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Luzes Vermelhas






Última atualização: 18/03/2017

Capítulo 1


Três vezes. O pó do café já havia sido coado três vezes e o gosto já não era mais de café e sim de água suja de alguma coisa. Eu virava a xícara tão rápido que nem notava mais o gosto daquela água que não era café. Sofia estava sentada na mesa terminando de comer pão e a mamãe, Loreta, estava na pia, lavando a pouca louça que havia ficado suja no dia anterior. Já passava das sete e eu estava completamente atrasada, como sempre. Terminei de beber e puxei Sofia para fora da mesa quando ela terminou o café dá manhã.
- A gente já vai, mãe. - avisei. - Espera aí. Você ainda nem tomou café, mocinha.
- Eu como alguma coisa com o troco que sobrar da condução. Eu e a So estamos atrasadas e a senhora também. Não vai perder a hora de chegar na empresa, tá bom?
- Eu sei dos meus horários, minha filha. Se eu não soubesse já tinha perdido o emprego. Quando o chefe chegar eu tenho que ter limpado o andar dele inteiro ou ele tem um ataque.
- Eu não entendo isso. A senhora que acorda cedo, que se mata de trabalhar e são aqueles engravatados que chegam meio dia na empresa que andam estressados, brigando o dia todo com todo mundo.
- Deve ser bem difícil cuidar daquela papelada toda e agora a empresa tá pegando um cliente desses do exterior pelo que eu ouvi falar. Tá a maior confusão. E agora vai, menina! Não disse que estava atrasada?
- Verdade, tchau, mãe.
- Tchau, mamãe. - Sofia se despediu.
- Tchau, meus amores.
Eu cheguei ao térreo e arrastei Sofia pelas ruas correndo com medo de perder o horário do ônibus. Ao chegar no ponto ele estava saindo e conseguimos pega-lo por pouco. A sorte era que nós duas estudávamos na mesma escola. Ela no ensino fundamental e eu no final do ensino médio. So ainda tinha 11 anos e eu já estava nos 17. Eu conseguia até me lembrar do dia de seu nascimento, da correria, da minha mãe indo pro hospital em Havana, do meu pai desesperado com as horas que se passavam. Eu estava lá, deitada no colo de uma amiga da minha mãe que morava na mesma vila que nós. Quando o médico veio dar a notícia do nascimento o meu pai se encheu de felicidade, acho que nunca havia visto ele tão feliz. Eu também fiquei feliz por ele. Nós comemoramos que agora tinha mais um membro em nossa pequena família. Naquele lugar havíamos passado o dia mais feliz de nossas vidas e naquele lugar passamos o dia mais triste dela. Quando meu pai entrou de maca no hospital eu já estava com 15 anos. Ele estava diabetes e estava tendo uma crise. O rosto dele estava pálido e os lábios cinzas. Ele estava deitado na cama do hospital e os médicos não sabiam se ele resistiria. Eu estava com medo, com raiva. Não sabia porque aquilo estava acontecendo com ele. Afinal, ele era bom, trabalhava muito tempo na fábrica de sapatos de Cuba para sustentar nós três. Ele era honesto, decente, nunca havia feito nada de errado. Por que justo ele tinha que estar naquele lugar? Cercado de outras camas com pessoas morrendo. Ele tomou a minha mão com a dele e olhou pra mim. Eu não queria ouvir o que ele tinha pra falar porque eu sabia que eram palavras de despedida. Mesmo assim eu estava ali, paralisada. Ele começou a dizer que me amava e que eu e Sofia éramos os maiores orgulhos da vida dele. Pediu pra eu cuidar dela. Eu sentia que não podia cuidar dela. Ele e a mamãe sempre foram fortes, mas e eu?
- , sua mãe e sua irmã vão precisar de você. Eu sei que de todas você é a mais forte. Você é digna, inteligente, sonhadora. Quando eu partir, elas só terão você. Eu conto com você.
- Pai, o senhor não vai morrer, eu sei que o senhor não vai.
- Um dia todos nós iremos, meu amor. Nossa hora sempre chega. Temos que aceitar a vida que nos foi dada por deus de bom grado. Prometa que não vai abandona-las, por favor. Faça isso pelo seu velho pai.
- Eu... eu prometo. Eu não vou deixar elas sozinhas, nunca.
- Obrigada, meu amor.
Alguns minutos depois os aparelhos pararam. Os médicos tentaram a reanimação, mas não funcionou. Tinha chegado a hora do papai partir.
Eu enxuguei meus olhos que sempre ficavam um pouco marejados ao lembrar daquele dia. Agora nossa vida havia mudado. Estávamos em Toronto, no Canadá. A mamãe estava trabalhando como faxineira em uma empresa de advocacia, eu e So já estávamos nos acostumando com a escola e parecia que tudo estava indo bem, finalmente.
Ao chegar na escola, Sofia entrou. Meu estômago ainda roncava por não ter comido direito no café da manhã. Juntei as moedas que sobraram do ônibus e fui até a lanchonete em frente à escola comprar um pretzel. Peguei o pão e entreguei o dinheiro. O homem simplesmente guardou o dinheiro.
- Com licença, moço. O senhor esqueceu o meu troco.
- É que tá cedo e eu ainda não tenho troco, pega essas balas aqui.
- Eu não aceito bala porque quando eu precisar comprar alguma coisa a pessoa também não vai aceitar.
- São só uns centavos. Isso não faz falta pra ninguém.
- Pois pra mim faz muita falta.
As pessoas na lanchonete já começavam a reparar na discussão.
- Eu nunca vim aqui comprar nada com balinha. Porque o senhor tá querendo me pagar com balinha?
- Você tá pedindo esmola na rua, minha filha? Por que tá fazendo tanta questão de uns centavos?
- E o senhor, por que tá fazendo questão, também?
- Olha, aqui, toma todas essas moedas aqui. – o homem mal educado jogou um punhado de moedas em cima de mim.
- Tá vendo como o senhor tinha? Eu só quero o que é meu, não sou mendiga.
Saí do lugar cuspindo fogo. Pro homem podia não ser nada, mas era o que eu tinha para a condução de volta pra casa. Na entrada da escola encontrei , a única amiga que eu tinha feito desde que havia chegado no Canadá. Ela era bem irreverente e singular, também não tinha amigos até eu aparecer.
- Hey, o que aconteceu, morena? Tá com cara de quem acordou brigando com o mundo.
- Não foi com o mundo, . Foi só com o cara da lanchonete aqui da frente. O mão de vaca não queria me pagar o dinheiro do meu troco.
- E você discutiu com ele por causa de umas moedinhas?
- Eu não vou nem recomeçar com os meus argumentos. Bora entrar e mudar de assunto.
- Podemos falar da festa de hoje a noite na casa do Carter Young. Você vai comigo, não é?
- Tá louca, ? É meio de semana e eu tenho que ficar com a minha irmã.
- Mas a sua mãe não pode ficar com ela?
- A minha mãe fica até muito tarde no trabalho e quando ela chegar não posso deixar ela sozinha. Ela tem sentido um cansaço e umas dores. Vai que ela passa mal e eu não estou lá pra ajudar?
- Você dedica demais a sua vida pra elas duas. Não sei quando vai começar a viver pra você, pros seus sonhos.
- Eu só quero ajudar em casa, me formar e ser médica. Essa é a minha vida e os meus sonhos e já está bem difícil de se realizar.
- Mas você tá procurando emprego desde que chegou aqui e não conseguiu nada por quê?
- Parece que quando as pessoas veem que eu não sou daqui eu perco meu valor. A única proposta que eu consegui resolver de exploração. Ter que trabalhar 10 horas por dia e eu teria que largar a escola e isso nunca.
- Parece que não tá fácil pra ninguém mesmo.
- Ah, pra algumas pessoas deve estar, não é? Pra algumas pessoas de sorte.

POV
A droga do sinal não abria e eu precisava chegar a empresa o mais cedo possível. Alguns contratos importantes seriam assinados hoje e precisava deixar tudo pronto. Maldita a hora que eu tinha aceitado fechar um acordo com aquela empresa europeia. Eu deveria saber que só estava arranjando mais merda pra me estressar. O sinal finalmente abriu e eu acelerei o mais rápido possível, deixando os outros carros pra trás. Chegando na empresa dei o carro para o lerdo do garagista estacionar e entrei correndo no prédio enorme que levava o meu sobrenome e do meu avô, o fundador: . No caminho até o elevador, pelo menos, meia dúzia de pessoas afobadas correram atrás de mim pra eu assinar papéis, atender ligações, confirmar compromissos, e eu disse o mesmo "não estou nem aí" pra todas. Ao chegar ao meu andar eu corri em direção a minha sala. Ally, a secretária, correu atrás de mim batendo seus saltos no chão criando o barulho irritante que eu detestava tanto quanto sua voz.
- Sr. , eu preciso conversar com o senhor. É sério mesmo.
- Você já terminou de redigir os documentos? - perguntei, entrando na sala e arrumando minhas coisas sobre a mesa.
- Sim, senhor. Aqui estão. - ela os colocou a pequena pilha de papéis em cima da mesa.
- Ligou pra todos os sócios da empresa? Eles estão vindo pra cá? Os europeus estão vindo? A sala de reuniões tá pronta?
- Sim, senhor . Está tudo pronto. Eu só queria um minuto pra conversar com o senhor?
Eu continuei a organizar as minhas coisas, liguei o computador e continuei cuidando da minha vida.
- Senhor , está me ouvindo? Precisamos conversar.
Eu não parei em nenhum momento com meus afazeres.
- Senhor , pode me ouvir? Senhor? ?
Eu levantei meu olhar até ela. Ela sabia que ninguém naquela empresa, exceto amigos extremamente íntimos podiam me tratar como . Quem ela pensava que era para fazer aquilo?
- Eu preciso falar com você sobre a minha carreira. Eu sou uma profissional dedicada, instruída, eu tenho um diploma em administração e eu sinto que minhas capacidades estão sendo desperdiçadas como uma simples secretária.
- O que está querendo pedir?
- Eu acho que depois de tanta dedicação eu posso, não, eu mereço ser promovida.
- Ah, você acha que merece alguma promoção? Você acha que tem capacidade pra mais do que você faz aqui, não é? Que você pode ser uma chefe de setor, ou uma executiva, ou talvez, quem sabe até uma diretora.
- Na verdade, eu estava pensando em algo assim, mesmo.
- Ah, claro. Afinal, você merece. Há quanto tempo você trabalha aqui?
- Já faz dez meses.
- Dez meses? É bastante tempo mesmo. É quase o mesmo tempo que a gestação de uma vaca. Seguinte, imaginamos que a esta empresa seja uma vaca. E que essa vaca estivesse prenha de você por dez meses. Depois desse tempo você nasce e vem a mundo uma linda bezerrinha. Essa bezerra agora vai crescer e a mãe pode ser sacrificada, afinal ela tem uma substituta. Moral da história: a bezerra fode com a vida da vaca. Nesse caso, você é quem fode a nossa empresa. Colocar você como executiva, diretora, ou sequer, chefe dá faxina é uma atrocidade porque você não tem capacidade de liderar nem a sua sala de aula do primário.
- Você não pode fazer assim comigo. Eu não sou uma bezerra. Eu sou uma profissional e eu tenho sim muita capacidade de subir de cargo e você sabe disso, , nós temos uma história.
- Você chama transar em cima da minha mesa duas vezes de história? Nesse caso, eu tenho mais histórias com as prostitutas do bordel perto da minha casa do que com você.
- Você já está me ofendendo! E eu não preciso disso. Eu posso me demitir e arranjar emprego em qualquer empresa do país.
Eu só queria dizer que ela podia ir pro quinto dos infernos se ela quisesse. Mas decidi ser mais criativo. Eu peguei o telefone da minha mesa e estendi pra ela. Ela me olhou com a cara de idiota mais engraçada possível.
- Pega e liga pro RH. Diz que você está se demitindo porque pode sair daqui e conseguir emprego em qualquer outro lugar do país. Pode ligar. Mas saiba que quando você sair pela porta eu vou pegar o mesmo telefone e ligar pra todos que eu conheço é fazer o favor de espalhar que a senhorita Ally Brooke é uma garota que acabou de se formar em uma faculdade comunitária ordinária e que tem sonhos de grandeza de se tornar uma alta executiva dormindo com cada funcionário da empresa já que ela não consegue nem copiar meia dúzia de documentos ou ligar um computador sem explodir a máquina. Agora você pega esse telefone e liga, depois é só escrever sua carta de demissão.
Ela me olhava com uma cara de ódio, misturada com perplexidade que nem conseguia abrir a boca pra se pronunciar.
- Ou se você quiser ser boazinha e poupar o meu tempo de ter que encontrar outra secretariazinha menos arrogante, saindo da minha sala e nunca mais abrindo sua boca pra me chamar de com essa falsa intimidade que eu não te dei.
Ela olhou pro telefone por um tempo e engoliu seco até que se virou e foi em direção a porta.
- E da próxima vez que pensar em me pedir qualquer coisa lembre-se do que eu te disse. - gritei, antes dela sair da sala.
Continuei a resolver problemas até o horário da reunião e todos os papéis estavam espalhados em cima da mesa, esperando Ally trazer o meu café e organizá-los. Pensei ser ela quando alguém bateu na porta eu deixei entrar. Uma faxineira estava com a xícara em mãos.
- Com licença, doutor. A senhorita Brooke pediu pra eu trazer o café do senhor.
Incompetente, pensei.
- Coloca aí em cima da mesa.
Eu estava distraído organizando meu material pra reunião. A mulher se aproximou com o café. Ela chegou até a mesa e cambaleou, desequilibrou a xícara e deixou que o café fosse derramado em cima de todos os papéis e então se apoiou na mesa.
- Não, não, não, não é possível. - disse, incrédulo. Todos os papéis da reunião que estava tirando minha paciência a dias estavam destruídos e ela teria que ser adiada. - Sua velha imbecil. Olha o que você fez. Acabou com todo o meu trabalho. Você é cega, tropeça sozinha? Que tipo de demente você é?
- Me perdoa, doutor, me perdoa. Eu tive uma tontura, uma zonzeira, quando eu vi o café já tinha escapado da minha mão. - a mulher se explicava, apoiada na mesa.
- Das suas mãos cheias de sujeira direto pros meu documentos.
- Eu mesma posso imprimir tudo de novo, senhor.
- Primeiro que nem um café você sabe servir, imagina entrar na internet. Segundo que isso aqui tem assinatura, minha filha. Assinatura de gente que não está mais aqui. Quem vai pagar o avião pra eles voarem aqui pra assinar? Você com teu salariozinho de empregada?
- Me desculpa, sr. . Eu estava só querendo ajudar a Ally.
- Ally. Essa é a culpada. É uma idiota incompetente com diploma que nota outra idiota incompetente só que sem diploma pra fazer o trabalho dela. Ela vai ter que me dar uma desculpa muito boa pra não ser demitida também.
- Também? Como assim? O senhor vai...
- Você não entendeu, ô sua retardada? Você tá demitida. Fora da minha empresa, fora. Não quero mais ter que olhar pra tua cara. Isso me dá raiva.
- Pelo amor de deus, sr. . Eu não posso ficar sem emprego, meu marido morreu. Eu vim pra esse país com as minhas filhas e elas só dependem de mim.
- Cala essa boca. Vai contar essa história triste em outro lugar. Dá o fora daqui.
- Não, sr. , eu imploro...
- Fora! Ou eu chamo a segurança pra te tirar.
Loreta saiu do escritório de se apoiando nos móveis.
- Loreta, o que aconteceu? Dá pra ouvir a gritaria do lá do térreo.
- Eu derrubei o café nas coisas do sr. . Ele me demitiu.
- O quê? Mas só por isso?
- Brooke, Brooke. - eu gritei a secretária.
- Não vai embora. Eu vou lá na sala dele.
- Eu acho melhor eu ir logo. Ele não vai desistir de me demitir.
- Você tem razão?
- Sim. Eu já vou indo.
A mulher foi até o elevador de serviço, mancando.

POV
Eu estava em casa, mexendo no celular. Sofia estava cochilando, ao meu lado, no sofá. A porta se abriu e mamãe chegou em casa, com a aparência cabisbaixa.
- Boa noite, mãe. Chegou mais cedo hoje por quê? A senhora passou mal? Não tá parecendo muito bem.
- Ah, filha. É que aconteceu uma coisa hoje no serviço. Não foi nada, não se preocupa.
- Não, mãe. Me preocupo sim. O que aconteceu?
Eu sentei na mesa da cozinha que era compartilhada com a sala e a mamãe me seguiu.
- Eu fiz uma confusão lá hoje e acabei sendo demitida.
- Meu deus, mãe. O que houve?
- Isso não importa. O pior é que eu fui até o RH e descobri que eu não vou receber nenhum direito porque o meu chefe exige que seja justa causa.
- Não acredito, mãe. Ele não pode fazer isso, não tá certo.
- Ele é advogado e pode mais que eu. Eu passei o resto do dia procurando emprego, mas tá difícil. Principalmente porque a gente não é daqui.
- Calma, mãe. A gente vai conseguir outro emprego pra senhora e um pra mim. Não é todo mundo que tem preconceito. Nós duas podemos ser profissionais tão capazes quanto qualquer outra pessoa.
- Eu sei, meu amor, eu sei. Obrigada pelo apoio.
- Não precisa agradecer, mãe. Eu vou esquentar o jantar pra senhora.
- Não precisa, filha. Vai colocar sua irmã na cama e deixa que eu mesma esquento.
- Tá bom. Vou acordar a pirralha.
Mamãe se levantou e foi até o fogão. Eu só tive tempo de chegar até Sofia e ela só teve tempo de acender o fogo quando mamãe caiu no chão.
- Mãe! - eu gritei.
Corri até ela que estava caída no chão da cozinha com a mão no peito e percebi que ela estava gelada e seu rosto se contorcendo.
- Sofia! - gritei, chamando por ela e a fazendo acordar. - Liga pra uma ambulância, liga pra ambulância, Sofia.

Capítulo 2


A ambulância chegou e eles levaram a mamãe na maca. Sofia e eu fomos dentro da ambulância com ela. Ela estava paralisada, sem se mexer e o rosto estava contorcido. Sofia se debulhava em lágrimas e eu tentava segurar as minhas pra poder acalma-la, mas estava cada vez mais difícil. Ter que ver a mamãe daquele jeito trazia o mesmo sentimento de tristeza profunda do dia que papai morreu. Eu não sabia como poderia ajudar. Só queria que pudéssemos voltar pra casa com ela o mais rápido possível.
No hospital, eles a levaram para a sala de emergência. Eu tentei perguntar aos médicos e aos enfermeiros o que estava acontecendo, mas todos me mandavam ficar calma. Eu me sentei na recepção com Sofia e esperei, esperei e esperei. Depois de cerca de cinco horas, o médico finalmente trouxe notícias.
- Como a mamãe está?
- Ela acabou de passar por uma cirurgia. A mãe de vocês teve um AVC. No momento, ela está inconsciente.
- E isso é grave? A mamãe vai morrer? - Sofia perguntou, começando a chorar.
- Não, não, Sof. A mamãe não vai morrer.
- O coma é uma das consequências de um derrame. A mãe de vocês pode ficar horas, dias, ou quem sabe, anos desacordada.
Eu não estava preparada para aquilo. Não podia perder a mamãe como perdi o papai.
- A gente pode entrar pra ver ela?
- Podem, mas uma de cada vez.
- Eu vou primeiro, então.
- Não, . Eu quero ir também.
- Eu vou e depois você entra. Me espera aqui, Ok?
A mamãe estava deitada na cama, imóvel, cercada por aparelhos de respiração que mantinham ela viva. Eu me aproximei e toquei a mão dela. Estava fria, gelada. Eu tive medo naquela hora, muito medo. Eu não podia perdê-la. Como eu e Sofia sobreviveríamos sem ela? O meu coração se apertava ao pensar que eu poderia passar anos sem vê-la olhar pra mim, me abraçar, me aconchegar nos braços dela. Seu chorei e fiquei de joelhos ao lado da cama dela. Eu orei, orei muito mesmo pra que eu recebesse pelo menos um sinal e que tudo ficaria bem, mas o sinal não veio.
Cheguei em casa com Sofia às 7 da manhã. Achei melhor que não fossemos a escola naquele dia. Sof foi dormir no quarto e eu cochilei logo depois de sentar no sofá para pensar um pouco. Acordei meio dia e fiz o almoço, mas nenhuma de nós estava comendo.
- Nós vamos ver a mamãe no hospital hoje?
- Eu vou. Você vai ficar aqui e arrumar a casa. Quando a mamãe voltar não vai querer ver tudo bagunçado.
- Mas e se... e se ela não voltar por enquanto? O que nós vamos fazer?
- Eu ainda não sei. - eu realmente não tinha a menor ideia do que aconteceria se a mamãe ficasse muito tempo internada.
- Você já ligou no emprego dela pra avisar?
A mamãe tinha acabado de perder o emprego antes de sofrer o derrame.
- A mamãe não trabalha mais naquele lugar.
- E onde ela vai trabalhar quando ela voltar?
- Ela vai achar outro, não se preocupe.
A mamãe não tinha recebido salário aquele mês e com a justa causa nós estávamos à zero. Eu precisaria comprar comida e nós tínhamos outras necessidades também. Eu precisava conseguir dinheiro rápido. Então, eu pensei, se a mamãe trabalha lá há seis meses eles podem nos ajudar, pagando os direitos dela mesmo assim. Não custava nada tentar ir até lá e contar o que aconteceu.
Antes de ir pro hospital eu passei na empresa em que minha mãe trabalhava, a Law Office . O prédio era enorme e eu me surpreendi com o luxo do lugar. Chegando lá, pedi pra falar com os direitos humanos e a recepcionista me enrolou por quase uma hora até me levar à sala. Lá dentro, todos trabalhavam concentrados em seus afazeres. Eu fui até o chefe dá sessão, um homem gordo e careca com óculos fundo de garrafa e camiseta cor de rosa. O cumprimentei, expliquei a situação da minha mãe e pedi que ele retirasse a justa causa.
- Olha, fofinha, eu bem que queria te ajudar, mas o problema é que se eu retirar a justa causa eu vou ter que dar pro diretor assinar e foi ele mesmo quem demitiu a sua mãe.
- Então me deixa falar com o diretor. Se eu explicar pra ele, eu tenho certeza de que ele vai entender.
- Olha, eu acho difícil. Ele é um homem super ocupado e é capaz de sobrar pra mim.
- Por favor, me deixa falar com ele, só pra tentar. Eu estou desesperada com a minha irmãzinha pra cuidar e a minha mãe em coma. - pedi com toda a cara de carente que consegui fazer.
- Olha, só porque a situação é muito ruim e eu sou uma manteiga derretida, eu vou deixar.
O funcionário pegou o telefone e discou alguns números, deixando a linha no viva-voz.
- Oi Ally. Tudo bem? Transfere pra mim, por favor, pro escritório do dr. .
- Eu não sei não. O assunto é muito sério? Porque ele não saiu da sala dele desde que chegou na empresa e não tá com uma cara nada boa.
- É que a filha da Loreta, a faxineira que ele despediu tá aqui. A mãe dela tá no hospital e ela queria conversar com ele.
- Filha da Loreta? Olha, tá bom, eu transfiro, mas acho que não vai adiantar nada. Ele é muito estressado.
- Tá bom, meu amor. Só de transferir você já ajuda.
A moça transferiu a ligação e uma voz dura e forte atendeu do outro lado.
- Alô. O que é?
- Boa tarde, senhor . A filha de uma funcionária demitida ontem está aqui pedindo pra falar com o senhor.
- Filha? Filha de quem? Que funcionaria você tá falando?
- A Loreta, a faxineira que o senhor demitiu ontem.
- Ah, eu não acredito. Eu mando a mulherzinha embora e ela manda a filhinha vir aqui pedir o emprego dela de volta? Manda essa garota embora que eu tô muito ocupado.
Eu capturei o telefone rápido, antes que ele desligasse.
- Eu não vim pedir o emprego da minha mãe de volta. Ela sofreu um derrame e tá em coma no hospital. O meu pai morreu e eu tenho que cuidar da minha irmã. Eu só quero que o senhor pague o fundo de garantia da minha mãe.
- Por que você não vai contar essa tua história triste pra alguma ONG pra ela te sustentar? Eu não tenho obrigação com ninguém da sua família e agora me deixe em paz.
Ele bateu o telefone na minha cara. Aquilo não havia sido só estresse ou grosseria. Ele foi completamente insensível com a situação da minha mãe.
- Eu sinto muito, criança. Acho melhor você ir agora.
Eu dei meia volta e sai daquela sala. Estava passando pelo corredor, de volta a recepção quando a porta do elevador se abriu e foi aí que eu tive uma ideia. Ele podia até não querer me ajudar, mas teria que dizer isso cara a cara.

POV
Eu cheguei mais cedo na empresa pra arrumar uma papelada que eu precisaria para um novo processo. Era muita coisa e eu não havia parado nem para almoçar. Pra piorar ainda recebi uma ligação inconveniente da filha da faxineira. Meu estômago já estava roncando e eu decidi sair e comer alguma coisa antes de continuar.
- Vai sair pra almoçar, dr. ? - Ally perguntou quando eu passei por ela.
- Eu não sabia que agora te devia informações sobre a minha vida. - respondi, apertando o botão do elevador.
- É só pra caso alguém ligue e pergunte.
O elevador se abriu e revelou uma figura lá dentro. Uma garota jovem e pequena de cabelos castanhos. A menina estava paralisada com cara de perdida.
- Vo... você é o dr. ? - ela perguntou, finalmente, abrindo a boca.
- Sou eu mesmo, .
O rosto da garota mudou de impassível e tonto para surpreso e irritado.
- Pois eu sou a garota que o senhor mandou procurar uma ONG pra me sustentar.
A garota tinha tido a petulância de subir até a minha sala pra me confrontar.
- Quem foi que te deixou subir? Eu já disse que não vou recontratar sua mãe, não adianta vir com chantagem.
- E eu já disse que não estou aqui por isso. A minha mãe tá em coma. Eu e a minha irmã estamos sozinhas, não temos nenhum parente nesse país. Eu vim pedir pro senhor me deixar receber o seguro desemprego da minha mãe.
- Eu não tenho que mudar uma decisão. A sua mãe mereceu ser demitida e você é a sua irmã que se virem. - respondi, indo até o elevador.
- Espera! - ela disse, entrando na minha frente.
- O senhor não pode fazer isso. A minha mãe trabalhou por seis meses aqui como uma escrava. Ela chegava mais cedo que você e deixava tudo brilhando. Eu tenho certeza que nem uma pontinha de poeira restava e ela só ia embora bem depois que você e todos os outros engravatados desse lugar.
- Ah, então você tá acusando a minha empresa de exploração? A minha empresa deu um trabalho pra sua mãe, uma retirante de um país desgraçado que conseguiu trabalhar em uma empresa desse porte mesmo sendo uma faxineirazinha incompetente. E agora você, sua pirralha, vem até aqui exigir alguma coisa? - perguntei, já irritado com a conversa.
- Você não pode faltar assim de mim e da minha mãe.
- Eu posso sim porque essa é a minha empresa! Você e a imbecil da sua mãe já me fizeram perder muito tempo, então dá o fora daqui. E vai pelo elevador de serviço pra ninguém te ver dentro da minha empresa porque pega mal.
- Eu vou sim, mas antes eu quero que saiba de uma coisa. Você é podre! Pode ser dono disso tudo, ser rico, vestir essas roupas caras, mas você é vazio, oco. O seu coração é cheio de sugeria e você não é capaz de um gesto de generosidade. É só um playboy metido, mimado pela mãe!
- Já chega! Brooke! - gritei pra secretária. - liga pros seguranças virem tirar essa garota daqui.
- Tem certeza, dr. ?
- Não precisa dos seguranças. Eu já tô indo embora. E eu vou pela escada porque respirar o ar do mesmo elevador que você vai me dar enjoo. - a pirralha arrogante disse, indo embora.
Eu estava irado com a arrogância da garota em vir me insultar dentro da minha própria empresa. Havia perdido até a fome. Voltei pra dentro da minha sala e não saí de lá até o final do dia.

Capítulo 3


Já haviam se passado quatro dias desde que minha mãe estava em coma no hospital. Sofia e eu havíamos chegado mais cedo na escola pra tomar café da manhã lá. A comida de casa estava acabando e precisávamos economizar. No intervalo, eu me sentei pra conversar com no jardim da escola.
- Como foi a festa do Carter Young?
- Ah, você não quis ir, então só tinha gente idiota.
- Se você não gosta deles então por que foi na festa?
- Porque eu gosto do Carter. Mas quando eu cheguei lá ele estava ficando com a insuportável da Alicia Campbell.
- Sinto muito.
- Ah, tudo bem.
- Mas, e aí, como é que tá a sua mãe?
- Ela ainda não deu nenhum sinal de vida. Os médicos pedem pra termos paciência.
- E como vocês tão se virando?
- A gente continua do mesmo jeito. Eu tô tentando arranjar um emprego, saio todo dia pra procurar, mas nenhum se encaixa no meu horário da escola. Eu não queria largar a escola, mas eu tô começando a achar que não tem saída.
- , você já imaginou que... quando a sua mãe acordar ela pode ficar com alguma sequela? Como não conseguir falar, não poder mexer o braço ou as pernas, ou até metade do corpo.
Realmente aquela possibilidade ainda não tinha passado pela minha mente. Se a minha mãe voltasse com alguma sequela daquelas, provavelmente eu teria que continuar sustentando a casa.
- Eu ainda não tinha pensado na ideia, mas você tem razão, isso é muito comum. Eu vou ter que continuar trabalhando pra ajudar em casa.
- E caso você consiga uma vaga na faculdade à noite, você pode continuar trabalhando.
estava certa. Eu deveria continuar a escola até entrar na faculdade. Mas como eu iria nos sustentar naquele meio tempo? Ainda faltava mais de 7 meses pra eu me formar.
- A minha única chance seria conseguir o emprego noturno, mas que empresa vai me contratar com 17 anos?
- É verdade. Sabe, a minha prima estava precisando de dinheiro e... Não, esquece.
- E o quê?
- Esquece, não é trabalho pra você.
- , eu tô desesperada. Qualquer coisa agora pode me ajudar.
- Bem, ela é muito bonita e acabou conseguindo emprego de dançarina numa boate. Em seis meses ela juntou uma boa grana.
- O quê? Não, aí não. Eu jamais viraria garota de programa, nem pra ter o que comer.
- Ela não era garota de programa. Tinham algumas garotas, mas elas ficavam com os caras, enquanto minha prima dançava.
- Mesmo assim, deve ser horrível dançar daquele jeito pra um monte de homens, não, é muita humilhação.
- Bem, eu disse que não era emprego pra você. Eu sei que você vai conseguir se virar. Eu te ajudaria se eu pudesse, mas você sabe que não somos ricos.
- Não tem problema, amiga, eu vou me virar. Vou dar um jeito de resolver minha situação.

Já eram cinco dá tarde e eu e Sof estávamos voltando do hospital. O carteiro estava trazendo as correspondências do nosso prédio e eu aproveitei pra pegar as minhas. Eu comecei a olhá-las enquanto entravamos no elevador e comecei a ficar assustada. Havia sete envelopes e todos eram contas a pagar. Conta de luz, água, gás, telefone, etc. Chegando em casa, abri os envelopes e aí sim levei o maior susto. Nunca tinha imaginado que cobravam tão caro por aqueles serviços tão básicos. Fiz as contas e ao todo deveríamos pagar 1.500 dólares e elas venciam até sexta feira, quando começavam a correr os juros. As poucas economias da minha mãe não davam nem pra metade. Se eu não conseguisse um emprego o mais rápido possível eu estaria ferrada.
Passei o resto da tarde e o começo da tarde atrás de qualquer supermercado, lanchonete, ou empresa que me deixasse trabalhar lá à noite, mesmo que fosse pra colocar o lixo pra fora, mas ninguém aceitava me contratar.
Voltei pra casa e Sof estava cochilando depois no sofá, em frente à TV ligada. Balancei ela é desliguei a TV.
- Sofia, eu não quero mais ver você deixando a televisão ligada à toa, entendeu?
- Mas eu estava assistindo o reality show.
- Não, você estava dormindo. Ou você assiste ou você dorme.
- OK, tá bom.
- Você já jantou?
- Não.
- E por que não se eu deixei a comida pronta?
- Você chama aquilo de comida? Macarrão com ovo? Se comer mais algum ovo vou sair voando como uma galinha.
- Então da próxima vez come só o macarrão. Não tem comida sobrando na dispensa pra você deixar isso tudo aqui estragando.
- Quando a mamãe estava aqui ela não me obrigava a comer o que eu não queria.
- Quando a mamãe estava aqui tinha mais coisas pra comer só que agora ela não tá aqui. Eu estou aqui. Eu estou tentando arranjar um emprego, pagar as contas, comprar comida e cuidar de você e você não está me ajudando em nada. - respondi, com a voz alterada.
Sofia ficou claramente chateada. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas e ela correu pro quarto. Eu fui atrás dela pra tentar consertar a besteira que eu tinha feito.
- Sof, me desculpa por ter gritado com você, é que hoje o dia foi longo e eu estou exausta.
Sofia estava sentada em sua cama, que ficava ao lado da minha, com o rosto escondido nos braços que ela apoiava em seus joelhos.
- Olha meu amor. Eu sei que você também está se esforçando. - eu continuei, sentando ao seu lado na cama. - Mas é que tá sendo difícil pra nós duas. Eu tento fazer o melhor que eu consigo, mas eu sei que nem de longe é o suficiente.
Eu toquei a cabeça dela e afaguei os cabelos loirinhos, tão diferentes dos meus.
- Eu te amo e amo a mamãe. E eu prometi pro papai que cuidaria de vocês quando ele se fosse, mas tá cada vez mais complicado sair todo dia pra levar um não na cara. - a cada palavra uma lágrima começava a descer pelos meus olhos. - Eu tô cansada e me sentindo uma perdedora. Eu falhei com o papai. Eu deixei a mamãe sofrer um derrame e agora tô fazendo você passar por tudo isso.
Eu já estava em prantos. Sofia levantou a cabeça e se aproximou de mim, me abraçando de lado. Eu encontrei a cabeça dela no meu peito e beijei sua cabeça.
- Não precisa fazer tudo sozinha. Eu posso te ajudar. Posso vender biscoitos na escola, posso cantar na estação de trem como aquele cara que vimos ontem e eu prometo comer ovo sem reclamar.
- Ah, meu bem, obrigada. Obrigada, mas não, não se preocupe. Eu vou resolver tudo, Ok? Confie em mim.
Naquela hora eu vi que não importava o que eu pensava, não importava o que eu iria fazer, aquela era minha família e eu ajudaria elas de qualquer jeito, mesmo que significasse fazer coisas que eu mesma não gostasse.

Eu procurei por antes da aula começar. Corri atrás dela pela escola inteira até que a achei no banheiro feminino.
- Lau, preciso falar com você.
- Oi, amiga, bom dia. Eu dormi bem sim e você? - cumprimentou, dramática.
- Deixa disso. Vem logo, tem que ser em particular.
Nós duas caminhamos até a árvore no jardim onde sempre ficávamos e eu expliquei pra ela o que eu queria fazer.
- Não, não, não, não, não. Eu não acredito que você vai fazer isso. - ela se assustou.
- Por que não? Você mesma que deu a ideia.
- Eu não dei ideia nenhuma. Eu só te contei um fato, nada mais.
- Acontece que eu já tomei minha decisão. E como eu não conheço nada por aqui eu quero que você me mostre esse tal lugar em que a sua prima trabalhou.
- Boate de strip. Eu acho melhor você se acostumar com o nome já que vai trabalhar lá.
- Vamos por partes. Primeiro, eu vou lá e conheço o lugar, vejo como é e acerto os detalhes porque você sabe que eu não aceito me prostituir de jeito nenhum.
- Como você sabe que vão querer contratar você?
- Nossa, muito obrigada por me chamar de feia.
- Eu não disse isso.
- Se lá não me contratarem eu tento outra coisa, mas eu preciso tentar. Eu estou desesperada. Por favor, Lau, você é minha única amiga.
Ela pensou um tempo até responder.
- Tudo bem. - ela respondeu, suspirando. - Eu mando mensagem pra minha prima e te levo lá depois da aula.
- Obrigada. Só precisamos passar em casa e deixar a Sof.
- E o que vai dizer pra ela se você conseguir?
- Vou dizer que consegui um trabalho a noite. Pode não ser toda a verdade, mas não é mentira.

Deixamos Sof em casa e fomos até a boate. Ela ficava numa avenida conhecida, provavelmente o lugar tinha muito movimento. Chegamos ao local e era uma grande casa com muro preto e um letreiro escrito Red Lights com as luzes apagadas. Havia um segurança parado na porta - homem alto e forte que tinha o braço mais largo que a minha cintura. Cumprimentamos ele e ele respondeu direto:
- E aí, o que querem por aqui?
- Viemos falar com o senhor . - aquele era o nome que a prima de tinha nos dado.
- Uma de vocês é mulher dele?
- Não, estamos aqui a assunto de trabalho. - respondi séria e o homem quase riu na minha cara.
- Trabalho é? Tudo bem. Quais os seus nomes?
- Somos e .
O gigantesco pegou seu celular e ligou pra alguém.
- , tem duas garotas aqui querendo falar com você sobre trabalho. É, são sim. Posso mandar? OK.
- E então? - perguntou.
- Vocês podem entrar. - ele respondeu, guardando o celular. - Sigam reto e passem pelo corredor até chegar no bar. Ele está lá.
- Obrigada. - agradecemos.
- Não tem de quê, meninas. Boa sorte. - eu agradeceria, mas o "boa sorte" dele foi mais um "bem vindo ao inferno".
Fizemos o que nos foi dito. Passamos pela entrada, onde havia imagens de mulheres nuas e passamos por um corredor pequeno com paredes vermelhas e chegamos ao bar, o lugar era enorme. Lá ficava o palco e um letreiro com um "boa noite" escrito. Alguns holofotes ao redor e perto no centro havia um mastro de pole dance. Em frente ao palco ficavam alguns sofás vermelhos e o chão era coberto com um tapete de veludo. Em volta ficavam várias mesas, umas com mastro e outra não. O bar ficava no centro e sentado em um dos bancos estava um homem alto, sarado e careca de camisa branca e jeans que deveria ser o . Ao lado dele, tomando um drink, estava uma mulher loira com a pele morena que aparentava ser um pouco mais velha que eu. Fomos até os dois que logo notaram nossa presença.
- Bom dia, mademoiselles. - a mulher nos cumprimentou, vindo ao nosso encontro.
- Olá, senhoritas. Sou . Muito prazer.
O homem beijou minha mão e logo em seguida a de .
- Olá, eu sou e essa é minha amiga, .
- Olá. - cumprimentou o homem que não tirava os olhos de seu decote.
- Eu sou - se apresentou a mulher alta e loira.
- Drake me disse que as duas vieram a negócios. Eu posso saber, especificamente, o que desejam conversar.
- Bem, eu... eu vim para... Tentar um emprego. - eu respondi a muito custo. Minha boca se recusava a dizer aquilo.
- Emprego? Eu não me lembro de nenhuma plaquinha escrito "contrata-se" aí na frente.
- É que eu tenho uma amiga que... que...
- Que trabalhava aqui com vocês como dançarina. Ela deu a dica e a gente veio até aqui.
- Quem é ela? Vou ter que pagar uma porcentagem pra ela por mandar duas garotas como vocês pra cá. - pela primeira vez o cara se mostrou interessado.
- Na verdade, só ela veio se candidatar. Eu só estou acompanhando. - esclareceu.
- Que pena! Você tem cara de quem leva jeito pra coisa.
- Obrigada. - agradeceu, sem ter certeza de que havia sido um elogio ou não.
- Já você tem carinha de virgem. - disse, se referindo a mim.
- Na verdade, eu não vim pelo outro negócio. Eu quero trabalhar só com a dança.
- Hum, entendo. - disse maliciosamente, girando em volta de mim. Parecia estar avaliando uma mercadoria. - Acredito que é um grande desperdício, mas entendo.
- Pode ser bom. Um rosto jovem e angelical instiga os homens. Se você não transar com eles o fetiche é ainda maior. - afirmou. A mulher parecia ter gostado de mim.
- Eu não costumo fechar esse tipo de acordo. Não dá muito lucro. Por que com você seria diferente?
Eu não sabia o que responder. Eu tinha que conseguir aquele emprego pra ajudar minha família, nada me trazia um talento especial para aquilo.
- Eu sou bonita. - improvisei.
- Bom, existem muitas garotas, algumas até um pouco mais bonitas que você.
- Nenhuma é como eu. Eu sou exótica, diferente, sou jovem e tenho ar angelical, como ela mesma disse. Eu sou uma mistura de sensualidade e carisma que você não vai encontrar fácil por aí e se você me contratar você verá que eu posso te render muito dinheiro.
Eu disse tudo, tentando passar a maior confiança possível. ficou parado por um tempo, com uma expressão indecifrável.
- Sabe, eu tenho um feeling pra esse negócio. - ele afirmou, quebrando seu silêncio. - Não é à toa que minha boate é uma das mais bem frequentadas do ramo. Nós não vendemos mulheres. Vendemos sedução e prazer. Eu sei quando alguém é bom nessas duas coisas e algo me diz que você é.
Eu quase suspirei aliviada quando ele disse aquilo.
- Então eu estou contratada?
- Eu vou te deixar fazer uma experiência. Se mostrar que merece, você pode ficar fixa aqui. Se quer um conselho, deixe a ingenuidade no rosto e não no coração e talvez você possa chegar longe na vida. Você vai começar na sexta.
- Obrigada. E quanto eu vou ganhar?
- Vamos começar com duzentos por noite e talvez...
- Trezentos. - eu interrompi.
- Você não acha que está se inflacionando?
- Eu acho que isso é o justo.
- Eu acho que o justo é duzentos e cinquenta.
- Ok. - aceitei a proposta de . Aquilo já era bem melhor do que não estar ganhando nada. - Quantas noites eu preciso vir?
- Três noites por semana.
- Ela não pode vir no domingo.
- Por quê?
- Nós temos aula na segunda. - respondeu.
revirou os olhos.
- Que tal começar na quinta, então? O movimento é menor e você pode acabar mais cedo. - opinou.
- Pode ser. É melhor, na verdade.
- Só mais uma coisa. Você já dançou num pole dance?
Eu havia me esquecido daquele enorme detalhe. Pensei em mentir, mas se me pedissem pra mostrar descobririam a verdade.
- Eu sou uma boa dançarina, fiz balé por 7 anos, mas nunca dancei em um pole dance.
- Eu admiro a sua honestidade, mas isso é um problema. - afirmou. - Será que você consegue deixar ela pronta em dois dias?
- Se ela realmente dança bem será o suficiente. - respondeu.
- Eu posso aprender muito rápido.
- Então vamos começar agora mesmo. Você pode se sentar aí e assistir. - a loira disse para . - Vamos lá, criança.
Eu e ela subimos no palco e ela começou a me mostrar alguns passos. Não era nada muito difícil e a coreografia incluía passos e flexibilidade que eu já havia desenvolvido nas aulas de dança. A parte mais difícil era ser sensual. Eu nunca tinha me oferecido pra homem nenhum. Os meus ex-namorados que haviam dado em cima de mim, eu realmente não tinha experiência na sedução, mas tudo na vida pode ser aprendido e eu conseguiria aprender de qualquer jeito.
A quinta-feira chegou e eu já estava a caminho da boate. Fiz o jantar para Sofia e a coloquei na cama antes de sair. É óbvio que ela ficaria na internet antes de realmente ir dormir. Eu decidi não contar a ela onde eu começaria a trabalhar. Inventei que tinha conseguido um emprego noturno em um supermercado 24 horas. Não teria coragem de dizer o que realmente era. Até porque seria temporário. Só duraria até a mamãe se recuperar.
Cheguei a boate e entrei pela porta dos fundos, onde um homem alto estava de segurança. Ele me reconheceu e liberou a entrada. Um corredor me levava direto para o camarim. Lá havia algumas outras garotas que também dançavam, mas a maioria prestava outro serviço a casa. me abordou assim que eu apareci e me levou direto para uma cadeira do camarim.
- Garota, até que enfim você pareceu. Achei que tinha desistido e não iria mais aparecer. Mas que bom que você veio. Eu vou te arrumar e maquiar, mas da próxima vez você vai fazer sozinha, ok? Eu nem deveria estar aqui, o precisa de mim lá fora. Você prefere preto ou marrom? Marrom com certeza ficará melhor em você, é claro, sua pele é cor de canela. - ela estava falando tão rápido que eu não sabia mais sobre o quê ela estava falando, apenas balançava a cabeça como se estivesse concordando com tudo.
me maquiou, mas preservou meus cachos negros. Eu tive que vestir uma espécie de lingerie preta com um sutiã de renda com laço e uma calcinha short rendada. Incrivelmente aquela era a opção mais decente que havia. Eu respirei fundo tentando tirar toda a vergonha de mim e não me ruborizar quando subisse no palco. estava me olhando e parecia estar procurando por algo em mim.
- Algum problema? Eu não fiquei bem?
- Não, você está linda, só que... eu não sei. Falta alguma coisa.
- Bem, talvez seja porque eu estou muito nervosa. Eu ainda não sei como vou subir lá e mostrar a minha cara, enquanto danço pra todos aqueles...
- É isso! - ela me interrompeu. - Você não tem que mostrar a cara.
Eu ainda estava confusa. foi até uma gaveta e tirou algo de lá para me entregar.
- Uma máscara?
- Coloca ela. Vai te dar um tom a mais de mistério.
Eu coloquei a máscara e olhei no espelho. Realmente eu não parecia com .
- Ei, vocês duas. Vamos lá, a última garota já terminou. Tá na sua hora. - apareceu e nos apressou.
- E agora? - perguntei.
- Agora vá lá e faça como ensaiamos, querida. E não olha nos olhos de nenhum deles, ok?
Eu respirei fundo e me enchi de coragem. Cheguei ao palco e haviam homens sentados em todas as mesas. Não olhei diretamente para os olhos de nenhum, como me ensinou. Caminhei até o pole e então as luzes vermelhas brilharam sobre mim.

Capítulo 4


Finalmente eu havia conseguido terminar a transação com os investidores europeus. Naquela manhã assinamos os contratos e tudo estava pronto. Me permiti relaxar um pouco e fumei um cigarro, relaxado na cadeira da minha sala. Comecei a perceber o quanto eu me dedicava a empresa. Eu só tinha 31 anos e era diretor de um dos maiores escritórios de advocacia do país. O meu avô havia me entregado a empresa em bom estado, mas eu a fiz crescer até o ponto em que está agora. Eu tive que me dedicar muito para aquilo acontecer. Nunca me distraí. Sempre a coloquei em primeiro lugar. Nem acho que seja por amar aquilo tudo. Eu fazia mais por inércia. Eu não tinha mais nada em minha vida pra me dedicar mesmo, então, por que não me preocupar em ganhar dinheiro?
A porta abriu me tirando de meus devaneios. Ted apareceu.
- Eu preciso mesmo demitir essa incompetente da Allyson. O único trabalho dela é anunciar quem chega e nem isso ela faz.
- Calma, chefinho. Eu disse que não precisava. Pra que incomodar a coitada? Ela já trabalha muito tendo que lidar com você diariamente.
Ted Butler era a pessoa que mais se aproximava de um amigo em minha vida. Ele começou na empresa na mesma época que eu e esteve do meu lado desde então. Eu nunca fui o tipo de cara que diz o quanto gosta das pessoas - até porque não gosto de praticamente ninguém - mas ele sabia até que ponto podia me desafiar sem que eu o demitisse ou quebrasse sua cara.
- Você parece feliz. Está calmo agora que fechamos o negócio?
Por este lado estou feliz. Os sócios estavam no meu pé com essa droga de parceria e eu estava quase mandando todos eles irem se foder.
Bati o meu cigarro no cinzeiro e percebi como as cinzas estavam se acumulando lá.
- Que absurdo! A Ally ainda não arranjou uma faxineira decente pra minha sala. Ou ela providencia isso ou vai acumular as duas funções: faxineira e secretária.
- Deixa a coitada pra lá, e ela já acumula duas funções: secretária e transa nas horas vagas.
- Eu não quero mais saber de transar com ela. Ela fica achando que eu tenho algum tipo de obrigação com ela. O sexo com ela nem vale tanto a pena assim pra me fazer ficar com raiva.
- Então por que você não arranja uma namorada?
- Você esqueceu com quem tá falando? Eu não tenho paciência pra mulher.
- Ah, é mesmo. , o cara que nunca teve um relacionamento.
- Eu só acho mais fácil pagar qualquer uma que me dê tesão e pronto. Eu transo com qualquer mulher que eu queira. Não vou perder meu tempo com uma só.
Então, tá, continue só se você quer assim.
- Você só fala merda, mas até que me deu uma boa ideia. Vamos hoje naquela boate do centro que eu gosto. A do seu amigo ?
- Eu não tenho amigos daquela espécie. Essa mesmo. E aí?
- Eu não sei, talvez eu saia com a Patricia hoje.
- Que Patricia? Esquece Patricia. Ela é sua namorada, você come ela direto. Vamos lá, eu pago.
- Ai, ai. Tudo bem.
- Isso aí. Eu vou pagar um travesti bonitinho pra você.
- Vai se foder.

Eu e Ted estávamos sentados em uma mesa num canto da boate. Uma garota o beijava no pescoço e passava a mão nele por de baixo da camisa. Eu estava bebendo, enquanto outra garota dançava pra mim em cima da mesa. Ela era loira e seus seios eram tão grandes que olhando de baixo quase tampavam seu rosto. Eu já estava quase a puxando para baixo quando anunciaram o próximo show. subiu ao palco e gritou no microfone:
- Hoje nós inauguramos o novo espetáculo da nossa noite. E essa garota é mesmo um espetáculo. Sim, garota. Uma verdadeira Lolita. Com vocês, eu apresento .
Após a apresentação, saiu do palco e as luzes se apagaram. Pouco tempo depois luzes vermelhas ficaram no centro do palco, iluminando a garota. Ela era pequena e parecia jovem. Estava parada e aparentava timidez. Se ela não tivesse se movido pouco depois eu acharia que ela nem sabia o que estava fazendo. O corpo dela era magro, mas tinha as curvas certas. Nada era exagerado. Não era exuberante e não apresentava vulgaridade. Mesmo naquela lingerie e em cima do palco ela demonstrava inocência. Com certeza não tinha experiência em fazer aquilo. Não conseguia ver seu rosto, já que estava coberto por uma máscara. A música soou, ela segurou o pole dance e caminhou em volta dele. Passou sua perna pelo mastro e girou ao redor dele até chegar ao chão. Pendeu a cabeça para trás e exibiu os seios cobertos pela lingerie. Voltou a posição original e voltou a se pendurar no mastro, fazendo algumas acrobacias. Eu já não dava a mínima para a garota em cima da mesa. Mantinha meus olhos fixos na garota que balançava os cabelos escuros enquanto rodopiava no pole dance. Ela se afastou do palco e se aproximou mais dá plateia, se ajoelhou e inclinou o corpo pra trás, mais uma vez, enquanto rebolava. Ela voltou ao pole dance, rebolando em volta dele e voltou a rodopiar devagar, deixando seus cabelos voarem. Eu não estava perto, mas tinha certeza de que sentia o cheiro daqueles cabelos, cheiro de baunilha e chocolate. Ao terminar as acrobacias no mastro, ela passou a rebolar de costas para a plateia, virou o rosto, deu meia volta e caminhou até nós. Balançou o corpo suavemente, rebolando de lado, jogou os cabelos pra trás e desceu até o chão. Ela levou o dedo até o lábio e mordeu, piscando para os homens. Então a música parou. Todos a aplaudiram e alguns jogaram dinheiro para ela. A garota não pegou as notas, apenas levantou e saiu do palco rebolando.
Não havia sido uma coreografia muito elaborada, cheia de movimentos complexos. Foi simples e sensual. O jeito reservado e sexy da menina era excitante. Eu não havia visto seu rosto, mas tinha certeza de que ela era bonita. O show já havia acabado e meus olhos continuaram fixos no palco. A garota me instigou, eu gostei dela e queria prová-la. Minha curiosidade era enorme. Me levantei e deixei a dançarina que havia se sentado ao meu lado pra trás. Fui até o lugar do bar onde eu sabia que sempre ficava - ele iria me dá-la por uma noite.
- . - o chamei, me aproximando do balcão onde estava sentado.
- Uau. Vejam só, não é todo dia que recebo uma visita vip. E aí, cara, beleza? - me cumprimentou com um aperto de mão.
- Tá tudo bem, mas você vai ajudar a melhorar. - fui direto ao ponto.
- É só dizer, parceiro.
- Eu quero aquela garota que dançou.
- Qual delas?
- A última, de cabelo escuro, pequena. Quanto ela cobra?
- Ah, parceiro, foi mal. Ela só tá no strip, não faz programa.
- Então eu pago mais, não importa. - ela tinha me deixado com tesão, eu tinha que terminar a noite com ela.
- Eu até posso tentar, mas eu não sei se a menina aceita.
Eu peguei minha carteira e tirei 300 dólares dela, entreguei ao e disse:
- Me leva até ela que eu mesmo negocio.

POV
Eu nem acreditava que tinha conseguido fazer a coreografia inteira. Apesar de não ser complicado, eu morri de medo de ficar tão nervosa ao ponto de cair do salto, não conseguir deslizar no mastro ou esquecer algum passo. Eu consegui dançar e acho que fui bem. Até me jogaram dinheiro. me avisou pra não pegar o dinheiro que jogassem no palco, pois não era bonito. Eu confesso que na minha pindaíba até senti vontade ficar lá e catar cada notinha. Mas eu também não queria parecer uma mendiga de quatro e de lingerie. Eu estava sentada em uma cadeira do camarim, tirei a máscara e estava preparando o lenço para tirar a maquiagem. Nessa primeira noite eu teria que me apresentar só uma vez. Mas nas próximas eu preciso fazer mais vezes. Meu coração se acalmou um pouco. Eu não achava totalmente certo o que fazia, mas também não era totalmente errado. Apesar das roupas e da vulgaridade da dança nenhum homem havia me tocado. E eu não estava fazendo por diversão, eu só estava tentando ajudar minha família.
Eu ainda estava parada, perdida em meus pensamentos quando entrou no camarim.
. Que bom que ainda está arrumada. Tem uma pessoa que quer te ver.
- Que pessoa? - será que alguém tinha me reconhecido? Algum conhecido ou amigo dá minha mãe? Não. Era impossível.
- Digamos que é um admirador. Ele quer conversar um pouco com você.
- Admirador?
- Sim. Meus parabéns. Sua primeira noite e você já conquistou o melhor cliente da casa.
foi até a porta do camarim e abriu.
- , eu te apresento . , eu te apresento .
Meus olhos não conseguiram ter certeza se estavam vendo aquilo mesmo. Eu o reconheci na mesma hora. O homem de cabelos castanhos e olhos azuis na minha frente era ele, o arrogante ex-chefe da minha mãe que me distratou há poucos dias atrás. O cara que a demitiu no dia em que ela sofreu o infarto, o mesmo cara que se recusou a pagar os direitos dela e me deixou sem nenhum dinheiro. Eu não achei que fosse vê-lo de novo, principalmente nesta situação. Ele fez uma cara de interrogação como se tentasse se lembrar de onde me conhecia.
- Você! - exclamei, finalmente dizendo algo.
- Eu conheço você, não é? Eu só não lembro direito de...
- Por que se lembraria? Eu sou só a garota desesperada que te pediu ajuda há uma semana.
- Espera, você é a filha da minha faxineira.
- Eu sou , filha de Loreta .
- É claro, eu não tinha te reconhecido de cara.
- Eu imagino. Um homem ocupado e rico como você não deve ter espaço na memória pra gente como eu.
- Desculpa interromper, mas é que eu não tô sacando. Vocês se conhecem de onde? - perguntou, perdido.
- A minha mãe trabalhava pra ele. - respondi antes que ele abrisse a boca. - mas ele a demitiu por justa causa. Aí ela sofreu um ataque do coração e entrou em coma. Eu pedi pra ele pagar os direitos dela porque eu não tinha dinheiro nem pra pagar as contas, mas ele me mandou procurar uma ONG já que ele não tinha obrigação comigo ou a minha família.
O silêncio tomou conta do lugar. não parecia nervoso ou envergonhado, apenas impassível.
- Me desculpe por aquilo. Eu quero falar com você sobre outra coisa.
- Mas eu não quero falar com você sobre nada. Agora, se os dois me derem licença eu preciso me vestir e ir embora.
Eu comecei a tirar a maquiagem e pouco depois os dois saíram. Não acreditei que aquilo tinha acontecido, eu não tinha o menor interesse no que aquele homem queria me dizer.

Eu nunca iria imaginar que a garota insolente que foi a minha empresa era a mesma dançarina gostosa do palco. Eu nem me lembrava mais dela ou da mãe. Estava tão preocupado com os negócios que aquilo era algo completamente sem importância e continuava sendo. Mas eu queria passar a noite com ela e aquilo era um grande contratempo. Eu podia pegar outra garota, mas nenhuma parecia com ela. Mesmo as morenas baixas não se pareciam com ela, não tinham o jeito inocente e instigante. Naquela noite eu só queria transar com ela e eu decidi que conseguiria.
Eu saí da boate e peguei meu carro. Dei a volta na rua e parei nos fundos da boate. Fiquei parado no carro esperando do outro lado da rua. Não demorou muito e eu a vi saindo sem maquiagem e vestida, ela parou na porta dos fundos como se não soubesse pra onde ir. Eu liguei o carro e fui até ela, parei e abri o vidro. Ao me ver ela revirou os olhos e começou a andar, eu comecei a segui-la.
- Ei, espera um pouco. Eu só quero conversar. Entra no carro e eu te dou uma carona pra casa.
- Eu não quero conversar, nem preciso de carona.
- E você vai pra casa a pé a essa hora?
- Não. Eu vou de ônibus.
- A essa hora não passa mais nenhum ônibus aqui.
- Como você sabe? Duvido que você já tenha pegado ônibus na sua vida. - ela disse revirando os olhos.
- Qualquer um sabe que a essa hora não tem mais ônibus. - respondi, continuando a segui-la.
- Nesse caso, eu vou de metrô.
- A próxima estação fica a 1 km daqui. Você vai andar tudo isso sozinha?
Ela pareceu refletir por um tempo e eu aproveitei para persuadi-la.
- Eu te deixo na sua casa rapidinho. Por favor, me deixe ajudar.
Ela parou os passos e me olhou. Seu olhar desconfiado me deixava com mais tesão. Era como a chapeuzinho e eu o lobo mal a fazendo desviar dia rota.
- Tudo bem. - ela concordou. - Mas você vai me levar direto pra casa e pegar o caminho que eu mandar, entendeu?
Concordei, fazendo a minha melhor cara de inocente. Ela deu a volta e subiu no carro, no banco do passageiro, colocou o cinto e me disse o endereço.
- Rua 5, no Harley.
Eu voltei a ligar o carro e começamos a rota com ela me dizendo o caminho. Meus olhos a todo momento escapavam para o corpo dela, coisa que a deixava claramente incomodada.
- Foi sua primeira vez na Red? - perguntei pra puxar assunto.
- Sim. - respondeu seca, confirmando minhas suspeitas sobre sua inexperiência.
- Você só trabalha lá ou faz outra coisa da vida?
- Eu estudo e cuido da minha irmã.
- E quantos anos ela tem?
- Onze.
- E quantos anos você tem?
- Dezessete, vem cá, por que tanto interesse na minha vida agora? - perguntou irritada.
- Calma, eu só estou puxando assunto. Não custa nada responder algumas perguntas. - respondi descontente com a antipatia dela.
Ela não respondeu, apenas continuou quieta e com os braços cruzados a frente do corpo.
- Como a sua mãe está?
- Em coma, você já sabe.
- Tem alguma previsão de melhora?
- Nã... Ainda não. - respondeu resignada.
- Estão só você e sua irmã?
- Sim. O nosso pai morreu e nós não temos familiares.
- Eu sinto muito.
Olhei pra ela tentando transparecer sinceridade. Ela continuou me olhando desconfiada, mas com um pouco mais de segurança.
- Você, nesse caso, é a única que sustenta a casa. Suponho que por isso começou a trabalhar na boate e também por isso foi até a minha empresa. Me desculpe por aquele dia. Eu estava muito estressado.
Ela pareceu surpresa e admirada com a minha atitude, exatamente o que eu queria.
- Tudo bem. Eu também estava bem nervosa. Me desculpe.
Eu entrei na rua do endereço que ela falou e pouco depois ela disse.
- É aquele prédio verde.
Estacionei na frente do prédio bem maltratado, assim como a maioria dos prédios daquela rua.
- Obrigada por me oferecer a carona. Boa noite. - ela se virou para abrir a porta, mas eu segurei seu braço. Ela se virou na minha direção e eu observei seu rosto bem de perto. Os lábios carnudos e bem desenhados, os olhos penetrantes, o nariz num formato perfeito e todo o seu rosto emoldurado pelos cabelos pretos que caiam por seu corpo, seu corpo que conseguia parecer tão receptivo coberto de tantas roupas, quanto com aquela lingerie. Eu respirei fundo e senti o perfume de rosas que vinha de seu pescoço, eu queria morder aquele pescoço esguio e cheiroso, assim como queria morder todo aquele corpo jovem. Só de imagina-la embaixo de mim parecia que minha calça explodiria.
- . - eu indaguei com a respiração falhada. - Eu gosto de ser direto com o que eu quero e por isso vou ser direto com você. Eu quero te fazer uma proposta.
O rosto da garota, que antes parecia tão inebriado quanto o meu, aparentou surpresa.
- Quanto você quer pra passar a noite comigo?
- O quê? - ela perguntou confusa.
- Eu estou disposto a pagar o triplo do preço normal pra transar com você.
- Você quer me pagar pra transar com você?
- É. Uma noite com você e eu pago três vezes mais o preço comum e ainda posso pagar os direitos da carteira de trabalho da sua mãe.
De repente sua expressão de susto e confusão se transformou em algo pior. Era nojo, talvez até pavor.
- Eu não acredito que você tá me fazendo uma proposta tão baixa assim.
- Ah, qual é? Você já é dançarina na boate mesmo, o que custa terminar o serviço?
- Eu não sou uma prostituta! - falou alto, se alterando.
- Eu não estou dizendo isso. É só uma troca de favores. Dinheiro por sexo.
Ela se afastou de mim, encostando-se à porta do carro.
- Eu achei que você tinha se arrependido de como me tratou na sua empresa.
- Na verdade, quem entrou na minha empresa pra fazer escândalo foi você. - respondi, calmamente.
- Eu achei que iria me fazer uma proposta de emprego.
- Olha, tecnicamente, é uma proposta de serviço.
Ela então estalou um tapa na minha cara.
Não se aproxime mais de mim. Eu não quero nada de você, pode enfiar o seu dinheiro no rabo. - gritou, saindo do carro e batendo a porta com força, entrou no prédio.
Eu não esperava uma reação tão negativa. Talvez de uma garota normal, mas não de uma stripper precisando urgente de dinheiro. A frustração me abateu ao perceber que não poderia tê-la naquela noite. Mas eu tinha certeza de que conseguiria arrasta-la para a minha cama. Afinal, nenhuma mulher era boa demais pra não ficar comigo e não seria uma pirralha pé-rapada que iria me desafiar daquela forma.

Continua...



Nota da autora: (18/03/2017) Sem nota.




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