Kool-Aid

Última atualização: 24/11/2024

Prólogo


“O microfone dele está ajustado?” - ouvi a repórter perguntar, sua voz era suave e profissional, mas havia algo de curioso na maneira como ela a soltou. Seus olhos estavam fixos na tela do monitor à frente, mas seu corpo estava atento a cada detalhe ao redor, atento a cada detalhe em mim. Eu sabia que estava sendo observado.
Era a primeira entrevista. Exclusiva, sim, mas quem se importava? Depois de meses em silêncio, a ideia de voltar àquela realidade só me dava mais vontade de afundar de vez no abismo. A última vez que abrimos a boca para o público, a última vez que qualquer um de nós apareceu, foi quando tudo acabou.
E não foi uma ironia, mas sim um reflexo exato de quem éramos, quando o nosso gestor de crise – daquele momento – soltou uma nota no Instagram e essa mal passou pelas nossas mãos. Ninguém perguntou se estávamos de acordo, ninguém nos deu a chance de dizer algo, porque nós estávamos fodidos.
Ninguém falou nada.
O fim da banda, o fim do meu relacionamento conturbado com a guitarrista e o que mais pesava, o que eu tentava não pensar, o último show em Las Vegas. Aquele show… ironicamente, o ponto final na vida de Ruby.
Nada de bom sairia desse lugar. Eu sabia disso. Aquela entrevista não era uma tentativa de reconciliação, era apenas o fim do circo. Porque era isso que tínhamos virado: um espetáculo de miséria, onde todo o glamour e a fama eram apenas cortinas de fumaça, escondendo a pobre realidade que já tomava conta de nós.
Não nos falávamos mais, eu e o que sobrou de cada um da banda.
Peter Simmons ainda cuidava da carreira – ou do que restava dela – de cada um de nós, mas ele não comentava nada entre nós. Não éramos mais uma família. Cada um estava isolado, preso ao próprio colapso, sem querer olhar para o outro.
Não havia mais time, não havia mais "nós".
Os perfis nas redes sociais estavam mortos. Esqueletos de uma vida que não existia mais. Os flagras na rua? Poucos e distantes. E, claro, o silêncio. O silêncio era tudo o que restava. E parecia tão confortável, tão definitivo, que, no fundo, ninguém queria quebrá-lo.
Até agora…
Agora, ali estava eu, na frente das câmeras, depois de 365 dias.

Sentei-me na poltrona de couro preta, que rangia sob meu peso, e senti a temperatura da sala apertar ao redor de mim. O cheiro do couro, a luz suave que se filtrava pelas softboxes, tudo parecia carregar um peso extra. Eu, definitivamente, não estava mais acostumado com isso.
O rapaz – cujo nome eu já não conseguia lembrar – afastou-se rapidamente da repórter com passos apressados e eu poderia jurar que ele queria se livrar da responsabilidade de ajustar o microfone o mais rápido possível.
Ele se posicionou diante de mim, os olhos nunca em contato com os meus, enquanto suas mãos tocavam a minha camisa com um toque ligeiramente hesitante, o gesto rápido demais, como se tentasse esconder a própria insegurança.
Seus olhos buscaram os meus brevemente antes de ele murmura-lo, quase em segredo: “Eu sou muito seu fã…” A voz baixa, carregada de um tom que fazia o espaço entre nós parecer ainda menor. Ele se afastou de imediato, mas a tensão ficou, não na sua ausência, mas no jeito que ele se retirou.
A repórter me observava com intensidade, os olhos fixos em mim, medindo cada segundo da minha reação. “Podemos começar, , ou você precisa de mais tempo?” A questão era simples, mas a postura dela – relaxada, mas ao mesmo tempo implacável – dizia tudo. Eu sabia exatamente o que ela queria: um momento de fraqueza. E eu não estava disposto a ceder. Repórteres, não importava a década ou o contexto, sempre seriam abutres.
Ela cruzou as pernas com uma lentidão calculada, a caneta girando entre os dedos como se estivesse tocando uma melodia que só ela ouvia. O olhar que manteve em mim era firme, intransigente, estudando não só o que eu diria, mas cada sinal do meu corpo, tentando decifrar o que eu tentava desesperadamente esconder.
Mas eu também a observava. A ruiva, de cabelo curto, um tanto bagunçado, como se tivesse sido cuidadosamente desfeito para parecer casual. A maquiagem perfeita, mas com um toque que denunciava o esforço por trás da naturalidade. Ela achava que estava no controle, mas eu sabia que esse jogo era feito nos detalhes – e eu também sabia jogar.
Balancei a cabeça levemente, forçando um sorriso que não era exatamente amigável, mas sim um lembrete de que eu também estava ciente das regras. “Não, claro que não. Podemos começar.”
A voz saiu mais controlada do que eu imaginava, mas a verdade era que eu já sabia que estávamos em movimento.
Que o jogo já tinha começado.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

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