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Capítulo 1 - Traga-me uma Heineken


- Você não é insubstituível, ! – ela disse e eu engoli a seco, mas se eu realmente quisesse que ela me ouvisse, tinha que continuar.
- Eu te amo você sabe disso. E você me ama – eu disse e ela me olhou, seu rosto estava lavado por lágrimas, contorcido em expressão de raiva e dor.
- Não diga isso – apontou o dedo pra mim e veio em minha direção em passos largos. – NUNCA MAIS DIGA ISSO! SEU IDIOTA!


Meus olhos se abriram rapidamente, até rápido demais. Acordei assustado por causa daquele pesadelo, que era mais uma lembrança da qual eu tentava me esquecer há mais de anos, fechei os olhos fortemente, numa tentativa fracassada de afastar qualquer vestígio daquele dia que pudesse ainda estar escondida em qualquer parte da minha mente. Passei as costas das mãos pela testa e estava molhada, estava suando frio. Ainda de olhos fechados, passei as mãos pelos lençóis embaixo de mim, que grudavam por toda a extensão da minha pele e também estava molhado. Um sonho, aliás, um pesadelo, não pode causar um impacto tão grande numa pessoa, pode? Ainda mais por ser uma lembrança? Parece que sim. Abri meus olhos lentamente, encarando o teto por alguns segundos, e virei minha cabeça para olhar a mulher que ainda estava dormindo ao meu lado, Loren, minha namorada. Não era a pessoa que eu queria que estivesse ali naquele momento, eu gostava dela, mas definitivamente não era a mulher que eu amava, não era a mulher que eu queria ver ao meu lado na cama pelo resto da vida. A mulher que eu queria estava somente em meus pensamentos, lembranças, sonhos e, na maioria das vezes, ela aparecia nos meus pesadelos, gritando comigo, me dizendo o quanto eu sou idiota, assim como o da noite que se passou, mas, mesmo assim, eu precisava daquela mulher, daquela única mulher. Mas como? Como e quando eu conseguiria a ter de volta? Uma resposta simples: eu nunca a teria.
Rolei os olhos e me levantei da cama, frustrado comigo mesmo por ter permitido que esses pensamentos tivessem me inundado e me amaldiçoei por ser tão dramático. Fui até o banheiro, fiz minha higiene matinal e quando saí do quarto, Loren ainda estava na mesma posição de antes, jogada na cama, provavelmente no 14º sono. Coloquei uma calça jeans qualquer, uma camiseta branca, All Star preto e um casaco da mesma cor, com certeza estava frio lá fora, desci as escadas e fiz meu café da manhã.
- Bom dia, meu amor – Loren apareceu na cozinha do nada e eu pulei, assustado.
– Calma, sou só eu – veio eu minha direção e me deu um beijo no rosto.
- Bom dia – ri fraco da última coisa que falara, porque pra mim não era só por ser ela que eu tinha me assustado, mas ela não precisava saber disso.
- Vai fazer o que hoje? – ela perguntou calmamente abrindo a geladeira.
- Vou à casa do – disse simplesmente e ela bateu a porta da geladeira com força.
- Mas hoje é Domingo, , você acabou de voltar de turnê, não faz nem uma semana! – ela disse me parecendo um pouco impaciente.
- E o que tem de mais nisso? – dei de ombros, ela bufou se virando pra mim e espalmando as mãos no balcão de mármore.
- Por que você não fica em casa? Ou então, por que nós dois não saímos juntos? – disse ironicamente. Ela queria brigar e eu não, então continuei quieto só pra ver onde isso ia dar. – Desde quando você voltou, nós só tivemos uma noite. Há quanto tempo nós não saímos juntos, ? Há quanto tempo você não tem tempo pra mim? – perguntou e eu dei de ombros, o que talvez não tivesse sido uma boa ideia pra quem não queria brigar. – Eu não acredito numa coisa dessas.
- Ok, Loren, se você quer sair. Tudo bem...
- Tudo bem? – perguntou incrédula. – Nada está bem já faz um bom tempo! – disse pausadamente. – Quer saber? Pra mim já chega – ela disse indo em direção a porta.
- Aonde você vai? – perguntei calmamente, pensando bem, nada daquilo estava me abalando.
- Vou arrumar as minhas coisas, vou embora dessa casa, acabou tudo – ela gritou subindo as escadas e pude ouvir o baque da porta sendo fechada.
Eu não devia, mas eu ri. Às vezes chegava a ser irônico o jeito como tudo acontecia. Era sempre assim, eu conhecia uma garota, ficava com ela, assumia um compromisso sério que, depois de no mínimo dois meses, tudo acabava porque eu não dava a atenção devida a ela. Mas, enfim, eu pouco me importava. Pra falar a verdade, não é certo pensar assim, eu sei, mas era como se nenhuma das mulheres que eu já tive por perto fossem boas o bastante, que elas não me contentassem e que o vazio imenso que eu sentia continuava lá. Pode me chamar de gay, eu deixo.
- Qualquer coisa é só morder. Eu sei que você sabe fazer isso, garoto – disse para Snoop, meu cachorro, quase uma preparação psicológica para tudo que pudesse acontecer. – LOREN! – gritei da porta principal do apartamento com as chaves em mãos.
- O QUE É? – ela parecia um pouco nervosa ainda.
- QUANDO VOCÊ SAIR, TRANCA TUDO E DEIXA AS CHAVES COM O PORTEIRO! – eu gritei e pude ouvir o som de algo se quebrando no andar de cima. É, ela estava nervosa.
- FILHO DA... – ela xingou, provavelmente a mim, e eu fechei a porta rindo antes que pudesse ouvir mais alguma coisa. Ser xingado de tudo quanto é nome que existe àquela hora não era a coisa que eu mais queria no momento.
Desci as escadas, com a intenção de chegar até o estacionamento subterrâneo. Estava querendo parecer menos sedentário, eu moro na cobertura e, apesar de só descer as escadas, cheguei no 16º andar quase morrendo. Enfim. Desci de elevador mesmo, peguei meu carro e antes de seguir o caminho até a casa do , parei na guarita e avisei ao Ian, o porteiro, que Loren provavelmente iria entregar as chaves do apartamento a ele, que riu.
- Lá se vai mais uma, Sr. ? – sorri com a sua pergunta.
- Essa aí já passou da hora – ele riu. – Valeu, Ian.
- Disponha, senhor – me despedi com um aceno de cabeça e arranquei com o carro.
Não demorei muito a chegar. estava deitado no sofá de dois lugares, no de três, eu me sentei numa das poltronas e coloquei os pés por cima da mesinha de centro, cada um largado num canto da sala do apartamento de , enquanto o mesmo pegava mais cervejas. Não, não somos nada folgados.
- Vocês são tão folgados – disse quando chegou à sala e nos viu daquele jeito. – Vêm hibernar na minha casa – deu um tapa na cabeça do , que estava quase dormindo, e eu ri. – E eu ainda tenho que ficar buscando cerveja pra vocês.
- Não reclama, disse calmamente enquanto as garrafas de Heineken eram postas na mesinha de centro. – Você faz isso porque quer.
- Não faço nada – ele disse se sentando na poltrona ao meu lado.
- Faz sim – se levantou e colocou as duas mãos, uma de cada lado do rosto de , e o apertou fazendo bico. – E faz isso porque ama a gente – ele disse e todos nós gargalhamos.
- Sai daqui, seu viado – o empurrou rindo também.
- Não negue seu amor por nós, querido – riu.
- Cadê a ? – perguntei da namorada do assim que percebi que só estávamos nós quatro lá. A morava com ele há mais ou menos um ano.
- Saiu de manhã – ele deu de ombros. – Foi não sei onde, fazer sei lá o que, eu não entendi direito quando ela falou.
- Cuida da sua garota, disse rindo, já deitado no sofá com uma garrafa em mãos.
- E por que você não cuida da sua? – ele riu sarcasticamente. – Desculpa, esqueci, você não tem – mandou o dedo do meio para o e e eu gargalhamos.
- Cuida da sua garota, – foi a vez de falar.
- Cala a boca – disse com tédio na voz, não tinha o que retrucar, todos nós sabíamos muito bem que cuidava perfeitamente da . Aqueles dois eram um grude que deu certo.
- E cadê a ? – perguntei.
- Foi visitar os pais dela, daqui a pouco ela está chegando – tomou um gole de cerveja. – E a Loren?
- Deve estar entregando as chaves pro porteiro agora mesmo – disse olhando pro relógio que estava no meu pulso.
- Como assim? – às vezes a lerdeza do me impressiona.
- Ela vai embora, o tempo dela já acabou – disse pausadamente, como se estivesse explicando uma coisa muito complexa.
- Finalmente aquela loira maldita vai embora – ele disse. – Ela era um pé no saco – nós rimos.
- Foi a melhor de todas – deu de ombros.
- Não foi não – disse e os outros dois o olharam confusos, então ele se virou pra mim e passei a fitar o chão, sabia exatamente sobre quem ele estava falando – Nem preciso dizer quem é.
- A do colegial? – perguntou casualmente.
- Eu lembro – falou de repente. – Realmente, ela foi a melhor.
- Linda, engraçada, simpática, com um jeitinho todo meigo, mas ao mesmo tempo determinado de ser, a garota mais inteligente do colégio – gesticulava todo empolgado ao falar da minha namorada no colegial, a que mais me marcou, e pude sentir um sorriso bobo se formar em meus lábios só de ter a lembrança do seu jeito de ser.
- Eu sonhei com ela hoje – disse olhando para o , esperando que ele falasse alguma coisa, mas quem disse foi .
- De novo, você quis dizer. Dude, isso é loucura – disse se sentando no sofá em que antes estava deitado. – A gente fica aqui, falando dela como se o tempo não tivesse passado, faz quase sete anos! Porra, sete anos que ela foi embora e a gente ainda não superou isso. Só falta você me dizer que ainda tem aquela caixa! – ele disse e eu desviei meu olhar do seu, deixando mais do que claro de que eu ainda tinha aquela caixa. – Presta atenção em mim! Ela deve estar lá no Brasil, com vários diplomas na estante, casada com um cara podre de rico, morando numa mansão gigantesca com cinco geladeiras, uma pra cada um dos três filhos. Isso se ela não for casada com o presidente – ele disse e nós rimos.
- O presidente do Brasil é um velho sem um dos dedos na mão? – perguntou entre risos.
- Com certeza ela não é casada com o presidente – eu ri.
- Talvez ela não esteja no Brasil, talvez ela tenha ido pra melhor faculdade do mundo, ela não era a garota mais inteligente da escola? – deu de ombros.
- Ou então esteja viajando pelo mundo, não foi o que ela sempre quis? Dar a volta ao mundo – deu de ombros. – Você foi um imbecil, cara.
- Um idiota – deu de ombros.
- Um otário – disse e eu os olhei incrédulo, sem nem ter o que dizer.
- Um cuzão – uma voz feminina soou pelo apartamento, seguida pela batida da porta sendo fechada e todos riram menos eu.
- ! – a repreendi assim que ela apareceu na sala onde todos nós estávamos.
- Foi mal – ela disse indo em direção ao namorado e se sentando no colo do mesmo. – De quem vocês estavam falando?
- Do disse.
- O que você fez desta vez, ? Traiu a Loren com uma groupie? – ela riu e eu abri a boca para respondê-la, mas me interrompeu.
- Ele traiu alguém sim, mas não foi a Loren, é uma história muito longa da época do colegial – disse ríspido e já me olhou com os olhos arregalados de curiosidade.
- Que história é essa? – perguntou e se levantou e foi para cozinha – E por que o está assim? É aquele tipo de história linda de amor mal resolvido que tem um final feliz? – ela fantasiou enquanto e seguravam pra não rir eu rolei os olhos.
- , primeiro, eu te conto essa história – disse e seu sorriso só aumentou – Mas outro dia.
- Ah, ... – choramingou.
- Segundo – a interrompi me senti como um pai conversando com a filha –, o está assim porque ele faz parte dessa história, aliás, todos nós fazemos parte dessa história, e não, não é tipo aquelas histórias lindas, porque não teve final feliz, entendeu? – disse e ela balançou a cabeça afirmativamente e pude ver, pela minha visão periférica que também fazia a mesma coisa – Mas que diabos você está fazendo?
- Estou entendendo – deu de ombros e eu rolei os olhos mais uma vez – estou entendendo, que como você se livrou da Loren, nós temos que ir ao Black Cat, hoje à noite!
Quando voltou para a sala, nós mudamos de assunto, aquele não nos fazia muito bem. Nós ficamos conversando até tarde e depois eu fui pra casa, tomei um banho e me empacotei em roupas mais quentes, já que quando o frio vem pra Londres é pra ficar. E ouvi minha campainha tocar.
- E aí, dude? Vamos? – perguntou assim que eu abri a porta do meu apartamento – Está todo mundo lá em baixo, só falta você.
- Espera aí – pedi e fui correndo para o meu quarto, peguei meu celular, minha carteira e dei uma olhada em volta, pra ver se não estava esquecendo nada, dei uma última ajeitada no cabelo e desci as escadas. – Vamos – passei por e ele veio atrás de mim.
- A Loren foi mesmo? – perguntou assim que tranquei a porta.
- Não tem mais nada dela aqui em casa – apertei o botão do elevador.
- Puxa, sinto muito – disse dando dois tapinhas no meu ombro enquanto entrávamos no elevador.
- Não sinta, dude – dei de ombros e passei a olhar o painel que indicava os andares pelos quais passávamos.
- Você não gostava dela, não é? – perguntou e eu apenas neguei com um aceno com a cabeça – Que bom, porque eu também não.
- Que coisa horrível pra se dizer – nós rimos e depois de um tempo as portas do elevador se abriram.
- Você vem comigo e com a – ele disse e nós fomos até o carro, eu fui no banco de trás e dirigindo, claro.
- Vai me contar a história, ? – perguntou do nada e eu até me assustei.
- Nossa, , não dá pra esperar um pouco não? – perguntei encostando a cabeça no vidro do carro.
- Vocês me deixaram curiosa – ela disse levantando as mãos até a altura dos ombros em sinal de inocência.
- Então outro dia eu conto – disse simplesmente, vendo as coisas do lado de fora do carro, todas passarem rapidamente.
- Que dia? – ela perguntou e segurou o riso.
- Outro dia, qualquer dia, mas hoje não, dá um tempo – pedi fechando os olhos e relaxando mais o corpo, quando quer pode ser bem persistente e determinada, chega a ser irritante.
- Ok, então na Terça você me conta – ela disse assim que o carro parou em frente ao Black Cat Pub.
- Sua namorada é chata, hein? – disse para quando ela desceu do carro.
- A culpa não é minha se você não contou pra ela – deu de ombros e saltou do carro e eu fiz o mesmo. – Agora eu tenho um encontro marcado com você e com a minha namorada na Terça, eu preferia ficar só com ela, você acha mesmo que eu estou gostando disso? – ele riu.
- Pode até ser um encontro, mas ninguém te chamou – ele logo desmanchou o sorriso e eu ri sarcasticamente. – Cuida da sua garota, – ele mandou o dedo e eu ri mais ainda.
- Dá pra vocês dois virem mais rápido ou está difícil? – disse e eu fui em sua direção, deixando pra trás.
- Vamos, – disse passando um dos braços por cima de seus ombros, mas logo ele foi tirado de lá.
- Vamos, , o cacete, ! Sai daqui, vai – disse puxando para si e eu ri mais ainda.
O Black Cat Pub era um lugar ajeitado, bom ambiente com uma bonita decoração, tinha um clima descontraído com boa música, ótimos drinques e sempre tinha mulheres bonitas, na maioria das vezes íamos pra lá. Nós três entramos e fomos procurar uma mesa, e se sentaram e logo atrás vieram , e .
- Hey, , não tinha te visto ainda – disse me dando um beijo no rosto, soltou da mão de e se sentou à mesa junto aos outros.
- Dude, foi mal ter tocado naquele assunto – disse passando um dos braços em meus ombros, assim como eu tinha feito com há algum tempo atrás.
- Que nada, eu sei que você vai jogar na minha cara que eu deixei a sua melhor amiga sofrer e que ela foi embora do país no dia seguinte até o último dia da minha vida, se nada mudou depois de sete anos, por que iria mudar agora? – dei de ombros e nós rimos.
- Não é bem assim, mas está valendo – ele riu e se sentou ao lado da namorada e eu fiz o mesmo. Todos nós ficamos sentados conversando sobre qualquer coisa, até que se levantou e foi para o balcão falar com uma mulher que já estava ali há um bom tempo.
- Pra onde ele vai? – perguntou.
- Falar com aquela mulher ali – indiquei com a cabeça.
- Aposto quarenta que ele pega fácil – falou e eu ri. – Ela está ali há muito tempo, esperando alguém dar o bote, não duvido nada.
- Eu apoio – disse prontamente.
- Aposto cinquenta que ele não pega – disse e se virou para . – O que você acha, meu amor?
- Eu apoio, acho que a está errada, não é só porque você está no bar que você queira que um homem venha falar contigo – ela deu de ombros.
Então ele colocou as notas em cima da mesa, depois fez o mesmo e todos voltaram a atenção para o . Ele falava algumas coisas e a mulher só balançava a cabeça em negação, o que só fazia o sorriso de aumentar, até que chegou uma outra mulher que a abraçou pela cintura e a beijou, e não foi no rosto, foi na boca. E o queixo do , assim como o meu e o de todos que estavam à mesa, foi parar no chão, a mulher acenou e as duas saíram lado a lado deixando um perplexo, que voltou para a mesa com a mesma cara surpresa.
- Eu te amo – beijou a namorada. – Parece que eu ganhei – riu pegando as notas em cima da mesa e as colocando na carteira.
- O que foi aquilo? – perguntou para , que agora estava sentado com o olhar perdido na mesa.
- Minha fantasia sexual indo embora – disse boquiaberto e todos nós gargalhamos.
- Vem, amor – se levantou puxando junto com ela. – Vamos dançar.
- Preciso de álcool, disse.
- Olha o seu namorado aí.
- Estou vendo, mas vai você – ela disse e riu. – Vai que você encontra uma mulher bonita por aí, aproveita que você está solteiro.
- Só se vocês pagarem a bebida – disse me levantando e rolou os olhos.
- Além de incentivar, tem que pagar – disse pegando a carteira no bolso da calça do , que ia questionar. – Seu dinheiro é meu dinheiro, ok?
Ela me estendeu algumas notas, eu peguei e as coloquei no bolso rindo da cara do . era do tipo de pessoa que gosta de comandar e quer sempre estar à frente de tudo, às vezes chega a ser irritante, mas quando ficava evidente quem mandava na relação entre eles as coisas ficavam engraçadas. Para chegar ao bar, tive que passar pela pista de dança, aquele lugar estava mais cheio que o normal, eu tentei ao máximo não esbarrar nas pessoas, mas estava realmente difícil.
- Ai, droga – uma mulher reclamou depois que esbarrei nela, odeio tumultos.
- Desculpe – pedi me virando de frente a ela, que estava com um copo na mão, com a cabeça baixa e passando a mão freneticamente por toda a extensão do seu vestido, provavelmente quando passei por ela, todo o conteúdo que havia naquele copo, agora vazio, tinha caído sobre ela.
- Não olha por onde anda não? – perguntou visivelmente irritada, me olhando rapidamente, mas voltando sua atenção ao vestido.
- Já pedi desculpas – rolei os olhos.
- Como se desculpas fossem limpar o meu vestido – ironizou.
- Vem, eu te pago uma bebida – disse puxando o copo de sua mão e ela me olhou de cima a baixo fazendo careta – Para de ser nervosinha e vem logo.
Ela hesitou um pouco, mas acabou por me seguir até o balcão, que agora não estava tão longe. Pelo menos isso, não queria esbarrar em mais ninguém e ter de pagar uma bebida pra qualquer um. Em silêncio, ela se sentou em um daqueles bancos altos e eu fiz o mesmo, coloquei o copo, que antes estava nas mãos da garota, em cima do balcão e depois fiz um sinal para que o garçom se aproximasse.
- Heineken? – perguntei a ela.
- Pode ser – deu de ombros, nem se dando ao trabalho de me olhar.
- Me vê quatro – pedi ao garçom que logo colocou uma garrafa dizendo ‘já trago o restante’ e eu apenas balancei a cabeça em concordância. Quase que inconscientemente, peguei a garrafa e a abri, tomando um gole logo em seguida, me esquecendo da garota que estava ao meu lado.
- Eu não gosto de você – ela disse pausadamente, quase que infantil, fitando a pista com os olhos semicerrados e eu ri.
- Até que não molhou muito – a olhei de cima a baixo, ela tinha belas pernas. Enfim, disse me referindo ao vestido.
- Eu era quem devia estar dizendo se molhou muito ou não – retrucou com as sobrancelhas arqueadas como se estivesse olhando pra mim e eu também tornei meu olhar à pista de dança.
- Você é muito nervosinha – eu ri tomando mais um gole de cerveja e ela bufou.
- Quem, afinal, você pensa que é? – perguntou e eu ri, mais uma vez.
- Eu penso que sou – disse voltando a encará-la. – E você, quem pensa que é? – ela me encarou, abriu e fechou a boca várias vezes. Ah, dude, eu sou fodão, provavelmente ela deve estar pensando: “Oh meu Deus, é o , do McFLY, o do McFLY! WOW”.
- Eu não sou ninguém – colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e se levantou, pegando a garrafa de cerveja da minha mão. É, devo admitir, essa foi uma reação totalmente inesperada.
- Ei! Essa é a minha cerveja – eu disse e ela tomou um gole.
- Eu não tenho nojo de você, – ela disse de uma forma sarcástica, com um sorriso de canto em seus lábios e as sobrancelhas arqueadas. Se não fosse loucura da minha cabeça, eu diria que a conheço e que já vi uma cena como essa antes. De repente ela me pareceu tão familiar. Aqueles olhos...

-... Foi a pior viagem que eu já fiz em toda minha vida – estava eu e os dudes sentados nas últimas cadeiras no canto da sala de Biologia e contava como tinham sido suas férias, até que algumas batidas na porta, que estava fechada, fez com que todos os alunos ficassem em silêncio.
O senhor Williams se levantou de sua cadeira e andou calmamente até a porta e abriu a mesma, revelando a velha diretora, baixa, gordinha e de óculos que disse coisas para que só o professor as pudesse ouvir, ele balançou a cabeça algumas vezes até que a diretora sumiu do meu campo de visão, dando lugar a uma garota muito bonita, de cabelos longos, olhos expressivos e marcantes, e um sorriso angelical moldando seus lábios, que logo começou a conversar com o professor. br>- Parece que nós teremos uma nova aluna na sala – disse distraidamente na bancada de trás.
- E que aluna! – disse ao meu lado e logo em seguida uma batida em nossa bancada nos assustou.
- Fica na sua que essa já é minha, – Joey, o jogador de rúgbi, um cara que eu não gostava nem um pouco e que sentava na nossa frente, disse baixo e logo cutucou um nerd, que eu nem sabia o nome, que estava sentado ao seu lado. – Procura outro lugar – disse entre os dentes. – Agora – o garoto mais que rápido juntou suas coisas e saiu. Gay.
- A senhorita pode se sentar – o professor disse e ela não se deu o trabalho nem de procurar, avistou Joey e sorriu pra ele, como se eles já se conhecessem, como se o que Joey disse fosse verdade, ela já era dele.
Ela veio em sua direção, sentou-se ao seu lado, ele estendeu sua mão sobre a bancada para que ela a tocasse e assim fez, sorriu para ele e ele beijou as costas de sua mão, a garota voltou a olhar para frente, prestando atenção no que o senhor Williams agora falava para a turma e Joey se virou para nós com um olhar esperto e pronunciou um “eu não disse?” sem produzir qualquer som, que fez com que uma raiva se manifestasse estranhamente dentro de mim, eu e nos entreolhamos e pude ver que ele estava com a mesma vontade que eu, esmurrar aquele cara.


- ! – alguém cutucou meu ombro e eu virei para trás, era – Cadê a droga da cerveja?
- O cara não trouxe ainda – disse rolando os olhos e voltei a minha posição anterior, a fim de ter certeza de que não estava tendo alucinações. Mas ela estava andando em direção a saída – Que inferno, !
- Espera aí, – ela disse olhando para algo mais adiante com o cenho franzido e saiu.
- Ah! Legal, isso, me deixa aqui, porra!
Para a minha surpresa, ela foi correndo em direção à garota, que antes estava sentada ao meu lado. Colocou a mão em seu ombro, chamando a atenção da mesma, que se virou rapidamente. De onde eu estava, dava para ver a expressão de susto que seu rosto havia adotado, disse alguma coisa que fez com que a garota sorrisse abertamente e a puxasse para o abraço, elas diziam algumas coisas e de vez em quando davam pulinhos e riam, pelo jeito elas se conhecem, concluí. se desfez do abraço, puxando o celular do bolso de trás da calça jeans enquanto a garota dizia algumas coisas distraidamente apontando com o polegar para onde eu estava. abanou o ar e apontou para o celular em mãos, assim pude ter certeza de que pedirá o telefone da garota, que por fim, deu mais um abraço, agora rápido voltando a fazer o seu caminho e veio até mim com um sorriso imenso, colocando o celular onde estava.
- Você é muito idiota, ! – ela disse rindo, provavelmente da minha cara. – Paga as cervejas – apontou para o balcão, onde o garçom as depositava, paguei o mesmo enquanto ela pegava as garrafas e ia à direção à mesa em que estávamos antes.
- Espera, ! – chamei e ela parou até que pudéssemos andar lado a lado – Você a conhece?
- Não, , eu não vou te dar o telefone dela – disse rolando os olhos.
- Por que não? – perguntei dando de ombros.
- Porque ela é minha amiga, não vou deixar você ficar com ela pra depois não dar a devida atenção, ou então traí-la com uma groupie qualquer. Ela é muito gente boa e não merece isso – disse colocando as garrafas em cima da mesa e se sentando logo depois.
- E quem te garante que eu vá fazer isso? – perguntei, me sentando também. Qual é? Poderia ser diferente dessa vez.
- Prefiro não arriscar – deu de ombros, tomando um gole de cerveja.
- Me diz pelo menos o nome dela – pedi, unindo as mãos em um sinal de súplica. Queria saber se aquela garota era mesmo quem eu pensei que fosse, e talvez depois eu desse um jeito de pegar o celular da escondido, sei lá.
- De quem vocês estão falando? – perguntou. Ele já estava ali antes?
- De uma amiga minha, que conheci em uma das viagens que eu fiz – pronto, viagem? Pode ser mesmo quem eu pensei que era. – Mas eu não quero, e não vou dar o telefone dela pra você, – ela disse e riu. Viado. – Não me olhe assim, tem muitas outras por aí.

Capítulo 2 - Uma menina dos grandes olhos


- Você está sendo muito injusto - ela disse dando um passo a frente e mordeu os lábios, seus olhos estavam marejados.
- Você está indo embora, para bem longe de mim e não me conta, mas conta para esse cara? – eu disse e ela abaixou os olhos fungando baixinho. – Tem certeza de que sou eu quem está sendo injusto?
- Não estava sendo fácil, eu só pensei que...
- Eu não sei o que você estava pensando, mas se já não estava sendo fácil, agora está muito mais difícil. Pelo menos para mim.


Um barulho de pessoas conversando me despertou, abri os olhos devagar, mas a claridade os fez doer, os fechei mais fortemente e senti minha cabeça latejar um pouco. Minha garganta ardia. Ajeitei-me melhor onde estava deitado, que até então não tinha ideia de onde estava e com os olhos fechados tateei uma superfície lisa e macia, mais à frente tinha um corpo. Droga, tinha um corpo e eu nem sabia a quem pertencia, aliás, eu nem me lembrava do que tinha acontecido na noite passada direito, e por que diabos teria alguém ao meu lado?
- Tira a mão de mim – a voz conhecida de disse me trazendo uma felicidade imensa por eu não estar com uma garota qualquer.
- Amor, não fale assim, ele nem acordou direito – a voz de me fez, por fim, ter coragem de abrir os olhos, estava sentado na cama, ao meu lado e em pé perto da porta e o quarto, com toda certeza, não era da minha casa.
- Ele estava me apalpando – ele alterou a voz, fazendo minha cabeça latejar um pouco.
- Cala a boca, porra! – eu disse.
- , deixa disso, vai – ela riu. – , está se sentindo melhor?
- Eu acho que... – levantei meu tronco, para poder sentar e minha cabeça pesou, martelou, foi esmagada por uma incrível força invisível, doeu. – Ai, ai, ai, minha cabeça. O que aconteceu?
- Você bebeu – deu de ombros.
- Parecia um louco, gritando com a disse e eu arregalei os olhos, como assim gritando com a ? Talvez fosse por isso que eu estava na casa de e não na de , que é quem normalmente cuida dos bêbados, mas isso não interessa agora.
- E por que eu gritei com ela? – passei uma das mãos no rosto e ouvi rir.
- Eu acho que você se lembra de que dançou, bebeu, bebeu, bebeu e ficou com algumas mulheres, certo? – eu pensei bastante, e sim, eu me lembrava disso muito bem. – Por fim você sentou com a gente de novo, bebeu mais e chato pra caralho como você é, ficou falando pra te dar o telefone de uma tal garota, ela não queria dar e começou a gritar com você, que já estava bêbado e você começou a gritar também, foi muito engraçado – ele riu. – Mas depois ela não quis mais papo e o largou você com a gente.
- Que legal – disse sarcasticamente e me levantei devagar. – Eu tenho que ir pra casa, depois que a Loren foi embora o Snoop deve estar se sentindo muito sozinho.
- Que deprimente – riu.
- Vai tomar n...
- Dude, – me interrompeu. – Vai tomar banho, depois você desce, toma um remédio, porque com certeza sua cabeça ainda deve estar doendo e mais tarde você se preocupa com o seu cachorro, ok? – se levantou, foi até onde estava e pegou no pulso dela, que tinha um relógio. – Ainda é meio dia.
- Ok, valeu – eu disse simplesmente.
sorriu, fechou a porta e eu fui direto para o banheiro. Terminei meu banho e coloquei a roupa que estava antes mesmo, não ia pegar uma roupa emprestada do só pra voltar pra casa, que nem era tão longe, peguei meu celular e minha carteira que estavam em cima da cabeceira da cama, meio dia e meia. Desci as escadas do apartamento, encontrando e na cozinha, tomando café na mesa. O que era estranho, porque era meio dia e meia e eles estavam tomando café, ainda?
- Quer alguma coisa? – perguntou assim que me viu.
- Tem sxuco de usva na gerladera – disse com a boca cheia e eu ri.
- Que nojo – riu também. – Tem remédio pra dor de cabeça na segunda gaveta.
Peguei o suco de uva da geladeira, onde dissera que estava, um copo e o remédio pra dor de cabeça, me sentei à bancada e tomei logo dois, com a ilusão de que fizesse diferença, só queria que aquela dor passasse logo. Enquanto e conversavam sobre alguma coisa que eu não dei nenhuma importância, guardei tudo onde estava antes, lavei o copo, agradeci e me despedi dos dois com um aceno, me perguntou o que eu faria hoje e eu apenas disse que ia ficar em casa. Casa. Era o que eu mais queria naquele momento, a minha casa, nem que fosse pra ficar olhando pro teto e ficar bêbado de novo. Fui pra casa andando, era só a algumas quadras dali, cheguei lá e Snoop estava me esperando na porta.
- Não late – disse pausadamente, fechando a porta atrás de mim e ele latiu. – Puta que pariu, eu disse pra não latir – disse com uma das mãos na cabeça e ele deitou de barriga pra cima, suspirei. – Você é muito sentimental.
Abaixei-me ao seu lado para passar a mão em seu pescoço, ele balançou o rabo devagar, não mexendo mais nenhum músculo e eu pensei, se para Loren eu não estava dando muita atenção, há quanto tempo que eu não saia com esse cachorro? Tenho andado muito ocupado com os compromissos da banda, shows, programas de televisão, entrevistas e quando não é isso, eu saio à noite, pra ir aos pubs e só volto no dia seguinte. O Snoop devia estar depressivo de tanto ficar aqui dentro de casa, olha só pra cara dele, um olhar triste e vazio, meu reflexo?
tem razão, isso é deprimente.
- Vamos, garoto – me levantei subitamente ignorando qualquer dor que poderia sentir e ele e virou, ficando de lado. – Vamos te arranjar uma namorada, passear por aí, o que acha? – disse e ele levantou todo seu corpo balançando o rabo freneticamente e eu ri.
Fui até a área de serviço com Snoop em meu encalço, para pegar a coleira e a corrente, deixei ambas sobre a bancada da cozinha e subi para trocar de roupa, aquela de ontem estava cheirando a cigarro e cerveja. Coloquei uma camiseta preta, uma calça jeans e uma blusa cinza de moletom com capuz, já que ontem tinha começado a nevar, hoje a temperatura não seria muito diferente, coloquei meu tênis e meus óculos escuros, desci as escadas e Snoop já me esperava na porta e eu ri com isso. Céus, esse cão precisava mesmo sair de casa. Coloquei a coleira e a corrente nele e fomos pra rua, andando, percebi que já tinha até me desacostumado com a ideia de sair assim pela rua, digo, sem um destino certo, só íamos dar uma volta e era meio estranho.
- Calma... Pequena , ela já deve estar chegando – a voz de um velho homem seguido de um soluço de uma garotinha me chamou atenção. Talvez não só a minha.
- Não, não, Snoop, não – ele começou a me puxar até o começo da escadaria, onde a garotinha estava sentada.
Ela estava com a cabeça encostada nos joelhos, com sapatos que me lembravam os de uma boneca, uma meia calça branca daquelas bem grossas, saia quadriculada e de blusa azul escura, seu cabelo estava solto e parte dele preso atrás por um laço azul, uma graça, eu diria. Na porta do que me parecia ser uma escola, o velho homem acabara de sentar num banquinho e observava a garota.
- Ah, droga! – murmurei assim que a menina levantou o rosto, não sei se tenho jeito com crianças.
Ela sorriu fraco quando Snoop lambeu sua bochecha, acho que esse cachorro é meio gay, ele é muito sentimental, sei lá.
- Ei, como é seu nome, hein? – perguntou fazendo carinho no cão e eu me sentei ao seu lado.
- O nome dele é Snoop – eu disse e ela me olhou por um momento com seus grandes olhos e pouco avermelhados e inchados, suponho que por conta do choro. – Vvocê estava chorando? – perguntei mesmo já sabendo a resposta, e ela balançou a cabeça afirmativamente olhando para Snoop e ainda fazendo carinho nele. – E por quê?
- Porque minha mãe está demorando muito pra chegar... De novo – deu de ombros. – Não gosto quando isso acontece.
- Como é seu nome? – perguntei e ela riu.
- Sou uma criança, não posso falar com estranhos – ela disse e eu ri fraco. – Minha mãe me ensinou.
- Mas eu não sou totalmente estranho, eu toco numa banda – disse e ela me olhou, seus olhos já estavam menos vermelhos. – Já ouviu falar da banda McFLY? Eu sou , e toco – deixei a alça que fica ligada a corrente da coleira deslizar até meu pulso e fingi tocar uma imaginaria e ela riu.
- Minha mãe não gosta muito dessa banda – ela disse ainda rindo e eu arregalei os olhos.
- Como assim, nós somos o maior exemplo para os jovens – eu acho. – Sua mãe é louca? – eu disse e ela riu mais ainda.
- Não sei, quando fala de McFLY na televisão, ela muda de canal, sempre – deu de ombros e colocou a mão no bolso do casaco azul que usava, tirando de lá um celular. – É ela, quer ouvir? – perguntou com um sorrisinho sapeca, eu concordei rindo e ela colocou no viva-voz. – Onde você está? – perguntou mudando totalmente seu humor.
- , meu amor, estava presa no trabalho, mas já estou chegando – a mulher do outro lado da linha disse e a menina segurou pra não rir.
- Você está demorando muito – choramingou.
- Ok, me desculpe – a mulher disse com há voz um pouco arrastada. – Estou dentro do táxi, levando um Starbuks pra você.
- Não quero – a menina fez bico.
- Ah, pelo amor de Deus! – a mulher disse e eu segurei pra não rir, essa menina parece ser muito difícil de lidar. – Assim não dá certo, você tem que aceitar e ficar de bem com a mamãe, principalmente quando eu tenho muffins – a menina riu.
- Ok, eu aceito – ela sorriu.
- Já estou chegando à sua escola, se alguém chegar perto de você grite, saia correndo para qualquer lado, exceto para o meio da rua! Pelo amor de Deus, tome cuidado e não fale com estranhos, nem se for a Madonna – a mulher disse séria e a menina riu mais uma vez.
- E se for ? – perguntou olhando para mim.
- Quem? – a mulher riu. – Para de brincadeira, , já estou chegando, te amo.
- Também – ela desligou, guardou o celular e voltou a me olhar. – Se for mesmo, espera minha mãe chegar? Ela não vai demorar.
- Ok – dei de ombros. – O que você escuta então, Justin Bieber?
A menininha, , até que era engraçadinha, nós ficamos na escadaria da escola esperando pela mãe dela, fiquei lá por algumas razões. Primeiro porque não queria mais andar, sou sedentário, admito, depois porque não iria deixar uma garotinha sozinha, apesar de ela não estar tecnicamente sozinha, já que tinha o velhinho que cuidava da escola sentado na frente da porta, mas eu acho que ele não aguenta nem correr, imagina se acontece alguma coisa? Enfim, e eu queria saber o porquê da mãe dela não gostar de McFLY, queria conhecer essa criatura também.
Um táxi parou na calçada, em frente à escola, a porta de trás se abriu e uma mulher saltou de lá, minha primeira reação? Olhá-la dos pés a cabeça, eu sabia quem era e ela estava linda. Ela ao menos me viu, saiu em passos largos na direção da menina que estava ao meu lado.
- Está tudo bem com você? – perguntou segurando de cada lado do rosto da menina que balançou a cabeça afirmativamente, até que ela virou seu rosto em minha direção, seus olhos se arregalaram instantaneamente, ela colocou as mãos no ouvido de e eu percebi que tinha uma aliança de ouro na mão direita, que indica compromisso. – Caramba, era verdade.
- Ora, vejam se não é a nervosinha de ontem – eu ri e ela se endireitou, já que estava curvada para falar com a filha e colocou as mãos na cintura.
- Vejam se não é o Senhor ‘não toque na minha cerveja’ – ela disse sarcasticamente e todos nós, até mesmo Snoop, nos levantamos.
- Você o conhece? – perguntou e a mulher se virou pra ela.
- Filha, vai pro carro, a gente conversa quando chegar em casa – a menina deu de ombros, sorriu para mim e foi andando até a porta do táxi, que estava aberta, mas não entrou. – Por favor – suspirou –, diz que não está me seguindo.
- Claro – eu ri –, porque eu sou um louco e ia ficar seguindo uma mulher que conheci ontem num pub e ia fingir que a encontrei agora pra nada, porque eu não tenho mais nada pra fazer da vida.
- Ok, ok... Entrei em desespero – ela fechou os olhos e respirou fundo. – Desculpe, e obrigada por ter ficado aqui com ela, – deu um sorrisinho e começou a andar em direção ao carro, que ainda a esperava.
- Espera – disse e ela se virou. – Você sabe o meu nome, eu não sei o seu, não acho muito justo. – Ok, eu tinha certeza de quem era, mas queria que ela me dissesse, talvez assim fosse mais... Real.
- Você não vai mais me ver, não precisa saber meu nome – disse e voltou a andar, mas não iria ser tão fácil se livrar de mim.
- ! – chamei, ela parou de andar e as duas me olharam. – Você estuda aqui, certo? – perguntei e ela fez um positivo com a mão. – Parece que nós vamos nos ver mais do que você queria – disse em voz baixa, andando até a mulher, levando Snoop comigo, ela olhou do cão para mim, abriu e fechou a boca, numa tentativa frustrada de dizer alguma coisa e bufou.
- – ela voltou a andar até o carro e eu ri. – Vou te mudar de escola.
- Mãe – a menina disse incrédula e eu ri mais ainda.
- Ok, sua tampinha, entra logo no carro, vai – a menina riu e elas entraram no carro, a mulher disse algumas coisas para o motorista que concordava com tudo prontamente e o carro arrancou dali.
- Ganhamos essa, hein, amigo? – falei para Snoop que já tinha voltado a deitar no chão. – Levante, vamos voltar a andar – puxei de leve a corrente e ele se demorou a levantar. – Ok, melhor irmos pra casa, ninguém precisa saber que não andamos nem dois quarteirões.
E eu queria muito saber: por que andar cansa tanto?
Finalmente cheguei em casa.
Cheguei cantarolando uma música qualquer, estava feliz e mal podia esperar pelo dia de amanhã, eu iria até aquela escola e teria todas as minhas dúvidas, que nem eram tão dúvidas assim, esclarecidas e eu poderia matar saudade de quem tanto fazia falta na minha vida. Poderia, não poderia? Talvez. Ou não. Ela tem uma filha, não sei se está com alguém, mas tinha uma aliança na mão direita, isso pode significar muita coisa. O fato é que ela seguiu com a vida dela enquanto eu só vivia de lembranças, com certeza muita coisa havia mudado, as coisas estavam mais complicadas do que eu imaginava, o tempo passou diante de mim e eu nem ao menos percebi.

Era a última aula do dia, eu e estávamos na detenção, com sacos de gelo no rosto. Brigamos com uns caras na aula de educação física, esses dois caras estavam sentados nas últimas carteiras da sala e nós do outro lado da sala perto da tiazinha que tinha que cuidar da gente, até que o tempo que nos foi determinado acabasse. É, eu confesso, depois deles quase terem quebrado a minha cara eu fiquei com um pouco de medo deles. Por isso, só me debrucei sobre a carteira, afundando meu rosto entre meus braços.
- Oi, Kate – ouvi uma voz feminina carregada por tédio, logo depois o rangido da porta se abrindo totalmente e o baque dela se fechando.
- Oi – a tiazinha, que agora eu sei que se chama Kate disse. – O que você fez dessa vez? – a mulher perguntou e eu me ajeitei na cadeira, ficando com os cotovelos apoiados na mesa para poder ficar com o gelo no meu nariz, que fora atingido. Era ela mesmo ou a pancada no nariz fora tão forte que agora eu estava alucinando?
- Eu não fiz nada – disse revirando a bolsa. – Trouxe isso pra você – ela tirou um saco plástico da bolsa e entregou a Kate.
- Hm... Obrigada, mas se você não fez nada, o que está fazendo aqui? – Kate perguntou e a garota bufou se encostando ao grande quadro negro.
- O professor de artes me mandou pra cá, só porque eu o chamei de... – ela hesitou em dizer e Kate arqueou as sobrancelhas esperando que ela continuasse. – Não queira saber do que eu o chamei – eu ri fraco. – Enfim, ele é um idiota que não sabe dar aula e só pega no meu pé.
- Você disse isso a ele? – a mulher perguntou rindo.
- Ah! Eu disse isso e muito mais – falou manhosa.
- Então pode sentar, porque você fez alguma coisa – ela riu – e obrigada mais uma vez – disse levantando o lanche que a garota tinha lhe dado há algum tempo atrás e a mesma fez um barulho estranho com a boca.
- Não quero saber – deu de ombros indo se sentar numa carteira à frente de , na fileira encostada à parede da porta. – Meu suborno não adiantou de nada – ela disse e Kate riu mais uma vez. – Seu nariz está horrível – apontou pra mim.
- Obrigado por perceber – sorri e ela riu, depois olhou para trás, onde estava de cabeça baixa, com um saco de gelo em um dos olhos, provavelmente, nem tinha se dado conta da presença dela.
- Vocês dois não são da minha sala em biologia? – perguntou voltando a olhar pra mim e eu balancei a cabeça afirmativamente.
- Na verdade – disse arrumando sua postura e ela fez uma careta ao ver seu olho roxo. – Eu sei, está horrível – ela riu. – Na verdade, biologia, química e física.
- Sério? – disse levando uma das mãos até a boca, corando de leve – e o que vocês fizeram para estarem aqui?
- Brigamos com aqueles caras ali – apontei pra trás e ela os encarou enquanto eu falava, tornando sua expressão tímida em séria. – Na verdade, nós nem queríamos jogar, o jogo foi roubado, nós fomos reclamar, mas só ficaram tirando uma com a nossa cara, o esquentadinho aí – indiquei com a cabeça. – Não gostou nada e acabou sobrando pra mim.
Ela parou de encará-los e voltou a olhar que agora estava com o saco de gelo em seu olho atingido, depois se agachou ao meu lado e com certa delicadeza abaixou minha mão, na qual eu também segurava um saco de gelo na parte atingida, fazendo todo meu braço se arrepiar e ficou me olhando por uns instantes, com os olhos semicerrados que eu diria ser um olhar de preocupação.
- Saiu muito sangue? – eu balancei a cabeça em negação e ela sorriu docemente se levantando para voltar a sentar. – Ainda dói? – perguntou a , enquanto eu me perguntava o que havia sido aquilo, que acabará de sentir.
- Não muito – ele disse.
- Eles são amigos do Joey – disse em voz baixa encarando os pés. – Não gosto deles, são uns idiotas! – ela balançou a cabeça negativamente e voltou a falar alternando olhar para mim e depois para . – Vocês não serviram só de saco de pancadas não é? Pelo menos bateram neles? Um soco na barriga, um chute nos países baixos, ou até um puxão de cabelo enquanto estavam distraídos demais acertando o rosto de vocês dois, talvez? Não tem nenhuma marca visível neles – disse de um jeito divertido, analisando os garotos mais atrás, nós rimos e ela nos olhou confusa. – Que foi?
- Você, a garota mais inteligente do colégio e namorada do Scrum-Half do time de rúgbi, na detenção, perguntando se nós batemos em alguém...
- Ela é quase uma vândala, não ouviu o jeito em que ela descreveu os golpes? – completei a frase de e nós três rimos.
- Ah! Qual é? Não sou santa, muito menos o tipo de pessoa que foge de briga – deu de ombros. – Eu estou aqui, não estou?


Tirei a coleira de Snoop, o larguei pela casa e subi pra trocar de roupa, coloquei uma bermuda e mais nada, ia ficar em casa mesmo, aqueles pensamentos não me saiam da cabeça, mas eu precisava vê-la, precisava saber como ela estava como aconteceram às coisas na vida dela e principalmente saber se ela estava feliz. Desci as escadas e apertei o botão da secretária eletrônica, que indicou ter três mensagens, pouco estranho, já que ninguém me liga antes desse horário. O bip soou.
- , o pediu pra te ligar, saber se chegou bem em casa, você não disse muita coisa antes de ir embora, seu celular está desligado. Bom, é isso, dá sinal de vida ok? A propósito, é a – eu ri, com certeza não foi o que pediu, desde quando ele se preocupa em ligar para os outros? Ela deve ter insistido pra ele ligar, mas ele não quis e ela quem acabou ligando, normal. O bip soou mais uma vez.
- Cara, a quer falar contigo. Atende o celular, porra! – disse e um barulho estranho tomou conta da ligação. – Amor, ele não está em casa – ele gritou e ouvi falando ‘não grita comigo, ! E me dê o telefone’. – Você acaba com a minha vida, – ele disse num tom baixo e eu ri, depois, o telefone foi passado para ? Foi mal ter gritado com você ontem – ela riu. – Não querendo ser chata, mas amanhã você vai ter que vir aqui pra me contar a história de qualquer jeito, ou se não eu vou aí – pude ouvir dizendo ‘aaaah não, mulher’, ela o ignorou e eu ri indo até a cozinha. – Até amanhã, beijinhos.
Peguei uma lasanha congelada, a coloquei no forno e fiquei imaginando os dois conversando depois dessa ligação e ri ainda mais, o pode reclamar, sofre com essa mulher, mas está mais que na cara que eles se amam, há quanto tempo eles namoram mesmo? O bip soou mais uma vez.
- Erm... , é a Loren, eu esqueci um vestido meu aí...
- Foda-se – eu gritei da cozinha, peguei uma cerveja e fui até a sala.
- ... Pode deixar na portaria? Eu pego amanhã, por favor...
- Ok, Loren, farei isso por você – disse olhando para a secretária eletrônica.
- Obrigada – desligou e eu me sentei no sofá rindo da minha própria idiotice de ficar falando com a secretária eletrônica, não culpo a Loren pelas coisas que aconteceram, ela era legalzinha até, o problema era comigo. Pra ser sincero, eu tentei, mas nunca quis uma namorada de verdade.
Fiquei o dia inteiro no sofá assistindo um especial de uma série idiota da televisão que eu nem sei o nome, tinha as risadinhas de fundo, mas nem era engraçado. Liguei pra , pra dizer que estava em casa, que não fui sequestrado e muito menos que estava morto, mandei uma mensagem pro dizendo que eu iria a casa dele amanhã, mas que não tinha uma hora certa para aparecer por lá.
Eu realmente odeio férias, é sempre assim, eu fico a tarde inteira vegetando, comendo e bebendo, e quando eu estou afim, saio à noite, que era uma coisa que eu não ia fazer hoje. O Fletch falou para nós aproveitarmos as férias, pra visitar a família, viajar, conhecer gente nova, mas também pensar em músicas novas, eu não fiz nada disso até agora, se não fosse por certa surpresa que eu tive, com certeza minhas férias seriam as mais monótonas, às vezes sinto falta dos shows, por mais cansativos que fossem.
Preciso dizer que o resto do dia eu fiquei fazendo uma coisa muito legal chamada nada? Espero que não. Conversei com o sobre alguma coisa tão banal que eu nem me lembro mais o que era. Resolvi subir pro meu quarto, dormir, vegetar cansa e amanhã seria no mínimo um dia interessante.

Capítulo 3 - Realmente se lembra de mim?


- Veio cedo hoje! – ela disse me assustando um pouco, pensei que não tinha se dado conta da minha presença, então ela me encarou e sorriu.
- Cabulei a aula de química, estava muito chato sem você. – eu disse me sentando ao seu lado e entrelaçando sua mão na minha, ela riu e me deu um selinho rápido. – Está melhor?
- Não sei, acho que sim, estou conseguindo até ver os vídeos antigos sem chorar. – deu de ombros voltando a olhar pra a TV.
No vídeo, estava sol no que parecia ser um parque. Gramado, uma única árvore e uma toalha vermelha quadriculada estendida no chão. Ajoelhada sobre a mesma, uma mulher de rosto jovial, que eu reconheci. Sue segurava as mãos pequenas de uma menininha de vestido azul, sempre o azul, me pareceu que ela não passava de um ano de idade.
- Meu pai quem estava filmando, naquela época eles ainda se davam bem. – suspirou. – Ela estava tão bonita.
Silêncio.
- Acho que não quero mais ver vídeos. – disse calmamente se levantando e desligou a televisão.
- Vai ficar tudo bem. – eu disse me levantando também, vendo-a jogar o controle remoto em cima da cama. – Sabe disso, não sabe?
Ela assentiu e suspirou. Abraçou-me pelo pescoço, fazendo um carinho gostoso na minha nuca enquanto eu levava minhas mãos até sua cintura para trazê-la mais para perto, finalmente colando seu corpo quente ao meu. Senti um frio na barriga ao fitar seus olhos tão de perto. Para mim havia algo de diferente neles, algo que me atraía e me deixava hipnotizado, algo que somente os olhos dela e os de ninguém mais tinham. E era aquilo que me encorajava a dizer o que eu já queria ter dito há muito tempo. Levei uma de minhas mãos até seu rosto, jogando uma mecha de seu cabelo para trás e acariciando o mesmo logo depois.
- Eu vou estar com você, prometo. , eu te amo.

Snoop me acordou lambendo a minha boca, o que eu não gostei nem um pouco, diga-se de passagem. Levantei-me correndo, não queria chegar muito tarde, tentei calcular o tempo. Se ela estava atrasada, era porque a menina sai da escola mais cedo, vai saber se ela resolve chegar no horário hoje? Vesti a primeira coisa que vi na minha frente, desci para a cozinha, tomei café e quando estava indo para a porta Snoop estava lá, me esperando, com as orelhas baixas e um olhar pidão.
- Ah não! – ele tombou um pouco a cabeça – Eu não vou te levar.
Abri a porta e Snoop ainda insistia em vir atrás de mim. E com ele ainda me olhando daquele jeito de “me leva junto, por favor”, eu fui mais forte e o deixei em casa. Andei e dali a pouco já estava em frente à escola de , não tinha ninguém ali, a não ser o mesmo velho de ontem, será que cheguei tarde? Não calculei o tempo direto? Eu devia ter perguntado a ela se estaria no dia seguinte, no caso hoje, naquele mesmo lugar. Poderia ter tido diferentes respostas, ela poderia ter dito que sim, mas não no mesmo horário, que sairia mais cedo ou mais tarde, ou que faltaria na escola, não teria aula, ou sei lá. Poderia ser qualquer resposta imaginável, mas pelo menos saberia se as encontraria hoje.
- O senhor precisa de alguma coisa? – olhei para a porta da escola, de onde viera a voz e percebi que era comigo que o velho homem falava.
- Não. – eu disse. Ele parou e ficou me olhando com os olhos semicerrados, como se me analisasse.
- Eu te vi aqui ontem. – ele se levantou e começou a descer as escadas. – Ficou conversando com a pequena até que a mãe dela chegasse, certo?
- Sim, sou eu mesmo. – eu disse enquanto ele vinha até mim. – Na verdade, eu queria saber a que horas ela vai sair.
- Ah! Isso eu não posso lhe informar não, senhor. – parou de frente para mim com a respiração pouco mais forte do que eu diria ser normal, lhe daria uns 76 anos, não menos que isso. De perto dava para ver a expressão cansada de seu rosto, de seus olhos sob os óculos retangulares. Ele tinha cabelos brancos, usava sapatos e calça social, do lado esquerdo do peito de sua jaqueta enorme azul escura tinha o símbolo da escola “Queen Elizabeth” e seu nome abaixo, Mark – Aliás, a mãe da menina sabe que o senhor está aqui?
- Acho que não.
- Então fique sabendo que estarei de olho a qualquer movimento seu e desse seu cachorro aí. – eu quase ri, mas ele disse sério, subiu as escadas novamente até chegar ao seu banquinho.
O jeito era esperar, me sentei no primeiro degrau da escada. Depois de pouco tempo, mães e pais, todos bem vestidos, chegavam com seus carros enormes, pegavam seu filho ou sua filha dentro da escola, nunca mais do que uma criança e iam embora. Quando eu já tinha visto várias cenas de pais e filhos se repetindo, tinha perdido minhas esperanças e estava querendo ir embora, a porta da escola se abriu, de lá sai de bico, batendo o pé e uma mulher baixinha de avental atrás dela.
- Ela sempre, sempre, sempre faz isso. Professora, posso ligar pra minha tia ?
- , sua mãe estava no trabalho, mas tenho certeza de que ela já vai chegar. – a tal professora mal terminou de falar e logo um táxi encostou na frente da escola, a porta do banco de trás se abriu e ela desce. - Eu não disse? – ouvi a professora dizer. Ela pagou o táxi, que logo arrancou dali e veio mexendo na bolsa até chegar à ponta da escada, onde encontrou a filha que abraçou suas pernas.
- Oi, meu amor. – disse ela pegando a menina no colo. – Desculpe a demora... Outra vez.
- Tudo bem, mamãe. – disse, desceu do colo da mãe e me avistou. – Olha, o ! – ela veio até mim e me surpreendeu me dando um abraço.
- Hey, .
- O que você...? – a mulher bufou. – Falo com você depois. Então, professora, como a baixinha está indo? Bagunçando muito?
- Não, mamãe, eu sou uma boa aluna.
- É, ela tem razão, é uma boa aluna, não precisa se preocupar, mas a ajuda com os idiomas em casa é sempre bom, de vez em quando ela diz algumas coisas que eu não entendo muito bem. – a professora riu.
- Claro. Então, nós já vamos indo.
- Até amanhã, pequena . – a professora se despediu e a menina apenas acenou.
- Vamos, , dá tchau para o Mark.
- Ah, não, mãe! Vamos ficar e conversar um pouco com o , ele tem um cãozinho, sabia? O nome dele é Snoop, ele estava aqui ontem, você viu? Por que você não compra um cãozinho pra mim? Seria tão legal! – choramingou e sua mãe rolou os olhos.
- Filha, – começou ela, se agachou ao lado da garotinha. – Lembra que hoje de manhã a mamãe disse que depois que te buscasse na escola, eu não ia mais trabalhar? Você não quer aproveitar e ir ao parque, ou sei lá, no McDonald’s?
- McDonald’s! – a menina vibrou.
- Então vamos. – ela se levantou, mas continuou do mesmo jeito que estava.
- pode ir com a gente? – ela pegou sua mãe de surpresa, e a mim também. Mais uma vez.
- O quê? – perguntou de olhos arregalados.
- Por favor! – juntou as mãos.
- Não.
- Não?
- Não? – me intrometi.
- Por que não? – a menina quis saber.
- É, por que não? – perguntei.
- P-porque... Bem, porque... – ela olhou de para mim, de mim para a rua, depois para o céu, colocou uma mão na cintura e com a outra colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, suspirou e voltou o olhar para a filha. – Por quê? É, eu não tenho um porque, vamos antes que eu mude de ideia. Tchau, Mark.
- Tchau, Mark. – se levantou.
- Até amanhã. – ele disse.
Levantei-me, apenas acenei para Mark, que devolveu este aceno e segui as duas pelo caminho até o McDonald’s. , sua mãe e eu. A mais velha remexeu em sua bolsa e de lá tirou um Hershey’s, o que me fez rir internamente, certas coisas nunca mudam. Ela abriu a barra de chocolate, tirou um pedaço, entregou o restante para a filha e se virou para mim.
- Você quer um pedaço, senhor astro do rock? – perguntou com um sorriso brincando em seus lábios e eu ri.
- Do jeito que você tem me tratado, estou começando a duvidar da qualidade deste chocolate. – eu disse e ela riu.
- Eu dei pra minha filha. – me olhou de um jeito divertido.
- Ela deve ser imune. – eu ri. – Só estou dizendo que é até estranho ter me deixado vir com vocês.
- Não foi nenhum sacrifício. Vai ser engraçado me ver nas capas das melhores revistas amanhã. – disse ela mexendo no cabelo de uma forma engraçada e nós rimos.
- Não, é sério, . Você estava me evitando que eu sei.
- O quê? – me encarou com o cenho franzido.
- O que o quê?
- Não é , é Brook, droga! Não acredito que você me confundiu com aquela garota. – bufou e mordeu o pequeno pedaço de chocolate.
- Espera! O que? Não, mas... Hein? Não, eu tenho certeza que não, vocês são muito diferentes, eu nunca as confundiria. – acabei me complicando e ela riu.
- Brincadeirinha, , cadê seu senso de humor? Sumiu durante os anos?
- Não foi tão engraçado assim. – fiz careta, ela riu e me empurrou de leve pelo ombro. Eu poderia jurar que senti um formigamento naquela região, talvez fosse o êxtase por estar naquele momento com ela.
- Ok, talvez não tenha sido mesmo, – ruborizou e suspirou. – Mas me diz, como você está?
- Estou bem, a banda está bem, os dudes estão bem, está tudo bem. – dei de ombros, não tinha mais o que dizer, não sei se de uma forma boa, mas minha vida se resumia a isso.
- Sinto falta de vocês. – riu fraco. – Para mim, pelo menos, parece que foi ontem que nós estávamos no pátio do colégio, falando sobre coisas idiotas, e o se batendo, comendo um hambúrguer do jeito mais nojento do mundo e nós dois...
- Nós dois juntos.
- É, nós dois juntos. – ela sorriu e mordeu o lábio inferior. – Fico feliz que tenham conseguido tudo e muito mais do que queriam, sabe? – assenti.
- Mas uma menininha me disse ontem que você não gostava de McFLY. – eu disse e ela riu.
- Não fui eu, mãe. – riu assim que chegamos ao estabelecimento.
- Pra você ver como é a inveja. – brincou rolando os olhos.
Nós entramos e lá não estava cheio, o que foi ótimo. Pedimos no caixa que tinha uma adolescente, ela ficou me olhando de um jeito muito estranho, diga-se de passagem, pegamos os lanches e nos sentamos a uma das mesas.
- Mas e você? Minha vida é pública, acho que você já deve saber de algumas coisas, ou não, podemos falar outro dia sobre mim, – ela riu – quero saber, como você está?
- Estou bem, na verdade também não tenho muito que dizer, não que meu nome saia em revistas nem nada. – ela disse se ajeitando melhor na cadeira e olhou com ternura para a menina ao seu lado, que parecia ter se desligado brincando com o brinquedo que viera junto com o lanche – É que a parte mais importante da minha vida está aqui, do meu lado.
- Ela é realmente uma graça... Brook.
- Obrigada. – ela riu entrando na brincadeira.
- E o pai dela? – fiz a pergunta e tomei um gole do meu refrigerante, ela estava em minha mente desde ontem, sabia que o tempo tinha passado e que com toda a certeza houve mudanças em sua vida, mas naquele momento eu só queria saber se ela tinha alguém ao seu lado, para cuidar dela e de sua filha, que a fizesse feliz e que a tratasse bem, porque ela merecia isso.
- Hmm... Longa história. – ela disse jogando uma mecha do cabelo para trás da orelha.
- Eu acho que temos muito tempo. – eu disse, ela deu um suspiro profundo e me olhou com os olhos semicerrados.
- Eu acho que ele deve estar muito bem, faz muito tempo que não falo com ele.
- Não deu certo? – perguntei e ela riu fraco.
- É difícil, não é? Mas agora está tudo bem, não estou com ele, sinto por , mas agora está tudo se ajeitando.
- Está namorando? – perguntei esboçando um sorriso amarelo. Encare isso, , ela não esperaria por você a vida inteira assim como você esperou por ela, ela viveu e você não, então pare de ser idiota.
- Estou noiva. – ela sorriu abertamente me mostrando a mesma aliança que eu havia reparado ontem.
O nome dele é Robert Callagham, um empresário de sei lá o que, que a conheceu no Brasil, eles estão a quase três anos juntos e foi ele quem trouxe , e sua prima de volta pra Inglaterra. Confesso que me senti um pouco estranho, eu estava ali, com a mulher com a qual eu sonhei durante muito tempo, a qual eu senti muita falta, a que eu amava e a que ainda amo, mas seja lá como for, eu não podia fazer absolutamente nada. Eu teria de esquecer? Ela estava noiva, tinha uma filha e me contava como estava feliz. E eu? Eu teria que voltar a viver tudo do jeito como era antes?
- Vamos testar a nossa memória? – perguntou arqueando as sobrancelhas.
- Eu me lembro de tudo, .
- Duvido! – disse ela.
- Você que tem uma péssima memória e quer que eu te ajude a relembrar – eu disse roubando uma das batatinhas que ainda comia, que riu fazendo careta pra mim.
- Eu quero saber como vocês se conheceram. – nos olhou confusa. – Vocês eram amigos?
- Vai, , já que você se lembra de tudo, conte a ela. – sorriu de lado.
- Ok, há alguns anos atrás, quando nós ainda estávamos no colégio, devia ser o quê? Devia ser a última aula do dia. – comecei. – Nos conhecemos na detenção, eu e meu amigo já estávamos na sala por termos brigado com dois jogadores de rúgbi e sua mãe por ter respondido seu professor.

Nós três ficamos todo o tempo restante da detenção conversando sobre qualquer coisa do colégio e quando saímos fez questão de chamá-la para nós a apresentarmos para e , o que foi uma ótima ideia.
- Parem de me chamar de vândala. – gargalhava. – Eles quem são. – disse apontando para mim e para .
- Não imaginava que você fosse assim. – confessou e concordou. – Pensei que fosse... Sei lá, diferente. – deu de ombros.
- Diferente? – perguntou ainda entre risadas.
- É, do tipo que não se mistura com pessoas como nós. – ele disse.
- Do tipo “não me toque, eu sou linda, inteligente, super popular e meu namorado é o Scrum-Half do time de rúgbi”. – disse com uma voz afetada e ela riu ainda mais.
- Eu não sou assim, as aparências enganam. – ela riu. – Não é só porque eu namoro o Joey que eu seja igual às garotas que ficam ao nosso redor, chega a ser ridículo o modo em que elas se comportam. Como se vivessem das aparências, correndo atrás de garotos que não tem um mínimo de inteligência a procura de um bom status, eu realmente não entendo isso. – disse e tomou um gole do meu suco de uva.
- Ei! – reclamei.
- Eu não tenho nojo de você, . – ela disse.
- Não se vive das aparências? – brincou e nós rimos. – Agora que você me diz isso? Como é que nós seremos a melhor banda do Reino Unido?
- Como você pensa, pequeno ...
- . – uma voz feminina e histérica assustou a todos. – Sumido! – uma Brook doida me puxou pelos ombros me fazendo ficar de frente para ela. Sabe aquele tipo de garota que você pega de vez em quando e ela não se importa se você vai ligar ou procurar por ela no dia seguinte? É ela.
- Hey, Brook. – os dudes a cumprimentaram.
- Oi, meninos e... Quem é ela? – perguntou olhando para de cima a baixo, ainda com as mãos espalmadas em meus ombros, mas ela não me deu nem tempo para responder e voltou a me olhar. – Ah! Não importa.
- Como se eu também me importasse em saber quem é ela. – ouvi dizer em um tom baixo, porém todos ouviram e se puseram a rir, menos Brook e eu, que estava segurando, com muito esforço, para não rir.
- Como é que é? – Brook se virou para com as mãos na cintura, lhe jogando um olhar desafiador.
- Ah! Você sabe, – ela abanou o ar rindo. Eu olhei para os dudes e eles estavam com os olhos arregalados, acho que também estava assim. – Não é como se eu quisesse saber quem é você, já que isso não vai alterar em nada na minha vida. – gesticulou ainda sorrindo e meu queixo foi parar lá no chão.
- , – Brook me chamou, ainda sustentando o seu olhar em . – eu quero falar com você. – puxou meu braço para que nós nos afastássemos de lá.
- Que do mal... E depois diz que não é vândala. – ouvi dizer e depois uma explosão de gargalhadas.


- Foi assim que nós nos conhecemos e como deu para perceber, eu me lembro muito bem. – eu disse arqueando as sobrancelhas.
- realmente se lembra de mim? – ela fez uma falsa expressão de incredulidade – Impressionante.
- Mãe, você brigou com a tal garota e com o seu professor de artes. – acusou.
- É verdade, mas foi errado, e um aluno nunca deve brigar com seu professor.
- Muito menos com jogadores de rúgbi, isso sim é um erro. – eu disse e elas riram. – Conheço três caras que adorariam lembrar essas situações.
- Um dia, quem sabe? – deu de ombros com um sorriso no canto dos lábios, entendendo o que eu quis dizer.
Silêncio. Àquela altura e eu já tínhamos terminado de comer e só tomava seu refrigerante.
- Mamãe, hoje nós vamos ver a tia ? – a menina perguntou.
- Hoje não, filha, agora nós temos que ir para casa. – suspirou encarando seu relógio de pulso e se levantando logo em seguida.
- Eu acompanho vocês até em lá. – eu disse me levantando também.
- Não, , não se preocupe. – ela disse colocando sua bolsa em um dos ombros.
- Então eu te acompanho até achar um caminho para eu voltar para a minha casa, pode ser?
- Ok, pode ser. – deu-se por vencida. Pegou a mochila de , que sugou todo o conteúdo do copo até que este fizesse barulho e se levantou, ficando lado a lado com a mãe e dando a mão para a mesma. Nós fomos até a porta do estabelecimento, eu abri a mesma e as duas saíram na frente e eu logo em seguida, tinha um grupinho de garotas ali em frente, conversando, nem dei muita importância, até que uma delas, que eu me lembro muito bem de ser a balconista que ficou me olhando estranho, grita:
- É ELE! – fuckinghell. Naquele momento o grupinho parecia uma multidão correndo em minha direção, tudo o que elas falavam me parecia apenas um zumbido, eu girei em volta de mim mesmo procurando por e . Ao meu lado elas não estavam mais.
- Um minuto, eu prometo que já volto. – eu disse saindo do meio do grupo, passei os olhos pela rua e as avistei um pouco mais afastadas, corri até elas, com as mãos suando sem nenhuma explicação plausível, toquei o ombro de e as duas se viraram para mim. – Ei, calma.
- , você deixou as meninas lá? – perguntou com o cenho franzido olhando por cima do meu ombro – Eu disse para não se preocupar conosco.
- Eu sei. – eu sorri de lado coçando a nuca – Mas eu vim me despedir. – dei um passo à frente, meio indeciso, não sabia como me despedir dela, fui para um lado e ela pra outro, ela já tinha as maçãs do rosto vermelhas, nós começamos a rir.
- Isso não está dando certo, ok? Estamos pior que criança. – ela disse rindo e me estendeu a mão para que eu apertasse, eu encarei sua mão estendida, não queria que fosse tão formal. Toquei sua mão e num movimento rápido, a puxei para um abraço, que ela após alguns segundos retribuiu, passando seus braços em volta do meu tronco.
- Eu... Nós também sentimos sua falta. – eu disse inalando seu cheiro doce e suave. Ela soltou do abraço e deu alguns passos para trás fitando o chão.
- A gente vai se ver amanhã de novo? – perguntou animadamente e me olhou e sorriu fraco, dando de ombros.
- Em breve.

Capítulo 4 - Revire a caixa azul-bebê


- E aí? – exclamou abrindo a porta do apartamento de .
- Você não tem casa não? – eu ri.
- Qual é? Eu também faço parte da história – ele disse jogando um dos braços ao lado do corpo e abriu espaço, eu entrei e logo ele fechou a porta. – Tenho direito de contar algumas coisas.
- Ok, só falta você me dizer que o também está aqui com essa ideia de contar algumas coisas.
- O está aqui com essa ideia de contar algumas coisas – ele riu.
- Vai ser mesmo uma boa relembrar tudo o que aconteceu quando ela foi embora só pra fazer a feliz? – eu disse num tom de voz baixo.
- Eu sei, dude, – ele disse adotando o mesmo tom de voz que eu. – Mas era coisa de adolescente, de um jeito marcou, eu sei, mas é só a , também quer saber, mas é mais fácil de contar, porque não vai fazer diferença alguma, entende? É uma pessoa que não vai mais voltar, não é como se fosse alterar alguma coisa na nossa vida.
Ela continua a mesma de sempre, está linda, dude, tem uma filha linda, te mandou um abraço e disse que sente a nossa falta. Pensei.
- ... – pensei em contar que tinha voltado para Londres, e se possível também para as nossas vidas, mas só por um momento, então resolvi deixar para outra hora.
- O quê? – quis saber.
- Nada não, ahn... Valeu a ajuda.
- Estamos aí! – sorriu e seguiu o corredor até a sala, enquanto eu fiquei lá pensando.
Encontrar com ela só fez com que todas aquelas coisas que eu não sentia há muito tempo viessem à tona com toda a força, aqueles pensamentos a mil, as mãos suando, formigamentos, como se eu fosse um adolescente que estava pela primeira vez tão perto de uma garota muito gostosa. Gay. E louco, porque fazia quase sete anos que eu não a via, mas de qualquer forma eu me sentia preso a ela, como se eu tivesse sido uma marionete durante todos esses anos e só agora, só por vê-la, somente por saber que ela está bem e que não está mais há um oceano de distância, eu me sinto mais vivo. Mas não devia, eu não mereço isso, porque eu sou um idiota, poderia ser coisa de adolescente, mas nos fez diferença, com certeza a presença dela marcou as nossas vidas, e a vida do McFLY também.
- Caralho, , não está me ouvindo, não? – estava na minha frente estalando os dedos, tirando-me de meus devaneios. – Algum problema ou você gostou de ficar aqui no corredor?
- Problema? Não.
- Estava pensando em quê? – perguntou com o cenho franzido. – Quase não piscava, não me ouviu da primeira vez que te chamei... Estava tão absorto.
- Eu, absorto? – perguntei e ele assentiu. – Não, eu estou bem, não tenho problema e não estava pensando em nada, logo não estava absorto, eu só preciso falar com a sua namorada agora – fiz sinal de positivo e comecei a andar.
- Você sabe que não me engana, não é? – ele disse vindo atrás de mim.
É, eu sei, mas ignorei e continuei andando, passei por , que já estava deitado no sofá. Folga, ainda bem que não é na minha casa. se sentou no outro e um cheiro muito conhecido adentrou pelas minhas narinas, a lasanha da . Fui até a cozinha e ela estava lá, mexendo em alguma coisa dentro da pia, estava sentado em uma cadeira afastada da mesa e em seu colo.
- Oi, – o casal disse em uníssono e eu apenas acenei com um sorriso.
- , posso falar com você? – perguntei.
- Espera só um pouquinho – ela disse colocando as luvas, o forno apitou e ela o abriu, logo puxando dali uma forma em que a fumaça subia preguiçosamente, a colocou sobre o balcão de mármore e o cheiro, que já estava bom, inundou toda a cozinha, até senti minha boca aguar, pena que eu tinha acabado de comer um Big Tasty.
- Diga! – disse tirando as luvas e vindo até mim.
- Dude, sua lasanha é a melhor – eu disse distraidamente ainda olhando para a lasanha.
- Obrigada! – ela disse chamando minha atenção. – Era só isso que você ia me falar?
- Não, é outra coisa – eu disse, a puxei para fora da cozinha e ela se encostou a parede. – Preciso do telefone daquela sua amiga do pub.
- Ah! , vai se ferrar – ela rolou os olhos e tentou sair dali, mas eu a segurei pelo braço.
- É sério...
- É sério mesmo, você precisa de tratamento.
- O nome dela é , morou em Londres desde os cinco anos de idade, depois teve de se mudar para o Brasil, agora está aqui mais uma vez, trabalhando, provavelmente compromissada e tem uma filha linda de olhos , chamada , quer que eu fale um pouco mais?
- Você não está seguin...?
- Não! – exclamei passando as mãos exaustivamente pelo rosto. – Vocês acham mesmo que eu seria capaz de fazer uma coisa dessas?
- Pensando bem, não. Mas como você sabe de tudo isso? – ela riu e eu suspirei.
- Ela é a garota da história que eu ia te contar, minha namorada da época do colégio, quase uma irmã para o e a melhor amiga de todos nós, você vai entender quando eu te contar – gesticulei e ela abriu a boca incrédula. – Vai me dar o número dela?
- Vou, claro! – ela tirou o celular do bolso de trás da calça jeans.
- Só que você não pode contar para ninguém que ela voltou e nem que a conhece.
- Por quê? – perguntou ainda mexendo no aparelho.
- É por pouquíssimo tempo.
- Não posso contar nem para o meu namorado? – me encarou com os olhos arregalados.
- Por favor, , é a última coisa que te peço – juntei minhas mãos em gesto de suplica.
- Ok. Anota aí – ela ditou os números e eu anotei na agenda do meu celular.
- Obrigado, ! – dei um beijo forte em sua bochecha e ela fez careta – Por isso que eu te amo.
- Que negócio é esse aí? – apareceu do nada e mais do que rápido nós guardamos os celulares. Ele e essa mania chata de surgir do nada.
- Nada – eu disse rápido, saindo de fininho.
- Onde você vai? – ela perguntou.
- , eu acho que vou à sua casa por esses dias – eu disse da porta da cozinha.
- Ok! – ele deu de ombros e eu me virei, passei pela sala, onde me olhou com o cenho franzido e fui até a porta principal.
- Onde você vai, dude? – ele perguntou.
- Você disse que ia contar, ! – gritou.
- OUTRO DIA – eu gritei e abri a porta, a fechando em um baque logo em seguida.
Não, agora definitivamente não era hora de parar com eles e relembrar toda essa história, eu estava muito feliz, eu tinha falado com ela, a tive em meus braços por alguns míseros segundos, o que para mim já era o bastante, eu senti seu cheiro, fitei seus olhos de perto, os quais estranhamente não tinham aquela luz, a qual eu me lembrava muito bem, era isso o que a diferenciava de qualquer outra. A luz nos teus olhos. Era inebriante, era uma das coisas que eu mais amava nela.
Eu estava à pé, mas não demorei muito pra chegar em casa, abri a porta e Snoop veio para o meu lado balançando seu rabo freneticamente, passei a mão sobre sua cabeça e subi as escadas rapidamente, tirando as peças de roupa e largando em qualquer canto do corredor que levava até meu quarto, entrei no banheiro apenas de boxers e liguei o chuveiro. Logo a fumaça branca tomou conta do lugar, fiquei um tempo me olhando no espelho, pensando. O que eu ia fazer agora? Acho que seguir em frente não daria muito certo, não quando eu já a queria por perto a qualquer custo, eu não a deixaria ir agora que ela tinha voltado. Eu a queria, precisava dela, ela estava noiva e eu tinha plena consciência disto, mas eu não aguentaria vê-la com um outro cara. Não, isso já seria demais. Ela não o amava – essa era a minha esperança. Entrei debaixo do chuveiro decidido, era isso, eu queria mais e teria de correr atrás do tempo perdido.
seria minha.
Terminei meu banho, enrolei a toalha na cintura assim que saí do box, abri meu closet e peguei uma camiseta lisa e uma calça de moletom qualquer, mais uma vez eu não pretendia sair de casa, me vesti e deixei o quarto, pegando as peças de roupa que tinha deixado pelo caminho, as levei para a lavanderia e fui pra cozinha ver se tinha algo para comer. E neste momento, o silêncio fora rompido pelo som do interfone.
- Fala, Ian.
- A senhorita Loren.
- Quê?
- Ela disse que veio buscar um vestido, mas o senhor não deixou nada aqui na portaria.
- Ah, tinha me esquecido – bufei passando os olhos pela sala, eu não tinha a mínima ideia de onde aquele vestido poderia estar. – Pede para ela subir, porque eu ainda tenho que procurar essa porra.
- Ok! – ele disse simplesmente e desligou.
Certo, era só mais um dos vários vestidos curtos de Loren, não seria difícil de achar, já que o único que sabe viver no meio da bagunça sou eu, era só ir à parte que era dela no closet e estaria lá, em algum lugar, mas com certeza estaria lá. Subi as escadas de dois em dois degraus e logo estava de volta ao quarto com o closet e as gavetas baixas abertas, encontrei um vestido rosa caído atrás de uma delas. Olhei para cima e em uma das prateleiras tinha uma caixa azul-bebê, não estava intacta, mas ela ainda existia, aquela mesma caixa que havia comentado há alguns dias atrás e a mesma que Loren vivia me perguntando o que tinha dentro, mas eu sempre dava um jeito de mudar de assunto. Soltei um suspiro derrotado, não adiantava fugir das lembranças, até mesmo porque a maioria delas são boas. Estiquei-me a puxando para fora da prateleira, coloquei o vestido e a caixa por cima da cama, a encarei por alguns segundos e optei por deixá-la fechada, por enquanto. Tornei a apanhar o vestido, desci as escadas e a campainha tocou, segui até a porta e a abri, revelando uma Loren bem vestida encostada ao batente da porta.
- Oi, encontrou o vestido?
- Aqui está – eu disse com uma mão ainda na maçaneta e com a outra lhe entregando o vestido.
- Obrigada – deu um breve sorriso. – Erm... E como você está?
- Estou bem e você? – perguntei e ela me analisou de cima a baixo.
- Também – suspirou. – Bem, é isso... – disse se desencostando do batente.
- Loren, quanto a nós, – a interrompi – eu sei que provavelmente você já saiba, mas a culpa não foi sua, isso ia acontecer cedo ou tarde – ela me olhou com os olhos semicerrados, aproximou seu rosto do meu e depositou um longo beijo em minha bochecha.
- A gente se vê por ai – sorriu de leve e se dirigiu até a porta de um dos elevadores.
E quanto a isso eu não tenho o que dizer, só acabou. Fechei a porta e voltei para a cozinha procurar algo pra comer, o que estava sendo difícil, já que a maioria dos armários estavam vazios. Precisava fazer compras, e agora sem a Loren para cozinhar para mim teria de ser tudo comida congelada – ter colesterol alto, morrer gordo e ocupando uma cama de casal inteira sozinho –, ou se não filar a bóia na casa de um dos dudes – o que seria uma melhor opção. Enfim, achei um pacote de salgadinhos, peguei uma lata de cerveja na geladeira e me joguei no sofá, ligando a televisão logo em seguida, acho incrível que com mais de sei lá quantos canais, eu não encontre nada de interessante, continuei apertando o botão freneticamente até parar na Warner, estava passando Friends, naquele episódio Ross estava namorando com uma garota inglesa e ele teria de jogar rúgbi. Rúgbi, ri fraco com isso.

- Eu odeio jogos de rúgbi! – rolei os olhos enquanto me puxava pelo pulso até a arquibancada. – O que eu estou fazendo aqui mesmo?
- Larga mão, – ela reclamou, me puxando com mais força. – Você foi a única alma bondosa que quis vir comigo.
- Ué, e cadê o viado do ? Ele não é o seu melhor amigo? – perguntei com a voz afetada e ela riu. – Ele quem devia vir.
- Eu não sei onde ele pode estar, aquele idiota me deu um perdido – disse e nós nos sentamos na parte mais alta da arquibancada. – Mas se ficar aqui comigo e me fazer companhia for tão ruim assim, pode ir embora – fez bico. – Eu fico aqui, sozinha, isolada, sem ninguém, totalmente abandonada.
- Ok, eu fico! – eu disse e ela sorriu e bateu palmas como uma criancinha que acabara de receber um grande presente. – Só não faz mais essa carinha de cachorrinho sem dono, é covardia.
- Obrigada, meu vândalo lindo – disse e me deu um forte beijo na bochecha, fazendo um frio me percorrer a espinha, ela entrelaçou seu braço ao meu, sorriu para mim de forma doce e voltou a olhar para o campo. – Olha o Joey! – disse e acenou para um monstro enorme, que ela chamava de namorado, que acabara de entrar em campo e ele acenou de volta.
- Eu não gosto dele. – eu disse sério ainda olhando para o campo e ela riu.
- , você está muito ciumento hoje, primeiro com o e agora com o Joey – disse me abraçando pela cintura e encostando a cabeça no meu peito, eu passei meu braço pelo seu ombro. – O que te deu?
- Foi mal, – eu ri – só acho que não estou sendo bem reconhecido – dei de ombros e ela gargalhou.
- Se eu disser – disse, levantando um pouco o rosto para me olhar e eu estremeci por dentro – que você é a pessoa que tem o melhor abraço do mundo, você vai parar de ser bobo e ficar mais feliz? – eu balancei a cabeça em afirmação e ela riu. – Que bom, porque é a verdade.


Quando Friends acabou, desliguei a televisão e me levantei, joguei o pacote de salgadinho e a lata de cerveja, já vazios, no lixo da cozinha, apaguei todas as luzes e, com uma preguiça dos infernos, subi as escadas mais uma vez com Snoop, que antes estava deitado em sua grande almofada, em meu encalço. Entrei no meu quarto, indo direto ao banheiro, escovei os dentes e quando voltei ao quarto Snoop já estava deitado na cama, do lado em que Loren costumava dormir e onde ainda se encontrava a caixa azul-bebê. Olhei para ela, ela olhou pra mim, suspirei e me sentei à cama com as pernas em volta do meu corpo, puxei a caixa para perto de mim, a abri e despejei tudo o que havia dentro dela, um cão de pelúcia, fotos e papéis velhos por cima da colcha. Sorri comigo mesmo ao ver um papel com a letra de Met This Girl ali no meio. Depois de um certo dia, nunca mais levei minhas músicas para a escola, com medo de que ela as lesse, até mesmo porque a maioria falava sobre, ou tinha algo que lembrasse ela. Mexi mais um pouco naquela pilha de coisas e um foto ali no meio me chamou a atenção, lembro de ela ter sido tirada no dia do aniversário da mãe dela. Era como uma montagem da sequência de duas fotos em uma, na verdade, nessas estávamos nós cinco sentados na calçada da casa dela naquele mesmo dia, depois da pequena reunião que havia planejado para a mãe. Na primeira, , eu, , e , exatamente nesta ordem, todos saíram falando, rindo ou se mexendo, na outra, todos sorriram para a câmera, menos nós dois, ela teria feito a mesma coisa que eles se eu não tivesse tocado sua mão, a qual eu encarava enquanto ela me olhava. Ri fraco ao lembrar que ela ficou sem graça e se levantou rápido com a desculpa de que tinha que falar com Joey. Remexi a pilha e desdobrei um papel, era a capa do meu trabalho de química, o único com a nota máxima da minha vida inteira naquela matéria, talvez fora por isso que fez questão de guardá-la.

- Você é burro, encare os fatos – riu e eu lhe mostrei o dedo.
- Que coisa feia, disse aparecendo do nada – Então, vamos?
- Vamos onde? – perguntou e ela rolou os olhos.
- Não estou falando com você, ! Meu assunto é com o .
- Outch! – e riram e ela voltou a olhar para mim, como se esperasse por uma resposta.
- Vamos...? Vamos onde?
- Ora, você tirou um F na prova mais fácil de química, eu tirei A+, você tem que fazer um trabalho manuscrito para amanhã e como você odeia química, eu tenho quase certeza de que não vai querer fazer, por isso eu vou te obrigar – ela falou tão rápido que eu demorei um pouco para absorver tudo.
- Que mala! – disse e ela riu.
- Ah vai! Eu só quero ajudar – ela choramingou. – Química não é nenhum bicho de sete cabeças, pode ser na sua casa se você quiser.
- “Pode ser na sua casa se você quiser” – a imitou com a voz afetada e todos riram. – Mas que diabos é isso? Um encontro?
- Cala a boca, , o assunto é comigo – eu disse e todos riram, menos .
- Vocês estão muito – ele parou, juntando e esfregando os dedos indicadores de um jeito engraçado, eu ri – pro meu gosto, viu?
- Ok, vamos, – ela se despediu de cada um, eu apenas acenei.
Saímos da escola lado a lado em silêncio. Um silêncio que, pelo menos para mim, era muito desconfortável. Não tinha muito o quê se dizer, para mim às vezes podia ser muito imprevisível, não sabia o que se passava na mente dela, apesar de que de vez em quando eu também me perdia na minha, por conta dos meus sentimentos em relação a ela, nós éramos muito amigos, não tinha como negar, mas haviam coisas que eu sentia que me faziam pensar que talvez fosse mais que isso, como cada olhar, cada sorriso, como seu perfume, o modo em que tudo nela me embriagava, fora meu ciúmes inexplicável, era complexo demais para mim. Nunca isso acontecera antes.
- Obrigada por ter aceitado a minha ajuda – ela disse e eu sorri. – Não quero te ver em encrenca, sendo que posso fazer alguma coisa.
- Eu que agradeço – disse dando o braço, como um gesto cordial, para que ela os entrelaçasse como sempre fazia.
- ? – ela chamou depois de um longo tempo de caminhada, eu apenas murmurei para que ela continuasse. – Nós estamos indo para a sua casa, ou para a minha?
- Como assim? – perguntei estranhando, estávamos indo para a minha casa, não sabia nem onde ela morava.
- Aquela casa ali é a minha – ela disse apontando para uma casa pouco mais ao longe, extrema e absurdamente branca, nem muito pequena, nem muito grande.
- E essa aqui é a minha – disse parando de andar. – Quer que nós vamos para a sua casa? – perguntei e ela balançou a cabeça em negação olhando para minha casa. Andamos até a porta da minha casa, peguei a chave em um dos meus bolsos e abri a porta e logo um Snoop de apenas quatro meses, porém enorme, veio até nós, assustando a .
- Putamerdaminhanossavirgemmariasantíssima – ela falou uma coisa que eu não entendi se escondendo atrás de mim.
- Quê? – perguntei pegando a coleira do Snoop para ele parar de pular em mim.
- Desculpe, usei o português, mas é que tem um monstro enorme dentro da sua casa – ela disse dando uns passos para trás, até ficar do lado de fora de casa e eu ri. – Dá um jeito nessa coisa, .
- Espera só um pouquinho – ela balançou a cabeça em afirmação freneticamente e eu ri.
Segurando pela coleira, levei Snoop para os fundos da casa, onde tinha um lugar cercado para que ele não entrasse mais em casa, o cachorro deu um pouco de trabalho, confesso. Depois de tão pouco tempo ele ficou enorme e forte, então demorou um pouco para que eu conseguisse prendê-lo, tanto que quando eu voltei não estava mais lá, nem dentro e nem do lado de fora. Fechei a porta imaginando. Para onde ela teria ido? Será que ela tinha ficado com tanto medo do cachorro que foi embora para casa? Talvez não, já que a bolsa dela estava no chão próximo ao patamar da porta, que loucura. Dali a pouco a campainha tocou e eu abri porta, ali estava ela, pouco ofegante com um livro verde em mãos.
- Fui lá em casa pegar esse livro – ela disse o levantando.
- Você é louca? – eu ri dando espaço para ela entrar e fechando a porta logo depois. – Se quisesse ir para a sua casa, era só falar que a gente ia.
- Cadê o cavalo? – ela perguntou rindo, ainda um pouco ofegante e olhando de um lado para o outro.
- Cavalo? – eu ri de novo e andei até a sala e ela veio atrás de mim – Água?
- Por favor! – disse se sentando no sofá enquanto eu ia até a cozinha. – O cavalo, que você deve chamar de cachorro, ou de um nome afetuoso, aquela coisa é enorme – disse fazendo um gesto exagerado e engraçado assim que entrei na sala com um copo de água e eu ri. – Obrigada.
- Ok, me deixa ver se entendi – eu disse me sentando ao seu lado, enquanto ela bebia. – Você é minha vizinha, tem medo de cachorro e fala português?
- Uma coisa de cada vez – ela riu. – Eu não tenho medo de cachorro, só não gosto e prefiro gatos...
- Sério? – perguntei fazendo careta. – Eu gosto de gatos, mas gosto de cães também, veja pelo lado bom, eles não arranham que nem os gatos.
- Certo! – ela riu. – Vou pensar bem nesse seu argumento. E... Hm, e eu falo português, porque é legal... E porque sou brasileira – disse e eu franzi a testa, ela percebeu minha confusão. – Pensei que soubesse.
- N-não, sabia não – Por que eu gaguejei mesmo?
- Bem, meu pai é brasileiro e minha mãe inglesa, morei no Brasil até os cinco anos depois meus pais se separaram, minha mãe e eu viemos pra a Inglaterra, ela aperfeiçoou meu português em casa depois da escola. Meu pai continua lá e nas férias eu vou visitá-lo, nós dois brigamos o tempo todo, mas no geral, é legal.
Ela reprimiu um sorriso tímido ao terminar de falar e mordeu o lábio inferior, eu gostava quando ela fazia assim, me parecia mais doce e a luz nos seus olhos, me hipnotizando, como sempre.
- Erm... – pigarreou. – Vamos ao que interessa?


Eu me lembro que mesmo com me ensinando e explicando toda aquela coisa de química, eu não entendi boa parte, não conseguia me concentrar com ela do meu lado de jeito nenhum, mas mesmo assim tirei uma boa nota. E fora difícil ela se acostumar com o Snoop, sempre dizia que ele era muito grande para ser um cachorro.
- Mas no fim vocês se deram bem, não é garoto? – perguntei a Snoop, fazendo um breve cafuné em sua cabeça.
Nós cinco nos divertíamos muito e quando não estava com Joey, estava conosco. Ela e já eram como irmãos, ele sempre falava do comprimento de suas saias e não gostava nem um pouco de quando ela estava com a gente e outros garotos passavam a medindo de cima a baixo ou mexendo com ela. Na verdade, nenhum de nós tolerava isso, eu menos ainda, ela já tinha se tornado muito importante.

- , é uma festa, por que eu não iria? É a necessidade de qualquer garota ir a uma festa dar o ar da sua graça – ela fez pose e todos nós rimos.
- Mas você não é qualquer garota – eu disse.
- Você é A ! – disse frisando muito bem o “A”.
- E você devia ficar com a gente – eu disse e os outros três concordaram com um aceno de cabeça.
- Ah! Por favor, eu só quero me divertir, e não ficar vegetando dentro de casa de qualquer um de vocês, enquanto vocês jogam videogame e fazem coisas de homem, muito menos na minha, fora que eu vou acompanhar o Joey – ela disse e todos nós bufamos, parecia que nós precisávamos mais dela do que ela de nós, como se a presença dela fosse indispensável desde o minuto em que ela revolveu andar com a gente, mas ir a uma festa daquelas já era pedir demais. – Eu dei uma semana para vocês se decidirem, uma semana e vocês não fizeram nada. Vocês são uns chatos... Eu vou lá para o campo, daqui a pouco o Joey está vindo – ela se levantou, colocando a bolsa no ombro e nós continuamos sentados sem mover um músculo. – O que aconteceu? Vocês estão estranhos hoje.
- É que você resolveu virar menininha – fez careta e ela gargalhou, mas todos continuaram sérios, eu reprimi meu sorriso, já que agora era constante o fato de que quando ela ria me dava vontade de rir também.
- Eu vou fingir que não ouvi isso – ela cessou a gargalhada passando as mãos nos olhos, que lacrimejavam de tanto rir. – Podem pelo menos me dar um abraço, já que só vou vê-los quarta? – disse colocando as mãos na cintura e todos nós nos levantamos.
- Quarta? – perguntou lhe dando um abraço rápido – Mas hoje é sexta.
- Então você não vai vir nem na segunda e nem na terça? – perguntou fazendo o mesmo que , mas logo foi tirado de lá por .
- Por que você não vai vir? – ele perguntou e ela riu.
- Por Deus, quantas perguntas... Preciso arranjar amigas, meninas são mais compreensivas – ela riu. – Eu vou voltar, ok? Só vou visitar uns parentes na outra cidade – ela se desfez do abraço e eu fui até ela.
- O não basta como amiga? – perguntou e ela riu. – Outch! Para de me bater – ele continuou reclamando e, provavelmente, começaram uma discussão idiota, não sei, não consegui prestar muita atenção, o perfume dela havia me entorpecido.
- Não vai não, – sussurrei contra seus cabelos e ela apertou mais seus braços em volta do meu pescoço – quatro dias é muito! – as simples palavras me saíram assim, de repente.
- P-por que vocês estão tão dependentes? – ela riu nervosamente.


Puxei o cão de pelúcia pra perto de mim e sorri ao lembrar do quanto ela tinha gostado dele.

Apertei a campainha e ninguém atendeu, eu estava meio nervoso, nem sabia que diabos estava fazendo lá, dei uns passos para trás, para olhar em uma das janelas e tinham luzes acesas pela casa, mas mesmo assim resolvi que devia ir embora, eu podia voltar outro dia, ou talvez nem voltar, dei as costas para a porta principal e comecei a andar pelo jardim, mas o barulho de uma porta de abrindo me chamou atenção.
- Posso ajudar, rapaz? – uma mulher com um sorriso cordial perguntou encostada no batente da porta.
- Erm... – voltei a andar até a entrada e parei diante dela, escolhendo as palavras. – Suponho que seja a mãe da .
- Sou sim, e você, quem é?
- – disse e ela sorriu. – Sou amigo dela, ela está ai?
- O famoso – ela disse e senti minhas bochechas esquentarem. Então a falava de mim para a mãe dela? E pelo jeito falava bem. – Finalmente estou tendo o prazer de conhecê-lo.
- Eu digo o mesmo – eu sorri e ela deu espaço para que eu entrasse.
- Ora, não seja bobo, rapaz. Me chame de Sue – ela abanou o ar e pegou no meu braço após ter fechado a porta, já entendi de onde a pegou essa mania de pegar no braço dos outros – Ela está no quarto. Sabe? Ela fala muito sobre você – disse enquanto subíamos as escadas. – Disse que você não vai a tal festa, deveria ir.
- Não gosto muito dessas coisas – sorri fraco e nós paramos em frente a uma das portas, ela deu duas batidas e a abriu.
- , seu amigo está aqui – ela disse e me deu um leve empurrão para dentro do quarto, nem preciso dizer que levei um susto, não é?
- QUÊ? – gritou de dentro do banheiro, mas a mãe dela nem ouviu e fechou a porta me deixando lá sozinho enquanto a provavelmente tomava banho, já que podia se ouvir o barulho do chuveiro. Se a mãe dela não fosse tão legal, diria que era louca. – ESPERA AÍ, já estou saindo! – ela gritou e o barulho do chuveiro cessou, um frio me percorreu a espinha e uma vontade de me esconder em algum lugar, sentindo-me um idiota.
- O que eu faço? – perguntei em voz baixa dando a volta em mim mesmo, coloquei a caixa enorme que tinha em mãos em cima da cama e me sentei ao lado dela, apoiando meus cotovelos nos joelhos e as mãos unidas.
- O que você disse? – a porta se abriu e ela saiu de lá só de calcinha e sutiã, arrumando algum detalhe do mesmo, com os cabelos molhados, o roupão e a tolha no braço e meu queixo no chão. Cara, ela tinha um puta corpão. – Eu não entendi – ela entrou no closet e eu não conseguia tirar meus olhos dela.
- Eu não disse nada – disse cobrindo o rosto com as mãos, mas deixando os dedos um pouco mais afastados para que eu pudesse ver aquela cena, ela logo virou e tomou um susto quando me viu, gritou e chutou a porta, que se fechou com toda a força.
- Puta merda, , QUE SUSTO! – ela gritou lá de dentro e a minha vontade era de rir.
- FOI MAL! – gritei passando as mãos nervosamente pelos cabelos e a porta do closet se abriu, ela já estava de roupão.
- O que você está fazendo aqui? – ela me olhou feio indo até a mesinha de computador e se sentando em cima da mesma.
- A louca da sua mãe que me colocou aqui dentro do seu quarto – dei de ombros me levantando, me encostei na mesma mesinha e cruzei os braços.
- Ai meu Deus – ela riu e corou. – Então você me viu...? – perguntou fazendo uns gestos e apontando para o próprio corpo, eu ri balançando a cabeça afirmativamente e ela levou as mãos ao rosto – Meu Deus, o que minha mãe tem na cabeça?
- O que você tem na cabeça? De que adianta o roupão se você sai do banheiro sem ele? – eu ri disfarçando minha vergonha.
- Ah! E como eu ia adivinhar que tinha um homem no meu quarto? – perguntou ainda com as mãos no rosto.
- Tudo culpa da sua mãe – nós rimos. – Mas se serve de consolo, – ela descobriu o rosto e me olhou – você tem um corpo e tanto.
- Cala a boca! – ela me deu um tapa e eu ri. – A que devo a honra da sua visita? Com certeza você não veio aqui para me ver desfilando de calcinha e sutiã pelo quarto.
- Como pode ter tanta certeza? – sorri malicioso e ela abriu a boca indignada.
- ! Você tem que parar de andar com o – nós rimos.
- Ok, parei de graça – disse me desencostando da mesinha e indo até a caixa que estava em cima da cama. – Não sei muito bem por que, mas finge que eu vim aqui te agradecer por você ter me ajudado tanto – fiquei de frente para ela e lhe entreguei a sacola com a caixa, ela me olhava desconfiada, porém sorrindo.
- Vamos ver – abriu a caixa e tirou de lá um cachorrinho de pelúcia clarinho com um laço azul no pescoço que eu havia comprado para ela. – Awn, que lindo! – ela abraçou o bicho e me olhou ainda sorrindo – Não precisava.
- É bom que ai você aprende a gostar mais de cães e não só de gatos – fiz careta e ela riu, colocou o cachorrinho e a caixa em cima da mesinha e desceu da mesma.
- Eu adorei – ela me abraçou passando as mãos em volta do meu pescoço e eu levei as minhas até sua cintura. – , – soltou um pouco do abraço para me olhar nos olhos, ela sorria e seus olhos, sempre com aquela luz intensa – obrigada mesmo.
Eu sorri fraco, minha cabeça estava a mil, uma sensação estranha passou pelo meu estômago e meu coração estava estranhamente acelerado. Foi quando nos demos conta de que nossos rostos estavam muito próximos um do outro, ela mordeu o lábio inferior e respirou fundo, me aproximei lentamente e rocei meu nariz com o dela, que fechou os olhos, fiz o mesmo e selei meus lábios aos dela, passei a língua pelo seu lábio inferior, pedindo passagem, ela cedeu e nossas línguas se encontraram, brincando uma com a outra. Ela arranhou minha nuca, fazendo cada parte do meu corpo se arrepiar, ela sorriu entre o beijo e eu fiz o mesmo. Nunca iria esquecer o gosto daquele beijo, foi diferente, foi bom, me fez ter um turbilhão de sensações desconhecidas. Partimos o beijo e encostamos nossas testas, abri meus olhos, os dela ainda estavam fechados e ela sorria.
- Acho que não deveríamos ter feito isso, – ela riu fraco – mas eu gostei.
- Eu também – eu sorri e ela abriu seus olhos lentamente.
- Vem comigo para a festa, por favor?


Achei fotos ali de nós dois juntos, nos beijando, fazendo caretas ou somente conversando e não consegui deixar de sorrir. era quem tinha tirado todas aquelas fotos, as adorava e eu também.

- , para dude, chega de fotos.
- É o primeiro ensaio que a vem ver, só queria registrar – ele deu de ombros e eu rolei os olhos.
- , chega. Até eu estou ficando cansada dessa câmera – ela disse e ele estalou a boca jogando a câmera em cima do outro sofá.
- , você quer alguma coisa? – perguntou se levantando do sofá, tínhamos acabado de sair do colégio e estávamos na casa dele, seria a primeira vez que tocaríamos alguma música para ela ouvir.
- Tem Coca-Cola? – perguntou.
- Dude, você vem aqui todos os dias, pode muito bem levantar essa bunda enorme do sofá e ir à cozinha pegar o que quiser – disse e concordou – Aliás, eu também quero uma coca – ele voltou sua atenção para a televisão e nós rimos.
- , você quer alguma coisa? – tornou a perguntar.
- Não, obrigada! – ela sorriu.
- Ok, eu vou lá no meu quarto, e vocês três, se quiserem alguma coisa sabem onde fica a cozinha – finalizou e subiu as escadas enquanto os outros dois se levantavam indo a cozinha resmungando por não terem sido servidos.
Sozinhos no mesmo sofá, ela num canto e eu no outro, a olhei brevemente e sorri de lado, estiquei-me passando o braço em volta de sua cintura e num movimento rápido a puxei para o acento vago ao meu lado, ela me encarou reprimindo o sorriso e eu subi minha mão livre até seu rosto, beijei seus lábios macios que logo se entreabriram, permitindo que eu pudesse sentir seu gosto mais uma vez e que nossas línguas se encontrassem, em sincronia, brincando uma com a outra, ela mordeu meu lábio inferior, puxando-o levemente e eu lhe dei um selinho antes de nos separarmos alguns centímetros.
- Oi – ela disse em um tom baixo e sorriu.
- Oi – respondi e ela riu. – O que foi?
- Tem batom na sua boca – disse rindo e passou o polegar na minha boca, tirando o pouco de batom que deveria ter ali. – Assim está melhor.
Um barulho de vidro se quebrando vindo da cozinha nos assustou e eu tirei meu braço em volta da cintura dela com medo de... Medo de que mesmo? E ela se afastou um pouco, logo e entraram na sala, cada qual com um copo de Coca-Cola e um prato com pão, bolo ou sei lá mais o que.
- Eu falei para não mexer naquele armário – advertiu.
- E como eu ia adivinhar que aquele pote vazio, que não serve pra nada, ia cair? – o outro retrucou, eu e nos entreolhamos e começamos a rir. – Não contem para o .
- , flor, vai mais pra lá – disse arrumando espaço para se sentar no sofá e também veio atrás, rolei os olhos. Tinha que sentar ali, entre eu e ela? Eles não estavam ali antes. – Olha, Friends.
- Ai meu Deus – exclamou subitamente assustando a todos nós. – Sabem do que eu lembrei? Minha mãe conhece um cara que está sempre atrás de bandas novas, acho que posso conseguir um jeito de vocês o conhecerem.


O modo como eu estava sentado já estava me incomodando e minhas pálpebras começavam a pesar, coloquei todos os papéis e fotos de volta na caixa, a fechei e a coloquei em cima do criado-mudo. Apaguei a luz, deixando apenas a do abajur ligada, me cobri e me abracei ao pequeno bicho de pelúcia, deixando que o sono me tomasse por inteiro com mais uma das lembranças que tinha em minha mente.

- Obrigada por terem vindo – sussurrou em meio aquele som alto assim que nos sentamos ao seu lado.
- Mas que diabos a gente veio fazer aqui? – perguntou olhando em volta.
- Me dar um apoio moral – ela disse.
- Mas hein? Numa festa? – perguntou com uma cara de espanto.
- Apoio moral pra quê? Tem alguma coisa que eu devia saber? – perguntou sério e mordeu o lábio inferior, ele sempre fora seu melhor amigo e com certeza ela queria lhe esclarecer tudo.
- Ah! Muitas perguntas, bebam alguma coisa – ela disse se levantando – e , pelo menos finja que queria estar aqui, ok? – ele deu de ombros e ela me puxou pelo braço, me levando até um lugar pouco mais afastado de todos. – Precisava de você aqui – disse num suspiro, ela estava um pouco apreensiva.
- É agora que a gente dá uns amassos e depois saímos daqui fingindo que nada aconteceu? – perguntei fazendo uns gestos exagerados e ela riu.
- Não é hora nem de amasso e nem de brincadeira, ok? – riu nervosamente encostando-se na parede atrás dela.
- Por que você está tão nervosa? – cruzei os braços, tive medo de ela estar um pouco em dúvida.
- Ainda não me acostumei com a ideia, – disse colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e olhando para o chão – normalmente não sou eu quem faz isso e eu conheço o Joey desde os sete anos.
- Tem certeza que quer mesmo fazer isso hoje? Que quer fazer isso agora? – perguntei procurando pelo seu olhar.
- Tenho – suspirou e olhou nos meus olhos, me passando certeza. – Não gosto de mentiras, muito menos de traição. O que importa agora somos nós – ela disse, eu sorri e ela corou. – Não sorria assim, está me deixando sem graça.
- Você está linda! – eu disse a olhando de cima a baixo, de cabelos soltos e com aquele vestido que lhe caiu perfeitamente.
- , pelo amor, para de me medir – disse passando as mãos pelo o rosto. – Já não disse que você está me deixando sem graça?
- Essa é a ideia – eu ri, ela me olhou com os olhos semicerrados e com as mãos na cintura – Ok, qualquer coisa eu vou estar ali – apontei para onde os caras ainda estavam sentados e ela balançou a cabeça afirmativamente, dei dois passos para trás, mas depois voltei. – Posso te beijar?
- O quê? – ela riu.
- Só um beijinho?
- Não, agora não.
- Tem certeza, querida? Você tem mesmo certeza? – fiz graça, mexendo no cabelo, tentando fazer uma cara sexy e engraçada e ela gargalhou.
- Sim, eu tenho certeza sexy boy, vai lá – eu fui me sentar, mas sem tirar meus olhos dela, que começou a andar em direção de onde Joey estava.
- Será que dá pra você me explicar o que está acontecendo? – sussurrou assim que eu me sentei – A não está normal, ela está nervosa, ela...
- Vai terminar com o Joey – disse sem olhá-lo.
- Quê? – perguntou, mas depois ficou quieto, provavelmente seguiu o meu olhar e passou a prestar atenção nela.
levou Joey até o mesmo lugar que estávamos antes, ele com uma das mãos no bolso e a outra com uma garrafa, ela com um braço na altura do peito, mexendo em algum detalhe do vestido e o outro levava sua mão até a nuca, visivelmente tensa, balançando o corpo uma vez ou outra, ele disse alguma coisa e ela respirou fundo e começou a falar, de onde eu estava não dava para ler seus lábios, ele levou a mão que segurava a garrafa até a boca e riu, enquanto ela ainda continuava séria. e , já tinham encontrado umas garotas pela festa e só estávamos eu e sentados, olhando e esperando pra ver no que aquilo ia dar. Joey tocou seu queixo com a mão livre fazendo-a levantar o rosto e selou seus lábios aos dela, num beijo rápido, mas que para mim pareceu uma eternidade e então ao quebrar o beijo ele a abraçou.
- Eu acho que vou embora – eu disse a ainda olhando para os dois mais a frente que conversavam, agora parecendo uma conversa amigável ou talvez até mais do que só amigável, eu não sei, não queria saber.
- Tem certeza? Não quer esperar mais um pouco?
- Não, eu vou mesmo – eu disse e me levantei – Até mais.
Sai pela porta, olhei para os dois lados da rua e em passos lentos tomei o caminho para casa. No que eu estava pensando? Qual é? É lógico que ela não ia deixar o namorado para ficar comigo, afinal, quem sou eu? Um dos losers do colégio, as pessoas costumam olhar para mim e pensar que não terei um bom futuro, porque eu nunca estou dando importância para nada. Bem, pelo menos não estava até agora.
- Nós podemos conversar sobre tudo isso que você está pensando agora – disse e eu me sobressaltei de susto, ela andava ao meu lado de braços cruzados, sorrindo e parecia que tinha acabado de conseguir acompanhar meus passos. – Se quiser, lógico.
- Acho que não precisamos – disse a abraçando pelos ombros e voltando a andar.
O quê? Pelo menos a amizade eu ainda quero, poxa.
- Desculpe por ter deixado-o me beijar, não vai acontecer de novo – ela disse e eu parei de andar de novo.
- Ahm?
- Não achou que eu fosse ficar com Joey, achou?


Capítulo 5 - Vigésimo sétimo andar


Tinham se passado alguns dias desde que eu tinha visto e, nesse meio tempo, criei coragem e liguei para ela. Agora estava eu, em frente à escola de , esperando pelas duas. Nós iríamos... Dar uma volta.
- O senhor por aqui mais uma vez? – ouvi a voz da Mark atrás de mim e me virei.
- Mas hoje elas sabem que eu vim – eu sorri. – Pode, por favor, parar de me chamar de senhor? – pedi a mesma coisa que eu sempre pedia a Ian, o porteiro, ouvir aos outros me chamando de senhor não era uma coisa muito agradável. Ele me encarou com o cenho franzido.
- Tudo bem, garoto, como é seu nome?
- .
- Você não é da televisão? – perguntou ainda de cara fechada.
- Não exatamente, na verdade, eu toco em uma banda e de vez em quando nós aparecemos na televisão. – expliquei.
- É, você parece ser melhor do que o outro, gostei de você. – disse finalmente abrindo um sorrisinho e se colocando ao meu lado, voltando sua atenção para os pais e alunos que ali estavam.
- Outro? – indaguei.
- Sim, o outro que de vez em quando vem buscar a pequena , o nome dele é Robert, se não me engano, ele chega aqui todo engomado, de terno e gravata em sua enorme BMW preta, entra na escola e sai com a menina sem falar ou olhar pra ninguém, nem com a professora ele fala.
- Que estranho! – comentei vendo o comportamento de alguns pais que estavam na porta da escola, e eles conversavam com os professores e acenavam rapidamente para Mark.
- Pois é – cruzou os braços. – Vejam quem chegou no horário. – dissera um pouco mais alto sendo seguido de uma risada gostosa. Era . De cabelos soltos, que se bagunçavam por conta do vento gelado e o rosto corado.
- Nem brinca, Mark, saí mais cedo, mas tive que vir a pé. – disse ela e riu vindo em nossa direção. Mark riu – Achei que não chegaria hoje. Olá, .
- Oi, . – eu sorri.
- Eu já volto, um minuto. – gesticulou e deu as costas andando em passos largos até a porta do colégio, a abrindo e sumindo atrás da mesma.
Dali alguns minutos ela reapareceu, com no colo e a mochila da mesma em uma das mãos, descendo as escadas com um pouco de dificuldade, devido ao salto alto e provavelmente o peso da menina, eu fui até elas e peguei a menor no colo, recebendo um olhar agradecido de e percebendo os olhos da menina vermelhos e um pouco marejados.
- O que houve? – perguntei.
- Eu cai. – murmurou a menina.
- Ela caiu de um dos brinquedos do playground da escola e ralou o joelho, mas cuidaram dela na enfermaria. – sorriu fraco e eu coloquei a menina no chão, ainda segurando em sua mão, de fato, em um dos joelhos tinha gaze e alguns esparadrapos.
- Então, vamos? – eu disse. – Até mais, Mark.
- Até! – ele disse simplesmente e eu puxei até meu carro. Sim, naquele dia eu estava de carro, e nos seguiu.
- , aonde...? – ela começou enquanto eu destravava o carro e abria a porta de trás.
- Entra aí, pequena – eu disse, a menina o fez e logo fechei a porta abrindo a do carona para que entrasse.
- Aonde nós vamos? – perguntou visivelmente confusa.
- Ela pode com doce?
- Pode, mas...
- Entra no carro.
- Aonde nós vamos, ? – tornou a perguntar e eu rolei os olhos – Não adianta fazer mais perguntas, não é mesmo?
- Não! – sorri vitorioso.
- Chato! – fez careta e entrou no carro.
Fechei a porta, dei a volta no carro e também entrei, fechando a porta logo em seguida, e abri o porta-luvas, eu sempre colocava doce ali, porque sou viciado. Pior que criança, confesso. Tirei um pirulito dali e me virei para o banco de trás, onde estava, sentindo o olhar de sobre mim.
- Quando era pequeno e me machucava, minha mãe me dava algo ou alguma besteira que eu gostava, dizia ela que é a melhor forma de esquecer o que nos faz sentir dor, lembrar de que não existe só o amargo, mas o doce também. – eu disse.
A menina passou as mãos nos olhos, enxugando as lágrimas que ainda insistiam em ficar ali até que em algum momento pudessem cair, abriu um lindo sorriso e pegou o doce que eu lhe oferecia.
- Obrigada! – ela disse.
Tornei a minha posição anterior, coloquei o cinto de segurança e a chave na ignição, olhei para a mulher ao meu lado e seus lábios estavam curvados em um leve sorriso. Eu, sinceramente, não me importaria se esta cena se repetisse pelo resto da minha vida. Dei a partida e, durante todo o trajeto, contara como tinha caído e quanto havia doído, quando chegamos ao edifício tão conhecido por mim, saltamos do carro com me fazendo várias perguntas, mas nenhuma delas foi devidamente respondida.
- , não se esqueça de que hoje eu disse a minha prima que iria visitá-la. – ela disse quando já estávamos dentro do elevador.
- Está bem, depois eu te levo lá – dei de ombros e ela encostou-se próxima ao painel do elevador de braços cruzados. – Essa foi a sua tentativa mais falha de me fazer dizer alguma coisa.
- Eu sei. – fechou os olhos por breves segundos e riu de si mesma.
Vigésimo sétimo andar, as portas do elevador se abriram, nós saímos do mesmo e fomos em direção à porta do lado esquerdo, com as duas encostadas a parede atrás de mim, abaixou-se para arrumar o sapatinho da filha, um toque na campainha e a porta do apartamento se abriu.
- Dude, você precisa ver a revista que a trouxe pra casa no horário de almoço dela. – ele disse voltando para dentro do apartamento – Espera aí que eu vou buscar.
- Vai lá, sem pressa. – eu disse elevando um pouco o tom de voz e depois me voltei para as duas que ainda estavam atrás de mim – Entrem, sintam-se a vontade, eu já volto.
, que já havia se levantado, puxou a filha para dento e eu fechei a porta, elas se sentaram no sofá e eu segui o caminho por onde tinha ido, cheguei ao corredor e ele já estava voltando com a tal revista em mãos.
- Aqui, olha, é você. – ele me mostrou, em uma das páginas tinha uma foto minha abraçando uma mulher – Quem é ela?
A foto fora tirada de longe, tinha vários pontos de interrogação em volta da mesma e escrito em letras grandes coisas do tipo, “Onde está Loren Carter?” e “Quem será essa mulher?”, demorei um pouco para lembrar quem era, mas olhando direito percebi que era na foto e ri, me lembrando dela dizer que seria engraçado se ela saísse na capa de uma das melhores revistas. Não foi na capa, mas, querendo ou não, foi em uma revista.
- Do que você está rindo? – ele perguntou com o cenho franzido e eu peguei a revista da sua mão.
- Essa mulher está na sua sala neste exato momento.
- Como assim? – ele abaixou o tom de voz, deu alguns passos e colocou a cabeça pra fora do corredor, espiando a sala – Mas eu abri a porta e só estava você do lado de fora.
- Elas estavam atrás de mim...
- Elas?
- É! – eu disse me colocando ao seu lado para poder ver , que conversava algo com – A mulher da foto e a filha dela, acho que você não as viu e nem elas te viram.
- A menina tem os olhos iguais aos seus. – ele me encarou, eu ainda não tinha reparado nisso. – Vai me dizer que... Caralho! , só pague pensão com o exame de DNA.
- Cala a boca! – eu ri voltando para o corredor e me acompanhou – É a .
- Para de mentira, , isso é paranoia, lembra? É melhor nós acreditarmos que ela está no Brasil, casada com aquele tal presidente que não tem um dos dedos da mão. – ele disse sério e eu tive muita vontade de rir, mas me segurei, estou começando a ficar com pena desse presidente.
- Não é mentira, vem comigo. – o peguei pelo pulso e o arrastei até a sala, pelo menos até atrás do sofá onde elas estavam sentadas. – , para de ser gay e vem logo. – sussurrei, mas ele se soltou e ficou lá parado.
- ? – ele chamou com um pouco de receio e ela logo olhou para trás. – Caramba, é ela mesma.
- . – ela se levantou sorrindo e ele continuou parado com os olhos arregalados.
- Dude? – eu o chamei e ele, que pareceu acordar de um transe, abriu um sorriso enorme e andou até ela em passos largos, a abraçando com força pela cintura, talvez com força demais.
- Olha, não é por nada não, mas eu estou ficando sem ar. – ela riu e ele a soltou.
- Mas como? Quando? – disparou perguntas e eu me sentei ao lado de , que assistia tudo em silêncio.
- Lembra daquela última vez que a gente foi ao Black Cat, que aconteceu aquela coisinha com a ? – perguntei e ele assentiu. – Ela era a garota.
- Ele derramou cerveja em mim. – ela me acusou e eu levantei as mãos até a altura dos ombros em sinal de inocência. – E no meu vestido novinho.
- Era curto? Porque se fosse, ele só te fez um favor. – disse e abriu a boca incrédula. – Eu sempre disse pra não usar roupas curtas, mas você nunca me ouviu.
- É só um vestido. – ela riu.
- E essa menina linda aqui, quem é? – perguntou, se sentando na mesinha de centro, de frente para , que sorriu educadamente.
- Essa é , minha filha. – sorriu, se sentando no sofá ao lado da filha.
- Tem certeza, ? Você está tão bem, não parece que teve uma filha. – ele disse e nós rimos.
- Acho que isso foi um elogio, então, muito obrigada, . E sim, eu tenho certeza de que tive uma filha.
- Ela é brasileira também, não é? – ele tornou seu olhar a , que se mexeu desconfortavelmente no sofá. – Faz pouco tempo vocês estão aqui na Inglaterra?
- Sim, ela é brasileira, e na verdade, acho que – pigarreou – já faz pouco mais de dois anos que voltamos, só que dessa vez para ficar.
- Como assim voltamos?
- Bem, eu tive que vir para cá algumas poucas vezes, estávamos ainda em dúvida se ficaríamos no Brasil. – ela gesticulou. – Procurei por casas, escolas e eu já estava sentindo falta da Inglaterra, não foi difícil se decidir.
- Ah, claro. – ele sorriu. – Bem, vocês estão com fome? Eu acho que deve ter alguma coisa na cozinha. – disse se levantando subitamente.
- Não, , obrigada, mas nós não podemos ficar. – ela se levantou também, pegando a mão da filha – Eu nem sabia que nos traria aqui. Talvez numa próxima?
- Com certeza em uma próxima! – ele sorriu e eu me levantei.
- Mais tarde eu te ligo, dude. – eu disse me dirigindo até a porta principal e a abrindo.
- Ok, tchau, irmãzinha. – ele lhe deu um abraço rápido. – Se é que ainda posso te chamar assim.
- Claro que pode. – sorriu verdadeiramente.
- Foi bom te ver.
- Foi bom te ver também – ela sorriu.
- Tchau, . – acenou, a menina retribuiu e seguiu a mãe para fora do apartamento.
- Estou levando a revista, hein! Tchau. – eu disse antes de fechar a porta.
Nós três descemos de elevador e entramos no carro em silêncio, me disse por onde eu deveria ir para chegarmos à casa de sua prima e só depois de um longo tempo eu tirei a revista que tinha colocado no console da porta do carro.
- Toma, acho que é a página quinze. – quebrei o silêncio lhe estendendo a revista.
- Hãn? – puxou e eu ouvi o folhear ao meu lado seguido de uma gargalhada – Sou eu aqui. Olha filha, a mamãe saiu na revista. – ela riu entregando a mesma para a menina que estava no banco de trás.
- É naquele dia que a gente foi no McDonald’s. – riu – Que legal.
- Coitada da sua namorada, você viu o que tinha escrito lá?
- Vi, mas tudo bem, nós não estamos mais juntos.
- Ah, entendi.
- É difícil, não é? – a olhei brevemente e ela riu fraco.
- Mas onde conseguiu essa revista?
- me mostrou.
- É verdade que os paparazzi são como parasitas? – ela riu e eu ri também.
- É verdade.
Silêncio.
- Ele está bravo comigo, não é? – perguntou num suspiro.
- Quem? O paparazzi? – eu perguntei rindo.
- Não, bobão, o . – ela riu.
- O quê? – eu ri – , você só pode estar brincando! É mais fácil ele odiar a mim do que ficar bravo com você.
- Como ele ficou depois que eu fui embora sem me despedir? Não estou querendo dizer que sou super importante e que vocês deveriam sentir a minha falta, mas... – ela riu – como foi, o que aconteceu depois?
- Bem, ficou bravo, quis me bater e não falou comigo por algumas semanas, mas depois que ele viu que o negócio com a banda estava dando certo, as coisas voltaram ao normal. Quase, na verdade, porque ele ainda está bravo, você sempre foi como uma irmã para ele.
- Ainda bem que ele não foi tão burro a ponto de ter deixado a banda. – ela disse e nós rimos – E ele não pode ficar bravo para sempre.
- Pois é, mas para isso você só tem que... – hesitei por um momento.
- Só tenho que...? – quis saber.
- Só tem que voltar a fazer parte das nossas vidas.
- , eu não sei se isso daria certo.
- E por que não daria certo? – mais silêncio. – Hm... , isso não foi uma pergunta retórica.
- Eu sei, eu só não sei se estou preparada.
- Preparada? – estranhei.
- Erm, é que o final daquela conversa foi um pouco tensa, “faz pouco tempo que vocês estão aqui?” – ela fez aspas e engrossou a voz, a afinando logo depois – “Não, , talvez sejam só uns dois anos que eu voltei”, as coisas não são como antes.
- , nós somos os mesmos. – a olhei com o cenho franzido. – Você não está realmente preocupada com isso, está?
- Acho que não. – sorriu sem mostrar os dentes.
- Ok, então eu te pago um vestido novo se você for à casa do nesse fim de semana. – brinquei rolando os olhos.
- Eu não acredito nisso – ela riu. – Não quero seu suborno.
- O que tem de mais nisso? – dei de ombros – Você não é a rainha dos subornos?
- Mas um vestido novinho é muita covardia. – ela disse e eu ri.
- Só um pouquinho, talvez.
- Pode encostar aqui, é neste prédio. – indicou, eu desliguei o carro e nós saltamos do mesmo, ficando na calçada em frente à portaria do tal prédio. – Filha, interfone para o apartamento da sua tia. – pediu enquanto abotoava o sobretudo.
- Ela já está aqui no portão. – a menina disse, chamando nossa atenção para o portão que se abrira.
- Oi, . – disse e a garota se aproximou, passando o braço em volta dos ombros de .
- Oi. – ela sorriu.
- , este é o , esta é a , minha prima. – nos apresentou, eu estendi a mão, a garota a segurou e a apertou com força, ela parecia estar surpresa, com os olhos arregalados e a boca entreaberta.
- Ele é mesmo o ? Sério? – perguntou, assentiu e ela sorriu, apertando ainda mais a minha mão – É ele, , é ele mesmo?
- É, , agora solta a mão dele. – olhou a prima segurando para não rir.
- Ah, desculpa. – riu sem graça e a soltou.
- Tudo bem, mas eu tenho que entender isso? – perguntei rindo.
- Não é nada. – disse com um sorriso no canto dos lábios – Ela só é uma grande fã do McFLY.
- É, eu sou, adoro aquele do cabelinho meio assim, sabe? – gesticulou, mas eu não entendi nada.
- Ahm... O ? – chutei.
- Ele mesmo. – ela sorriu e eu ri.
- Então, , você vai? Por favor? – perguntei – e podem ir também, os dudes vão adorar conhecê-las.
- Não vai dar, .
- Por quê? – eu quis saber e ela olhou brevemente para a prima, que deu de ombros.
- É que neste final de semana o Robert chega da Alemanha – é, não sei como, mas eu tinha me esquecido dele até esse exato momento. Por isso eu ainda não tinha visto a cara do sujeito, nem no país ele estava. Fuck. Encarei o chão por alguns segundos pensando no que poderia dizer.
- Ir aonde, afinal? – perguntou.
- Na casa do nesse fim de semana. – disse.
- Você não pode ir no sábado à tarde? Você trás a aqui e depois vai, eu fico com ela até domingo – ela disse. – E o Robert só vai chegar à noite, quase de madrugada por conta do voo, não é?
- Ahm... ? – olhou para a filha.
- Vai ser legal ficar com a tia . – a menina sorriu.
- Então... – suspirou e olhou para mim.
- Sábado nós vamos a casa dele. – eu disse e ela assentiu sorrindo.
- Mas que fique bem claro que não é por causa do vestido. – ela apontou o dedo pra mim rindo – É um ótimo suborno, mas mesmo assim eu não o quero.
- Claro! – eu ri – Venho te buscar aqui então? – ela assentiu – , foi um prazer. – estendi a mão e ela apertou, com menos força dessa vez.
- O prazer foi todo meu – ela sorriu. – Manda um oi para o...
- ?
- Isso! – ela riu.
- Até mais, pequena – beijei o topo da cabeça de . – Cuida desse machucado.
- Tchau, . – a menina sorriu, se virou com ela e as duas foram andando até o portão.
- Ela é meio doidinha, mas gostei da sua prima, só me diz que ela não é mesmo uma “grande fã de McFLY” – eu disse e gargalhou – Se não eu vou achar que nós estamos muito mal.
- Não, ela não é. – disse com as maçãs do rosto vermelhas – Mas ela já sabia da sua existência, por isso essa coisa toda. – gesticulou.
- Hmm... Você falou de mim para ela, ? – coloquei as mãos nos bolsos e dei um passo a frente, a olhando com os olhos semicerrados e um sorriso no canto dos lábios.
- Ela tem televisão em casa, . – ela me imitou, mas colocou as mãos nos bolsos do sobretudo, a proximidade só fez com que minha boca secasse e seus lábios pintados de vermelho me fossem muito mais convidativos. Uma rajada de vento passou por nós bagunçando seus cabelos, trazendo consigo o cheiro do perfume que eu tanto gostava e senti minhas mãos passarem a formigar, clamando pelo contato com a sua pele. Percebendo minha distração, ela sorriu fraco e se afastou – Até sábado.
Anda, , faz alguma coisa.
- Até sábado.
Eu disse, então ela sorriu e se virou, entrou pelo portão com a filha e a prima, que acenaram para mim um pouco antes. Enquanto eu me dirigia ao meu carro pra poder voltar para casa, fiquei pensando. A minha maior vontade naquele momento era de puxá-la pela cintura, colar seus lábios aos meus, sem me importar com qualquer coisa que pudesse acontecer depois, mas como não me importar? Essa poderia ser a minha maior vontade, mas o meu maior medo era que o depois fosse uma rejeição e mais um “não me procure mais”.
Dirigi até em casa e no elevador brincava distraidamente com as chaves entre os dedos, as portas se abriram e eu segui para a porta do meu apartamento, levando um susto ao encontrar alguém sentado ali.
- Você... Hmm, faz tempo que você está aqui? – perguntei vendo-o se levantar.
- Por que demorou? – me encarou e eu apenas rolei os olhos destrancando a porta, escancarando a mesma. – Nunca tinha reparado como este corredor é gelado, eu devia ter ficado lá na portaria mesmo.
- Pois é, mas está nevando e eu acho que lá não é mais quente que aqui. – dei de ombros, entramos, eu encostei a porta e se sentou no sofá – Ainda não está acreditando?
- Que ela está aqui? – ele riu fraco e eu assenti, me sentando ao seu lado. – Está meio difícil, mas vai ser legal.
A campainha tocou.
- Mas hein? O Ian não está mais interfonando ou é a filha do vizinho outra vez? – eu disse me levantando e indo até a porta.
- A filha do vizinho? – ele riu e eu o olhei.
- É, ela é louca, mas não a culpo, olha só pra mim. – eu ri e ele balançou a cabeça negativamente, abri a porta – ?
- Puta mancada isso aí. – reclamou passando por mim de cara fechada e indo em direção ao sofá em que estava sentado.
- Do que você...? – comecei e fechei a porta, ou pelo menos tentei.
- Não fecha ainda não. – disse passando pelo vão e me encarando com um ar vitorioso logo depois – Eu sabia que tinha algo errado.
- Ok, de novo. – suspirei e finalmente consegui fechar a porta, vendo os três sentados no meu sofá – Do que, exatamente, vocês estão falando?
- Da – disseram em uníssono. Bem esclarecedor.
- Porra, , não era para contar.
- E por que não? Você ia fazer que nem quando vocês começaram a namorar? – perguntou revoltado. Ele odeia ser o último a saber das coisas.
- Eu ia contar, ok? – eu disse tornando a me sentar, porém, agora no outro sofá, de frente para eles – Desta vez eu... Eu só queria um tempo para...
- Para... – incentivou.
- Entender o que eu perdi. – dei de ombros – Literalmente.
- Bem, não deve ter mudado tanta coisa. – disse.
- Ela tem uma filha. – disse.
- E está noiva. – eu disse e eles ficaram em silêncio – Mas eu estou bem. – mais silêncio – E ela vai à sua casa , neste sábado.

- Dudes, eu quero falar uma coisa. – eu disse, mas todos continuaram conversando e rindo alto, muito alto, então dei um empurrão nele – Cala a boca, porra, me deixe falar.
- Precisa bater? – perguntou sério, me olhando pelo canto dos olhos – Fala logo.
- Ok! – suspirei abraçando por trás, pela cintura – Eu quero dizer que e eu est...
- Estão juntos? – me interrompeu. – E foi por sua causa que ela terminou com o Joey, não foi?
- Ahm... Talvez. – disse entrelaçando sua mão a minha, me olhando brevemente com o cenho franzido e um sorriso nos lábios.
- Há! Eu não disse? – ele sorriu esperto para – Sou muito foda.
- Mas eu disse que suspeitava. – deu de ombros.
- E eu disse que tinha certeza, é só ficar um tempo observando a que você já entende tudo.
- Sério? – arregalou os olhos e riu.
- Espera, o que está acontecendo? – indagou e todos nós olhamos para ele. – Como sempre, eu sou o último a saber das coisas, não é? Já que todos já sabem, podem explicar somente para mim, desde quando e por que não contaram antes? – eu rolei os olhos, me encarou sem saber o que dizer para o indignado que estava na nossa frente.
- Ok, criança, preste atenção. – eu sorri para ele – Não contamos porque foi tudo muito rápido e eu gosto dela, não sei desde quando, talvez desde... Sempre.
- Você caiu nessa, ? – ele perguntou rindo.
- Pois é! – ela disse balançando a cabeça negativamente e riu.
- Awn, que coisa linda – sorriu – Abraço em grupo!


Capítulo 6 - Que tal uma Coca-Cola?


- Tudo bem? – perguntei à , estávamos em frente à porta do apartamento de e eu tinha acabado de apertar a campainha, esperando que alguém a abrisse. Ela estava de braços cruzados, batendo repetidamente com o salto no chão.
- Tudo. – ela me olhou sorrindo. – Só um pouco ansiosa.
- , amor da minha vida! – exclamou , assim que abriu a porta.
- ! – abriu um sorriso e lhe deu um longo e apertado abraço.
- ! – eu sorri e abri os braços, mas ela fechou a cara.
- Não fala comigo, . – disse séria, eu abaixei os braços e me olhou com o cenho franzido.
- O que foi que eu fiz? – perguntei.
- Entra, , estão todos na sala. – ela me ignorou completamente e puxou a amiga pelo braço para dentro do apartamento, me deixando para trás. Bufei fechando a porta e as segui pelo corredor até chegar à sala. As duas pararam abruptamente, soltou um gritinho agudo e correu para um lado assim que três loucos correram na direção de , a abraçando.
- Ai meu Deus! – ela gargalhou.
- Que foda, dude, é você mesma? – perguntou segurando o rosto dela entre as mãos, apertando suas bochechas com um sorriso de orelha a orelha.
- Não, é o clone da . – rolou os olhos enquanto todos se desfaziam do abraço, mas o ignorou.
- , devo dizer que você está muito gostosa. – soltou o rosto dela, que sorriu agradecida e segurou em sua mão se afastando um pouco para poder medi-la de cima a baixo e ver como estava, uma coisa que, na verdade, todos nós fizemos.
- Obrigada, , você também está. – ela riu e deu uma piscadela. – está em forma, quem diria? – disse cutucando a barriga dele.
- Ei! Eu sempre estive em forma. – ele subiu as mangas da camiseta, acho que tentando mostrar os músculos que eu definitivamente não conseguia ver.
- Claro que esteve. – sorriu. – Aliás, todos vocês estão lindos.
- Maninha, – chamou a atenção e puxou a namorada pra perto – esta é a , minha namorada.
- Muito prazer! – sorriu amigavelmente, a outra fez o mesmo e, logo que voltou a atenção para os dudes, eles a bombardearam com várias perguntas sem ao menos dar tempo para que ela respondesse qualquer um que fosse.
- E a sua filha, cadê?
- Como foi no Brasil?
- Sentiu minha falta?
- Desde quando você voltou?
- Onde você está morando agora?
E blábláblá.
- Ok. – eu disse num tom um pouco elevado para chamar a atenção, me aproximando deles. – Por que nós não nos sentamos e daí um de cada vez faz todas essas perguntas? Se a concordar e quiser responder, claro.
- Imagina, tudo o que vocês quiserem saber. – ela sorriu.
- Então senta aí. Você quer alguma coisa? – perguntou.
- Não, obrigada. – sorriu e se sentou no sofá de três lugares e logo estava ao seu lado.
- Então, – começou enquanto eu me sentava em uma poltrona ao seu lado e colocava a jaqueta no encosto da mesma – a sua filha não veio? Eu queria tanto conhecê-la.
- Eu preferi deixar a com a minha prima...
- Você tem uma prima? – ele a interrompeu e todos nós rimos.
- Tem sim, o nome dela é e do McFLY, você é o favorito dela. – eu disse, – Não é, ?
- Ah, sim! – exclamou ela segurando para não rir vendo um sorrisinho brotar nos lábios de – Ela te adora.
- E o seu pai também veio p... Outch! . – , que tinha se sentado ao lado da namorada, a repreendeu com a mão nas costelas. – Doeu, por que você fez isso?
- Não fala do pai dela. – a garota tentou dizer baixo para que só o namorado a ouvisse, mas o silêncio que pairava no cômodo não lhe ajudou muito.
- , está tudo bem. – disse, fazendo com que todos voltassem a atenção a ela, que olhou diretamente para . – Não, ele não veio. Até mesmo porque eu não tenho nenhum contato com ele há uns cinco, seis anos.
- Como assim? – ele indagou – Só dois anos depois de você se mudar?
- Sim. – ela deu de ombros.
- Eu posso perguntar o por quê? – indaguei.
- Bem, eu namorei um cara, mas não deu muito certo. – ela gesticulou. – Depois de um tempo descobri que estava grávida, meu pai não gostou nem um pouco, nós já não nos dávamos muito bem, ele não queria uma filha para sustentar, imagine uma filha e uma neta, aquela casa me era insuportável, então eu peguei minha coisas e fui embora.
- E depois? – quis saber e ela sorriu meigamente.
- Depois eu tive sorte, minha única tia por parte de pai, a mãe de , me deixou ficar em sua casa, como ela não trabalhava, só seu marido, ela se ofereceu para cuidar da minha filha para que eu conseguisse terminar os estudos e quando comecei a trabalhar ajudei com algumas despesas.
- Mas e o cara? – foi a vez de perguntar. – E o pai de ?
- Você o amava? – a pergunta se desprendeu de minha boca enquanto eu me mexia desconfortavelmente na poltrona em que estava sentado. Claro que a única coisa que faltava acontecer era haver mais um em sua vida. Ela ficou séria, me encarou por alguns longos segundos e franziu levemente o cenho. Eu queria muito saber o que significava aquilo, saber o que se passava em sua mente. – O ama?
- Ele – começou, ainda me olhando, mas com certa relutância, eu diria. Tornou seu olhar a . – Ele não foi presente na vida de , mas não o culpo, na verdade eu nem lhe dei essa chance, muitas coisas estavam acontecendo, muitas mudanças. Eu não sei se foi a decisão certa a ser tomada, só pensei que ele devia seguir com a sua vida sem essa responsabilidade tão grande que é criar um filho.
- Mas agora você tem o Callagham, não é, amiga? – disse sorrindo e eu tive ânsia.
- Quem é Callagham? – perguntou.
- Robert Callagham, é o noivo dela. – eu disse com a voz carregada pelo total desânimo.
- , tem que ver, ele é lindo e se veste tão bem. – disse.
- ! – disse incrédulo e todos riram.
- Mas espera, vocês duas se conhecem? – indagou – Desde quando?
Elas se entreolharam, riram um pouco e começou a contar, mas essa história se eu me lembro bem a já tinha me contado em algum momento, então não dei muita importância, me levantei e fui até a cozinha com a desculpa de que ia beber água, mas como eu estava na casa do peguei um copo no armário e resolvi abrir a geladeira à procura de um suco, refrigerante, cerveja, até mesmo leite, qualquer coisa que tivesse gosto e não fosse incolor. “Ele é lindo e se veste tão bem”. Grande coisa. Peguei a garrafa de coca-cola e me servi, fechando a porta da geladeira logo em seguida, e fui me sentar numa das cadeiras do balcão.
- Por que ela é tão importante? – ouvi dizer atrás de mim e me assustei, ela riu. – Calma, .
- Eu estou calmo, você que apareceu do nada. – eu ri vendo-a se sentar ao meu lado – O que você perguntou?
- Eu quero saber o porquê de ela ser tão importante para vocês. – disse apoiando os cotovelos no grande balcão de mármore – Eu não entendo, vocês nunca falam dela.
- Eu acho que não dá pra esquecer a garota que nos apresentou para o cara que nos deu a chance de mostrar o que nós sabíamos fazer de melhor, a garota que nos apresentou para o nosso empresário. – sorri de lado. – Ela fazia de tudo pra ajudar, era incrível.
- Hm. Que ótimo. – murmurou.
- Não está com ciúmes, não é, zinha? – perguntei arqueando as sobrancelhas.
- Eu? Com ciúmes? – olhou por segundos para cima, fingindo pensar. – Com ciúmes de uma mulher super bonita que apareceu agora, que foi a melhor amiga do meu namorado e dos meus amigos quando eles estavam no colégio e o meu namorado tanto olha e fala com ela que nem parece que eu estou do lado dele? Não sei, talvez só um pouquinho.
- Não seja idiota. – eu disse e também apoiei meus cotovelos no balcão. – te ama, está noiva e eles são como irmãos, nunca que vai acontecer alguma coisa entre eles, confie no que estou dizendo.
- Até mesmo porque você não deixaria isso acontecer, não é?
- Ahn?
- “Você o ama?” – afetou a voz e eu ri. – Por favor, eu te conheço.
- Desculpe, não consigo controlar.
- Pois é, deu pra ver que não.
- Ok, agora vai, você está com ciúmes, mas o deixa lá sozinho. – eu disse e lhe dei um beijo estalado na bochecha, ela riu se levantando e indo até a porta.
- – ela disse apontando para trás e saiu pela porta, onde logo depois apareceu.
- Será que você pode me arranjar um copo de água? – disse ela entrando e parando do outro lado do balcão, perto da pia.
- Claro. – larguei do meu copo de coca, que eu nem tinha tomado ainda, e me levantei, peguei mais um copo no armário e fui até o purificador de água.
- Eu o amei. – ela disse e eu a encarei. – Muito. O que tivemos fora uma das melhores coisas que já aconteceram na minha vida. – riu fraco. – Mas agora não faz mais diferença, já passou, eu terei de esquecer, certo?
- Não precisa me dizer isso, , eu não devia ter te feito uma pergunta como essa. – eu disse sem saber se era para tentar confortá-la ou porque eu não queria ouví-la falar assim sobre um outro homem.
- Ok. – suspirou. – Todos vocês continuam os mesmos, mudaram por fora, só isso. – ela riu.
- Eu não disse pra você?
- Sim, você disse. – ela sorriu se encostando a pia, desliguei o purificador assim que o copo ficou cheio e lhe entreguei o mesmo, também me encostando a pia ao seu lado. – Obrigada.
- E isso é bom ou ruim? – perguntei.
- O quê?
- Continuarmos os mesmos.
- É muito bom. – ela riu. – Eu não gostaria de chegar aqui e encontrar quatro rockstars fúteis e metidos, gosto de vocês assim.
- Você também não mudou e isso também é muito bom, eu não gostaria de encontrar uma vândala. – eu disse e ela gargalhou.
- Essa história nunca mais será esquecida? – perguntou, eu balancei a cabeça em negação e ela colocou o copo sobre pia. – Acho que isso também é bom.
- Acho que depende.
- Depende do quê? – perguntou cruzando os braços.
Tentei ser sensato, pensar em algo, mas com aqueles olhos me olhando não dava, mais uma vez ela estava tão perto, me coloquei de frente pra ela apoiando minhas mãos na beira da pia, uma de cada lado de seu corpo, deixando nossos rostos ainda mais próximos.
- De você.
Silêncio.
- . – ela disse depois de certo tempo quase num sussurro e eu apenas murmurei, alternando meu olhar entre sua boca e seus olhos assustados para que ela continuasse – Perto demais.
- Eu sei.
Resolvi acabar com a terrível distância e mordi seu lábio inferior, selei seus lábios aos meus e a passagem que não tinha sido antes pedida foi facilmente concedida. Ela me correspondia. Senti seu gosto se misturando ao meu e minhas mãos se tornaram inquietas, uma subiu até sua nuca e a outra até a cintura, apertando e a puxando para mais perto de mim, logo a ponta de seus dedos gélidos estavam tocando meu abdome fazendo-o se contrair e subiram até chegar ao meu peito, fechando-se em punhos e puxando minha camisa. O beijo e os toques tinham saudade e era o que me estimulava para tornar o beijo cada vez mais intenso, esquecendo qualquer coisa que estivesse para, ou que pudesse, acontecer, apenas saciando a minha vontade de tê-la. Pelo menos por um momento. Ela espalmou suas mãos sobre o meu peito, quebrou o beijo e me afastou de si empurrando com um pouco de força, levou as mãos ao rosto suspirando profundamente e se virou para a pia tomando um gole de água.
- Ah! Droga, não acredito. – murmurou.
- Ahm... – eu não tinha ideia do que dizer, ela se virou para mim, mas não olhou nos meus olhos.
- A gente não precisa falar disso – disse com a respiração um pouco descompassada, porém com voz firme e se virou para a porta, saindo pela mesma com o passo apertado.
Ok, , melhor deixá-la ir por enquanto, se não você vai acabar piorando a situação e ao invés de apenas não querer falar sobre isso ela pode querer que isso não corra o mínimo risco de acontecer de novo e nem te deixar chegar perto dela. Ri baixinho pensando no que exatamente foi isso, que ela cedeu ao meu beijo e perdeu, por pouco tempo, mas perdeu o controle de seus atos mais facilmente do que eu poderia imaginar, eu senti falta disso por anos e parece que não fui o único. Pensei em ir até o balcão e tomar minha intocada coca-cola, mas não precisava beber mais nada, perdi a sede, então voltei para a sala, e não estavam ali e sem nem ao menos perceberem minha presença, pois estavam todos conversando, me sentei no lugar vago ao lado de .
- Onde está a ? – perguntei a ele.
- Foi no banheiro. – respondeu.
- E a ? Foi atrás dela? – ele assentiu e olhou brevemente para mim.
- Cara, tem batom na sua boca. – disse distraidamente e eu passei a mão na boca, depois de ter se dado conta do que disse ele tornou a olhar para mim com os olhos arregalados e repetiu: – Cara, tem batom na sua boca.
- Sabe como é o frio, de tanto você passar a língua nos lábios, eles ficam queimados... – enrolei sem conseguir reprimir o sorriso.
- Você não...?
- O quê?
- Mas ela...
- Ela quem, ? – perguntei me fazendo de desentendido.
- Isso não vai dar certo. – ele disse, mas eu sabia que ele queria rir.
- E por que daria errado?
- Quer mesmo que eu te diga? – arqueou as sobrancelhas e eu fiquei quieto. – Foi o que eu imaginei. Mas você é meu amigo, faça o que tiver de ser feito pra ser feliz, só não seja um idiota de novo, porque o que ela realmente quer para si mesma também é importante.
- Eu sei. – eu disse.
- Cara, sua boca está vermelha. – disse.
- É o frio, isso acontece comigo também. – explicou, eu assenti e eles só não voltaram para sua conversa porque um som abafado começou a tocar.
- Estão ouvindo? – perguntou. – , está vindo de você.
- Não está não. – eu disse e comecei a seguir o som, estava vindo de uma bolsa que estava ao meu lado – Acho que é o celular da .
- Leva lá pra ela. – ele disse e eu abri a bolsa, peguei o pequeno aparelho que não parava de piscar “Robert”, “Robert”, “Robert” e de má vontade fui correndo pelo corredor até encontrar as duas amigas conversando em frente à porta do quarto de .
- , seu celular. – eu disse e lhe entreguei o aparelho.
- Obrigada, eu vou ali atender, com licença. – disse ela olhando para o visor e passou por mim já apertando o botão verde. – Oi... – eu até voltaria para a sala e tentaria ouvir um pouco da conversa, se não tivesse pego meu braço e me arrastado para dentro do quarto.
- O que você está fazendo? – perguntei enquanto a via fechar a porta.
- Agora você não me escapa! – ela disse cruzando os braços e eu me sentei na beira da enorme cama de casal.
- Olha, se for o que eu estou pensando, eu não vou ter coragem de fazer isso com o , ainda mais no quarto dele. – brinquei e ela pegou uma roupa que estava largada no chão e jogou em mim uma camisa do que estava cheirando muito mal, diga-se de passagem. – Você não manda as roupas do seu namorado pra lavanderia não?
- Idiota, é sério! Você já me enrolou demais, eu poderia perguntar a , ela está um pouco estranha então não quis pressioná-la. – suspirou. – A propósito, ela me falou do casamento.
- É? O que ela disse? – perguntei fingindo interesse.
- Em menos de dois meses, e como ela só tem a , estou convidada para ser madrinha. – ela disse sorrindo e dando pulinhos.
- Que bom, parabéns. – rolei os olhos e me joguei de lado na cama.
- Ok, pode desembuchar, . Agora.
- Está bem. – eu disse endireitando meu corpo – Senta aqui que eu vou te contar.
- O quê? Sério que foi tão fácil assim? – ela riu se sentando na cama ao meu lado. – Nem acredito.
- Bem...

Já fazia um tempo que nós estávamos... Estávamos juntos, ainda não tinha um nome exato para aquilo que existia entre nós, mas sabíamos que estávamos juntos, todos sabiam, até mesmo as pessoas da escola sabiam, meus pais e a mãe dela, que pelo jeito já confiava muito em mim. Era o fim das férias e estávamos fora da cidade, eu e a minha , os dudes também estavam com a gente, aliás, nós estávamos na casa de uma tia ou sei lá o que do , mas o que importa é que eu estava com ela. No colégio, ela tinha parado de andar com Joey para todo lado, mas não deixou de falar com ele, o que me deixava incomodado, dizia que mesmo tendo terminado o namoro, ele sempre fora e ainda era seu amigo, dando ênfase para a palavra amigo. Mas mesmo assim, toda aquela proximidade não me agradava, nem um pouco.
- Não quero ir embora. – choramingou e eu ri, colocando a última mala dentro do porta-malas do carro de e o fechando logo em seguida. – Não quero voltar pra escola, está tão bom aqui.
- Nós temos que ir, já está tarde. – eu disse me sentando no meio fio e ela se sentou ao meu lado – E eu prometi a sua mãe que hoje você estaria em casa inteira.
- Será que quando eu chegar lá ela vai querer sair? – ela perguntou brincando distraidamente com os nossos dedos entrelaçados. – Ela quer que eu conheça alguns parentes mais próximos, para se caso aconteça algo com ela e eu tenha a quem recorrer, mas eu acho que é besteira, nós temos uma à outra, não precisamos de mais ninguém, não vai acontecer nada com ela.
- Não é besteira, . – eu disse enquanto ela deitava sua cabeça sobre meu ombro. – Ela só está cuidando de você.
Silêncio. A preocupação de sua mãe a deixava apreensiva, podia dizer que não, mas o que sua mãe falava sobre se prevenir por ser apenas as duas aqui na Inglaterra, a preocupava. O que, automaticamente, preocupava a mim também.
- Está pensando no quê? – perguntei.
- No futuro.
- E como ele é?
- Ele é bom, nele eu terei feito a minha faculdade, terei um ótimo emprego e minha mãe terá visto todas as minhas vitórias serem alcançadas de perto, e quando eu ligasse a televisão veria você e os garotos se apresentando em um programa importantíssimo como o McFLY, a melhor banda de todos os tempos, sendo comparados até com os Beatles. – ela disse e eu ri fraco, sua voz era calma, sonolenta, mas ainda assim me passou uma tremenda confiança em tudo que dizia.
- E depois? – perguntei.
- Depois o quê? – perguntou entre um bocejo.
- Depois que nós nos apresentarmos nesse programa importantíssimo e sairmos do estúdio, para onde eu vou? Vou para uma turnê mundial, gravar uma faixa para o novo CD, pra uma festa ou simplesmente vou pra casa? – perguntei e ela levantou a cabeça, me encarando com um sorriso de lado.
- Você vai vir pra casa, tomar vergonha na cara e me pedir em casamento. – deu de ombros. Eu sorri. Casamento, penso nisso às vezes e acho que se ouvisse isso sair da boca de uma outra pessoa, ficaria assustado, mas com ela não, com a minha é diferente. Eu a amo.
- Vamos? – disse abrindo a porta do banco de trás.
- Combinado. – a encarei, beijei seus lábios rapidamente e ela sorriu.
A puxei pra dentro do carro, logo estava ao meu lado, no volante e no banco do passageiro. A viagem fora longa, os dudes não paravam de conversar, rir e cantar, já estava tarde e apesar de todo o barulho, cochilou até chegarmos à casa dela, nós nos despedimos dos dudes e saltamos do carro.
- Está tudo apagado? – estranhou olhando para a própria casa. – Isso não é normal.
- Talvez ela só esteja dormindo – eu disse e ela sorriu fraco. Soltou minha mão, que estava entrelaçada a sua até então e tirou da mochila um molho de chaves, abriu a porta e nós entramos.
- Mãe? – ela rompeu o silêncio que se instalava pela casa logo depois de ascender às luzes da sala. Ela me encarou e eu dei de ombros enquanto fechava a porta, andou até o pé da escada, esperando que houvesse qualquer movimentação no andar de cima – Tenho uma coisa para te mostrar.
- O quê? – perguntei a abraçando pelos ombros e ela se virou para mim sorrindo.
- Lembra daquela caixa azul-bebê linda de quando você me deu o cachorro de pelúcia? Arranjei uma utilidade pra ela, já volto. – selou seus lábios contra os meus e se soltou do meu abraço.
Ela subiu as escadas correndo, joguei minha mochila no chão junto a sua e me sentei no sofá, pensando sobre como tinha sido ótima aquela última semana. Deixei um sorriso brotar de meus lábios e fiquei olhando distraidamente para a estante da sala da casa de , onde tinha alguns porta-retratos e CDs, muitos CDs, até que me assustei sentindo algo vibrar embaixo de mim, era um celular indicando uma nova mensagem, 17 não lidas e algumas chamadas perdidas. É, eu sou curioso, então abri a última mensagem: “Mãe?”. Depois me dei conta de que eram todas iguais...
- MÃE? MÃE, ACORDA, POR FAVOR! – ouvi gritar desesperadamente do andar de cima – ACORDA, MÃE! !
O grito angustiado me fez entrar em pânico, me levantei correndo, tropeçando e derrubando tudo o que pudesse estar na minha frente, subi as escadas correndo e já podia ouvir seus soluços. Desacelerei meu passo até a porta do quarto, que estava aberta no final do corredor, a caixa azul-bebê estava no chão e as luzes acesas, Sue estava deitada na cama e parecia dormir, mas sua pele estava pálida e seu peito não subia e descia assim como deve acontecer quando respiramos. Ela não estava respirando. , próxima a cama com o telefone entre as mãos trêmulas, chorando descontroladamente.
- EMERGÊNCIA? POR FAVOR, EU PRECISO DE AJUDA!


Capítulo 7 - Eu prometo


- ... Aneurismas pequenos costumam ser assintomáticos, talvez nem mesmo a sua mãe soubesse. A dor de cabeça súbita, as náuseas, que são os sintomas, podem ter sido tomados como uma coisa normal para ela. – o médico sentado a nossa frente dizia. – O ideal seria que estes fossem detectados precocemente, antes de sangrarem, para que houvesse tratamento, por isso...
- O que tudo isso quer dizer, afinal? – perguntou em voz baixa encarando as nossas mãos que estavam entrelaçadas sobre seu próprio colo, e o doutor suspirou.
- Aneurisma cerebral é uma doença grave, apenas dois terços dos pacientes sobrevivem. – ele disse, apertou minha mão e fechou os olhos com força. – Sinto muito.
Naquele momento, até mesmo para mim, se tornou muito difícil respirar. Antes que eu pudesse tomá-la em meus braços, se levantou, soltando-se de minha mão e em passos rápidos saiu da pequena sala de espera. Ainda um pouco tonto pela notícia, pedi licença aos médicos e fui atrás dela, passando pelos dudes que esperavam por nós no corredor, e depois de andar um bocado a encontrei no lugar mais silencioso de todo o hospital.
- Amor? – toquei seu ombro, mas ela continuou encostada à parede, de cabeça baixa olhando fixamente para o chão extremante branco – , por favor, olha pra mim.
- Eu não quero! – ela disse com a voz falha cobrindo o rosto com as mãos.
Olhei para os dudes, que nos seguiram preocupados e que nos observavam de longe, todos apenas se entreolharam e deram de ombros sem saber o que fazer. Devagar, puxei pela cintura até que seu corpo se encontrasse com o meu e então a abracei. Ela tremia de leve por conta do frio que fazia ali, e aos poucos senti suas mãos subirem, seus braços se envolverem em meu pescoço, sua cabeça encostando-se ao meu ombro e suas lágrimas quentes em minha pele.
- Por favor, faz essa dor passar – pediu num sussurro e eu senti um bolo se formar em minha garganta.
- Aguente firme, meu amor, eu estarei aqui contigo.
- A culpa é minha, não é? – ela perguntou com a voz trêmula. – Eu devia estar com ela na hora em que tudo aconteceu, na hora em que a minha mãe precisou da minha ajuda eu não estava com ela, eu simplesmente não pude fazer nada.
- Não diga isso, não é verdade, ninguém imaginou que isso poderia acontecer, muito menos você.
- O que eu faço agora, ? O que eu vou fazer sem ela aqui? – perguntou chorando e eu a apertei ainda mais contra mim.
Eu estava tentando desesperadamente achar uma resposta, qualquer uma, tentando achar uma forma de fazer com que a dor dela passasse, mesmo sabendo que não encontraria nada que pudesse dizer ou fazer para que ela se sentisse melhor. Não era como se tivéssemos perdido um objeto, uma pessoa que era assim tão importante não será esquecida facilmente, não poderá ser substituída, pois afinal somos todos únicos, Sue era única para , percebia-se que era muito mais do que uma mãe. Pela minha visão periférica, pude ver que pessoas se aproximavam. , e , beijavam o topo da cabeça de e se abraçavam a ela e automaticamente a mim, o abraço em grupo que normalmente era só pra arrancar uma gargalhada, um sorriso dos lábios dela, agora só a fez sentir-se confortável para deixar que as lágrimas caíssem livremente pelo seu rosto.

- Mãe, cadê a ? – perguntei descendo as escadas.
- Ela está no quarto, não está? – ela disse e eu subi as escadas novamente, voltando ao quarto de hóspedes, já tinha aberto a porta e passado os olhos lá dentro, mas não havia sinal de por ali, estava abafado e tudo escuro, entrei no quarto e acabei tropeçando em Snoop, que estava deitado ao pé da cama, abri as cortinas deixando que a luz forte do sol entrasse e algo que estava em baixo dos cobertores se mexeu. .
- Ah! Fecha, isso queima! – ela disse e eu gargalhei.
- Qual é, ? Levanta dessa cama. – eu disse subindo na cama e engatinhando até ela. – Eu quero a minha namorada de volta.
- Namorada, você quer a sua namorada? – ela perguntou descobrindo o rosto e eu sorri. – Acho que você não a terá tão cedo. Eu estou horrível e acabada, , sai daqui.
- Tomou banho? Escovou os dentes? Penteou o cabelo? – eu perguntei e ela assentiu a tudo rolando os olhos. – Então você está perfeita, meu amor.
- Eu estava te esperando, você demorou.
- Eu sei, o amigo da sua mãe, o empresário, apareceu na porta do colégio hoje.
- Sério? E o que ele queria? – ela perguntou se ajeitando na cama até se sentar e então eu percebi que ela estava arrumada.
- Aonde você vai?
- O que ele queria? – insistiu.
- Ok, ele disse que ouviu a demo, que adorou e que vai mandar as músicas para a gravadora, e se ocorrer tudo bem negociam um contrato. – eu disse e ela sorriu como não sorria há muito tempo e os olhos brilhando fazendo uma onda de alegria me preencher, era tão bom ver aquele sorriso de novo.
- Eu sabia! – ela me abraçou forte e eu ri. – Vai ocorrer tudo bem, é claro que vai.
- Claro, porque um dia nós teremos que ir a aquele programa importantíssimo, não teremos? – perguntei e ela afrouxou o abraço, fitando meus olhos de perto. – Não era esse o combinado?
- Snoop estava me fazendo companhia até que você chegasse, acho melhor nós irmos. – ela disse e se levantou.
- Irmos aonde? – perguntei confuso.
- Meu pai me ligou, chegou hoje, mais ou menos meia hora atrás, e agora está na frente da minha casa me esperando, eu pedi para que ele esperasse porque não queria ir sozinha. Então nós temos que ir entregar as chaves a ele. – ela disse e mordeu o lábio inferior.
Eu nada disse, me levantei também e entrelacei minha mão a sua. Naquele momento, adiar falar sobre qualquer coisa que envolvesse a partida dela e não enfrentar parecia ser muito mais confortável. Parecia. Saímos de casa e seguimos o caminho em silêncio, quando chegamos havia um carro estacionado à frente da casa dela.
- , esse é o meu pai. – ela indicou o homem que saia do lado do passageiro. – Ele não fala inglês, então...
Ele era um pouco maior que eu e não demonstrou nenhuma reação ao ver a filha. Eles começaram a conversar, mas eu não entendia nada, devia ter pedido para me ensinar português, nem que fosse só um pouquinho, queria muito saber o que eles falavam. Ela tirou as chaves do bolso rolando os olhos e as lhe entregou. O homem me olhou de cima a baixo com uma das sobrancelhas levantadas e disse mais algumas coisas e no final meu nome.
- , por que ele está me encarando desse jeito? – eu perguntei baixinho, o homem riu sem humor balançando a cabeça negativamente e foi em direção à porta principal. – Ele não gostou de mim? Não estou entendendo nada.
- , entenda apenas uma coisa: – ela se virou para mim colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha – ele não gosta de nada e nem de ninguém.
- Que ótimo! – eu disse sarcasticamente e riu fraco e foi até a janela do carro, tinha mais um homem lá.
- Oi, tio. – ela disse em inglês, deu um meio sorriso e o homem desceu do carro deixando a porta aberta.
- Como vai a minha zinha? – ele perguntou a abraçando forte. – Não dê importância para seu pai agora, você vai ter muito tempo ainda para se acostumar com a chatice dele.
- Tudo bem, eu não me importo, me lembro direitinho de como ele é. – deu de ombros se soltando do abraço e ficando ao meu lado – Tio, esse é o .
- Ah! Você que tem cuidado da minha sobrinha? – ele sorriu estendendo sua mão para que eu a apertasse e assim o fiz. – Espero que muito bem.
- Claro, senhor, com todo o cuidado do mundo. – sorri de lado.
- Bem, – começou ele tirando uma mala de dentro do carro e fechando a porta logo em seguida – os vejo lá dentro?
- Com certeza! – disse e ele seguiu o mesmo caminho que o pai dela havia feito, desaparecendo atrás da porta – Ele é irmão da minha mãe. Muito mais simpático, não acha?
- Está brincando? Eu amei o seu pai. – brinquei e ela sorriu fraco balançando a cabeça negativamente – Venha, vamos entrar.
Nós entramos e logo o pai de a arrastou para conversar com ela, em português. Língua complicada. E eu fui ajudar o tio dela a pegar algumas caixas de papelão que estavam dentro do carro, e ele era realmente muito mais simpático. Estava mais do que claro de que ela iria se mudar. Mas quando? e seu pai não se davam muito bem, ela podia ir morar com o tio, não podia? Se eu pudesse ajudar...
Depois daquele dia, ela teve que voltar para sua casa, eu e os dudes íamos lá depois do colégio para ajudar a empacotar algumas coisas. Alguns dias depois, eu cheguei lá e a casa estava toda aberta e silenciosa, entrei logo subindo as escadas e tomando caminho para o quarto que, assim como os outros, tinha a porta aberta e algumas caixas espalhadas pelos cantos. Não havia mais cortinas na janela, deixando o cômodo iluminado pela luz do sol, a televisão estava ligada e algumas capinhas de fita VHS estavam em cima dela. estava sentada na beira da cama com as pernas em volta do próprio corpo, o controle remoto em uma das mãos, os olhos fixos na tela e nenhuma expressão em seu rosto.
- Veio cedo hoje. – ela disse me assustando um pouco, pensei que não tinha se dado conta da minha presença, então ela me encarou e sorriu.
- Cabulei a aula de química, estava muito chato sem você. – eu disse me sentando ao seu lado e entrelaçando sua mão na minha, ela riu e me deu um selinho rápido. – Está melhor?
- Não sei, acho que sim, estou conseguindo até ver os vídeos antigos sem chorar. – deu de ombros voltando a olhar pra a TV.
No vídeo estava sol no que parecia ser um parque, gramado, uma única árvore e uma toalha vermelha quadriculada estendida no chão, ajoelhada sobre a mesma, uma mulher de rosto jovial, que eu reconheci. Ela segurava as mãos pequenas de uma menininha de vestido azul, me pareceu que ela não passava de um ano de idade.
- Meu pai quem estava filmando, naquela época eles ainda se davam bem – suspirou. – Ela estava tão bonita.
Silêncio.
- Ok, acho que não quero mais ver vídeos. – disse calmamente se levantando e desligou a televisão.
- Ei, vai ficar tudo bem. – eu disse me levantando também, a vendo jogar o controle remoto em cima da cama. – Sabe disso, não sabe?
Ela assentiu e suspirou. Abraçou-me pelo pescoço, fazendo um carinho gostoso na minha nuca enquanto eu levava minhas mãos até sua cintura para trazê-la mais para perto, finalmente colando seu corpo quente ao meu. Senti um frio na barriga ao fitar seus olhos tão de perto. Para mim havia algo de diferente neles, algo que me atraia e me deixava hipnotizado, algo que somente os olhos dela, e os de ninguém mais, tinham. E era aquilo que me encorajava a dizer o que eu já queria ter dito há muito tempo. Levei uma de minhas mãos até seu rosto, jogando uma mecha de seu cabelo para trás e acariciando o mesmo logo depois.
- Eu vou estar com você, prometo. , eu te amo.
- Ahm, ... – ela começou sorrindo fraco e mexendo na gola da minha camisa.
Ok, foi apenas impressão minha ou ela realmente hesitou? Por que ela hesitou?
- ? – a voz conhecida a interrompeu, era seu tio – !
- Ah, droga. – ela bufou jogando os braços ao lado do corpo exaustivamente – Vem! – entrelaçou sua mão a minha e começou a me puxar para fora do quarto até a ponta da escada.
- Não, espera. – eu disse parando de andar e ela me encarou. – Ahm, você não...? Quero dizer, o que você ia dizer?
- . Seu pai. Cozinha. – o tio de dela disse e ela soltou minha mão.
- Depois, ok? – então ela desceu as escadas e me deixou ali, sozinho, me sentindo estranho, querendo que ela voltasse logo.
- Se importa em me ajudar a carregar essas últimas caixas até o carro? – seu tio perguntou chamando minha atenção.
- Claro que não! – eu disse descendo as escadas, peguei duas das poucas caixas que restavam na sala vazia, sem móveis, mais nada além de caixas. – Para onde estão sendo levadas essas coisas?
- Algumas foram doadas, – ele disse abrindo o porta-malas – como roupas e quase todas as coisas de Sue, – suspirou – e outras foram vendidas.
- Como assim quase todas as coisas? – perguntei colocando a última caixa dentro do carro e ele o fechou.
- Resolvemos ficar com alguns objetos que tinham certo valor sentimental para ela, como a caixinha de música que vai levar amanhã para... Aliás, – ele disse indo até a porta do passageiro. Certamente eu já não entendia mais nada, iria levar a caixinha pra onde? Ele remexeu numa bolsa que tinha em cima do banco e me entregou... – a passagem. Diga a ela que venho buscá-la cedo.
- Uhum. – assenti fitando o que tinha em mãos, ele deve ter continuado a falar, mas eu já não prestava mais atenção, tantas coisas se passavam pela minha cabeça, mas na verdade eu não sabia em qual delas parar para pensar melhor – Tchau! – dei as costas e entrei na casa, fechando a porta logo em seguida.
- Meu tio já foi? – ouvi perguntar e eu a encarei levantando a passagem de avião para o Brasil.
- Amanhã, 8 horas da manhã. – silêncio. – Amanhã?
- Desculpe! – ela disse simplesmente e eu gesticulei para incentivá-la a falar mais. – Não posso fazer nada.
- Não pode fazer nada? – perguntei incrédulo e ouvi o celular dela começar a tocar.
- Não, , eu não posso fazer nada, não tenho escolha e nem precisava estar explicando isso, você já sabia. – disse séria, deixando o celular tocar.
- Você não vai atender?
- Não.
- Por quê? – arqueei uma das sobrancelhas e ela bufou pegando o celular do bolso.
- Alô, Joey? – ela disse ao atender e eu fui em passos rápidos até ela. Ah, isso é ótimo, as coisas não poderiam ficar melhor, eu definitivamente não gostava daquele cara, minhas mãos automaticamente se fecharam em punhos e se ele estivesse na minha frente naquele momento, com certeza já não teria mais os dentes. – Escuta, será que você não poderia ligar uma outra hora?
- O que esse cara quer contigo, ?
- Diga a eles que eu não posso... Sim, é amanhã.
- Não, não, espera – eu ri fraco, descrente. – Ele sabe sobre amanhã, sobre a sua viagem de amanhã, ele sabe que é amanhã?
- Ok, eu tenho que desligar. – ela disse e desligou o celular, tornando a colocá-lo no bolso.
- Sério, , o que você estava esperando pra me contar? – perguntei e ela mordeu os cantos dos lábios – Por que está fazendo isso?
- Eu não estou fazendo nada.
- Exatamente! – eu disse e a encarei por alguns segundos, ela abaixou a cabeça. Eu esperava mais, não sabia exatamente o que, mas esperava. Eu queria sair daquela casa, queria pensar, então sem dizer mais nada abri a porta e sai dali.
- E o que você queria que eu dissesse? – ela perguntou vindo atrás de mim – “Ah, ! Vamos queimar a passagem, o passaporte, porque eu não vou”.
- Isso seria bom também. – eu dei de ombros me virando para ela.
- Seja realista. – ela pediu juntando as mãos diante do peito.
- Nós não fizemos nada para que fosse diferente. Você parece não se importar! – gesticulei.
- Mesmo depois de tudo, você acha que eu não me importo?
- Depois de tudo o que, ? A questão não é essa. – eu disse, ela comprimiu os olhos e abriu a boca incrédula.
- Então, por favor, me explique, porque até agora você está sendo muito injusto. – ela disse dando um passo a frente e mordeu os lábios, seus olhos estavam marejados.
- Você está indo embora para bem longe de mim e não me conta, mas conta para esse cara? – eu disse e ela abaixou os olhos fungando baixinho. – Tem certeza de que sou eu quem está sendo injusto?
- Não estava sendo fácil, eu só pensei que...
- Eu não sei o que você estava pensando, mas se já não estava sendo fácil, agora está muito mais difícil. Pelo menos para mim. – eu disse e voltando a dar as costas.
- Já que você está indo, não precisa mais voltar. – a ouvi dizer.

- Dude, me dá isso aqui – disse arrancando a garrafa da minha mão – Sabe o quanto nós procuramos por você?
- Nós? Você e mais quem? – resmunguei.
- O que aconteceu?
- Nada! – eu disse e me levantei sentindo uma breve tontura.
- Posso ligar pra então? – ele disse tirando o celular do bolso.
- Faça o que você quiser. Ela não se importa, ela não se importa com o que eu digo ou com o que eu faço...
- Do que você está falando?
- ... Porque eu sou o errado, , o injusto. Mas por que eu estou reclamando? Ela vai entrar naquela porra de avião amanhã de qualquer forma! – eu disse me apoiando em seu ombro e ele franziu o cenho.
- O que? Avião, amanhã? , que história é essa?
- A história, . – rolei os olhos começando a andar, andar para qualquer lugar. – Começa com ela omitindo e termina com ela hesitando, é só isso que você precisa saber.
- Aonde você vai?
- Caralho, chega de perguntas!

Minhas mãos passeavam por todo o seu corpo, minha boca beijava seus lábios com ardor e minha mente girava buscando desesperadamente fazer com que meu corpo reagisse e sentisse tudo aquilo que eu sentia quando estava com ela, nós não nos encaixávamos, não havia sincronia, não havia atração, só havia frustração, o gosto forte de álcool em minha boca, o que me deixava alegre, e pensamentos vagos. Esse era o problema. Eu tinha que pensar menos e agir mais, amanhã ela já não estaria mais por perto. Ela se sentou em meu colo, deixando-me entre suas pernas, sussurrando ao pé do meu ouvido coisas ilegíveis, mas que no momento me pareciam muito convincentes. "Esqueça, esqueça tudo". Puxei seu rosto para perto do meu e selei nossos lábios novamente, eu tentei esquecer, mas tudo me incomodava, o cabelo onde meus dedos se entrelaçavam e o cheiro forte e estranho de seu perfume insistiam em me mostrar a verdade, mas me deixei levar, mesmo sabendo que não era ela quem estava ali.

Acordei no meio da noite batendo a cabeça no chão, forcei para abrir os olhos, minhas pálpebras estavam pesadas, minha boca seca, a cabeça latejando e o corpo todo doendo. Quando consegui abrir os olhos, tateei até achar a ponta da cama, me apoiei com cuidado para não cair mais uma vez, mas todo esse cuidado se foi quando dei de cara com Brook deitada apenas de roupas íntimas na minha cama. Meus olhos se arregalaram instantaneamente e eu me afastei dali rapidamente batendo as costas contra a parede e sentindo minha cabeça reclamar mais do que qualquer outra parte do corpo. Mas o quê? Sorri melancólico. Eu devia ainda estar bêbado, estaria tão ferrado – até mesmo com a minha própria consciência depois – que queria conseguir rir da situação em que me encontrava agora. Merda. Passei exaustivamente as mãos pelo rosto e enxerguei meu celular piscando embaixo da cama, o trouxe até a altura do rosto vendo que havia chamadas perdidas, mensagens recebidas, mas nenhuma dela. Nem mensagem, muito menos ligação. Nada dela. Senti meu estômago embrulhar e um gosto amargo invadir minha boca, se misturando com o gosto de álcool, me levantei e corri cambaleante até o banheiro, onde joguei fora todo aquele líquido maldito antes mesmo de chegar ao vaso sanitário. Estiquei o braço até alcançar a pia, me debrucei sobre a mesma e abri a torneira tomando o máximo de água que consegui, e depois me virei para o vaso e tornei a vomitar sentindo a garganta arder.
Entrei no box e liguei o chuveiro, sentindo a água bater contra o meu corpo que parecia estar anestesiado. Fechei os olhos, me encostando à parede e deslizei até cair sentando no chão, ficando ali por um longo tempo. Eu não queria pensar, não queria sentir. Minha pele começou a enrugar e meu corpo tremia de frio. Abri os olhos e me levantei devagar, desligando o chuveiro e saindo do box, desviei de todo o vômito que se espalhara pelo chão ainda molhado e escovei os dentes. Voltei para o quarto me enxugando com a toalha que sempre ficava largada sobre a cômoda e me vesti, peguei um travesseiro e sai do quarto a fim tentar pregar o olho no sofá da sala. Joguei o travesseiro em cima do sofá indo para a cozinha tomar um remédio, sem saber se realmente valeria de alguma coisa, mas algo chamou minha atenção, a luz do lado de fora estava acesa e percebi que havia uma sombra no vão da porta principal. Fiquei com medo de que fosse a minha mãe sem as chaves querendo entrar e eu não me lembrava da chave reserva estar debaixo de um dos vasos de planta, como ela sempre deixava, e não tinha atendido nenhuma de suas ligações, ai sim eu estaria fudido. Fui até a janela e a abri devagar tentando não fazer barulho e espiei quem quer que estivesse ali.
- Que droga, . – sussurrei para mim mesmo suspirando ao reconhecê-la sentada no chão com seus braços envolvendo suas pernas, a cabeça encostada aos joelhos e os olhos fechados. Fechei a janela com cuidado e me sentei no chão encostando-me a porta – – chamei e nada, dei duas batidas de leve na porta e tornei a chamar seu nome.
- ? – ela se mexeu do outro lado.
- , vai pra casa.
Silêncio.
- Me desculpe, ok? Eu devia ter te contado.
- Há quanto tempo você está ai?
- Algumas horas, talvez. – ela disse e eu fechei os olhos com força. Horas? O que eu estava fazendo algumas horas atrás?
- Você não devia ter vindo.
- Eu sei, mas eu não ligo mais, tem muitas coisas que eu também não devia ter feito. – pausa – A propósito, pode dizer tchau para os meninos por mim? Também não contei a eles.
- O que veio fazer aqui?
- Não sei, conversar... – disse em dúvida – eu não imaginava que teria uma porta entre nós, mas – ela riu fraco e eu, com um sorriso leve querendo brotar de meus lábios só por ouvi-la tentar brincar, balancei a cabeça negativamente podendo imaginá-la dar de ombros. – Tudo bem, pelo menos estou ouvindo sua voz. – ela disse e eu fiquei em silêncio – Seria bom se você, sei lá, perguntasse ou falasse mais alguma coisa.
- Você, ahn... Você falou com Joey depois que eu fui embora? – perguntei e ela riu, me pareceu menos infantil quando a pergunta ainda estava na minha cabeça.
- Ai, , você não imagina a minha vontade de te socar agora. – ela disse entre risos. – Mas mesmo assim, não, eu não falei, eu não preciso falar com ele a todo momento, eu não sabia como te contar então resolvi conversar com um amigo.
- Você não pensou, sei lá, no ? Ele também é seu amigo.
- Eu não pensei em nada! – ela disse em voz baixa. – Mas o que eu estou querendo dizer é que não importa o que aconteceu ou como você reagiu, independente do que virá a seguir, eu preciso de você mais do que nunca.
Mais silêncio.
- Sei que você ficou mais frustrado por eu ter hesitado, me desculpe por isso também. – ela disse e eu não podia estar me sentindo pior, ela não podia ter ficado chateada comigo por mais tempo para que nós não passássemos por essa situação? Droga, o que eu estou dizendo? Eu sou o mais errado nisso tudo – Eu te amo, mas quanto a mudança...
Ela deixou que sua frase acabasse ali e suspirou.
- Pode abrir a porta, por favor? – ela pediu e eu tentei pensar rápido no que fazer. Queria abrir a porta, queria muito, mas eu não podia, Brook estava no meu quarto e eu ainda um pouco grogue. E nada mais daria certo, eu tinha certeza disso.
- Vai pra casa! – eu disse, mesmo não querendo que ela fosse. Que merda eu tinha feito, tudo isso só para provar a mim mesmo de que não precisava dela, sendo que eu estava me enganando, eu não tinha dúvidas de que precisava dela, ontem eu tinha dito que a amava. Idiota.
Então eu ouvi um barulho de vidro se quebrando do lado de fora.
- , o que você está fazendo?
- Nada, só pensei que fosse você na calçada e joguei a garrafa. – ela disse e eu levantei, me esgueirando até a janela e a vi sentada no mesmo lugar, com os braços cruzados e de cara fechada olhando fixamente para um ponto na calçada. A garrafa que ela disse ter jogado – Sua mãe ainda deixa uma chave reserva debaixo de um dos vasos de planta?
- Erm... Não! – eu disse e sai correndo, tropeçando escada acima, entrei no meu quarto e ascendi a luz. – Brook, acorda, você tem que sair daqui.
- A casa está pegando fogo? – ela disse se sentando e me olhando com os olhos miúdos.
- O quê? – estranhei sua pergunta – Não.
- Então me deixa. – disse e voltou a se deitar.
- É sério, você tem que ir embora. – eu disse a puxando pelo braço.
- Ok, que porra! – ela disse pegando suas roupas do chão e se vestindo – Você não era assim.
- Pois é, não era! – eu disse me vestindo também e quando ela acabou de colocar o salto eu a puxei pelo pulso pra fora do quarto – Fala baixo.
- Vai pelo menos me levar pra casa? – perguntou enquanto descíamos as escadas.
- Ahm... Eu não posso, não vai dar, desculpe.
- O quê? – ela disse puxando o braço fazendo com que eu a soltasse. – Agora que eu não vou sair daqui mesmo, você me encontra na rua, eu venho até aqui e depois me manda voltar pra casa sozinha e a pé à uma hora dessas, está ficando louco?
- Vai, Brook, eu preciso que...
- Eu não quero saber o que você precisa, quero saber por que você precisa. – ela cruzou os braços e arqueou as sobrancelhas. Eu rolei os olhos e pensei bem, mas resolvi logo dizer.
- está aqui na frente e pode abrir a porta a qualquer momento se ela achar a chave. – eu disse derrotado.
- Anw, sério? – ela fez uma cara desolada, mas logo voltou a sorrir. – Desculpe, querido, mas essa eu quero ver.
- Não, você vai... – comecei e fui logo interrompido pelo som da porta sendo destrancada, corri até lá com a intenção de não deixá-la abrir, mas era tarde, ela abriu e parou abruptamente olhando com os olhos arregalados para a escada atrás de mim.
- Oi, florzinha! – ouvi a voz ácida de Brook.
- ! – tentei alcançar sua mão, mas ela recuava me fuzilando com o olhar.
- Não me toque e nem chegue perto de mim. – ela disse seca.
- Por favor, me deixe só tentar... – eu disse e ela riu.
- Tentar, tentar o quê? Tentar explicar? Adivinhei? – ela disse sorrindo, mas seus olhos já estavam marejados. – Acho que não vai dar, eu tive que aguentar todo o seu drama por eu não ter te contado sobre uma coisa que era óbvia e ficar aqui esperando pela sua boa vontade por mais de horas...
- Eu sei que não tem explicação. – eu me afastei fitando o chão.
- Não, não tem mesmo. – ela disse deixando lágrimas pesadas escorrerem pelo seu rosto. – Mas tudo bem, como você mesmo disse, eu não me importo mesmo, não é?
- Sim, você se importa! Você disse que precisava de mim.
- Não, não! – ela colocou as mãos na cabeça e passou a encarar o chão. – Para, por favor, para! Você não é insubstituível, ! – ela disse e eu engoli a seco, mas se eu realmente quisesse que ela me ouvisse, tinha que continuar.
- Eu te amo, você sabe disso. E você me ama. – eu disse e ela me olhou, seu rosto estava lavado por lágrimas, contorcido em expressão de raiva e dor.
- Não diga isso. – apontou o dedo pra mim e veio em minha direção em passos largos – NUNCA MAIS DIGA ISSO! SEU IDIOTA!
- Amor... – tentei alcançar seu rosto, mas ela deu um tapa em minha mão que se erguia.
- NÃO ME CHAME ASSIM! – ela gritou com a voz trêmula e com suas mãos fechadas em punhos ela começou a socar meu peito, inutilmente – EU TE ODEIO, EU TE ODEIO, EU TE ODEIO! – repetia incansavelmente. Peguei em seus pulsos, mas ela não parava de me bater.
Ouví-la dizer aquilo me doía mais do que qualquer outra coisa, eu não queria que aquilo estivesse acontecendo, ela estava sofrendo por minha causa, ela estava chorando por minha causa e isso era a última coisa que eu queria. Ela era boa de mais pra mim e eu sabia disso, mas eu a amava e sabia que o errado ali era eu. Eu falhei. Falhei com a minha garota.
- Por favor, me perdoa! – eu disse contra seus cabelos assim que ela tinha parado de lutar contra as minhas mãos que ainda seguravam seus pulsos, meus olhos ardiam e só era possível ouvir seu choro.
- Não me pede isso, . – ela disse puxando seus braços para que eu soltasse e eu o fiz. – Não dá. Você tinha prometido que ia estar comigo. – passou as mãos pelo rosto e se virou em direção a porta.
- Por favor? – supliquei, eu podia ir atrás dela, mas era como se meus pés descalços e o chão gelado da sala tivessem se tornado um só, me impedindo de dar um passo sequer. E ela se virou calmamente.
- Não fale mais nada, ok? – disse com os olhos tristes. – Apenas... Apenas não fale, .
Não me lembro qual foi a última vez que chorei, não me lembro se era por uma coisa importante ou se era um forte sentimento o qual eu sentia, mas naquele dia a vontade já estava ali, viera rasteira desde cedo ao saber que ela estava mesmo indo embora. Eu queria me manter firme, não queria chorar, queria falar, na verdade, queria gritar para afastar a dor que eu tinha certeza de que não atingia somente a mim. Deixei que as lágrimas caíssem silenciosas, consegui mover meus pés e fui atrás dela. andava devagar, de cabeça baixa, peguei em seu braço e a virei para mim.
- Por favor? – repeti.
Ela me encarou por alguns segundos, fez menção de tocar meu rosto, mas logo juntou sua mão ao peito balançando a cabeça negativamente e disse quase num sussurro:
- Nunca pensei que diria isso, mas por favor, me deixe.

- Ok, – disse num suspiro – realmente não é aquele e conto de fadas que eu imaginei.
- Desculpe desapontá-la. – eu sorri fraco e ela riu.
- Essa coisa com a mãe dela, ela nunca me contou, mas do pai eu já sabia, não gostava daquele cara. – ela fez careta. – E você, hein? Que vergonha, na hora que a garota mais precisou de você. – ela disse em reprovação balançando a cabeça negativamente.
- Eu sei, fui um idiota.
- O quê? Você foi muito filho da puta, isso sim. – ela disse e riu ao me ver incrédulo com os olhos arregalados – Ok, eu retiro o que disse, mas só porque eu tenho muita consideração pela Sra. .
- Tudo bem, eu não me orgulho, me arrependi no primeiro instante em que percebi a merda que tinha feito.
- Isto é bom, reconhecer o erro. – disse se levantando – Só não se iluda.
- O que você quer dizer?
- Ah, qual é? Do jeito como você se culpa, vai me dizer que quando a viu, não passou pela sua cabeça como seria se nada daquilo tivesse acontecido, se ela não tivesse se mudado, se você não tivesse agido como um idiota? – gesticulou ela. – Dá pra ver isso, você não engana ninguém, está praticamente estampado na sua cara. O problema é que agora ela está noiva, você não vai querer estragar isso, vai?
- Não.
Talvez.
- Até mesmo porque ela tem a e precisa ter um compromisso sério, estabilidade, coisa que você não tem.
- Ei! – a repreendi com o olhar e ela deu de ombros. – Eu posso passar a ter.
- Fala sério, , desde que nós nos conhecemos, seus relacionamentos não passaram de dois meses.
- Isso porque não consigo ficar outra mulher. – eu disse me levantando também. – Porque passei mais de sete anos com ela habitando em meus pensamentos, como eu posso estar com uma, querendo estar com outra que eu nem sabia onde estava ou como estava? Isso não fazia sentido algum e estava me deixando lou... – eu dizia até ser interrompido por , que abriu a porta abruptamente.
- AHÁ! – ele apontou pra gente com uma das sobrancelhas arqueadas rindo – O que vocês estão fazendo?
- Conversando, contando a história de anos atrás. – sorriu de lado.
- Finalmente, já não aguentava mais você me pedindo pra contar. – ele disse recebendo um tapa no braço da namorada.
- Eu também não aguentava mais, estava de saco cheio, por que você não me poupou desse trabalho e contou à ela? – eu perguntei também recebendo um tapa no braço e ele riu.
- Ah... Você sabe dos detalhes. – ele deu de ombros e eu rolei os olhos. – Enfim, a está indo embora.
- Então é melhor nós irmos pra sala. – disse e saiu do quarto, sendo seguida por nós dois.
- Deve ter alguma coisa a ver com aquela ligação. – disse para que somente eu ouvisse e nós continuamos andando até chegar à sala.
- E aí, o que aconteceu? – perguntou se sentando no braço de um dos sofás – Está cedo ainda.
- Nada, eu só... Ahm, preciso ir. – sorriu sem jeito.
- Ah não! Por quê? – indagou .
- Alguma coisa a ver com ? – perguntou.
- O que aconteceu com ela, ela está bem? – se desesperou e nós rimos.
- Calma, não aconteceu absolutamente nada com ela. – ela disse entre risos. – Só tenho que ir pra casa.
- Robert está chegando de viagem? – perguntou olhando brevemente para mim e assentiu. – O te leva.
- Não precisa, eu chamo um táxi. – ela disse colocando a bolsa no ombro e todos se levantaram.
- Até o táxi chegar, você já poderia estar em casa. – disse – Não que o seja o melhor motorista do mundo, mas...
- Ei! – o interrompi enquanto todos riam e assentiam, concordando com aquela mentira.
se despediu de cada um deles. e pediram que voltasse mais vezes e para que quando voltasse trouxesse também e junto. a abraçou e fez o mesmo, porém com mais força, quase a tirando do chão. O que eu achei um exagero, e aposto que também, diga-se de passagem. Deixamos o apartamento e até chegarmos ao meu carro não emitiu um som sequer, só me disse qual o caminho e entrou no carro, mas o caminho era longo e depois de um tempo aquilo começou a me incomodar.
- Ok, esse silêncio está me incomodando. – eu a olhei com o canto dos olhos e ela olhava pela janela. – Pode falar alguma coisa, por favor?
- Ahm... Acho que a gostou de você. – ela disse, não era exatamente nesse assunto que eu queria entrar, mas me senti feliz ao ouvi-la dizer aquilo.
- É? E por que você apenas acha isso?
- Porque ela pergunta quando você e o Snoop vão vê-la na saída do colégio de novo. – ela riu fraco – Então eu fico em dúvida se ela gosta de você ou do seu cachorro.
- É lógico que ela gosta de mim, eu sou adorável. – eu disse e ela riu.
- Sim, com certeza.
- Eu também gosto dela. Se um dia, assim... Não sei, talvez... – eu comecei e gargalhou – Não ria, não sei convidar uma menininha pra sair.
- Foi engraçado, poxa. – ela disse entre risos – Mas eu gostei da ideia, quer uma dica?
- Diga.
- Ela gosta de sair, mas prefere ficar em casa, ela come de tudo, mas é claro que prefere doce, acho que você já percebeu isso, – ela disse e eu assenti – principalmente os muffins da Starbucks, adora os filmes da Disney e de quando a mãe dela vai junto por onde quer que ela vá.
- Essa última parte é verdade ou você está se auto convidando? – eu perguntei rindo.
- Se você não se importar. – a olhei brevemente e ela sorria pra mim.
- Vai ser legal. – eu disse e ela se mexeu no banco ao meu lado.
- Está vendo aquela casa amarela? – ela apontou e eu assenti – É ali.
Era enorme, num tom amarelo claro e as portas e janelas pintadas de branco, a casa estava toda fechada. Na parte da frente, o que deveria ser um jardim, estava coberto por uma camada não muito espessa de neve, exceto o caminho que levava até a porta principal, que brilhava por estar molhado. Ela me parecia aconchegante e era convidativa, eu tive vontade de entrar e ver como era tudo lá dentro, imaginei se teria um escritório com vários diplomas na estante, se na cozinha havia cinco geladeiras e se na verdade ela tinha três filhos, não apenas , para dividir aquela casa enorme, assim como eu me lembrava muito bem de ter imaginado um dia. Ri internamente com os meus pensamentos e estacionei o carro.
- Bem, obrigada! – ela sorriu tirando o cinto de segurança e abrindo a porta.
- Não, , espera. – eu disse e também tirei o cinto e me virei pra ficar de frente pra ela – Quero te fazer uma pergunta.
- Hm... Ok! – ela me olhou com uma das sobrancelhas arqueadas e encostou a porta do carro.
- Aquilo que houve entre a gente na cozinha...
- Ah! Não, isso não, . – ela disse tornando a abrir a porta, mas eu segurei sua mão. – Eu disse que não precisávamos falar sobre isso.
- Eu sei, mas eu preciso saber, preciso que você me diga agora. – eu disse e ela fitou meus olhos, séria.
- Não pode e não vai acontecer de novo, só isso que você precisa saber.
- Por que eu não sinto firmeza na sua voz? – eu disse soltando sua mão e ela comprimiu os olhos.
- Eu não vou ficar aqui discutindo com você sobre isso. – ela disse descendo do carro e eu rolei os olhos rindo.
- Por que você sempre foge? – perguntei vendo-a fechar a porta.
- Não estou fugindo de nad... Ah! – ela escorregou do lado de fora e soltou um gritinho se apoiando no carro, o que me fez ter mais vontade de rir.
- Espera, eu vou te ajudar. – eu disse e saltei do carro.
- Argh, eu só escorreguei, não preciso da sua ajuda, ok? – ela disse tentando dar alguns passos ainda se apoiando, dei a volta no carro.
- Olha a finura desse salto, .
- O que tem? – ela deu de ombros.
- Vem! – eu disse lhe estendendo a mão, ela torceu o nariz murmurou algumas coisas que eu não tinha certeza se era em inglês, mas pegou na minha mão, o chão estava um pouco escorregadio, o que me fez pensar: – Quem foi o inteligente que colocou um piso desses na entrada dessa casa, ainda mais sem antiderrapante?
- O antigo proprietário que não parava aqui, só vinha no verão? – ela sugeriu rindo quando nós dois escorregávamos. – Nunca o julguei muito inteligente.
- Não sei se...
- Outch! – dissemos em uníssono quando nós dois escorregamos e caímos no chão.
- Desculpe! – eu ri.
- Claro, porque quando você cai, sempre tem que levar alguém junto. – ela disse e jogou um pouco de neve na minha barriga. – Também nunca te julguei muito inteligente.
- Como assim, ? – eu perguntei rindo e ela gargalhou.
- Eu pensei que você tinha dito que vinha me ajudar! – ela disse enquanto eu enchia a mão de neve.
- Mas se não fosse por mim – eu disse e amassei a bola de neve em seu ombro – você nem chegaria aqui.
- Você gosta de estragar as minhas roupas, não é? – ela riu jogando mais neve em mim. – Quer que eu ande toda horrorosa por ai, só pode.
- Nem estou estragando. – eu ri – Eu posso rolar você no chão que vai continuar linda.
- Com certeza ela vai. – ouvi uma voz masculina dizer atrás de mim e os olhos de arregalaram e um sorriso brotou de seus lábios. – Saudades?

Capítulo 8 - Buzz Lightyear speaking in Spanish


- E então?
- Era o tal do Callagham. – eu disse relaxando todo o meu corpo sob a poltrona – Nós estávamos conversando e rindo, nem percebemos quando um táxi estacionou ali em frente, aposto que mais um pouquinho e...
- E o quê? E vocês teriam se beijado de novo? Ela teria dito que não importa o que aconteceu nos últimos anos e que ficaria contigo? – perguntou tediosamente brincando distraído com a caixinha entre os dedos – Não força a barra, .
- Tanto faz, o negócio é que ela me apresentou a ele como “, um velho amigo” e ele respondeu “Ah! Então você é o ?” – gesticulei – Eu realmente não entendo, não te contei, mas aconteceu praticamente a mesma coisa com a prima dela.
- Talvez ela te rotule como o namorado mais idiota que ela teve na vida dela. – ele deu de ombros rindo e eu joguei uma almofada na cara dele.
- Nossa, piadinha sensacional essa.
- Há quanto tempo você não a vê?
- Alguns dias. – dei de ombros – Mas hoje eu vou ver a .
- Ahn? – ele fez careta.
- A também vai, – expliquei – mas ela disse que a menina gostou de mim, e eu também gostei dela, por que não agradar?
- Você está contando mesmo com que isso dê certo? Ganhar a pela filha? – ele me olhou com o cenho franzido.
- Não, não é bem assim. – eu disse me ajeitando na poltrona.
- Mas é o que parece.
- Mas não é isso, ok? Chega de falar disso. – rolei os olhos – Quero saber dessa caixinha. – eu disse e ele ficou alguns segundos olhando para a caixinha azul aveludada, então se inclinou sobre a mesinha de centro a colocando ali já aberta, revelando uma pequena aliança de ouro.
- Você acha que ela vai gostar? – perguntou ele estralando os dedos e balançando a perna freneticamente.
- Dude, calma, não precisa ficar nervoso. – eu ri tomando a caixinha em mãos.
- Eu precisava da opinião de alguém. – ele riu – A moça da loja só queria vender, “é o , ele deve ter muito dinheiro, vamos empurrar o que for mais caro pra ele, yey!” – ele disse afinando a voz e eu ri – Eu gostei desse aí e se eu contasse para a minha mãe ou minha irmã, sei lá, elas teriam um ataque histérico, não desgruda do e o ... Bem, ele é o , não preciso dizer mais nada.
- Eu sou a última opção? – me fiz de ofendido e ele rolou os olhos.
- Não, mas mesmo assim tentei pensar em todas as opções possíveis.
- E faz tempo que você está pensando nisso?
- Um tempo atrás nós tivemos uma discussão, daquelas discussões idiotas que depois, quando a gente para pra pensar, nem se lembra mais do motivo dela ter começado, – gesticulou – eu sai para dar uma volta, esfriar a cabeça e ela ficou em casa, então eu pensei sobre tudo.
- E então chegou à conclusão de que devia pedí-la em casamento quando... – incentivei, já que ele falou, falou, mas não falou nada.
- Quando eu percebi que briguinhas assim são menores do que tudo o que eu sinto por ela, quando percebi que não importa o que aconteça, eu quero estar com ela. – ele disse olhando para a caixinha em minhas mãos – Eu não sei o que eu faria sem a , eu a amo.
- Eu não acredito.
- Pois é! – ele sorriu distraído.
- Não acredito mesmo! – eu disse chamando sua atenção – E quanto a nós?
- Ora, você beijou uma mulher na minha cozinha, não está no direito de exigir alguma coisa de mim. – ele disse com as sobrancelhas arqueadas.
- Droga, você me pegou dessa vez.
- Você já deveria saber que comigo é assim, . – ele disse e eu ri.
- Enfim, eu acho que ela vai adorar a aliança. – eu disse lhe devolvendo a caixinha a ele, que a guardou no bolso logo em seguida – E vai acontecer assim, primeiro ela vai gritar, depois vai mostrar para todas as amigas que estiverem por perto e só mais tarde vai te deixar falar alguma coisa.
- Por que será que eu imaginei a mesma coisa? – ele brincou e nós rimos.
- E que dia você vai pedir a mão dela?
- Ainda estou pensando nisso, mas acho que não vai demorar. – ele disse se levantando – Enfim, eu vou embora, você tem um encontro muito importante hoje.
- Tenho sim. – eu disse vendo-o ir em direção a porta e abrindo a mesma.
- Preste atenção no que vai fazer, falar ou até mesmo beber, você vai estar na presença de uma garotinha.
- Ok, mamãe, eu já entendi.
- Estou falando sério. – ele me repreendeu e eu rolei os olhos.
- Sabia que quando você tenta me dizer o que fazer ou como agir, eu me esforço muito para não prestar atenção? – perguntei me levantando e indo até a cozinha – A conversa fica chata.
- Fazer o quê? – pude ouvi-lo dizer e ele logo alterou o tom de voz – Tchau!
- Tchau! – eu disse e depois ouvi o som da porta se fechando.
Tomei um copo de água e olhei para o relógio, que indicava que já estava quase na hora marcada. Peguei minha carteira, o documento e as chaves do carro e fui para a porta, passei os olhos pelo apartamento antes de apagar as luzes e vi Snoop deitado em sua grande almofada perto da janela com a cabeça levantada, me olhando. Quando chegava aquele horário, ele só queria saber de dormir.
- Por favor, não faça bagunça. – eu disse e ele voltou a deitar a cabeça – Eu volto mais tarde.
É muita idiotice minha ficar conversando com um cão? Enfim, tranquei a porta e peguei o elevador até o estacionamento subterrâneo. Peguei meu carro e dirigi calmamente até a casa de , mal desci do carro e as duas já saíram de dentro de casa. Enquanto fechava a porta, veio até mim saltitando com um sorriso moldando seus lábios.
- Oi, !
- Oi, , tudo bem? – perguntei abrindo a porta do banco de trás para ela, que logo entrou.
- Tudo sim. Para onde nós vamos?
- Hm... Você já patinou no gelo?
- Não. – ela disse com o sorriso aumentando.
- E gostaria de aprender?
- Eba! Eu quero, eu quero. – a menina vibrou e eu ri.
- O que você quer? – disse atrás de mim e senti minha nuca se arrepiar, passei a mão pelo pescoço e me virei para ela, que sorria lindamente. Respirei fundo tentando disfarçar os efeitos, ou seja lá o que fosse aquilo que ela imediatamente causava em mim apenas pelo fato de estar ali, e sorri sem jeito.
- Por que não sabe patinar no gelo?
- Ela não sabe patinar porque ninguém nunca ensinou a ela.
- E por que você nunca fez isso? É tão legal, ela ia gostar.
- Eu não sei patinar, , por isso que eu ainda não a levei a um ringue de patinação. – ela explicou dando de ombros – E por que nós estamos falando disso? Nós não vamos...?
- Ah sim, nós vamos! – eu sorri ainda mais e fechei a porta do banco de trás abrindo a do carona logo em seguida.
- Não, não, não e não. – ela disse com o cenho franzido.
- Sim, sim, por favor? – ouvimos pedir de dentro do carro, ela estava com o tronco encaixado no vão entre os bancos da frente e fazia bico.
- Não, , nós vamos sair de lá roxas e com vários hematomas, não é uma boa ideia. – ela disse balançando a cabeça negativamente.
- Mas agora a quer ir, como dizer não a ela? – eu disse olhando para a menina que ainda fazia bico.
- Podia ter me avisado. – rolou os olhos.
- E estragar a surpresa? Vai dar tudo certo, eu ajudo vocês, agora entre no carro. – eu pedi sorrindo.
- É, mamãe, entre no carro. – a menina sorria para nós – Eu não vou me machucar e nem você.
- E por que você diz isso, dona sabe tudo? – perguntou cruzando os braços e arqueando as sobrancelhas.
- Porque você vai cuidar de mim e o de você. – a menina disse simplesmente e eu me virei para sorrindo e dei de ombros.
- Sente direito e coloque o cinto de segurança. – ela ordenou e a menina vibrou ainda mais no banco de trás fazendo o que mãe mandou.
- Madame! – fiz uma reverencia exagerada e ela riu entrando no carro – Devo dizer que você está linda hoje.
- Muito obrigada. – ela piscou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Eu fechei a porta, dei a volta no carro e entrei no mesmo, já colocando o cinto.
- Mamãe, você pode me levantar no ar enquanto estivermos patinando? – a menina perguntou e eu ri vendo franzir o cenho.
- De onde você tirou essa ideia?
- Filmes. – a menina deu de ombros.
- Eu não sei nem ficar em pé no gelo, filha. – ela explicou – Se eu te levantar no ar, a gente vai se esborrachar no chão.
- Então é melhor a gente só andar, não é? – perguntou enquanto eu dava a partida.
- Com certeza. – riu e depois eu senti seu olhar em mim – Parece que a noite vai ser longa.

- Não, ! Para de mexer nas minhas coisas. – disse tentando puxar minha mochila das mãos dela.
- Ah! Só um pouquinho, por favor? – ela pediu e continuou puxando.
- Deixa essa criatura ver o que tem aí dentro, . – olhei pra , que disse impaciente e com essa distração ela conseguiu puxar um dos cadernos de dentro da mochila.
- Awn... São as suas músicas? – perguntou.
- , me devolve, vai. – disse indo atrás dela, que saiu correndo.
- Met This Girl? – corri atrás dela e ela ficou atrás da árvore onde estava encostado jogando no celular.
- Eu ainda não terminei, , quando estiver pronta eu te mostro, juro! Agora me devolve, por favor. – supliquei e ela começou a correr por todo o campus do colégio.
- “Bem eu conheci essa garota, ainda outro dia. Eu espero que eu não meu me arrependa agora das coisas que eu disse. Quando nós estávamos rindo e brincando um com o outro... “ – ela parou de correr lendo distraidamente, e eu cheguei até ela, que estava de costas para mim, estendi meus braços para alcançar sua cintura, mas tropecei e cai, a puxando comigo, que caiu por cima de mim.
- Isso. Desse jeito você me mata de susto, IDIOTA. – gritou.
- Não é pra ler. – disse sério, ela me encarou por alguns segundos e começou a gargalhar, não teve como não acompanhar.
- Eu gostei. – ela disse sincera – Apesar de ter só... Dois versos.
- Obrigado... Eu acho. – agradeci e nós continuamos nos encarando, deitados no chão.
- ? – me chamou e eu apenas murmurei para que ela continuasse – Pode me soltar agora. – ela riu sem graça e corou.


- Por isso que quando eu digo que não é uma boa ideia, é porque realmente não é uma boa ideia.
- Foi tão legal, quando eu for pra escola, vou contar pra todas as minhas amigas.
- Ok, sintam-se a vontade. Vocês querem comer alguma coisa? – eu perguntei vendo Snoop vindo em nossa direção – E aí, garoto, como foi a sua noite?
- , está com fome? – perguntou a filha.
- Estou. – ela assentiu vindo até Snoop e se ajoelhando para fazer carinho no cão.
- Bem, eu queria dizer que não, mas estou morta de fome.
- Vou ver se tem alguma coisa aqui. – eu disse indo até a cozinha e veio atrás de mim, abri a geladeira, alguns armários e então lembrei, ainda não tinha feito compras – Ahm... Temos um problema.
- O quê? – perguntou.
- Eu não fiz as compras. – eu disse fechando o armário e me virando para ela.
- Sua namorada costumava fazer tudo para você, não é? – ela fez careta.
- Não... – eu comecei e ela arqueou as sobrancelhas – Ok, mas não tudo.
- Qual é, , não sabe fazer compras? – ela riu – Eu me lembro que você sabia se virar muito bem na cozinha.
- Pois é, acho que fui estragando ao longo dos anos. – dei de ombros – Será que você não pode me ajudar com isso? – sorri de lado e ela sorriu rolando os olhos.
- Se você arranjar um jeito de acabar com a fome da minha filha agora, eu posso pensar no seu caso.
- Pode ficar por mais um tempo?
- Acho que sim.
- Robert não vai achar ruim?
- Ele está numa reunião de negócios. – ela disse se escorando no batente da porta – Eu liguei e ele sabe que estamos aqui.
- Que horas você fez isso que eu não vi? – franzi o cenho tentando me lembrar de algum momento em que ela estivesse usando o celular.
- Banheiro. – disse simplesmente dando de ombros.
- Ok, menos mal. – eu sorri – Então vamos pedir uma pizza.
- Essa foi a melhor ideia que você teve o dia inteiro. – ela riu.
- Como assim? Patinar foi uma ótima idéia! – eu ri pegando o folheto da pizzaria na primeira gaveta e o telefone na bancada e me aproximei, ficando ao seu lado.
- Sabe como é, – começou ela num tom brincalhão – não queria ficar com os joelhos roxos e eu tenho quase certeza de que metade do meu traseiro ficou lá na pista de patinação.
- Não, , está tudo em ordem. – eu disse a olhando de cima a baixo, como se a analisasse e ela me deu um tapa no ombro rindo – Mas se divertiu.
- Sim, ela se divertiu. – ela disse e virou o rosto para a sala, a fim de ver a menina – Filha, não mexa nas coisas.
- Desculpe! – a menina disse colocando rapidamente as mãos atrás do corpo, então eu andei até ela que estava em frente a estante.
- Não tem problema, . O que você estava vendo, ? – perguntei me agachando diante dela, ela puxou dentre todos os meus dvds, o do Toy Story 3 e eu ri. Sim, eu tenho dvds de desenhos da Disney, por que não? – Quer assistir? – perguntei e ela olhou para a mãe, eu fiz o mesmo.
- Como de costume, eu vou tentar dizer alguma coisa, mas no fim vocês sempre acabam ganhando o que querem. – ela disse se sentando no sofá – Eu me rendo! Pode colocar o filme.
- É, conseguimos de novo, bate aqui. – eu brinquei, a menina riu batendo na minha mão num high five e sorriu balançando a cabeça negativamente.
Depois de pedir e ter de ir até a portaria buscar a pizza, comemos na sala enquanto assistíamos ao filme. Eu, sentado no tapete e encostando no sofá em que as duas estavam sentadas e com Snoop deitado ao meu lado, ria ao ouvi-las rindo e dos pequenos comentários que faziam sobre o filme. Eu sabia tudo o que aconteceria, então melhor estava sendo prender minha atenção nelas.
- Mãe, olha, o Buzz falando em espanhol. – a menina já acomodada no sofá com a cabeça no colo da mãe gargalhava, enquanto piscava pesadamente tentando se manter acordada.
Quando já era tarde, enquanto os créditos do filme subiam pela tela, as duas dormiam, juntei pratos e copos pra levar para a cozinha, rindo baixo de vez em quando lembrando do meu dia. Lembrando de , que fala de mim, mas que me fez cair muito mais no ringue de patinação por ela ter se desequilibrado e me puxado junto do que por minha própria conta, lembrando também de pegando o jeito de patinar mais rápido do que a mãe, das duas rindo quando caíamos ou quando eu fazia graça, a menina dava gargalhadas fazendo todos que estavam por perto rirem com ela.
Eu estava me sentindo bem, me sentia feliz; como há muito tempo não me sentia verdadeiramente.
Coloquei a pizza na geladeira vazia e lavei a louça. Pois é, se fosse um dia comum eu não faria isso, deixaria as coisas largadas no mesmo lugar em que estavam para arrumar só no dia seguinte – se é que eu teria vontade de arrumar no dia seguinte – e iria dormir, mas hoje tinha pessoas importantes em casa, devia fazer as coisas direito. E Snoop me fez companhia o tempo todo, largado no chão, dormindo, mas mesmo assim estava lá comigo. Quando voltei pra sala, Snoop foi direto para a sua grande almofada e eu fui em direção ao sofá, as duas ainda estavam na mesma posição em que estavam antes, mas tinha se abraçado mais a filha e segurava uma de suas mãos. Agora, ali parado em frente ao sofá as observando, pude ver que havia sim uma grande semelhança entre as duas, o formato do rosto, da boca, sorri de lado pegando a pequena no colo. Subi as escadas até o quarto de hóspedes com a menina e acendi as luzes do corredor, a deitei na cama, tirei seus sapatos e a cobri com o edredom. Deixei a porta entreaberta e desci pra pegar , coloquei seus braços em volta do meu pescoço encostando sua cabeça em meu ombro, a envolvi em meus braços, assim como fiz com , quando a ajeitei em meu colo, ela inspirou profundamente em meu pescoço e segurou com força na gola da minha camisa, me fazendo estremecer por dentro. Eu ia deixar as duas no mesmo quarto, mas quando parei em frente ao que estava, ela já ocupava a cama inteira, se abraçando aos travesseiros, ri baixo com a cena e levei para o meu quarto. É, posso dormir na sala. Deitei na cama e logo ela se encolheu. Com cuidado tirei seu cachecol e seus sapatos, a cobri e me sentei na beirada da cama. Lembro que em todas as noites que passamos juntos, ou pelo menos na maioria delas, era ela quem dormia primeiro e eu ficava a observando, ouvindo sua respiração calma e admirando seu rosto sereno. Principalmente naqueles últimos dias, que ela estivera tão triste com a partida da mãe, a noite parecia ser o único momento em que todas as preocupações desapareciam, e eu só queria estar ali, para segurá-la em meus braços e afagar seus cabelos.
passou a mão sobre a cama e quando seu braço caiu, se virou apalpando o outro lado da cama, o travesseiro, abriu lenta e preguiçosamente os olhos, piscou algumas vezes e franziu o cenho olhando em volta até me encontrar.
- Esse é o seu quarto? – perguntou depois de certo tempo com a voz rouca e um sorriso no canto dos lábios.
- Sim, é este.
- Hm, percebi por causa da bagunça básica que tem ali – ela disse apontando para a poltrona que fica no canto do quarto, com um monte de roupas largadas por cima dela e eu ri – Você só faria isso no seu quarto, não em todos.
- É, você me conhece. – dei de ombros e ela sorriu se sentando com as pernas em volta do corpo.
- , onde está? – perguntou passando a mão pelo rosto.
- No quarto de hóspedes. – eu disse vendo-a bocejar – Pensei em deixá-las no mesmo quarto, mas ela...
- Estava ocupando toda a cama? – ela arqueou as sobrancelhas e eu assenti rindo – Ela sempre fez isso, na verdade, não dividimos o mesmo espaço por muito tempo já faz alguns anos, ela cresceu tanto.
- Mas foi engraçado, porque eu não demorei muito para subir as escadas e quando cheguei lá, ela estava largada – eu disse jogando o corpo para trás, abrindo os braços e riu – no meio da cama, de bruços, se abraçando a todos os travesseiros que estavam por perto.
- Então você me trouxe para cá – ela disse cutucando a minha barriga e eu tornei a sentar – e ficou ai sentado enquanto eu dormia?
Dei de ombros pensando – não somente em sua pergunta. Não sei ao certo por quanto tempo fiquei ali sentado. Mas outras coisas vieram em minha mente e se aquele seria um dos poucos momentos em que estaríamos realmente sozinhos, por que não falar logo de uma vez o que me incomodava?
Silêncio.
- Desculpe. – eu disse a olhando nos olhos.
- É um pouco estranho você ter ficado ai. – ela disse num tom brincalhão franzindo o cenho – Mas tudo bem, a casa é sua.
- Não, não estou falando disso, estou falando do que aconteceu antes de você ir para o Brasil. Você precisava de mim e eu fui... – eu disse tentando achar as palavras certas – ferrei com tudo...
- Por que você ainda se preocupa com isso? – perguntou jogando uma mecha do cabelo atrás da orelha – Não tem que se desculpar, já faz tanto tempo.
- Eu quero que você entenda... Não, eu não quero que você entenda, porque às vezes nem eu entendo... – eu disse frustrado, mais para mim mesmo do que para , que franziu o cenho novamente, então respirei fundo e comecei de novo – Sei que já faz tempo, mas eu ainda me sinto mal, preciso que você saiba que naquele momento eu queria provar para mim mesmo que não era assim tão dependente de você, estava negando que precisava que você ficasse, fui egoísta porque já não me lembrava como era a minha vida antes que você aparecesse... E ainda não me lembro.
Mais silêncio.
- Legal, eu não sei o que te dizer neste momento. – ela sorriu ironicamente – Agora eu estou com a sensação de que baguncei com a sua vida.
- Se for pensar bem, eu não ligo para isso, mas você realmente bagunçou, nem que seja só um pouquinho... – comecei comprimindo os olhos, tentando não sorrir ao vê-la arregalar os olhos e ela pegou o travesseiro e me bateu com o mesmo – Outch!
- , você não presta. – ela disse colocando o travesseiro em cima das próprias pernas – Isso não está certo, você devia ter ficado bem, assim como eu pedi que ficasse, e devia ter se esquecido de tudo isso.
- Pois é, mas eu não esqueci. – eu disse me sentando ao seu lado e passando meu braço em volta de sua cintura – E agora que você já sabe que eu me arrependo do que fiz e fui perdoado. Espera, eu fui perdoado, não fui?
- Você sabe que sim. – ela suspirou encarando suas mãos que brincavam com a barra da blusa.
- Enfim, – eu sorri – e ficou claro de que você bagunçou com a minha vida, porque eu não consigo parar de pensar em você, o que nós vamos fazer agora?
- Já te disse que você não presta? – ela me encarou rindo – Vai continuar a fazer com que eu me sinta culpada? – perguntou e eu ri dando de ombros, recebendo um tapa na perna logo em seguida – E o que nós vamos fazer? Bem, você vai parar de pensar em mim, o que com certeza não deve ser tão difícil, seremos grandes amigos e você vai ao meu casamento.
- Como você sabe se é difícil ou não? – perguntei sério.
- Mesmo que seja difícil, a situação pede para que seja fácil.
Ela terminou com um suspiro e nós continuamos nos encarando por alguns segundos, eu não sabia o que dizer, estava prestes a ser derrotado por aqueles olhos, os quais eu não conseguia compreender, não conseguia decifrar.
- Ok, chega, eu vou te deixar dormir. – ela disse se levantando.
- É você quem vai dormir aqui. – eu disse me levantando também e me colocando de frente pra ela.
- E você vai dormir onde? – franziu o cenho.
- Na sala.
- Não, dorme aqui, eu durmo com a .
- Você vai acordar ou com muitas dores, ou no chão, melhor você ficar aqui.
- E te tirar do seu próprio quarto? Não, eu durmo na sala.
- , facilita as coisas. – eu disse e ela rolou os olhos – Assim fica difícil ser um bom anfitrião, fique aqui.
- !
- ! – arqueei as sobrancelhas.
- Quer saber? Essa cama tem bastante espaço, fica no canto esquerdo que eu fico no direito e todo mundo dorme bem. – ela disse e eu ri com a ideia de depois de toda aquela conversa, nós dois dormimos na mesma cama, eu posso até fazer isso, mas não respondo pelos meus atos enquanto estou dormindo – O que foi?
- Nada, nós podemos muito bem dividir uma cama. – eu ri dando de ombros e ela rolou os olhos balançando a cabeça negativamente – Então boa noite.

’s POV.

Ótimo, , parabéns, você merece um prêmio! Dessa vez você se superou, você realmente foi muito burra e essa foi a ideia mais idiota que você já teve nesses últimos anos. Agora você está presa nessa cama por dois braços muito fortes que não querem te largar de jeito nenhum. Você devia ter ido dormir com a sua filha... Não, devia ter saído daqui quando teve a primeira chance... Melhor, não devia nem ter vindo para esse apartamento, porque quando você acha que está tudo sob controle acaba sempre cedendo, principalmente se o assunto for , foi a mesma coisa com o beijo na cozinha e está sendo aqui, você aguentou, ficou firme quando ele te disse tudo aquilo, não disse nada do que não devia e até disfarçou bem em certos momentos, mas mesmo assim agora você está nessa situação. Que vergonha, será que você nunca aprende qual é o jeito certo de se fazer as coisas? Ok, relaxa, a gente não fez nada de mais, só estamos dividindo a mesma cama, mas e o que a minha filha, que deve estar no quarto ao lado, pensaria se visse isso, se me visse dormindo de... Ahm, de conchinha com um homem que não seja o meu noivo? Ficaria toda confusa, não saberia no que pensar, e com certeza este meu noivo está me esperando em casa.
Ai meu Deus, Robert está me esperando em casa!
Suspirei e com a maior delicadeza, tentei tirar um de seus braços que me envolvia, mas ele me apertou mais contra si.
- Por favor, , me solta, eu preciso sair daqui. – choraminguei num sussurro.
Se eu bem me lembro, acorda se outras pessoas estiverem falando perto dele quando ele já dormiu demais ou se alguém bater nele, pois é, eu consigo me lembrar muito bem disso. O sono de é um caso a ser estudado.
Mas também tem a outra opção de não ter nada ou ninguém que ele possa abraçar, ai ele acorda muito mais do que rápido. Preciso de um travesseiro, já que nós estávamos no canto direito e ele estava usando o mesmo que eu. Enfim, tateei acima da minha cabeça para ver se encontraria algum travesseiro por ali e nada, só a cabeceira da cama, eu me virei devagar entre seus braços, ficando de frente para ele e com sua respiração quente batendo diretamente contra minha boca. Estremeci por dentro. Perto demais. Eu tenho que manter a calma, não entrar em desespero, afinal isso não é nada. Respirei fundo e seu perfume me extasiou, por um minuto fez com que eu me esquecesse de tudo; por que eu queria sair dali mesmo? Sorri tentando me lembrar ou até mesmo me esquecer, não tenho certeza, ali era bom, o calor que seu corpo emanava era aconchegante e eu me sentia bem ao ouvir sua respiração calma, me sentia segura com seus braços a minha volta e... Ok, agora eu me lembrei. Robert. Nada de . , foco! Ignorei todos os pensamentos que pudessem me distrair, estiquei meu braço até alcançar o travesseiro que estava atrás de , o colocando atrás de mim e passei levemente a unha em seu pescoço sabendo que ele me soltaria para passar a mão naquele local. Qual é? Todo mundo faz isso. Coloquei o travesseiro entre nós, me afastei de seu alcance e ele voltou abraçando o travesseiro.
Suspirei aliviada e orgulhosa pelo meu feito, sentando-me na beira da cama, olhei para o relógio em meu pulso, eram seis e quinze. Obrigada rotina que fez com que eu me acostumasse a acordar cedo todos os dias, assim eu acho que posso sair antes do acordar e chegar em casa antes do Robert acordar. De baixo da cama eu encontrei meus sapatos e logo os vesti, em passos rápidos fui até a primeira porta que vi na minha frente, a abri e entrei, pensando ser o banheiro, mas que na verdade era o closet, que estava uma bagunça, até tropecei em numa camiseta e depois numa caixa. Numa caixa azul-bebê. Não é possível, é? A caixa não estava intacta, mas estava tão bem conservada, me agachei diante desta e a abri, ainda tinha o cachorrinho de pelúcia, as fotos, a carta.
- Mamãe? – ouvi chamar baixinho, relutante eu me levantei e sai do closet encontrando-a na porta – Mãe, a gente vai embora agora?
- Vamos sim, meu amor. – eu disse a guiando para fora do quarto, apaguei a luz e sorri fraco antes de fechar a porta – Sabe onde está minha bolsa?
- Está na sala, eu desci para te procurar. – ela disse pegando em minha mão enquanto descíamos as escadas – Mas você não estava lá, onde você dormiu?
- Ahn, eu dormi no quarto do .
- Vocês dormiram na mesma cama? – ela perguntou de um jeito engraçado e eu ri parando em frente ao sofá, onde estava minha bolsa e arrumando meu cabelo, que devia estar um horror.
- Pode se dizer que sim. – enrolei um pouco e ela balançou a cabeça assimilando as coisas – Mas um bem longe do outro para ninguém ter que dormir todo torto no sofá ou para Robert ficar bravo.
- Ah, entendi! Então ele te ligou tantas vezes, por que está bravo? – ela disse me estendendo o meu celular.
- Ou bravo, ou preocupado. – eu disse pegando o mesmo e o colocando na bolsa – Provavelmente os dois, então é melhor nós irmos.
- Anw, Snoop! – ouvi exclamar, ela já estava no chão acariciando o cão.
- Vamos, filha! – a apressei e ela se levantou.
Coloquei a bolsa no ombro e seguida por fui até a porta, que estava trancada, peguei uma das chaves que estavam sobre a mesinha próxima à porta, a mesma chave da qual eu me lembrava de ser a mesma que usou para na noite passada e a abri, do lado de fora, ainda me perguntando se seria inútil procurei nos dois únicos vasos de planta alguma chave reserva para fechá-la pelo lado de fora. É, ou eu ainda me lembro das pequenas coisas ou isso é muito óbvio e tem que achar algum outro esconderijo para essas chaves.
- Mamãe, eu quero um cãozinho igual o Snoop.
- Igual? Mas ele não é um cãozinho, ele é enorme e cães como ele fazem tanta bagunça, meu anjo. – eu disse quando já entrávamos no elevador apertando o botão do térreo – Não pode ser um peixinho?
- Ele pode se chamar Bóris? – ela sugeriu e eu ri.
- Se nós comprarmos mesmo um peixinho, pode, por que não? – eu sorri e os olhos dela brilharam somente com a possibilidade.
- E quando o Bóris morrer eu vou jogá-lo no vaso sanitário – ela disse e eu gargalhei.
- Mas você ainda nem tem o peixinho e já está pensando na morte dele? – eu disse a puxando para fora do elevador e ela deu de ombros rindo – De onde você tira essas coisas mesmo?
- Filmes! – ela sorriu largamente e eu ri balançando a cabeça negativamente.
Iria demorar muito até que chegasse um táxi para nos levar, então resolvi que voltaríamos para casa de ônibus – apesar de ter um carro na garagem eu ainda não dirijo, acho que por ter aprendido a dirigir no Brasil, não consigo me acostumar a ficar do lado direito do carro, tenho sempre a mesma impressão de que vou perder o controle a qualquer momento e fazer com que os outros carros brinquem de boliche na pista. É terrível.
Ao chegar em casa, estava tudo fechado e apagado, ainda era cedo para Robert e ele devia estar na cama. Como já estava com fome, nós fomos direto para o banheiro, fizemos nossa higiene matinal e na cozinha eu preparei alguma coisa rápida para que ela comesse, a deixei na cozinha com seu café da manhã e subi para o meu quarto. A luz estava apagada, as janelas e cortinas fechadas, mal olhei para a cama, fechei a porta e com as mãos ainda na maçaneta, tranquei a porta, suspirei e fechei os olhos encostando a cabeça na porta, apesar de ter dormido bem eu estava cansada, ainda ontem tinha trabalhado e a noite fui arrastada para um ringue de patinação por e por minha própria filha, fora que o incentivo fora todo da . “Vai , apesar de não ser isso o que você quer, quem sabe você não sente de novo aquele fogo que arde sem se ver?”, que coisa mais idiota. Nota mental: não dar ouvidos para o que diz a respeito de... Quase tudo. Enfim, para o ringue de patinação eu não queria ir, sabia que sairia de lá mais quebrada do que já estava, mas na verdade devo admitir que foi muito bom. Mas agora eu estava louca para tirar aqueles sapatos que estavam matando meus pés. Passei a mão pelo meu pescoço nu. Meu cachecol, cadê? Mais isso ainda. Eu tinha de me despir daquelas roupas que tinham o perfume de impregnado, que também estava me matando. É melhor não pensar nele, eu prefiro não pensar nele. Eu tenho um relacionamento sério com Robert, são quase três anos, noivado de alguns meses e um casamento já marcado, planejado e com os preparativos em andamento, eu sou uma mulher adulta. Claro que estive esperando por esse reencontro há um bom tempo, mas eu simplesmente não posso e nem quero ficar balançada desse jeito por causa dele, que apareceu agora do nada, com o arrependimento, as palavras que sensibilizam, o sorriso e os olhos que encantam. Ok, é melhor mesmo não pensar nele.
- Posso saber onde a minha futura esposa estava? – ouvi a voz grave de Robert sussurrar ao pé do meu ouvido e sobressaltei de susto batendo com a cabeça na porta, e ele riu acendendo a luz enquanto eu me virava para ficar de frente para ele – Desculpe.
- Tudo bem, sei que você é amigo do silêncio, mas um pouco de barulho para não me assustar cairia muito bem. – sorri e ele me abraçou pela cintura beijando meu pescoço, talvez o perfume de não estivesse assim tão forte quanto eu pensava.
- Onde você estava? – tornou a perguntar e me encarou com as sobrancelhas arqueadas – É estranho porque você já não chega mais tão tarde quando sai sozinha desde que... Você nunca chegou tarde quando saia sozinha.
- e eu saímos com e acabamos pegando no sono. – eu disse e ele me soltou arqueando as sobrancelhas.
- Por que não me avisou? – ele disse indo em direção da cama e eu fui atrás dele jogando minha bolsa em cima da cadeira da penteadeira – Sabe quantas vezes eu te liguei?
- Não precisa ficar bravo, você sabe porque eu não liguei. – eu disse tirando os sapatos, blusa e ele se sentou na cama.
- Isso não é desculpa, e se aquele tal de tivesse se tornado um matador de moças indefesas, como eu ia te salvar? – ele disse e eu ri me sentando em seu colo, o deixando entre minhas pernas.
- Obrigada pela preocupação, – arqueei as sobrancelhas e ele sorriu – mas se ele tivesse mesmo se tornado um matador, antes que pudesse pensar em me matar, eu já teria dado um nocaute nele. – eu disse fechando minha mão em punho e fingindo que daria um soco no rosto dele, gritei com a agilidade de Robert que agarrou meus pulsos com força e me jogou contra a cama, agora ele estava por cima, me deixando entre suas pernas.
- Ok, mas você pelo menos...
- Não. – me apressei em dizer.
- Você sabe mesmo sobre o que eu estou falando? – perguntou e eu ri.
- Não.
- Então aquele não quer dizer que... – me incentivou a continuar.
- Que eu não quero mais falar disso.
- Ótimo, porque eu também não. – ele sorriu de lado e se aproximou selando seus lábios aos meus, mas antes que ele aprofundasse o beijo eu me lembrei.
- ! – eu disse e ele bufou jogando todo o peso de seu corpo em cima de mim.
- Ah não, amor, é pra isso que existe televisão, rádio, vídeo-game, computador, celular, iPod... – ele disse enumerando todos os aparelhos eletrônicos possíveis nas mãos – esse monte de tranqueira só serve pra entreter os filhos quando os pais estão muito ocupados.
- Mas você sabe que...
- Muito ocupados!
- Robert...
- Ocupados demais! – ele me interrompeu dando ênfase em suas palavras e eu gargalhei.
- Você está tentando me convencer a que, afinal? Isso mais pareceu uma palestra de venda de produtos eletrônicos.
- Só queria ter certeza de que você entendeu.
O som abafado do meu celular tocando chamou nossa atenção, com o cenho franzido, nós nos entreolhamos. Quem estaria me ligando à uma hora dessas? Robert rapidamente saiu de cima de mim e eu me levantei correndo até a penteadeira e ele veio atrás de mim, quando eu abri a bolsa e tirei o celular de dentro da mesma, ele me agarrou pela cintura me levantando, tirou o celular da minha mão e me pôs de volta no chão.
- Robert, me devolve – protestei tentando pegar o celular de volta e ele só levantou o braço – Eu sei que você é alto, só não humilha.
- Da parte de quem? – perguntou ao atender o celular, é muita educação pra uma pessoa só.
- Quem é? – perguntei curiosa e ele se virou começando a andar pelo quarto.
- ? Sim. Eu estou bem e você? Quando tempo! – ótimo, agora que ele não me devolveria o telefone mesmo – Não, ela não me disse nada. – disse me olhando brevemente com os olhos comprimidos – Quando? Algo de especial? Bem, se vocês insistem, nós estaremos ai...
- O que é especial? Pelo que eles insistem? – perguntei inutilmente, porque ele continuou a me ignorar.
- Claro. Hm, a ? Ok, eu aviso sim. – ele sorriu – É sempre um prazer falar contigo , até lá.
- E então Callagham, por que a ligou? – perguntei vendo-o colocar o celular sobre a penteadeira.
- Parece que finalmente eu vou conhecer todos os McFLY.

#End of ’s POV.

Capítulo 9 - A baixinha na sala e a noiva no corredor


Sorrisos tímidos, risos, gargalhadas, cochichos, conversas paralelas, histórias sendo contadas, troca de olhares cúmplices, alguns rostos vermelhos – ou de vergonha ou de tanto rir – e de vez em quando se ouvia o bater de talheres na louça de porcelana que tanto amava. Era um círculo de felicidade, no qual todos participavam. Exceto eu. E a minha cara de tédio passava-se despercebida por todos, o que eu agradecia, e muito, não queria que me fizessem perguntas ou que chamassem minha atenção por isso.
- Quando, ? Diz quando foi que eu fiz isso. – apontava o dedo para ela rindo – Eu não me lembro.
- Opa, nem me envolve nessa história, eu não sei de nada. – ela riu levantando as mãos até a altura dos ombros em sinal de inocência – Seu assunto é com a .
- ), não se faça de tonta, você estava lá. – acusou batendo com a mão na mesa e abriu a boca incrédula.
- Isso é calúnia, , eu nunca fiquei tão bêbada a ponto de dançar em cima de uma mesa. Sua mentirosa, pode parar com isso já! – ela se defendia tentando não rir, o que parecia ser difícil – Não é coisa que se diz na frente de crianças, coitadinha da .
- Ela está na sala. – franziu o cenho rindo.
- Ok, então o que o vai pensar de mim com você falando desse jeito, hein? – perguntou abraçando ele, que estava ao seu lado, pela cintura e fez bico.
- Vou pensar que você está me devendo uma dança em cima da mesa. – disse simplesmente e todos riram.
- Como foi que a gente entrou nesse assunto, hein? – disse entre risos.
Estava tudo muito bem, tudo muito bom, estavam todos se divertindo. já tinha ficado toda boba contando sobre o quanto foi lindo tudo o que havia feito para pedi-la em casamento. Sim, ele já fez o pedido. É, eu também não acreditei quando soube, pensei que ele o faria quando todos estivessem presentes, mas não, parece que fez tudo perfeitinho, bonitinho e blá blá blá. Enfim, ela aceitou e agora exibia sua aliança pra quem quisesse ver, com brilho nos olhos e um enorme sorriso no rosto.
Eu seria mais detalhista, talvez até um pouco mais sensível ao falar dessa parte, afinal, meus amigos ficaram noivos, mas eu estava me sentindo estranho naquela sala de jantar, me sentindo deslocado entre os meus próprios amigos, o que não é nada normal. Bem, na verdade eu sabia qual era o problema, e ele estava sentado justamente diante de mim, tinha nome e sobrenome, e cada gesto seu em relação à pessoa ao seu lado, cada vez que ele sussurrava algo ao pé de seu ouvido, cada beijo rápido que trocavam e principalmente quando eu era obrigado a voltar minha atenção ao meu prato, porque eles estavam se tocando demais, estava me deixando louco e não sei por quanto tempo conseguiria aturar aquilo. Robert já estava abusando. E várias coisas já se passavam pela minha cabeça, desde a ideia de me levantar e pedir com muita educação para que ele se retirasse, até a ideia de pular no pescoço dele, bater com a sua cabeça contra a mesa e fazer com que ele perdesse a consciência.
Ok, estou perdendo a razão.
Sei que eles estão noivos, que moram juntos, mas não podiam ter se desgrudado só um pouquinho por algumas horas? podia ter se sentado na cadeira ao meu lado, por exemplo, e Robert... Sei lá, na sala, talvez, ou nem ter vindo. Afinal, quem o convidou?
A minha comida já estava fria, eu já tinha bebido boa parte do meu vinho, aquela cadeira estava deixando a minha bunda quadrada e eu não conseguia entender mais nada daquela conversa. Parecia que eu estava num filme, quando tudo em volta perde a cor e parece acontecer mais devagar e os sons emitidos se tornaram apenas zumbidos aos meus ouvidos. Tentando sair despercebido, tomei o restante de vinho do meu copo num único gole e me levantei devagar, a fim de ir para a sala ou para qualquer outro lugar.
- ? – ouvi a voz de atrás de mim e rolei os olhos frustrado.
Eu não estava ouvindo todos os sons emitidos como zumbidos, por que essa porra desse transe tinha que acabar logo agora?
- Eu! – me virei coçando a nuca e todos há mesa me encaravam. Ótimo.
- Algum problema?
- Não, eu só vou ali. – eu disse e todos continuaram olhando para mim, o que é ótimo, porque todo mundo parar e ficar me olhando daquele jeito é uma das coisas que eu mais adoro.
Sarcasmo, você por aqui?
Então, já que parecia que ninguém diria mais coisa alguma, dei as costas e finalmente sai dali, respirei fundo e, encarando meus próprios pés, andei até a sala, me jogando no sofá maior e relaxando todo o meu corpo sobre o mesmo.
- “Ah, vem, , é muito importante para nós que você esteja aqui.” – resmunguei imitando a voz de , maldita hora em que eu concordei em vir pra cá, minha cabeça começava a doer e eu queria ir embora, queria minha cama – Aliás, o que eu estou fazendo aqui ainda?
- Essa pergunta não foi pra mim, certo? – ouvi rir e olhei para ela, que estava sentada no outro sofá mexendo no celular da mãe. Sorte dela que eu não resolvi me largar no sofá menor.
- Claro que não. – eu ri me levantando e indo me sentar ao seu lado – Às vezes eu fico pensando alto, mas não se assuste, não sou louco.
- Sei disso, muita gente fala sozinho. – ela sorriu colocando o celular sobre a mesinha de canto e me encarou com o seu olhar inocente – Assim como a tia , o Robert e minha mãe, principalmente.
- Sério? – perguntei demonstrando o interesse que realmente existia em mim, conversar com aquela baixinha era muito melhor do que conversar com qualquer outra pessoa, no assunto não existia aquele passado tão distante que me fazia lamentar ou sentir falta, não existia preocupações ou receios, eu estava apenas conversando com uma criança sobre o que ela queria conversar, as coisas que ela conhecia.
- É, tem que ver quando ela erra alguma coisa. – ela começou se ajeitando no sofá, com postura – Ela diz: “Ai, , eu não acredito que você fez isso, estava bem na sua frente, que droga” ou “Muito obrigada, você fez tudo errado, mais uma vez” então ela fecha os olhos, suspira e tenta fazer tudo de novo.
- Não é que você tem razão? – eu disse franzindo o cenho e cruzando os braços, me lembrando de já ter ouvido dizer coisas como essas muitas e muitas vezes.
- Eu sei! – ela arqueou as sobrancelhas se fazendo de entendida, “a dona sabe tudo” como já havia dito antes, e eu ri – Até mesmo porque eu a conheço há muito tempo, são sete anos.
- Sete anos? – estranhei.
- Uhum.
- Você tem sete anos? – repeti.
- É. – ela franziu o cenho rindo.
- , você se importa se eu fizer umas perguntas sobre o seu pai?
- Não, pode perguntar. – ela deu de ombros.
- Você não o conhece pessoalmente? – perguntei e ela balançou a cabeça em negação – Sua mãe já falou alguma coisa sobre ele contigo?
- Já, muitas coisas. – ela assentiu – Na verdade ela sempre fala dele.
- E o que ela fala?
- Ela sempre fala que ele é um cara muito bonito, carinhoso... – ela sorriu fraco e passou a encarar os próprios dedos que brincavam distraidamente com a barra da blusa – Fala também que por causa de alguns problemas, ele não pode me ver agora, mas que ele seria um ótimo pai se tivesse a chance.
- Você sente a falta de um pai? – perguntei calmamente tentando encontrar seus olhos, ela parou por um instante e comprimiu os olhos ainda fitando os dedos.
- Não sei. – deu de ombros – Às vezes sim, às vezes eu vejo as minhas amigas da escola com o pai delas e quero saber como é ter um, quero saber o que eles fazem de diferente das mães, porque a minha mãe faz de tudo. – ela sorriu e eu ri.
- É uma boa pergunta. – eu sorri e ela me encarou – Existem vários tipos de pais, mas alguma coisa de diferente eles fazem. Se sua mãe disse que ele é carinhoso, ele também seria carinhoso com você e se ela disse que ele seria um ótimo pai, então ele seria mesmo, e seria daqueles pais que apoiam, que defendem e que te faria sorrir quando você estivesse triste. Bem é assim que eu acho que um ótimo pai seria. – eu dizia e ela se ajeitou sobre o sofá para ficar de frente para mim – E se a sua mãe faz de tudo, é porque ela está trabalhando em dobro até que alguém possa ocupar o importante cargo de ser seu pai, e me parece que esse alguém é o Callagham.
- Não, ninguém vai ocupar esse lugar, só o meu pai. – ela disse com firmeza e eu me ajeitei também, ficando de frente pra ela.
- Você não quer que Robert seja o seu pai? – perguntei e ela pendeu a cabeça para o lado, parecendo ponderar a questão.
- Não é que eu não queira, – ela fez careta e eu ri – é que às vezes ele é legal e às vezes ele fica muito bravo com coisas pequeninas, ele não tem muita paciência.
- E o seu pai, você tem vontade conhecê-lo?
- Minha mãe diz que eu não preciso me preocupar, que quando chegar a hora ele estará aqui.
- E você sabe, pelo menos, o nome dele? – perguntei, entortou a boca balançando a cabeça negativamente.
- Mas eu sei que ele mora aqui. – ela sorriu e eu senti um frio percorrer a espinha.
Bem, ahm, como... Como eu posso dizer isso? “, eu estou achando que existe uma possibilidade significativa de que eu seja o seu pai”. Não, não faria isso, se eu fosse o pai da menina ela teria me contado, isso é um assunto muito sério, o fim do nosso relacionamento não fora o que pode se chamar de tranquilo, mas ela não deixaria de me contar que esperava por um filho, no caso uma filha, minha, certo? De repente parou e franziu o cenho fixando o olhar num ponto fixo atrás de mim.
- Mamãe? – ela disse se levantando rapidamente e ainda sentado eu me virei, encontrando sendo puxada pelo braço por Robert para o corredor – Mãe, o que aconteceu? Por que você está assim?
- Não aconteceu nada. Isso não é nada, . – Robert disse e passou a mão na cabeça da menina – Volte com o ou vai ficar com a sua tia, a gente já volta.
- Mas... – a menina insistiu seguindo os passos deles, que sumiram pelo corredor.
- A gente já volta. – pude ouvi-lo repetir, dessa vez num tom autoritário e depois ela voltou de cara feia.
- Eu não disse? – ela disse brava passando por mim e eu ri, vendo-a ir direto para a sala de jantar.
Estou me metendo demais? Pode até ser que sim, não pense que eu não tenho educação, minha mãe me ensinou que é feio ouvir a conversa dos outros, mas ensinou também que é feio usar a linguagem chula, fazer um show pelado, beber até cair, beijar uma mulher comprometida, e eu já fiz tudo isso e muito mais. E se Robert disse que isso não é nada, então não teria problema se eu tentasse descobrir o que é esse nada. Rasteiro, me levantei do sofá e fui me aproximando do corredor até que as vozes dos dois ficassem suficientemente nítidas.
- Mas eu te avisei, . – disse Robert com rispidez – Pare chorar!
- Eu sei, eu sei, me desculpe. – dizia repetidas vezes com a voz trêmula – Me desculpe.
- Esperar é tortura, nem eu estou aguentando mais essa palhaçada...
Esperar? Esperar pelo que? Será que ele está querendo pegar e e ir embora? Ele só conhecia a , pode ser que não foi com a nossa cara, ou talvez só não foi com a minha cara. O que é bem possível e que não faria diferença alguma, já que eu também não vou com a cara dele e nem faço questão, ele é bonzinho demais, simpático demais, educado demais e eu sinto que tem algo de errado com ele. Mas mesmo assim, se fosse por esse motivo, por que estaria chorando? Ok, eu estou confuso.
- Por favor, não fale assim. – ela disse entre um soluço.
- Não, , eu vou falar assim porque de outro jeito você parece não me entender. – ele disse elevando um pouco o tom de voz e eu ouvi um baque, torcendo para que fosse o barulho dele dando um murro contra a parede ou coisa assim e me segurando para não ir até lá – Eu já lhe dei suas opções.
- Pelo amor de Deus, Robert, isso não tem sido nada fácil. – ela o repreendeu tentando normalizar sua respiração – E você me pressionando só piora a situação.
- Eu não pedi por isso, não pedi para que você escolhesse pela opção mais difícil. – ele disse firme – Eu facilitei as coisas para você, apesar de nada estar como eu realmente gostaria que estivessem, agora nós estamos aqui, agora você trabalha fora, mas mesmo assim fica nessa sua enrolação. Por mim nós não estaríamos aqui, estaríamos na Alemanha, de onde não devíamos ter saído.
- Eu não quero voltar pra lá. – ela disse em voz baixa.
- O que? – ele rosnou.
- Eu disse que não quero voltar pra Alemanha. – ela disse em alto e bom tom – Você sabe que pra mim o tempo que ficamos por lá foi um pesadelo...
- , você disse que esqueceria tudo aquilo.
Silêncio.
- Desculpe. – ela tornou a pedir.
- Aqui não dá pra conversar, peça pra sua prima ficar com a por algumas horas, se quiser eu até pago a ela, nós vamos embora.
- Não, não, olha, já passou. – se apressou em dizer – Eu sei que estou errada e que não devia ter falado sobre isso, desculpe, mas a gente não precisa sair daqui assim, eu vou me conter e vai ficar tudo bem, tudo sobre controle, depois nós voltamos pra casa e eu arranjo um jeito de resolver essa bagunça, agora não é hora...
- Resolver essa bagunça ainda nessa semana, você quis dizer.
- Sim, nessa semana. – ela disse depois de certo tempo.
- Assim espero. Agora...
- Ok, eu vou lavar o rosto.
Ouvi o barulho de uma porta, provavelmente a do banheiro, sendo aberta e então não pude ouvir mais nada. Eu franzi o cenho tentando entender o que foi tudo aquilo, o que foi toda aquela conversa, o jeito e o tom que ela usava para expressar suas palavras, poucas vezes conseguindo ser firme. Não parecia ser a que eu conheço, ela admitia o erro sem rodeios, se desculpava e aceitava tudo o que Robert impunha, independente do modo rude como ele dizia. Estava sendo submissa a ele. Ainda intrigado, segui para a sala de jantar, onde todos ainda estavam sentados em seus devidos lugares, exceto por que estava no colo de .
- Alguém sabe por que a estava chorando? – perguntei apoiando as mãos na mesma cadeira em que estava sentado minutos antes.
- Então ela estava mesmo chorando? – indagou.
- Foi o que eu disse. – disse jogando os braços ao lado do corpo.
- Você podia ter visto coisas demais, podia estar errada. – ele arqueou as sobrancelhas para a menina.
- É, mas eu não estou errada, eu sei quando a minha mãe está chorando. – ela deu ênfase ao “minha mãe” e também arqueou as sobrancelhas, fazendo com que todos segurassem pra não rir da cara sem graça de .
- Ok, filha, já entendi. – ele rolou os olhos e a menina riu – Caraca, como essa menina parece com a mãe.
- Então agora nós quatro vamos ter uma conversa de garotas, ok? – sorriu se levantando com uma taça de vinho em uma das mãos e e fizeram o mesmo. se virou e passou por mim, saindo do cômodo e sendo seguida pelas outras duas, mas antes parou de frente para mim e tocou meu ombro.
- Basta perguntar e insistir um bocado pela resposta. Por ser você, tenho certeza de que ela vai acabar cedendo. – ela disse num tom baixo e saiu do cômodo puxando consigo, eu continuei ali parado, com o cenho franzido e encarando o nada. É, isso pode significar muitas coisas.
- O que ela estava te falando? – perguntou com uma das sobrancelhas arqueadas.
- Nada de importante. – dei de ombros.
- Ah, qual é dude? – ele exclamou gesticulando exageradamente – A sua é a .
- A dele? – disse, todos eles pararam, se entreolharam e começaram a gargalhar.
- Valeu, eu também tenho muita consideração por vocês. – rolei os olhos.
- Ok, vamos pegar leve. – disse entre risos se levantando – Até mesmo porque você está se esforçando muito pra superar toda essa coisa.
- Ah sim, claro. – ironizou e riu também se levantando.
- Quer saber? Foda-se, eu não quero mais falar disso. – rolei os olhos mais uma vez – E pode ficar tranquilo , é óbvio que eu não quero nada com a .
- Ótimo, então vamos falar sobre uma coisa muito importante. – começou se dirigindo até a porta e todos nós o seguimos – Tenho algumas ideias para o novo álbum.
- Eu também tenho trabalhado nisso. – disse assim que paramos num canto da sala.
As meninas estavam sentadas em um dos sofás e também estava ali, com a filha no colo e Robert ao seu lado. Cocei a nuca tentando me concentrar no que os dudes diziam. Porra, eu estava muito incomodado. Mordi os lábios e respirei fundo cruzando os braços.
- Temos que nos reunir no estúdio lá de casa. – dizia.
- É só marcar o dia. – eu disse – Pra mim, tanto faz.
- O mesmo serve pra mim. – disse e esticou o pescoço, olhando por cima do ombro de – Robert, vem pra cá.
filho da puta, me ama demais.
Robert se aproximou e começou a fazer algumas perguntas sobre seu trabalho e coisas assim, pelo o que Robert dizia, me pareceu que ele tem um cargo muito importante onde trabalha, que não faz muito, só comanda. Pelo jeito como se veste, percebe-se que não é daqueles que o trabalho exige o trabalho manual.
Depois de um bom tempo se afastou para pegar algo para beber, era minha chance de sair dali. Demoraria um bocado para que eu me acostumasse com a presença dele, certamente sempre me sentiria sufocado. Sentei em um dos sofás, esperaria mais um pouco para poder ir pra casa.
- O que foi, meu amor? Por que você está assim?
- Ah, sai de cima de mim, . – eu disse rolando os olhos, o empurrando e ele riu, sentando-se ao meu lado no sofá.
- E aí, o que acha do cara? – ele abaixou o tom de voz.
- Não gosto dele. – disse simplesmente e ele sorriu.
- É, eu já esperava por essa resposta.
- Também, pergunta idiota. – eu ri fraco olhando desde o grupinho composto por Robert, e , no canto da sala, até as meninas que estavam no outro sofá.
parecia já se sentir mais a vontade entre as velhas amigas de , todas riam baixinho e pareciam bem interessadas no assunto que rolava ali, até mesmo parecia estar adorando tudo aquilo.
- Mas ! – exclamou e deu um tapa no braço da garota ao seu lado que gargalhava, e todas começaram a rir – Que garota atentada, Senhor amado.
- Estou brincando, sua linda. – disse entre risos, a abraçando de lado.
, com a filha no colo, respirou fundo, se recompondo depois de tanto rir, encostou a cabeça no ombro da filha, fechou brevemente os olhos e quando os abriu, encarou a aliança de ouro na mão direita e depois olhou para mim. De leve, seus lábios se curvaram num sorriso, que retribui da mesma forma.
- Mas pelo menos eu venho compondo bastante de uns tempos pra cá. – eu disse para sem desprender o meu olhar do dela e ele riu fraco mais uma vez.
- Se precisar de qualquer tipo de ajuda, é só falar. – ele bateu a mão em meu joelho e se levantou.
Após alguns segundos, quebrou nosso contato e eu segui seu olhar até Robert, que estava em pé, próximo a ela com o celular em uma das mãos.
- Vamos?
- O que houve? – ela franziu o cenho colocando no chão.
- Precisam de mim. – ele arqueou as sobrancelhas e estalou a boca.
- Temos que deixar e na casa dela antes de qualquer coisa, ela vai dormir lá hoje. – ela disse e ao tentar se levantar, agarrou em seu braço.
- Não, elas ficam!
- Desculpe, zinha, mas eu tenho que ir nessa. – disse se levantando – Tenho que estudar. – ela deu de ombros e eu até vi o humor de mudar instantaneamente.
- , amiga, – fez bico – fica mais um pouquinho?
- Terei que voltar aqui pra te buscar? – Robert perguntou enquanto se levantava, ficando de frente para ele e postou suas mãos sobre os ombros dele.
- Eu me viro.
- Não se preocupe. – eu disse e todos olharam para mim – Eu a levo.

- Posso ficar aqui... Hm, pra sempre?
- Não precisava nem perguntar – eu disse e beijei sua nuca, sorri ao vê-la se arrepiar e a apertei ainda mais contra mim – É só ficar.
Ela riu fraco e se virou entre meus braços, ficando de frente para mim e com um sorriso lindo moldando seus lábios, acariciei seus cabelos e ela se aproximou devagar, roçando nossos narizes e selou seus lábios macios aos meus, iniciando um beijo calmo. Puxei mais as cobertas, nos cobrindo até nossas cabeças, ela sorriu e mordiscou meu lábio inferior antes de quebrar o beijo.
- Bem que eu queria, pelo menos, ficar o dia inteiro aqui contigo, – suspirou – mas minha mãe com certeza já percebeu que eu ainda não cheguei em casa.
Silêncio.
- Ela vai perguntar onde foi que eu passei a noite. – ela disse baixinho, passando as pontas dos dedos em meu pescoço.
- Diz que foi aqui. – eu disse no mesmo tom.
- Não vou conseguir. – riu fraco – Não agora.
- Você quer mentir? – franzi o cenho.
- Não, não sei mentir, só omitir. – encolheu os ombros.
- É bom saber disso. – eu ri e ela puxou a língua – Mas ok, fala pra ela que você estava tentando me ensinar filosofia, mas que por culpa do calor e da sua saia curta do colégio, eu acabei, na verdade, aprendendo o que é uma reação química e uma atração física na prática.
- ! – ela arregalou os olhos e tampou a boca com uma das mãos rindo.
- Brincadeira, amor. – eu ri abaixando sua mão e beijando rapidamente seus lábios – Aliás, por que estamos nos preocupando com isso? Você não disse que ficaria aqui para sempre?


- Segura. – eu disse lhe entregando o capacete.
- Que droga, hein! – ela entortou a boca e eu ri subindo na moto – Prefiro quando você está de carro.
- Ah, não reclama, vai. – eu disse e ela olhou mais uma vez para a minha moto. Hesitou por um momento.
- Que droga, hein! – ela repetiu colocando o capacete e ri mais uma vez, então subiu na moto e se abraçou fortemente a mim.
Arranquei com a moto dali rindo internamente, quando eu diminuía a velocidade, afrouxava seus braços a minha volta, quando acelerava, nem que fosse só um pouquinho, ela me apertava ainda mais. Tive a impressão de que ela preferia que fossemos andando e empurrando a moto ao invés de ficarmos em cima dela. Não sei o porquê de tanto medo. Tempo depois já estávamos em frente a casa dela, desceu da moto e tirou o capacete, me entregando-o.
- Antes de qualquer coisa – ela apontou o dedo pra mim enquanto eu tirava o meu capacete – não é medo, é só receio das pessoas que dirigem do lado errado.
- Entendido. – eu ri – Mas de certa forma, não é o lado errado.
- E de outra certa forma, sim, é o lado errado. – puxou a língua – Mas enfim, quer entrar? – perguntou passando as mãos em seus cabelos, provavelmente imaginando que o capacete tinha o desarrumado.
- Ahm, não sei se...
- , sem desculpas. – ela advertiu e olhou a sua volta – Vamos, não quero que alguém tire fotos de nós dois juntos aqui.
- E por que fariam isso? – eu franzi o cenho rindo, estranhando o que dizia.
- Não sei. – deu de ombros e me encarou – O famoso aqui é você.
- Não está a fim de sair numa revista de novo? – perguntei descendo da moto.
- Na verdade não, aquilo me deu muita dor de cabeça depois.
- Ah é? E por quê? – quis saber.
- Robert não é o tipo de cara que gosta de ver a mulher dele abraçada com outro homem. – disse comprimindo os olhos e balançou a cabeça negativamente seguindo para a porta principal da casa e colocando a chave na fechadura da mesma.
- Mas foi só um abraço. – dei de ombros ficando de frente para ela.
- Foi o mesmo que eu pensei, pensei que por ser apenas um abraço não haveria problema nenhum, então comentei com ele e lhe mostrei a foto na própria revista que antes estava com você, mas ele não gostou nem um pouco. – ela rolou os olhos.
- E vocês discutem muito por conta disso? – perguntei me lembrando da briga que eles tiveram no corredor da casa de e ela riu fraco.
- Às vezes é difícil de lidar. – comprimiu os olhos e eu encostei o ombro contra a parede – Robert é possessivo, e de vez em quando só conversar não resolve, por isso eu tento evitar as discussões, tento já amenizá-las logo de início para que não se torne uma briga, um problema ainda maior.
- , ahm, vamos entender um pouco melhor essa sua história. O que ele é? Inglês, brasileiro? – perguntei, vendo-a morder o lábio inferior. Na verdade, eu queria mesmo saber da Alemanha, quando essa fase entrara na vida dela, o que ela estava fazendo naquele país, o que aconteceu lá e principalmente por que fora um pesadelo.
- Ele é alemão.
- E vocês se conheceram no Brasil? – indaguei com estranheza e ela riu – Mas que diabos ele foi fazer lá?
- Trabalho, , você sabe bem disso, quantas vezes você já não viajou para o Brasil a trabalho? – ela sorriu e rolou os olhos – Robert é herdeiro de uma multinacional, na época ele estava visitando as filiais na América Latina e...
- E me deixe adivinhar, – eu disse e ela arqueou as sobrancelhas com um sorriso no canto dos lábios – você trabalhava na filial do Brasil, ele te viu lá, sentada fazendo o seu trabalho, toda bonitinha e bem comportada e ele apontou pra você e falou “pai, eu quero aquela ali”, e então...
- E então você está completamente errado. – ela riu balançando a cabeça negativamente – Eu não trabalhava lá, mas uma amiga sim, Robert não conhecia o Brasil, então essa minha amiga resolveu chamá-lo para sair, mais por segundas intenções do que por querer ser apenas gentil. Convidou também mais um cara, de quem o nome eu já nem lembro mais e me arrastou para ir junto, deixei com a minha tia e fui, no fim, Robert que não se dá muito bem com o português passou a noite conversando comigo e não com ela, que só tinha o básico do inglês.
- Você passou a perna na sua amiga? – perguntei rindo e ela gargalhou.
- Eles não conseguiam se comunicar e eu não ia ficar traduzindo tudo o que ele dissesse pra ela entender, isso não faria o menor sentido.
- Faria sim, se você fosse uma tradutora simultânea. – eu disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e ela riu ainda mais – Ok, e depois disso?
- Depois disso ele revolveu assumir por alguns meses a direção da filial no Brasil e durante esse tempo nós namoramos, então veio a ideia de morarmos juntos, – ela encolheu os ombros e suspirou – mas a matriz na Alemanha estava enfrentando diversos problemas e ele teve que voltar.
- Ele foi e você ficou sozinha no Brasil?
- Não, e eu fomos com ele. – ela disse pendendo a cabeça para o lado e encarou o chão brevemente antes de tornar seu olhar a mim.
- Então vocês moraram juntos lá, Robert, e você? – perguntei e ela levou a mão à testa, assentindo.
- Isso! – disse simplesmente e fechou os olhos fortemente, apoiando a mão livre na parede.
- , está tudo bem? – segurei seu braço buscando por seu olhar.
- Tontura, só isso. – suspirou ainda de olhos fechados.
- Ok, vá descansar. – eu disse destrancando a porta e a abrindo logo em seguida.
- Mas, você ia entrar! – ela passou as mãos pelos olhos e me encarou com os estes um pouco avermelhados, o que me deixou preocupado.
- , deixa pra próxima. – dei um passo a frente, postando uma das mãos em seu rosto e carinhosamente beijei sua testa – Se cuida, pequena vândala.
Ela riu fraco enquanto eu a colocava dentro da própria casa.
- Me cuido.

Capítulo 10 - Um dia de folga


Eu definitivamente tinha que arranjar alguma outra coisa de útil para fazer, tinha que ocupar o meu tempo, ocupar a minha cabeça. Já estava deitado no sofá olhando para o teto e jogando uma bolinha de papel para cima há uns quarenta minutos, ou mais, não tenho certeza, mas nada estava me ajudando a continuar a escrever, nada de inspirador ou tão bom a ponto de me ajudar a terminar qualquer um daqueles versos que me vinham à mente. Parecia que faltava alguma coisa dentro de mim. Talvez eu estivesse com fome, eu não tinha ainda arrumado tempo na minha agenda lotada de compromissos – como fazer fotossíntese com luz artificial dentro daquele apartamento – para sair dali, ir até o supermercado e fazer as compras, e, se não me engano, tinha uma letra sobre donuts perdida no meio de tantas partituras e vários outros papéis que estavam espalhados pelo chão da sala.
- Meu bem, estou indo – ouvi uma voz feminina, suave, doce, melosa até demais, soar atrás de mim.
Acredite, é muito difícil lidar com mulheres que muitas pessoas podem chamá-las de “fofas”.
- Ok – apenas dei de ombros encarando a bolinha de papel em minha mão, a joguei para o alto e a estapeei para longe.
A ruiva alta de olhos negros se materializou a minha frente com um sorriso no canto dos lábios, se aproximou e curvou-se sobre mim selando nossos lábios. Ok, uma ruiva bonita que sabe seduzir muito bem, em cima de mim? Não negarei a ela um beijo, até mesmo porque sou homem e não sou feito de ferro, tenho que satisfazer minhas necessidades, senão sofro de abstinência.
- Me liga! – ela disse ao quebrar o beijo e eu assenti, mesmo sabendo que não faria isso.
A vi seguindo até a porta e saindo pela mesma, não seria assim de todo mal se eu realmente estivesse interessado nela. Assim que soube que estava realmente sozinho, voltei a analisar a minha teoria sobre o vazio que sentia dentro de mim. Sim, podia ser fome. Ou talvez eu estivesse com saudades, se não me engano, também tinha uma letra sobre certos olhos brilhantes e desejosos lábios vermelhos perdida pelo chão da sala. Eu odeio isso, parece que estou ficando doente, eu não sou assim, não fico em casa me lamentando, estou parecendo uma garotinha sem as melhores amigas.
- Toma jeito, rapaz – resmunguei para mim mesmo me levantando do sofá.
Juntei tudo o que estava no chão, joguei as porcarias no lixo e o restante, deixei empilhado sobre a mesinha de centro da sala. Subi para o meu quarto, troquei de roupa, colocando uma blusa com capuz que sempre pode ser útil, escovei os dentes e na hora de sair de casa, com as chaves, carteira e celular na mão e óculos escuros no rosto, como de costume Snoop ficou com aquela cara de “me leva junto”. Coitado, às vezes eu tenho pena dele, ter um dono tão paranóico não deve ser nada bom. Enfim, o deixei em casa e fui a pé até escola Queen Elizabeth, mas não me pergunte nada, também não sei exatamente por que ou para quê eu estava indo pra lá. Sou o dono paranóico do Snoop, lembra-se? Ao chegar lá eu me senti perdido, tinha um ônibus de viagem à frente da escola e muita gente, muitos pais, muitas crianças, muitos professores, muitas pessoas. Odeio esse tipo de tumulto.
- Você sabe que não está sol, não sabe? – ouvi um menininho dizer ao meu lado e eu, muito atencioso, me virei para falar com ele.
- E você é...?
- Brandon. Responde a minha pergunta.
- Sim, Brandon, eu sei que não está sol – franzi o cenho estranhando o modo como ele falou.
- Então por que você está de óculos? – agora ele franziu o cenho e pendeu a cabeça para o lado.
- Porque... – eu sou famoso e esse é o meu super disfarce, pensei e ri internamente com a minha idiotice – porque eu tenho que usar.
- Você é idiota – ele disse me medindo de cima a baixo com cara de nojo e saiu andando em direção à escadaria do prédio.
Uma pergunta: o que tem de errado com essas crianças de hoje? Acho que estão dando algum tipo de ração pra que elas falem ou ajam como adultos ou sei lá, esse garoto pelo menos, deve ter alguns problemas. Virei-me em volta de mim mesmo, tentando achar alguma explicação plausível para o comportamento das crianças de atualmente e quem eu acho? .
- Com licença, moça – toquei seu ombro e ela se virou para mim – será que você pode me explicar o que está acontecendo por aqui?
- ! – ela sorriu e me deu um abraço rápido – O que está fazendo aqui?
- Não sei, – nada mais, nada menos do que a verdade – acho que estou meio perdido.
- Aham, sei – ela sorriu de lado e assentiu, foi só eu ou mais alguém sentiu pela entonação de que ela entendeu muito mais do que parece ter entendido? Enfim – Bem, respondendo a sua pergunta, está tudo um pouco confuso aqui porque a turma da tarde voltou de uma excursão e a turma da manhã está começando a ser liberada, estou esperando por .
- A não...? – gesticulei.
- Não, hoje ela tinha uma reunião muito importante no trabalho, da qual não poderia chegar atrasada nem por um minutinho sequer, então para que não tivesse que pagar por algumas horas a mais, pediu para que eu viesse buscar a tampinha – ela disse e tornou sua atenção para a porta da escola, de onde algumas crianças começavam a sair – Eu fico com ela todos os dias de qualquer forma, a única coisa de diferente é que a não vai almoçar com a gente hoje.
- Hm, você fica com todos os dias? – perguntei vendo-a acenar para que estava parada em frente à porta, varrendo o lugar com os olhos a procura da tia e logo nos avistou.
- Sim – ela assentiu, voltando a me olhar – É assim: elas acordam cedo, a trás pra escola e vai para o trabalho. Na hora do almoço, vem buscar e as duas almoçam na minha casa, depois disso, ela volta ao trabalho e a menina fica comigo, a babá, a tarde inteira até sair do trabalho e ir pegar ela lá em casa.
- Então você é a babá da pequena ? – perguntei vendo a menina se aproximar sorrindo e abraçar pelas pernas – Hey pequena.
- Oi, – ela sorriu.
- É, eu sinto como se fosse casada com a sorriu rolando os olhos e eu ri, se não me engano, já ouvi uma frase como essa em algum lugar – Não tem mais ninguém no mundo em que ela confie pra cuidar da filha.
- Ela é super protetora, não é? – perguntei enquanto colocava a mochila de em um dos ombros e as duas riram.
- Quem você acha que ficou com a naquele dia quando Robert ainda estava na Alemanha e foi arrastada para o Black Cat Pub pelas amigas de trabalho, para uma comemoração por ter sido promovida? – ela arqueou as sobrancelhas e riu baixinho apontando para – Pois é, se você gostou de tê-la reencontrado, agradeça a mim.
- Então era por isso que ela estava lá – pensei alto – E como você sabe que foi bem nesse dia...?
- Eu acho que vocês precisam conversar mais sobre o agora e não sobre o passado – ela riu cruzando os braços e eu arregalei os olhos – Eu sei de tudo, , passado, presente e talvez até o futuro de .
- Ok, eu posso mudar de assunto? Você está começando a me dar medo – eu disse me afastando um pouco e ela gargalhou – Está a fim de tirar um dia de folga?
- No que você está pensando? – perguntou, comprimindo os olhos e eu sorri esperto.
- Estou pensando em você aproveitar essa deixa, ir fazer qualquer outra coisa e passar o dia comigo.
- não vai gostar nada disso – ela riu balançando a cabeça negativamente.
- Com ela eu me entendo depois – arqueei as sobrancelhas estufando o peito.
- O que você acha disso, ? Quer ir com o ? – perguntou e eu balancei a cabeça afirmativamente, incentivando a menina que riu timidamente – Vou entender isso como um sim.
- Vai me ensinar a tocar ? – a pequena sorriu de lado e eu ri.
- Com certeza.
- Então eu vou – ela disse se colocando ao meu lado, já segurando minha mão, e nós rimos.
- Pode esperar por uma ligação enlouquecida da , porque é óbvio que ela vai ligar depois da reunião para saber como estão as coisas – disse me entregando a mochila de e eu a peguei, colocando-a no ombro – Não se esqueça do dever de casa e de dar um almoço descente pra menina, estou confiando em você.
- Relaxa, , não precisa se preocupar, eu vou cuidar dela direitinho – eu sorri.
- Não estou preocupada, não sou desesperada como a – ela riu franzindo o cenho e beijou a bochecha de – Mas eu tenho medo dela e se acontecer alguma coisa com essa pequena, não é só você quem vai sofrer as consequências.
- Não vai acontecer nada – eu garanti com firmeza na voz e ela sorriu me dando mais um abraço rápido.
- É bom mesmo! – ela disse, se virando e começando a se afastar – Tchau!
- ! – chamei sua atenção e ela tornou a me olhar – Você sabe o passado, presente e talvez até o futuro da , certo?
- Certo.
- E quanto ao seu futuro, está incluído nele? – brinquei e pude vê-la rolando os olhos.
- Nem nos sonhos, ele é louco – ela riu acenando e voltou a fazer seu caminho.
- Tem muito dever de casa? – perguntei para , que começava a acompanhar meu passo.
- Não, tem português, mas esse é a mamãe que passa em casa – ela disse simplesmente e eu franzi o cenho – e tem matemática, mas é muito fácil.
- Ok, diz pra mim uma característica sua, qualquer uma que faça com que eu tire a ideia louca de que você é a sua mãe em miniatura da minha cabeça – eu disse tirando o celular do bolso e a menina riu – As querem sempre ser boas em tudo, é isso? Matemática nem é tão fácil assim.
- É só estudar – ela deu de ombros e eu ri. Nunca entendi esse negócio de só estudar, eu não conseguia parar pra estudar, eram muitas informações a serem absorvidas e aquilo se tornava tedioso.
- Se importa se eu chamar três caras para nos fazer companhia? – perguntei e ela balançou a cabeça em negação.
Discagem rápida, obrigado por existir.
Enquanto estávamos a caminho de casa, eu liguei para os dudes, sabia que todos estariam sozinhos e abandonados em suas casas, uns abandonados pelas namoradas que trabalham e outro porque nem namorada tem, então pedi para que todos levantassem seus belos traseiros de suas camas ou sofás, que desligassem suas televisões, saíssem do twitter e que viessem trazendo alguma coisa para comer. Que não trouxessem bebida e sim doce, mas que não se esquecessem da comida de verdade, daquela que sustenta, não para mim, para , porque em casa não tinha absolutamente nada.

- Eu disse que era fácil.
- Mentira que você já terminou.
- Está aqui, se quiser ver – disse indicando o caderno que estava sobre a mesinha de centro, onde ela havia se instalado para fazer o dever de matemática e eu o peguei.
- Nossa, meus parabéns – me admirei vendo todas as contas feitas a lápis com aqueles pequeninos e redondinhos números, com todos os resultados corretos – Não tem mais nenhuma lição ai?
- Não, era só essa que estava incompleta – ela disse, fazendo carinho no Snoop, que desde que chegamos não tinha desgrudado dela um segundo sequer.
- Tem certeza?
- Bem... Você sabe alguma coisa sobre as regras gramaticais da língua portuguesa? – ela perguntou e eu comprimi os olhos.
- É, eu acho que era só essa mesmo – eu disse lhe entregando o caderno, ouvindo a campainha tocar e ela riu colocando todos os materiais dentro da mochila novamente.
- Está com fome? – perguntei a ela, me levantando do sofá e indo até a porta, abrindo-a logo em seguida.
- Um pouco – a ouvi dizer vendo os dudes na minha frente com várias sacolas.
- Ouviram? Ela disse que está com um pouco de fome, mas foi só por educação, por que demoraram? – perguntei e riu, me entregando as sacolas que estavam em suas mãos – Ela deve estar morrendo de fome.
- Pergunta para o . – ele disse entrando no apartamento – Hey, !
- Não sei de nada – disse entregando apenas uma sacola e entrou também – E aí, tampinha?
- Você disse nada de bebida e ele já ia trazer duas garrafas daquelas fortes – explicou fechando a porta – Ele está carente, coitado, não arranja ninguém.
- Quer saber? Se for pra inventar, nem precisa se dar ao trabalho de explicar – disse e nós rimos.
- Vem, – chamei, ela se levantou, me seguindo até a cozinha com Snoop em seu encalço e os dudes vieram atrás – Então por que você mesmo não me diz o que aconteceu?
- O problema não é arranjar alguém, o problema é alguém querer – riu, sentando-se a mesa e fez o mesmo.
- Isso, , cospe no prato que comeu, agora que está noivo, você nem lembra que era eu quem te dava amor e carinho – disse com voz de choro e cobrindo o rosto, fazendo gargalhar.
- Ninguém te quer? – a menina perguntou entre risos, se sentando ao seu lado.
- Sua tia não me quer – ele disse fazendo bico e eu gargalhei, colocando as coisas de dentro das sacolas em cima da pia com a ajuda de – Ela não tem namorado, tem?
- Não – a menina deu de ombros.
- , você que conhece sua tia tão bem, o que eu tenho que fazer para conquistá-la?
- Acho que se você cortasse o cabelo – ela disse pegando numa mecha do cabelo de – Fizesse um corte mais moderno.
- Você acha mesmo? – ele perguntou mexendo no próprio cabelo.
- E as roupas, , você também não acha que ele tem que trocar? – perguntou – Essas estão tão... Radio:Active.
- Eu não sei o que isso quer dizer, – a menina fez careta e nós rimos – mas eu acho...
- Agora toda vez que eu olho pra ela vejo muito mais semelhanças entre as duas – eu disse para que apenas ouvisse.
- Só entre as duas? – ele perguntou e eu senti meu celular vibrar dentro do bolso.
- O que...? – perguntei tirando o celular do bolso, era a , sai da cozinha e logo o atendi – Alô.
- COMO ASSIM VOCÊ ESTÁ COM A MINHA FILHA? – ela explodiu – E POR QUE DIABOS NINGUÉM ME AVISA NADA?
- , calma, a te avisou, não avisou? Tanto que agora você sabe que está comigo.
- CALMA? Eu deixei na escola achando que, enquanto eu estivesse na minha primeira reunião importantíssima na empresa depois de finalmente ter sido promovida, saberia onde a minha filha estaria, e só soube porque liguei e após muitas tentativas a desmiolada da me atendeu. Mas que ideia! Vocês querem me matar, isso sim!
- , sem crises, se o problema era saber onde ela estava, ela está aqui e está bem – eu ri – Você sempre entra em desespero quando o assunto é a , não é?
- Ela é a minha filha – ela disse simplesmente e suspirou.
- Então não se preocupe, os dudes estão aqui em casa...
- Os dudes – ela me interrompeu rindo e imitando o jeito como eu disse – Os garotos do McFLY estão ai?
- É, eu sei no que você está pensando, pode deixar que o não vai falar muitas besteiras e o não vai dar qualquer coisa para a tampinha comer – eu disse e ela riu – Da comida eu mesmo cuido, o dever já está feito, a gente vai inventar alguma coisa pra entretê-la durante a tarde e depois você passa aqui para buscá-la, sabe como chegar, não sabe?
- Sei.
- Então, sem problemas – eu sorri.
- Nossa, senti firmeza – ela riu – Acho que quando a não puder e se gostar, vou te contratar como babá.
- Pois é, o negócio aqui é sério – brinquei – Vou tratar dela como se fosse minha filha.
- ? – ela chamou depois de um tempo e eu apenas murmurei para que ela continuasse – Por que está fazendo isso?
Pensei bem. Não havia exatamente um por quê.
- Não sei, hoje eu fui até a porta da escola de , ver se te encontrava, acho que não fui muito educado contigo com aquelas perguntas desnecessárias da última vez que nos vimos. Claro, você concordou em respondê-las até um certo ponto, mas prefiro não te pressionar a falar sobre coisas que não dizem a meu respeito – eu disse, passando as mãos nervosamente pelos cabelos – Bem, você não estava lá, mas por que não passar um tempo com a pequena, certo? Também é divertido.
- Obrigada – ela riu fraco – Por tudo... Hm, eu tenho que voltar ao trabalho.
- Ah, tudo bem – me apressei em dizer – Então até mais tarde.
- Até – ela desligou e, com um sorriso estampado no rosto, eu coloquei o celular no bolso.
Ela viria até aqui!
Sei que não é por mim, não estrague a minha felicidade.
- Eu não consigo imaginar isso – pude ouvir dizer e gargalhar enquanto eu voltava para a cozinha, estavam todos sentados à mesa rindo.
- Isso porque ele não sabe sambar – disse entre risos.
- Mas lembra no show? As fãs brasileiras gostaram – deu de ombros ainda rindo.
- O que foi que eu perdi? – perguntei voltando as sacolas.
- acha que vai conquistar a tia sambando – riu, se levantando e vindo até mim – Até parece.
Enquanto especulávamos e dávamos palpites sobre o que deveria fazer para chamar a atenção de , eu e , a única pessoa em quem eu confiei, preparamos alguma coisa para comer. E ela estava mesmo com fome, eu ficava me perguntando para onde estava indo aquele monte de comida, porque ela não era do tipo de criança que pode se chamar de gordinha ou fofinha, sei lá. “Ela come de tudo”, já havia dito.
- Obrigada, estava muito bom mesmo – ela disse colocando o copo de refrigerante já vazio na mesa e suspirou.
- Você quer mais alguma coisa? Eles trouxeram doces – eu sorri e os dudes assentiram.
- Não, deixa pra depois – ela abanou o ar e eu ri.
- Ok, o que nós vamos fazer agora? – perguntou pegando o prato, copo e talheres e levanto-os até a pia.
- Vamos tocar ? – sugeri olhando para , que logo se levantou.
- Vamos, vamos, vamos!
- Ah! Por que ? Por que não o meu instrumento? – franziu o cenho.
- Porque eu prometi a ela que a ensinaria, nem que seja só um pouquinho, a tocar – dei de ombros – Depois, se você quiser, fala com a e diz que quer ensinar a filha dela a tocar o seu instrumento – eu disse imitando-o e a menina riu.
- Por que não a ensinamos a cantar? – sugeriu – É tão bonito uma menininha cantando.
- Mas eu já sei cantar – ela disse simplesmente e e eu nos entreolhamos.
- Você está de brincadeira comigo – ele disse, se aproximando rapidamente da menina, que arregalou os olhos parecendo se assustar quando percebeu que todos nós paramos para observá-la, esperando que dissesse alguma coisa, ela ruborizou.
- É brincadeira – ela se encolheu.
- Você realmente parece muito com a sua mãe, até na hora de mentir, mente muito mal – sorriu de lado e eu dei um tapa na testa dele.
- Não fala assim com ela! – o repreendi e me levantei, segurando na mão da pequena – Vem , você quer a , então nós vamos para a .

- Não vale! Você acerta todas – choramingou, se sentando no segundo degrau da porta principal da minha casa, e eu ri me sentando no degrau debaixo, entre suas pernas.
- Ah, amor, pelo menos em alguma coisa eu tenho que ser bom – brinquei fazendo bico e ela riu encostando a cabeça em meu ombro.
- Para, você sabe que é bom em muitas coisas – ela disse e eu selei meus lábios aos seus rapidamente.
- Próxima! – eu disse animado, estava gostando daquela brincadeira.
- Ok, deixe-me pensar... Grandes nomes da música, ahm – ela disse olhando para o chão com os olhos comprimidos como se vasculhasse em sua própria mente em busca de uma boa música – Já sei, presta a atenção.
Então ela começou a murmurar no ritmo uma música qualquer para que eu adivinhasse e depois de um tempo consegui identificar.
- Behind Blue Eyes, The Who – afirmei.
- Não, , tem que cantar.
- Por quê?
- Porque sim, vai, agora adivinha essa, mas tem que cantar – ela disse passando suavemente a mão em meus cabelos e eu assenti. Ela começou com uma outra música e imediatamente eu a identifiquei, então tentei acompanhar.
-
“... ´Cause even when I dream of you. The sweetest dream will never do. I´d still miss you, babe. And I don´t wanna miss a thing (Porque mesmo quando eu sonho com você. O sonho mais doce nunca vai ser suficiente. E eu ainda sentiria a sua falta, baby. E eu não quero perder nada) – fechei os olhos e continuei cantando, sentindo cada palavra daqueles versos me envolverem, entrelaçando a mão quente e macia de a minha – I don´t wanna miss one smile. I don´t wanna miss one kiss. Well, I just wanna be with you. Right here with you, just like this. I just wanna hold you close. Feel your heart so close to mine...”. (Não quero perder um sorriso. Não quero perder um beijo. Bom, eu só quero ficar com você. Aqui com você, apenas assim. Eu só quero te abraçar forte. Sentir seu coração perto do meu).
Fui abaixando o tom de voz e parando de cantar completamente quando percebi que ela já não me acompanhava mais, abri os olhos me perguntando por que ela tinha parado de cantarolar e virei um pouco o rosto encontrando , que me encarava com um sorriso doce moldando seus lábios. Eu realmente não queria perder aqueles seus sorrisos. Não queria, de forma alguma, perder aqueles seus beijos, eu queria ficar assim, do jeito em que estávamos.
- Gosto da sua voz – se explicou e mordeu o lábio inferior.
-
And stay here in this moment. For all the rest of time. (E ficar aqui neste momento. Por todo o resto dos tempos).

- Eu vou ganhar de novo – disse.
- De novo nada, da última vez eu te deixei ganhar – disse e eu ri.
Nós já tínhamos tocado um pouco de , mostrei-lhe o básico do básico e ficou toda animada. Ela comeu alguns dos doces que os dudes tinham trazido e agora ela e jogavam Need For Speed. Ela queria um de corrida e esse fora o único que eu achei.
- Só da última vez? – riu – E as outras duas vezes, você também a deixou ganhar?
- Claro – ele deu de ombros, concentrado no jogo e gargalhou, colocando o controle no sofá e se levantou pulando.
- Ahá! Ganhei, ganhei, ganhei! – ela pulava e nós riamos de toda aquela felicidade. Claro, da cara do também.
- Melhor de três – disse e a campainha tocou. Enquanto eles entravam numa discussão boba, larguei meus papeis em cima da mesa e fui atender a porta, já sabendo quem encontraria. Avisei Ian, o porteiro, que podia deixá-la subir.
- Oi – com as mãos no bolso, ela sorriu assim que eu abri a porta.
- Desculpe moça, como é o seu nome? – brinquei – Precisamos de identificação, questão de segurança com as nossas crianças, sabe como é.
- Ah sim, claro. – ela entrou na brincadeira e deu um passo a frente encostando-se ao batente da porta.
- ? – franzi o cenho olhando brevemente para o teto e ela riu – Moça, eu acho que a senhorita está com o pagamento da mensalidade em atraso.
- Eu? – ela abriu a boca em falsa incredulidade.
- Espere só um pouquinho que eu vou checar – eu fechei a porta por questão de segundos e tornei a abri-la – É, isso mesmo.
- Droga! – ela estalou a boca e deu um soquinho no ar – Mas eu não tenho dinheiro agora, o que eu faço?
- Não sei...
- Serve um abraço? – ela piscou, encolhendo os ombros e sorrindo largamente.
- Isso é muito melhor do que dinheiro – eu sorri, a puxando para um abraço, e ela gargalhou contra meu peito – E a tal reunião?
- Tediosa, porém muito importante – ela riu e afastou um pouco o rosto para me olhar – Obrigada por perguntar. E como foi com a pequena?
- Cansativo, porém incrível – eu disse e ela sorriu.
- Não está falando isso pra me agradar, está? Digo, é a minha filha, não é fácil de agradar.
- Sério? Eu achei fácil, a gente chegou, ela fez o dever, os dudes trouxeram comida de verdade para ela...
- Você não fez compras, não é? – comprimiu os olhos e eu ri assentindo – Não acredito nisso .
- Enfim, – eu disse e ela arqueou as sobrancelhas – ela almoçou, nós tocamos e agora o está apanhando dela no videogame.
- Vocês tocaram ? – se admirou.
- Sim, e ela foi muito bem – eu disse e ela sorriu, então me lembrei de uma dúvida que não fora esclarecida – , a sabe cantar?
- Bem, ela tem aulas de técnica vocal no colégio, – ela deu de ombros – mas não sei ao certo, foram poucas vezes que a ouvi cantando.
- MÃE! – ouvimos gritar e nos separamos, vendo-a se aproximar.
Pois é, nós ficamos o tempo todo abraçados e se fosse um dos dudes eu teria xingado, e muito, mas como era a pequena, então não era exatamente um problema, não conseguiria ficar bravo por isso.
- Oi, meu amor – se abaixou, ficando na altura da filha – Você nem me ligou, se esqueceu de mim hoje?
- Ah, não esqueci, só que hoje foi diferente – a menina disse recebendo da mãe um beijo no rosto e um abraço rápido – E agora você está aqui.
- Diferente como? Diferente bom? – perguntei vendo se levantar e assentiu sorrindo.
- Hey, ! – , e disseram em uníssono, se aproximando, até Snoop veio junto latindo.
- Hey, garotos... E Snoop – ela sorriu e passou a mão nos cabelos da filha – Querida, pegue suas coisas, sim?
- Ok – a menina concordou e voltou correndo para dentro do apartamento.
- Fique um tempinho aqui com a gente – disse.
- É, eu ainda tenho que ganhar da no Need For Speed – disse e nós rimos.
- Sei que é uma questão de honra, – ela disse num tom brincalhão – mas já está tarde.
- Ah, maninha, só um pouquinho – insistiu.
- Vem, zinha – eu disse tentando puxá-la para dentro e logo reapareceu com a mochila nas costas.
- Nós vamos ficar mais?
- Não, meu amor – ela disse e me pareceu que queria se referir à filha, mas olhava para mim. Sorri de lado vendo todos arregalarem os olhos. Com quem ela estava falando? Ela ruborizou, se soltando de mim e riu – Meus amores, não podemos ficar, Robert está no carro, melhor não demorarmos.
Ela disse apertando o botão para chamar o elevador e, com muitas exclamações desanimadas vindas da parte dos dudes, puxou a filha mais para perto. Rolei os olhos e recebi uma cotovelada nas costelas. , viado.
- Abraço? – sorriu abrindo os braços.
Todos se juntaram em volta das duas, as abraçando, e ria, logo nos separamos e segurou a mão da filha. Entraram no elevador, que já esperava por elas. mandou um beijo no ar e piscou pronunciando um “obrigada” sem emitir som algum antes das portas se fecharem completamente.
- Bem que ela podia pelo menos ter entrado – me olhou fazendo uma cara de falsa desolação e sorriu de lado.
- Fazer o que? – dei de ombros, fingindo não me importar, e entrei no apartamento – , onde estávamos mesmo?
- "Songs on the radio are just carbon copies of the way that I'm feeling after…"

Capítulo 11 - Coisas subentendidas


(Música: It Will Rain - Bruno Mars)

Ok, é só apertar a campainha. Já revi meu comportamento; não estou agindo como um obcecado, não estou sendo impulsivo, talvez apenas sendo gentil e atencioso com pessoas que eu gosto muito. Claro, vê-las é sempre muito bom, um prazer, uma coisa que eu gostaria que se repetisse mais vezes. Mas não de um jeito obcecado, se é que entende o que estou querendo dizer. Não há o que temer, por que estou hesitando se nada de diferente vai acontecer e nem vou forçar para que aconteça? Eu disse a ela que tentaria. Então me deixe apertar logo essa porra de campainha logo.
Uma vez. Nada, nenhuma movimentação.
Mais uma vez.
- Estou indo! – pude ouvir alguém gritar de dentro da casa. Era ela.
Esperei por alguns minutos e nada. Fiquei pensando se eu só não pensei ter ouvido alguém gritar, talvez eu estivesse mesmo obcecado e imaginando coisas. Só para ter certeza, levantei o braço e com o dedo indicador indo em direção ao pequeno botão, levei um susto quando a porta se abriu subitamente.
- Nem pensei nisso! – disse pausadamente com um sorriso no rosto e eu ri aliviado por não ser um obcecado – Tem gente que não sabe a hora de parar e fica com o dedo na campainha até alguém abra a porta, espero que você não seja um desses.
- Com certeza não. – eu disse e ela riu.
- Vem, entra. – ela piscou, pegando em uma das minhas mãos e me puxando para dentro.
Ela estava linda como sempre, com os cabelos soltos, muito bem arrumada e maquiada, mas descalça, então eu não tinha certeza se ela ia sair ou se tinha acabado de chegar. Mesmo assim me deixei ser levado e entrei.
- Gostei do seu cachecol. – ela riu fechando a porta e foi até a mesa de vidro que ficava no canto da grande sala, próxima da janela, onde tinha uma pasta branca e alguns papéis espalhados.
- Ah, obrigado! – sorri de lado olhando tudo a minha volta – Resolvi arrumar a bagunça no meu quarto esses dias e achei por lá.
As paredes eram num tom creme e os móveis escuros com a superfície em vidro, piso de madeira; eu diria que aquilo era marfim. Um tapete felpudo, sofás de couro de dois e três lugares, as cortinas brancas fechadas. As cores que se contrastavam e a luz baixa deixavam o ambiente aconchegante. Muitos eletrônicos, DVD, uma televisão de, talvez, 60 polegadas, não tenho certeza.
- É o costume – se explicou rindo ao ver que eu parei com uma das sobrancelhas arqueadas olhando para a televisão ligada no Disney Channel.
- E , onde está? – perguntei me virando para uma espécie de estante, como era o nome daquilo mesmo? Rack? Sei lá, só sei que aquele móvel batia na altura de minha cintura, não era muito largo e estava encostada a parede, em cima deste tinha muitos porta-retratos.
- Na casa de uma das amiguinhas, – ela disse parando ao meu lado – elas revezam os finais de semana para todo o grupinho dormir na casa de uma.
- Que pena, queria vê-la. – eu disse olhando e não deixando escapar nenhum detalhe de cada uma daquelas fotos, riu fraco – Bem que essa semana poderia ter sido aqui.
- Não, não faz muito tempo que elas vieram aqui! – ela se apressou em dizer e eu a encarei rindo – Deixe-as dar um pouco de trabalho para outra mãe.
Ela sorriu de um jeito divertido e ficou em silêncio. Eu sou uma pessoa curiosa e observadora. Então tornei minha atenção aos porta-retratos. Tinha algumas pessoas que eu não conhecia em meio de tantas fotos e a maioria dessas pessoas sempre estava acompanhada por Robert. A família ou os amigos dele, conclui. Tinha também fotos do casal. E nas outras fotos em que estava sem ele, em algumas a acompanhava, até estava ali perdida em uma delas. A que aparecia mais frequentemente era e até mesmo Sue tinha uma foto entre aquelas, apenas uma. Senti um leve sorriso brotar em meus lábios, eu conhecia aquela foto. Mas minha atenção se prendeu em apenas duas.
Na primeira, ainda grávida, tão jovem e com uma barriga enorme, estava sentada em um sofá marrom com e mais uma mulher ao seu lado, ria apertando as bochechas da prima com uma das mãos enquanto a outra mão que segurava uma caneta, repousava sobre um caderno que estava no braço do sofá. Na segunda, naquele mesmo sofá, deitada, com as pernas dobradas e os pés sobre o mesmo, a pequena , com talvez um ou dois anos apenas, estava deitada sobre si, as duas pareciam dormir, mas segurava um caderno e uma caneta nas mãos.
- O que você tanto escrevia? – perguntei indicando as fotos em que ela sempre tinha algo em mãos e a encarei.
- Devia ser lição de casa, não tenho certeza. – deu de ombros sorrindo de lado.
- Bem, eu vou te devolver isto – eu disse tirando o cachecol que estava em volta de meu pescoço – e vou embora, porque eu acho que estou te atrapalhando.
- Não, não está atrapalhando – ela disse enquanto eu colocava o cachecol no pescoço dela.
- Então posso perguntar o que você estava fazendo com esse monte de papéis? – perguntei olhando brevemente para a mesa de vidro. sorriu, andou até lá e eu a acompanhei.
- Salão, Buffet, decoração, vestido... – gesticulou – resumindo, casamento.
- Uhm, e Robert não te ajuda com isso?
- Ah sim, claro – ela rolou os olhos ironizando e eu ri fraco – Só com os cheques, o que é muito bom na verdade – ela disse rindo e logo nós ouvimos um carro buzinar. franziu o cenho e olhou para o relógio de pulso – Ai não, droga, pensei que fosse mais cedo.
- Algum problema? – perguntei vendo-a juntar rapidamente todos os papéis e colocá-los dentro da pasta branca.
- , faz um favor pra mim? – ela disse correndo até o sofá, onde estava sua bolsa e colocando em cima da mesa, junto à pasta – Eu estou super atrasada, desculpe por isso, mas será que você pode, por favor, pedir para que o taxista espere por mim? – pediu juntando as mãos rapidamente em sinal de suplica.
- Ok – eu ri – Está atrasada para o quê?
- Mais uma prova do vestido – respondeu olhando em volta, como se estivesse se certificando de que não esquecera nada – Vou calçar algo e já desço. – ela disse e em passos rápidos subiu as escadas.
Vestido, casamento e blábláblá, ainda não consegui me acostumar com isso. Sai da casa, encontrando o táxi parado ali em frente, eu tinha que dizer ao taxista de que ele teria de esperar um pouco. Mas já estava tarde e o tempo estava muito feio, parecia que ia chover, por que pegaria um táxi? Por que tinha que sair agora? Não poderia deixar isso para qualquer outro dia? Andei até o táxi e bati duas vezes contra o vidro do carro.
- A senhorita vai pra muito longe? – perguntei assim que ele abaixou o vidro.
- Um pouco longe, senhor – o homem disse ainda olhando para frente.
- Tudo bem, ela não vai mais precisar dos seus serviços – eu disse dando duas batidinhas na porta e ele me olhou com uma das sobrancelhas arqueadas, como se desconfiasse de algo.
- Quando a senhora Callagham não precisa, ela liga avisando.
Callagham, sério? Rolei os olhos e ele estendeu a mão para fora do vidro. Por Deus, que povo interesseiro, onde esse mundo vai parar? Pessoas tentando sabotar a prova de vestido das outras e uns arrancando dinheiro dos outros, ainda acho que posso ser considerado o bonzinho na história. Tirei a carteira do bolso bufando e coloquei algumas notas em sua mão.
- Qual é? O senhor é famoso, sei que pode mais – ele disse como se eu o tivesse insultado e eu arregalei os olhos.
- Cacete – disse entre os dentes colocando mais algumas notas em sua mão e ele as colocou no bolso.
- Obrigado, senhor – ele sorriu e arrancou com o carro. Devia estar muito feliz mesmo.
- Também enfia essa porra de dinheiro no...
- , cadê o táxi? – ouvi perguntar e me virei em sua direção, ela trancava a porta.
- Ele teve que ir – eu suspirei e ela veio até mim, com a bolsa em um dos ombros se abraçando a pasta branca.
- Mas você não pediu para que ele esperasse? – me olhou confusa e eu desviei de seu olhar.
- Eu pedi – eu disse olhando para o mesmo lugar onde o táxi estava antes e balançando os braços para frente e para trás – mas...
- , olha pra mim – ela pediu e com relutância eu olhei, ela ficou me encarando por alguns segundos com os lábios comprimidos e eu lhe forcei um sorriso – Você falou pra ele ir embora!
- Mas também não foi bem assim, – gesticulei reprimindo meu sorriso e ela abriu a boca incrédula.
- Não foi? , por que ele iria embora? – perguntou colocando uma das mãos na cintura.
- Porque eu paguei pra ele – cocei a nuca falando baixinho.
- Você o quê? – ela arregalou os olhos.
- , pensa – eu comecei gesticulando, ainda segurando para não rir – Está tarde, vai chover e pelo o que o taxista disse, vocês iriam para longe e se acontecesse alguma coisa? Você estaria com um homem estranho, e você é uma mulher muito atraente, e...
- ! – ela me interrompeu fechando os olhos com força e eu fiquei quieto – Pode parar por ai, ok?
- Só estava explicando os perigos – dei de ombros com uma vontade imensa de rir, eu estava adorando aquela situação, mas com certeza não estava gostando nem um pouco – Para sua própria segurança, é melhor você ficar em casa, se o sujeito aceita dinheiro fácil assim, imagine só...
- Está bem! – ela me interrompeu e suspirou, colocando-se de frente para mim e eu sorri de lado – Então se era este o problema, é você quem vai me levar.
Opa, isso não estava nos meus planos.
- Eu? – franzi o cenho, ela sorriu virando-se em direção ao meu carro e eu a segui – Não, , eu tenho que ir à casa do ainda hoje, estamos trabalhando no novo álbum.
- Devia ter pensado nisso antes de subornar o taxista, não é? – ela disse calmamente – E isso é o mínimo que você pode fazer por mim agora.
A encarei por alguns segundos, balancei a cabeça em negação e ela, com um sorriso no canto dos lábios, assentiu. Rolei os olhos, derrotado.
- Os dudes vão me matar – resmunguei tirando o celular e a chave do bolso, destravei as portas, abri a do carona para que ela entrasse e logo lhe estendi o meu celular – Liga para um deles, por favor? Talvez assim não me xinguem tanto.
riu rolando os olhos, pegou o celular da minha mão e entrou no carro, fechei a porta e dei a volta no mesmo, entrando pela porta do motorista, claro. Coloquei o cinto de segurança e a chave na ignição, teclou e colocava meu celular entre seu pescoço e o ombro enquanto mexia na bolsa, ela falou com , que ficou calminho e pelo o que ela disse, não achou ruim de eu não poder estar lá mais tarde. Ela disse para onde tínhamos que ir e qual caminho seria o melhor e, realmente, era um pouco longe, mas nós ficamos conversando e rindo, eu respondia a todas as suas perguntas sobre os shows que o McFLY fez e outras coisas mais, então chegamos sem demoras a casa onde a senhora que estava fazendo o vestido de noiva de morava. Não dava para ver a casa direito, o muro enorme e portões de ferro a escondiam.
- Achei que não viria mais – a senhora magrinha de cabelos curtos e acinzentados, com um longo vestido azul e um xale verde cobrindo os ombros, sorriu, abrindo mais o portão para que nós entrássemos e assim fizemos.
- Pois é, senhora Thompson, tivemos um contratempo. – disse me olhando brevemente enquanto a mulher fechava o portão e eu ri.
- Então este é o seu noivo... – a mulher disse se virando para nós e me olhando de cima a baixo, como se me analisasse. abriu a boca para dizer algo, mas logo a senhora pôs-se a falar – Mas não dá azar ver a noiva com o vestido antes do casamento? Prefere ficar em outra sala, rapaz?
- Não, ele... – começou. Ou pelo menos tentou.
- Ah, tudo bem! – a senhora a interrompeu abanando o ar e começou a andar, subindo os três degraus da porta principal e logo abrindo a mesma, olhei para , que deu de ombros, derrotada e a seguimos para dentro da casa.
A casa era muito maior do que aparentava ser da porta de entrada; a nossa frente a grande a sala de estar, a direita tinha as escadas que levavam ao segundo andar, embaixo das escadas tinha uma porta e a esquerda tinha um longo corredor com muitas portas. Passamos pela sala, tentando acompanhar os passos da senhora, e entramos no corredor.
- Vocês também não acreditam nessa superstição? – tornou a falar – Muitos casais hoje em dia não acreditam, talvez seja por isso que existe um grande índice de divórcios.
- Ai, Deus – riu entrelaçando seu braço ao meu, como ela costumava fazer, e levou a mão livre à testa, eu ri.
- Mas não estou querendo dizer que vocês não vão dar certo – a senhora Thompson continuou – Longe de mim, isso não é coisa que se diga para os casais felizes e cheios de esperanças – ela riu fraco, parando em frente à última porta do corredor e nos olhou por breves segundos – E vocês formam um casal tão bonito...
Ela disse e abriu a porta logo, ascendendo às luzes do cômodo. e eu nos entreolhamos, ela estava vermelha e mordia o lábio inferior. Por que me encarar de tal forma? Era assim que eu perderia o controle e faria tudo aquilo que estava me segurando para não fazer sem pensar duas vezes e dificilmente me arrependeria, era com aqueles lindos olhos e os lábios macios assim tão perto que eu me desligava de tudo o que estava acontecendo a minha volta.
tornou a olhar para frente e soltou de meu braço.
- Na verdade, senhora Thompson...
- Venham, entrem – a senhora a interrompeu novamente, suspirou pesadamente entrando no cômodo e eu a segui – Rapaz, você pode se sentar aqui.
- Obrigado! – agradeci me sentando no lugar indicado, um sofá branco de dois lugares.
- O que você dizia, querida? – ela perguntou se virando para , que colocava a bolsa e a pasta branca sobre uma mesa de vidro que havia ali.
- Hm, nada – ela disse entre outro suspiro balançando a cabeça negativamente e jogou uma mecha do cabelo atrás da orelha – Deixe pra lá.
- Ok, então vamos ao vestido – a senhora sorriu e , encarando os próprios pés, seguiu para o outro lado da divisória de madeira – Fique a vontade, já voltamos.
Eu assenti e a senhora Thompson seguiu o mesmo caminho de , quando sumiu do meu campo de visão, já pude ouvir o burburinho das duas conversando, não era nítido, mas eu não tinha o real interesse em saber sobre o que falavam. Relaxei meu corpo sobre o sofá olhando tudo a minha volta, eu estava num espaço relativamente pequeno se fosse levar em conta o que poderia ter do outro lado da alta divisória de madeira. As paredes, o piso, as grandes cortinas da janela à minha direita, era tudo branco e em volta da mesa de vidro, tinha quatro cadeiras douradas, tinha também algumas revistas e um vaso com tulipas em cima da mesinha que estava ao meu lado. Basicamente isso. Era uma bonita decoração, mas eu já estava cansado de analisá-la, tinha entrado no tédio desenhando formas geométricas sobre a superfície macia do sofá com o meu próprio dedo indicador. Depois de uma tentativa fracassada de me distrair com meu celular, me levantei preguiçosamente e andei até a janela, afastando um pouco a cortina, o vidro estava molhado, lá fora chovia e estava tudo escuro.
- Senhora?
Ouvi a porta se abrir e me virei, uma mulher toda vestida de preto entrava na sala, pensei que ela procurasse pela senhora Thompson, então apontei para a grande divisória e, me entendendo, ela deu um leve aceno de cabeça e seguiu para o outro lado. Ouvi mais uma vez o burburinho do outro lado.
- É rapidinho – ouvi a senhora Thompson dizer, ela passou por mim me lançando um sorriso cordial e saiu do cômodo fechando a porta logo em seguida.
Ir ou não ir? Ok, eu não sou o noivo, então...
Fui até onde estava. De costas para mim, ela se olhava no grande espelho a sua frente, com o longo vestido branco. Como de costume, eu a olhei de cima a baixo. Os cabelos presos em um coque improvisado que deixava algumas mechas soltas, o vestido de alças finas tinha delicadas flores bordadas que se seguiam até a cintura e então vinham os finos babados, o que me lembravam pétalas de rosas, nas costas a fita branca de cetim se cruzava várias vezes e a apertava, como um espartilho.
- ? – ela chamou e eu a encarei através do espelho – Com sinceridade, ok?
Ela passou as mãos no vestido e então eu soube sobre o que ela estava falando. Abri a boca uma ou duas vezes tentando dizer qualquer coisa, mas não conseguia emitir som algum, meu olhar deslizava por todo o seu corpo.
- Está tudo bem? – ela perguntou num tom de preocupação e franziu o cenho.
- Você nunca esteve tão linda – consegui encontrar minha voz.
Sua expressão se suavizou aos poucos, ela ruborizou e sorriu docemente abaixando o olhar para suas mãos, que brincavam distraidamente com algum detalhe do vestido e, depois, tornou a encarar sua própria imagem no espelho.
- Eu disse que seria rapidinho, minha filha não é de dar muito trabalho – a senhora Thompson disse passando por mim novamente, com algumas coisas em mãos – Então, rapaz, o que achou do vestido?
- É lindo, muito lindo.
Eu sorri e a senhora Thompson voltou a falar. Percebe-se que ela gostava bastante de conversar. e eu ficamos em silêncio o tempo todo, apenas a ouvindo ou de vez em quando concordávamos com algo, não que eu estivesse realmente prestando atenção em tudo que ela dizia. Eu prestava mais atenção numa voz dentro da minha cabeça que insistia em dizer que eu continuava sendo um idiota e que tinha que fazer alguma coisa, e eu estava lhe dando razão. Ela estava ali, diante de mim, se preparando para o seu casamento.
E se eu nunca mais pudesse abraçá-la e beijar seus lábios outra vez?
Depois de a senhora Thompson fazer alguns pequenos ajustes na barra do vestido, trocou de roupa e a caminho da porta principal as duas foram combinando o que mais deveria ser feito.
- Então, daqui alguns dias eu volto – sorriu para a senhora a nossa frente.
- Tudo bem – a senhora Thompson piscou – Vocês tem mesmo certeza de que não querem ficar mais um pouco? A chuva está forte.
- Não, obrigada, nós temos que ir – ela disse e deu um abraço rápido na senhora Thompson que, apesar de falar bastante, eu acabei gostando dela.
- Se é assim que preferem, então tomem cuidado – ela disse por fim e eu sorri em agradecimento pela sua preocupação.
Com um último aceno, e eu corremos em disparada até o carro, que estava um pouco longe da casa da senhora Thompson. Destravei as portas e nós entramos, ambos tremendo por conta das grossas gotas de chuva e o vento gelado que tomamos. Coloquei a chave na ignição e liguei o aquecedor, ouvindo suspirar, logo em seguida houve um clarão e ouvimos um barulho forte de trovoada. Com o susto, nós dois olhamos para o pára-brisa.
- É impressão minha ou a chuva está piorando? – perguntei acendendo os faróis e encarei , que ainda olhava para fora com os olhos comprimidos.
- Espero que seja só impressão – ela disse colocando o cinto de segurança, eu fiz o mesmo e dei a partida. Fui devagar, já que, apesar dos faróis acesos, não dava para enxergar a rua direito, era pouquíssima a iluminação do lado de fora.
- , que tipo de lugar sombrio e assustador é esse? – eu disse depois de termos nos afastado um bom trecho desde a casa da senhora Thompson, de um lado era só mato, de outro casas enormes, vazias e escuras – Eu acho melhor nós voltarmos.
- Não dá mesmo pra seguir?
- Só se você quiser seguir dessa pra melhor – brinquei encostando o carro no acostamento.
- Tonto! – ela riu, balançando a cabeça negativamente.
- Está chovendo, não dá pra enxergar muito bem, eu acho que não vai adiantar muito, mas nós podemos esperar um pouco antes de ir, se você quiser.
Ela assentiu e eu desliguei o carro, pelo jeito não sairíamos dali tão cedo. Liguei a luz interna e tirei o cinto de segurança, relaxando o corpo sobre o banco. fez o mesmo e pegou o celular do bolso, o levantando, esticando o braço pra tudo quanto era canto, se virou ajoelhando-se sobre o banco, franziu o cenho olhando para o visor do celular e foi para o banco de trás. A ouvi bufar e de repente eu vi seu celular na minha frente.
- Tem sinal? – ela perguntou e eu tirei o celular de sua mão, o colocando em meu bolso – !
- Não tinha sinal – eu ri vendo-a voltar para o banco da frente.
- Sério?
- Sério.
Silêncio.
- – a chamei, me ajeitando sobre o banco, de forma que ficasse de frente para ela, que me encarou – Posso te fazer uma pergunta?
- Pode – ela franziu o cenho e deu de ombros.
- Não estou querendo ser inconveniente, sei que sempre faço perguntas demais...
- Na verdade eu acho que você se desculpa demais – ela sorriu de lado.
- Eu me preocupo, e ouvi a briga entre Robert e você, me pareceu algo muito sério – suspirou e envolvi sua mão a minha – Por que, exatamente, você estava chorando naquele dia, na casa do ?
- Quer mesmo saber? – ela perguntou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha e eu assenti – Ok, eu também me preocupo, e ouvi a conversa entre você e – ela pareceu rir sem humor – Vi o modo como falou e como ela recebeu tudo, eu fiquei com medo, sabia que aquela não era a melhor hora, mas já tinha me deixado escapar tantas chances, me senti mal, desejando que não precisasse fazer aquilo, pois não sabia o que fazer ou como agir, Robert não parava de me pressionar e você estava a um passo de ligar todos os pontos... – ela dizia enquanto várias coisas começavam a inundar minha mente.
“A menina tem os olhos iguais aos seus.”
“Não o culpo, na verdade eu nem lhe dei essa chance.”
“Muitas coisas estavam acontecendo, muitas mudanças.”
“Eu o amava.”
Era tão óbvio, estava na minha cara o tempo todo e eu me recusei a ver.
Como sempre, me recusando a ver as coisas.
- Não sei se é preciso dizer algo mais...
Com meu olhar perdido em um ponto qualquer de painel, eu soltei de sua mão, a levantando um pouco num breve sinal para que parasse, ela assim o fez e suspirou.
- Eu... Eu acho que... – franzi o cenho me perdendo com as palavras e deixei a frase morrer ali, me virei vagarosamente, abrindo a porta do carro e saltei do mesmo.
Não sabia em que pensar, ou melhor, sabia. , claro. Mas me parecia tão difícil agora, não sabia como encarar aquilo. O que eu estava sentindo naquele momento? Normalmente as pessoas ficam felizes quando descobrem que terão um filho, certo? Mas eu já tinha um filho quando descobri... É diferente? É por isso que não estou feliz? Afinal, o que eu estava sentindo? Até um tempo atrás eu estava sozinho, sentia que sempre estive sozinho e agora eu tenho uma filha de sete anos. Eu estava me sentindo estranho, confuso, enganado.
Fiquei na frente do carro, sentindo as grossas gotas de chuva me atingirem e as rajadas de vento geladas contra o meu rosto sem me importar, andando de um lado para o outro, encarando meus próprios pés no escuro e no vazio, passando as mãos nervosamente pelos cabelos.
- ! – ouvi a porta do carro bater – , volta para o carro agora! – ela gritou e eu parei de andar passando as mãos pelo rosto.
- Eu estou pensando! – eu disse num tom mais alto que a chuva – me deixe pensar um pouco.
- Pensar em quê?

(Dê o Play na música!)

- Pensar, – eu disse me virando para ela, que estava um pouco afastada de mim, já toda molhada – Pensar em tudo e tentar achar uma boa explicação para que você tivesse que esconder isso de mim. Por que só agora? Por que não antes?
- Antes quando? Logo quando eu soube? – perguntou num tom irônico vindo até mim.
- Por que não? – gesticulei fitando seus olhos – Você devia ter pensado em mim também, se ela é minha filha eu tinha o direito de saber da existência dela.
- Já que eu sou a errada, então me diz você, – ela cutucou meu ombro com força – se fosse naquela época, você iria querer, ou estaria pronto para ter uma filha? – ela me encarou por alguns segundos, esperando por uma resposta, mas eu permaneci em silêncio mordendo os cantos dos lábios.
- Em algum momento vocês devem ter precisado de mim – dei um passo à frente – E de alguma forma, eu poderia ter ajudado!
- Sim, em muitos momentos, mas eu não queria precisar – ela disse com a voz firme e bateu o pé jogando os cabelos molhados para trás que insistiam em cair sobre seu rosto – Eu não queria, porque da última vez que realmente precisei, você não esteve comigo, me deixou na mão e as coisas só pareceram piorar – ela disse e eu engoli a seco sentindo uma dor no peito, como se aquela velha culpa tivesse despertado e me envolvido com uma força imensa. Ela não confiava em mim.
- Então é isso? – sorri amargurado.
- Não, não é isso, por mais que eu não quisesse, porque ainda estava com raiva, pensei em nós... Eu pensei em você, seu idiota! Sabia que sua carreira estava começando, sua vida estava mudando... O que aconteceria depois que a responsabilidade de ser pai caísse sobre seus ombros?
- , entenda que eu faria qualquer coisa para te ter comigo outra vez! – eu disse a pegando em seus pulsos e a puxando mais pra perto – E nunca, jamais, seria um problema.
- A última coisa que eu queria era bagunçar a sua vida – ela gritou se soltando de minhas mãos e se afastando.
- Mesmo assim, isso está errado! – eu gritei e um trovão estourou sobre nossas cabeças.
abriu a boca, numa tentativa de dizer algo, mas logo mordeu o lábio inferior.
- Mas foi tentando acertar – ela franziu o cenho e, fitando o chão, deu mais alguns passos para trás – Eu tinha 16 anos, estava sozinha...
- Você escolheu estar sozinha! – interrompi e ela me encarou, encravando seu olhar ao meu com intensidade, senti um arrepio percorrer a espinha e eu tentei me aproximar, vendo-a se afastar a cada passo que eu dava, até parar abruptamente quando bateu suas pernas contra o carro.
- Eu não queria estar grávida, não queria ter uma filha, ok? – ela disse sustentando seu olhar – Ainda mais sabendo que ela era sua também!
- Era tão ruim assim? – perguntei com o cenho franzido, podia ouvir os batimentos do meu coração em meus ouvidos, estava com medo daquela resposta. Mas eu precisava saber. Eu me lembro do que havia dito que achava que eu poderia ter sido um bom pai se tivesse tido a chance, por que agora ela me dizia isso? – Me diz, porque eu já estou cansado de coisas subentendidas.
- Será que era mesmo tão ruim assim, ? – ela riu sem humor – Eu tentei lidar com tudo e tentava te esquecer, mas como seria possível se toda vez que olhava pra ela, eu me lembrava de você? Eu me sentia uma completa idiota e me amaldiçoava todos os dias por ainda pensar em você, por ficar imaginando coisas que possivelmente nunca aconteceriam...
Ela parou de falar assim que passei um de meus braços em volta de sua cintura, puxando-a pra mais perto de mim, vencendo a distância restante, colei nossos corpos e avancei contra seus lábios, começando um beijo intenso, sentindo-a corresponder. Ela agarrou meus cabelos e vez ou outra arranhava minha nuca, mordisquei seu lábio inferior e, sem nos separar, me curvei um pouco, deslizando minhas mãos pela lateral de seu corpo até a parte de trás de suas coxas e a segurei firme enquanto deu um leve impulso e entrelaçou suas pernas em volta de minha cintura. Ela separou nossos lábios e passou a distribuir beijos languidos em meu pescoço. Nenhum de nós dois nos importávamos com a chuva, muito menos com o frio. Eu já não sentia mais frio. Sentia calor e uma vontade imensa de ter sua pele em contato com a minha, de poder tocá-la sem restrições. Dei alguns passos pra frente, até o capô do carro e a sentei ali, apertei sua cintura e ouvindo-a suspirar ao pé do meu ouvido, sentindo sua respiração quente contra minha pele, fazendo com que eu me estremecesse por dentro. Eu a queria aqui, a queria agora.
- ...

Capítulo 12 - Todo mundo sente ciúmes


O melhor lugar para onde eu poderia ir aquele momento era o apartamento de , e eu torcia para que ela não tivesse inventado de sair justo hoje. Era um refúgio para e eu quando Robert viajavamos e não queríamos ficar sozinhas naquela casa enorme, ficávamos no apartamento e não reclamava, ela até achava melhor, já que ainda não se sente bem morando sozinha. Robert se recusa a entrar no apartamento – ele e minha prima não fazem o tipo melhores amigos – e para não correr nenhum risco, podemos por assim dizer, naquela casa nós só falávamos o português.
Quando o carro encostou em frente ao prédio, não pensei duas vezes, logo destravei o cinto de segurança, peguei minha bolsa e minha pasta que estavam no chão, abri a porta e deslizei para fora do carro, mas sem parecer que eu estava desesperada para sair dali, somente o suficiente para mostrar que sim, eu também estava magoada.
- Vejo vocês depois de amanhã?
O ouvi dizer e o encarei, uma de suas mãos segurava firmemente o volante e ele havia virado, o mínimo possível de seu rosto, para poder me olhar com seus duros olhos . Senti meus joelhos vacilarem.
- Claro! – eu disse conseguindo me manter firme.
- Qualquer coisa, eu ligo.
Inspirei profundamente e bati a porta, dei as costas e entrei no prédio sem olhar para trás em nenhum momento. Só então eu corri. Não me importei de subir as escadas, não tinha paciência nenhuma de esperar pela boa vontade de um elevador e, com certeza, aquela mesma música que sempre toca dentro dele não me ajudaria a relaxar nem um pouquinho que fosse, por ser muito alegre e irritante. Entre um espirro e outro, ao chegar à porta do apartamento fiquei apertando a campainha incansavelmente até que aparecesse. Eu odeio que façam isso na minha casa, mas eu precisava entrar.
- Mas hein? – fez uma cara de espanto ao abrir a porta e me ver naquele estado, espirrando loucamente.
- Sem nenhum comentário, não fala nada, por favor! – pedi passando por ela encarando o chão, indo direto para um dos quartos com em meu encalço – Robert me mata se eu aparecer em casa desse jeito.
- O que aconteceu com você? – perguntou atrás de mim enquanto eu jogava minha bolsa em cima da cama e abria os armários, peguei uma toalha e segui para o outro quarto – Por que sua roupa está toda molhada?
- Ainda tem roupas minhas aqui, não têm? – abri algumas gavetas da cômoda, ignorando todas as suas perguntas. Espirrei mais uma vez e me virei para ela, que me encarava como se eu fosse uma doida.
- Olha só para o seu cabelo, – ela disse pegando uma mecha, ainda me olhando com aquela cara – está parecendo um ninho de rato!
- Você quer parar com isso? – a repreendi dando um tapa em sua mão, a afastando do meu cabelo.
- Ok, não está tão ruim assim. – ela riu, mas percebeu que eu não estava muito feliz, pois continuei séria – Nas últimas gavetas, como sempre.
Assenti e tornei minha atenção para a cômoda, abri as últimas gavetas, vendo algumas roupas minhas e de . Aquele era o quarto que nós duas costumávamos dividir. Peguei uma roupa qualquer - um vestido vermelho escuro, quase vinho, que chegava até a metade das minhas coxas, uma jaqueta de couro e joguei tudo sobre a cama.
- , você vai congelar com essa roupa. – ela disse em tom de preocupação, franzindo o cenho.
- Não tem problema, – fechei um pouco os olhos e espirrei – já estou gripada mesmo.
Tomei ar e espirrei de novo. E de novo. E mais uma vez.
- Que inferno! – esbravejei.
- Calma, – ela disse, abaixando-se em frente às gavetas abertas – vá tirar essas roupas molhadas e tomar um banho, eu procuro uma roupa mais quente pra você. Só deixe a porta entreaberta.
- Obrigada. – eu disse entre outro espirro. Respirei fundo e fui para o banheiro, que ficava no corredor.
Encostei a porta, tirei aquela roupa que estava me incomodando há mais de horas o mais rápido possível, sem me importar de jogá-las em qualquer canto. Entrei no Box, ligando o chuveiro, e deixei que a água escaldante caísse sobre mim causando choques por todo o meu corpo, logo o banheiro todo foi tomado por uma névoa branca. Suspirei aliviada.
- Está aqui, – ouvi dizer do outro lado, eu não podia vê-la e nem ela podia me ver por conta do tipo do vidro, que eu não fazia a menor ideia de qual era – é a roupa mais quente que eu encontrei, sei que você não vai querer usar as minhas.
- Obrigada, – eu ri fraco e passei um pouco de shampoo no cabelo – de novo.
- O que aconteceu com você? – tornou a perguntar.
- Nada. – me apressei em dizer.
- , eu sou a única com quem você pode falar, sabe disso, não sabe? – ela disse.
Bufei e rolei os olhos. Eu teria que concordar com ela e lhe contar tudo. Realmente, era a única com quem eu podia falar agora, aliás, ela era a única com quem eu podia conversar sobre tudo, sem ter que esconder absolutamente nada.
- Eu contei a ele. – eu disse fechando os olhos por alguns segundos.
- Você o quê? – perguntou, e eu já podia sentir uma pontinha de euforia em sua voz.
- Contei a verdade a sobre ele ser o pai de .
- Sério, ? Ai meu Deus, finalmente! Isso... Isso é ótimo, vai ficar tão feliz quando você contar a ela também...
- Sim, ela vai. – eu disse simplesmente passando o condicionador e espirrei.
- E o que mais aconteceu?
Suspirei.
- Vai prima, desde o começo!
- Ok. – comecei de má vontade – Ele apareceu lá em casa, eu nem estava esperando, tinha que ir até a casa da senhora Thompson para mais uma prova do vestido, assim como eu disse para você, mas ele subornou o taxista para que eu não fosse. – eu disse me lembrando do jeito descarado como tentou se explicar quando o acusei e gargalhou.
- Ele te ama. – ela disse entre risos. Ignorei.
- O obriguei a me levar e, quando estávamos voltando, a chuva estava muito forte, só parecia piorar e não dava pra ver a estrada direito, então ele encostou o carro, perguntou o motivo do meu choro e da briga entre Robert e eu na casa do .
- Ele sabia sobre a briga? – perguntou surpresa.
- Não devia, – eu disse começando a me ensaboar – mas sabe.
- Mas como?
- Não sei como, mas sei que Robert estava pouco se importando em manter a descrição naquele dia.
- Nossa, foi esperto, nem precisou da minha ajuda... Foi uma forma inteligente de te arrancar informações.
- , você disse pra ele fazer alguma coisa? – abri a boca e arregalei os olhos, já me sentindo traída.
- Sim, mas só porque te amo! – ela riu – Continua.
- Então eu contei, ele pareceu entrar em estado de choque, saiu do carro em plena chuva e ficou andando de um lado para o outro. – eu disse, tirando todo o sabão do meu corpo e desligando o chuveiro logo em seguida. Puxei a toalha para mim e me enrolei na mesma, saindo do box – Claro, eu fiquei preocupada, não sabia no que ele estava pensando, aí eu sai do carro também, vai saber se ele estava pensando que eu era uma tremenda mentirosa, golpista, sei lá...
- Isso explica as roupas molhadas – ela arqueou as sobrancelhas e se virou de costas para que eu pudesse me trocar – e seus espirros.
Passei a toalha rapidamente pelo corpo, espirrei e depois a enrolei em meu cabelo. Coloquei minha lingerie. Espirrei.
- Nós discutimos, eu disse algumas verdades, ele me beijou, eu retribui e então a coisa fugiu do meu controle. Acordei hoje, discutimos de novo e aqui estou eu. – eu disse tudo de uma vez, praticamente atropelando as palavras.
- Ok... Posso virar? – pediu calmamente.
- Pode. – eu disse depois de colocar a calça, terminando de abotoa-la.
- , o que você realmente quer dizer com “eu retribui e então a coisa fugiu do meu controle”?
Ela me encarou com o cenho franzido e eu segurei meu suspiro, para não demonstrar sentimento e permitir que julgasse e dissesse qualquer coisa. Tirei a toalha do cabelo, a pendurando no gancho da parede, coloquei o blusão cinza e a encarei, apenas levantando levemente os ombros. arregalou os olhos.
- Vocês transaram?
- Eu não usaria este termo. – fiz careta, peguei a pasta e a minha escova de dentes.
Sim, eu tinha uma escova de dentes na casa da minha prima.
- E que termo você usaria, ? – ela perguntou com um sorriso divertido em seu rosto, encostando-se ao batente da porta – “Vocês cometeram um adultério”, melhor assim? – fez aspas.
- Ah sim, claro, eu estava me sentindo culpada, mas agora eu já estou me sentindo muito melhor com a sua ótima escolha de palavras. Obrigada! – exclamei sarcástica e coloquei a escova na boca, ouvindo-a rir.
- Desculpe, não resisti, achei que você seria a esposa perfeita de Robert Callagham, que ficaria em casa cuidando dos filhos, submissa ao marido, que faria todas as vontades dele. Mas, meu bem, você está se saindo muito melhor do que imaginei. – ela suspirou e sorriu, rolei os olhos.
- Não vai acontecer de novo! – eu disse com a escova na boca.
- Ok, recapitulando, então vocês ficaram juntos, muito provavelmente no carro dele, na estrada, no meio do nada, na chuva... – disse e eu assenti – E como foi?
Eu a encarei com o cenho franzido, ainda escovando os dentes, com vontade de perguntá-la onde ela estava querendo chegar com aquela pergunta, com aquela conversa toda. Eu já tinha contado tudo! Bem, pelo menos boa parte. Mas pareceu ler minha mente.
- Prima, não me leve a mal! – disse levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência – Eu percebi que não consegue esconder o que sente quando o assunto é você, só queria saber se estou certa, não precisa de detalhes, se não quiser dizer.
Sem pressa alguma, terminei de escovar os dentes, guardei a escova, enxaguei, sequei a boca e deixei que meus pensamentos me levassem para aquela estrada, para aquele carro, antes de uma discussão e depois de outra. Senti um sorriso brotar no canto de meus lábios e minhas bochechas queimarem. O espelho a minha frente me denunciaram.
- E também o porquê de você ter chegado aqui toda nervosa, mas enfim, suas bochechas me dizem que foi bom. – completou e eu ri fraco, penteando o cabelo.
- Não vou mentir, – eu disse encarando meu próprio reflexo – foi... Diferente.
- Eu não gosto do Robert, adoraria poder esfregar na cara dele que existe a possibilidade dele estar sendo trocado, – ela disse parecendo ansiar por isso, com os olhos brilhando e mãos inquietas, e eu rolei os olhos mais uma vez. Por que, Deus, uma prima tão desmiolada? – mas ele não pode saber disso.
- Robert não vai saber de nada. – balancei a cabeça negativamente, espirrei e peguei minhas roupas molhadas do chão, enquanto pegava minhas botas e a toalha – não vai contar.
- ? – sugeriu quando eu apaguei a luz e, ainda descalça, passei por ela, saindo do banheiro e indo em direção à lavanderia.
- Não, eles são amigos, mas não tanto quanto eram quando eu voltei para o Brasil fazendo o favor de acabar com a amizade deles e quase acabar com a banda.
- Ai, não começa, porque a culpa não foi sua! – disse com a voz carregada pelo tédio.
- Que seja, só sei que me sinto na obrigação de dar um jeito nisso. – eu disse e joguei as roupas direto na máquina de lavar – Você não sabe, não os viu no colégio, não viu que eles faziam tudo e adoravam estar juntos. Sempre juntos.
- Ok, o ? – ela suspirou dando de ombros, colocou minhas botas no chão e depois estendeu a toalha.
- Ele e são como você e eu, – ponderei chegando a essa conclusão, espirrei e segui para a cozinha em busca de um antigripal – provavelmente deve saber de tudo, mas não precisamos investigá-los, como eu disse, Robert não vai saber de nada.
- E o ? – a ouvi perguntar enquanto pegava o remédio no armário e a olhei brevemente com os olhos comprimidos e ela, que estava sentada a mesa, nem me deu atenção.
- Que implicância com o . – eu ri, peguei um copo, despejando um pouco da água de uma jarra que ficava por cima da pia no mesmo.
- Ah, é ? Nunca me lembro do nome dele. – ela disse e eu me virei para ela, encostando o corpo contra a pia.
- Eu acho que você gostou dele, isso sim.
- , continua com a sua história, vai, – disse analisando as unhas – estava muito mais interessante.

- Que surpresa ainda te encontrar aqui. – ele disse com a voz rouca, fazendo meu corpo todo se arrepiar, sorriu de lado abrindo os olhos brevemente, ainda sonolento, porém, com os braços firmes a minha volta.
Surpresa. Claro. Ele já percebeu a tempos que eu estava sempre fugindo de situações como esta.
- Você tem que me levar pra casa, esqueceu que estamos no meio da estrada? – eu disse fechando os olhos com força.
Talvez não olhando para ele eu não sentiria nada, não sentiria culpa, não sentiria vergonha. E não me deixaria abalar por aquela vontade quase que incontrolável de continuar ali deitada e abraçada a ele no banco de trás de seu carro, por mais desconfortável que o banco fosse com aquele couro que grudava por toda a lateral do meu corpo e em algumas partes mais, sentindo a estranha segurança que eu sentia quando estava com ele, sentindo o perfume e o calor que sua pele emanava. Eu já havia tentado sair dali, mas dessa vez não tinha nenhum travesseiro ou qualquer outra coisa que pudesse me substituir e, claro, não tinha para onde fugir.
Talvez ainda restasse um pouco de sanidade dentro de mim, nem que fosse só um pouquinho, e talvez eu pudesse encontrar dessa forma. Senti um de seus braços me soltar devagarzinho e as pontas de seus dedos tocarem meu pescoço, deslizando suavemente até meu ombro.
- E então nós devemos fingir que nada aconteceu? – o ouvi perguntar.
Não me atrevi a abrir os olhos, ou a respondê-lo, não queria ser tão dura com ele, era muita covardia da minha parte se lhe pedisse para que fizesse isso, mesmo sabendo que de qualquer forma eu teria que agir como se nada tivesse acontecido, como se não tivéssemos ido à casa da senhora Thompson, como se ele não tivesse aparecido em minha casa. Como se ontem à tarde até hoje de manhã nunca houvesse existido.
- Eu realmente não sei por que ainda tento. – ele disse e me soltou, abri os olhos e nós nos sentamos lado a lado – Vai ser assim?
Eu podia sentir seu olhar sobre mim. Eu sentia frio, muito frio. Estávamos apenas de roupas íntimas, então passei a recolher minhas roupas no chão, mas ele segurou em meu antebraço e por reflexo puxei meu braço o mais rápido possível e o encarei.
- Sempre que acontecer alguma coisa entre nós será o mesmo que nada? – perguntou e eu permaneci em silêncio – Ou seja, você não sente nada por mim.
- É mais complicado do que parece. – eu disse, sentindo estar no automático, como se não fosse eu que estivesse falando aquelas palavras que saíram duras, sem emoção ou sentimento e quem as disse estava me cortando por dentro.
- O fato de você estar brincando comigo não é tão complicado assim, . – ele me interrompeu e riu sem humor, me encarando com o olhar magoado.
- Desculpe, – eu disse tornando a pegar minhas roupas – não era isso que eu queria que você pensasse de mim.
Ele franziu levemente o cenho e voltou sua atenção a um ponto qualquer no chão, provavelmente perdido em seus pensamentos. Coloquei minhas roupas molhadas, minha bota e desci do carro para me sentar no banco do carona, fechei a porta, travei o cinto de segurança, passei as mãos pelo rosto e peguei meu espelho dentro da bolsa, tentando dar um jeito na minha aparência e esperando que se apressasse para sairmos dali.
E foi então que eu percebi que tudo seria tão difícil quanto eu imaginei que seria há alguns anos, contar a sobre . Talvez um pouco mais difícil, mas por razões diferentes.
- Eu não entendo.
- Eu ainda não aprendi a mentir, , – foi a minha vez de rir sem humor, olhando fixamente para a estrada a minha frente tomei a iniciativa – prometo que respondo suas perguntas.
- Não era isso que você queria que eu pensasse? – perguntou como se quisesse entender o que eu quis dizer – Por que voltou realmente? Você disse que não quis precisar de mim, provavelmente ainda não precise.
- Acima de tudo, eu voltei pela , ela precisa de você. – respondi decidida a lhe dar respostas objetivas e, claro, verdadeiras.
- Mas posso pedir um exame de DNA?
- Você pode nos levar a qualquer clínica, não tem problema.
- Se é somente pela , então por que deixou que nos envolvêssemos? Que isso entre você e eu fosse adiante? – perguntou e eu suspirei.
- Saudade.
Silêncio. Acho que ele percebeu, se eu mentisse com certeza isso estaria estampado na minha cara, percebeu que eu estava sendo sincera em minhas respostas, então prosseguiu:
- Por que fingir que nada aconteceu? Que eu me lembre, você não gosta de traição.
- E não gosto, – eu disse simplesmente – mas é complicado.
- O que é complicado? – perguntou impaciente pelo uso daquela expressão que ele ainda tentava entender, encarei minhas mãos sobre meu colo e fiquei em silêncio – O que você sente por mim, de verdade?
Mais silêncio.
Ouvi o abrir e fechar de portas e logo estava ao meu lado no banco do motorista, pelo que percebi pela minha visão periférica, já estava vestido. Tornei a olhar para a estrada a minha frente.
- E se eu disser que ainda te amo, , isso te ajuda a dizer se sente o mesmo ou não? Faz alguma diferença pra você?
Não, ele não estava me perguntando isso, não estava!
Eu podia sentir seu olhar sobre mim, não o olharia diretamente nos olhos, estava evitando porque se não eu me sentiria insegura e diria algo que não devia sem medir palavras, mas ele estava me pressionando, era demais para mim. O cerco estava se fechando, daqui a pouco tudo começaria a rodar e minha vista se escureceria, seria aquela maldita tontura que eu sempre tenho quando o assunto envolve meus sentimentos.
O olhei brevemente. Sim, ele estava me perguntando isso!
- O que sente pelo seu noivo?
- Eu... Eu nã... – eu disse sentindo meus olhos arderem, mas não desviei o olhar da estrada, suspirei – Por favor, me leve para casa, só isso, apenas me leve para casa. – tentei deixar claro que não diria mais nada, que a conversa acabaria ali e continuou me encarando.
- O que mais você esconde, ? – perguntou.
“Nada, eu não escondo nada. Por que esconderia mais alguma coisa de você? Já lhe contei tudo. Eu não escondo nada, nada.”
Repeti várias vezes, como se estivesse treinando para dizer aquelas palavras, mas nada saiu. Respirei fundo, pisquei algumas vezes e me mantive imóvel.
- Tudo bem, – ele disse por fim – já esclarecemos muitas coisas nessas últimas horas.


- ... E o caminho todo da volta fora no silêncio extremamente desconfortável.
- É... – arqueou as sobrancelhas, suspirou, colocando os pés sobre a cadeira e abraçando as próprias pernas – Mas agora está tudo bem e você não precisa se preocupar com isso.
- Como não? – franzi o cenho, eu estava preocupada com a próxima vez que me encontrasse com – E se ele me pressionar de novo?
- , você fez o que pôde respondendo as perguntas, pelo menos aquelas que realmente importavam para esclarecer seu comportamento com relação a ele. – ela deu de ombros – O que você quer é que ele reconheça como filha, que eles se aproximem e que ela não tenha que passar ou sentir as mesmas coisas que você, certo? – perguntou, eu espirrei e depois assenti – E é só isso que vai mudar na sua vida, não é? Você está decidida a continuar com o idiota do Robert.
- ! – eu a repreendi pelo jeito como falou de Robert e ela levantou a palma das mãos para cima, dando de ombros.
- Mas não é isso? Você não vai se casar com ele? – ela arqueou as sobrancelhas e eu rolei os olhos discretamente, fixando-os no chão, ainda calada – Pensou demais! – exclamou e eu até me assustei – , meu Deus, eu estou amando o ! Ele está te fazendo mudar de ideia com relação ao casamento, coisa que eu nunca consegui fazer! Ele...
- , não seja ridícula! – eu a repreendi – Eu não estou mudando de ideia, eu ainda vou me casar com Robert.
- Então, e se te pressionar de novo... – gesticulou – Sei lá, dê um jeito de omitir, não responda, mude de assunto, faça qualquer coisa! Até mesmo porque você mente muito mal.
- Por que todo mundo me diz isso? – perguntei indignada, jogando as mãos pesadamente ao lado do corpo.
- Porque é a verdade! – ela disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e eu cruzei os braços, frustrada pela minha falta de talento em mentir – E , quando vai contar a ela?
- Vou dizer que existe tal possibilidade antes do exame ser feito, mesmo sabendo que o resultado será posit...
- Exame de DNA? – ela me interrompeu se endireitando na cadeira – Espera, quando você disse que ele perguntou isso eu achei que talvez ele só estivesse te testando, não que levaria a sério...
- Ele está na razão, , e eu entendo. Aliás, – acrescentei, voltando minha atenção aos armários, em busca de algo para comer, fazia horas que nada passava pelo meu estômago e ele já começava a reclamar – passei sete anos me preparando para isso.
- Entendi.
- Vem cá, o que tem de comida descente aqui nessa casa, hein?
- Ah, nem vem falar da minha comida, você sabe que ainda não me acostumei a ficar sem a comida da minha mãe, – ela riu – sei lá, come um pão com ovo frito.
Gargalhei.
- Mas onde está agora? Não era para você tê-la buscado na casa da amiguinha dela e tal?
- Ela vai me ligar. – eu disse distraidamente, abrindo os armários e os vasculhando.
- Sabe, eu comprei DVDs novos, alguns são da Disney, mas não vou conseguir me lembrar do nome de todos, estava na promoção e eu lotei a sacola, mas tenho certeza de que ela vai amar! Lembro que...
ia dizendo e de repente senti um frio percorrer por todo o meu corpo. Meus olhos se arregalaram instantaneamente depois do lampejo que tive, larguei tudo o que estava em minhas mãos e sai correndo pelo apartamento em busca da minha bolsa.
- !
- Não, não, não é possível... – murmurei para mim mesma virando minha bolsa, que nem era tão grande assim, de cabeça para baixo, deixando que tudo o que havia dentro dela caísse em cima da colcha branca da cama sobre a qual eu estava ajoelhada.
Isso não podia estar acontecendo!
- O que foi dessa vez? – perguntou e eu levantei o rosto, vendo-a na porta com o cenho franzido.
- está com o meu celular. – mordi o lábio inferior juntando as coisas para colocá-las de volta na bolsa.
- Que mania você tem de esquecer as coisas com ele, hein?
- Não é mania! – eu disse firme, a olhando brevemente – Dessa vez a culpa não é minha, é dele! Ele pegou o celular da minha mão e o colocou no bolso. Como eu ia lembrar que o meu celular estava no bolso dele depois de toda aquela discussão doida que tivemos sobre a minha filha? – eu me descontrolei, dando ênfase a todas as palavras individualistas, me sentindo mal por tê-las dito daquela maneira logo em seguida.
Eu devia mesmo dizer “minha filha” ou eu poderia dizer que ela é "nossa"?
- Quer ajuda? – ela perguntou cautelosa e eu apenas assenti – Posso pegar seu celular com e buscar , como eu disse, tem DVDs novos para distraí-la enquanto você vai para casa e conversa com Robert, difícil ele ainda não ter se dado conta da sua ausência e não ter te ligado umas 4 ou 5 vezes.
Assenti mais uma vez e suspirei, colocando as pernas para fora da cama, me sentando corretamente. Ainda teria de encarar um Robert muito zangado.
É impressão minha ou este estava sendo o fim de semana mais longo da história?
- Ah prima... – disse vindo até mim, me puxando pelos ombros, fazendo com que eu ficasse em pé e me abraçou – Não fique assim, você já passou por muitas coisas, isso é o de menos e você é forte! – ela disse e eu sorri, retribuindo seu abraço – Acredite, as coisas estão começando a se resolver.
- Obrigada pelo apoio – sorri.
- Guess it's times like these remind me that I got to keep my feet on the ground – ela cantarolou e eu rolei os olhos.
- Não acredito que você está ouvindo McFLY só para tirar uma com a minha cara! – eu disse ainda abraçada a ela, que riu.
- Não, as músicas são boas mesmo, tipo, eu adorei "Don't Stop Me Now".
- Você sabe que essa música é do Queen, não sabe?
- Por isso que logo na segunda vez que ouvi eu já sabia cantar ela inteirinha? Que droga! – ela disse entre risos – Mas enfim, minha intenção era pedir que você fosse otimista.
- Ok, otimismo? Você podia ter dito disso numa outra forma, mas entendi. – ironizei e ela riu, fechei um pouco os olhos e espirrei.
- Credo! – ela encolheu os ombros se soltando de mim e eu gargalhei – Espirrar no meu ombro já é demais , sua doente!
- Desculpe. – pedi entre risos e passei a mão no ombro dela, que fazia careta.
- Coloque os sapatos que eu separei para você – ela indicou com a cabeça os sapatos no chão, junto ao pé da cama – e vá pra casa, mas antes me faça o favor de passar num posto de saúde e tomar uma injeção pra acabar com esses espirros malditos.
- Ok – eu ri, indo em direção aos sapatos, e me sentei na beira da cama enquanto ela saía do quarto.
Só a para me fazer rir nessas horas.
Terminei de me arrumar, fiz uma maquiagem simples e, agora sim, não era a roupa mais quente do mundo, mas eu estava no mínimo descente para poder sair na rua. Despedi-me de , que me disse que depois de estudar mais um pouco iria buscar , agradeci mais uma vez lhe dando um abraço bem forte seguido de protestos, já que ela não queria nem pensar na possibilidade de ficar doente também, e sai do apartamento. Eu já tinha chamado um táxi e quando cheguei à portaria pude avistá-lo estacionado na rua, abri a porta de trás e deslizei para dentro do carro, disse o endereço e o motorista logo arrancou dali. Durante todo o trajeto fiquei pensando no que aconteceria quando chegasse em casa. Muito provavelmente Robert estaria esperando por mim. Minha preocupação aumentou contando o fato de que eu estava sem o meu celular, automaticamente, nenhuma das chamadas de Robert foram atendidas – e com certeza ele me ligou –, que eu havia o avisado que sairia ontem, mas não que só voltaria hoje, muito menos lhe disse com quem eu estava. Ele estaria bravo. Se soubesse que eu estava com , então estaria furioso! Bem feito pra mim. Mas esta parte ele não precisa saber, eu posso tentar mentir. Sei que definitivamente este não é o meu forte, mas sempre diz que Robert nunca percebe quando estou mentindo, que isso é porque mesmo depois desse tempo todo, ele ainda não me conhece tão bem. Eu só concordo com a primeira parte, então eu posso tentar mentir, se não, eu já estava me sentindo culpada e ele faria com que eu me sentisse pior, e com razão.
O táxi parou em frente a minha casa e eu paguei o taxista, descendo do carro logo em seguida. Andei até a porta e respirei fundo, caçando as chaves no fundo da bolsa, quando finalmente achei, a coloquei na fechadura e girei com o maior cuidado para não fazer barulho, abri a porta já com um sentimento estranho. Eu odiava chegar em casa e ver tudo fechado, apagado, e o silêncio me assustava.
Quando eu já estava do lado de dentro, antes mesmo que pudesse fechar a porta, uma mão fez isso por mim. Sem a menor delicadeza, esta me segurou pelo pulso e me virou bruscamente para si, fazendo com que eu batesse com as costas contra a porta. Tentei me soltar, inutilmente.
- Onde você estava? – ele perguntou entre os dentes e eu olhei seu rosto de relance, pude perceber seus olhos vermelhos e olheiras abaixo dos mesmos – Sabe, eu acho que uma prova de vestido não demora tanto tempo assim.
Engoli a seco e permaneci em silêncio, olhando diretamente para o meu pulso junto ao seu peito coberto pela camisa azul, que subia e descia numa respiração pesada, já que Robert era bem maior que eu, não precisava abaixar a cabeça para não ter que olhá-lo nos olhos. Incomodado pelo meu silêncio, ele puxou meu outro pulso, apertando seus dedos com ainda mais força e me empurrou novamente contra a porta.
- Você não vai me dizer nada? Mesmo depois de eu ter te esperado aqui, a noite toda, você não vai me dizer que estava com ele?
Ok, esqueça a idéia inicial de tentar mentir.
- Você já sabe, Robert! – tornei a encará-lo e disse em voz baixa sentindo meus olhos arderem – Já sabe! Agora me solta, por favor, está me machucando!
Ele olhou para meus pulsos envoltos por seus dedos fortemente fechados, franziu o cenho e os soltou de imediato, como que estivessem queimando a palma de suas mãos. Abaixei o olhar embaçado para meus pulsos marcados, provavelmente ficariam roxos, minhas mãos estavam quentes e vermelhas, elas tremiam e formigavam.
- Que droga, ! MAS QUE DROGA! – Robert andava de um lado para o outro, passando as mãos nervosamente pelos cabelos – ESTÁ FELIZ AGORA? – ele voltou e tocou meus pulsos com as pontas dos dedos – OLHA SÓ O QUE EU FIZ COM VOCÊ!
Ele se virou e bateu a mão nos porta-retratos, jogando a maioria no chão e saiu pisando firme escada acima. Só quando o ouvi bater a porta com força que eu percebi que estava segurando minha respiração e aquilo, aquele pouquinho de força que ainda me mantinha em pé, havia me abandonado, senti minhas pernas amolecerem e deixei-me escorregar até cair sentada no chão. Avistei a moldura azul do meu porta-retrato preferido e me estiquei até alcançá-lo, o vidro estava quebrado, mas não me importei, apenas o abracei sentindo meus pulsos latejarem. Suspirei e me levantei, ajeitei o porta-retrato com a foto da minha mãe no lugar onde deveria estar, passei as mãos pelo rosto tentando impedir que qualquer lágrima caísse e subi as escadas, parando em frente a porta do nosso quarto. Suspirei mais uma vez, bati duas vezes na porta antes de abrí-la.
- Robert, a gente pode conversar?
#End of ’s POV.

- Olha, a me ligou, disse tudo aquilo que eu tenho certeza que foi você quem pediu para que ela me dissesse, dessa vez passa, , mas só dessa vez, o nosso novo projeto tem que acontecer! Quanto a , toma cuidado com tudo o que faz, e eu temos conversado, ela pediu para que eu pegasse leve com você, – riu fraco na mensagem deixada na secretária eletrônica – não me leve a mal, mas eu sempre vou proteger a . A propósito dude, é o .
Rolei os olhos e ouvi mais um bip.
- , é o sua irmã me ligou? – ele riu – Disse que está a tempos tentando te ligar, tanto em casa quanto no celular, mas pelo jeito você não está atendendo ninguém. Bem, que seja, o disse que você estava com a ... Será que ela não podia falar de mim pra prima dela? Sei lá, vocês dois podiam me dar uma força...
Respirei profundamente. Mais um bip.
- Oi, é o . E ai, saiu com a e ainda não voltou? Se fosse com uma garota qualquer eu acharia normal... Mas enfim, – suspirou – diferente de você, o meu celular está ligado e estou em casa, qualquer coisa, me liga!
Bip.
- , é a sua irmã, está tudo bem com você? Mamãe está preocupada porque ninguém sabe onde você está, aliás, a única coisa que souberam nos dizer foi que estava com você. É a mesma ? – ela disse e eu soube que ela estava sorrindo – Aquela sua namorada que a mamãe amava? Nossa, ela adorou saber disso, ficou feliz, mas não entendemos porque não nos contou... Enfim, ligue aqui em casa, beijão, te a...
A mensagem foi finalizada pela minha força, eu puxei o telefone, arrancando os fios e o jogando longe. Eu não estava a fim de ouvir. Todos me ligaram, todos falaram sobre ela.
Snoop ficou me olhando e eu o ignorei. Espirrei. Estava espirrando feito um condenado.
Senti algo vibrando no meu bolso e o puxei novamente. O celular piscava, vibrava e gritava, pedindo desesperadamente para ser atendido e eu estava tentado a isso, da primeira vez que o atendi não gostei da voz que ouvi e me arrependi depois, mas a foto e o nome que apareciam agora eram diferentes. Eu queria atender. Desde que deixei na casa da prima, seu celular, que eu havia me esquecido de que ainda estava em meu bolso, começou a tocar. Normalmente eu acharia isso ótimo, mais um pretexto para poder vê-la, mas eu não sabia muito bem o que fazer depois dos últimos acontecimentos.
- Está tocando... Está tocando! – murmurei para mim mesmo andando de um lado para o outro, pensando bem se devia ou não atendê-lo.
Coloque a mão livre do bolso e dessa vez puxei o meu celular, o liguei e logo disquei o número de alguém que pudesse estar mais calmo do que eu nesse momento, liguei para , e quando ele atendeu o celular de já tinha se calado, lhe contei o ocorrido apenas por cima, nada sobre ser minha filha e nada sobre a noite em meu carro. Enquanto isso eu me preparava para tomar um bom banho quente, andando de um lado para o outro, peguei minhas roupas espalhadas pelo chão e as amontoei em cima da poltrona que ficava no canto do quarto, a fim de levá-las para a lavanderia mais tarde.
- Está tocando de novo! – parei no meio do quarto.
- Maricas. – murmurou – Não atende!
- É a pequena.
- Já disse, não atende.
- Eu posso atender, mas não dizer nada – sugeri, olhando para aparelho em minhas mãos.
- Pra quê? Está ficando louco? – perguntou do outro lado da linha – O que a menina vai pensar quando ligar para a mãe, ela atender, mas não falar com ela?
- O que eu faço então?
- Porra, não atende mais esse celular, você vai acabar trazendo problemas para a ... Se é que já não trouxe. – ele disse e eu rolei os olhos – Qual é o seu problema, afinal?
Você nem imagina, pensei.
- Parou de tocar – eu disse e tossi algumas vezes.
- Ótimo, agora desliga ele.
- Ok – pigarreei.
Breves segundos de silêncio.
- Você não vai desligar, não é? – perguntou e eu pude imaginar a cara dele de desaprovação, porém conformada, já que sabe que não é tudo aquilo que ele me aconselha a fazer que eu realmente faço.
- Claro que não. – eu disse colocando o celular sobre minha cama, peguei uma roupa quente no closet e segui para o banheiro sob o olhar atento de Snoop.
- Hm, mas o que você disse a ele quando atendeu o celular dela?
- Que eu levei a para a prova do vestido de noiva e que ela deixou o celular cair no chão do meu carro – dei de ombros fechando a porta – nada de mais.
- E Robert acreditou?
- Por que não acreditaria? É a verdade – ou pelo menos metade dela.
- Bem, sei lá, eu não gostaria de ligar para a minha noiva e outro cara atender o celular dela à uma hora dessas. Todo mundo sente ciúmes, nem que seja só um pouquinho, mas sente.
- Vai ficar tudo bem, ele sabe que a não quer nada comigo – eu disse e espirrei.
- Sim, eles vão se casar, , Robert e serão uma família, – ele disse e eu rolei os olhos me segurando para não manda-lo calar aquela maldita boca e dizer que não foi para isso que eu liguei, se fosse para ouvir alguém jogando a verdade na minha cara, eu teria ligado para o – mas se fosse comigo, eu acho que tiraria satisfações com a quando ela chegasse em casa.
- , qual é a sua? – chamei depois de um tempo e ele apenas murmurou para que eu continuasse – Cacete, você não está ajudando!
- Só estou dizendo a verdade. – ele disse e eu rolei os olhos mais uma vez – Bem, vou desligar, tem alguém me ligando. Tchau minha flor, se cuida. – e desligou.
Estalei a boca e deixei o celular de lado.
Não, não é apenas impressão, os dias estão realmente ficando mais longos.

Capítulo 13 - O que você sabe?


- Pare de me seguir! Eu não quero saber!
- E eu não tenho nem o direito de me defender? – perguntei tentando acompanhar seu passo – Nós estamos andando... Não, na verdade, eu estou correndo atrás de você a um bom tempo nessa desgraça dessa escola e você não me deixa falar nada!
- Não, você não tem esse direito, porque você vai negar, mas eu vi , e seja lá o que for dizer, você está errado – ela disse a última parte pausadamente.
- Ah, você viu? – eu disse sarcasticamente e ela bufou, parando de andar para me encarar – Então você está vendo demais, porque eu estava sentado esperando por você pra gente subir para as salas, então ela apareceu do nada, se sentou ao meu lado e começou a conversar comigo, só isso !
- Ok, então vamos ver se eu entendi – ela sorriu em falsa animação, dando um tapa um tanto quanto forte em meu ombro, e colocou uma das mãos na cintura enquanto gesticulava com a outra – Brook, uma garota do primeiro ano, a qual eu só conversei uma vez na vida e quem eu não gosto nem um pouquinho, mas que com certeza é sua amiga há muito tempo, sempre chega mais cedo na escola, porque nem no nosso período ela estuda, para justamente sentar-se ao seu lado e lhe fazer companhia quando eu não estou por perto.
- Isso parece horrível com você falando assim. – ironizei e ela rolou os olhos me dando as costas e começou a subir as escadas que levavam até as salas de aula – Olha, eu também não gosto do Joey, mas nem por isso eu reclamo.
- Ah, mas o Joey não fica dando em cima de mim na cara dura – e me olhou de relance – e nem me vem com essa história, porque você reclama sim!
- , não dá pra você parar num lugar só, pra nós conversarmos direito?
- Você não precisa conversar comigo – ela gesticulou, parando de andar no meio do corredor – eu vou pra minha aula e você pra sua, pronto.
- Fala mais baixo! – adverti e ela arqueou as sobrancelhas, cruzando os braços na altura do peito.
- Ou você pode voltar para o campus, se quiser aquela menina pode conversar com você a qualquer hora, rir, mexer no cabelo, ficar te alisando, te dando abraçinhos e beijinhos na bochecha, isso tudo porque ela é muito gentil e atenciosa – ela começou e eu bufei.
não iria parar de falar enquanto não ouvisse um “você está certa”, coisa que não iria acontecer de jeito nenhum, peguei um de seus pulsos e a puxei pra uma das primeiras portas que vi, banheiro feminino, eu não queria nem saber, a gente só tinha que se resolver e, pra nossa sorte, tinha um grupinho de meninas lá dentro.
- Nojenta! – ela continuou – Eu não sei, ela deve ter sérios problemas, porque ela acha que eu não vejo que o humor dela muda completamente quando eu vou te puxar pra ficar em algum outro lugar...
- O que...? – uma das meninas nos olhou com o cenho franzido enquanto ria de nervoso, mas eu não dei a mínima importância, abri a porta de um dos boxes apertados e entrei ainda puxando junto comigo e fechei a porta.
- Mas você também é um idiota! – ela acusou me encarando.
- Sério? E por quê? – perguntei, apoiando uma das mãos na parede atrás dela nos deixando ainda mais próximos do que aquele lugar minúsculo nos obrigava a ficar, sentindo sua respiração bater contra minha boca.
- Você sabe muito bem que aquelas menininhas do primeiro ano vivem correndo atrás dos nossos amigos, tanto que o adora, por que diabos seria diferente contigo?
- ...
- Eu quero sair daqui – ela disse levantando a mão para tentar abrir a porta e mais que rápido postei minhas mãos sobre sua cintura e a virei pressionando-a contra a porta.
- Não, agora você vai ter que me ouvir, eu não entrei num banheiro feminino por nada! – eu disse e suspirou ao ouvir risos do lado de fora, rolei os olhos apoiando um pé no vaso sanitário e as mãos na porta a fim de ver as garotas que ainda estavam lá – Será que dá pra vocês saírem daqui? – pedi e depois de ver que cada uma delas saiu pela porta voltei a minha posição inicial – Ok, o que eu tenho que fazer pra você entender que elas não fazem diferença nenhuma pra mim?
- Só você não deixar. – ela deu de ombros e eu comprimi os olhos, tentando entender o que ela quis dizer – Eu tenho mesmo que explicar?
- Eu não sei o que você está querendo dizer.
- , preste atenção. Elas são muito atiradas e qualquer um que passe por perto consegue perceber no jeito como ela te olha, que quando mexe no próprio cabelo, na verdade ela quer que você faça isso com ela – disse, demonstrando isso em mim, passando suavemente as mãos em meus cabelos – ou quando te dá um abraço, ela pode estar querendo fazer isso com você.
Ela dizia tudo com uma voz lenta, que me envolvia facilmente e com o olhar fixo ao meu. Eu estava completamente paralisado, eu não sei o que acontece, era só me olhar daquele jeito que ela me tinha em suas mãos e podia fazer o que quisesse comigo, que de modo algum eu iria reclamar. deslizou suas mãos pelo meu peito até a barra da minha camisa e por baixo da mesma, passando as unhas em meu abdome fazendo-o se contrair.
- E quando te beija no rosto, não é onde ela realmente quer – ela continuou quase num sussurro e roçou seus lábios macios em meu pescoço, minha bochecha, e parou em minha boca – Ou você não percebe isso porque é muito idiota, ou você apenas se faz de idiota.
- Acho que sou muito idiota, será que você pode fazer aquele negócio do abraço de novo? Não sei se eu entendi muito bem – eu disse ainda contra seus lábios e ela riu, afastando um pouco o seu rosto do meu.
- , você sabe que eu não costumo faltar às aulas de literatura e que a sua professora de matemática não vai muito com a sua cara, todos já nos viram hoje, logo estarão procurando por nós – ela disse brincando distraidamente com a gola da minha camisa.
- Quem mandou ser uma boa aluna?
- Quem mandou ficar conversando com o , lá no fundo da sala, sobre o quanto a professora precisava “tirar o atraso”? – ela riu e eu arregalei os olhos rindo também – E você acha mesmo que eu não sabia disso? Pois é, não estou a fim de ir pra detenção de novo.


Já fazia horas que eu estava deitado em minha cama, em meio aos cobertores. Já tinha tomado meu banho, já tinha dirigido até o supermercado mais próximo, até a drogaria e voltei para casa. Comprei algumas coisas para que Snoop e eu pudéssemos pelo menos passar a semana, sabe, ração e coisas instantâneas, fáceis de preparar, teria comprado mais coisas, mas eu podia ouvir minha cama me chamar e não sou o tipo de pessoa que quando está espirrando a todo o momento, adora andar de mais para gastar dinheiro. Comprei também alguns daqueles remédios que não precisam de prescrição médica - era só uma gripe, tenho certeza.
Agora, depois de alimentado e automedicado, eu esperava o sono vir, olhando para o teto e contando carneirinhos, mas aquilo só parecia me deixar ainda mais desperto. Normalmente, antigripais dão muito sono, pensei em tomar algum outro remédio só para ver se conseguia dormir, mas logo tirei a ideia da cabeça, é longa a lista de famosos que foram encontrados mortos em suas casas por conta da mistura de remédios e eu não queria participar dessa lista. E quanto ao sono, eu só fiquei na espera, porque ele não vinha e nem viria se eu continuasse matutando sobre famosos mortos, então desviei meu foco para as últimas coisas que aconteceram comigo, ainda olhando para o teto e brincando distraidamente com o aparelho celular de em minhas mãos.
Ok, eu era pai.
Eu era pai de uma menina, tinha uma filha de sete anos, de grandes e lindos olhos , os quais sabiam muito bem como observar as pessoas ao seu redor, atentos a seus trejeitos. Ela era boa em matemática e adorava aprender coisas novas, como patinar e tocar ; gostava de jogos de corrida e muffins. Eu me lembro bem de que gostava muito de muffins. Vestida pela mãe, a maioria de suas roupas, se não todas, tinham ao menos um detalhe em azul. Ensinada pela mãe, não falava com estranhos enquanto estivesse sozinha – a não ser que um desses estranhos tenha um cão, assim ela esqueceria essa lição com uma facilidade incrível, em questão de segundos –, e conhece duas línguas ou até mais, seriam o inglês, o português e talvez o alemão. De longe se percebe de que a menina é grudada com a mãe e que reconhece, dá valor a tudo o que a mãe faz por ela. Por agora, pensando, me parecia que não era assim de todo mal a ideia de ser pai, ela podia ter me contado, eu aceitaria e a ajudaria. Ou não? Ri internamente com isso, ah sim, eu aceitaria! Precisava tanto dela ao meu lado que nem me importaria se a menina não fosse realmente minha filha. Mas a mãe tem que tentar resolver as coisas por si mesma, não importa o que seja ou o que aconteça, ela não quer ajuda e não dá o braço a torcer.
Eu tive uma filha com a minha namorada do colégio, aquela que tenho certeza de que amei com todas as minhas forças, aquela que esperei por sete anos, e então agora ela me aparece com seu noivo alemão e com sua filha, ou melhor dizendo, com a nossa filha. Mas, independente de tudo, independente do fato de ela só aparecer agora, ou de que está noiva, ou de ainda estar omitindo coisas, eu a amo; isso é errado? Eu estava um pouco magoado, um pouco confuso, mas o sentimento mais forte continuava comigo e eu sentia raiva por não conseguir sentir raiva dela, por não conseguir esquecê-la.
- Ela não está me usando, não é? – eu disse para o celular em minha mão – Será que teria problema se eu fuçasse em sua memória, só um pouquinho, só para me distrair?
Mordi o lábio inferior, pesaroso, e passei a ponta do dedo indicador sobre tela do aparelho, que logo se iluminou com a foto de uma sorridente.
Cá entre nós, na verdade nem sei o porquê de eu ter falado em exame de DNA, acho que estava tão atordoado e magoado com as coisas que ela me disse e com aquelas que deixou de dizer que também quis que ela sentisse um pouco do que eu estava sentindo, e talvez assim, fingindo que duvidava dela eu conseguiria fazer isso.
Por alguns segundos continuei pensando se deveria ou não, se precisava mesmo fazer aquilo ou não, porque naquele aparelho não devia ter nada de mais, eu só fuçaria e o que poderia encontrar seriam fotos de com Robert, ou mensagens dele para ela, ou sei lá mais o que, já bastava ter atendido uma ligação dele, aquele aparelho poderia estar infectado até seu último átomo de Callagham.
Rolei os olhos. Espera, esse negócio de átomo... Isso é química? Física? Ok, isso é o que não me importa no momento.
Deixei que a tela tornasse a se apagar e coloquei o celular em cima do criado-mudo e então ouvi o som da campainha soar por todo o apartamento, sendo seguido pelo latido de Snoop, que estava deitado na cama comigo, com o corpo atravessado sobre as minhas pernas. Assim como eu, Snoop se levantou preguiçosamente, uma parte do corpo de cada vez, em movimentos lentos. Mas prefiro denominar isso como movimentos friamente calculados. Espirrei. Mas dessa vez eu estava preparado, com um rolo de papel higiênico em uma das mãos. Descemos as escadas arrastando os pés – ou as patas, seja como preferir – e mais uma vez a campainha tocou, mas poupei minha voz ouvindo a conversa do lado de fora, já sabendo quais eram os inconvenientes que me tiraram da cama.
- Tem certeza que ele está ai?
- Tenho, falei com ele segundos antes de você me ligar.
- Acho que o porteiro... Como é o nome dele mesmo?
- Ian.
- Ah sim, acho que o Ian nos avisaria se não estivesse em casa.
- Faz sentido. – pausa – Já perceberam como esse corredor é frio?
- Amor, a gente não pode vir outra hora? Ele pode estar descansando...
Enrolei um enorme pedaço de papel na mão, colocando depois no bolso do moletom, coloquei o rolo na mesinha próxima a porta e abri a mesma.
- Hey, dude! – três disseram em um uníssono enquanto duas apenas sorriram.
- E aí? – pigarreei.
- Eu não disse? – arqueou as sobrancelhas colocando as mãos no bolso – Ele está doente, não vai sair de casa tão cedo.
- Que dó de você, dude! – disse e veio até mim, me dando um abraço – Você vai ficar bem.
- Aham, eu sei. – eu ri, mas minha voz saiu estranha por conta do congestionamento nasal, e eu estava odiando aquilo, diga-se de passagem – Valeu , pode me soltar agora.
- Já tomou remédio? – perguntou e eu assenti assim que me largou.
- Aposto que está querendo descansar – me olhou compreensiva e eu sorri de lado, dando de ombros, pelo jeito ela era a única que me deixaria descansar naquele momento.
- Esquece isso, ok? – disse dando um passo a frente – Porque agora você pode me chamar de gênio – ele sorriu largamente, pude ver e rolarem os olhos atrás dele, porém os dois sorriam.
- E por que eu faria isso? – perguntei.
- Você não tem que fazer isso – rolou os olhos sorrindo e Snoop latiu enquanto os cinco entravam em casa se espalhando pela minha sala.
- É, mas minhas notícias sobre o nosso trabalho continuam sendo ótimas – ele deu de ombros.
Espirrei mais uma vez.
- Desde quando as reuniões do McFLY são aqui? – perguntei calmamente andando, com Snoop em meu encalço, até o sofá de dois lugares, onde estava sentado no canto. Cheguei lá o mais rápido que pude, ainda arrastando os pés – E por que as meninas estão aqui? Sem ofensas!
Quem foi o idiota que colocou o sofá tão longe da porta?
- Desde quando estava em casa, – ouvi dizer enquanto eu me deitei no sofá, apoiei a cabeça na perna dele e fechei os olhos. Pode me chamar de gay até não querer mais, eu estava realmente mal. Tossi algumas vezes – onde seria a reunião, mas logo que ligamos para o ele disse que você estava assim...
- Doente, podre, quase morrendo – completou e os todos riram, ri fraco vendo Snoop se deitar ao pé do sofá onde eu estava.
- E nós só viemos também – disse e eu abri os olhos para encara-la – porque daqui nós vamos ao Black Cat.
- Vocês vão sem mim? – fiz bico.
- Eu te chamei – franziu o cenho – mas você disse que estava doente.
- Mesmo assim – dei de ombros.
- Ok, você quer ir? Ainda dá tempo – ele disse e eu tornei a fechar os olhos.
- Não, estou doente – sorri e tomei um tapa na testa.
- Não vai ser a mesma coisa sem você – me abraçou.
- Dude, para de se aproveitar de mim – eu ri ainda de olhos fechados, afastando seus braços de mim.
- Mas por que você está assim, doente? – ouvi perguntar.
- Tomei chuva. – eu disse, me mantendo imóvel.
- Interessante. – disse – Sabe com quem eu falei hoje? Com a . Ela me ligou, estava com a voz estranha, parecia muito cansada com aquela voz sofrida, coitadinha, então eu perguntei o que houve e ela me disse que estava doente, tomando alguns remédios...
- Você tem falado muito com ela, ; ou a visto muito? – tornou a falar.
“Ou resolvendo muitos problemas com ela, ou tomado muita chuva com ela”, só faltou ele perguntar isso. Será que ele não percebe que qualquer coisa que aconteça entre e eu não é só por minha causa? Afinal o que um não quer, dois não fazem, não é? Espirrei. Abri os olhos e o encarei. Ele entortou o maxilar e comprimiu os olhos, sorria com os olhos, mostrando que já tinha entendido o bastante para poder tirar suas próprias conclusões sobre o resto.
- Tenho sim – eu disse simplesmente, tentando ignorar a minha curiosidade que queria saber o porquê de ter ligado para a .
- Ok, , – se apressou em dizer – fala logo sobre o projeto e tal.
- É, fala logo que eu estou começando a ficar com dor de cabeça. – reclamei, mas não era uma forma de fugir do assunto, eu estava começando a ficar com dor de cabeça de verdade, só queria tomar mais um dos meus remédios e deitar na minha cama, me empacotando em meio aos meus cobertores quentes que me esperavam até então.
- Bem, – ele começou – eu est...
- , por que a te ligou? – voltou ao assunto totalmente alheio.
Eu ri, aliás, eu gargalhei internamente. Por isso que eu amo esse cara! Era uma pena não falarmos sobre tudo isso, sobre o “caso ” abertamente, era um bom amigo, mas explicar as coisas para ele às vezes era estressante.
- Ela não me liga, – ele disse pensativo – ela liga pra você, ?
- A minha maninha sempre me liga – ele disse com um ar de orgulho, o que eu achei bom. deve estar adorando ter a sua “maninha” de volta.
- ?
- É, ela liga lá em casa para falar com a de vez em quando, mas quando eu atendo ela conversa comigo também – deu de ombros.
- E pra você, ? – ele me olhou e eu virei a cabeça levemente, tossi.
- De vez em quando, – disse e pigarreei logo em seguida – mas não se sinta mal, ela também não liga para a . – eu ri e vi encolher os ombros.
- Na verdade... – ela começou e jogou os braços para o alto.
- Eu me sinto tão rejeitado nesses momentos. – ele disse tristemente, balançando a cabeça negativamente e nós rimos – Mas hein! Por que ela te ligou? – tornou a perguntar.
- Não sei, foi estranho, – disse – a principio parecia que ela queria me dizer alguma coisa, mas depois desistiu. Acho que não devia ser tão importante, então perguntou como estavam as coisas, se a gente podia marcar de se encontrar...
- É, nada de mais, viu? – interrompeu – Agora o vai falar sobre...
- Mas , talvez ela nem tenha o seu número. – o interrompeu.
- Amor, eu estou falando! – ele protestou.
- Ai, , pode parar, porque você me interrompeu também! – ela o olho pelo canto dos olhos.
- E esse é o casamento, senhoras e senhores! – abriu um sorriso enorme e todos nós, sem exceção, gargalhamos – Sinta o amor, essa coisa linda!
- Ok! Como eu estava dizendo, – voltou a falar enquanto e se abraçavam, ainda rindo baixinho – entrei em contato com uns conhecidos, estava correndo atrás para que esse nosso novo álbum começasse a se encaminhar, já que parece que sou só eu quem está realmente preocupado com isso...
- Para de mentir! – se manifestou e eu fechei os olhos.
- , está prestando atenção? – falou mais alto, ignorando .
- Estou.
- Então, eu falei com uma pessoa e expliquei sobre o nosso projeto, disse que a nossa ideia era fazer alguma coisa diferente do que estamos acostumados a fazer e...
fora interrompido pelo som estridente do interfone e pelos latidos de Snoop.
- Mas ninguém consegue falar nessa casa! – ele reclamou e nós gargalhamos.
- Alguém atende pra mim? – pedi entre risos e se levantou mais que rápido, fazendo com que a minha cabeça subitamente batesse contra o sofá.
- Caramba, , você não! – reclamei levando as mãos até minha cabeça e me ajeitando melhor no sofá.
- Fala, Ian! – ele exclamou e depois de alguns segundos me encarou com o cenho franzido – Quem? ?
Ao ouvi-lo, eu também me levantei e fui andando com o meu passo super-rápido de pessoa doente, escada a cima. Sentindo o olhar de todos sobre minhas costas.
- Você tem certeza, Ian? Ok, então eu acho que pode deixá-la subir. – e colocou o interfone no gancho – , a e...
- Já entendi! – eu disse terminando de subir os últimos degraus.
Entrei em meu quarto, peguei o celular de que estava na cabeceira da minha cama, imaginando que talvez esta fosse a razão pela qual apareceria aqui em casa, o coloquei no bolso da minha calça de moletom e desci as escadas até chegar à sala novamente.
- ... ?
- Eu não sei.
- Mas...
- Já disse que não sei, .
Espirrei e nós ouvimos a campainha tocar, fez menção em ir até a porta, mas fiz sinal para que parasse e ele assim o fez. Abri a porta, dando de cara com uma que sorria docemente, abaixei o olhar e encontrei .
Congelei.
- Olá, ! – ouvi dizer, mas não consegui tirar os olhos da pequena menina de grandes olhos .
- Oi, . – a pequena sorriu encolhendo os ombros. Senti Snoop passar, esfregando-se em minhas pernas e então ele sentou-se em frente à menina todo feliz, balançando o rabo freneticamente e ela sorriu ainda mais ao vê-lo – Snoop! – exclamou se ajoelhando e o abraçando – Você veio me cumprimentar? Foi isso? Que lindo! – ela riu brincando com as orelhas dele.
Respirei fundo, pensei duas, três vezes e, vencido por aquela imagem, eu sorri, me ajoelhando diante dela.
- Ele gosta muito de você, – eu disse passando a mão pelos pelos macios de Snoop e ela me encarou com os olhos brilhando – só de ouvir sua voz veio até aqui, sem latir nenhuma vez!
- Ele é um cão muito especial – ela riu passando a mão na cabeça dele uma última vez e depois tornando toda sua atenção para mim. Sorri fraco.
Sim, ele é. Pensei em dizer. Tenho orgulho do meu cão, ele compartilhou comigo momentos muito importantes. Sério!
- Mas então, , está tudo bem com você? – perguntei e ela assentiu, ainda sorrindo para mim – Eu... Bem, Snoop e eu já estávamos sentindo a sua falta, o que fez nesse final de semana?
- Dormi na casa da minha amiga. – ela disse e eu arqueei as sobrancelhas, demonstrando meu interesse.
- E foi legal?
- Foi, nós brincamos perto do lago que, pelo o que o pai da minha amiga disse, vai demorar um bom tempo ainda até começar a descongelar, assistimos filmes, comemos muitos cookies e... Hm, muffins! Deliciosos muffins!
- Nossa, vejo que se divertiu bastante – sorri de lado.
- Muito!
- Que bom, mas tenho uma pergunta para você.
- O quê? – ela disse pendendo a cabeça para o lado.
- Quanto as nossas aulas de , você acha que pode dar certo?
- Claro que pode! – me garantiu sorrindo lindamente – Sabe, aquele dia também foi muito legal, mas pra ficar completo, eu bem que podia ter ganhado mais uma do no videogame, ele não é muito bom.
- Eu ouvi, sua tampinha! – disse, com o tom de voz elevado e nós rimos, olhei para a sala e vi que os todos nos observavam – Você deu sorte naquele dia, vem aqui agora que eu te mostro o que é jogo de verdade!
Tornei a encarar e ela olhava num ponto fixo sobre meu ombro, provavelmente para , com os olhos comprimidos e um sorriso no canto dos lábios.
- Eu posso, ? – ela me olhou e eu assenti, me colocando de pé. A menina sorriu uma última vez para mim e entrou correndo no apartamento com Snoop em seu encalço.
- Bom, muito bom. – disse enquanto eu saia do apartamento e fechava a porta do mesmo.
- Como? – dei um riso contido, a olhando com o cenho franzido e pigarreei, ainda sentindo minha voz sair estranha.
- Achei que não fosse querer vê-la, – gesticulou – mas gostei do modo como falou com ela, gostei bastante.
- E por que achou que eu não iria querer vê-la?
- Oras, porque você atendeu uma chamada de Robert. – ela disse e tirou um celular do bolso traseiro da calça, me mostrando o mesmo.
Era o mesmo celular que eu lembrava claramente de estar na mão de lá no começo dessa história toda, quando a encontrei sentada, com a cabeça encostada nos joelhos, soluçando na escadaria em frente à escola Queen’s Elizabeth, e chorava porque a mãe estava demorando a chegar. Ela recebera a ligação de neste mesmo celular, com a chantagem dos muffins e a ordem de não falar nem com a Madonna.
- Mas não uma dela, então tirei minhas conclusões – completou arqueando uma das sobrancelhas.
- Como sabe que eu atendi a ligação? – franzi o cenho novamente, também tirando um celular do bolso, o celular de – Provavelmente também saiba que estou com o celular dela, como sabe disso? Por que você sabe sobre tantas coisas sobre a minha vida? Coisas essas que eu desconheço totalmente, o que é bom ressaltar. Ou desconhecia, ou sei lá. Isso é, no mínimo... Injusto – eu disse frustrado com a situação em que me encontrava.
- Desculpe por isso, – ela disse e mordeu os lábios e estendendo a mão, eu lhe entreguei o celular, que ela logo guardou dentro da bolsa – eu já te disse que sei sobre muitas coisas, mas quero que esteja claro que te confundir não era a intenção da , o que ela menos queria era...
- Bagunçar com a minha vida. – a interrompi, completando sua frase e ela assentiu – É, eu sei, já ouvi isso.
Tomei ar, tirei um pedaço de papel higiênico do bolso, fechando levemente os olhos, virei o rosto, levando a mão ao nariz, e espirrei.
- Droga – murmurei, voltando a minha posição inicial.
- Saúde – ela riu.
- Obrigado, – disse com a voz nasalada e comprimi os olhos – eu acho.
- Bem, espero que entenda a intenção dela.
- Não é tão fácil, mas estou me esforçando para entender. – cocei a nuca.
- Ouça, faça aquele exame idiota, ok? Assuma suas responsabilidades, pelo jeito não vai ser tão difícil, te adora, e depois não as deixe de lado, – deu um passo a frente – nem a menina e nem , elas precisam de você.
- Não é o que diz – ri sem humor e balancei a cabeça negativamente.
- Ah, ! – ela rolou os olhos jogando as mãos ao lado do corpo – Será que você ainda não aprendeu? é igualzinha ao pai dela, quer resolver tudo sozinha, não pede ajuda pra ninguém e, se não percebeu, às vezes também age da mesma forma! Mesmo se ela te mandar embora, não vá.
- Quer saber? – pigarreei – O problema é que tudo fica mais difícil quando eu sei que tem mais alguma coisa. Ela esconde mais alguma coisa, não é?
deu de ombros, com o rosto inexpressivo. Diferentemente da prima, ela tinha jeito de que sabe guardar muito bem um segredo, que conseguiria mentir com facilidade para qualquer um se fosse preciso. Percebendo que eu a analisava, sorriu.
- , eu não sou a , ok? – balançou a cabeça negativamente, parecendo se divertir com aquilo – Não adianta ficar me olhando desse teu jeito ai, – ela mexeu a mão diante de meu rosto e eu ri – achando que eu vou te falar tudo aquilo que você quer ouvir, eu não tenho nada pra te dizer.
- E ela não precisa de mim, – conclui sorrindo e dei um passo para trás, levantando as mãos até a altura dos ombros – ela tem o Robert.
Ela comprimiu os olhos, abriu a boca algumas vezes antes de suspirar e cruzou os braços.
- Qual é? Robert é um idiota... – disse de má vontade, desviando o olhar do meu.
- Não sabia que não gostava dele – sorri de lado, feliz por não ser o único.
- Vamos apenas dizer que não acho que ele seja bom o bastante para cuidar das duas.
- Hm. Tudo bem, então me conte, – arqueei as sobrancelhas – o que você sabe?
- No momento, o que eu sei é que tenho que tomar cuidado com as coisas que te conto, – ela sorriu largamente – porque da última vez que tentei te ajudar, vocês dois acabaram molhados numa estrada e agora estão assim – me mediu dos pés a cabeça, levei a mão a boca e tossi – doentes.
- Ela já te contou tudo, não foi? – rolei os olhos e ela riu.
- Contou por alto, só as partes que me interessariam – ela sorriu olhando para o alto e piscando várias vezes.
- Que seriam todas – sugeri e ela me encarou com um sorriso divertido.
- Sim, seriam todas! – franziu o cenho e eu ri do jeito engraçado dela, como se realmente estivesse impressionada – Dude, você é bom, sabe de tudo!
- E você é meio doida – eu disse entre risos.
- Ah, você não viu nada... – ela disse e fez menção em pegar em minhas mãos, mas depois as juntou próximo ao peito – Ok, antes de qualquer coisa, suas mãos estão limpas? Eu estou em época de provas e ficar doente neste momento é o que eu menos preciso.
- Qual é? Estou doente, mas sou limpinho – arqueei uma das sobrancelhas, funguei.
- também é limpinha e espirrou no meu ombro hoje cedo! – ela disse séria e eu segurei para não rir.
- Sério? Ela deve estar como eu, a disse que falou com ela, que estava com uma voz cansada... Ela está bem, não está?
- Anw, coisa linda você preocupado com ela – ela sorriu e apertou minha bochecha.
- Não estou preocupado...
- Aham, mas ela está bem e, como a disse, tomou alguns remédios e deve estar no 5º sono há essa hora. – ela disse e eu apenas assenti, também queria estar no 5º sono há essa hora. suspirou e tocou minha mão livre sem pestanejar – Mas mudando de assunto, cá entre nós, eu acho que está se enganando ao querer ir adiante com esse casamento.
- Estou ouvindo – eu sorri, gostando do que estava ouvindo.
- Se vocês se amam deviam ficar juntos, – deu de ombros – e se quiser, eu posso tentar te ajudar, mas você tem que me prometer que vai fazer tudo dar certo dessa vez!
- , olha, eu falei com ela sobr... – comecei e nossa atenção foi desviada para a porta de meu apartamento que se abriu. nos encarou por alguns segundos, demorando-se mais em nossas mãos, que estavam unidas.
- Ah, – suspirou – foi mal! – e fechou a porta.
- Mais essa ainda – eu disse com completo desânimo soltando da mão de .
- O que foi isso? Não entendi – ela franziu o cenho.
- Acho que ele gosta mesmo de você – admirei, levei a mão à maçaneta.
- Eita! – arqueou as sobrancelhas – Uma escolha nada inteligente – ela disse e eu ri.
- Fazer o que se essas coisas a gente não escolhe? – eu disse abrindo a porta, mas logo me lembrei sobre o que estávamos falando e a fechei novamente – Sobre a , eu falei com ela, mas parece que ela foge de mim, sempre.
- E você vai desistir? – perguntou jogando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Não tinha muito que pensar para responder.
- Pergunta idiota, – franzi o cenho rindo – claro que não, e pode deixar, farei tudo dar certo dessa vez.
- Beleza.
Ela suspirou, parecendo aliviada e, enfim, eu abri a porta e nós entramos no apartamento, lado a lado. Estavam quase todos sentados nos mesmos lugares de antes, exceto e , que estavam sentados no chão, com os controles do videogame em mãos e Snoop estava deitado ao lado da menina. E , bem, não estava na sala.
- Hey, ! – exclamou – Faz tempo não te vejo.
- Pois é, ainda sou estudante, então ando um pouco ocupada – ela sorriu enquanto nos aproximávamos do sofá e eu espirrei.
- Saúde! – disse para mim, eu agradeci com um meneio de cabeça e ele tornou a atenção a – Já passei da fase estudante, amém! – ele riu.
- Amém! – , e eu dissemos em uníssono e rimos.
- Quem é essa garota que chega, mas nem entra no seu apartamento para falar comigo, ? Ela se parece tanto com a minha amiga disse atrás de mim e eu a olhei por cima do ombro enquanto se aproximava dela de sorriso e braços abertos.
- Nossa, que linda você, sabia que tinha uma garota parecida contigo que me ligava toda semana e agora nem dá um sinal de fumaça? – elas riram e começaram a conversar sobre sei lá o que.
Tornei minha atenção à televisão, onde um monte de gente levava tiros, sangravam, alguns corpos chegavam a explodir. Eu poderia estar errado e talvez ainda não saber muito bem o que era agir como um pai, mas aquilo era muito violento para uma garotinha na idade de estar jogando, não? Eu me sentei no sofá, , e Snoop estavam sentados no chão, um pouco mais a minha frente e os dois jogando. Tossi, pigarreei. Já disse que estou odiando estar doente?
- , esse jogo não é muito violento? – perguntei ainda olhando para a tela.
- Não, , eu sei o que você está pensando, mas ela é estudante, ainda é uma menina, mas pode me matar, matar pessoas... – ele disse sem tirar os olhos da televisão e eu não tive dúvidas que ele falava sobre – ou melhor, isso aqui são zumbis, eu já pedi pra você não ficar muito perto e você me ouviu? Não! Mas tudo bem, eu já desencanei.
- Mas tem uma explicação.
- Está tudo bem, também não vou mais me aproveitar de você – ele disse, eu respirei fundo e cocei a nuca.
- Erm, ...
- Você não liga mais para os meus sentimentos!
- Temos mesmo que discutir nossa relação agora?
- Não, se não você vai estragar a minha noite – me olhou de relance – e eu ainda quero ir ao Black Cat hoje.
- Mas tem uma explicação, – repeti – e é muito boa.
- Que seja, não quero mais que você seja minha bicth. – ele deu de ombros e depois se deu conta da palavra que tinha acabado de usar – Desculpa, , você não devia estar ouvindo isso, mas você já deve ter notado, a culpa é do .
- Sinceramente, eu sempre achei que fosse o contrário, – eu disse e ouvi a menina rir – achei que você fosse a minha bitch.
- Sabe, depois que o me contou sobre o que aconteceu na cozinha dele, eu fiquei feliz por você, , fiquei mesmo, – ele disse e eu abri a boca, incrédulo. Maldito . Comprimi os olhos e olhei em volta, ninguém prestava atenção em nosso conversa, a não ser – mas agora você me magoou.
- Espera! Ele te contou... Por que diabos ele te contou isso?
- Certo ele! Não é justo eu sempre ser o último a saber das coisas, – ele disse e eu tive que concordar – mas chegamos ao consenso de que você é uma péssima amante. Estou cortando minhas relações contigo.
- Ah, fala sério! Eu não estou ouvindo isso – eu joguei o corpo pesadamente para trás e ouvi rir mais uma vez.
- Vocês são tão bobos – ela disse entre risos, balançando a cabeça negativamente.
- , – a chamou – vamos, está na hora de ir.
- Não, tia , só me deixa terminar esse jogo? – ela choramingou sem tirar os olhos da tela.
- Ah, então eu vou te deixar ai com o , – ela cruzou os braços – vou pra casa assistir a todos aqueles filmes novos e comer os muffins da Starbucks sozinha!
mexeu os dedos rapidamente sob os botões do controle do videogame, em uma metade da tela apareceu “WINNER” e na outra “LOSER”. jogou as mãos para o alto e a menina se colocou de joelhos com um grande sorriso no rosto, e olhou para ele.
- Foi muito, muito legal te matar, ! – e o abraçou – Você é o melhor pior jogador que eu conheço – ela disse e todos começaram a gargalhar.
- Obrigado, tampinha – ele riu, retribuindo o abraço que logo ela se desvencilhou.
- Pronto, tia, agora nós podemos ir – ela disse pondo-se de pé.
- Se despeça de todo mundo – ela disse, e então as duas começaram a se despedir de cada um, até de Snoop, que só se deu ao trabalho de levantar a cabeça para receber os carinhos.
- Eu acompanho vocês – eu disse e me seguiu até a porta, ela sorriu e me deu um abraço rápido.
- Só mais uma coisinha, – ela começou num tom de voz mais baixo – se caso vocês um dia ficarem juntos, nada de trair a minha prima ou se não eu juro por Deus que eu te castro, ! – ela disse séria e eu arregalei os olhos.
- Eu já disse que você às vezes me assusta? – perguntei no mesmo tom de voz e ela arqueou as sobrancelhas – Ok, nada de trair! – lhe assegurei e ela abriu um sorriso enorme.
- Tchau, ! – a menina, agora ao lado da tia, pegou na mão da mesma e sorriu para mim.
- Tchau, pequena. – eu me curvei e beijei o topo de sua cabeça – Depois falamos sobre as aulas de , ok? – disse tornando a posição ereta, ela apenas assentiu.
- Não se esquece de mim, hein ? Liga lá em casa – elevou o tom de voz enquanto eu abria a porta e fez sinal de positivo.
Quando as duas já estavam no corredor esperando pelo elevador, podia se ouvir o povo rindo e gritando tchau de dentro do apartamento. Eu sei, eles têm sérios problemas. Depois de um último aceno de , as portas do elevador se fecharam e eu voltei para o apartamento, fechando a porta do mesmo.
- , a nos convenceu, – encolheu os ombros – vamos te deixar descansar e contar as novidades outro dia, por telefone, e-mail, sei lá! Você tosse e espirra a todo o momento.
- Você está precisando, dude – fez careta.
- Você merece! – sorriu se levantando e todos fizeram o mesmo.
- Ele não merece nada! – cruzou os braços.
- Ih, está bravo, zinho? – fez bico passando a mão no cabelo dele, que tentou se esquivar.
- Não! Vamos embora! – ele levantou o rosto e começou a andar em direção a porta.
Pensei em falar sobre , mas estava louco pra deitar na minha cama. Isso podia esperar.
- Ou então a gente se encontra na casa do , – disse, sendo puxado por pela mão – assim já podemos resolver tudo.
- Eu não sei se quero ele na minha casa – fez careta.
- Você não tem que querer nada! – disse e nós rimos – Tchau, !
Todos se despediram de mim e finalmente Snoop e eu voltamos pra cama. Sim, Snoop e eu, mas não ria, estou doente e carente.

Capítulo 14 - Eu sempre sinto a sua falta


Eram oito horas e pouquinho da manhã e eu já estava de pé. Ainda estava um pouco doente, minha garganta começara a arranhar ainda na noite em que os dudes e as meninas estiveram aqui, logo quando foram embora, bem, na verdade eles foram ao Black Cat se divertir um pouco, mas enfim. Eu tomei remédio e não adiantou de nada, odeio ter que admitir, mas eu estava realmente muito mal. Já disse que estou odiando estar doente? Se sim, desculpe, mas eu estou e vou continuar reclamando. Fala sério, em alguns momentos em que eu tossia, parecia que meu pulmão viria junto e cairia sobre meus pés! Mas enfim, ontem em casa, ficamos somente Snoop e eu, aproveitei e liguei para minha mãe, falei um pouco com ela e depois com a minha irmã, fazia um tempo que não conversávamos e eu estava com muita saudade das duas, e elas de mim. Principalmente minha irmã, parece ter ficado chateada por eu não ter dado notícias depois que voltei de turnê e por ela ainda não saber sobre ter voltado do Brasil. Contei que hoje faria 21 dias desde que havíamos nos reencontrado – não que eu estivesse contando, claro – e ela ficou indignada. Ela adorava e, assim como os dudes, achava que ela fora a minha melhor namorada. Mas agora está tudo bem, tudo esclarecido. Não falei sobre ser minha filha, esperava poder dizer isso depois do resultado do exame que faríamos hoje mais tarde.
Eu realmente esperava poder dizer isso.
E foi engraçado falar com ela, pois o único conselho que me deu foi: Roube a noiva! Eu ri, de certa forma aquela não era uma má ideia. Fiquei pensando naquilo por um longo tempo até pegar no sono e dormir feito uma pedra.
Arrumei a casa, aliás, apenas organizei, coloquei as coisas em seus devidos lugares, nada de limpar, varrer, passar pano úmido e coisas desse tipo, nada, deixei essa parte para a empregada que minha irmã me recomendou e quem eu já havia contatado. Ela disse que não teria problema se eu precisasse dela hoje e provavelmente ela chegaria daqui alguns minutos, mas não a esperaria, então só lhe dei as instruções básicas por telefone mesmo, expliquei que tinha um cachorro e ela não se importou. Fora isso, eu não tinha nenhuma exigência a fazer, a não ser que não tocasse no meu instrumento, eu mesmo posso limpar, antes ou depois de tocar , sei lá. Tomei um café da manhã reforçado, estava com fome, e quando terminei lavei a louça que estava na pia e peguei a coleira de Snoop na lavanderia, colocando-a no mesmo, ele estava todo feliz, andando de um lado para o outro, balançando o rabo freneticamente. Peguei minha carteira, celular, chaves e saímos do apartamento. Enquanto eu trancava a porta, Snoop se afastou um pouco de mim, parando em frente ao elevador. Ri fraco e então puxei levemente sua coleira e ele passou a me seguir escada abaixo. Escada? Sim, escada! Tomei uma decisão muito importante sobre o meu estilo de vida, decidi que deixaria de ser sedentário, e não, nada de academia, pelo menos não por enquanto, vou com calma, uma coisa de cada vez.
Ao sair, disse para que Ian encontrasse alguém do próprio prédio para auxiliar a nova empregada se fosse preciso, pelo menos até que eu voltasse, afinal, eu não estaria em casa quando ela chegasse, e eu confio nos funcionários do edifício e no julgamento de minha irmã, se ela disse que a empregada é boa, então é boa. Caminhamos por uns bons 40 minutos, o céu ainda não estava claro e o ar estava frio. Eu sentia minhas bochechas e a ponta do meu nariz gelada, não uvido nada que estivesse com o rosto rosado, mas eu não me importava com isso e nem se minha gripe pioraria, só queria andar um pouco e pensar. Ou até mesmo, não pensar, eu preferia não pensar. Snoop também parecia não se importar com nada, nem com escuridão amena, com o ar gelado ou com o solo úmido, fazia um tempo que não saia de casa, devia na verdade estar adorando.
- I've found a reason to show a side of me you didn't know (Encontrei uma razão pra mostrar um lado meu que você não conhecia) – cantei baixinho – A reason for all that I do and the reason is you (Uma razão para tudo o que faço, e a razão é você).
Parei em frente à portaria e franzi o cenho analisando a letra da música que eu praticamente acordei cantando, cada verso, cada estrofe, e rolei os olhos me sentindo um idiota. Tentei não pensar, mas inconscientemente eu estava cantando uma música que retratava muito bem parte de tudo aquilo o que estava acontecendo comigo, tudo o que eu estava sentindo. Tossi algumas vezes.
- Estou enlouquecendo, não é? – olhei para Snoop, que só fez abrir a boca e colocar a língua para fora – Pois é, estou, e ainda insisto em conversar com um cão.
Pigarreei balançando a cabeça negativamente e entrei no prédio, subimos pelas escadas e não vou mentir, cheguei ao 8º e não aguentei mais! Ora, me dê um desconto, eu moro na cobertura e nem mesmo o Snoop estava com essa disposição toda, ok? Eu é que não iria carregá-lo até lá em cima.
Abri a porta do apartamento e entrei. A sala já estava arrumada, depois de tantos dias sem uma boa limpeza eu tinha me esquecido de que alguns móveis brilhavam quando estavam limpos. Sem brincadeira! Fechei a porta e coloquei as chaves sobre a mesinha próxima a ela, ouvindo vozes na cozinha. Snoop começou a rosnar.
- Shhh... Quietinho, ok? – pedi andando até a porta da cozinha.
Parei ao ver Ian bem de boa, bem folgado de braços cruzados, sentado de qualquer jeito na minha cadeira, enquanto a moça baixinha, quem eu concluo ser a minha nova empregada, estava descalça em cima de outra cadeira passando pano nos armários mais altos. Os armários estavam completamente vazios e a louça toda em cima da mesa, brilhando.
Não sei por que, mas quanto à empregada, eu tinha a imaginado uma senhora já de mais idade e não uma garota que provavelmente tinha quase a minha idade e usava um short talvez muito curto para ser usado num dia frio, mas não tão curto a ponto de ser vulgar... Mas enfim, ela e Ian nem notaram minha presença.
- É sério! Eu sou os olhos e os ouvidos desse prédio – ele se gabou e ela riu.
- Ian! – o chamei elevando o tom de voz e ele, assustado, mais que rápido se levantou tropeçando nos próprios pés ao se virar para mim e colocou as mãos atrás do corpo.
- Senhor .
Ok, eu já me conformei que ele não vai parar de me chamar de senhor, apesar de me sentir velho, vou parar de insistir para que faça o contrário.
- Senhor , – a garota desceu da cadeira, deixando o pano sobre a mesma e veio até mim com um sorriso cordial – meu nome é Poppy, nos falamos ao telefone, – e estendeu a mão – é um prazer conhecê-lo.
Ela era muito baixinha, tinha os olhos e os cabelos negros, a pele branquíssima e o rosto rosado.
- Igualmente. – sorri apertando sua mão e vi Snoop se aproximar e cheirar os pés dela – Este é o Snoop e ele faz isso com todo mundo.
- Ah, – ela riu soltando sua mão e a pousando na cabeça do cão – ele é lindo, e nós vamos nos dar muito bem.
- Espero que consiga dar conta da bagunça – eu disse e ela me encarou.
- Bem, por enquanto está tudo tranquilo!
- Ótimo. – eu disse satisfeito, ela sorriu mais uma vez e voltou ao trabalho, então eu me virei para Ian abaixando o tom de voz – Posso saber o que você está fazendo aqui?
- O senhor pediu para que alguém viesse auxiliá-la – ele disse levantando levemente os ombros.
- Não tinha outra pessoa? – franzi o cenho.
- Ah não, preferi cuidar disso pessoalmente – ele disse e arqueou as sobrancelhas, eu ri.
- É a eficiência?
- O senhor me conhece – ele sorriu de lado.
- Para de paquerar a garota e volta pra portaria – rolei os olhos.
- Como queira, senhor. – ele disse com um meneio de cabeça e se virou para a moça – Até mais, Poppy.
- Até – ela o olhou brevemente e sorriu, então ele saiu do apartamento e fechou a porta atrás de si.
- Poppy, eu vou deixar o Snoop solto, ok? – eu disse já soltando a coleira dele e ela apenas assentiu – Hoje em dia ele só faz o que der na telha, se pedir para ele não ir para a sala, é certamente para onde ele vai, é só questão de saber manipulá-lo. E não se preocupe, ele não vai pra cima nem de uma mosca e tem hora certa para comer, as necessidades ele só faz de madrugada e eu acabo limpando. Sei lá, acho que você não vai precisar fazer nada por ele, então pode deixar que eu cuido do garoto, ok?
- Ok. – ela disse e ficou me olhando, pra saber se era só aquilo, e então eu me lembrei de mais uma coisinha básica.
- Aliás, a única coisa que você pode fazer é conversar com ele de vez em quando.
- Conversar? – ela riu franzindo o cenho.
- É, ele é meio carente e saber que tem um pouco de atenção das pessoas faz bem.
- Ahm, tudo bem – e mais uma vez sorriu cordialmente.
- Eu vou subir – eu disse e ela assentiu.
Subi as escadas de dois em dois degraus e tossi ao entrar em meu quarto, segundo o meu relógio de pulso, era pouco mais de meio-dia e já estava quase na hora de sair de casa para encontrar com e , tínhamos marcado anteontem mesmo, no carro, antes de eu deixá-la na casa da prima. Não foi a conversa mais calorosa que já tivemos, posso defini-la como monossilábica, curta, objetiva, mas não deixou de ser uma conversa. Mas afinal, o que estou querendo dizer é que gosto de ser pontual e que era melhor eu me apressar.
Tirei o cachecol, blusa e quando estava para tirar a camiseta lembrei que tinha mulher em casa. Fui fechar a porta e Snoop entrou, olhei com o cenho franzido para ele, que subia em minha cama, deitando-se na mesma. Ele não é assim, normalmente fica lá, grudado na pessoa que acaba de conhecer.
- O que foi, dude? – fechei a porta e me aproximei dele – Será que você também tem que ir ao médico? – suspirei – Pare com isso, ok? Você está bem!
Pigarreei e fiz um cafuné na cabeça dele, ele continuou com a cabeça entre as patas, me olhando com aquele olhar caído. Você deve estar achando que eu fico dando muita importância para um cão, mas ele já estava velho e esse desânimo todo dele me preocupa. O olhei uma última vez e voltei a me arrumar, na verdade só troquei de camiseta, a outra estava me pinicando, e tornei a colocar as outras peças de roupa. Verifiquei se todos os meus documentos que poderiam ser necessários estavam na carteira, peguei as chaves do carro e deixei o quarto. Snoop nem se deu ao trabalho de me seguir.
Avisei a Poppy que estava de saída, me certifiquei sobre o pagamento dela e disse que talvez quando voltasse não a encontraria mais aqui. Desci as escadas novamente até o estacionamento subterrâneo e peguei meu carro, passei pela guarita de Ian e acenei para ele, que retribuiu.
Dirigi sem pressa até a casa da . Pelo o que eu entendi, assim que saísse do trabalho ela pegaria na escola, como de costume, e ao invés de irem almoçar no apartamento de , iriam para casa e não voltaria a trabalhar hoje. Bem, foi o que eu entendi. Quando já estava me aproximando da casa amarelo-clara, pude ver um carro estacionado em frente à mesma, fiz questão de diminuir a velocidade, quase parando o meu carro, porque aquele ali não era só um carro, era a enorme BMW preta. Um homem de terno cinza, quem eu já reconheci, abriu o porta-malas enquanto se aproximava com uma mala de rodinhas relativamente grande e eu arregalei os olhos.
Será que ela estava mandando ele embora? Não, não é possível, ela não faria isso por você . Por mais que você quisesse que sim, ela não estava o mandando embora.
Ela estava linda. Bem, na verdade ela é linda. Suspirei. Pensamentos como esse não têm me trazido beneficio algum. Robert colocou a única mala dentro do carro e fechou o porta-malas, se virou para e tocou seu queixo, selando seus lábios brevemente, e os dois entraram na casa de mãos dadas.
Já as minhas mãos, ah, ela se fecharam fortemente em volta do volante e eu senti uma vontade imensa de afundar o pé no acelerador e acabar com a traseira do carro dele, mas, como sempre, me controlei, o prejuízo seria todo meu. Estacionei o carro com calma, respirei fundo e saltei do mesmo.
- ! – chamou e acenou da porta de entrada, que estava aberta, assim que me viu, sorri repetindo seu gesto e ela deu uns passos para trás – Mamãe, o está aqui! – ela gritou e depois veio ao meu encontro.
- Hey, pequena! – eu agachei e ela me abraçou – Tudo bem? Faz um tempão que a gente não se vê, não é?
- Nossa, – ela riu se afastando um pouco – maior tempão, desde anteontem à noite!
- Está querendo dizer que não sentiu minha falta? – devo ter feito uma cara desolada, porque ela tornou a me abraçar de imediato.
- Eu sempre sinto a sua falta! – ela disse baixinho.
Senti meu coração se apertar em meu peito, eu queria pedir desculpas a ela pela minha ausência, mas não sabia se devia ou se ela entenderia o que eu queria dizer e o que as palavras dela significaram para mim. Foram mais de sete anos sentindo a minha falta. Afaguei seus cabelos enfeitados por um pequeno laço azul que segurava uma fina mecha na lateral, beijei o topo de sua cabeça, nos separamos e eu levantei, vendo Robert se aproximar.
- . – ele estendeu a mão e eu a apertei rapidamente – Então, hoje é o grande dia.
- Pois é – eu disse meio de má vontade, não estava a fim de conversar com ele.
- Mas, será que posso te perguntar como foi que escolheu a clínica, assim tão rápido? – perguntou e eu olhei brevemente para , que estava ao meu lado, segurando minha mão e atenta a tudo – Não precisa se preocupar, ela já sabe, explicou a ela.
- Ah, sim – sorri para a menina e passei as costas da mão em sua bochecha macia e rosada.
- Da forma mais fofa e azul possível, mas explicou. – ele disse sério entre um suspiro e eu pude ver por cima do ombro dele, saindo da casa e trancando a porta – Enfim, sobre a clínica...
- Bem, na verdade eu já conhecia, – fitei o chão por alguns segundos e tornei a olhar para ela, que agora vinha calmamente em nossa direção – teve uma época em que um amigo meu precisou, mas no fim a criança não era dele.
Isso foi quando ele só tinha 17 anos, mas ele superou, escreveu uma música chamada ‘Ignorance’ e agora é famoso, fim.
- Entendi. – ele disse chamando minha atenção e se virou um pouco, já buscando pela mão dela para entrelaçá-las. Cocei a nuca – Pronta?
- Sim – ela disse mexendo nas pontas do cabelo com a mão livre, sem levantar o olhar em qualquer momento, como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo.
- . – eu disse procurando pelo seu olhar, ela inspirou profundamente e por fim, me encarou.
- .
- Tudo bem? – perguntei e ela apenas assentiu – Está melhor da gripe? – arqueei uma das sobrancelhas e percebi que segurou a respiração.
- Claro que está, eu cuidei dela – Robert disse sério e eu sorri amarelo – Bem, nós vamos te seguindo, pode ser? – perguntou e eu dei de ombros.
- Claro, por que não?
- , vem com a mãe – chamou.
A menina soltou de minha mão, já agarrando a da mãe e as duas foram lado a lado até a BMW preta e Robert as seguiu. Suspirei mais uma vez e segui para o meu carro. Entrei, coloquei o cinto de segurança e dei a partida. A clínica não era exatamente longe, na verdade ficava mais para o centro da cidade, só era meio complicado de chegar lá porque ela estava um pouco escondida, talvez fosse um ponto estratégico por muitas pessoas famosas, ou não, quererem manter a descrição. O que não era o meu caso, eu estava pouco me importando.

Sabe quando você almeja tanto por uma coisa, que você fica por horas, dias, ou meses imaginando como faria para conseguir aquilo e o que faria com o mesmo quando o tivesse em mãos, mas por mais que tente, você não consegue tê-lo para si?
Você sabe qual a sensação que se tem?
Será que é pior do que eu estou sentindo agora?
Porque eu almejo por um certo alguém e passei a noite em claro, esperando que o tempo passasse rápido e desse pelo menos 5 ou 6 horas da manhã para poder vê-la novamente. Mas o dia nem tinha começado ainda e às 4 eu já estava sentado ao meio-fio na frente da minha casa sem tirar os olhos da casa dela, desejando que ela abrisse a porta principal com aquele jeito despreocupado, mandando um último beijo no ar de despedida para a mãe e que ela sorrisse docemente assim que me avistasse ali, a esperando. Eu sorriria como um idiota apaixonado e enquanto ela viesse em minha direção, linda com os cabelos soltos caindo sobre os ombros, eu me levantaria, fazendo alguma palhaçada somente para ouvi-la rir. A tomaria em meus braços já entorpecido por sua presença, por seu perfume, beijaria seus lábios macios e diria a ela o quanto a amo.
Sorri amargamente. Era triste saber que nada disso aconteceria. Com certeza ela não iria querer me ouvir, não viria até mim, não sorriria e se fizesse qualquer uma dessas coisas, não seria para me dizer que estava tudo bem.
Depois de um bom tempo um carro encostou em frente à casa de . Reconheci como sendo o carro do tio dela. Ele saltou do carro e abriu o porta-malas, tirando de lá uma placa de “vende-se”, daquelas que são sustentadas por uma madeira que é fincada na terra. Ele andou em direção à porta principal abrindo a mesma com as chaves que tirara do bolso da calça jeans, deixou a placa encostada a parede e sumiu por trás da porta. Ainda um pouco receoso, eu me levantei e fui a passos largos até lá, parei em frente à porta aberta, vendo que não havia mais nada lá, nem mesmo as caixas do dia anterior, a casa estava vazia e escura.
- É, eu esperava que você fosse aparecer por aqui uma hora dessas. – o tio de sorriu saindo da casa com um martelo em uma das mãos e na outra a caixa azul-bebê, aquela do dia do nosso primeiro beijo, aquela do dia em que sua mãe faleceu – Bem, pelo menos eu não fui o único a pensar assim.
- Ela já foi? – perguntei angustiado vendo-o colocar a martelo no chão calmamente. Senti um bolo se formar em minha garganta.
- Fez questão de não ficar! – ele disse trancando a porta e então me encarou – Ela chegou e sem dizer nada subiu para o quarto, arrumou as últimas coisas que faltavam e pediu para que eu a levasse para algum lugar, qualquer lugar longe daqui, perguntei o que havia acontecido e ela se manteve firme dizendo que não queria mais ficar nessa casa, – ele riu sem humor – eu não discuti com ela, claro, é minha sobrinha e quem gostaria de ficar tanto tempo no mesmo lugar em que encontrou a mãe, aquela pessoa que significava tudo... Bem, você sabe.
Ok, aquilo não estava me ajudando em nada, se era para ele acabar com o pouquinho que ainda restava de mim, ele conseguiu.
- Eu não sei o que você fez rapaz, mas ela acordou chorando hoje, a não está bem. – ele franziu o cenho – Pensei que você estivesse cuidando bem dela, acho que me enganei e ela também.
Ele suspirou e eu senti meus olhos começarem a arder, passei as mãos pelo rosto e balancei a cabeça negativamente.
- Não era pra ser assim! – eu disse baixo, me odiando cada vez mais.
- Acho que isso não vai fazer mais diferença. – ele coçou a nuca – Mas como eu disse, não fui o único a pensar que você viria aqui, – e me estendeu a caixa – ela pediu que eu lhe entregasse. Boa sorte ai com essa caixa, com a sua vida e etc.
Peguei a caixa em minhas mãos e me sentei no chão com as costas contra a porta o vendo seguir para frente da casa com a placa e o martelo. Ele fincou a ponta da madeira no gramado e martelou algumas vezes, certificando-se se a placa ficaria firme.
- Ela disse alguma coisa? – chamei sua atenção, falando com um pouco de dificuldade, como se minha garganta estivesse se fechando – Digo, disse o que eu deveria fazer com esta caixa?
Ele balançou a cabeça em negação e sem dizer mais nada se virou, indo em direção ao seu carro, abriu a porta do motorista e entrou, arrancando com o mesmo logo em seguida. Eu fiquei sentado, olhando para o nada ainda segurando a caixa por sei lá quanto tempo. Talvez por tempo suficiente até que os dudes me encontrassem ali, chorando silenciosamente.


- O senhor não preferiu evitar qualquer possibilidade de publicidade? É possível fazer a coleta em outro ambiente, como por exemplo no escritório de um advogado, – a moça da clínica perguntou, estávamos nós quatro, Robert, , e eu, sentados exatamente nessa ordem frente à mesa dela – Entretanto, mesmo neste caso, as coletas ainda precisariam ser realizadas simultaneamente, o que exige a presença de todos os envolvidos.
- Não, isso não é necessário – eu disse.
- Ok. – ela sorriu simpática e tornou a olhar para os papéis que tinha em mãos – Então é uma perícia DUO, em que os envolvidos são apenas o suposto pai e filho – e olhou para nós – No caso filha, correto?
- Isso mesmo – assenti.
- Desculpe a indiscrição, mas algumas perguntas ao decorrer do processo serão necessárias. – ela disse e todos permaneceram em silêncio – A senhora é a mãe dela?
- Sim – assentiu.
- E o senhor? – se referiu a Robert.
- Sou o noivo da mãe da menina – ele disse.
- Sinto muito senhor, devem estar presentes na coleta somente a criança, a mãe e o suposto pai.
- Eu não vou poder entrar? – ele franziu o cenho.
- Não no momento da coleta.
- Eu não vou poder entrar ! – ele olhou para ela, parecia que esperava que ela dissesse algo, que ela protestasse ou sei lá.
- É só uma coleta de sangue – ela disse séria.
o olhou brevemente e voltou a afagar os cabelos da filha, que jogava um joguinho qualquer no celular da mãe, só sei disso porque a menina estava muito concentrada e o celular fazia barulhinhos engraçados e de vez em quando até tocava uma musiquinha. Sinceramente, eu tive vontade de rir por causa do modo como ela falou com ele, mas percebi que estava muito incomodada com alguma coisa, ela não olha e nem fala comigo direito, na verdade, não tínhamos trocado uma palavra sequer até agora, e pelo jeito o clima entre o casal não era o dos melhores.
- Bem, – a moça chamou a nossa atenção ainda com um sorriso no rosto, acho que ela já estava acostumada com situações assim, tentando minorar qualquer constrangimento com a sua cordialidade – a nossa clínica dispõe da tecnologia mais moderna que existe e de uma equipe técnica altamente qualificada, aqui vocês encontram rigor, total atenção e sigilo. Estes papéis, – e entregou a mim e a um envelope juntamente a uma folha, um tipo de cartilha e uma caneta – devem ser devidamente preenchidos com o nome completo, a filiação e todos os outros dados, informações necessárias ao banco de dados do exame.
- Então, no caso, eu preencho pela ? – perguntou.
- Isso. – a mulher assentiu e eu tornei a ler algumas das coisas que tinha em mãos, prestando atenção em tudo o que ela explicava – Assim que os senhores terminarem de preencher, por favor, coloquem o papel dentro do envelope e me entreguem, seus dados serão analisados e mantidos arquivados. E esta cartilha – ela indicou a qual eu folheava – tem em seu conteúdo as normas do exame, que tem a finalidade de informar as responsabilidades, direitos e deveres de cada um de vocês dentro deste processo.
- Ok – disse distraidamente.
Nós começamos a preencher os papéis e quando terminamos, assim como a moça havia nos instruído, os colocamos um em cada envelope e lhe entregamos, então ela nos deixou na sala avisando que voltaria logo para a coleta. Eu passei a ler a cartilha.
- . – Robert chamou.
- Sim? – ela levantou o olhar da cartilha, e eu também.
- Dá um jeito. – ele disse simplesmente e ela continuou o encarando por alguns segundos, suspirou e se virou um pouco para a filha.
- , meu amor, desligue esse celular.
- Mas mãe... – a menina choramingou.
- Você terá que parar de jogar de qualquer forma, – ela arqueou as sobrancelhas – daqui a pouco vai tirar sangue.
- Tudo bem então – disse entre um suspiro e entregou o celular a mãe.
- Obrigada. – sorriu para a filha e estendeu o celular para Robert – Segura. – e voltou a ler a cartilha.
Eu já havia terminado de ler a cartilha quando, depois de um tempo, a moça retornou a sala em que estávamos e chamou a nós três para a coleta. acompanharia , não só por dever fazer isso, mas ainda mais porque a pequena insistiu por isso. Numa outra sala, fomos bem recebidos por uma enfermeira, que pediu para que eu fosse o primeiro e que quando pedisse, eu seguisse suas instruções. Sentei na cadeira a frente dela.
- O DNA é uma molécula que está presente nos cromossomos no núcleo das células de qualquer ser vivo, – ela dizia preparando o seu material – nele contém as informações genéticas, onde estão inscritas todas as características fundamentais das pessoas. Deixe o braço pender e sacuda um pouco a mão.
Ela gesticulou para mim e eu assim o fiz com a mão direita, ela, em seguida, fazendo um garrote para que a circulação de meu sangue ficasse concentrada, continuou a explicar.
- As informações genéticas estão dispostas linearmente ao longo do cromossomo, em posições denominadas locos, – e segurou minha mão com firmeza, passando um algodão úmido na ponta do meu dedo anelar – é analisando de alguns locos selecionados, de 17 a 19 locos, que realizamos o exame, atingindo um grau de certeza acima de 99,99%.
Ela passou uma lâmina na ponta do meu dedo, que já estava vermelho, fazendo um pequeno furo e uma gota de sangue começou a aparecer, então levou minha mão até um pequeno papel absorvente e apertou meu dedo, fazendo com que três gotas de sangue pingassem sobre o papel.
- Tome, – ela me entregou um pedacinho de algodão – segure para estancar.
- Dói? – perguntou baixinho ao meu lado enquanto eu segurava o algodão entre o anelar e o polegar.
- Você nem vai sentir – eu sorri para ela e me levantei.
- Ok, agora é a sua vez, – a moça sorriu para a pequena – sente-se aqui.
- Quanto tempo leva para sair o resultado? – perguntou enquanto sentava-se onde eu estava antes e a moça olhou para uma das folhas que tinha sobre a mesa.
- Neste caso, o laudo sai em 48 horas. – ela disse pegando um novo material e olhou para a menina – Deixe o braço pender e sacuda um pouco a mão.
Depois de passar pelo mesmo processo que eu, mordendo o lábio inferior e fechando um dos olhos quando a moça passou a lâmina sobre seu dedo anelar, a moça informou de quando o laudo sair, serão entregues duas vias, uma para e outra para mim. Quando saímos da sala, e foram na frente, enquanto eu andava até a mesa da moça que havia nos atendido antes, saber sobre tudo aquilo que eu teria de pagar.
- E então? – Robert perguntou se levantando e entregou o celular de a ela.
- 48 horas – ela disse simplesmente, guardando o celular na bolsa.
- Senhor – a moça sorriu assim que eu me sentei à frente dela.
- Ahm... Sobre a forma de pagamento, acho que farei a vista mesmo. – dei de ombros tirando a carteira do bolso – Você tem maquininha ai?
- Tenho. – ela disse colocando uma folha sobre a mesa – Olha, como o senhor escolheu que o laudo saísse em 48 horas, este é o valor, ok? – ela disse circulando o valor de pouco mais de 600 libras na folha.
- Sem problemas – pigarreei, sentindo uma presença ao meu lado. estava com uma mão sobre o encosto da minha cadeira e a outra na mesa, ela se curvou um pouco para poder ler a folha e o que a moça havia acabado de circular.
- Você não vai pagar tudo isso sozinho, vai? – ela me encarou dizendo em voz baixa e eu dei de ombros mais uma vez – Eu vou pagar a metade.
E pela primeira vez naquele dia, ela continuou me encarando por mais de segundos e ela não estava pedindo, ela estava apenas me informando que pagaria metade. Respirei fundo, podendo sentir o aroma de seu perfume e me mexi desconfortavelmente sobre a cadeira.
- Não vai, não! – eu disse calmamente no mesmo tom – Fui eu quem pediu pelo exame.
- Mas eu quero, e você não precisa pagar por tudo.
- É o mínimo que eu posso fazer por ela, é a minha obrigação – disse ainda fitando seus olhos – e se eu posso pagar por tudo, eu vou pagar.
- Não é o seu dinheiro que nós queremos, mas sim o seu reconhecimento...
- Eu acredito em você – eu a interrompi – e em qualquer outra coisa que você me diga, seja lá o que for, eu sempre vou acreditar em você, – murmurei e desviei meu olhar do seu, colocando o cartão na maquininha – agora só me deixe pagar isso aqui.
- Pode digitar a senha – a moça disse e tornou a posição correta em silêncio enquanto eu digitava a senha.
- Mamãe, o Robert já está no carro e pediu pra você ir logo porque senão ele vai perder o avião. – ouvi dizer e olhei para ela, que abriu um sorrisão e veio até mim – Tchau .
- Tchau pequena. – eu disse, ela beijou minha bochecha e se afastou um pouco segurando a mão da mãe – Tchau .
- Tchau – ela sorriu fraco.
As duas foram embora e depois de pagar tudo certinho e pegar meu recibo, eu também fui embora, como sempre, sem a menor pressa e me deixando viajar em meus pensamentos. Eu ainda estava um pouco desnorteado com essa história toda, não sabia bem ao certo em que pensar direito, eu queria o laudo daquele exame pronto para agora! Precisava de uma confirmação, mesmo já sabendo o resultado. Como eu já disse, acredito na . E eu queria algo que se adicionasse a minha vida, queria uma mudança, sabia que aquela seria uma grande mudança, mas mesmo assim eu a queria. Eu queria que fosse minha filha. Sabia que era impossível, mas também queria recuperar todo o tempo perdido que eu poderia ter tido com ela. Olhei para o tráfego a minha frente e suspirei. Na verdade, eu não queria ir pra casa, pelo menos não agora. Peguei o celular no bolso do meu casaco, disquei um número bastante conhecido rapidamente e esperei chamar.
- Alô?
- ?
- Diz ai, ex-bitch, o que mandas? – ele riu.
- Ahm... Dude, sobre aquele negócio de a gente se encontrar na sua casa pra falar sobre as coisas da banda... – eu disse prestando atenção no tráfego.
- Você quer vir aqui hoje?
- Na verdade, eu queria agora, já estou na rua, você acha que rola?
- Claro, eu vou ligar para os dudes e preparar o estúdio.
- Ok, daqui a pouco eu estou ai!
- Beleza – e desliguei o celular. Eu não estava mais tão longe, então em poucos minutos eu já estava apertando a campainha da casa do .
- Mas já? – ele riu assim que abriu a porta e me viu ali.
- E ai, dude? – eu sorri e entrei, já indo em direção ao sofá.
- Achei que você demoraria mais um pouco – ele disse fechando a porta e nós nos sentamos lado a lado – O já está vindo e o me agradeceu, me idolatrou, disse que me amava e que eu estava salvando a vida dele quando falei pra ele vir pra cá.
- Caramba! – eu ri enquanto via ele se afundar ainda mais no sofá colocando os pés em cima na mesa de – Pra quê tudo isso?
- falando do casamento – ele riu.
- Ele vai enlouquecer – eu disse balançando a cabeça negativamente e ele franziu o cenho.
- Onde você estava que chegou tão rápido assim? – perguntou e eu percebi que ele só tinha parado pra pensar nisso agora.
- Eu estava no centro da cidade e não estava a fim de voltar pra casa tão cedo.
- Foi fazer o que no centro?
- Exame – disse simplesmente.
- Nossa dude, você está tão mal assim?
- Não, eu estou bem – eu disse coçando a nuca.
- E a ? – perguntou com a expressão mais suave e agora eu franzi o cenho.
- Como assim “e a ”?
- Não sei – deu de ombros – achei que você soubesse alguma coisa, como ela está...
- Deve estar bem, – eu disse passando as mãos pelo rosto – na verdade eu estava agora pouco com ela e acho que, querendo ou não, nós estamos nos afastando.
- E parece que você não está gostando disso nem um pouco – ele disse me olhando com os olhos comprimidos, parecendo me analisar. - Mesmo depois de todos esses anos... – ele deixou a frase morrer ali e eu apenas assenti.
Nós ficamos em silêncio, eu perdido em meus próprios pensamentos e ... Bem, ele não é idiota, sabia que eu estava pensando nela. Alguns minutos depois os dudes chegaram e nós descemos para o estúdio, tinha os instrumentos de cada um e todo o equipamento necessário. Nós ficávamos por lá um longo tempo para falar da banda, criar ou às vezes só para nos distrairmos e divertirmos fazendo música com qualquer porcaria que viesse em nossas mentes. finalmente me explicou com quem tinha falado sobre o projeto, sem interrupções dessa vez e levou algumas coisas em que andou trabalhando para que déssemos uma olhada.
- Como é o nome dessa aqui? – perguntou olhando para a folha em mãos – “Somewhere in the world, someone’s making love to this song right now...” – ele leu e começou a rir.
- O nome é This Song – disse puxando a folha da mão dele – eu curti aquela que o escreveu e me inspirei nela.
- Ok, nós podemos melhorar isso aqui – puxou a folha e foi para junto de se instrumento.
- Você trouxe alguma coisa ? Aquela música seria perfeita agora – disse.
- Não. – eu disse balançando a cabeça negativamente e tornei a jogar minha bolinha de papel para o alto, repetidas e repetidas vezes.
- Por quê? Você sempre trás!
- Ele já veio do centro, estava com a disse.
Valeu, boletim informativo!
- Sério? – se aproximou e eu suspirei colocando a bolinha de lado.
- Na verdade, eu tenho uma coisa muito importante para contar, – eu disse e eles se entreolharam – muito importante mesmo, e eu agradeceria se vocês se sentassem.
- Ai meu Deus! – exclamou enquanto os três se sentavam no mesmo sofá – Você mentiu para mim? Isso não é só uma gripe e você vai morrer? – ele arregalou os olhos e levou as mãos à boca, riu e deu um tapa na cabeça dele.
- Dude, fica quieto, ok?
- É, – eu ri fraco – de certa forma tem um pouco a ver com a minha gripe. – gesticulei – É que... Bem... Não sei como dizer isso, mas eu vou ser, ou melhor, eu sou pai.
- Você está grávido?
- , já não falei pra você ficar quieto?
- É , se comporta dude! – o repreendeu, segurando para não rir.
- Poxa, estou tentando descontrair!
- Quem foi que você engravidou, ? – riu. Respirei fundo.
- .
Eu disse simplesmente, de uma vez só, e tossi, vendo que ao menos uma das reações de todos foi parecida, eles abriram a boca, incrédulos. estava com os olhos arregalados. cobriu o rosto com as mãos e me olhava entre os espaços dos dedos. Já me encarava com o cenho franzido.
Silêncio.
Silêncio.
E mais silêncio.
- Ninguém vai falar nada? – arqueei as sobrancelhas surpreso, normalmente começam todos a falar ao mesmo tempo.
- Ela está grávida? – perguntou.
- Não, vocês sabem... Já esteve, – comecei a explicar – quando voltou para o Brasil, ela estava grávida.
- Você está querendo nos dizer que , a garotinha de olhos , é sua filha? – perguntou apoiando os cotovelos sobre os joelhos e inclinando-se para frente, ainda com a mesma expressão.
- Acabamos de fazer um exame de DNA que comprove, – eu disse e olhei para – por isso foi até a minha casa ontem.
Ok, não era exatamente por isso, mas também não era pelo motivo que ele temia, essa explicação já era o suficiente. Ele sorriu fraco.
- Nossa! – ele exclamou.
- Será que a sabe disso? – perguntou descobrindo o rosto.
- Ok, eu já suspeitava, mas DNA? – se levantou – Exame de DNA? Pra que um exame de DNA?
- Quê? – eu franzi o cenho.
- Você não acredita nela?
- Opa, calma lá! – eu me levantei também – Se fosse há uns dias atrás, quando eu as levei pela primeira vez na sua casa, essa seria a primeira coisa que você diria para mim, para que eu fizesse o exame.
- Eu não sabia que era ela, não sabia dessa história sobre ! – ele disse dando um passo a frente e eu vi os dudes se levantarem atrás dele – Você não a ajudou em nenhum momento , nem quando começaram a namorar, nem quando ela foi embora! Se eu soubesse...
- Ah, se você soubesse ! – eu o interrompi e dei dois passos a frente, fixando meu olhar ao seu – Você não sabe de muitas coisas! Você ouve uma coisa ali e vê outra aqui e acaba tirando suas próprias conclusões, sempre foi assim, você e essa sua confiança cega de que eu sou sempre o errado quando algo acontece com a .
- Ele tem razão – disse calmamente e nós o encaramos.
- Não , ele não tem razão!
- É, ele tem sim! – ele arqueou as sobrancelhas – Dude, você exagera, protege a demais e culpa o por tudo.
- Ela era minha melhor amiga, ela só tinha a mãe e quando tinha algum problema, não era só ao a quem ela recorria, era a todos nós, – ele gesticulou, se explicando – vocês sabem.
- Mas não era só isso, não é? – eu ri sem humor – Eu sei , também não achava ser bom o bastante para ela, que ela merecia alguém melhor – e ele tornou a atenção a mim – mas quer saber? Eu nunca duvidei dela, sempre cofiei nela, a amei, queria fazer com que cada segundo da vida dela valesse à pena...
- Dude... – disse em voz baixa, se aproximando.
- Não, agora eu quero falar! – balancei a cabeça negativamente e ri sem parar de encarar – Meu Deus, eu a amei tanto que cheguei a ser egoísta por querer que ela ficasse comigo mesmo sabendo que ela não tinha a opção de escolher. Dude, sou eu! Você me conhece, viu e sabe que eu sofri por todos esses anos porque ela não ficou! Eu não comia, não dormia e nem falava direito, me culpando todos os dias pelo o que aconteceu e as coisas que você me dizia não ajudavam em nada.
- Ela é como uma irmã para mim, – ele pigarreou desviando o olhar do meu e deu alguns passos para trás, finalmente ele parecia ter dado o braço a torcer – eu só sentia a obrigação de cuidar dela.
- Ela cresceu, não precisa mais da gente – disse parecendo um pouco desapontado.
Silêncio se instalou na sala. Ele coçou a nuca olhando para todos.
- Ok, me desculpe, – disse e eu apenas balancei a cabeça levemente – tenho agido como um babaca.
- Tudo bem.
Eu disse e suspirei aliviado, como se, inconscientemente, eu já quisesse botar para fora tudo aquilo que tinha acabado de dizer. Nunca quis enfrentar assim, até mesmo porque eu achava que ele tinha razão em me culpar, mas culpa é um peso muito grande e eu não estava nem um pouco a fim de continuar carregando-a.
- Erm... Aperto de mão de macho ou abraço de boiola? – ele me olhou, um pouco sem jeito, eu ri e estendi a mão, mesmo preferindo um abraço de boiola, mas ninguém precisa saber disso.
- Quer saber? – ele segurou minha mão – Eu fiz a se aproximar de , porque ela tinha ficado um pouco enciumada e eu acabei me aproximando de Robert, e dude – suspirou – sou mil vezes você! – e me puxou para um abraço, eu sorri desacreditado, muito surpreso e igualmente feliz.
- Eu prefiro assim, um abraço – eu ri e os outros logo se juntaram a nós.
- Estou abraçando, mas quero que fique bem claro que eu acho isso a maior viadagem! – disse e nós gargalhamos.
- Ah, curte o momento – riu – E , eu te aceito de volta, bitch.

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