PREVIOUSLY...
se sentia uma criatura meio bizarra, já que cada parte do seu corpo era preenchida por algo que não era seu. O terno largo era de seu pai, o perfume que atraía olhares sedutores das garotas próximas era de seu irmão mais velho, Brad - que alegou que mulher nenhuma jamais resistiria àquela fragrância. Ah, é claro, aquela coragem também não parecia ser sua. Pelo menos era o que ele sentia toda vez que assimilava onde estava, então arregalava os olhos e engolia dolorosamente seco, ajeitando-se sobre a entrada do colégio e segurando com uma força ansiosa a pequena caixa transparente que abrigava um corsage. mal podia esperar para colocá-lo no pulso de seu par. . Aos seus olhos sempre detalhistas e cobertos por óculos de grau, a garota mais bonita do colégio.
Ele via outros casais chegando em típicas limousines alugadas para bailes escolares e se arrependia por não ter pensado nisso antes. Não estava sendo um bom cavalheiro, afinal de contas. Ótimo, insegurança novinha em folha se mesclando pelo ar ao seu redor e enchendo seus pulmões, o fazendo soltar o ar vagarosamente, porém em uma agonia que imitava a estampada em seus olhos inquietos, estes percorrendo todas as direções possíveis.
estava atrasada, bem atrasada. Quase uma hora atrasada.
era até que bem capaz de entender que garotas costumavam se atrasar para compromissos importantes, pois sempre queriam estar impecáveis e ainda mais lindas em certas ocasiões, especialmente no baile de formatura.
Mas, de repente, tudo aquilo começou a parecer bom demais para ser verdade.
não era o que se pode chamar de garota popular e aclamada por todos, mas tinha seu charme e amigos inseparáveis. Tinha a risada mais sincera e engraçada que ouvira em toda a sua vida e sempre se mostrava uma criatura extremamente gentil, especialmente com animais. Lembrou-se de quando estava passeando no parque com Jean Grey, seu labrador fêmea, e encontrou correndo feito louca por ali, deduzindo que ela adorava manter uma vida saudável. A garota avistou e Jean Grey, com um sorriso que despertava arrepios por todos os lados, toda vez que era capaz de se lembrar. foi tão gentil com o cão que ele, por um instante, quis se casar com ela. Extremo, extremo, extremo. Bom, não seria um erro se casar com uma mulher que sorria de forma tão sincera para o membro de quatro patas de sua família.
Extremo, extremo, extremo.
piscou os olhos, retornando ao presente e encarando o corsage em suas mãos tensas, ponderando, enfim, se deveria jogá-lo longe e concentrar toda a humilhação que sentia naquele gesto. não viria. tinha dado um belo de um bolo em . Provavelmente, já estava dentro do salão dançando ou se agarrando atrás das árvores com um dos bombados da equipe de natação. É claro que sim. Por que ela iria ao baile com um desajeitado como ele?
Nerds, certo? É assim que costumam denominar os caras sem atitude, que usam óculos devido a problemas de visão, são meio desajeitados por natureza e tratam quadrinhos como se fossem garotas. não queria ir ao baile com um nerd.
Então por que ela aceitou o hesitante convite de ? Argh!
O garoto jogou o corsage longe, arrancando a gravata que demorou horas para conseguir ajeitar corretamente e deu o fora dali, declarando ao Universo que odiava com todas as suas forças e que tomaria o primeiro porre de sua vida naquela noite.
A grande noite de sua vida.
No dia seguinte, acordou mesmo com a sensação de que tinha sido vítima de um grande porre. E ferimentos leves em seu rosto e mãos o fizeram acreditar que se envolvera em alguma briga durante tais circunstâncias. Contudo, nunca conseguiu se recordar o que realmente aconteceu.
Assim como os ferimentos, a vontade de descobrir sua origem também desaparecera em um piscar de olhos.
SEIS ANOS DEPOIS...
LOST
"São extraterrestres colaborando para a paz do planeta Terra ou planejando destruí-la? Na madrugada desta sexta feira, testemunhas relataram ter visto estranhos rastros e clarões coloridos pelo céu. Às proximidades da ilha de Manhattan, outras testemunhas disseram à polícia ter ouvido, por volta das duas da manhã, sons semelhantes a raios colidindo entre si. A Estátua da Liberdade amanhecera com uma pequena rachadura em sua coroa e fragmentos de sua tocha foram encontrados a quilômetros de distância. As autoridades locais garantiram que todos os danos serão reparados, enquanto a polícia investiga a respeito desse estranho caso..."
Bando de lunáticos!
riu baixinho, pedindo a seu motorista que mudasse de estação, pois queria ouvir música, não acidentes estranhos sendo noticiados via rádio. A última coisa que queria era ouvir a respeito de teorias bizarras como aquela.
Era véspera de Natal. A beleza de Nova York era incomparável, a mistura de neve escorregadia e branquinha com as luzes coloridas e intermináveis enchia os olhos da multidão que por aquelas ruas transitava diariamente, deixando que seus corações cheios de esperança se aquecessem por baixo dos casacos rigorosos e grossos que usavam para amenizar o tremendo frio. Um engarrafamento de proporções quase absurdas se prolongava de uma ponta à outra da ilha de Manhattan, mas nada seria capaz de afugentar a magia daquela época.
Exceto para , presa em seu carro estagnado ao lado de táxis amarelos berrante que se moviam mais lentamente que tartarugas sonolentas, juntamente a uma fila de vários outros veículos tentando chegar ao seu destino a tempo. Ela tinha uma agenda gigantesca de compromissos a aguardando, todos eles deveriam ser cumpridos justamente naquela tarde. Enquanto folheava uma revista, se encolheu de frio sobre o banco de trás, limpando uma das janelas de vidro ao notar que esta ficara embaçada devido a nevasca persistente do lado de fora. Estava começando a ficar muito, muito frustrada com toda a demora, tanto que, se tivesse um pingo a mais de falta de bom senso e um pingo a menos de medo de congelar, sairia do carro e tentaria chegar andando até o prédio onde teria uma longa sessão de fotos.
Por ser atriz, conseguiu fingir perfeitamente bem que não estava quase tendo uma síncope dentro do táxi, mas o motivo não era mais o seu atraso inevitável. Esse atraso, na verdade, passou a, de certo modo, confortá-la.
A garota sabia que aquele seria mais um vinte e cinco de dezembro solitário, pois seus únicos amigos também eram famosos e tinham dezenas de compromissos inadiáveis. Sua família vivia longe demais de Nova York e o orgulho de conseguia aumentar ainda mais essa distância, o que a colocava isolada em seu loft no SoHo, arrumada demais para quem está sozinha, esperando, impaciente, pela meia noite, com uma taça de vinho que acabaria derrubando no vestido quando, de repente, se daria conta de que seu jantar se transformara em carvão dentro do forno.
tinha um péssimo timing quando se tratava de assuntos culinários.
Do outro lado da rua, mais precisamente em um cruzamento entre a Broadway e a 7ª Avenida, estava , se arrependendo por ter esperado tanto tempo para comprar um presente de Natal para sua irmã Nicki. O gorro cinza aquecia seus neurônios enquanto o garoto admirava a vasta multidão ao seu redor, e ria internamente com a constatação de que tudo aquilo se tornaria um perfeito caos se uma das pessoas, inesperadamente, se transformasse em zumbi e passasse a morder as outras. chacoalhou a cabeça ao se dar conta de que era um pensamento idiota, mas inevitável sempre que estava no meio de aglomerações como aquela.
Estava exausto, o que era contraditório às perfeitas oito horas de sono que jurava ter tido. O corpo estava dolorido, o que o fazia grunhir em desconforto toda vez que voltava a correr o mais rápido que podia durante sua travessia por cruzamentos. Uma dor na região o fez retirar a luva e observar seu dorso, encontrando um hematoma que nem mesmo tinha percebido a presença ao acordar pela manhã.
Talvez seu amigo Patrick estivesse certo, talvez fosse um sonâmbulo.
Ele observou uma extensa fila de táxis do outro lado da rua, desejando poder estar dentro de um, mas encontrar o presente para Nicki era a sua meta de vida naquele momento. Por sorte, havia uma loja de brinquedos gigantesca a alguns quarteirões dali e logo tinha um enorme embrulho cor de rosa em mãos, que quase foi parar no meio da rua quando ele tropeçou em um amontoado de neve e se esforçou para não acabar caindo de joelhos. Apertou as mãos cobertas por luvas ao redor do presente e decidiu ir embora, antes que fosse o protagonista de mais alguma situação embaraçosa.
Mas não antes de comprar um pretzel, é claro.
bufou, utilizando do último resquício de paciência em seu ser. Decidiu, por fim, pegar sua bolsa e avisar ao motorista que terminaria o percurso a pé. Deixou o veículo, grunhindo de frio ao colocar seus pés protegidos por botas sobre o asfalto coberto por neve. Começou a andar devagar, com medo de cair, e um incômodo certeiro se impulsionou contra seu estômago quando a atriz sentiu o primeiro flash de câmera disparar a sua frente. Paparazzi. Um, dois, três... Vários deles, que começaram a persegui-la, sem se importar com o frio, com a neve escorregadia, com a multidão de pessoas ou com os sentimentos desnorteados de , que só queria ter um cantinho para se esconder naquele momento.
Irritada e meio apavorada com a perseguição e os flashes, ela apertou o passo e começou a correr, driblando as dificuldades do asfalto até chegar ao outro lado da Times Square. Porém, acabou tropeçando em um amontoado de neve e caiu de joelhos no meio da rua.
Ao olhar para frente, um veículo vinha desgovernado na sua direção.
Ela tentou ficar de pé, mas, assim que conseguiu, já era um pouco tarde demais.
percebeu uma agitação diferente, uma tensão se impregnar ao ar, tendo apenas tempo de arregalar os olhos e sentir o embrulho escapar de suas mãos antes de avistar uma garota no meio da rua, caras com câmeras em suas mãos e um carro em alta velocidade se aproximando veloz. O garoto correu com todas as suas forças, mas não foi o suficiente para impedir que ela fosse atropelada, se chocando contra o capô do carro e depois sendo lançada bruscamente contra o asfalto outra vez. congelou seus movimentos, o pânico percorrendo suas feições.
Logo ele voltou a correr na direção do acidente, tentando cortar o círculo humano que se formou a sua frente, para conseguir chegar mais perto da vítima.
- ?!
Não podia ser.
Ele não acreditava no que enxergava. - jamais se esqueceria daquele nome - estava estirada sobre a rua branca pela neve, com um ferimento sangrando em sua têmpora esquerda e o corpo totalmente imóvel, em um óbvio estado de inconsciência. Antes de pensar a respeito, já estava ajoelhado de frente para ela, gritando com toda a força presente em seus pulmões que chamassem a polícia, uma ambulância ou qualquer outra coisa. Verificou a presença de pulsação sob a parte de trás de sua mandíbula, suspirando aliviado quando a identificou sem problemas. Os curiosos de plantão começaram a se enfurecer com os paparazzi, se encarregando de que se afastassem o quanto antes.
Vários minutos mais tarde, uma ambulância prontamente estacionou próxima e paramédicos começaram a socorrer .
- Você estava com ela? - um deles fez a pergunta cautelosa a , que passou a tremer da cabeça aos pés, temendo não conseguir abrir a boca para respondê-lo.
- S-sim. - escolheu mentir durante um balbucio e logo foi chamado para entrar na ambulância, assim que também foi cuidadosamente acomodada dentro da mesma sobre uma maca móvel, tendo o pescoço imobilizado e o primeiro atendimento oferecido, rumo ao hospital mais próximo. Ele recolheu as coisas da garota e adentrou a ambulância.
O som alto da sirene o desnorteava, e tudo que ele sabia fazer era observar as feições imóveis da garota deitada a sua frente, imaginando o que diabos estava acontecendo e por que, seis anos depois, os dois tiveram que se reencontrar de tal forma.
Um dia depois...
Flashes incessantes de luzes brancas fizeram sentir a cabeça latejar e abrir os olhos em um susto, deparando-se com um ambiente exageradamente branco e o som de ambulâncias soando ao longe, algo muito típico de hospitais. Depois de pouco mais de um dia após o acidente, ela estava finalmente despertando, acordada e, aparentemente, lúcida. Sua garganta estava seca e seu estômago roncava a ponto de deixá-la enjoada; não sabia se pedia primeiro por água ou por comida quando uma enfermeira sorridente adentrou o quarto.
Era como se um buraco negro estivesse fixo em sua mente e ela sentiu que diversas lacunas estavam enfileiradas por todos os lados de seus neurônios. Em um rompante que quase lhe arrancou todo o ar, tentou erguer o tronco e percebeu, olhando assombrada para a enfermeira, que dia era aquele.
- O BAILE! - exclamou inquieta, olhando ao redor e prestes a choramingar. - Por que eu estou em uma cama de hospital? Hoje é o baile da escola! - tentou explicar com veemência para a senhora a sua frente, que a olhava com certa compaixão. - Por favor, eu preciso sair daqui e ir comprar um vestido! - voltou a se desesperar, temendo qualquer possibilidade de perder o acontecimento que mais ansiou nos últimos anos.
O baile de formatura.
Espera aí...
- Eu duvido que o seu médico vai te dar alta hoje, querida. - a enfermeira foi sincera, negando com a cabeça ao observar as feições da garota murcharem.
- Mas... Mas... - perdeu a linha de raciocínio por segundos. - Mas eu não posso deixar o esperando! - teimou ao se recordar de seu par e do adorável convite. Então ameaçou ficar de pé, mas desistiu quando uma tontura quase brutal a abateu o suficiente para que caísse deitada e suspirasse em pura frustração. - Se eu não aparecer, o vai achar que eu dei o bolo nele, mas... Mas eu quero tanto ir ao baile com ele! Por favor... - fechou os olhos com força, prestes a fazer birra feito uma garotinha. - Encontre o ! - ela pediu angustiada a enfermeira, que ergueu as sobrancelhas, demonstrando que não sabia quem era e acreditava que não encontraria quem queria no hospital, especialmente àquela hora da manhã.
- Descanse, , eu vou chamar o seu médico. - com o último conselho vazio, a mulher de branco deixou o quarto.
Só podia ser um pesadelo, não acreditava que tudo aquilo foi acontecer justo no dia do baile. E ela nem mesmo sabia o que tinha acontecido!
Não tinha qualquer parte do corpo imobilizada. Fora algumas escoriações insignificantes em seus braços, a dor na cabeça era a única garantia de que ela tinha motivos bem conclusivos para estar deitada ali.
Quando o médico chegou, começou a bombardear com perguntas idiotas e nada interessantes, como seu nome, idade, onde morava, o que costumava fazer e se ela conseguia se recordar do momento do acidente. Não, ela não conseguia. A última memória fresca que tinha estava relacionada com George, seu cão da raça Pug que já deixava a família preocupada há dias, pois estava doente. E, é claro, a certeza de que aquele era o dia do baile.
O semblante do homem preocupou , porque parecia que aquelas não eram as respostas que ele esperava ouvir. Rabiscou incessantemente algo no prontuário posto ao lado da cama e depois voltou a deixar o quarto, com pressa, sem deixá-la a par do que estava acontecendo.
A primeira coisa que fez ao colocar os pés no hospital foi se servir com um generoso copo de café. Estava ansioso, desejando a todo o custo chegar ao andar almejado e receber boas notícias a respeito de . A garota passara todo o dia vinte e cinco de dezembro desacordada, e ele, por algum motivo que o instigava e até irritava, foi visitá-la várias vezes no mesmo dia, sentindo que não podia deixá-la sozinha, porque se assustaria se acordasse e não encontrasse nenhum rosto conhecido.
Se é que ela se recordava do seu...
- Alguma notícia, doutor? - questionou, esperançoso, ao avistar o médico responsável por , que soltou um longo suspiro e o chamou para conversar em um dos cantos do andar.
- A acordou. - o garoto sentiu um enorme alívio neutralizar todo o peso desconfortável acumulado pelos seus ombros, mas o semblante do médico lhe dizia que ele precisava esperar um pouco e ouvir o resto, antes de sequer pensar em comemorar. - Pelo que notei, ela sofreu uma espécie de amnésia retrógrada, pois não se recorda de eventos que antecederam o acidente. Isso poderá desaparecer com o tempo, mas, por enquanto... Ela acredita que é uma garota prestes a completar dezoito anos e está em pânico no quarto, porque não quer perder o baile de formatura.
sentiu seu corpo inteiro gelar, de dentro para fora. A hipótese que se formulava em sua mente o deixou apavorado. Muito apavorado.
- Então quer dizer que ela perdeu...
- Sim, parece que ela perdeu, temporariamente, os seis últimos anos da própria vida. Eles se apagaram por inteiro. Ela não sabe que é uma atriz famosa. - o médico lamentou, impressionado com a raridade do ocorrido. Não era nem de longe comum que pacientes vítimas de acidentes e ferimentos como aquele na cabeça perdessem tanta memória assim. - Ah, e ela também está pedindo que encontremos um tal de ... Tem ideia de quem possa ser? - sua sobrancelha arqueada fez identificar a ironia, pois sabia que o homem de jaleco sabia seu nome. - Pelo menos de você ela se lembra!
- O que... O que eu devo fazer agora? - pediu, completamente perdido, com medo até de ir até o quarto, pois não sabia o que lhe esperava lá dentro.
- Levá-la ao baile, pelo visto. - o mais velho deu de ombros. - Pena que isso é impossível, já que eu não posso dar alta a ela hoje. Então, , tente ajudá-la a se recordar de momentos importantes. Fotografias, músicas e histórias contadas podem contribuir. Só não a pressione.
Que fotografias? Que músicas? Que histórias? Ele não tinha história alguma com , exceto o trágico episódio do baile, quando ela havia lhe dado um bolo bem significativo.
- Obrigado, doutor. - agradeceu inseguro, engolindo em seco e ensaiando antes de começar a romper a distância até o quarto onde estava.
- O que você é dela?
A questão o fez paralisar os movimentos.
- Aparentemente, eu sou o cara que deveria ter a levado ao baile há seis anos, mas ela me deu o bolo. E, mesmo assim, seis anos depois, aqui estou eu, sendo um idiota. De novo. - concluiu com incredulidade de sobra, deixando o médico para trás.
- ! Finalmente você me encontrou! - se animou ao avistar entrando de mansinho no quarto, sorrindo para o garoto de uma forma que ele não era capaz de acreditar. Ela se mostrava tão, tão, tão feliz por vê-lo, que parecia um absurdo ter feito o que fez com ele há seis anos. Suas atitudes quase, quase o faziam acreditar que a garota gostava mesmo dele, no sentido que mais sonhava a respeito. - Não se preocupe, eu vou dar um jeito e nós não vamos perder o baile, ok? Mas... O que aconteceu com você? - arregalou os olhos, admirando a figura tão apresentável a sua frente. Sempre achou bonito, apesar de todo desajeitado, mas agora... Uau. Era o resultado de seis anos sem vê-lo, e agora ele era um homem, a prova de que a puberdade não dura para sempre. - Andou malhando?!
Ele tinha desprezado uma manhã ensolarada de estudos no Central Park para ouvir aquilo, certo? Foi rebelde na decisão de ignorar o quanto a faculdade de Direito exigia que ele se jogasse de cabeça nos estudos e se dedicasse até estar esgotado, só para ouvir tamanha barbaridade.
- Não há... Não há baile algum aqui, , no presente. - foi curto e grosso, cortando os outros assuntos, arrependendo-se em seguida. Céus, ele não sabia ser grosso, não gostava de tentar ser. Não se sentia bem com a remota possibilidade de magoar alguém. - O baile foi há seis anos. Seis anos! - quando percebeu, sua voz tinha se erguido instantaneamente, o que fez arregalar os olhos e se mostrar prestes a rir, incrédula.
- Do que é que está falando, garoto? O baile é hoje! Hoje! - ela insistiu. - Que memória ruim, hein? - ele se viu impressionado com as suas tentativas de fazer dele o desmemoriado da história.
- ... Por acaso... Você sabe quem você é? - investigou com receio, arriscando outro passo até a cama.
- É claro! Eu tenho dezessete anos, sou senior year. Tentei ser líder de torcida, mas não consegui, porque aparentemente não sei dançar. - percebeu com um bico. - Agora podemos voltar a ter uma conversa sã?
- A conversa sã se inicia a partir do momento em que eu digo isso aqui: não, você não tem mais dezessete anos, não é senior year! E não saber dançar não impediu que você se tornasse uma atriz famosa.
sentiu sua boca se abrir em surpresa, atônita com todas as prováveis mentiras que ouvia.
Por Deus, por que queria fazê-la acreditar em semelhantes absurdos?
- Eu? Uma atriz famosa? Até parece... - soltou uma risada quase debochada. - De quem você realmente está falando?!
- De você, ! Ah, pelo amor de Deus, o que eu ainda faço aqui?! - perdeu a paciência, andando meio transtornado até a janela. - Eles continuam acreditando que eu sou alguém importante na sua vida, porque estava com você na hora do acidente, mas... Nossa, isso não deveria ter acontecido. - murmurou mais para si do que para ela, arrependendo-se amargamente por ter se envolvido na situação.
Sabia que logo recuperaria todas as suas felizes memórias e se esqueceria dele. De novo.
- Acidente? Ai... - a garota levou a mão até a cabeça, sentindo um palpitar doloroso. - Minha cabeça está doendo feito o inferno! E vê se para com essas alucinações, , você é um bom garoto e espero que não esteja usando nada proibido por aí. O baile ainda está de pé, não está?
Fala sério.
- NÃO TEM BAILE! - ele vociferou, não acreditando que tinha mesmo acabado de gritar com ela daquela forma. Nunca tinha feito isso com ninguém.
Cortando o clima silencioso e tenso do ambiente, o médico retornou ao quarto, dessa vez disposto a ter uma conversa séria e decisiva com . Ela precisava saber o que estava acontecendo com o seu próprio cérebro.
permaneceu imóvel e em silêncio durante toda a explicação. , a princípio, não aceitou muito bem a suposta ideia de que tinha perdido seis anos de sua vida. E era capaz de entendê-la, deveria mesmo ser assustador passar por algo assim.
Quando o garoto criou coragem para desviar o olhar da janela e encarar , se deparou com olhos extremamente tristonhos e úmidos por lágrimas. Ela o chamou com a mão, exigindo que se aproximasse. Sem saída, atendeu seu pedido, sendo pego de surpresa por um abraço repentino que ela quis lhe dar, envolvendo os braços trêmulos ao seu redor. Preso entre a vontade de retribuir e o medo de não ser a melhor decisão a se tomar, ele preferiu continuar imóvel.
- Eu estou com medo. - confessou, fungando baixo. - Seis anos, ... Isso é tão ridículo!
- Você foi ao baile e se divertiu muito, eu tenho certeza. - prometeu, sorrindo minimamente. Melancólico.
- Se isso tudo é mesmo verdade... Por acaso nós conseguimos ir juntos? Conseguimos, não é? Eu não te dei o bolo, dei? - os olhos marejados de se arregalaram com a terrível possibilidade.
se arrependeria pelo resto da vida pelo que estava prestes a fazer, mas...
- É, nós fomos juntos. - mentiu em um só fôlego, já ridiculamente arrependido. - E dançamos muito. Depois você batizou meu ponche e brigou com uma garota que deu em cima de mim. - riu, para fazê-la ter uma falsa noção de como tinha sido divertido. - Foi bem legal, .
- Nós nos beijamos? - agora ela parecia estar um pouco mais calma, se deixando alegrar pelo que ouvia, disposta a descobrir ainda mais detalhes.
- Muitas vezes. - voltou a mentir, xingando-se internamente.
- E depois desses beijos... Nós... - arqueou uma sobrancelha, sugestiva.
- Não! Paramos por aí! - ele foi rápido em deixá-la saber que não tinham tido algo mais sério e íntimo. É claro que não.
Longe disso.
- E o que aconteceu conosco depois? Por que ficamos seis anos sem nos ver? - aquela era a parte da história que menos fazia sentido em sua mente. Mas, para , fazia um sentido absoluto.
- A vida aconteceu, . - sorriu carinhoso e cauteloso, aproximando-se para depositar um beijo na bochecha ligeiramente rosada da garota.
- Eu preciso recuperar a minha memória, ! - disse determinada, olhando com profundidade nos olhos de . Ele entendeu que ela estava lhe pedindo ajuda, e isso o assustou bruscamente, pois sabia que tudo seria como antes assim que ela voltasse ao normal.
- Vou te ajudar com isso, eu prometo.
Não teve outra saída.
Teoricamente, não tinha para onde ir, uma vez que não conseguia se lembrar do telefone ou endereço de qualquer amigo ou familiar que pudesse ajudá-la. Seu celular não queria ligar por nada no mundo e ela estaria se cobrindo com folhas de jornal se não fosse pela mãe de , que teve a bondade de lhe emprestar uma muda de roupas limpas de Lizzie, a irmã do meio do garoto.
Já recuperada, alguns dias depois de seu inesperado acidente, recebeu alta, mas sem qualquer grande progresso relacionado a sua amnésia.
era, de certo modo, tudo que ela tinha. Então, ele decidiu convidá-la para ir ao seu apartamento em West Village, pelo menos até que conseguisse encontrar algum vestígio de sua vida de celebridade, algo alguém realmente capaz de tirá-la daquela fria.
Era estranho para ele, tanto quanto era estranho para ela. Quando abriu a porta do apartamento, se sentiu desconfortável, apesar de sustentar um sorriso docemente tímido nos lábios e o olhar brilhante, jamais deixando de agradecê-lo por estar sendo um cara tão legal. Ela sabia o quanto sempre foi generoso e super família, um garoto que sabia como fazer alguém se sentir bem e em segurança.
E, pelo visto, não tinha mudado nada.
Já se sentindo bem melhor fisicamente, se sentou sobre o pequeno sofá marrom, permitindo-se observar tudo ao redor enquanto tentava se portar de forma tranquila, sem parecer que teria um ataque de nervos a qualquer momento. Só ali, pôde notar como ela estava ainda mais bonita que seis anos antes. Uma mulher agora, não uma adolescente. A fama, apesar de tudo, fez muito bem a ela.
Então, notou como parecia tão frágil e perdida, os olhos vagando sem rumo pelos metros quadrados do seu apartamento de dois cômodos e um banheiro. Mas essa falta de luxo não a incomodava, de forma alguma.
ergueu os olhos quando percebeu que era observada, sorrindo em silêncio quando tentou se certificar, mais uma vez, que estava tudo bem.
Era muito estranho que, depois de seis anos sem qualquer contato, os dois estivessem tão próximos agora.
- Está com fome? Posso pedir alguma coisa para nós. - sugeriu, torcendo para que ela aceitasse, pois estava faminto.
- Parece bom. - ela respondeu simplesmente, ajeitando-se sobre o sofá, ainda um pouco zonza pelos medicamentos que recebera.
- Se lembra de que tipo de comida você gosta? - ele investigou com as sobrancelhas erguidas, a divertindo um pouco. pensou a respeito, sem grandes dificuldades.
- Tenho a vaga impressão que não vou reclamar se você pedir comida chinesa. - informou com um sorriso que, mais uma vez, o deixou tonto.
- Comida chinesa, então. - concluiu, já com o celular em mãos e o número de um bom delivery decorado em sua mente. E, ao pensar nisso, se sentiu mal por ela, que nem mesmo de um número de telefone útil ao momento conseguia se recordar.
- ... - o chamou baixo assim que o garoto fez o pedido. Ele a olhou compreensivo, sentindo seu peito doer quando notou as lágrimas se acumulando nos cantos dos olhos dela outra vez. - Você é a única pessoa do passado que está aqui comigo, nesse presente tão confuso. Agora você é tudo que eu tenho, sabe? - fungou, escondendo o rosto com as mãos por um instante, pensando que estava sendo boba e infantil. - Eu me sinto tão perdida...
Prontamente, se sentou ao seu lado, oferecendo um abraço amigo assim que ela sentisse que precisava.
Ele não sabia direito o que dizer. Temia soar romântico demais, assim como temia soar indiferente demais.
- Tive uma ideia! - apelou para algo que piscou feito luzes de neon em sua mente. - O que me diz de vermos algum dos seus filmes? Sei lá, talvez te ajude com essa coisa de amnésia. - puxou o notebook para si ao assistir o semblante de se iluminar imediatamente.
- Por favor, diga que eu não tive nenhum papel embaraçoso... Por favor! - ela levou a mão até a testa, como se quisesse se esconder. riu disso, vasculhando pela filmografia dela na internet.
- Vejamos... Algumas comédias românticas, comédias adolescentes, uma trilogia distópica que eu adoro, dramas, suspenses... - apontou empolgado para um dos títulos, atraindo a curiosa atenção da garota. Ela não conseguia acreditar que tinha feito tantos filmes. - Você foi indicada a um Oscar com esse aqui no ano passado! Melhor atriz coadjuvante! - arregalou os olhos com a informação, recebendo um menear positivo de cabeça de , este disposto a lhe contar tudo que ela quisesse saber. Sobre a própria vida.
- Mas não ganhei, né? - ela deduziu ao fechar a cara.
- Não, mas foi indicada! - ele queria que ela entendesse que, mesmo não ganhando, não deixava de ser algo incrível. - Tem ideia do quanto isso é legal? Aliás, você já ganhou vários outros prêmios.
- Como sabe tanto sobre mim? - instigada, desligou a atenção dos filmes e olhou fixamente para , considerando adorável a forma como ele desviava o olhar ao perceber estar sendo observado, depois voltava a olhá-la e dava um singelo sorrisinho enviesado, explicitando uma provável timidez que a impressionava, e muito.
- Você é uma figura pública, , basta jogar seu nome no Google.
- Sei. - sorriu desconfiada, reparando em algumas particularidades da aparência de . Primeiro: ele não usava mais óculos de grau. E, mesmo assim, não perdera aquele charme nerd que ela, secretamente, gostava tanto. A afeição por quadrinhos, a eterna dúvida entre DC Comics ou Marvel Comics, a capacidade de compreender física, química e matemática sem precisar torrar vários neurônios, a fascinação por ficção científica e jogos. E, principalmente: toda a inteligência. Porque inteligência é uma das coisas mais atraentes do mundo. - Não usa mais óculos?
- Fiz uma daquelas cirurgias a laser, sabe... Estou livre. - ele apontou para a região dos próprios olhos, aliviado.
- E não quis causar qualquer reviravolta na própria aparência. - ao ouvir isso, olhou para o próprio corpo, se perguntando se tinha algo de errado na calça jeans e na camiseta preta com uma estampa psicodélica que usava.
voltou a medi-lo, deixando o garoto encabulado. Seu corpo estava mais para magro que definido, apesar de alguns músculos timidamente distribuídos pelos braços, que ele provavelmente conquistou durante as diversas mudanças de apartamento que mencionou que fizera nos últimos três anos, carregando suas pilhas de livros e quadrinhos de um lado para o outro.
- O que achou que aconteceria comigo, ? - encolheu os ombros, intrigado com o que ouviu. - Que eu passaria por uma drástica mudança, me tornaria um desses bad boys mulherengos só para tentar provar alguma coisa estúpida ao mundo? Não, obrigado. - sorriu, orgulhoso de si mesmo. Mal sabia o quanto tinha apreciado o que ouviu, mesmo que tivesse escolhido permanecer em silêncio.
- Você está certo. - ela se manifestou, por fim, e os dois sorriram um para o outro, envolvidos em um silêncio inédito. - Direito, hein? Impressionante!
E lá estava sem saber onde enfiar a cara outra vez, limitando-se a agradecê-la com um gesto positivo de cabeça.
Mais tarde, no mesmo sofá de antes, pegou no sono. passou um tempo tentando assimilar as últimas horas de sua vida, concluindo que, ou o destino estava no tédio e decidiu inovar, ou ele estava começando a endoidar. Era mesmo , sua paixão platônica adolescente, adormecido em seu sofá?
respirou fundo, voltando a se focar no aparelho celular por entre seus dedos. Já tinha conseguido ligá-lo e então o colocou para carregar.
Assustou-se quando a tela se iluminou, anunciando uma ligação. Ele se aproximou para olhar o visor, lendo o nome "Dylan" em destaque, justamente com uma foto de e um cara juntos em alguma praia paradisíaca ao redor do mundo.
Ele não tinha mais quinze anos para tomar atitudes ridículas como aquela, mas ignorou a chamada em um único tap apressado, perguntando-se quanto tempo levaria até que o tal Dylan fosse em busca de sua, muito provável, amada .
É claro que ela tinha um namorado!
- Consegui consertar seu celular e o recarreguei. - disse, satisfeito, assim que acordou, se sentindo feliz por ter sido o responsável por aquele sorriso lindo que ela direcionou a ele.
- Você é um gênio, ! - a garota comemorou, observando o aparelho em suas mãos. Seis anos antes, até onde se lembrava, os celulares não costumavam ser tão modernos assim.
- Que nada, é que o meu pai trabalha para a Apple, então sempre me ensina algumas coisas interessantes. - se explicou, humilde.
- E a sua mãe? - ela demonstrou curiosidade, deixando o iPhone de lado.
- Minha mãe é professora na Columbia University. - ele sempre falava dos pais com imenso orgulho e admiração.
E isso deixou melancólica.
- Quanto a mim... Nem sei onde meus pais estão e se ainda trabalham no que costumavam trabalhar. Não sei onde os meus pais estão! - mordeu o lábio inferior com força, sentindo seu peito apertar.
- Fica calma, , essa confusão vai acabar logo. Eu te prometi, não prometi? - a relembrou com determinação, postando uma mão sobre o seu ombro em um gesto carinhoso.
Os dois voltaram a se entreolhar em silêncio e, dessa vez, durou um pouco mais que o anterior.
A campainha tocou. Quem poderia ser? Dylan atrás de ?
hesitou o máximo possível, esperando ouvir o toque estridente uma terceira vez para se levantar e rumar até a porta.
- Foi abduzido, cara?! Onde esteve nos últimos dois dias? - Patrick, um loiro com boné para trás que de idiota só tinha as piadas e era seu melhor amigo da faculdade, adentrou o apartamento sem ser convidado, surpreso com o "poder de invisibilidade" que sabia usar como ninguém.
- É complicado... - o garoto desviou o olhar melancólico para a janela, respirando fundo ao perceber que, eventualmente, Patrick descobriria o que estava acontecendo. - Olhe agora para o corredor, você terá uma resposta. - instruiu o amigo, rindo sem humor da cara de espanto que Pat fez ao avistar deixando o banheiro com uma camiseta branca que lhe servia de vestido e uma toalha enrolada na cabeça. Ela seguiu até o quarto, mal se dando conta da presença dos dois.
- Você... - Patrick apontou eufórico para , alargando um sorriso maroto quando chegou sozinho a certa conclusão. - Finalmente, !
- Finalmente o quê? - o outro ergueu as sobrancelhas, não querendo pensar nas deduções do amigo. - Você não imagina o que aconteceu, Pat. Não imagina!
contou tudo resumidamente ao amigo, divertindo-se e irritando-se com as diversas expressões que Patrick assumira durante o relato dos últimos dois dias. não saiu do quarto, provavelmente tinha optado por dormir um pouco, porque talvez isso pudesse ajudá-la a se recuperar mais rápido.
- PUTA QUE PARIU! - Pat ficou de pé ao berrar, deixando em pânico. Começou a tacar objetos diversos na direção do amigo, na tentativa de fazê-lo calar a boca, temendo que os ouvisse. - A garota que te deu o bolo no baile? , ela é uma lenda...
Quanto mais Patrick ria e se divertia com a história, se sentia mais desconfortável. Por sorte não tinha asma, senão aquele seria um bom momento para usar a bombinha.
Isso porque Pat não viu o rosto dela, não reconheceu a atriz famosa que era. Caso contrário, o escândalo teria sido ainda mais audível.
- Eu estava satisfeito em levar uma vida pacata, viver para a faculdade e ler meus quadrinhos, mas a tinha que voltar para a minha vida e arruinar tudo isso. Agora... Eu estou perdido. - confessou, esfregando a mão pelo rosto.
- Ainda gosta dela? - Patrick teve coragem para perguntar, se fazendo de indiferente. deu um longo suspiro, arregalando os olhos ao perceber essa reação.
Suspiros pesados não costumavam significar que...?
- Não posso. - afirmou com veemência a si mesmo, como se tivesse medo de uma parte sua tentar se rebelar contra aquela ordem. - Não posso gostar de uma garota que perdeu parte da memória. Mesmo que ela se lembre de mim, não posso.
- Ô seu idiota, a vida não te ensinou que quando você diz "Não posso", na verdade, já está pensando "Eu quero"? E isso deve significar alguma coisa. - Patrick especulou, adotando feições para lá de investigativas. - A garota se esqueceu de coisas tão importantes da vida, mas lembra de você.
- Não quero pensar nisso. Você sabe que toda essa fantasia vai acabar quando ela lembrar de tudo. - recorreu a uma obviedade, já se preparando para entrar em um estado pleno de conformismo.
- Então curta o momento, . - Pat o encorajou. - Quer saber? Conquista ela. Faça com que ela se apaixone por esse nerd bacana e bonitão que você é e que esse sentimento não vá embora mesmo quando ela se lembrar de tudo. Absolutamente tudo.
Patrick dando conselhos amorosos? Nossa, o mundo estava mesmo de cabeça para baixo!
Por vezes, se esquecia que estava no apartamento de um cara. De , mais precisamente falando. Assustava-se quando ele chegava perto, não por medo, mas por se esquecer momentaneamente de toda a reviravolta em sua vida, logo se recordando de que o garoto lhe oferecera um lugar para passar a noite. Riu quando conseguiu ouvi-lo surtando na sala, mas depois percebeu que era somente porque uma maratona de The Walking Dead estava sendo transmitida pela AMC.
Largou o livro que antes tentava ler, esfregando as palmas das mãos pela extensão dos braços. Estava com frio, morrendo de frio, então se arriscou a abrir as portas do guarda-roupa de , na tentativa de encontrar algo para se aquecer. Sorriu aliviada quando uma blusa azul marinho praticamente reluziu a sua frente, mas arregalou os olhos em um susto quando enxergou, incrédula, uma máscara horrenda que lembrou um zumbi e outros objetos suspeitos armazenados em uma parte dos cantos, dentro de uma espécie de compartimento especial.
Impulsionada pelo susto, ela emitiu um grito agudo. Que prontamente foi ouvido por .
Ele voou até a porta, a abrindo e se mostrando preocupado com .
- O que houve?! - pediu ofegante, olhando-a abismado.
- Você tem... Por que você tem... - a garota recuava passos curtos, apontando para o guarda-roupa aberto. - Coisas feias e estranhas guardadas ali?
relaxou os ombros, mas suas bochechas queimaram com a sensação de ter um segredo como aquele descoberto por . Decidiu, então, respirar fundo e abrir o jogo com ela.
- Prometa que não vai rir. - pediu com seu famoso semblante de garoto perdido, deixando-a confusa.
- Então quer dizer que existe a opção de rir? - questionou surpresa, o alívio duelando com a aflição.
Ele se aproximou da área onde guardava seus pertences, retirando a mala preta e a colocando sobre a cama, por fim a abrindo sem hesitação. franziu o cenho quando enxergou latas de comida, fósforos, um pequeno kit de primeiros socorros, baterias minúsculas, cordas, goma de mascar e outra infinidade de objetos um tanto quanto... Fora do lugar.
- Isso é um Kit de Sobrevivência, para o caso de um apocalipse zumbi acontecer. - dito em voz alta, soava bem estranho, esquisito e insano. Mas, por algum motivo, não se arrependeu de ter compartilhado seu segredo com . - A máscara é para o caso de eu precisar me passar por um morto vivo. Não me julgue, eu sou um cara paranoico com prováveis fatalidades.
- E totalmente nerd! Uau... - livrando-se da desconfiança, agora ela se permitia examinar tudo com uma curiosidade divertida. - Acredita mesmo que um apocalipse zumbi pode acontecer?
- Não sei, mas prefiro me prevenir. - explicou confiante, fechando a mala e a guardando no lugar de antes. - É o nosso segredo, ok?
- Ok! - sorriu, concordando ao fingir que seus lábios eram um zíper que ela fechava rapidamente com o auxílio dos dedos.
- Sabia que existem fungos endoparasitas na natureza chamados Cordyceps, que atacam formigas e as transformam em "zumbis" para benefício próprio?! E se esses fungos descobrirem como agir na fisiologia humana? - especulou, pasmo, nunca deixando de se sentir fascinado e apavorado com a descoberta. - Depois te mostro o vídeo, é insano!
É, alguém por ali adorava ser nerd.
- Você tirou isso de The Last of Us, não tirou? - a garota, sentindo-se também um pouco nerd por associar uma coisa a outra.
- Adoro esse jogo, mas esses fungos existem mesmo, é sério. - falava com tanta convicção, que faria toda a raça humana crer na existência de extraterrestres, se assim quisesse.
- Tenho medo de pensar nessas coisas. - resmungou logo após, assemelhando-se a uma garotinha frágil. Sabia que, caso uma catástrofe com dimensões como aquela acontecesse, não seria tão divertido quanto em Zombieland. - Acho que eu não duraria um dia. - cabisbaixa, ela prendeu os cabelos e decidiu preocupar a mente fragmentada com outras coisas, mas não deixaria que se considerasse um ser humano tão fraco assim.
- Se o mundo fosse castigado com um cruel e nojento apocalipse zumbi, eu escolheria você para lutar ao meu lado pela vida. - ele prometeu, deixando que a voz ganhasse um tom cavalheiro e heroico ao mesmo tempo.
- Mas eu não sei usar armas... - se frustrou com a própria realidade. - Você me ensinaria a atirar nas cabeças deles?
- Nós aprenderíamos juntos, porque eu também não sei. - riu durante uma careta, mordendo a língua. - Dos piores jeitos possíveis, inclusive quase sendo devorados por zumbis famintos.
- Tirando a parte dos zumbis, eu gostei muito do que ouvi. - sorriu, verdadeiramente agradecida e internamente encantada.
Oh-oh.
- Vantagens de se estar com um nerd. - a acompanhou no sorriso, mas a timidez falou mais alto quando ele analisou suas palavras ditas e percebeu a forma "romântica" que assumiram sem permissão. - Digo, de conhecer um nerd. Está com sono? - mudou rápido de assunto, cruzando os braços para esconder as mãos suando frio.
- Sim, mas também estou com frio, por isso bisbilhotei suas coisas, queria uma blusa. - explicou-se, vestindo a blusa de moletom quando prometeu com o olhar afetuoso que estava tudo bem.
- Fica melhor em você. - notou o garoto, cada vez mais embasbacado com a forma como sua língua estava solta naquele dia.
De onde estava tirando coragem para "galantear" ?
- E essas meias aí? - ela riu ao observar os pés dele cobertos por meias brancas que terminavam na linha de suas canelas. Por estar usando uma espécie de samba canção até a altura dos joelhos, a combinação era um tanto cômica.
- Eu não durmo sem meias, sinto muito frio nos pés. - admitiu, sem graça, coçando a nuca.
riu internamente, tentada a lhe fazer uma pergunta bastante pessoal.
- Você é do tipo que faz aquilo sem tirar as meias? - não queria soar abusada, mas acabou por ser meio inevitável.
não se sentiu pressionado de tal forma nem mesmo durante as simulações de julgamento na faculdade. Não sabia para onde olhar e como disfarçar o embaraço que, provavelmente, tingia suas bochechas com o tom ruborizado da timidez. Maldita timidez. Será que ele já não estava grandinho demais para continuar tendo que lidar com ela?
- Como é que eu vou saber? - o garoto deu de ombros, fingindo que fitar um ponto vago do chão lhe traria algum benefício na vida. - Nunca fiz "aquilo", nunca tive a oportunidade de tirar as minhas meias antes do final da noite.
quase sentiu seu queixo cair e fazer um buraco no chão.
Virgem? era virgem?! Vinte e quatro anos de pura... Virgindade?
Como isso era possível?!
Arrepios estranhos percorreram sua pele e ela se assustou quando sentiu um embrulho gostoso na boca do estômago.
Ele percebeu o espanto da garota, fechando os olhos firmemente. Ótimo, deveria ter ficado quieto. Agora, além de achá-lo esquisito por ter um Kit de Sobrevivência ao Apocalipse Zumbi, também o considerava "inocente" e "inexperiente" demais para pensar em terem alguma coisa juntos.
Se Dylan não existisse, é claro.
- Como alguém... - se perdeu nas próprias palavras, sentindo-se atordoada. Fascinada. - Como um cara como você conseguiria se manter virgem?
Ele estranhou a pergunta.
- Encontrei outras prioridades na vida. – explicou, incerto. - E o que quer dizer com "um cara como eu", ?
- Você é bonito, sensível, carinhoso, prestativo, é engraçado de um jeito nada forçado e até que bem fofo, tem essa esquisitice natural e... - ela arregalou os olhos e agora eram as suas bochechas pinicando, tamanha a surpresa por ter verbalizado uma lista nada miserável de elogios a .
- Obrigado, eu acho. - agradeceu, imaginando que entraria em um estado de hipnose a qualquer momento.
Não tinha escutado tudo aquilo, tinha?
Não mesmo!
- Err... Eu vou tentar dormir agora. Boa noite, . - curta e grossa, meio evasiva, pegou um cobertor e seguiu para a sala, deixando com cara de paisagem em seu quarto.
- Boa noite, . - sussurrou, baixo demais para que ela ainda conseguisse ouvi-lo.
Estava petrificado.
E apaixonado por ela.
De novo!
- ! Acorda!
Mas que barulho era aquele? Pelo amor de Deus!
- O QUE FOI? - ela despertou em um pulo, encontrando correndo de um lado para o outro da sala. - É O APOCALIPSE ZUMBI?! - investigou com medo da resposta que teria, limpando a pequena quantidade de saliva acumulada no canto de sua boca. Que sonho será que estava tendo para ter babado daquele jeito? Cruzes!
- Eu espero que não. - não conseguia deixar de se desesperar, correndo até a garota e a pegando em seu colo. Gesto que a deixou estática e incrédula.
Só então ouviu o som do alarme de incêndio ressoando por todo o apartamento e um cheiro estranho de queimado vindo de cozinha. não quis saber de investigar, só abriu a porta e os colocou para fora do apartamento, procurando por algum botão de emergência com ainda em seu colo.
cobriu a região da boca com as mãos e grunhiu de susto ao se recordar de uma coisa.
Oh, não. Ela sabia o motivo do alarme ter disparado!
Não acreditou que pegaria no sono tão facilmente, por isso foi com tranquilidade que colocou alguns brownies para assar e se largou relaxada sobre o sofá, prestando atenção em algum filme melancólico e antigo sendo exibido no Telecine Cult. Acreditava que merecia um agrado com açúcar por estar sendo um amigo tão prestativo, então decidiu se arriscar na cozinha.
Resultado? Pegou no sono.
Consequência? Os brownies viraram carvão e a fumaça proveniente do estrago acionou o maldito aparelhinho preso ao teto, tão disposto a ensurdecer qualquer um.
- , para com isso! - tentou impedi-lo de procurar ajuda e tentar, mesmo que inutilmente, bancar o herói. O garoto parecia vítima de um ataque de pânico. - Por que você pirou assim? - ela questionou, inconformada, ainda no colo dele. É, algo super normal. - Não é um incêndio, nós não vamos morrer, eu só... - mordeu o lábio, sorrindo totalmente sem graça. - Queimei os brownies que estava tentando fazer. Sou péssima na cozinha! Me desculpa... - respirou devagar quando finalmente confessou, fazendo erguer as sobrancelhas e se encostar sobre a parede, amolecendo os músculos antes tão tensos. - E me explica por que você pirou assim e me pegou no colo. Não que eu esteja reclamando, mas...
- Porque a minha mãe me dizia que, se acontecesse um incêndio na nossa casa, eu tinha que pegar só o que era realmente importante e sair correndo. - explanou cauteloso, pois a insegurança de que só tinha reações patéticas estava começando a convencê-lo de que seria um erro enorme deixar se iludir com .
- E você me pegou, ! - estarrecida, a garota olhou em seus olhos, que, por algum motivo, se sentiram conectados aos dela. Não conseguia desviar.
- Uhum.
- Mas não pegou os seus quadrinhos ou o seu Kit de Sobrevivência. - percebeu, arregalando os olhos.
- Uhuh. - ele negou, imóvel.
- Quem é que precisa do Superman quando se tem um ? - o abraçou pelos ombros, perdida entre sorrir agradecida e rir da pequena aventura. - Um com uma camiseta do Superman? Sexy!
Elogio ousado.
- As minhas costas, provavelmente. - riu ao colocá-la segura sobre o chão.
- Eu me entupi de sorvete, mas não acho que foi o suficiente para...
- , tudo isso é muito novo para mim. Sabe... Ter uma garota por perto. - apontou para ela, ainda acreditando que as chances de ser um sonho não deveriam ser descartadas. - Fora a minha irmã mais nova, eu nunca tinha pegado uma garota no colo.
- E aquela ex-namorada que você mencionou hoje mais cedo? - quis saber, cruzando os braços.
- Ela não merecia essa minha dor na lombar. - o garoto apontou risonho para a região, depois sorriu triunfante. - Mas não se preocupe, vou me acostumar. Vamos treinar todos os dias.
Sem deixá-la responder, voltou a adentrar o apartamento, para dar um jeito na pequena bagunça que fizera na cozinha.
Ainda no corredor, mal piscava.
Ela era tão importante assim para ele?
Telefones que tocam durante a madrugada: é tragédia na certa.
acordou assustado com o som incessante, pulando do sofá - tinha cedido a cama a - e contando até três antes de atender, já se preparando para o pior. Sua mãe estava chorosa do outro lado da linha, apesar de conformada. a ouviu em silêncio, concordando brevemente antes de avisar que tentaria chegar antes do sol nascer até o cemitério, pedindo a mãe que ficasse bem, que logo estaria por perto para lhe dar um abraço.
largou o telefone, caindo sentado sobre o sofá, sem saber como reagir a morte de seu avô. É claro que toda a família já esperava que, eventualmente, o patriarca perderia a batalha contra seus sérios problemas pulmonares, mas, por mais preparado que estivesse, ter a notícia jogada de supetão assim, contra os seus sentimentos, foi bem doloroso.
- O que foi, ? - perguntou baixinho, surgindo na sala e olhando preocupada para ele.
- Meu avô. - não precisou dizer mais nada, pois a garota crispou os lábios e compreendeu o que tinha acabado de acontecer. Apressou-se a correr em sua direção e se sentar ao seu lado, passando um braço companheiro ao redor dos seus ombros.
- Precisa chorar? - ela investigou, compreensiva, olhando sem parar para o rosto lívido dele, ainda sem qualquer expressão ou reação.
- Acho que... Acho que não. - negou, escondendo o rosto com as mãos por alguns segundos.
- Se quiser, vou estar aqui com uma caixinha de lencinhos. E um abraço. - prometeu sorridente e não sabia nem como agradecê-la. A proximidade o presenteava com a oportunidade perfeita para beijar seus lábios, mas escolheu não fazer isso. Por algum motivo descabido, queria esperar mais um pouco. - Posso ir com você no funeral? - se surpreendeu com o pedido dela.
- As pessoas vão te reconhecer, . Você não consegue, mas elas vão. - disse receoso, mas pouco se importava com a possibilidade.
- Vou com você e fico te esperando no carro, pode ser? Só não quero que passe por isso sozinho.
Ele concordou silenciosamente, estremecendo quando sentiu a mão quentinha de encontrar a sua, que estava tão fria.
O que ela poderia fazer dentro de um carro? Um carro estacionado dentro de um cemitério? A propósito, isso lhe causava alguns arrepios nada agradáveis. Lembrou-se das especulações de a respeito de um provável apocalipse zumbi e observava, temerosa, a vista cinzenta e fúnebre de vários túmulos que se estendiam em corredores repletos de árvores e grama a sua frente, escondendo-se no banco de trás e evitando olhar para fora. Riu dos próprios gestos opostos a qualquer manifestação de coragem, pensando em e na carinha triste que acompanhava o garoto desde o momento em que recebera a ligação de sua mãe. Ele não conseguiu mais dormir, por mais que estivesse caindo de sono. Teimoso, não cedeu ao choro em hora alguma. queria poder ajudá-lo de alguma forma, mas, por enquanto, era melhor que ficasse quieta dentro do carro, para evitar qualquer alvoroço desnecessário.
Fitou um garotinho que passava pelo estacionamento com sua mãe, segurando a coleira de um adorável e serelepe Pug, que não se importava por estar em um lugar tão triste.
Uma sensação ruim em seu peito nasceu em um piscar de olhos, se expandindo sem precisar de muito além de outra remessa de ar nos pulmões de . A garota, estática, piscou os olhos algumas vezes, olhando ao redor e sentindo algo como um Déjà vu lhe proporcionar uma pequena vertigem. Como uma velha fita VHS sendo rebobinada, , ao fechar os olhos, assistiu uma sequência confusa de imagens, como se viajasse em sua própria mente cheia de lacunas.
Quando seus olhos se abriram, havia uma lembrança que não estava ali segundos antes.
George, seu Pug, não resistiu aos problemas de saúde, indo embora para o céu. Na noite do baile.
E, por isso, não foi ao baile. É, ela não foi ao baile. Não foi!
Na época, sentiu-se tão devastada, que a vontade de comemorar o fim do High School se desintegrou por completo. Deu um bolo em , mas não pelas razões esperadas.
respirou fundo, tremendo da cabeça aos pés por ter tido tais lembranças. Ignorando os pedidos de para que não saísse do carro, ela saiu, caminhando com passos firmes pela região, procurando por algum vestígio da presença do garoto.
Não demorou a avistá-lo, solitário ao lado de uma estátua de mármore cinzento, com as mãos nos bolsos da calça e chutando uma pedrinha qualquer que encontrara em seu caminho incerto.
- Eu me lembro, . - disse sem cerimônias, atraindo um olhar surpreso do garoto, pela sua presença e pela sua afirmação. - Na noite do baile, George, meu Pug, morreu. Por isso eu não quis sair de casa. Então... - a seriedade impregnada ao rosto da garota fez a pulsação de ficar frenética. Sabia que tinha sido uma péssima ideia mentir. - Por que mentiu para mim? Nós não fomos ao baile juntos, não fizemos nada que você disse que fizemos! Eu realmente te dei um bolo! Por que mentiu para mim?! – repetiu, magoada, mas ao mesmo tempo curiosa para descobrir suas razões.
arriscou alguns passos na direção dela, não escondendo um sorriso devido a conquista de . Uma memória que não estava ali antes...
Progresso.
Os olhos de cintilaram, graças a presença de lágrimas. sofreu um pequeno sobressalto, tentando pensar em como fazê-la se acalmar e não chorar. Existia algo que o aterrorizava mais que a probabilidade de um apocalipse zumbi: ser responsável por qualquer lágrima de .
- Porque é tudo que eu queria que tivesse acontecido. - soltou de uma vez, desviando o olhar para as árvores. - Me desculpe por ter gostado de uma garota que não conseguiria gostar de mim de volta. - resmungou, arrependendo-se em seguida.
Ela o olhou, incrédula, sua mão coçando para estapeá-lo de alguma forma, porque tinha acabado de dizer algo absurdo!
A conjugação do verbo feita no passado fez uma pontada crescer em seu coração, sem que ela pudesse controlar.
- Eu aceitei ir com você! Não aceitaria se não quisesse! - vociferou, perdendo qualquer serenidade.
- Achei que você tivesse me dado um bolo para ir com outro cara. Que aceitou por pena. - confessou cabisbaixo, bastante sem graça, brincando com os próprios dedos das mãos.
Então quer dizer que... Ela não foi com outro cara?!
- Por que eu teria pena de você? - estava boquiaberta outra vez. - Você é um em um milhão, não olha para os meus peitos quando estamos conversando, não me chama de fresca quando eu choro e não gritou comigo por quase deixar a sua cozinha em chamas. - ajeitou algumas mechas de cabelo atrás de sua orelha, sentindo as bochechas ruborizarem com a última constatação. - E você é um cara super legal, super crânio e saberia se defender de zumbis. Eu não tenho pena de você, ! - prometeu, arriscando um passo.
olhou para trás, percebendo que o momento mais difícil do dia havia chegado.
- Acho que vão sepultar meu avô. - informou tristonho, afastando-se devagar. - Preciso estar com a minha mãe agora. Volte para o carro, nos falamos depois.
- ! - o chamou alto, fazendo o garoto cessar seus passos apressados e olhá-la por cima do ombro, em silêncio. - Você... Você gosta de mim?
sentiu seu coração saltar dentro do peito e ir parar nos ouvidos. Sentia vontade de se esconder, mas também sabia que era grandinho o suficiente para, pela primeira vez em muito tempo, se arriscar um pouco mais na vida.
- Always In My Head, Coldplay. - foi tudo que disse, retomando seu caminho até onde algumas pessoas de preto se concentravam.
arqueou as sobrancelhas, tentando descobrir como uma música do Coldplay poderia responder sua pergunta.
- Como o seu avô era? - ela estilhaçou o silêncio que perdurava pelo interior do carro de , porque já estava ficando aflita com o seu comportamento. Respeitava seu luto, logicamente, mas detestava ver seus olhos brilhantes apagados daquela forma.
mordeu o interior da boca, seus lábios se curvando inconscientemente e formando um singelo sorriso cheio de gratidão. Ela se importava!
Thomas, seu falecido avô, iria gostar muito de . Provavelmente diria ao neto, se pudesse, "Vê se não deixa essa escapar!".
- Ele falava alto demais, xingava muito e fumava feito um condenado, mas vou sentir muita falta dele. Das piadas, dos conselhos, até das broncas. - entendeu o silêncio de como uma oportunidade para dizer o que estava preso em sua garganta desde momentos antes. - Sinto muito pelo George, seu Pug. A minha Jean Grey também morreu, já tem quase um ano.
- Aposto que os dois estão juntos agora, brincando sobre as nuvens de um paraíso para cães. - a garota sorriu esperançosa, olhando através da janela para o céu nublado acima de sua cabeça.
alargou o sorriso, concordando com ela, mas sem a necessidade de reforçar algo com palavras. O silêncio também fazia sentido.
sofreu um estalo quando se lembrou da música que ele citou mais cedo, retirando o celular do bolso de seu casaco e conectando os fones de ouvido ao aparelho, buscando pela tal música e, por fim, a colocando para tocar.
percebeu o que ela fazia, controlando-se para não arregalar os olhos e tentando manter a respiração regular, afinal, estava ao volante e era melhor evitar qualquer acidente. Surtaria mais tarde.
o olhou, admirada, apreciando a bela melodia que fazia sua audição se deliciar.
Será que a letra fazia sentido? Será que ela entendeu direito e, obviamente, como queria entender?
não se sentia muito confortável quando o chamavam de nerd, porque, assim como qualquer ser humano que se preze, ele tinha momentos de pura preguiça e procrastinação, especialmente quando precisava ler todas aquelas páginas relacionadas a Direito Penal.
Já estava lendo há tanto tempo, que as letras miúdas começaram a se misturar, formando códigos complexos demais para que sua mente cansada decifrasse.
Então sentiu algo se chocar bruscamente contra as suas costas. Um travesseiro, deduziu.
Tentou segurar o riso e permanecer sério, mas a risada de , anteriormente quieta atrás de si, do outro lado do quarto, o fez rir baixo.
- Sério, ?! - olhou-a sobre o ombro, fingindo que estava indignado com seu gesto infantil.
- Seu corpo entrou na frente do meu travesseiro, não pude impedir a colisão. - a garota deu de ombros, sustentando uma falsa inocência muito bem articulada.
- Claro que entrou. Claro que não pôde. - voltou a dedicar sua atenção forçada ao livro, mas logo sentiu o impulso fofo contra as costas outra vez.
É, alguém queria brincar.
riu um pouco mais alto dessa vez, encolhendo-se sobre o sofá.
Ela tremeu em expectativa, uma adrenalina exagerada se acentuava pelo seu corpo quando, em movimentos quase cinematográficos e em slow motion, ficou de pé e tomou outro travesseiro em mãos. Estava escrito em seu semblante ameaçadoramente divertido o quanto ele estava disposto a se vingar, e o Direito Penal poderia esperar.
- Você pediu por isso, senhorita! - utilizando a frase como um provável grito de guerra, rompeu a distância entre ambos, arrancando um grito divertidamente nervoso de quando lhe atingiu a altura dos ombros com o travesseiro. Os dois se esqueceram de suas idades ósseas de vinte e quatro anos e deram início a uma guerra de travesseiros. subiu sobre o colchão, tentando fugir de , mas logo a garota também se colocou sobre a cama e tentou empurrá-lo, o atacando até fazê-lo cair deitado e de bruços no colchão. No entanto, ela perdeu o equilíbrio e, ao chegar perto demais da ponta da cama, acabou caindo no chão.
Apesar da queda embaraçosa e que fez seu bumbum doer, se desligou do mundo ao redor quando ouviu a gargalhada de .
Era a primeira vez que o ouvia rir tão alto e tão sincero, com direito até a olhos fechados e mãos sobre o abdômen.
Com habilidade e recuperação imediata, ela ficou de pé, tomando fôlego uma única vez antes da guerra ter continuidade. até poderia ser mais forte que ela, mas se distraía fácil com o charme tipicamente feminino de , então ela se aproveitava disso para contra-atacar.
- É assim que pretende sobreviver em um apocalipse zumbi? - ela provocou, se esquivando dele. Então, em um golpe de sorte, conseguiu tomar o travesseiro das mãos dela, assistindo algumas penas que se soltaram do mesmo flutuarem pelo ar. - Você precisa treinar muito, , e...
a segurou pela cintura com as duas mãos, fazendo a garota se calar após soluçar em tom de surpresa. O brilho dos seus olhos era mais bonito, impressionante e hipnotizante que o de supernovas vistas do espaço. Não que já tivesse estado no espaço antes, mas... Enfim, estava prestes a beijar .
E só mesmo a presença de zumbis na Terra o impediria de prosseguir.
Quer dizer... Até que o acertou bem no rosto com outra travesseirada, pouco depois de conseguir puxar o objeto fofinho sem ser notada, e saiu correndo pelo apartamento, gargalhando alto.
sentiu sua espinha sendo coberta por arrepios, o coração palpitando na garganta. Foi por tão pouco...
- Volta aqui, ! - engrossou a voz de propósito, voltando a correr quando ainda podia ouvi-la rir feito uma criança serelepe.
Os dois derrubaram alguns objetos da simples decoração do apartamento, inclusive panelas na cozinha, logo voltando correndo feito furacões para o quarto. Nenhum disposto a se dar por vencido primeiro que o outro. Penas já estavam grudadas pelos cabelos de ambos e as risadas constantes já deixavam suas barrigas doloridas.
, então, decidiu fingir que estava prestes a pedir uma trégua, jogando o travesseiro longe e erguendo os braços no ar, como um gesto de rendição. A garota comemorou vitoriosa, saltitando e finalizando a guerra com uma última travesseirada em seu rosto...
Só não contava com a atitude seguinte do garoto.
Foi pega de surpresa pelos lábios urgentes que se chocaram contra os seus entreabertos devido a correria, sem esperar qualquer mínimo segundo para que se recuperasse antes de começar a beijá-la. , se desfazendo da pose de retraído e incapaz de tomar atitudes surpreendentes na hora certa, segurou as laterais do rosto de com as duas mãos, depois as percorreu pelos seus cabelos, os puxando para trás, como se quisesse livrar o rosto corado da garota de qualquer empecilho enquanto a beijava e explorava muito mais do que a sua forma de ver o mundo. notou as pernas bambas, o coração frenético no peito; estava prestes a ceder em seus braços, mas sentiu que precisava tocá-lo, abraçando seus ombros e correspondendo ao beijo, que rendia arrepios descontrolados e as mais infinitas sensações pelos seus sistemas agora mais próximos um do outro.
Toda vez que sentia sua língua se perder na dela, e vice-versa, mais fogos de artifício irromperiam. Em seu interior, dessa vez, diferentemente de como tinha sido no dia anterior.
O primeiro dia de um novo ano.
E então, um dia depois, o primeiro beijo. Talvez o último, de acordo com o pessimismo imutável de a respeito de seu futuro com . Já que ela não ficaria com ele quando recuperasse a memória, por que não beijá-la? A vida é mesmo feita de chances únicas. Ingressos para shows que você só pode assistir uma única vez, sem direito de voltar, e garotas que só podem ser amadas durante vários, porém míseros, segundos de um beijo.
Quando se soltaram, o silêncio tinha muito a dizer.
Wow, wow, wow. beijava muito... Bem. Wow! E aquela carinha inocente... riu internamente, tremendo da cabeça aos pés com o que acabara de vivenciar, todas as sensações ainda vivas de forma incandescente pelo seu corpo. Mil vezes wow.
Um fato sobre os nerds: estão sempre buscando conhecimento.
Agora um fato sobre o conhecimento: ele realça talentos.
- Eu... - tentou justificar seu ato repentino, mordendo o lábio avermelhado e perdendo o raciocínio antes mesmo de começar. Explodiria a qualquer momento, de um jeito muito, muito bom, se é que seria possível. Nunca tinha se sentido infinito daquela forma, como se o beijo de o tivesse feito descobrir novos sentimentos, novas cores, constelações, galáxias e significados para a própria vida. E pensou em beijá-la de novo, descobrir muito mais, mas o som da campainha despedaçou todo o clima, fazendo com que os dois aumentassem a distância um do outro e, depois de um último olhar indecifrável, se afastassem.
Ele foi atender a porta e ela ficou sem rumo. Perdeu o equilíbrio outra vez e quase tropeçou nos próprios pés, caindo deitada na cama.
Podia ouvir o coração batendo nos ouvidos, formando uma melodia simples e fácil de ser compreendida.
E "" era o nome dessa melodia, cuja formação se baseava em uma série de suposições e certezas que fizeram sua mente abalada fervilhar.
Mesmo que não tivesse mais dezessete anos, se sentiu como se sentira naquela época.
Ao abrir a porta, tentou se esforçar para reconhecer o rosto a sua frente, mas foi uma tentativa falha. Torceu internamente para que não estivesse escrito com letras garrafais em sua testa "Oi, eu acabei de beijar pela primeira vez a garota que gosto em segredo desde os meus quinze anos!", esperando que a visitante se identificasse.
- Oi, eu sou a Cassidy! Você falou comigo por telefone mais cedo. - por fim se apresentou, clareando a mente de .
- Entra. - ele deu espaço para que a moça loira entrasse, notando que ela trazia consigo uma mala de rodinhas e fingindo não notar como parecia analisar tudo ao seu redor com uma pequena dose de incômodo.
- Cadê a ?! - Cassidy pediu aflita, extremamente preocupada com os recentes acontecimentos que tiraram a vida de dos trilhos.
a chamou, alto o suficiente para que a garota o escutasse do quarto e seguisse meio hesitante até a sala. Cassidy sorriu aliviada, correndo na direção de e a abraçando forte. observava tudo em silêncio, ainda sentindo coisas muito boas pelo corpo só com a presença próxima de .
Ela olhou confusa para ele, que concordou com a cabeça, como se lhe dissesse que estava tudo bem.
- Você é a Cass? - pediu incerta, olhando com atenção para os belos, maquiados e bem cuidados traços da outra. Mas não conseguia reconhecê-la.
- Cass, sua melhor amiga, que compartilhou os melhores momentos, risadas, viagens, selfies e aventuras com você! Como pode não se lembrar de mim, ?! - Cass se entristeceu, deixando inquieta, pois queria muito se lembrar, se esforçava o máximo para se lembrar, mas nada que fizesse parecia surtir efeito nas tentativas.
- O não te contou o que aconteceu? Eu perdi os últimos seis anos da minha vida. Ele é tudo que faz algum sentido agora... - olhou timidamente para o garoto, que se desencostou da parede e encenou estar distraído com as partículas de ar em volta, coçando a nuca. Mesmo assim, não conseguiu evitar de sorrir, e ela fez o mesmo.
- Bom, eu trouxe algumas coisas para você. - Cassidy informou após suspirar desanimada, apontando para a mala no canto. - Algumas roupas, peças importantes da sua vida. De quem você é! - colocou as duas mãos sobre os ombros da amiga, que só fazia olhá-la com um semblante vazio. - Quer tal dar uma volta comigo? - Cassidy sorriu compreensiva, ofertando algo que não sabia se queria aceitar. - Qual é? Você pode não se lembrar de mim, mas o meu número é o primeiro contato de emergência no seu celular! - Cass fez questão de lembrá-la, torcendo para que aceitasse.
Estava com saudade da melhor amiga.
- Vá com ela, . - finalmente decidiu se manifestar, recebendo um olhar surpreso de ambas. - Vai ser bom para você. Eu tenho que dar uma passada na faculdade agora, então a gente se vê depois. - ao dizer isso, tentou seguir para o seu quarto, mas a garota foi rápida ao chamá-lo, ganhando toda e qualquer atenção.
- Nicest Thing, Kate Nash. - disse simplesmente, deixando pensativo e sustentando um leve sorriso. Fazia ideia do que poderia ser.
A provável resposta a música que ele pediu que ela ouvisse.
Quando sumiu do campo de visão das duas, Cassidy arqueou uma sobrancelha, se sentindo dominar por mil e uma perguntas e um grande punhado de curiosidade.
- Quem é ele, afinal? Meio nerd... - investigou com uma mescla de careta com riso, extremamente interessada.
- O cara que me convidou para o baile da escola, há seis anos. E... - sorriu encabulada, cobrindo as duas bochechas com as mãos. - O cara que acabou de me beijar.
Cassidy ficou estranhamente séria de repente, sugerindo que trocasse de roupa e a apressando para que fossem logo para o SoHo, onde , a famosa atriz, tinha um luxuoso e espaçoso loft, só seu.
Ou talvez o dividisse com alguém...
Algum tempo depois, estavam no SoHo.
quase caiu para trás quando Cassidy abriu a porta do loft, embasbacada com cada pequeno detalhe que seus olhos vidrados desvendavam. Era mesmo dona de tudo aquilo? Era como uma mini mansão, impecavelmente limpa, organizada e requintada. Nas paredes, quadros com fotos suas, provavelmente em importantíssimos ensaios fotográficos e capas de filmes premiados. Ao lado esquerdo, uma espécie de vitrine, que abrigava diversos prêmios com o seu nome gravado em cada um. Ao lado direito, uma hollywood chair virada para a enorme janela, com o seu nome escrito na parte de trás.
- Como se sente no seu cantinho luxuoso, amiga? - Cass cantarolou animada, sentando-se à vontade sobre o sofá. Ela e costumavam ser como irmãs.
- Ahn... Bem estranha. - confessou, engolindo em seco. Continuou com sua pequena análise pela extensão do loft, maravilhando-se e assustando-se com a descoberta de que a sua vida era mesmo muito, muito, muito boa. E imaginava que aquele nem fosse o seu verdadeiro lar, só um escape durante os feriados. Deveria ser dona de alguma mansão em Los Angeles, assim como toda boa celebridade.
Cassidy começou a tagarelar a respeito de assuntos que embaçavam a mente de , então a garota decidiu apenas fingir que lhe ouvia, grudando os olhos em um porta-retrato localizado sobre um piano de calda preto. Provavelmente nem sabia tocar o instrumento, só o tinha por falta de algo mais útil a comprar. Segurou o objeto frágil com negação, tentando encontrar qualquer familiaridade no rosto do homem sorridente ao seu lado na fotografia. Deveria ser Halloween, porque os dois estavam fantasiados de piratas.
- Quem é ele? - virou-se para Cass, que parou de falar abruptamente e soltou o ar devagar, dando um tapinha sobre o espaço vago do sofá branco, exigindo que se sentasse ao seu lado. Ela logo atendeu o pedido da amiga - gostava de vê-la como uma, por mais que seu rosto, até então, fosse o de uma mera estranha -, grudando seus olhos atentos na expressão ligeiramente pasma e embaraçada de Cass.
- O nome dele é Dylan. Ele é seu colega de cena atualmente, vocês interpretam um casal em um filme que estão gravando. Na verdade, que voltam a gravar em fevereiro. - Cassidy olhou para baixo, percebendo que a informação seguinte, muito provavelmente, assustaria . - E estão noivos.
Silêncio.
- Noivos no filme, né? - tentou se certificar, aos poucos sentindo o ar chegar com maior dificuldade aos seus pulmões.
- Não, , vocês estão realmente noivos, não é parte da ficção. - sua amiga despejou de uma vez, como retirar um curativo e causar uma rápida pontada na área. No coração de , no caso.
- NOIVOS?! - ficou de pé, transtornada. Uma centena de coisas começou a passar por sua mente, entre elas a ideia de que tinha traído esse suposto noivo com , quando se beijaram.
Apesar de não conseguir se lembrar de nada, o mundo não deixou de girar. Nada tinha mudado tanto assim.
Exceto seus sentimentos.
- Ele te pediu em noivado em Amsterdã, foi um arraso. - Cassidy juntou as palmas das mãos, maravilhando-se com a lembrança, porém desistiu quando percebeu o pânico vivo estampado no rosto de . - Você está bem? - verificou, pois nunca tinha visto a amiga tão pálida na vida.
- E eu o amo? - quis saber, exigindo com um olhar aflito que Cass não fizesse cerimônias para respondê-la. - Me responde!
- Você nunca me disse que não. - Cass encolheu os ombros, acreditando que a situação estava prestes a ficar um pouquinho pior, se os ponteiros do relógio estavam mesmo corretos. - Mas também nunca disse que sim. Desde que te conheço, você nunca foi de demonstrar muito seus sentimentos.
Essa parte não era tão relevante assim.
- Estou noiva desse tal de Dylan... Beijei o ... - sentiu os olhos arderem, tentando escondê-los com as mãos gélidas de nervoso. - O QUE FOI QUE EU FIZ?!
Cassidy se levantou prontamente para abraçá-la, afagando seus cabelos soltos e tentando confortá-la, garantir que não era culpa sua e que tudo ficaria bem.
- ?! - juntamente com o som de uma fechadura sendo destrancada, a voz masculina e feliz soou por todo o ambiente, fazendo com que as amigas se soltassem e procurassem pelo dono da mesma. Um homem alto, forte, moreno e com uma notável pinta de galã não escondia a euforia que sentia por estar vendo . - Até que enfim, meu amor, senti tanta saudade! - suspirou aliviado, carinhoso. - Vem aqui! - então, ele estava correndo até ela, rápido demais para que evitasse, fechando os olhos com força quando sentiu os braços fortes ao seu redor, a erguendo no ar.
Era Dylan Murphy. Seu noivo.
Seu sobrenome fazia sentido, não fazia? Já dizia Murphy: "Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará."
E ele tinha uma chave. Será que dividiam aquele loft?
É claro que sim.
Cassidy tentou alertar Dylan que não era a coisa certa a se fazer, mas notou ser tarde demais quando ele já tentava beijar a noiva, que se desvencilhou furiosa do beijo e o empurrou sem delicadeza alguma pelo peitoral. Isso o deixou boquiaberto, sem entender absolutamente nada.
Magoado.
- Não encosta em mim. - foi tudo que conseguiu dizer em um sussurro falho, afastando-se o máximo possível. - Me tira daqui, Cassidy. Agora!
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO?! - Dylan se exaltou, olhando de para Cassidy. - Você some por dias e é assim que me trata quando finalmente resolve aparecer? Quer a verdade? Eu estou farto dessas suas escapadas, ! Farto! Está me traindo, não está? Eu sei que sim! Nem mesmo o anel de noivado você usa... - ele desabafou ao se dar conta de que o dedo anelar dela estava vazio, largando-se sentado sobre o sofá.
- Dylan... Deixa ela em paz por uns dias. É sério. - Cass sugeriu bem assertiva, puxando a amiga pelo braço com rapidez, disposta a impedir que o noivo de tentasse sustentar aquela confusão por mais tempo.
olhou para trás, trocando olhares repletos de incompreensão de sua parte e indecifráveis da parte de Dylan, até que a porta se fechou atrás de si, quebrando esse contato visual.
E se ela realmente amasse Dylan, só não... Conseguisse se lembrar? E se estivesse estragando tudo e prestes a magoar três corações de uma vez, incluindo o seu?
precisava se acalmar porque, aparentemente, mais surpresas estavam por vir.
- Como, diabos, isso aconteceu?! - Patrick questionou inconformado, olhando atento para o pequeno corte acima do supercílio de . - Anda se envolvendo em brigas de bar, cara?
Quem dera soubesse explicar o que aconteceu. Tinha acordado com aquele ferimento. Com a dor causada pelo mesmo, mais precisamente falando.
- Pior que não. - explicou após bocejar, exausto, depois se rendeu a um riso. Precisava de mais cafeína. - Sem mencionar os roxos na região das minhas costelas. Eu não sei mesmo o que anda acontecendo comigo durante a noite... - era inevitável que se preocupasse.
- Sempre digo e vou repetir: você é sonâmbulo! Deve ter caído de alguma escada dessa vez. - Pat apresentou uma hipótese até que bem convincente.
- Ainda bem que herdei a cicatrização super rápida da minha família. Exceto minha tia Angela, que tem diabetes. - se gabou, divertindo-se com a careta do amigo.
- Se não estivéssemos aqui, nesse mundo real e tão chato, eu diria que você é um desses meta-humanos que se tornam super-heróis. - Patrick apelou para outra de suas teorias mirabolantes, fazendo voltar a rir, o empurrando pelo ombro e concordando de forma irônica.
e Patrick estavam no campus da NYU, comentando sobre aquelas coisas estranhas, algumas matérias chatas e edições recentes de quadrinhos. Pat quase se engasgou com seu café expresso quando avistou Sienna, também estudante de Direito, se aproximando sorridente dos dois. Deu um cutucão nada discreto no ombro de , que se virou na direção apontada e arregalou os olhos.
Sienna era uma, digamos assim, ex-namorada de . Ou quase isso.
- E aí, ? - a morena sorriu, sustentando um charme meio vulgar que nunca entenderia muito bem. Ele a cumprimentou com um aceno, enfiando as mãos no bolso do casaco, sentindo que não tinha nada importante a lhe dizer. - Estive pensando... Por que não saímos qualquer dia desses? Sinto sua falta. - Sienna mencionou com um princípio de tristeza, prestes a sorrir sedutora quando tentou uma aproximação, só para provocar e depois girar em seus calcanhares, mas talvez tenha premeditado as coisas de forma errada, e não contou que seria surpreendida com a seguinte resposta do garoto:
- Sinto muito, Sienna, mas eu não posso.
Patrick o olhou incrédulo, enquanto Sienna tentava se recuperar rapidamente do baque, piscando os olhos com espanto e certa revolta.
- Não pode? - Sienna franziu o cenho. - A mamãe não vai deixar? - lançou a brincadeira debochada, mas logo se deu conta de que não ganharia a atenção requisitada. - Ok, então... Mas você vai se arrepender e voltar correndo para mim, eu sei. - foi tudo que ela disse antes de se afastar ofendida, com passos pesados e dignos da garota mimada e irritante que era.
- O que foi que acabou de acontecer aqui, ?! - Pat não conseguia processar direito. - Você beija a e se torna super atraente? - voltou seu olhar para uma Sienna, já bem longe. - A Sienna te quer de volta?! E você deu o fora nela? Um nerd deu o fora em uma... Gostosa?
se limitou a concordar com a cabeça, aliviado por ter recusado aquele convite. Não sabia nem o motivo de ter se envolvido com alguém como Sienna. Foram alguns beijos, algumas mãos bobas - mais da parte dela, porque era meio travado na época -, enfim, nada de mais.
- Eu dei o fora na Sienna! - precisou repetir para si mesmo ao levar a mão até a testa, chocado com o acontecimento em um todo. Tempos antes, os foras eram direcionados exclusivamente a ele.
- E agora? - Patrick quis saber, curioso a respeito de qual seria o "passo seguinte" do amigo.
observou algumas garotas transitarem do outro lado do campus com alguns globos de festa e então uma ideia fresca e inusitada se formulou por completo em sua mente sagaz.
- A vai ter um baile.
Ele percebeu que, diferentemente de quando a viu sair, retornara ao loft meio deprimida e evasiva. Não deu muita atenção a isso, no entanto, pois sabia que ela se sentiria muito melhor assim que ele a levasse onde pretendia. A garota estranhou seu pedido para que colocasse um vestido de festa, mas fez sem pestanejar, e logo os dois estavam dentro do carro de .
- Não faz tanto mistério assim... - pediu com um beicinho, incomodada com a falta de visão proveniente do pedaço de tecido amarrado na região dos seus olhos. Sim, teria que ser uma surpresa completa! - Eu odeio surpresas, ! - ela resmungou, mesmo sabendo que no fundo era mentira.
riu, exageradamente empolgado.
- Vai gostar dessa, !
O restante do caminho foi silencioso, cada um nutrindo suas próprias expectativas e, inevitavelmente, receios.
- Posso tirar?! - teimou, levando as mãos irrequietas até a venda em seus olhos.
- Aguenta só mais um pouquinho, vai, por mim! - pediu risonho, deixando o carro e dando a volta no mesmo, abrindo a porta ao lado de e segurando sua mão, para ajudá-la a sair. tentou se guiar pelos seus outros sentidos, mas só conseguia sentir cheiro de grama molhada e um vento gélido característico das noites em Nova York. - Vem, com cuidado para não cair. - a orientou, espalmando uma de suas mãos nas costas da garota, para guiá-la até a entrada de um ginásio localizado nas proximidades da NYU.
Certificando-se de que tudo estava em perfeita ordem, ele a posicionou bem ao centro do ginásio escuro, correndo até um dos cantos para ligar as luzes. Todas as luzes.
- Posso tirar agora? Anda! Não aguento mais! - resmungou de novo e agora a ansiedade embrulhando o estômago de era ainda mais forte.
- Acho que pode... Não, não, ainda não! - a provocou de propósito, divertindo-se com os resmungos da garota. Era linda até brava. - Agora pode!
Sem qualquer sutileza, atendeu o pedido de , retirando a venda dos olhos e os abrindo devagar. Globos de festa reluziam presos ao teto, havia uma mesa decorada de um lado e... vestido socialmente do outro, próximo a um aparelho de som.
- Minha nossa... - embasbacada, ela tentou falar, mas acabou levando a mão até a boca, girando em seu próprio eixo para não perder um detalhe sequer da decoração do que lhe lembrava muito um baile de formatura. O baile que não teve.
Mas que estava prestes a ter.
- SURPRESA! - abriu os braços, sorrindo feito uma criança. - Olha, tem ponche! - apontou divertido para a mesa, arriscando driblar os passos que o distanciavam de . - Antes que eu me esqueça... O corsage! - revelou a caixinha, abrindo-a e colocando devidamente o adorno na região do pulso de . Ela riu, fascinada com tudo de inédito que lhe acontecia. - Me dá a honra dessa dança?
Uma música lenta e familiar aos ouvidos de começou a tocar, no exato instante em que ofereceu seu antebraço em uma pose digna de um cavalheiro, fazendo com que o enlaçasse de imediato ao seu e o acompanhasse até o centro novamente, onde ele abraçou a sua cintura e ela abraçou os seus ombros, dando início a uma dança lenta e um pouco desajeitada, mas especial.
- Essa é a coisa mais legal que alguém já fez por mim. - reconheceu ao beijá-lo no rosto, ainda maravilhada demais para desgrudar os olhos de tudo que lhe envolvia, especialmente de . Ele riu do gesto da garota, imaginando que agora teria uma marca de batom em sua bochecha. - Que eu me lembro, pelo menos. - riu da própria condição, afrouxando um pouco o enlace em seus ombros para admirar sua produção e o quanto estava cheiroso. - Você está bonito.
- Então quer dizer que não sou bonito na maior parte do tempo? - questionou indignado ao fazê-la rodopiar uma vez, capturando seu corpo, de imediato, logo após. O riso fixo no canto do lábio denunciava seu tom brincalhão.
- Eu não quis dizer isso, seu bobo! - finalizou a bronca com um tapinha indolor no ombro de , então os dois continuaram a dançar, sem se importar com mais nada.
O mundo do lado de fora deixou de existir por um instante.
- Foi errado? - se manifestou cerca de um minuto mais tarde, desacelerando seus passos ritmados para olhá-la nos olhos.
- O quê? - a garota tentou descobrir ao que ele estava se referindo, sustentando o contato com uma veemência sugestiva.
- A gente ter se beijado? - uma linha de inquietação se desenhou sobre a testa de durante sua pergunta incerta.
- Se foi... - encolheu os ombros, desfazendo-se de todo o encantamento ao se recordar de algo importantíssimo a respeito da própria vida. O fato de que estava noiva de Dylan. Como conseguiria forças para contar isso a ? - Alguns erros tem a mania de parecerem injustamente certos.
Fechou os olhos e sorriu ao rodopiar para mais longe, dando passos rápidos pelo ginásio e motivando o garoto a segui-la, onde quer que fosse, como uma cena de filme. Como um verdadeiro baile.
Ela respirou fundo, estremecendo ao ter sua cintura envolvida pelas mãos de novamente.
Fechou os olhos e sabia que, ao abri-los, teria que dizer a verdade.
- Algum problema, ? - então teve sua deixa para falar.
- Eu estou noiva. - soltou em um só fôlego, assustando seu par, que parou imediatamente de tentar dançar. - Descobri hoje, quando saí com a Cassidy. Não sei como... Por favor, me desculpe.
não precisou que ela continuasse, era inteligente o bastante para entender o que estava acontecendo. Para entender que não lhe pertencia e que tinha toda uma vida construída e planejada antes do acidente que levou sua memória embora.
- Não se desculpe, nós não escolhemos quem amamos. - foi tudo que disse, não sendo mais capaz de olhá-la nos olhos, mas também não conseguia soltá-la, pois sabia que estava prestes a acabar. Tudo.
- Mas podemos escolher se esse amor nos faz bem ou não. - procurou pelos olhos apagados de , insistindo por qualquer reação de sua parte, fosse boa ou ruim.
- É, podemos. - ele tomou aquele conselho para si, finalmente levando seus olhos de encontro aos dela.
- Eu tenho medo do que estou fazendo, medo de...
- Amar o seu noivo de verdade e estar perdendo tempo aqui comigo, né? - se arriscou a adivinhar, notando como enrijeceu em seus braços.
- Não foi o que eu disse, ! - ela alfinetou, ligeiramente ofendida com sua sinceridade tão transparente, com seu tom tão duro.
- Aquela música é sobre como você se sentia na escola, não é? - recordou-se da canção que ela pediu que ele ouvisse, em resposta ao seu pedido anterior. Escutou-a uma centena de vezes, não acreditando que alguém poderia mesmo se sentir de tal forma ao seu respeito.
- É como me sinto agora, só não sei o que isso quer dizer. - garantiu, lutando contra lágrimas, pois o semblante melancólico de a deixava aos pedaços.
- Você está noiva... - ele assimilou com enorme surpresa na voz, depois riu conformado e sem humor, porque era até que bem óbvio. Como não pensou nisso antes? Aliás, apostaria sem medo que o tal Dylan era o sortudo.
- Nem todos se casam com quem amam. - por algum motivo oculto, não conseguia parar de tentar justificar seu noivado, era como se houvesse uma parte de si tentando fazê-la perceber que não era a coisa certa, tentando provar a que não era a coisa certa.
- Eu jamais faria o oposto disso. - afirmou, sério.
- Mas você... - ela alargou o sorriso entristecido, depositando um pouco mais de alegria ao mesmo, voltando sem hesitar a uma questão anterior. - Você organizou um baile para mim! - olhou ao redor com gratidão, depois para o rosto indecifrável de seu par. Os dois corpos, ainda unidos, se mantinham presos em movimentos viciosos, uma dança lenta demais até para uma música como aquela. - Não vai dizer mais nada? - pediu inquieta, preocupada com o silêncio constante de .
- Vamos só... - ele engoliu em seco antes de prosseguir, abraçando sua cintura com um pouco mais de força. Estava doendo, é claro que estava. - Dançar.
Se os arquivos da humanidade fossem vasculhados, certamente não encontrariam um baile com fim tão melancólico como aquele.
e estavam sentados nas arquibancadas do ginásio, com uma distância segura de três metros. Braços cruzados, olhares perdidos e pensamentos se deixando tumultuar por razões semelhantes.
Ele não conseguia parar de pensar que ela, cedo ou tarde, voltaria para o noivo.
Ela não conseguia parar de temer que, cedo ou tarde, recuperaria a memória. Sim, passou a ser algo inquietante e incômodo, como se algo lhe dissesse que estava sendo mais feliz com um buraco do tamanho de seis anos na própria mente.
- Vou ligar para a Cassidy vir me buscar. Não é certo dormir no seu apartamento depois do que conversamos. - sussurrou, pois queria ouvir o menos possível a própria sugestão.
- Por favor, não faça isso. - ouviu a própria voz baixa soar em um pedido levemente desesperado, ainda sem olhá-la. - Eu prometi que ia cuidar de você e te ajudar, não vou voltar atrás agora. - ficou de pé em um rompante, descendo os cinco degraus da arquibancada e estendendo sua mão companheira e prestativa na direção de . - Vamos embora daqui, mas a noite ainda não terminou.
Ela se deixou influenciar por uma frágil luz que reverberou pelo semblante do garoto.
- Ah, não? - sorriu quando negou. - E o que mais pode acontecer hoje?
- Talvez te ajude a recuperar parte da sua memória. É algo que eu li na internet a seu respeito.
Sem entender muito bem, mas agora sedenta por outra surpresa, se levantou, segurou sua mão e o seguiu para fora do ginásio.
sabia que não se tratava mais de romance, uma vez que a garota dos seus sonhos estava noiva de outro, mas se dispôs a ajudá-la desde o início e não seria covarde a ponto de deixá-la sozinha agora.
agradeceu mentalmente por não estar vendada dessa vez, olhando com expectativa para a bilheteria do cinema onde a levou. Ele pediu que ela o aguardasse por alguns instantes, sumindo pela porta da administração. O movimento era quase nulo, dada a hora em questão, quase meia noite. Atendeu as coordenadas de e comprou dois dos últimos baldes de pipoca da noite, segurando um em cada braço e esperando impaciente pela nova surpresa. O frio em seu estômago não queria ir embora, e o pior é que nem era tão gostoso como os anteriores, a fazia se lembrar de um dia intensamente frio, quando o corpo demora demais para se esquentar.
Seu coração fez suas costelas de cama elástica quando retornou com um provável funcionário do cinema, então a chamou com a mão para que seguisse os dois. O corredor repleto de cartazes de estreias e futuras estreias pareceu infinito, até que chegaram à última porta, esta oferecendo entrada a uma sala de cinema completamente vazia e silenciosa, iluminada apenas nas laterais, onde escadas se expandiam até as poltronas mais altas ao fundo.
procurou pelo olhar de , tentando entender o que acontecia. O garoto lhe sorriu, apresentando as poltronas onde sentariam, bem ao centro.
- Onde estão as outras pessoas? - ela olhava ao redor, imaginando que logo não seriam mais os únicos ali. Isso a deixou levemente tensa.
- Eu li na internet que você disse em uma entrevista que estava começando a odiar a vida de celebridade. - comentou ao se sentar, aceitando de bom grado e faminto um dos baldes de pipoca que ela ofereceu. - Disse que nem mesmo ao cinema podia ir em paz, porque sempre paravam a sessão no meio para te pedir fotos e autógrafos. - ergueu os braços, como se quisesse evidenciar todas as poltronas vazias que os rodeavam. - Hoje esse cinema é só seu, , então aproveite!
Seu queixo caiu.
- Como você... - ouviu a própria voz tremer. - Como você consegue essas coisas, garoto?!
- Tenho um certo problema em conquistar mulheres, mas problema nenhum na hora de fazer amigos, inclusive funcionários de um cinema. - sorriu com uma presunção que divertiu , e a impressionou ainda mais. - Espero que ajude com a sua memória, . - ele disse gentil, mas fingiu não reparar que os olhos dela se mantinham fixos em sua figura imóvel, enchendo uma das mãos com pipoca e aguardando ansioso pelo início da exibição do filme. Logo a tela se iluminou, exigindo silêncio, interesse e atenção. A oportunidade perfeita para uma guerra de pensamentos.
Era um filme de terror, é claro.
Romances são para casais.
"Durante o último ano, em Los Angeles, coisas estranhas aconteceram pelo desenrolar de madrugadas infestadas pelo crime. Vítimas de ataques, assaltos e sequestros alegaram ter sido subitamente salvas por algo que nem mesmo conseguiram enxergar. Durante as manhãs, criminosos procurados por todo o país eram entregues desacordados à polícia, com uma estranha marca de batom vermelho em seus rostos. E agora, parece que há mais disso acontecendo por aqui, em Nova York! Mais detalhes com a repórter Norah James... Olá, Norah!"
despertou com o som da televisão ligada, juntamente com a imagem através da janela de relâmpagos anunciando alguma rotineira tempestade noturna. Mexeu-se preguiçosa sobre a cama, com um peso estranho em sua cabeça. Como se estivesse prestes a se lembrar de algo, ou fazer algo, mas então tal lembrança era bloqueada, a deixando atordoada. Levantou-se inquieta, indo até a janela na intenção de avistar outro relâmpago, mas não aconteceu.
Motivada pelo silêncio que revestia o apartamento, ela seguiu para a sala parcialmente escura, encontrando vazio o sofá onde deveria estar dormindo, mas somente seu cobertor estava ali, todo bagunçado, como se o garoto tivesse se levantado com pressa e o jogado para o lado de qualquer jeito.
- ? - o chamou em um sussurro, olhando instigada ao redor, não obtendo qualquer resposta.
Voltou para o quarto, irritando-se com o plantão de notícias que ainda noticiava crimes estranhamente resolvidos, desligando a televisão e voltando para a cama. Concluiu que deveria estar no banheiro, então decidiu não ficar investigando a vida do garoto, especialmente sendo tão tarde, quando dormir sempre era muito mais interessante.
Afinal de contas, o que mais pessoas normais podem fazer àquela hora, não é mesmo?
Cassidy sofreu até conseguir convencer a aceitar ir fazer compras com ela. O que antes costumava ser um típico passatempo entre as duas, não parecia mais empolgar tanto , que já imaginava o caos que seria se alguém a visse. Gritos, paparazzi, flashes, perguntas... Perguntas sobre ela e Dylan. Perguntas sobre o seu sumiço sem explicação.
Por sorte, Cass conhecia algumas lojas hiper secretas, feitas exclusivamente para famosos buscando por alguma privacidade. Quem disse que compras eram como terapia, certamente não conhecia . Pelo menos não aquela , a com amnésia. Ela não via a menor graça em provar cinquenta vestidos diferentes, sendo que foi o primeiro que chamou mais a sua atenção.
Azul sempre seria muito melhor que rosa.
Após saírem da loja com algumas sacolas, correram para dentro do carro de Cassidy, apavoradas quando perceberam que os paparazzi encontrariam até em outro planeta, caso ela planejasse uma fuga bem mais radical.
Ambas se entreolharam, tentando encontrar uma maneira de fugir sem deixar rastros, sem a possibilidade de alguém segui-las e acabar descobrindo o apartamento de .
E por falar em , ele e não trocavam uma mísera palavra há quase doze horas.
Suspiraram aliviadas assim que Cass encontrou um desvio aparentemente deserto, rindo da cara de espanto da amiga.
- Quem diria que uma atriz passaria por algo dez vezes mais complexo que um filme. - mencionou com o olhar perdido na rua a sua frente, checando se estava bem. Era triste ver uma versão tão vulnerável e acanhada da garota que costumava ter determinação até mesmo para dominar o mundo, se quisesse. - No que está pensando, moça? - Cassidy questionou com um leve sorriso, parando o veículo para que pudessem conversar um pouco.
- Com seis anos apagados, eu gosto do . - finalmente conseguiu dizer em voz alta. Sentiu cócegas na boca do estômago, estranhando a própria voz... Apaixonada. - Só não sei se, ao recuperar esses seis anos, eu vou descobrir que, na verdade, gosto do Dylan.
Levou a mão até a testa, tentando abrandar o palpitar doloroso bem ao centro da mesma, como um interminável lembrete de que estava envolvida em uma baita confusão.
- Vale lembrar que, mesmo quando você recuperar totalmente a memória, não vai se esquecer desses últimos dias. De nada! - Cassidy nem se deu conta do quanto soou brilhante, porque, até então, não tinha parado para pensar nisso. Acreditou que o que sentia naquele momento desaparecia a partir do segundo em que recuperasse a memória.
Nunca se sentiu tão feliz por estar errada.
Contudo, não tiveram tempo de continuar debatendo a respeito de triângulos amorosos deformados e sem pontas definidas, pois os mesmos paparazzi de antes começaram a surgir de todas as direções, vibrando por finalmente avistarem a grande , e exigindo em tons quase grosseiros de voz que a garota se explicasse.
Foi como uma infestação zumbi cercando o carro, exceto que eram paparazzi bem vivos e dispostos a tudo por mais um click seu.
Os flashes pipocavam, chocando-se contra o para-brisa do carro e atingindo os olhos de em cheio, que tentava arduamente cobri-los com as duas mãos, gritando para que fossem embora. Cassidy tentou fazer o carro se movimentar, mas acabaria atropelando um dos desgraçados durante qualquer mínimo movimento que fizesse.
sentiu a musculatura amolecendo aos poucos, a vista foi esbranquiçando de forma que os flashes passaram a ser a única coisa clara que enxergava. Um zumbido semelhante a vozes de extraterrestres fez sua cabeça dar voltas quando o ar se tornou mais difícil de respirar. Ela já estava preparada para perder a consciência.
E não demorou muito a acontecer.
FOUND
Se Cassidy, Patrick e não fossem adultos altos e tivesse sido envenenada ao comer alguma maçã suspeita, a cena poderia se assemelhar muito a um trágico momento de A Branca de Neve, porque os três só faziam observá-la tensos, e a garota permanecia desacordada sobre a cama de .
Quando Cass finalmente conseguiu se livrar dos malditos paparazzi, dirigiu voando até o apartamento do garoto, deparando-se com Pat por lá também.
Não sabiam o que aconteceria quando abrisse os olhos.
Os minutos se prolongaram até que Patrick bocejou e decidiu se afastar, na intenção de encontrar algo para comer. Mas Cassidy e não conseguiam sair de perto, igualmente preocupados com .
Significava tanto para ambos!
- Ela está acordando... ELA ESTÁ ACORDANDO! - Cass berrou ao captar um movimento vindo dos dedos da amiga, que franziu o cenho e virou o rosto para o lado. Pat veio correndo com uma tigela cheia de cereais de chocolate com leite, mas não conseguia desgrudar os olhos da cena e tentar comer.
prendeu o ar nos pulmões e só o soltou quando abriu os olhos, os arregalando em questão de segundos.
Ela tentou se encontrar em tempo e espaço, enxergando tudo desfocado ao redor.
Sentiu o corpo todo dolorido e uma torpência seguida por pequenos choques em seus músculos.
- Me deixem em paz, seus... - resmungou com a voz fraca, tentando erguer o tronco. - Seus paparazzi de merda! Mas que droga! - disse frustrada, com a mão fixa sobre uma das laterais da cabeça, ajeitando sem jeito os cabelos bagunçados. Olhou confusa ao redor, focalizando três rostos imóveis e três olhares receosos e ao mesmo tempo ansiosos, acompanhando cada mísero movimento que decidisse fazer.
- ? - Cassidy a chamou baixinho, uma esperança imensurável nascendo.
- CASSIDY! - se transformou em uma explosão de alegria, ficando de pé rapidamente e correndo para abraçar a amiga, quase derrubando ambas no chão.
- MEU DEUS, ELA SE LEMBROU DE MIM! - Cass se emocionou, dando pulinhos e fechando os olhos com força, depois encheu o rosto de de beijos. - Que bom ter você de volta, amiga!
e Patrick se entreolharam, igualmente pasmos, mas só sentia aquele peso inevitável no coração.
Aparentemente, ela tinha recuperado a memória. Assim, do nada. Estava feliz com isso, é claro que estava, mas o acontecimento claramente traria tristes consequências ao seu pseudo-relacionamento com .
A garota se soltou de Cassidy ao sofrer um estalo, algo que consumia seu interior e a fazia vibrar. Virou-se na direção de , derretida com a carinha de filhote abandonado que ele sabia sustentar tão bem, sem nem mesmo perceber. O silêncio dela o deixava sem ar devido ao olhar vidrado que logo se conectou ao seu.
- , você se lembra de... - encontrou forças para falar, mas felizmente foi interrompido.
correu em sua direção, segurou seu rosto com as mãos e o beijou, sem dar tempo a para respirar ou se preparar. O susto o fez arregalar os olhos, mas logo suas pálpebras cederam e ele se entregou aquilo, junto com ela.
Cassidy e Patrick se mantinham imóveis e em silêncio, até a moça o olhar de soslaio e perceber que ele a olhava de volta, sem habilidade ou vontade de disfarçar. Cass desviou com uma careta, reprimindo a vontade de rir ao perceber que talvez ele estivesse começando a ficar caidinho por ela.
O momento em que uma vela se encanta por outra vela...
sorriu entre o beijo, o finalizando com um selinho e olhando com profundidade nos olhos de .
- É claro que eu me lembro de você, ! - prometeu, eufórica. - De tudo que aconteceu! Da guerra de travesseiros, do baile, do cinema... - sua fascinação crescia conforme ia se lembrando dos últimos dias, peça por peça. Detalhe por detalhe. - Até mesmo do seu Kit de Sobrevivência ao Apocalipse Zumbi e... - arregalou os olhos, percebendo tardiamente que tinha falado demais. - Oops! - tampou a boca, pedindo desculpas com o olhar.
Mas quem disse que se importava? Não depois daquele beijo!
Sensacional.
- O seu o quê?! - Patrick questionou incrédulo, pronto para fazer alguma piada.
- Desculpa! - voltou a afirmar que falou sem pensar, mas estava rindo todo bobo, perdido em outra galáxia.
- Não importa agora! - garantiu para a garota a sua frente, jubiloso. - É tão bom... - colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. - Te ver bem, sabia? - alargou o sorriso, mas uma alteração repentina no semblante de a preocupou. - Ok, quase me esqueci de uma coisa... O seu noivado.
olhou de para Cassidy, resistindo por mais alguns poucos segundos de seriedade antes de começar a rir. Rir alto.
- Qual é a graça? - Cass exigiu saber, perdida.
Nossa, como era bom lembrar de tudo!
- NÃO TEM NOIVADO! - berrou, subindo na cama feito uma doidinha.
- Não?! - Cassidy arrancou os sapatos e também subiu na cama, incrédula e sedenta demais por explicações para não fazer isso. concordou, impulsionando-se para baixo, como se quisesse começar a pular na cama, tamanho o alívio que lhe resumia.
- É tudo publicidade! - explicou, levando a mão até o peito e fechando os olhos. - Wow, como é bom finalmente contar a alguém! Você não imagina como foi difícil viver mantendo esse segredo, Cass! Escondendo algo tão ridículo da minha melhor amiga!
- Mas... Mas... - Cassidy tentava entender, sem muito sucesso.
- Nossos agentes acharam que seria incrível se fingíssemos um relacionamento, pois as pessoas gostavam de nos ver juntos e torciam por isso. Com a estreia do filme, então, seria uma loucura. - continuou a explicar, sentindo-se em pouco envergonhada das próprias decisões, que tomara anteriormente. - Eu estava tão desiludida e sem rumo, que aceitei. Assim como o Dylan! Então aconteceu tudo que aconteceu... Primeiro um namoro falso, depois um noivado falso. Eu ia te contar logo, Cass, assim que te visse novamente, porque os seus planos são sempre os melhores e eu precisava fazer alguma coisa, acabar de uma vez com a farsa. Não é como se eu pudesse ou quisesse ter um casamento falso, também. - olhou insegura para a amiga, com medo que ela se magoasse com a omissão.
- E o escândalo que o Dylan fez no loft? - Cassidy sustentou a sobrancelha arqueada e o tom inquisidor, mas longe de qualquer mágoa.
- Aquilo que você viu no apartamento... - riu de forma quase teatral, soltando o ar pesadamente. - Foi pura encenação. Ele é um ator, oras! - encolheu os ombros, mais feliz do que se lembrava já ter se sentido em muito tempo. Muito tempo mesmo. - Agora chega de fingir. - ela se virou na direção de ao falar, exprimindo com o brilho dos olhos suas intenções e vontades seguintes, que não mais tentaria reprimir.
O garoto, provavelmente, teria que receber um beliscão para voltar à realidade.
Patrick sabia disso, e não demorou a beliscá-lo, rindo quando o amigo grunhiu e deu um soco em seu braço, o empurrando risonho para longe.
não sabia o que pensar ou sentir depois que ouviu aquela revelação. Não sabia se subia na cama com as duas e também começava a pular, ou se puxava para si e a beijava de novo. Decisões, decisões...
Optou por subir na cama, pegando de surpresa ao abraçá-la apertado.
E depois pediu que Cassidy e Patrick fossem, sei lá, tomar um café juntos ou separados. O importante era que fossem embora por hora e os deixassem a sós.
Tinham muito a conversar. E durante os intervalos dessas conversas... Beijos, talvez.
Passaram um longo tempo conversando, sobre nada e sobre tudo. Descobriram os sabores de pizza favoritos um do outro e que tinham algo estranho em comum: ambos sofriam de paralisia do sono. Ela com menos frequência que ele, apenas quando se privava de boas horas de sono e estava muito cansada. , por outro lado, comentou que sofria com o distúrbio pelo menos duas vezes na semana, mas que já tinha se acostumado e não se assustava mais. descobriu que , caso não fosse atriz, exploraria os caminhos da Ciência Forense. descobriu que , caso não estudasse Direito, gostaria de se tornar um Detetive policial. Ela não usava meias sete oitavos com saias para ser sexy, mas porque detestava os próprios tornozelos. Ele gostaria de ter um pouco mais de massa muscular e odiava os bíceps magros, por isso estava sempre com um suéter.
finalmente se lembrava onde seus pais estavam e o que faziam. Seu pai era um ator aposentado, que fez sucesso no cinema dos anos oitenta, e sua mãe uma modelo também aposentada, que continuava tão linda quanto em seus anos de glamour nas passarelas.
Embora se orgulhasse das duas pessoas que a fizeram, não tinha um relacionamento muito pacífico com os pais desde que se tornara atriz, tanto é que os dois foram viver na Itália e ela não foi visitá-los. Estava há quase um ano sem ver os próprios pais.
Antes fingia incessantemente não se importar, mas então coisas aconteceram, funções sentimentais de passaram a funcionar melhor depois que ela, acidentalmente, reencontrou . E agora estava morrendo de saudade de Oliver e Bridgit .
É claro que tinha um Xbox. E depois de passarem um divertido e competitivo tempo jogando, decidiu ir tomar banho, para tentar se recuperar da derrota e se preparar para exigir uma revanche.
Assim que terminou de se banhar e se enrolou em uma toalha, percebeu que tinha se esquecido de algo.
Abriu a porta do banheiro, colocando apenas a cabeça para fora, chamando meio embaraçada por . Ele surgiu logo, tentando ignorar o fato de que ela estava parcialmente nua ali dentro, com os cabelos molhados e os pingos que deixavam os mesmos percorrendo sua pele.
- ... Será que você pode, humm... Pegar a minha calcinha? - pediu com as bochechas pinicando, um riso tímido fixo no canto do lábio. - Acho que deixei no quarto.
Ela não imaginou que soaria de forma tão maliciosa.
estremeceu, vendo-se em um grande dilema. Ir ou não ir pegar a calcinha? Ter contato com a lingerie de ou olhá-la sabendo que a garota estaria totalmente confortável por baixo de seu pijama, caso não o fizesse?
Não importava qual das opções escolhesse, ele não ficaria em desvantagem!
Correu até o quarto, encontrando uma calcinha que se parecia com um minúsculo shorts, franzindo o cenho ao observar a estampa de gatinhos. Sexy de um jeito bem inusitado. Então, entregou a pequena peça de roupa íntima a , largando-se sentado sobre o sofá, meio desnorteado.
Alguns poucos minutos depois, uma muito cheirosa deixou o banheiro, sorrindo encabulada para , pois não tinha como ser diferente depois de tudo.
- Ok, estou pronta para uma revanche! - anunciou confiante, apontando para o Xbox.
- Achei que nunca fosse pedir, . - o garoto sorriu desafiado, assistindo sua roommate se lançar sobre o sofá, determinada a descobrir como funcionava aquele bendito jogo.
- EU GANHEI! HÁ! - berrou histérica, jogando as almofadas longe, inclusive acertando uma em , que gargalhou ao também ouvi-la gargalhar. Era automático. - E agora quero comemorar. - olhou séria para , ousando se aproximar um pouquinho mais dele. engoliu em seco, sentindo-se seduzido. - Quer comemorar comigo? - seu convite soou objetivo, talvez até demais. Por que continuar fingindo que não estava louca por ele, não é mesmo? era uma atriz famosa, passava horas em sets de filmagens, fingindo, sendo outras pessoas...
Precisa aproveitar os momentos de pura sinceridade que a vida lhe oferecia.
- Tem algo em mente? - investigou com as sobrancelhas erguidas, tentando esconder as mãos que já tremiam.
Só então se lembrou que ele era virgem e tinha um palpite a respeito dessa escolha.
- Você é uma dessas pessoas que escolheram esperar, não é? - arriscou, desviando o olhar para a janela e controlando a vontade de procurar por um anel de castidade no dedo anelar do garoto. Frustrada consigo mesma por ter se empolgado tanto com algo que não aconteceria assim tão fácil.
E iria respeitá-lo, obviamente.
- Sim, eu decidi esperar. - confirmou, aproximando-se um pouco mais, o que fez seus joelhos se roçarem. - Por você.
Ok, por essa ela não esperava. Não mesmo.
- Você esteve esperando por mim?! - pediu atônita, os olhos esbugalhados pela enorme surpresa. E choque, também.
- É, e às vezes me sentia uma criança esperando pelo Papai Noel. - riu do que disse, coçando a nuca. - Mas era sempre o meu pai com uma barriga e uma barba falsa, depois ele acabava tropeçando no meio da sala e acabando com o momento mágico. - concluiu com uma careta. teria rido, mas sua mente e coração a mil não lhe permitiram a ação.
- Você acabou de me comparar com o Papai Noel? - a garota franziu o cenho, vendo-o encolher os ombros. - Que comparação mais... Original.
- Você é famosa e sempre aguardada por milhões de pessoas. Existe, sim, certa semelhança. - argumentou, assustando-se quando sofreu um sobressalto e ficou de pé, disparando a andar de um lado para o outro da pequena sala.
- Você não pode ser um cara! - ela chegou àquela estranha conclusão, perdida entre se deixar consumir por euforia ou por incredulidade.
- Se eu não sou um cara, por que nasci com um... - mordeu a própria língua, não acreditando que tinha mesmo feito isso. - Você sabe?
- Não pode ser um cara... - teimou inconscientemente e para si mesma, como se seus pensamentos tivessem criado voz própria. Depois cruzou os braços e o olhou de cima a baixo. - , você tem vergonha de falar a palavra "pênis"!
- Isso não quer dizer que eu não tenha um! - ele se defendeu, disposto a defender seu argumento de qualquer forma. - Talvez só queira dizer que eu ainda não usei todas as... - engoliu em seco. - Funções.
- Ou é um personagem de algum universo paralelo que a minha imaginação criou sem pedir permissão. - encontrou uma nova possível explicação, tombando ligeiramente a cabeça para o lado.
- Se eu sou um mero fruto da sua imaginação, posso dançar de forma patética e você vai continuar me achando atraente, não vai? - deduziu, começando a imitar um robô ou seja lá o que pretendia com aquela dança estranha. riu mais alto.
- Eu estou sonhando... Você não existe! - acusou, andando em círculos pela sala. - E não é um cara.
- Estou começando a ficar sem argumentos, . Será que vou ter que ficar pelado para você entender? – sugeriu, por fim, como último recurso.
Ambos se calaram, trocando olhares expressivos demais.
- , não nos víamos há seis anos. - voltou com o assunto anterior. Não que estivesse irritada, só não conseguia acreditar que existia no mundo um cara que esperou por ela, literalmente.
- E daí? - para , a espera não era grande coisa.
- Por quanto tempo mais pretendia me esperar? - questionou inquieta.
- Não gosto de pensar em hipóteses, afinal, você está aqui agora... - tremeu ao tomar conhecimento do que disse, sem filtrar uma única palavra. - Mas... Ahn, digo... Não quer dizer que tenha que tirar a minha virgindade... A menos que queria e... Oh, como isso é embaraçoso! - espalmou uma das mãos sobre a testa, corando mais que antes.
se divertia com toda a sua timidez, a considerava adorável e única. Um achado na humanidade.
- ... - ela o chamou em um sussurro incerto, arriscando um único passo. - Você está pronto?
Ele não sabia que existia uma forma positiva e muito boa de se estar enjoado, porque nem mesmo seu estômago conseguia se controlar, seguindo a agitação do seu coração frenético no peito, duplicando a velocidade com que trabalhava.
Em alguns momentos da vida, o instinto vale mais que qualquer ponderação.
- Você está? - devolveu a pergunta com um princípio de sorriso, contornando a distância e a abraçando pela cintura. Os dois se entreolharam, desfazendo receios e chegando a conclusões muito interessantes. Sorriram juntos.
Em um segundo estavam imóveis, no outro já se conduziam até o quarto em meio a beijos entremeados por risadas e o som de objetos caindo em consequência dos movimentos divertidamente bruscos, sem jamais conseguirem tirar as mãos um do outro. Surpreendendo , a deitou sobre a cama sem pensar duas vezes, desfazendo-se da timidez por segundos. Era algo charmoso, mas não toda hora, sabia bem disso.
Quando sentiu encontrar a sua mão sem rumo e a posicionar a altura da barra de sua blusa, como se o convidasse para erguê-la, congelou, fechando os olhos com força e xingando mentalmente.
O cara tinha um Kit de Sobrevivência em seu apartamento, mas não tinha uma camisinha!
Ele ficou de pé em um rompante, deixando desorientada e deitada sobre a cama. Vestiu a primeira jaqueta que encontrou, voando em direção a porta.
- , onde você vai encontrar uma camisinha a essa hora? - era tão esperta, que ele nem precisou verbalizar a situação, ela logo desvendou o motivo do pânico evidente em seu rosto ruborizado. - Não tem nenhuma farmácia perto.
- Não saia daí... - ele quase riu nervosamente ao pedir. - Eu vou dar um jeito! - prometeu com intensidade nos olhos, depois saiu porta a fora feito um vulto.
Feito o próprio Flash.
Subiu três lances de escada feito um louco ao avistar o aviso de que o elevador estava quebrado, satisfeito por ser um nerd revolucionário que praticava atividades físicas às vezes. Se fosse um típico nerd sedentário, teria um ataque cardíaco em instantes.
Tenso, apertou os dedos de uma mão contra os da outra, mordendo o interior da boca ao avistar o apartamento de número 69.
Quem dera fosse uma simples coincidência.
Os moradores do prédio comentavam a respeito, principalmente as senhoras fofoqueiras.
Ele tocou a campainha com sutileza, chacoalhando a cabeça e tentando dizer ao próprio corpo para aguentar só mais um pouco.
Uma mulher atendeu a porta, olhando o garoto de cima a baixo antes de sorrir. Não era toda siliconada e vulgar, como todos costumam alimentar a ideia, estava mais para uma pessoa normal, com corpo normal e roupas normais.
- Oi, Leisha, será que você poderia me ajudar com... - ele arregalou os olhos ao vê-la erguer o dedo indicador, pedindo que se calasse, pois era o suficiente.
- Quer uma camisinha? - Leisha deduziu brilhantemente. - Não se acanhe, você não é o primeiro desprevenido a vir me pedir isso. Aliás, ficaria surpreso com as coisas que os vizinhos vem me pedir aqui, porque sabem que eu sou atriz pornô. - ela compartilhou sem receio algum, lançando uma piscadela a antes de sumir porta adentro, retornando quase um minuto depois com a salvação da vida do garoto em mãos. - Aqui, querido, essa é das boas! - alargou o sorriso, estendendo o pequeno pacote metálico a , que o pegou rapidamente e guardou dentro do bolso da jaqueta.
- Leisha... - tentou agradecê-la, mas novamente foi interrompido.
- De nada, docinho. - ela acenou, feliz em ajudar. - Divirta-se!
sorriu envergonhado, porém muito agradecido, voltando a correr e agora descendo os três lances de escada.
Não tinha tempo a perder!
Surgiu feito um furacão apressado em seu apartamento, correndo até o quarto e lançando a camisinha na direção de uma acomodada sobre a cama, paciente e do exato mesmo jeito de antes.
- Só mais um minuto! - jogou a jaqueta e a camiseta longe, enfiando-se no banheiro.
- Oh... Ok. - concordou, erguendo a voz para garantir que ele a ouviria. - Vou estar te esperando bem aqui, não se preocupe, não vou a lugar algum. - prometeu risonha.
Ah, virgens.
Dentro do banheiro, jogou água no rosto algumas vezes, o erguendo e dando de cara com seu reflexo molhado no espelho. Deveria ter se barbeado, não sabia o que pensaria quando sentisse os pequenos pontinhos de barba em sua pele. Mal sabia ele que garotas, na verdade, adoravam a sensação.
Respirou fundo.
Escovou os dentes, verificou as axilas - graças a Deus estavam ok - e olhou dentro da própria calça, como se quisesse dizer a certo alguém que o grande dia tinha finalmente chegado.
Considerando-se "pronto", deixou o banheiro, sorrindo com a visão da garota sobre a cama, cumprindo sua promessa de esperá-lo, apesar dos contratempos.
Sem prolongar atos desnecessários, ele subiu na cama e os dois voltaram a se beijar com cada vez menos sutileza e cada vez mais vontade. não sabia o que fazer com as mãos, sentindo com seu tato que dois dos botões do pijama de - na região de seu peito - já estavam abertos, decidindo abrir também o terceiro.
- Agora eu... Agora eu vou tirar a sua blusa e... - pausou a própria frase, ofegante e descabelado.
- , não descreva o que está fazendo. - foi rápida ao tocar os lábios entreabertos do garoto com seu dedo indicador. - Só faça. - determinou assertiva, o olhando com profundidade nos olhos. concordou boquiaberto, totalmente seduzido pelas ordens da garota, a puxando pela nuca e lhe dando um dos melhores beijos que ganharia na vida, oferecendo tudo de si. - Esse... - ela tentou, já sentindo a respiração descompassada e sua pele se arrepiou toda quando assistiu sua blusa voar longe, ficando apenas de sutiã. As mãos de logo o encontraram. - Esse sutiã é meio difícil de tirar, então... - ignorando seu conselho, ele driblou qualquer dificuldade mencionada, afrouxando a peça na região do busto de . - Deixa para lá. - ela disse impressionada, notando como era observada com tanta afeição. Não apenas desejo, mas carinho também. Era tocada com curiosidade, mas também com respeito, percebendo que pedia permissão antes de ousar.
- Está com vergonha de mim? - ele verificou preocupado, quando percebeu como ia se encolhendo conforme o sutiã ameaçava se afastar de seu corpo, o deixando totalmente exposto da cintura para cima. - Não precisa disso, . Além do mais, o virgem aqui sou eu.
- Exatamente, você é virgem. - segurava o rosto dele com as duas mãos, o coração batia nos ouvidos, tamanha a sensação incrível que sentia tendo a pele dele em contato com a sua. - Não sabe a diferença entre transar com qualquer pessoa e transar com uma que é tão importante. - explicou, acertando em cheio algumas emoções de , o fazendo sorrir verdadeiramente feliz.
- E nem pretendo descobrir. - então se deitou sobre ela, causando algumas risadas da parte de ambos. abriu os olhos durante outro beijo frenético, avistando os pés de .
- Você não está usando meias! - percebeu aliviada e divertida, o fazendo sorrir largamente, pronto para uma excelente resposta.
- Por algum motivo que agora me empolga muito, hoje eu não sinto frio nos pés. E em lugar nenhum. - respondeu prontamente, jogando o sutiã de em algum canto sem importância do quarto.
Talvez ele nunca mais sentisse frio nos pés.
Nova York, apesar de fria, amanheceu ensolarada e tranquila. Fora e principalmente dentro do apartamento de .
estava acordada desde bem cedo, levantou-se apenas para escovar os dentes e tomar um pouco de café, mas logo se rendeu a uma preguiça gostosa e voltou para a cama, acompanhando algumas notícias em um Macbook e observando dormindo feito um anjinho ao seu lado.
Ainda questionava a veracidade da noite anterior.
Um cara virgem a fez sentir coisas que caras experientes não conseguiram. E nem se tratava apenas de sensações físicas, era algo muito mais abrangente!
Ele aprendia rápido.
Seus olhos se iluminaram quando ela avistou um dos destaques de um site de notícias e a magnitude de sua empolgação pareceu tirar do mundo dos sonhos, o fazendo despertar no exato instante. Sorriu, apesar de ainda não conseguir abrir os olhos devido a claridade. E nem precisou disso para ter certeza de que estava ao seu lado, que nada tinha sido um sonho, especialmente a noite anterior.
- Uau... - murmurou atônito, a voz rouca de sono seduziria qualquer mortal. E não conseguiu evitar os arrepios que atravessaram seu corpo.
- É. - ela concordou sorridente, aproximando-se mais do garoto para sussurrar em seu ouvido. - Acho que agora você deve estar arrependido por ter esperado tanto tempo por algo tão bom, né?
- De forma alguma, ! - garantiu, pondo-se sentado. - Ainda bem que eu esperei. - olhou-a maravilhado, a deixando com as bochechas pinicando, tamanha a capacidade que tinha de lhe informar, apenas com os olhos intensos, o quanto a noite anterior tinha mexido com ele. - Espera aí... Desde quando você usa óculos? - notou pela primeira vez a armação em volta dos óculos da garota, surpreendendo-se com a habilidade que ela tinha de ficar linda de qualquer jeito.
- A Cassidy me lembrou que eu uso óculos de leitura e me trouxe esse aqui. Acredita que minhas dores de cabeça melhoraram muito, desde então? - sorriu aliviada, aproximando-se de para matar a saudade que já sentia dos lábios dele.
No entanto, se levantou quando tentou beijá-lo, seguindo rápido até o banheiro para escovar os dentes.
Uma coisa era aderir ao romance matinal, outra muito diferente era ter que aguentar mau hálito matinal. Cruzes!
Jamais deixaria que passasse por algo assim.
precisava se lembrar de acrescentar uma escova de dentes e outros itens de higiene bucal em seu Kit de Sobrevivência. Por ter usado aparelho durante anos quando criança e ter medo de dentistas, sempre cuidou muito bem dos dentes.
- Qual é o seu sonho de infância? - investigou ao vê-lo retornar, sorrindo quase maquiavélica.
- Não vou te dizer, é estúpido. - resmungou com uma careta, aproximando-se para finalmente beijá-la.
- Se é um sonho, não pode ser estúpido. Anda, desembucha! - apertou a coxa dele, fazendo bico e disposta a tudo para convencê-lo a falar. Como poderia resistir àquela criatura divertidamente sedutora? Especialmente quando, além de pedir com tanto jeito, ela ainda o tocava ao mesmo tempo? Nossa!
- Meu sonho de infância sempre foi cruzar a Times Square vestido de super-herói. - confidenciou, atento as mudanças de expressão de . - Não ria! - pediu antes mesmo de saber se ela queria rir. Não aconteceu.
- É bem fofo, na verdade... - ela gracejou, mas o olhar que direcionou a o fez se sentir muito bem, e de forma alguma estúpido. - Mas o meu sonho de infância também era me tornar uma super-heroína. - sorriu cheia de ideias. - E a Times Square parece ótima!
- O que quer dizer com isso, ? - sentiu a curiosidade se aflorando, aproximando-se mais da garota.
- Vamos realizar o seu sonho hoje! Digo, o nosso sonho. - ela juntou as duas mãos, triunfante com a constatação de que seus planos dariam certo. - Mais tarde acontecerá uma Zombie Walk, que vai passar pela Times Square. - olhou nos olhos de , como se o convidasse para o evento mais importante de suas vidas. - O que me diz de irmos vestidos de super-heróis? Ninguém mais vai fazer isso, !
Divertiu-se com a empolgação que logo revestiu as expressões do garoto, porque seria irracional e ridículo negar semelhante oportunidade!
- E quais super-heróis nós seremos? - indagou, tão eufórico quanto .
Sentiam-se bem sendo um "casal" tão nerd, e não acreditava que estava prestes a frequentar uma Zombie Walk com aquela atriz famosa, que o pegou de jeito e o deixou totalmente a mercê de seu impressionante poder de conquista.
E tudo isso acontecera muito antes dela se tornar uma atriz famosa de fato.
Não era mais virgem, estava apaixonado e decidira não mais viver pela metade. Agora seguiria em busca de grandes aventuras, de liberdade e...
Ok, menos.
- Acho que eu vou de... Supergirl! - decidiu, pondo as mãos na cintura em uma pose de heroína.
- Então eu vou de Flash! - também tomou a sua decisão, cruzando os braços de forma heroica. - Você pode voar e eu sou super rápido, então os zumbis não vão nos pegar. - percebeu satisfeito e logo os dois pularam da cama, livres de qualquer sonolência, pois teriam uma tarde para lá de divertida. Antes disso, contudo, precisavam descobrir onde encontrar as respectivas fantasias.
Após um high-five digno de verdadeiros super-heróis, saíram do quarto, totalmente prontos para o inusitado dia que ganhava início.
De dentro do carro de , os dois se entreolharam. tentou não rir, pois o garoto ao seu lado estava mesmo caracterizado como o Flash, da cabeça aos pés. No entanto, ela também trajava uma fantasia de tema semelhante e os diretores de cinema encontrariam uma Supergirl perfeita se a vissem circulando por ali.
Uma multidão de zumbis - pessoas com maquiagens impressionantes, na verdade - se concentrava no centro da Times Square, em um típico momento de invasão de mortos vivos bem realista e divertida. e voltaram a se entreolhar, fingindo que mediam os riscos ao se expor àquelas criaturas. imaginou que algum paparazzi surgiria do nada e levaria sua tranquilidade embora, mas tentou abstrair essa parte e se divertir com , a pessoa com quem mais queria estar naquele momento. E que realmente estava, ainda bem.
Primeiro ele abriu a porta e saiu, depois ela. A cena era semelhante a um filme, com direito a câmera lenta e um rock empolgante como trilha sonora. Rock You Like a Hurricane ou Highway To Hell. For Whom The Bell Tolls também se encaixaria. Os dois foram andando lado a lado, aproximando-se cada vez mais dos zumbis. com uma pose de machão e bancando uma verdadeira femme fatale, com um movimento sedutor de cabelos.
Ao se misturarem com os zumbis, os dois riram, realmente mergulhados na brincadeira. Chocaram costas com costas e olharam ao redor, respirando fundo.
- Se não sairmos vivos daqui, eu... - , quer dizer, Flash, começou, mas Supergirl não o deixou terminar.
- Cala a boca, Flash! Já enfrentamos coisas piores. - ela garantiu, desviando de um cara com toda a região da mandíbula exposta - maquiagem, graças a Deus - que passou ao seu lado. - Eu fico com os da direita e você com os da esquerda. - determinou, como se pronta para exterminar todos os zumbis.
- Combinado, Supergirl! - reforçou a pose de super-herói e ambos estavam prontos para o combate. Ele sentiu uma nostalgia entranha ao ouvir a ordem categórica de , como se já tivesse escutado algo semelhante.
Deixou para lá.
É, estava sendo divertido. Infiltravam-se e caminhavam junto com as pessoas, tiravam foto com elas - em uma delas, e estavam ao centro, com poses super-heroicas e zumbis famintos ao redor - e se deixavam levar, como verdadeiras crianças realizando seus sonhos.
- Sabe o que eu acho? Que nós somos mesmo super-heróis. - sugeriu, mordendo seu pretzel. - E assumimos essas personalidades heroicas enquanto dormimos, mas não conseguimos nos lembrar!
- Tipo sonambulismo? - arriscou, interessado no que ouvia.
- É, só que menos assustador. - a garota riu, retirando a parte de cima da fantasia de Flash que cobria a cabeça de , sorrindo antes de sentir os lábios dele contra os seus.
Um flash de câmera disparou a uma distância sinuosamente segura, seguido por outro, mais um, quatro, cinco, seis...
E eles nem sequer notaram.
Voltaram elétricos para o apartamento ao anoitecer, rindo alto e fazendo comentários intermináveis a respeito do dia aventureiro que tiveram.
estava sedenta por um bom banho, então seguiu na direção do quarto. a observou se afastar, sorrindo largo graças ao que estava prestes a acontecer.
Ela cessou bruscamente seus passos ao ouvir um latido franzino e alerta vir de dentro do quarto, atraindo a atenção e os passos da garota, que voltou a andar e abriu a porta rapidamente, quase caindo para trás quando encontrou um filhote de Pug fulvo sentadinho sobre uma característica cama amarela para cães. Uma gravata borboleta na cor azul deixava o bichinho ainda mais adorável, e segurou-se para não derreter graças a expressão do cão, que era como se lhe dissesse: "Por favor, você pode me dar um pouco de amor?".
- ! - ela chamou alto, levando as mãos unidas sobre o coração e depois até a boca em sinal de uma surpresa que a fez vibrar de felicidade. Não sabia se sorria ou se chorava, mas sabia muito bem que precisava pegar aquele cãozinho no colo logo, ou derreteria de amores. - , VEM AQUI! EU NÃO ACREDITO NISSO! - eufórica, pegou o Pug em seu colo, acariciando o animal por entre as orelhas, sorrindo quando percebeu que ele fechou os olhos em sinal de aprovação.
- Não foi planejado, a princípio, mas então eu vi esse carinha aí e percebi que era a coisa certa a se fazer. - surgiu na porta e sua fantasia não ofuscava sua capacidade de ser tão fofo e atingir em cheio as emoções de . Ela se sentou sobre a cama, mimando o filhote como se este fosse um bebê. - Ele não é o George, mas tenho certeza que o George está feliz lá no paraíso dos cães, pois agora sabe que você não está mais sozinha. - ele sorriu, correndo para se juntar aos dois, revelando a enorme afeição que também tinha por cães.
sentiu os olhos marejados, erguendo o olhar extremamente agradecido a , que correspondia com empenho.
- Não acredito que vou dizer isso, mas... - ponderou antes de continuar. - Ainda bem que eu desci daquele carro no dia vinte e quatro de dezembro. - concluiu, certa de que não se arrependeria. Era incrível como algumas coisas, mesmo começando de forma tão errada, acabavam se provando as mais certas.
riu quando percebeu que o filhote os observava, voltando a dedicar metade de sua atenção ao cão.
- Ele precisa de um nome. - relembrou, fazendo arregalar os olhos e colocar a mente para funcionar com agilidade.
- Que tal Luke? Aí você pode chamar ele assim "Luke, I am your father!". - gracejou com uma voz estranha, característica do personagem, fazendo gargalhar.
- Ou podemos chamá-lo de Eddie. - o garoto compartilhou sua sugestão, vendo franzir o cenho.
- Só Eddie? Um nome comum, sem qualquer significado divertido ou homenagem a algum personagem icônico? - surpreendeu-se com tal questionamento, encantado com a forma como ela tinha soado extremamente intelectual.
- É, só Eddie. O seu nome é , sem qualquer significado divertido ou homenagem a algum personagem icônico, mas você é demais!
Uau, sabia como convencer. E ganhou um beijo da garota como recompensa.
- Oi, Eddie! Vamos nos divertir muito juntos, menino! - disse jubilosa, distribuindo carícias pelo pêlo do animal, feliz por ele finalmente ter um nome.
Era bom ter um novo amigo.
e observavam de forma vidrada o berçário repleto de bebês.
Não, apesar da relação estar progredindo de todas as formas imagináveis, ainda era cedo para que estivessem ali admirando um bebê que fizeram juntos, ou encontrando inspiração para um bebê que pretendiam fazer. A esposa de Brad, irmão mais velho de , havia dado a luz a trigêmeos no dia anterior, e é claro que não deixaria de ir visitá-los. Era tio de primeira viagem e não sabia muito bem como se sentir a respeito disso.
o acompanhou até o hospital em Nova York, por mais que tenha se arrependido um pouco disso quando os familiares de a reconheceram de imediato. A garota sentiu como se estivesse recebendo atenção demais, ofuscando até mesmo a atenção concentrada nos bebês e nos novos pais.
Isso lhe causou um incômodo bastante notável em seu semblante fechado. Apesar de ser atriz, ela era uma péssima mentirosa.
Às vezes desejava ser só mais uma pessoa no mundo, não ser famosa. Queria ser dona de mais um rosto comum no meio da multidão.
E essa vontade estava se intensificando com frequência nos últimos dias.
sabia que tinha algo a deixando ansiosa e inquieta, e por isso se aproximou mais, a abraçando pelo ombro e sorrindo quando a garota lhe olhou surpresa, deixando suas ponderações de lado ao sentir o corpo dele próximo ao seu. Ainda se arrepiava toda com isso.
- É meio assustador, não é? - se manifestou em um sussurro inseguro, voltando o olhar para os bebês.
- Acha que bebês são assustadores? - riu, mas não sustentou o riso por muito tempo, graças ao olhar sério que recebeu.
- Não, mas a ideia de ter um é. - ela expôs o que sentia, recebendo um olhar atento do garoto. - A ideia de ter um ser humano totalmente dependente de mim é assustadora. Eu não consigo me ver sendo... Sabe, sendo uma... Uma mãe. - se perdeu nas próprias palavras, preocupada com o que pensaria.
Seu último relacionamento verdadeiro terminou quando disse ao cara que não pretendia ter filhos tão cedo. Se é que pretendia ter um dia.
- Tenho uma tia que, toda vez que me vê, pergunta quando eu vou formar uma família. Ela é louca?! Às vezes eu ainda me sinto um bebezão, então por enquanto nem pensar em ter um. - , ao contrário do que imaginou, não sofreu qualquer tipo de golpe com a sua sinceridade, optando por compartilhar seu sentimento um tanto semelhante. - Não estou pronto para isso, essa coisa de casamento e filhos, e nem sei quando vou estar. Talvez demore. - também foi sincero, olhando dos bebês para .
- Casamento? - ela ergueu as sobrancelhas, lembrando-se de seu noivado falso. - Uma vez eu usei um vestido de noiva para um filme, nunca me senti mais estranha. Tenho medo dessas coisas. - confessou com um leve riso contraditório ao que sentia, aliviada por continuar se divertindo, fortalecendo um clima agradável, apesar da conversa séria. - E a ideia de nunca querer ter filhos também me assusta. - continuou, intrigada com os motivos que a levaram a engatar uma conversa como aquela com . - Eu sou uma pessoa estranha. - admitiu com uma careta, rindo das próprias conclusões.
- Não é, não. - prometeu, dando um beijo repleto de carinho na bochecha corada de . - Você tem vinte e quatro anos, não é uma criminosa perigosa e insensível só pelo fato de não se ver casada ou sendo mãe. Algumas coisas levam tempo, sabe? - fez de tudo para tranquilizá-la, não entendendo direito os motivos de estar tão preocupada com decisões que pertenciam ao futuro. - Não pense nisso agora, deixe para depois. Você tem tempo para decidir como vai viver o resto da sua vida, .
Após um longo suspiro, ela concordou com um aceno, voltando a observar os bebês. Alguns choravam, alguns dormiam, alguns eram meninos, alguns eram meninas, alguns a faziam sorrir, outros a deixavam estranhamente melancólica.
- De qualquer maneira... - decidiu se desfazer das divagações fora de hora, abraçando . - Eles são umas gracinhas, não são?
concordou em silêncio, dizendo a si mesmo que não tinha com o que se preocupar.
- Bom garoto! - disse alegremente a Eddie, após o cãozinho a ter ajudado com uma panela jogada sobre o chão, a empurrando para longe com as patas. Caso contrário, ela teria tropeçado na mesma e caído de bunda no chão. - Agora vou tentar virar essa panqueca... Confia em mim? - lançou um olhar decidido a Eddie, que confirmou com um único latido e passou a olhar ansioso para a humana, curioso para descobrir se dessa vez, a quarta vez, ela conseguiria finalmente virar uma panqueca.
A primeira grudou no teto, a segunda no chão e a terceira... Em seu cabelo.
Despejou a massa sobre a frigideira e contou os segundos decisivos e necessários, segurando o utensílio pelo cabo, preparando-se então para impulsioná-lo para cima. Assistiu a massa consistente rodar no ar, cedendo a gravidade e voltando para a frigideira em seguida.
- EU CONSEGUI! - berrou, dando pulinhos satisfeitos e gargalhando dos latidos animados de Eddie. Seu sorriso se alargou quando ouviu o som da porta se abrindo, correndo até a sala para contar a novidade a , que acabara de chegar da faculdade. - , eu consegui... - brecou sua comemoração ao avistar o rosto dele. - Que cara é essa?
sentia todo o corpo tremendo de raiva, o coração batendo tão forte que ele perdia o ar a cada nova batida. Durante o caminho de volta ao apartamento, tentou planejar uma forma eficaz de não contar o ocorrido a quando chegasse, mas não conseguiria esconder.
Não queria esconder.
- Tem uma foto minha em um desses tabloides idiotas... E sabe como estão me chamando? "Destruidor de noivados". - soltou de uma vez, vendo-a arregalar os olhos. - E agora pessoas que eu nunca vi na vida estão me odiando pelas ruas! Tudo porque viram uma foto de nós dois nos beijando na Zombie Walk e agora pensam que eu sou o responsável pelo fim do seu noivado falso com o Dylan. - fechou os olhos fortemente, passando as mãos pelos cabelos e tentando se acalmar. permanecia estática, mas uma parte de si parecia estar prestes a berrar em seu ouvido, só que de dentro para fora: "Eu te avisei!". - Isso não é justo... Especialmente com você. - aproximou-se dela quando um fio de preocupação deu um choque em seu corpo, já que tinha levado a mão até o rosto e se segurava com força para não chorar. - Não, não chora... - a abraçou, em pânico por estar sendo novamente responsável pelas lágrimas da garota. - Eu só não quero que a sua carreira afunde por minha causa. - revelou sua insegurança e isso pareceu agravar o desconforto de , que se soltou dele e caminhou alguns passos para longe.
- Para mim, chega! - ela anunciou com a voz raivosa, jogando incessantemente sua franja para trás em um gesto de nervosismo. - Essa coisa de ser atriz, de ser famosa, de dever satisfações da minha vida para milhões de pessoas que nem me conhecem... Não, eu não quero mais isso! - saiu batendo os pés feito uma criança descontente, largando-se sobre o sofá. a seguiu atônito, incrédulo a respeito de tudo que estava ouvindo. - Parece que vou ter que fazer uma escolha. - ela olhou nos olhos dele, e nem tinha ideia do que causou ao interior de .
Ele descobriu sozinho onde ela queria chegar.
Não permitiria.
Lembrou-se de quando leu uma entrevista com , onde a atriz comentava sobre seu problema a respeito de não conseguir priorizar mais de uma coisa em sua vida. Como se empolgava com algo novo e acabava, inconscientemente, abandonando o que não era mais tão novo e não lhe empolgava como antes. Como já tinha perdido oportunidades, amizades e até mesmo o contato com a família por causa da estúpida mania de se proibir de dividir seu coração em mais de um pedaço, sempre o entregando inteiramente a uma coisa só.
Então, percebeu que ela estava prestes a cometer um desses erros. Sua carreira a desgastava, já não era mais empolgante como antes, não era novidade alguma. Já seu envolvimento com ele... A fazia se sentir esperançosa e viva, a empolgava vinte e quatro horas por dia e sempre trazia consigo algumas novidades.
sabia que o pior poderia acontecer assim que ele abrisse a boca, mas o fez assim mesmo.
- Escolha as duas coisas. - disse em um estalo, pegando-a de surpresa. - É... Eu sei o que está se passando pela sua cabeça agora. - ficou bem a frente de no sofá, sentindo-se mal com o seu silêncio nada conclusivo. - "Minha carreira ou meu suposto relacionamento com o ?" Escolha as duas coisas! - repetiu, um pouco mais tristonho dessa vez. - Se escolher só a sua carreira, você não se importa com nós tanto quanto eu. Mas se me escolher, quer dizer que se importa mais comigo do que com você mesma. E eu não quero isso, . Está nos seus olhos...
- admirou a região mencionada, mordendo o lábio com força. - Em todos os seus filmes, em cada trecho da sua atuação... Você ama o que faz. - desabou a frente de , sentindo os joelhos contra o tapete e postando as duas mãos sobre os joelhos dela, para ficarem mais próximos. - Comece a dar valor a várias coisas na sua vida, e não apenas a uma, porque, se você perdê-la um dia, vai perder tudo. Então... - tomou fôlego, pensando se tudo aquilo era um grande exagero, se aquela conversa - ou discussão - era mesmo necessária. - Então me escolha, mas também escolha o que você tanto gosta de fazer, o que pretende fazer e o que ainda sonha em fazer. Reúna os seus sonhos ao invés de tentar distinguir qual deles é o mais importante. Eu vou entender, eu juro.
O coração de bateu dolorido.
- Você esperou seis anos por mim. - ela se recordou em um sussurro quase inaudível, a voz embargada devido ao choro contido. - Aposto que esperava por alguém sem tantas falhas e receios. Aposto que esperava por uma garota perfeita. - sorriu sem alegria, aproximando-se um pouco para acariciar o rosto de . Ele estava pálido, não acreditava no que ouvia.
- Nunca esperei por perfeição, esperei por você. - garantiu quase ofendido. Não ofendido com ela, mas ofendido com a forma como ofendia a si mesma, sem nem mesmo perceber. - Acha que um dia vai fazer comigo o que está querendo fazer com a sua carreira?
- ! - ela o repreendeu em um susto, agora mais magoada que antes. E dessa vez era com ele. - Não compare as coisas. E não duvide do que eu sinto.
- E o que é que você sente, ? - voltou a ficar de pé, deixando-se levar por uma frustração momentânea. - Você tem medo de comprometimento, já percebi isso muito bem. E quanto a mim, como você mesma relembrou... Eu te esperei por seis anos. Quer maior sinal de comprometimento? Percebe que algo não se encaixa nessa história?
- Agora você acha que isso que estamos fazendo é errado?! - ficou de pé em um pulo, elevando a voz e se deixando levar pela mesma frustração que provavelmente sentia. O medo de não saber o que estava fazendo, o que estava sentindo. Se era certo ou se era errado. - , a vida não é um quebra-cabeças ou um brinquedo de montar, não precisa encaixar sempre! - prometeu, imóvel no mesmo ponto de antes, a quase três metros de distância dele. - As coisas podem dar certo, mesmo que não se encaixem. Pessoas podem dar certo juntas, mesmo que não encaixem. Eu disse que tenho medo de pensar em casamento e filhos, mas em momento algum disse que não quero ficar com você. - as palavras saíram, sem culpa ou arrependimento. Ao ouvi-las, sentiu seu corpo reagir. - Será que não prestou atenção na droga da música?!
É, ele prestou. Só não permitiria que ela o colocasse acima de tudo. Que encontrasse nele uma oportunidade para fugir dos seus problemas, porque não era certo fugir. Por mais frio que soesse, acreditava que ninguém vivia apenas de amor. Amar era bom, amar era muito bom, mas existiam outras coisas que mereciam semelhante valor na vida.
E precisava aprender a reconhecê-las. Valorizá-las.
- , nós não podemos viver escondidos do mundo, você tem muitas questões para lidar e estão dizendo que perdeu vários contratos por minha causa, por ter sido vista comigo. Eu não vou conseguir conviver sempre com essa impressão de que estou estragando as coisas para você. A menos que... - pausou a frase, fechando os olhos por um instante, sentindo o coração mais danificado que a região dos joelhos de sua calça jeans. Claro que era bom demais para ser verdade. Bom demais para continuar sendo tão fácil. A vida nunca foi fácil, e não passaria a ser de um dia para o outro. - A menos que você abra os olhos e passe a enxergar além.
piscou os olhos, boquiaberta. O que ele pretendia com aquelas palavras confusas? Feri-la de alguma forma?
- O que quer dizer com isso?! - incrédula, exigiu saber.
rompeu a distância entre ambos, segurando as duas mãos da garota.
- Nós não vamos dar certo desse jeito. - a dor veio certeira, e ficaria com ele por uns tempos. - Você quase colocou tudo a perder por medo de ser corajosa. Você quase estragou tudo, . Não para mim ou para nós dois, mas para você mesma.
- Você está... - a garota puxou as próprias mãos, quebrando o contato que ela e mantinham através das mesmas antes entrelaçadas. - Está terminando comigo?
- Terminando o que, ? - encolheu os ombros, os lábios ligeiramente curvados em um sorriso triste deixavam sem ar. - Você sofreu um acidente, perdeu seis anos da sua vida, de repente eu era tudo que fazia sentido, e então você recuperou esses anos... Tudo isso em menos de duas semanas. Nós ainda nem começamos alguma coisa, então não há o que terminar. - sabia que ela tentaria recuar, mas foi rápido e depositou um beijo na testa de , tentando se convencer de que era o melhor a se fazer por hora. Ela precisava de um tempo para se recuperar totalmente do acidente, pois sua cabeça ainda estava confusa e com alguns lapsos. E ele, bom... Os últimos seis anos foram difíceis, mas não o mataram. - Acho melhor que volte para a sua vida incrível de celebridade. E eu vou ficar aqui, vivendo a minha vida simples e por vezes monótona de nerd. Vamos esperar e ver o que acontece.
Sem capacidade ou forças para retrucar, concordou com a cabeça, dando as costas a e correndo para o quarto, enfiando todos os seus pertences de qualquer jeito nas malas que Cassidy trouxera dias antes.
Tentou não chorar, mas várias emoções explodiram de uma vez.
Talvez ele estivesse certo. Ela era uma verdadeira bagunça, uma mente em guerra, um coração com medo de bater. Sentia falta dos seus pais e por vezes não se reconhecia mais ao olhar o próprio reflexo no espelho, mesmo que já tivesse recuperado totalmente a memória. Sentindo um peso no peito, naquele momento, ela percebeu que estava completamente certo. Antes de se entregar a alguém, se deixar envolver e se permitir amar alguém, ela tinha que conquistar tudo isso consigo mesma.
As lágrimas desciam quentes pelo seu rosto e se agravaram quando Eddie se aproximou, investigando com uma curiosidade adorável o que a humana estava fazendo. fez um carinho em sua cabeça, ficando de pé e enxugando as lágrimas, deixando o quarto com a mala de rodinhas e outra pequena segurada pelos dedos. Eddie a seguiu aos choramingos, como se soubesse que a garota iria embora. E não se sentia no direito de levá-lo consigo.
parecia uma estátua melancólica de frente para a janela, mas despertou ao ouvir os saltos de contra o chão. Os dois trocaram um olhar que faiscava em diversos sentidos, entre eles a sensação de que tudo tinha acontecido rápido demais. Foram juntos em uma montanha russa insana e agora estavam tontos, enjoados e com as cabeças fora do lugar. Fora de foco.
Seu coração ordenou a que ela fosse até e pelo menos o beijasse na bochecha, mas suas pernas a seguravam ao lado da porta, por onde logo saiu, sem arriscar dizer mais nada. O silêncio é cheio de significados.
E talvez um romance tenha que chegar ao fim instantes depois de começar, para então recomeçar da forma certa.
Pelo menos foi nisso que tentou acreditar ao entrar em um táxi qualquer e seguir para longe de West Village.
Dias depois...
As coisas seriam muito mais fáceis se as últimas semanas não tivessem passado de um sonho.
Só que não seriam melhores, é claro.
Há exatos cinco dias, não tinha qualquer notícia de . Nem mesmo através de tabloides. Um período desgastante em sua faculdade ganhara início, então ele se sentia aliviado por ter com o que distrair a cabeça. Quando estava na companhia de amigos, professores e advogados do escritório de advocacia onde estagiava, conseguia se esquecer, mas quando estava sozinho... Impossível.
Acordou com a típica sensação de que tinha sido atropelado por um caminhão, os músculos doloridos como se tivesse passado a noite inteira os utilizando para algo não muito sutil.
Ouviu os latidos de Eddie em outro canto do apartamento, escondendo o rosto no travesseiro quando a voz de Patrick também se tornou sonora.
- Bom dia, flor do dia. - Pat gracejou ao abrir a porta, arregalando os olhos quando o amigo ergueu o corpo e, em seu rosto, avistou algo que não se via por ali todos os dias. E algo em sua camiseta que... Uau, se via menos ainda. - Nossa, parece que alguém se deu bem ontem à noite! Selvagem... - comentou com a voz maliciosamente risonha. não entendeu bulhufas, pedindo com uma careta que Patrick calasse a boca ou, no mínimo, falasse mais baixo. - Quem foi a sortuda?!
- Que sortuda, cara? Não tem sortuda nenhuma aqui. A única presença feminina que ando tendo ultimamente é essa dor de cabeça ao acordar. - explicou impaciente, esfregando os olhos, com sono.
- , tem uma marca de batom no seu rosto! Ah, e parece que você brigou com uma pantera, porque a sua camiseta... - Patrick informou sem cerimônias, o que fez o outro garoto tocar a região com pressa, esfregando os dedos sobre a área de sua bochecha, sentindo algo de consistência estranha. Ao observar os dedos, percebeu que os mesmos estavam avermelhados.
Batom vermelho.
E rasgos em sua camiseta, exibindo parte de seu físico belamente magro.
- Como isso aconteceu?! - olhou incrédulo para Pat, sua cabeça se perdendo em um nó cada vez maior. - Eu fiquei sozinho ontem, pedi pizza, joguei videogame, percebi o quanto minha vida anda patética e depois fui dormir. Sozinho! - deu ênfase a última palavra, tentando limpar a marca de beijo em seu rosto.
- Essa é a sua história, garotão. - Patrick riu, não acreditando muito no relato de . - Anda, se recomponha, você precisa afogar essas mágoas.
- Qual é a genialidade que tem em mente, Pat? - demonstrou interesse, mas este era falso.
- E você ainda pergunta? Paintball! - Pat anunciou feito uma criança, apressando o amigo para que fossem logo "afogar mágoas" e conquistar alguns roxos inofensivos pelo corpo.
- Eu preferia Laser Tag. - se permitiu um último resmungo antes de levantar da cama.
"Mais uma Madrugada de Heróis foi registrado nesta terça-feira! Dessa vez, vítimas de um grande incêndio foram salvas, um político não foi assassinado e todos puderam dormir mais tranquilos. E quem será que ficou acordado? Quem será que está salvando tantas pessoas? O mistério atinge proporções cada vez maiores!"
suspirou ao se deparar com a notícia. Era inevitável, estava começando a se sentir tão curiosa quanto qualquer habitante de Nova York. Quem poderia estar por trás de todos aqueles atos heroicos?
Tinha um cabeleireiro trabalhando em seus cabelos, um maquiador trabalhando em seu rosto, manicures cuidando cada uma de uma de suas mãos. Fora o fato de que já tinha contado com a ajuda de um figurinista para colocar devidamente o vestido de noiva.
Sorriu minimamente quando Dylan deu uma batidinha na porta, verificando com um semblante preocupado se podia entrar. o autorizou com um menear positivo de cabeça.
Dylan sabia que a garota estava passando por tempos difíceis. Conversaram um pouco a respeito do acidente, do reencontro com e tantos outros acontecimentos naquele mês, e Dylan sempre dizia que estava perdendo tempo. Se ela sabia mesmo o que queria, tinha que lutar por isso. Pelo que estava esperando?
estava há dias sem qualquer notícia de , mas não conseguia parar de pensar no garoto. E em tudo que ele lhe disse. Quando foi embora de West Village, passou algumas horas o odiando pelas palavras duras, mas bastaram algumas horas inquietas de sono para que ela percebesse que não queria nada além do seu bem. Mais relaxada, a atriz caiu na real, recuperou sua consciência e admitiu para si mesma que, sim, adorava o que fazia. Ignorando os paparazzi, os rumores descabidos e alguns outros empecilhos, ser atriz a completava de uma forma que poucas coisas conseguiriam.
Levar alegria e boas mensagens as pessoas através do seu trabalho era o que realmente importava. Era o que mais a fazia feliz. E só existia uma coisa que a faria mais feliz ainda.
Salvar pessoas.
- Vou causar algum escândalo... - Dylan sussurrou quando todos os profissionais se afastaram de . E lá estava ela mais uma vez, vestida de noiva. - Quem sabe assim consigo dissipar o que aconteceu com você. - seu tom de voz se tornou irritadiço, pois não era justo que a atriz ainda fosse alvo de especulações, comentários impertinentes e questionamentos intermináveis a respeito do fim do relacionamento dos dois. Se isso não fosse custar a ambos parte da carreira, sem dúvida alguma deixariam vazar a informação de que não passava de uma farsa.
- Não é necessário, mas obrigada por se importar. - sorriu agradecida, o abraçando rapidamente.
- É que eu estou feliz, e queria que você também estivesse. - Dylan disse com sinceridade, pois a considerava uma boa amiga. - Nós estávamos há mais de um ano fingindo um relacionamento, não somos estranhos. - encarou o chão, lidando com um peso em seu peito. Sentia que, de certo modo, tinha alguma contribuição no estado melancólico em que se encontrava. - Me desculpe...
- Não ouse se desculpar, Dylan! - justa e determinada como era, logo tratou de tirar aquilo de sua cabeça. - O que um não quer, dois não fazem.
O diálogo de ambos foi interrompido pelo diretor responsável pelas gravações que, ao redor, aconteciam.
- Estão prontos? - investigou sério, o tom claramente entregava que os apressava. Dylan ajudou a se levantar, já que o vestido era meio bufante, e logo os dois seguiram para o set onde filmariam a participação em uma sitcom da CW. Seriam noivos.
Quanta ironia...
- Corta! - o diretor voltou a berrar, cada vez menos paciente. - Pelo amor de Deus, , o que há de errado com você? - exigiu saber quando a atriz, pela terceira vez, se distraiu, encarou as câmeras, esqueceu suas falas e bufou. Sem tentar esconder sua inquietação das pessoas ao redor. O cenário era o interior de uma igreja e o elenco regular da série também a observava sem entender o que estava acontecendo.
Como uma atriz que já fora indicada ao Oscar estava tendo tanta dificuldade em simplesmente decorar suas falas e ser ligeiramente engraçada em uma sitcom? Não fazia o menor sentido!
- Desculpe... Posso tentar de novo? - ela pediu com um sorriso sem graça, se preparando ao receber um simples "Ok".
Alguém gritou "ação", a garota sentiu as câmeras registrando tudo. Cada ator exercia seu papel e contribuía para o diálogo. Um deles disse suas falas com maestria, a outra também. Era a vez de .
Droga, ela precisava tanto falar com !
- CORTA! - estreitou os olhos ao assistir o diretor se levantar, pedindo um tempo das gravações, resmungando o quanto odiava lidar com celebridades e suas crises de esquecimento e pedidos incessantes por atenção, claramente dando a entender que estava dando trabalho para a equipe para chamar atenção, por pura diversão, por querer bancar a "diva". De propósito!
A atriz engoliu em seco, fechando os olhos e respirando fundo. Caso contrário, explodiria.
- ESPERA! - berrou, atraindo a atenção esgotada do diretor. - Vamos fazer isso, eu... Me desculpe, não sei o que me deu, mas estou pronta agora.
precisou de um pouco de persuasão para fazer a equipe do set acreditar que, dessa vez, não se esqueceria das falas e não mais faria os outros perderem tempo.
Ainda bem que todos acreditaram, inclusive ela mesma. Pouco menos de três horas depois, o episódio estava concluído, todas as cenas que contavam com a sua participação perfeitamente gravadas. Até mesmo se tratando de uma sitcom, que não exigia uma atuação memorável como em filmes dramáticos, foi melhor que o esperado, deu um show de atuação, provando-se merecedora de todos os prêmios que conquistara ao longo da carreira.
- Vai! - Dylan gritou do outro lado do cenário, ganhando um olhar confuso da atriz que recebia ajuda para começar a se livrar do vestido. - Vai logo atrás dele. Para de perder tempo, ! - ele aumentou ainda mais o volume da própria voz, a fazendo ter um estalo. - Corre, , corre!
Então, deu as costas a todas aquelas pessoas e começou a correr. Ergueu um pouco a saia do vestido e, sem tempo, vontade ou capacidade de pensar em se trocar, foi parar na calçada de uma movimentada rua de Nova York. Olhou para cima quando um trovão se manifestou, grunhindo com raiva e com frio ao sentir pingos gelados começarem a cair por sua pele.
Mesmo assim, ela não desistiu dos seus planos. Fingiu que era uma super-heroína no coração da cidade e foi em busca da própria salvação.
- Desculpe! - pediu ao esbarrar seu corpo ao de algumas pessoas pelas ruas, jogando os saltos longe e desviando de um táxi que quase a atropelou. - Me desculpem! Droga, como eu queria ter superpoderes!
Estava longe de West Village, não fazia a mínima ideia de onde poderia estar naquele momento, chovia muito e ela estava vestida de noiva, mas...
Tudo aquilo eram apenas pequenas e insignificantes pedras em seu caminho.
Deu graças a Deus quando chegou ao Upper Weast Side, correndo para o apartamento de Cassidy. A amiga não estava lá, mas as duas tinham uma espécie de código de emergência, que utilizavam em situações como aquela. Ao conseguir entrar no apartamento, encontrou o telefone e ligou para o apartamento de , mas não obteve resposta. Tentou outras três vezes, desistindo na quarta. Então ligou para o celular dele, sentindo o coração ir parar nos ouvidos quando a chamada foi atendida. Mas não era .
Patrick, do outro lado da linha, disse que estava em um dos Tribunais Federais ao sul de Manhattan. A primeira vez que participaria de um julgamento de verdade. Como Pat estava junto e o amigo, uma pilha de nervos, tinha ido pegar mais café, optou por atender o celular para ele. No entanto, pediu que Patrick não contasse a que ela tinha ligado.
Nossa, o primeiro julgamento dele!
Isso a fez se sentir feliz e orgulhosa. E ainda mais disposta a correr contra o tempo.
Pegou o carro de Cassidy - após avisá-la, é claro - e seguiu para o local mencionado.
tinha, finalmente, aberto os olhos e enxergado além. Agora entendia o que tanto quis dizer com isso.
Estava cansada de ficar dando voltas ao redor dos próprios problemas que temia não conseguia resolver, como um satélite mal programado, masoquista e criado com os propósitos errados. Então, de uma hora para a outra, lhe ocorreu que as coisas começariam a melhorar a partir do momento que quisesse que melhorassem. Ela acordou.
E sabia muito bem o que queria. Quer dizer... Uma das coisas que mais queria.
É, tinha mesmo feito aquilo. E agora não tinha mais como voltar atrás.
estava parada de frente para várias pessoas bem vestidas, terno e gravata em sua maioria. Todos a olhavam embasbacados, questionando-se internamente o que uma noiva encharcada e com feições desesperadas poderia estar fazendo em um Tribunal de Justiça.
- Não, eu não matei o meu marido! - disse em tom defensivo, encolhendo os ombros quando ninguém riu.
Em sua cabeça tinha soado muito mais engraçado.
- ?! - alguns homens se afastaram, como se para permitir que outro se aproximasse. surgira bem diante de e seus olhos arregalados fizeram com que ela descobrisse que Patrick era, sim, uma pessoa confiável. O garoto a mediu de cima a baixo, os lábios se entreabrindo em resultado de uma confusão em sua mente. É claro que ele se assustaria ao vê-la de tal forma, mas tinha fixo em mente que nada disso importava no momento. - O que está fazendo aqui? O que... - perdeu a voz por um instante, precisando olhá-la nos olhos outra vez. - O que foi que aconteceu com você? - ele apontou para o vestido, lutando para não assimilar as coisas do jeito mais óbvio.
Ainda bem que jamais seria tão óbvia assim.
- Não se preocupe, eu não me casei com ninguém. Nem cheguei perto disso. - prometeu, sentindo-se insegura quando uma vontade de sorrir a dominou. - Percebi algumas coisas, me preparei para outras, mas casamento, definitivamente... Não, isso ainda vai demorar um pouco. - ela finalmente cedeu a vontade de sorrir, mas não durou por muito tempo, já que não a acompanhou.
Parecia que quanto mais os seus olhos implorassem por perdão, os dele faziam questão de afirmar que ela não iria consegui-lo a tempo de consertar as coisas entre ambos. Mas não era como se pudesse desistir sem lutar. Especialmente se tratando dele, o único cara que enxergou a sua verdade, uma verdade que, por muito tempo, nem ela mesma conseguiu acreditar.
- ... - tentou, na intenção de pedir que conversassem depois, olhando receoso para as pessoas ao redor. Não era um bom momento.
Quer dizer, para o coração dele, era um momento incrível, mas os advogados não pensariam a mesma coisa.
- Você me disse que eu tinha que parar de dar valor a somente uma parte da minha vida, porque, caso a perdesse, ficaria sem nada... - arriscou alguns passos, parando exatamente a frente de , próxima o suficiente para segurar uma das mãos do garoto, reparando como estavam gélidas e tremiam um pouco, o que a fez sorrir internamente com a constatação de que não estava tão indiferente assim quanto a sua presença. Muito pelo contrário. - E eu quase fiquei sem nada, mas reagi a tempo. Agora estou aqui, em um Tribunal, recebendo olhares feios de advogados que me colocariam atrás das grades se quisessem, mas não me importo, porque você vale todo esse esforço. Foi quando eu me perdi totalmente... Que consegui me encontrar. - seu nariz ardeu assim que despejou tudo a ele, então ela virou o rosto, espirrando alto e ouvindo o barulho ecoar por toda a extensão do local.
Olá, consequências da chuva.
respirou fundo, com aquele olhar perdido e tristonho que sempre faria o coração de apertar e seu estômago embrulhar, a vontade de abraçá-lo forte e nunca mais soltar crescendo sem controle dentro de si.
- Eu estou no meio de algo importante agora, . Meu futuro depende disso... Por favor, agora não. - ela sentiu a pontada que as palavras dele conduziram até o centro de seu peito, mas não se deixou abater com a dureza do que ouviu, pois sabia que tinha motivos bem consideráveis para estar reagindo daquela forma.
- Eu posso esperar. - largou as mãos dele com pesar, porém sorrindo determinada.
- Vai demorar. Horas. - o garoto resmungou, impaciente enquanto coçava a própria nuca e não sabia mais o que fazer. Ele estava claramente desconfortável dentro daquele terno, mas não deixava de ficar extremamente lindo trajando o mesmo, e percebeu isso em um piscar de olhos.
- Você me esperou por anos! - seus olhos esboçaram surpresa quando ela fez renascer aquela verdade bem diante dos dois. - Então... O que são algumas horas, ? - sorriu determinada, feliz pelo semblante de estar suavizando aos poucos. Meio sem jeito por culpa do vestido, se sentou em uma das cadeiras enfileiradas em uma das laterais, provando que faria mesmo o que disse. - Boa sorte, vou estar bem aqui quando terminar!
Sem forças para argumentar - até porque ele tinha que guardar seus bons argumentos para o julgamento em si -, limitou-se a sorrir de canto para , seguindo para a realização de uma parte importante de seu futuro como advogado. Porém, lembrou de algo importante, voltando apenas para lhe dizer:
- Don't Go Away, Oasis. - sorriu ao mencionar a música, pois sabia que declarações implícitas como aquela, através de músicas, funcionavam bem entre ambos.
sorriu de imediato.
- Never Say Never, The Fray. - rebateu, também o fazendo sorrir.
Felizmente eles conheciam perfeitamente as músicas mencionadas.
não tinha mentido para ela. Duas horas tinham se passado lentamente e nenhum sinal do garoto. estava mais ansiosa do que jamais esteve antes, andando de um lado para o outro, conquistando mais alguns olhares curiosos e tentando puxar conversas despretensiosas com pessoas que circulavam por ali. Tudo para fazer o tempo passar mais rápido.
Como queria ter superpoderes!
Distraiu-se com a enorme televisão presa a parede, mais um daqueles casos estranhos de heróis noturnos, então não percebeu quando se postou atrás dela, tocando seu ombro com sutileza e posicionando a boca bem ao pé de seu ouvido.
- Te fiz esperar muito?
Ela quase pulou da cadeira, olhando para trás em um susto, mas logo estava rindo. a acompanhou nesse riso.
- Eu que te fiz esperar muito. - lamentou, coçando a nuca.
- Já te disse, , aqueles seis anos não me...
- Estou falando dos cinco dias que te fiz esperar, . - tratou de se explicar rapidamente, mordendo o canto do lábio inferior em um gesto de inquietação. - Mas eu precisava desse tempo para colocar a minha cabeça no lugar, para me convencer de tudo que eu quero. E finalmente consegui. - ela ergueu seus olhos sem medo, pois sabia que os dele estariam ali, esperando ansiosos pelos seus. - Deixei um set de filmagem e vim direto para cá... É, por isso o vestido. - finalmente conseguiu explicar, voltando a rir quando suspirou aliviado. - Eu gosto de você, gosto muito de você. E também gosto do que eu faço, então... Estou pronta para organizar tudo que for importante no meu coração, sem medo. - sua sinceridade e vontade de concretizar tudo aquilo refletiam claramente em seus olhos flamejantes. - Vamos ficar juntos, porque... Porque... - ela hesitou um pouco antes de dizer, pois sabia que poderia soar meio ridículo. - Porque, se o apocalipse zumbi acontecer mesmo, eu não quero estar sozinha. Quero enfrentá-lo com você!
arregalou os olhos. Realizado.
- Essa é a coisa mais romântica que um nerd pode ouvir. - garantiu, coçando a nuca.
- É, eu vim pensando nisso o caminho inteiro. - ela deu de ombros, orgulhosa e aliviada pela escolha de palavras ter dado certo.
- Esqueça o apocalipse zumbi, . Acho que nós merecemos um futuro melhor.
Ele torceu internamente para que suas bochechas não estivessem coradas, por mais inevitável que fosse. Também não conseguia esconder a felicidade aliviante que sentia por saber que estava mesmo disposta a se livrar dos hábitos que costumavam fazê-la tão infeliz.
- Posso fazer isso.
- Eu acho que...
- Nós merecemos essa chance. - ela o completou com agilidade, ficando de pé e estendendo sua mão para que a segurasse, também ficando de pé. - Eu quero você, . Quer saber? Quero você desde muito antes de receber aquele convite fofo e todo atrapalhado para o baile, seis anos atrás. - ela se sentiu muito bem ao ser sincera daquele jeito, e permitiu que a alegria por estar ouvindo aquilo também refletisse em seu olhar.
- Me desculpe por ter sido tão duro com você no meu apartamento aquele dia. Eu acho que... Estava com medo de tudo dar errado, com medo de arriscar um movimento seguinte. Pedi que você fosse corajosa, mas eu não fui um grande exemplo de coragem, então... - tentou expor o quanto se odiava por ter pressionado de tal forma, mas ela fez questão de calá-lo com um selinho longo e cheio de saudade, negando com a cabeça e lhe dizendo que estava tudo bem.
- Eu estava fora de mim. - assegurou, conformada. - Se você não me dissesse tudo aquilo, outra pessoa diria. Provavelmente alguém que nem é assim tão importante para mim... - deslizou suas mãos pelos ombros cobertos pelo terno preto de , conseguindo enlaçar sua nuca.
- Tenho só mais cinco minutos antes que o intervalo do julgamento acabe. - informou, claramente insatisfeito com isso. - O que sugere que eu faça até lá, ? - ele resolveu deixar de lado sua timidez, mais uma vez, pois com não precisava disso. A garota permaneceu inquieta, como se tentasse lhe dizer com o poder do olhar ou da mente que sabia exatamente o que fazer, não precisava da ajuda dela para decidir. - Já que não me respondeu, vou agir por conta própria.
Puxou-a pela nuca e a beijou, conquistando um riso verdadeiramente feliz da garota, que se entregou ao momento tanto quanto ele.
E finalmente fazia sentido, mesmo que um estúpido vestido de noiva estivesse entre ambos.
- Alguém está aprendendo importantes lições por aqui... - notou risonha, as bochechas pinicando, a pele e suas estruturas respondendo loucamente a forma como agarrou sua cintura e a pressionou contra a parede.
- Mal posso esperar para irmos embora, então eu vou poder te mostrar o que mais venho aprendendo... E, não, não tem nada a ver com Direito ou coisas de nerd. - provavelmente era a primeira vez em toda a sua vida que ouvia a própria voz soar maliciosa e sedutora daquela forma.
Sentiu-se bem com isso.
- Mas eu gosto das suas coisas de nerd. Gosto que você seja um nerd. - arrepiada, murmurou afetuosa, acariciando o rosto de . - Meu nerd. Ou melhor... Meu flash!
- Seu flash tem que correr agora... Volto logo, minha Supergirl! - percebeu que o tempo tinha passado rápido demais e agora precisava voltar para o julgamento.
Mas não antes de beijá-la outra vez, é claro.
o assistiu sair correndo feito um furacão, encolhendo os ombros e sorrindo maravilhada com a certeza de que agora eles tentariam mesmo fazer dar certo.
Algumas semanas depois...
tinha um novo item para sua lista de prováveis medos: ringues de patinação.
- , eu não vou conseguir... Me ajuda!
Mais enrijecido que o gelo abaixo de seus pés cobertos por patins, ele se segurou com força nas grades de metal que circundavam todo o ringue, não muito disposto a se soltar e assistir a própria falta de equilíbrio em questão de segundos. Equilíbrio este que, naquele momento, era semelhante ao de um bebê que ainda nem tinha aprendido a andar direito.
, por outro lado, se movia feito uma pluma pelo gelo, arriscando rodopios, tão graciosa que deixava incrédulo, arregalando os olhos e se perguntando se poderia ser mesmo uma humana normal fazendo aquelas coisas.
- Vem, , não é tão difícil assim! - ela o estimulou, a pelos menos uns três metros de distância. - É só confiar em você mesmo. Anda, se solta!
- Você diz isso porque... Argh! - resmungou ao soltar as mãos da grade por segundos e sentir os pés deslizarem para direções contrárias, recuperando-se em seguida. - Porque patina feito um cisne.
- Desde quando cisnes patinam? - arqueou uma sobrancelha, divertindo-se com o jeito afobado do garoto.
- Sei lá, mas aposto que patinam melhor que eu. - ele concluiu com uma careta, rindo quando assistiu passar sem problema algum por ele, claramente tentando convencê-lo de que se soltar da grade e arriscar seria uma boa ideia, pois ela estaria o esperando do outro lado.
- O próximo ringue será maior! - cantarolou, somente para provocá-lo, o que fez um pânico gelar a boca do estômago de . A cada nova vez que tentava patinar, mais percebia o quanto odiava gelo.
- O próximo encontro será normal, em algum restaurante, sem gelo. Quer dizer, só nas bebidas. - corrigiu, virando-se e agora conseguindo ficar de frente para o ringue, não mais de costas, tendo uma visão ampla de todo o perigo que o cercava. Provavelmente se daria melhor aniquilando zumbis.
- Você tem sorte de ser bonito, . - continuou com as provocações, mas esta o fez sorrir.
Então, ele decidiu arriscar, soltando as mãos da grade, definitivamente. Sentiu os patins reagirem a sua falta de segurança, logo impulsionando um pé para frente, depois o outro. Balançou os braços com rapidez ao perder o equilíbrio de novo, conseguindo estabilizá-lo. Com um pouco de esforço, caretas, gritos que divertiam e determinação de sobra, ele conseguiu chegar ao outro lado, onde a garota estava. Ela riu ao ser pega de surpresa, sentindo as grades contra as suas costas e a ponta gelada do nariz de contra a do seu, devido a proximidade de ambos.
- Te peguei. - ele comemorou sorridente, segurando-se a ela quando quase caíram juntos no gelo.
- Foi quase. - disse risonha, o puxando para saírem do gelo.
Calçaram seus sapatos normais e seguiram para uma região cheia de quiosques.
- Ah, chão estável, como eu senti a sua falta! - respirou aliviado por estar pisando em algo que não era escorregadio, voltando a andar como um adulto normal. Aproveitou-se de um momento de distração de , apertando os dedos dela com um pouco mais de força com os seus. - ... Tenho duas coisas para te dizer. - anunciou, aguçando a curiosidade da garota imediatamente.
- Então mova esses lábios sensuais e me diga, . - ela se aproximou, erguendo o rosto para olhá-lo nos olhos.
vasculhou por algo nos bolsos de seu casaco cinza, retirando dois papéis retangulares dali.
- São duas passagens de avião para a Itália, nós vamos atrás dos seus pais. - disse sorridente, atento a qualquer mudança no semblante de , fosse positiva ou negativa. - Você não pode continuar brigada com eles, . Eu sempre discordei em muitas coisas e discuti com os meus, mas no fim do dia o que importa é que me sinto feliz por saber que posso contar com eles para o que for. - então a abraçou, ouvindo sua respiração irregular e gostando da forma como suas mãos trêmulas o abraçaram de volta. sorriu impressionada, sem palavras. - Você não está sozinha, e quero que tenha certeza absoluta disso. - afrouxou o abraço para conseguir olhá-la nos olhos de novo, unindo seus lábios aos dela.
- ... - tentou, ao se afastarem minimamente, mas só conseguiu rir impressionada quando o garoto fez o mesmo. - Você é maravilhoso! E eu nem vou me fazer de difícil e dizer que isso é absurdo, porque não é. Eu queria tanto... - sentiu lágrimas brotando nos cantos dos olhos, limpando a região e ouvindo a própria voz soar embargada. Agradecida. - Quer dizer, eu quero tanto vê-los de novo! - concordou compreensivo, acariciando o rosto dela sem pressa. O sorriso dele era o mais gentil e verdadeiro, doce e empolgante. - E a segunda coisa? - lembrou, voltando a olhá-lo com expectativa.
olhou ao redor, fingindo certo suspense, depois mordeu o interior da boca e mandou a timidez embora. Pelo menos por hora.
- Estou planejando te pedir em namoro, mas é claro que não vou fazer isso aqui, já que vamos para a Itália! - ele revelou seus planos, esfregando as mãos cobertas por luvas e assistindo os olhos da garota a sua frente brilharem ainda mais.
De surpresa, ela pulou no colo dele, enlaçando as pernas ao redor de sua cintura, incapaz de fazer outra coisa senão beijá-lo.
- Nossa! - riu ao ouvir uma espécie de resmungo escapar pelos lábios de , investigando seu rosto.
- O que foi, ? Suas costas estão doendo de novo? - arriscou em uma brincadeira que o fez rir, negando prontamente com a cabeça. A verdade é que não foi um resmungo. Foi um choque.
Um dos bons.
- Claro que não! É que... - mordeu o lábio inferior, segurando as palavras só por mais alguns segundos. - Imaginei tudo isso de tantas formas, sabe? Você comigo, nós dois juntos... Mas nada se compara a forma como realmente está acontecendo. Eu estou loucamente apaixonado por você, .
- Temos algo em comum, então, meu super-herói favorito. - disse sem hesitar, não cabendo dentro de si depois de presenciarem um momento como aquele. - Quando e que horas é o voo? - sua empolgação relacionada a viagem voltou a se manifestar bem forte.
- Em três horas. - sorriu arteiro, encolhendo os ombros.
- O QUÊ?! - berrou, descendo do colo dele durante um sobressalto que logo a fez caminhar com pressa em direção ao estacionando, puxando pela mão. - , por que você não me disse antes?! Anda, vem! Precisamos ir voando fazer as malas! Ajudaria muito se fôssemos super-heróis agora, né?
Ele concordou quando chegaram ao estacionamento, entrando de uma vez no carro. sentiu a necessidade de colocar uma música para tocar.
Heroes, do David Bowie.
- Ai, meu Deus, eu amo essa música! - vibrou, eufórica, já movendo o corpo no ritmo.
- E quem disse que não podemos ser heróis? Mesmo que só por um dia? - cantarolou no ritmo da música, divertindo-a.
Então, ele fez o carro se movimentar e dirigiu com uma rapidez cautelosa até seu apartamento, pois tinham malas a fazer.
Com sorte, um apocalipse zumbi nunca viria a se concretizar e os dois viveriam felizes para sempre.
IMPOSSIBLE
- Poltronas 12A e 12B! - finalmente as avistou, percorrendo o corredor movimentado do avião com em seu encalço.
- Não acredito que estamos mesmo fazendo isso! - a garota continuava serelepe, olhando para todos os lados, depois para a janela e, por fim, para , o agradecendo mais uma vez pelo gesto tão corajoso e afetuoso. Por se importar tanto com o bem dela.
- Nove horas dentro de um avião, trinta mil pés do nível do mar! - ele fechou os olhos, soltando o ar devagar. Não que tivesse medo de altura, mas... Ok, talvez tivesse um pouco. - O que eu não faço por você, Supergirl?
Sorriram cúmplices, colocando os cintos afivelados e ouvindo atentamente as instruções de uma das comissárias.
Tudo parecia estar sob controle na cabine de pilotagem. Apesar das condições climáticas não serem as mais favoráveis, o piloto deduziu que o voo seguiria tranquilo até seu destino final, a Itália. Ele e o copiloto riam de algo bem idiota, tão acostumados com aquela mesma rotina. A maioria dos passageiros dormia, pois já era tarde da noite.
Uma pequena turbulência fez duas comissárias de bordo perderem o equilíbrio por segundos, se entreolhando sérias, apesar da familiaridade que sentiam com aquele pânico habitual e, infelizmente, inevitável. A viagem estava só começando, a aeronave tinha se desprendido da pista há poucas horas e agora sobrevoava os céus nebulosos dos limites do país.
e pegaram no sono quase juntos, e ainda bem que não estava acordado, pois entraria em pânico com o a turbulência.
- Tudo em ordem, capitão? - outra comissária, esta mais medrosa que as outras, investigou ao ousar abrir a porta da cabine, recebendo apenas um menear positivo de cabeça. Estranho.
Dentro da cabine, piloto e copiloto percebiam que havia algo de errado. Observavam o painel com atenção e seguiam perfeitamente toda e qualquer coordenada. Até que uma turbulência um pouco mais forte os fez sentirem a pressão do avião se inclinando ligeiramente para a esquerda e então sofreu alguns solavancos mais precisos, o que acabou acordando em sustos audíveis alguns passageiros.
Buscaram auxílio da torre de comando quando ficou provado que era uma emergência, mas ainda não tinham conseguido descobrir do que se tratava.
Máscaras de oxigênio despencaram sobre todas as poltronas, mas já era um pouco tarde para que os passageiros apresentassem qualquer calma.
Contudo, todos os comissários continuavam exercendo seu trabalho, orientando o que fazer e pedindo que ninguém se levantasse. Um deles nem acreditava mais no que dizia, e sentiu que aquele seria o seu último voo.
Apavorado com as luzes piscando, olhou abismado para uma das laterais do avião, encontrando as poltronas 12A e 12B vazias, perguntando-se quem seriam os loucos que se levantaram e foram transar no banheiro durante uma fatal turbulência.
Só que turbulências não costumavam durar tanto, não costumavam ter um fim trágico.
Turbulências não derrubavam aviões!
- Capitão... - o copiloto o chamou, sem saber mais o que fazer, suor frio escorrendo pelo rosto em sinal de um nervosismo aparente. - Capitão!
Sentiram um baque sobre a aeronave, depois foi como se a mesma estivesse mais pesada, percorrendo os céus escuros com mais lentidão. O piloto não acreditou nos rastros que se desenharam a sua frente, e então desapareceram, levando consigo relâmpagos que clarearam os céus por segundos.
Aos poucos, era como se o avião voltasse a recuperar sua estabilidade e o painel de controle deixou de exibir uma pane.
Ninguém sabia o que tinha acontecido, como e porquê. Estranho era o fato de que aquelas duas mesmas poltronas continuavam vazias.
E todos estavam a salvo.
POSSIBLE
Do lado de fora do avião, havia um casal sentado sobre uma das largas e imensas asas do mesmo. Os cabelos da garota esvoaçavam com o vento e o garoto fez questão de observá-la por longos segundos, voltando a focar no horizonte, agora ainda mais disposto a admirar a vista.
Afinal, com a ajuda dela, tinha acabado de salvar mais algumas vidas. Não que alguém fosse acreditar, mas...
Coisa de super-herói, sabe?
Pena que logo seriam dominados por um desgaste físico total, retornariam ao interior do avião e voltariam a dormir, amanhecendo na Itália, sem a menor ideia do que tinha acontecido, somente com quase imperceptíveis marcas no corpo para contar a história.
E quem poderia explicar isso? Ou, melhor ainda, quem estaria por trás disso?
Continua?
Nota da autora: É oficial: consegui começar a terminar uma shortfic! Eu sei, parecia impossível, mas no final foi totalmente possível!
Soa familiar? hahahahha?
Olha, essa shortfic (que tá mais pra uma saialongafic) me pegou de jeito, digamos assim. Era um daqueles momentos em que eu sabia que precisava finalizar uma história, mas ainda não me sentia preparada, então minha mente bolou outra coisa e conseguiu me distrair por uns dias. Foi MUITO BOM escrever Lost & Found. Apesar de difícil, é claro. Não costumo escrever histórias assim, com pps assim, mas super curti a experiência e vou tentar mais vezes.
O que acharam dos personagens? E esse pp amorzão?! HAHAHAHA Acho que isso serve pra quem disse/pensa que eu não consigo sair da linha "bad boy que vira príncipe por uma mulher", huh? E espero que vocês tenham se apaixonado por esse nerd todo cheio de complexos, timidez, momentos fofos e superpoderes (!!!!!) tanto quanto eu me apaixonei <3 Aliás, ele fez o meu amor pelo Grant Gustin ressurgir. Quer dizer, foi The Flash que fez isso, mas uma coisa se ligou a outra e tá aí o resultado.
Adorei desenvolver a relação desse casal, super leve, mas com uns momentos mais "intensos". Me diverti com a pp, com os amigos... E com várias cenas. Acho que a melhor coisa é quando a gente consegue se entreter com o que faz, né?
Bom, agora vamos a uma pergunta crucial: quantas continuações essa linda merece?! HAHAHAHAHHAHA É, acho que sei a resposta.
Sim, Lost & Found terá continuação. Ainda sem previsão de lançamento, mas terá! A primeira parte deu foco neles acordados, durante o dia... E se agora a gente focar neles "dormindo", durante a noite? Alguns flashbacks? HmHm ;) É esperar pra ver!
Beijos, meus amores mais lindos, aguardo ansiosa pelos feedbacks de você. E por uma chuva de amor por esse pp! Ele merece, vai?
Obrigada a Larys por ter sido a primeiríssima leitora de L&F, por ter surtado comigo, me ajudado a consertar algumas partes e demonstrar enorme interesse pela continuação! E, é claro, obrigada a todas as lindas do grupo no Facebook e do ask por botarem fé nessa história, muito antes dela ser concluída. Vocês são demais! <3
•••
PLAYLIST DE LOST & FOUND
•••
Grupo no Facebook
•••
Ask.fm
Nota da Beta: Ai, meu Deus! Que short mais maravilhosa foi essa? Sem falar na honra que foi ser a primeira a ler!
Mais uma história perfeita para o seu currículo, Tici linda! Me apaixonei por esse pp e estou esperando de presente, hein? hahaha
Mal posso esperar pela continuação! <3
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.