que nós dois juntos e isso não é somente por mérito de uma escola cara! Ele se dedica, se esforça...
— AH É MESMO? Então me explica porque aquele incompetente repetiu o terceiro ano novamente? E porque ele recebeu uma porra de suspensão no início das aulas? — sua mãe parou de falar e ele sentiu o suor descer por seu rosto. — Eu vou atrás desse infeliz e ensiná-lo a se comportar da maneira correta.
— Não! Marcius, deixe o garoto quieto, pelo amor de Deus... — Anabell agarrava o braço do marido tentando levá-lo para longe do corredor dos quartos, mas o marido estava irredutível. Com uma súbita coragem adquirida na última hora, apareceu na sala ficando frente a frente com Marcius . O corpo forte do pai parecia dez vezes maior, mas ele não sentia mais medo. Teria que parar de pensar na dor e enfrentar seu pai como o homem que ele era. Não poderia fugir como uma criança. Tinha maturidade e idade para enfrentar as injustiças da vida, dar a cara a bater e no fundo ter a esperança de que um dia passaria por cima de toda aquela dificuldade.
Anabell fitava os dois com os olhos pesarosos. Enquanto o olhar de Marcius queimava o filho, o garoto o fitava com tal firmeza que o mais velho se sentia levemente afrontado. Como aquele garoto imprestável ousava encará-lo daquela forma? Ele não teria coragem de peitá-lo.
— Eu te dou apenas três segundos para você entrar na porra do seu quarto antes que minha mão desça bem no meio da sua cara. — o pai falou com a voz tremendo de nervoso e seu rosto ficava vermelho à medida que seu olhar pesava sobre o menino.
— Eu não vou sair daqui. — falou entediado encarando o pai com a sobrancelha arqueada. — Se quiser me bater, pode bater. Mas saiba que um dia eu te retorno tudo aquilo que você me fez. — Insolente, como você ousa? — e a mão pesada do homem atingiu com força o rosto branco do garoto, que cambaleou para trás pela força aplicada.
Os gritos suplicantes de Anabell eram apenas mais um som em meio aos tapas e chutes que recebia no rosto, nas costelas e em seu estômago. Parecia que seu corpo estava sendo perfurado por mil facas de todos os lados. Seu nariz sangrava com força e ele sentia sua cabeça girar à medida que seu estômago era atingido por socos fortes e sentia sua respiração falhar quando recebia chutes nas costelas, conseguindo escutar e sentir o estalo que ambas faziam pelas pancadas fortes. Seus olhos estavam fortemente fechados. Ele se recusava a gritar pela dor que sentia, se recusava a demonstrar o quanto seu corpo estava sofrendo pela surra.
— Tem coragem de me peitar agora, seu moleque imbecil?! Levanta desse chão e tenta acertar a minha cara do mesmo jeito que estou fazendo com a sua. — o homem gritava de mais, no intuito de ferir também a audição do garoto.
Mas não se mexeu. Permanecia encolhido sentindo sua respiração falhar, seu nariz jorrar sangue e arder, seu rosto queimar, o estômago revirar em voltas rápidas e enjoativas.
Assim que seu pai deixou a sala, sentiu os braços de sua mãe o tocar com angústia e dor. A mulher chorava e passava as mãos pelos cabelos do filho, pelo corpo dolorido, pelos braços vermelhos e não se perdoava por deixar seu marido espancar o seu menino daquela forma.
— Me perdoe, meu amor. — ela sussurrava no ouvido do garoto imóvel, que fitava o chão da sala esperando sua respiração voltar ao normal. — Eu sinto muito... Eu não queria que isso acontecesse com você, meu pequeno. Desculpe.
— M-mãe... — o garoto falou com um fio de voz e Anabell o olhou com os olhos vermelhos. — Eu... Me tira daqui. — falava pausadamente, tossindo, e de sua boca saía um pouco de sangue. — Eu estou... Enjoado.
— Calma, meu bem. Mamãe vai te levar, fica calmo. — a mulher teve um trabalho imenso de erguer o filho em seus braços magros.
era musculoso e pesado, o que deixava a mãe numa situação bastante difícil de carregá-lo, principalmente quando o corpo dele estava todo machucado e ele não conseguia firmar os pés no chão. O garoto tossia com força colocando grossas gotas de sangue para fora e, com dificuldade, chegaram ao quarto do garoto onde a mãe o colocou em cima da cama, mas logo teve que carregá-lo para o banheiro onde o garoto vomitou fortemente colocando sangue para fora de seu corpo. Anabell acariciava as costas e os cabelos do garoto com a intenção de diminuir o sofrimento dele, mas sentia seu coração apertar a cada vez que o garoto forçava o vômito. Temia ter de levá-lo para o hospital se ele continuasse a passar mal e apenas orou com toda a sua alma para que o filho amanhecesse livre do enjoo e da falta de ar.
Depois de minutos em que passou diante do vaso, Anabell o levou até a pia onde limpou a boca do garoto e molhou seu rosto marcado indo para o pescoço, para livrá-lo do mal estar. O garoto estava tonto e sua consciência pesava no que ocasionava o sono que ele sentia. A mãe o deitou na cama de modo que ele não reclamasse da dor constante em seu corpo. A última coisa que ele viu antes de fechar os olhos foram os olhos azuis e o sorriso encantador de e, em meio a todo o sofrimento e dor, ele pôde dormir tranquilo.

*Ma petit: Minha pequena.



VI. The Addiction That Leads to Persecution


As dores em seu corpo estavam deixando-o completamente maluco. Suas costelas vibravam a cada movimento que ele fazia na cama e seu estômago tremia dentro de seu corpo, deixando-o realmente enjoado. Seu rosto ardia quando ele encostava-se ao travesseiro e seu nariz pinicava ardentemente. Ele estava todo arrebentado. Parecia que a dor se misturava ao seu sangue e corria livre por suas veias fazendo todo o corpo se contorcer sobre a cama. Suas costas doíam como o inferno, sua cabeça explodia a cada segundo e tudo o que ele queria era se livrar de todo aquele sofrimento.
Ao lembrar-se da surra que levou a noite passada, ele sentia cada vez mais ódio e nervoso. Não achava justo apanhar daquela forma sendo que o culpado de tudo dar errado na vida dele era o próprio pai que o menosprezava. Ele não seria vulnerável a surtos nervosos em meio à sala de aula se a vida dentro de sua casa fosse melhor. Ele não se descontrolaria se o imbecil do professor de Geografia não o tivesse perturbado com palavras acusadoras. Ele não teria gritado para todo mundo ouvir se aqueles garotos imbecis não estivessem falando da sua garota.
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Lembrar-se dela no momento em que sofria tanto era terrível, mas o acalmava tão bem quanto a cocaína o acalmaria. A imagem de seu rosto pequeno e bem formado sorrindo para ele era como um bálsamo em meio às feridas físicas e mentais que havia sofrido. A delicadeza de seu jeito era o que deixava mais do que bem no mundo. Até a dor de seu corpo não o afligia tanto quando se lembrava da garota. E ali, deitado, olhando para o teto com seus olhos roxos, ele se lembrou de que há essas horas ela deveria estar na sala de aula com os mais novos amigos, se divertindo, sorrindo, contando as novidades e falando de seu... Namorado.
Droga.
No dia seguinte iria encontrar-se com o tal namorado enquanto ele estava acamado, sem ter possibilidade de levantar-se sequer para tomar um pouco d’água. Ele não poderia permitir. Não quando ele corria o risco de ter que abrir mão da única garota que o prendera naquela droga de vida. Ele teria que se levantar e planejar tudo para poder impedir o encontro. Mas como se levantaria e o que faria para que a garota não encontrasse o namorado idiota? Ele não queria saber. Ele apenas queria se levantar da maldita cama e fazer alguma coisa para adiar aquele encontro. E além de querer elaborar um plano que não falhasse, ele queria vê-la. Ele não aguentaria ficar dentro de casa bolando um plano só com a lembrança de seu rosto, de seus cabelos... Só com a lembrança dela. Ele não queria. Ele iria levantar-se daquela cama e dar um jeito de ir até a escola para, pelo menos, vê-la sair do período da aula, pelo menos ver se ela havia ido para a escola.
Ao forçar seu corpo para fora da cama, ele sentiu como se todos os ossos de seu corpo tivessem se quebrado. A dor que o atingiu era tão forte que ele teve que parar o movimento para controlar a respiração que queria ruir. Respirava fundo e soltava o ar com força enquanto sentia os pulmões trabalharem dolorosamente para que ele respirasse melhor. Suas costelas doíam tanto que seus olhos queriam revirar-se nas órbitas, mas ele tinha que ser forte. Por , ele tinha que levantar daquela cama e também por ele mesmo. Ao se colocar de pé, tornou a cair de volta na cama pela fraqueza constante que sentia nas pernas. Mesmo doendo muito, ele mexeu a perna para que se acostumasse à locomoção e então ele tornou a levantar-se sentindo mais firmeza, porém muito mais dor. Arrastou-se até o banheiro e deu de cara com sua aparência deplorável pelo espelho. Seus cabelos estavam completamente bagunçados, mas nada comparado ao estado de seu rosto. A palma da enorme mão de seu pai havia ficado marcada em sua bochecha e estava vermelha, caminhando para um roxo leve. Seus olhos tinham grandes bolsas escuras ao seu redor e o nariz estava vermelho e havia sangue seco por dentro dele. Ao mexer levemente o nariz, ele sentiu uma dor de cabeça insuportável e amaldiçoou seu pai de todas as formas por tê-lo debilitado daquele jeito. Segurou com força no mármore da pia esperando que a dor de cabeça diminuísse para que pudesse despir sua roupa com cuidado e tomar um banho quente. Assim que a dor diminuiu um pouco, ele se desfez de sua bermuda deixando-a cair aos seus pés. Fez a mesma coisa com a boxer branca, mas o mais difícil foi tirar a camisa sem que grunhisse de dor. Enquanto retirava a blusa, ele sentia como se todo o seu corpo fosse desabar no chão a qualquer momento. Ignorando a dor em suas costelas, ele se despiu da camisa e entrou no banheiro sentindo o corpo inteiro reclamar.
Ao abrir o registro, um jato de água quente e pesada caiu sobre suas costas e ele gemeu de dor. Se até a água do chuveiro estava machucando-o, o que seria dele ali para frente? Para que se sentisse totalmente curado, ele teria que ficar no mínimo dois dias de repouso absoluto. Mas não poderia se dar a esse luxo. Ele estava se acabando de dor, mas também a saudade de o consumia por dentro. Ele precisava vê-la novamente nem que fosse a última coisa que ele faria na vida.
Ensaboava seu corpo com lentidão procurando não sentir tanta dor, mas era impossível. Vendo-se ali, completamente nu, ele conseguia ver com mais nitidez as marcas roxas que contornavam suas costelas, o inchaço na área de seu estômago e várias outras marcas que foram distribuídas dolorosamente por sua pele alva. sentiu seus olhos arderem à medida que as lágrimas começaram a se misturar com a água do chuveiro. Ele queria tanto que sua vida mudasse. Queria tanto que alguém entrasse nela e a virasse de cabeça para baixo, para ver se assim tudo voltava ao seu lugar como sempre deveria ser. Não aguentava mais o tanto que sofria na mão de seu pai, o tanto que sofria por seus ataques nervosos e momentos de insanidade. Ele queria viver uma vida normal, uma vida em que o destino fosse seu amigo e não o pior inimigo. Se apenas com dezenove anos ele sofria tão intensamente, quanto tempo mais de sofrimento ele teria que aguentar? Às vezes pensava seriamente que iria morrer aos vinte e um anos. Talvez por um acidente, um ataque do coração ou até mesmo um suicídio.
Antigamente, pensar em suicídio o fazia se sentir bem melhor. Mas ao pensar na simples menção da palavra, ele contorcia sua expressão em negação. Suicídio estava fora de questão a partir do momento em que ele conhecera . Para que se matar se somente pensar nela o libertava de toda a angústia da sua vida? Ali, debaixo daquele chuveiro com a água caindo forte em seu corpo dolorido, ele percebia que, independente da dor que ele sentia, do sofrimento que ele passava, o que o acalmava mais do que o pó era . O que diminuía a dor de sua alma era pensar na imagem angelical e infantil de seu rosto, em sua inocência, timidez, bochechas que coram por qualquer motivo... Ele não poderia perder esse privilégio de estar ao lado dela constantemente, todos os dias, todas as horas, todos os minutos...
Saiu do banho caminhando lentamente, a toalha enrolada em sua cintura. Seus cabelos pingavam gotas d’água que desciam deslizando por seu corpo másculo e forte cheio de hematomas perdendo-se pelas entradas abaixo de seu umbigo. Sentou-se com dificuldade na cama, sentindo suas costelas estalarem com força e seu estômago reclamar, provavelmente machucado. Respirou fundo enquanto estendia a mão para pegar uma toalha de rosto na gaveta de seu criado-mudo, logo enxugando o rosto e os cabelos, deixando-os completamente bagunçados. O movimento de respiração de seu corpo causavam espasmos doloridos e ele pensava seriamente em ficar em casa para se recuperar, mas a imagem de na escola sendo cercada por garotos idiotas e tarados, a imagem de sua pequena boneca sendo beijada por outro cara o fez mudar de ideia na hora. Não era questão de ele querer ir vê-la. Era questão de necessitar, precisar.
Mesmo o corpo reclamando, implorando para ficar deitado, ele foi em direção ao seu armário puxando a primeira roupa que via pela frente. Por sorte, a roupa que escolhera escondia todos os hematomas em seu corpo que poderiam ser visíveis. A camisa branca de manga comprida era leve -no corpo, o que não afetava o inchaço presente. A bermuda que escolheu também era de tecido leve, o que o deixava confortável ao andar em passadas lentas. Assim que havia passado um pouco de desodorante e perfume em seu corpo, ele se olhou no espelho do quarto e seus olhos se fixaram em seu rosto vermelho e os olhos roxos. Teria que esconder aquela aparência de surra ou então sair na rua seria perda de tempo. Voltou ao armário pescando de lá uma caixa que guardava seus óculos escuros. Colocou-os no rosto e por mais que o vermelho da bochecha ainda aparecesse, sua aparência ficara melhor do que sem os óculos.
Ao sair de seu quarto, consultou o relógio de seu celular e viu que faltava ainda uma hora e meia para acabar a aula. Era bom, pois ele teria que andar devagar e até chegar à escola na velocidade que ele andaria, ele precisaria exatamente desse tempo. Trancou a porta pelo lado de fora e guardou a chave e o celular no bolso da bermuda. Teria que dar um jeito para sair sem que sua mãe soubesse. Assim que caminhava pelo corredor em passos lentos e mudos, ele escutou a voz de sua mãe do quarto de casal e ela parecia bem animada.
— Ah! Eu fiz algumas coisas para quando vocês chegarem. — espiou a fresta da porta e a viu dobrar algumas roupas de costas para ele enquanto falava pelo celular. — Tem aquela torta de frango que você e adoram. Infelizmente, acho que ele vai ficar o dia inteiro no quarto hoje, pois não passou muito bem a noite. — ele percebia o quanto sua mãe forçava para dizer aquelas palavras. — Não, Charlotte. Graças a Deus ele está melhor... Foi só uma falta de ar e enjoo...
Não aguentando mais ouvir sua mãe falar sobre ele para as amigas, ele aproveitou a deixa para atravessar a cozinha e a sala indo em direção à porta da frente de casa. Abriu-a com cuidado e se colocou para fora, tentando andar um pouco mais rápido apenas para se distanciar de sua casa e da possível vista de sua mãe. Conforme ele tentava caminhar mais rápido, as dores em seu corpo aumentavam e a falta de ar lhe assolava aos poucos, deixando-o cansado e suado. Teve que, por obrigação, diminuir os passos se quisesse chegar pelo menos um pouco inteiro na escola.
Caminhava lentamente às vezes tendo que parar para descansar o corpo que latejava conforme a escola chegava mais perto. Se de moto ele chegava normalmente de dez a quinze minutos, caminhando ele levaria uns trinta, porém ele estava se arrastando, o que levaria mais de uma hora e ao olhar o relógio do celular no bolso de sua bermuda, ele viu que faltavam apenas vinte minutos para a aula terminar e ele ainda estava a três quadras de distância da escola. Mesmo lutando contra a dor, ele acelerou o passo e depois de longos quinze minutos de esforço, ele conseguiu avistar os portões da escola sendo abertos por dois seguranças e logo a sineta fez-se ouvir por seus ouvidos.
Aproximou-se de uma árvore na calçada oposta à escola e ficou na espreita olhando cada pessoa que saía do prédio. Mordia o lábio inferior com força apenas pela expectativa de ver novamente, mesmo que de longe. Dez minutos mais tarde, ele a viu acompanhada do grupo de sempre, conversando, sorrindo e saltitando. Ele sentiu um aperto no coração pela saudade e tudo o que ele mais queria era ouvir sua voz doce novamente. Mas como? Como uma resposta à sua súplica, se dispersou do grupo e atravessou para a calçada onde estava e Britney Heigns veio atrás.
— Tem certeza que você não quer que eu te deixe em casa? Não daria trabalho algum... — a loira começou e sorriu negando.
— Não se preocupe, Brit. Eu realmente quero ir andando hoje. Sei lá, estou precisando esfriar a cabeça. — a garota encarou com o olhar duvidoso, mas a menina sorriu calorosamente em resposta. — Estou falando sério, pode ir tranquila. O que mais pode acontecer comigo? Ninguém vai me seguir, não.
Britney abraçou a menina logo indo em direção ao seu carro. ficou parada na calçada olhando por onde a amiga havia ido e passou a pensar. “O que mais pode acontecer comigo?”, “Ninguém vai me seguir, não”...
Seguir...
Por que essa palavra tinha um gosto tão bom? E por que ela era tão tentadora naquele momento?
Assim que o carro de Britney Heigns sumiu de vista, suspirou e passou a caminhar para o lado oposto ao de . E ali, olhando-a se afastar, ele decidiu. Seguiria até a casa dela. Descobriria onde ela morava e ficaria ali observando-a o tempo que fosse preciso. Não importava mais a dor latejante em seu corpo ou a falta de ar ou o enjoo... Ele apenas queria segui-la para onde ela fosse. E daí que se fosse um lugar longe? Ele iria.
A menina andava dispersa pela rua e, para a sorte de , ela andava devagar muito provavelmente pensando. Ele tentava entender porque ela não havia ido de carro para a escola aquele dia, mas não questionava. Apenas a seguia. Não estava no encalço da garota, mas não a perdia de vista por nada no mundo. O vento naquela faixa do meio-dia estava forte e ele via os cabelos longos da menina serem chicoteados para todos os lados, a saia vermelha do uniforme ser balançada pelo vento e pelos movimentos dos passos dela, a blusa social justa e transparente deixando-o ter uma breve noção da maciez da pele clara de suas costas, a curva acentuada de sua cintura, o cheiro natural de seu corpo...
Talvez pelos pensamentos elevados ou por forçar seu corpo machucado a andar, ele não saberia dizer, o suor descia por sua testa, deslizando por seu rosto arroxeado e se perdia no tecido da camisa de malha leve. Estariam andando há pouco mais de dez minutos em linha reta e ele não via a hora de descansar seu corpo dolorido. Em alguns momentos quando ele estava realmente perto da garota, ele parava e ao mesmo tempo descansava suas pernas que reclamavam de dor. Respirava fundo buscando forças dentro de si, mas quando via a garota cada vez mais longe, ele se forçava a caminhar mais rápido para não ter a possibilidade de perdê-la de vista.
Mesmo com todo o sacrifício imposto a si mesmo, ele conseguiu chegar tão perto de que pôde sentir o cheiro de seu perfume que era espalhado pelo vento. E então ele ficou ainda mais viciado. O cheiro doce de morango invadiu suas narinas e mesmo com o nariz ardendo, ele inspirava aquele odor e guardava dentro de sua mente. Instintivamente, seus olhos se fechavam por alguns segundos à medida que o cheiro permanecia no ar. Ele não saberia dizer o quanto ele queria passar a ponta do nariz pelo pescoço de e inspirar aquele cheiro de perto. Teve que segurar o impulso de simplesmente agarrá-la e beijá-la ali mesmo. Sim, ele queria beijá-la. Queria beijar toda a extensão de sua boca pequena, beijar seu pescoço perfumado, sua pele macia, sentir suas curvas sob suas mãos e lábios, sentir o gosto de seu corpo...
Como ele deixara isso acontecer? Estava realmente se apaixonando por ou isso fazia parte do vício que ele adquiriu pela garota? Ou tudo era a mesma coisa? Sua cabeça girava e a única coisa que ele sabia e conseguia distinguir era o quanto ele a queria, o quanto o incomodava vê-la recebendo olhares masculinos na rua, o quanto ele não suportava sentir aquele perfume trazido somente pelo vento... A confusão de sentimentos em sua cabeça estava deixando-o nervoso, mas ele também já não sentia tanta dor no corpo. Estavam caminhando há bastante tempo e só se deu conta quando seu celular vibrou no bolso da bermuda. Tirou os olhos brevemente de para encontrar duas chamadas perdidas de sua mãe e sem fazer nada a respeito, simplesmente guardou o celular de volta no bolso. Dez minutos mais tarde, ele estava em rua onde havia ido apenas três vezes na vida. Era uma rua onde havia somente casas imponentes de pessoas muito provavelmente ricas. caminhava pela rua despreocupadamente e , embora soubesse que a menina tinha muito dinheiro, nunca se imaginava estar ali nem que fosse a passeio, muito mais seguindo alguém. E antes que ele se sentisse inferior por demais àquela realidade muito distante da sua, ele viu a menina cruzar os portões de uma casa branca.
Para ver melhor, ele atravessou a rua e parou escondido atrás de um carro de frente a casa onde ele viu um segurança que estava dentro de um gabinete pequeno controlando os portões brancos enormes conversar com e logo ela adentrar a mansão seguindo um caminho até a grande casa branca mais à frente. Ele retirou os óculos escuros para enxergar melhor enquanto a garota adentrava a casa e sumia de vista. Assim que ela entrou, ele olhou tudo ao redor.
mora aqui? Nessa casa?” perguntava a si mesmo. Ele voltou seu olhar para a casa onde a menina havia entrado e ele conseguia enxergar, mesmo que de longe, algumas pessoas andando por ali com roupas trajadas de trabalho. Ele tentava acreditar que a garota por quem estava interessado era tão rica quanto ele sequer imaginava, que ela morava em uma casa pra lá de luxuosa, com seguranças e empregados andando para todo o lado, sem falar que o pai era simplesmente muito bem renomado não somente na escola onde ele estudava. Ele ouvira falar muito sobre Héricles e seu patrocínio em cursos educacionais, de autoajuda e alfabetismo em toda a cidade. Tinha uma vaga noção de como seria a vida do homem e de sua família, sua vida financeira, consolidações entre casa e trabalho, mas a realidade aos seus olhos era muito diferente do que imaginar.
vinha de uma família pobre, seus pais não tinham muito dinheiro e sua casa era somente um sobrado de dois andares e mesmo assim era tão pequeno que mal cabia as coisas que eles possuíam. Seu pai era o único que trabalhava na casa. Era gerente de uma loja de móveis e mesmo que ganhasse bem, não era o suficiente para manter-se em condições melhores. Sua mãe não conseguia arranjar emprego em lugar algum por estar afastada do cargo de arrumadeira há muito tempo. O currículo de Anabell estava tão fracassado que nem mesmo uma pensão a contrataria para trabalhar fixo, o que ocasionava a revolta de Marcius , que gostaria de esbaldar de seu dinheiro com mulheres, bebidas e quartos caros de motéis.
O colégio de era caríssimo, mas depois de muito sua mãe insistir, seu pai concordou em pagá-lo desde que o garoto mostrasse que valesse à pena. Por mais que ele sempre desse problemas na escola, suas notas eram excelentes, porém no ano anterior, ele repetiu por estar cansado da escola. O preconceito que sofria por vir de uma família pobre, um lar conturbado e difícil era muito mais pesado do que ele poderia aguentar. Ninguém demonstrava sequer um pingo de compaixão ou de querer ajudá-lo quando ele surtava de repente, quando ele era terminantemente ofendido pelas pessoas, quando ambos colegas de classe os tachavam de maluco. Que coisas horríveis não deviam ter dito dele para quando ele surtara daquela maneira na sala de aula? O que será que a menina estava pensando dele agora?
E ali, parado em frente à mansão , ele percebeu o quanto era impossível um relacionamento entre ele a garota. As duas realidades eram tão diferentes que chegavam a ser gritantes. era pobre, humilde demais, problemático demais, sofria demais, tinha uma mãe medrosa que apanhava inescrupulosamente de seu pai que era violento demais para que ele se assegurasse de que sua futura namorada, tão quebrável como , seria bem tratada perante ele.
A vida de era muito diferente da dele. Ela, com certeza, não deveria conhecer o sofrimento como ele. Criada numa casa daquelas, com um pai rico daqueles, com certeza teria uma mãe amorosa que, ali naquele momento, estava abraçando-a dizendo que sentiu saudades da garota enquanto ela estava na aula. Com todo aquele jeito meigo, carinhoso e educado que ela tinha com as pessoas era claro o quanto ela deveria ser amada dentro daquela casa.
A pergunta que mais o incomodava era: “O que uma garota com esse tipo de vida vai querer comigo? Um garoto completamente perturbado, cheio de problemas, desleixado e pobre?”.
O que, afinal, iria querer com ele? Ela já tinha um namorado que, com certeza, era rico, bonito, independente e daria todo o amor que ele, por não ter recebido tal sentimento, não saberia como dar à garota. Ele abaixou os olhos olhando para o chão e sentindo sua alma se entristecer aos poucos. Será que nem uma namorada como , não pela riqueza, mas pela forma de ser, ele teria um dia? Será que ele nunca seria feliz na vida? Teria que sofrer os abusos de seu pai, o silêncio de sua mãe e o preconceito por ser apenas mais uma pessoa que não suporta o peso de uma cruz?
Antes que ele pudesse se convencer a ir embora e deixar em paz, ele a viu saindo de casa e então seu coração começara uma guerra tremenda contra a sua mente. “Mas ela é tão linda... Não tem como não deixar de olhá-la nem por um segundo”. A menina usava uma blusa rosa com o símbolo infinito em cor preta e o short jeans claro desfiado era quase que coberto pela blusa. Seus cabelos estavam presos num coque desajeitado que a deixava ainda mais... . Ela passou pelos portões sorrindo abertamente para o segurança e logo andava para o lado onde estava. Ele arregalou os olhos ao vê-la atravessar a rua e chegar tão perto dele, que ele até havia prendido a respiração. Ele colocou os óculos depressa e pegou seu celular buscando distrair-se com o objeto.
Assim que ela chegou quase que em sua frente, ele sentiu o coração batendo com tanta força que temia que ela o escutasse. Mantinha seu rosto baixo, mas seus olhos estavam na figura que se aproximava e o encarava com as sobrancelhas juntas em curiosidade. Por meio desse olhar, ele pensou que havia sido descoberto, mas para o seu alívio, a garota passou direto, apenas deixando para trás o aroma doce de morango. Ele inspirou o perfume tão forte que até pode sentir o gosto doce em sua boca e automaticamente ele passou a seguir a menina quando ela já estava consideravelmente longe dele.
As dores em seu corpo nem o incomodavam mais, o odor do perfume o inebriava e ele se esquecia do mundo completamente. A única coisa que ele queria e pensava era em segui-la até onde ela fosse, velando por sua inocência, por sua sutileza... Como se fosse um guarda-costas. E quando ela voltasse para casa, ele estaria acompanhando-a até deixá-la segura em sua casa e assim poder sonhar com seu dia doloroso, mas ao mesmo tempo feliz.
foi para um parque onde tudo era muito bem cuidado, desde a grama até as flores que enfeitavam o lugar. A realidade da vida de havia se dissipado por completo aquele dia ao seguir a garota. Talvez ela fosse tão zen por conta da vida que ela deixava mais colorida, enquanto que tentava viver com o cinza e o escuro. A menina sentou-se na grama e puxou um livro abrindo-o e começando a ler. De onde ela havia tirado aquele livro não sabia, mas vê-la ali sentada com as pernas cruzadas, o coque caindo levemente por sua nuca, a atenção que ela colocava no livro, tudo não fazia o menor sentido. O único sentido era . E ela estava tão aleatória a todos em sua volta que nem percebia o quanto atraía os olhares de todos os tipos, inclusive das crianças que vez ou outra, jogavam a bola somente no intuito da menina devolvê-la com um sorriso perfeito no rosto. A cada momento ficava ainda mais encantado e mesmo tendo suas esperanças varridas pelo choque de diferenças entre eles, não queria deixar de estar ao lado dela nem por um segundo que fosse.
Durante horas ele permaneceu ali olhando-a enquanto a menina lia com atenção, mas logo foi interrompida por um pequeno garotinho loiro de, aproximadamente, uns cinco anos. O pequeno tinha as bochechas bem vermelhas e ficaram mais vermelhas quando falou algo no ouvido de . A menina sorriu alto e se aqueceu por dentro ao ouvir aquela risada que ele tanto gostava. Ela deixou o livro na grama, segurou a mão do garotinho e então pegou uma bola jogando para o menino, que pegava alegremente. Ao ver aquela cena, ele se apaixonou inteiramente pela garota. O modo como ela tratava a criança, o modo como a fazia sorrir, a maneira como as pessoas os olhavam com o brilho nas íris... Ele sentia seu coração bater tão forte que o sangue bombeava para todos os lados de seu corpo numa velocidade alucinante.
Minutos depois que a garota jogou com o menininho, ela o entregou para uma mulher loira que provavelmente seria a mãe, e voltou a ler o livro que continuou no mesmo lugar onde ela havia deixado. Assim que o sol estava se pondo e o parque diminuindo o movimento, a garota saiu limpando o short e fechando o livro com cuidado. Deixou o parque em passos ainda lentos e a acompanhava até quando a menina chegou em sua casa, o que já tinha anoitecido.
Eram quase oito e meia da noite e ele sentia seu estômago doer por não ter ingerido nada desde que acordou. A dor em seu corpo voltara e latejava como nunca deixando-o num torpor horrível, mas ele se recusava a sair da frente da casa da garota. Passou-se muito tempo em que ele ficara ali parado olhando as luzes acesas da casa, os empregados ainda caminhando pela noite e o segurança atento a tudo à sua volta. O cansaço em seu corpo estava quase o vencendo assim que ele viu que eram quase onze horas da noite. Ele estava há quase doze horas na rua, sem comer, sentindo dor, cansaço, desânimo, mas a tarde em que passou acompanhando valeu a pena todo o esforço. Ver o sorriso em seu rosto, a bondade com que ela tratava as outras pessoas, tudo nela o encantou aquele dia e ele não se via mais nem um dia longe dela.
Logo, um carro preto moderno adentrou os portões da casa parando em uma garagem pequena que ficava na lateral esquerda do lugar. Dali saiu um homem alto e forte trajando um terno escuro e carregava uma maleta prata em suas mãos. O homem cumprimentou o segurança de longe e, sem demora, entrou na casa, não saindo mais. deduziu que fosse Héricles , o pai da garota. Sentia sua cabeça explodir quando ele também viu o segurança sair, mas as luzes do gabinete pequeno ainda estavam acesas. Assim que o segurança saiu de sua vista, ele olhou para os dois lados da rua e atravessou com pressa. Chegou ao cubículo do segurança olhando tudo por dentro. Havia uma cadeira pequena e uma mesa abarrotada de papéis. A janela era de vidro escuro, mas com um pouco de esforço ele conseguiu abri-la e enxergar com mais clareza. Além dos papéis, havia várias canetas e lápis jogados pela mesa e uma xícara com um líquido amarelado fumegante. Curioso, segurou a xícara sentindo o cheiro da fumaça e concluiu que parecia ser algum tipo de chá. Ao lado direito do gabinete havia alguns botões que tinham os dizeres “porta da frente”, “porta da garagem dos fundos”, “porta dos fundos”. Antes que ele tivesse o ímpeto de apertar algum botão para ver o que iria acontecer, ele avistou o segurança chegando novamente e, depressa, fechou a janela e saiu em direção ao outro lado da rua.
Suando e tremendo, ele esperou torcendo para que o segurança não percebesse algum movimento suspeito e assim que a barra estava totalmente limpa, ele viu o segurança tomar o chá e as luzes da enorme casa branca se apagarem aos poucos. Visto que não tinha mais nada a fazer ali, ele tomou o caminho para casa.
Ele não sabia nem colocar em palavras o quanto ele ficou feliz por estar aquele tempo com , mesmo que indiretamente. Mesmo que ela nem tivesse a noção de que ele estava ali o tempo todo... Ele simplesmente amou. Nem a dor constante que sentiu o dia inteiro foi o suficiente para tirá-lo essa alegria. Apenas queria chegar em casa, com a expressão mais do que feliz e mostrar ao idiota do seu pai o quando ele estava contente. Nem a surra que havia levado foi páreo para a sua alegria em ter passado aquele dia ao lado da garota por quem seus sentimentos estavam ficando cada vez mais fortes.
Chegou em casa sentindo o cansaço se misturar com o corpo dolorido, mas nada foi pior do que os gritos que sua mãe lhe dera assim que colocou os pés dentro do sobrado.
— ONDE VOCÊ ESTEVE O DIA INTEIRO? — os cabelos médios da mulher estavam desarrumados e seu rosto estava branco como um papel. Os olhos úmidos revelavam que ela havia chorado e sentiu um resquício de culpa por não ter deixado nenhum bilhete avisando que iria sair.
— Mãe, desculpa eu...
— DESCULPA? , VOCÊ ESTÁ TODO ARREBENTADO! — ela gritava e puxava os cabelos. — SORTE SUA QUE SEU PAI NÃO CHEGOU AINDA, SENÃO VOCÊ IRIA APANHAR DE NOVO. O QUE VOCÊ QUER DA VIDA?
— ESPERA! — ele gritou e, mesmo a contragosto, a mulher se calou olhando-o com fúria. — Eu estou melhor. Eu estou me sentindo bem, eu juro. Eu apenas quis sair pra... Sei lá, ficar de boa.
— Ficar de boa? — a mulher sorriu irônica. — , você não é um irresponsável, poderia ter me deixado um bilhete avisando que sairia, o que custava?
— Eu esqueci, mãe. Foi mal, da próxima vez eu lhe aviso, prometo.
— Não será necessário porque não haverá próxima vez. Eu lhe proíbo de sair de casa amanhã. — ela disse sentando-se mais calma no sofá, porém estava estático. O coração do menino deu um solavanco enorme. Ele não poderia ficar em casa amanhã, justamente amanhã. iria encontrar o namoradinho amanhã e ele teria que impedir de alguma forma. Ele. Não. Podia. Ficar. Em. Casa. Amanhã.
— Mãe, por favor... Amanhã não. — ele suplicava, mas a mãe estava irredutível.
— Não tem essa. Você saiu o dia inteiro, está todo arrebentado, com roxos por toda a parte do corpo. Você precisa descansar porque segunda você tem aula e nem venha discutir — ela o impediu de falar algo assim que ele tentou abrir a boca.
— A senhora não entende! — ele falou mais alto sentando-se devagar no sofá. — Eu preciso sair amanhã. A senhora tem que me deixar ir, não pode me prender! Me prenda no sábado, mas amanhã não, por favor.
— Ah é? Então me dê um bom motivo para isso. — a sobrancelha da mulher arqueou-se em desafio e murchou.
Como se ele fosse realmente tolo de contar à sua mãe que precisava sair no dia seguinte para impedir um encontro de namorados.
— Pelo visto os argumentos acabaram. — ela disse ligando a televisão. — Está decidido. Amanhã você fica aqui em casa e não vai sair de jeito nenhum.

***

Era exatamente uma hora da tarde e ainda não se conformava que não poderia sair aquele dia. Seu corpo reclamava menos de dor e essa era a única vantagem. Seu olho sempre se direcionava ao relógio e seus pensamentos à garota que, além da perfeição de pessoa, cheirava fortemente a morango. Essas horas ela deveria estar em casa, pensando em como seria o seu encontro com o namorado à noite, com que roupa iria vestida, que penteado usaria no cabelo, que perfume cairia bem para a ocasião e... Que lingerie usar.
grunhiu só de pensar na possibilidade dos de e o namorado transarem aquela noite. Ele não suportaria vê-la beijando outro, imagine transando com outro. A imagem torturante de nua sob os braços de outro cara o deixava tinindo. Ele queria bloquear toda e qualquer imagem do tipo de sua cabeça, mas como ele poderia pensar que não aconteceria nada se ela estava tão feliz em encontrá-lo e que iriam se ver somente à noite? Nada o faria pensar diferente, a não ser que ele visse com os próprios olhos que eles não transariam. Mas como? Como se sua mãe estava fazendo plantão na porta de casa para que ele não saísse de jeito nenhum?
As horas se passaram lentas e demoradas, deixando-o num estado de quase tortura. À medida que a noite se aproximava, ele sentia seu coração sangrar, sentia o suor brotar na raiz de seus cabelos e descer por sua nuca, molhando seu corpo e sua camisa. Estava chegando tão perto de sua garota encontrar o tal namorado e ele não poderia fazer mais nada. Mordeu o lábio inferior sentindo-se patético e irritado. Ele teria que dar um jeito de sua mãe sair da porta para que ele saísse. Não podia mais se dar ao luxo de ficar deitado naquela cama enquanto entregava de bandeja a sua garota para que outro cara se aproveitasse, mesmo que esse cara já fosse namorado dela antes. E daí? Ele estava inteiramente interessado em e o tal namorado era só uma vírgula no meio da frase. Ele faria alguma coisa nem que tivesse que pular a janela e sair correndo.
Decidiu tomar um banho breve e colocar qualquer roupa para que pudesse sair. Ele não iria desistir de ir atrás de , nem que fosse a última coisa que ele fizesse. Assim que estava pronto, o relógio marcava dez horas em ponto. Seu pai havia chegado mais cedo e estava trancado no quarto enquanto sua mãe estava na sala quase caindo de sono. Ele espiou a sala pelo corredor e viu sua mãe desligando a televisão e as luzes, pronta para ir para o quarto. Ele correu para o seu quarto e deitou na cama embrulhando-se com o cobertor e fingindo dormir. A luz do quarto estava apagada, mas quando sua mãe abriu a porta, a luz foi acesa e ele fechou completamente os olhos. Sentiu a respiração da mulher em eu pescoço e logo um beijo foi depositado no topo de sua cabeça. Alguns segundos depois, a luz foi apagada e a porta fechada. Ele esperou até ouvir o barulho da porta do quarto de sua mãe se fechando e, sem delongas, saiu silenciosamente em direção à porta que levava a rua.
A noite estava ventilada e ricocheteava com seu rosto deixando-o levemente corado por cima do roxo que cicatrizava aos poucos. Conforme passou o dia inteiro deitado, seu corpo já estava mais disposto e as dores terríveis que sentira no dia anterior já estavam mais suportáveis, o que o deixava andar mais rápido.
Por mais que ele andasse quase que normalmente, a casa de era longe da sua e ele teria que correr se quisesse chegar a tempo de impedir alguma coisa. Eram exatamente vinte para as onze horas quando ele chegou, pingando suor, na casa enorme de . Fitou a rua inteira procurando algum sinal de que o favorecesse ou impedisse de cometer a loucura que estava prestes a fazer, mas não encontrou nada. Tudo estava escuro e vazio e apenas as luzes das grandes casas estavam acesas. Ele olhou para o gabinete do segurança e viu o homem escrevendo em um papel concentrado. Tomou essa oportunidade para se aproximar do cubículo. Se escondendo entre as árvores presentes na calçada da casa de , ele passou a vigiar o segurança com os olhos cintilando. O barulho do rádio que soava dentro do gabinete parecia um zumbido irritante, mas nem por isso ele se dispersou de seu objetivo. Antes que pudesse se movimentar para mais perto, um homem carregando uma vassoura se aproximou do segurança, que desviou o olhar dos papéis.
— Muito trabalho, hein Clóvis. — disse o homem que deduziu que fosse um faxineiro da casa. — Já são quase onze horas.
— Que trabalho nada! — o segurança exclamou abanando as mãos no ar. — Está ouvindo isso? — apontou para o rádio que tagarelava alto. — Jogaço, cara. Chelsea x Barcelona. — o faxineiro soltou um uivo de exclamação. — Já são quase onze horas? Preciso ir lá dentro...
— O que você sempre faz lá dentro às onze horas? — perguntou o homem colocando a vassoura ao lado do gabinete.
— Vou ao banheiro. Ficar aqui o dia inteiro cansa, sabia? Já preparei o meu chá...
— Isso são táticas de jogo? — o mais novo perguntou olhando os papéis que o segurança estava escrevendo. — Você é maluco.
— Fiz uma aposta do caramba favorecendo o Barcelona. Até parece que não vou montar minhas táticas de enrolar esse povo caso o time perder. — o faxineiro balançou a cabeça em negação. — Bom, vou ir ao banheiro. Daqui a pouco a filha do patrão chega e tenho que estar aqui.
— A menina ? — o segurança assentiu. — E onde ela foi? Outra festa de escola?
— Que nada. Ela está por aí se divertindo com o namoradinho. Deve chegar onze horas em ponto, pelo menos foi o que eu ouvi o Sr. pedir a ela.
— Entendi. Bom, estou indo embora. Meu expediente já acabou faz tempo. Tenha uma boa noite, Clóvis.
— Espera aí, cara. Não quer me cobrir aqui um minuto enquanto vou lá dentro?
— Imagina. Só se amanhã você varrer o quintal no meu lugar.
— Sem chance. Vou num pé e volto noutro.
E assim ambos os homens saíram juntos para dentro da propriedade e mordeu o lábio inferior. voltaria às onze e ponto? Mas eram sete para as onze... E isso significa que ela já estava com o namorado idiota, para seu desgosto. Mas ele daria a volta por cima e faria isso já.
Abriu a janela do lado de fora do cubículo e procurou pelos botões que ele vira no dia anterior. Apertou o botão da porta da frente e os grandes portões brancos se abriram. Por incrível que pareça, nenhum barulho foi ouvido assim que o portão estava totalmente aberto. Ele correu para dentro da casa, apertando novamente o botão para fechar as portas. Assim que o portão estava quase se fechando, ele viu faróis fortes pararem em frente à casa e se escondeu em uma pequena moita de flores que havia no jardim bem cuidado. Abaixou-se deixando apenas uma fresta de seus olhos à mostra.
Mesmo que enxergasse mal por conta de sua posição, ele viu um rapaz alto vestido numa roupa social bagunçando os cabelos enquanto contornava o carro para abrir a porta do passageiro. Ali ele o viu estender a mão para uma pequena menina que usava um vestido branco justo com um cinto preto circulando sua cintura fina. Os cabelos dela estavam soltos e as pontas cacheadas batiam abaixo de sua cintura. O sorriso dela era estonteante e o olhar para o namorado era sincero, coberto de paixão.
O garoto encostou seus lábios no pescoço da menina, que abraçou sua nuca passando as unhas médias em seu cabelo fechando os olhos brevemente. Ela sorria com alguma coisa que ele provavelmente estava falando e mesmo que o ciúme corroesse a pele de , ele queria muito ouvir o que eles conversavam. Logo, os lábios dos dois se encontraram num beijo lento e demorado, o que causou em uma grande decepção. Ele contemplava aquele beijo sentindo seu coração ser esmagado por várias pedras pesadas e depois pisoteado por centenas de pares de pés. O movimento das cabeças uma em direção da outra deixava-o com o estômago revirado e embrulhado e ele temia que passasse mal ali mesmo. O beijo durou tanto tempo que, quando ele se deu conta, estava esmagando as flores perfeitas que enfeitavam a moita e suas mãos estavam úmidas pela água que saía das flores bem cuidadas.
Depois de um longo tempo de tortura, espera, decepção e tristeza, o casal havia se separado e com um último selinho, o rapaz voltou para o carro e esperou que a namorada entrasse dentro de casa. A menina sorriu ao virar-se para o portão, mas seu sorriso apagou quando viu o gabinete de segurança vazio.
A janela estava aberta, pois no momento da afobação se esquecera de fechá-la. olhou o gabinete inteiro à procura do segurança, mas não encontrou nada, exceto uma xícara de chá fumegante, o rádio tagarelando o jogo de futebol e os vários papéis espalhados com símbolos que a garota não entendia. O olhar de confusão da menina se tornara ainda maior quando viu o segurança correndo na direção do gabinete. Assim que chegou, o homem suava e suas desculpas eram pra lá de muitas.
— Srta. , me desculpe, por favor... — o homem dizia com a respiração falhando. — Eu... Eu apenas fui ao banheiro, eu...
— Está tudo bem, Clóvis, fique calmo. — a menina sorriu ternamente na direção do homem que, pela visão de , se derretera com o sorriso. — Eu apenas queria entrar. — ela sorriu alto e o homem corou com vergonha.
Apertou o botão e logo os portões se abriram liberando a passagem para a menina.
— Meu pai está em casa ainda? — perguntou ao segurança que ao ouvir a palavra “meu pai”, ficou completamente vermelho.
— Está sim. Disse que iria te esperar.
— Tudo bem. Quero ficar com ele antes de ele viajar pela manhã. Tenha uma boa noite. — disse acenando para o segurança que engolia em seco. — E pode ficar tranquilo, essa fugidinha sua será segredo nosso, ok?
— Obrigada, chérie. Fico te devendo uma. — a menina piscou e saiu em direção a casa.
Assim que o segurança respirou aliviado, se movimentou com calma, favorecido pelo escuro do jardim, na intenção de seguir a menina que já estava alcançando a porta. Assim que ela entrou e fechou a porta, decidiu esperar que todas as luzes se apagassem para que ele pudesse arranjar um lugar para entrar sem que ninguém o visse. Resolveu andar pela casa procurando alguma porta que não ficasse trancada para que mais tarde pudesse entrar em segurança.
Andava com calma e silenciosamente pelos arredores da casa conhecendo o lugar, tentando decorar cada espaço para que, se precisasse sair de uma forma abrupta, pudesse se localizar no meio do breu. Passou vários minutos conhecendo a propriedade e se certificou pela janela transparente da cozinha de que todos os empregados haviam se retirado cada um para o seu canto. Assim que voltou pra frente da casa, ele viu todas as luzes apagadas e circulou mais uma vez procurando alguma luz em algum lugar. Não encontrou. Sentindo seu nervoso começar a dar as caras, ele tomou dois goles de coragem e se direcionou a porta que levava à cozinha que, ele constatou, não fora trancada por ninguém.
Torcendo com todas as forças para não encontrar ninguém no meio do caminho, abriu a porta silenciosamente olhando o escuro da cozinha, apenas iluminado pela claridade da lua que estava cheia e brilhante. Ele fechou com calma evitando que a porta desse um só trinque e logo passou a andar com cuidado para não esbarrar em nada. Suas mãos o ajudavam na tarefa de tentar se localizar sem correr perigo algum.
Chegou em outro aposento que estava iluminado apenas com algumas velas que já se apagavam e tentou distinguir alguma coisa, mas tudo estava muito escuro para ele tentar ver onde estava. O toque de sua mão o indicou que ele estava perto de uma escada e, com mais um pouco de tato, ele pôde confirmar tal fato. Engolindo em seco pelo medo de ser pego no flagra, ele subiu a escada, agachando para tentar subir a escada sem cair. Suas costelas doíam com o movimento, mas ele apenas fechava os olhos com força para tentar esquecer a dor irritante em seu corpo e continuar subindo. Respirou fundo descansando as costas quando estava na metade da escada e logo não tardou a subir o resto, chegando ao andar de cima com a coluna e as costelas ardendo.
Colocou-se de pé para o corpo acostumar com a postura e passou a olhar para todos os lados do corredor escuro. Estava tão escuro que ele não conseguia enxergar nada além do breu e ele teve que arriscar pegar o celular para conseguir ver algo. Iluminou o caminho com a tela de brilho máximo do slide e conseguiu distinguir várias portas pelo corredor. Sentiu o suor descer por seu rosto. Qual porta seria a certa? Ele não queria nem imaginar se por um acaso abrisse a porta do quarto de Héricles pensando que fosse o de . Ele estaria lascado se isso acontecesse.
Resolveu apelar para a audição e decidir seguir o que a sua impressão sugerir. Encostou o ouvido na primeira porta à esquerda e somente ouviu o silêncio. Fez a mesma coisa na porta da direita e o mesmo silêncio permaneceu. E assim ele andou pelo corredor, tentando escutar algum barulho vindo do outro lado das portas. Ao chegar no penúltimo quarto ele ouviu um barulho de uma respiração acelerada e, segundo o que ouvia, a pessoa que estava ali parecia dormir profundamente e nem se preocupava com o barulho. Com certeza não seria .
E então ele se virou para a última porta e quando colocou o ouvido na porta, o silêncio permanecia. Tentou ver alguma coisa pela fechadura, mas não enxergou nada além do que já esperava: o escuro. Se xingando mentalmente por seu mísero azar no meio de tanta sorte, abriu a porta com calma até que uma fresta revelava o que havia dentro.
Era um quarto iluminado apenas pela luz da lua. Era difícil enxergar alguma coisa mesmo com a luz da lua trazendo o brilho para dentro do quarto. Assim que ele foi mais para dentro, ele ouviu uma respiração calma e tranquila ressoar pelo quarto e ele sentiu seu coração bater audivelmente. Tendo a certeza de que o seu novo vício estava ali dormindo tranquilamente e então fechou a porta. Ao encostar na chave que estava na fechadura, ele tomou o impulso de girar a chave silenciosamente e logo virou-se na direção da cama onde a menina dormia. Aproximou-se com calma da cama da garota e via que a luz da lua iluminava o rosto da menina deixando-a ainda mais perfeita do que ele já achava. Sua boca em forma de coração estava fechada e a cor natural de seus lábios o deixou levemente trêmulo. Aquele namorado idiota havia beijado os lábios vermelhos de sua garota. Ele não poderia permitir que isso acontecesse outra vez.
A pele alva de se contrastava com a luz branca da lua e sua respiração era calma e serena, o que arrancou um sorriso involuntário dos lábios do garoto. Ele se agachou com cuidado em frente ao rosto da garota, a respiração dela batendo em seu rosto. Ele encostou tão perto que podia tocar os lábios dela com os seus se quisesse. Mas antes que pudesse cometer tal ato, ouviu um miado e um sibilo forte em sua direção. Ele virou bruscamente para a direção de onde escutara o som e, aos pés de , ele viu um pequeno gato branco encarando-o com seus olhos amarelos penetrantes. rolou os olhos para o gato que começou a miar mais alto. mexeu-se virando para o outro lado da cama e logo o gato foi ao encontro dela ainda encarando com o olhar irritado. Deitou-se de costas para o menino, bem colado ao corpo da dona.
“Gato idiota. Espere só até eu pegar esse seu lugar bem ao lado dela”, pensava enquanto encarava o corpo relaxado do gato, que pegara no sono.
A noite passava lenta e cada segundo ele aproveitava para olhar para o rosto sereno da menina, que dormia sem acordar nenhuma vez. Em momentos em que sentia impulsos de querer beijá-la ou acabar com todo aquele silêncio e agarrá-la, ele puxava seu celular e mirava em seu rosto adormecido tirando várias fotos da garota. Algumas fotos ele focava o corpo curvilíneo da menina e depois ajoelhava em frente ao seu rosto olhando-a dormir. Sua paixão por fotografias era algo a se considerar e tirar fotos de era a melhor coisa a se fazer naquele momento, pois, ela estava tão linda dormindo que ele necessitava guardar aquela imagem com ele, não apenas na memória, mas em uma foto.
Assim que o dia estava clareando, ele viu que era hora de ir embora. Não poderia ficar ali a vida inteira e ele se lamentava por isso. Antes de deixar o quarto e a garota, ele passou a ponta dos dedos levemente pelos cabelos sedosos da menina e encostou o rosto calmamente até o dela. A respiração doce da menina batia diretamente em seu rosto e ele procurou se controlar ao estar tão perto dela. Precisava frear o impulso de agarrá-la ou tudo estaria perdido. Com a promessa de que viria observá-la dormir no sábado à noite, ele apenas encostou seus lábios sobre os dela tão levemente que quase não os sentiu. Mas como se sentisse, a boca em forma de coração se contorceu em um pequeno sorriso e então se aqueceu completamente. Ele iria vê-la mais tarde. Velar por seu sono, com certeza.
— Me espere, minha doce . — ele sussurrava olhando a menina adormecida. — À noite eu venho lhe ver novamente.



VII. Anger That Makes the Heart Bleed


O miado de Merlim era tão forte que nem se ela se esforçasse, não conseguiria dormir por muito tempo. O gato miava irritantemente, e mesmo com todo o amor que ela sentia pelo bicho, sua paciência estava no limite.
— O que é que você quer? — ela perguntou encarando o gato com a expressão feia. — Será que dá pra você me deixar dormir um pouco? O dia nem clareou ainda.
Mas o gato miava desesperado e sibilava fortemente olhando para a porta. A garota mordeu o lábio inferior em hesitação, porém se levantou andando calmamente até a porta, que estava fechada da mesma forma que ela havia deixado antes de dormir. Tocou na maçaneta dourada e assim que a porta abriu ela somente enxergou o breu no corredor. Nada além disso. Ela suspirou com alívio, mas voltou para o quarto com a expressão irritada para o gato que agora miava em pequenos espaços de tempo.
— Não tem ninguém aqui, não está vendo? — ela apontou para o corredor. — Se tivesse alguém, eu escutaria alguma coisa.
E então ela sentiu.
Um perfume desconhecido que pairava no ar como uma droga. Um perfume que ela nunca havia sentido na vida. O aroma amadeirado ao redor de seu quarto trazia levemente a lembrança de um homem. Um homem bem bonito, por sinal. Ela olhava todos os lados do quarto, confusa, procurando saber de onde vinha o cheiro, mas não encontrava em lugar algum. Apenas quando chegou perto de sua cama que ela conseguiu sentir o perfume ainda mais forte. “Mas o que é isso?”, perguntava se agachando onde o cheiro estava mais evidente. Os olhos amarelos do gato eram iluminados pela luz da lua e cintilavam, mas o olhar era carregado com a resposta que ela não teria tão cedo.
Merlim sabia quem estava ali há pouco mais de cinco minutos, mas era impossível que soubesse. Ora, ela estava dormindo e em seus sonhos os olhos verdes de eram substituídos por grandes olhos , que de tão sombrios deixavam suas bases tremerem inteiras.
A menina mordeu o lábio, nervosa. Como ela ousava? Estivera com há pouco mais de oito horas e logo se atrevia a sonhar com outro rapaz? Se sentia a pior das traidoras, a mais indigna do amor que recebia de seu namorado. Se sentindo mais do que suja e infiel, ela deitou novamente em sua cama sentindo o perfume entrar sem permissão pelo seu olfato e deixá-la entorpecida.
Virou para o lado oposto na cama tentando pegar novamente no sono, mas os olhos de Merlim estavam fixos nela deixando-a completamente nervosa. Ela bufou virando para o outro lado e nem assim conseguiu fechar os olhos e se entregar à inconsciência que ela tanto desejava. Rolou os olhos jogando o travesseiro longe e saiu abruptamente da cama seguindo em passos fortes até o banheiro que ficava dentro de seu quarto. Ligou a luz florescente e se encarou pelo espelho. Seus olhos estavam vermelhos, e por mais que o sono denunciasse suas caras, ela não tinha coragem de dormir mais. Não queria sonhar com certos olhos outra vez enquanto seu namorado com certeza estaria pensando nela enquanto dormia naquele momento.
O jantar com havia sido mais do que agradável e ela não se lembrara de nenhuma vez aquela noite. Apenas desfrutou da companhia de seu namorado, da qual ela sentia tanta falta e não aguentava mais ficar longe. estava realmente bonito, com seus cabelos loiros jogados pela testa, os olhos verdes mais claros que nunca e a pele levemente marcada pelo sol o deixava ainda mais perfeito. Mas se era realmente tão bonito como ela achava, por que teimava em se lembrar de certo garoto alvo de olhos que, muito provavelmente, tinha problemas mentais? Por quê? Ela gostaria de entender o porquê dessa prisão que estava se submetendo.
Desistindo de ficar se encarando, despiu-se de seu babydoll e resolveu tomar um banho para esquecer o resto e relaxar a mente. Queria apenas se recordar da noite passada e procurar lembrar-se do quanto ela amava seu namorado, do quanto ele era ideal para ela e outro não se encaixaria tão bem no papel. Ela precisava ocupar sua mente com e apenas . Esquecer era vital e o jantar da noite passada provara isso com louvor. Todo o carinho de para com ela era mais do que ela merecia naquele momento e tudo o que ela queria era ter sua mente levada somente aos olhos verdes de seu namorado.
Assim que saiu do banho e vestiu uma roupa leve, a porta de seu quarto abriu levemente e a figura de Héricles apareceu, tirando um sorriso do rosto da filha.
— Vai me dizer o porquê que acordou tão cedo ou prefere que eu adivinhe? — o homem perguntou arqueando uma sobrancelha e a menina sorriu alto.
— Certo, vamos ver se você é bom de palpite… — ela disse fitando-o em desafio e o homem fingiu pensar.
— Hm… Queria se despedir do seu pai. Eu saio para o aeroporto em… — ele fitou o relógio. — quinze minutos.
Um choque passou pelo rosto de e sua boca se escancarou aleatoriamente. Ela se esqueceu completamente que seu pai viajaria aquela manhã! Os pensamentos tão embaralhados em sua cabeça sobre e a fizeram esquecer completamente que seu pai viajaria para uma cidade distante a trabalho.
— Meu Deus! É verdade! Eu não acredito que o senhor está saindo agora, mas acabou de amanhecer. — a menina dizia estática e o homem sorria com a inquietude da filha.
— Calma, querida. — o homem entrou no quarto puxando os ombros da filha para seu corpo. — Eu disse para você que iria cedo, lembra? Tenho que me reunir com o pessoal da empresa antes da palestra.
— Mas o senhor pelo menos já tomou café? Eu queria ter te acompanhado, eu…
— Se você parar de falar e prometer tomar café em dez minutos correndo, então dá tempo sim.
A garota sorriu na direção do pai abraçando-o, enquanto tomavam o rumo das escadas para a cozinha. Sempre nas manhãs, tardes ou noites que seu pai viajava, Nana, a governanta, tratava de fazer a melhor das refeições. Naquela manhã, a mesa da sala de jantar estava recheada de bolos, tortas doces leves, chás diversos, café, leite, pão, geleias, manteiga e frutas variadas que só de olhar já se sentia completamente faminta.
— Nana arrasa demais! — a menina exclamou ao olhar a mesa farta e sorriu para o pai, que estava sorrindo feliz para a filha.
— Ela arrasa em deixar nós dois enormes de gordos. — ele disse se sentando à mesa, enquanto a garota colocava as mãos na cintura e fingia estar ofendida com o pai.
— O senhor, Héricles , está chamando eu, sua filha, de gorda? É isso mesmo? — ela perguntou indignada e o pai sorriu. Adorava provocar a filha.
— Você sabe que não, ma chérie. — ele abraçou a filha que retribuiu o abraço fortemente. Sentiria tantas saudades do pai. Mesmo que ele voltasse no dia seguinte à tarde.
Sentaram-se à mesa e começaram a tomar o desjejum que foi muito bem recebido pelos dois. Mesmo não comendo tanto, por puro costume, não resistiu em comer um pedaço de cada coisa que estava ali. Nessas horas em que ela se alimentava tão bem, ela pensava em certos olhos e em como ele estaria em sua casa. Ao lembrar-se de , o cheiro que estava em seu quarto há pouco tempo lhe voltou à mente. Era um cheiro claramente masculino e ela não sabia de onde vinha, pois seu pai não usava aquele perfume e nem tinha uma fragrância tão amadeirada. E o pior: por que toda vez que se lembrava do aroma inebriante o rosto de ficava presente em sua mente? Por que o maldito aroma a lembrava tanto do perfil de e todos os seus mistérios? Talvez estivesse ficando louca…
— Não vai comer o resto? — ouviu a voz do pai tirá-la de seus pensamentos conturbados e apontar para o prato onde uma torta de maçã estava pela metade.
— Vou. — ela disse sorrindo tímida, cortando um pedaço da torta e levando à boca.
Héricles estava realmente estranhando a atitude da filha naqueles dias. A menina nunca esteve tão pensativa, aérea, distraída e com o semblante preocupado. Ele fitou o relógio indeciso e viu que faltavam poucos minutos para que ele tivesse que ir embora. Mas era sua filha. Uma viagem poderia esperar cinco minutos a mais para que ele conversasse com sua pequena mademoiselle e tentasse descobrir o que acontecia com a cabeça da menina.
— Tenho alguns minutos antes de ir, mas antes queria conversar com você.
A garota levantou os olhos para o pai o olhando com o lábio preso aos dentes. Assentiu, tímida, deixando o pedaço da torta no prato e seguindo para a sala, com o pai em seu encalço. temia que fosse mais um ataque de preocupação de seu pai e tudo o que ela menos queria era ter que conversar com ele sobre o que estava acontecendo dentro dela.
Seu pai era o seu melhor amigo em todas as ocasiões, mas ela não poderia simplesmente contá-lo tudo sem que o progenitor tomasse uma atitude mais severa com relação aos recentes acontecimentos. Odiava-se completamente por esconder de seu pai os seus segredos, mas teria de ficar calada ou então seu pai poderia agir precipitadamente e culpar que, provavelmente, era só mais um garoto perturbado e não merecia ser incomodado.
— Eu queria saber o que acontece com você. — ele disse sentando-se no sofá da sala de estar e a menina sentou-se tímida defronte ao pai. — Desde quarta-feira você está agindo como se estivesse preocupada, pensativa… Você nunca escondeu nada de mim e eu estou sentindo que, não sei por qual motivo, alguma coisa te aflige e eu não estou sabendo o que é. — a menina deu um suspiro baixo, mas tratou de colocar um sorriso pequeno em seu rosto angelical.
— Eu estou bem, pai. Apenas estou com muita atividade no colégio, mas nada com que o senhor precise se preocupar, eu garanto.
— Não sei o porquê, mas não consigo acreditar em você. — o homem apoiou o queixo na mão direta e fitava o chão. — Se você está tendo problemas, por que simplesmente não me conta o que acontece? — ele fitou os olhos azuis da filha, que mordeu o lábio inferior, claramente sem jeito.
— Confie em mim, pai. Eu juro que está tudo bem. É o peso da matéria da escola, não precisa se preocupar com nada, eu lhe asseguro. — a menina pedia ao pai, mas por dentro implorava para que o pedido entrasse na cabeça de seu pai e ele acatasse. Ela não suportava ter que mentir para o homem que merecia o seu respeito mais do que qualquer outra pessoa no mundo, mas ela não poderia contar nada do que havia acontecido e o que acontecia em sua mente. Não quando outras pessoas estavam em jogo, além da escola, estava em jogo certo garoto muito interessante que ela ainda não queria distância.
— Eu tenho que ir. — o homem falou olhando o relógio mais uma vez e conferindo que não poderia adiar a saída. — Mas fique bem-avisada que amanhã, quando eu voltar, retornaremos a este mesmo assunto e eu quero a verdade. Não tente me enrolar, mocinha, você sabe que não vai dar certo.
sentiu um tremor por sua espinha ao perceber que seu pai não acreditara em nada do que ela havia dito. Balançou a cabeça negativamente sentindo seu coração despencar completamente. Ele a encurralaria de todas as formas para saber a verdade e ela teria que contornar toda e qualquer situação. Nana teria de ajudá-la.
Assim que se despediu do pai que tinha o olhar flamejante sobre seu corpo pequeno, a garota sentiu a confusão tomar toda a sua cabeça. Ela precisava de um banho de realidade, isso sim. Como ela se preocupava tanto com um garoto em uma semana sendo que nenhuma palavra havia trocado com ele dentro desse período? Por que, exatamente, ela não focava o seu pensamento e seu sentimento em e se esquecia completamente do garoto misterioso que ocupava a última carteira da fileira da janela em sua sala? E por que diabos ela tinha que transparecer preocupação em frente ao seu pai? Justamente seu pai que era o homem mais desconfiado do mundo quando se tratava dela, que não se contentava com meias palavras e sabia muito bem quando ela mentia e odiava que ela o fizesse. Quando Bobby se distanciou por completo da casa levando seu pai até o aeroporto, sentou-se no sofá da sala com as mãos cobrindo o rosto.
— Eu realmente cansei de te ver com essa carinha pela casa, fille.
ergueu os olhos e encarou a figura de Nana, que a observava atentamente. Os cabelos brancos da mulher batiam até o início dos ombros e seu rosto bonito estava contorcido em uma expressão de desgosto. A menina sorriu levemente para a mulher e jogou o corpo no encosto do sofá.
— E eu cansei de me preocupar com coisas que não são da minha conta. — ela disse sorrindo sem ânimo e logo sentiu a mais velha sentar ao seu lado e passar os braços aconchegantes sobre seu corpo, trazendo-a para perto.
— Ainda pensando no garoto da escola? , não é? — a menina assentiu.
— Eu estou com medo que ele tenha sido expulso. Você sabe que eu odeio injustiça, Nana. Ele não tem culpa de surtar às vezes.
— Você não vai ter como saber de nada até que chegue segunda-feira, chérie. Eu lhe disse para não se preocupar, as chances de ele ter sido expulso são muito poucas. — a mulher beijava os cabelos cheirosos da menina, que se acalmava gradativamente pelos carinhos da governanta. — Mas eu realmente estou estranhando a sua atitude porque você deveria estar feliz, afinal, você reviu seu namoradinho ontem, não foi? E nem me contou como foi o jantar.
— Foi muito bom. — a menina sorriu verdadeiramente lembrando-se do quanto adorou jantar ao lado de . — é maravilhoso, Nana. Ele… ele é perfeito, mas… eu me sinto em falta com ele. Eu estou preocupada com outro garoto e nem me lembro dele direito, mesmo que ontem tenha sido uma noite perfeita.
— Você é muito nova para ficar preocupada com romances, acredite em mim. Mas você não teve nada com esse garoto, , certo?
— Claro que não! Eu só… só penso nele, apenas.
— Então você não está agindo como uma infiel ou uma desmerecedora de amor, chérie. Pensar em outros garotos durante um namoro é tão normal quanto acordar. deve achar outras garotas bonitas e intrigantes, mas a diferença é que ele está com você e não com elas. Você está com e não com . O que vale mais?
A garota fixou o olhar em um ponto da casa, mas não saberia dizer qual. Para ela, é lógico que valia estar com independente de seus pensamentos traiçoeiros. Valia mais não ter traído . E ali ela percebeu o quanto estava se preocupando à toa em relação a e . Seu foco estava completamente fora da direção certa e ela deveria mudar o quanto antes. Mas para que conseguisse firmar sua decisão de esquecer por completo de e seus mistérios ela teria que ver novamente. Teria que ficar com ele.
— Preciso falar com . — disse olhando a mulher que a encarou curiosa. — Eu… eu nunca pensei que faria isso, mas… é uma situação que não pode ser desconsiderada.
— E o que seria?
— Papai viajou. Estamos só você os empregados e eu na casa. — a garota suspirou tomando, finalmente, a decisão. — Eu quero que venha passar a noite comigo.

O olhar de Nana pesava sobre a menina que arrumava seu quarto com pressa. Queria deixá-lo impecável para receber o namorado, que concordara passar a noite com ela, desde que não arranjasse problemas com seu pai. Depois de garantir mil vezes que seu pai somente chegaria no dia seguinte na parte da tarde, o garoto aceitou dizendo que chegaria por volta das nove horas da noite.
A governanta não aprovava tal atitude de , mas sentia na pele a confusão da garota. Ela queria ficar com , completamente devota a ele e precisava daquela noite para firmar a decisão de que seus pensamentos seriam totalmente voltados para o namorado. ainda era muito nova para tomar decisões amorosas tão complexas, a mulher pensava, mas sua fille estava crescendo e não poderia interferir em sua vida pessoal, que a cada dia se tornava mais dela do que de qualquer outra pessoa responsável pela menina. Apenas sentia a insegurança dominá-la por um motivo: Héricles .
— Eu só gostaria de ter certeza que estou fazendo o certo deixando esse rapaz vir aqui hoje. — a mulher falou dobrando alguns lençóis e guardando no armário. — Eu não quero problemas com o seu pai, você sabe muito bem disso.
— Não haverá problema algum, Nana, eu te garanto. — a menina forrava sua cama com um lençol vermelho leve. — Isso ficará somente entre você e eu. Nem os empregados precisarão saber.
— Isso é meio impossível, você sabe disso. Xô! — ela empurrou o gato branco que estava deitado em cima de uma muda de roupa no sofá em frente à cama da menina.
— Eu preciso de um favor seu com outra coisa… — a menina falou mordendo o lábio inferior enquanto a mulher a encarava com indignação.
— Mais favores? Além da loucura de permitir o seu namorado vir aqui hoje sem o seu pai em casa você quer pedir mais favores? Oh, mon Dieu!* — a mulher exclamou se sentando na cama e encarando a menina.
— Eu queria que você me ajudasse a… contornar… a situação com meu pai. — a mulher a encarou confusa e a menina suspirou sentando-se ao lado dela. — Ele está desconfiado de mim e amanhã vai querer saber alguma coisa. Eu preciso que você o distraia ou simplesmente me ajude com uma desculpa para que ele acredite que eu estou bem.
— Você está perdendo o juízo, fille. Eu nunca imaginava que faria parte de um complô dessa sua cabecinha que está se tornando mais leve que o vento.
— Eu sei, Nana. Eu não fico contente de desrespeitar tantas regras em apenas um dia, mas… é a única forma de eu ficar melhor comigo mesma, entende? — a mulher deu um suspiro longo e acenou positivamente.
— Eu entendo e é por isso que vou te ajudar, mas eu te peço, pelo amor de Deus, pare com essas loucuras, chérie. Se concentre apenas no que você precisa, como, por exemplo, o teu estudo. Deixe os amores de lado um pouco para poder se concentrar no seu futuro, tudo bem? — a menina assentiu agradecendo e então Nana saiu depois de dar um abraço apertado na garota.
suspirou olhando tudo em volta, sentindo seu coração bater mais forte.
É claro que ela não era mais virgem e já tinha ficado com certa vez na França, mas isso não a impedia de ficar ansiosa e criar expectativas em relação à noite que passaria com seu namorado mais tarde. Com ela sempre foi assim. Sempre se sentia ansiosa quando queria muito alguma coisa e ficava ainda mais ansiosa na possibilidade da coisa não dar certo. Ora, fazia tanto tempo que a garota não transava que ela tinha medo de decepcionar e levar um belo pé na bunda. Mas ele a amava, não é mesmo? E o tempo que ela passara sem sexo ele, com certeza, havia passado também. Então estariam quites. Ambos matariam a saudade do corpo um do outro naquela noite e ela pôde perceber isso na ligação que fizera a quando o convidou para dormir em sua casa.

Trinta minutos atrás…

— Eu não acho uma boa ideia, chérie... Se seu pai descobrir, eu posso perder o meu emprego de anos! — Nana falava para a menina que procurava o celular pela sala no intuito de chamar o namorado para passar a noite com ela.
— Ele não vai saber, Nana. Só precisamos deixar isso entre nós. Achei! — a menina digitava o número do namorado depressa no celular e a mulher a encarava, apreensiva. Não conseguia nem pensar na possibilidade do pai da garota descobrir toda a tramoia.
Pouco tempo de espera, atendeu a ligação.
? — a menina falou e encarou Nana com felicidade. — Eu estou bem e você? Ah, que bom, meu amor. Olha, desculpa te ligar tão cedo, mas eu quero lhe pedir uma coisa. — a menina pausou e suspirou mordendo o lábio inferior. — Meu pai viajou e… eu queria saber se você gostaria de dormir aqui em casa. — o lábio inferior da garota estava preso aos dentes e o medo de receber um “não” tomou conta de sua mente. — Eu juro que ele não vai chegar, amor. Ele só vem amanhã à tarde e Nana liberou a sua visita. — Nana cerrou os olhos para a garota que murmurou um “desculpe” baixinho. — Então você vem, mesmo? Eu garanto que não haverá problemas. — ela levantou-se contente e logo um sorriso moldou os lábios em forma de coração. — Eu te espero então. Eu te amo. — ela desligou o celular, mas o olhar severo de Nana estava sobre ela. Ela sorriu hesitante, mas, ainda assim, sorriu feliz. — Eu sei que você acha uma péssima ideia, mas eu preciso.
A mulher puxou para um abraço e desejou com todas as forças que a garota tivesse consciência do que estava fazendo.
sorriu e se sentiu acolhida pelo apreço que Nana sentia por ela. Nana era mais do que uma mãe para ela e isso era somente o que ela precisava para amá-la como se fosse sua progenitora. Sua mãe fazia tanta falta para ela e ela agradecia por, nesses momentos de confusão com sua juventude, ter Nana ao seu lado com conselhos, ajudando-a e orientando-a a fazer sempre o certo, mesmo que naquele momento ela estivesse fazendo o contrário do que Nana aconselhava.
Trazer para sua casa era realmente arriscado, mas o que mais ela poderia fazer? Ela apenas queria seguir sua vida em paz, sem ter perturbações na cabeça e tentar enxergar como mais um dos garotos do colégio, embora os mistérios que o envolviam fossem altamente intrigantes. Ela apenas queria preservar-se de um futuro arrependimento como, por exemplo, trair ou até mesmo terminar o namoro precipitadamente e se sentir mal depois. Ela precisava se focar em e lembrava-se muito bem de como se sentiu ao ter sua primeira noite com ele. Se sentiu leve, amada, como se nada no mundo fosse tão ou mais importante do que aquele momento em que os braços fortes de a circulavam ou os beijos lânguidos que ele depositava em suas costas e em seus lábios. Ele realmente a demonstrara amor naquela transa e tudo o que ela queria era repetir, senti-lo bem perto novamente, senti-lo inteiro nela, como se sua vida dependesse disso. Ela queria que fosse a melhor noite de sua vida e faria por onde ser.
Com Merlim em seu encalço observando todo o percurso da menina pelo quarto, ela abriu seu guarda-roupa bem arrumado e passou a olhar as roupas que haviam ali. O que usaria naquela noite que seria tão especial? Ela queria alguma coisa que impactasse , que o deixasse realmente satisfeito. E também queria se impactar. Queria algo em que ela se sentisse à vontade, se sentisse mais mulher por usar. Mordeu o lábio inferior em indecisão e passou a empurrar as roupas dos cabides, olhando cada uma, uma mais linda do que a outra, porém não era o seu ideal para a ocasião em questão. Pensou em chamar Nana para ajudá-la, mas ao bater os olhos em um vestido que há muito não usava, ela havia decidido.
O vestido preto, justo, colado ao corpo e bem modelado era o que ela precisava para sentir-se bem. O comprimento do vestido não era longo, porém nem curto demais. A alça que prendia o busto era finíssima e o corset era da mais perfeita qualidade quanto ela poderia imaginar. O tecido preto tinha a textura de veludo, mas, ainda assim, havia certa aspereza, o que deixava o look ainda mais charmoso. Ela sorriu apertando o vestido contra seu corpo e, sem delongas, passou a procurar a lingerie da cor que mais gostava. O azul com preto a deixava exuberante e sua melhor lingerie era exatamente dessa cor. Estaria perfeita quando seu namorado chegasse e proporcionaria a ele a melhor noite de sua vida. Mal podia esperar.

***

chegara em sua casa tão alegre que ninguém notaria a vida sofrida que ele levava. Sair da casa de não foi fácil, mas nada o abalaria. Sua felicidade em ter contemplado-a dormir aquela noite estava além dos limites. Ele nunca se sentira tão feliz dessa forma desde que ganhara sua Harley de presente de seus avós. Na verdade, ao ganhar a Harley seu pai implicara tanto que sua felicidade por pouco não fora destruída, mas hoje… Seu pai nunca saberia o porquê de tal felicidade e se não saberia não se atreveria a feri-lo com palavras maldosas ou insultos a sua pessoa. Nada poderia estragar a sua alegria ao sair de casa sem que sua mãe soubesse e passar uma noite inteira ao lado de . Tudo era surreal para ele, mas ele aproveitava ao máximo.
Sentir o gosto da felicidade há muito não provada o deixava em outra dimensão. Ele se sentia ainda mais contente por saber que toda aquela afobação em seu peito era responsabilidade de . Ela era melhor do que qualquer droga que ele já ingerira apenas para conseguir paz. Ela era a verdadeira paz. Parecia que nada no mundo retiraria a certeza de sua mente de que era a válvula que ele mais precisava e apreciava. Nem mesmo seu pai com toda aquela prepotência e arrogância, maldade e diploma em ser um verdadeiro filho da puta. Lembrar-se de seu pai era como ter na mente a imagem mais ridícula e nojenta que poderia imaginar. Detestava aquele homem com todas as suas forças e só de olhar para o seu corpo, ainda manchado de roxo e dolorido em algumas partes, ele sentia vontade de simplesmente gritar e correr até seu pai no intuito de acabar com aquela cara ordinária. Mas ele sentia que nada disso valeria a pena, apenas atiçaria o velho filho da puta contra ele e sua vida se tornaria pior que o inferno que já era.
Tirando todo o resquício de lembranças de seu pai horrível, lembrou-se com nitidez do perfume adocicado de morango. Parecia que ele estava sentindo aquele aroma divino naquele exato momento, ao caminhar pelas ruas vazias em direção à sua casa. O vento da neblina do amanhecer batia em seu rosto e com ele trazia aquele mesmo cheiro que não saía de sua mente nem por um segundo desde o dia anterior. Parecia até que estava caminhando com ele, ali mesmo, enquanto ele dava passadas rápidas e inspirava o ar com força para receber ainda mais o perfume para dentro de seus pulmões. O céu clareava lentamente e assim que ele chegou em casa, a cor azulada já se fazia quase que completamente presente no céu. Respirou fundo reunindo todas as forças contidas em seu corpo para pedir aos céus que sua mãe não tivesse acordada ou então ele iria acabar se ferrando. Anabell não poderia nem sonhar que ele passara a noite fora ou então ela viraria um verdadeiro saco e o prenderia em casa nas próximas duas semanas. E isso era o que ele menos queria naquele momento.
Procurou abrir a porta de casa com a maior calma possível, sem fazer nenhum barulho. Encontrou a sala escura, com as luzes apagadas e apurou sua audição. Não escutara nada. Tudo estava completamente silencioso e ele agradeceu a Deus. Fechou a porta com calma e seguiu até o corredor de seu quarto em passos lentos e calmos, de modo a não acordar ninguém. Abriu a porta e encontrou o quarto escuro e vazio. O sono começou a dar as caras e ele concluiu que não poderia visitar aquela noite se estivesse com sono. Precisava dormir e tentar pensar em alguma forma de ir novamente até a casa dela e velar por seu sono sereno e viciante.
Deitou em sua cama sentindo seu corpo afundar-se sobre o colchão e com a imagem do rosto de , seus lábios se contorcendo no sorriso que só ela sabia, sua respiração calma batendo em seu rosto, seus lábios se tocando na hora da despedida antes que pudesse sair de seu quarto… Tudo se passou como um filme e logo ele dormiu, sentindo seus sonhos, que eram o costumeiro negro, se tornarem um pouco mais coloridos, mais vivos.
, você está dormindo o dia inteiro, dá pra levantar e ir ao mercado para mim um minuto, por favor?
A voz de sua mãe entrava em sua cabeça como uma verdadeira bateria. Ele apenas queria dormir e esquecer-se do mundo lá fora, queria acordar somente na hora de ver e apenas isso.
Mas sua mãe não queria tal folga.
— Anda, menino! Eu preciso fazer o bolo da tarde e quero que você vá comprar ovos, farinha e algumas frutas para enfeite.
— Mãe, me deixa dormir, por favor… — o garoto pedia com o travesseiro na cabeça, procurando, de todas as formas, abafar o som da voz de Anabell, que o irritava profundamente.
— Mas é claro que não! — a mulher exclamou. — Ande, , eu não posso parar um minuto. Se esqueceu que hoje seu pai janta em casa e se não tiver as coisas prontas ele acaba comigo? E pode apostar que sobra pra você também.
bufou jogando o travesseiro longe e saiu depressa da cama. Por mais que ele tentasse e quisesse dormir em paz, nem a lembrança de poderia impedir sua mãe de atazaná-lo. Foi até o banheiro para fazer sua higiene e logo saiu de banho tomado e vestiu qualquer roupa para ir até o maldito supermercado. Rolava os olhos, irritado, por ter que sair justamente para comprar ingredientes para bolo.
Chegou na cozinha onde sua mãe cortava algumas verduras e parou na soleira da porta, encarando-a com tédio.
— Ah, até que enfim. — a mulher exclamou deixando as verduras para lá e se levantando até a geladeira. — Tome, aqui está a lista e o dinheiro. — ela entregou um papel e umas notas na mão do garoto, que os guardou assim que pegou. — Não demore, , pois eu preciso fazer esse bolo o quanto antes.
— Mais alguma coisa? — perguntou entediado e a mulher negou voltando para a mesa e cortando as verduras restantes. O garoto bufou e saiu em direção à porta. Ele não imaginava que sua mãe precisaria fazer um bolo de frutas justamente aquele dia e que ele pagaria o pato por isso. Ele nem queria comer bolo algum e ainda assim teria que sair ao mercado para comprar os ingredientes. “Por que ela não comprou isso antes?”, perguntava-se nervoso enquanto caminhava pela rua.
Quando caminhava com pressa, seu corpo reclamava um pouco de dor por conta da surra. Sua pele branquíssima ainda estava machada de roxo por seus braços, tronco, costelas e o inchaço em seu estômago havia diminuído, mas não por completo. Ainda estava todo ferrado, mas não poderia parar a sua vida por conta disso. E o que interessavam os machucados se mais tarde ele iria até a casa de vê-la novamente? A única coisa que o desanimava era que teria que tentar passar pelo segurança e isso era um grande problema. Depois de chegar ao portão e não encontrá-lo lá, é lógico que ele não iria mais sair às onze horas da noite para ir ao banheiro. Muito ao contrário. Ficaria ali a noite inteira, vigilante e isso era realmente difícil para que ele entrasse na casa.
Assim que chegou ao mercado, seus pensamentos foram lavados de sua mente quando ele percebeu o tamanho da fila que teria que enfrentar assim que comprasse as coisas da lista. O mercado estava apinhado de gente e ele quis chorar por dentro. Odiava pegar fila grande em caixa de supermercado. Odiava supermercados. Odiava ter que sair de casa sem querer. Vendo que não teria escapatória, ele resolveu procurar logo as coisas para que fosse embora mais rápido.
A lista de compras que sua mãe fez não tinham apenas ovos, farinha e algumas frutas. A lista continha um pacote de cinco quilos de arroz, um quilo de café, um quilo de tomate (só se tiver barato, ), meio quilo de peito de frango (, sem osso, por favor) e mais dois quilos de farinha de trigo, uma dúzia de ovos e duas unidades de cada fruta que havia na lista, como maçã, laranja, ameixa e pêssego. O garoto mordeu o lábio inferior olhando tudo ao redor. Como levaria tudo aquilo na mão até sua casa? O mercado era consideravelmente longe e ele teria que carregar tudo sozinho. Rolou os olhos lamentando por sua desgraça e logo foi procurar os itens da lista. Fez de tudo para pegar as frutas mais pequenas, o tomate menor dentre todos os outros, pediu para o açougueiro cortar o peito do frango bem fino e só restou a torcer que conseguisse carregar as outras coisas sem pestanejar muito. Depois de quase uma hora na fila do supermercado esperando ser atendido, ele carregava oito sacolas em suas duas mãos sentindo o peso dos mantimentos. Suava à medida que caminhava no sol forte da tarde e desejava, mais do que tudo, que não demorasse tanto para chegar em casa.
Assim que já conseguia avistar o pequeno sobrado ao longe, ele passou em frente a uma farmácia e continuaria caminhando se uma ideia não tivesse surgido em sua mente. Ele mordeu a língua sentindo seu sangue ferver de ansiedade. Sem delongas, deixou as compras em casa sob questionamentos de sua mãe como , não tinha frutas maiores no mercado? Olhe para essas maçãs, olhe o tamanho delas!”, mas nada do que ela dissesse o importava naquele momento.
O garoto saiu correndo em direção à farmácia, ignorando as perguntas de sua mãe ou os olhares curiosos das pessoas na rua para cima dele e apenas se acalmou quando chegou em frente à loja e adentrou, sentindo o ar fresco que emanava de lá. Parou em frente a um dos atendentes, que sorriu cordialmente.
— Posso ajudá-lo? — o homem grisalho perguntou e o garoto assentiu freneticamente.
— Eu… eu preciso dormir. Quero um remédio que me faça dormir, por favor. — o garoto suplicava e o farmacêutico o encarou.
— Tem receita?
travou. Como assim receita? Precisava de receita para comprar um sonífero, nem que seja um sonífero fraco?
— Eu... infelizmente, não. Eu não fui ao médico, mas estou com uma puta insônia… Quero dizer, — ele corrigiu ao ver olhar estranho do homem para ele. — Estou sem dormir há dias. Eu preciso de um remédio, por mais fraco que ele seja. — o garoto abaixou o tom de voz e chegou mais perto do homem. — Não tão fraco assim, você me entende? Tenho o sono muito leve.
— E quantos anos você tem? Eu não posso vender remédios sem receita e muito mais quando é um garoto como você quem pede.
— Tenho vinte e dois anos. — o homem o fitou com os olhos cerrados. — Eu não quero nada além disso, eu juro. Eu só quero dormir.
O farmacêutico o analisou por alguns segundos. Os olhos roxos e fundos do garoto poderiam indicar sintomas de insônia. Ele realmente parecia ter vinte e dois anos com o porte de seu corpo, então… Por que não ajudá-lo?
— Tudo bem. — o homem suspirou rendendo-se. — Eu vou lhe arranjar o remédio, mas isso fica entre nós. Não posso vender remédios desse tipo sem receita, mas vou quebrar o seu galho.
O garoto agradeceu e suas mãos apertavam-se em punho. Ele conseguiria entrar na casa de facilmente, mas havia uma outra coisa: Como colocaria aquele remédio no chá do segurança sem que ele soubesse?

A noite chegou lenta e demorada. Em suas mãos o frasco azul-escuro parecia piscar e ele o apertava com força. Estava chegando a hora de sair para tentar entrar novamente na mansão dos e colocar em prática o seu plano de drogar o segurança para que conseguisse entrar sem ser visto. Teria de ser esperto, pois o segurança, com certeza, estaria vigilante aquela noite. Se ele fosse pego, algo de muito ruim aconteceria e nem imaginaria o que iria se suceder com ele. A cada instante ele pensava na loucura que estava prestes a fazer, mas lembrar-se de apenas firmava a ideia em sua cabeça. Ele teria que ir. Ele queria ir. Precisava.
Fitava o relógio com pressa que a hora passasse rápido. Eram apenas nove e meia da noite e essa hora ele não poderia sair de casa nem que quisesse. Seu pai havia chegado cedo e estava infernizando a casa como sempre, sua mãe ficara irritada por ele ter trazido frutas extremamente pequenas e ficaria realmente nervosa se ele saísse à noite. Teria que esperar todos da casa dormirem para poder se enfurnar na rua e procurar entrar na casa de . Ele sabia que estaria se arriscando demais a ponto de tentar invadir a casa de uma pessoa por uma obsessão sem nenhum conceito, mas ó Deus sabia o quanto ele precisava daquilo, o quanto o ajudava psicologicamente, mesmo sem ela ter a mínima noção disso.
Ficou em seu quarto todo o tempo até que sua mãe bateu à porta lhe dando boa noite e mandando-o dormir também. O garoto apenas desejou boa noite e então esperou ansioso por dez minutos depois até que pudesse sair. Sua perna balançava fortemente enquanto a ansiedade tomava conta de toda a corrente sanguínea existente em seu corpo e tudo o que ele queria era poder sair para vê-la outra vez. Passar um dia inteiro longe de era realmente difícil para ele, já que ela se tornara mais do que uma simples garota bonita e atraente: se tornara sua mais nova obsessão e vício.
Quando já marcavam onze horas da noite, ele decidiu que era a hora de ir e tentar a sorte. Deixou todo e qualquer vestígio de insegurança dentro daquele quarto e logo se pôs para fora, dando passos silenciosos à medida que atravessava o corredor. Respirava baixo tentando de todas as formas prevenir que um ruído que fosse acordasse seus pais e eles o pegassem saindo de casa. Não que ele se sentisse na obrigação de esconder algo, mas ele apenas não queria mais problemas. Atravessou a sala tentando não esbarrar em nada que poderia ocasionar um estardalhaço e logo alcançou a porta, saindo em seguida. O ar da noite bofeteou seu rosto com força e ele se arrepiou. Aquela noite estava realmente fria e não parecia que havia feito um sol de rachar mais cedo naquele dia. Abraçou seus braços tentando diminuir a friagem, porém não tardou a andar em direção à mansão dos . O remédio em seu bolso balançava conforme seus passos e ele se sentia ainda mais vitorioso por ter ideias tão loucas como aquela.
não sabia como colocaria aquele remédio no chá do segurança e nem sabia se haveria alguma xícara com chá aquela noite, mas ele estava contando com a boa vontade do destino. Confiava piamente em chegar ao gabinete e encontrar a tal xícara com o líquido fumegante e contaria também com o segurança estar bem longe do cubículo assim que ele chegasse. Mas seria sorte demais. Caminhava rapidamente enquanto martelava em sua cabeça possibilidades de livrar-se do segurança por um momento que fosse, mas nada parecia dar certo. O que poderia tirar um segurança de seu posto sendo que ele já falhara e fora pego no flagra pela dona da casa? teria que ser esperto ou todo o seu plano iria por água abaixo.
Ele sorria de sua maluquice. Estava mesmo se enfiando numa fria somente para ver uma garota dormir? Ele sorriu alto ao constatar o quão idiota e insano ele era. Estava tão louco a ponto de drogar alguém, invadir uma casa e passar a noite num quarto escuro onde uma garota pequena e serena dormia? Estava cometendo uma série de crimes e seria um verdadeiro caos se alguém o pegasse na lata. Mas e daí? Tinha gente muito pior que ele pelo mundo e a polícia nem corria atrás. Exemplo disso era o seu pai que era um agressor de primeira e tinha todos os motivos do mundo para estar numa cela de xadrez. A simples lembrança de toda aquela vida horrível com seu pai o deixava prestes a gritar, então decidiu mudar o rumo de seus pensamentos para o seu objetivo: entrar na casa de . Andou mais um pouco até chegar à rua onde as casas imponentes estavam praticamente todas apagadas, somente algumas luzes ao alto faziam contraste com a escuridão fria da noite. Ele, essas alturas, não estava sentindo tanto frio como achava que sentiria. Caminhou mais uns vinte passos até chegar em frente aos portões brancos que eram supervisionados pelo segurança que estava dentro do gabinete pequeno. Ele tocou no bolso de sua calça apertando o remédio entre os dedos e torcendo para que tudo desse certo.
Sem um plano iminente, ele tomou coragem e se aproximou devagar do cubículo, procurando ver o que o segurança estava fazendo naquele momento. Prendia a respiração afobada de vez em quando procurando descartar qualquer indício de sua presença por ali. Olhava atentamente para os dois lados da rua e assim que a encontrava vazia, ele voltava a caminhar em passos pequenos até o cubículo do segurança. Afastou-se um pouco e se escondeu em frente uma árvore pequena que havia perto do gabinete e olhou, disfarçadamente, o movimento do homem. Porém, qual não foi a sua surpresa ao ver o homem estirado na cadeira, dormindo com a boca aberta? arregalou os olhos e segurou o riso. “Vai ser fácil demais”, pensava com felicidade. Sacou seu celular do bolso e olhou o relógio para confirmar a hora e viu que já passava da meia-noite. O homem estava dormindo, mas o sono era realmente leve, ele podia ver.
Mordendo o lábio inferior, mesmo hesitante, ele foi em direção ao gabinete que estava com a pequena janela aberta e à medida que se aproximava, seu coração batia tão forte que chegava a doer em seu peito. Ele respirou fundo e chegou à frente da janela. Encarou o homem que dormia e esperou uns segundo para ver se corria o risco dele acordar. Depois de constatar que a barra estava limpa, ele olhou por sobre a mesa que ficava ali e procurou a xícara de chá torcendo para que estivesse cheia. Encontrou-a num canto com o líquido pela metade e não tão fumegante como vira na noite anterior. Olhou para o segurança mais uma vez e checando que ele não acordaria, tirou o sonífero do bolso e esmagou os comprimidos dentro da xícara de chá do homem que se mexia de vez em quando, mas não acordava. Na verdade, apenas queria deixar o segurança realmente dormindo, porque ele sabia que o homem estava apenas tirando um cochilo e logo acordaria. Se tentasse entrar na casa sem drogá-lo, ele certamente acordaria quando os portões fossem abertos e isso era o que ele menos queria naquele momento, portanto… Achava melhor colocar a metade do frasco de sonífero no chá do homem. Pelo menos teria a certeza de que estaria tudo bem na hora em que ele fosse embora.
Assim que três comprimidos estavam esmagados em pó dentro do chá do homem, o garoto girou a xícara para misturar o líquido com o remédio e colocou-a em cima da mesa, saindo de fininho enquanto o segurança ainda se mexia ameaçando acordar. O menino se escondeu novamente atrás da árvore e então viu uma pedra no chão e mordeu o lábio inferior, olhando da pedra para o segurança.
O homem teria de acordar para tomar o resto do chá, não é mesmo? E a pedra nem era tão grande e pesada… Apenas uma boa mira resolveria todos os problemas e ele entraria na casa dentro de alguns minutos.
Segurou a pedra em suas mãos atestando que não era pesada e estudou a distância entre ele e o segurança. Teria que tomar cuidado com a janela de vidro, porque então além de acordar o homem, causaria um problema ainda maior. Ele poderia chegar mais perto, mas quando atirasse a pedra e o homem acordasse, ele iria vê-lo e tudo estaria perdido. Teria que arriscar da distância em que ele estava e apenas torcer para que nada além de seus planos acontecesse.
Cerrou os olhos de leve e posicionou sua mão, tendo em foco o peito do homem que cochilava. Ameaçava atirar a pedra, mas quando o sinal vermelho alertava sua mente, ele esperava mais um pouco até ter certeza de que acertaria o alvo correto. Depois de estar obviamente seguro, ele lançou a pedra na direção do homem, que bateu em cheio em seu peito. O segurança acordou sobressaltado e olhou para todos os lados com os olhos arregalados.
— Ah, meu Deus! — o homem exclamava saindo do cubículo apressado e olhando todos os lados. — O patrão! O patrão me viu dormindo, eu estou despedido! Estou na rua! — o homem falava nervoso olhando tudo ao redor e revirou os olhos.
— Entra dentro dessa merda e bebe esse chá, cara. — rosnava encarando a cena com raiva e apenas se viu satisfeito quando o homem entrou no gabinete respirando fortemente, limpando o suor que descia do rosto.
Logo o homem pegou a xícara de chá e bebeu inteira, sem mais nem menos, na intenção de aliviar sua perturbação. deu um sorriso que se aproximava do insano e apenas contou os minutos para que o segurança não suportasse mais ficar acordado. Ficou de tocaia sem desviar o olhar do homem que a cada minuto ficava mais sonolento, mas tentava a todo custo ficar acordado para cumprir o expediente de trabalho. O garoto esperava ansioso e quinze minutos depois, o segurança já estava realmente dormindo, caído sobre a mesa. O sorriso no rosto de aumentava à medida que ele chegava perto do homem e constatava, com um toque nas costas dele, que ele estava desmaiado. Olhou os botões do portão e apertou o botão do portão da frente e logo as portas brancas se abriram para ele, recebendo-o, mesmo que indiretamente e sem permissão, dentro da grande mansão dos .

Ele abriu a porta da cozinha enxergando o escuro e procurou entrar com calma, com o caminho da casa de em sua cabeça. Mesmo confiando em sua memória da noite anterior, ele não colocaria sua presença em risco naquela casa sem tomar os devidos cuidados para não esbarrar em nada, não depois de todo o sacrifício para entrar ali dentro. Na verdade, o dia anterior que foi sorte. Hoje, ele teve que se desdobrar para estar ali e não poderia deixar nada dar errado. O esforço dele teria que valer a pena. E ele faria valer.
Atravessou a cozinha enorme e logo se arrastou até a escada que ele decorara onde ficava. Subiu tomando cuidado com os degraus altos e procurando não fazer nenhum barulho que fosse. Chegou ao topo sentindo-se cansado pela quantidade de degraus que precisara subir e logo o corredor escuro tomou conta de sua visão. Ele tirou o celular do bolso ligando a lanterna em uma luz fraca e passou a andar no corredor em direção à última porta da direita. Ao chegar em frente ao penúltimo quarto, ele parou de repente. A porta do quarto de Héricles estava aberta.
Ele sentiu o suor descer por seu rosto e perder-se em seu pescoço e então virou para encarar o quarto. Não enxergava nada além do escuro e mesmo assim temia que poderia escutar a voz trovejosa do pai de perguntando o que diabos ele estava fazendo ali na casa dele aquela hora. Por um momento, a lanterna do celular iluminara o quarto de Héricles e ele tremeu. “Vazio?”, pergunta a si mesmo. Ele voltou a iluminar o quarto enorme e constatou que, realmente, estava vazio. Então ele se lembrou vagamente da conversa de com o segurança na noite anterior…

Um dia atrás…

— Meu pai está em casa ainda? — perguntou ao segurança que ao ouvir a palavra “meu pai”, ficou completamente vermelho.
— Está sim. Disse que iria te esperar.
— Tudo bem. Quero ficar com ele antes de ele viajar pela manhã. Tenha uma boa noite. — disse acenando para o segurança que engolia em seco. — E pode ficar tranquilo, essa fugidinha sua será segredo nosso, ok?
— Obrigada, chéri. Fico te devendo uma. — a menina piscou e saiu em direção à casa.
“Então Héricles não está em casa? É isso mesmo?”

E como se tudo naquela noite não tivesse a possibilidade de dar errado, ele sorriu indo em direção ao quarto da menina com um gosto de vitória na ponta da língua. O destino realmente o amava e o apoiava nessa loucura, só pode. Mas ao olhar para a porta do quarto da garota, ele conseguia ver pelas frestas que a luz estava acesa. Ele franziu o cenho e puxou o celular para defronte aos seus olhos e viu a hora. Eram quase duas horas da manhã... O que fazia acordada a essa hora?
Mesmo com o coração dando cambalhotas de ansiedade, ele encostou o ouvido na porta do quarto da garota logo depois de conferir o corredor vazio e escutou sons muito diferentes do que ele imaginava. O quarto de reverberava sons afobados e contínuos mesclados com sons de…
Beijos?
Sentindo o desespero sendo injetado por suas veias, ele abriu uma fresta da porta com calma e, mesmo hesitante com o alerta vermelho piscando em sua mente sem parar, ele colocou os olhos na cena que o deixou paralisado por vários segundos. Os lençóis vermelhos da cama de se moviam freneticamente e sons de gemidos ecoavam pelo quarto. Sons de gemidos grossos, que indicavam a voz de homem e os gemidos mais doces, que indicavam a voz da… sua .
Ele apertou a maçaneta da porta com força quando viu os lençóis se movimentarem com força e logo a frase proferida no segundo seguinte o deixou estupefato.
— Ah… — a voz grossa gemia e a garota retribuía com palavras incentivadoras, como: “oh, sim” — Você me enlouquece… — o garoto soltou um grunhido ao ouvir o cara gemer mais alto. — Gostosa!
E então, de repente, o corpo bem moldado e nu de ficou por cima do corpo de um garoto forte que segurava sua cintura com força guiando os movimentos frenéticos sobre seu pau que já estava completamente coberto pelo corpo da menina, que cavalgava sobre ele com pressa. Os dedos do garoto ficavam brancos à medida que ele apertava a cintura da garota com mais força sobre seu quadril avantajado. Os cabelos pretos da garota caíam como uma cascata sobre suas costas brancas e brilhantes, porém mudavam de lado à medida que ela cavalgava com força sobre o colo do namorado.
A essa altura já tinha os olhos ardendo pelas lágrimas raivosas que queriam inundar seu rosto alvo e manchado de roxo. Suas mãos tremiam com força e tudo o que ele queria era entrar naquele quarto e acabar com a raça do namorado idiota que estava transando com a sua garota…
Como aquilo foi acontecer?
O que mais o matava por dentro era o modo como ela gemia, o modo como ela se entregava àquele prazer sem igual, a forma que ela se tornava completamente submissa ao namorado, como se fosse a melhor coisa que experimentara na vida. A forma como seu corpo coberto de curvas movia-se sobre o garoto que gemia alto, o modo como ele segurava sua cintura possessivamente trazendo-a mais para o encontro de seus sexos cujo barulho deixava completamente tonto.
A visão de sua garota fazendo sexo em sua frente doía mais do que todas as surras que ele havia levado de seu pai sádico, doía mais do que se mil adagas perfurassem seu braço deixando que seu sangue jorrasse com força. Ele não conseguia descrever o quanto seu coração sangrava naquele momento e o quanto ele estava se segurando para não entrar naquela porra daquele quarto e tirar sua garota de cima daquele filho de uma puta.
Lançando mantras de calma em sua mente, tentando relaxar mesmo que contemplasse aquela cena horrível, ele sentia as lágrimas descerem por seu rosto como faíscas de fogo que só faziam queimar profundamente sua pele maltratada. Ele mordia o lábio inferior com tanta força que pôde sentir o gosto do sangue em sua língua, mas mesmo sentindo a dor do corte, ele não parou de morder, de descontar a raiva em si mesmo. Afinal, ele estava ali por causa de quê? Dele mesmo. Ele que foi numa farmácia comprar sonífero para drogar o segurança, ele que entrara escondido na casa de uma família desconhecida e ele quem estava invadindo a intimidade de dois namorados que estavam se amando numa cama.
Não. Não. Não e Não!
Ele não se importava se ele era o invasor. Ele não se importava que gostasse do namorado mauricinho. Ele a queria acima de tudo, porém a raiva que ele sentia da garota estava o matando por dentro. Era uma raiva gigantesca e tudo o que ele queria era puxá-la pelos cabelos e levá-la para longe daquele quarto, daquele filho da puta que agora a comia com tanto prazer. Por que tinha que se interessar por essa maldita garota? Por que ela era a única coisa que o fazia se sentir melhor em meio ao caos que era a sua vida de merda? Por que ela tinha que ter uma porra de um namorado idiota que a proporcionava prazer sendo que ele estava ali para ocupar esse posto?
Sua cabeça girava em perturbações e pensamentos conflituosos misturados aos gemidos do casal mais à frente que nem deram conta de que a porta estava entreaberta e alguém os observava como um voyeur lunático. Apenas estavam compenetrados na bolha de sexo que os envolviam. O namorado agora se movia sobre o corpo pequeno da menina, que com suas pernas brancas e sedosas, abraçava o quadril do garoto no intuito de colocá-lo mais para dentro dela. contemplava a cena com as lágrimas de sangue saindo de seus olhos e queimando sua pele, o coração sangrava fortemente por toda aquela situação em que seu ciúme atingia o limite, mas não desgrudava os olhos daquela cena.
E como se tudo pudesse piorar de uma hora para a outra, sentiu todo a sua insanidade o tomá-lo enquanto gemia, absorta, se entregando ao prazer de um orgasmo muito bem provocado por seu namorado, o que o deixava ainda mais enraivecido por saber que ela estava gostando de transar com ele, que ela gostava de transar com ele. “Filhos da puta”. Tudo dentro dele girava e ele, mesmo se achando um grande perdedor por isso, sacou o celular do bolso, com as mãos tremendo, e mirou no corpo de que se contorcia por cima do corpo do garoto embaixo dela, no qual ela se entregava ao orgasmo que a desestruturava a cada segundo. Ele se sentia um completo idiota por ainda dar ouvidos à sua obsessão doentia pela garota, mas não conseguia segurar o impulso de ter uma imagem dela tão memorável como aquela, no qual ele poderia olhar todos os dias e vezes que quisesse.
Mirou as costas esguias da menina e mesmo com suas mãos tremendo de raiva, ele não conseguia parar de tirar fotos de seu corpo branco ensopado de suor, seus cabelos grudados em sua pele, seu rosto contorcido em um sorriso prazeroso, a boca em forma de coração que se abria enquanto ela recebia os jatos de gozo do namorado dentro de seu corpo... Por mais que ele sentisse raiva de , ele não conseguia tirar os olhos dela e imaginar como seria quando ele a tivesse em sua cama, fodendo-a loucamente, muito melhor do que esse namoradinho idiota... Ah, ela provaria mais do que ela imaginava provar um dia. não tinha noção das artimanhas de na cama e o quanto ela o imploraria por mais depois de ter seu corpo dominado pela rigidez do garoto forte. Quem correria atrás agora não seria e sim . Ele fazia questão de mostrá-la o quanto ele era melhor que o mauricinho filhinho de papai. Mas a raiva que sentia da garota era tão forte que ele apenas chegava a uma conclusão.
Vendo todo o prazer exposto no rosto dela, o quanto ela estava feliz transando com o namorado, o quanto ela queria estar ali com ele... Ele decidiu que, mesmo que fosse o escape que ele mais procurara aqueles anos todos, ele desistiria de correr atrás dela. Queria bloqueá-la de sua memória, de seu coração, de sua vida. Na escola, faria de conta que ela não existia, não daria ouvidos à sua voz doce e suave que falava com os amigos com tanto carinho, não faria questão alguma de ouvi-la contar suas experiências adquiridas na França e nem suportaria ouvi-la falar do namorado.
E com essa decisão firme em sua mente, ele deixou a porta entreaberta sem se dar ao trabalho de fechá-la ou de lançar um último olhar a garota que tinha o corpo perfeito completamente nu em sua frente, ele saiu depressa do corredor, descendo as escadas sem ao menos se importar com barulho ou coisa do tipo. “Foda-se tudo”, ele pensava. E daí que alguém chegasse e o visse na casa dos ? Nada o importava mais.
Ele saiu batendo a porta da cozinha e correu em direção ao gabinete do segurança sem ao menos se importar e logo apertou o botão da porta da frente, sentindo as lágrimas embaçarem sua visão. Os roncos do segurança o mostravam o quanto ele havia sido idiota, o quanto ele fez para chegar ali naquela noite e dar de cara com transando com outro. Talvez ele precisasse disso mesmo, um banho de água fria para acordar daquela obsessão maluca por uma garota que não poderia ser dele nunca na vida. O que ele estava pensando? Achava mesmo que olharia para um garoto complicado como ele, um garoto que surtava em meio às aulas sem nenhuma explicação plausível? Enquanto caminhava, tentando em vão enxugar as lágrimas que desciam velozes por seu rosto, ele sorria de sua desgraça, sorria de sua insolência, de sua idiotice.
— Você é um grande filho da puta idiota. — ele rosnava para si mesmo com raiva. — Achava mesmo que ela dormiria enquanto o pai não estava em casa? Mas é claro que não. Vadia.
O ar frio da noite não o incomodava mais, tamanha era a adrenalina em seu corpo. A única coisa que ele pensava era apenas em chegar em casa e ficar sozinho com sua perturbação. Em sua mente, ele xingava dos piores nomes possíveis, mesmo que soubesse que o errado naquela história era ele. E daí? Não se importava com nada mais além da sua dor de ter visto sua garota nas mãos de outro cara. Ele sentia seu corpo inteiro tremer e sabia que estava prestes a ter um dos piores surtos de sua vida, por isso praticamente corria em direção à sua casa. Qualquer coisa que ele visse pela frente com certeza seria quebrada em milhões de pedaços, assim como estava seu coração pingando sangue de ódio.
As lágrimas, que ele considerava nojentas, ainda desciam velozes por seu rosto, de maneira que sua visão ficava embaçada e era realmente difícil enxergar algo, devido a rua já estar escura àquela hora da madrugada. A névoa da noite rodeava a rua deixando-a mais sombria, porém o estado de espírito de passara do estágio negro para o completamente aterrorizante. Em meio à passadas rápidas, autocontrole que ele não encontrava mais e tremura em várias partes de seu corpo, ele chegara em sua casa sentindo, pela primeira vez naquela noite, o alívio.
Nunca imaginara que se aliviaria tanto ao chegar em sua casa conturbada, mas só Deus sabia o que se passava na mente dele. Entrou com pressa sem se importar com o barulho que fez ou faria, apenas correu para dentro da casa quente e atravessou, como um verdadeiro furacão, o corredor até chegar em seu quarto, bater a porta com força e trancá-la em seguida.
Ao se ver ali, compenetrado naquele quarto escuro, com os pensamentos martelando em sua cabeça, os acontecimentos da noite o bofetearam com força, como se ele pudesse sentir a força do tapa infringido em seu rosto. As imagens de em cima do garoto, cavalgando, rebolando, gemendo, mordendo o lábio em forma de coração… O garoto que a dominava com o pau latejando desejo pelo corpo delirante da menina, a chamando de gostosa, fazendo tudo o que tinha direito com a inocência daquela menina… E o quanto ela gostava daquilo.
— e ela ainda gosta. — rosnou com raiva pegando a primeira coisa em sua mão e tacando com força na parede. — Ela ainda gosta! — ele gritou jogando mais outro vidro na parede escura do quarto, causando o barulho do vidro de espatifando pelo chão. Ele respirava com força, sentindo o ódio corroer suas veias e toda a sua sanidade, que no momento, esvaíra-se completamente. — Filha da puta! Por que eu tenho que me prender a você? O que você fez comigo, sua maldita! Sua garota maldita! — ele gritava com força enquanto corria em direção à mesa no canto esquerdo de seu quarto e jogava tudo no chão ouvindo os vidros se quebrarem, os papéis amassarem e a mesa ranger pela força imposta pelos braços fortes do garoto irritado.
Jogando mais uma vez um vidro qualquer na parede do quarto, ele escutara batidas à porta e a voz de sua mãe. Isso apenas o irritou mais.
? , o que você está fazendo? Que barulheira é essa?— a mulher batia freneticamente na porta. — Seu pai está furioso com esse barulho, dá pra você me explicar o que está havendo?
— Me deixa em paz! Eu quero ficar em paz! Me deixa quieto!
A essas horas o garoto estava deitado na cama, encolhido e puxava seus cabelos com força sob os dedos trêmulos. Tudo o que ele queria era se castigar por ter ido até a casa de , ter tanto trabalho para apenas vê-la dando para outro garoto.
— Essa vadia desgraçada! — ele berrava e sentia sua garganta roer a cada nota proferida. O gosto de sangue tomava conta de sua boca, mas ele não se importava. Que rasgasse sua garganta e todas as suas veias. — Como ela ousa? Como ela ousa… Como você ousa, sua infeliz?!
— Dá pra você se calar, seu moleque?! — a voz de Marcius falava alto do outro lado da porta, tirando as pancadas violentas que o mesmo dava na madeira que tremia. — Eu estou dormindo na porra do quarto do lado, você se esqueceu?!
— Me deixa em paz, me deixa em paz… — o garoto repetia a frase para si mesmo, abafando os ouvidos no intuito de parar as imagens de sexo e a gritaria de seu pai do outro lado da porta.
— Eu juro que se você fizer um barulho que seja eu arrombo essa porta e faço você se arrepender de ter nascido, seu moleque imbecil.
— Cala a sua boca, seu velho inútil. Você não sabe de nada. — os dentes do garoto estavam cerrados e de seus olhos lágrimas quentes como fogo ainda desciam. Ele se sentia torturado.
— Pouco me importa se você está tendo mais um dos seus ataques de maluco de novo. — a voz do pai falou maldosa do outro lado e sentiu o coração doer horrores. — Você é um lixo, garoto. Um estorvo na vida de qualquer pessoa, fique ciente disso. Como se alguém um dia nessa vida fosse realmente ligar para a sua existência. Nem a sua mãe que te pariu consegue te aguentar com esses surtos. — ele ouviu sua mãe protestar do outro lado da porta, mas nada o impedia de escutar a risada maldosa de seu pai. — Você é somente um nada num mundo cheio de gente. E veja se cala essa maldita boca e me deixe dormir, porque sou eu que trabalho nessa merda pra sustentar um vagabundo como você. — e com mais uma pancada de estrondar na porta, ouviu a porta do quarto de seus pais se fechar com força.
E então ele chorou.
As lágrimas desciam por seu rosto ainda mais rápidas do que antes. Tudo o que seu pai havia dito aquela hora o provou mais uma vez que a sua tentativa de tentar algo com era completamente em vão.
Ninguém ligaria para a existência dele, muito menos alguém como . Ninguém iria querer um estorvo como ele, uma pessoa que surta a cada semana, uma pessoa perturbada e com o psicológico cheio de manchas pretas.
A raiva da garota corrompia sua calma e ela ser inalcançável era apenas um fato dentre muitos problemas que ele via entre ele e .
Não queria saber de mais nada. Sua decisão era irrevogável.
Ele pararia, oficialmente, de pensar ou se fixar na garota de lábios em forma de coração, com aroma doce de morango, com sua simpatia colorindo o lugar onde o sol não brilhava...
Ele estava desistindo de .

*Mon Dieu: meu Deus


VIII. Repressed Feelings by Hurt


A respiração de batia calma em seu pescoço e, só de sentir o perfume dele infestado pelo quarto, ela sorriu. O braço forte do garoto estava abraçando sua cintura e ali ela pôde entrelaçar seus dedos, se sentindo feliz por estar com ele. A pele bronzeada do garoto em contraste com a sua, tão branca, a deixava fissurada por um momento. E então a noite que havia passado com o namorado veio em sua mente e ela mordeu o lábio inferior sentindo o coração bater mais forte. Fora uma das melhores noites de sua vida. Havia toda uma diferença quando se praticava sexo com alguém que ama e ela era prova disso. era perfeito, cada toque, cada beijo, cada momento... Tudo com ele não poderia ser melhor.
Ela escutava a respiração quente de bater em suas costas nuas, sentia seu corpo colado ao dele e o quanto aquela proximidade a deixava bem, tirando todos os pensamentos confusos de sua cabeça e a elevando em um lugar mais alto, mais perfeito. Ela sorriu brincando com os dedos do namorado que dormia profundamente e logo os levou aos lábios, beijando-os calmamente, um por um. Pouco depois, ela já beijava por inteiro a mão do namorado, que deu um sorriso por trás dela e depositou alguns beijos em suas costas.
— Hm... Sempre quis acordar assim... — ele falou com a voz rouca de sono e sorriu. — Com uma namorada tão bonita ao meu lado.
A menina mordeu o lábio inferior e virou o corpo até ficar de frente com o garoto que tinha os olhos verdes contorcendo-se em sono. Isso apenas o deixava mais bonito.
— E eu sempre quis apenas você. — ela disse fitando os lábios do garoto, que estavam vermelhos. — Eu não mereço tanto amor assim. — ela disse desviando os olhos de e fitando o criado mudo com um falso interesse. Ela não merecia o carinho de se muitas vezes pensava em outro em seu lugar, mas depois daquela noite, ela percebeu o quanto a memória de havia se dissipado de sua mente. Ela apenas via . Do jeito que sempre quis. — Vamos levantar? — ela perguntou animada e o namorado contorceu o rosto em negação.
— Eu quero ficar aqui com você. — ele disse abraçando o corpo da menina e afundando o nariz em seu pescoço perfumado. — Não quero me desgrudar de você até que o seu pai chegue.
— Eu também, mas... Para, ! — ela sorria alto com os beijos que ele dava em seu pescoço. — Mas Nana... Ela... Ela fez um café muito bom para a gente... Espera! — ela exclamava tentando, em vão, empurrar o namorado, mas ele era tão mais forte que ela acabou desistindo. — Ai, eu estou falando sério! É bom a gente descer antes que ela suba aqui.
— Ela subiria? — o garoto encarou a menina com o cenho franzido e ela corou, acenando positivamente.
— Ela não pensaria duas vezes em bater à porta. — disse, se jogando sobre o monte de travesseiros, ainda sob o olhar do namorado. — Podemos tomar um banho, descer, tomar o café e então ficamos juntos até depois do almoço, o que acha?
— Seu pai não chega essa hora?
— Não. Ele chega mais tarde. Acho que umas três horas. — a garota virou sua cabeça para encarar o namorado que se achegou até ela e deu um selinho demorado em seus lábios. — Ai, vai tomar o seu banho e escovar os dentes. Depois é minha vez.
— Está me expulsando? — o menino perguntou fingindo-se de ofendido e sorriu negando. — Vou lá. Espere-me.
— Sempre.
E com mais um selinho, o garoto saiu nu indo em direção ao banheiro do quarto de . A menina sorriu alto das provocações bobas de seu namorado e cobriu-se completamente com o lençol vermelho que forrava a cama. Ela olhou para o lado em que estava deitado e sentiu seu coração acelerar, da mesma forma como se sentia antes de toda a confusão de sentimentos tomarem conta de sua cabeça. Ela havia voltado a enxergar com os mesmos olhos que uma namorada vê o namorado que ama independente dos outros garotos ao redor e ela se sentia feliz por isso. Estava feliz por ter somente o namorado em sua cabeça. O perfume dele invadia suas narinas completamente, deixando-a inebriada pelo aroma tão bom que a pele dele emanava. Puxou o travesseiro que ele utilizara e o abraçou como se estivesse abraçando o corpo musculoso do garoto que, naquele momento, sorria pela noite em que passara com a namorada.
se encarava no espelho com tanta satisfação que era impossível descrever o que realmente sentia naquele momento.
Quando o ligou, na manhã do dia anterior, pedindo para que ele passasse a noite com ela, ele quase não pôde acreditar. Ora, a menina nunca fazia um pedido explícito desses, deixando claras todas as suas intenções. Sempre era ele quem se aproximava, buscando conseguir mais intimidade com a garota que era tão atraente aos seus olhos.
No meio de tantas garotas bonitas e francesas que o circulavam enquanto ele fazia intercâmbio, ele apenas viu . Em meio a um mar de garotas que o queriam como nunca, ele apenas via a menina de corpo pequeno, porém extremamente enlouquecedor passando por sobre os seus olhos e lhe lançando olhares tímidos. Ele apenas sabia que tinha de conhecê-la, tinha de conversar com ela... Ver quem ela era, qual era o seu nome. E foi num dos intervalos da escola que ele se aproximou da menina e começou a conhecê-la melhor, descobrir seus segredos e provar ainda mais do encantamento que aquela garota emanava. Ele não saberia dizer o que foi que o atraiu de verdade nela, se foi o quanto ela era bonita ou o quanto ela era excelente em relação ao caráter e coisas do tipo. Ele só sabia que quando começou a sair com ela, a beijá-la, a abraçar, era como se todas as garotas do mundo fossem insignificantes. Era como se nenhuma fosse, exatamente, a ideal para ele do que . Pedi-la em namoro foi o melhor que fez naqueles tempos e, como se tudo andasse em mil maravilhas, ele descobriu o lado da garota que ninguém imaginava ao olhá-la: Ela fazia loucuras em uma cama, capaz de deixar qualquer garoto caído aos seus pés.
Sorrindo de sua felicidade, ele foi para dentro do chuveiro pensando apenas na garota que estava nua e enrolada em lençóis vermelhos dentro daquele quarto. Ele não poderia querer coisa melhor.

— Eu não me conformo como Nana consegue fazer todas essas coisas apenas de manhã. — o garoto falava arregalando os olhos verdes ao ver a mesa cheia de coisas gostosas que a governanta dos preparava com tanto carinho.
— Ela é uma coisa, não é? — sorriu sentando-se diante da mesa.
A garota vestia um short de lycra preto e uma blusa de alça justa, o que deixava realmente animado por ver o corpo dela tão bem modelado àquela hora da manhã. Já ele, vestia uma roupa qualquer que havia trazido de casa.
— Bom dia, mes amours*! — a mulher de cabelos brancos presos em coque apareceu e sorriu abertamente. — Já estão comendo, presumo.
— E tem como não comer tudo isso? — a garota falou olhando a mesa com os olhos brilhando. Antes que pudesse apontar , a mulher sorriu para o garoto, cumprimentando-o.
— Ah, sim. Como está, ? — a mulher sorriu e o garoto deu um riso tímido.
— Estou bem. Espero que a senhora também esteja.
— Com certeza. — a mulher sorriu e olhou para . — Mademoiselle, você já sabe. Antes que o seu pai chegue…
terá de ir. — a menina completou, tirando um sorriso de concordância da governanta. — Pode deixar, não vou fugir com a palavra, garanto.
— Muito bem, então. Fiquem à vontade. — a mulher se retirou e encarou , apreensivo.
— Ela... ela sabe que… que a gente...
— Claro que sabe. Mas fique tranquilo, ela não contará nada ao meu pai.
, como você tem coragem de contar que… — ele abaixou o tom de voz. — que a gente estava transando a noite passada?
— Qual o problema, ? Não sei pra você, mas transar com um namorado é completamente normal e outra… — ela o interrompeu assim que ele abriu a boca para questionar. — Nana é como uma mãe para mim, eu já te disse isso.
O garoto suspirou incomodado. Não queria ter sua intimidade espalhada por aí, nem mesmo ciente da amizade maternal de com a governanta. Tinham coisas que teria que impor limites e sexo era uma delas.
— Olha, … eu não quero causar problemas e nem coisa do tipo, mas… eu acho que tem certas coisas que a gente pode deixar somente entre nós. — essas horas a garota somente remexia a comida em seu prato, sem graça alguma para olhar àquela hora. — Eu acho que a nossa intimidade não diz respeito às outras pessoas.
— Pois eu penso exatamente o contrário. A única amiga que eu tenho desde que minha mãe morreu, é Nana. E eu confio nela. A minha vida é um livro aberto para ela. Se você não aguenta que eu tenha uma confidente pessoal, então teremos um grande problema daqui para frente. — os olhos azuis da menina estavam postados firmes sobre o garoto que mordeu o lábio inferior.
— Vamos deixar isso pra lá, tudo bem? O nosso dia está perfeito demais para haverem desentendimentos bobos logo pela manhã. — a menina assentiu, sorrindo, mas por dentro estava chateada.
Como , seu namorado mais perfeito, a impedia de contar as coisas à Nana? Isso não era justo. Ela sabia que ele tinha amigos e contava tudo sobre ela para eles e nem por isso ela se dava ao trabalho de impedir tal ato. Ela não aceitava. Nem que tivesse que bater de frente com , ela não deixaria de se confidenciar à Nana.
Mesmo achando o namorado um tanto idiota, a garota resolveu deixar a desavença para lá e aproveitar o resto das horas que teria ao lado dele. Seu pai chegaria dentro de quatro horas e bem antes disso teria de ir embora para não dar problemas para ela e Nana mais tarde. Ambos sentaram na sala de vídeo e começaram a assistir qualquer série que passava na televisão, entre as pernas de e ele com o queixo apoiado no ombro da menina. Por mais que ela tentasse, ela não conseguia se concentrar nas imagens que passavam e sons que saíam da televisão. Ela apenas aproveitava da companhia do namorado, esquecendo qualquer vestígio da DR ou até mesmo a chateação. Ela era feliz com e nenhum namoro era perfeito, mas... Ela ficava realmente magoada por ele não entender os motivos dela por trás de cada situação. Mas ela decidiu deixar isso de lado e apenas desfrutar de seus momentos com .
A respiração calma do garoto se misturava com o perfume de sua pele e ela se sentia aconchegada, jogando as costas no peito forte do namorado. Vez ou outra, ela recebia beijos no ombro e no pescoço que lhe arrancavam risadas animadas e provocavam alguns tapinhas no braço de , com a desculpa de que ela queria assistir a série, mesmo que não prestasse atenção em nada do que acontecia. Mesmo assim o garoto puxava o rosto bem desenhado da menina e lhe mordia a bochecha rosada, deixando-a rir em voz alta.
O tempo passou e logo o namorado teve que se levantar, pegar suas coisas e ir em direção à porta. sentia o coração doer por ter que se separar dele por mais uma semana inteira, mas assim que ele a beijou, com a sua calma, com a sua paixão, com o seu amor, ela relevou. Os lábios de se moldavam perfeitamente aos dela e quando ambos deslizavam um sobre o outro, parecia uma das melhores coisas que eles já haviam provado. As línguas conhecidas se entrelaçavam enquanto as mãos corriam pelo corpo um do outro e, instintivamente, flashbacks da noite passada invadiam as mentes de ambos e, por mais que não quisessem, decidiram que era melhor se separarem.
— Eu te ligo todos os dias, viu? — o garoto falou com a testa colada à dela e ela assentiu sorrindo.
— Tem que me ligar mesmo senão… — o menino deu um selinho demorado em sua boca e logo saiu porta afora, acenando cada vez que ficava mais longe.
mordeu o lábio inferior sentindo-se mais do que amada, sentindo-se mais do que feliz. Por mais que uma pequena discussão aquela manhã não fosse exatamente o que ela planejara, tudo havia sido perfeito, desde a noite que passou com seu corpo colado ao de até o momento em que ele teve de ir embora. Repetiria aquele dia sempre que pudesse. Adorava a presença do pai em casa, mas muitas vezes a sua ausência era realmente benéfica.
Ela fechou a porta ainda sorrindo extasiada pela recém-presença do namorado e logo passou a caminhar até a cozinha, procurando entre os muitos empregados a figura de Nana. A mulher estava sentada defronte à mesa onde escolhia algumas verduras de uma grande sacola azul. sorriu levemente ao ver a governanta tão compenetrada no trabalho e logo sentou-se em frente à ela, que quando a viu, sorriu abertamente.
— Ah, ma fille. O rapaz já foi embora? — a menina assentiu e sorriu abertamente. — Parece que a noite foi boa.
— Ai, Nana, não fala assim. — as bochechas da garota coraram e a governanta sorriu. — Ah, foi perfeita até demais sabe... Mas como nada é totalmente perfeito, tivemos uma pequena discussão, mas nada muito grave, não.
— Discussão? O que houve?
— Ele cismou que você sabia que iríamos… transar, sabe? — a mulher abriu a boca em indignação. — É, um absurdo, mas eu cortei o barato dele.
— Bobagem dele, fille. Nem se importe muito com isso. Você o desculpou?
— Desculpei. Como você disse, é bobagem. Até parece que eu pararia de te contar sobre as coisas, não é? — a menina sorriu e fitou o relógio da cozinha. — Daqui a pouco meu pai chega. Não quero que ele me interrogue sobre... Sobre o outro garoto. Eu estou muito feliz, Nana. Eu sabia que só uma noite era necessário para me fazer esquecer de qualquer coisa que não fosse .
— Deu certo mesmo? Não se passa nada na sua cabeça em relação ao outro?
— Nada. Eu estou, definitivamente, curada de toda confusão. Obrigada por me apoiar. — ela disse segurando as mãos da mulher que deu um sorriso de canto.
— Eu não deveria ter permitido tal ato, mas é claro que eu prefiro arriscar o meu emprego ao vê-la sofrendo.
— Não se preocupe, ma chérie. — a menina falou contornando a mesa para abraçar a mulher fortemente. — Eu estou bem agora, eu garanto.
E com um beijo forte na bochecha de Nana, saiu para o quarto e ao chegar, seu coração bateu mais forte. Ela havia usado a sua cama pela primeira vez com um garoto e ficava realmente feliz pelo garoto ter sido seu namorado, . Como ela se sentia feliz com aquilo. Dormir naquela cama nunca mais seria a mesma coisa... Seria melhor, ela pensava. Com o flashback passando em sua mente, ela deitou em sua cama jogada sentindo o perfume de emanar dos lençóis vermelhos que foram cenário de uma noite tão intensa como a que teve com o namorado.
Poucos minutos mais tarde seu pai chegou tão cansado da viagem que nem precisou que Nana intervisse para que ele não questionasse a filha com as perguntas que ela menos queria naquele momento. Ali, ela só pensava em , na noite deles, nos beijos, nos carinhos, nos abraços... Somente estava pairando em sua mente.
Assim que a noite chegou, ela procurou arrumar os materiais da escola na mochila, deixar sua roupa passada no sofá ao lado de sua cama e tudo o que ela precisaria para sair na manhã seguinte estava de fácil acesso. Ela saberia que não conseguiria dormir aquela noite. Saberia que os olhos de não sairiam de sua mente em nenhum momento. Mas pelo menos ela dormiria, o sono menos perturbado e mais agraciado pela imensidão verde das íris de seu amado.

***

O despertador tocava adoidado em seu ouvido e tudo o que ele queria era espatifa-lo na parede, assim como fez com todas as coisas quebráveis de seu quarto. O cômodo estava um verdadeiro caos. Seus materiais escolares jogados pelo chão, as roupas espalhadas por todos os cantos, sua mochila esquecida perto da porta, sem falar na mesa que estava praticamente desabando por conta de seu surto no sábado à noite. Sua cabeça ainda doía horrores por conta do nervoso que passara, sem falar que seu pai insistiu em infernizá-lo o dia inteiro de domingo por conta de seu surto pela madrugada. O velho não dava uma colher de chá e estava começando a ficar realmente insano e maluco. Parecia que o mundo inteiro estava caindo à sua volta e logo menos sua cabeça seria atingida pela metade dele.
O despertador ainda tocava alto e vendo que não teria mais jeito, o desligou com um tapa e saiu revoltado da cama. Tudo o que ele queria era ficar quieto em sua casa, em seu quarto quebrado, deitado e dormindo, sem ter que olhar para a cara de ninguém. Muito menos para a cara dela. Achava que não suportaria encará-la novamente enquanto sabia de tudo o que ela havia feito no sábado à noite sem ao menos poder explicitar o que achava de toda aquela palhaçada. Ele nem deveria. Ele que era o intruso, mas, mesmo assim, pouco se importava com o que realmente contava. Não queria olhar para o rosto bem desenhado de e se repugnava ardentemente por ter se interessado pela menina e ter feito tanto para segui-la, para apenas estar ao lado dela. Lembrar-se de seu sacrifício para entrar na mansão dos há duas noites atrás o deixava ainda mais irritado e a ponto de explodir.
Passou o domingo inteiro se remoendo, se achando um completo panaca por ter se submetido a tal situação. Sua mãe todo o momento perguntava qual era o problema, por que seu quarto estava naquela bagunça sem fim, por que ele estava com a cara fechada e mais uma infinidade de perguntas que não queria responder de jeito nenhum. Anabell realmente se preocupava com o filho. Ela sabia que o menino tinha problemas demais para a pouca idade, mas o que mais a torturava era saber que surtava em todo o canto e se recusava a contar as coisas para ela, que queria ajudá-lo mais do que qualquer outra pessoa no mundo.
Ao contrário de Anabell com sua preocupação aguçada por completo no dia de domingo inteiro, Marcius o enchia de provocações, parecendo esperar que o menino surtasse novamente, apenas para ter um motivo para surrá-lo outra vez. O bom era que ignorava toda e qualquer palavra suja que saía da boca nojenta de seu pai e, por mais que ele se sentisse torturado, não respondia nenhuma provocação que fosse apenas ficava quieto em seu canto, seja quando ia para a cozinha almoçar ou quando atravessava o caminho de seu pai para ir ao banheiro ou caminhar no corredor. Porém, seu autocontrole estava no auge do limite. Teria de se cuidar muito bem.
Sem delongas, tomou seu banho e fechou a cara ao ver os hematomas roxos que ainda estavam em seus braços e tronco. A marca roxa escura em suas costelas havia diminuído consideravelmente, mas ainda era visível diante à sua pele alva. Ele mordeu o lábio cortado com força sentindo o choque provocado pela mordida e logo o gosto de sangue invadiu seu paladar e ele fechou as mãos em punho, se controlando para não chutar nada. Por que toda a desgraça do mundo caía em cima dele, mesmo?
Sem se importar com o frio da manhã o atingindo com força, ele se livrou da toalha verde que estava presa em sua cintura e caminhou, nu, até o armário para buscar o uniforme da escola infernal. Era como se ele tivesse sentindo que aquele dia seria um dos piores de sua vida, mas ele não poderia se dar ao luxo de faltar aquele dia, principalmente depois de dois dias seguidos se suspensão mais do final de semana. Sabia que se faltasse, Emília Ohara ligaria diretamente para o seu pai e as consequências seriam terríveis.
Ignorando qualquer objeção que sua mente fazia contra ele ir à escola, o garoto pegou o uniforme jogando-o de todo o jeito na cama e se fitou no espelho. Sua barba começava a crescer e ele não estava nem um pouco a fim de se barbear àquela hora da manhã, principalmente com o mau humor imenso que sentia. Pegou uma boxer qualquer que estava na sua primeira linha de visão e a vestiu, logo em seguida colocando a calça e a camisa. Aquele dia de segunda-feira estava muito diferente do que ele imaginava. Ele imaginava o quanto ele estaria feliz por, finalmente, rever em sua sala, vê-la sentada graciosamente na cadeira enquanto estudava dedicada e, assim que podia, virava-se para conversar com suas colegas do time de líderes de torcida ou com os amigos do time de futebol que sempre tentavam algo a mais com a menina. Ele se imaginava corrompendo cada traço de inocência que ela emanava somente ao olhar para o seu corpo curvilíneo que tanto sentira saudade... Mas o que ele estava passando naquele momento era pior do que qualquer coisa no mundo. Ele estava sentindo ódio de … Tanto ódio que ele daria sua vida para não ter que olhá-la nunca mais.
Afastando a imagem do sorriso da menina de sua mente negra, ele passou a juntar os materiais que estavam espalhados pelo chão e colocá-los dentro de sua mochila surrada e desfiada. O pior de ter aqueles surtos malditos era arrumar a bagunça depois. Ele odiava ter que deixar o quarto em ordem, embora odiasse viver na bagunça, mas sua falta de ânimo para as coisas o levaram ao estágio de se conformar com todo o estardalhaço que havia feito. Colocou uma das alças da mochila no ombro e saiu em direção ao corredor para ir até a cozinha comer alguma coisa. Embora seu estômago não ingerisse muito alimento depois da surra que seu pai havia lhe dado, o garoto comia o suficiente para não sentir muita fome na escola e aquele dia, principalmente, ele se recusaria a sentar no refeitório e ter de olhar para . Ficaria dentro da sala , sozinho, e, com certeza, iria torcer para a hora passar rapidamente.
Ele optou por comer frutas aquela manhã, pois não queria nada pesado no estômago, então apenas partiu uma laranja ao meio e sentou-se na cadeira chupando-a enquanto seus pensamentos se perdiam. Quando ele parava de distrair a mente e deixava-a quieta, automaticamente, imagens de seu fim de semana desastroso vinham em sua mente e tudo o que ele queria era que aquela merda parasse. De qualquer forma, tudo o que ele precisava fazer era apenas ignorar. Ignorar era o certo, sim.
Terminando as duas partes da laranja, ele se revestiu de coragem e saiu em direção à garagem onde sua moto estava guardada. Sentou-se sobre a Harley, tomando o capacete em mãos e o colocando sobre sua cabeça, arrumando tudo o que era necessário e então ligou a Harley pronto para sair. O que ele não contava era que a moto não funcionaria. Franziu o cenho olhando a moto com atenção e girou a chave novamente. A moto voltou a falhar.
— Que porra é essa?! — desceu da moto, largando a mochila de todo jeito ao chão e passou a conferir as rodas, as correntes, faróis e tudo o que ele pouco sabia de necessário em automóveis. Vendo que tudo estava exatamente como ele havia deixado, voltou a sentar na moto, com a mochila nas costas e tentou ligá-la novamente.
Nada.
— Mas que merda! Não enguiça agora, por favor… — ele suplicava enquanto alisava a moto, forçando a chave na ignição, mas mesmo assim a moto insistia em ficar parada. — Que cacete! Como eu vou chegar a tempo na aula agora? Que inferno!
Ele desceu da moto devastado e, pestanejando sem parar, saiu em direção à rua conferindo as horas. Sua sorte era que estava realmente adiantado, então daria tempo de chegar pelo menos cinco minutos depois do sinal de entrada e não quinze. Ele andava rápido sobre as ruas movimentadas apenas agradecendo pela primeira aula ser Matemática, pois Vera Maggi não era tão severa quando se tratava de atrasos, ao contrário de Evan Smith que não pensaria duas vezes antes de mandá-lo novamente para a diretora alegando o atraso sem concerto do menino. À medida que caminhava mais rápido quando só faltavam apenas dez minutos para as oito horas, o suor descia por seu rosto e ele sentia suas bochechas coradas e ardendo pela velocidade que ele impunha às suas pernas.
Chegou ao prédio escolar na medida de tempo que havia previsto: oito e cinco da manhã. Sua camisa social estava molhada de suor e mesmo que ele não quisesse deixar evidentes as marcas de roxo em sua pele branca, resolveu erguer a manga da camisa até o cotovelo para, pelo menos, deixar o calor cessar. Subiu depressa os lances enormes de escada e percebeu que a maioria das salas já estava trancada com um professor tagarelando e acelerou ainda mais o passo para que pudesse chegar antes de Maggi.
O que não foi possível.
Ao chegar à porta da sala, ele a viu fechada e a Sra. Maggi já se levantava da cadeira para falar com a sala, concluindo, ela já havia feito a chamada. Por que ele não ia para trás da quadra e esperasse que entrasse na terceira aula? A segunda também era de Maggi, ela certamente não o deixaria entrar se não tivesse presente na sala.
”Porra!” Duas aulas longe da imagem tentadora de era tudo o que ele precisava.
“Sai daí, seu idiota! E se alguém te ver aí parado?”
E decidindo ir para trás da grande quadra esperar pela hora da terceira aula, ele virou seu corpo, mas não antes de ouvir a voz que o parou completamente.
?
A Sra. Maggi estava com os braços cruzados sobre o busto e encarava-o por cima dos óculos de aros redondos. O menino mordeu o lábio inferior sentindo-se um completo idiota. Deveria ter saído antes que a mulher o chamasse. “Idiota”.
— O que faz aí fora? A aula já começou faz… — ela olhou o relógio. — sete minutos. Quer entrar, por favor?
— Eu… — o menino tentou, pelo menos, explicar o atraso, mas a mulher o interrompeu.
— Eu fiquei sabendo que você foi suspenso, tenho certeza que não quer arranjar mais problemas. Entre logo, tenho um comunicado importante a fazer para vocês. — ela disse tocando as costas fortes do menino enquanto dava um sorriso amigável. — Sorte a nossa que chegou a tempo de ouvir o recado. — ela disse feliz à classe, que ao contrário, olhava o menino com apreensão.
Era a primeira vez que eles o viam desde que ele havia surtado na quarta-feira passada e os olhares de medo ainda estavam presentes nos olhos daquelas pessoas. apenas ignorou, mas não pôde deixar de sentir o solavanco tremendo que houve dentro dele quando ele viu olhos azuis faiscarem em sua direção com um misto de surpresa e interesse.
Mesmo com o lábio inferior cortado por sua própria culpa, ele não pode deixar de morder a ferida com força. Aquele corte em seu lábio o lembrava exatamente da noite em que o provocou... Enquanto rebolava no colo do namorado. Lembrar disso com ela ali na classe encarando-o era mais torturante do que ter visto a cena sem que ela soubesse. Era como se a menina pudesse descobrir que ela não estava tão sozinha com o namorado naquele momento, era como se a menina pudesse saber que ele estava por trás daquela porta olhando toda a movimentação sexual do casal como um maluco insano.
Sentou-se em sua cadeira sentindo a pele formigar pela raiva de olhar o corpo de e lembrar que as mãos imundas daquele idiota passaram por todo o corpo dela, que estava nua. Porra, ele não se conformava. Embora a sua raiva fosse tanta, ele sabia que não suportaria o ciúme doentio por . Ainda bem que ele tinha a sorte de não conviver com a garota, pois então ele não saberia o que poderia acontecer com a revolução de sentimentos que, a todo custo, ele tentava esquecer.
— Bem, — começou a professora olhando brevemente para e depois encarou a classe. — eu tenho uns avisos importantes para fazer a vocês hoje. Quem prestou atenção no que eu havia dito no primeiro dia de aula, deve saber que eu faço diversas atividades ao longo do bimestre. Eu disse que iria me aprofundar mais nesse assunto e hoje é o dia.
encarou a professora com os olhos entediados. Não gostava muito de Matemática, mas como era obrigado a estudar, ele estudava direito e certo. Mas o problema era a infinidade de exercícios que os professores daquele inferno passavam para eles. Ele nunca dava conta.
— Existem algumas atividades que faremos individualmente, mas outras eu trabalho com duplas. Poderão formar suas duplas para fazer o trabalho do melhor jeito possível…
— AHH! — ele ouviu a voz histérica de Britney Heigns se dirigir à que se assustou pelo grito da amiga. — Eu quero fazer com você, , eu quero! Podemos fazer juntas?
— É claro que podemos. — a menina sorriu, mas a Sra. Maggi balançou o dedo indicador negativamente.
— Mas não senhora! — ela disse apontando para a loira que murchou o sorriso. riu por dentro. — Quem te disse que vocês irão escolher as duplas? Imagine... Sou eu que vou escolher. E você, Srta. Heigns fará dupla com Brian Fielding. Ele será o seu parceiro do ano inteiro.
Todos os olhos se voltaram para Britney Heigns e para o nerd que se encolhia sob a carteira e a cadeira. quis muito dar uma gargalhada bem alta, mas se contentou. Era muito difícil não rir ao ver que justamente Britney Heigns faria dupla com algum nerd bobão.
— Dupla do… ano inteiro? — a loira engoliu em seco e a professora sorriu acenando positivamente.
— O parceiro que escolheremos hoje será até o fim do ano. Todas as atividades que eu pedir em dupla serão feitos entre vocês que serão escolhidos. Não quero trios, quartetos ou grupos. Eu quero duplas, mas eu quero as duplas que eu escolher, estão entendendo? — a sala ficou em silêncio apenas temendo pela escolha da professora. Ela, com certeza, escolheria os pares mais improváveis, pois essa era o objetivo dos professores quando eles mesmos escolhiam algum grupo. tremeu por dentro e começou a torcer com todas as forças para que não tivesse de ser dupla de certa pessoa muito interessante sentada a três carteiras de distância dele. — Você, Kaius McMillan, pode sentar-se com Annie Tawbolt... Você, o loirinho aí — ela apontou o loiro que prendeu a respiração. — Sente-se com Edgard Louis, por favor…
E assim se passou a escolha das duplas que seriam par anual. Os pares eram os mais ridículos possíveis e não deixava de rir por dentro. Era muito engraçado ver o quanto aqueles idiotas se odiavam entre si. O menino ainda não havia sido escolhido pela professora, mas isso não o deixava mais tranquilo. também não havia sido escolhida e o grupo inteiro dela já estava sentado ao lado de sua dupla estranha. Tendo um presságio do que viria a seguir, o garoto se amaldiçoou por ter entrado naquela maldita aula.
— E, por fim, ... — e então os olhos da professora juntos aos olhos azuis amedrontados de o encararam. — Você fará dupla com . Já podem se juntar, por favor.
A garota arregalou os olhos explicitamente encarando que a olhava estático.
“Isso só pode ser brincadeira, não é mesmo? Não! Eu não estou fazendo dupla com essa garota, eu não acredito. Mas que merda que eu fiz da minha vida para merecer um castigo desses?”
Os dois ainda se encaravam com a apreensão nos olhos e a garota mordeu o lábio inferior, nervosa. rolou os olhos e jogou-se sobre a cadeira. Até parece que iria se levantar para sentar ao lado daquela menininha.
Antes que pudesse ao menos pensar, ele sentiu a sombra de uma pessoa ir até ele e trazer uma carteira, colocando-a ao lado da sua e, respectivamente, uma cadeira e logo se sentou ao lado do garoto encolhendo as pernas para si. O maldito perfume doce de morango invadiu suas narinas e ele mordeu o lábio inferior, sentindo raiva. Ele não podia acreditar que sua dupla de Matemática do ano inteiro seria ela, , a garota que ele mais precisava de distância naquele momento.
E então a lembrança de sua Harley veio em sua mente. Fechou os olhos com força se amaldiçoando por não ter ficado em casa quando a moto não pegara. Havia sido um sinal. Um sinal de que ele não deveria ter ido à escola aquele dia, mas ele foi. De idiota que era. Ele foi.
Olhar pela primeira vez depois da cena desastrosa que ele presenciara era bastante difícil. Mesmo que de canto de olho, ele via o rosto da menina de perto e o quanto ela era extremamente perfeita para ele. Os olhos contrastados apenas por um delineador fino e os cílios grandes batendo sem parar, as bochechas naturalmente coradas e os lábios em forma de coração cobertos por um gloss incolor que apenas a deixava ainda mais vulnerável aos seus pensamentos insanos de capturar aqueles lábios com os seus e engoli-los por vários minutos. A pele clara dela parecia uma seda de tão lisa e não havia mancha alguma. Suas mãos estavam apertando-se umas nas outras, claramente nervosa com a escolha da dupla, e ele apenas a queimava com seu olhar insano. A menina engolia em seco ao sentir o olhar do outro analisando-a milimetricamente e então se lembrou de que o namorado havia tido tudo aquilo para ele naquela maldita noite. E o que mais o quebrou por dentro foi se lembrar que gostara — e muito — e de tê-lo dentro dela, a fodendo sem cansar.
O garoto franziu o cenho com raiva, sentindo o coração sangrar um pouco e virou para qualquer canto que não fosse a menina, ignorando-a completamente. Ele olhou a Sra. Maggi que organizava alguns papéis e passou a olhar do lado de fora da janela, como se o movimento parado ali embaixo fosse muito interessante.
E então foi quando o seu coração parou ao ouvir uma voz doce e angelical sendo dirigida a ele.
— Olá.
Ele, abruptamente, virou a cabeça na direção da garota encarando-a com um misto de raiva e curiosidade. A menina tinha os grandes olhos azuis focados nele e seus lábios de coração contorciam-se em um sorriso mínimo, porém apreensivo. Ele a mediu com os olhos em fendas e apenas acenou com a cabeça, virando-a para outro foco que não fosse ela. Não queria papo com . Não mesmo.
— Eu… — ela começou com a voz falha e ele respirou fundo procurando controle. — eu sou . Você é… , certo? — ela perguntou nervosa e o garoto assentiu de má vontade. — Prefere que eu te chame como? ? ?
está bom. — o garoto rosnou com a voz curta e grossa e a menina encolheu-se nervosa na cadeira.
— Se quiser, pode me chamar de ...
está de bom tamanho. — ele a interrompeu, claramente colocando um ponto final na conversa. Pronunciar o nome dela em voz alta era melhor do que ele imaginava que seria.
A menina olhou para o chão, envergonhada, mas se tornara irredutível. Não daria razão alguma para a garota, mesmo sentindo seu coração pesado por tê-la reprimido daquela forma.
Ele via por relance os cabelos da garota esconderem seu rosto perfeito e ele controlou o impulso de pedi-la desculpas, mas antes que pudesse pensar em cometer tal ato, a Sra. Maggi recomeçara a falar.
— Bem, agora que todas as duplas estão formadas, vamos à atividade de hoje… — ela disse abrindo um livro grosso conferindo algumas coisas antes de voltar a falar com a classe. — Faremos dez exercícios para eu poder ver a desenvoltura de vocês com a sua dupla, tudo bem? Antes que me perguntem, já digo que valerá nota, trará para cada um três pontos positivos que no final eu somo para a média. Os exercícios não serão nada além do que nós estudamos do primeiro dia até aqui. Copiem o enunciado. E não se esqueçam que quero as questões para hoje. — ela finalizou e se virou para o quadro-negro já começando a colocar os exercícios na lousa.
e permaneciam em silêncio desde a última frase de e nenhum dos dois voltara a falar um com o outro. A garota suspirou tirando o lápis e a caneta do estojo, abrindo o caderno florido e pegando uma folha e passou a copiar o enunciado que a professora já estava escrevendo. apenas observava e então fez o mesmo, mas ao contrário, começou a responder a primeira questão que estava quase que finalizada na lousa. Ele era realmente bom em Matemática, embora não gostasse da matéria nem por decreto e estudar Geometria Analítica novamente o deixava ainda mais esperto e eficaz nas atividades. Ele passou a rabiscar os cálculos pela folha branca com sua letra, que em comparação à letra redonda da menina ao seu lado, era um verdadeiro garrancho. estava tão distraído fazendo os gráficos do Plano Cartesiano que eram pedidos no exercício que apenas sentiu a respiração da menina ao seu lado, encarando o papel que ele escrevia.
— O que você está fazendo? — ela perguntou claramente confusa, comparando sua folha com a do menino ao lado.
— Respondendo os exercícios, por quê? — ele perguntou irritado a garota, que ergueu as sobrancelhas em confusão.
— Mas eu estou copiando os enunciados. — ela disse apontando para a folha rosa que contrastava sua letra bem caprichada.
— Eu sei. — rolou os olhos voltando a rabiscar os cálculos, tentando se concentrar nas contas.
— Espera, isso não está certo. — a menina voltara a falar e jogou o lápis sobre a mesa respirando fundo. — Eu não posso permitir que você faça as contas sozinho. Eu tenho que te ajudar.
— Não tem problema algum nisso. — ele disse cerrando os dentes sentindo o autocontrole esvair-se com a insistência da menina.
— Claro que há. Nós somos uma dupla, tenho que fazer as respostas com você.
Sentindo suas veias latejarem de raiva, ele fechou o caderno com força, assustando a garota ao seu lado.
— Muito bem, então. — ele disse largando o lápis com raiva, enquanto a menina o fitava com os olhos brilhando de medo. — Não faço mais nada e a gente não entrega a atividade hoje. — a menina hesitou, mas acenou negando.
— Não podemos deixar de entregar. O trabalho tem de ser entregue para Maggi hoje, ela disse isso. — a menina falou com a voz embargada, mas o garoto estava a ponto de explodir de verdade.
— Então se você realmente quer entregar essa droga hoje, faça a porcaria do enunciado e me deixe responder as perguntas em paz. — ele disse abrindo o caderno com violência e voltando a rabiscar os números e letras com pressa.
Ele viu de relance a garota assentir e virar-se tímida para sua folha, copiando o enunciado. Ele conseguia ver também o quanto ela estava corada e sem graça. Seus olhos azuis estavam mais claros à medida que a água se formava sobre eles e ele sentiu um quê de culpa por tratá-la daquela forma. Ora, ele era realmente um maluco injusto. não devia satisfações para ele de sua vida pessoal e nem nada do tipo. Se ela tinha um namorado, o que ele tinha a ver com isso? Se ela transava ou não com o namorado, por que ele estava a culpando por isso? Ela não devia nada para ele e nem nunca deveria, pois depois daquela forma que ele a tratou, ele percebera o quanto havia a magoado e deixado-a triste. E isso era a última coisa que ele queria fazer. Magoar a sua .
E ali ele percebeu que todo o casulo de distância que havia construído em relação à garota havia se quebrado em mil pedaços. Ele estava a mercê de sua obsessão pela menina, enxergando suas qualidades infinitas, os gestos dela que eram mais do que educados e refinados, o modo como seus olhos estavam tomados pela água das lágrimas que queriam descer e também como ela engolia em seco para tentar engolir o choro por ter sido maltratada por ele.
Ele havia feito algo para ela chorar.
Ele.
Somente ele.
Quis muito bater em si mesmo como um louco na frente de todo mundo por tamanha burrice. Como ele deixara que sua mágoa pessoal idiota ultrapassasse tudo o que ele mais queria? Ele queria . Mesmo sentindo raiva dela por ela gostar de transar com o namorado, ele ainda a queria. E ele simplesmente a deixou escapar por seus dedos, sendo que a tinha como dupla durante o ano inteiro. Agora ele teria que penar para ter uma boa convivência com a garota.
Escrevia as respostas dos exercícios sem nem ter certeza do que exatamente ele colocava naquele papel. Assim que chegara ao último exercício, foi quando ele percebeu que havia terminado os enunciados. Ela destacou outra folha de seu caderno rosa florido e, sem dirigir uma palavra, sequer um olhar à Nishi, ela passou a copiar as respostas em silêncio na folha limpa.
Ele mordeu o lábio machucado, ignorando o choque, ao vê-la copiar os números e letras com tanta mágoa que chegava doer fundo em seu coração. Os lábios rosados dela estavam puxados num pequeno bico de insatisfação e ele quis sorrir, mas se sorrisse, estaria rindo de si mesmo. Ele que havia causado aquilo nela. O sorriso que ele tanto gostava de ver estava, agora, tomado pela mágoa e dor por ter sido insultada pelo companheiro de aula.
Depois de tempos naquela nuvem negra, a menina terminou de copiar as respostas e grampeou a folha levantando-se e entregando para a professora. tinha a cabeça abaixada enquanto se sentia cada vez mais idiota por ter tratado a menina daquela forma. Como ele fora deixar aquilo acontecer? Por que ele tinha que sentir raiva da garota por algo que ele não tinha nada a ver?
E interrompendo sua briga interna, ele escutou as coisas da mesa ao lado sendo mexidas e levantou abruptamente a cabeça olhando guardar o material com a cara carrancuda.
— Aonde você vai? — ele perguntou estranhando a atitude da menina. Ela fixou os olhos azuis irritados na direção dele e cerrou-os.
— Para o meu lugar. A aula acabou. — e então apenas viu as duplas se desfazerem, cada um voltando ao seu lugar e a Sra. Maggi indo em direção à porta enquanto o Sr. Herson Meyer, o professor de História, entrava. voltou o olhar para a menina que guardava o resto das coisas com os lábios crispados, mas antes que ela saísse do lado dele, ela o encarou. — Pode ficar tranquilo que da próxima vez eu faço questão de responder os exercícios sozinha, assim como você fez hoje. Tchau. — ela se virou jogando a cabeleira lisa para todos os lados e logo sentou emburrada no grupo, onde seus amigos reclamavam de suas duplas, mas ao contrário deles, ela apenas ficou calada enquanto abria o material de história e ignorava todos, inclusive , começando a escrever.
Ele a fitava sentindo a culpa ser injetada por seu sangue e tudo o que ele queria era levantar-se dali e pedir desculpas por ter sido tão grosseiro, mas o modo como a menina estava irritada apenas o deixava ainda mais apreensivo. Teria ele perdido a garota dos seus sonhos? Ou ainda teria chance de concertar o erro que cometera tão idiotamente?
Tudo o que ele mais queria era uma segunda chance.
E conseguiria.

*Mes amours: meus amores


IX. Apology Accepted? Maybe...


Ela estava abraçada a um urso de pelúcia que havia ganhado de sua mãe em seu aniversário de dez anos. Era o urso favorito dela, o que ela mais gostava dentre todos os outros que tinha no quarto. Dentro de seu peito seu coração doía e por mais que ela se recriminasse por sentir tal dor, ela não conseguia deixar de sofrer com aquilo. Merlim estava deitado esparramado ao seu lado e a companhia dele era tudo o que ela queria naquele momento, porque ele não iria perguntá-la o porquê de ela estar chateada daquela forma. Ele apenas a faria companhia, demonstrando todo o seu amor para com a garota sem confrontá-la. Apenas estava ali, com ela. Era isso que importava.
A satisfação de ter visto entrar novamente por aquela sala sem ter sido expulso havia se esvaído quando ele a tratou de forma tão rude enquanto faziam a atividade. Ela não perguntara nada demais, apenas não queria deixá-lo sobrecarregado com todos os cálculos das contas enquanto ela somente copiava o enunciado. Não era desse jeito que fazia trabalho com duplas. Não era dessa forma que ela queria que fosse a sociedade deles durante o ano como parceiros.
Ela deveria imaginar que , com todos os problemas que provavelmente passava, seria grosseiro e surtado, diferente dos garotos que ela estava acostumada a interagir. Deveria imaginar que ele não a trataria bem, pois ele repelia qualquer pessoa daquela escola como se fossem um bando de animais. Por que ela achava que com ela seria diferente? Por que ela pensava que, ao sentar ao lado dele e pedir para chamá-lo de , ele iria simplesmente dirigir-se a ela com todo o carinho do mundo? “Mas é claro que não.”
Riu de sua tolice enquanto colocava o urso de pelúcia em cima da cama e puxava um Merlim preguiçoso para seu colo. O gato encarou-a com os olhos amarelos cerrados de sono e ela mordeu o lábio inferior lembrando-se de . Ela não poderia sequer pensar na possibilidade de esquecê-lo novamente e colocar como centro de sua atenção e pensamento. Tentava a todo custo se lembrar da noite maravilhosa que passara com ele naquela mesma cama em que estava sentada agora e por mais que a noite perfeita ainda estivesse fresca em sua mente, ela não conseguia parar de pensar em como o seu coração sangrava com o maltrato de para com ela.
Não que ela nunca houvesse sido maltratada por ninguém, mas… com era diferente. Ela não imaginava que ele simplesmente a repeliria daquela forma tão ousada e repugnante. Nunca imaginava que ele seria mais do que um mal educado. Tudo o que ela pensava era que, no momento que conversasse com ele, pudesse descobrir os mistérios que envolviam aquele garoto, descobrir o porquê de toda aquela revolta, de todo aquele alarde… Queria conversar com ele de uma forma mais aberta, de uma forma mais amigável. Se bem que agora ela achava que a palavra amigável não compunha o dicionário daquele garoto. Ele sabia ser tudo, menos amigável.
Suspirou alto enquanto abraçava Merlim, que ronronava confortável. O pelo macio do gato fazia cócegas em suas bochechas rosadas e ela apertou ainda mais o corpo gordo do bicho contra o seu.
— Sabia que você é o melhor para me ouvir lamentar pelas coisas? — ela disse passando o nariz no pelo cheiroso do bicho que ficava cada vez mais derretido no colo da garota. — Mas eu queria tanto que você soubesse me dar conselhos. Eu não sei o que fazer... Eu tento não ficar magoada com aquele garoto estúpido, mas eu não consigo! Merlim! — ela berrou colocando o gato assustado defronte aos seus olhos e encarando o animal com os olhos enormes. — Eu. Não. Quero. Me. Importar. Com. Ele! Você me entende? — ela sacudia o gato que a olhava com os olhos amarelos esbugalhados. — E se eu me esquecer de como havia me esquecido antes? E se eu não conseguir mais olhar da forma como ele deve e merece ser olhado? — a garota agora abraçava o corpo do gato com possessão. Assim que seu coração parou de disparar, ela largou o bicho na cama, levantando-se sob o olhar amarelo. — Você tem muita sorte de ser um gato, viu? Nunca reclame da sua vida.
E então ela saiu em direção à sua mesa onde o trabalho de Inglês a esperava. Ela sentou diante do caderno e dos livros com a cabeça girando. O Mac estava aberto em sua frente com o texto que ela deveria passar para o papel, mas nem nisso ela conseguia se concentrar.
Decidiu que iria descer e pegar alguma coisa para comer enquanto fazia o trabalho. O que ela mais gostava era comer enquanto fazia alguma coisa como, por exemplo, um trabalho extenso como o de Inglês, onde era necessário que ela copiasse textos sobre a literatura nos Estados Unidos e escrevesse o que havia entendido sobre cada movimento literário ocorrido naquela época. Havia escrito o trabalho no computador para facilitar sua vida na hora de passar à mão para o papel. Enquanto escrevia os textos sobre os movimentos literários, seus pensamentos vagavam apenas para aquela época que, aos seus olhos, era muito interessante, porém assim que terminou os textos para passá-los na folha branca, o tratamento de para com ela veio em sua mente e ela se viu completamente absorta do Inglês.
Desceu as escadas indo em direção à cozinha que, naquelas horas da tarde, estava desocupada pelos empregados que faziam demais afazeres ao redor da casa e Nana que sempre tirava um cochilo depois do almoço. A cozinha branca estava impecavelmente limpa que nem parecia ter sido utilizada para preparar almoço algum. Seu pai essas horas estava na empresa comandando os agendamentos de eventos culturais que aconteciam com frequência em escolas e cursos que ele patrocinava. Ele, graças a Deus, não havia perguntado nada para a menina sobre suas confusões pessoais e ela se sentiu mais do que aliviada. Voltar a falar sobre poderia ser pior do que pensar, ela achava. Apenas para não ter que ocupar sua mente chateada com a grosseria do garoto perturbado, ela resolvera não contar nada à Nana, disfarçando seu mal estar com o que havia acontecido na primeira aula. Sua tentativa de “encenar” que estava bem acabou dando mais do que certo, pois Nana nada percebeu.
A garota abriu a geladeira procurando cortar um pedaço de bolo de chocolate e começar a escrever o texto, que não era pequeno, mas seu desânimo era tanto que ela quase desistiu. Assim que pegou também um copo de leite, subiu as escadas em direção ao seu quarto, encontrando o gato Scottish Fold adormecido em seu travesseiro. Sorriu balançando a cabeça e logo se sentou em frente ao Mac começando a reler o trabalho de vez em quando dando garfadas na fatia de bolo e tomando goles pequenos do leite. Enquanto ela lia os textos no computador, sua concentração teimava em se misturar com seus sentimentos e deixá-la numa situação deplorável de chateação. Ela estava realmente chateada por ter sido maltratada pelo garoto superinteressante de olhos . Com uma bufada alta e rendição, ela parou de ler os textos, deixando de tentar encontrar algum erro, e não tardou a copiar do jeito que estava. Que se dane! Como ela poderia se concentrar em textos literários quando ela havia sido maltratada pela última pessoa que deveria ser grossa com ela? E por que diabos ela estava pensando em quando ela deveria pensar em ligar para ?
Só de raiva, deu uma garfada enorme no bolo levando-o à boca comendo depressa. Pegou o celular que vibrava em cima da mesa repleta de mensagens do grupo das meninas da torcida e, ignorando as garotas que falavam sem parar, foi em sua pasta de músicas selecionando a música mais relaxante que ela tinha. Pelo menos escutando as músicas soarem calmas em seus ouvidos, ela pôde concluir o trabalho sem maiores preocupações.
Mais tarde naquele dia, perto da hora de dormir, ela fitava seu quarto com os olhos quase se fechando de sono. Embora ela sentisse vontade de deitar a cabeça no travesseiro e dormir até o dia seguinte, ela tinha medo de que quando fechasse os olhos, imagens da primeira aula pela manhã fizessem morada em sua mente e trouxessem olhos raivosos que a encaravam. Fechou os olhos com força tentando reprimir a imagem do garoto sombrio de sua mente e tentar colocar em seu lugar.
“Lembra da noite maravilhosa que você passou com ... Lembra de todas as promessas que ele te fez pra te fazer feliz... Lembra que é só dele que você tem que lembrar todos os dias...”
Mas nem um mantra fortíssimo poderia afastar os pensamentos conturbados de sua mente. Pensava seriamente se havia feito o certo de não contar nada a Nana. A mulher poderia tê-la ajudado a superar toda aquela confusão como sempre faz, mas... Ela apenas não queria responder perguntas de fatos que gostaria de esquecer. Mas era tarde demais. Nana já estava dormindo e havia tomado conta de sua mente completamente, fazendo a noite com se tornar insignificante e apagada.
Desistindo de lutar contra si mesma, ela deitou em seu travesseiro, apagando a luz do quarto e se entregando à inconsciência nem tão inconsciente como ela gostaria. Certo perturbado não a deixava dormir tranquila.

Assim que o despertador tocou, levantou de má vontade. Tudo o que ela menos queria era participar da aula de Matemática aquele dia, pois, muito provavelmente, Vera Maggi juntaria as duplas e ela não fazia a mínima questão de ficar ao lado de cinquenta minutos de uma aula, com ele a maltratando e a ignorando, mesmo que se sentisse completamente vulnerável a sentimentos desenfreados em relação ao garoto problema. Se não fosse tão contra os seus princípios e mandamentos severos de seu pai, ela faria questão de cabular a aula de Maggi ou até mesmo faltar. Tudo para não olhar para aquele garoto antipático novamente.
Mesmo tentada pela ideia de ficar em sua cama e faltar aquele dia, ela levantou e foi ao banheiro tomar banho e logo em seguida colocar seu uniforme sem delongas, pois seu pai que a levaria para a escola aquele dia, mas ao chegar à cozinha, não vira seu pai em lugar algum enquanto a mesa estava posta para o café.
— Cadê meu pai, Nana? — ela perguntou sentando-se em frente à mesa e logo tratou de cortar um pão enquanto encarava a mulher que colocava um prato de bolo na mesa.
— Ainda não desceu, chérie.
— Mesmo? — ela fitou as horas no celular. — Mas já são sete e meia.
— Quer que eu o chame?
E se seu pai tivesse se esquecido de que iria levá-la aquela manhã? Então ela não iria para a escola, não é mesmo? E de quebra não seria sua culpa por ter faltado e ainda além: não iria ver .
— Não precisa, Nana. Logo mais ele desce. — ela disse dando de ombros enquanto mordia o pão.
Ao contrário do que ela havia dito, Héricles não havia descido até dez para as oito da manhã. Enquanto ele não chegava, já cantava vitória, mas qual foi a sua surpresa ao ver o pai desestruturado gritando pela casa.
— Ande, menina, vamos para a escola! Estamos atrasadíssimos! — ele gritava enquanto tentava segurar sua mala de trabalho ao mesmo tempo que arrumava a gravata. — Nunca me atrasei tanto na vida! Anda, , o que você está esperando?
A garota olhou assustada para Nana e depois para o pai que estava vermelho pela afobação e pela irritação. Com o coração batendo desiludido, ela colocou a alça de sua mochila nas costas, ajeitou a saia e saiu em direção à porta enquanto seu pai corria para o carro. Deu um aceno triste para Nana, que se perguntou o porquê daquela repentina tristeza, mas apenas retribuiu a menina.
mordeu o lábio inferior tentando não transparecer seu desânimo com a aparição do pai, mas logo viu que ele não se importaria tão cedo com os sentimentos dela. Apenas praguejava e seu único objetivo era levá-la para a escola a tempo da primeira aula.
— Como eu pude me atrasar dessa forma? — ele se perguntava enquanto dirigia com pressa. — Eu realmente perdi a noção do tempo, minha filha, você acredita? Eu não vou conseguir me perdoar se você chegar atrasada no colégio! Como... como eu pude ser tão desligado? Eu realmente fui um péssimo…
— Pai! — a menina gritou e o homem a olhou assustado. — Calma, ok? Não tem problema nenhum. A primeira aula nem é tão importante assim.
— Toda aula é importante, . — o homem fechou a cara.
— Mas não precisa desse alvoroço todo. Fica tranquilo. Se eu me atrasar, Britney me empresta o caderno. — O quê!? Eu não quero você copiando nada do caderno de ninguém, . Você precisa ter as suas anotações em dia e eu não quero ser o culpado por você ter perdido a primeira aula.
rolou os olhos e desistiu de tentar qualquer diálogo com o pai. Ela sabia a neura que Héricles tinha com o estudo e preferia não se meter em nada que pudesse encrencá-la. levava os estudos a sério, mas muitas vezes dava uma escapada aqui e ali… Todo mundo um dia já fez isso, mas seu pai não entenderia que ela fazia. Preferia deixar ele se culpando por ela perder a primeira aula do que ter o pai a repreendendo por maus modos nos estudos e coisas do tipo. Ao chegarem ao prédio que já estava quase deserto, ela desceu com pressa enquanto o pai saía do carro e insistia em levá-la até a classe para, no mínimo, tentar deixá-la entrar.
— Pai, me deixa ir sozinha. Eu me viro, ok? — ela falou colocando a alça da bolsa no ombro e saindo, mas o pai caminhava atrás dela.
— Mas é claro que não! E se você não conseguir entrar? , eu…
— Pai, você é quem está me atrasando agora. Vai para o serviço que eu me viro com Kirsten Finnigan, eu juro.
O homem hesitou por um momento, mas balançou as mãos enquanto corria para o carro. suspirou aliviada e passou a andar depressa. Enquanto subia as escadas para entrar no prédio, ela ouvia uma respiração afobada atrás dela e assim que se virou para ver quem estava ali, ela se arrependeu no mesmo instante.
estava pingando suor, sua camisa branca molhada grudando em seu peito e tronco fortes até demais, suas mãos grandes limpando a água da testa e bagunçando os cabelos com pressa. Ele apenas carregava a mochila e ela estranhou. Ele tinha uma Harley Davidson, não era? Então se ele não estava com o capacete nas mãos, ele provavelmente estava sem a moto. Mordeu o lábio inferior sentindo pena ao ver o menino subir as escadas com pressa, mas assim que ele a viu ali, seus olhos se arregalaram.
As bochechas da menina coraram violentamente enquanto recebia a carga elétrica que a atingia em meio aos olhos firmes do garoto forte. Suas pernas grudaram no mesmo lugar, enquanto ele também havia parado os movimentos. Os olhos do garoto passaram por seu rosto corado e nervoso, descendo lentamente por seu corpo pequeno e marcado pelas curvas que a roupa escolar insistia em mostrar. Ele parou um momento sobre o busto alto da menina e ela viu seus olhos cintilarem um brilho diferente de todos... Um brilho inteiramente animal. Antes que pudesse sentir o pânico tomá-la por completo, ela subiu o resto das escadas correndo e se distanciando o máximo possível do garoto, cujo peso do olhar ela sentia até de longe.
Correu sem se importar com os olhares curiosos e, depois de mais dois grandes lances de escada e alguns passos, ela chegou em sua sala, vendo que a Sra. Finnigan ainda não havia chegado. Agradeceu mentalmente enquanto ia depressa ao grupo de seus amigos e sentava em sua cadeira, limpando uma gota de suor frio que descia de sua testa. Seu peito subia e descia pela velocidade imposta e os amigos a enchiam de perguntas sobre o porquê ela estava naquele estado de choque, sobre o que estava acontecendo. Ela apenas disse palavras vagas como “eu estou bem”, “apenas não queria chegar atrasada”, o que os amigos não insistiram mais em perguntar sobre.
Seu coração acelerou tanto até que ela sentiu falta de ar ao ver entrar na sala com sua costumeira aura negra, mas os olhos predadores ainda estavam procurando por algo entre as pessoas. E qual não foi a sua surpresa ao ver que os olhos em chamas se postaram nela? Ele caminhava para cada vez mais perto dela, já que ele se sentava não muito longe da garota. Mesmo com seu corpo indo na direção de seu assento na última fileira, os olhos intensos estavam postos na garota que se encolhia cada vez mais na cadeira no intuito de tentar esconder-se da visão penetrante do rapaz. Ela estava se sentindo realmente incomodada com o olhar dele sobre o seu corpo e tudo o que ela queria era que ele parasse com aquilo.
“Mas você realmente quer que ele pare?”
A voz perguntou e ela quis morrer. Como assim? É claro que ela queria que ele parasse! Afinal, ele estava olhando para ela com um olhar muito diferente do que os outros garotos... Era um olhar tão evasivo, tão penetrante, tão... viciante.
Assim que o garoto se sentou e virou o corpo para encará-la com mais nitidez, ela virou abruptamente o seu, de modo que o garoto só conseguisse ver suas costas. As aulas se passaram com vagarosidade e ela não estava mais suportando os olhos de a medindo todo o santo minuto. Era como se ele fosse uma máquina feita especialmente para tirá-la do sério.
Com a proximidade da aula de Matemática, ela teve que se esforçar muito para não sair correndo à diretoria e alegar dores de cabeça fortíssimas. Ela queria simplesmente evaporar, virar fumaça ou um monte de areia só para não ter de sentar ao lado daquele menino perturbado e grosso outra vez.
Assim que Vera Maggi entrou com seus livros grossos e enormes recheados de cálculos, a pasta de classe do 3º ano B e suas demais coisas, o coração de parou. Agora ela estava literalmente ferrada. Não queria se sentar ao lado de por nada no mundo e trataria de pedir à professora que a trocasse de dupla imediatamente, pois não sabia como lidar com as pessoas. Ela parecia uma criança infantil até demais, mas ela não era um saco de pancada para um garoto qualquer a maltratar, sendo que ela nunca maltratou quem quer que seja. Doía muito. Sem falar no quanto ele a encarava como se quisesse estraçalhá-la ou algo do tipo.
Como podia se atrever a querer estraçalhá-la? Era por essas e outras que, naquele dia mesmo, ela falaria com Vera Maggi sobre sua dupla complexa. Não queria estar à mercê de algum perigo ou de simplesmente o garoto surtar e, em vez de quebrar uma carteira, quebrar sua cara inteirinha.
Para o seu enorme alívio, Vera Maggi dispensou a reunião das duplas para começar um tópico da matéria que em breve renderia atividades importantíssimas para a média do bimestre. não conseguia se segurar em si de tanta felicidade. Não teria que sentar ao lado de e de quebra pediria para Maggi mudá-la de dupla. Mordeu o lábio inferior sentindo-se realmente vitoriosa aquele dia, mais ainda do que quando pensara que seu pai não conseguiria levá-la a tempo para a aula.
Ignorava todos os olhares de sobre ela, por mais que muitas vezes ela mesma se traía e retribuía apenas para olhá-lo mais um pouco, apenas para conferir a chama quente que emanava daqueles olhos. Culpava-se imensamente pelas recaídas e tentava a todo custo se lembrar do quanto ele fora rude com ela, da chateação que sentira até o momento em que o viu naquela manhã e tudo mudara da água para o vinho. Nem mesmo a grosseria fazia tanto sentido naquele momento. A única coisa que a incomodava era o olhar que ele sempre dava em sua direção desde a festa até aquele dia. Eram olhares que beiravam à insanidade e ela se sentia realmente apreensiva com tal atitude, mas… No fundo de seu coração, ela sabia o quão diferente e excitante eram aqueles olhares desconhecidos... O quão era prazerosamente perturbador sentir todo aquele envolvimento.
Mas ela não poderia arriscar.
Tinha como namorado e deveria se contentar com isso. Tinha um compromisso com o rapaz e não deveria desonrá-lo com uma traição idiota de sua mente conturbada que a cada dia ficava mais negra. Ela não podia ser dupla de porque se sentia tentada pelo olhar penetrante do garoto e temia que tudo à sua volta desmoronasse quando ela não pudesse mais controlar os seus sentimentos e passasse a... Se apaixonar por ele.
Mas é claro que não!
Com o final da aula se aproximando e Vera Maggi sozinha em sua mesa olhando vários papéis diferentes, ela tomou coragem e levantou-se caminhando na direção da professora sentindo os olhares da sala inteira sobre suas costas, inclusive o olhar mais interessante deles. Ela mordeu o lábio inferior e assim que chegou à mulher, se agachou ao lado dela.
— Sra. Maggi? — perguntou depois de pigarrear nervosa.
? Oi. — ela disse retirando os óculos e olhando a menina atentamente. — Posso te ajudar em alguma coisa?
— Ahn... eu tenho um pedido pra te fazer… Na verdade, é mais uma reclamação e eu queria que você desse um jeito. — a mulher franziu o cenho em confusão e a menina suspirou abaixando a voz. — Eu quero mudar de dupla. Não quero mais ser parceira de . — ela disse finalmente, respirando aliviada.
Maggi a olhou com os olhos atravessados e com a testa ainda mais franzida. Ora, não havia nem dois dias que ela havia escolhido as duplas e já queria mudar?
— O que aconteceu? Eu escolhi as duplas ontem, menina. Como você quer mudar sem conhecê-lo direi…
— Sra. Maggi, por favor. é uma pessoa extremamente difícil… Eu não acho que consiga conciliar as atividades com ele sem me sentir ofendida.
A mulher encarou por um momento e logo seus olhos se postaram sobre o menino que as fitavam com demasiado interesse. A professora suspirou levantando-se e tocando as costas de , guiando-a para fora da sala no intuito de conversarem melhor. mordia o lábio inferior sentindo o nervoso e temia que Maggi lhe repreendesse por tal pedido, mas o olhar calmo e apaziguador da professora apenas a fez se sentir mais calma e esperar não por repreensão, mas por conselhos.
— O que aconteceu entre vocês? Quero dizer, ele te ofendeu realmente?
— Ele... — a menina hesitou, mas então desatou a falar. — ele foi muito grosseiro, eu apenas não queria deixá-lo sobrecarregado com as contas, mas ele simplesmente me repeliu de uma forma muito indiferente, sabe? — a mulher assentiu. — Não sei se quero continuar com isso.
— E ele fez somente isso? Somente a ofendeu, nada além disso?
mordeu o lábio inferior olhando para todos os cantos sentindo o suor brotar por sua testa. Ela deveria falar sobre os olhares sinistros que recebia do garoto constantemente nas aulas? Deveria falar que se sentia invadida pelos olhos intensos dele e que tinha medo de ser observada de forma tão explícita?
“Deixa de ser idiota. Não fale nada disso.” Como ela falaria se tinha a liberdade de olhar quem quisesse, quando quisesse e onde quisesse? Ela não poderia interferir nisso. Então, ali, ela percebeu o quão ridículo estava o seu papel de querer fugir de como um cachorrinho assustado.
— Ele não fez nada além disso, eu garanto. — ela disse sentindo as bochechas corarem. — Foi somente um desentendimento.
, eu vou ser sincera com você. Eu não posso te mudar de dupla somente porque vocês se desentenderam. Muitas duplas também tiveram breves conflitos por diferenças entre si, mas isso não é motivo para que eu troque vocês, você me entende? — a menina assentiu olhando para baixo, entrelaçando suas mãos uma na outra. — Eu peço desculpas, querida. Eu quero que vocês tenham relações interpessoais, porque vocês apenas conversam com quem convém e um convívio dentro de uma sala de aula não pode ser dessa forma. Eu sei que é problemático e já causou tantas confusões, mas... Tente relevar isso. Não se importe com as grosserias dele. — a menina assentiu sentindo o coração despencar. Ela não teria sua dupla trocada. — Com o tempo vocês se acostumam com a presença um do outro e vão saber se virar juntos. Eu prometo. Tudo bem? — ela passou o dedo por uma mecha do cabelo liso da menina que assentiu, sorrindo com gratidão.
— Eu vou tentar, Sra. Maggi. Farei de tudo para sermos bons parceiros.
— Vai dar certo, querida. Agora, vamos entrando? — a menina sorriu e logo a mulher tocou nas costas macias da menina levando-a para dentro, ignorando todos os olhares curiosos sob as duas.

— O que Maggi queria com você? — Britney Heings e estavam no intervalo e enquanto ambas comiam, a loira questionava a amiga.
— Nada demais. Apenas uma dúvida com a matéria. — a menina respondeu dando de ombros enquanto mordia um nacho.
— E precisavam sair da sala para tirar a dúvida? — bufou e olhou para a menina que sorriu nervosa.
— Brit, dá pra parar? Foi somente isso. Apenas dúvidas. — a loira assentiu, mudando de assunto, mas para um assunto que não queria tecnicamente pensar e muito menos falar.
— E ? Como foi fazer dupla com ele? Porque fazer dupla com Brian Fielding é um verdadeiro saco. — Britney falou como se sentisse nojo e crispou os lábios. Não queria falar sobre com ninguém. Teria de aturá-lo nas aulas de Matemática o ano inteiro, sem falar nas outras e ainda não conseguira acreditar que não poderia mudar de dupla.
— Foi normal. — falou displicente como se não se importasse.
, fala sério. — a garota encarou com seus olhos verdes e a menina sentiu o coração bater mais forte. — é problemático e isso é fato, mas não dá para negar que ele é um puta garoto gostoso, não é?
— E daí? Apenas somos parceiros e contra a nossa vontade, que fique claro.
— Não sei, não, hein. Ele anda dando umas olhadas sinistras para a gente lá na sala e eu tenho a impressão que não é por causa das meninas ou por minha causa.
sentiu um pedaço no nacho entalar em sua garganta e, da forma mais disfarçada possível, tossiu. “Como assim Britney havia percebido os olhares sombrios de ?”
— Do que você está falando? — depois de um tempo tossindo, com Britney batendo em suas costas, a menina perguntou sentindo medo do que poderia ouvir.
— Vai me dizer que você nunca percebeu? — a garota ficou boquiaberta e arregalou levemente os olhos azuis. — Todos do grupo já percebemos.
— Que nada, vai. — a menina fingiu um sorriso fajuto e balançou a cabeça negativamente. — Isso com certeza é uma grande confusão. Pior ainda você achar que ele fica olhando justamente para mim. Pode parar.
— Se você não quer acreditar, tudo bem. Mas que é estranho, ah, isso é. — ainda permanecia impassível. — Mas me conta, e ? Como está o namoro de vocês?
respirou aliviada e tratou de colocar o melhor sorriso em seu rosto, mesmo que fosse um tanto forçado. Desatou a falar de , omitindo detalhes sórdidos e tudo o mais que envolvesse intimidade demasiada. O que ela não contava era que falar de já não era tão empolgante como antes.

As semanas se passaram arrastadas e nem por isso deixava de encará-la com seus olhos profundos e sombrios. As aulas de Matemática na maioria estavam sendo individuais, mas por algumas vezes ela tinha que se juntar com e, agradecia de todo o coração, por não serem aulas de segunda-feira em que haviam dois tempos. Sentar ao lado dele nas aulas era como se ela estivesse sozinha, pois nenhuma palavra era proferida na direção dela, nenhuma pergunta, questionamento ou algo relacionado à matéria que eles deveriam discutir juntos. Muito ao contrário, estudava sozinho e ela fazia o mesmo, ignorando a presença do menino. Mas o que a fazia ter certeza de que não estava sozinha eram os olhares que ele lançava sobre o seu corpo constantemente. Se de longe, ele já não poupava discrição ao encará-la, imagine de perto?
Ela se sentia completamente esquisita com aqueles olhares, mas o que ela não contava era que estava gostando. Estava gostando de ser olhada daquele jeito bruto que só tinha, estava gostando de ter seu corpo analisado pelos olhos ameaçadores daquele garoto, estava gostando de cada vez que ele fixava os olhos em seus seios fartos e bem protegidos pela camisa social, porém saltados no tecido branco. Uma chama se acendia dentro de seu corpo cada vez que ela percebia os olhares constantes do fortão ao seu lado e, muitas vezes ao olhá-lo também, ela sentia mais chamas correrem por suas veias.
Como era bonito. Como ele era charmoso. Como ele era... Misterioso.
Excitava-a saber o quanto aquele garoto era intrigante, o quanto ele era diferente do que ela estava acostumada, porém a cada momento que admirava a beleza extrema do garoto, ela se repudiava por trair novamente. Nem mais uma noite de sexo com o namorado poderia tirar o interesse ardente pela sua dupla de Matemática.
Ela apenas temia a hora em que tivesse realmente que fazer dupla com . Talvez todo o seu autocontrole fosse por água abaixo apenas por ouvir o som reverberante e grosso de sua voz... Ela não aguentaria.

***

estava sentado em sua cama e um sorriso de lado pecaminosamente maldoso figurava seu rosto. O ar da noite adentrava seu quarto com toda a força e sua mente se lembrava do perfume doce de morango que em nenhum momento tirara da cabeça. Sua memória trazia as lembranças do olhar assustado de , o quanto ela estava ficando envolvida. Ele quis muito sorrir bem alto. Ela não estava conseguindo resistir mais. E isso era mais do que ele podia imaginar.
Lembrar-se da terça-feira onde ela correu dele era realmente engraçado. Ora, ele também chegara atrasado e com pressa naquele dia. Sua Harley havia enguiçado misteriosamente e ele não tivera tempo de mandar para uma oficina ou de checar algo e naquele dia ele realmente havia se atrasado. Até demais para quem iria andar quilômetros a pé. Teve de correr se quisesse chegar a tempo de não levar uma bronca de Emília Ohara e se quisesse fazer dupla com naquela aula de Matemática e lhe pedir desculpas.
Sim, ele estava disposto a pedir desculpas para a garota.
Ao chegar a escola, ele já não aguentava mais correr, sentia o suor molhar todo o espaço de pele de seu corpo, a camisa branca estava molhada e grudada em seu abdômen, seus cabelos pingavam água corporal e ele não aguentava dar mais nem um passo se não descansasse um pouco. Na hora em que ele parou, ele viu descer de um carro completamente diferente do dela, acompanhada de um homem alto e fortão. Com certeza seria o pai dela. Mordeu o lábio inferior vendo a saia da garota balançar pela afobação e pelo vento da manhã e sentiu algo se contrair em si. Aquela garota era muito gostosa e ele não podia negar.
Assim que o pai da menina havia arrancado com o carro, sorriu maldoso. Mas é claro que ele iria atrás dela e tentaria pedir desculpas ali mesmo, além de poder encará-la de perto novamente e, claro, não tratá-la mal de forma alguma. Mesmo com a respiração cansada e acelerada pela corrida desenfreada até a escola, ele andou para perto da menina observando todo o corpo tentador dela. Suas pernas brancas lisas, sua cintura bem afinada, sua bunda relativamente grande... Tudo nela era tão tentador que, até mesmo para um viciado como ele se tornara por ela, deveria manter a discrição e tentar, ao máximo, não agarrá-la ali mesmo.
Como se tivesse sentindo o peso do olhar do garoto atrás dela, a menina virou e ele parou imediatamente de andar. Os olhos azuis e de ambos se encontraram como um verdadeiro choque e ele sentiu o mundo dele, abruptamente, virar de cabeça para baixo. Como uma garota conseguiu mexer tanto com sua sanidade como aquela menina? Como conseguiu fisgá-lo tão perfeitamente e fazer dele como uma marionete, onde ele a seguia e enfrentava todos os limites para poder estar tão perto dela? Como essa menina conseguia tal feito?
Seus olhos correram pelo rosto corado e paralisado da menina, sentindo o azul dos olhos dela tomando-o por completo. Contemplou o nariz pequeno e arrebitado, seguido pelos lábios em forma de coração que estavam entreabertos em nervoso, desceu por seu pescoço alvo e parou exatamente onde o seu pau dera um grande salto.
Os seios.
tinha uma fixação tão grande por seios femininos e os de , mesmo cobertos pelo sutiã e a camisa social branca do uniforme, pareciam que eram os peitos que o enlouqueceriam completamente quando ele tivesse a oportunidade de tocá-los, chupá-los...
O busto avantajado da menina era tão convidativo que insanidades se passavam em sua cabeça como um grande torpor. Ele sentia seu sexo começar a realmente acender dentro das calças sociais e tudo o que ele queria ela aliviar aquele desejo, aquela ansiedade.
Ele queria tanto pegar de jeito e mostrar o quanto ele, também, era viciante. Melhor que o namoradinho de merda dela. Mostraria para ela o verdadeiro significado de sexo, com o gosto na ponta da língua, onde ela desfrutaria do maior prazer que ela já teve em toda a vida dela. Nenhum dos filhinhos de papai seria capaz de dar a ela uma transa tão boa quanto ele lhe daria.
De repente, os peitos de saíram de sua linha de visão e ele a viu correr com pressa para bem longe dele. Ele balançou a cabeça negativamente. Se só de sentir o olhar de desejo dele sobre seu corpo, ela já correra... imagine quando ele a pegasse. Como ia ser bom.
Respirou fundo tentando acalmar seu corpo. Não poderia chegar na sala de pau duro nem pensar. Teria de esperar alguns minutos até que conseguisse andar sem sentir o pênis espremido dentro da calça. Dois minutos foram o suficiente e logo ele caminhava até a sala já martelando a desculpa para a professora de Artes, Kirsten Finnigan, mas não fora preciso. A mulher ainda não tinha entrado na sala e ele agradeceu por isso. Odiava ter que dar satisfações para professores folgados. E no meio de toda aquela gentalha que era a sua sala, ele procurou a garota dentre todos os rostos odiosos dali. E qual foi sua surpresa ao encontrá-la lhe encarando com os olhos amedrontados e encolhida na cadeira?
Por mais que seu instinto fosse dar risada, ele preferiu encará-la enquanto obscenidades passavam em sua cabeça. Ah, ela gemeria tanto. Ela imploraria tanto para que ele chupasse o botãozinho que era o ponto mais prazeroso dela. E ele chuparia com tanta força apenas para sentir o gosto dela em sua língua, como um predador que domina a sua presa. Chuparia os peitos avantajados da garota enquanto seu pau duro e grosso adentrava sua vagina apertada... Ambos não aguentariam tanto prazer. Sentou em sua cadeira sentindo o pau começar a latejar novamente e resolveu parar com tanto erotismo. Porra, ele achava masturbação algo tão idiota, mas é lógico que recorreria à sua mão para lhe dar uma ajudinha com o seu desejo pela sua dupla de Matemática.
Estava realmente ansioso para a aula de Vera Maggi. Tentaria se desculpar com a garota, já que não conseguira pronunciar nada a ela desde cedo. E ela também havia fugido dele. A culpa não era toda sua. Ou era?
A aula chegou, mas infelizmente, a professora não reuniu as duplas, alegando que iria começar outros dois tópicos importantes da Geometria Analítica para que fosse realizado um trabalho em breve. quis muito chutar algo. Ele queria conversar com , porra. E qual foi a sua surpresa ao encontrá-la conversando secretamente com Maggi sobre alguma coisa. Tentara ler os lábios das duas, mas a mulher levou a menina para fora onde conversaram por alguns minutos. voltara com o rosto contorcido em algo relacionado à apreensão e a professora olhava para a garota como se estivesse decidindo a ficar de olho em alguma coisa. somente esperava que a menina não tivesse pedido para trocar de dupla. Ou ele surtaria, literalmente.
Com o passar dos dias, seu alívio não tardou a voltar quando a garota, em uma das aulas de Matemática, sentou ao seu lado, mas permaneceu quieta e, figurativamente, distante. Não pronunciou nenhuma palavra, além de um “bom dia” sem jeito e insistia em ficar compenetrada em sua bolha particular, a qual não tinha como convidado. Todas as maneiras de lhe pedir desculpas haviam se dissipado, pois a menina não dera nenhuma vazão para ele poder se comunicar com ela.
Três semanas se passaram, cinco semanas em que ele estava maluco por ela, e nada de tentar um diálogo definitivo para poderem ter alguma aproximação. O sorriso maldoso ainda estava estampado em seu rosto enquanto ele fitava um ponto desconhecido de seu quarto. De amanhã não passava. Ele conversaria com , quer ela queira ou não. Não demoraria mais nem um segundo para começar a ter um relacionamento bom com a menina e em breve ter o que ele queria naquele momento: ela por inteiro somente para ele. Ele não suportava mais ter que reprimir seu desejo apenas com gozadas em sua mão. Ele queria para cuidar daquilo para ele. Ele queria sentir a menina junto ao seu corpo forte, mas não somente pelo sexo... Mas porque ele a queria. Dentre todas as garotas que ele já se relacionara, era a que ele mais queria ter por perto, não apenas para transar, mas para amar ou, pelo menos, tentar amar.
Fechou a cara ao constatar o que havia dito. Ele nunca havia pensado em amar alguma garota ou se entregar tanto a ponto de tal. Ele queria somente uma boa noite de sexo, beijar muito e depois tchau. Todas as garotas com quem namorara ou ficara, ele nunca havia se entregado tanto. Nunca para amar. Sabia controlar esse sentimento. Mas com a coisa mudava de figura. Ele queria, necessitava se entregar a ela, assim como ele sabia que ela também se entregaria.
E de amanhã, aproveitando os dois tempos de Matemática, não passava.
Ele falaria com ela e, passando por cima de todo o seu orgulho, rastejaria se fosse possível.
Ela iria perdoá-lo e ele não demoraria tempo algum para tê-la por completo para ele.

Depois de tomar o café, seguiu para a garagem onde sua Harley estava guardada. Ele havia mandado a moto para a oficina e agora ele não precisava correr contra o tempo para chegar à escola. Não aguentava mais estudar com a camisa social empapada de suor ou sentindo dor nas pernas pelo caminho percorrido com pressa. Pelo menos sua Harley estava bem e ele voltaria a usá-la. Apenas a deixaria de lado por uma justa causa, o que ele duvidava muito que ocorresse.
Logo, o garoto estava correndo pelas ruas, sentindo o ar da manhã bater contra seu rosto pela abertura do capacete e ele sorriu. Estava morrendo de saudades de sua Harley Davidson. Andar nela era melhor do que qualquer coisa no mundo. Em menos de quinze minutos, chegou à escola, estacionando a moto e tirando o capacete, enquanto via um tanto de alunos andando pelo estacionamento e seguindo para o prédio. Tentou buscar certa garota que cheirava a morango por entre todos aqueles imbecis, mas não a encontrou. Ele só esperava que ela não faltasse.
Subiu o lance de escadas até o prédio e logo subindo mais dois lances, chegara em sua sala que já estava ocupada por alguns nerds que tinham os grossos livros de Matemática abertos e cochichavam entre si. As meninas da torcida conversavam animadas, mas não estava por ali e nem os grandalhões do time de futebol. Os outros garotos, tecnicamente os idiotas que falaram de no dia de sua suspensão, estavam vendo alguns cards pornográficos e rolou os olhos. Bando de idiotas.
Sentou em sua costumeira cadeira e fitou a porta com grande ansiedade. Em sua cabeça, o mantra “por favor, venha para a escola... Por favor, eu preciso falar com você” reverberava sua mente e ele concentrava todas as suas forças em chamar a presença de para a escola aquela manhã. Logo, os grandalhões do time entraram e mais atrás, escondida pelo tanto de massa muscular, estava a menina que segurava o grosso livro de Matemática na mão e teve vertigens. A garota estava excepcionalmente mais provocante aquele dia. A saia que sempre era tão discreta, aquele dia estava um pouco mais curta, deixando suas grossas coxas mais visíveis. Os cabelos pretos batiam abaixo de sua cintura bem acentuada pelo uniforme, seus olhos estavam um pouco mais pintados e os lábios mais corados em um tom puxado para o vermelho.
Merda.
Ela queria enlouquecê-lo, não era?
Ela sentara em sua cadeira de sempre lançando o mesmo olhar na direção de , mas desviando rapidamente. O rosto bem desenhado dela estava tão chamativo, ela estava tão provocante aquele dia, que poderia jurar que não suportaria e a agarraria ali mesmo. Logo, Vera Maggi entrou com seu costumeiro “bom dia” e pediu as duplas para que se reunissem. Ele viu colocar a bolsa sobre os ombros e vir em sua direção depois de pegar uma carteira mais próxima e deixá-la ao lado, não colada, da carteira de . O perfume bom que a menina usava parecia a fragrância de morango misturado com champanhe e ele se viu na beira da insanidade. “Que filha da puta. Justamente hoje que eu pretendia falar com ela, ela me tira as palavras. Filha. Da. Puta.”
A menina sentou e não lançou nenhum olhar na direção de . Apenas encarava a professora, seus lábios de coração puxados num bico tentadoramente sexy, seus braços cruzados abaixo dos seios deliciosos, permitiam à uma ligeira visão da fenda tentadora entre os peitos da garota, apertados pelo sutiã. Afastando os pensamentos obscenos que o faziam ficar endurecido rapidamente, ele encarou o perfil da menina.
— Oi. — falou com sua voz grossa e máscula, vendo a surpresa passar pelo rosto dela e, imediatamente, a garota o olhou.
Os olhos azuis dela estavam ainda mais azuis aquele dia. Vários pontos pretos e cinza estavam desenhados em sua íris e seus olhos estavam pintados com um delineador mais grosso. Os lábios estavam realmente chamativos e ele teve que controlar o impulso de não desviar o olhar dos olhos para os lábios em forma de coração.
— Oi. — ela disse surpresa depois de um tempo encarando o garoto. Ele sorriu pequeno, baixando os olhos por um momento e depois voltou a olhá-la.
— Eu... acho que a gente precisa conversar. — ele disse e ela arqueou uma sobrancelha.
— Talvez, mas eu realmente não quero causar nenhum atrito.
— Não. A culpa foi minha. — nessa hora o garoto passava por cima de todo o orgulho que ele possuía. Tudo por . — Eu... eu não estava num dia muito bom. — e era verdade. Mesmo que não pudesse saber o porquê.
— Todos nós temos dias ruins, , mas nem por isso temos direito de descontar em outras pessoas. — a voz dela continha uma certa chateação e o garoto ficou completamente sem graça.
— Eu peço desculpas. Não era para ter sido daquele jeito. Mas pode me chamar de . — a menina o olhou, confusa. — É meu apelido. , certo? — por um momento a menina apenas o encarou realmente confusa, mas depois sorriu pequeno.
— Por favor. Se iremos ser parceiros é bom nos tratarmos da maneira mais convencional. — e então ela sorriu.
Os dentes brancos e alinhados em tamanhos iguais deixaram fora dos eixos por alguns segundos. O branco dos dentes contrastados com o vermelho dos lábios dela deixara o garoto realmente sem chão. Foi preciso que a menina fechasse o sorriso, mordesse o lábio inferior nervosa e virasse o rosto para qualquer lado que deixasse suas bochechas coradas fora do campo de visão do menino. Já ele não conseguia tirar seus olhos de cima da menina, até que a voz de Maggi tomou conta de sua audição e ele grunhiu por dentro por ter que desviar o olhar.
— Hoje eu tenho um aviso importantíssimo para vocês. — ela começou olhando o rosto de cada aluno. — Vocês se lembram de que eu mencionei uma atividade muito valiosa que vocês fariam com as suas duplas e que estudamos essas semanas que se passaram para vocês a realizarem? — alguns alunos assentiram, nerds e afins, enquanto os outros permaneciam calados, entediados e descontentes. — Hoje eu irei passar esse trabalho para vocês e explicar como vocês deverão fazê-lo. Alguém aqui pode me dizer os tópicos que eu mencionei que cairiam nesse trabalho?
Brian Fielding, o par de Britney Heigns, erguera sua mão tão alto que era impossível a professora não ver. Ela autorizou o garoto e ele desatou a falar. — Os tópicos são O Plano Cartesiano, Distância Entre Dois Pontos, Coordenadas do Ponto Médio de um Segmento e Baricentro de um Triângulo. — garoto puxou o ar do peito, sentindo-se orgulhoso.
Os demais nerds olhavam a classe com orgulho, os outros garotos questionavam se tinham mesmo aprendido tudo aquilo, as garotas encaravam umas as outras (Britney tinha os olhos verdes arregalados para Brian), tinha a sobrancelha arqueada e prendia o riso com todas as forças. Era realmente engraçado quando os nerds mostravam “as asinhas”. Maggi encarou o garoto, surpresa.
— É isso mesmo. — ela sorriu feliz. — As dúvidas quanto os tópicos poderão ser tiradas hoje, porque quero que vocês comecem esse trabalho e, que fiquem sabendo, eu não irei ajudá-los.
— E por que não? — Kaius McMillan falou atraindo olhares raivosos de sua dupla, Annie Tawbolt.
— Porque passamos semanas estudando e você tem a sua dupla e ainda mais, tem o livro que vai ajudá-los. Falando no livro, abram, por favor, na página 247.
Os livros faziam barulho pela classe silenciosa e paralisou.
Havia esquecido o livro do armário.
Recordou brevemente que Maggi havia pedido que trouxesse o livro aquele dia e na sua pressa de ver acabou se esquecendo de pegar. Ela teria que emprestar o livro dela, não é mesmo?
... — falou com a voz baixa e a menina murmurou um “sim” olhando-o. — Eu não peguei o meu livro. Esqueci.
A menina hesitou por um momento, olhando do livro dela para o garoto, mas depois sorriu.
— Pode ver comigo. — ela disse e se aproximou dela, vendo a menina parar a respiração abruptamente. Sorriu pequeno e começou a ver a página repleta de exercícios.
— Vocês estão vendo que há uma porção de exercícios nesta página referente a um dos tópicos estudados? — a professora perguntou aos alunos que olhavam o livro. — Este vai ser o trabalho das duplas. Vou passar quatro páginas com dez exercícios, cada página referente aos tópicos que estudamos.
— Você quer dizer que são quarenta exercícios? — perguntou o loiro do time e a professora encarou-o.
— Claro. Quarenta exercícios que deverão ser entregues daqui uma semana. — a sala começou a murmurar alto, exceto os nerds, e que estavam quietos em suas bolhas estranhas. Os dois últimos seriam realmente obrigados a estudar juntos, independente dos sentimentos confusos ou do desejo ardente, teriam que se superar. — E ainda mais! — a professora falou no meio da bagunça. — Não quero que façam esta atividade em sala. É para casa. Aproveitem para tirarem as dúvidas hoje e começarem a fazer amanhã seja aqui na escola depois do período de aula ou em qualquer outro lugar. Quero ver o desempenho de vocês fora do colégio.
A sala reclamou mais alguns minutos, mas vendo que não teria escapatória, deixaram para lá o alvoroço e fecharam a cara.
— As páginas são 247, 259, 271 e 282, respectivas aos tópicos com teorias e com dez exercícios onde todos deverão ser feitos com cálculos, anotações e etc. Não é necessário copiar o enunciado desde que vocês o entendam. Quero o trabalho com capa, índice e introdução. Feitos à mão, devo alertar. A capa deverá conter os dados da dupla, como nome, número da chamada e série, data e nome do trabalho. O índice deverá conter o número de páginas do trabalho e cada tópico de exercícios. A introdução será um parágrafo explicando a função de cada tópico, com as suas próprias palavras. Não venham copiar do livro ou da matéria que eu passei, que eu descontarei ponto e esse trabalho valerá quatro pontos na média de cada um. Não desperdicem a chance copiando da dupla ao lado, do livro ou do caderno. — ela finalizou sentando em sua cadeira. — Qualquer dúvida, por favor, estou às ordens.
Recomeçado o burburinho entre os alunos que reclamavam, ouviu soltar um suspiro baixo e mudar o cabelo de lado, deixando o perfil da garota completamente visível ao seu lado. O perfume de morango com champanhe atingiu com força suas narinas e ele enrijeceu o corpo. Logo, a menina desatou a falar, deixando-o completamente absorto com o tom doce de sua voz.
— Quarenta exercícios?! É muita coisa, você não acha? — ela não encarou , pois estava muito ocupada revirando as páginas procurando as atividades que deveriam ser feitas. — Como vamos fazer tudo isso? Quanto tempo demora?
não conseguia responder nada, apenas observava atentamente a movimentação afobada da menina, que tinha o rosto contorcido em preocupação e desânimo com a quantidade de exercícios. O garoto soltou um riso baixo enquanto observava os dedos com unhas médias peroladas baterem insistentemente no livro.
? — ela olhou para o garoto, que arregalou os olhos e tirou o sorriso da face. Ele a olhou como se a instigasse a falar. — O que vamos fazer para resolver todos estes exercícios até segunda-feira?
— Não sei. — o garoto contraiu o rosto pensando. — Podemos fazer aqui mesmo na escola.
— Não acho uma boa ideia. É... é que vai ter muita gente fazendo a atividade aqui também e eu não consigo me concentrar quando tem muita gente falando ao redor… — ela disse mordendo o lábio inferior como se pedisse desculpas.
— Não vejo outro lugar melhor para fazermos esse trabalho, . — ele disse encarando a garota que sorriu tranquila.
— Eu pensei na minha casa ou na sua, se possível. — ela sorriu e travou por completo.
Medindo os fatos, essa era uma opção completamente inaceitável. Como assim na casa dele ou na casa dela?
Ele não se infiltraria novamente na casa de . Ele não saberia nem com que cara entrar ali depois de tudo o que ele aprontou, sem dizer no coitado do segurança que foi vítima de uma de suas tramoias. Ele não iria para a casa de nem pensar, mas também não a convidaria em hipótese alguma para a casa dele. Como ele convidaria uma garota como para o muquifo onde ele morava, com sua mãe extremamente esquisita e um pai sádico e bruto que não tinha respeito algum por ninguém, nem mesmo pela família? Como, sinceramente, ele iria ficar tranquilo com estudando em sua casa sabendo que seu pai podia chegar a qualquer momento, assustar a garota e ela nunca mais olhar para a cara dele novamente? Ele não podia levar nunca em sua casa. Fitou a menina sentindo o nervoso invadi-lo. Os olhos dela estavam postados nele como se esperassem uma resposta. O garoto estava sem saída. O que fazer?
— E então? — ela perguntou mordendo de leve o lábio de coração. Ele ficou desnorteado por um momento. — Na minha casa ou na sua?
Se ele recusasse ir até a casa dela, ela iria querer ir até a sua, mas isso ele não permitiria nem que ela implorasse. Se ele fosse até a casa dela, o segredo estaria bem guardado, pois ninguém o vira entrar nas noites em que ele invadiu a mansão e nem mesmo o segurança se tocaria que bebeu três comprimidos esmagados de sonífero postos em seu chá pelo garoto. Tudo aquilo estava apenas na cabeça dele e era isso que importava. Ele deveria aproveitar a oportunidade para se aproximar de , conhecê-la, conversar e mesmo que isso fosse inevitável, se encantar por ela. Ele iria até a mansão dos , mas não como um intruso e sim como convidado. Convidado de . —
Na sua casa. A hora que você quiser.


X. Knowledge and Enchantment


havia ido para escola sem a Harley, ela notara. O garoto não chegara em nenhum momento com o capacete em mãos e também não tivera tempo de questioná-lo sobre, pois na aula de Matemática, Maggi tratou de passar outro tópico que cairia na prova e ela não viu outra opção senão ficar em seu lugar e deixar a curiosidade para mais tarde. Ela e haviam decidido começar o trabalho no dia seguinte, terça-feira, para que pudessem ter o final de semana livre. Eles seguiriam para a casa de depois que as aulas terminassem para poderem fazer, pelo menos, dez exercícios por dia, então até sexta-feira, o garoto estaria todas as tardes com ela e ela não sabia se isso era bom ou ruim.
não era um garoto mesquinho ou antipático como ela julgara. Na aula de segunda, onde ambos resolveram tratar-se da maneira mais educada possível, onde ele a pediu desculpas e ela se sentiu realmente contente por isso, ela viu o quanto ele poderia ser legal quando quisesse. Fechado, mas, ainda assim, legal. Dava para conviver com , pelo que ela pode concluir.
Ela ficou realmente apreensiva por ter feito o convite para fazer o trabalho de Matemática em sua casa e ainda mais nervosa quando ele aceitou. Ela não poderia fazer nada para mudar a situação. Eles tinham um trabalho imenso para fazer e, se tratando de Matemática, tudo era muito mais difícil para ela quando tinha que estudar na bagunça. Nunca fora boa em Matemática, embora soubesse fazer muita coisa. Qualquer barulho alheio a desconcentrava e a deixava irritada. Não queria ficar na escola, ter dificuldades e provavelmente deixaria irritado com ela por ela não ser tão boa. Pelo que ela pôde ver, era bastante inteligente na matéria e ela se sentia envergonhada por não saber tanta coisa quando ele, provavelmente, sabia. Mesmo correndo risco de se envolver na presença do garoto, ela não poderia arriscar tirar uma nota baixa e seu pai encher o seu ouvido mais tarde. Já que ele preferiu ir à casa dela, que fosse assim, então.
O mais incrível de tudo, era uma coisa que ela havia percebido quando se aproximara dela. Em meio a todo o deleite de ter sua desavença com apagada, ela percebeu uma coisa que a paralisou por um momento. O perfume.
Seu coração bateu com tanta força em seu peito que ele era capaz de sair de seu corpo. O mesmo perfume que usava era idêntico ao que ela sentira quando Merlim a acordou aos miados.
O aroma daquele perfume emprenhava em seu quarto fortemente e tudo o que ela fez naquele sábado de manhã foi inspirar o perfume com força para dentro de seus pulmões. Aquele cheiro amadeirado de homem bonito e forte que estava no ar de seu quarto na manhã do dia em que dormiu com era exatamente o cheiro que vinha de .
Como isso era possível? Como o garoto tinha o mesmo perfume que entorpecera seus pensamentos durante todos aqueles dias? Um perfume que ela nunca tinha sentido aroma igual...
Talvez estivesse ficando louca. Gostara tanto daquele cheiro desconhecido que deveria estar confundindo com . Talvez porque ele fosse tão bonito quanto ela pudesse imaginar, tão bonito que até o aroma daquele perfume completamente másculo encaixaria certinho com o perfil do menino. Mas ela teria que se concentrar apenas no trabalho. Ela tinha namorado e devia respeito a ele. Amava e mesmo com um garoto tentadoramente gostoso sendo sua dupla nas aulas de Matemática, indo à sua casa para fazer trabalhos, ela não deveria ousar se entregar ou envolver com . Por .
Resolvera, depois de muito pensar, que conseguiria sobreviver ao lado de sem trair . Mesmo que fosse inevitável pensar em , pensar como seria estar aos braços dele, ela prometeu para si mesma que nem quando a carne fosse tão fraca, ela cederia. Como disse Nana certa vez, pensamentos não são a mesma coisa de realmente trair. E ela não trairia. Portanto poderia ficar em paz. Olhar também não era trair, certo?
Estava quase na hora da saída naquela terça-feira e mesmo com o grupo tagarelando sem parar, deixando a garota completamente absorta de tudo à sua volta, ela dava olhares para a carteira de vendo o garoto com os fones de ouvido e totalmente paralelo do mundo. Vendo que ele não iria lhe retribuir o olhar tão facilmente, ela passou a analisa-lo. Os cabelos bagunçados do menino eram realmente um charme a mais. A pele alva era bonita e brilhante, porém maltratada. Os olhos dele, ela nem comentava o quanto era tentador, o quanto a envolvia totalmente. O nariz era bem desenhado de acordo o rosto e seus lábios... Eram maltratados, porém não deixavam de ser perigosos por demais e guardavam dentes tão perfeitos que nem seu namorado tinha igual.
“Pare de comparar os dois. Apenas olhe.”
E ela continuou olhando, olhando e olhando. Até que o sinal bateu e toda a movimentação despertou o menino que olhou para ela rapidamente. Ela mordeu o lábio inferior levantando-se, puxando a saia para baixo, colocando sua mochila no ombro indo em direção à porta. Percebeu pelo canto de olho que o garoto ainda ficara na sala arrumando suas coisas e resolveu esperá-lo no estacionamento. Ela gostaria de sair em companhia dele, mas o garoto não fizera nenhum comentário sobre ela o esperar e não iria se oferecer para tal. Despediu-se de seus amigos que também fariam o trabalho aquele dia com suas duplas e então parou em frente ao seu carro olhando para a entrada do prédio esperando ver o garoto forte que viria em sua direção. O vento balançava seus cabelos com força e ela ergueu os olhos até o céu. Provavelmente choveria mais tarde.
Juntou os cabelos até o alto de sua cabeça fazendo um coque desajeitado enquanto, de longe, via o garoto caminhar em sua direção com passos firmes ao chão, ignorando os olhares das pessoas, ignorando qualquer um que comentasse o porquê que ele estava indo na direção de , já que muitos não sabiam que eles eram dupla em Matemática.
— Ahn... Desculpe a demora. — ele falou bagunçando os cabelos e olhando a menina, passando os intensos olhos por seu rosto descoberto pelos cabelos. Como ela ficava tão mais linda de cabelos presos.
— Não tem problema. — ela sorriu e mordeu o lábio inferior. — Sua Harley?
— Como sabe que eu tenho uma Harley? — ele perguntou depressa e ela sorriu. Deveria ter sido mais específica.
— Sempre vejo você chegar com uma Harley. Acredito que ela seja sua, não? — ele desfez a cara de confusão e sorriu, bagunçando novamente os cabelos. suspirou. Era tentação demais.
— Ah, é sim. Mas ela está no conserto. Enguiçou novamente. — ela assentiu em compreensão.
— Então, vamos. Pode entrar. — ela disse apontando o carro prata e arregalou os olhos.
— Não. Fale-me o endereço que eu vou a pé ou pego alguma condução.
— Está maluco? Até parece que eu vou deixar você fazer isso. — ela disse como se tivesse ultrajada. — A não ser que você seja um daqueles caras que acham que mulher ao volante é perigoso demais. — ela disse em desafio e ele sorriu negando.
— Apenas não quero dar trabalho algum para você.
— Claro que não. Enquanto sua Harley estiver no concerto podemos ir juntos no meu carro. Não precisa pegar condução. E claro, eu te levo em casa. — ela disse acionando o alarme do carro e negou novamente.
— Não. — ele disse firme e o encarou. — Me levar não. Eu vou sozinho.
— Tem certeza? Porque eu acho que choverá até terminarmos os dez exercícios. — ela disse apontando para o céu e firmemente negou.
— Eu insisto, . Por favor, já está me ajudando muito me dando carona até a sua casa.
A garota rolou os olhos e sorriu, entrando pelo lado do motorista enquanto entrava no banco do carona. abriu os vidros escuros da janela e ligou o ar-condicionado, pois o carro havia tomado sol durante a manhã e estava um pouco abafado. Pegou sua mochila e colocou no banco de trás insistindo para que colocasse a dele também e mesmo negando constantemente, o garoto acabou aceitando e deixou sua mochila ao lado da bolsa da menina. Ela engatou a marcha, olhando por sobre o ombro, logo ligando o carro e saindo do cubículo do estacionamento. Sentia observá-la a cada movimento que ela fazia, a cada vez que ela trocava a marcha e dirigia com calma pelas ruas. Vez ou outra ela sorria na direção dele, que devolvia o sorriso com satisfação. Ofereceu algumas balas que ela tinha no porta-luvas do carro na qual o menino ficou realmente animado. Eram balas de menta com chocolate e, segundo , eram suas favoritas. Enquanto esperava um semáforo vermelho liberar a passagem, ela enfiou a mão no saco de balas e pegou mais de vinte balas de uma só vez entregando na mão de , que ficou completamente sem jeito. Ele tentou colocar as balas de volta ao pacote, mas o impediu na hora. Se ele gostava das balas, por que simplesmente não aceitava? Sentindo o constrangimento do menino, viu que ele aceitou o “presente” e ficou completamente satisfeita. Agora teria motivos mais fortes para comprar sacos de bala de menta e chocolate sempre.
Depois de um tempo onde o silêncio, em sua opinião, era extremamente confortável, eles chegaram à grande mansão dos , onde a menina cumprimentou o segurança, Clóvis, percebendo o olhar realmente apreensivo de e adentrava a garagem da mansão onde estacionou o carro em sua vaga. Assim que desatou o cinto e tirou a chave da ignição, encarou que estava paralisado. Estranhou por um momento e teve receio de chamá-lo, por medo de que ele surtasse do nada. O garoto estava olhando fixo para o porta-luvas do carro e parecia nem ter percebido que o carro havia parado de movimentar.
? — ela chamou depois de um tempo de hesitação, mas se tranquilizou ao ver o olhar do garoto cair sobre si normalmente.
— Desculpe. — ele pigarreou. — Me distraí. — ela sorriu.
— Vamos? Já chegamos.
O garoto acenou pegando sua mochila no banco de trás e saiu do carro em seguida. O ar ventoso batia com força no rosto de ambos e as árvores ao redor da casa chacoalhavam à medida que o vento ficava mais forte. parou ao lado do menino encarando-o e logo passou a andar até a grande mansão com ele em seu encalço, mesmo que muito envergonhado.
Ela encarava discretamente percebendo cada ação do menino e via que ele realmente estava constrangido de estar ali. Talvez ele tivesse pouco dinheiro ou não morava em uma casa como a sua. Teria que deixá-lo realmente à vontade, a ponto de desconsiderar tal fato que, para ele, poderia trazer diferenças de inferioridade. Ela sorriu pequeno. Se fosse realmente isso, era realmente um bobo. Como se devesse se preocupar com isso.
Assim que parou em frente à porta da casa, abrindo-a em seguida, entrou sendo seguida por que olhava tudo ao redor com os lábios crispados. Ela queria muito entender o porquê daquele nervoso, mas não queria ser intrometida demais. Vai que era algo pessoal e ela só conversara com o menino dois dias. Não podia simplesmente sair desatando perguntas de que ele não teria motivo algum para lhe dar satisfações.
— Esta é minha casa. — ela disse olhando-o e ele passava os olhos por todo o cômodo. — Aqui é a sala de visitas e ali — ela apontou a direita. — é a sala de vídeo, mas pensei que poderíamos estudar na biblioteca do meu pai. Acho que lá é o melhor lugar.
— Do seu pai? — o garoto perguntou assustado e negou. — Eu acho que não, . Ele não vai gostar que eu fique invadindo as coisas dele.
— O quê? , qual o seu problema? — a menina falou sorrindo. — Eu sempre faço trabalhos no meu quarto ou na biblioteca. Acho que entre o meu quarto e a biblioteca, meu pai preferiria a segunda opção, e você também, não é mesmo?
O garoto crispou os lábios e desviou o olhar rapidamente. Ela queria chamar para fazerem o trabalho de Matemática em seu quarto, mas... Ela não podia. Não podia porque não era de seu feitio permitir que algo assim acontecesse e outra, ela tinha . Somente um garoto poderia entrar em seu quarto e esse garoto era . Ela suspirou baixo indo em direção a um dos sofás e largando sua bolsa ali. apenas a fitava.
— Pode colocar sua bolsa aqui. — ela disse simpática, indicando a mochila do garoto. Ele franziu o cenho.
— Não vamos fazer os exercícios? — a confusão era enorme e sorriu.
— Vamos, sim, mas antes almoçaremos, claro. — ela disse como se fosse óbvio. E pela milésima vez naquele dia, o garoto negou.
— Eu não vou almoçar na sua casa, . Eu não estou com fome e nem quero.
, você não vai discutir isso comigo, vai? É claro que você vai almoçar. Pensa que eu não sei que você não come nada na escola, que nem no refeitório você aparece direito e… — vendo o rosto dele se contorcer em surpresa, ela havia percebido que havia dado uma bandeira e tanto. “Puta merda! Por que você perdeu a chance de ficar calada?” — De qualquer forma… — ela disse pigarreando. — Eu vou ficar realmente ofendida se você se recusar a almoçar aqui.
Ele parou por um momento e torceu os lábios num barulho desgostoso.
— Não acho que eu deva, . É a sua casa...
— E eu estou te convidando. Vamos, por favor. Nana vai ficar uma fera se você negar a comida dela. — ela disse para o garoto que franziu ainda mais o cenho.
— Nana? — sorriu alto colocando as mãos na testa. Ela deveria parar de falar com pelas entrelinhas.
— Anastácia Mouty ou Nana, como eu a chamo desde bebê. Ela é a governanta e é minha melhor amiga. — a garota falou sorrindo e assentiu em compreensão. — Vamos? — o garoto assentiu e seguiu a menina, atravessando a sala de visitas para chegar em uma sala onde uma mesa estava repleta de frutas diversas. — Pode se sentar em qualquer lugar da mesa. Eu vou avisá-la de que já chegamos. — ela disse e o menino assentiu enquanto olhava a grande mesa e ficava ainda mais sem jeito.
observou-o por um momento até ir direto para a cozinha onde avistou os empregados cortando algumas folhas verdes e onde viu Nana orientando uma mocinha em como mexer o molho branco para macarrão.
— Mexa dessa forma, chérie. — ela disse orientando a menina e sorriu ao vê-la de longe. — Não deixe engrossar tanto, senão desanda.
— Pensei que só eu era chamada de chérie. — disse atrás de Nana e da mocinha, no qual ambas se assustaram levemente.
— Oh, mon amour! Quem bom que chegou. Bem na hora do les pâtes en sauce blanche*.
— É mesmo? Que sorte a minha! Como está indo tudo, Yris? — ela se dirigiu a mocinha que sorriu abertamente.
— Estou fazendo o máximo para ser uma cozinheira como Nana, . — sorriu para a menina enquanto encostava mais perto, sentindo o cheiro delicioso do molho branco.
— Tenho certeza de que está no caminho certo, porque esse cheirinho está perfeito. — a menina abraçou Yris com felicidade e logo se dirigiu a Nana. — Eu preciso conversar com você. Tem uma pessoa aqui para almoçar comigo e eu queria te contar quem é antes.
— Mesmo? Então o que estamos esperando? Venha aqui. — a mulher abraçou a cintura da menina, abrindo a porta da cozinha que levava ao lado de fora do casarão. Fechou com cuidado e encarou a garota. — Quem está aí?
. — ela disse sem rodeios e a mulher abriu a boca num 'O' perfeitamente desenhado.
Chérie do céu! Como você conseguiu fazer isso?
— Eu não tenho nada com ele, Nana. Era para eu ter te contado o que andou acontecendo nas últimas semanas, mas eu preferi omitir os detalhes pra não te encher a paciência.
— Eu não acredito que você fez um negócio desses, . — a mulher estava séria e a garota mordeu o lábio inferior, envergonhada. — Eu já lhe disse que pode falar tudo o que quiser comigo, fille. Nunca que irá encher minha paciência com coisas que dizem respeito a você. Não me esconda mais nada, está me entendendo? — a menina assentiu, pedindo desculpas. — Tudo bem. Como você o trouxe aqui? E o que aconteceu?
E então ela contou tudo o que havia acontecido nas últimas semanas, a escolha das duplas, os olhares penetrantes que recebia e o quanto ela estava se concentrando para não ceder à sedução imposta por . O quanto ela sempre se lembrava de e todos os meses que estava junto com ele, mas nem isso a estava prendendo mais. — Eu não sei o que fazer, Nana. — a menina disse olhando para todos os lados e a mulher apenas escutava atentamente. — Eu não posso simplesmente desfazer minha dupla com ele e nem que eu pudesse... Eu não quero.
— Calma, mon amour. — a mulher puxou a menina para um abraço enquanto afagava os cabelos lisos dela. — Está tudo bem. Você não tem culpa de achar um garoto atraente. Mas o conselho que eu te dou é que você, independente do que sinta, sempre pense em . Pense no namoro de vocês e se você tiver certeza do que quer, continue ou termine.
— Não vou terminar com . — ela disse com firmeza enquanto encarava a mulher. — Eu... Eu posso sentir o que for por , mas... Terminar com , não. Não farei isso.
— Se você quiser assim, não faça, ma chérie. — ela disse beijando os dois lados do rosto da menina. — Agora vamos almoçar? O rapaz está te esperando. — a menina sorriu enquanto entrava na cozinha e saía para a sala de jantar na companhia de Nana.
Ao chegar à sala de jantar, ela viu sem graça, sentado na mesa enquanto fitava a bacia de frutas, distraído. Assim que ela chegou, ele olhou-a depressa e ela sorriu, no qual foi retribuída. O sorriso de rapidamente se desfez assim que Nana apareceu na cozinha com uma enorme travessa de macarrão ao molho branco, enfeitada com três folhas de hortelã.
— Ora, hoje temos convidado. — ela disse animada colocando a travessa na mesa sob o olhar de . — Como vai, mon cher? Qual o seu nome?
O garoto olhou em confusão e a menina sorriu.
Mon cher é “meu querido” em francês, . Nana é da França. — ela voltou seu olhar para a mulher sorridente e sorriu pequeno.
— Sou . Prazer em conhecê-la.
— Oh, merci, cher. Espero que goste de les pâtes en sauce blanche, é uma especialidade minha. — ela disse apontando a travessa e , mais uma vez, olhou confuso para .
— Macarrão ao molho branco. É o melhor que eu já comi na vida. — ela piscou o olho e assentiu.
— Tenho certeza que vou amar, sra. Nana.
— Nana apenas, cher. — uma empregada trouxe os talheres colocando na frente de e , um prato azul com branco refinado, garfos e facas cujo material de prata reluzia sob os olhos e um copo grande de vidro azul transparente. — Aproveitem o almoço e logo trarei a sobremesa. Com licença. — ela sorriu na direção do garoto e se retirou.
— Sobremesa? — ele perguntou baixo à enquanto a empregada servia seu prato com o macarrão.
— Eu não abro mão de um doce depois do almoço. E sempre é uma surpresa. Nunca sei que tipo de doce ela prepara para cada almoço. — ela sorriu enquanto a agradecia a empregada que servia o macarrão. , imitando seu gesto, agradeceu também e a mulher se retirou deixando-os sozinhos. — Então, se eu fosse você, eu guardava um bom espaço para os doces dela, porque certamente vai querer repetir.
, eu realmente não estou me sentindo bem. — ele falou enquanto mexia na comida em seu prato. — É sério, eu estou me sentindo um intruso na sua casa. v— , para. — ela disse parando de mexer no prato. — Você não é um intruso. É mais do que bem-vindo aqui e pode acreditar, todos estamos felizes de recebê-lo aqui hoje. Nana fica muito contente quando eu trago amigos meus para passar o dia aqui, mesmo que seja por conta de trabalhos e estudo.
— Amigos? — ele perguntou com os olhos faiscando e sorriu, sentindo as bochechas corarem.
— Mas é claro que sim. Eu te considero como um amigo. Não sei você quanto a mim, mas...
— Eu te considero também. — ele a interrompeu tirando um sorriso feliz da menina.
— Então seja legal com a sua mais nova amiga e prove o macarrão. Vai perder a cerimônia na hora. — ela disse e o garoto sorriu enquanto dava uma garfada no prato.
o observava às vezes enquanto o garoto almoçava, tendo a certeza de que a culinária de Nana era dos deuses. O garoto havia comido com tanta pressa, como se há muito tempo não comesse algo de que realmente gostava e ela passou a pensar. Todas as vezes em que ela via sua mesa posta com fartura e seu pensamento era levado à e em como estaria a mesa dele em sua casa na hora do café, almoço e jantar. Estaria ele bem servido? Seria uma comida realmente boa da qual ele sempre quis? Mas vendo o garoto desfrutar do almoço recebido em sua casa, ela pode perceber o quanto aquilo era fartura para ele. Talvez ele fosse mais humilde do que ela pensava e isso apenas a deixava ainda mais comovida. Ela o chamaria sempre para almoçar na casa dela, se ele quisesse.
— Você... você se incomoda se eu repetir? — ele perguntou nervoso e sem graça, a perna balançando freneticamente por baixo da mesa e ela sorriu feliz.
— Claro que não! Como eu poderia me incomodar? Por favor, coma o quanto quiser. — ela disse contente e o garoto, com um pedido de licença, colocou mais duas grandes colheres em seu prato e ficou realmente satisfeita. — Não se incomode se eu não repetir o prato. É que eu não sou acostumada a comer muito, sabe? — o menino assentiu enquanto limpava a boca com um guardanapo.
— Espero não estar abusando da sua boa vontade, então. — ele disse sorrindo e ela negou.
— Imagina. Mas eu faço questão de ser acompanhada na sobremesa. Topa?
— Claro. — ele disse feliz e logo ambos terminaram o macarrão, deixando pouca coisa na travessa.
Assim que tomaram o suco de abacaxi com hortelã que Nana havia deixado na mesa, a chamou dizendo que haviam terminado e que pudesse trazer a sobremesa. fitava tudo com a curiosidade misturada à vergonha, mas percebia que aos poucos ele iria se soltando. No dia seguinte, quem sabe, ele já estava bem mais desenvolto.
Nana voltou trazendo em suas mãos uma grande travessa com uma torta de caramelo crocante, na qual recebeu com palmas e risos altos. sorriu também ao mesmo tempo em que admirava o tamanho daquela sobremesa.
— Nana, como você adivinhou que eu estava com vontade dessa torta? Ai, eu não acredito! — a menina falava feliz e olhou para . — Está vendo porque eu amo a Nana? Mesmo que eu não diga, ela sempre sabe o que estou pensando.
— Foi a senhora que fez? — o menino perguntou surpreso para a mulher, que sorriu.
— Foi sim, cher. Com a ajuda dos funcionários da cozinha, mas esta torta é uma receita particular minha.
— Sinceramente, parabéns não seriam suficientes para elogiá-la. — falou e a mulher arregalou os olhos, mais do que lisonjeada. olhou para Nana, que retribuiu o olhar como se perguntasse “de onde esse menino saiu?”.
— Oh, mas que garoto mais simpático, mon Dieu. — ela disse indo na direção do menino abraçando-o apertado sob o olhar mais do que contente de . — Eu espero que além de voltar outras vezes, você goste da torta, sim? E poderá levar um grande pedaço para casa... — ela abaixou a voz para somente o garoto escutar. — Quem sabe um dia eu faço uma inteira só para você? — o menino sorriu abertamente recebendo um beijo da mulher em sua bochecha.
Ela saiu completamente feliz e sorriu. Olhou que cortava os pedaços da torta e colocava no prato deles.
— Ela é sempre assim? Obrigada. — agradeceu enquanto lhe passava o prato com um grande pedaço de torta.
— É. Ela é um amor, não é mesmo? Você já pode voltar aqui outras vezes, ela não vai abrir mão disso. — ela disse e o menino sorriu enquanto experimentava a torta.
adorava tudo o que Nana fazia, mas aquela torta de caramelo crocante era mais do que ela pedia aos céus. Ela não sabia o que era melhor, se era a torta de chocolate e morango que ela fazia ou a de caramelo crocante. Era difícil escolher uma só. Ela ficou realmente animada por ver que Nana havia adorado . E então as malditas comparações tomaram conta de sua mente. Se fosse ali no lugar de , ele não falaria com Nana tão abertamente ou a elogiaria com tanta sinceridade como . Ele apenas sentaria, se serviria e esperaria que a governanta saísse e os deixassem a sós. Ela também se lembrava do quanto ele implicava sobre Nana saber das coisas de sua vida e o quanto isso a incomodava profundamente. “Talvez e sejam tão diferentes entre si que me deixam até com dúvidas”, ela pensava. Ora, era um gentleman nato, onde ela apenas conhecia por meio dele a educação, o carinho gostoso que o namorado provocava e todas as tentativas de cuidado e proteção possível. Ele era o que ela chamava de namorado perfeito. Por outro lado, não era um gentleman ou algo do tipo. Muito ao contrário. O garoto era realmente fechado, grosseiro e, diferente da perfeição que era para ela, despertava algo em seu peito como nunca ela sentira antes. Uma vontade de realmente extravasar e mostrar o que ela tinha dentro dela... A mulher que ela guardava tão retraidamente, pois a tratava como um bebê.
Resolvendo deixar os pensamentos de lado e perceber que mal tocara na torta enquanto já acabava com a dele, ela viu que era a hora de irem estudar logo se quisessem terminar os dez exercícios daquele dia antes da chuva começar a cair.
— Podemos ir à biblioteca? — ela perguntou ao garoto que se servia de mais suco de abacaxi. Seu rosto forte estava corado pelo almoço bem ingerido e ela ficou mais que satisfeita ao vê-lo bem em sua casa.
— Claro. Mas você nem terminou a sua torta. — ele disse apontando para o prato da menina e ela sorriu.
— É uma loucura minha, mas eu sempre faço trabalhos comendo alguma coisa. Vou comer enquanto estivermos estudando. Se quiser pegar um pedaço para me acompanhar...
— Desculpa, . Mas aqui não cabe mais nada, sério. — a menina sorriu alto e ele a acompanhou, feliz. — Verdade. Eu comi pelo café e janta juntos. Obrigada pelo almoço tão proveitoso.
— Não precisa agradecer desde que você me prometa que amanhã não fará cerimônia e comerá mais do que hoje. — o garoto arregalou os olhos.
— Estou vendo que você quer me engordar, mas eu não caio nessa. — ele levantou pegando seu prato e olhando para todos os lados. — Onde fica a cozinha? Vou levar o prato e o copo e agradecer Nana pelo almoço.
— Não precisava se preocupar com o prato, , mas vou levá-lo até Nana. — ela disse levantando-se enquanto acompanhava o garoto, realmente alto em comparação a ela, até a cozinha.
Nana guardava algumas coisas na geladeira, alguns empregados limpavam o balcão da copa e o fogão, outros lavavam pratos, copos e talheres e uma mulher varria o chão. apontou a pia onde dois empregados estavam e seguiu até lá entregando o prato para os serviçais, agradecendo pela comida. Ambos sorriram para o menino e assim que ele se virou, deu de cara com a figura materna de Nana.
— Como estava o almoço, cher? Espero que amanhã queira almoçar aqui novamente, sim? — o menino sorriu olhando e ela sorriu abertamente. Voltou o olhar a Nana.
— Claro que virei. Apenas vim elogiá-la novamente pelo almoço muito bem preparado. Ganhou um degustador de primeira, pode apostar. — o menino sorriu e Nana o puxou para um abraço.
sorriu ao ver a cena e quis gargalhar enquanto via o corpo forte e grande de acolher Nana daquela forma. Poxa, ela também gostaria de ser abraçada por . “Deixa de ser boba, vai”, ela se martirizava mentalmente, mas desejava tanto estar no lugar de Nana, onde os braços fortes do rapaz a circulavam, o rosto dele encaixado em seu pescoço trazendo a sensação do arrepio que ela tanto gostava... Ah, como ela queria sentir a textura da pele de contra a sua, sentir o corpo malhado dele chocar-se contra o seu seja num abraço, num beijo, num amasso...
Ela arregalou os olhos. Estava mesmo pensando em se amassar com seu parceiro de dupla enquanto tinha como namorado? Estava ela, realmente, pensando em encostar seus lábios nos lábios finos e convidativos do garoto, sentir sua saliva encontrar a dele enquanto suas línguas entrelaçavam-se, esfregavam-se, espremiam-se dentro de suas bocas unidas? Era isso mesmo?
Perdeu completamente o diálogo de com Nana e logo viu o menino andar em sua direção e Nana lhe dar um sorriso grande, seguido de um “precisamos conversar mais tarde”. A menina assentiu enquanto andava lado a lado com na direção da sala onde estavam suas bolsas e logo subia as escadas, com realmente sem graça ao seu lado, até a biblioteca.
Chegaram ao corredor dos quartos e ela foi em direção à primeira porta da esquerda, onde havia uma enorme sala com umas cinco prateleiras altas infestadas de livros e uma grande mesa de madeira onde havia alguns papéis espalhados.
— Está aqui é a biblioteca. — ela falou enquanto ia até a janela e abria a cortina. — Poderemos estudar aqui os quatro dias que temos os exercícios pendentes. — o garoto assentiu e ela indicou a mesa. — Pode se sentar. Eu apenas vou precisar ver meu gato antes de começarmos.
— Gato? — o menino perguntou confuso, mas depois compreendeu, arrancando um sorriso da menina.
— É, eu tenho um Scottish Fold chamado Merlim. — ela disse sorrindo enquanto ia em direção a porta. — Vou trazê-lo para você o conhecer. Espere um minuto.
A garota foi em direção à última porta à direita do corredor encontrando, assim que abriu a porta branca, o gato preguiçoso que dormia em cima de sua cama. Ela sorriu contido. Merlim deveria ser um bicho preguiça em vez de um gato. Sem demorar nem mais um minuto, caiu em cima do bicho, assustando-o levemente, mas assim que o animal percebeu quem era, tratou de ronronar bem alto.
— Tem alguém que quer te conhecer. — ela disse erguendo o gato defronte o seu rosto. O bicho tinha os olhos amarelos em fendas, explicitando o sono e a preguiça. — Deixa de ser preguiçoso e vamos. Trate-o bem, ok?
Ela deitou o gato manhoso em seus braços acariciando os pelos brancos e fofos do bicho enquanto ia até a primeira porta do corredor, entrando e encontrando sentado esperando-a. Assim que ela entrou, o garoto nem percebeu que ela havia chegado e quando ela se aproximou dele, o menino se assustou levemente.
, este aqui é o Merlim... — ela disse mostrando o gato que parou de ronronar. — Merlim, este é o , amigo da mamãe.
Mas o que ela viu no segundo seguinte foi Merlim sibilar alto para o garoto e ele encarar o bicho com os olhos em fendas. Ela arregalou os olhos, ouvindo o sibilado do gato invadir seus ouvidos com força.
— O que foi, Merlim? Está maluco? — ela puxou o gato para longe que ainda sibilava alto. — Nossa, ele nunca foi assim, desculpa, . — ela disse olhando o garoto, saindo depressa da sala.
O gato estava agitado em seu colo e ela o largou com pressa em seu quarto, temendo que ele a arranhasse ou algo do tipo. Viu o bicho rosnar alto enquanto voltava para a cama, emburrado, e deitava-se no travesseiro da menina. Ela franziu o cenho em confusão. Não que fosse realmente se importar com o que o gato achava de , mas Merlim nunca tinha sido tão agressivo desde quando ela o ganhou. Muito ao contrário. Ele tinha preguiça de ser antipático. Por que com ele, simplesmente, se descontrolou?
Rolou os olhos achando-se patética por tentar desvendar o enigma do gato e saiu batendo a porta. Foi em direção à sala onde encontrou sentado quieto em seu canto. Ele a encarava com o cenho franzido e ela sentiu as bochechas corarem.
— Desculpa. Eu... Eu não sabia que ele ia surtar daquele jeito. Ele nunca foi assim com ninguém. — ela disse sentando-se, completamente tímida, ao lado do menino.
— Não tem problema. Ele é só um gato assustado. — disse com a voz dura, mas depois sorriu na direção da menina, acalmando-a. — Vamos começar?
— Vamos. Página 247. — ela pegou o grosso livro de Matemática, abrindo-o na página onde havia exercícios de Plano Cartesiano. — Antes precisamos combinar umas coisas. — ela disse enquanto largava o livro e olhava para o menino. — Eu tenho que te dizer que eu sou péssima em Matemática e eu já vi que você é bem inteligente com cálculos. — o garoto sorriu negando com a cabeça.
— Apenas sei o bastante para quem faz o terceiro ano pela segunda vez. — ele disse, dando de ombros.
— Você repetiu? — ele assentiu. — Mas… por quê?
— Falta de comprometimento, apenas. — ela percebeu o quanto ele ficara retraído e resolveu largar o assunto para lá.
— Continuando... É claro que vou lhe ajudar com as contas, mas não serei de muita utilidade, se é que me entende. Então, para compensar, irei fazer o restante do trabalho, como a capa, índice, introdução e passo os cálculos a limpo.
— Mas a introdução não é o texto que temos que elaborar juntos?
— É sim, mas eu faço questão de fazê-lo sozinha. Ainda me lembro daquela atividade que fizemos e você resolveu tudo sozinho. Tiramos A+ por sua causa. — ela disse mordendo o lábio inferior e o garoto acompanhou o movimento com os olhos, deixando a menina realmente constrangida.
— Não seja por isso, mas já que você insiste. — ele disse sorrindo enquanto olhava cada traço do rosto corado dela. Ela sorriu feliz.
— Olha... como prova de que eu não entendo nada: — ela disse puxando o livro para si e começou a ler o enunciado. — Determine o valor de n, de forma que os pontos dados por suas coordenadas pertençam à bissetriz dos quadrantes ímpares. — ela fitou o garoto que prendia o riso. — Agora, por favor, traduza isso para mim porque eu não entendo árabe.
O garoto sorriu alto e começou a explicá-la como o exercício era feito de acordo aos números dados pelas alternativas. Teve que voltar várias vezes no mesmo ponto para que a garota entendesse e ela ficava ainda mais constrangida por ser uma negação com cálculos e contas. Depois de um tempo fazendo-a entender o primeiro exercício, eles conseguiram fazer os cálculos de três dos dez exercícios que tinham quase a mesma função. O resto era basicamente contas e gráficos, nos quais fazia as contas e fazia os gráficos, coisa que ela adorava naquela matéria de Geometria Analítica.
Depois de pouco mais de duas horas de contas, confusão, gráficos e desespero da parte de , eles terminaram a primeira parte dos exercícios decidindo deixar o resto para o dia seguinte. As nuvens pretas do lado de fora da casa indicavam o temporal que iria cair a qualquer momento e a menina encarou com os olhos nervosos. Ele insistira em ir a pé, mas iria chover tão forte que todo o material dele seria tomado pela água. Não poderia deixá-lo ir a pé na chuva. Desceu as escadas na companhia do menino e assim que chegou na sala de visitas, ela se virou para ele encarando seu rosto com preocupação.
, por favor... Me deixa te levar em casa. Olha só a tempestade que vai cair lá fora. — ela disse apontando pela janela da sala e ele negou prontamente.
— Eu vou a pé, . Não se preocupe. Vou aproveitar e ver se levo a Harley para o concerto.
— Mas, , eu não queria te deixar ir na chuva...
— Hey! — ele a chamou e ela o encarou. — Calma. Eu vou chegar em casa antes da chuva, eu juro. Quer uma prova? — ela fitou-o em desafio e ele sorriu. — Daqui a trinta minutos você me liga. Vou anotar o número para você. — ele puxou um papel qualquer de sua bolsa, uma caneta e anotou seu número para a menina, entregando o papel em seguida. — Pode me ligar. Se eu não atender é porque meu celular pifou pela água da chuva, mas se eu atender, você saberá que cheguei em casa antes do temporal.
Ela sorriu pegando o número e assentiu. Dentro de si havia uma felicidade imensa por ele ter confiado nela a ponto de ter entregado seu número de telefone e ela se sentia ainda mais feliz por ver que era muito diferente do que as outras pessoas pensavam. Achava o julgo uma das piores coisas do mundo e se arrependeu de ter achado que era realmente um maluco surtado, antipático e mal-educado. Aquela tarde com ele mostrara o quanto ele poderia ser gentil, humilde, mesmo com algumas oscilações de humor, ele conseguia ser… Completamente apaixonante.
Eles estavam se encarando por muito tempo e foi quando ele se aproximou de seu rosto que seu coração bateu tão forte que suas costas chegaram a doer. Ele encarou fundo em seus olhos azuis e ela concluiu que o mundo podia desabar em sua frente, que ela não se importaria nem um pouco.
— Obrigado por hoje. — ele falou baixo contra o rosto dela e então o maldito perfume a invadiu sem autorização. — Nunca tive uma tarde tão boa como essa. — ele sorriu e se aproximou ainda mais de seu rosto, vencendo a distância entre seus lábios e a bochecha corada da menina, onde depositou um beijo forte e molhado.
O coração da menina saltava dentro de seu peito como uma verdadeira bateria e tudo o que ela queria era enroscar seus braços no pescoço do garoto e trazer seu corpo forte contra o seu e beijá-lo com toda vontade do mundo. Mas ela não podia.
— Não precisa agradecer. — falou enquanto, com seus lábios, tocava o rosto do garoto, despedindo-se com o coração doendo por ter que se afastar dele. Abriu a porta para o garoto apenas dizendo para ele caminhar reto até a saída da casa. Ele sorriu mais uma vez e logo andou para distante da garota, que sentia o coração bater com força em seu peito.
“O que foi aquilo, meu Deus?”
Fechou a porta com os pensamentos rondando sua mente sem dó, deixando-a vulnerável àquele encantamento sem fim. Conhecer naquele dia foi uma das melhores coisas da sua vida. Aquela tarde foi, sem dúvida, a melhor que já teve na vida. E ela repetiria tudo daquele mesmo jeito, sempre que pudesse. Aproveitaria a companhia de aquela semana para conhecê-lo melhor, entendê-lo, desvendar seus mistérios e… Encantar-se ainda mais pelo garoto extremamente diferente do que ela estava acostumada. Pelo garoto que prendera seus pensamentos.

***

As trovoadas que tomavam conta do céu negro não eram páreo para tirar o sorriso feliz de seu rosto. Havia tido o melhor dia da sua vida e nada mudaria o seu estado de humor. Melhor do que quando seguira e vira o quanto ela era perfeita. Melhor do que escutar o som de sua voz falando bem ao seu lado.
Ele estava nas nuvens.
Passar a tarde ao lado dela, conhecê-la, ajudá-la em Matemática foi a coisa mais em conta que ele fez em toda a sua vida. Muito mais do que quando ele ajudava o avô com os trabalhos voluntários que o mais velho fazia. Ele estava mais do que viciado por , mais do que preso a ela... Estava, literalmente, encantado. Sua mente viajava em todos os momentos daquela tarde e ele sentia vontade de sorrir, de pular, de dizer ao mundo inteiro como estava contente.
Andava com calma pelas ruas, apenas desfrutando das horas em que passara ao lado da menina que cheirava a morango, do quanto ele havia sido bem tratado na casa onde ele invadira sem que ninguém soubesse, do quanto a francesa, Nana, era extremamente bondosa e agradável e o quanto ele queria voltar ali novamente. Talvez o dia seguinte fosse outro dia muito feliz do qual ele se recordaria para sempre.
Assim que a chuva começou a molhar seu rosto em pingos fortes, ele resolveu caminhar mais depressa temendo que seu material fosse prejudicado. Cansou de tomar chuva e molhar os materiais e ter de ficar com eles manchados o ano inteiro, não poderia deixar repetir a mesma coisa outra vez. Começou a correr enquanto os pingos ficavam realmente pesados e cada vez mais molhava sua camisa social branca deixando gotas grossas transparecerem pelo tecido alvo. Avistou ao longe o sobrado que era sua casa e correu o mais depressa enquanto as gotas engrossavam e o atingiam com mais força.
Ao parar em frente à porta, abriu-a depressa encontrando sua mãe sentada no sofá, batendo o pé freneticamente e, assim que o garoto chegou, a mulher saltou do lugar.
— Onde você se meteu? — ela perguntou cruzando os braços e apenas sentou no sofá acalmando a respiração, enquanto escutava a chuva cair forte do lado de fora. — Você não veio almoçar e já faz horas que era para ter chegado em casa. São quase seis horas da tarde, tem noção disso?
— Eu estava fazendo trabalho, mãe. — ele falou entediado para a mulher que ergueu a sobrancelha. — Um trabalho de Matemática. Essa semana vou chegar quase nesse mesmo horário, pelo menos até sexta-feira.
— E custava avisar? , eu odeio quando você sai, não avisa nada e eu fico aqui morrendo de preocupação. Dá pra você ser mais comunicativo comigo?
— Talvez. — ele rolou os olhos. — Agora eu vou deitar, acho que eu nem jantarei hoje. — ele disse puxando a mochila e seguindo para o corredor dos quartos.
— Mas o que você comeu pra não querer jantar, menino? — a mulher perguntou acompanhando-o e ele sorriu.
— Apenas tenho certeza que não sentirei fome. — ele olhou a mãe e deu um beijo na bochecha da mulher, que estranhou.
— O que houve com você?
— Por quê?
Anabell sabia que o filho não era tão amável assim. Para que ele desse um beijo no rosto dela do nada era porque alguma coisa tinha acontecido e ela queria saber o porquê, mas sabia que o garoto não contaria nada para ela. Odiava ter essa relação com o menino onde via que ele escondia as coisas dela, onde via o quanto ele era perturbado pelo convívio com Marcius dentro de casa e por não ter com quem se abrir... Odiava vê-lo surtando pelos cantos e não ter dinheiro para levá-lo a um médico para cuidar de sua saúde mental. Mas ela apenas queria ser amiga de , independente dos erros cometidos, ela queria ser amiga de seu único filho, de sua razão de viver.
— Você não quer me contar o porquê de toda essa felicidade? — ela disse enquanto olhava as bochechas coradas do filho, os lábios repuxados para os lados, indicando um sorriso, os olhos brilhantes. O garoto deu de ombros, ainda sem tirar o repuxo dos lábios.
— Não é nada, mãe. Apenas bom humor. Só quero te pedir pra não deixar seu marido vir me atazanar hoje porque estou realmente cansado e se eu não dormir direito, eu faltarei amanhã. — ele disse indo para o quarto.
— Você não se atreva, . Faltar amanhã? Você não tem trabalho para fazer, menino?
— Só depois da aula. Se eu quiser faltar, eu falto. Mas só falto se ele vier aqui encher a minha paciência.
, você sabe que eu não consigo prender seu pai por muito tempo.
— Mas tente. Ou então teremos problemas mais tarde. — e então ele fechou a porta.
Ignorando as perguntas de sua mãe porta afora, ele jogou a mochila em sua cama e, com um grande sorriso reinando no rosto, ele desabotoou a camisa social, jogando-a no cesto de roupa suja, fazendo o mesmo com a calça e ficando somente de boxer cinza. Andou até o armário procurando alguma roupa parecida com a de seu uniforme, pois teria que usá-la no dia seguinte se quisesse entrar no colégio. Anabell não tinha muito dinheiro para comprar um par de uniforme para o garoto, já que as peças de roupa eram realmente caras. Então, quando o uniforme tinha que ser lavado, ele pegava qualquer calça social beirando o preto e uma camisa branca e ia para a escola. Odiava ter que passar por essa situação, mas o que ele poderia fazer? Marcius não iria querer comprar outra muda de uniforme para ele nem que ele rastejasse no chão, logo, teria de se contentar com o que tinha no momento.
Assim que encontrou sua “substituição de uniforme” e uma regata para que pudesse dormir, ele foi em direção ao banheiro tomar banho e escovar os dentes. Ele, por mais que a felicidade corresse por suas veias, sentia a cabeça pesar por conta do trabalho e só de lembrar que tinha a semana inteira ainda pela frente, já sentia desânimo. A única coisa que o deixava mais alegre para o trabalho era ficar na companhia de .
Não havia sido fácil para ele ser convidado por para ir a sua casa fazer o trabalho. Mais difícil ainda fora quando ele enxergou a realidade de frente enquanto chegava à mansão dos . Ver o segurança novamente havia sido realmente uma tortura, era como se, por algum motivo, eles soubessem o que o garoto andara aprontando nas últimas semanas. Havia mentido sobre a Harley ter enguiçado novamente. Ele apenas queria ter o prazer de pegar carona com . Não queria ir separado dela.
Ficou compenetrado em sua bolha apreensiva enquanto tudo à sua volta girava. Ao caminhar até a grande casa branca, ele se sentia estimulado pela força que lhe dava para poder adentrar a casa sem mais cerimônias. Ao entrar pela porta branca, ele passou a olhar a sala com admiração. Tudo era muito bem arrumado, desde os sofás brancos, até o chão que brilhava e reluzia sua imagem. A decoração era branca voltada para o prata e pôde concluir, mais precisamente, o quanto os tinham bom gosto. O que mais o assustou foi que o chamara para almoçar com ela. Como assim? Ele não iria aceitar almoçar numa casa de gente rica quando ele era somente um garoto qualquer, pobre e humilde. Não saberia nem como se portar e, com certeza, causaria a maior vergonha para a garota, mas... A insistência dela foi o que o instigou a aceitar o convite, foi o modo como ela o tratou em sua casa. Tratou-o tão bem que, se ele recusasse, a garota poderia pensar que era uma desfeita tenebrosa. Então ele aceitou. E não se arrependeu de ter feito isso.
Em sua casa havia tudo quanto era comida, mas não comida daquele tipo que ele comera no almoço com . Não um macarrão ao molho branco com nome francês, que era divino até a última geração ou uma torta grande de caramelo crocante que ele quase morreu só de comer. Também nunca fora tão bem tratado em toda a sua vida por pessoas que acabara de conhecer. Qualquer outra pessoa o julgaria pela aparência decaída, pelos olhos roxos, por sua forma desleixada achando que o menino era um drogado, um qualquerzinho da vida. Mas na casa de , mesmo apreensivo por estar rodeado de pessoas tão refinadas, ele viu o quanto ele foi tratado como igual, com simplicidade, carinho, atenção.
Nem conhecia as pessoas daquela casa e já se apegara à governanta, Anastácia Mouty. Sorriu ao lembrar-se do ar materno da mulher e ele queria muito vê-la de novo, conversar com ela, elogiá-la por mais um almoço impecável. O que o deixou realmente feliz foi conhecer mais afundo, ver o quanto ela era diferente das outras garotas, o quanto as suas intenções eram realmente puras. Mas também não pode deixar de perceber o desejo que a garota parecia sentir por ele, o quanto ela ficava corada quando ele se aproximava, o quanto o olhar azul dela parecia faiscar quando ele estava a encarando, olhando, queimando-a.
O que mais doeu em seu coração foi ter se despedido da garota na hora em que tinha que ir embora. A carona da menina era realmente tentadora, mas ele não podia arriscar deixá-la vir em sua casa que era um verdadeiro circo de horrores. Não uma garota como . Ela não poderia nem sonhar os problemas que ele enfrentava e ele temia que, assim que se envolvesse com a menina, trouxesse o seu sofrimento para a vida de . Ela não merecia o que ele passava dentro de casa com seus pais, tecnicamente o seu pai, não merecia ter seu namoro terminado por causa de um garoto como ele, justamente ele que não sabe controlar suas emoções, que não sabe viver no meio das pessoas, não sabe amar, não sabe se envolver... Como colocar numa situação dessa apenas porque ele estava viciado nela? Apenas porque ele não suportava a ideia de ver outro garoto tocando em seu corpo extremamente tentador, em recebendo os carinhos que só ela sabe dar, em beijar seus lábios em forma de coração, em tocar sua pele alva e macia como de um bebê...
Encostar seus lábios na bochecha dela ao se despedir foi mais do que receber um choque. Uma corrente de arrepio se passou pelo seu corpo inteiro e ali ele soube o quanto ele queria aquela garota, o quanto ela o havia encantado, enfeitiçado... Não se via nem um momento mais longe dela e nem conseguiria viver sabendo que não estava ali ao seu lado para sorrir, para lançar seu perfume de morango contra o ar até o seu olfato, para balançar os cabelos compridos com gosto ou encará-lo com o profundo azul de seus olhos. Ele não se via mais longe dela.
E mesmo com todos os seus defeitos, problemas pessoais, dificuldades, ele não desistiria. Lutaria por ela, lutaria para ter o amor dela e cuidar da garota como se ela fosse o mais puro dos diamantes. Sacou o celular do criado-mudo, assim que deitou em sua cama e puxou a pasta de fotos e seus olhos brilharam ao encontrar as fotos de dormindo, as fotos de nua no colo do namorado... Por mais que olhar essas fotos o deixasse cada vez mais louco e insano a ponto de quebrar seu quarto inteiro mais uma vez, ele não deixava de olhar como o corpo dela o chamava, como queimava, como era enlouquecedor... E tudo o que ele pensava era em quando ele tivesse a garota em seus braços para amá-la, beijá-la, devorá-la, estraçalhá-la. E se dependesse dele, não demoraria muito tempo.



Clique aqui para ler a segunda parte da fanfic.

Continua...



Nota da autora: (12/11/2015) YAAAAAAAAAAAAAAAY DONA ÉRICA VOLTOU E DESSA VEZ ESPERO QUE ELA TENHA VOLTADO FOREVER, ESSA CU! Se ela me abandonar de novo, eu dou na cara dela OSDFKOPDSOF mas ok, vamos parar porque senão a bicha de acha :v
Quero dizer que estou muito contente de termos atualização aqui no FFOBS depois de MUITO tempo sem atualizar. Obrigada a cada um que não desistiu e ainda assim espera com muita paciência. Quero convidar vocês a visitarem também a ask do Ethan, pois ele está lá se socializando e sendo feliz hahahaahaha
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Obrigada de verdade e até a próxima atualização


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