Capítulo Único
Era muito difícil para mim lidar com toda baboseira de sentimentos que eu jurava para todo mundo que não sentia. Era difícil ter que olhar para ela toda vez que estávamos juntos, ainda mais por sermos tão próximos. Muito complicado não me encantar com sua risada, seu sorriso e o leve aroma de seu perfume, que eu já não sentia há tanto tempo. E isso era uma droga. Uma droga porque ela nunca iria me ver de outra maneira, pensei enquanto me arrumava em frente ao espelho, a não ser que eu diga a ela.
Ela era minha melhor amiga. Foi para mim que ela contou todas as suas paixonites, era a mim que recorria quando tinha cólicas e era eu quem ouvia suas intermináveis preocupações diárias, tendo seus pais, a escola e a igreja como principais focos. Eu assistia com ela todos os filmes que ela escolhia, e sempre fazia tudo que ela queria fazer. Percebi tarde demais que o tempo todo só quis agradar a porque na verdade gostava dela, e não do jeito que ela esperava que eu gostasse.
Por isso não sei dizer quando minha atração pela começou. Talvez no início do ensino médio, quando tomei conhecimento de situações relativamente maliciosas, como o fato de ter reparado o aumento dos seios dela. Ou quando notei o contorno de seu corpo quando usava roupas de ginástica. Quer dizer, a gente se conhecia desde quando babávamos pela creche, sem nem saber falar, e agora minhas mãos suavam pela simples menção de seu nome? Porém sabia, no fundo do meu coração, que o que eu sentia ficou ainda mais forte quando fomos para a faculdade. Tomamos caminhos opostos, mas nunca nos distanciamos, pelo menos virtualmente. Claro que não era tudo da mesma maneira que sempre foi. foi para Princeton, enquanto eu me mudei para a calorosa Califórnia, em Stanford. Não éramos os amigos inseparáveis que costumávamos ser, e nem tinha como, a distância era muito grande. Quando mais novos vivíamos grudados, e é extremamente difícil quebrar um elo como esse. Então nunca deixou de me contemplar com suas histórias espalhafatosas, seu boletim impecável e suas leves surtadas pelo campus, enquanto eu contava sobre as festas e o fato de ser um péssimo universitário.
Dito isso, nosso primeiro encontro em três anos seria exatamente em vinte e sete minutos. Quando me disse que estava voltando para nossa cidade natal, não pude deixar de pensar que ela precisava saber. Sabia que seria árduo e estressante, mas eu precisava me abrir para ela; talvez não correspondesse agora, mas precisava saber que eu era apaixonado por ela há tanto tempo que não saberia dizer como começou exatamente. Combinamos esse encontro seis meses atrás, e me preparei seis meses para dizer a ela o quão apaixonado estava.
Terminei de me arrumar, largando o estilo “nerd engomado” como ela costumava me dizer na época da escola, e usando uma roupa casual no lugar disso. Sabia que não era o mesmo nerd tímido que costumava ser, a faculdade me mudou muito. Porém não queria chamar atenção para minha vestimenta, ou para o fato de estar diferente, então só espirrei um pouco de colônia no pulso, peguei minha jaqueta e desci as escadas, saindo de casa.
Combinamos de nos encontrar em uma cafeteria no centro de nossa pequena cidade. Sabia que estava dez minutos adiantado, mas não me importei se parecesse desesperado. Ela ainda era minha amiga, afinal de contas. Não seria crucificado por sentir saudades. Cinco minutos depois o rosto gentil e brincalhão de apareceu na porta do estabelecimento. Dei um sorriso, acenando de onde estava.
- ! Como você está diferente! – Exclamou, correndo ao meu encontro. Levantei-me para cumprimenta-la, dando um abraço forte que a tirou dois ou três centímetros do chão.
- ! Quanto tempo! Como foi Princeton? – Perguntei, me sentando novamente. Ela sorriu, parecendo até bem sem graça. Se aconchegou no banco em frente ao meu, colocando os pulsos por cima da mesa.
Ela também estava diferente. O sorriso meigo ainda estava ali, junto com sua aura tão bondosa e seu espírito tão bonito. nunca foi só uma garota linda. Posso afirmar isso porque cresci com ela, notava como ajudava alguém sem nem pensar duas vezes, como cuidava das crianças mais novas de suas vizinhas quando a babá não aparecia ou quando perdia parte do seu tempo arrecadando verbas para o presente de Natal de crianças carentes. Não gostava de atribuir tudo isso ao fato de ser filha do pastor, e sim porque a alma dela era assim simplesmente porque Deus ou quem quer que fosse havia pintado perfeita dessa forma. Juro que não consigo imaginar a mais remota hipótese de ter ouvido falar mal de alguém, ou reclamado de algo. Quando planejamos uma viagem para praia e começou a chover, foi a única no nosso grupo de amigos que riu da situação e ficou pulando debaixo da chuva por um tempão, até eu tirar ela de lá. Ficou doente no dia seguinte, e ainda falou que valeu totalmente a pena. Essa era minha .
Eu poderia ficar até amanhã analisando cada detalhe que havia nela, mas quando notei que estava divagando, percebi que ela estava falando há um tempo.
- ... e as provas não eram assim tão difíceis, mas sabe como é, eu estudei demais, deve ser por isso que eu sei de tudo. – Terminou, falsamente debochada, o que me fez cair na risada. – E como foi Stanford? Muitas gatinhas?
- Ah tá, até parece. – Desconversei. – Foi uma experiência bem ruim, como sempre.
riu, batendo no meu braço.
- Você tem um talento enorme, ! Para de ser bobo. Você prec...
- Vocês vão fazer o pedido agora? – Interrompeu a garçonete, com uma cara entediada.
- Hm... – Murmurou olhando para mim, sorrindo. – O de sempre?
Sorri de volta.
- O de sempre está ótimo para mim. – Virei-me de frente para a garçonete que aguardava impaciente. – Dois x-salada com o dobro de queijo, dois milk-shake de morango e uma batata grande, por favor.
Mesmo com a carranca, agradeceu a mulher com um sorriso bondoso.
- Meu Deus, o que aconteceu com esse lugar? Que mau humor.
- Ela pode estar tendo um dia difícil, não julga. – Refletiu .
- Teve contato com alguém nesses anos? – Perguntei, mudando de assunto. – Tina, Corner, Wallys...?
- Não... Acho que só conversei com a Tina um tempo atrás no Instagram. Ela pintou o cabelo de rosa, ficou bem legal. Só disse para ela que tinha ficado ótimo, e pelo que me contou está casada com um advogado e tem um filho de um ano. Mora em Manhattan.
Ela sorriu, olhando alguma coisa no celular.
- Olha ela aqui. – Disse, me mostrando Tina com os cabelos rosas.
- É, ficou bem legal. Caramba, casada.
- É, pois é. Sempre achei que ela seria a primeira.
Dei risada.
- E todo mundo pensava que você seria a primeira.
revirou os olhos.
- Levei bem a sério isso de procurar um marido. Sabe como é, a igreja não permite divórcios.
Conversamos por mais dez minutos, até a garçonete rancorosa nos trazer nossos pedidos. Era nossa lanchonete favorita, vínhamos sempre depois da escola. A nostalgia tomou conta de mim quando fechei os olhos e vi como o tempo passara rápido demais para o meu gosto. Será que se tivesse me declarado para antes da faculdade ela teria ido para Stanford comigo, ao invés de aceitar a bolsa de Princeton? Era tarde demais para pensar nisso, mas pelo menos agora eu tinha uma oportunidade.
- Isso está bem bom. – Disse, com a boca cheia de batata. – Tão bom quanto poderia, parece que meu corpo não digere porcaria como antigamente.
Dei uma boa olhada no hambúrguer cheio de queijo.
- É, vou demorar um tempão para terminar isso aqui.
recebeu uma notificação no celular que a fez dar um sorriso.
- Tenho uma novidade para te contar. – Informou ela com aqueles olhos brilhantes, depois de tomar um gole de seu milk-shake.
- Eu também tenho! – Afirmei, enquanto sentia o suor de nervoso se formando na minha mão. Limpei a palma nas minhas calças, tentando imaginar o que de tão legal ela teria para compartilhar comigo.
- Você primeiro, então, .
- Tudo bem, posso esperar. Pode falar.
Quando ela estava prestes a dizer algo, a porta da lanchonete se abriu, revelando um homem alto e com muita barba, segurando as mãos de uma menininha. Até então daria pouca atenção para essa cena, mas o que me prendeu a ela foi que: a menininha correu direto para os braços de .
- Oi, Lilly! Como foi o passeio? – Perguntou simpática. A menininha riu, esperando pelo homem alto que estava bem do nosso lado.
Ah, não.
- Foi legal, papai ficou com medo de andar na montanha russa. – Os dois adultos riram, e eu ri junto mais por educação do que por achar graça. Eu queria muito entender o que estava acontecendo, e por me conhecer muito bem provavelmente entendeu que era o momento das explicações.
- Esse é Etan, meu noivo. E essa linda princesinha é Lilly, filha dele. – Disse, fazendo cócegas na barriguinha dela. Mas eu parei na palavra “noivo”.
Ela era madrasta de alguém? Ela estava noiva? Como assim?
Minha boa educação me deixou filtrar o que precisava naquele momento. E ela precisava que eu fosse , seu melhor amigo desde sempre.
Levantei-me, estendendo a mão para Etan.
- Prazer, Etan. Eu sou...
- . – Interrompeu, rindo. – Sabemos quem é . fala muito de você.
riu, ruborizando.
- Bom, , essa era minha novidade. – Informou, sorrindo. – Eu vou me casar! – Comemorou, toda feliz, olhando para o homem ao seu lado.
Reuni todas as forças que existiam em mim para dar meu sorriso mais sincero.
- Maravilha, , eu estou muito, muito feliz por você. – Parabenizei, dando um abraço nela. – Eu espero que vocês dois sejam muito felizes. – Estimei, sinceramente. Meu olho estava marejado, e secretamente desejei que ela pensasse que era de felicidade.
- Sabe, , contei para o Etan como você sempre me apoiou minha vida toda, então uma pessoa importante assim não poderia receber um convite por correio. Eu disse que precisava vir até aqui te contar pessoalmente. Por isso viemos.
Ah, tudo acabou de ficar melhor: ela estava noiva há seis meses, a mesma quantidade de tempo que usei tentando decidir qual era a melhor maneira de dizer que estava apaixonado por ela. Poderia eu ser mais palhaço?
- Fico feliz pela consideração, . – Disse, sorrindo para ela. Limpei minha bochecha com a lágrima que caiu, o que fez a menininha rir de mim, mas não liguei.
- E o que você queria me contar? – Perguntou, ansiosa.
Eu não tinha muita escolha, tinha?
- Hm, vou me mudar para Califórnia. Consegui um emprego por lá.
bateu palmas, o que fez Lilly em seu colo imitar a nova mãe.
- Estou feliz por você. – Ela olhou Etan por um momento antes de se virar para mim. – Eu ia mostrar um pouco da cidade para Etan, quer vir conosco?
Olhei para , tão bondosa e satisfeita com suas conquistas. Encarei Etan por três segundos procurando defeitos que eu sabia que não existiam. Ele tinha que ser um cara gentil e bondoso, como ela. A menininha também me olhava com expectativa. Mas decidi que aquele momento era de e de sua nova – bem, nova para mim – família.
- Sabe, eu tenho umas coisas para resolver em casa. Fica para próxima. – Dispensei, com um sorriso. sorriu também, se abaixando para pegar a carteira. – , é a primeira vez que a gente se vê em três anos, pode deixar que é por minha conta.
A pequena família se despediu de mim com Lilly nos ombros de Etan, que por sua vez segurava minha doce pela mão. Ela olhou para trás para acenar com a mão livre pela última vez antes de saírem porta afora. Paguei a conta, até deixei uma gorjeta para a carrancuda garçonete que havia nos atendido. Encaminhei-me em direção ao meu carro, com uma força que eu não tinha.
Eu nunca entendi de verdade como o amor realmente era.
Sei que tenho falado o quando amo , o quanto sou apaixonado por ela, mas pelo menos até dez minutos atrás eu não sabia como era realmente amar. Foi quando Etan se revelou e eu tive que engolir tudo que eu sentia por ela que finalmente descobri o que era amor, e foi isso que machucou mais.
Descobri que havia amor em sua risada, em suas palavras, em suas histórias. Mas também descobri que tinha amor na dor que sentia, em um futuro que foi tirado de mim e nas histórias que jamais viveria. Senti o amor quando todas as minhas expectativas por essa tarde se dissipara, e senti o amor quando no auge do meu desespero sugeri que me mudaria para outro estado, apenas para não precisar vê-la.
A primeira vez que realmente senti meu amor por Smith foi quando percebi que ela não foi e jamais seria minha um dia, e jamais sentiria por mim o que sinto por ela. Muito provavelmente porque não disse isso para ela antes e agora ela jamais saberia.
Por meio da dor de ter perdido alguém que nem me pertencia, entrei no carro pensando em tudo que deveria ter falado há tantos anos, e chegando a uma única conclusão, que por mais injusta que fosse, ainda era verdade.
Fui eu quem amei primeiro.
Ela era minha melhor amiga. Foi para mim que ela contou todas as suas paixonites, era a mim que recorria quando tinha cólicas e era eu quem ouvia suas intermináveis preocupações diárias, tendo seus pais, a escola e a igreja como principais focos. Eu assistia com ela todos os filmes que ela escolhia, e sempre fazia tudo que ela queria fazer. Percebi tarde demais que o tempo todo só quis agradar a porque na verdade gostava dela, e não do jeito que ela esperava que eu gostasse.
Por isso não sei dizer quando minha atração pela começou. Talvez no início do ensino médio, quando tomei conhecimento de situações relativamente maliciosas, como o fato de ter reparado o aumento dos seios dela. Ou quando notei o contorno de seu corpo quando usava roupas de ginástica. Quer dizer, a gente se conhecia desde quando babávamos pela creche, sem nem saber falar, e agora minhas mãos suavam pela simples menção de seu nome? Porém sabia, no fundo do meu coração, que o que eu sentia ficou ainda mais forte quando fomos para a faculdade. Tomamos caminhos opostos, mas nunca nos distanciamos, pelo menos virtualmente. Claro que não era tudo da mesma maneira que sempre foi. foi para Princeton, enquanto eu me mudei para a calorosa Califórnia, em Stanford. Não éramos os amigos inseparáveis que costumávamos ser, e nem tinha como, a distância era muito grande. Quando mais novos vivíamos grudados, e é extremamente difícil quebrar um elo como esse. Então nunca deixou de me contemplar com suas histórias espalhafatosas, seu boletim impecável e suas leves surtadas pelo campus, enquanto eu contava sobre as festas e o fato de ser um péssimo universitário.
Dito isso, nosso primeiro encontro em três anos seria exatamente em vinte e sete minutos. Quando me disse que estava voltando para nossa cidade natal, não pude deixar de pensar que ela precisava saber. Sabia que seria árduo e estressante, mas eu precisava me abrir para ela; talvez não correspondesse agora, mas precisava saber que eu era apaixonado por ela há tanto tempo que não saberia dizer como começou exatamente. Combinamos esse encontro seis meses atrás, e me preparei seis meses para dizer a ela o quão apaixonado estava.
Terminei de me arrumar, largando o estilo “nerd engomado” como ela costumava me dizer na época da escola, e usando uma roupa casual no lugar disso. Sabia que não era o mesmo nerd tímido que costumava ser, a faculdade me mudou muito. Porém não queria chamar atenção para minha vestimenta, ou para o fato de estar diferente, então só espirrei um pouco de colônia no pulso, peguei minha jaqueta e desci as escadas, saindo de casa.
Combinamos de nos encontrar em uma cafeteria no centro de nossa pequena cidade. Sabia que estava dez minutos adiantado, mas não me importei se parecesse desesperado. Ela ainda era minha amiga, afinal de contas. Não seria crucificado por sentir saudades. Cinco minutos depois o rosto gentil e brincalhão de apareceu na porta do estabelecimento. Dei um sorriso, acenando de onde estava.
- ! Como você está diferente! – Exclamou, correndo ao meu encontro. Levantei-me para cumprimenta-la, dando um abraço forte que a tirou dois ou três centímetros do chão.
- ! Quanto tempo! Como foi Princeton? – Perguntei, me sentando novamente. Ela sorriu, parecendo até bem sem graça. Se aconchegou no banco em frente ao meu, colocando os pulsos por cima da mesa.
Ela também estava diferente. O sorriso meigo ainda estava ali, junto com sua aura tão bondosa e seu espírito tão bonito. nunca foi só uma garota linda. Posso afirmar isso porque cresci com ela, notava como ajudava alguém sem nem pensar duas vezes, como cuidava das crianças mais novas de suas vizinhas quando a babá não aparecia ou quando perdia parte do seu tempo arrecadando verbas para o presente de Natal de crianças carentes. Não gostava de atribuir tudo isso ao fato de ser filha do pastor, e sim porque a alma dela era assim simplesmente porque Deus ou quem quer que fosse havia pintado perfeita dessa forma. Juro que não consigo imaginar a mais remota hipótese de ter ouvido falar mal de alguém, ou reclamado de algo. Quando planejamos uma viagem para praia e começou a chover, foi a única no nosso grupo de amigos que riu da situação e ficou pulando debaixo da chuva por um tempão, até eu tirar ela de lá. Ficou doente no dia seguinte, e ainda falou que valeu totalmente a pena. Essa era minha .
Eu poderia ficar até amanhã analisando cada detalhe que havia nela, mas quando notei que estava divagando, percebi que ela estava falando há um tempo.
- ... e as provas não eram assim tão difíceis, mas sabe como é, eu estudei demais, deve ser por isso que eu sei de tudo. – Terminou, falsamente debochada, o que me fez cair na risada. – E como foi Stanford? Muitas gatinhas?
- Ah tá, até parece. – Desconversei. – Foi uma experiência bem ruim, como sempre.
riu, batendo no meu braço.
- Você tem um talento enorme, ! Para de ser bobo. Você prec...
- Vocês vão fazer o pedido agora? – Interrompeu a garçonete, com uma cara entediada.
- Hm... – Murmurou olhando para mim, sorrindo. – O de sempre?
Sorri de volta.
- O de sempre está ótimo para mim. – Virei-me de frente para a garçonete que aguardava impaciente. – Dois x-salada com o dobro de queijo, dois milk-shake de morango e uma batata grande, por favor.
Mesmo com a carranca, agradeceu a mulher com um sorriso bondoso.
- Meu Deus, o que aconteceu com esse lugar? Que mau humor.
- Ela pode estar tendo um dia difícil, não julga. – Refletiu .
- Teve contato com alguém nesses anos? – Perguntei, mudando de assunto. – Tina, Corner, Wallys...?
- Não... Acho que só conversei com a Tina um tempo atrás no Instagram. Ela pintou o cabelo de rosa, ficou bem legal. Só disse para ela que tinha ficado ótimo, e pelo que me contou está casada com um advogado e tem um filho de um ano. Mora em Manhattan.
Ela sorriu, olhando alguma coisa no celular.
- Olha ela aqui. – Disse, me mostrando Tina com os cabelos rosas.
- É, ficou bem legal. Caramba, casada.
- É, pois é. Sempre achei que ela seria a primeira.
Dei risada.
- E todo mundo pensava que você seria a primeira.
revirou os olhos.
- Levei bem a sério isso de procurar um marido. Sabe como é, a igreja não permite divórcios.
Conversamos por mais dez minutos, até a garçonete rancorosa nos trazer nossos pedidos. Era nossa lanchonete favorita, vínhamos sempre depois da escola. A nostalgia tomou conta de mim quando fechei os olhos e vi como o tempo passara rápido demais para o meu gosto. Será que se tivesse me declarado para antes da faculdade ela teria ido para Stanford comigo, ao invés de aceitar a bolsa de Princeton? Era tarde demais para pensar nisso, mas pelo menos agora eu tinha uma oportunidade.
- Isso está bem bom. – Disse, com a boca cheia de batata. – Tão bom quanto poderia, parece que meu corpo não digere porcaria como antigamente.
Dei uma boa olhada no hambúrguer cheio de queijo.
- É, vou demorar um tempão para terminar isso aqui.
recebeu uma notificação no celular que a fez dar um sorriso.
- Tenho uma novidade para te contar. – Informou ela com aqueles olhos brilhantes, depois de tomar um gole de seu milk-shake.
- Eu também tenho! – Afirmei, enquanto sentia o suor de nervoso se formando na minha mão. Limpei a palma nas minhas calças, tentando imaginar o que de tão legal ela teria para compartilhar comigo.
- Você primeiro, então, .
- Tudo bem, posso esperar. Pode falar.
Quando ela estava prestes a dizer algo, a porta da lanchonete se abriu, revelando um homem alto e com muita barba, segurando as mãos de uma menininha. Até então daria pouca atenção para essa cena, mas o que me prendeu a ela foi que: a menininha correu direto para os braços de .
- Oi, Lilly! Como foi o passeio? – Perguntou simpática. A menininha riu, esperando pelo homem alto que estava bem do nosso lado.
Ah, não.
- Foi legal, papai ficou com medo de andar na montanha russa. – Os dois adultos riram, e eu ri junto mais por educação do que por achar graça. Eu queria muito entender o que estava acontecendo, e por me conhecer muito bem provavelmente entendeu que era o momento das explicações.
- Esse é Etan, meu noivo. E essa linda princesinha é Lilly, filha dele. – Disse, fazendo cócegas na barriguinha dela. Mas eu parei na palavra “noivo”.
Ela era madrasta de alguém? Ela estava noiva? Como assim?
Minha boa educação me deixou filtrar o que precisava naquele momento. E ela precisava que eu fosse , seu melhor amigo desde sempre.
Levantei-me, estendendo a mão para Etan.
- Prazer, Etan. Eu sou...
- . – Interrompeu, rindo. – Sabemos quem é . fala muito de você.
riu, ruborizando.
- Bom, , essa era minha novidade. – Informou, sorrindo. – Eu vou me casar! – Comemorou, toda feliz, olhando para o homem ao seu lado.
Reuni todas as forças que existiam em mim para dar meu sorriso mais sincero.
- Maravilha, , eu estou muito, muito feliz por você. – Parabenizei, dando um abraço nela. – Eu espero que vocês dois sejam muito felizes. – Estimei, sinceramente. Meu olho estava marejado, e secretamente desejei que ela pensasse que era de felicidade.
- Sabe, , contei para o Etan como você sempre me apoiou minha vida toda, então uma pessoa importante assim não poderia receber um convite por correio. Eu disse que precisava vir até aqui te contar pessoalmente. Por isso viemos.
Ah, tudo acabou de ficar melhor: ela estava noiva há seis meses, a mesma quantidade de tempo que usei tentando decidir qual era a melhor maneira de dizer que estava apaixonado por ela. Poderia eu ser mais palhaço?
- Fico feliz pela consideração, . – Disse, sorrindo para ela. Limpei minha bochecha com a lágrima que caiu, o que fez a menininha rir de mim, mas não liguei.
- E o que você queria me contar? – Perguntou, ansiosa.
Eu não tinha muita escolha, tinha?
- Hm, vou me mudar para Califórnia. Consegui um emprego por lá.
bateu palmas, o que fez Lilly em seu colo imitar a nova mãe.
- Estou feliz por você. – Ela olhou Etan por um momento antes de se virar para mim. – Eu ia mostrar um pouco da cidade para Etan, quer vir conosco?
Olhei para , tão bondosa e satisfeita com suas conquistas. Encarei Etan por três segundos procurando defeitos que eu sabia que não existiam. Ele tinha que ser um cara gentil e bondoso, como ela. A menininha também me olhava com expectativa. Mas decidi que aquele momento era de e de sua nova – bem, nova para mim – família.
- Sabe, eu tenho umas coisas para resolver em casa. Fica para próxima. – Dispensei, com um sorriso. sorriu também, se abaixando para pegar a carteira. – , é a primeira vez que a gente se vê em três anos, pode deixar que é por minha conta.
A pequena família se despediu de mim com Lilly nos ombros de Etan, que por sua vez segurava minha doce pela mão. Ela olhou para trás para acenar com a mão livre pela última vez antes de saírem porta afora. Paguei a conta, até deixei uma gorjeta para a carrancuda garçonete que havia nos atendido. Encaminhei-me em direção ao meu carro, com uma força que eu não tinha.
Eu nunca entendi de verdade como o amor realmente era.
Sei que tenho falado o quando amo , o quanto sou apaixonado por ela, mas pelo menos até dez minutos atrás eu não sabia como era realmente amar. Foi quando Etan se revelou e eu tive que engolir tudo que eu sentia por ela que finalmente descobri o que era amor, e foi isso que machucou mais.
Descobri que havia amor em sua risada, em suas palavras, em suas histórias. Mas também descobri que tinha amor na dor que sentia, em um futuro que foi tirado de mim e nas histórias que jamais viveria. Senti o amor quando todas as minhas expectativas por essa tarde se dissipara, e senti o amor quando no auge do meu desespero sugeri que me mudaria para outro estado, apenas para não precisar vê-la.
A primeira vez que realmente senti meu amor por Smith foi quando percebi que ela não foi e jamais seria minha um dia, e jamais sentiria por mim o que sinto por ela. Muito provavelmente porque não disse isso para ela antes e agora ela jamais saberia.
Por meio da dor de ter perdido alguém que nem me pertencia, entrei no carro pensando em tudo que deveria ter falado há tantos anos, e chegando a uma única conclusão, que por mais injusta que fosse, ainda era verdade.
Fui eu quem amei primeiro.