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Love Is On The Radio






Última atualização: 16/10/2017

Capítulo 1


One, Two, Three, Four... HEY

Chuva. Mais um dia acordado pelo barulho da chuva. Virei com um pouco de dificuldade no sofá e olhei para o calendário ao lado do relógio estragado, 28 de Maio, isso significa que o verão estava chegando. Por que caralhos estava chovendo próximo ao verão?

- Droga de país. - Passei a mão no chão em busca de alguma coberta. - Droga de casa.

Por já estar irritado, decidi acordar de vez, sentei no sofá esfregando os olhos e coçando a cicatriz na testa. Olhei ao redor, uma sala espaçosa com grandes portas de vidro que davam pra sacada, uma cozinha do outro lado e um pequeno corredor que leva aos banheiros e quartos. Seria o apartamento perfeito se não fossem pelas inúmeras latas de cerveja e embalagens de pizza que deixei espalhadas. Nem posso acreditar que estava vivendo desse jeito há mais de um ano. Um ano, dois meses e dezoito dias pra ser exato.

- Droga de vida. - Levantei me arrastando até a geladeira e peguei uma latinha de cerveja.

Havia acabado de sentar no sofá quando ouvi o telefone fixo tocar. Pensei um pouco antes de atender, até decidir que o barulho me irritava demais pra deixá-lo tocando.

- Quem me incomoda? - Perguntei sem animação.
- ? Oh meu Deus, , ele atendeu. - Sua voz parecia surpresa. - , não desligue, é o .
- Por que me incomoda?
- São cinco horas da tarde, você acordou agora?
- Não. - Respirei fundo. - Faz poucos minutos.
- Você... Está bebendo?
- Talvez. - Disse dando mais um gole na cerveja.
- Ok, eu perdi a paciência. - Pude ouvir falar ao fundo enquanto tomava o telefone da mão de . - Estaremos aí às sete. Esteja pronto. Não seja um babaca, nem um vegetal. Até mais. - E ele desligou antes que eu argumentasse algo que fosse um bom motivo para não sair hoje.

Joguei o telefone no sofá e cocei a barba que havia crescido um pouco por estar já há dois meses sem ser feita. Eu ainda não sabia ao certo qual era a intenção dos meus velhos amigos. Ok, unidos venceremos, mas aquela depressão profunda em que eu me encontro não era algo que surgiu sem motivo. Havia sim um enorme motivo, e meus amigos sabiam o que era e o que eles podiam fazer?
Respirei fundo. A bagunça em que eu me encontrava estava começando a me incomodar, tinha que ligar para Marlee vir arrumar a casa de novo. Larguei o resto da cerveja na latinha e me dirigi para o quarto e... Saco, o silêncio está me incomodando. Veria um filme na TV, mas essa eu tinha estilhaçado a tela em mil pedaços em uma de minhas crises de raiva. Lembrei-me do notebook, que há algum tempo havia saído da mesa e sido guardado no armário. Se minha conta do Netflix não estiver vencida, será uma boa opção.

- Onde está... Onde está!? - Exclamava nervoso. - Meias, cabos, roupas para o frio... - Repetia alto o nome escrito em cada caixa à procura de "computador". - CDs e DVDs, livros, Emma, aparelho de som, computador. Isso! - Mal havia colocado a caixa no chão e foi como se um soco no estômago houvesse me atingido com um frio desconhecido. Havia falado o nome dela em voz alta, escrito naquela estúpida caixa rosa. Fechei o armário com força antes que meu corpo reagisse de qualquer forma. Sai do pequeno closet e fui para o quarto, fechei as cortinas e procurei uma série qualquer na internet. Depois de ver vários episódios, constatei que já devia ser tarde o bastante para tomar um banho. Estava prestes a entrar no banheiro quando o interfone tocou.
- Sr. ?
- Sim, Frank. - Respondi ao porteiro
- Seus amigos estão aqui em baixo, eu contei da ordem explícita de não deixar ninguém subir, mas eles insistiram.
- Ah, tudo bem, Frank, a culpa é minha, devia ter avisado que eles viriam. - Suspirei lembrando da regra imposta. "Não a visitas". - Pode deixar eles subirem

Destranquei a porta do apartamento e fui para o banho. Fiquei no banheiro por 30 minutos, 15 minutos foram de fato para o banho, os outros 15 gastei pensando na vida, nas contas, onde meus amigos me levariam, porque meu shampoo tinha um cheiro estranho, comecei a pensar nela, mas desliguei o chuveiro para espantar esses pensamentos antes que me aprofundasse neles. Enrolei uma toalha na cintura, sai do banheiro e fui até a sala ver meus visitantes.

- Por Deus, ! Não podia ter colocado uma roupa? Nós esperaríamos. - dizia com as mãos nos olhos
- Até onde sei, estou na minha casa.
- No seu lixão. - disse chutando uma latinha de cerveja. - Esse lugar está uma porcaria. Parece até o guarda roupas do
- Seu grosso!- respondeu. - Mas tenho que concordar, como você consegue viver assim?
- Não vivo. - Sussurrei mais para mim do que para eles.
- Ok, eu não vou deixar esse climão acontecer. - se manifestou antes que meu comentário afetasse a todos. - Pegue o mínimo de dignidade que te resta e vá colocar uma roupa pra noite.
- Eu não sei se...
- Olha só, nos te demos todas as alternativas. - perdeu a paciência de novo. - Nós acreditamos que você estava bem quando não estava, e um dia você surtou, depois disso, nós te ignoramos, nós te apoiamos no período mais difícil, nós te demos seu tempo de férias, nós cuidamos de você, mas nada disso deu certo, então agora vamos fazer algo diferente. Nos passe o número de Marlee, enquanto estivermos fora, ela dá um jeito nisso. - Apontei a agenda com meus contatos. - Ótimo. Agora, você, coloque uma roupa, estamos te esperando.

Virei de costas para eles e segui para o meu quarto. Coloquei a roupa menos amarrotada que eu tinha, calcei um tênis preto e peguei a jaqueta.

- Sim, a chave está no lugar de sempre. - Sai do quarto e pude ouvir . - Não sei que horas iremos voltar, mas não espere por ele... Ok... Obrigado, Marlee, você é ótima, até mais.
- Então? - perguntou.
- Pronto, ela disse que... Wow, , você está ótimo. Que bom que se lembra como é se vestir de verdade. - Ele disse assim que me viu na porta de entrada da sala.
- Muito engraçado, , mas eu gostaria de saber o que você quer com a Marlee.
- O disse que ligaríamos pra ela, e ligamos. - respondeu por ele. - Enquanto estivermos fora, ela estará aqui arrumando essa zona.
- Tudo bem. - Estava me rendendo, não tinha motivos para negar o passeio. Coloquei meu celular no bolso e segui meus amigos em direção à porta.
- A chave está debaixo do tapete, né? - perguntou enquanto eu trancava a porta do apartamento
- Sim.
- Ótimo. - disse. - , porque você não vai lá chamar o elevador?
- Eu vou com ele. - sugeriu.
- Eu não preciso que você... - começou a responder, mas logo foi puxado por pelo colarinho.
- Ei, . - colocou a mão em meu ombro. Como eu suspeitava, ele tinha algo a dizer. - Sei que hoje pode ser difícil. Caso queira voltar, é só nos dizer.
- Se posso voltar a qualquer momento, por que estou sendo obrigado a sair? - Perguntei mais em tom de brincadeira, mas percebi que ele não achou graça. - Desculpe, isso ainda é estranho pra mim. Mas agradeço pelo o que estão fazendo. - Coloquei minha mão em seu ombro também, estávamos abraçados de lado.
- Dude, só agradeceria se você tentasse, seria bom.
- Tudo bem! Vou me esforçar. - Ele me soltou e antes que pudesse se mover. - Ei, !
- Sim?
- Como o está? - Pude perceber que ele ficou surpreso com minha pergunta.
- Não se preocupe. - riu dando tapinhas nas minhas costas. - Ele está...
- Vocês dois vão demorar? - perguntou da porta do elevador. - Eu vou ficar roxo. - Ele fez uma careta e o elevador tentou se fechar mais uma vez.
- Sim, estamos aqui.

Entramos no elevador e logo chegamos ao térreo.

- Sr. , seu carro já está pronto. - Frank disse entregando a chave do carro a .
-Ei, Frank!
- Sr. . - Frank deu quase um grito de espanto ao me vê.
- Marlee vai vir aqui, a chave está no lugar de sempre, diga a ela que não irei demorar.
- Irá demorar, sim!- disse e me olhou com uma cara de: "você disse que iria tentar".
- Ok, diga a ela que não precisa me esperar. Boa noite, Frank. - Ele segurou na ponta do chapéu de porteiro e nós saímos.

Eu confesso que estava um pouco nervoso sobre entrar no carro. Primeiro porque o é um péssimo motorista, segundo porque eu não faço a mínima ideia de pra onde estamos indo. Já era quase 20:30h e o sol já havia se posto, os postes de luz estavam acesos para iluminar as ruas e parques, e as pessoas já estavam acendendo a luz de seus estabelecimentos e casas.

- Então... - Abri a boca pela primeira vez dentro do carro, mas sem deixar de contar os postes de luz que passavam rapidamente do lado de fora. - Já está escuro. Aonde vamos dessa vez?
- A um clube de strippers. - bateu palmas. Desviei imediatamente meu olhar dos postes e o olhei incrédulo. - Calma, foi só uma piada. Não pule do carro em movimento.
- Vamos no McCall. - disse mexendo no celular. - Vai ter um som lá, hoje.
- Mas vocês disseram...
- , nós te juramos que não faríamos apresentações musicais essa noite. - Começou .
- Mas nada nesse contrato verbal nos impede de assistir a uma. - completou sem desviar os olhos da rua. - Até porque é só música ao vivo em um pub, não vai ser nada demais. O único som que o McFly irá fazer é o de garrafas de cerveja brindando.
- Odeio pubs.
- Fedendo a cerveja como está, nem parece. - virou os olhos.

Zero argumento. Zero vontade. Zero moral. Hoje à noite o meu placar estava quase atingindo o um negativo. Perto dos meus amigos, eu não tinha opinião.
Depois de algum tempo, a redução na velocidade indicava que havíamos chegado, desci do carro e me apoiei na árvore sem folhas da calçada, não pude deixar de notar que o lugar não havia mudado quase nada desde a última vez que fui lá. O lugar em si, era um apartamento de dois andares rústico, daqueles pequenos achatados entre dois enormes restaurantes. A fachada era de madeira preta com detalhes em um dourado fraco, com uma porta grande entre duas janelas de vidro, e em baixo de cada janela, havia flores. Sempre foi bem colorido. Provavelmente havia pessoas morando nos andares de cima, pois se contavam quatro janelas, duas em cima de duas e três estavam com a luz acesa. Ao entrar no estabelecimento, vemos uma bancada circular no meio do salão de entrada que ocupa quase todo o pequeno espaço, onde fica o cara que guarda os casacos, o lugar é um pouco escuro. Na direita do balcão há uma escada que sobe (com certeza dá acesso aos apartamentos), e a esquerda do balcão há uma porta verde, que é a entrada do pub. Passamos pela porta e nos deparamos com o lugar, iluminação fraca, algumas luzes coloridas, do lado direito é o balcão do bar, onde os bartenders entregam cervejas, fazem drinks e usam as mangueiras de Chopp. Atrás deles, está a parede repleta de garrafas com bebidas diferentes. No final do balcão há uma porta, onde garçons entram e saem com pedidos. As mesas são espalhadas pelo o local, slogan de bandas e rótulos grandes de Wisky enfeita o ambiente. Não era um lugar muito grande, apenas um pub onde se toma cerveja com os amigos no fim do expediente e às vezes ouve uma música, e se não fosse por um letreiro do lado de fora de Led vermelho escrito McCall PUB, todos pensariam que lá é apenas um prédio com fachada bonita.

- Péssima ideia. – Argumentei.
- Não foi, nãao! - cantarolou andando a nossa frente.
- Essa foi a pior de todas as ideias. - Tentei virar o pescoço um pouco pra trás, na esperança de ainda ver a porta pela qual passamos há alguns minutos, mas qualquer menção de movimento que eu fizesse, diferente de passos contínuos e para frente, faziam e apertarem meu ante braço.
- Já está feito. - chamou minha atenção. - É hoje à noite que sua nova vida vai começar.

Capítulo 2


I was alone and my sach was twisted...

Entramos no bar e nos sentamos em um canto perto de onde tinha a Jukebox, mas não tão longe de onde ficariam os caras que iriam tocar.

- Olha só, os Mcguys apareceram.
- Oi, Call. – Call, o dono do pub; ele parecia um armário de tão grande, tinha o cabelo curtinho, tipo A2. Ele serviu a marinha por uns anos, e quando saiu, abriu o bar. Acho que aqui sempre foi organizado porque as pessoas têm medo dele, ou de apanhar dele, no caso. Pra nós, Call sempre foi um amigo e nos deixava tocar aqui quando começamos.
- Então, garotos, vão querer arriscar um som? - Ele nos cumprimentou e pediu para um garçom trazer uma rodada de cerveja.
- Hoje não, Call, estamos dando um tempo. - respondeu.
- Bom, quando quiserem voltar, aqui sempre estará à disposição. - Ele deu um tapinha nas costas de e se levantou. - Tenho que ir, a outra banda acabou de chegar.
- Dude, um dia ele vai quebrar o meu ombro. - disse massageando o próprio ombro quando Call saiu.
- Aqui estão suas cervejas, mais algum pedido? - Um garoto baixinho e com cabelo comprido nos perguntou enquanto colocava as cervejas na mesa.
- Então, vamos comer o quê? - virou para nós.
- Eu vou querer um hambúrguer com o quanto de batata me for permitido. - bateu na barriga.
- Essa é a meta, vim até com a calça mais larga que tenho, e se nada der certo, eu abro o botão. - dizia como se fosse o maior segredo já revelado a humanidade. - E você, ?
- Por enquanto nada, comi alguns pedaços de pizza enquanto via umas séries.
- Então vai ser hambúrguer, hambúrguer, nachos e batata. - respondeu e o garoto voltou ao balcão. - Então, qual série você anda vendo?
- Infelizmente estou esperando a 13º temporada de Grey's Anatomy ser liberada na Netflix.
- Não creio que o conseguiu te arrastar pra isso. - fez cara de decepção.
- Quando você fez ele assistir GOT com você desde o começo, eu não reclamei. - Deu de ombros.
- Enfim, moças, hoje no caso, eu comia enquanto estava vendo Vikings.
- Nossa eu já vi. - começou. - Na quarta temporada o Ragnar...
- SPOILER ALERT! Matem ele! - gritou enquanto falsamente o enforcava.
- Não seja um cuzão, ! Não seja! Eu vou te contar o que acontece com o Snow, seu vacilão.
- Desculpem. - Ele disse dando um gole na cerveja. - Mas quando você sentir algo muito impactante, fale comigo.

Íamos continuar o assunto, mas as luzes diminuíram, percebemos que a banda ia começar. O trio que ia tocar se apresentou como "Big Woods", achei o nome interessante. Eles tocaram umas duas músicas autorais e cinco que estavam fazendo sucesso no momento, cantaram até "Happy Birthday" pra uma garota. E por um momento, me senti como se nós ainda fossemos daquele jeito. Adolescentes, idiotas e felizes, ensaiando na garagem pra tocar em qualquer lugar que nos aceitasse. Sim, foi um grande momento de nostalgia.
O trio estava na sexta ou sétima música quando foi buscar mais cerveja e descobriu o jogo de dardos na parede, largando quem quer que ele estivesse beijando a cinco minutos atrás.

- Meu Deus, foi fabricar a terceira rodada no Alasca? - Perguntei inquieto.
- Meu Deus digo eu, - respondeu virando para . - você é péssimo nesse jogo. Até o está na sua frente.
- Desculpe se faz tempos que não vejo um dardo. - respondeu enquanto os jogava o mais longe possível do alvo vermelho.
- O que quer dizer com até o ? Sempre fui bom nos dardos, o é uma tragédia.
- Você sabe como é, ultimamente você anda meio desanimado. - deu de ombros.
- Mas isso não muda meus dons.
- Vai lá, então, sua vez. - Ele disse me entregando os dardos. - Mas quem perder, paga a rodada quatro.
- Ok. - Peguei os dardos de sua mão e me posicionei.
- E aceita o desafio, a plateia vai a loucura! - disse fazendo nós três rirmos. Eu estava me concentrando para jogar quando percebi um grupo de amigos, olhando fixamente pra mim.

"sim, é ele, o amigo acabou de dizer o nome".
"aquele lá deve ser então o ".
"será que ele vai surtar de novo?"
"pobrezinho, foi tão difícil".

As vozes, as vozes sempre voltam, e dessa vez mais altas.

- Eu não posso.
- , calma. - pôs a mão no meu braço, provavelmente também havia escutado a conversa. Eu estava estático, não conseguia me mover, não sabia nem como respirar. Senti socos em sequência acertando meu estômago, e mãos gigantes e invisíveis apertavam minha cabeça e meu coração, fazendo-os latejarem. Onde está todo o ar desse lugar? Eu quero respirar. - ! - apertou um pouco meu ombro.
- Ar. - Soltei os dardos que caíram no chão. - Eu preciso respirar.
- Aqui está. - disse colocando as garrafas e o amendoim na mesa enquanto eu passava por ele correndo e vinha atrás de mim.
- Ei, , espera aí, . - Pude ouvir me chamando, mas já estava longe demais.

As portas verdes ficaram pra trás, mas a sensação não passava. Olhei para os lados, entre a porta de saída e a escada para os apartamentos, e por instinto, subi. Passei do primeiro andar com muita dificuldade e logo cheguei ao segundo e entrei pela primeira porta que vi. As luzes estavam apagadas e não era onde eu queria chegar, meu corpo estava quente e eu estava suado, por Deus, isso é um infarto? Estava quase deitando ali mesmo no chão quando vi uma sacada, andei até lá e me sentei no batente com as pernas pra fora e a cabeça esticada. Sentia meus pés flutuarem acima da calçada e o vento bater em meu rosto. Finalmente estava desacelerando, tudo estava se acalmando. Minhas pernas perderam forças, meu coração perdeu o ritmo exagerado e frenético, eu estava perdendo as forças nos braços.

- AÍ MEU DEUS, O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO? - Senti alguém segurar minha cintura, e abri os olhos de uma vez. Eu estava quase caindo da sacada sem perceber, flexionei meu corpo para trás caindo de costas no chão.
- Argh! - Meu ombro com certeza foi fraturado S.O.S, S.O.S. - , me ajuda a levantar. Droga!
- O quê? Eu não sou o . Eu... - Ainda deitado no chão, virei um pouco à cabeça pra trás, e vi uma garota com os cabelos bagunçados, mãos nos joelhos e cara de quem acabou de correr uma maratona. - O que você estava fazendo? Como você entrou aqui?
- Eu só... - Fiz força pra levantar, mas fui atingido por uma grande náusea. Não vomite, foco. Por favor, não vomite. Fiquei de quatro tentando me concentrar. - Eu me perdi. - Respirei fundo. - Eu tive uma crise de pânico.
- Deu pra perceber que você teve uma crise de pânico. Tava querendo se matar, é? - Ela coçava o pulso direito agora, voltando a respirar tranquilamente aos poucos.
- Não, acredite, eu só perdi a noção da gravidade. - Ela olhou para o pulso começando a inchar. - Ah droga, eu te machuquei? Não foi minha intenção. - Dizia tentando me levantar.
- Não se preocupe. - Ela estendeu a mão esquerda e eu aceitei, mas assim que me pus de pé, cambaleei um pouco quase caindo de novo. – Opa, opa. - Ela colocou a mão esquerda no meu peito, me fazendo endireitar o máximo possível. - Você é bem pesado, se for desmaiar, chegue até o sofá, por favor.
- Pode deixar. - Fechei os olhos e me apoiei na garota que me levou até um sofá perto da sacada. - Nossa você é bem forte. - Disse quando ela literalmente me jogou lá.
- E você é bem bêbado. - Ela riu, e por mais que estivesse com os olhos fechados, senti que ela saiu de perto de mim.
- Eu não estou bêbado, isso é só uma dose diária de puro... Seja lá o que for. - Respirei fundo. - Aí meu Deus, o que eu tô falando? Me manda calar a boca. Eu te juro, não falo tanta coisa idiota assim, e nem fico tonto.
- Então você quase não fica bêbado? - Ela respondeu alto de qualquer cômodo.
- Eu NUNCA fico bêbado.
- Então você quase nunca bebe?
- Eu SEMPRE tô bebendo. Mas eu bebo em um estado constante de mesmo lugar e mesma posição. - Ela riu.
- Então, provavelmente você nunca viu seus sintomas de bêbado. - Ela disse voltando com o pulso direito enfaixado, colocou um pufe ao lado do sofá e voltou pra o cômodo aleatório.
- Eu te machuquei.
- O quê? - Ela voltou até mim e me ergueu uma barra de chocolate. - Come isso.
- Ai, não, eu te machuquei. Você já teve que engessar o braço. Quando você teve tempo pra isso? Você é médica? Ah, Deus, minha língua está enrolada. Por que ela está tão pesada? Eu tô bêbado. - Dizia tudo ao mesmo tempo em que comia o chocolate.
- Sim, você está. - Ela se sentou no pufe ao lado do sofá. - E você não me machucou, isso não é gesso, é uma munhequeira. Meu pulso é aberto, não é algo incomum, todo mundo conhece alguém que tem o pulso aberto. Às vezes, quando forço o pulso, tenho que usar isso aqui.
- Isso é nojento.
- Se você diz. - Ela colocou um comprimido na minha mão e esticou um copo com água na minha cara. - Bebe isso.
- Eu tava certo, você é médica. Pois eu também sou médico, formado em doze temporadas de Grey's Anatomy. - Coloquei o comprimido na boca e levantei um pouco a cabeça pra tomar água.
- Eu não sou médica, mas tenho uns segredinhos. - A olhei indignado.
- Você é... Traficante?
- O QUÊ? - Na minha mente, minha pergunta era séria, mas acho que ela entendeu como a piada mais engraçada do mundo, pois tenho certeza que as pessoas que passavam na rua, do outro lado, a ouviram gargalhando. Eu devo ter ficado um minuto olhando pra ela, porque quando percebeu, parou de rir e me encarou de volta. - Tá me olhando assim por quê?
- A sua risada. - Eu disse deitando de novo e fechando os olhos.
- Que tem?
- Ela é muito feia. Parece um asmático sendo morto por um monte de gatos com cordas vocais danificadas.
- Eu podia ter te deixado cair. - A olhei com medo. - As pessoas veriam o corpo pela manhã e eu e meus amigos diríamos à polícia que ninguém viu você entrando no estúdio.
- Amigos? Droga, meus amigos devem estar surtando. A essa altura já estão procurando meu corpo em alguma lata de lixo.
- Eles estão no bar? - Ela perguntou enquanto mexia no celular.
- Sim.
- Quais os nomes deles?
- Tem o , ele é tipo meu pai cuidando da gente. O outro é o , ele parece um ratinho assustado, porém engraçado. E o último é o , ele tá sempre beijando alguém.
- , e . - Olhei enquanto ela escrevia algo.
- Que quê cê tá fazendo aí?
- Tô mandando uma mensagem pro Call achar os caras e dizer pra eles que você está em segurança. - Ouvimos o barulhinho de "enviado" e ela guardou o celular. - Como você se perdeu dos seus amigos aqui?
- Eu já disse, tive uma crise.
- Como uma pessoa que teve uma pequena crise de pânico decide subir as escadas pra um lugar que não conhece à procura de uma sacada, no lugar de ir pro meio da rua tomar um ar? - Ela perguntou claramente confusa.
- Sei que parece lógico pra você correr até a rua, mas pessoas olhando enquanto eu surtava, só iria piorar as coisas. E eu não estava procurando uma sacada.
- Estava procurando o quê? - Isso foi um fato, eu não sabia o que estava procurando quando subi as escadas, talvez o guarda-roupas pra Nárnia, onde eu poderia ter um caminho que não fosse o meio da rua com mais pessoas curiosas.
- O terraço talvez. Aqui tem terraço, né?
- Tem sim, mas não é por aqui. - Ela sorriu e colocou a mão no meu ombro. - Descanse um pouco, , já, já seus amigos chegam aqui. - Ela se levantou levando a água e eu estava pronto para dormir uns 15 minutos.
- OU, PERAI! - Falei tão rápido que assustei a mim. - Você sabe meu nome?
- É claro que eu sei seu nome. - Ela riu. - Já ouvi uma ou outra música do McFly.
- Uma ou outra? - Olhei pra ela.
- Um pouco mais que isso. - Dei de ombros. - Mais alguma pergunta?
- Não.
- Ok, se precisar, me chame. - Assenti e deitei com um braço por cima dos olhos.
- Ei, volta aqui. - Levantei a cabeça de novo e chamei a atenção dela.
- Precisa de algo?
- Não, é que na verdade, você não me disse seu nome. - Perguntei olhando ela que estava de pé encostada ao batente de uma porta de onde vinha à única luz acesa. - Você salvou minha vida, tenho que saber pelo menos o seu nome, não concorda?
- Meu nome é , Foster.
- Foster?
- Achou feio também? - Ela disse rindo.
- Não, eu gostei. Pelo menos isso tem que ser legal. - Fiz um joinha com o polegar pra ela. - ... ... ... É, eu gostei mesmo, mas, por favor, não comece a gargalhar por isso.
- Tudo bem. - Ela sorriu. – Ei, . - Ela desencostou do batente e ajeitou o corpo. - Em relação àquilo, está se sentindo melhor? - Outra vez as vozes, ótimo. É claro que ela sabe sobre "àquilo", é claro que ela seria como eles, é claro que ela conhece a história do vexame de e teria pena.
- Já faz meses, não quero falar sobre isso. Pode ler sobre como estou me sentindo em qualquer site de...
- Da tonteira, . - Ela me interrompeu.
- O quê?
- Não quero saber como está se sentindo sobre sua vida, não é algo que interesse à mim. Quero saber se melhorou da tonteira que te fez entrar correndo pelo meu estúdio e quase cair da janela.
- Sim. - Ela não disse mais nada. Será que ela se sentiu ofendida? - , eu...
- ! Dude, aonde você veio parar, seu idiota? - Isso era voz de na minha cabeça?
- Ele está aqui. - abriu a porta de vidro e eu pude ver os três mosqueteiros super preocupados com meu desaparecimento.
- O que deu em você, seu idiota? parou pra me dizer o que estava acontecendo e quando nos demos conta, você tinha sumido.
- Só o de sempre, juntou com um pouco da tonteira também.
- Você parece bem agora. - puxou minhas mãos, me fazendo ficar sentado no sofá.
- É, a Foster me ajudou, aliás. – A olhei esperando ela se aproximar.
- Foi sim. - Ela riu com um pouco de vergonha. Os meninos saíram de perto de mim para cumprimentar ela.
- Ah, muito prazer, Foster. - esticou a mão.
- ! Foster é meu sobrenome. - Disse apertando a mão de , depois de e por fim, de .
- Mas o que você teve, , foi só uma crise daquelas? - perguntou.
- Foi, eu só tive falta de ar e tropecei nela.
- Eita, você que fez isso? - perguntou apontando a munhequeira no pulso dela. - Como você caiu nela?

O que eu faria agora? Não podia dizer: "ah eu tava quase caindo do parapeito da sacada e ela abriu a mão quando foi me salvar. Eu sei que você vai pensar que eu queria me suicidar, mas eu só tava querendo respirar mesmo".

- Não foi ele. - se adiantou como se tivesse ouvido o pedido de socorro na minha mente. - Eu tenho pulso aberto, ele só tropeçou na minha porta.
- Meu primo tem isso aí também. - deu de ombros.
- Enfim, nós temos que ir agora. , , ajudem ele a se levantar, por favor. - pediu. - Muito obrigada pela ajuda, .
- Por nada, se precisarem de algo, estou aqui das 17:00 às 02:00.
- O quê, você não mora aqui? - Perguntei surpreso.
- , não seja inconveniente. - disse me empurrando até a porta. - Obrigado de novo. Tchau.
- Tchau. - Ela disse acenando pra os garotos. – Tchau, , melhoras!
- Até mais, senhorita Foster! - Respondi e ela sorriu, fechando a porta.

Capítulo 3


But I can get up now, the dark clouds have lifted.

Abri os olhos devagar tentando focalizar alguma coisa, e vi o teto da minha sala. Olhei ao redor até me tocar que estava de fato na minha casa, deitado no sofá. Não estava muito claro, mas isso era pelo fato das cortinas estarem fechadas. Precisava saber que horas eram, virei à cabeça para ver o relógio de parede... Quebrado.

- Saco.

Percebi então que minha jaqueta e minhas calças estavam no chão, estiquei o braço para alcançar meu celular que estava no bolso da calça quando senti uma fisgada dolorosa no meu ombro, e por instinto, puxei o braço de volta.

- Mas que merda. - Segurei o braço e me sentei devagar, quase caindo para frente no processo.

"Ai meu Deus, o que você tá fazendo?"

O grito de uma garota descabelada ecoou pela minha cabeça e eu me lembrei daquele momento. De como os garotos me convenceram a sair, como eu estava até gostando do passeio até ouvir alguns comentários e... Surtar. Pois é, , seu desestabilizado, você surtou e provavelmente acabou com a noite de seus amigos.
Abaixei o braço com cautela e me levantei do sofá. Céus, minhas costas doíam muito, era como se um trator tivesse passado por cima de mim. Meu estômago estava doendo, e então percebi que estava apenas com a camisa de ontem e a cueca. Como eu entrei em um carro e vim pra casa, como cheguei ao prédio, como estou sem camisa e quem tirou minhas calças? Essas são boas perguntas sem respostas.

Caminhei até o banheiro à procura de um gel ou pomada para o ombro, fiz um pipi matinal, lavei a cara, escovei os dentes e tomei uma ducha quente, não necessariamente nessa ordem. Como Marlee tinha ido outro dia, além da casa limpa, minhas roupas estavam lavadas, passadas e dobradas, só mesmo minha mãe pra fazer melhor. Vesti uma bermuda e fui até a cozinha, peguei um copo d'Água e quando olhei a sala, vi minha carteira na mesinha do telefone fixo, e percebi que a luz da secretaria eletrônica estava piscando.

"Você tem quatro novas mensagens."

Que horas são? Devo ter dormido muito pra tanta atenção. Apertei o botãozinho dando início às mensagens, a primeira, não me surpreendendo muito, era de :

", oi, aqui é o . Acabei de chegar em casa, caso só ouça isso de manhã, fomos nós que o deixamos em casa, você chegou passando muito mal, então está desidratado e provavelmente com dores no estômago por ele estar vazio, NADA DE CERVEJA COMO CAFÉ DA MANHÃ. Coma algo leve e beba bastante água. Mas espero que acorde novo em folha, me ligue quando acordar."
"Bom dia, você não atende o celular, provavelmente está dormindo ainda. Preciso saber se está bem e vivo depois de ontem, você não parecia muito bem, nós tivemos que cuidar de você, foi horrível. Call me, baby."
"Por que você não atende essa merda? Aliás, aqui é o . Era eu na outra mensagem também."
", precisamos resolver algumas coisas para o mês que vem. Preciso saber se você vai aceitar a coletiva. É importante! Pode atender a porra do celular? É o "

A carteira tá na mesinha da sala, mas e o celular? Eu tenho certeza que não o ouvi tocar nenhuma vez. Sai de perto da secretaria e fui até minha calça.

- No way, no way, no way. - Virei todos os bolsos do avesso e ele não estava lá. Olhei nos bolsos da jaqueta e nada também. Não é possível, perdi!

"Você tem uma nova mensagem sendo gravada"

"Oi, , ...

Essa voz é nova. Olhei para a secretaria eletrônica como se alguém estivesse ali falando comigo.

...não sei se você vai se lembrar de mim, mas aqui é a Foster, você invadiu o meu local de trabalho ontem procurando o telhado...

A telinha da secretaria eletrônica mostrava os segundos sendo contados, ela estava gravando a mensagem nesse momento.

...consegui seu número fixo com o Call, que conseguiu com o , mas isso não importa. Só queria dizer que na bagunça você acabou deixando seu celular aqui. Acho que ele escapou de algum bolso quando você caiu no...

- OI, FOSTER! - Peguei o telefone correndo antes que o tempo de mensagem acabasse. - Você fala muito rápido.
- Bom dia, ! - Ela pareceu surpresa do outro lado da linha.
- Então você tem algo que me pertence.
- Sim! Eu vou sair agora pra fazer uma coisa, se quiser que eu deixe em algum lugar, é só dizer.
- Você pode deixar aqui no meu prédio. O porteiro se chama Frank, é só você dizer pra ele me entregar.
- Tudo bem, pode passar a localização, chego aí em vinte minutos.

Passei a localização pra e logo desliguei. Andei pela cozinha, abri as cortinas, olhei os armários da cozinha, (como sempre, vazios), fechei as cortinas, fui conferir o que fora a dor, meu braço estava em perfeita condição, bebi outro copo de água e só haviam se passado 30 minutos. Já não estava aguentando mais a dor em meu estômago, fui até a geladeira e ver o que tinha por lá, um total de meia pizza na caixa e... Nenhuma latinha de cerveja. Respirei fundo batendo a porta da geladeira com um pouco a mais de força.
Já estava ficando estressado, minha vida tem sido uma sequência de pequenas falhas. Quem perde o celular? Eu precisava relaxar.
Andei de novo até o quarto, coloquei uma camisa, um jeans limpinho e um tênis. Peguei a carteira e a chave do carro, e antes de sair, me lembrei de pegar um guarda chuva pra qualquer caso.

- Sr. ! - Frank chamou minha atenção assim que pisei na recepção do prédio. - Estava ligando agora mesmo para o senhor! Uma mulher acabou de deixar isso. - Ele colocou o celular em cima do balcão. - Pediu que eu lhe entregasse.
- Muito obrigado, Frank.

Peguei o celular e sai do prédio, estava só garoando, mas como eu ia olhar o celular enquanto andava, preferi abrir o guarda chuva. Mal liguei o aparelho e começaram a chegar notificações de chamadas perdidas. Havia umas vinte mensagens de mídia do , ele tinha me fotografado durante meu estado especial, você me paga, ! Senti que esbarrei de leve no braço de alguém e a pessoa exclamou algo.

- Meu café! Só pode ser piada, você não vai atravessar a rua olhando pro celular, não é, ?

Não pode ser, isso é perseguição. Eu nem estava perto do meio fio, e parada embaixo de um poste de luz, estava , segurando um guarda chuva vermelho, com a calça jeans rasgada, a camisa de uma banda que eu não identifiquei, e a mesma jaqueta de couro.

- Eu nem estou perto da rua, mulher. - Olhei pra ela com uma falsa cara de zangado.
- Tive muito trabalho salvando a sua vida ontem, não quero ter que fazer isso de novo. - Ela deu de ombros.
- Bom dia, . - Eu dei um sorriso.
- bom dia, . - Ela parou por um minuto e continuou. - Você só sabe anunciar sua chegada impactando as pessoas? - Ela olhou pra mim e depois para o café derramado no chão.
- Ou você que está sempre no meu caminho.
- Que grosseria! - Ela disse rindo.
- Foi mal pelo café. - Falei meio sem graça, não sei reagir quando faço uns desastres desse tipo.
- Tudo bem, foi só um acidente.
- Eu tô indo naquela direção. - Apontei para o rumo do pequeno parque que fica em frente ao prédio. - Tem uma boa cafeteria. Eu te pago um café.
- Não precisa.
- Precisa, sim.
- Não precisa.
- Precisa, sim.
- Ok, então eu vou. - Ela sorriu e começou a andar em direção à faixa de pedestres.
- Mas sem gargalhadas. - Falei antes de acompanhá-la. Ela virou para mim e fez um joinha com o polegar e olhou para o céu. As nuvens de garoa foram dando lugar a pequenos raios de sol. Ela sacudiu o guarda-chuva e o fechou, depois me encarou como se eu fosse um idiota.
- Você não vem?

Capítulo 4


Atravessamos a rua e seguimos pelo parque. Andávamos em silêncio e observava cada árvore como se fosse a coisa mais fascinante que já havia visto. Seu guarda chuva, vermelho, hora ou outra batia no caminho molhado, fazendo um pequeno barulhinho.

- Gostei do seu guarda chuva - disse tentando quebrar o silêncio.
- Obrigada, eu gosto vermelho - ela sorriu - então, aonde ia tão apressado?

- Ah, eu ia comprar cerveja, que, diga-se de passagem, é meu café da manhã.
- Suicida e alcoólatra? Você precisa procurar ajuda.

Ri com meu pensamento.

- Comprar algumas coisas que estão faltando em casa. Mas e você, o que veio fazer aqui perto?
- Ver algumas coisas do trabalho, devolver seu pertence. Aproveitei para tomar um café.
- É, não foi uma boa ideia.
- Não, definitivamente não foi!

Um vento fraco e frio batia em nós, me fazendo encolher os ombros dentro do casaco e afundar as mãos no bolso da calça. Estava tudo tão molhado e quieto, havia muito tempo que não andava e agradeci mentalmente o fato de poucas pessoas terem coragem de sair de casa nesse dia chuvoso.

- Parece que o caminho está mais longo do que eu me lembrava.
- Por Deus, homem! - Ela parou e eu quase me desequilibrei tentando acompanhar o movimento. - Não faz nem cinco minutos que atravessamos a rua! - Acho que arregalei um pouco os olhos por conta do sermão repentino porque ela riu e deu uma... bem, eu não sei o que foi aquilo, era como uma torcidinha no nariz quando ele coça, mas não era de reprovação, fazia parte da risadinha.
- Desculpe, é que tem um tempinho que não ando - disse virado pra ela dando de ombros e voltamos a caminhar.
- Então é por isso que parece longe, ou é realmente longe e você era uma daquelas pessoas que costumava a correr todos os dias por hábito, então automaticamente tudo ficava perto?
- Um pouco dos dois, eu acho.
- O que quer dizer com isso?
- Eu era uma pessoa que costumava a correr todos os dias, mas a cafeteria fica perto, a gente vai cruzar o parque e atravessar a rua até a esquina.

Após essa rápida conversa, o caminho pelo parque não durou mais que trinta minutos e já pude ver do outro lado da rua alguns comércios e na esquina, a cafeteria, com vários pãezinhos e doces nas vitrines de vidro e uma árvore de flores rosa na porta.

- Pronto, está aí uma ótima cafeteria - estiquei os braços na direção - e aqui está o dinheiro - disse tirando cinquenta dólares do bolso e esticando à , mas ela não se moveu, ficou me olhando por quase um minuto, até resolver falar algo.
- Você já tomou café hoje?
- O que?
- Perguntei se já tomou café hoje, sabe, a refeição mais importante do dia.
- Eu, não, ainda não. Eu vim comprar...
- Ótimo, então - ela disse pegando o dinheiro da minha mão - toma café comigo, é por minha conta. O que quer que você veio comprar, pode esperar um pouco. Você me deve essa!
- Não, não - eu dizia me afastando um pouco - vamos dizer que tomar café da manhã não é um hábito que eu pratique corretamente. Além do mais, eu não devo nada não, sua maluca, o combinado era apenas eu te pagar um café. - Não pensei bem antes de aplicar os adjetivos, só me toquei do que saiu pela minha boca quando vi as sobrancelhas de abaixadas dando aquele ar de brava.
- Vem, ! - disse em tom normal, mas firme, acho que ela estava ficando meio nervosa.
- Não.
- Vem.
- Não vou.
- Vem.
- Não adianta - ri fraco - você não vai me convencer.

Um sino na porta anunciou nossa entrada na cafeteria, o lugar estava vazio, segui ate o balcão de atendimento.

- Bom dia! Sejam bem-vindos. Já tem algum pedido? - Um rapaz moreno de no máximo uns 19 anos perguntou tirando de sua análise.
- Bom dia – respondeu - eu vou querer um café e acho que... - ela olhou em volta - uma torta de limão!
- E o senhor? - O garoto de avental me perguntava enquanto terminava de anotar o pedido.
- Nada, obrig...
- Ele vai querer o mesmo que eu. - disse sorrindo para o rapaz, qual o problema dessa mulher?
- Tudo bem, fiquem à vontade, já irei levar o café.
- Obrigada - sorriu e se virou.

Decidiu se sentar em uma mesa de bancos estofados grudados na parede e eu sentei a sua frente. Dessa vez minhas sobrancelhas indicavam que eu era quem estava desconfortável com a situação, bufei e coloquei as mãos em cima da mesa entrelaçando meus dedos, não queria olhar pra pra ela se sentir ignorada e me deixar ir embora, mas ela não estava me encarando como pensei que estaria, aliás, ela estava prestando atenção em tudo, menos em mim. Seus olhos analisavam o lugar, paredes de cor branca dando o ar sofisticado ao lugar, algumas com receitas escritas do teto ao chão. Prateleiras mostrando os doces, um vasinho de flores rosa em cima de cada mesa, luminárias espalhadas e fotos emolduradas enfeitavam o lugar. Tudo cheirava a baunilha.

- Eu não quero o mesmo que você - interrompi o transe dela fazendo com que me olhasse um pouco confusa até entender do que se tratava.
- Rum - deu de ombros - não me importo que não queira, mas você vai comer - ela respondeu, e antes que pudesse argumentar qualquer coisa, ela continuou - parece que você acabou de acordar de um coma pós-atropelamento, eu escutei seu estômago roncar durante o caminho até aqui e pela sua aparência, parece que não come há meses. Então é, você vai comer sim! Nem que eu coloque um funil em sua boca e te obrigue a engolir.
- Você é uma psicopata irritante e mandona.
- E você um invasor depressivo e suicida.
- Eu não sou um suicida! - Rosnei um pouco alto e ela me encarou séria.
- Aqui está o café - o garoto ruivo estava um pouco vermelho, provavelmente com vergonha pelo que acabara de interromper. me encarava sem piscar e disse um “obrigada” ao garoto que havia colocado uma espécie de bule, não sei, e duas xícaras a nossa frente.
- Eu já vou buscar a torta. Com licença. - ele disse e se afastou. parou de me encarar, e eu me senti um pouco preocupado. Ela pegou o bule, e por um momento pensei que ela iria jogar o café fervendo na minha cara, mas não. ela se serviu e depois a mim.
- Eu não devia ter gritado, só que, a situação de ontem... só quero que saiba que não sou um suicida.
- É, talvez não seja - disse soprando a pequena fumaça que saia da xícara - mas que é um invasor, isso não podemos negar. - E me encarou novamente enquanto tomava um gole.

Abri a boca e a fechei novamente umas duas vezes. Eu havia perdido completamente a noção na noite passada. E ela, que não tinha obrigação nenhuma comigo, me ajudou, impediu que eu caísse pela janela ou vomitasse em mim mesmo. Ela não me devia nada, eu quem devia a ela, e eu estava aqui, gritando, sem ter dito um desculpa, ou obrigado.

- Desculpe - falei baixo e ela me olhou como se não tivesse escutado o que eu disse. - Eu não tive a oportunidade de me desculpar realmente pelo incidente de ontem. Eu não sei se me lembro de cem por cento do que houve, mas sei que invadi a sua casa, e provavelmente te assustei. Eu só - cocei a barba meio sem jeito - não sei pedir desculpa.
- Tudo bem. Desculpe por ter te chamado de depressivo suicida. - assenti com a cabeça e levei a xícara à boca - mas como eu já havia lhe dito, aquela não é a minha casa - engasguei por um momento.
- O que? - limpei o canto da boca - eu não invadi um lugar invadido, não é?
- Não, aquele é o meu estúdio.
- Você é fotógrafa?
- Não - ela sorriu - eu sou radialista - antes que eu pudesse dizer algo, ela continuou - eu sei o que você vai dizer: 'nossa, mas isso ainda existe' - ela disse tentando imitar minha voz – Sim, existe, meu caro , e a audiência não é das piores.
- Eu sei que existe, faço parte de uma banda, não se lembra? Já fui a entrevistas. Ia dizer que não parecia um estúdio, não podia ter nenhum aviso que eu estava invadindo uma rádio?
- Imagino que você não tenha tido tempo de ler o que estava escrito na porta ou nas paredes - ela cerrou os olhos me olhando - mas tudo bem, eu não esperava que um grande astro da música ouvisse um canal não tão famoso - ela de ombros.
- Então você está assumindo que conhece minha banda.
- Todos conhecem a banda, , de um jeito ou de outro.
- O que quer dizer com isso? - Levantei a sobrancelha.
- Um dia eu te conto - ela riu. Eu ia questionar a fala dela, mas o garoto moreno voltou à mesa trazendo dois pratinhos, cada um com um pedaço de torta de limão.
- Bom apetite - ele disse e se retirou.
- Uuuuuuuh, isso parece estar bom - olhou o prato e antes que seu garfinho encostasse a boca, ela parou - não vai comer?
- Então... - olhei pra torta, olhei pra , olhei pro café que eu coloquei na boca, mas não cheguei a beber, olhei para torta e quando abri a boca para argumentar, o garfo com uma boa porção de torta entrou em minha boca esbarrando de leve em meu dente.
- Fecha - ela pressionou meu queixo pra cima me fazendo fechar a boca e tirou o garfo quando teve certeza de que eu não cuspiria a comida – agora, mastiga - ela tirou a mão do meu queixo e eu fiquei mastigando enquanto ela bebia um gole de café - Por Deus, , engole isso! - Engoli devagar, como se estivesse experimentando aquela comida pela primeira vez.
- Hunf - pigarreei. Ok, quem ela pensa que é pra me tratar assim? Fechei a cara involuntariamente e acho que ela notou.
- Não me olha com essa cara, se não quer ser tratado como criança, não haja como uma! Agora você vai comer e parar de fingir que não está com fome ou vai agir como um adulto normal que não tem nenhum problema que o impeça de pegar um garfo e comer?
- Você não devia ter feito isso - cerrei os punhos com força.
- Realmente, eu deveria ter te deixado desnutrido, mas sabe o que é, sou boa demais pra deixar alguém morrer de fome - ela comeu um pedaço de sua torta - você poderia ter se levantado e ido embora qualquer hora, sabe que podia. Só come isso aí que eu prometo te deixar em paz e nunca mais atrapalhar a fabulosa e independente vida de !

Era como uma prova de resistência física, encarei novamente o prato e o garfinho ao lado, largou sua comida e apoiou o rosto entre as mãos e me assistiu. Com o garfo, peguei um pedaço não muito grande de torta e levei à boca. Foi estranho comer algo que não tinha o sabor de pizza velha. Estava doce e me incomodou um pouco no início, mas de pedacinho em pedacinho, meu paladar e meu estômago se acostumaram com o café da manhã diferenciado. Comemos em silêncio, e não demorou muito para ambos os pratos ficarem vazios.

- Viu? Você não precisa ser tão difícil o tempo todo.
- Eu não sou difícil - tomei um gole do café - só que é difícil pra mim...
- Ei, tá tudo bem, você não me deve explicações - ela sorriu e tocou meu braço - eu achei que não estava se sentindo muito bem, só quis ajudar. Me desculpe se pareci muito mandona.
- Ajudar - ri nasalado - essa é uma palavra que eu venho escutando com frequência nos últimos meses.
- Acho que ouvir é muito fácil, mas a questão é: você quer ser ajudado?
- Bom, eu... - eu estava entrando no trem do desabafo quando fui salvo por uma ligação de - Só um minuto, por favor.
- Claro - assentiu e me levantei para atender o celular.

- Quem me incomoda?
- Quem te incomoda? QUEM TE... - foi interrompido, provavelmente por , pude ouvir um "passa isso pra cá".
- ? É o .
- Olá, .
- Em qual cu você se enfiou, dude?
- O meu rastreador não está mais funcionando?
- Não é engraçado! Estávamos indo agora mesmo para sua casa e...
- Não estou em casa.
- ... - Harry ficou mudo do outro lado da linha - não está pendurado na ponte pronto para se jogar, não é?
- Estou bem - respirei fundo - eu só tinha perdido meu celular.
- Perdido o celular? WTF?!
- Olha, essa é uma história engraçada - apareceu ao meu lado e concentrada em seu celular, alheia a minha conversa
- Entendi. Aliás, Call me ligou mais cedo para pedir seu número de telefone, você cometeu algum crime no bar ontem à noite?
- Não, isso faz parte da história engraçada - tocou meu braço e fez um sinal de joinha com o polegar, olhei sem entender e ela fez uma mímica estranha - O que?
- O que o quê?
- Não, não é com você - respondi ao . revirou os olhos e deu um tchau com as mãos.
- Tu tá metido com droga, ?
- Cala a boca, - ouvi o sininho da porta abrindo e percebi que saiu - eu tenho que desligar.
- Ok, nós vamos aparecer na sua casa hoje à noite.
- Whatever.

Desliguei o celular e sai pela porta.

- Ei, Foster, espera aí - a alcancei ainda na calçada - você saiu apressada.
- Me desculpe - ela riu.
- Você faz mímicas muito ruins, o que estava tentando dizer? - Ela deu aquela gargalhada "maravilhosa".
- Só queria avisar que já tinha pagado a conta - ela deu de ombros - você estava no telefone, não queria atrapalhar, parecia importante.
- Eram minhas babás querendo relatório.
- Agora tudo faz sentido.
- Enfim, eu só queria agradecer pelo café e pedir desculpas pelo primeiro café.
- Tudo bem! Se precisar de mais alguma coisa...
- Na verdade - cocei a cabeça - você está ocupada agora? - ela fez que não com a cabeça - pode me ajudar com algumas compras para casa? - ela riu, como se eu fosse uma criança dizendo algo ingênuo e engraçado.
- Pra que mais servem os amigos, Sr. ?

Continua...



Nota da autora: (16/10/2017) Sem nota.




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