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Última atualização: 08/09/2017 - Fanfic finalizada!

Capítulo 1


Mesmo quando o som ensurdecedor dos ventos do chapéu parou, a garota continuou a ouvi-los ecoando em seus ouvidos, desnorteando seus sentidos. Seus pés vacilaram contra o chão irregular, seu rosto exausto descansando contra a terra úmida, que entrava por debaixo de suas unhas enquanto ela usava as mãos para tentar se levantar mesmo que ainda se sentisse um pouco tonta. Jefferson, em contrapartida, estava em seu melhor estado, até já recolhendo seu chapéu do chão, passando a mão pelo tecido escuro para tirar a terra e folhas mortas que grudaram nele.
- É daqui que você é? – perguntou a garota depois de um tempo olhando seus arredores, quando finalmente conseguiu se colocar sentada, mesmo que com dificuldades. A dupla estava em uma floresta como antes ela nunca vira. Sequer precisava ficar em silêncio para conseguir ouvir os animais que moravam ali, ou a pequena vila próxima. O sol em seu auge mal conseguia atravessar as numerosas folhas das árvores que dominavam todo o ambiente, e talvez por isso não estivesse tão quente ali embaixo, com a garota até chegando a se encolher por ainda estar em contato com a terra fria. Seu vestido azul claro se sujara bastante na queda, até com alguns galhos presos no tecido danificado, mas que talvez tivesse conserto. Na verdade, ela sequer se importava. Estava ocupada demais tentando entender o mundo em que agora estava – Aqui é estranho...
- De alguém vindo do País das Maravilhas, vou aceitar isso como um elogio – resmungou Jefferson, lhe estendendo a mão para ajudá-la a se levantar, mesmo que não fosse sua vontade. Uma vez de pé, a garota agradeceu com um sorriso, sem conseguir dar atenção ao homem a sua frente. Ela sabia que era um pouco falta de educação, mas ela não conseguia se conter. Era um mundo diferente do seu, dizer que estava curiosa não chegava nem perto do que sentia.
Seu acompanhante, ao contrário, não parecia compartilhar de sua animação: o maxilar travado, o pé batendo em um ritmo constante impaciente no chão, o descontentamento claro em seus olhos. A garota apenas se deu conta de tudo isso quando notou ele já alguns metros mais afastado.
- Ei, para onde você está indo? – questionou ela com urgência na voz, com passos apressados conseguindo diminuir a distância entre eles. A garota até chegou a erguer a mão para tocar seu ombro protegido pelo casaco comprido, mas desistiu logo em seguida. Além de suas mãos estarem sujas de terra e as vestes de Jefferson muito mais limpas do que as suas, agora que notara sua clara irritação, não conseguia ignorá-la, e temia que tocá-lo poderia apenas o irritar ainda mais.
- Casa.
- Fica muito longe? – continuou ela a perguntar, acompanhando o ritmo rápido de seus passos quando entendeu que ele não planejava parar para conversar. A garota juntou os braços atrás das costas, nervosamente apertando seus dedos em uma tentativa falha de aliviar sua apreensão – Porque eu estou muito cansad...
- Você não vem comigo – cortou-a Jefferson, virando minimamente o rosto para ela apenas para ver a garota parando de segui-lo, surpresa com o que ouvira. Sua expressão inocente fez com que ele se lembrasse da filha, mas a cada linha de expressão que a inconformidade tomava em seu rosto, menos a garota o lembrava sua querida Grace.
- Por que não? E onde eu devo ficar? – resmungou a garota, cruzando os braços em frente ao corpo, sua postura nada menos do que de uma criança pirracenta.
- Não sei. Não me importo – foi a resposta que ela obteve do homem, que não teve a decência de terminar aquela conversa antes de continuar a se afastar, apenas erguendo uma mão para um aceno sem vontade. A garota, por sua vez, permaneceu no mesmo lugar, apenas o assistindo aumentar a distância entre eles, sua raiva crescendo no mesmo ritmo de seus passos despreocupados.
- Você que trouxe para cá, Jefferson!
- Sim, e agora você vai caçar o seu rumo.
- Não acredito em você...! – gritou a garota tomada pela ira, rapidamente encontrando próxima a ela uma pedra grande o suficiente para atrair sua atenção, mas não o suficiente para causar algum ferimento sério. A pedra sequer danificara o ombro de seu casaco quando o atingiu, mas fez com que ele se virasse, contrariado – Eu te fiz um favor e é assim que você retribui?!
- Se eu te deixasse lá... – começou Jefferson, sua voz se tornando mais baixa a cada passo que dava em direção da garota, cada vez mais ameaçadora. Ela, mesmo assim, não recuou. Pelo contrário, manteve o contato visual intenso – ... a Rainha te encontraria em poucos dias e cortaria sua cabeça.
- Eu sobrevivi até hoje sem você, por que acha que eu precisava de você dessa vez? – retrucou ela, cínica. Jefferson por sua vez abriu um sorriso satisfeito.
- Exatamente, você não precisa de mim aqui – esclareceu ele, voltando a lhe dar as costas – Esse era o ponto que eu queria chegar.
- Você é uma pessoa horrível, Jefferson – murmurou a garota, sabendo que não precisava aumentar a voz nem para ele a ouvir, nem para suas palavras lhe atingissem onde mais doía – Do fundo do meu coração, espero que sua filha tenha puxado a mãe.
O efeito foi imediato, e a garota não conseguiu esconder o sorriso satisfeito, ainda mais que o homem não se virou. E sequer precisava: mesmo com as várias camadas de roupa e o grosso agasalho, foi visível seus ombros tensionarem, assim como seus dedos de fechando com mais empenho na aba de seu chapéu.
- Adeus, Alice – disse ele por fim, se afastando agora sem mais nenhuma interferência.
Alice revirou os olhos irritada, se virando brevemente para a direção onde conseguia distinguir sonos de um grupo pequeno de pessoas, não tendo mais Jefferson em seu campo de visão quando voltou a procurá-lo. Depois de bufar alto, ela até chegou a respirar aliviada. Talvez fosse melhor assim, não precisava dele e toda sua má vontade. Sabia exatamente o motivo de estar naquele mundo, e por mais que estivesse irritada, não se arrependia de sua decisão. Jefferson não merecia sua ajuda, mas era injusto punir outros por causa dos erros dele.
- Chapeleiro idiota... – resmungou ela ao chutar uma pedra para longe, se direcionando para onde acreditava haver um pequeno vilarejo, ou qualquer forma de civilização. Precisava descobrir como aquele mundo funcionava, e logo.

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tinha a impressão que seu despertador já estava em pedaços de tanto que o socava, mas o apito irritante continuava a ecoar pelo quarto. Ela tentou abrir apenas um olho para evitar a luminosidade que entrava pela maldita janela que esquecera de fechar na noite anterior, tentando localizar em cima de seu criado-mudo o aparelho que atrapalhava seu sono, mas era inútil, já que sua visão estava embaçada. Resmungando baixo, a mulher se sentou em sua cama e coçou os olhos, agora mais desperta para sair atrás do despertador, apenas para encontrá-lo espatifado no chão do quarto, sem produzir som nenhum. Antes que pudesse seguir em frente com sua recém teoria de que despertador podiam voltar como espíritos vingativos e garantir que seu antigo dono cruel nunca mais voltasse a dormir, percebeu que o som estridente não vinha de seu quarto, mas sim do quarto de sua filha. Aquela constatação trazia dois problemas sérios: o primeiro era que Paige também não tinha levantando, o segundo era que aquele era o despertador de emergência, o que significava que ambas estavam extremamente atrasadas.
- Paige, levanta – gritou ela de seu próprio quarto, em busca de uma peça fácil no guarda-roupa que não requeresse muito tempo para vesti-la, optando pelo primeiro vestido um pouco mais quente que encontrara – Você vai perder o ônibus!
- Por que não posso ir com você de carro...? – resmungou a garota, puxando suas cobertas até tampar o rosto, rindo contrariada quando sentiu sua mãe puxando o material da outra ponta.
- Você disse que gostava de ir com seus colegas e... – lembrou , soltando a coberta e se direcionando para o único despertador ainda vivo da casa, desistindo de sua abordagem quando se deu conta de que horas eram – Paige, já estamos atrasadas para ir de carro também. Levanta!
- Levantando...!
ainda teve que gritar mais algumas vezes até que ambas estivessem dentro do carro, já dando partida no veículo enquanto lutava com o cinto de segurança que ocasionalmente se negava a encaixar na trava.
- Você tem prova amanhã, não é? – perguntou a mulher, e a garota assentiu, jogando de qualquer jeito dentro da mochila os cadernos que trouxera nos braços – Vai querer que eu te ajude a estudar mais tarde?
- Você vai sair que horas hoje?
- A Srtª Alba vai voltar hoje, então não vou ter que cobrir ela de tarde... – repassou todas as suas obrigações mentalmente – Acho que depois do almoço. Vai querer voltar comigo?
- Você comprou a comida do Bunny e do Dickens? – perguntou Paige, quase rindo ao ouvir a mãe praguejando baixo e estapeando o volante – Você disse que ia comprar ontem...
- Eu esqueci... Vou comprar mais tarde, se você me lembrar.
- Eu tenho que te lembrar de tudo – reclamou a garota, e foi a vez de rir.
- Bem, pelo visto você é uma mãe melhor do que eu – brincou ela, virando a última esquina do percurso – E pelo visto não estamos tão atrasadas. Ainda tem alunos do lado de fora.
Mal estacionou o carro em frente à escola e Paige já pulou para fora do veículo, gritando sua despedida para a mãe e dizendo que se veriam na hora do almoço. A mulher por sua vez ainda teve que desligar e fechar o carro, além de equilibrar nos braços todo o material de alunos que deveria ter corrigido na noite anterior e não conseguira terminar. Tinha apenas dez minutos até dar o horário da primeira aula e ainda precisava passar na sala dos professores para procurar algo que não levasse muito tempo para comer, ou não conseguiria sobreviver a uma sala de crianças de dez anos até o intervalo.
- Manhã agitada? – perguntou alguém que passou a caminhar ao seu lado, acompanhando seus passos apressados.
- Mary Margaret! – sorriu para a amiga e colega – Apenas uma leve discussão com meu despertador. Ele não levou a melhor dessa vez...
- Esse foi o que? – brincou a mulher – O terceiro nessa semana?
- Engraçadinha... Foi o terceiro do mês.

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Paige segurava uma sacola menor das compras, se direcionando para a entrada da casa antes da mãe, que ainda precisava procurar as chaves dentro da bolsa. Quando estava prestes a destrancar a porta, algo na janela ao lado atraiu a atenção da mulher, que pediu silêncio à filha enquanto ia averiguar. A pintura da madeira embaixo tinha algumas falhas que podia ter sido causadas por unhas, e, olhando mais de perto, parecia as travas na parte superior não pareciam estar como deveriam.
- Paige, quero que você deixe as coisas no carro e vá para o apartamento da Srtª Blanchard – instruiu com cuidado, sinalizando para a criança se afastar. A mulher colocou a sacola que carregava ao lado da porta e a criança fez o mesmo, procurando ao seu redor o que tinha feito sua mãe mudar tão drasticamente de postura – Vou para lá depois que checar algumas coisas.
A garota assentiu e devagar foi se afastando da casa, começando a correr apenas quando alcançou a calçada. em contrapartida retirou seu celular da bolsa com movimentos controlados, com uma tranquilidade que na verdade ela não tinha. Com os olhos ainda travados na janela quebrada, ela digitou o número da estação de polícia, sendo atendida no terceiro toque.
- Hm, Xerife Swan? É – disse a mulher baixo – Acho que alguém invadiu a minha casa. Você poderia vir aqui checar, por favor?
Poucos minutos mais tarde, e viu o carro da xerife estacionando atrás do seu, Emma pulando para fora do veículo antes mesmo de desligar o motor. Enquanto se aproximava com passos apressados, a mulher empunhou sua pistola.
- Você viu alguém? – perguntou ela em um sussurro, e tudo que fez foi apontar para a janela. Emma assentiu e apontou com a cabeça para que a mulher destrancasse a porta, permitindo assim que ela fizesse uma rápida varredura.
ficou do lado de fora da casa, o ritmo eletrizante de seu pé batendo levemente no piso de madeira sendo um indício claro de seu nervosismo, apenas entrando quando Emma a chamou, dizendo que estava tudo limpo.
- Você tem bons olhos para detalhes – comentou a xerife, guardando sua arma – Você percebeu a janela quebrada do lado de fora.
- Não é a primeira vez que isso acontece – explicou a mulher, jogando sua bolsa no sofá ao seu lado – Pode-se dizer que fiquei mais atenta desde então.
- Quando foi?
- Não faz tanto tempo, mas Graham ainda trabalhava sozinho, então você não vai lembrar – contou , fazendo até uma careta enquanto tentava se lembrar se Emma já tinha ou não chegado a Storybrooke naquela época – Ele me ensinou quais eram os indícios de invasão, para caso acontecesse novamente.
- Ele te ensinou bem... – Emma sorriu esboçou um leve sorriso, apenas para voltar a ficar séria enquanto estudava o fecho quebrado e o lado de fora da casa pelo vidro intacto. Aquela janela dava para a rua, alguém teria visto se tivessem tentado invadir de manhã – Você só percebeu isso agora, não é? Não acho que tentaram invadir à luz do dia...
- Enquanto estávamos dormindo? Ah meu Deus...
Emma sorriu em compaixão pela mulher enquanto ela se jogava no sofá e fitando as próprias mãos sobre o colo. A xerife voltou a olhar incomodada para a janela, sentindo como se estivesse deixando passar algum detalhe essencial. Olhando mais ao seu redor, Emma estranhou a sala de jantar ao lado lhe parecer tão familiar, mesmo nunca tendo entrado naquela casa. Sendo bem sincera, o quintal também não lhe era estranho. Depois de um estalo em sua mente, Emma mudou para janela ao lado, que dava de frente para a mesa de jantar, se agachando embaixo dela para ter a melhor visão de cima possível no horizonte. Se tivesse um telescópio, a mulher tinha certeza que seria capaz de ver outro alguém utilizando o mesmo aparelho olhando para ela.
Ela já tinha um principal suspeito.
- Você tem uma filha, não é? – comentou Emma ao se pôr de pé, mas sem se afastar da janela, na esperança que talvez Jefferson estivesse monitorando a casa naquele momento. Aquele homem era perigoso e, se ele estivesse mesmo tentando invadir a casa, temia o que quer que fosse que ele planejava. Afinal, ele acreditava que a filha daquela mulher fosse filha dele – Onde ela está?
- No seu apartamento – respondeu ela, e Emma se virou confusa, a fazendo rir – Você não mora com a Mary Margaret? Trabalhamos juntas, e nos conhecemos há anos. Só não apareço muito lá porque, bem, cuidar de uma criança sozinha e ter que preparar aula meio que toma todo seu tempo.
- São só vocês duas, não é?
- O pai dela nos abandonou há muito tempo – contou depois de um suspiro alto – Até eu tenho dificuldades de lembrar dele, sabia? Duvido que ela tenha alguma memória dele.
- Não deve ser fácil.
- Ah, tem dias e tem dias... Não é fácil sustentar duas só com o salário de professora, mas Paige entende bem a situação. Se de alguma forma eu sou uma boa mãe, é porque tenho uma boa filha.
Emma assentiu, em seguida perguntando se havia alguma coisa com que poderia travar a janela enquanto a trava não era consertada, indo pegar um pedaço de madeira nos fundos para tal tarefa, enquanto ela se encarregava de pegar as sacolas de comprar que haviam sido deixadas na frente da casa e as deixando na cozinha. A xerife ofereceu uma corona para a mulher ir buscar a filha, já que também iria para o apartamento por ter marcado de se encontrar com Henry lá. Quando chegaram, Mary Margaret explicava algo para Paige em um de seus livros enquanto ambas devoravam uma tigela de sorvete, sorrindo para a dupla assim que chegaram.
- Está tudo bem mesmo? – perguntou Mary Margaret pela terceira vez seguida depois de abraçar a amiga e colega, que só sabia rir sem graça.
- Só forçaram a janela de novo, não chegaram a entrar – continuava a repetir, mas não tinha jeito, a mulher continuaria naquele estado por mais alguns dias – Paige, meu amor, vamos?
A garota assentiu, descendo da cadeira onde estava anteriormente e dando a volta na bancada para deixar sua tigela usada na pia, agradecendo sua professora pela ajuda com a matéria e pelo sorvete, pegando a mão da mãe em um aperto firme para deixarem o apartamento. Enquanto desciam as escadas, o trio encontrou Henry subindo afobado.
- Henry, como vai o livro? – perguntou animada, sorrindo travessa para o menino – Está afim de uma festa de chá?
- N-não, obrigado, Srtª – respondeu o menino nervoso, logo passando pelo grupo e continuando a subir em direção ao apartamento da mãe e da professora – Emma, te espero lá em cima. Tchau, Srtª . Tchau Paige.
Emma acompanhou o filho de afastar com o cenho franzido, sem entender sua reação ao ver a mulher, logo a questionando ao perceber que ela ria satisfeita.
- É por causa do livro de contos de fadas que Mary Margaret deu para ele – explicou – As histórias lá não são contadas da forma tradicional e acho que ele ficou um pouco impressionado...
- Quem ele acha que você é? – perguntou Emma, agora genuinamente curiosa.
- Ah, é fácil adivinhar... Minha filha Paige tem um coelho, e eu tenho um gato. Estou sempre tomando chá... – fez uma pequena pausa, sorrindo sugestiva para a mulher – E meu nome do meio é Alice.
- Ele não me disse que... – ofegou Emma, mas não estava se referindo ao seu filho, estava se referindo a Jefferson. Quando ele a mantivera em cativeiro, ele não contou que acreditava que a mãe da garota que ele acreditava ser sua filha era a Alice. Nas poucas páginas que folheara da história do Chapeleiro quando pegara o livro de Henry emprestado, tinha visto que ambos os personagens na verdade não se davam nem um pouco bem. O que quer que Jefferson quisesse naquela casa, não era apenas com Paige, era com também.
Todo o trajeto até a casa das duas foi feito em silêncio, que foi apenas quebrado na hora despedida, quando pediu que a filha entrasse na casa primeiro, permitindo que ela trocasse algumas palavras com a xerife. Paige apenas concordou, se despedindo da mulher e entrando na casa com as chaves da mãe.
- Bem, obrigada mais uma vez pela ajuda, Emma – agradeceu novamente – Vou tentar não te ligar caso escute qualquer barulhinho.
- Não, por favor. Ligue – cortou-a Emma, seu olhar não mais na mulher a sua frente, mas na floresta ao longe do centro da cidade – Qualquer coisa que julgar estranhar, e eu apareço o mais rápido que conseguir.
não entendeu o que fizera a mulher agir daquela forma, mas não negou sua boa vontade, mais uma vez agradecendo e lhe desejando boa noite antes de entrar de vez em sua casa, passando o resto das horas daquele dia pensando em como poderia melhorar a sua segurança e da filha sem ter dinheiro a mais para ser gasto.

Capítulo 2


olhou por cima do ombro tantas vezes que até perdeu a conta.
Sabia que não estava sendo seguida, mas sua ansiedade lhe pregava peças, a fazendo imaginar que ouvia passos próximos quando não havia ninguém, nem mesmo os animais da floresta. De alguma forma, parecia que eles já sabiam com quem ela buscava se encontrar, sabiam que deviam temê-lo. As barras de seu vestido cheio de remendos já estavam imundas pelo solo úmido, já que parara de chover há poucas horas. Vez ou outra, suas botas deslizavam no chão escorregadio, mesmo já estando acostumada com aquele cenário. A garota falhara miseravelmente em tentar acompanhar com cálculos o tempo que se passara, mas sabia que era muito, mesmo que sua imagem lhe contrariasse. Talvez ela não fosse capaz de envelhecer naquele mundo diferente, o fato é que parecia que uma eternidade já havia se passado.
Quando finalmente se cansou de tanto andar e aceitou que já estava afastada o suficiente para não ser interrompida, se sentou em um amontoado de pedras, fechando os olhos e respirando fundo várias vezes enquanto deixava aquele nome incomum voltar a sua mente.
- Rumpl... Rum... Rumplest...
- É Rumplestiltiskin, querida – corrigiu-a uma voz a suas costas, uma voz um tanto aguda e até mesmo um pouco cantada. Se levantando em um pulo, encontrou um homem que só podia ser o tal Ser das Trevas sorrindo para ela.
- Não tinha um nome mais difícil? – resmungou ela, descontando sua irritação pelo susto na saia de seu vestido, passando as mãos pelo tecido em um movimento nervoso – Dizem que você realiza os desejos das pessoas...
- Toda magia vem com um preço, Alice – alertou Rumplestiltiskin, subindo nas pedras em que momentos atrás ela se sentava. revirou os olhos ao ouvir seu antigo nome.
- Meu nome é – corrigiu ela irritada, por um momento perdendo o homem de vista, o encontrando segundos depois ao seu lado.
- E o que você deseja, ?
- Um portal para outros mundos.
Rumplestiltiskin parou de repente, seus grandes olhos arregalados em surpresa, seu sorriso doentio se alargando a cada instante em silêncio. A ideia lhe agradava, talvez aquela garota pudesse lhe ser útil, no fim das contas. Só precisava confirmar alguns detalhes...
- Qual é o motivo da fuga? – questionou ele, uma de suas mãos ameaçando tocar o rosto frio da jovem, sendo estapeada para longe com agressividade – Um coração partido?
- Eu não pertenço a esse mundo – explicou , seu olhar duro tentando avisá-lo para não se aproximar novamente – Meu mundo original não era o melhor, mas pelo menos era meu.
- Você não é desse mundo...? Ah, isso muda as coisas! – comemorou o homem, se afastando vários metros, parecendo dançar de animação. Quando parou, ele apontava para seu peito, agora sério – Belo colar esse que você usa.
- É isso que você quer em troca? – questionou , inconscientemente levando uma mão até a joia, a apertando contra sua palma como se isso fosse o bastante para protegê-la. O pingente do colar se tratava de um relicário quebrado, seu material dourado enfeitado com diversas pedras pequenas e coloridas que a jovem não conhecia, mas que era a única lembrança que tinha de seus pais. Era algo que ela considerava seu único bem, até que fazia sentido ter que abrir mão dele.
- Não, querida. Claro que não! – negou ele com um riso debochado, zombando de seu mal entendimento com um gesto de mão, antes de voltar a ficar sério – Esse colar daria um bom portal...
- E o que você quer em troca? – insistiu ela no assunto, apertando ainda mais a joia em sua mão. Junto com as tentativas de a fazer mudar de ideia, várias pessoas lhe alertaram de que aquilo se tratava de um acordo, e precisava beneficiar as duas partes – Não tenho mais nada a oferecer.
- Quero que você encontre algo que leve para um mundo onde magia não existe.
- O... o que? – estranhou , julgando que talvez não tivesse escutado direito. Quando o homem não voltar a repetir o pedido, ela ficou ainda mais confusa – O que você pode querer em um mundo sem magia?
- Isso, querida , não é da sua conta – esclareceu Rumplestiltiskin, algo no tom de sua voz que não deixava aberto para discussões, um aviso discreto – Temos um acordo?
olhou da joia pendurada em seu pescoço para a mão estendida do homem à espera de sua decisão. Algo em seu interior parecia tentar lhe avisar que aquilo era uma péssima ideia, de que algo naquele acordo não cheirava bem, mas a jovem respirou fundo e ignorou tudo aquilo, retirando o colar de seu pescoço e o entregando ao entusiasmado Rumplestiltiskin.
- Sim.

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Paige decidira passar a tarde daquele sábado com a mãe, já que sempre se divertia enquanto ela limpava a casa, tirando algumas caixas dos armários onde encontrava coisas curiosas, fossem fotos antigas ou peças de roupas que ela julgara importante guardar. Nunca encontrara nada relacionado a seu pai por mais que procurasse, mas não era por isso que gostava de mexer nas coisas guardadas da mãe: era divertido imaginar como ela era antes de seu nascimento, quais eram seus costumes quando ela não tinha uma filha para cuidar.
- Mãe? – Paige a chamou da sala, enquanto ela terminava de limpar a cozinha. Entre uma das caixas de fotos da infância de estava uma pequena caixa aveludada, seu interior protegendo um colar dourado com um pingente enfeitado com pedras coloridas. A garota tentou abrir o relicário, apenas para se desesperar quando ele se partiu em dois, revelando seu interior vazio – Não sei o que é isso, mas acho que eu quebrei. Mãe?!
entrou na sala já rindo, seu rosto ficando sério ao entender do que a filha falava.
- Seus avós me deram isso... – contou a mulher, agachando ao seu lado e pegando o colar nas mãos úmidas depois de ter lavado o mesmo pano pela vigésima vez no dia. Fazia tanto tempo que não via aquilo que quase se esquecera que um dia o tivera – Pensei que eu tinha perdido.
- É bonito – comentou Paige – Você deveria usar.
- Parece caro também... – continuou , trazendo a peça para mais perto do rosto, como se fosse ser capaz de dizer se aquelas pedras eram verdadeiras ou não – Talvez eu consiga o dinheiro para melhorar a segurança da casa com ele.
- Mas... – murmurou a garota, um tanto confusa e cabisbaixa – Isso era dos seus pais, não é uma lembrança deles?
sorriu para a filha, colocando o colar sob a mesa de centro e se sentando ao seu lado, passando um braço por de trás de seus ombros estreitos. De imediato a mulher entendera a preocupação de Paige: ela própria não tinha nada que lembrasse o pai, não queria a mãe na mesma situação.
- Eu não preciso de um colar para lembrar deles – contou ela, beijando os cabelos da garota e apertando de leve – Lembro dos dois toda vez que olho para você, como eles ficariam felizes em te ver crescer. Eles iriam nos querer seguras antes de tudo.
Paige assentiu sem muita animação, mas não voltou a tocar no assunto, entendendo os motivos da mãe. Era claro em seus movimentos durante todo o resto da última semana que ela estava tensa, preocupada, não se sentia segura em sua própria casa, e tudo que a garota queria era ver sua mãe feliz, talvez aquele fosse mais um sacrifício necessário.
deixou sua visita a loja do Sr. Gold para segunda depois das aulas da manhã, já que seria um dia um pouco menos corrido que o de costume. Paige passaria a tarde na casa de uma amiga da escola, então não precisava se preocupar com o que ela comeria nas próximas horas, talvez nem com o jantar. Se conseguisse um bom valor no colar, talvez até já pudesse começar a pôr em prática as mudanças na casa ainda naquele dia. Tudo dependia daquilo.
A mulher engoliu em seco assim que o sino na porta da loja anunciou sua entrada, tentando ignorar aquela sensação ruim que a dominava sempre que entrava naquele estabelecimento. Fosse os objetos aleatórios espalhados pela loja ou o tom sombrio que dominava o ambiente pela madeira escura com que fora construído, algo ali sempre a incomodara.
- Srtª , no que posso lhe ser útil? – cumprimentou-a o Sr. Gold, saindo de seu escritório e lhe mostrando um de seus sorrisos sinistros. Sorrindo forçada, ela caminhou até o balcão, tirando a pequena caixa de veludo de dentro do bolso de seu vestido e a colocando sob o vidro.
- Eu queria fazer uma avaliação disso.
- Problemas financeiros? – perguntou o senhor, seu olhar já travado no colar que encontrara dentro da caixinha. Estando cabisbaixo, não viu o brilho maldoso em seus olhos assim que reconhecera o pingente. Mas é claro que ela ainda tinha a posse daquilo depois de tanto tempo.
- Problemas de segurança, na verdade – contou a mulher, enrugando a testa quando Gold fechou a caixa abruptamente, sem ao menos pegar algum aparelho para analisar melhor a peça – Tentaram invadir a casa mais uma vez.
- Temo que não vá conseguir o dinheiro com esse colar, Srtª – anunciou ele, empurrando a caixinha em sua direção – É bijuteria.
continuou a olhá-lo confuso por alguns segundos, depois começou a rir.
- Acho que isso é o que acontece quando se acredita nas histórias que seus pais te contam quando criança... – suspirou ela sem graça, devolvendo o objeto ao bolso e já recuando para deixar a loja – Peço desculpas por tomar seu tempo, Sr. Gold.
- Não é só porque não tem valor financeiro que você deve esquecer esse colar, Srtª – a voz alta de Gold ecoou pelo ambiente, fazendo com que ela parasse no meio do caminho, a mão suspensa prestes a agarrar a maçaneta da porta. Quando ela murmurou um “perdão?”, o homem continuou – É uma bela peça, de qualquer forma. Você deveria usá-la, já que não pode vendê-la. O colar combina com você.
ficou incomodada ao não conseguir decidir se ele estava realmente sugerindo alguma ofensa ou se era uma tentativa muito falha de elogio, mas murmurou um “obrigada” sem convicção e deixou a loja de uma vez, praguejando baixo assim que seus pés voltaram a tocar a calçada.
Agora com seus planos completamente destruídos, a mulher optou por adiantar a compra da semana, passando no mercado mesmo sem estar de carro, julgando tanto que não compraria muita coisa como que o percurso para casa não era tão longo assim. Julgamento que fora completamente errado, já que ela acabara com duas sacolas pesadas e vários metros de caminhada pela frente. Distraída, ela quase esbarrara em uma pessoa, gritando desculpas enquanto tentava se equilibrar mais uma vez com as sacolas, já que ao tentar desviar acabara por pender demais para um lado.
- Hm... – a pessoa riu, uma risada grave e masculina. Antes que ela pudesse cair de vez, ele apoiou uma mão em seu ombro, a ajudando a recuperar seu eixo – Você quer ajuda?
- Acho que preciso! – concordou rindo, o rosto quente de constrangimento enquanto o homem pegava uma das sacolas, e ele sorria de volta. Nunca havia o visto antes, isso ela logo percebeu. Suas roupas escuras e o lenço ao redor do pescoço contrastavam demais com aquele dia até de temperatura agradável, mas ele não parecia estar incomodado – Desculpe.
- Não, tudo bem – garantiu ele, mudando a sacola de braço para deixar a mão direita livre, e a estendendo para a mulher, que imitou o gesto – Sou Jefferson.

Capítulo 3


tentava ao máximo passar discretamente pelas pessoas da feira, mas, quem quer que fosse que estava a seguindo, estava realmente determinado. Pelo canto do olho ela conseguia vez ou outra localizar um daqueles homens de armadura escura sempre próximos, não importava quantas vezes tentava despistá-los, e seu número apenas parecia aumentar com o tempo. Quando estava a alguns passos da orla da floresta, uma mão se fechou com violência ao redor de seu braço e a puxou para trás.
- A Rainha deseja te ver, garota – foi a única coisa que o cavaleiro teve a decência de lhe explicar, enquanto a arrastava em direção ao castelo.
Uma vez dentro da grandiosa construção, tudo que sentiu foi seu tamanho diminuindo, de todas as formas possíveis. Tudo ali explicitava um contraste extremo: as portas gigantes que a faziam parecer bem menor, a riqueza na mobília e decoração contra a pobreza dos tecidos gastos e remendados de seu vestido, e principalmente a imagem da Rainha, que estava a sua espera no que parecia ser seu escritório. Aquela mulher era poderosa, enquanto ela não tinha um pingo de magia em seu ser.
- Você é um tanto difícil de encontrar, – começou Regina, dando uma volta ao redor da mulher com passos lentos, claramente analisando com cuidado suas vestes e quanta sujeira ela trazia consigo – Quase como se estivesse me evitando...
- No que posso lhe ser útil, Majestade? – seu tom de voz saíra muito mais agradável do que esperava, seu sorriso educado no fundo também sendo um pouco satisfeito. Sua vida agora dependia da sua boa postura, não podia vacilar.
- Algo de muito valor meu foi roubado e levado para outro mundo, e preciso recuperá-lo – contou Regina, finalmente parando a sua frente – E você fará isso para mim.
olhou para a mulher com curiosidade, e sequer estava tentando entender como seu cabelo tinha sido organizado naquele topete sem magia, mas sim pelo pedido que estava lhe sendo feito.
- Temo não ser a pessoa por quem você procura, Majestade – disse ela com cuidado – Não viajo por portais.
- Sei que você não é desse mundo, garota – insistiu a rainha, tirando um pequeno galho da zona que era o cabelo da jovem, um tom fingindo de preocupação em sua voz – Jefferson te trouxe, não foi?
- Não entendo o que uma coisa tem a ver com a outra.
- Então você não procurou Rumplestiltiskin para voltar ao seu mundo natal?
respirou fundo e fechou os olhos para não revirá-los, fitando seus pés quando voltou a abri-los. Se não tomasse cuidado, era capaz da rainha a entregar ao homem que não deveria estar mais feliz a seu respeito desde a última vez que se viram, então precisava se controlar. Com cuidado, a jovem jogou um lado da capa que usava por cima do ombro, revelando seu colo desprotegido pelo vestido. Dessa forma, era possível ver um fino cordão dourado que sumia dentro de seu decote. Puxando o cordão, ela revelou um pingente quadrado na ponta, um relicário enfeitado com pequenas pedras coloridas.
- Você tem conhecimentos em magia, majestade – suspirou a jovem, esticando o cordão para que Regina pudesse tocar o pingente – Vá em frente e me diga: esse colar parecer ter alguma propriedade mágica para você? É só um colar.
A verdade era que um dia o pingente chegara a ser um portal para outros mundos, porém o seu fracasso em cumprir com o acordo que fizera com Rumplestiltiskin resultara em ele pegando de volta toda magia que depositara no objeto. nunca diria aquilo em voz alta, mas se orgulhava daquilo. Rumplestiltiskin era extremamente poderoso, era o Ser das Trevas, se existia algo que ele desejasse e não conseguisse obter sozinho, talvez houvesse um motivo. O interessante era que, coincidentemente, parecia que a mesma coisa podia ser considerada com a rainha a sua frente.
- Pessoas dizem coisas – continuou , depois que Regina soltou o pingente sem delicadeza e lhe deu as costas, se afastando alguns passos – Espalham rumores sem comprovar a fonte.
- Mas foi Jefferson que te trouxe para esse mundo antes de pendurar o chapéu – lembrou a mulher, e a jovem não teve outra opção senão assentir.
- Sim, isso é verdade. Porém não sei onde ele está, caso seja isso que queria de mim – explicou , devolvendo o colar à proteção de seu vestido, ajeitando mais uma vez sua capa para esconder o cordão visível – Ele me abandonou na floresta anos atrás. Só não sei sua localização como não quero saber.
Regina pareceu ponderar por alguns instantes, e em seguida sinalizou para que os guardas a tirassem de lá, mas não antes de ordenar que deveria comunicá-la caso encontrasse Jefferson, algo com que a jovem concordou, mesmo que não planejasse obedecer àquela ordem. Jefferson havia saído daquele trabalho por bem, e ela definitivamente não seria aquela a trazê-lo de volta.

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Jefferson deixou a sacola sob a pia, no local que indicara e se afastou alguns passos, assistindo a mulher com pressa colocar o que pertencia a geladeira, e só depois sorrindo agradecida para ele.
- Aceita chá? – perguntou ela incerta, balançando a cabeça nervosamente em seguida ao se lembrar que o resto do mundo normalmente preferia outras bebidas – Devo ter um pouco de café também, se já não venceu...
- Chá está ótimo – Jefferson a interrompeu, seu sorriso se alargando quando ela imitou seu gesto, se ocupando em preparar a bebida para os dois. Aproveitando que estava distraída, ele passou a prestar mais atenção nos detalhes da casa, em busca de qualquer coisa que o lembrasse da mulher que um dia ele tão brevemente conhecera, mas realmente se tratavam de pessoas completamente diferentes. Naquele mundo ela era uma professora, não uma ladra, era alguém confiável, responsável por outra vida. Ao notar algumas fotos de ao lado de sua Grace, um incômodo se instalou em seu peito, algo que ele tentou disfarçar com um pigarreio – Você tem filhos.
- Filha. E singular – corrigiu ela rindo, tirando a chaleira do fogo e despejando a água quente em duas canecas – Você tem?
- Ahn, sim, mas ela mora com a mãe – sua resposta deveria ter soado no mínimo suspeita, já que Jefferson não conseguiu tirar o ressentimento da voz, mas não pareceu perceber, já que continuou o pequeno interrogatório.
- Quantos anos ela tem? – perguntou ela, e o homem riu mentalmente. Deveria contar ou não o tempo de maldição?
- Dez, quase onze.
- Praticamente a mesma idade da minha Paige – comentou a mulher, lhe entregando uma das canecas com a bebida fumegante, o que ele agradeceu com um aceno de cabeça. Ambos ficaram em silêncio por um tempo até se virar para fazer alguma coisa, um barulho alto ecoando pela cozinha quando algo em seu bolso bateu na quina da pia, ela própria parando surpresa sem entender o que acontecera, só então se lembrando da caixa de veludo. Jefferson ergueu uma sobrancelha, curioso – Você tem uma pedra no bolso?
- Algo que tentei vender mais cedo e não consegui – suspirou ela, deixando sua caneca na pia para segurar a caixinha com ambas as mãos, abrindo sua tampa e encarando seu interior. Tivera tanta certeza que aquela era a solução de que precisava que até agora não tinha aceitado a recusa do Sr. Gold. Jefferson, por sua vez, só não deixara a caneca cair de suas mãos porque congelara na posição que estava, todos seus músculos repentinamente rígidos o impedindo de se mover.
O colar.
Em vinte e oito anos preso naquele maldito mundo e em nenhum momento ele havia conseguido confirmar a localização do colar. Sua parte mais lógica tinha assumido que o objeto estava na posse de Regina, ou até mesmo de Rumplestiltiskin, já que imaginava que todos os objetos mágicos estavam em poder dos dois, mesmo que não os tivesse questionado sobre seu chapéu. Porém uma parte menor e menos sensata sempre acreditara que estava com , quase que como uma ironia por ela não saber de suas propriedades e como usá-lo. Era essa desculpa que usava ao tentar entrar na casa anteriormente, mesmo que não fosse saber por onde começar a procurar. E agora ele estava ali, em frente a como um convidado, no exato momento que ela tirava o objeto de seu esconderijo.
- É um belo colar... Posso? – se ofereceu Jefferson, já se adiantando para o colar antes mesmo de ter permissão, deixando sua caneca ao lado da dela. não reagiu de imediato, não tendo tempo assim de negar a sugestão do homem, apenas afastando o cabelo do pescoço quando ele já tinha o colar em mãos, a espera que ela se virasse.
Mesmo sabendo que não devia, Jefferson deixou que suas mãos descansassem brevemente na curva do pescoço da mulher, quase se esquecendo que ela sequer se lembrava quem era ao notar sua pele se arrepiando em razão de seu toque. Observá-la de longe todos aqueles anos havia sido doloroso, mas aquilo chegava a outro nível. Era cruel demais. Por um breve segundo ele considerou beijá-la, na esperança de quebrar a maldição pelo menos entre eles, só que nunca tivera a chance de saber como ela se sentia a seu respeito, nem ele próprio tivera. Até onde sabia, aqueles sentimentos que afirmava ter poderiam ser frutos de seus delírios, de anos imaginando o que seria conseguir voltar para casa. O nome Chapeleiro Maluco lhe servia muito bem.
Ele havia perdido a sanidade há eras.
- Eu preciso ir... – Jefferson se forçou a dizer, recuando alguns passos. Suas mãos se fecharam em punhos, as unhas contra as palmas tentando lhe lembrar da postura que deveria manter, que não precisava assustar a mulher ainda mais – Foi um prazer, .
Jefferson chegara a ouvir uma despedida tímida e mais alguns agradecimentos enquanto rumava para a frente da casa, mas optou por permanecer em silêncio. Havia coisas demais em sua mente, precisava sair dali o mais rápido possível. Ainda havia a possibilidade de esbarrar com sua Grace no percurso, e isso faria com que ele perdesse a cabeça de vez. O mais rápido possível não era o suficiente.
- Ei, Jefferson! – alguém o gritou às suas costas enquanto ele atravessava a rua, se virando apenas quando estava seguro na outra calçada, seus ombros caindo ao reconhecer a mulher que agora caminhava decida em sua direção.
Mas é claro que aquele dia podia piorar.
- Emma...! – suspirou ele, um tom de falso entusiasmo em sua voz – Que agradável surpresa.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou a xerife sem rodeios, os braços cruzados em frente ao corpo e um brilho sério nos olhos. Jefferson se fez de desentendido.
- Dando uma volta?
- Você fique longe das duas, entendeu? – rosnou a mulher, sem paciência para joguinhos – Se eu arrumar um mandado de busca na sua casa, aquele telescópio apontado para a janela da vai ser o suficiente para te culpar pelas tentativas de invasões da casa dela, que eu realmente acredito que seja você.
- Eu genuinamente não sei do que você está falando, Emma – o homem até tentara se defender, mas ela não lhe dera ouvidos, resmungando um “você foi avisado” antes de se afastar.
Aquilo talvez pudesse vir a ser um obstáculo problemático. Já havia atraído atenção demais, não poderia ser pego logo agora. Precisava daquele colar, e algo lhe dizia que seria muito mais difícil a partir de agora invadir aquela casa.

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De uns tempos para cá, havia quase que se tornado um ritual não dormir quando finalmente se deitava no final do dia, mas sim praticamente desmaiar. Eram tantas coisas com que precisava lidar na escola, além das preocupações com a filha e a casa, que no final do dia ela praticamente já entrava na inconsciência ao repousar a cabeça sobre seu travesseiro. Entretanto, seu sono nunca conseguia se tornar pesado, em razão de seu medo de alguém tentar invadir a residência, o que resultava em poucas horas de sono mal aproveitadas, fazendo aquele cansaço apenas se prolongar dia após dia.
O problema foi que naquela noite, seu sono leve não ajudara em nada.
Quando ouvira o som de passos pesados demais para serem de Paige, já era tarde. Uma mão com um pano embebido de clorofórmio cobriu a maior parte de seu rosto, o que somado com a escuridão do quarto, impossibilitou qualquer chance de tentar identificar o invasor, além de ter voltado para a inconsciência segundos depois.
Quando tornou a acordar, ela ainda estava no quarto, e também não estava sozinha.
- Ei, ei... Calma, sou eu. Emma – murmurou a mulher várias vezes, forçando seu ombro contra o colchão para que ela não se levantasse. Um paramédico ao fundo parecia esperar sua deixa para examiná-la – Paige está na sala com a Mary Margaret. Ela ligou depois que ouviu um barulho estranho e não conseguiu te acordar.
A respiração de ficou presa na garganta, e demorou para que conseguissem acalmá-la. A ambulância foi logo dispensada, já que não havia ferimentos a serem tratados, apenas um grande abalo emocional. Depois de uma rápida varredura na casa, ficou decidido que aquela noite mãe e filha ficariam no apartamento de Emma e Mary Margaret, já que era mais perto do que a pensão da Vovó, além de que uma companhia para tranquilizá-las não faria mal nenhum. Paige conseguira dormir com muito mais facilidade do que a mãe, que passara a maior parte da noite em claro enquanto sua colega mantinha sua caneca cheia de chá fumegante.
- Algo foi roubado? – perguntou Mary Margaret ao voltar a se sentar ao seu lado no sofá.
- Apenas um relicário velho – contou , rindo sem humor ao perceber a ironia da situação – Eu tentei penhorar ele para o Sr. Gold mais cedo, e ele disse que não valia nada. Mesmo assim foi a única coisa que levaram.
- Você ia vender para tentar melhorar a segurança da casa – deduziu Emma, vendo-a assentir – Por que não pedir um empréstimo no banco?
- Quem faria um empréstimo para mim, Emma? Eu sou professora do fundamental – lembrou a mulher cabisbaixa – Eu não tenho nada de valor que o banco ache digno de proteção. A única coisa que posso fazer é torcer para a pessoa ter conseguido o que queria e deixar eu e minha família em paz.
- Você disse que o colar não valia nada – lembrou Mary Margaret.
- Espero que Gold tenha mentido para mim, ou que a pessoa nunca descubra.
Depois disso, Emma sugeriu que todas fossem pelo menos tentar dormir um pouco, já que se recusava a faltar na escola, e as outras duas também precisavam trabalhar em algumas horas, cada uma indo para seu quarto e se juntando à filha adormecida no colchão na sala. Ela invejou por alguns instantes a serenidade que a criança transmitia, mesmo com a imagem de seu nervosismo mais cedo impressa em sua mente. Tudo com que se preocupava era com a filha, e agora mais do que nunca sentia que havia falhado com ela. Talvez voltasse no banco e chorasse um pouco por um empréstimo, mesmo que isso significasse se endividar até o último fio de cabelo e arriscar perder a própria casa. Precisava respeitar as prioridades, e era a segurança de Paige.

Capítulo 4


Jefferson não fazia ideia do que estava acontecendo. Apenas sabia que de alguma forma não estava mais no País das Maravilhas, já que aquilo não parecia em nada com o local onde era mantido prisioneiro. A arquitetura do local era estranha, nenhuma que já tinha visto antes – e ele já tinha visto muitos lugares. Depois de alguns minutos, ele conseguiu encontrar a saída da grande construção, se encontrando em um bosque. Por entre as árvores, conseguiu ver o que parecia ser um vilarejo mais embaixo, e seguiu a estrada em frente à construção na esperança que chegasse lá em algum momento.
Acabou que o vilarejo era maior do que ele pensara, e, toda vez que parava alguém em busca de informações sobre em que mundo estava, as pessoas o olhavam feio, se afastando sem se darem o trabalho de lhe dar alguma explicação. Foi horas mais tarde que ele encontrou um rosto conhecido, sua mente entrando em pane assim que a reconheceu: as roupas não ajudaram muito, já que nunca a tinha visto de calças, nem com aquela bota de solado estranho que era muito mais alto no calcanhar, mas o tom de azul de seu casaco era familiar demais, principalmente o penteado baixo na nuca onde seu cabelo era organizado. vinha do outro lado da estrada, no sentido contrário que ele seguia. Ele até chegara a juntar fôlego para gritar pela mulher, mas uma mão em seu ombro fez com que mudasse seus planos.
- Eu não faria isso, Jefferson.
- Regina...? – ofegou ele, estapeando a mão da mulher para longe e se afastando alguns bons passos.
- Ela não sabe quem você é – explicou ela com um sorriso maldoso e satisfeito no rosto, seu olhar travado do outro lado da rua – Nenhuma das duas sabem.
Ao notar o plural na fala da Rainha Má, Jefferson voltou a procurar ao longe, notando que agora ela estava acompanhada de uma criança, que acompanhava seus passos e segurava sua mão. Seu coração pareceu parar, assim como o ar não conseguia voltar a encher seus pulmões. Poderiam vesti-las com as roupas mais estranhas de qualquer mundo, ele sempre seria capaz de reconhecer sua filha.
- Grace.
- Pelo que eu entendi, o nome dela aqui é Paige – disse Regina, ganhando mais uma vez sua atenção, o olhar abismado travado em seu rosto. O questionamento estava tão expresso em seus olhos que ela sequer esperou que ele conseguisse verbalizar a pergunta, já que provavelmente demoraria para recuperar a habilidade de fala – É uma maldição. Ninguém sabe quem realmente é, e vão ficar assim para sempre. Sem seus finais felizes.
Seu corpo agiu por conta própria e se virou para a dupla do outro lado da estrada, que se afastavam enquanto conversavam animadas. A maldição era para privar todos dos finais felizes, mas parecia que elas eram imunes. O único melancólico era ele. Ao chegar à conclusão de que aquela felicidade talvez não duraria por muito tempo, seu sangue gelou nas veias.
- Sua maldição é o contrário, Jefferson – Regina parou às suas costas, apoiando o queixo em seu ombro – É lembrar.

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Jefferson assistiu com um sorriso no rosto a filha se afastar em busca de mais cogumelos, mas logo sua expressão se tornou séria ao conseguir distinguir entre os sons característicos da floresta sons de passos cuidadosos. Suspirando alto, ele se virou para a origem dos ruídos, seu cenho franzido enquanto tentava reconhecer a pessoa a sua frente. Alguns muitos centímetros mais alta, o rosto mais adulto, e vestes que agora eram do padrão daquele mundo.
Vários anos haviam se passado, mas não era tão difícil assim reconhecê-la.
- O que você está fazendo aqui, Alice? – perguntou ele irritado, voltando a se abaixar para recolher os últimos cogumelos ali.
- Esse não é meu nome. É – corrigiu a mulher, as mãos escondidas atrás das costas, nervosamente apertando os próprios dedos enquanto se aproximava com cuidado.
- O que você está fazendo aqui?
- Um favor, talvez? – arriscou ela, se apoiando na árvore que o homem trabalhava – Há um rumor de que a Rainha Má está procurando um viajante para levá-la a outro mundo.
- Como sabe disso? – questionou Jefferson, seu falso desinteresse quase o traindo, deixando transparecer sua curiosidade e receio.
- Porque ela foi me procurar pessoalmente – contou , um brilho irônico em seus olhos – Adorável encontro, devo dizer.
Jefferson respirou fundo antes de se levantar, rapidamente estudando a mulher a sua frente. Sua capa bem abotoada escondia todo seu colo, então ele não podia dizer se ela estava com o tal colar ou não. Seu lado mais desconfiado dizia que era uma péssima confiar em , já que ela tinha até que bons motivos para querer se vingar dele.
- Você também é, por que não pegou o trabalho? – perguntou o homem por fim, batendo as mãos em seu sobretudo para tirar o pouco de terra que ainda tinha nos dedos.
- Primeiro, eu não sou mais – começou ela, enumerando nos dedos – Segundo, ela é a Rainha Má. Se existe algo que ela quer e não consegue ter sozinha, provavelmente não é boa coisa.
Ela criara alguma inteligência nos últimos anos, foi o que Jefferson pensou enquanto ficou alguns momentos em silêncio, sem querer tentando descobrir o motivo de ela ter desistido das viagens. Quando se lembrou que aquilo não era da sua conta e nem deveria ficar preocupado com isso, ele girou os calcanhares e passou a se direcionar para casa, o que irritou a mulher, que se pôs a segui-lo.
- Ei! Não é educado sair sem terminar a conversa!
- Quero você longe daqui, entendeu? – ele elevou um pouco mais a voz, para garantir que a mulher o escutaria com clareza mesmo com a distância – Tudo que você traz é desgraça.
- Eu? Tem certeza? – riu descrente, o puxando pelo braço quando o alcançou para que ele se virasse – Eu sou a razão de você ter voltado para a sua filhinha, Chapeleiro. Ou esqueceu que se não fosse por mim você ainda estaria no País das Maravilhas? São as regras do chapéu, não é? O mesmo número que entra é o mesmo número que sai.
Jefferson não retrucou, muito menos ousou olhar para ela. Ele sabia que a mulher estava nada mais nada menos do que certa, e isso o atormentava. Tudo o que deveria sentir a respeito dela era gratidão, mas por algum motivo desconhecido, as coisas não funcionavam daquela forma.
- Não tente passar essa imagem de herói para mim que não funciona. Você me trouxe para cá por qualquer coisa, menos heroísmo.
- Fique longe de mim e da minha filha, por favor – pediu ele em um sussurro, até tentando se afastar, mas o aperto de no braço de seu sobretudo era mais forte do que ele esperava.
- Eu estou tentando te ajudar, idiota!
- Como vou saber que não está planejando me entregar para a rainha? – questionou Jefferson, finalmente deixando que seus olhos se encontrasse, vendo o exato momento que os dela foram tomados por inconformismo.
- Acha mesmo que eu faria esse teatrinho para te entregar? – ela riu irritada, soltando seu braço com violência – Você é patético.
- Papa..? – a voz infantil próxima vez com que a postura da dupla mudasse instantaneamente, ambos se virando para a origem do som.
- Grace.
A garotinha tentou esboçar um sorriso para disfarçar seu receio pelos gritos que ouvira, acabando por mostrar quase que uma leve careta, o que fez sorrir em compaixão. Nunca chegara a conhecê-la de fato, mas de alguma forma ela era exatamente como imaginara: nada parecida com o pai. Os cabelos mais claros, e os olhos mais escuros. Não havia um traço sequer de Jefferson na garota, ela era quase que uma cópia da mãe.
- Oi, Grace – disse a mulher, com uma animação genuína na voz enquanto se agachava para ficar na mesma altura que ela – Meu nome é .
- Você é amiga do papa?
- Acredito que eu seja, infelizmente.
- ... – resmungou o homem baixo, tentando soar ameaçador. Ela por sua vez, apenas revirou os olhos.
- Jefferson.
- Quer ficar para jantar? – sugeriu a garotinha, seu largo sorriso se espelhando no rosto da mulher.
- Grace...!
- Eu adoraria! – aceitou o convite antes que Jefferson pudesse ralhar como pretendia com a filha, que logo se pôs a arrastá-la pela mão até a casa.
- Já te aviso que o papa não é o melhor cozinheiro do mundo – disse Grace em um sussurro, a fazendo rir.
- Estou familiarizada com isso.
Jefferson ficou em silêncio e emburrado durante todo o trajeto, enquanto sua filha conversava animada com a mulher, contando o que fizera naquele dia e como queria ter uma festa de chá mais tarde, e que estava mais do que convidada. Como Jefferson a dispensara sem pensar duas vezes quando se ofereceu para ajudar com o jantar, a mulher acabou por ficar brincando com a garota, que ria pela quantidade de chá de mentirinha que já tinha bebido e sempre aceitava mais.
- Tem um rasgo no seu vestido, meu amor – comentou a mulher depois de um tempo, notando o tecido danificado na saia quando Grace se levantou para buscar um outro brinquedo.
- Ah sim. Eu caí na floresta mais cedo – contou ela um tanto constrangida, seu rosto pálido adquirindo uma tonalidade rosada – Papa disse que vai consertar mais tarde...
- Vem cá, eu conserto – disse a mulher, já procurando na bolsa presa a sua cintura o kit de costura que sempre levava consigo – Ele está ocupado, de qualquer forma. Não vai ser problema nenhum ajudar.
Grace assentiu animada, parando próxima a mulher como fora instruída, que logo se pôs a trabalhar com uma linha escura. Jefferson, que apenas fingia estar distraído com a comida, acompanhava tudo ao longe, quase sorrindo ao ouvir os comentários divertidos das duas, como se se conhecessem há anos, não poucas horas.
- Nossa, ficou tão bom quanto a costura dele!
riu alto em agradecimento, mal tendo tempo de guardar seu material antes de ambas serem chamadas para comer antes que esfriasse.
A refeição inteira seguira daquela forma: Grace que comandava os assuntos, vez falando apenas com o pai, vez com , e em alguns momentos ambos entravam juntos no assunto com a garota, mas nunca falavam apenas os dois. A mulher não tinha mais nada a dizer a ele, e Jefferson precisava estar a sós com ela para retomar aquele assunto, não podia ter sua filha perto. Por isso pediu que o esperasse na entrada da casa enquanto Grace organizava seus brinquedos.
- Você não está mentindo, não é? – suspirou Jefferson ao se juntar a ela sentada nos degraus de entrada, lhe entregando a outra caneca com chá quente que trouxera.
- Olha só...! Até que ele é inteligente, no final das contas – debochou a mulher, assoprando o líquido várias vezes antes de experimentá-lo para não queimar a boca. Jefferson revirou os olhos – Estava começando a me questionar se de repente toda a inteligência da família não estava concentrada na adorável Grace.
- Você não consegue ficar sem ser irritante por mais de cinco minutos, não é?
- Você não faz por merecer eu sendo agradável, não sei por que se surpreende – resmungou , voltando a admirar o cenário a sua frente: o sol de pondo ao longe e as luzes da noite começando a tomar a floresta.
- Me desculpe, você está certa – suspirou o homem, a pegando de surpresa – Venho sendo ingrato com você desde o começo. Não estaria aqui se você não tivesse concordado em vir comigo, o que significa que lhe devo tudo o que tenho.
- Nossa, você não tem meio termo, não é? É oito ou oitenta – ela riu sem graça, o cenho franzido para a caneca em suas mãos – Embora tenha gostado mais desse extremo. Vamos ficar nele.
- Por que não voltou para o País das Maravilhas? – perguntou Jefferson, apontando para o cordão dourado no pescoço desprotegido da mulher, que retirara sua capa antes do jantar. Inconscientemente, puxou o pingente para fora, deixando seu material frio em sua palma – Não foi para isso que arrumou o portal?
- Eu sempre odiei aquele lugar, e ficar afastada de lá começou a me causar alucinações, praticamente alterou minhas memórias, já que eu genuinamente sentia falta de lá – contou ela – Mesmo sem motivos.
- Então você voltou para cá.
- Sim, então eu voltei – mentiu ela. nunca chegara a voltar para seu mundo natal, já que sua busca era por um mundo sem magia, até quebrar o acordo com quem enfeitiçara aquele colar. Duvidava se um dia realmente quisera retornar, ou se apenas queria encontrar um mundo mais agradável. De qualquer forma, nada daquilo era mais possível – Embora aqui também tenha uma rainha doida, não tem como fugir disso.
Jefferson assentiu vagamente, o peso daquele assunto voltando a assombrá-lo.
- Quanto tempo você acha que ela vai levar para me encontrar?
- Honestamente? Acho que ela já sabe onde te encontrar – contou a mulher – Só permitiu que eu chegasse primeiro para deixar tudo mais emocionante. Aquela mulher é poderosa, duvido que ela precisasse de mim para te encontrar. Ainda mais com a facilidade que eu te encontrei.
- Sério?
- Com um reino desse tamanho, eu te encontrei em um dia e meio – riu ela, sendo acompanhada. Era a primeira vez que o ouvia rir, e o som lhe agradara, assim como seu sorriso. Ele deveria fazer aquilo com mais frequência, mas para isso não podia fazer o que Regina queria – Jefferson? Você não vai aceitar o trabalho... Certo?
- Claro que não...! – negou ele de imediato, se vendo confuso ao notar que a mulher sorria para ele, satisfeita com a resposta que obtivera – É arriscado demais. Grace perdeu a mãe desse jeito, não vou permitir que me perca também.
- Então acredito que essa seja minha deixa para ir embora...! – suspirou , colocando a caneca vazia no chão e dando impulso com suas mãos para se levantar. Ao entender o que ela fazia, Jefferson segurou seu pulso.
- Espera, o que? Já está escuro! – quando a expressão da mulher deixou claro que ela não entendera o que ele quis dizer, o homem continuou – É perigoso. Você sai ao amanhecer.
- Me poupe, Jefferson – resmungou ela, fazendo um barulho com a boca em reprovação, conseguindo sair do aperto dele em seu pulso e se direcionando para a casa para pegar sua capa – Eu prefiro viajar de noite.
- Você não conhece esses arredores, eu conheço – insistiu ele, mais uma vez a puxando. Ambos ficaram parados próximos à porta, um de frente para o outro – Passe a noite aqui, amanhã você parte. Por favor.
até chegou a abrir a boca para negar, mas, ao respirar fundo, o aroma que o homem exalava dispersou sua atenção. Mais cedo ele lembrava os cheiros da floresta, agora o que ele exalava era o cheiro amigável dos temperos que usara mais cedo, a fragrância das ervas do chá que acabara de beber chegando a ela por sua respiração calma.
- Vou ter direito a comida pela manhã? – suspirou a mulher, cruzando os braços em frente ao corpo, sua expressão falsamente centrada fazendo o homem rir – Por mais bizarro que pareça, eu gostei da sua comida.
- Preparada especialmente para você, sim – concordou Jefferson, seu sorriso divertido se alargando enquanto esticava uma mão para empurrar a porta fechada, sinalizando com a outra para que ela entrasse.
- Cuidado com suas palavras – o alertou, um sorriso travesso nos lábios enquanto passava pelo portal – Ou quando você menos perceber, eu vou estar propositalmente mudando minhas rotas para te fazer uma visita.
- E isso seria ruim? – questionou ele, sem a seguir para dentro da casa, seus olhos mostrando algo que mesclava diversão e curiosidade. Grace, que se preparava para dormir, chamou a mulher.
- Você que me diz – sussurrou ela, antes de se afastar, indo responder todas as perguntas animadas de Grace sobre ela passar aquela noite na casa.

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document.write(Heather) muito tempo depois do que imaginara, já que não tinha considerado suas pernas bambas na equação. Havia sido idiota, gastara tempo demais assistindo a filha dormir, e depois a mesma coisa com , dando mais oportunidade para seu sono leve o trair. Havia levado um pouco de clorofórmio apenas por precaução, mas não queria ter tido a necessidade de usá-lo. O olhar amedrontado de provavelmente nunca mais deixaria sua mente, o fazendo questionar se aquele colar valia tanto assim. O metal do objeto em suas mãos roubava o pouco calor que sua pele produzia, chegando ao ponto que ele mal o sentia mais, como se seu corpo tivesse aceitado o objeto como parte dele, o perdoando de algo que sua mente faria questão de condená-lo.
Todo o trajeto até a floresta fora feito com o objeto em mãos, se esforçando para manter a atenção no caminho a sua frente quando tudo que ele queria era estudar o colar que finalmente estava em sua posse. Qualquer mundo poderia ser seu destino, ele nem tinha algum tipo de exigências. Ele só precisava sair daquele mundo. Sem aguentar mais sua ansiedade, Jefferson encostou o carro no meio do caminho, e acendeu a luz da frente para poder estudar o objeto com mais cuidado, descobrir como o portal funcionava.
Seu primeiro intuito foi abrir o relicário, praguejando alto quando a pequena portinha caiu de sua mão, já que a dobradiça estava quebrada. Talvez fosse só um detalhe, não significava nada. Não podia significar. O interior da joia estava vazio, sem nenhuma foto, e pior ainda: sem nenhum indício de que o portal estava se abrindo. Seu chapéu funcionava quando o girava, então repetiu o procedimento com o colar, até o colocando sob painel do carro depois de girar o objeto de todas as formas possível sem conseguir resultado. Pensando que de repente o mecanismo de acionamento pudesse ser mais simples, Jefferson colocou o cordão ao redor do pescoço, e apertou o pingente com vontade nas duas mãos, mentalizando o local onde queria estar. Continuou daquele jeito mesmo quando aceitou que o portal não funcionava naquele mundo, um choro travado na garganta que ele se recusava a deixar sair, até se ver cansado demais até para isso, a testa batendo com força no volante enquanto lágrimas molhavam seu rosto, seu aperto no pingente apenas se intensificando.
Ele fora amaldiçoado, ele nunca conseguiria deixar aquele mundo.

Capítulo 5


A cada passo que dava, tinha mais certeza de que algo estava errado, e começava a temer que Jefferson tivesse ignorado todos os seus avisos. Idiota cabeça dura. Claro que a Rainha tinha seus meios de conseguir o que queria, mas ela nunca perdoaria o homem caso ele tivesse feito exatamente o que tinha dito que não faria. Quando bateu na porta e ela se abriu sozinha, revelando seu interior abandonado, a mulher praguejou baixo.
- Hm, olá? – chamou uma mulher que tinha quase certeza que morava nos arredores – Procurando por alguém?
- Jefferson – respondeu ela – Ele não mora mais aqui?
- Ele não aparece aqui faz meses...
fechou os olhos com força. Talvez ele apenas tivesse fugido, com medo de ser encontrado pela Rainha, deveria estar tudo bem. O problema era que, por mais que tentasse se convencer daquilo, algo lhe dizia que estava era se iludindo.
- A filha, Grace – lembrou – Ele a levou junto?
- Me perdoe, mas... Quem é você? – perguntou a senhora, e sua desconfiança foi a confirmação que ela precisava de que Jefferson tinha ido atrás de Regina, deixado a filha para trás.
- Sou , irmã da Priscilla, a falecida esposa do Jefferson – mentiu ela, e aparentemente foi convincente, já que a senhora pediu que ela a seguisse.
Grace brincava com outras crianças quando foi chamada, ouvindo que sua tia viera lhe fazer uma visita. Ela não tinha nenhuma tia, mas foi mesmo assim. Ao sair da casa, tudo que sua mente conseguiu se focar foi que estava de volta, e, antes que entendesse o que fazia, ela já estava jogada nos braços da mulher.
pediu um minuto a sós para a senhora que estava cuidando da garota, a pegando melhor no colo e caminhando para longe da casa, parando próxima ao que parecia ser um poço compartilhado pelos moradores da área. Com cuidado, ela sentou Grace ali para suas alturas ficarem mais próximas e ela não precisar de agachar. O rosto da pobre garota estava banhado em lágrimas, que tomou o cuidado se secar com as mangas de seu vestido antes de qualquer coisa.
- Você não sabe onde está meu papa, não é? – choramingou a menina cabisbaixa, principalmente quando viu a mulher negar com a cabeça – Ele disse que ia voltar no outro dia, mas não voltou...
- Suspeito que sei o que ele foi fazer, mas temo que não possa buscá-lo, meu amor – contou ela, sem se conter e abraçando a criança quando seu rosto voltou a se contorcer em uma careta de choro – Eu sinto muito.
- Ele não vai voltar, não é?
- Grace, preciso que me escute, tudo bem? – pediu a mulher, afastando o rostinho inchado da criança e olhando fundo em seus olhos – Seu pai nunca te abandonaria. Alguma coisa aconteceu, algo deu errado... O problema é que não sei se consigo descobrir o que aconteceu.
- , por favor, me leva com você! – implorou a criança, voltando a se jogar nos braços da mulher – Eu posso ajudar, prometo.
- Grace, querida... – começou , afagando seus cabelos – Estão te tratando mal aqui?
- Eles são gentis, mas não são minha família, eles já têm a deles! – explicou Grace, seu rosto afundando no pescoço da mulher e em seus cabelos soltos – Se não posso ficar com meu papa, me deixe pelo menos ficar com você.
- Desculpe, Grace. Você não pode vir comigo, é perigoso – lembrou , forçando a garota a se afastar, voltando a sentá-la na beirada do poço. Quando a tristeza voltou a se apossar do rosto da criança, o sorriso da mulher se alargou – Por isso que, ao invés disso, eu vou ficar aqui com você. Dessa forma, se seu pai encontrar uma forma de voltar para casa, ele vai saber onde nos encontrar. Melhor assim, não?
Em resposta, Grace se jogou agora com ainda mais empenho em seus braços, em um aperto que não conseguiria se livrar, e nem queria. Não fazia ideia de como conseguiria sustentar uma criança, mas daria um jeito, não devia ser tão difícil. O mais complicado talvez fosse limpar a casa abandonada de Jefferson, mas nada que talvez uns dois dias de trabalho não resolvesse. Grace poderia continuar com sua vizinha nesse meio tempo, esperava que não fosse um problema. O que realmente seria difícil era descobrir o paradeiro de Jefferson e, se ele estava ainda no País das Maravilhas, como poderia resgatá-lo – isso se ele ainda estivesse com vida.

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freou o carro em um movimento brusco assim que percebeu algo estranho.
Em um momento sabia muito bem onde estava, e de repente nada fazia mais sentido. Novas memórias invadiram sua mente, e de novas elas não tinham nada. Eram memórias antigas, de uma outra vida, outro mundo. Um onde não havia nenhuma daquelas tecnologias, e vários problemas com magia.
A maldição havia acabado.
- Mama? – a voz infantil no banco do passageiro a tirou de seus devaneios, encontrando a garota com os olhos marejados buscando alguma reação sua – ?
- G-grace? – arriscou a mulher, também começando a chorar quando a crianças assentiu, logo se livrando de seu cinto e pulando em seu colo, a segurando com firmeza em seus braços como se fizessem anos que não a abraçava, e não poucas horas.
- O que aconteceu? – perguntou a menina, deixando escapar um grito surpreso quando ouviu alguém buzinar atrás do carro, as repreendendo por terem parado o carro no meio da rua, com logo pedindo que Grace retornasse a seu lugar – Por que nós esquecemos quem éramos? Por que não estamos mais em casa?
- Uma maldição da Rainha, meu amor – contou a mulher, encostando o veículo da melhor maneira que seu nervosismo permitia – Nos trouxe para outro mundo...
- Você já sabia de tudo isso antes? – estranhou Grace, quase se distraindo com a pequena multidão que passava pelas ruas gritando palavras de ódio – Mama, o que está acontecendo?
- Eu não queria te assustar, e esperava que a Branca de Neve e o Príncipe Encantado resolvessem tudo... Que estranho dizer isso em voz alta agora – comentou rindo de nervoso, destravando seu cinto e descendo do carro, sinalizando para que Grace fizesse a mesma coisa, se juntando a ela na calçada, a segurando pelos ombros – Grace, preciso que me escute, tudo bem? Quero que você vá para casa e feche tudo. Pelo visto o pessoal quer ir atrás da Regina, e isso pode virar uma bagunça. Preciso que você esteja em um lugar seguro. Volto assim que puder.
Grace assentiu sem muita confiança, um pensamento lhe ocorrendo quando a mulher ameaçou se afastar, segurando a mão dela entre as suas.
- Você acha que meu papa pode estar aqui também? – perguntou ela de uma vez, e não soube dizer se havia conseguido parecer desinformada. O homem estranho que a ajudara outro dia, antes da invasão, era Jefferson, ela tinha certeza. Agora com suas memórias de volta, suspeitava que ele fosse o invasor, que estava em busca de seu colar para tentar retornar para a Floresta Encantada. Uma mistura confusa de sentimentos se apossou do peito da mulher: raiva e pena em uma proporção instável, hora pendendo mais para um lado dependendo da forma que seus pensamentos se organizavam. Jefferson não tinha o menor direito de invadir sua casa e perturbar a família que naquele mundo pertencia a ela, mas, se ele estava atrás do colar, queria dizer que talvez as memórias dele não tivessem sido roubadas, que ele tinha ciência de tudo que acontecera e só queria pôr um fim naquilo tudo. Pensando dessa forma, ficava um pouco mais complicado odiar o homem.
O problema maior era não poder passar esses questionamentos para Grace.
- Eu não sei, meu amor – mentiu ela, um nó se formando em sua garganta – Eu prometo que vou te ajudar a encontrá-lo se ele estiver, tudo bem? Agora preciso que vá para um lugar seguro.
Grace assentiu e se pôs a correr em direção da casa, enquanto respirou fundo antes se seguir o pequeno grupo que começava a se transformar em uma multidão. Dr. Whale – ou quem quer que ele fosse antes da maldição – que estava liderando a passeata até a residência da Prefeita, onde ele afirmava que ela estava depois de correr do hospital. Dr. Hopper tentava acalmar todos, suspirando aliviado assim que se juntou a ele, tentando colocar um pouco de bom senso em suas mentes tomadas pelo ódio, apenas para serem completamente ignorados.
- V-você é Alice, não é? – arriscou Archie, segurando seu guarda-chuva com mais vontade. Quando a mulher pareceu desconfiada por ele saber seu nome, ele emendou – Henry me disse, ele te reconhece pelo livro. Eu sou o Grilo Falante.
- O Grilo Falante. Pinóquio – ofegou , rindo sem jeito quando o doutor apenas assentiu – Tudo bem, vou ter que aprender a lidar com essas coisas. Archie, não é? Precisamos pará-los.
- Eles sequer estão nos ouvindo.
- Mas tenho certeza que nós conhecemos duas pessoas a quem eles vão ouvir... – disse ela sugestiva, a compreensão logo se espalhando pelo rosto homem.
Não demorou muito para que eles encontrassem um grupo menor e mais calmo, com Emma, Mary Margaret, David e Henry andando mais a frente, o restante das pessoas sendo uma incógnita para , que mesmo assim não diminuiu o ritmo da sua corrida, embora não fosse aguentar correr por muito mais tempo.
- Gente! Pessoal...! Nossa, eu estou fora de forma... Não devia ter comido aquela lasanha ontem – ofegava , completamente sem fôlego, buscando apoio em Emma, que perguntara algumas vezes se estava tudo bem.
- Quem é essa? – perguntou Leroy, o cenho franzido – Não me lembro dela.
- Alice. País das Maravilhas. Viajante. Não tem problema se não souberem quem eu sou, acontece – dizia a mulher rápido, logo parando sua digressão quando Dr. Hopper finalmente os alcançou, se lembrando do assunto principal – Dr. Whale... Ele está... Archie, continua.
- Dr. Whale está instigando todo mundo. Eles estão indo para a casa da Regina – explicou o doutor com urgência – Eles vão matá-la.
- Ótimo – retrucou Leroy – Vamos assistir.
- Não! Não podemos descer ao nível dela – insistiu Archie, buscando apoio em – Não importa o que ela fez, matar é errado.
- Além de que... – continuou a mulher – Aquela névoa roxa? Aquilo era magia. Se tem magia em Storybrooke...
- Eles podem estar indo em direção a um massacre – concluiu David, sendo necessário apenas mais alguns segundos para todos entrarem em um silencioso acordo e se poderem a correr também em direção à casa da Prefeita.

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Depois de toda a confusão em frente à casa da Regina, deu mais algumas voltas pela cidade, na esperança que fosse milagrosamente esbarrar com Jefferson em alguma das esquinas. Apenas no começo da noite que ela decidira voltar para casa, se lembrando que precisava preparar algo tanto para ela como para Grace comer, e como a menina deveria estar preocupada pela sua ausência. Não fora nada fácil contar à menina que que não tinha notícias de seu pai, mas Grace se esforçou para não parecer tão decepcionada, o que fez com que apenas se sentisse pior. Ela só tinha uma tarefa para cumprir, e estava falhando.
- Mama?! – Grace a chamou, o desespero claro em sua voz depois de sentir toda a casa tremer. As luzes tanto de dentro da casa como de fora piscavam sem parar, e, pela janela, ambas tiveram a impressão de ter visto algo voando pela rua – O que foi isso?
- Não sei, meu anjo... E nem sei se quero saber – praguejou baixo ao sentir o celular vibrando no bolso da calça, seu semblante se tornando confuso ao ver quem estava a procurando, colocando o aparelho no ouvido sem muita demora – Emma?
- Preciso que você me encontre na prefeitura – disse a xerife rápido, a voz um pouco distante. Parecia estar correndo – Agora.
- Agora? Com sabe-se lá o que acontecendo lá fora? – o tom da voz da mulher rapidamente mudou do preocupado para desconfiado – Você sabe o que está acontecendo, não sabe? Emma? Swan?! Droga, ela me deixou curiosa.
- Você vai ir lá fora? – Grade ofegou ao seu lado, agarrando seu braço para deixar claro que não achava que era uma boa ideia. No fundo, a mulher concordava com ela.
- Pelo jeito eles precisam da minha ajuda, não posso deixar eles não mão, Paige... – suspirou contrariada, tomando o rosto da filha e beijando sua bochecha – Fique aqui dentro, segura. Entendeu?
Em seguida, apenas pegou suas chaves e correu para fora da casa, tendo que parar por alguns segundos para assimilar o estado que a cidade estava: alguns postes caídos, vários fios estourados pela rua, e pontos de asfalto quebrado. Talvez devesse dar ouvidos à filha e ficar onde estava segura. Emma era a Salvadora, tinha que saber se virar, certo?
No caminho até a prefeitura, várias vezes teve que explicar que não sabia do que estava acontecendo, mas que era melhor todos irem para suas casas, por garantia. Como o caminho era longo, ela teve que repetir as instruções muitos mais do que queria, quase fazendo o aviso por escrito e pedindo que repassassem. Ela estava nervosa. Havia sido um dia bem complicado, e pelo visto os seguintes não pareciam que seriam melhores.
A prefeitura estava aparentemente vazia assim que ela chegou no prédio, gritando por Emma enquanto passava pelos corredores em busca da mulher, quase esbarrando com Príncipe James ao se aproximar do escritório da Prefeita, logo avistando Branca de Neve ao seu lado. Para o que quer que fosse que eles estivessem ali, provavelmente era pelo mesmo motivo do que ela.
- Ei, Mary Margaret! Não vou mentir, fiquei um tanto curiosa quando vocês me ligaram. Tipo, com o que vocês poderiam precisar da minh... – começara a falar rápido, parando ao notar um detalhe curioso – Ajuda. Qual é a das vassouras?
- Tochas improvisadas, é o que tem para hoje – explicou David, seguindo para o escritório antes que ela pudesse fazer mais perguntas, ambas as mulheres o seguindo.
Na sala, Emma e Regina estavam próximas à mesa, se virando em sincronia para a porta tanto por ouvi-la abrindo como pelo grito surpreso de por ver que a Rainha Má não estava mais presa. A xerife até chegou a abrir a boca para dar alguma explicação, mas foi interrompida pela antiga prefeita.
- Você vai mandar algo para outro lugar – contou Regina, um tom de voz autoritário, ignorando a reação da mulher, que logo ficou séria – E vai mandar agora.
- Fedex não faz isso? – retrucou ela cínica, cruzando os braços satisfeita ao ver a mulher se controlar para não bufar.
- Precisamos de um portal.
- Argh, pela última vez, Regina – resmungou , aquele assunto sendo trazido à tona apenas aumentando sua sensação de cansaço – O colar não funciona, pelo menos não mais. Vocês terem trazido magia para esse mundo não muda nada. Rumplestiltiskin se garantiu disso. Acordo quebrado, e ele pegou a magia de volta.
Regina, diferente do que a mulher esperava, não pareceu muito surpresa com a respostava que tivera, apenas dando as costas ao grupo enquanto buscava outra coisa, dizendo que não tinha outra alternativa. reconheceu a caixa pelo seu formato curioso, apenas conseguindo reagir depois que Regina a depositou sobre a mesa, e revelou o que seu interior guardava.
- O chapéu do Jefferson – ofegou ela, em sincronia com Emma. Regina manteve a expressão indiferente – O que você fez com ele?
- Quem é Jefferson?
- Quer saber? – bufou , girando os calcanhares e dando as costas ao grupo, erguendo uma mão apenas para acenar – Boa sorte estando morta, Regina.
- Alice...! – a antiga prefeita logo a chamou, respirando fundo para se controlar quando recebeu um olhar descontente da mulher pela péssima escolha de nome – , por favor.
- Mesmo se eu quisesse ajudar, eu não sei usar o chapéu – contou a mulher, ainda mais incomodada por realmente não ter como ajudar naquela situação – Sequer vi ele em uso. Temo ser inútil nesse momento.
- Não me é novidade... – resmungou Regina baixo, se surpreendendo quando diminuiu drasticamente a distância entre elas, pegando o chapéu que descansava sobre a mesa e apontando em direção da mulher, que não sabia como reagir. Não existia uma lista muito perigosa de coisas que ela podia fazer com o chapéu contra seu bem-estar, mas de qualquer jeito algo fez com que Regina hesitasse.
- Esse chapéu que você pretende usar para salvar a sua vida pertence a um homem que você abandonou no País das Maravilhas, e mesmo assim eu vim aqui disposta a te ajudar. Você não tem magia nem para se defender, e ele é muito bom com tesouras. Não chamam ele de Chapeleiro Maluco sem motivo, Regina – rosnou a mulher, utilizando muito bem de pausas para dar mais peso a seu discurso, um sorriso satisfeito aparecendo no canto de seus lábios ao notar que estava sim atingindo seu objetivo. Não é todo dia que se intimida a Rainha Má – Se você não sabe ser agradável com os outros naturalmente, lembre-se de que as únicas pessoas a quem ele dá ouvidos sou eu e a garota que nesse mundo você fez ser a minha filha quando for sair distribuindo insultos, porque duvido que eu vou ter alguma vontade de pará-lo quando ele vir atrás de você.
Como um visual ponto final, lhe entregou o chapéu sem nenhuma delicadeza, rumando para a saída do escritório com a consciência limpa e se sentindo bem como há muito não sentia, parando apenas ao lado da xerife para um último aviso.
- Emma, eu vou dar mais uma circulada pela cidade. Se eu o encontr...
- Ele mora em uma mansão no bosque – contou Emma, aproveitando da expressão idiota da mulher e seu silêncio surpreso para terminar de lhe dar direcionamento – É bem grande, difícil não achar.
- V-valeu, te mantenho informada – garantiu a mulher, toda confiança que transmitia agora se esvaindo, seus pés seguindo no automático para fora do prédio.
Bem, pelo visto ela tinha uma visita de última hora para fazer.

Capítulo 6


Quando Emma disse que não seria difícil encontrar a casa de Jefferson, estava realmente falando sério. Claro que não era exatamente muito próxima da cidade e aquilo estava fazendo com que seu nervosismo aumentasse, mas nada que não pudesse lidar. Também não era como se ele tivesse algum motivo para estar bravo com ela – ninguém escolhera ser atingido por aquela maldição –, era ela que até tinha motivos para estar bravo com ele, já que não seguira seus conselhos de tantos anos atrás. No fundo, o que preocupava a professora era não saber o que esperar, que tipo de vida Jefferson esteve levando por todo esse tempo e como as coisas seriam daqui para frente.
Só de pensar em como tudo era complicado, já ficava com dor de cabeça. E não parecia ser daquelas que vão embora com facilidade.
Embora ter chegado na mansão de Jefferson tenha levemente a distraído.
Não que fosse realmente questionar Regina sobre suas motivações para ferrar mais algumas pessoas do que outras naquela cidade, mas aquele pensamento não saiu de sua mente enquanto rumava para a entrada da construção, seu dedo logo seguindo para a campainha antes que aquela pequena revolta desse lugar para sua hesitação. Na verdade, a revolta permaneceu por um bom tempo em razão da demora para ser atendida, passando assim a bater contra a madeira da porta e a chamar pelo proprietário.
Ainda sem sucesso.
- Jefferson?! Abre a porta, sou eu! – continuou a gritar, fazendo uma breve pausa apenas para esmurrar a porta com ainda mais vontade.
Quando percebeu que se ele estivesse em casa e quisesse lhe atender, ele já teria aparecido, a mulher olhou rapidamente para os lados, procurando indícios de que não estava sozinha. Havia marcas de pneus em direção à garagem, mas sem carros a vista. Bem, até que era uma vantagem aquela mansão mais afastada da cidade.
- A xerife é filha da minha amiga, então acho que não vou ser presa por invadir uma casa... Certo? – murmurava ela sozinha, tentando com a ajuda de dois grampos arrombar a fechadura – Na pior das hipóteses, eu vim atrás de pensão alimentícia. Vinte oito anos e nenhuma ajuda? Ele que deve ser preso.
sorriu satisfeita assim que a tranca cedeu, olhando para os arredores mais uma ou duas vezes antes de adentrar de vez na casa, tentando de qualquer jeito ignorar como por dentro tudo ainda era mais luxuoso enquanto a sua casa com Paige estava implorando para uma mão de tinta. Mesmo certa de que não havia mais ninguém na casa, ela chamou pelo homem mais uma vez, passando em seguida a buscar por algo que pudesse lhe dar alguma pista do que era a vida de Jefferson em Storybrooke, algo que pudesse lhe dizer sua localização.
Mesmo sem saber se mais alguém morava ali com ele, estranhou a impecável organização de tudo, o que a fez questionar se realmente tinha alguém vivendo naquele lugar. Parecia que tudo estava no lugar que deveria estar, e que nunca fora mexido – uma fina camada de pó concordava com ela nesse quesito. Apenas uma coisa ou outra denunciava a passagem de alguém pela casa, como uma ponta de tapete dobrada e pisada, algum vestígio de terra no piso que caíra de sapatos. Foi quando já estava quase desistindo de procurar por algo que ela encontrou, um quarto no segundo andar sendo tudo que ela precisava para responder algumas perguntas.
A primeira coisa que a mulher estranhou do ambiente foi o telescópio em frente a uma janela, não apontando para o céu, como se era de esperar, mas para a cidade mais a baixo. Com receio de alterar seu alvo com o menor toque, se curvou sobre o instrumento, aproveitando que estava sozinha para praguejar baixo.
- Filho da mãe, ele estava nos vigiando – ofegou ela, depois de identificar a janela de sua cozinha pelo telescópio. Aos poucos os pontos foram se ligando em sua mente, detalhes que antes pareciam tão aleatórios se encaixando uns nos outros, produzindo uma imagem maior. Suas suspeitas apenas aumentaram quando passou a analisar o resto do quarto.
Diversos tipos de cartolas estavam espalhados pelo ambiente, tecidos empilhados pelos cantos, tesouras e fitas métricas por toda a mesa. Por um primeiro momento, ela chegara a conclusão errônea de naquele mundo Jefferson fosse um stalker, que tivesse passado todos aqueles anos apenas acompanhando as duas à distância. Só que todos aqueles chapeis entregavam muito mais informação. Assim como seu colar roubado jogado de qualquer forma sobre a mesa.
- Ele se lembrava...? – disse ela em voz alta, a incerteza evidente em sua voz. Suas mãos um pouco trêmulas pegaram a joia com cuidado, tentando juntar as partes soltas para que não voltassem a cair. Aquele objeto sem valor foi a única coisa roubada de sua casa dias atrás. Só duas pessoas continuavam a acreditar que ele guardava algum poder, e ela tinha acabado de confrontar a primeira. Então Jefferson lembrava de tudo, antes mesmo da maldição acabar, ou não teria motivos para ir atrás apenas do colar. Aquele era seu plano, então? Não conseguira produzir outro chapéu, e aquela fora a saída que imaginara? – O que você estava pensando em fazer, Jefferson?
Uma chamada de David a tirou daqueles pensamentos, voltando a xingar alto ao perceber como já estava tarde, e que sua filha estava sozinha em casa com toda aquela confusão na cidade. O nervosismo da mulher não melhorou em nada quando o príncipe narrou o que acontecera um pouco depois de sua partida, que não apenas Emma e Mary Margareth tinha caído no portal depois da criatura passar, como Regina tinha recuperado seus poderes. quase batera o carro diversas vezes no percurso de volta à cidade na medida que David ia lhe contando as coisas, agradecendo sempre pela estrada estar vazia. Aquilo era tão típico que ela nem sabia porque estava surpresa: mas é claro que nada se resolve de fato com eles, mesmo com a tal maldição sendo quebrada.
Quando chegou em casa, tentou fazer o menos barulho possível para não acordar Grace adormecida no sofá, mas a menor movimentação sua foi o suficiente para acordar a garota, que já começou a lançar perguntas antes mesmo de conseguir abrir os olhos direito.
- Mãe? Você encontrou ele? Alguma pista?
- Não, meu amor – disse ela com calma, o pesar em sua voz sendo mais que verdadeiro. Quando se sentou ao seu lado no sofá, não demorou para que a criança deitasse a cabeça em suas pernas, fechando os olhos ao sentir o carinho que começava a receber no cabelo – Desculpe.
- Será que ele está bem? – perguntou Grace depois de um tempo, fungando baixo – Ele veio junto com a maldição?
- Queria poder responder todas essas perguntas – não queria mentir e não mentira, mas mesmo assim sua resposta fizera com que ela se sentisse mal. Ela só queria o pai de volta, e agora ele parecia tão próximo, só que não adiantava em nada confirmar as suposições de Grace caso Jefferson não quisesse voltar para ela. Fora uma péssima ideia se envolver naquela família – Por que a gente não faz assim... David me avisou que as fadas estão se organizando para ajudar quem teve suas casas destruídas durante o ataque da criatura hoje. Podemos ir para lá ver se ele aparece, de repente fazer alguns cartazes, como todo mundo.
Grace concordou com animação, seu riso fácil arrancando um sorriso da mulher, que acompanhou sua movimentação com os olhos enquanto ela ia atrás de papel e lápis.
Não foi surpresa nenhuma acordar com a criança a sacudindo, dizendo que precisavam começar a procurar por Jefferson logo. Ambas adormeceram na sala, em meio a papéis amassados e desenhos não bem-sucedidos, alguns poucos selecionados no canto da mesa de centro, que logo seriam pendurados no centro de procura. Como não moravam tão longe, acabaram por optar a ir a pé, o celular de voltando a tocar por uma ligação quando quase chegavam a seu destino. Henry e David a esperavam um pouco mais afastados do maior grupo, e, como já imaginava qual seria o assunto, a mulher pediu que Grace fosse espalhar os cartazes.
- Srtª !
- Você pode me chamar de , Henry – disse a mulher, passando a mão carinhosamente nos cabelos do garoto. Para David ela apenas sorriu, pouco a vontade – Não vou mentir e dizer que fiquei surpresa com vocês me ligando de novo.
- O Chapeleiro Maluco, você sabe onde ele está! – Henry disse com urgência, logo se desculpando quando ambos os adultos pediram para que ele se controlasse. Eles precisavam de discrição, manter as coisas entre eles para não causar ainda mais caos na população da cidade.
- , você é a única que sabe como encontrá-lo – continuou David, o desespero tão expresso em seus olhos que tudo o que a mulher queria fazer era poder resolver tudo sozinha.
- Olha, eu queria poder ajudar. Realmente queria. Só que o Jefferson está me evitando, e a filha dele também – contou ela – Se você quer encontrá-lo, minha interferência apenas vai complicar tudo.
- Como sabe que ele está te evitando? – insistiu o príncipe, sem o riso descrente da mulher – Talvez ele não saiba onde te encontr...
- Ele tem um telescópio apontado para minha casa – contou ela, com uma mão retirando o colar recém recuperado de debaixo de sua blusa – Ele nunca perdeu as memórias.
- Você encontrou a casa dele – deduziu David, seu olhar sem desviar do pequeno pingente torto. Seu brilho meio enferrujado prendeu sua atenção, ciente de que aquela peça estava desaparecida há um bom tempo.
- E ele não está lá, sinto muito.
David apenas assentiu, cabisbaixo. Depois de agradecer a atenção da mulher e já se virar para tentar encontrar outra forma, com Henry já o seguindo, ele parou ao ouvir o chamando.
- David, você está com o chapéu? – perguntou ela incerta, mudando seu peso de uma perna para a outra – Por que não tenta um feitiço localizador? O Sr. Gold pode ter algo útil.
- Claro! Obrigado, – ofegou o homem, genuinamente agradecido pela ideia que ainda não tinha lhe passado pela cabeça – Você quer vir comigo? Talvez sua presença ajude.
- Deve ter uma razão para ele estar me evitando, não quero forçá-lo a nada – desconversou ela, já se afastando com curtos passos para trás – E algo me diz que ele sabe muito bem onde eu estou...
- Pode ficar com o Henry para mim?
- Mas é claro! – concordou ela sem pensar duas vezes, esticando o braço para o garoto parar ao seu lado, ato que ele não hesitou em fazer – Que tal uma festa de chá?
- É ainda mais assustador quando você diz isso sabendo quem você é – comentou ele, seu sorriso nervoso fazendo com que ela risse.
- É o objetivo, querido – brincou ela – Vem. Vamos ajudar Grace com os cartazes.

Capítulo 7


e Ruby trocaram um olhar desesperado assim que Regina deixou a prefeitura com Henry, ambas as mulheres em um acordo silencioso de que precisavam encontrar David o mais rápido possível. gritou um pedido para que as fadas vigiassem Grace, que estava tão assustada que mal vira a mãe sumir do prédio, a imagem da Rainha Má ameaçando a todos, em especial sua mãe por ela ter tentado intimidar Regina na noite passada, gravada em suas retinas. A criança tivera a ilusão de que tudo tinha se resolvido na cidade, e agora parecia que se tratava apenas do começo.
Ruby vez ou outra tinha que pedir para que corresse mais rápido, a mulher praguejando alto antes de forçar ainda mais suas pernas para seguir o ritmo da garçonete. Inclusive, foi próximo à Granny’s que elas encontravam David, a pessoa que ele perseguia trombando com violência contra , que apenas não foi ao chão porque a pessoa foi mais ágil e a segurou pela cintura, a bronca por não olhar por onde anda travando na garganta da mulher assim que seus olhos se encontraram com os da pessoa, aquela tonalidade de azul que ela conhecia tão bem, mesmo fazendo tempo que não a reconhecia.
- Jefferson – ofegou ela, a surpresa em seu rosto espelhada na expressão do homem.
- – devolveu ele no mesmo tom, não podendo gastar mais tempo apreciando o momento por ouvir alguém gritar por ele às suas costas. A mão que segurava a cintura da mulher passou para seu pulso em segundos, a puxando para a direção que pretendia seguir antes de se esbarrarem - Droga, corre.
David tentou seguir a dupla, Ruby tentando ganhar sua atenção atrapalhando bastante naquela tarefa. sabia que o príncipe era muito mais requisitado para outra atividade no momento, então apenas gritou que cuidaria de conversar com Jefferson, que não desacelerou o passo em momento algum, até estarem algumas boas quadras de distância do restaurante.
- Você... está bem? – perguntou ele, o fôlego ainda abalado pela corrida repentina, tendo que servir de apoio para a mulher que estava em um estado muito mais precário que ele. respirava com bastante dificuldade, já que tinha corrido uma distância muito maior que o homem, e ambas as mãos apertavam a lateral de seu corpo, tentando se recompor.
- Eu preciso parar de correr, está me fazendo mal… – ofegou ela, uma energia extra percorrendo suas veias quando ouviu aquela risada baixa e familiar tão próxima. Estava acontecendo tanta coisa ao mesmo tempo que não estava conseguindo acompanhar, e só agora conseguia confirmar que era Jefferson a sua frente. Ele parecia exatamente o mesmo, nem um dia mais velho ou mais novo, embora sua expressão chegasse a um nível de exaustão e desesperança que chegava a se assemelhar com a dela. Um sorriso discreto brincava em seus lábios, mas não chegavam a alcançar os olhos, que levavam um brilho opaco familiar ao dia em que se conheceram, onde ele era um homem que perdera quase tudo.
Só que não viu de primeiro momento nada disso, apenas o homem que estava fugindo.
E, quando deu por si, seu punho já havia se fechado e ido em direção ao queixo de Jefferson em um movimento ágil, forte e preciso.
- Certo, eu mereci – gemeu o homem, depois de lutar para manter o equilíbrio e massageando a área atingida. Embora ainda tivesse a respiração alterada, agora parecia possessa, o movimento de seu peito subindo e descendo atraindo sua atenção pelo pingente brilhante que acompanhava a movimentação. Jefferson apontou acusadoramente para a joia – Ei, você invadiu a minha casa!
- Você quer mesmo entrar nesse assunto? Já vou adiantando, você vai perder essa discussão, e feio – retrucou ela, sem pensar duas vezes. Como ninguém estava por perto, aproveitou para deixar sua voz sair na altura que quisesse, embora acreditasse que continuaria a gritar mesmo se tivesse toda a cidade de plateia – Foi você todas as vezes, não foi? Você era o invasor.
- Foi, estava procurando pelo colar – confessou ele, em um tom bem menos amigável do que deveria, já que o assunto da joia trazia uns certos detalhes que tinham sido mantidos em segredo – Obrigado por ter me avisado antes que ele não funcionava.
queria voar no homem e puxar seus cabelos, ou qualquer outra agressão que não seria eficaz em fazê-lo ter um pouco mais de bom senso. Ela não devia explicações a ele, e sim o contrário. Por isso ela respirou fundo, se esforçando a manter a conversa no rumo certo.
- Onde você estava?!
- País das M...
- Não, aqui! Storybrooke – ela o cortou, apontando para o chão por não conseguir se manter parada. Ainda corria muita adrenalina em seu sangue e isso estava a deixando inquieta – Eu estou te procurando desde ontem!
- O seja lá o que era aquele bicho de ontem capotou meu carro – Jefferson contou, acompanhando com atenção as mudanças no rosto da mulher, que logo estava a encarnação da preocupação – Fiquei preso lá até quase agora.
- Você está bem?
- Só dei mal jeito no pescoço, vou sobreviver.
assentiu sem muita firmeza, as mãos em frente ao peito se apertando em um hábito nervoso, sem saber como agir. Tudo bem, ele esteve preso até momentos atrás, mas isso não diminuía a possibilidade de agora ele estar disposto a fazer aquilo que parecia planejar há anos.
- Aonde você estava indo? – perguntou ela, depois de muito hesitar. Jefferson não pareceu acompanhar seu raciocínio, por isso logo emendou – Eu já entendi que você estava tentando fugir daqui. Olha para mim e diga onde você estava indo ontem à noite.
- Não devo satisfações a você.
- Deve sim, já que a sua filha está comigo – a réplica fora no mesmo tom mal-educado de Jefferson, adquirindo nuances de incredulidade ao decorrer de cada palavra – É isso que você ia fazer? Abandonar a menina?
- Eu a abandonei há muitos anos, ! – grunhiu ele. Sua expressão contorcida de dor logo se tornando mais amena, conformada – Ela provavelmente me odeia...
Aquele desabafo pegou de surpresa, nem conseguindo responder de imediato. De repente, Jefferson parecia muito mais velho, o peso dos vinte e oito anos de maldição maltratando seus ombros já anteriormente machucados. Seu castigo ali não fora apenas ficar preso em uma vida infeliz sem saber quem era, assim como todos os outros habitantes da cidade. Suas memórias foram intocadas, e agora ela tinha certeza disso. A imagem do telescópio apontado para sua janela voltou à mente de , agora imaginando quantas noites ele teria passado sentado em frente ao instrumento, assistindo ambas jantarem no embalo de conversas animadas sobre o que fizeram durante o dia. Assistindo sua filha ser cuidada por outra pessoa, sem saber quem ele era, e aparentar estar feliz dessa forma.
- Você acha que basta tão pouco para ela te odiar? – sua voz agora era muito mais baixa e macia do que instantes antes, fungando de leve, assim como Jefferson, que sequer ousara tentar manter o contato visual. Aquilo doía. Ao mesmo tempo que conhecia aquela mulher como ninguém, ela também lhe era uma estranha. O fato de ainda assim parecer ser alguém muito melhor para cuidar de sua filha do que ele mesmo sequer precisava entrar na conta – Ela sabe que você não fez por mal.
- Você contou.
- Eu disse que você estava tentando melhorar a vida dela, não disse como – ela explicou, um riso forçado saindo em seguida, quase amargurado – Ultimamente eu não tenho dito várias coisas para ela...
Era aquilo que ela fazia desde o Dia 1, sempre mentindo para a criança, que nada mais lhe dera em troca do que confiança, e era assim que ela retribuía. A garota tinha um coração de ouro e tudo que ela tinha eram adultos problemáticos que só sabiam lhe fazer mal. Aquilo precisava mudar, e era um bom momento para isso.
- Ela já me perguntou de você umas mil vezes. Onde você está, se eu te vi em algum momento, qualquer coisa. E tudo que eu venho fazendo é mentir para ela, e isso está me destruindo –confessou , tentando tossir para disfarçar a voz embargada e falhando miseravelmente. Até agora ela não tinha percebido como tudo aquilo mexia consigo – Em breve você não vai ser o único que perdeu a cabeça, Jefferson.
Ele soltou uma risada nasalada, se concentrando mais na parte final da fala de .
- Modo de dizer ou suposição?
- Falei sem pensar, foi mal – pediu ela, assim que notou que fora uma péssima escolha de palavras. Duvidava muito que a Rainha de Copas tivesse mudado desde sua partida daquele mundo, nem queria imaginar pelo tipo de coisas que o homem passara. Jefferson merecia mais, e ela sabia disso. Ele podia ter começado em um caminho torto, mas tentara se endireitar quando notou quão desastroso era o destino para qual caminhara. Claro que seu tropeço no meio do caminho tivera boas intenções, não dava para desconsiderar aquilo, e ela era a primeira pessoa a sair em sua defesa, principalmente se fosse para a criança que a esperava em casa. Mesmo tendo que se obrigar àquilo, tinha que pensar no bem-estar de ambos, e, por mais irônico que fosse, ela que era a invasora naquele cenário, não Jefferson – Você querendo ou não, nesse mundo ela também é minha filha, o que significa que eu tenho que fazer o que é melhor para ela. Se isso significa você ficar com ela na casa no bosque, por mim tudo bem. Paige ador...
- O nome dela é Grace!
A reação explosiva pegou ambos de surpresa, Jefferson sem saber por que motivos se exaltara tanto com a mulher, e sem saber que direito ele tinha para falar assim com ela.
- Certo, será que dá para você ter um pouquinho mais de paciência comigo?! – ela devolveu na mesma agressividade, avançando um passo em sua direção apenas para espalmar as mãos em seus ombros, fazendo com que ele recuasse um passo para não perder o equilíbrio – Eu passei vinte e oito anos a chamando de Paige, não vou conseguir mudar tudo isso em cinco minutos! Esse negócio de todo mundo ter outra história é confuso demais, e são nomes demais e eu não consigo acompanhar!
A agonia da mulher deixou Jefferson sem reação, sem saber como agir em relação a ela. Ele tivera bastante tempo para teorizar o que aconteceria se todos tivessem suas memórias de volta, como tudo aquilo seria confuso e doloroso, e ali estava a sua confirmação daquilo. O desespero expresso nos olhos lacrimosos de , cada músculo de seu corpo entregando que ela não sabia o que fazer, o conflito de personalidades contaminando cada um de seus gestos.
- Então pense no que você quer fazer, e pense logo. Porque da próxima vez que a Grace me perguntar sobre você, eu não vou mentir - continuou ela, sem perceber que Jefferson sequer prestava atenção em suas palavras, completamente entretido em outra coisa. Ele só pareceu reagir quando notou ela se distanciar repentinamente, seu corpo reagindo antes de sua mente, sua mão tentando alcançar o braço da mulher antes que ela conseguisse sair de seu campo de alcance – Vim tendo consideração demais por alguém que não tem nenhuma por mim.
- Alice...
- Meu nome é ! – rosnou ela, estapeando a mão dele para longe, sem aparentar ter intenções de mudar a sua rota – Isso mudou há muito tempo, você não tem desculpas para errar.
Jefferson assistiu a mulher caminhar para longe com passos duros, até ela sumir de vista ao dobrar uma esquina. Seus ombros caíram quando ele respirou fundo, só então percebendo que prendera a respiração desde o momento que ela começara a se afastar. Naqueles instantes a mais parado ali, o chapeleiro chegou a uma conclusão amarga: ele não precisava de uma maldição para arruinar tudo em sua vida, ele já fazia isso muito bem sem ajuda.

Capítulo 8


esticou o braço para alcançar seu despertador antes mesmo de abrir os olhos, seu rosto ainda afundado no travesseiro. Apenas quando alcançou o aparelho que percebeu que ele não era a fonte do barulho, e sim o exemplar no quarto de sua filha, o que significava que mais uma vez estavam atrasadas, para variar.
- Então vamos voltar à rotina antiga? – perguntou Grace, assistindo a mulher andar de um lado para o outro na pequena cozinha, preparando a refeição de ambas que teria que ser feita em tempo recorde – A rotina desse mundo?
- David sugeriu isso ontem, quando todo mundo estava um pouco alterado – contou , assentindo depois que ela agradeceu ao ter seu copo de suco depositado a sua frente. Com toda a confusão de Regina ameaçando todos novamente, a maior parte da cidade tentou fugir, mas David conseguira controlar a situação, sugerindo que todos voltassem as suas atividades corriqueiras, ou que voltassem a viver como na Floresta Encantada, se fosse de seu desejo – Vocês, crianças, não têm muita escolha, mas eu meio que gosto de ensinar, então acho que vou continuar nessa.
- Você é uma ótima professora – comentou a criança, seu sorriso se alargando ao notar como a mãe ficara sem graça – E gostei do seu vestido. Nunca tinha visto você usando antes.
inconscientemente passou as mãos pelo tecido que mantinha o mesmo tom de azul claro por toda sua extensão. Era uma peça simples, o decote quadrado e as alças grossas. Por baixo ela usava uma camisa branca com o colarinho aberto, expondo ainda mais a corrente delicada de seu colar, as sapatilhas nos pés pretas e sem muitos detalhes. Em todos aqueles anos, aquela combinação nunca lhe chamara atenção, e ela nem sabia o motivo de ter mantido as peças por tanto tempo se nunca as usava.
- Me lembrou um pouco as roupas que eu costumava usar antes – confessou ela, uma careta apreensiva que apenas fez com que Grace risse – Bem bobo, não?
- Eu gostei, e me faz lembrar bastante aquela você da Floresta Encantada – sorriu a garota – Com a vantagem de que os vestidos daqui são bem mais práticos de usar.
As duas continuaram aquela conversa por todo o trajeto até à escola, boa parte do tempo sendo gasto para dizerem como sentiam falta das capas, e que aquelas sim eram peças muito úteis e que deveriam voltar a ser usadas. Grace se despediu com um beijo estalado na bochecha antes de descer no carro, tendo que entrar no estacionamento dos professores bem acima do limite de velocidade por estar bem mais atrasada do que de costume. O curioso, era que ela não estava assim tão preocupada. Sua versão de Storybrooke era muito mais travada do que ela realmente era, uma ansiedade constante com relação a tudo que fazia. Aquela não era a de verdade. Claro que ela tinha preocupações – e como eram várias –, mas tinha um pingo a mais de confiança do que a pessoa que a maldição a forçara a ser, e, felizmente, as coisas não seriam mais daquela forma.
O quadro de professores estava bastante prejudicado naquele dia, já que muitos não tinham voltado ainda – seja por falta de vontade e ainda não ter decidido o que faria da vida agora, ou por terem se machucado no ataque de noite atrás, ou ainda por serem Mary Margareth –, então fora um dia bastante movimentado, com turmas de anos próximos sendo unidas para crianças não ficarem sem supervisão. passou a maior parte do dia junto com outro professor ajudando as crianças a se conhecerem e alterarem os registros da escola para seus nomes de fato, já que nem todos estavam dispostos a continuarem a usar o nome que receberam com a maldição, e tinham todo o direito daquilo. Foi durante essa atividade que sentiu falta de um aluno em especial, alguém que ela tinha certeza que tinha sido mandado para a escola, já que recebera uma mensagem de seu avô pedindo que ficasse de olho nele. David chegou a praguejar baixo quando recebeu o aviso de que Henry não tinha aparecido para a aula, logo se pondo a sair em busca do menino. Henry, por sua vez, não ficou tão chateado pela bronca que levara.
A conversa que tinha tido com alguém fizera aquela fuga valer a pena, e esperava de verdade que pelo menos a história de alguém estivesse próxima de se resolver.

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se repreendeu mentalmente ao deixar a porta do carro bater com mais força que o necessário, mas também não muita importância àquilo. Estava cansada demais para qualquer atividade que não fosse dormir no momento, e ainda assim tinha que pensar em alguma coisa para o jantar, já que haviam duas pessoas naquela casa que precisavam se alimentar. E dois animais de estimação. Sendo que um deles terminara com o resto do pacote de ração na noite anterior.
- Paige?! – ofegou ela, assim que passou pela porta de casa, deixando que sua bolsa caísse se seu ombro sem delicadeza alguma. O combinado era que a garota voltasse com ela para casa naquele dia, mas ela esteve tão ocupada que ela tivera que voltar sozinha – Me desculpe pela demora, aquela escola está uma zona! Alguma chance de você ter lembrado de comprar a comida do coelho? Eu esqueci de nov...
Uma figura diferente e bem maior que sua filha estava na cozinha, de costas para ela enquanto mexia em algo no fogão. Seu casaco grosso descansava sobre o encosto de uma cadeira da mesa de jantar, o tecido também escuro de sua camisa não conseguindo disfarçar a tensão de seus ombros, que se moviam com lentidão enquanto sua mão dominante mexia o que quer que fosse que estava na panela que usava com uma colher de madeira. Jefferson demorou um pouco mais do que se orgulhava para perceber que não estava mais sozinho, se virando sem jeito para quando entendeu que os sons de movimentação que ouvira não eram do maldito gato que já arranhara seus braços. O olhar surpreso da mulher chegou a deixá-lo desconfortável, mas ele tinha ciência de que merecia já que: ela definitivamente não deveria ter esperado encontrá-lo ali, ou encontrá-lo em qualquer lugar, já que Jefferson suspeitava que a imagem de covarde que provavelmente já teria criado dele deveria ser bem permanente.
- Grace saiu para comprar a comida do coelho, e me deixou encarregado do jantar – contou ele, suas mãos trêmulas desistindo da tarefa de minutos antes para que toda sua atenção fosse direcionada para estudar a fisionomia de . A mulher não sabia como agir, como se portar diante daquela visita, e o que ela significaria para ali a frente. Jefferson ali anunciava que as coisas estavam prestes a mudar, e ela não tinha certeza se era aquilo que desejava. Não importava que fora uma maldição que as aproximara mais do que nunca, o carinho que nutria por Grace era verdadeiro, e seu coração se apertava no peito com a possibilidade de não ter mais a menina sob sua proteção, se não acompanhar os menores passos de sua vida.
- Seu pescoço… – comentou ela depois de um tempo, seus dedos seguindo inconscientemente para a pele do próprio pescoço, que várias vezes chegara muito perto de ficar no mesmo estado que Jefferson. A imagem da Rainha de Copas ordenando que prisioneiros fossem decapitados foi algo difícil de tirar da mente de pelos próximos momentos – Velhos hábitos não mudam, pelo visto.
- Tem algum problema eu estar aqui?
- Claro que não – a mulher não sabia dizer se tinha soado tão sincera como tinha sido de fato, mas pelo menos Jefferson pareceu relaxar um pouco, mesmo com seus músculos ainda estando visivelmente tensos. Sem pretensão alguma, ocupou uma das cadeiras da mesa de jantar, assistindo o homem voltar a cozinhar como se aquilo fosse algo extremamente corriqueiro – Como que ela reagiu?
- Bem, acho – respondeu ele, depois de respirar fundo. Era difícil classificar a reação da filha de forma objetiva, já que sua mente confusa contaminava as conclusões com suas expectativas e medos. Quando Jefferson notou a expressão concentrada de , ele ficou mais sério – Esperei ela descer do ônibus, não invadi a casa, caso esteja se perguntando.
- Genuinamente não estava – se apressou em dizer, sua risada divertida não ajudando muito no quesito credibilidade – Ei, não tenho motivos para mentir! Fico feliz que tenha mudado de ideia.
- Eu não estava pensando em fugir – insistiu ele, um pouco impaciente – Só não tinha encontrado coragem aqui. O acidente do outro dia meio que me pareceu um mal presságio.
- Tudo nessa cidade pode parecer um mal presságio, se você quiser bastante.
- Ainda não me acostumei a olhar de forma diferente.
- ! – a conversa da dupla foi interrompida pelo grito animado de Grace. A garota entrara correndo em casa, notando sem dificuldades que seu pai agora estava acompanhado, deixando a sacola com a ração que fora buscar sobre a mesa para correr e abraçar a mulher. Mesmo ciente de que os adultos já conversavam antes de sua chegada, ela gastou longos minutos narrando toda a história de descer do ônibus e dar de cara com Jefferson a esperando, resumindo o que conversaram e qualquer coisa diferente que tinham visto no caminho para casa. A dupla apenas assentia sorrindo, vez ou outra fazendo algum comentário para dar corda a Grace, que retomava seu turno de fala com ainda mais empolgação – O dia até que foi legal, mas sinto falta da Srtª Blachard.
- Logo ela vai estar de volta – garantiu , ajudando Jefferson a pôr a mesa, quando a refeição que preparava faltava pouco para terminar de cozinhar – Os anões voltaram para as minas, logo vão encontrar diamantes e teremos pó de fada mais uma vez para consertar o chapéu.
O homem deixou escapar um riso baixo e descrente enquanto posicionava o último prato, algo que não passou despercebido pelo olhar atento de .
- Algo a acrescentar, Jefferson?
- Eu vi o chapéu, . Foi completamente destruído. E mesmo se for possível consertar, ele só viaja por mundos com magia – argumentou ele, achando melhor checar as panelas do que ficar sob o olhar insistente da mulher – Se forem para a floresta encantada, não vão conseguir voltar para Storybrooke.
- Aí que você se engana, caro Chapeleiro – “não é só porque passou 28 anos que eu passei a gostar que me chamem assim, Alice” – Há magia nesse mundo agora, Rumplestiltiskin fez questão de a trazer.
- Então por que ele não fez outro portal? Ele criou o seu.
- Não acredito que ele consiga.
- Não acredita ou ninguém ofereceu algo que ele queira?
Grace ficou olhando de um adulto para o outro, sem conseguir entender o que falavam. Tanto seu pai como haviam lhe feito alguns breves resumos sobre como costumavam levar a vida quando ainda estavam na Floresta Encantada, mas agora sentia que eles não tinham entrado em tantos detalhes assim.
- Se ele conseguisse criar outro portal, já teria o feito – insistiu , e o homem revirou os olhos, descrente – Por algum motivo, ele tem algum interesse pessoal da volta da Emma, principalmente.
- Por que acha isso?
- Sem a Salvadora, como quebrar a nova maldição que nos impede de sair?
Um silêncio desconfortável se estendeu, e mesmo assim estava satisfeita com aquilo, já que o olhar assustado e confuso de Jefferson era um bom sinal de que agora ele lhe daria ouvidos.
- Nova maldição, mama? – Grace foi a primeira a conseguir reagir, sua voz baixa e infantil carregada de preocupação. A mulher olhou para ela com compaixão, agora percebendo que talvez não devesse ter tocado naquele assunto na presença da criança.
- Se você tenta deixar a cidade, suas memórias originais se vão e você fica só com as da maldição.
- Não planejava sair daqui, de qualquer jeito... – retrucou Jefferson, a forma genuína como ele não parecia se importar irritando a mulher – Você pretende?
- Você não lembra o que fazia pelo cara, não? – devolveu ela, descrente que alguém poderia ter tanta dificuldade para ligar os pontos – Você saiu, ele me colocou no seu lugar.
- Ele queria ir para um mundo sem magia – a voz de Jefferson soara distante, sua mente perturbada pela constatação que a mulher fizera com que ele alcançasse – E agora ele não consegue sair da cidade. Isso não é bom.
- Algo ruim vai acontecer?
A dupla se virou em sincronia para a criança, que tinha os ombros baixos e abraçava o próprio corpo, temerosa pelo o que poderia atingir a todos novamente. Eles logos trataram de confortá-la, dizendo que nada de ruim aconteceria e que aquilo não era motivo de preocupação, que logo tudo seria consertado. Foi que pediu que a garota se retirasse, que fosse tomar um banho antes do jantar, já que alguns fios de cabelo grudados entre si eram um claro sinal de como Grace suara durante o dia, e que um bom banho era uma necessidade.
- Jefferson? – arriscou a mulher, quando mais uma vez eles estavam sozinhos na cozinha. Seu tom sério e baixo fez com que ele respirasse fundo, ciente de que não era agora que teria um pouco de paz – Essa é a última vez que vou te perguntar isso, e espero que você não minta para mim. Você pode ajudar de alguma forma nisso tudo?
Estava expresso em seus olhos sua incapacidade de ajudar, assim como a frustração por isso, mas queria uma confirmação verbal que nunca chegou, já que a chegada de visitantes na casa distraiu a dupla, que logo rumou para o corredor que dava na entrada da casa. A surpresa da dupla não foi apenas mais do que a do visitante mais velho, que olhava de um para o outro sem entender o que acontecia.
- Acredito que você tenha o encontrado – comentou David, se adiantando para o chapeleiro para um aperto de mão, que o homem interpretara de maneira errônea e recuara. Se não tivesse segurado seu braço com firmeza, com certeza ele teria fugido pelos fundos da casa.
- Entrem, vamos jantar daqui a pouco, se quiserem acompanhar – convidou ela, passando a mão carinhosamente pelos cabelos de Henry quando o garoto passou a sua frente. Depois que fechou a porta, voltou a se virar para Jefferson, empurrando-o pelas costas até que com delicadeza – E você, pare de graça. Não precisa sair correndo dessa vez.
- Eu só quis checar como você e filha estão – explicou David, quando se recusou a se sentar – Por causa da invasão do outro dia.
- Você pode ficar tranquilo, Encantado – resmungou Jefferson, seu tom protetor e um pouco irritado surpreendendo a todos – Ninguém mais vai causar problemas.
- Emma suspeitava de você.
- E ela estava certa – comentou sem pensar duas vezes, quase derrubando a jarra de água com que enchia os copos para as visitas quando Jefferson chutou sem tornozelo – Mas eu invadi a casa dele também, então podemos dizer que estamos quites? Vamos apenas esquecer a queixa que eu fiz.
David queria discordar, mas acabou por confiar na mulher. deveria saber o que estava fazendo e tinha que respeitar suas escolhas, mas isso não o impediria de continuar de olho na casa, pelo menos por um tempo. Henry parecia ser amigo de Grace, provavelmente seria algo que facilitaria a tarefa, além da amizade de Mary Margareth e , e isso apenas o fazia lembrar que precisava de uma forma de resgatar a esposa, por isso logo se despediu dos moradores da casa, depois de ter que prometer que retornariam para jantar algum dia.

O jantar ocorreu de forma agradável, mais uma vez Grace sendo o centro da conversa, vez ou outra exigindo a companhia dos adultos, que mais riam das histórias da garota do que participavam de fato. Mais tarde, juntos eles cuidaram da louça usada, e depois se espalharam pela sala de estar. Grace mostrava ao pai algumas fotos que mais gostava, assim como algumas de suas obras de arte que achara que valia a pena guardar de recordação. Ambos sabiam que aquilo tudo era fruto da maldição, mas deixaram a garota se divertir com todo o material, narrando alguns episódios que lhe vinham à mente. apenas assistia a dupla ocupando o tapete, ela confortavelmente deitada no sofá. Ambos estavam tão distraídos em sua conversa animada que mal viram a hora passar, Grace apenas notando como era tarde quando foi perguntar à mãe de quando era uma foto.
- dormiu – contou ela em um sussurro, seu sorriso contente contagiando o homem, que assistiu a garota sair em busca de uma manta para cobrir a mulher adormecida. Jefferson demorou mais do que se orgulhava para entender que sua filha planejava deixar a mulher passar a noite ali – e só depois se deu conta de que não tinha muito que Grace poderia fazer, já que, assim como ela, também ficaria com pena que acordar alguém que dormia tão serenamente. Antes que Grace pudesse cobri-la com a proteção, Jefferson se pôs de pé, dizendo também em um sussurro que aquilo não era necessário, que trataria de levar para o quarto.
Grace não conseguiu notar a hesitação nos movimentos do pai, e nem teria compreendido se tivesse notado. Fazia muito tempo desde a última vez que tivera que carregá-la em seus braços, em um tempo onde ainda era apenas uma garota, sem ninguém no mundo e sem salvação, ainda era apenas Alice. Era engraçado como tentar usar aquele nome para ela agora não parecia mais natural, como ela conseguira distinguir muito bem quem era Alice e quem era , exatamente como planejara desde o começo. E o curioso era que, enquanto Alice ele chegava a detestar, lhe trazia alguma sensação boa apenas com sua proximidade, e por isso Jefferson não estranhou seu apego repentino com a fragrância de seus cabelos, um cheiro doce que ele já se via viciado.
- Ela disse que você pediu que ela cuidasse de mim, mas não foi bem assim, não é? – perguntou a garota, assim que Jefferson fechou a porta do quarto depois de sair, seu olhar curioso estudando as mudanças da expressão do pai. Jefferson apenas esboçou um leve sorriso, abraçando a filha pelos ombros.
- Vinte e oito anos e nunca consegui entender como alguém que eu tentei tanto afastar continuou por perto – suspirou ele, guiando Grace para seu próprio quarto, julgando que já devia ter passado muito de sua hora de dormir – E sou muito grato por isso. Não consigo pensar em alguém melhor para ter cuidado de você.
- Você gosta dela – não fora uma pergunta. Fora uma afirmação, e Jefferson se sentiu idiota pelo repentino constrangimento que lhe atingira. Grace, por sua vez, riu divertida – Tudo bem, eu também gosto. Ela é legal.
- Com o tempo você se acostuma com ela – concordou ele, ainda um tanto contrariado, sinalizando para a garota entrar logo no quarto – Vai se ajeitar.

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tinha atingido um novo nível de cansaço, tanto que sequer estranhou que suas últimas memórias antes de adormecer eram na sala, e não em seu quarto, onde acabara de acordar. Seus pés agiram por conta própria a guiaram para o correr, fazendo sem dificuldades o trajeto que tão bem conheciam até a cozinha. Mesmo sentindo que acabara de sair de um sono pesado, a mulher ainda não tinha dormido o suficiente, e apenas uma caneca de chá bem quente podia ser sua chave de volta a inconsciência.
Inconsciência essa que agora parecia ainda mais inalcançável depois de ouvir um suspiro alto de um terceiro ao passar pela sala, o rangido característico de alguém se acomodando no sofá sendo a confirmação de que ela não estava sozinha.
A sorte de Jefferson foi ter sono leve, já que acordou com o barulho de puxando o abajur que ficava na mesa atrás do sofá, pronta para atingir quem quer que ela imaginava que estivesse ali.
- Ei, calma! – pediu ele com urgência, erguendo as mãos para mostrar que não apresentava perigo. Quando a mulher abaixou os braços de uma vez, ele até chegou a rir para disfarçar o susto – Grace não quis que eu fosse embora, aí fiquei no sofá.
- Sem problemas – desconversou com um gesto de mão, logo seguindo para a cozinha com seus passos arrastados – Então... Como está pensando em fazer as coisas?
- Bem, não achei travesseiros extras, entã…
- Jefferson.
Só com o tom um tanto impaciente que o homem percebeu como a pergunta era muita mais ampla, que os questionamentos de iam muito além de como ele planejava se manter confortável pelo resto da madrugada. A naturalidade que a mulher juntava os utensílios para preparar seu chá de repente pareceu abalada, uma tensão em seus movimentos mais simples que Jefferson não pode ignorar, já que provavelmente eles dividiam as mesmas preocupações.
A diferença era que ele já tinha pensado muito a respeito, e a iniciativa agora deveria partir dele.
- Ela quer conhecer a mansão no bosque amanhã, depois da aula – comentou ele casualmente, se levantando do sofá com o objetivo de se juntar à mulher na cozinha, ocupando um dos lugares de frente para o fogão em que ela mexia – Acha que vai conseguir sair no horário normal? Seria melhor se fôssemos ainda de dia, aproveitar a vista.
Foi difícil evitar o sorriso travesso, mas Jefferson até que fez um bom trabalho – caso contrário seria difícil a mulher acreditar na sinceridade de suas palavras. se virara para ele em um movimento lento, se esquecendo momentaneamente da água que começava a ferver sob o fogo alto.
- Você quer que eu vá junto? – a descrença na voz e na expressão da mulher eram claras, mesmo com ela tentando amenizar. Em nenhum momento chegara a considerar que seria completamente excluída da vida de Grace, mas um cenário como aquele ela nunca chegara a cogitar. Algumas visitas programadas, conversas na escola, mas aquilo? Não dava para entender de cara a motivação de Jefferson, mas lhe parecia muito estranho o convite repentino, mesmo que fosse motivado por algum sentimento de obrigação da parte dele. Ele tinha todo o direito de retomar seu posto como responsável pela filha e afastá-la da mãe adotiva dos últimos vinte e oito anos, e era exatamente isso que esperava. Então o que estava exatamente acontecendo ali?
- Claro – garantiu ele, soando agora um pouco mais brincalhão, para o leve desespero da mulher. Jefferson estava tentando lhe pregar uma peça? – Aposto que não conseguiu apreciar nada quando invadiu o lugar procurando pistas.
- Ei! – resmungou ela sem hesitar – Pensei que tínhamos concordado em não tocar mais nesse assunto.
- Só quis provar meu ponto.
- Você não precisa me manter por perto – retomou o assunto, se virando rapidamente para o fogão para apagar a chama que já estava acesa a tempo demais – Se conversar com ela, ela vai entender.
- Ela também é sua filha nesse mundo, suas próprias palavras.
- Eu estava irritada com você, não falei sério.
- Você não a vê como sua filha? – Jefferson até já sabia a resposta, mas aquele mero questionamento fez com que algo se remexesse desconfortavelmente em seu peito. Duvidar daquilo lhe causava algo estranho, desencadeava sentimentos que há tempos não experimentava, e que talvez nem soubesse mais apreciar – Ela te quer por perto, não preciso perguntar a ela. E talvez eu também queira.
Um sorriso singelo apareceu nos cantos de lábios de , apenas para em seguida eles voltarem a se posicionar em uma linha reta, se esforçando para se manter inexpressiva, mesmo que ciente de que falhava. Depois de tanto tempo, ela já tinha uma boa e extensa lista de adjetivos que poderia usar para classificar o homem à sua frente, mas até aquele momento nunca tinha considerado sutil. Se tinha sido proposital ou não, não importava, o fato era que aquela tinha sido uma sofisticada escolha de palavras, que deixavam certas janelas abertas que não podia negar que estava curiosa e ansiosa para saber o que a esperava do outro lado.
- Pode fazer esse chá servir para dois? – os olhos cheios de expectativa de Jefferson passearam sem pressa para o bule às costas da mulher para seu rosto difícil de decifrar algumas vezes, a discreta forma como aquilo tudo parecia ser sobre a mesma coisa lhe parecendo excitante demais de acompanhar, seu sorriso mais largo aparecendo quando assistiu caminhar para o armário ao lado, voltando com duas xícaras em mãos.
- Acho que posso.
Quando Grace acordou, milagrosamente no horário dessa vez, encontrou a dupla ainda conversando na cozinha.
Enquanto as duas se preparavam para suas respectivas aulas, Jefferson se responsabilizou pela primeira refeição do dia. Como ainda tinham tempo de sobra por estarem no horário, todos se sentaram à mesa para comer, a conversa animada e leve de antes sendo retomada. Jefferson contou os planos da visita à mansão mais tarde, e Grace ficou ainda mais contente quando confirmou que iria junto. Quando questionado sobre o que faria pelo resto do dia até as duas estarem livres, Jefferson disse que daria uma volta pela cidade, à procura de algum lugar que precisasse de um costureiro ou de alguém que entendesse de ervas, já que não pretendia de jeito nenhum retomar seus dias de ladrão.
Pareciam uma pequena família.

Fim.



Nota da autora: Vou me ausentar nessa n/a final porque não tô acreditando que finalizei isso aqui. Tipo, não parece verdade. Nem um pouco.

Página da Autora: (Clique aqui para mais informações e saber as demais fanfics da autora.)

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