Capítulo Único
Era bizarra a sensação de estar naquela casa depois de tudo o que havia acontecido. O ar gélido já era bastante presente e o silêncio já era um velho amigo. No andar de cima, no quarto, havia uma cadeira posicionada de frente para a janela e era lá que James ficava a maior parte do tempo.
Nos últimos meses ele simplesmente havia sumido do mundo. Ninguém tinha notícias dele e muito menos noção de onde estava, o que estaria fazendo e principalmente se ele estava bem. Mas é claro que a resposta da última pergunta era um sonoro não. Justamente o seu sumiço deixava muita gente preocupada, incluindo seus amigos mais próximos.
Tudo o que ele fazia era ficar sentado na cadeira por horas apenas encarando o que havia do lado de fora. O jovem músico promissor de 27 anos estava devastado. Não permitia que ninguém permanecesse com ele por mais de 3 horas e ficava sozinho; isolado. Ele sabia perfeitamente que aquilo não estava lhe fazendo bem, mas insistia em permanecer daquela forma, acolhido somente por sua dor.
Há cerca de 2 meses, James acordou na cama de um hospital sem sequer saber como havia ido parar lá ou sem saber o que havia acontecido na noite anterior. As recordações de horas anteriores eram brancas e por mais que tentasse, ele não conseguia recordar de forma alguma. Era difícil e ele nem sabia porque, mas sentia que algo havia acontecido.
Quando a ficha caiu, ele simplesmente parou de falar. Os médicos tentavam uma comunicação, mas era tudo em vão. Seus amigos, parentes; todos tentaram porém falharam. Ele não queria dizer uma palavra sequer, queria estar em silêncio. Ninguém sabia, mas para ele, apenas uma única palavra seria o suficiente para fazê-lo chorar. Então simplesmente calou-se.
— Hey. — ouviu se aproximar. — Vim ver como você está.
— Na mesma. — respondeu indiferente, com os olhos vidrados na janela.
— Você ainda tem aqueles... Sonhos? — questiona, mordendo o lábio inferior.
James a encarou e ela percebeu a decadência do rapaz. O cabelo estava bagunçado e o rosto pálido, com olheiras profundas. A barba por fazer e pareceu que ele havia emagrecido mais ainda, apenas afinando seu rosto. Realmente, aquilo estava acabando com ele de forma lenta e não havia nada que pudesse fazer.
— Toda noite. — respondeu com a voz arrastada. — Eu não consigo dormir, .
— Você deveria tentar descansar pelo menos com alguém presente, James. — ela sugere. — Assim se você acordar em pânico, vai ter alguém pra te amparar.
Ele assentiu e levantou da cadeira, indo para a cama. sorriu doce, sentindo-se feliz por ter notado que ao invés de discordar, James apenas concordou com ela. Era a primeira vez que ele estava aceitando sugestões e fazendo o que os outros julgam ser melhor.
— Não se preocupe, eu vou estar aqui. — disse docemente.
— Obrigado, . — sussurrou.
Quando fechou os olhos, o cansaço caiu sobre seu corpo sem dó alguma. o deixou sozinho no quarto e desceu as escadas, indo para a sala. James, por outro lado, mergulho na única coisa que aparecia toda vez que tentava dormir.
Era noite e estava chovendo. Foi assim que começou e se tornou o pior dia da sua vida. Naquela noite, Alissa e ele estavam retornando de mais um de seus shows. Os dois estavam rindo, se divertindo e cantando músicas altas no carro, despreocupados com o mundo exterior. E foi após uma curva que as coisas mudaram.
A chuva havia engrossado e um caminhão havia perdido o controle devido à pista molhada. Bay até tentou desviar, mas também perdeu o controle e o carro dos dois girou dezenas de vezes, parando há 10 metros do ponto de colisão. não havia resistido aos ferimentos, chegando a falecer logo após dar entrada no hospital.
Quando James acordou, ele não conseguia lembrar do acidente. O médico disse que era temporário e que em breve ele lembraria. Foi quando perguntou de e soube que ela não havia conseguido. O mundo de James havia desabado no mesmo instante. Desde aquele dia, o músico sumiu. Ele só havia sido visto no enterro de e depois, ninguém o viu. Ele já não ligava a TV, rádio, não entrava em suas redes sociais, nada.
E mesmo acatando ao pedido de sua amiga, ele acordou assustado diante de mais um pesadelo e correu para acalma-lo. Ela sentiu-se inútil ao ver seu amigo de longa data tão fragilizado, em pânico. Ele olhou para ela assustado e ela não hesitou em ir abraçá-lo.
— Está tudo bem, James. — sussurrou. — Era só um pesadelo.
— Eu não aguento mais, ! — disse. — Eu vejo ela em tudo, há cada segundo, minuto... Eu a vejo quando durmo, quando acordo... Eu estou ficando louco!
mordeu o lábio inferior triste. Nem ela sabia o que fazer naquele momento, mas tinha certeza que não poderia deixar ele sozinho de novo. Ele precisava de alguém e era muito mais do que nítido. Era óbvio.
— Não, você não está. É apenas um dos 5 processos de luto, James. Você está com raiva, é o segundo estágio. — explicou.
— Eu só quero que isso acabe! — explodiu.
— E vai, eu prometo pra você. — ela diz, calma.
[...]
Desde aquela conversa com no seu quarto, James até tentou novamente dar um sentido a sua vida, mas falhou. Ele não conseguia continuar sabendo que estava respirando, enquanto estava há sete palmos abaixo da terra. Então ele decidiu que era hora de ir visitá-la.
Sem dizer nada para ninguém, em uma sexta feira de manhã ele acordou após mais uma noite mal dormida, tomou um banho e fez o que tinha para fazer, seguindo para o cemitério onde ela estava. Caminhou entre as lápides desgastadas com o tempo e alcançou a única que aparentemente era a mais recente. Sentou no gramado e suspirou, sentindo a garganta doer.
— Eu não consigo aceitar, sabia? — sussurrou. — Todo mundo diz que eu devo seguir em frente, mas eu não consigo, .
O vento soprou e ele sentiu um arrepio. É como se mais alguém estivesse ali com ele, tocando seu ombro. É claro que ele não estava sozinho. Nunca estaria.
— Eu não suporto me olhar no espelho sem me culpar pelo acidente. — confessou. — E isso está me matando. Eu sinto sua falta em cada momento do dia. É tão difícil! Por que tinha que acontecer? Eu poderia ter feito algo diferente? Poderia ter impedido? São tantas perguntas e merda, eu não tenho nenhuma resposta.
Luto era realmente a pior coisa que ele poderia lidar agora. Ninguém realmente tinha noção de como estava, porque ele havia perdido a pessoa mais importante de sua vida. Era como se tivessem arrancado dele a única coisa que o motivava. A sensação de inutilidade o acompanhava todos os dias.
Desde o acidente ele considerava fortemente a ideia de que poderia ter sido diferente. Se ele não estivesse dirigindo e sim voltado com outra pessoa, estaria viva. Ela estaria ali com ele e toda aquela tristeza jamais existiria. Perder um ente querido causa uma dor emocional que nos desgasta por completo.
Quando perdemos alguém que realmente gostamos, a saudade fica. Ninguém ensina como a lidar com a dor, porque o luto não é o mesmo para todos. Cada um tem sua forma própria de lidar com a perda. Pode ser que afete demais ou de menos, nunca se sabe. O fato é que a pior parte é o depois.
Iremos acordar e saber que aquela pessoa não está aqui. Não poderá responder mensagens, não poderá nos consolar quando necessitarmos ou até mesmo nos aconselhar. As promessas feitas jamais serão cumpridas, assim como a única coisa que resta são as fotografias, vídeos e as lembranças. Essa é a pior parte.
Mas nem tudo é dor. Se formos sábios o bastante, podemos usar toda a dor e a tristeza ao nosso favor. Podemos transformar isso em algo, como um poema, um texto, uma música. Sempre há uma maneira de transformar dor em arte. E foi então que James notou. Ele poderia fazer isso.
— Obrigado, . — sorriu doce. — Eu te amo e prometo nunca te esquecer.
Deixou as flores sobre a lápide e saiu andando, antes de notarem sua presença. Ao chegar em casa novamente, pegou seu caderno e começou a compor. Precisava fazer isso por ela. Era a maneira que havia encontrado de amenizar todo aquele sentimento de culpa.
Sem que percebesse, abriu a porta devagar e o observou escrever, completamente mergulhado no que fazia. Sorriu inocente e o deixou sozinho. Ela mandou uma mensagem para a mãe de James, dizendo que ele estava escrevendo algo novo e isso pareceu animar a família do mesmo.
Embora não entendamos porque as pessoas e coisas se vão e nunca mais poderemos tê-las de volta, ou porque uma doença chega exatamente em nós, mesmo existindo milhares de pessoas espalhadas na Terra, o importante é saber que o luto é necessário e muitas vezes inevitável.
Saber passar por cada estágio e sair dele é um processo que exige muito autoconhecimento e coragem para reagir diante do que aconteceu e tirar grandes aprendizados, o que pode tornar a vida melhor e com mais propósito e significado. James percebeu que estava no quarto estágio do luto: a Depressão.
É o estágio em que a pessoa toma consciência que perdeu e que não há como “voltar atrás” e a que leva mais tempo para passar para a fase de aceitação. Algumas pessoas demoram décadas para sair dessa fase ou nunca vão aceitar a perda – muito comum quando se perde um filho. Esse é o momento em que as pessoas à sua volta devem estar mais próximas da pessoa doente ou que foi acometida pela perda de um ente querido, pois nessa fase, a pessoa se isola totalmente do mundo e do convívio social. Sentimentos de melancolia, desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro e impotência são comuns diante da situação vivida.
Por mais que estivesse determinado a dar uma última homenagem à , ele ainda era capaz de sentir desanimo, vontade de chorar e impotência. Após finalizar o que havia começado a escrever, James levantou decidido. Pegou seu celular e ligou para o seu agente, que pareceu muito surpreso de receber sua ligação.
— Tem certeza, James? Você está preparado? — questionou, preocupado.
— Não, eu não tenho. — confessou. — Mas eu quero e preciso fazer isso.
— Certo. Eu irei marcar essa apresentação.
— Obrigado.
Seria uma apresentação única e de apenas uma música. Ele escolheu Let It Go, do seu álbum de lançamento, Chaos and the Calm. Escolheu essa faixa porque para ele representava muita coisa, mas principalmente porque era a favorita de . E era dessa maneira que ele prestaria sua última homenagem.
Quando seu agente confirmou a apresentação única, a ansiedade dominou seu corpo. E ao estar no palco depois de quase 5 meses a sensação parecia surreal. Ele subiu com a sua guitarra e ao ver todas aquelas pessoas gritarem por ele fez um misto surgir.
— Eu gostaria de dizer algumas coisas antes... De começar. — disse para a plateia. — Como sabem, vai ser só uma música. E é uma música muito importante pra mim.
A plateia continuou quieta, atenta às suas palavras. Por um breve momento, jurou que estava ali, mas sabia que não. Então ele respirou fundo e baixou os olhos, tentando segurar as lágrimas. Ao sentir confiança, levantou o olhar.
— Essa música eu dedico para a minha , que faleceu no acidente cinco meses atrás.
Dito isso, ele baixou o olhar novamente para o instrumento e os primeiros acordes foram ouvidos. Assim que ele conseguiu assimilar o que estava fazendo, se aproximou do microfone e começou a cantar, ouvindo sua voz ecoar de longe.
To seeing shows in evening clothes with you
From nervous touch and getting drunk
To staying up and waking up with you
Fechou os olhos rapidamente, já sentindo-os arder. Não iria demorar até começar a chorar sem controle e sinceramente, ele não estava se importando.
Holding something we don't need
All this delusion in our heads
Is going to bring us to our knees
As lembranças de começaram a vir com força a cada verso que ele cantava. Foi quando sentiu as lágrimas escorrerem. Ele não queria olhar para ninguém.
Just let it be
Why don't you be you
And I'll be me?
Everything that's broke
Leave it to the breeze
Why don't you be you
And I'll be me?
And I'll be me?
O sorriso, a voz, o cheiro... Ela estava presente ali com ele e James conseguia sentir. Mas não era o suficiente para barrar as lágrimas. Ele ainda estava chorando.
To teeth and claws and slamming doors at you
If this is all we're living for
Why are we doing it, doing it, doing it anymore?
I used to recognize myself
It's funny how reflections change
When we're becoming something else
I think it's time to walk away
Então ele simplesmente parou de cantar e começou a chorar mais. A plateia começou a gritar palavras de apoio, mas ele estava muito longe naquele momento, então respirou fundo e pegou sua guitarra novamente e retomou os acordes. Ele iria terminar aquela música.
Just let it be
Why don't you be you
And I'll be me?
Everything that's broke
Leave it to the breeze
Why don't you be you
And I'll be me?
And I'll be me?
Nem ele poderia explicar a necessidade que tinha de querer estar naquele lugar. Sabia que de onde quer que ela estivesse, estaria orgulhosa dele.
When we know it just don't belong
There's no force on earth
Could make me feel right, no
Whoa
Trying push this problem up the hill
When it's just too heavy to hold
Think now's the time to let it slide
As lembranças são cruéis, mas apenas o motivam a querer continuar. Nos bastidores, está orgulhosa de James por ele ter permanecido no palco, mesmo chorando. Ela sabe que ele precisa fazer isso e sente orgulho ao vê-lo se mostrar tão forte.
Just let it be
Why don't you be you
And I'll be me?
Everything that's broke
Leave it to the breeze
Let the ashes fall
Forget about me
Era sua música favorita. Ele amava ouvi-la cantar apenas para ele. Era exatamente o que precisava. Haviam inúmeras formas de dizer adeus, mas essa estava sendo a primeira parte.
Just let it be
Why don't you be you
And I'll be me?
And I'll be me?
E após o último verso, ele sussurrou um “eu te amo” e deixou o palco. Estava se sentindo orgulhoso por ter permanecido até o fim, mas não conseguia parar de chorar. Pegou o caderno e abriu na letra que havia escrito dois dias antes. Então ele decidiu que iria gravar.
[...]
James adentrou o estúdio acompanhado dos músicos, depois de quase 3 meses desde a apresentação. Colocou os fones e se aproximou do microfone. Ouviu a música começar a tocar novamente, mas ao invés de cantar, ele apenas permaneceu em silêncio, ouvindo a melodia. estaria tão orgulhosa se estivesse ali.
— Toca de novo, por favor. — pediu gentilmente.
Assim que os acordes do piano começaram, ele se preparou para a onda de emoções que o atingiram naquele momento. Fechou os olhos e novamente sentiu vontade de chorar. Mas como sempre, sabia que precisava fazer aquilo.
E as longas caminhadas para casa no escuro nós sentiremos falta
Ninguém ensina como relembrar
Ninguém te ensina a doer assim
E tudo começou a se repetir. As sensações, as lembranças e a saudade. Oito meses.
Sim, nós deslizamos para os braços de outra pessoa
Ele estava tão quebrado, mas sabia que era a única maneira de transformar sua dor em música. Ele precisava dizer como estava se sentindo e esse era o modo que conhecia.
Isso foi sempre nós? Nós sabemos o que sentimos falta?
Ninguém ensina como ganhar muito
Ninguém disse que não há reversão
E através dessa musica, ele sabia que estava no caminho certo. Essa letra dizia muita coisa, não só a dor que sentia com a perda de . Mostrar seus sentimentos não era o único objetivo.
Sim, nós deslizamos para os braços de outra pessoa
Disfarçado, nós nos tornamos um pouco melhor em nos controlar por volta da meia-noite
Então nós deslizamos para os braços de outra pessoa
E nesse verso, sua voz não estava única. Ele ouviu um coro acompanhá-lo e sorriu agradecido por não estar fazendo aquilo sozinho. Abriu os olhos deixando as lágrimas escorrerem e sorriu ao perceber seus amigos cantando junto dele.
Ninguém quer, ninguém quer
Ninguém quer acordar sozinho
A intenção daquela musica era tocar quem quer que ouvisse e até mesmo mover a pessoa. Não era para ele, era para todos. Era a forma de dizer que apesar da dor, ninguém estaria sozinho.
Então nós deslizamos para os braços de outra pessoa
Disfarçado, nós nos tornamos um pouco melhor em nos controlar por volta da meia-noite
Mas então nós deslizamos para os braços de alguém
E finalizou a canção, de olhos fechados, sentindo aqueles sentimentos preenchê-lo novamente. Quando retirou os fones, foi abraçado fortemente por toda a equipe. De fato, ele não estaria sozinho, nunca esteve. Ele tinha muita gente ao seu lado para lhe dar apoio e dizer que estariam ali.
[...]
— Eu pensei que não conseguiria fazer isso, . — disse sorrindo para a lápide. — Mas eu fiz... Por você.
Aquele vento estranho soprou novamente e ele sorriu novamente.
— Não se preocupe, logo logo estaremos juntos de novo. Mas por enquanto, eu vou fazer o que me pediu e continuar... Eu preciso, não? — questionou. — Eu sei que é o que você quer. Obrigado por estar ao meu lado, eu sei que está. Eu te amo.
E novamente, deixou as flores e se dirigiu para fora do cemitério. Já fazia um ano e ele havia conseguido parcialmente superar a perda de . E como lhe prometeu, iria seguir em frente e fazer aquilo que amava. Era a forma de retribuir o amor de .
Olhou para a lápide dela uma última vez e leu aquela frase que de certa maneira, lhe dava conforto. Sempre que precisava, recorria a ela, porque havia lido uma vez e achou que seria apropriado mantê-la lá, com sua namorada.
Sob o peso da solidão;
Sob o peso da insatisfação;
O peso, o peso que carregamos é amor;
E assim deve descansar nos braços do amor, finalmente;
Deve descansar nos braços do amor.” — David Harris.
Fim
Nota da autora: Let It Go tem um significado muito pessoal e importante na minha vida. O que eu retratei não foi escolhido simplesmente por escolher, foi a forma que eu encontrei de expressar o meu luto. Essas duas músicas tem um grande significado para mim e de certa forma, transcrever todo o meu sentimento de perda nessa oneshot me ajudou muito. Então thank u so much por ter lido até o fim.
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