Capítulo Único
Ho-Seok olha repetidamente para os lados enquanto Kate está no balcão conversando com o barman, um senhor idoso de boina de lã, que se apoia sobre na antiga bancada do bar, sorrindo de forma convidativa para ele. Ela acena para que ele se junte a ela e Hobi sinaliza que não, timidamente sentado no canto escuro do bar, iluminado pelo letreiro de neon que pisca a combinação de luzes coloridas através do vidro. A garota retorna sorrindo com duas canecas de cerveja transbordando a espessa e cremosa espuma.
- K-Pop ainda não é famoso aqui. – Ela pousa a caneca a frente dele e se acomoda ao seu lado no banco, o empurrando levemente - Você pode ficar tranquilo, você sabe disso.
O garoto solta todo o ar em um profundo suspiro:
- Eu sei. Só não gostaria de ter problemas ou te trazer problemas, Kathelyn.
- Kate. – Ela corrige – Agora meu maior problema está sendo a sua formalidade e esta deliciosa cerveja galesa esquentando em suas mãos.
Ela passa as mãos pelos cabelos ruivos bagunçados, piscando os olhos castanhos perdidos na constelação de sardas de seu rosto enquanto direciona mais um dos sorrisos que o fizeram sair da Coréia por mais um final de semana e ele se vê vencido, tomando um longo gole do líquido amargo tentando retornar a boca a umidade que sempre lhe foge quando ela está próxima.
Alguns minutos e goles depois e Hobi está muito mais solto gesticulando freneticamente em frente à Kate tentando substituir as palavras em inglês que lhe faltam por mímicas enquanto ela gargalha. A conexão entre os dois dispensa palavras a maior parte do tempo.
- Bom, como agradecimento, quero dizer que me esforcei em aprender algumas palavras em coreano – Ela ergue as duas mãos sobre a cabeça para o anúncio e Hobi sorri abertamente.
Ela endireita a postura, pigarreia e então solta desordenadamente palavras aleatórias e Hobi repete corrigindo a pronúncia em meio aos risos cada vez mais alterados talvez pelo álcool, talvez por ela.
- Kiseu – Ela aponta para os lábios e Hobi engole a saliva lentamente e depois repete a palavra enquanto tem os olhos fixos nos lábios rosados da galesa. Ela repete a palavra e se aproxima do rosto dele que imediatamente se afasta envergonhado.
- Acho que encerramos a aula de coreano por hoje. Vamos à aula de dança! Eu adoro essa música! – E levanta num salto arrastando-o pelas mãos para a pista em frente a banda e então agita-se na frente dele de modo totalmente descoordenado e então grita – Me ensinar coreano será mais fácil que me ensinar a dançar, acredite!
E ele acredita. Nunca viu alguém tão adoravelmente desperdiçar qualquer articulação do corpo mexendo-se daquela forma.
“Encantadora”
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A chuva fina forma gotículas sobre o rosto de Ho-seok que conta uma história animadamente e ainda que nem tudo seja compreensível, a companhia dele faz o coração de Kate bater rapidamente e ela tem certeza que se o riso idiota que conserva no rosto permanecer por mais tempo, logo terá cãibra nas bochechas.
Essa é a terceira vinda dele ao País de Gales desde que se conheceram quando ele e Yoongi entraram em sua banca de jornal procurando um roteiro de viagem, direcionando olhares disfarçados a dona da banca que organizava os itens nas prateleiras.
No dia seguinte ele apareceu novamente ele pediu um jornal, daqueles que ficam atrás dela no caixa, em galés.
Quando na tarde daquele mesmo dia ele ficou parado balbuciando um pedido aleatório apontando para as prateleiras, ela perguntou se ele não gostaria de um guia turístico nativo, quase matando o rapaz de vergonha.
Somente uma semana depois da partida e horas de conversa madrugada a dentro ele mencionou ser músico e ela pediu para ouvir, deparando-se com milhões de seguidores e ela entendeu então que encontrar-se com ele não era somente uma questão de distância geográfica, mas de rotinas e impossibilidades inerentes à vida dele. Então ela tentou afastar da mente a lembrança da presença solar, do riso e dos movimentos ritmados que ele fazia quando contava algo à ela pois provavelmente nunca mais ser veriam.
Mas então uma semana depois ele chegou à banca enquanto ela erguia a pesada porta de ferro perguntando se poderiam tomar café da manhã juntos na cafeteria em frente. Ele estava em um show na França e teve uma escala no País de Gales, partindo para a Coréia novamente meia hora depois. Kate nunca comentou o fato de tal rota não existir em voos comerciais, mas relembraram juntos mais tarde cada detalhe da manhã e do primeiro welsh rarebit que comeram juntos.
Quinze dias depois quando ela avisou que estava em Londres para uma feira literária ele pediu para encontra-la em um pub no centro, após um show do grupo, pois coincidentemente ele teria algumas horas entre o espetáculo e o voo para o próximo destino naquele dia e estava sem sono, ainda que ao final da conversa ele tivesse adormecido sobre seu obro em meio aos gritos da torcida do Liverpool.
Um mês depois ele foi ao País de Gales e o motivo era ela, só ela. Sem desculpas ou coincidências absurdas.
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Parada em frente à um antigo prédio de dois andares, Kate procura o molho de chaves no bolso do casaco enquanto o observa ele trocar o peso do corpo entre as pontas dos pés e os calcanhares. Ela finalmente encontra a chave do hall do antigo prédio e quando ele ameaça se despedir ela o interrompe:
- Poderia te oferecer um chá ou café. Mas a verdade é que não tem nada disso no meu apartamento então eu vou te convidar para subir sem nenhum tipo de desculpa. – E se volta para terminar de abrir a porta.
- Kate, já está tarde e logo não vou conseguir táxi para voltar para o hotel.
- Eu sei. E por isso você vai subir – Ela gargalha ao ver o rosto do garoto que muda gradualmente a cor sob a luz amarelada da marquise que os protege da chuva.
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- Então nenhum de vocês podem namorar?
Hobi engasga com o gole de cerveja e enquanto seca o rosto com o dorso da mão abana a ideia da garota, numa pergunta sem nenhuma cerimônia ou introdução.
- Não é assim, Kate é que ...
- Tem Google no País de Gales e funciona mesmo aqui, Portmeirion, sabe ... – ela torce os cabelos ruivos com um dedo enquanto assiste o filme, olhando de canto para Hobi, sentado no tapete aos seus pés, observando-o se mexer repetidamente procurando uma posição confortável.
- É muito complicado para qualquer um de nós. E seria ainda mais para a garota.
Ele deixa a cerveja ao seu lado e esfrega as mãos nos joelhos esperando que ela se pronuncie quanto ao que deve ter lido na internet.
- Então você nunca teve uma namorada?
Ele se remexe desconfortavelmente – Sim. Antes de tudo isso.
- E você estreou com quantos anos?
- O grupo estreou em 2013, mas me mudei para Seul em 2010 ...
- Huuuunnnn – O sorriso no canto da boca revela o que está pensando sobre a possibilidade de inexperiência dele e ao ver que novamente orelhas e rosto mudam de cor em segundos ela gargalha, voltando a assistir ao filme, deixando-o perdido em sua timidez.
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- Então vamos dormir – Ela sentencia levantando-se e sinalizando com a mão para que ele a acompanhe, e os olhos de Hobi parecem querer saltar para fora das órbitas.
- Eu posso dormir a-a-a-qui no sofá. – E se deita rapidamente – Não se preocupe.
Kate dá de ombros e minutos depois retorna com travesseiros, cobertas e uma camiseta limpa.
Hobi ajeita-se e agradece, já sentindo os olhos pesados pelo sono e pela bebida. - Amanhã preciso sair às 2 da madrugada, Kate – Ele suspira.
Ela olha para o relógio sobre a tv e constata que isso significa que restam apenas 3 horas juntos. Ela assente com a cabeça e se retira.
Alguns minutos depois Hobi acorda em sobressalto ao ouvir algo espatifar-se no chão e senta-se buscando a origem do som, vendo Kate arrastar um colchão pela casa com dificuldade.
- Não gostava daquele vaso mesmo... – Ela bufa.
- O que você está fazendo, jagi? – Ele ainda parece estar dormindo
- Jagi? – Ela inclina a cabeça não entendendo a palavra, mas logo em seguida joga o colchão ao lado do sofá e deitando-se responde – Estou ficando perto de você nesse restinho de tempo que temos. Boa noite.
Ele deita-se novamente virado para a garota no colchão ao lado do sofá e mantendo os olhos sobre ela, observando os cabelos sobre o rosto sardento e os lábios em um sorriso sonolento enquanto ela sustenta o olhar, até que ele é vencido pelo sono e balbucia:
- Boa noite, jagiya.
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- Oi, é a Jagi! – Kate acredita ter um novo apelido – Já estou na rua ... quadradinho aberto em cima de um negocinho redondo com uns pauzinhos do lado – Ela descreve a placa de rua e ri sozinha ao telefone enquanto arrasta a pequena mala colorida para fora do aeroporto.
Hobi ri e se chacoalha para os meninos, saindo da sala de prática para falar com ele - Eu gostaria de te buscar no aeroporto, Jagi. Gostaria mesmo, tem tantos lugares que gostaria de te mostrar. Tantos lugares que poderíamos ir juntos.
- Não se preocupe, ok? Vou pegar um taxi para o hotel e a noite nos encontramos no aniversário do seu amigo. Vou saltar do carro em movimento e me arrastar até a porta, sorrateiramente. Abra somente depois que ouvir o meu assobio secreto. Preciso usar algum disfarce também?
Hobi ri imaginando a cena. Duas semanas atrás quando conversou com Yoongi e Namjoon sobre convidar uma amiga para a festa de aniversário de Yoongi, ele frisou tantas vezes se tratar apenas de uma amiga que ao final festou confirmado não se tratar somente disso. Mas a verdade é que era somente isso, ainda que nas últimas semanas repetidamente dormissem com a vídeo chamada ativa, celular apoiado ao lado do rosto observando um ao outro. Ainda que o bom dia galês dela fosse a primeira coisa que buscasse ao acordar. Ainda que cada refeição fosse religiosamente fotografada e enviada entre eles. Ainda que a simples possibilidade de um encontro de meia hora entre voos fosse motivo de planejamento e alegria entre os dois. Ainda assim, eram somente amigos.
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- Eu me inclino, né? – Kate estanca em frente a Yoongi e Nanjoom e eles imediatamente riem quando ela estende a mão e ao mesmo tempo se inclina e Hobi pula ao lado, divertidíssimo com a cena.
- Parabéns, Yoongi – Ela entrega a sacola ao aniversariante.
- Obrigada Kate – E ela sorri ao perceber que ele já sabe o nome dela – Vamos te apresentar aos outros convidados.
Ela acompanha o grupo e observa que há várias outras meninas ali. Mais ou menos próximas aos garotos, algumas as vezes recebendo um leve toque ou sorriso disfarçado de algum deles e ela ri sozinha dentro do copo de cerveja que Nanjoom a serviu.
- Isso parece um encontro de alguma seita supersecreta – Fala para si mesma.
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J-Hope dança animadamente em sua frente enquanto ela gargalha, sacudindo os cabelos ruivos e jogando a cabeça para trás dançando desengonçadamente tentando acompanha-lo.
Quando em um passo ele se aproxima dela, ela toca o rosto do rapaz que grita assustado e deixa a bebida cair sobre ela, tamanha apreensão que o pequeno gesto causa, fazendo ela se curvar para frente gargalhando e gritar – Me sinto uma agente secreta!
Ele pega a mão dela e deposita um beijo rapidamente, certificando-se logo em seguida que ninguém tenha visto, enquanto sorri:
- Britânica você é, Jagi ... – Ele se chacoalha na frente dela, nos movimentos característicos que seu corpo repete sempre que animado.
A garota faz uma pose com as mãos e finge atirar mirando no coração, e ele cai sobre o sofá após fazer os efeitos sonoros do tiro, arrancando uma risada de Yoongi que observa o casal mais indiscreto da noite, ainda que estes, se perguntados, pudessem jurar que estão disfarçando perfeitamente o que quer que seja que esteja acontecendo entre eles nos últimos meses.
Kate se joga no sofá ao lado de Hobi, tira o tênis do próprio pé e finge fazer uma ligação.
- Missão finalizada. Alvo abatido com sucesso! – Sentencia com o rosto mais sério que conseguiria fazer.
Hobi escorrega o corpo até o chão e se apoia entre os joelhos dela - Totalmente abatido. – Suspira, enquanto os olhos brilham olhando para a garota.
- Preciso desligar, senhor. Temos uma nova situação crítica para tratar – Ela continua a ligação fictícia no tênis, levando o rosto perigosamente perto até que Ho-Seok se dá conta da situação e rola no tapete gritando, com as pernas erguidas para alegria da garota que gargalha se deitando no sofá.
Yoongi deixa o casal e os dois tentam acalmar o riso, sentando lado a lado. Hobi ajoelha-se e se apoia no encosto do sofá enquanto o outro o contorna e quando vai chama-lo observa Joongkook e sua namorada chegando. Ele imediatamente chama Kate, que se acomoda ao seu lado, igualmente posicionada.
- Veja, jagi! – Ele aponta - Quero te apresentar a Babi e o JK ... – Ele sorri pensando em mostrar a ela um exemplo de casal que tem sobrevivido à todas as adversidades e um sopro de esperança passa por sua mente quando olha para eles e em seguida para a ruiva sorridente ao seu lado.
Quando de trás de JK surge uma garota estrangeira, com camisetas e calças largas, enrolando nos dedos os fios desprendidos do coque preso no alto ele tomba do sofá, sendo socorrido por Kate – Jagi, aquela é Eduarda! – Ele sussurra horrorizado para a amiga, enquanto escala o móvel, retornando à posição inicial.
Kate arremessa o tênis longe e leva as duas mãos à boca, simulando espanto.
– OMG! – Ela ri entre os dedos – E quem é Eduarda, Hobi?
Ele quer começar a explicar atrapalhando-se na formulação das frases, misturando os idiomas, mas então o riso de Kate morre ao observar a cena que se desenrola à sua frente.
A garota morena recém chegada, de olhos úmidos que transmitem uma saudade que poderia ser tocada é apresentada à uma oriental que sem receio algum envolve Yoongi num abraço, declaradamente marcando território e ainda que a conversa ocorra em um idioma desconhecido para Kate, a imagem da frustração é universal e contamina os dois que observam o confronto entre as duas garotas e a dúvida de Yoongi, parado em meio a elas.
Kate escorrega as costas pelo encosto do sofá, acompanhada por Hobi que tenta explicar o ocorrido, mas o nervosismo o faz trocar as palavras e a própria Kate resume a situação:
- Uma não sabia da outra, pois todas são um segredo – ela desvia o olhar dele e encara as outras várias meninas espalhadas pela sala, enquanto esfrega as mãos nos joelhos nervosamente, para então encará-lo. - E quantos “segredos” cada um de vocês tem?
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- Eu posso ir sozinha para o hostel, Hobi – Kate insiste enquanto ele a puxa pelo braço em direção ao estacionamento. O sorriso dela não é nem de longe o que sempre enfeita seu rosto e a angústia que isso causa em Ho-Seok umedece seus olhos.
- Eu sei que pode, jagi – Ele abre a porta do carro para que ela se acomode no banco do carona, no veículo de vidros negros, que não passam despercebidos pela garota que de imediato associa a intenção de escondê-la.
– Eu só queria sair de lá com você, sabe? – Ele completa antes de fechar a porta.
Enquanto ele dirige, a garota mantém o doloroso silêncio encarando as luzes de Seul, até que ele finalmente para o carro em frente ao endereço indicado no GPS.
- Kate, eu acho que o que aconteceu na festa te causou uma má impressão. Eu só queria poder te explicar que nem o Yoongi estava envolvido com duas garotas ao mesmo tempo, nem ... – Ele procura palavras em inglês, mas o nervosismo aumenta a dificuldade, e ele baixa a cabeça tentando colocar o pensamento em ordem.
Após presenciar a confusão Kate teve uma mudança drástica no semblante e até a hora que decidiu se despedir dos presentes, trocou pouquíssimas palavras com ele.
A verdade é que como um balde de água fria, se ver como apenas mais uma garota apaixonada por um idol a acordou para a possibilidade de nem ao menos ser a única nesta situação.
Não passava por sua mente nenhum tipo de cobrança ou pedido de promessa a Hobi naquele momento. Ele nunca nem sequer mencionou iniciar um romance, pelo contrário, fugiu, ainda que delicadamente, à todas as investidas dela. Diante de todas essas conclusões ela solta pesadamente o ar de seus pulmões:
- Você é um ótimo amigo, Hobi – Ela sorri o sorriso mais triste que ele já viu entre aquelas sardas e isso corta seu coração de tal forma que não saberia dizer quando, mas as lágrimas agora escorrem de seu rosto e ele segura sua mão, impedindo que ela desça do carro.
- Kate ... eu não consigo te explicar – Ele passa as mãos sobre as dela, na tentativa que a falta de vocabulário seja superada pelo contato de suas peles.
- Você não precisa explicar nada, Ho-Seok. Absolutamente nada. – Ela sorri francamente a ele. - Você é um amigo maravilhoso e eu estou muito feliz de poder ter vindo conhecer seu grupo e ver um pouquinho da sua realidade.
- Porque eu tenho a sensação de que depois que você sair desse carro tudo será diferente entre nós? – Ele puxa a mão dela e passa no próprio rosto, molhando a pele da garota em suas lágrimas, que correm livremente por sua face, em meio aos soluços que já não consegue conter.
- Vamos continuar amigos. - Ela puxa a mão dele e beija os nós de seus dedos fazendo ele fechar os olhos ao contato da boca dela e sente imediatamente a falta do contato assim que ela salta do carro se despedindo.
- E se não pudermos ser só amigos? - Alguns segundos depois ele corre encontrá-la, cobrindo a cabeça com o capuz da jaqueta que veste.
Ela gira nos calcanhares e avança sobre ele, aproximando o rosto a ponto de sentir a respiração cálida dela e ele não recua, pela primeira vez, sustentando o olhar em direção aos orbes castanhos coroados por cílios rubros que o hipnotizaram desde o primeiro instante.
- E o que seríamos, Ho-Seok? Me diga? – Os olhos se estreitam enquanto ela eleva o queixo a fim de manter os olhos na altura dos dele.
O garoto fraqueja um momento, baixando o rosto e dá um passo para trás, aumentando a distância entre os dois. Ele torce os lábios, procurando as palavras corretas
- Eu não quero te esconder. Eu não quero que você perca sua privacidade. Eu não quero que ... – Ele sacode a cabeça tentando livrar-se da imagem da festa e do grupo de garotas que acompanhavam seus amigos, sempre disfarçando, sempre a uma distância segura sob o olhar vigilante de membros das equipes.
Ela baixa o olhar e se afasta do corpo dele e antes de fechar a porta de vidro atrás de sí, explica sem traço algum dos sorrisos que ele tanto gosta:
- E eu gostaria que você tivesse me perguntado o que eu quero, Hobi.
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- Kate, tenho dois dias de folga na próxima semana – Ele coça a cabeça em dúvida sobre como continuar. Semanas se passaram desde o ocorrido e os dois lados estão empenhados em fazer as coisas voltarem ao normal. No normal tão singular que eles haviam construído, mas há sempre uma linha imaginária traçando o limite dos assuntos, nas demonstrações de afeto.
- Você tem algum compromisso? – Ela aproxima o rosto da câmera até que somente o olho direito preencha toda a tela do celular dele.
- Você tem? – Ele sorri para a imagem absurda que se forma, apoiando-se sobre o punho o rosto, enquanto esfrega a outra mão nos cabelos, revelando melhor o rosto.
- Sempre tenho espaço na agenda para um amigo... a que horas você chega? – Ela sorri e toca a testa na imagem no telefone enquanto tenta conter o suspiro que vem até os lábios.
- Às 8 da manhã ... - Ele ri jogando o corpo para o lado sobre a mesa, aliviado, ainda que a palavra amigo lhe dê, no fundo, uma pontada no coração
- Então eu tenho um compromisso às 8 da manhã. Esteja lá.
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O Wolkswagen azul, anos 90, parado em frente ao aeroporto com uma ruiva sentada sobre o capô sob o sol tímido faz seu o coração dele acelerar, e ele joga a mochila sobre as costas rapidamente. Quando o vê se aproximar, Kate ergue os óculos e abre o tão característico sorriso, saltando no chão e correndo ao seu encontro.
Ela para em sua frente, mas mantém o corpo mais distante que o usual e Hobi sente a nostálgica falta da sensação de tê-la à centímetros do beijo que nunca ocorre. A imediata percepção de que realmente tudo mudou o toma, ainda que ela esteja tão animada como sempre, tagarelando sem parar, ele não pode deixar de sentir o nó na garganta que se forma, amargando o céu da boca e turvando os olhos e ele tenta disfarçar o melhor que pode respondendo às perguntas que ela despeja no trajeto da surpresa que ela avisou ter para ele.
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Você parece muito decepcionado – A garota gargalha ao ver os olhos de Hobi fixos no parque de diversões.
-Não! – Ele enfatiza e logo o sorriso toma conta de seu rosto novamente – Eu só esperava ...
- A London Eye? – A risada dela só aumenta enquanto anda de costas para ele, em direção a entrada do parque, tomando sua mão e o puxando em direção ao seu corpo para então parar ao meio do caminho.
– Esse parque é da minha família há décadas. Eu cresci correndo em meio a toda esta velharia. O que explica minhas lindíssimas pernas. – Aponta para a coleção de cicatrizes nos joelhos, erguendo a barra do longo calção roxo e Hobi desvia o olhar rapidamente.
– Depois, aos 18, eu fui estudar na Inglaterra. Achava que seria uma escritora de sucesso, venderia milhares de livros e ficaria milionária. Me formei entendi que escrever é a minha paixão sim, mas a menos que coma papel, não posso me sustentar assim. Pelo menos não por enquanto. Então voltei para cá e abri a minha banca de revistas. – Ela pisca para ele e em seu olhar não há qualquer sinal de frustração ou negatividade – Mas eu gosto da sensação de saber que fiz minhas escolhas, que avaliei os riscos e que tomei minhas próprias decisões.
Há pouquíssimas pessoas no parque e a luz tímida do sol galês sobre os brinquedos dá ao local uma aura mágica, como se a qualquer momento um portal fosse se abrir em meio ao lugar. Os cabelos ruivos de Kate estão mais desordenados que nunca, bagunçados pela leve brisa que sopra e suas sardas parecem de uma tonalidade próxima à laranjada dos cabelos e Hobi só consegue pensar em como ela parece ser irreal naquele cenário, enquanto observa a aura que a luz de fim de tarde forma contra os fios. Há algo de élfico, de mágico, que prende sua atenção e o faz suspender a respiração a cada toque dela, o conduzindo pelo labirinto de brinquedos.
- Muito bem, aqui, esse é Trevor, meu primo – Aponta para o garoto que aparenta ter no máximo 15 anos, manejando o painel de controle do brinquedo – Diga oi, Trevor – E o garoto emite um cumprimento no idioma que faz Ho-Seok entender somente pelo riso, tão semelhante ao de Kate.
- Kate, não acha que ... – Ele estaca em frente a entrada da cabine da roda gigante, coberta de ferrugem – Que talvez seja perigoso?
- Nããão – Ela empurra o convidado para dentro da cabine, entrando logo atrás e passando a tranca, sinalizando com a mão para fora para o primo que ligue o brinquedo – Faz muitos meses que nenhuma das cabines despenca. Temos mantido uma baixíssima média de mortos por mês – Ela completa seriamente.
Hobi demora alguns segundos para soltar um riso amarelo, desencadeando as gargalhadas da ruiva.
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Assim que chegam ao ponto mais alto o equipamento para, fazendo a cabine se mexer e Hobi agarrar-se as barras de apoio em volta do banco.
- Kate, eu estou enjoado. Acho que vou vomitar – Ele leva as mãos à boca enquanto o rosto torna-se cada vez mais pálido.
Então ela se levanta em sua frente, e procura algo no bolso do imenso casaco – Por favor, não agora, Hobi. Vomita depois, ok?
Ela sorri enrugando os olhos e continua, solenemente – Na Coréia eu te disse que gostaria que tivesse me perguntado o que eu queria.
Hobi sacode a cabeça, concordando envergonhado, desviando os olhos dela.
- Pois mudei de ideia, Hobi. Não quero esperar que você me pergunte nada.
Ela se ajoelha em frente a ele, forçando uma leve tosse abre a pequena caixa com um enorme e escandaloso anel prateado, coroado com uma imensa pedra roxa:
- Jeong Ho-seok, você aceita namorar escondido comigo? - Ela estende o anel para ele, com as duas mãos, inclina a cabeça para o lado sorrindo.
Hobi ajoelha em frente a ela e quando a cabine dá um solavanco ele solta mais um grito. Quando finalmente parece estabilizar, ele ergue a mão a frente de Kate apontando o dedo anelar para ela:
- Você tem certeza absoluta disso, jagi?
Ela o interrompe, tomando o dedo dele - Tenho sim. E você?
Ele sorri sinalizando que sim com a cabeça repetidamente, e ela coloca o anel em seu dedo e depois o morde. Ele inicia sua dança comemorativa a cabine chacoalha novamente e, assustado, se apoia em Kate, que o envolve num abraço, aproximando seus rostos, deixando o espaço de um suspiro para então desviar e sussurrar ao seu ouvido:
- Então eu vou te beijar. Finalmente.
- K-Pop ainda não é famoso aqui. – Ela pousa a caneca a frente dele e se acomoda ao seu lado no banco, o empurrando levemente - Você pode ficar tranquilo, você sabe disso.
O garoto solta todo o ar em um profundo suspiro:
- Eu sei. Só não gostaria de ter problemas ou te trazer problemas, Kathelyn.
- Kate. – Ela corrige – Agora meu maior problema está sendo a sua formalidade e esta deliciosa cerveja galesa esquentando em suas mãos.
Ela passa as mãos pelos cabelos ruivos bagunçados, piscando os olhos castanhos perdidos na constelação de sardas de seu rosto enquanto direciona mais um dos sorrisos que o fizeram sair da Coréia por mais um final de semana e ele se vê vencido, tomando um longo gole do líquido amargo tentando retornar a boca a umidade que sempre lhe foge quando ela está próxima.
Alguns minutos e goles depois e Hobi está muito mais solto gesticulando freneticamente em frente à Kate tentando substituir as palavras em inglês que lhe faltam por mímicas enquanto ela gargalha. A conexão entre os dois dispensa palavras a maior parte do tempo.
- Bom, como agradecimento, quero dizer que me esforcei em aprender algumas palavras em coreano – Ela ergue as duas mãos sobre a cabeça para o anúncio e Hobi sorri abertamente.
Ela endireita a postura, pigarreia e então solta desordenadamente palavras aleatórias e Hobi repete corrigindo a pronúncia em meio aos risos cada vez mais alterados talvez pelo álcool, talvez por ela.
- Kiseu – Ela aponta para os lábios e Hobi engole a saliva lentamente e depois repete a palavra enquanto tem os olhos fixos nos lábios rosados da galesa. Ela repete a palavra e se aproxima do rosto dele que imediatamente se afasta envergonhado.
- Acho que encerramos a aula de coreano por hoje. Vamos à aula de dança! Eu adoro essa música! – E levanta num salto arrastando-o pelas mãos para a pista em frente a banda e então agita-se na frente dele de modo totalmente descoordenado e então grita – Me ensinar coreano será mais fácil que me ensinar a dançar, acredite!
E ele acredita. Nunca viu alguém tão adoravelmente desperdiçar qualquer articulação do corpo mexendo-se daquela forma.
“Encantadora”
A chuva fina forma gotículas sobre o rosto de Ho-seok que conta uma história animadamente e ainda que nem tudo seja compreensível, a companhia dele faz o coração de Kate bater rapidamente e ela tem certeza que se o riso idiota que conserva no rosto permanecer por mais tempo, logo terá cãibra nas bochechas.
Essa é a terceira vinda dele ao País de Gales desde que se conheceram quando ele e Yoongi entraram em sua banca de jornal procurando um roteiro de viagem, direcionando olhares disfarçados a dona da banca que organizava os itens nas prateleiras.
No dia seguinte ele apareceu novamente ele pediu um jornal, daqueles que ficam atrás dela no caixa, em galés.
Quando na tarde daquele mesmo dia ele ficou parado balbuciando um pedido aleatório apontando para as prateleiras, ela perguntou se ele não gostaria de um guia turístico nativo, quase matando o rapaz de vergonha.
Somente uma semana depois da partida e horas de conversa madrugada a dentro ele mencionou ser músico e ela pediu para ouvir, deparando-se com milhões de seguidores e ela entendeu então que encontrar-se com ele não era somente uma questão de distância geográfica, mas de rotinas e impossibilidades inerentes à vida dele. Então ela tentou afastar da mente a lembrança da presença solar, do riso e dos movimentos ritmados que ele fazia quando contava algo à ela pois provavelmente nunca mais ser veriam.
Mas então uma semana depois ele chegou à banca enquanto ela erguia a pesada porta de ferro perguntando se poderiam tomar café da manhã juntos na cafeteria em frente. Ele estava em um show na França e teve uma escala no País de Gales, partindo para a Coréia novamente meia hora depois. Kate nunca comentou o fato de tal rota não existir em voos comerciais, mas relembraram juntos mais tarde cada detalhe da manhã e do primeiro welsh rarebit que comeram juntos.
Quinze dias depois quando ela avisou que estava em Londres para uma feira literária ele pediu para encontra-la em um pub no centro, após um show do grupo, pois coincidentemente ele teria algumas horas entre o espetáculo e o voo para o próximo destino naquele dia e estava sem sono, ainda que ao final da conversa ele tivesse adormecido sobre seu obro em meio aos gritos da torcida do Liverpool.
Um mês depois ele foi ao País de Gales e o motivo era ela, só ela. Sem desculpas ou coincidências absurdas.
Parada em frente à um antigo prédio de dois andares, Kate procura o molho de chaves no bolso do casaco enquanto o observa ele trocar o peso do corpo entre as pontas dos pés e os calcanhares. Ela finalmente encontra a chave do hall do antigo prédio e quando ele ameaça se despedir ela o interrompe:
- Poderia te oferecer um chá ou café. Mas a verdade é que não tem nada disso no meu apartamento então eu vou te convidar para subir sem nenhum tipo de desculpa. – E se volta para terminar de abrir a porta.
- Kate, já está tarde e logo não vou conseguir táxi para voltar para o hotel.
- Eu sei. E por isso você vai subir – Ela gargalha ao ver o rosto do garoto que muda gradualmente a cor sob a luz amarelada da marquise que os protege da chuva.
- Então nenhum de vocês podem namorar?
Hobi engasga com o gole de cerveja e enquanto seca o rosto com o dorso da mão abana a ideia da garota, numa pergunta sem nenhuma cerimônia ou introdução.
- Não é assim, Kate é que ...
- Tem Google no País de Gales e funciona mesmo aqui, Portmeirion, sabe ... – ela torce os cabelos ruivos com um dedo enquanto assiste o filme, olhando de canto para Hobi, sentado no tapete aos seus pés, observando-o se mexer repetidamente procurando uma posição confortável.
- É muito complicado para qualquer um de nós. E seria ainda mais para a garota.
Ele deixa a cerveja ao seu lado e esfrega as mãos nos joelhos esperando que ela se pronuncie quanto ao que deve ter lido na internet.
- Então você nunca teve uma namorada?
Ele se remexe desconfortavelmente – Sim. Antes de tudo isso.
- E você estreou com quantos anos?
- O grupo estreou em 2013, mas me mudei para Seul em 2010 ...
- Huuuunnnn – O sorriso no canto da boca revela o que está pensando sobre a possibilidade de inexperiência dele e ao ver que novamente orelhas e rosto mudam de cor em segundos ela gargalha, voltando a assistir ao filme, deixando-o perdido em sua timidez.
- Então vamos dormir – Ela sentencia levantando-se e sinalizando com a mão para que ele a acompanhe, e os olhos de Hobi parecem querer saltar para fora das órbitas.
- Eu posso dormir a-a-a-qui no sofá. – E se deita rapidamente – Não se preocupe.
Kate dá de ombros e minutos depois retorna com travesseiros, cobertas e uma camiseta limpa.
Hobi ajeita-se e agradece, já sentindo os olhos pesados pelo sono e pela bebida. - Amanhã preciso sair às 2 da madrugada, Kate – Ele suspira.
Ela olha para o relógio sobre a tv e constata que isso significa que restam apenas 3 horas juntos. Ela assente com a cabeça e se retira.
Alguns minutos depois Hobi acorda em sobressalto ao ouvir algo espatifar-se no chão e senta-se buscando a origem do som, vendo Kate arrastar um colchão pela casa com dificuldade.
- Não gostava daquele vaso mesmo... – Ela bufa.
- O que você está fazendo, jagi? – Ele ainda parece estar dormindo
- Jagi? – Ela inclina a cabeça não entendendo a palavra, mas logo em seguida joga o colchão ao lado do sofá e deitando-se responde – Estou ficando perto de você nesse restinho de tempo que temos. Boa noite.
Ele deita-se novamente virado para a garota no colchão ao lado do sofá e mantendo os olhos sobre ela, observando os cabelos sobre o rosto sardento e os lábios em um sorriso sonolento enquanto ela sustenta o olhar, até que ele é vencido pelo sono e balbucia:
- Boa noite, jagiya.
- Oi, é a Jagi! – Kate acredita ter um novo apelido – Já estou na rua ... quadradinho aberto em cima de um negocinho redondo com uns pauzinhos do lado – Ela descreve a placa de rua e ri sozinha ao telefone enquanto arrasta a pequena mala colorida para fora do aeroporto.
Hobi ri e se chacoalha para os meninos, saindo da sala de prática para falar com ele - Eu gostaria de te buscar no aeroporto, Jagi. Gostaria mesmo, tem tantos lugares que gostaria de te mostrar. Tantos lugares que poderíamos ir juntos.
- Não se preocupe, ok? Vou pegar um taxi para o hotel e a noite nos encontramos no aniversário do seu amigo. Vou saltar do carro em movimento e me arrastar até a porta, sorrateiramente. Abra somente depois que ouvir o meu assobio secreto. Preciso usar algum disfarce também?
Hobi ri imaginando a cena. Duas semanas atrás quando conversou com Yoongi e Namjoon sobre convidar uma amiga para a festa de aniversário de Yoongi, ele frisou tantas vezes se tratar apenas de uma amiga que ao final festou confirmado não se tratar somente disso. Mas a verdade é que era somente isso, ainda que nas últimas semanas repetidamente dormissem com a vídeo chamada ativa, celular apoiado ao lado do rosto observando um ao outro. Ainda que o bom dia galês dela fosse a primeira coisa que buscasse ao acordar. Ainda que cada refeição fosse religiosamente fotografada e enviada entre eles. Ainda que a simples possibilidade de um encontro de meia hora entre voos fosse motivo de planejamento e alegria entre os dois. Ainda assim, eram somente amigos.
- Eu me inclino, né? – Kate estanca em frente a Yoongi e Nanjoom e eles imediatamente riem quando ela estende a mão e ao mesmo tempo se inclina e Hobi pula ao lado, divertidíssimo com a cena.
- Parabéns, Yoongi – Ela entrega a sacola ao aniversariante.
- Obrigada Kate – E ela sorri ao perceber que ele já sabe o nome dela – Vamos te apresentar aos outros convidados.
Ela acompanha o grupo e observa que há várias outras meninas ali. Mais ou menos próximas aos garotos, algumas as vezes recebendo um leve toque ou sorriso disfarçado de algum deles e ela ri sozinha dentro do copo de cerveja que Nanjoom a serviu.
- Isso parece um encontro de alguma seita supersecreta – Fala para si mesma.
J-Hope dança animadamente em sua frente enquanto ela gargalha, sacudindo os cabelos ruivos e jogando a cabeça para trás dançando desengonçadamente tentando acompanha-lo.
Quando em um passo ele se aproxima dela, ela toca o rosto do rapaz que grita assustado e deixa a bebida cair sobre ela, tamanha apreensão que o pequeno gesto causa, fazendo ela se curvar para frente gargalhando e gritar – Me sinto uma agente secreta!
Ele pega a mão dela e deposita um beijo rapidamente, certificando-se logo em seguida que ninguém tenha visto, enquanto sorri:
- Britânica você é, Jagi ... – Ele se chacoalha na frente dela, nos movimentos característicos que seu corpo repete sempre que animado.
A garota faz uma pose com as mãos e finge atirar mirando no coração, e ele cai sobre o sofá após fazer os efeitos sonoros do tiro, arrancando uma risada de Yoongi que observa o casal mais indiscreto da noite, ainda que estes, se perguntados, pudessem jurar que estão disfarçando perfeitamente o que quer que seja que esteja acontecendo entre eles nos últimos meses.
Kate se joga no sofá ao lado de Hobi, tira o tênis do próprio pé e finge fazer uma ligação.
- Missão finalizada. Alvo abatido com sucesso! – Sentencia com o rosto mais sério que conseguiria fazer.
Hobi escorrega o corpo até o chão e se apoia entre os joelhos dela - Totalmente abatido. – Suspira, enquanto os olhos brilham olhando para a garota.
- Preciso desligar, senhor. Temos uma nova situação crítica para tratar – Ela continua a ligação fictícia no tênis, levando o rosto perigosamente perto até que Ho-Seok se dá conta da situação e rola no tapete gritando, com as pernas erguidas para alegria da garota que gargalha se deitando no sofá.
Yoongi deixa o casal e os dois tentam acalmar o riso, sentando lado a lado. Hobi ajoelha-se e se apoia no encosto do sofá enquanto o outro o contorna e quando vai chama-lo observa Joongkook e sua namorada chegando. Ele imediatamente chama Kate, que se acomoda ao seu lado, igualmente posicionada.
- Veja, jagi! – Ele aponta - Quero te apresentar a Babi e o JK ... – Ele sorri pensando em mostrar a ela um exemplo de casal que tem sobrevivido à todas as adversidades e um sopro de esperança passa por sua mente quando olha para eles e em seguida para a ruiva sorridente ao seu lado.
Quando de trás de JK surge uma garota estrangeira, com camisetas e calças largas, enrolando nos dedos os fios desprendidos do coque preso no alto ele tomba do sofá, sendo socorrido por Kate – Jagi, aquela é Eduarda! – Ele sussurra horrorizado para a amiga, enquanto escala o móvel, retornando à posição inicial.
Kate arremessa o tênis longe e leva as duas mãos à boca, simulando espanto.
– OMG! – Ela ri entre os dedos – E quem é Eduarda, Hobi?
Ele quer começar a explicar atrapalhando-se na formulação das frases, misturando os idiomas, mas então o riso de Kate morre ao observar a cena que se desenrola à sua frente.
A garota morena recém chegada, de olhos úmidos que transmitem uma saudade que poderia ser tocada é apresentada à uma oriental que sem receio algum envolve Yoongi num abraço, declaradamente marcando território e ainda que a conversa ocorra em um idioma desconhecido para Kate, a imagem da frustração é universal e contamina os dois que observam o confronto entre as duas garotas e a dúvida de Yoongi, parado em meio a elas.
Kate escorrega as costas pelo encosto do sofá, acompanhada por Hobi que tenta explicar o ocorrido, mas o nervosismo o faz trocar as palavras e a própria Kate resume a situação:
- Uma não sabia da outra, pois todas são um segredo – ela desvia o olhar dele e encara as outras várias meninas espalhadas pela sala, enquanto esfrega as mãos nos joelhos nervosamente, para então encará-lo. - E quantos “segredos” cada um de vocês tem?
- Eu posso ir sozinha para o hostel, Hobi – Kate insiste enquanto ele a puxa pelo braço em direção ao estacionamento. O sorriso dela não é nem de longe o que sempre enfeita seu rosto e a angústia que isso causa em Ho-Seok umedece seus olhos.
- Eu sei que pode, jagi – Ele abre a porta do carro para que ela se acomode no banco do carona, no veículo de vidros negros, que não passam despercebidos pela garota que de imediato associa a intenção de escondê-la.
– Eu só queria sair de lá com você, sabe? – Ele completa antes de fechar a porta.
Enquanto ele dirige, a garota mantém o doloroso silêncio encarando as luzes de Seul, até que ele finalmente para o carro em frente ao endereço indicado no GPS.
- Kate, eu acho que o que aconteceu na festa te causou uma má impressão. Eu só queria poder te explicar que nem o Yoongi estava envolvido com duas garotas ao mesmo tempo, nem ... – Ele procura palavras em inglês, mas o nervosismo aumenta a dificuldade, e ele baixa a cabeça tentando colocar o pensamento em ordem.
Após presenciar a confusão Kate teve uma mudança drástica no semblante e até a hora que decidiu se despedir dos presentes, trocou pouquíssimas palavras com ele.
A verdade é que como um balde de água fria, se ver como apenas mais uma garota apaixonada por um idol a acordou para a possibilidade de nem ao menos ser a única nesta situação.
Não passava por sua mente nenhum tipo de cobrança ou pedido de promessa a Hobi naquele momento. Ele nunca nem sequer mencionou iniciar um romance, pelo contrário, fugiu, ainda que delicadamente, à todas as investidas dela. Diante de todas essas conclusões ela solta pesadamente o ar de seus pulmões:
- Você é um ótimo amigo, Hobi – Ela sorri o sorriso mais triste que ele já viu entre aquelas sardas e isso corta seu coração de tal forma que não saberia dizer quando, mas as lágrimas agora escorrem de seu rosto e ele segura sua mão, impedindo que ela desça do carro.
- Kate ... eu não consigo te explicar – Ele passa as mãos sobre as dela, na tentativa que a falta de vocabulário seja superada pelo contato de suas peles.
- Você não precisa explicar nada, Ho-Seok. Absolutamente nada. – Ela sorri francamente a ele. - Você é um amigo maravilhoso e eu estou muito feliz de poder ter vindo conhecer seu grupo e ver um pouquinho da sua realidade.
- Porque eu tenho a sensação de que depois que você sair desse carro tudo será diferente entre nós? – Ele puxa a mão dela e passa no próprio rosto, molhando a pele da garota em suas lágrimas, que correm livremente por sua face, em meio aos soluços que já não consegue conter.
- Vamos continuar amigos. - Ela puxa a mão dele e beija os nós de seus dedos fazendo ele fechar os olhos ao contato da boca dela e sente imediatamente a falta do contato assim que ela salta do carro se despedindo.
- E se não pudermos ser só amigos? - Alguns segundos depois ele corre encontrá-la, cobrindo a cabeça com o capuz da jaqueta que veste.
Ela gira nos calcanhares e avança sobre ele, aproximando o rosto a ponto de sentir a respiração cálida dela e ele não recua, pela primeira vez, sustentando o olhar em direção aos orbes castanhos coroados por cílios rubros que o hipnotizaram desde o primeiro instante.
- E o que seríamos, Ho-Seok? Me diga? – Os olhos se estreitam enquanto ela eleva o queixo a fim de manter os olhos na altura dos dele.
O garoto fraqueja um momento, baixando o rosto e dá um passo para trás, aumentando a distância entre os dois. Ele torce os lábios, procurando as palavras corretas
- Eu não quero te esconder. Eu não quero que você perca sua privacidade. Eu não quero que ... – Ele sacode a cabeça tentando livrar-se da imagem da festa e do grupo de garotas que acompanhavam seus amigos, sempre disfarçando, sempre a uma distância segura sob o olhar vigilante de membros das equipes.
Ela baixa o olhar e se afasta do corpo dele e antes de fechar a porta de vidro atrás de sí, explica sem traço algum dos sorrisos que ele tanto gosta:
- E eu gostaria que você tivesse me perguntado o que eu quero, Hobi.
- Kate, tenho dois dias de folga na próxima semana – Ele coça a cabeça em dúvida sobre como continuar. Semanas se passaram desde o ocorrido e os dois lados estão empenhados em fazer as coisas voltarem ao normal. No normal tão singular que eles haviam construído, mas há sempre uma linha imaginária traçando o limite dos assuntos, nas demonstrações de afeto.
- Você tem algum compromisso? – Ela aproxima o rosto da câmera até que somente o olho direito preencha toda a tela do celular dele.
- Você tem? – Ele sorri para a imagem absurda que se forma, apoiando-se sobre o punho o rosto, enquanto esfrega a outra mão nos cabelos, revelando melhor o rosto.
- Sempre tenho espaço na agenda para um amigo... a que horas você chega? – Ela sorri e toca a testa na imagem no telefone enquanto tenta conter o suspiro que vem até os lábios.
- Às 8 da manhã ... - Ele ri jogando o corpo para o lado sobre a mesa, aliviado, ainda que a palavra amigo lhe dê, no fundo, uma pontada no coração
- Então eu tenho um compromisso às 8 da manhã. Esteja lá.
O Wolkswagen azul, anos 90, parado em frente ao aeroporto com uma ruiva sentada sobre o capô sob o sol tímido faz seu o coração dele acelerar, e ele joga a mochila sobre as costas rapidamente. Quando o vê se aproximar, Kate ergue os óculos e abre o tão característico sorriso, saltando no chão e correndo ao seu encontro.
Ela para em sua frente, mas mantém o corpo mais distante que o usual e Hobi sente a nostálgica falta da sensação de tê-la à centímetros do beijo que nunca ocorre. A imediata percepção de que realmente tudo mudou o toma, ainda que ela esteja tão animada como sempre, tagarelando sem parar, ele não pode deixar de sentir o nó na garganta que se forma, amargando o céu da boca e turvando os olhos e ele tenta disfarçar o melhor que pode respondendo às perguntas que ela despeja no trajeto da surpresa que ela avisou ter para ele.
Você parece muito decepcionado – A garota gargalha ao ver os olhos de Hobi fixos no parque de diversões.
-Não! – Ele enfatiza e logo o sorriso toma conta de seu rosto novamente – Eu só esperava ...
- A London Eye? – A risada dela só aumenta enquanto anda de costas para ele, em direção a entrada do parque, tomando sua mão e o puxando em direção ao seu corpo para então parar ao meio do caminho.
– Esse parque é da minha família há décadas. Eu cresci correndo em meio a toda esta velharia. O que explica minhas lindíssimas pernas. – Aponta para a coleção de cicatrizes nos joelhos, erguendo a barra do longo calção roxo e Hobi desvia o olhar rapidamente.
– Depois, aos 18, eu fui estudar na Inglaterra. Achava que seria uma escritora de sucesso, venderia milhares de livros e ficaria milionária. Me formei entendi que escrever é a minha paixão sim, mas a menos que coma papel, não posso me sustentar assim. Pelo menos não por enquanto. Então voltei para cá e abri a minha banca de revistas. – Ela pisca para ele e em seu olhar não há qualquer sinal de frustração ou negatividade – Mas eu gosto da sensação de saber que fiz minhas escolhas, que avaliei os riscos e que tomei minhas próprias decisões.
Há pouquíssimas pessoas no parque e a luz tímida do sol galês sobre os brinquedos dá ao local uma aura mágica, como se a qualquer momento um portal fosse se abrir em meio ao lugar. Os cabelos ruivos de Kate estão mais desordenados que nunca, bagunçados pela leve brisa que sopra e suas sardas parecem de uma tonalidade próxima à laranjada dos cabelos e Hobi só consegue pensar em como ela parece ser irreal naquele cenário, enquanto observa a aura que a luz de fim de tarde forma contra os fios. Há algo de élfico, de mágico, que prende sua atenção e o faz suspender a respiração a cada toque dela, o conduzindo pelo labirinto de brinquedos.
- Muito bem, aqui, esse é Trevor, meu primo – Aponta para o garoto que aparenta ter no máximo 15 anos, manejando o painel de controle do brinquedo – Diga oi, Trevor – E o garoto emite um cumprimento no idioma que faz Ho-Seok entender somente pelo riso, tão semelhante ao de Kate.
- Kate, não acha que ... – Ele estaca em frente a entrada da cabine da roda gigante, coberta de ferrugem – Que talvez seja perigoso?
- Nããão – Ela empurra o convidado para dentro da cabine, entrando logo atrás e passando a tranca, sinalizando com a mão para fora para o primo que ligue o brinquedo – Faz muitos meses que nenhuma das cabines despenca. Temos mantido uma baixíssima média de mortos por mês – Ela completa seriamente.
Hobi demora alguns segundos para soltar um riso amarelo, desencadeando as gargalhadas da ruiva.
Assim que chegam ao ponto mais alto o equipamento para, fazendo a cabine se mexer e Hobi agarrar-se as barras de apoio em volta do banco.
- Kate, eu estou enjoado. Acho que vou vomitar – Ele leva as mãos à boca enquanto o rosto torna-se cada vez mais pálido.
Então ela se levanta em sua frente, e procura algo no bolso do imenso casaco – Por favor, não agora, Hobi. Vomita depois, ok?
Ela sorri enrugando os olhos e continua, solenemente – Na Coréia eu te disse que gostaria que tivesse me perguntado o que eu queria.
Hobi sacode a cabeça, concordando envergonhado, desviando os olhos dela.
- Pois mudei de ideia, Hobi. Não quero esperar que você me pergunte nada.
Ela se ajoelha em frente a ele, forçando uma leve tosse abre a pequena caixa com um enorme e escandaloso anel prateado, coroado com uma imensa pedra roxa:
- Jeong Ho-seok, você aceita namorar escondido comigo? - Ela estende o anel para ele, com as duas mãos, inclina a cabeça para o lado sorrindo.
Hobi ajoelha em frente a ela e quando a cabine dá um solavanco ele solta mais um grito. Quando finalmente parece estabilizar, ele ergue a mão a frente de Kate apontando o dedo anelar para ela:
- Você tem certeza absoluta disso, jagi?
Ela o interrompe, tomando o dedo dele - Tenho sim. E você?
Ele sorri sinalizando que sim com a cabeça repetidamente, e ela coloca o anel em seu dedo e depois o morde. Ele inicia sua dança comemorativa a cabine chacoalha novamente e, assustado, se apoia em Kate, que o envolve num abraço, aproximando seus rostos, deixando o espaço de um suspiro para então desviar e sussurrar ao seu ouvido:
- Então eu vou te beijar. Finalmente.