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Capítulo 15 - A gente pode voltar a ficar de bem


- Alô? A...? Ok, e a ligação caiu de novo – eu disse irônico, colocando o telefone no gancho mais uma vez – ou estão tirando uma com a minha cara. – conclui.
Quando pensei que eu finalmente poderia voltar para os meus papéis que estavam espalhados pela sala, o telefone começa a tocar de novo, dei meia volta, já um pouco impaciente e atendi.
- Foi você quem ligou aqui nas últimas 40 vezes?
- Erm... Não.
- Ok, quem está falando?
- Garoto, é o Fletch! – ele disse e eu relaxei a postura – Alguém te ligou 40 vezes e você não sabe quem é?
- Na verdade não foram 40, foram apenas 3 vezes, – rolei os olhos e ele riu do outro lado da linha – mas foram as 3 vezes mais irritantes da minha vida.
Mentira, eu não estava nem me importando mais.
- Entendi, mas o que você tem pra mim hein? – ele perguntou e eu olhei para as minhas queridas folhas sobre a mesinha de centro e espalhadas sobre o chão – Está criando?
- Só coisa boa pra você Fletch, como sempre!
- Ah, é isso o que eu gosto de ouvir, – ele riu – mas você está bem? Sua voz está meio estranha, meio... Você está doente?
- Estou gripado, mas não se preocupe, logo estarei melhor – me apressei em dizer a última parte antes que ele brigasse comigo e viesse com aquele discurso de que nenhum dos integrantes da banda, sem exceção, devia se descuidar e blá, blá, que corpo e garganta são muito importantes e blá.
Pigarreei.
- Tudo bem, não foi por isso que eu te liguei, tenho uma pergunta pra te fazer.
- Manda.
- Garoto, a imprensa está me enchendo a paciência à pelo menos duas semanas, ligando e mandado e-mails, querendo saber sobre uma mulher e uma garotinha com quem você e os outros, mas principalmente você, estão frequentemente sendo vistos e fotografados juntos, no começo eu achei que fossem fãs, ou sei lá! – ele dizia e eu ri fraco, podendo imaginá-lo andando de um lado para o outro e gesticulando freneticamente – Enfim, tem algo a me dizer sobre isso?
- Bem...
- Tem que ser algo concreto e verdadeiro, porém não muito chamativo, ok? – ele me interrompeu – Para que eu possa emitir uma nota, e então eles largam do nosso pé, você sabe como é... Por enquanto eles só estão de longe criando suas próprias histórias e as publicando, mas logo mais vão começar a atacar vocês.
- É, eu sei...
- Tanto vocês quanto elas, – ele me interrompeu mais uma vez e pigarreei, ia demorar até que ele me deixasse falar – mas agora me diga algo bom para acalmá-los, mostrar que não é nada de mais, pelo menos até que o novo projeto já comece a se encaminhar, vocês precisam de um tempo afastados.
- Acho que verdadeiro, porém não muito chamativo não vai rolar Fletch.
- Ora, por que não? Pelo o que eu vejo nas especulações dos parasitas... Digo, paparazzi, – ele dizia e eu, que já estava cansado de ficar de pé, me sentei no braço do sofá – você está ficando com uma mãe solteira, sei lá, pelo menos é o que parece.
- A mulher é a , filha da Sue, lembra?
- Filha da Sue? Claro, não tem como esquecer aquela garota, vocês devem muito a ela! – ele soltou uma risada contida – E ela está bem?
- Está.
- Triste o que aconteceu com a Sue, muito triste.
- Pois é. – cocei a nuca e pigarreei – Bem, e a garotinha é nossa filha...
- Espera, nossa? Como assim nossa? – perguntou pausadamente, elevando um pouco o tom de voz a cada palavra.
- A garotinha é minha filha. e eu namoramos na época do colégio e agora ela quer que eu assuma a paternidade, – suspirei – mas estou encarando isso bem, como uma pessoa responsável, nós fizemos o exame de DNA ontem e o laudo fica pronto amanhã.
Breve silêncio.
- Quantos anos a menininha tem?
- Sete.
- E elas apareceram só agora?
- Sim, só agora – dei de ombros.
Um pouco mais de silêncio e um suspiro cansado.
- Bem, agora eu não sei exatamente o que vou dizer na nota, mas me liga amanhã, ela deve ser emitida à imprensa. – ele disse por fim – Estou orgulhoso de você garoto, agindo como uma pessoa responsável. É importante já ter o exame porque assim ninguém pode duvidar dela...
- Era o que eu estava pensando.
- Ok, agora pare de engravidar garotas!
- Mas ela foi a primeira – franzi o cenho e ri.
- E espero que seja a única.
- Também espero – eu ri mais uma vez.
- Não brinca com isso! – ele me repreendeu e eu pigarreei.
- Foi mal.
- Não se esqueça de me ligar quando o resultado do exame estiver em suas mãos.
- Você quem manda – eu disse passando a mão pela minha barriga, estava começando a ficar com fome.
- Se cuida.
- Tchau Fletch – e desliguei o telefone.
Fui pra cozinha ver se encontrava algo para comer. Hoje, apesar de um pouco cansado, eu estava inspirado. Tinha acordado cedo e, assim como ontem, caminhei com o Snoop pra ver se ele se animava e até que deu certo, agora ele não fica se arrastando de um lado para o outro atrás de mim com aquela cara de cão abandonado, ficou mordendo e puxando a almofada dele, brincando. Já eu, parei de tossir e espirar, mas ainda sentia a garganta arranhar, o nariz congestionava, eu pigarreava constantemente e o corpo parecia pesar toneladas. Mas não me venha com sermões, esqueça, eu não vou ao médico! Tenho certeza de que vão me entupir de remédios, então sem chance!
Abri os armários e graças a Deus tinha coisa lá dentro! Fiquei um bom tempo olhando para os armários abertos e senti falta de panquecas, decidi na hora que era isso que eu ia fazer. Panquecas... E um pouco de bagunça, já que não sou um dos melhores cozinheiros do mundo e eu estou sempre fazendo uma bagunça. Sempre, era quase parte do repertório. Peguei o fermento e o açúcar, colocando-os na pia e então ouvi a campainha tocar, seguido de um latido do Snoop. Devia ser a Poppy, hoje ela estava arrumando o andar de cima desde cedo e como ela lavaria os banheiros, precisava de certos produtos de limpeza que eu não havia comprado. Será que eu não dei a chave reserva antes de ela ir para o mercado? Eu jurava que sim. Enfim, deixei os armários abertos e segui para a sala, peguei a coberta que eu tinha deixado no chão junto aos papéis e a joguei sobre o sofá, pigarreei e segui para a porta com Snoop em meu encalço, abrindo a mesma.
Engoli a seco. Erm... Não era a Poppy.
Ela estava de all star preto, calça jeans, que modelava bem suas lindas pernas e estava com as mãos enfiadas nos bolsos de um moletom sem zíper também preta, os cabelos soltos caindo sobre os ombros e sem nenhuma maquiagem no rosto. Eu gostava quando ela estava vestida com roupas que a tornavam uma mulher sexy e bem decidida de apenas 23 anos, mas também senti falta de ver aquela garota que não se importava com os outros e vestia exatamente o que queria, até mesmo porque não precisava fazer muito esforço para ficar linda. Não pude evitar que meus lábios se curvassem num leve sorriso ao vê-la vestida assim e por poder sentir seu perfume novamente. Ela respirou fundo e fixou seu olhar ao meu, dando um passo a frente.
- – ela disse simplesmente, inconscientemente num timbre de voz sensual e tentador.
Ou talvez conscientemente.
Estremeci por dentro e levei a mão à nuca. Porcaria de efeitos.
Ou talvez seja só uma viagem da minha cabeça.
- Oi – eu disse com os olhos fixos nos seus.
- Ahm... Tudo bem com você? – sorriu fraco encolhendo os ombros.
- Tudo e com você?
- Também. – ela disse e mordeu os lábios olhando brevemente para o chão, parecendo um pouco desconfortável – Está melhor? Você me pareceu um pouco cansado ontem.
- É, a gripe não aliviou para o meu lado. – pigarreei – Por favor, entre. – eu disse e abri espaço.
- Não precisa, eu só...
- Eu insisto. – a interrompi. Ela sorriu fraco, passou a mão pela cabeça de Snoop e por fim entrou.
- Desculpe aparecer sem avisar, – a ouvi dizer enquanto eu fechava a porta – espero não estar te atrapalhando.
- Tudo bem – eu disse me virando, ela olhava para os papéis espalhados pelo chão em que Snoop pisava em cima para ir até a sua grande almofada – eu não estava fazendo nada de mais, – e me aproximei – isso aqui é só... Um pouco de bagunça.
- Ah, sim, entendi. – ela me olhou rapidamente e soltou uma risada contida – Na verdade , eu tentei ligar antes... Umas... – gesticulou – Sei lá, 30 vezes ou mais.
- Tem certeza? 30 vezes? – eu ri.
- Ok, foram 3 vezes – ela disse levantando a mão, mostrando os 3 dedos e sorriu mordeu o lábio inferior.
- Ah, agora está explicado – eu arqueei as sobrancelhas e cruzei os braços.
- Liguei, mas nem esperei pra saber se você atenderia, – ela disse e jogou uma mecha do cabelo atrás da orelha – eu vim, mas também esperava que você não estivesse aqui, seria mais fácil, pra pelo menos poder dizer que eu tentei falar contigo.
Franzi o cenho e finalmente me encarou.
- Admitir erros não é a coisa que mais gosto de fazer, mas eu lhe devo desculpas , você está aceitando muito bem a e eu não estou te dando os devidos créditos por isso. – riu fraco – Provavelmente você não saiba, mas antes de te contar e de contar a ela, já ficava me dizendo como adoraria que o pai dela fosse exatamente como você.
Ela disse e eu, lembrando o que disse ontem quando me abraçou, senti uma ligeira dificuldade para respirar, então passei as mãos pelo rosto.
- Você não tem que se desculpar por nada , – eu disse voltando a cruzar os braços e pigarreei – sério, eu estou só fazendo o que é certo.
- Não, eu estava frustrada comigo mesma e descontei em você, fui muito insensível, – ela disse encolhendo os ombros – desculpe, eu não quero que esse clima estranho entre a gente continue, não é bom pra nenhum de nós dois... E não é bom principalmente para .
Suspirei.
- Ela sabe que eu faço qualquer coisa que me pedir, – ela sorriu e fitou o chão balançando a cabeça negativamente – percebeu o modo como nos falamos na clínica e me convenceu a falar com você.
- Ela é... Realmente uma menina incrível! Você tem feito um ótimo trabalho. – sorri de lado e ela tornou a me encarar – Onde ela está?
- Com a tia – disse simplesmente.
- Hm, ok mãe da minha filha, – eu disse levantando o dedo mínimo e ela riu – a gente pode voltar a ficar de bem – arqueei as sobrancelhas e ela sorriu, entrelaçando seu dedo gélido ao meu.
- Mas o resultado nem saiu ainda...
- Não tem o que discutir, ela tem os meus lindos olhos – pisquei.
- Você não existe, sabia? – sorriu soltando seu dedo do meu e colocando a mão novamente no bolso da blusa – Então está tudo bem, certo? Posso voltar pra casa mais tranquila?
- Claro! Mas... – eu disse olhando para o vão da porta que levava até a cozinha, sentindo a fome apertar e seguiu o meu olhar – Ahm, você está com pressa?
- Por quê? – perguntou me olhando com o cenho franzido.
- Porque eu estou com fome, inventei de fazer panquecas, mas não me lembro muito bem como se faz.
- Sério? – ela comprimiu os olhos.
Não.
- Sério. – estalei a boca – Será que você pode me ajudar?
- Bem... – ela mordeu os lábios balançando o corpo para frente e para trás, pensando.
- Claro que pode, não é? – eu disse – Afinal, eu lembro que você ficou de me ajudar com as compras, mas eu já fiz e agora você está me devendo uma! – sorri e ela abriu a boca incrédula.
- Eu não disse que com certeza ajudaria, – ela riu – disse apenas que pensaria no seu caso.
- Ah, legal! E enquanto você pensa, eu passo fome? – ironizei.
- Verdade, – ela riu mais ainda e levou a mão à boca – desculpe, pensando assim foi muita maldade da minha parte.
- Pois é, agora pode vir comigo pra cozinha, – eu disse passando o braço sobre seus ombros e nós seguimos para a cozinha lado a lado – você tem que se redimir.
- Ok, eu vou. – me olhou pelo canto dos olhos – Só me lembre de nunca mais te prometer alguma coisa, não é sempre que terei tempo para cumpri-las cozinhando.
- Beleza – eu ri a soltando e abri a geladeira.
- Hm... O que você quer que eu faça exatamente?
- Será que você alcança a farinha no armário? – perguntei colocando a bandeja de ovos e o leite em cima da pia, e olhei para ela – Ou é muito alto para você?
- Eu alcanço, ok? – ela disse colocando as mãos na cintura e eu ri.
- Eu não disse nada de mais! – eu disse levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência – Está naquele armário ali. – indiquei com a cabeça.
olhou de mim para o armário, do armário para mim e eu ri pegando o frasco de mel. Aquilo seria engraçado, ela não alcançaria nunca! Encostei-me contra a pia e abri o frasco, vendo-a se esticar para alcançar o pacote de farinha que estava no armário que eu tinha deixado aberto antes de atender a porta, despejei um pouco de mel na boca e cruzei os braços, ficou na ponta dos pés, deu alguns pulinhos e bufou frustrada.
- Quer ajuda? – perguntei segurando para não rir.
- Não, – ela abanou o ar sem olhar para mim – eu estou quase conseguindo.
- Não é o que me parece – eu disse num tom brincalhão.
- Eu só preciso de uma cadeira...
- Não, você precisa de mim – eu disse deixando o frasco de mel sobre a pia e fui até ela, ficando ao seu lado e estiquei o braço, ou pelo menos tentei, mas não deixou.
- , eu consigo! – ela disse segurando meu braço e seus dedos gélidos sobre a minha pele fizeram com que eu me arrepiasse. Uma sensação que eu gostei bastante, diga-se de passagem.
- Qual é ? Você é baixinha demais pra alcançar.
- É, mas você também não é um dos mais altos – ela riu.
- Do que você está falando? – franzi o cenho – Eu sou maior que você – eu disse e ela chegou mais perto, encostando seu braço ao meu, nos medindo pelos ombros.
- Eu sou quase do seu tamanho – ela disse com um sorriso divertido brincando em seus lábios e eu gargalhei.
- Como quase? Falta um palmo, ou mais, para o seu ombro ficar na altura do meu!
- É que eu estou sem salto, – ela riu colocando um pé para frente, mostrando o all star – hoje é uma exceção, mas normalmente eu estou sempre de salto, é quase parte de mim! – deu de ombros e eu joguei a cabeça pra trás, gargalhando ainda mais.
- Jura? – perguntei entre risos – Então por hoje ser uma exceção, eu pego...
- Não, ...
tentou protestar e nós dois esticamos os braços para alcançar o pacote de farinha, ela alcançou a pontinha com a ponta dos dedos, mas o que não tínhamos visto era que o saco estava praticamente aberto, somente com um nó frouxo, muito do mal feito! E sem saber, eu puxei o fundo, fazendo com que o saco virasse e despejasse toda a farinha sobre nós. Não podendo fazer nada para impedir, eu só fechei os olhos segurando a embalagem e sentindo todo aquele pó branco cair.
- Que maravilha. – ela disse irônica. Eu abri os olhos e gargalhei.
- Você está toda branca! – eu disse passando a mão na sua cabeça, fazendo a farinha se espalhar no ar.
- A culpa é toda sua! – ela me deu um tapa no braço, segurando para não rir – Nada disso teria acontecido se você tivesse me deixado pegar a cadeira.
- Ah! , não fica brava, – eu ri e coloquei a embalagem em cima da pia, a empurrando um pouco para que se juntasse com os outros ingredientes que eu já havia deixado ali e tornei a atenção para as minhas roupas – tem que aprender a brincar.
- Ei! Eu sei brincar sim! – protestou se afastando um pouco e eu estalei a boca.
- Sabe nada – eu disse passando as mãos pelos cabelos, fazendo o excesso de farinha cair.
- Sei sim, quer ver? – perguntou e eu olhei para ela, que estava com as sobrancelhas arqueadas e um sorriso discreto no canto dos lábios.
- Quero! – eu disse e me aproximei cerrando os olhos e em seguida senti a mão dela esmagando um ovo sobre minha cabeça – Não, você não fez isso! – eu disse entortando o maxilar.
- Ah, eu fiz sim – ela fez careta rindo e limpou a mão no meu rosto – e adorei.
- Então se prepara, porque agora é guerra! – declarei e a agarrei pela cintura, a arrastando pra mais perto da bandeja de ovos e soltou um gritinho.
- Não , por favor, – ela pediu entre risos tentando se soltar – por favor...
- Tarde demais...
Eu ri pegando um ovo de cada vez e quebrei três na cabeça dela. Quando conseguiu se soltar, ela pegou o frasco de mel e o apertou, esguichando mel no meu rosto, pescoço e por toda a minha camisa, peguei o saco de farinha e o pouquinho que tinha lá eu joguei nela.
- Ai! , meus olhos – ela jogou o frasco de mel no chão, levou as mãos ao rosto e eu me desesperei na hora, vendo-a se curvar um pouco para frente.
- Meu Deus, , me desculpa, desculpa, desculpa... – pedi repetidas vezes colocando as mãos em sua cintura e tentei ver seu rosto – por favor, me perdoa...
- Estão ardendo – choramingou.
- Deixe-me ver – eu disse a guiando, fazendo com se encostasse contra a pia.
- Não!
- , por favor – pedi apoiando as mãos na pia, uma de cada lado de seu corpo.
- Não.
- Por favor, , é sério – eu disse e ela suspirou.
- Ok – ela abaixou as mãos as colocando atrás do corpo, ainda com os olhos fechados.
- Agora abre os olhos. – eu disse e ela riu apertando os olhos – Abre os olhos, mulher!
Ela se mexeu entre meus braços, abriu os olhos e... PÁ! Um ovo esmagado na minha testa e gargalhando da minha cara.
- Você me enganou – fechei os olhos passando uma das mãos pelo rosto, afastando toda aquela meleca do meu rosto e suspirei derrotado – e acabou com a minha chance de comer panquecas... Voltamos a ser adolescentes, é?
- Você me desafiou, disse que eu não sabia brincar – ela disse entre risos.
- Mas você gostou! – arqueei as sobrancelhas e ela tentou reprimir o sorriso. Olhei em volta jogando pra trás os fios de cabelo que grudavam em minha testa – A Poppy que não vai gostar nem um pouquinho.
- Poppy?
- Minha nova empregada – eu disse simplesmente, tornando a encará-la.
- Hm... Ela cuida de crianças também?
- Não sei, por quê? – franzi o cenho.
- não vai ficar aqui pra sempre, – deu de ombros com um pouco de tristeza em seu tom de voz – ela quer voltar pra casa depois do meu casamento.
- Sério? – estranhei e ela abaixou o olhar.
- Aham. – murmurou e eu senti seu dedo passar suavemente pela base de meu pescoço, encarou o polegar, que agora tinha um pouco de mel e o levou até os lábios.
Tentei me convencer de que fora um ato inconsciente da parte dela, que aqueles pensamentos que me inundavam agora eram apenas mais uma obra da minha cabeça, me pregando peças novamente, e que meu corpo só estava sentindo coisas pelas quais ele clamava loucamente. Um contato maior com a pele dela, de imediato. Ouvimos o barulho da tranca da porta principal, me encarou e eu suspirei. Qual é? Isso é pior do que tortura!
- É a empregada? – perguntou quase num sussurro.
- É – eu disse sem conseguir tirar os olhos de sua boca.
- Senhor ? – ouvimos a voz se aproximar, mas não movemos um só músculo – Ai, meu Deus, o que houve aqui?
Ouvimos minha empregada perguntarm. e eu rimos e relutantemente, eu me virei para Poppy, que estava empacotada em roupas de frio e com as bochechas rosadas, segurando algumas correspondências entre as mãos, ela olhava para a cozinha com os olhos arregalados. Pigarreei.
- Poppy, esta é a , – eu disse e as duas apenas sorriram trocando um leve aceno de cabeça – é provável que você a veja bastante nesses próximos dias e com certeza ela é a causadora de toda essa bagunça.
- ! – repreendeu rindo, me deu um tapa no braço e depois tornou o olhar à Poppy; percebeu com ela está adorando me bater hoje?
- Vândala!
- Olha Poppy, – ela rolou os olhos me ignorando – eu sinto muito por isso, mas pode deixar que nós vamos limpar.
- É um prazer conhecê-la, – Poppy sorriu daquele seu jeito cordial – mas não precisa se preocupar, limpar e arrumar a bagunça do senhor é parte do meu trabalho.
A Poppy está muito preparada para as minhas bagunças... Aposto que foi minha irmã quem já a alarmou sobre isso. O que é bom, porém um pouco constrangedor por ser uma má fama.
- E com certeza essa farinha deve estar te incomodando... – ela continuou – É farinha, não é?
e eu nos entreolhamos e começamos a gargalhar. Com certeza aquela farinha estava nos incomodando, e muito, entrando em lugares que não devia.
- Sim, é farinha. – eu disse e respirei fundo, recuperando ar – Desculpe Poppy, daqui a pouco eu desço para nos acertamos, pode ser?
- Está ótimo!
- Vem , – eu disse e peguei em sua mão, a puxando para fora da cozinha – vamos dar um jeito nessa farinha e nesse cheiro de ovo.
- Já está enjoando, não é? – ela me olhou rindo – E desculpe mais uma vez – disse por cima do ombro e Poppy riu.
- Tudo bem...
Entrelaçamos nossas mãos e enquanto subíamos as escadas riu fraco.
- Não posso voltar pra casa assim – ela disse – Sair daqui toda lambuzada definitivamente não estava nos meus planos.
- Por quê? Robert não vai gostar? – eu disse de má vontade e a olhei com as sobrancelhas arqueadas.
- Não, Robert foi viajar. Não estou de carro, então minha preocupação é com as pessoas na rua, que me olhariam como se eu fosse louca... – ela coçou a nuca e eu ri abrindo a porta do meu quarto – Principalmente ... E então?
- Não se preocupe, você pode tomar um banho, nós colocamos sua roupa pra lavar e fica tudo certo – eu disse entrando no quarto, puxando junto comigo.
- Não me parece uma má ideia – deu de ombros.
- Eu vou pegar uma roupa pra mim e vou para o quarto de hóspedes. – gesticulei com a mão livre – Você pode ficar a vontade aqui e pegar qualquer roupa no closet, já que terá que esperar suas roupas secarem, e tem toalha limpa no banheiro.
- Ok.
Olhei para nossas mãos ainda entrelaçadas por breves segundos e encarei , que fitava o chão mordendo o lábio inferior. Tentação, essa era a palavra que poderia definir nesse momento para mim, mas agora, se eu quiser que tudo ocorra bem, tenho que pensar bem antes de fazer qualquer coisa. Então, mesmo ainda relutante ao tentar me afastar dela, eu a soltei e levei a mão à nuca, um pouco sem graça, a deixando no centro do cômodo, e fui até o closet. Tenho certeza de que nesse momento não tem ninguém no mundo mais indeciso no que fazer e confuso no que pensar do que eu. Abri a porta somente o necessário para que eu pudesse entrar e recolhi as roupas que estavam espalhadas – estavam limpas, só estavam largadas porque na pressa de achar a que queria eu as jogava no chão. Peguei a caixa azul-bebê – que desde que resolvi revirá-la ainda se encontrava à vista –, fechei e a coloquei no alto, em uma das prateleiras. Peguei a roupa que usaria e deixei o closet.
- Eu vou... – eu disse passando por e apontando para a porta.
- Ah, ok. – ela sorriu e eu, que estava já no corredor, levei a mão livre à maçaneta a fim de fechar a porta – Ahm... ?
- Sim? – a encarei e ela veio até a porta.
- Espero que a gente continue assim, – sorriu sincera – eu gosto de ter você por perto.
- Não se preocupe com a gente, – eu disse dando um passo a frente, segurei delicadamente seu rosto com uma das mãos e beijei sua testa – nós estamos bem, – e me afastei – nós sempre acabaremos bem.
mordeu os lábios e assentiu, desviando o olhar do meu para um ponto qualquer no chão, talvez fazendo o mesmo que eu: Tentando se convencer de que o que eu disse era verdade. E deu um passo para trás, enquanto minha mão tornava a maçaneta e então eu fechei a porta, mas permaneci ali, parado no corredor com o olhar perdido e a mão firme em volta da maçaneta. Será mesmo que nós acabaremos bem? Eu nem me lembro como eu era antes de ela aparecer. A minha história e eu só acabaríamos bem se ela estivesse comigo, se e estivessem comigo. Pois é, eu quero o pacote inteiro, tem como?
Segurei o meu próprio suspiro ao ouvir um murmúrio e um suspiro profundo do outro lado, seguido de passos e o som de uma porta se abrindo. Eu estava a ponto de abrir a porta novamente, mas pensei duas vezes e resolvi deixar meus devaneios de lado, desci para a cozinha e ri fraco ao encontrar Poppy limpando a bagunça que a fez.
- Poppy, quando terminar na cozinha você já pode ir, ok? – eu disse e ela me olhou.
- Tudo bem – deu de ombros.
- Outra coisa... Você sabe fazer panquecas? – perguntei e ela sorriu franzindo o cenho.
- Sei. – e soltou uma risada contida – Era isso que estavam tentando fazer?

- ! – ouvi gritar meu nome, mas não movi nenhum músculo do meu corpo.
- Que placa é essa? – a voz de se aproximava – Mas que diabos...?
- , dude, – ajoelhou-se na minha frente.
Eu diria que ele tinha a expressão preocupada, mas eu não conseguia enxergar direito, minha vista estava embaçada. Eu chorei por ela mais uma vez.
-Você está bem? O que aconteceu?
- Não tem ninguém na casa – disse calmamente.
- ! – chamou, mas eu continuei da mesma forma.
Eu não via nada além dos olhos de , que me encarava fixamente. Não me atrevi a mexer um dedo sequer, sabe-se lá o que mais eu poderia estragar. tirou da minha frente e agarrou meus ombros.
- Porra ! Fala com a gente!
- Ela foi embora – funguei e passei as mãos nos olhos.
- E essa caixa ai? – perguntou e eu me abracei mais a ela.
- Ela deixou aqui para mim.


Deixei Poppy terminar de arrumar a cozinha e eu subi pra o segundo andar, quando cheguei ao topo da escada senti o corpo pesar mais uma vez e uma dor nas costas lancinante. Incrível que durante todo aquele pequeno tempo em que estive hoje com a , eu não senti nada, nem uma pontada de dor. Espreguicei-me a fim de afastá-la, segui para o banheiro do quarto de hóspedes e finalmente tomei o meu banho, relaxando sob a água quente. Quando terminei, coloquei a roupa e desci as escadas o mais rápido que pude, afinal, minhas panquecas esperavam por mim.
- Ah, eu adoro, se a senhora precis...
- Poppy, senhora não, por favor! Pode me chamar de , – ela riu – sou mãe, mas só tenho 23 aninhos e ainda nem me casei.
As duas estavam de costas para mim. estava de meias, com o meu short branco – daqueles que tem um cordão por dentro para que possa ajustá-lo –, que para ela parecia mais uma bermuda, e com a minha camisa preta de manga longa do The Who, a qual eu já nem me lembrava mais. Onde será ela achou aquela camisa? Ficou bem melhor nela do que em mim. Seus cabelos estavam úmidos e penteados, a toalha que ela usou estava sobre um de seus ombros.
- Ok, – Poppy disse entre risos – mas se precisar, é só falar comigo.
- Precisar de que? – perguntei entrando na cozinha e elas se viraram para mim.
- De alguém que cuide da depois que a me abandonar – fez bico e deu de ombros enquanto eu me aproximava.
- Sério? – franzi o cenho me postando ao lado dela.
- Aham – piscou e mordeu o lábio inferior.
Já disse como eu adoro esse modo doce como ela olha pra mim?
Pigarreei.
- Você vai mesmo roubar a Poppy de mim? – brinquei e elas riram.
- , ela adora crianças, – ela sorriu de lado e tornou a atenção a empregada – e eu lhe asseguro de que sou uma patroa muito melhor – e deu uma piscadela para a mesma.
- Não tem vergonha de falar essas coisas na minha cara? – me fiz de ofendido.
- Claro que não, eu não disse nada de mais. – riu balançando a cabeça negativamente. Olhou para o celular em mãos que começava a tocar e eu tirei minha mão de sua cintura, sem conseguir me lembrar em que momento eu tinha a pousado ali – Falando em patrão... Com licença.
- A toalha – eu disse puxando a toalha que estava em seu ombro.
- Obrigada – sorriu agradecida, logo se virado, e eu a segui com o olhar até ela desaparecer pelo vão da porta.
- Gostei dela. – Poppy disse depois de um tempo – Vocês vão se casar em breve?
Poppy colocou sobre a bancada o frasco de mel, que estava pela metade e um prato com uma pilha de panquecas que me fizeram aguar. Senti meu estômago se contorcer e eu só conseguia pensar em comida. Precisava colocar alguma coisa pra dentro agora! Eu já estava pra agradecer Poppy pelas panquecas, dizer que não sabia o que faria sem ela, mas então me dei conta do que ela tinha acabado de me perguntar.
- Casar? – franzi o cenho pegando um pedaço de panqueca com a mão livre e coloquei na boca.
- Sim, eu notei o lindo anel na mão dela, – disse calmamente e pegou a toalha que eu ainda segurava – notei também o modo como se falam, olham; com respeito, carinho... – eu ri e ela ruborizou – E eu já estou falando demais, não é? Desculpe a indiscrição senhor !
- Tudo bem! – pigarreei – Eu gostaria de dizer que sim, mas – eu ri sem humor jogando mel sobre as panquecas – infelizmente não fui eu quem lhe deu aquele anel e não é comigo que vai se casar.
- Ah, sinto muito – disse meio sem graça enquanto eu me sentava num dos bancos altos junto à bancada, e colocou a minha frente uma jarra de suco, um copo e talheres.
- Um dia desses, eu te explico melhor sobre e eu.
- O senhor não precisa... – se apressou a dizer, mas eu a interrompi.
- Acredite, se amanhã tudo sair como eu espero, é importante que você saiba o que acontece entre a gente – eu sorri amigável, pensando no exame de DNA, e ela retribuiu assentindo.
- O senhor precisa de mais alguma coisa?
- Não Poppy, obrigado, você é um anjo, fez tudo e muito mais – eu disse apontando para o chão e todos os outros lugares que ela teve que limpar depois da tentativa fracassada minha e de de fazer panquecas. E ela sorriu.
- Ok. – ela se afastou, foi provavelmente na lavanderia para pendurar a toalha molhada no varal e depois passou por mim – Até mais!
- Até! – eu disse.
Respirei fundo, ignorando a breve dor no peito, costelas, sei lá! Só sei que doía tudo. Então tornei a atenção às minhas tão queridas e esperadas panquecas. No prato tinha pelo menos seis daquelas bem gordinhas e deliciosas, não sei ao certo, não me dei ao trabalho de contar. Saboreando cada pedaço, ouvi Poppy se despedir de e logo depois o som da porta principal se fechando, coloquei mais um pedaço na boca e servi meu copo de suco.
- ? – ouvi me chamar e levantei o olhar, ela estava no vão da porta – Acho que vou embora...
- Ahm? – franzi o cenho e ela riu.
- Acho que vou embora – repetiu dando alguns passos a frente e eu balancei a cabeça negativamente.
- Quê? – perguntei mastigando e engolindo o mais rápido que pude pra poder falar alguma coisa que prestasse, que não desse a impressão de que estava ficando surdo e me levantei, andando até ela – Sua roupa nem deve estar limpa ainda, quanto mais seca, vai embora como?
- Não sei, eu dou um jeito! – deu de ombros e postei as mãos em seus braços, sem parar de andar, fazendo-a dar passos cegos para trás – Já estou te dando trabalho demais e estou me sentindo envergo...
- Não, não, não, fica! – disse com os olhos cravados aos seus e um sorriso brotando no canto de meus lábios – Lembra do que disse lá em cima? Que não era uma má ideia.
- Acho que agora eu não tenho tanta certeza disso – disse num tom baixo.
- E não está me dando trabalho nenhum, você sabe muito bem que eu te quero aqui. – eu disse, então ela parou abruptamente de andar quando já estávamos praticamente na sala e continuou a me encarar em silêncio – Combinamos ficar de bem, sem clima estranho entre a gente, mas isso não será possível se você tentar fugir de mim de novo.
- Eu não fujo de você – ela disse desviando seu olhar do meu por alguns segundos e eu ri franzindo o cenho.
Ela estava mentindo. Eu sabia, não somente por alguns fatos que ocorreram anteriormente, mas também pelo modo como disse. Ela desvia o olhar, sua voz adota um timbre que mostra que nem ela acredita no que está dizendo, um tanto inseguro, perde a firmeza. não gostava de mentiras e não era difícil identificar quando a própria estava o fazendo, ou pelo menos o tentando.
- Isso não me soou tão convincente.
- Ok, não é nenhuma novidade que eu não sei mentir, então não me pressiona – rolou os olhos mais uma vez, rindo derrotada.
- Não estou te pressionando! – eu disse arqueando uma das sobrancelhas – Nós estamos apenas conversando... Uma conversa casual.
- Sério? – ela comprimiu os olhos – Você vai largar suas panquecas por uma conversa casual?
- Ah não, também não é pra tanto... – eu disse a puxando de volta para a cozinha e jogou a cabeça para trás, soltando uma gargalhada gostosa – A gente pode conversar perto delas.
- Da próxima vez a gente pode fazer brigadeiro, – ela disse e eu arqueei as sobrancelhas, tornando ao meu lugar frente às panquecas – é muito mais fácil e muito mais gostoso.
- Bri... O que? – franzi o cenho enfiando o garfo num pedaço de panqueca e ela riu, debruçando-se sobre a bancada de mármore.
- Brigadeiro – ela disse pausadamente, como se estivesse falando com uma criança, mas, para mim, seus lábios eram provocantes demais.
Tentei repetir do mesmo modo o que ela havia dito. De primeira eu gaguejei, por precisar de breves segundos para me recuperar do efeito que ela havia causado sobre mim, e da segunda vez eu pensei ter acertado, mas ela riu novamente.
- Português não é o seu forte.
- Quem vê, pensa que você é brasileira – rolei os olhos.
- Mas eu sou! – ela riu.
- Nasceu, morou lá... – dei de ombros, indiferente – Mas você sabe que a sua vida é aqui.
Se havia mais coisas por trás de minhas palavras? Claro! E eu não desviei meu olhar do seu um só segundo, até ela sorrir meio sem jeito.
- É, você tem razão, com sotaque britânico é mais bonito – tentou mudar de assunto e eu sorri de lado.
- Está me cantando, ? – arqueei uma das sobrancelhas e enfiei o pedaço de panqueca na boca pra não rir da cara que ela fez.
- Eu? – perguntou acertando a postura.
- Aham. – murmurei sorrindo – Por acaso você não estava com medo de ficar aqui sozinha comigo, estava?

Capítulo 16 - Posso?


- Com certeza tem várias já espalhadas por ai, em revistas, na internet, em programas de fofoca... Eu não sei, não procuro ver essas coisas por ai, as fotos tudo bem, mas o que dizem é muita mentira inventada!
- Acho que essa foi tirada ontem, – e balançou a cabeça negativamente – acho não, pensando bem, eu tenho certeza, são as mesmas roupas que vocês usavam ontem.
- E como era?
- Você a abraçava e ela estava com os olhinhos fechados com força.
- Ela disse que sempre sentia minha falta – eu disse calmamente e abaixou o olhar.
- Acha que vão me julgar por isso? – perguntou e riu sem humor – Porque sinceramente, eu mesma já estou me julgando, condenando...
- Eu falei com o Fletch hoje, – eu disse e ela me encarou – provavelmente não farão isso se tivermos o exame em mãos e se eu deixar bem claro de que é a minha vida, e se por mim está tudo bem, ninguém deve se preocupar com nada.
- Suas fãs vão achar que sou uma bela de uma golpista e me odiar pra sempre – ela riu.
- Ah sim, pode esperar por um ataque pelo twitter, será a primeira guerra virtual! – brinquei rolando os olhos e ela riu mais ainda.
- Melhor do que um ataque na rua...
- Isso você pode esperar dos parasitas – eu disse, ela fez careta e suspirou.
- Será que podemos abrir o laudo juntos? , você e eu?
- Claro. – eu sorri e ela assentiu levemente.
Então ela suspirou e deixou que um sorriso brotasse em seus lábios.
- Ok, agora me conte alguma coisa sobre você, – ela disse animada – mas alguma coisa que eu ainda não saiba.
- Sobre mim? – franzi o cenho rindo e ela assentiu – Não tem nada que ninguém saiba sobre mim, minha vida é um livro aberto!
- Ah, corta essa , até parece que você não tem um segredinho sequer! – ela disse e eu pensei bem.
Alguma coisa que ainda não saiba...
- Não me lembro de nada agora.
Mentira.
- Sério? – ela fez bico. Covardia.
- Ok, eu lembrei! – eu disse jogando as mãos para o alto e ela riu – Uma coisa que você ainda não sabe é que... – pigarreei – Bem, euaindatenhoacaixaazul-bebê.
- Quê? – franziu o cenho acertando a postura.
- Eu ainda tenho a caixa azul-bebê – eu disse e mordi o lábio inferior, envergonhado. Afinal, vamos combinar, no começo você pode até pensar que isso é bonitinho, que eu guardei a caixa porque senti falta de , mas pense melhor, que tipo de cara guarda as coisas da ex-namorada por tanto tempo? Um problemático, sem vida, ou sei lá.
- Eu sei disso. – ela disse simplesmente e foi a minha vez de franzir o cenho – Eu entrei no seu closet por engano no dia seguinte a patinação no gelo, achei que era o banheiro.
- Ela estava no chão – como eu sou idiota, é óbvio que ela teria visto, quem mandou deixar no chão?
- É, – ela sorriu docemente – acho até eu que mereço meu cachorrinho de pelúcia de laço azul de volta – encolheu os ombros e eu ri.
- Eu estava pensando em dá-lo a ...
- Não, quer um de animal de estimação, um bicho de verdade, dar um de pelúcia não vai ajudar muito. – ela disse e eu me levantei – Aonde você vai?
- Já volto!
Subi as escadas, tossi algumas vezes abrindo a porta do meu quarto e peguei no closet a caixa azul-bebê e uma blusa, estava esfriando. Coloquei a mesma e voltei para a sala. Sentei-me no sofá novamente sob o olhar atento de e coloquei a caixa no chão, abri a mesma e tirei de lá cachorro de pelúcia.
- Cuida bem dele, viu? – eu disse e ela riu o pegando a minha mão.
- Acredita que depois eu me arrependi de tê-lo deixado pra trás? – sorriu e o abraçou – Ele tem o seu cheiro.
- Tem?
Engraçado, sempre achei que fosse o contrário, que ele tivesse o cheiro dela, talvez por causa disso eu tenha passado muitas noites dormindo abraçado àquele cachorro. Talvez não, com certeza foi por isso.
- Sim, – assentiu olhando e arrumando o laço azul do cachorro de pelúcia – levemente amadeirado, com bergamota, maçã verde...
Ela deixou a frase morrer ali e eu pisquei. Vem cá , você leu o rótulo do meu perfume, ou realmente sabia disso?
- E pode deixar, eu vou cuidar muito bem dele. – ela me encarou sorrindo levemente, eu apenas assenti, sem saber ao certo o que dizer – Mas então, acho que você ficou me devendo, porque essa “revelação” não valeu.
- Lógico que valeu! Acho que essa é uma das únicas coisas que ainda não saiu estampado numa revista. – eu disse e ela riu – Estou com sede, quer beber alguma coisa?
- O que você tem ai? – perguntou e eu franzi o cenho olhando para o alto, tentando visualizar a porta da geladeira aberta.
Memória fotográfica? Não, apenas o hábito de colocar tudo no mesmo lugar.
- Água, leite, suco... Vinho! – eu disse tornando meu olhar a ela e me levantei – , eu tenho um ótimo vinho...
- E desde quando vinho mata sede? – perguntou arqueando uma das sobrancelhas e eu ri dando de ombro – Sério, acho melhor não...
- Por quê?
- , você ainda não está bem de saúde, – disse colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha – tem certeza de que pode tomar vinho? Sério, vinho? – repetiu para dar ênfase e eu ri.
- Faz bem para o sangue – dei de ombros mais uma vez.
- Aham, – disse num tom divertido – por que eu ainda concordo com as suas ideias, hein?
- Simplesmente porque você gosta de mim e das minhas ideias, – eu disse andando até a cozinha e a ouvi rir – mas principalmente porque gosta de mim.
- Ah, com certeza! – ela disse elevando o tom de voz.
Na cozinha peguei as taças e procurei pela garrafa de vinho que eu tanto gostava, não sei, aquele vinho devia ser feito por deuses, porque era bom demais. Tirei a rolha da garrafa e servi as duas taças, beberiquei um pouco em uma delas e quando voltei para a sala, que era iluminada apenas pela luz baixa do abajur, vi próxima à porta de vidro que levava a varanda e ao Snoop, que estava deitado em sua grande almofada, dormindo, sem se importar com nada. Coloquei a garrafa em cima da mesinha do abajur, junto do meu celular. Percebi que ele estava com uma luz baixa, passei o dedo sobre a tela e ela se acendeu revelando o desenho de um envelope, cliquei sobre o mesmo e a mensagem se abriu, e era uma mensagem de . Dei de ombros.

“Sei que ela ainda está contigo, então pede para ela ficar e dormir ai, ou sei lá! Mas juízo, hein! Beijo, ”.


Simples assim.
Sorri com isso e desliguei o celular. Já disse que a é meio doidinha?
- ? – chamei parando atrás dela, que se virou para mim.
- Obrigada – ela sorriu pegando a taça que eu lhe oferecia.
- O que está fazendo parada aqui?
- Eu havia me esquecido – disse simplesmente e deu um passo para o lado, me dando espaço e tornou a olhar para fora.
- Esquecido? – perguntei e ela apontou para a lua cheia acima de toda a cidade, brilhante, quase num tom azul claríssimo em meio àquele céu negro.
A lua e a noite, estava tudo muito lindo lá fora. Estranho perceber como eu nunca tinha parado para notar essa vista privilegiada até hoje.
- É noite de lua cheia – explicou-se e eu a encarei, seus olhos brilhavam intensamente e não era somente pelo reflexo da lua.
- O que tem de mais? É nesta noite que os lobos estão à solta? – brinquei e ela riu batendo levemente seu cotovelo em minhas costelas – Vai dizer que gosta de Crepúsculo, da Bella sem sal, do Edward...?
- Não, idiota. – ela disse com um sorriso divertido e se sentou no chão com as pernas em volta do corpo – Você, como músico, devia ser mais sensível – e tomou um gole de seu vinho.
- Eu posso ser sensível, muito romântico e me portar como um cavalheiro quando quero, – eu disse me sentando ao seu lado e ela me olhou com as sobrancelhas arqueadas – mas aquele filme é muito gay e aqueles personagens não são vampiros, são borboletas que brilham ao sol!
- Ah é, você tem toda a razão! – ela disse tentando parecer indignada e eu soube que estava entrando na brincadeira – E agora? Onde ficam as capas pretas, os caixões, crucifixos, o banho de sangue...? – gesticulou, mas segurava para não rir.
Eu apenas sorri, apreciando sua companhia.
- Viu só? Não fazem mais vampiros como antigamente – balancei a cabeça negativamente.
- É, não fazem – riu e tornou a encarar a lua.
- Como chegamos neste assunto mesmo? – perguntei e nós rimos – Ah sim, a lua... Então me diga , o que a lua significa pra você? – e tomei um pouco do meu vinho.
comprimiu os olhos para a lua e um lindo sorriso moldou seus lábios.
- Respostas. – ela disse, mas aquilo me soou muito mais como uma pergunta – Não sei ao certo, apenas gosto quando ela aparece assim, eu me sinto bem e penso em tudo, – e me olhou brevemente – em todos.
Ri fraco e coloquei minha taça no chão, um pouco afastada para que eu não pudesse fazer nenhum estrago. Em minhas circunstâncias, eu não precisava da lua para isso, para me sentir bem e ter respostas, o que eu precisava estava aqui comigo e eu queria que ela soubesse disso.
- Acho que consigo te entender... – comecei com o olhar fixo em , que apenas me ouvia, ainda olhando para fora – Ela chama sua atenção, te intriga e por ela ser única, você pensa que ela tem as respostas de todas as perguntas e dúvidas que você possa ter em toda a vida, seja lá sobre o que for. – e então ela me encarou – Mas só de olhar para ela, você tem a certeza de que está tudo bem e de que fez a escolha certa. – eu disse e a toquei levantando delicadamente seu queixo – E o que mais te fascina é que sempre que a vê, ela lhe parece ser cada vez mais linda, mais certa. – eu disse abaixando o tom e me aproximando mais a cada palavra sem tirar os olhos de seus lábios – Posso?
- Desde quando pede permissão? – perguntou no mesmo tom que eu.
- Desde quando eu percebi que prefiro dormir tendo certeza de que vou acordar amanhã e ainda estará tudo bem entre nós dois, – eu disse encaixando minha mão em seu pescoço e acariciando seu rosto com o polegar – de que você vai me olhar nos olhos e conversar abertamente comigo, sem segredos.
Eu podia sentir seu hálito, sua respiração quente batendo diretamente contra minha boca, mesmo tendo dito tudo aquilo eu queria seus lábios nos meus. Ela riu fraco e afastou um pouco seu rosto do meu.
- Então é melhor não. – ela disse com um sorriso no canto dos lábios e virou o rosto, obrigando-me a afastar minha mão de si.
- Você veio aqui hoje só para me provocar, não é? – eu sorri enquanto ela tomava mais um pouco de seu vinho.
- Não é verdade – ela riu.
- Aposto que é. – murmurei – Sua vez!
- Minha vez? – me olhou sem entender.
- De contar alguma coisa que eu não saiba.
- Sobre o que quer saber?
- Alemanha! – arqueei as sobrancelhas e ela sorriu balançando a cabeça negativamente.
- Passo.
- Quê? , isso não vale – eu disse e nós rimos.
- Não vou falar sobre isso e pronto. – ela disse levantando levemente o ombro – Primeiro porque não sou boa em mentir, e depois porque não quero ter de tentar mentir para você.
- Mas por que você mentiria?
- Porque não foi uma fase muito legal na minha vida.
- Por quê? – insisti e ela comprimiu os olhos para mim.
- Você está me enrolando! – ela riu – Enfim, não vou falar sobre isso – cantarolou levando a taça de vinho à boca.
- Ok, – concordei relutante com um meneio de cabeça – então fale sobre ... Você vai trocar os registros, ou seja lá o que for preciso, e dar a ela o meu sobrenome?
- Se é o que você quer – ela sorriu.
- Vou poder vê-la quando eu quiser, não é? – perguntei comprimindo os olhos – Nada daquelas palhaçadas de somente nos fins de semana, feriados e nas férias... – eu fiz careta, não suportava essa ideia, era horrível! – Acho até que mereço mais que isso...
riu e tocou suavemente minha mão.
- Espero que saiba que você será um ótimo pai. – ela disse e eu entrelacei nossos dedos – E era isso, só isso que eu queria para e ninguém seria melhor do que você.
Eu sorri e beijei o dorso de sua mão. tomou um longo gole de vinho, acabando com o conteúdo de sua taça e depois de colocá-la junto a minha, que ainda estava meio cheia, virou o corpo, ficando de frente para mim.
- Ela tem muito de você.
- É, eu sei, os olhos, talvez até o cabelo...
- Não, não só nisso! Acho que o gosto pela música e até quando dorme, tem que sempre estar abraçada a algo ou alguém, porque senão acorda no meio da noite. Deve ser genético, ou sei lá.
- Para , isso está parecendo coisa de histórias de uma adolescente – eu disse com um sorriso divertido no rosto e ela riu.
- Lógico que não!
- Aposto que nós apenas fazemos parte da imaginação de uma garota...
- Mas é verdade!
- GAROTA! – eu gritei olhando para cima e até o Snoop que dormia tranquilamente, se mexeu em sua almofada, gargalhou – Se tem mesmo alguém ai escrevendo a história da minha vida, por favor, tem algumas partes que merecem melhoras, até mesmo a , ela não está falando coisa com coisa!
- ! – ela disse entre risos e eu tornei a encará-la – Ouça, você sabia que eu trabalhei em um instituto de música?
- Hm, agora melhorou, está fazendo mais sentido – gesticulei com a mão livre, arrancando mais risos de .
Ou ela estava muito alegrinha, ou eu que era muito tonto. Mas só com uma taça de vinho, hm, acho que a segunda opção seja mais provável.
- Acho que vou ter que conversar mais vezes com essa garota.
Sério, quem sabe ela – a garota que, hipoteticamente falando, está escrevendo a história da minha vida – não pode apagar qualquer coisa ruim que possa ter acontecido com enquanto eu não estava por perto, ou até mesmo tirar Robert do meu caminho. Sei lá, essas são as minhas humildes sugestões. Estou até aceitando outro filho, mesmo que o Fletch tenha dito não. Mas da , ok? Só para deixar bem claro.
- Mas caramba, presta atenção!
Ela me repreendeu com um sorriso lindo no rosto e eu juntei os dedos, indicador e polegar, passando-os sobre meus próprios lábios, mostrado que ficaria em silêncio a partir de agora.
- Ótimo, a... Ahm... , sobre o que eu estava falando mesmo? – mordeu o lábio inferior e nós rimos – Ah, lembrei! Quando eu trabalhei na secretaria desse instituto, que era perto de casa, a já tinha um ano e pouquinho, e sempre que eu podia ligava para a minha tia pedindo para que ela aparecesse por lá. – e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha – Eu não aguentava ficar muito tempo longe dela.
- Seu chefe não se incomodava?
- Na verdade não, todos gostavam quando ela estava lá comigo, – ela sorriu meigamente –achavam incrível ver que ela não se abalava com os sons e que ela até gostava! Eu a sentava sobre a minha mesa, de frente para mim; a sala dos alunos de era a que ficava mais próxima da secretaria e mesmo com o isolamento acústico, era possível ouvi-los tocando, então quando parava de tentar pegar as minhas canetas e prestava atenção aos sons, ela me olhava com aqueles olhos brilhando, sorria e começava a bater palminhas ou a tentar dançar. Sei lá, eu ficava toda boba, rindo sozinha porque aquilo era... Era fantástico! – ela riu e eu sorri amarelo sem conseguir esconder minha frustração.
Eu estava feliz por ela me contar aquilo, claro que estava, mas não conseguia deixar de pensar que eu mesmo poderia ter visto isso e muito mais! Poderia ter acompanhado cada mês da gestação, assistido ao seu nascimento – sim, eu acredito que teria estômago para isso –, não me importaria de ter passado noites em claro, trocado fraldas, feito mamadeira, ter visto seus primeiros dentinhos nascerem, os primeiros passos, as primeiras palavras... Principalmente as primeiras palavras! Porque depois eu veria que tudo havia valido a pena. Eu não podia deixar de evitar isso, evitar a falta que eu sentia de coisas que nunca existiram para mim. Você já sentiu isso, falta do que nunca existiu? Pois é, eu também não sabia que isso era possível.
- Desculpe, – ela pediu abaixando o olhar para suas mãos que brincavam distraidamente com a minha, por breves segundos – sei o que está pensando, eu falei sem pensar, me desculpe.
- Qual foi a primeira coisa que ela disse? – perguntei e ela sorriu de lado.
- A maioria das pessoas que conhecemos, acham que ela chamou pela minha tia, mas não é verdade. Uma semana antes disso, por incentivos da ... – riu fraco – Ela chamou pelo pai, chamou por você!
- Não está me dizendo isso só para que eu me sinta melhor, não é? – comprimi os olhos.
- Por que eu faria isso? – piscou esperando por uma resposta.
Eu senti um frio na barriga e um sorriso se formar em meus lábios, apenas levantei os ombros levemente. De alguma forma, ouvir isso realmente fez com que eu me sentisse melhor. Já estava cansado de ficar sentado naquela posição e minhas costas começaram a reclamar, estou ficando velho tão rápido assim? Joguei o corpo para trás, me deitando de costas no chão e me olhou sobre o ombro.
- Gostei de ouvir isso, – admiti e riu, deitando-se da mesma forma ao meu lado e eu puxei sua mão pra cima do meu peito, começando a acariciar a palma da mesma – e tudo bem, eu quero ouvir mais histórias como esta, a ideia de ser pai, principalmente por ser , por ser você... Está me parecendo ótima.
- Mesmo... – ela hesitou por um momento e se virou para mim, me olhando com ternura – Mesmo depois de tudo ?
Talvez ainda mais depois de tudo, pensei, mas isso eu não quis admitir. Mais uma vez eu estava nas mãos dela, ou talvez nunca deixei de estar. Abaixei meu olhar, toquei as pontas de seus dedos com os meus e os deslizei até metade de seu antebraço, sorri por um momento por ela ter se arrepiando, mas logo franzi o cenho ao perceber uma marca roxa em seu pulso.
- , o que é essa... Como... – comecei tentando escolher as palavras e ela se soltou de mim, tornando a deitar de costas e puxou a manga da camisa para cima.
- Eu sou tão descuidada, – riu e tirou o celular do bolso, que começava a tocar, o deixando na altura do rosto – não se preocupe com isso. É a , vou colocar no viva-voz, ok? – ela não me deu nem tempo para responder e atendeu a ligação – Oi amor.
- Amor é o cacete , você não vem pra casa? – ouvimos falar, riu e eu não tive como não acompanhar.
- Nossa, eu também estou sentindo a sua falta, priminha linda do meu coração! – riu – Diz oi para o .
- Oi , como vai a vida?
- Bem, e a sua?
- Também. Recebeu a minha mensagem? – ela perguntou e me olhou com o cenho franzido, como se me questionasse.
- Recebi – eu sorri.
- Ok, beleza, chega, desde quando vocês dois ficam trocando mensagens? Eu hein... – comprimiu os olhos e nós rimos – Sai daí , quero falar com a pequena.
- Ih, chata! – riu.
Ouvimos um murmúrio do outro lado da linha.
- ? Mãe? – a voz de soou e eu senti um sorriso involuntário brotar em meus lábios.
- Hey pequena – eu disse.
- Oi minha princesa, está tudo bem por ai?
- Está sim, adivinhem o que eu estou fazendo? – a menina perguntou e e eu nos entreolhamos sorrindo, dei de ombros.
- Ahm... Assistindo um filme bem legal e comendo porcaria? – arriscou.
- Não, jogando videogame com o ! – ela disse toda empolgada e nós nos entreolhamos mais uma vez.
- O ? – indaguei.
- Aham, – a menina disse e nós rimos – a tia queria mandar ele embora, mas ele trouxe doces...
- Doces, sempre o nosso ponto fraco! – me disse bem baixinho, quase num sussurro, sorrindo.
- Ai ela deixou que ele ficasse.
- Então aproveita bastante pequena – eu disse me aproximando mais de .
Eu a puxei delicadamente, passando um braço por seus ombros e outro por sua cintura, colando nossos corpos, fazendo com que ela apoiasse a cabeça em meu ombro.
- É, porque amanhã tem aula – completou e a menina suspirou.
- Tudo bem... Mas mamãe, você vem pra cá hoje?
- Não, – eu disse antes de pensar em abrir a boca, e ela me olhou com as sobrancelhas arqueadas – está muito tarde.
- Mas eu tenho que trabalhar.
- Você não pode ir depois do almoço? Assim nós três podemos pegar o exame com mais calma – expliquei.
- Na verdade eu posso, tenho horas positivas daquele dia da reunião. – ela sorriu e tornou a atenção ao celular – Então é isso filha, hoje eu não volto pra casa da sua tia, você vai pra escola amanhã e e eu vamos te buscar mais tarde, ok?
- Ok, então tch... Ah, a tia quer falar com você.
- Boa noite meu anjo, manda um beijo para o . – disse se aconchegando mais a mim – Eu te amo.
- Eu também... Ahm, boa noite .
- Boa noite – eu disse e ouvi um riso baixo antes de um barulho tomar conta da ligação.
- Oi, oi, pronto! – disse rindo.
- Está se divertindo bastante com o ai, prima? – alfinetou.
- Cala a boca! – ela repreendeu e nós rimos – Não , é sério, tenho uma coisa muito importante pra te contar.
- Pois conte – ela disse entre um bocejo.
- Tem certeza? Assim, no viva-voz, em inglês e tal...? – ela disse com tanta cautela que eu até estranhei.
- Tenho, pode falar – deu de ombros.
- Ok, eu acabei de checar meus e-mails e adivinha... – começou e apenas murmurou para que ela continuasse – Tinha um da minha mãe, perguntando mais de você do que de mim, da própria filha! Acredita numa coisa dessas?
- E como estão as coisas por lá?
- Está tudo bem, minha mãe disse que está com saudades de nós, de mim, mas não da minha preguiça para arrumar a casa. – ela disse e nós rimos mais uma vez – Mas enfim, ela disse que seu pai foi procurá-la, que lhe fez algumas perguntas um tanto quanto vagas sobre você, depois mudava de assunto, mas sempre voltava em e você. De novo, como daquela última vez.
- Você acha que ele precisa de algo? Sua mãe disse mais alguma coisa? Talvez ele precise de dinheiro ou sei lá...
- Você sabe o que ele quer! – disse e respirou profundamente – Ele está ficando velho, não quer mais ficar sozinho, quer te ver, conhecer .
- Ah , eu não sei se...
- , por favor, – ela a interrompeu, levantou seu olhar para mim e balançou a cabeça levemente em negação, então eu permaneci em silêncio – fala pra ela parar de ser cabeça dura e dar uma chance pra ele? Poxa , é o seu pai.
- Podemos falar sobre isso depois? – ela perguntou para a prima, que suspirou.
- Ok.
- Beijo – ela disse e desligou.
O silêncio tomou conta de nós por alguns longos minutos, mas não era um silêncio incomodo, eu estava gostando de sentir a sua presença, o seu corpo quente contra o meu. Em alguns momentos eu pensava sobre o que havia contado pelo telefone, mas nisso eu já não posso tentar interferir, podia? Afaguei seus cabelos.
- Tudo bem? – perguntei num tom baixo.
- Tudo. – ela disse da mesma forma – Você acha que ela tem razão? Acha que eu estaria fazendo a coisa certa se voltasse ao Brasil por ele... Não para morar, claro, mas para vê-lo?
- Eu não sei , – eu disse e ela se soltou um pouco de mim, deitando de barriga para baixo, apoiando os cotovelos no chão, me olhando – a conhece seu pai, sabe como foi, como é a sua relação com ele, mas na verdade, só você sabe se seria certo encontrá-lo. Todo mundo merece uma nova chance – dei de ombros.
Ela comprimiu os olhos, parecendo ponderar em relação as coisas que eu disse, mordeu o lábio inferior e riu fraco.
- Bom argumento. – disse apoiando o queixo em uma das mãos – Mas então, parece que eu vou passar a noite aqui, não é?
- Sim, – eu sorri – e nem pense em fugir!
- Não vou – ela disse passando as mãos pelos olhos.
- Quer subir?
- Não, está bom aqui! – choramingou deitando a cabeça sobre meu peito e eu ri – Até o chão da sua casa é confortável.
- Tecnicamente falando, você está praticamente deitada em cima de mim, – eu disse e ela gargalhou – então não é o chão que é confortável.
- Mas ainda assim estou com preguiça de levantar. – disse entre risos – Podemos ficar aqui só mais um pouquinho?

- Ei, eu te procurei por todo canto! – ela me olhou pela janela aberta do carro com o cenho franzido e abriu a porta do mesmo – Sério que você esteve aqui esse tempo todo?
- Talvez... – dei de ombros.
suspirou e entrou no carro sentando-se no meu colo, com uma perna de cada lado de meu corpo, me deixando com uma bela visão de suas coxas, já que ela estava de vestido. Um vestido muito bonito, diga-se de passagem. E fechou a porta.
- Ok, – ela estalou os dedos frente ao meu rosto, fazendo com que eu a encarasse – o que aconteceu?
- Você está tão linda.
- E você, está bêbado? – franziu o cenho e eu ri.
- Não.
- Então o que foi? A festa está chata? Não se preocupe, está quase acabando.
- Estou cansado, só isso – eu disse passando uma das mãos carinhosamente por sua perna descoberta.
- Ah, que pena, – fez bico – eu estava te procurando justamente pra te chamar pra dar o fora daqui e ir fazer alguma coisa mais, ahm, interessante... – ela disse aproximando seu rosto do meu e subindo as mãos lentamente pelo meu peito, mas quando eu tentei avançar contra seus lábios, ela se afastou – mas você está cansado, não é?
- Ah, para com isso e vem cá – eu ri e a puxei pela nuca, colando nossos lábios. Logo senti sua língua quente em contato com a minha e seu gosto me invadir, subi uma das mãos para dentro de seu vestido enquanto entrelaçava a outra e seus cabelos.
- NÃO! – ouvi alguém praticamente gritar em meus ouvidos e então nós nos separamos. Era , nos olhando com cara de nojo enquanto e , na entrada da casa alugada, se acabavam de rir – , não com a minha maninha, não no meu aniversário, muito menos no meu carro!
- Nós não estamos fazendo nada de mais , eu juro – disse o olhando com cara de cachorrinho abandonado.
- A mão dele está debaixo do seu vestido ! – ele a repreendeu e ela deu um tapa em minha mão, a afastando dali e me encarou com os olhos arregalados, segurando para não rir – Pouca vergonha...
- Ah , tchau! Vai curtir o final da sua festa – ela rolou os olhos subindo o vidro e abaixou o pino, trancando o carro.
- Eu não posso ver isso – ele balançou a cabeça negativamente e nós rimos enquanto ele voltava pra dentro da casa.
- Onde estávamos? – sorri malicioso e ela riu se aproximando mais uma vez, roçando seus lábios aos meus.
- No nada de mais – ela sorriu da mesma forma.
- Podemos pular essa parte então?
- Com certeza.


Senti que ela tentava sutilmente se desvencilhar de meus braços e abri os olhos com um pouco dificuldade, minhas pálpebras estavam pesadas e quando consegui enxergá-la, ajoelhada de frente para mim, ela passou uma das mãos sobre meu rosto e pousou o dorso da mesma sobre minha testa.
- ? – chamou baixinho, começando a se levantar.
- Não, fica aqui, está frio.
- Você está com febre.
- Não...
- Vem, levanta do chão. – ela disse e eu me levantei bem devagar, rumando em direção ao sofá, mas ela envolveu seus braços em minha cintura, me fazendo parar – Não, não, para o quarto! Eu te acompanho.
Coloquei um dos braços sobre seus ombros e passei a mão livre pelo meu rosto, tentando ficar mais atento aos degraus da escada. abriu a porta do quarto e nós entramos, acendi a luz do abajur, me deitei e ela se sentou ao meu lado, na beira da cama com um olhar preocupado. Passou a mão suavemente pelo meu rosto mais uma vez e suspirou.
- Você não se cuidou nem um pouquinho, não é? Desde aquele dia...
- Não é verdade, – eu a interrompi segurando sua mão sobre meu peito – eu tomei uns remédios ai, mas não adiantaram de nada.
- Ok, mas nós precisamos de um para baixar a sua febre, então – ela disse olhando em volta – onde ficam os remédios?
- Não ficam. – eu disse e ela me olhou com as sobrancelhas arqueadas – Não tenho mais remédios aqui.
- E agora? – ela perguntou ainda com aquele olhar preocupado e eu levantei levemente os ombros – Desculpe, se você está assim é por minha causa.
- Eu vou ficar bem.
- Descanse, porque amanhã... – ela disse, se levantando e soltou da minha mão, tirando o celular do bolso – Aliás, hoje nós vamos sair mais cedo e passar no hospital antes de fazer qualquer coisa.
- Você, por acaso, sabe o quanto eu estou evitando ir ao médico? – eu rolei os olhos e ela riu.
- Mas você está doente e vai, querendo ou não! – ela disse e eu sorri – Percebi que de vez em quando você sente falta de ar.
- Você vai ficar aqui e cuidar de mim, não vai? – perguntei puxando os cobertores para me cobrir e me afastei para o outro extremo da cama, lhe dando espaço.
- , eu não...
- , eu estou doente, vai mesmo me negar isso? – perguntei em falsa incredulidade e ela gargalhou – Só estou pedindo para você se deitar aqui ao meu lado, nada de mais.
- Você é tão dramático – ela bocejou entrando debaixo dos cobertores, deitando-se de lado, ficando de frente para mim.
- Só um pouco – sorri e coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha, piscou profundamente enquanto eu acariciava seu rosto e suspirou.
- Você está acabando com o pouquinho que ainda resta do meu estoque de autocontrole – ela me olhou e eu ri fraco.
- Não estou fazendo por mal, juro.
- Eu sei.
- Mas posso ir para o outro quarto se quiser.
- Esse que é o meu maior problema, – ela disse e eu franzi o cenho – eu não quero. Sei que não é certo, sei que não posso, mas quero ficar com você.
Suspirei.
- , não é errado! Está me entendendo? – eu disse pausadamente, ela franziu o cenho mordendo os lábios – Vai adiantar eu perguntar por que você não pode? Por que não pode fazer o que realmente quer sem que se sinta tão culpada?
- Porque Robert te odeia? – sugeriu arqueando as sobrancelhas – Ou talvez porque é com você que eu tenho uma filha, ou porque foi com você que eu o traí e é na sua cama em que eu estou deitada neste exato momento...
- Mas não estamos fazendo nada – tentei argumentar.
- Mas não muda a situação de que uma noiva está na cama com um cara solteiro. – ela disse e eu comprimi os olhos, refletindo sobre isso – Sim, eu me sinto culpada, pois não consigo evitar algumas situações, – e deu uma risada contida – pois estou reclamando, mas continuo aqui... No mesmo lugar.
Ela me olhou confusa com seus próprios pensamentos e ruborizou.
- Eu sou tão idiota – ela fechando os olhos com força, levou as mãos ao rosto e eu gargalhei a abraçando.
- Não, você não é. – eu disse entre risos, a trazendo para mais perto de mim – Na verdade, acho estamos evoluindo.
- Hã? – descobriu o rosto e me olhou – Como assim?
- Pra quem me escondia um monte de coisas e não queria nem dizer que é minha filha, você está se saindo muito melhor – eu disse calmamente com o olhar fixo em seus lábios, que estavam tão próximos.
- É?
- Aham – murmurei e selei rapidamente meus lábios aos seus.
- , você, por acaso, realmente ouviu alguma coisa do que eu disse? – ela disse de um jeito divertido.
- Desculpe, mas você já acabou com o meu estoque de autocontrole faz tempo.

Capítulo 17 - Está difícil respirar aqui!


Acordei com a respiração curta e incomodado pelo frio que sentia, sem dúvidas, eu ainda estava febril e mesmo não querendo soltei de meus braços, a aconchegando entre os cobertores e me levantei, rumando para o banheiro. Fiz minha higiene matinal – bem lentamente, quase parando, mas fiz – e encarei meu reflexo no espelho por alguns segundos, cabelo de qualquer jeito, barba rala já começando a aparecer e um pouco pálido. Eu estava com uma aparência ruim, não estava horrível, mas poderia estar melhor. Balancei a cabeça negativamente afastando meus pensamentos inúteis e procurei no gabinete por uma escova de dente que eu havia comprado da última vez que fui ao mercado, ela ainda estava na embalagem, então a deixei sobre o lavatório. Sai do quarto e desci as escadas, peguei as roupas secas de na lavanderia e passei, eu queria ter feito melhor, mas definitivamente não nasci pra passar roupa, então fiz o que pude e tornei a me arrastar escada à cima. Fiz tudo isso bocejando a cada cinco minutos e piscando pesadamente. Quando cheguei ao quarto, ainda estava dormindo, deitada de lado com uma expressão calma em seu rosto. Coloquei suas roupas no banheiro junto à escova de dente que havia separado especialmente para ela e voltei para o quarto, me sentado na beirada da cama, próximo ao seu corpo.
- ? – chamei pousando uma das mãos sobre seu braço e ela se mexeu, deitando-se de barriga para cima – Acorda, temos que ir.
- Aham – ela murmurou ainda de olhos fechados e eu não pude deixar de sorrir.
Quando é que eu poderia imaginar essa situação?
Tive que lutar arduamente contra a minha imensa vontade de tornar a me deitar na cama com ela. Não gosto de nem um pouco de hospital, sempre evito o máximo que posso, mas já estava começando a ficar preocupado com tudo aquilo que vinha sentindo de uns dias pra cá. E bem, agora eu tenho uma filha para cuidar, se não eu fosse agora, não iria nunca ao médico.
- É sério, , acorda. – disse deitando a cabeça sobre sua barriga e logo senti seus dedos se perderem em meus cabelos.
- Aham – repetiu.
- Vamos, já está ficando tarde! – disse entre um bocejo aproveitando o cafuné que ela fazia em mim – Nós temos que ir ao hospital, buscar na escola e depois os resultados do exame.
- Só mais dez minutos – ela disse baixinho e eu me levantei relutantemente.
- Tem certeza de que vai trabalhar hoje?
- Aham – murmurou de novo, mas dessa vez se levantando e eu ri.
Ela parou de frente para mim me olhando com os olhos miúdos de sono e me aproximei, tentando selar seus lábios aos meus, mas ela se afastou.
- Está ficando maluco? – perguntou com a voz um tanto rouca e eu ri.
- Não custa tentar. – dei de ombros e beijei sua testa – Bom dia.
- Bom dia – ela sorriu de lado.
- Suas coisas estão no banheiro – eu disse e ela assentiu, se afastando.
foi direto para o banheiro e eu fui para o closet, coloquei uma calça jeans escura, camiseta branca, uma camisa quadriculada azul e por cima uma jaqueta de zíper e capuz preta, sai do quarto enfiando as meias e os tênis pretos nos pés e desci novamente as escadas. Juro que um dia eu ainda terei uma casa, ou um apartamento, plano, sem escadas. Sério, estou tentando deixar de ser sedentário, mas escada é realmente uma porcaria.
- E ai amigão! – eu disse para Snoop enquanto ele se levantava preguiçosamente de sua almofada e começou a me seguir.
Entrei na cozinha um pouco ofegante, mas resolvi ignorar esse fato. Peguei as correspondências que Poppy havia trazido ontem, as deixando sobre a bancada e coloquei ração para o Snoop. Abri alguns armários, puxei a caixa de cereais e duas tigelas, abri uma das gavetas, pegando colheres e a caixa de leite na geladeira, por fim coloquei tudo sobre a bancada e me sentei de frente para a mesma. Preparei meu “café da manhã” e enquanto comia conferi as cartas.
Jornal pra ajudar a limpar as sujeiras do Snoop, propaganda dos cartões, mais propaganda, cobrança, carta encaminhada da casa da minha mãe, propaganda, minhas revistas. Uma sobre música, instrumentos e outra de...
- Revista de mulher pelada ? – ouvi dizer e pulei de susto jogando a revista pela janela. Ou melhor, na janela – Por que você fez isso? – perguntou com o cenho franzido, mas se esforçava para não rir.
- A Poppy está fazendo um ótimo trabalho, você não acha? Poderia jurar que a janela estava aberta – eu disse balançando a cabeça negativamente e ela gargalhou.
- Ok, nem vou comentar sobre isso! – ela disse com um sorriso divertido no rosto e se sentou ao meu lado – Então, está se sentindo melhor?
- Não sei, acho que um pouco – eu disse empurrando a tigela para ela, que passou a se servir.
- Sua respiração está alta – ela disse me encarando com um olhar preocupado e eu pigarreei.
- Eu estou bem.
Tentei normalizar minha respiração e tornei a atenção para as correspondências. Juntei todas as cartas de propagandas inúteis, as rasguei e enquanto eu abria outra revista – aquela de classificação livre –, pegou a carta que viera encaminhada.
- Este aqui não é o brasão do nosso antigo colégio?
- É, pode rasgar – dei de ombros.
- Por quê?
- É bobeira – fiz careta e ela rolou os olhos sorrindo.
- Vou abrir, se você não se importar claro. – disse e eu dei de ombros mais uma vez voltando minha atenção para a minha revista e o meu cereal – É um convite para a reunião de ex-alunos.
- Eu sei, eles fazem isso quase sempre – eu disse de boca cheia sem tirar os olhos das páginas da revista que até estava interessante nessa semana, eu precisava mesmo comprar umas coisas novas.
- E você foi alguma vez? – perguntou e eu balancei a cabeça em negação – E os meninos?
- Também não. Nunca.
- Por que não?
- Porque é só uma reunião idiota.
- Como sabe que é idiota se você nunca foi? – ela perguntou, franzi o cenho e tive que encará-la, ela estava com uma das sobrancelhas arqueada, com um olhar esperto, assim como sua pergunta.
Não é que fazia sentido?
- Filmes! – dei de ombros e ela riu.
- Para de imitar a !
- Mas é verdade! Estou aprendendo muito com ela – eu sorri.
- Ah é?
- Você sabe, as líderes de torcida e os gostosões, estão todos gordos, aparentando serem mais velhos do que são, com cabelo e pele ruim, e são todos empregados dos nerds e dos que eram metidos a músicos...
- Suas reflexões me deixam realmente impressionada! – disse entre risos – Mas é sério, por que vocês nunca foram?
- Ou tínhamos coisa muito melhor pra fazer, ou era pura preguiça, ou simplesmente não tínhamos vontade de olhar pra cara daquelas pessoas. – eu disse enumerando as opções nos dedos – Não tinha ninguém que nós quiséssemos reencontrar daquela época, a não ser você, claro.
- Hm – ela murmurou e abaixou o olhar.
Então um silêncio estranho e incômodo, pelo menos para mim, pairou no cômodo. Ela quer ir? Tipo, é sério mesmo que ela que ir para aquela reunião de ex-alunos idiota onde só tem pessoas hipócritas e... É sério mesmo?
- Quer ir? – perguntei e ela me olhou – Eu convenço os dudes e então podemos ir todos juntos.
- Seria ótimo.
Ela sorriu e tornou a atenção a sua tigela de cereal deixando que um silêncio bem mais confortável se instalasse entre nós, cada qual com os seus pensamentos. Quando terminamos, se certificou mil vezes de que estava com o celular e as chaves de sua casa no bolso do moleton – provavelmente para não correr o risco de desencadear uma futura briga com o noivo –, e por fim pegou o seu cachorro de pelúcia, que tinha passado a noite no sofá. Eu peguei as minhas coisas, carteira, chave do carro e etc. Deixamos o apartamento e enquanto apertava o botão para chamar o elevador, coloquei o capuz trancando a porta, me postei ao seu lado e então o elevador se abriu, revelando três pessoas, que para mim, era muita surpresa estarem ali, principalmente pelo fato de ser tão cedo num dia de semana.
Vêm cá, vocês não trabalham mais?
- Bom saber que ainda estão aqui. Precisamos conversar – disse séria, olhando de cima para , com uma das mãos na cintura.
- O que houve? – ela arregalou os olhos – É a ? Cadê a minha filha? O qu...
- Pode ficar calma disse segurando a porta do elevador com a maior cara de sono.
- Não é nada com a , – completou sorrindo para a prima, que suspirou aliviada – eu já a deixei na escola.
- Ai, que susto ! – ela disse repreendendo a amiga com o olhar – Não se diz coisas assim para uma mãe que não está com a cria por perto. Quer me matar do coração?
- Sem querer ser grosso, mas o que vocês estão fazendo aqui? – perguntei – Não deviam estar trabalhando?
- A nos sequestrou – disse entre um bocejo, coçando os olhos – para chegar até a .
- Mas hein? – franzi o cenho.
- Se não é nada com a , então qual é o problema? – perguntou me puxando e empurrando as outras três de volta pra dentro do elevador – Não me lembro de ter feito nada de errado .
- Ah é? – cruzou os braços a olhando com as sobrancelhas arqueadas.
Eu pude sentir uma pontinha de sarcasmo na voz de e como não estava entendendo nada, apertei o botão para o estacionamento subterrâneo e coloquei as mãos nos bolsos, me encostando num canto do elevador, ficando na minha só para ver no que aquela conversa muito estranha ia dar.
- É.
- Por que eu sou sua amiga e você é minha, não é?
- É – repetiu comprimindo os olhos e olhou para a prima, como se a questionasse sobre o que estava acontecendo e a outra apenas levantou levemente os ombros.
- Então por que diabos, você não me contou sobre ser filha do ? – ela disse e começou a rir.
- É brincadeira isso, não é? – perguntou entre risos, mas continuou séria, então ela cessou o riso aos poucos e arregalou os olhos – Espera, é sério?
- Parece que sim – disse baixinho atrás da prima.
É impressão minha ou o espaço nesse elevador está ficando cada vez menor?
- , você está brava comigo por isso, é sério mesmo? Amiga, está tão difícil de acreditar...
- Claro que estou! Por que não me contou? Eu não era confiável para guardar esse seu segredo internacional? – ela gesticulou exageradamente – Quando eu te conheci você disse que o pai dela era só um cara e não que era ! – e apontou o dedo no meu rosto.
Ok, minha respiração começou a ficar pesada mais uma vez e a falando daquele jeito, roubando todo o ar daquele cubículo só pra ela não estava ajudando nem um pouco.
- Eu não tinha contado nem pra ele, que era quem mais importava nessa história toda...
- Então agora eu não sou importante?
- Não coloque palavras em minha boca ! Se eu não te contei é porque certamente eu tive uma razão para isso.
- Caralho, está difícil respirar aqui – eu disse um pouco ofegante e fechei os olhos encostando a cabeça no espelho atrás de mim.
- É, o clima está meio tenso – disse.
- Não, está difícil mesmo – eu disse e puxei a maior quantidade de ar possível.
- Ai, meu Deus!
- Respira !
- O que ele tem?
- ? – senti a mão dela sobre meu peito e a encarei, vendo três pares de olhos preocupados atrás de , mas foquei apenas nos dela – Calma...
- É, não morre! – ouvi dizer e eu poderia rir se estivesse em melhores condições.
- Concentre-se somente em sua respiração e em mais nada – completou.
Assenti com os olhos cravados nos dela e tentei me estabilizar, sem ouvir nem mais um ruído a não ser o som da minha respiração, sentindo sua mão subir e descer junto ao meu peito.
- Ahm... Pronto? – ela sorriu meigamente e eu vi as portas do elevador se abrirem, então puxei a chave do carro do meu bolso.
- Acho melhor outra pessoa dirigir até o hospital – eu disse e ela olhou da chave para a prima.
- ?
- Não tirei carta nem no Brasil, esqueceu? – disse dando um passo para trás.
- Ah é. ?
- Tem certeza de que quer confiar em mim pra isso? – ela fez careta – Eu nem acordei direito ainda.
- ?
- Está me achando com cara de chofer? – perguntou com cara de poucos amigos, segurando a porta do elevador.
- Por favor, , o está doente, você vai mesmo negar isso a ele? – usou o meu argumento da noite que se passou e eu sorri de lado. Boa garota.
- Mas é só porque ele está precisando – ela disse puxando a chave da minha mão – e porque vocês são três inúteis.
- Ei! – reclamou enquanto nos saímos do elevador – Você saiu por ai sequestrando pessoas, não está em posição de julgar ninguém...
apertou o botão de destravar o carro e ele piscou no final do estacionamento subterrâneo, as meninas foram na frente brigando com por várias coisas.
Por tê-las sequestrado sem dizer o verdadeiro motivo, por estar brigando com , mas acho que principalmente por tê-las chamado de inúteis. Eu ri fraco, ainda tomando cuidado com a minha respiração e passei um dos braços pelos ombros de , que andava lado a lado comigo.
- Ela vai superar – eu disse me referindo a .
- Claro que vai, mas antes ela vai é me fazer um interrogatório assim que tiver a chance, pra saber tudo o que aconteceu antes de me conhecer e tentar entender porque não contei a ela sobre isso. – deu uma risada contida e me olhou – Você está bem?
- Vou ficar – sorri.
se soltou de mim e nós entramos no carro. Assim como combinado ficou como motorista, no banco da frente, e então no banco de trás ficamos, , e eu, exatamente nessa ordem.
- No hospital de sempre ? – perguntou me olhando por cima do ombro enquanto dava a partida e eu apenas assenti.
- Não pense que se livrou, viu mocinha? – disse olhando para pelo retrovisor – Tenho muitas perguntas para te fazer ainda.
- Ninguém quer trocar de lugar comigo? Fiquei bem na linha de tiro – disse e nós rimos.
Por toda a viagem ficamos todos em silêncio, até que já praticamente na entrada do hospital eu vi pegar o cachorro de pelúcia que carregava consigo até então e balançou o mesmo no ar, olhando para a prima com as sobrancelhas arqueadas, a questionando.
- Para! Ele é meu. – ela disse baixinho pegando-o de volta de um jeito quase que infantil e eu sorri comigo mesmo.
Assim que estacionou o carro, nós cinco saltamos do mesmo e fomos direto para a entrada, ao balcão de recepção do hospital. Era costume ir até aquele hospital em especial e na maioria das vezes eu passava com o mesmo médico. Confiabilidade, talvez. Tem muitas coisas que faço e muitos lugares que vou que são sempre os mesmos pelo mesmo motivo. Preenchi uma ficha padrão que seria encaminhada para o clínico geral, então a moça da recepção pediu para que nos sentássemos na sala de espera que logo o médico chamaria por mim e assim fizemos.
- Estou com fome – disse, sentada ao meu lado, depois de alguns minutos de espera.
- , para de reclamar! – disse empurrando a amiga levemente pelo ombro – Desde quando te peguei na sua casa eu só ouço “blá blá blá, , sua vadia, eu estou com sono e com fome” e “blá blá blá, para na Starbucks, me leva de volta pra casa, sua vaca”.
- Eu não estaria reclamando se você não tivesse me acordado de madrugada falando que algo grave tinha acontecido – ela cruzou os braços.
- Desde quando oito horas da manhã é de madrugada? – perguntou e todos nós rimos, exceto .
- Ainda assim estou com fome, sua vaca! – fez careta a jogou as braços pesadamente sobre o colo diante do xingamento – Não deu pra tomar café, porque o estava dormindo.
- Desculpa ai, senhora que ganha café na cama do namorado – riu levantando as mãos na altura dos ombros.
- Não é isso, é que quando eu não tomo café fico parecendo um zumbi, andando de um lado para o outro. – gesticulou – Fora que fui dormir tarde.
- Ui, a noite foi boa – comentou fazendo as meninas caírem na gargalhada.
- ! – a repreendeu entre risos – Não fala dessas coisas perto do .
- Ok, como se ele fosse muito virgem... – ela ironizou rolando os olhos e as meninas riram novamente – Mas diz ai , você que entende do assunto! O é ou não virg... Outch! – reclamou depois do belo tapa na perna que recebeu da prima.
- Não me envolve – disse séria, porém com as maçãs do rosto rosadas e eu ri.
- Eu estaria curtindo muito mais essa conversa se nós não estivéssemos num hospital – eu disse entre risos passando uma das mãos pelo rosto, sentindo a barba rala e me afundei na poltrona verde em que estava sentado – Mas eu sei que é hora da fofoca, então finjam que não estou aqui, beleza?
- Não é fofoca, só estamos colocando o assunto em dia – sorriu dando de ombros.
- Mas isso não é assunto pra se ter num hospital. – disse calmamente e se virou para a prima – , eu sei que o tempo que você passou com o ontem lhe causou alguns efeitos, mas tem que se controlar prima.
- Você esteve ontem com o ? – perguntou entre risos e devolveu o tapa na perna da prima – Ok produção, agora todos os holofotes apontados para a .
- Agora eu entendi o porquê de ele não ter atendido nenhuma das ligações do disse comprimindo os olhos.
- Gente, a está querendo criar caso, – ela disse olhando feio para a prima, que tentava reprimir o sorriso – ela sabe que eu estava cuidando da , que ele só quis ser legal e levou uns doces pra ela.
- É, ele faz mesmo o tipo de cara que leva doces para as crianças só para ser legal – disse e todas riram, mas logo cessaram quando a porta do consultório fora aberta, revelando um senhor baixo e grisalho de jaleco branco.
- – ele disse e eu me levantei tirando o capuz.
- Tchau me mandou um beijo no ar.
- Boa sorte – disse.
- A gente vai aproveitar e ir à cantina do hospital comer alguma coisa – disse já se levantando e eu assenti passando uma das mãos pelo cabelo, o bagunçando totalmente sem nem me preocupar com isso.
acenou, apenas sorriu de leve e eu retribui, então segui para dentro do consultório e fechei a porta atrás de mim, me sentando de frente para o doutor que parecia analisar os papéis sobre sua mesa, provavelmente a minha ficha. Ele levantou seu olhar curioso para mim e deixou os papéis de lado.
- E então , me conte como você está.

’s POV.

Depois que entrou no consultório as meninas se levantaram e eu, sabendo o que estava por vir, permaneci sentada a fim de esperar por ele, fugir das perguntas de e da pressão psicológica de . Enquanto elas já iam andando, eu cruzei as pernas apoiando um dos cotovelos sobre o braço da poltrona e levei o dedo à boca, mordendo a ponta da unha, olhando para o chão. Resumindo: Disfarçando muito mal.
- ? – chamou e eu levantei o olhar.
- Oi?
- Oi , tudo bem? – sorriu sarcasticamente. Ela devia estar louca para me ver numa encruzilhada de perguntas e claro, com o meu terrível talento em não saber contar mentiras isso não acabaria bem. Pelo menos não para mim.
- Vamos logo zinha linda, cunhadinha, eu estou com fome! – choramingou mais uma vez e fez bico.
- Vocês podem ir, eu vou ficar aqui e esperar – eu disse abanando o ar casualmente.
- Ah vai, aham! – fez careta vindo em minha direção, pegou em meu braço e começou a me arrastar pelos corredores do hospital. Minha amiga é um amor, a delicadeza em pessoa, eu sei. Mas me deixei ser levada por ela sem nem ao menos prestar atenção nos caminhos que havíamos tomado até chegar à cantina do hospital.
Como eu não estava com fome... Aliás, como eu estava um tanto ansiosa e não conseguiria comer muita coisa naquele momento, então apenas pedi para que me trouxesse uma barrinha de chocolate e me sentei em uma das mesas da cantina analisando minhas unhas, esperando pelas meninas, que logo se sentaram junto a mim com seus lanches e latinhas de suco.
- Nós já estamos prontas, pode começar a falar – disse abrindo sua latinha de suco e eu franzi o cenho rindo.
- Falar o que? – perguntei pegando o chocolate que minha prima me estendia, mas não para adiar o assunto – Pode ser um pouco mais específica?
- Ok, na verdade, tem apenas duas coisas das quais eu realmente quero saber. – e me olhou – Primeiro, por que não me contou?
- Naquela época você não estava namorando o e os meninos já faziam sucesso aqui na Inglaterra, – dei de ombros – achei que se te contasse que tenho uma filha com , – dei ênfase lembrando-me do modo como ela tinha falado no elevador – você pensaria que eu era uma fã maluca querendo se aparecer ou sei lá...
- Só eu e a minha mãe sabíamos quem era o pai de . – disse ao meu lado enquanto eu abria e colocava um pedaço de chocolate na boca – Todas nós concordamos que seria melhor manter isso em segredo para que ele não recebesse a notícia de uma pessoa que não fosse a , já que ele é uma pessoa pública...
- Sinto muito se ficou chateada, mas o meu primeiro pensamento era tentar esquecer, entende? – eu disse encolhendo os ombros. que até então comia seu lanche silenciosamente, sorriu de leve ao meu lado e acariciou meus cabelos – Deixar tudo como estava mesmo e ser mãe solteira.
- Para com isso e olha só pra ela! – ela disse enrolando uma mecha do meu cabelo em seus dedos – , você é uma ótima mãe e afinal fez o que é certo, aproximou pai e filha.
- Não estou chateada, só queria e ter certeza de que o problema não era comigo, – sorriu sem graça e as meninas a fuzilaram com o olhar – mas agora eu entendi e concordo com suas razões.
- Ótimo! – eu sorri – Era só isso? Posso voltar pra sala de espera?
- Não, ainda tenho mais uma perguntinha. – ela disse abaixando o tom de voz e pigarreou apoiando os cotovelos sobre a mesa – O que você está fazendo com o ?
Breve silêncio.
- Como assim? – franzi o cenho.
- Nunca o vi tratar uma mulher assim como te trata... – gesticulou – Ele está apaixonado por você.
- Não, ele não está apaixonado por mim – eu ri incrédula balançando a cabeça negativamente.
- Ah, claro que não. – ela disse dando uma risada contida – Ele completamente apaixonado por você.
- , talvez ele até goste daquela garota de sete anos atrás, – cruzei os braços – mas não está apaixonado por mim.
- Não acredita mesmo nisso, acredita? – ela franziu o cenho.
- Ela não hesitou, não desviou o olhar quando disse – disse e eu levei a mão à nuca, incomodada – porque é nisso em que ela quer acreditar.
Cala a boca e para de ter razão, para de mostrar para todo mundo que você me conhece bem até demais!
- Ele mesmo já me disse que todos os relacionamentos que teve não deram certo, porque nenhuma das garotas com quem esteve era você! – ela disse e eu respirei fundo sentindo palpitações.
Palpitações? Sério coração, agora não é uma boa hora!
- Nós percebemos que ele está diferente, às vezes parece um tanto quanto conflituoso consigo mesmo, perdido em pensamentos – disse se ajeitando melhor sob sua cadeira e assentia a seu lado, concordando – mas a cima de tudo, ele está feliz! Ele está muito feliz, sorrindo todo momento em que voc...
- Vocês já pararam para pensar que talvez ele esteja feliz pela novidade sobre ter uma filha, mas não por mim? – eu a interrompi.
Eu não queria ouvir aquilo e tenho certeza que se fosse em meu lugar, ela colocaria as mãos sobre as orelhas fechando os olhos com força e começaria a cantar uma música qualquer fingindo não ouvir. Era exatamente isso que eu queria fazer agora, mas também não queria fazer papel de tonta e imatura, então desliguei as emoções e me coloquei no modo automático, aquele que ignora e faz com que, se for preciso, as verdades sejam ditas sem sentir ou ressentir.
- Ok , ele está feliz por conta de e sim, ele foi apaixonado por aquela garota de sete anos atrás – tornou a dizer dando de ombros – mas com certeza está se apaixonando por você agora, mais uma vez, seja lá quem você pensa que é hoje.
- O que você está fazendo com ele? – perguntar mais uma vez e eu abri a boca sem conseguir emitir qualquer som – Você está de casamento marcado! , falta quanto tempo?
- Ah, essa eu sei, eu sei! – disse debilmente balançando as mãos no alto – São exatos 27 dias.
As três permaneceram em silêncio me encarando e eu senti que estava diminuindo sob seus olhares questionadores. Ótimo, agora eu sou uma péssima mentirosa e uma traidora que ilude as pessoas. Pessoas no caso . Não estou fazendo nada por mal, ok? O que elas queriam de mim afinal?
- E então? – me incentivou a dizer algo.
- O casamento está marcado – eu disse simplesmente tentando não deixar o tom de dúvida transparecer em minha voz e ouvi suspirar pesadamente ao meu lado. Céus, eu só queria que aquele assunto acabasse logo e dar o fora dali!
- Paciência, fazer o que? vai ter que aprender a lidar com isso – deu de ombros e tomou um pouco de seu suco. Ela gosta de Robert.
- O que? Lidar com isso? – abriu a boca incrédula – Isso é crueldade , ele te ama, tem certeza de que não sente nada por ele? – e me olhou como se suplicasse por um sim. Ela gosta de .
- É óbvio que sente, mas não quer admitir porque “é melhor pra todo mundo”. – disse sarcasticamente fazendo aspas no ar – Mas conta pra elas , por que você não pode desistir desse casamento e deixar o Robert? – disse e mordeu o canto dos lábios, eu a olhei com o cenho franzido, balançando a cabeça quase que imperceptivelmente em negação, querendo que ela calasse a boca de uma vez por todas. Ela gosta de mim.
- Não posso deixá-lo, ele precisa de mim!
- Ele precisa de tratamento! – retrucou com o tom de voz elevado, fazendo com que recebêssemos olhares feios de algumas pessoas que estavam nas mesas a nossa volta.
- Tratamento? – ouvi dizer, mas e eu não quebramos o contato visual.
- O que você pensa que está fazendo? – perguntei em português, aproveitando que somente ela me entenderia.
- Conta pra elas, – ela disse séria – ou senão eu conto.
- , você não pode, você me...
- Prometi que não contaria ao , aos garotos do McFLY e não contei! Ainda estou cumprindo a promessa. – ela disse e eu puxei as mangas da blusa até metade das palmas das mãos, sentindo um frio percorrer por todo o meu corpo – Você sabe que é exatamente por isso que vou embora depois do casamento...
- Eu não quero que você vá – eu disse baixinho.
- Então conte a elas o que aconteceu na Alemanha , é a única coisa que te peço. – disse me lançando um olhar preocupado. Posso dizer seguramente que não gosto nem um pouco desse tipo de olhar – Eu não quero ver minha prima jogar a vida inteira dela no lixo.
- A felicidade de , é isso do que eu preciso e nada mais importa – sorri, mas provavelmente deve ter parecido um sorriso amargo.
Era verdade, mas falando assim soou um tanto quanto... Triste.
- Mas não é justo, você não merece isso.
- Ele prometeu que mudaria e está mudando !
- Você tem que parar de acreditar em todas as promessas que te fazem, – ela disse e eu engoli a seco – não é todo mundo que as cumpre e você sabe muito bem disso.
- Erm... Olá, nós ainda estamos aqui! – disse e eu as encarei – Seria bom se vocês nos incluíssem na conversa.
- O que está acontecendo com vocês? – perguntou.
Suspirei sentindo meus músculos ficarem tensos por estar novamente sob a mira de seus olhares, por pensar naqueles dias que eu queria tanto apenas esquecer e seguir em frente, mas agora estava se tornando cada vez mais difícil. Eu já ouvi em algum lugar que as cicatrizes lembram de que o passado é real e agora estou tirando a prova disso.
Mordi o lábio inferior olhando para cada uma das minhas amigas.
Foi doloroso, mas passou, certo? Acho que já está mais do que na hora de me abrir e mostrar que já superei, que passei por muitas situações difíceis e que sou forte agora.
Olhei para que assentiu me incentivando e suspirei mais uma vez.
- Antes de nos mudarmos para a Inglaterra, Robert e eu fizemos um acordo – eu disse simplesmente sem saber direito por onde começar, essa história é tão longa.
- Hã? – franziu o cenho.
- Eu me casaria se ele me deixasse apresentar ao – tentei explicar.
- Hã? – ela repetiu.
- Espera, apresentar ao é um direito, por que vocês fizeram um acordo? – perguntou – Não estou entendendo nada.
- Começa do começo e para de tremer – disse e só então eu percebi que minhas mãos estavam trêmulas sobre meu colo.
- Ok. – eu disse ajeitando minha postura, tomei um gole do suco de e suspirei, recuperando minha segurança e firmeza – Vocês sabem que Robert e eu nos conhecemos no Brasil, namoramos por um tempo e nós três moramos juntos na Alemanha, mais especificamente na casa da família dele, certo?
- Mais ou menos. – me olhou de um jeito estranho que se eu não estivesse tão tensa, poderia gargalhar – Mas da família dele? Na casa? Tipo, todo mundo junto? – gesticulou.
- Qual é a dificuldade em entender isso? – riu franzindo o cenho pra ela.
- Ah, sei lá... Era tipo, tudo na mesma casa? – ela perguntou novamente e eu ri, conseguindo relaxar um pouco.
- Ai, chega rolou os olhos abanando o ar. br>- Continua ! – disse com um meio sorriso.
- Bem, como eu dizia, morávamos na casa da família, mas a mãe dele não é muito minha fã e me dizia coisas nada bonitas por eu ser brasileira, mãe solteira, não ter contato com meu pai e etc... Por não ser a nora com quem ela sempre sonhou – gesticulei desanimando aos poucos e deixando meu olhar cair sobre a mesa.
- Que vaca! – disse e eu ri fraco. Coitada da vaca.
- Poucas vezes me queixei com Robert, mas nessas vezes ele nunca me dera razão e sempre acabávamos discutindo, então para não afetar nosso relacionamento, passei a guardar alguns sentimentos para mim e ignorar minha querida sogra. – sorri amarelo – Eu não trabalhava, pois Robert não permitia e estudava em casa, nós quase não saiamos e eu sabia que isso não era nada bom e o primo de Robert...
- Que é muito bonito e totalmente diferente de Robert, diga-se de passagem. – comentou fazendo as meninas rirem e eu sorri sem a real vontade de fazê-lo – Desculpe, pode continuar.
- Ele é um doce, também percebeu que não estávamos bem e me ajudou muito, acabou que nós nos aproximamos e Robert não gostou muito, na verdade ele nunca gostou que outro homem se aproximasse tanto de mim, mas implicar com o primo já era exagero! – eu disse coçando a nuca e sem olhar nenhuma delas nos olhos, abaixando cada vez mais o tom de voz, visivelmente incomodada com o assunto – Nós brigamos de novo, mas dessa vez foi diferente, pois ele me fez acusações doidas, gritou... E... É... – estalei a boca em frustração e suspirei olhando para – Não dá.
- Ele ficou com ciúmes do próprio primo? – disse.
- Acho que tem alguma coisa muito errada aqui – começou – esse não é o perfil do
Robert, não consigo imaginá-lo assim...
- Continua , você está indo bem – disse.
- Não, chega , – eu disse sentindo meus olhos arderem – não quero mais ficar me lembrando dessas coisas.
Fiz menção em me levantar, mas ela segurou meu pulso com mais força do que o necessário e eu não pude evitar que um gemido de dor escapasse. franziu o cenho e mais que rápido puxou a manga de minha blusa para cima, revelando a marca dos dedos de Robert em meu pulso, ainda estava um pouco roxo e um tanto dolorido, o bastante para que o olhar de borbulhasse em ódio.
- Aquele filho de uma... – disse entre os dentes – Ele te machucou, !
- Ele te agrediu ? – ouvi perguntar num tom baixíssimo.
- Tem certeza de que estamos falando do mesmo Robert? – riu incrédula – Robert Callagham?
- Não é óbvio ? Ele é doente! – disse tentando manter o tom de voz ainda segurando meu braço e me olhou – , como você ainda se atreve a dizer que ele está mudando?
Puxei meu braço de volta obrigando a me soltar e olhei em volta, me levantando e certificando de que não estávamos falando muito alto e que ninguém estava prestando atenção em nós. Aos meus ouvidos, parecia que estávamos berrando uma com a outra, mas talvez fosse mesmo só impressão minha.
- É melhor assim – eu disse automaticamente.
Sem emoção, sem sentimento. Coisa que aprendi com o decorrer do tempo.
- Ninguém se machuca – completei com o olhar baixo arrumando a manga da blusa e pegando minha barrinha de chocolate sobre a mesa.
- Só você, não é? – ouvi dizer, mas ignorei e dei as costas começando a andar.
Pode me acusar e dizer que fujo das pessoas, das conversas e dos sentimentos, eu já não me importo mais com nada disso. Aliás, eu já não me importo com muita coisa. Eu sabia, tinha certeza de que tinha pelo menos começado a superar, mas parece que não, porque nem sobre isso consigo falar. Talvez a verdade seja que eu não sou tão forte quando gostaria ser, talvez esse seja o meu limite.

Capítulo 18 - Alemanha


Mas, eu estou fazendo a coisa certa, não é?
Ok, eu já começava a ter minhas dúvidas.
Olhei em volta só então percebendo que tinha apertado o passo e começado a perambular sem destino algum pelos corredores brancos e um tanto silenciosos do hospital. Suspirei nervosamente esbarrando em algumas pessoas a procura da saída, eu precisava ficar um pouco sozinha e me sentir calma novamente... Precisava sair daquele lugar imediatamente. Apesar de não ter experiências muito boas em hospitais – assim como boa parte da população do planeta Terra –, o problema não era com o lugar, mas sim comigo. Até mesmo porque me acostumei com lugares como esse, eu estava sempre passando no médico por precaução. Não queria correr o risco de ter um aneurisma assim como minha mãe, já que hereditariedade faz parte do quadro de possíveis causas para a ocorrência do mesmo. Agora eu só precisava de ar puro, depois de seguir a indicação de algumas placas espalhadas pelos corredores, cheguei ao lado de fora do prédio. Respirei profundamente sentindo aquele ar frio bater contra meu rosto e me invadir, coloquei as mãos nos bolsos do moleton e suspirei mais uma vez.
Pronto , vai ficar tudo bem, tudo na mais perfeita ordem.
Olhei para trás agradecendo aos céus por nenhuma das meninas ter vindo atrás de mim. Eu não queria voltar a encará-las ainda hoje, até mesmo porque já devia estar contando tudo o que sabe a elas neste exato momento e isso não era nada bom para mim. Ela não perderia essa chance e eu não posso culpá-la. Mas eu também não podia ir embora dali, não depois de ter de certa forma me acertado com , não podia fazer isso com ele ainda mais hoje por conta do resultado do exame e não podia, de jeito nenhum, fazer isso com . A quanto tempo ela anseia por isso?
Andei até um dos bancos de madeira que ficavam ali por perto e me sentei tentando não me preocupar com o último acontecimento, pois eu acreditava que Robert estava realmente mudando, mas de qualquer forma, agora eu acho que voltei a sentir medo.

- É sério, fazia tanto tempo que eu não me divertia assim... – eu ri.
- Robert tem que parar de ser um idiota e aproveitar o tempo dele com e você.
- Não, ele tem andado ocupado esses dias e um pouco estressado, não é nada demais – eu disse e ele balançou a cabeça negativamente enquanto andávamos lado a lado até a porta principal.
- Eu o conheço melhor do que você, acredite.
Silêncio.
- Eu estou quebrada – eu disse entre risos tentando mudar de assunto e ele sorriu.
- Quer que eu a leve?
- Não, pode deixar – eu disse ajeitando a minha filha entre meus braços.
Quando cruzamos a porta fomos recebidos no hall por minha sogra, que tirou de mim sem dizer uma só palavra ou me olhar. Uma coisa com a qual eu tive que me conformar, ela definitivamente não gostava de mim. E então ela apertou o passo subindo a grandiosa escada revestida por madeira maciça que levava até os quartos. Já estava tarde, então pensei em subir para o quarto também, mas apenas pensei, pois quando dei o primeiro passo Robert apareceu diante de mim.
- E ai, priminho querido? – Robert sorriu estranhamente para o primo que acabava de trancar a porta atrás de nós – Será que eu posso saber onde vocês estavam e o que fazendo?
- Tentando viver – seu primo disse se postando ao meu lado com um sorriso não muito diferente e brincando com o molho de chaves entre os dedos.
Silêncio. Eu franzi o cenho alternando o olhar entre os dois e segurei o suspiro.
- Ahm, eu estou cansada, vou sub... – tentei mais uma vez dar um passo a frente, mas Robert segurou meu braço.
- Não, eu ainda não disse que você pode subir – ele disse a última parte pausadamente desmanchando o sorriso cínico que até então moldava seus lábios.
- Robert, por favor, hoje eu não quero discutir com você – eu disse num tom exausto puxando meu braço para que ele me soltasse, mas Robert só fez apertar ainda mais seus dedos em volta do mesmo.
- Solta ela, cara – disse calmamente, mas Robert ignorou o primo sem desviar seu olhar do meu.
Estranhei o olhar de Robert, nunca o vira daquele jeito antes. Claro que já tivemos discussões horríveis das quais eu não queria nem pensar em tê-las mais uma vez, mas havia uma nuvem negra sobre seu olhar, aquela que não me deixava decifrá-lo e começava a me apavorar levando em conta o fato de ele estar praticamente estraçalhando meu braço.
- Por quê? Por acaso ela é sua noiva agora? – perguntou friamente.
- Robert, – eu disse quase num sussurro e engoli a seco tentando inutilmente me soltar dele – o que está acontecendo? O que há de errado com você?
- Solta ela! – repetiu puxando o braço de Robert para que ele me soltasse.
Senti rapidamente suas unhas curtas arranharem minha pele enquanto sua mão me soltava e fechava-se em punho, acertando o rosto do primo e logo em seguida a barriga. Eu me afastei perplexa, sentindo o ar dos meus próprios pulmões me abandonar. Mas que diabos está acontecendo?

- ? – ouvi uma voz conhecida me chamar e levantei o olhar.
- Me deixa em paz, – eu disse encarando um ponto qualquer a minha frente, me afundando sobre o banco de madeira sem postura alguma. Já estava vestida de qualquer jeito, quem vai ligar pelo modo como eu estava sentada? Eu que não.
- Qual é, ? – ela disse se sentando ao meu lado e eu a ignorei comendo do meu chocolate – Você sabe que eu tinha que contar!
- Não, você não tinha, não devia e não tinha o direito – eu disse ofendia a olhando com o cenho franzido.
- Você não me deixa te ajudar... – ela começou e eu balancei a cabeça negativamente.
- É a minha vida, esqueceu? E eu não preciso de ajuda – eu disse, ela suspirou cruzando os braços.
- Ele já te bateu uma vez, te prendeu num quarto por semanas e te ameaçou, – ela disse num tom baixo e eu abaixei meu olhar – nada o impede de fazer tudo isso de novo! E nada do que eu fizer vai adiantar se você não der queixa ou confirmar minhas acusações.
- Eu não vou fazer isso, não é necessário.
- Ah, a doce defensiva... – ela disse sarcástica e eu ignorei – Eu adoro isso, sabia?
Tornei a olhar para frente prestando atenção no movimento da rua e perto da área do estacionamento e nós permanecemos em silêncio. Quando faltava só um pedacinho para o meu chocolate acabar eu o estendi para .
- Quer? – perguntei simplesmente, sem olhá-la e ela o pegou de minha mão.
- Você foi e ainda é impecável com relação à ... – a ouvi dizer.
- , essa não foi uma deixa para que você voltasse a falar.
- Você planejou tudo isso nos mínimos detalhes – continuou – mapeou os passos de , os lugares que frequenta, onde vive e por fim conseguiu o que queria! Conseguiu encontrá-lo para sua filha. Mas como pode cometer tantas falhas consigo mesma? É trágico.
Mais silêncio.
- Você só pensa nas coisas ruins, não pensa que Robert esteve comigo esse tempo todo, que me fez e ainda faz tudo por mim... – suspirei.
- Mas é exatamente por isso, , essa coisa que acontece entre vocês é ruim demais, pesa mais do que as coisas boas – gesticulou – e esse “tudo” que faz por você é só aquilo que ele acha correto, é limitado.
“É limitado do jeito Robert de ser”. Eu sabia que ela queria e estava se segurando para não dizer isso, porque sabe muito bem que odeio quando o faz. Quando insinua que Robert só faz as coisas do modo dele, do modo que acha certo, do modo que em certos momentos eu não concordo. Mas mesmo assim eu acabava cedendo. Eu tinha que concordar.
- Como será o dia em que ele perder a cabeça e estiver por perto? O que você vai fazer?
- Eu sei que posso ajudá-lo. Ele pode melhorar.
- Não cabe a você.
- Eu sou a noiva dele.
- A noiva que não o ama verdadeiramente.
Suspirei mais uma vez.
- Por favor, não quero olhares de pena e preocupação pra cima de mim – eu disse me referindo a e – Eu estou bem, não preciso de nenhum tipo ajuda.
- Tudo bem, eu falo com elas. Mas e quanto ao ? – perguntou.
- O que tem o ? – eu a encarei e ela arqueou as sobrancelhas.
- Você sabe... – rolou os olhos.
- Ele merece alguém melhor que eu – dei de ombros sem me esforçar em ser convincente.
- E Robert merece uma mulher que tenha um puta saco e que minta melhor do que você, sério! – ela sorriu e eu ri fraco.

- Onde está a minha filha? – perguntei já possessa, saindo da casa rumando de encontro a Robert, que mexia em alguma coisa no porta-malas do carro.
- Saiu com meus pais e a governanta – ele disse sem me olhar e eu bufei passando as mãos nervosamente pelo rosto.
- Quantas vezes eu tenho que dizer que não quero a minha filha fora dessa casa sem a minha permissão? Sem que eu saiba onde ela pode estar? – eu disse procurando me manter calma, odiava quando isso acontecia, odiava o modo como isso estava se tornando frequente e odiava, principalmente, o fato de ninguém me ouvir naquela maldita casa – Podiam pelo menos me avisar para que eu não ficasse tão preocupada! Essa casa vazia e enorme me dá nos nervos, nunca se sabe o que está acontecendo no quarto ao lado.
Robert permaneceu em silêncio mexendo em sei lá o que, não me dando atenção, o que definitivamente não me ajudava nem um pouco a me acalmar. Postei-me a seu lado a fim de ver o que ele estava fazendo, o vi colocar uma mala junto a outras três dentro do porta-malas e fechou o mesmo logo em seguida.
- De quem são essas malas? – franzi o cenho enquanto ele esfregava as mãos uma na outra e tornava a caminhar em direção a casa – Robert?
Entrei na casa logo atrás dele e o mesmo fechou a porta, ainda sem me olhar em momento algum.
- Ei, fale comigo! – eu disse procurando por seu olhar – Seus pais e a governanta saíram com , onde está o seu primo? São as malas dele que você...
- Por que diabos você quer saber, hein? – ele disse num tom agressivo finalmente me olhando nos olhos e eu me assustei dando um passo atrás – Quer se divertir me assistindo quebrar a cara dele mais uma vez como na semana passada aqui no hall? Mas no mesmo lugar, , tem certeza?
Ele sorriu de lado balançando a cabeça negativamente, sombriamente lembrando-me do dia em que pela primeira vez ele me olhou e sorriu daquela forma fria e assustadora que com mais um pouquinho de maldade em seu jeito, podia ser facilmente classificado como mórbido. Naquele dia eu fiquei completamente atônita, sem ação alguma quando ele deixou seu próprio primo caído no chão com o nariz e o supercílio sangrando. Soltei o ar lentamente tentando não causar ruídos e arrumei a postura me sentindo intimidada. Droga , você já conseguiu ser mais firme.
- El... – gaguejei e fechei os olhos fortemente por breves segundos me amaldiçoando mentalmente por isso – Ele está indo embora?
- Você quer ir também? – disse ainda usando aquele mesmo tom que começava a me ferver o sangue e deu um passo em minha direção franzindo o cenho.
- Por acaso eu deveria querer? – imitei seu gesto sem saber realmente com quem ou o que eu estava lidando.
- Eu não quero, não admito que ele fique aqui nem mais um dia e você, , deve é cumprir o seu papel de noiva e parar de sair por ai...
- Eu não acredito no que você está me dizendo! – franzi o cenho, incrédula – Fala como se eu fosse uma vadia que sai toda noite. Robert, você está ficando doente e eu louca por insistir em ficar aqui contigo! – eu disse balançando a cabeça negativamente e comecei a andar em direção a escada.
- Onde você está indo? – perguntou vindo atrás de mim, e eu percebi seu tom se alterar.
- Vou dar um jeito de voltar para casa – eu disse simplesmente e mais uma vez, antes que eu pudesse sequer chegar perto do primeiro degrau, ele segurou meu braço sem medir forças, me virando para si.
- Você não vai à lugar algum! – disse entre os dentes e me soltou, empurrando-me contra a parede.
- Esse seu ciúme idiota está passando dos limites! – eu disse me aproximando novamente, lutando contra a fraqueza que me tentava a deixar de segurar as lágrimas – EU NÃO QUERO TER QUE LIDAR COM ISSO!
Gritei e logo senti o lado esquerdo de meu rosto esquentar, a pulsação aumentar instantaneamente e parte de minha boca ser tomado por um gosto que agora me parecia muito mais amargo. Eu me vi encarando o chão, sem reação por conta do forte tapa que ele me deu. Levei uma de minhas mãos ao meu rosto, havia trilhas de lágrimas sobre minha bochecha, meu lábio inferior dolorido e também molhado, eu afastei a mão a fim de vê-la e havia sangue nela.
- VOCÊ NÃO VAI! – gritou e eu o olhei, ele encarou minha boca por alguns segundos e depois minha mão trêmula com seu olhar frio se desfazendo – E-Eu te machuquei...
- Não chega perto de mim – eu me afastei ainda atordoada assim que ele deu um passo à frente.
- , me desculpa. – pediu me puxando vagarosamente para perto de si apesar de minha relutância – Por favor, não tenha medo de mim. Venha, eu vou cuidar de você.
Então ele começou a andar ainda comigo entre seus braços, forçando-me a acompanhar seu passo. Eu não sabia o que fazer ou o que pensar, ainda estava confusa com o que aconteceu e com medo de tentar me desvencilhar e ele acabar me machucando mais uma vez. Robert me levou para uma das suítes que ficavam ainda no térreo para os hospedes e me sentou sobre a cama.
- Eu já volto – ele disse tentando alcançar meu rosto, mas eu me esquivei.
Ainda com o olhar baixo, apenas assisti seus pés se movimentarem até a porta e assim que ele sumiu, eu curvei meu corpo para frente apoiando os cotovelos sobre os joelhos e levei as mãos ao meu rosto molhado. Por que, meu Deus, Robert estava agindo daquela forma? O que havia acontecido com o meu noivo afinal? E eu que achava que agora tudo daria certo... Doce ilusão.
Logo ele voltou e me estendeu uma bolsa de gelo, eu o olhei brevemente, mas pude perceber que sua expressão dura havia o deixado. Peguei a bolsa evitando qualquer tipo de contato físico com ele, nem que fosse o mínimo, e a levei até a parte atingida sem poder evitar que um muxoxo escapasse por entre meus lábios sentindo o olhar de Robert sobre mim. Ele soltou um suspiro pesado e passou a andar de um lado para o outro, inquieto.
- Desculpe-me, ok? Desculpe, – ele disse num tom baixo – eu não queria te machucar.
“Desculpas agora não vão aliviar a minha dor”, pensei em dizer e mesmo querendo muito, não o fiz. Eu sabia que isso não ajudaria em nada.
- E me desculpe por isso também – ele disse e eu o olhei imediatamente.
- O que você vai fazer? – perguntei tirando a bolsa de gelo do rosto, a deixando de lado e me levantei ao vê-lo se afastar em passos largos, o segui, mas ele fechou a porta e eu pude ouvi-la se trancar pelo lado de fora – Robert, abre essa porta!
Levei as mãos à maçaneta e tentei forçá-la a se abrir mesmo sabendo que era inútil. Depois de perder minhas forças chutando e batendo várias vezes contra a porta sem ter nenhuma resposta, eu soltei um suspiro entrecortado e exausto, encostei minhas costas contra a porta me deixando deslizar de encontro ao chão e abracei minhas pernas contra o peito. Chega de segurar o choro.
- Você não pode me deixar , – o ouvi dizer – não pode.

Puxei a maior quantidade de ar possível e me levantei. Era como se tivesse mergulhado naquela terrível imensidão que eram essas lembranças, eu já estava me sentindo mal.
- Quero ir pra casa, . Agora – eu disse olhando em volta, um pouco perdida.
- Opa, calma! – disse postando-se a minha frente com o cenho franzido, tentou tocar meus ombros, mas eu me esquivei – Ei, nós já vamos embora.
Mordi os lábios sentindo um nó se formar em minha garganta e meus olhos arderem, levei as mãos aos mesmos. Definitivamente, lembranças não deviam causar tanto impacto.
- Soaria ridículo se eu dissesse que quero a minha mãe?
- Ai , claro que não. – ela disse me abraçando e eu soltei um suspiro falho – Fique calma, pense que hoje é um dia importante para ... Não é só ela quem realmente importa?
- Sim – eu disse me desvencilhando de seus braços, a encarei e funguei colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
- Desculpe, mas depois você vai me agradecer muito por isso – ela disse dando um meio sorriso.
- , eu não sou a mocinha indefesa que precisa ser salva.
- Então pare de agir como uma! – ela retrucou, eu estalei a boca rumando para dentro do hospital e ela veio atrás – Quer saber? Eu cansei desse assunto.
- Pois é, eu também – eu disse vendo-a ficar ao meu lado, acompanhando meu passo.
- Você é muito teimosa e cabeça dura, porque fica dando murro em ponta de faca. – ela disse e eu rolei os olhos – Mas tudo bem, agora que você não quer falar sobre isso, então me conta logo como foi a sua noite com o .
- Você só pode estar brincando comigo – eu ri parando de andar, mas sabia que ela só estava fazendo isso para me distrair.
- Vai me dizer que ele não tentou fazer alguma coisa? – disse sugestiva e eu ri mais uma vez.
- ! – a repreendi – Também não quero falar sobre isso.
- Ah, não quer falar do noivo idiota e nem do namoradinho, pai da filha... – gesticulou exageradamente – Está difícil hoje, hein? Quer falar sobre o que?
- Sei lá, – dei de ombros – por que não falamos sobre o ?
- , , quem é ? – disse com um ar de deboche.
- O cara que foi ao seu apartamento ontem. – eu disse num tom divertido passando um dos braços sobre seus ombros enquanto tornávamos a andar – E levou doces, ele não é um amorzinho de pessoa?
- É um idiota! – ela disse cruzando os braços.
- Eu vou rir tanto quando você tiver que admitir que gosta dele.
- Eu não gosto dele! – disse num tom agudo que me fez rir – Olha aqui, sou eu quem vai rir muito, gargalhar de rolar no chão, quando você tiver que admitir que ama o cara que está tomando soro nesse exato momento e eu vou esfregar isso na sua cara pelo resto da sua vida.
- está tomando soro? Por quê? – perguntei e ela sorriu esperta.
- Admitiu! – ela riu – Nossa, foi bem mais fácil do que eu imaginei.
- está tomando soro? – repeti ignorando toda a sua felicidade.
- É, ele foi encaminhado para outro andar, precisava de uma boa hidratação e o médico também receitou alguns analgéticos – explicou – Mais um pouco e ele teria inflamação dos brônquios.
- E a febre?
- Era apenas o corpo reagindo – deu de ombros.
- Menos mal – eu disse distraída, agradecendo mentalmente por ter me ouvido e ter passado no médico. Ele sempre odiou essas coisas.
Segui cruzando com algumas pessoas pelos corredores até uma sala de espera diferente da outra em que estávamos antes. Diferente apenas por ser em outro andar, pois os móveis, as cores e até os objetos de decoração pareciam os mesmos. ficou em pé de braços cruzados próxima a uma das portas que havia ali, a qual eu deduzi ser a sala em que estava e eu me sentei de frente a ela em uma das poltronas verdes. Fechei os olhos por longos minutos e logo que os abri, duas pessoas se sentaram nas outras, uma de cada lado.
- Tudo bem você achar que ele pode mudar e melhorar – disse.
- Sim, tudo bem, apesar de eu achar isso tudo muito errado e espero que fique bem claro a minha opinião sobre! – disse ao meu lado – Mas nós estaremos aqui por e você para apoiar suas decisões e ajudar no que for preciso.
- E nem pense em esconder coisas de nós outra vez – comprimiu os olhos para mim e eu dei um meio sorriso – principalmente se... Bem, você sabe, se ele passar dos limites.
- Obrigada – suspirei e as duas entrelaçavam seus braços aos meus, uma de cada lado.
- Vem cá, , meu amor – a chamou dando dois tapainhas na perna e eu ri enquanto as elas começavam uma conversa idiota e encostava a cabeça em meu ombro.
- Para que dê certo, cunhada, você tem que admitir para si mesma. – disse em um tom baixo para que apenas eu ouvisse e automaticamente senti meus músculos se tencionarem sob minha pele, já tendo uma ideia do que ela me diria – Admita que ama o e está com Robert por pena.

- Não está mais tão ruim – ele disse segurando meu queixo e eu afastei sua mão de mim, me arrastando para sentar do outro lado da cama e manter uma distância segura.
- Onde está ? – perguntei puxando as cobertas para mais perto. Fazia alguns dias que eu estava trancada naquele maldito quarto, a única coisa que eu queria desesperadamente naquele momento era vê-la.
- Você não vai tomar do café que eu te trouxe? – perguntou indicando a bandeja a sua frente sobre a cama. Ela me parecia convidativa, mas decidi que não iria comer enquanto permanecesse trancada ali.
- Não. Eu quero ver a minha filha. Agora.
- Você não precisa agir dessa forma comigo...
- O que você fez com ela? – perguntei com cautela mesmo sentindo um medo crescente, mas tentando parecer estável. Não adiantava me desesperar.
- ... – ele começou se sentando na beirada da cama.
- Eu só quero saber sobre a minha filha – eu o interrompi.
- Ela está bem! – disse enfim – Eu não faria mal nenhum a ela, não é ela quem vem me decepcionando.
- E sou eu quem está? Você é inacreditável. – eu ri incrédula – Por que não me deixa mofar aqui sozinha?
- , eu estou tentando me entender contigo...
- Ah, então tudo bem você me bater de vez em quando? – o interrompi rindo sarcasticamente, Robert manteve o olhar baixo e maxilar tenso, eu sabia que ele não estava gostando de minha atitude, mas eu já havia explodido – Não, Robert, não tente se entender comigo! Faça logo o que você faz de melhor, me trate como lixo, afinal pra que pedir desculpas já que sou eu quem sai todas as noites agin...
- CALA A BOCA! – ele gritou jogando a bandeja contra a parede e se virou rapidamente para mim, prendendo meu pescoço entre a cabeceira da cama e uma de suas mãos, pressionando fortemente contra minha garganta – Amor, você tem que parar com isso.
- Solta – balbuciei.
Tentei puxar a maior quantidade de ar, mas era simplesmente impossível. Agarrei, cravei minhas unhas em seu braço implorando que me soltasse, Robert balançou a cabeça negativamente e passou a mão livre pelo meu rosto. Se eu já não estivesse imaginando coisas, poderia jurar que seus olhos ficaram gradativamente avermelhados.
- Eu já disse que não queria ter que te machucar. – ele disse – Não chore, meu amor, apenas prometa que será uma boa noiva, que não vai me deixar e então nós nos resolveremos.

- Eu acho que vou embora. – , que estava sentada no colo de jogou todo o seu peso sobre a mesma – está demorando demais e eu já sei o resultado desse exame mesmo.
- Não, a vai gostar de te ter por perto – eu disse e ela concordou dando de ombros.
- Ah, é hoje que vocês pegam o resultado? – perguntou e eu assenti – Posso ir junto?
- Claro.
- Meu carro ficou em frente ao prédio do , terei que voltar lá pra buscar – ela disse pensativa e nós rimos.
- Que burra! – disse entre risos sentando-se corretamente – Eu vou também. Você me trouxe, você me leva.
- Já vi que ninguém vai trabalhar hoje, não é? – perguntou e nós quatro nos entreolhamos.
- Até parece.
- Nem morta!
- Eu ia, mas depois dessa animação toda de vocês já até desisti – eu disse e elas riram.
- Seria tudo muito mais fácil se nós também formássemos uma banda, não é? Mas teríamos que ser mais criativas do que os meninos e não colocar o nome de alguma coisa que faça parte do cardápio do McDonald’s – disse e nós tivemos que segurar para não rir alto.
- É por causa do filme, palhaça – lhe deu um peteleco.
Elas sabem me distrair e descontrair muito bem. Menos de cinco minutos e aquela conversa boba já tinha me deixado muito mais leve. Com algumas indagações, mas nada em que eu não pudesse parar para pensar melhor mais tarde, agora eu estava me divertindo na sala de espera de um hospital. Quem diria?
Depois de mais um tempinho de espera com falando besteiras, saiu da sala com um aspecto mais saudável por não estar mais tão pálido, e uma cara de sono. Não é à toa, já que tomar soro derruba qualquer um.
- Então elas também vão? – ele perguntou em meio a um bocejo quando já estávamos do lado de fora do hospital e eu assenti.
Estávamos sentados lado a lado naquele mesmo banco em que eu estive minutos antes com , que conversava com em pé um pouco mais a frente na calçada, enquanto esperávamos por que foi buscar o carro.
- A me falou sobre uns analgéticos... – eu disse.
- Eu peguei a receita – disse puxando do bolso um papel que deve ter sido dobrado pelo menos cinco vezes até chegar àquele tamanho, e depois piscou o colocando no lugar.
Eu gostava daqueles olhos .
- E pode deixar, tomarei tudo diretinho, – tornou a dizer – não gostei de vir ao hospital.
- Ninguém mandou não se cuidar depois daquela chuva – eu arqueei as sobrancelhas e ele sorriu de lado.
Droga, eu também gostava daquele sorriso.
- Não gostei nem um pouco de ficar doente, mas quando me lembro daquela noite... – ele disse se acomodando melhor sobre o banco, cruzou os braços encostando a cabeça na parede atrás de si e fechou os olhos – Eu já não me importo mais.
Continuei a encará-lo sentindo minhas bochechas em chamas. Poxa, ! Você bem que podia me mandar ir passear, não é? Facilitaria muito pra mim, mas não, você tem que ser esse cara que qualquer mulher quer ter a seu lado, que não desiste, que demonstra... Que está me deixando confusa e me fazendo pensar seriamente sobre minhas decisões. E aqui estou eu mais uma vez, me sentindo uma completa idiota.
- ? – me chamou indicando o carro que já estava parado a frente da porta do hospital.
Toquei o ombro de que abriu os olhos preguiçosamente e se levantou. Ele abriu a porta do banco de trás e fez uma reverência engraçada e exagerada para que e eu entrássemos e assim o fizemos, se sentou ao meu lado e foi no banco da frente.
- Já vou logo avisando que tem um monte de paparazzi lá fora, equipados até o pescoço, de carro e tudo mais – disse se virando e olhando de para mim.
- Sério? Quem será o famoso que está aqui? – brincou olhando pela janela e riu.
- Por mim tudo bem – ele deu de ombros e depois todos olharam para mim.
- Tudo bem – dei de ombros.
Tudo bem, não é? Fazer o que?
- Então vamos logo, estou ansioso – ele disse esfregando as mãos uma na outra e nós rimos.
tornou a posição correta e deu a partida. Ainda um tanto insegura, levei uma das mãos à nuca e suspirei. Paparazzi já me trouxeram alguns problemas antes, mas não posso adiar o inevitável, essa nunca é a melhor opção. Fora que se estava ansioso, devia estar uma pilha de nervos para ter oficialmente um pai, e confesso que eu também estava ansiosa para ter esse laudo em minhas mãos o quanto antes.
Pegamos no colégio e ela entrou no carro toda empolgada ao ver que as meninas também estavam ali. Beijou meu rosto e sentou-se no colo da tia perguntando por que estava tão quieto. Ele estava com um cotovelo apoiado na porta e a mão cobrindo os olhos, e ela riu quando expliquei o que havia acontecido. Estava cochilando, coitado. Mas quando sugeri que o levássemos para casa ou sei lá, ele acordou na hora e se recusou dizendo que queria ir até a clínica, então eu tive que concordar dando o endereço e as coordenadas para chegar à clínica para , que só não foi mais rápida por causa do engarrafamento daquele horário. Demoramos mais do que o normal, mas enfim chegamos.
- , – eu o balancei pelos ombros enquanto as meninas já saltavam do carro – acorda! Nós já chegamos.
- Já? – perguntou depois de um tempo me olhando com os olhos miúdos e eu assenti.
se ajeitou sem demoras, nós também saltamos do carro e assim que ele viu abriu um sorriso, foi de encontro a ela, que sorriu da mesma forma. Entramos na clínica e logo fomos falar com a moça no balcão.
- Que demora, hein? – ouvi uma voz conhecida atrás de mim e ri ao me virar e ver , e ali parados à minha frente.
- Amor! – sorriu largamente e abraçou o namorado – O que vocês estão fazendo aqui?
- O chamou a gente.
- , seu linguarudo! – o repreendeu com um tapinha no braço – Eu liguei para só você vir, por acaso você sabe se a “nova família ” queria a tropa McFLY inteira aqui? – ela disse nos indicando e eu levei uma das mãos à boca, rindo.
- Ei, nós conhecemos a antes, temos mais direitos do que você – disse apontando o dedo para ela, que fez cara feia.
- Pois é, e se teremos um novo membro na família, nós devemos estar aqui para assistir a esse momento glorioso – disse cheio de pose.
- Está querendo impressionar que falando desse jeito? – debochou fazendo todos rirem. Ela está toda engraçadinha hoje, não acha?
Olhei para com as sobrancelhas arqueadas e ela levantou levemente um dos ombros com um sorriso divertido moldando seus lábios. Ela sabia o que eu queria dizer.
- Podem ficar, não tem problema algum. – eu disse os olhando brevemente e voltei a atenção à moça que nos atenderia – Ahm, viemos pegar o laudo do exame.
- Nomes, por favor.
- e – eu disse e ela digitou no computador.
- Srta. ? – ela me olhou.
- Sim.
- Eu preciso dos documentos dos dois, por favor – ela disse e depois de entregarmos os documentos, mexeu em mais não sei o que no computador e nos devolveu os mesmos se levantando logo em seguida com um sorriso cordial no rosto.
- Os senhores podem me acompanhar? – perguntou e eu assenti levemente.
Todos nós passamos a segui-la até um escritório de piso de madeira escuro e paredes brancas cobertas por quadros cubistas coloridos. Havia uma mesa de vidro com um notebook sobre a mesma, alguns papéis, canetas e porta retratos. Frente à mesa tinha apenas duas cadeiras onde e eu nos sentamos. E eu com em meu colo.
- Só um minuto, ok? O doutor já virá atende-los e fazer alguns esclarecimentos sobre o resultado – ela disse e deu um último aceno de cabeça e deixou a sala.
alisava a ponta de uma mecha de seu cabelo repetidamente, balançava a perna na mesma medida e eu podia sentir os olhares dos outros pesarem sobre minhas costas. Eu já estava ficando aflita com isso, com essa tensão pela espera. Imagine essa mesma sensação por sete anos.
- Ela é gostosa – ouvi dizer atrás de nós e gargalhamos.
- Boa tarde! – um moço de roupa social branca disse entrando na sala envelopes em mãos e fechou a porta atrás de si – Nossa, quanta gente – comentou sorrindo, sentando-se e eu soltei uma risada contida.
- É a família, doutor – se manifestou mais uma vez fazendo todos rir.
- Ótimo, ótimo... – ele riu – Eu sou o doutor Ward. Tudo bem com os senhores?
- Aham – e eu murmuramos em uníssono.
- Bem, e , vamos ao que importa? Esses ficam com vocês. – ele sorriu nos estendendo os envelopes, puxou uma caneta e outro papel, colocando-o sobre a mesa, de modo que pudéssemos vê-lo – Seremos práticos, ok? Este é um exemplo do laudo que cada um dos senhores tem nesses envelopes, essas primeiras páginas – ele começou as folheando – são descrições mais detalhadas sobre processo de análise das informações genéticas e etc. Na página cinco, exatamente aqui – e circulou com a caneta em certa altura da página um número já em negrito – está descrito em porcentagem o resultado, no caso, se o senhor é mesmo o pai de .
- Erm... E já pode abrir? – perguntou.
- Se preferirem. – o doutor gesticulou – Seria bom, pois se tiverem alguma dúvida em relação ao laudo, ela já pode ser esclarecida agora mesmo.
olhou para o envelope em mãos, ameaçou abri-lo, mas tornou a olhar para o moço a nossa frente.
- O que tem nesse envelope é o mesmo que tem no da , não é? – perguntou.
- Sim, são duas vias do documento original que fica aqui na clínica.
E então olhou novamente para o envelope, para o doutor, para , para o envelope mais uma vez e depois para mim.
- Abre o seu primeiro – pediu sorrindo sem jeito.
Eu ri fraco dando atenção ao lacre do envelope, o tirei e puxei as folhas para fora do mesmo. Folheei até a página quatro assim como o doutor havia explicado as segurando com uma das mãos e senti a outra ser envolvida carinhosamente por uma mão grande, quente e até um pouco suada.

Há quantos dias eu estava ali? Fazia semanas, talvez. Eu já não tinha ideia, não comia direito e em todo esse tempo não pude ver , o que era pior do que qualquer outro castigo. Não se tem muitas coisas para fazer quando se está trancada em um quarto, a não ser olhar para o teto e pensar em uma forma como sair de dali. Eu havia entendido, mas não queria acreditar que tínhamos chegado a esse ponto. O segredo era a submissão e não adiantava travar qualquer briga entre nós, eu acabaria perdendo por ser mais fraca fisicamente e ele tão desequilibrado emocionalmente. Toda vez que bati de frente com ele, fui eu quem saiu machucada.
Pela primeira vez naquele dia eu ouvi a porta ser destrancada pelo lado de fora, me sentei sobre a cama colocando as pernas em volta do corpo e respirei profundamente. A governanta com o nome que eu nunca consegui pronunciar muito bem e menos ainda entender o que dizia, entrou no cômodo com a conhecida bandeja de café da manhã e a colocou a minha frente sobre a cama. Ela deu um leve aceno de cabeça parando seu olhar em meu pescoço e deu as costas saindo rapidamente pela porta. Se ela sabia o que estava acontecendo? Eu não tinha dúvidas. Era ela quem trocava as roupas de cama, me trazia as refeições que eu quase não comia e trazia também as roupas limpas que agora já não serviam em mim, pois eu havia emagrecido. Mas todos naquela casa deviam saber. Eu apenas torcia para que não soubesse.
ei um pouco do suco de laranja que estava na bandeja e vi Robert entrar. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou cruzando os braços.
- Como está se sentindo? – perguntou e eu o olhei dando um sorriso fraco.
- Estou bem.
- Acho melhor você comer alguma coisa.
- Eu vou – eu disse entre um suspiro e tornei minha atenção a minha bandeja.
Passei manteiga em uma das torradas que havia ali e a comi calmamente, eu já estava um pouco fraca devido aos dias sem me alimentar corretamente. E alguma coisa me dizia que todo aquele café da manhã não saciaria minha fome, mas mesmo assim eu não conseguiria comer. Robert se sentou a beirada da cama e eu o olhei de canto de olho, ele me parecia calmo.
- Eu estive pensando, – suspirou – quando se sentir melhor, você pode voltar a trabalhar.
- Ahm... As coisas não são assim, nada será mais o mesmo.
Breve silêncio.
- Eu pedi desculpas, .
- Robert...
- Por favor, – ele começou ajoelhando-se no chão ao meu lado – me diga o que mais eu posso fazer para te provar que me arrependo de tudo de ruim que te fiz?
- Eu estou com medo Robert, não te reconheço mais. – eu disse num tom baixo e ele suspirou pesadamente.
- E então você quer ir embora, é isso o que você está querendo dizer?
Mais silêncio.
- Eu não vou te deixar ir. Você não pode, eu preciso de você aqui comigo.
Engoli a seco mexendo no anel de noivado em meu dedo e ele segurou minhas mãos.
- Eu sinto muito, sei que passei dos limites, – ele disse com a voz um pouco trêmula me olhando nos olhos – mas eu vou mudar se você ficar e faço tudo o que você pedir, qualquer coisa. Você quer trabalhar, que estude numa escola? Tudo bem, eu concordo com tudo.
- Qualquer coisa que eu quiser? – perguntei num fio de voz.
- Sim, qualquer coisa – disse por fim e eu pigarreei.
- Eu quero poder tomar as minhas próprias decisões, não quero que você me prenda – eu disse ainda tentando manter a voz firme – Nós estávamos bem, Robert, você mudou de repente.
- Eu juro que vou melhorar, apenas me dê uma chance para te provar isso – ele disse e eu suspirei pesadamente.
Eu tinha um sentimento forte por Robert, se eu não gostasse dele e se ele não fosse bom comigo e , eu não teria entrado naquele avião para morarmos todos juntos aqui na Alemanha. Também tinha plena consciência de que não podia dizer seguramente que o amava. Eu já amei antes e aquele sentimento era totalmente diferente do que eu senti antes mesmo de nascer. Mas Robert esteve comigo esse tempo todo e me ajudou em muitas coisas. Eu reconheci o Robert de alguns anos atrás, aquele homem gentil e carinhoso que me tratava como se eu fosse a pessoa mais importante de sua vida, ele estava agora ajoelhado a minha frente pedindo para que eu ficasse. Eu não podia simplesmente deixá-lo para trás dessa forma, podia?
- Nós podemos tentar. – eu disse ainda em dúvida e ele deixou que um meio sorriso brotasse em seus lábios – Mas tem uma coisa que eu preciso te pedir e nós vamos fazer isso juntos.
- Qualquer coisa – disse e eu senti um pouco de ansiedade em seu tom.
- Lembra-se de quanto eu lhe contei sobre ? – perguntei e ele assentiu – É isso o que eu quero, quero acertar as minhas... Pendências com ele.
- E nosso noivado continua, certo?
- Acha que podemos fazer isso? – insisti e o vi sorrir verdadeiramente.
- Eu posso fazer tudo por você – ele disse e depois de um tempo eu assenti.
- Então tudo bem – eu disse e Robert me abraçou suavemente.
- Eu te amo tanto! – e beijou meu ombro – Você faz a sua parte, eu faço a minha e vai dar tudo certo! Você não vai se arrepender, eu prometo.

- Eu queria que você fosse o meu pai.
- Queria? Não quer mais?

#’s POV End

Capítulo 19 - Pausa dramática, por favor


- Cos I can tell you right now that you’ll never find evidence on me, that’s the truth…
- Oh, oh, oh…
- Yeah, that’s the truth…
- Oh, oh, oh, oh…
- Perfeito! – gritou jogando as mãos para o alto com um sorriso enorme no rosto em meio aos nossos próprios assovios e palmas no final de mais uma música.
- Qual o próximo destino? Paradas de sucesso! – disse entre risos e bateu na mão de num high Five.
- Então terminamos por aqui? – perguntei olhando para o meu relógio de pulso e deixando meu instrumento.
- Ahm, mais ou menos – disse e eu o olhei com o cenho franzido.
- Como assim mais ou menos? – perguntei me aproximando deles – Cara, eu tenho que ir...
- Temos que passar algumas músicas ainda... Sinto muito informar, mas nem todas estão perfeitas – ele explicou – e o Dallas disse que talvez passasse por aqui mais tarde.
- Talvez! O que mostra que ele não deu certeza. – gesticulei sorrindo esperto e ele comprimiu os olhos para mim – Qual é, ? Quebra essa para o seu melhor amigo.
- Mas ele disse que tem uma coisa muito importante para nos dizer – ele insistiu e eu juntei as mãos em sinal de súplica.
- Por favor...
- Aonde você vai? – perguntou.
- Combinei com a que buscaria a minha filha no colégio hoje – dei de ombros sorrindo de lado e eles riram.
Minha filha. Não estava sendo difícil me acostumar a chamar dessa forma, o difícil era conseguir tirar o sorriso do rosto depois que o fazia. Agora sim, sou oficialmente o pai de ... ? . É, bonito! Eu ri dos meus pensamentos idiotas cruzando os braços e apertou minha bochecha.
- Anw, que bonitinho, ele está todo feliz porque o exame deu positivo – ele disse entre risos.
- Qual é, cara? Aquilo só não daria positivo se alguém trocasse os exames – rolou os olhos.
- Isso pode acontecer – ele arqueou as sobrancelhas.
- Claro que pode... – ele disse irônico – Na novela que você assiste toda noite.
- Aquela novela é muito realista, ok?
- A conversa está muito boa, – sorri sem mostrar os dentes e coloquei uma das mãos sobre o ombro de – mas eu vou nessa!
- ! – ele protestou.
- , eu acho que neste caso ele só não pode, mas como deve ir – ele disse para dando ênfase a suas últimas palavras.
- Então agora você o defende? – ele perguntou o olhando irônico com as sobrancelhas arqueadas e nós rimos – Viraram amiguinhas novamente?
- Ciúmes? – perguntou passando um dos braços sobre os ombros de , que rolou os olhos.
- Claro que estou com ciúmes, em todos esses anos era eu quem o defendia. – ele disse entre um suspiro – Mas vai, , aproveite muito e divirta-se! – disse num tom exausto e eu alarguei meu sorriso.
- Por isso que eu te amo – eu disse segurando seu rosto entre minhas mãos com força, já que ele tentou fugir e lhe dei um beijo estalado no rosto.
- Sai fora, ! – ele me empurrou rindo e eu fiz bico – Seu gay!
- Na verdade, eu estou orgulhoso dele – tornou a falar e arqueou as sobrancelhas para , costuma ser muito frouxo.
- Hã?
- É verdade, cara – concordou e eu franzi o cenho – Você é meio mole...
- Principalmente com mulheres – disse e eu abri a boca em incredulidade.
- Eu não sou assim!
- É sim, você nunca faz o que realmente quer – gesticulou.
- Ah, foda-se! Isso não é verdade e eu tenho que ir. E não se esqueçam – eu disse apontando para cada um deles – do encontro de ex-alunos.
- Sério, nós temos que ir mesmo? – choramingou.
- A gente prometeu... – deu de ombros.
- E você sabe o quanto vale uma promessa para a . – completou e todos olharam para mim.
Eu, mais do que ninguém, sabia o quanto valia uma promessa para ela. Então apenas me limitei a sorrir forçadamente, mostrar o dedo do meio a eles e rumar em direção à porta. Qual é a deles hoje?
- Ei, chamou e eu me virei – Se você encontrar a pede pra ela me ligar?
- Ih... Já está assim, é? – debochou – E eu achando que você não conseguiria nada com ela...
- Só estou a ajudando – se defendeu.
- Anw, que bonitinho, ele está querendo sair da área da amizade – apertou as bochechas dele e eu ri.
- Não é nada disso do que você está pensando – rolou os olhos afastando-se das mãos dele.
- Acredite, estou pensando muitas coisas – ele disse entre risos – mesmo que eu não queira saber, a me conta tudo.
- Beleza, pode deixar, ! – me apressei em dizer para não prolongar o assunto e tornei a caminhar até a porta do estúdio – Depois eu falo com vocês. Até mais, vadias.
- Tchau – os ouvi dizer em uníssono antes de fechar a porta.
Chequei o relógio mais uma vez e sai da casa de fechando o zíper da blusa até o pescoço assim que senti uma lufada de vento atingir meu peito, rosto e o ar frio preencher meus pulmões. Eu já havia me decidido: Não ficaria doente tão cedo, ou nunca, caso seja possível. Ainda assim, agradeci mentalmente aos céus por não estar tão frio quanto hoje mais cedo.
Já disse que estou animado? Estou me sentindo estranhamente bem, eufórico e até um pouco ansioso. Claro, e eram a causa de tudo isso. Nunca pensei que ficaria tão feliz ao ver que um exame de DNA meu teria o resultado positivo, pois pense, eu já fiquei com muitas garotas. Muitas. E antes que reaparecesse, a ideia de ter um filho com qualquer uma delas era completamente assustadora!
Naquele dia, depois de passar no médico, eu podia estar morrendo de sono, mas tudo em que eu conseguia pensar era no resultado do exame. Estava nervoso e minhas mãos suavam mesmo que eu tivesse certeza de qual seria o resultado. Confesso que no primeiro momento, quando li o laudo, fiquei sem ação, mas foi muito mais fácil e confortável com todo mundo dentro da sala e , que contou uma piadinha idiota pra quebrar o silêncio, fazendo com que todos rissem. Eu estava feliz por ter aparecido em meu apartamento, por ter cuidado de mim enquanto eu estava doente, ter passado aquela noite comigo; Mas a cima de tudo por ter trazido para mim. Não sei muito bem o que aconteceu com elas antes disso, por onde ou pelo o que passaram, mas agora tudo parecia muito mais... Simples, fácil e que o meu querer de tê-las junto a mim não era mais tão inatingível.
Estacionei o carro e logo saltei do mesmo, com o passo apertado cheguei à porta principal da grande casa amarela já tocando a campainha. Pensei em ficar segurando o botão até que alguém me atendesse, mas lembrei de dizendo o quanto isso era irritante... Mas vontade de provoca-la de vez em quando não me faltava. Esperei por poucos segundos e quando a porta se abriu eu fui obrigado a segurar meu queixo para que ele não fosse de encontro ao chão. Cara, pense em uma mulher gostosa... Certo, essazinha ai que você imaginou não chega nem aos pés descalços de . Sim, ela estava descalça, vestindo uma roupa muito sexy e com os cabelos presos em uma trança que caia sobre um dos ombros.
-... Eu já estou com toda a papelada aqui. – enquanto falava ao telefone, ela sorriu para mim gesticulando para que eu entrasse e assim o fiz – Tudo bem, sem problemas, mas também diga a ele que isso não consta em nenhum de nossos registros.
disse calmamente fechando a porta atrás de nós e postou uma de suas mãos em meu ombro, guiando-me até o centro da sala e depois se afastou, seguindo até o outro lado da mesa de vidro – que, mais uma vez, tinha em sua superfície vários papéis espalhados – de modo que ficasse de frente para mim.
- Quer saber? Deixe que eu resolvo isso. Chego ai em meia-hora – disse num tom exausto e levou a mão à nuca descoberta soltando uma risada contida e me olhou com um sorriso no canto dos lábios – Sim, sem almoço hoje, a minha pequena tem outros planos... Ok, beijos e até daqui a pouco.
- Muito trabalho? – perguntei assim que ela deixou o celular de lado.
- Apenas as coisas de sempre para resolver – deu de ombros tornando o olhar para os papéis na mesa, os organizando.
- Hm... – murmurei sem conseguir evitar que meus olhos percorressem por toda a extensão de seu corpo coberto apenas por aquela roupa que o modelava tão perfeitamente. Cocei o pescoço e pigarreei – Você está bonita hoje.
- Obrigada... – disse um pouco distante, absorta no que tinha nos papéis a sua frente.
Após alguns segundos juntou todas as folhas, empilhando-as e levou a mão à boca passando o polegar na língua. Começou a contar as folhas num tom quase inaudível e quando terminou, abaixou-se rapidamente trazendo consigo uma pasta de couro azul que antes estava no chão e mordeu o lábio inferior abrindo o zíper lateral da mesma, colocando as folhas ali dentro.
Claro! Ela tinha que, inconscientemente, fazer toda essa pose, a roupa já não era o suficiente para me torturar.
Droga. Balancei a cabeça a fim de afastar os pensamentos maliciosos que já começavam a inundar a minha mente, mas parece que isso só serviu para que eu mergulhasse ainda mais neles. Eu estava atento aos seus trejeitos, com uma vontade crescente de apertar seu corpo contra o meu, beijar seus lábios e sentir seu gosto novamente. Dei três passos inseguros à frente. Qual foi a última vez que fiz isso, hein? Quando foi a última vez que tomei uma atitude?
Ao pensar nisso eu me amaldiçoei por me sentir frustrado e, vamos combinar, um tremendo idiota. Não, os caras não têm razão em dizer que não faço o que realmente quero! Digo, a última vez em que eu estive realmente sozinho com , nós passamos a noite na minha cama e não aconteceu absolutamente nada. Na minha cama! Ok, eu sei que dormir junto é sinônimo de sexo, mas porra... Entende meu raciocínio? O caso é que eu sou homem e estou sentindo falta. Sabe quando foi a última vez que eu fiquei com alguém? Com outra mulher que não fosse ? Pois é, nem eu. Se fosse algum outro momento da minha vida, eu diria: “Ah, cara! Ontem mesmo eu fiquei com uma garota e nem me lembro mais do nome dela”. Mas agora eu não podia fazer nada, esperava por mim.
- Você também, , não está nada mal. – sorriu de lado e finalmente me encarou, abraçando a pasta contra o peito – Então, a que devo a honra de sua presença?
- As roupas de ...
- Ah, sim! – ela riu de si mesma colocando a pasta sobre a mesa junto ao celular e seguiu para outro cômodo – Desculpe, estou um pouco atrapalhada! – disse com o tom de voz elevado para que eu pudesse ouvir e logo voltou com uma mochila pequena e colorida em mãos – A rotina está diferente e acho que terei que me acostumar com isso... O que pretendem fazer hoje?
- Bem, gastar dinheiro, comer muito e nos divertir bastante – sorri levando a mão a nuca enquanto ela se colocava a minha frente.
- Gastar dinheiro? – ela arqueou as sobrancelhas – O que você está tramando?
- Nada de mais – dei de ombros.
- Olha lá o que você vai fazer, hein! – ela disse e eu ri.
- Tem algum conselho pra mim?
- Não é pra ficar gastando dinheiro com .
- Por quê?
- Porque não, ! É sério – ela disse e eu rolei os olhos.
- Algum outro conselho? Algum que você sabe que vou seguir? – eu disse e ela riu.
- Quanta cara de pau, – disse entre risos e encolheu os ombros – Mas, ahm... Na verdade eu tenho algumas instruções.
- Ok, agora eu fiquei um pouco nervoso – brinquei.
- É simples! – ela riu.
- Sei – arqueei uma das sobrancelhas.
- Ouça, deve trocar de roupa assim que chegar em casa para não sujar o uniforme. Besteiras em uma quantidade moderada só depois do almoço e, por favor, comida de verdade! É possível que ela não tenha muito dever de casa hoje, mas tente ajudá-la nem que seja só um pouquinho se for necessário e não se esqueçam da higiene em nenhum momento. – suspirou ao terminar e abriu um sorriso me estendendo a mochila – Só isso.
- Só isso? – franzi o cenho e ela riu.
- Divirta-se!
- Uau! Estou começando a sentir um pouco do peso da responsabilidade – eu ri pegando a pequena mochila e a coloquei por cima do ombro.
- Isso não é nada, mas você vai se dar bem – levantou levemente os ombros tocando meu braço – Já fez isso uma vez.
- É, eu já fiz – eu disse e mordi os lábios.
Eu tinha que ir, faltava poucos minutos para a saída de da escola. Mas eu não queria sair dali. Era difícil ficar perto tão de sem poder fazer alguma coisa... Quem eu estou querendo enganar? Eu já estava ficando irritado comigo mesmo, pois era horrível sentir minhas mãos formigarem como um pedido silencioso para que entrassem em contato com sua pele quente e macia. Sentir que ficar com ela seria a melhor e mais certa coisa do mundo a se fazer, era torturante, pois eu não faria nada que ela não quisesse e nós já tivemos essa conversa antes! Ficamos nos encarando por alguns segundos até que ela arqueou as sobrancelhas como se esperasse que eu dissesse mais alguma coisa e eu respirei fundo, lembrando-me de e tomando coragem.
- Bem, eu a trago mais tarde...
-... tem a chave. – dissemos em uníssono. Ela riu – Como eu não tenho nenhuma chave reserva pra te dar, ela encontra vocês aqui mais tarde, é só enviar um sms.
- Uhum – sorri amarelo e ela desviou seu olhar do meu por breves segundos.
- Ok, , eu te conheço e sei que tem alguma coisa errada aqui – ela disse meio sem jeito – Por que está me olhando assim?
- Você vai sair? – perguntei e ela franziu o cenho.
- Vou trabalhar – ela disse simplesmente.
- Com essa roupa?
- O que tem de mais com a minha roupa? – ela disse colocando uma das mãos na cintura.
- O que tem de menos seria a pergunta correta – eu disse indicando seus ombros e colo a mostra e ela gargalhou.
- Você só pode estar de brincadeira comigo – ela disse entre risos.
- Sinceramente? Essa roupa me incomoda, acho que você deveria se trocar.
- Ah, você não gosta dela? – fez bico reprimindo o sorriso, fazendo pose ao ajeitar melhor a saia no corpo.
- Não, não gosto.
- Poxa, tem certeza? – ela disse tentando parecer chateada, mas seu tom era brincalhão e eu não pude evitar o sorriso.
- Ela provoca pensamentos sujos na mente masculina – arqueei uma das sobrancelhas e ela riu ainda mais colocando suas mãos sobre meu peito, obrigando-me a dar passos cegos para trás.
- Não vejo problema algum desde que estes pensamentos continuem bem guardadinhos em sua mente masculina – disse entre risos.
- Eu não disse que era a minha mente – me defendi.
- E nem precisava, .
- Estou cuidando de você.
- Claro que está!
- Apenas pensando nos caras que você pode encontrar por ai.
Se for pensar bem, ela atrairia muitos olhares masculinos, sim! E eu não estava gostando nem um pouco dessa ideia.
- Acho melhor você ir embora agora – ela sorriu enquanto abria a porta – Você tem que pegar minha filha no colégio daqui alguns minutos.
- Nossa filha – corrigi e ela sorriu assentindo.
- Nossa filha! Você lembra que ela sai mais cedo hoje, não é?
- Claro, mas, ahm... Pelo menos coloque uma blusa, ok? – pedi já do lado de fora de sua casa e ela sorriu.
- Não se preocupe, eu ficarei bem. Juro! – disse com uma das mãos apoiada na maçaneta.
- Você vai ficar com frio – eu disse com um sorriso divertido no rosto e ela riu.
- Tchau e não esqueça que a sala de é no térreo, segundo corredor, sala cinco – disse começando a fechar a porta.
- Ok. Mas acho bom você trocar de roupa, ! – a repreendi e ela rolou os olhos.
- Até mais tarde – ela puxou a língua fechando a porta de vez, mas tive que rir da situação.
- Só não diga que eu não avisei quando sentir frio, – eu disse próximo à porta e a ouvi rir novamente – apenas me chame para te esquentar.
- Vá embora, !
Sorri comigo mesmo. Não tinha jeito, nós podíamos nos desentender de vez em quando e nos afastar, mas tudo continuava assim, como deve ser. Levei a mão à nuca seguindo para meu carro e entrei no mesmo já colocando a pequena bolsa de no banco de trás, o cinto de segurança e a chave na ignição. Passei a dirigir pelas ruas calmas até então, e liguei o rádio repassando mentalmente as instruções de . Eram simples, mas se eu as seguisse a risca, ela só poderia se divertir no final da tarde. Na verdade eu só pensava na diversão, tinha tantas coisas que eu queria fazer com ela como pai que não sabia qual seria a primeira.
Pelo menos uma delas eu já faria amanhã! e eu convencemos os caras a ir ao nosso antigo colégio para o encontro de ex-alunos. Eles tentaram fugir disso, mas ela os fez prometer. E eu já planejava passar pela casa de minha família antes de ir embora. Queria que, principalmente, minha mãe e minha irmã conhecessem . Eu ainda não havia contado nada sobre isso a elas, sobre a paternidade, e apenas esperava que inicialmente não reagissem tão mal quanto eu quando disse que era minha filha, mas tinha certeza que depois elas amariam a pequena. Era meio que impossível não gostar daquela menina.
Olhei mais uma vez para o meu relógio de pulso, certificando-me se estava dentro do horário e após algum tempo dirigindo, estacionei o carro saltando do mesmo logo em seguida. Acionei o alarme e segui para a escadaria da porta principal do colégio Queen Elisabeth já avistando Mark sentado em seu banquinho.
- Boa tarde, Mark – e disse parando ao pé da escada e ele comprimiu os olhos parecendo me analisar.
- ! – ele sorriu depois de alguns segundos e se levantou começando a descer as escadas vagarosamente – Da televisão, amigo da pequena e dono de um cachorro enorme.
Ele disse num tom brincalhão e eu ri. Não é que o velho tinha uma boa memória?
- Pensei que não se lembraria de mim – confessei enquanto ele se postava ao meu lado de braços cruzados, de modo que pudesse não tirar os olhos da movimentação na rua.
- Quê isso, garoto? Só faz algumas semanas que você não aparece – e me olhou brevemente com o cenho franzido – Está me chamando de velho gagá?
- Imagina, o senhor está ótimo! – eu ri do modo como disse e ele deixou que um sorrisinho surgisse em seus lábios.
- Eu sei. Veio buscar sua pequena amiga?
- Vim buscar minha filha – eu disse e ele se virou para mim, encarando-me por cima dos óculos de grau.
- Tem uma filha que estuda aqui? Não sabia.
É, até um tempo atrás eu também não sabia, pensei e apenas sorri de leve para Mark que voltou sua atenção para a rua. Segui seu olhar e depois de longos minutos, notei que alguns transportes escolares, como minivans e micro-ônibus, já estacionavam ali por perto. Mais alguns grandes e caros carros de pais engravatados que logo saltavam dos mesmos. Eram sempre pais engomadinhos com cara de empresários podres de rico, o que me levava a pensar em qual seria o tamanho da fortuna que , ou Robert, gastava para manter naquele colégio.
- Está na hora – Mark disse chamando minha atenção e tornou a subir calmamente as escadas.
Assisti-o abrir os portões do colégio e se sentar novamente em seu banquinho, logo dois homens que conversavam sobre algo que parecia ser bem sério também subiram as escadas e sumiram do meu campo de visão assim que cruzaram os portões. Coloquei as mãos nos bolsos da blusa e segui o mesmo caminho, adentrando no saguão principal que tinha um piso claríssimo e as paredes formavam um ângulo de 180º graus perfeito. De um lado a recepção com dois pequenos sofás marrons e a secretaria , logo depois dois amplos corredores e uma escadaria larga que levava ao segundo andar com corrimãos dourados brilhante. Provavelmente o colégio deveria anteriormente ter sido uma casa, ou mansão, como preferir.
Comecei a subir as escadas calmamente, tentando me lembrar do que havia dito. Era segundo andar ou segundo corredor? Eu já não tinha tanta certeza, ela estava tão sexy naquela roupa que eu não consegui prestar muita atenção no que dizia. Na verdade minha atenção estava toda voltada para o modo como o fazia, quando mordia levemente o lábio inferior, em seus movimentos delicados, e eu estava com inveja de quem passaria o dia com ela, mas ainda de quem passaria a noite com ela.
Passei pelas salas de aula do segundo andar olhando para dentro de cada uma através do vidro nas portas. Definitivamente era o segundo corredor, aquelas crianças eram bem maiores e não deviam ter a mesma idade que . Desci até o saguão onde já tinha pais e filhos circulando, segui para o segundo corredor e na quinta porta tinha uma moça de jaleco branco em pé frente aos alunos, quem eu reconheci como a professora de . Aquele que saiu da escola atrás da garotinha impaciente na segunda vez em que estive aqui. Varri a sala com os olhos, buscando atentamente pelo rosto da pequena entre tantos outros e a encontrei em uma das carteiras do canto prestando atenção em que a professora dizia e segurando a mochila junto ao peito, pronta para ir embora. Talvez isso ela tenha puxado a mim, quando estava no colégio, até mesmo antes de entrar, eu já estava louco para sair.
Ri internamente de meus pensamentos idiotas e cruzei os braços, encostando-me contra a parede vendo uma mulher bem arrumada, loira de cabelos cacheados, aproximar-se pelo corredor. Ela parou frente a porta, ao meu lado e cruzou os braços. Ela me olhou e sorriu educadamente, imitei seu gesto e passei a encarar o chão.
- Desculpe-me, mas, ahm... – ouvi a moça dizer e tornei a olhá-la – Você é , certo? O do McFLY?
- Sim – eu sorri de leve.
- Ah! Eu sabia que já tinha te visto antes, mas não tinha certeza se foi aqui – ela sorriu docemente e eu soltei uma risada contida – Veio buscar alguma criança desta sala?
- Está vendo aquela menininha com um laço azul no cabelo? – indiquei pelo vidro da porta da sala – Vim buscá-la.
- ? – ela franziu o cenho ainda sorrindo eu assenti – Ela é uma das amiguinhas da minha filha, todo mês elas passam um dia lá em casa, ou na casa da .
- Mesmo?
- Sim, aquela loirinha sentada na carteira da frente é a minha filha – ela disse e eu olhei mais uma vez através do vidro – é um amorzinho! Não sabia que tinha amigos famosos.
- Estudamos juntos – expliquei e logo a porta da classe se abriu.
- Sra. Stryder, tudo bem? – a professora perguntou com um sorriso cordial no rosto e a menininha loirinha logo se levantou acenando para as amiguinhas, inclusive .
- Tudo bem – a mulher respondeu e estendeu a mão para a filha – Vamos, meu amor?
- Tchau, professora.
- Aqui, querida – a professora tirou um papelzinho desenhado do jaleco e o entregou para a menininha que o pegou e agarrou a mão da mãe – Até mais! – elas sorriram para nós e logo saíram andando pelo corredor.
- A Sra. Callagham avisou hoje mais cedo que viria – a professora disse e eu forcei o sorriso ao ouvir o sobrenome.
Mas que porra, eles nem casaram ainda!
- Pois é, passará o dia comigo.
- Sim, a pequena me disse e parece estar muito empolgada! Deve ter contado a todos que o senhor viria – disse num tom brincalhão e eu sorri verdadeiramente, então ela se virou para a classe – , venha, o Sr. já está aqui!
Coloquei-me ao lado da professora para que pudesse me ver e ouvi burburinhos tomar conta de toda a classe. Talvez alguns deles soubessem quem eu sou, talvez. A pequena se levantou colocando a mochila nas costas e acenou para as amigas, então veio em minha direção com um sorriso lindo moldando seus lábios e abraçou minhas pernas.
- Tudo bem, pequena? – perguntei afagando seus cabelos sedosos e ela assentiu.
- Aham.
- Pronta pra ir?
- Tchau, professora – ela se soltou de mim colocando-se na ponta dos pés para depositar um beijo no rosto da professora que se abaixou para que ela pudesse fazê-lo.
- Tchau, ! – a professora sorriu tornando a postura correta enquanto a pequena entrelaçava sua mão a minha – Não deixe de treinar em casa, ok?
- Ok – ela deu uma piscadela e a professora a imitou entre risos.
- Aqui está o seu adesivo – a moça entregou um papelzinho parecido com o da outra menininha e sorriu para ela.
- Obrigada.
- Espero vê-lo aqui com mais vezes, Sr. .
- Eu acho que verá... – eu disse franzindo o cenho para elas e sorri – Até mais!
Com último aceno, e eu deixamos a sala seguindo de mãos dadas até o lado de fora, na porta principal, onde Mark estava sentado em seu banquinho com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta azul.
- Oi, Mark! Pega um adesivo pra você – disse entre risos entregando um de seus adesivos coloridos e acenou novamente para o senhor – Tchau, Mark!
- Tchau, pequena.
- Tchau, Mark – sorri e ele nos olhou por cima de seus óculos com o cenho franzido.
- Não veio buscar sua filha?
Paramos nos primeiros degraus do topo da escada, quase frente ao velho Mark. A menina um degrau acima e eu com as mãos em seus ombros.
- Aqui está ela, ora – eu disse pegando os pulsos dela, levantando seus braços e os balançando freneticamente enquanto ela gargalhava – O senhor não notou a semelhança?
- Esses olhos ... – ele sorriu de lado.
- São os meus olhos, não são, ? – arqueei uma das sobrancelhas segurando seu rostinho entre minhas mãos e ela jogou um pouco a cabeça para trás a fim de me olhar.
- Aham! – murmurou com as bochechas tomando um tom rosado.
- Então, é mesmo sua filha – ele riu.
- Pois é! Longa história, Mark, longa história...
- Tenho certeza de que deve ser uma ótima história – ele cruzou os braços – afinal, você é bom para elas.
- Espero que todos pensem assim – sorri fraco.
Pensei na repercussão que a mídia poderia dar a isso, pensei em minha família, em . Mas era melhor não me preocupar, certo? Certo. Entrelacei nossas mãos novamente.
- Bem, nós temos que ir. Até mais, Mark.
- Até!

- Só falta resolver sobre a entrega dos comes e bebes, mas pode deixar isso comigo.
Eu ouvia o líder do grêmio estudantil do colégio falar e falar e falar... Eu nem sabia o nome dele, todos ali eram alunos que nunca tinha visto antes e tudo o que diziam soava ilegível aos meus ouvidos. Suspirei. Eu estava no completo tédio. Como a aguentava isso uma hora semanal depois do horário de aula? Será que eles tinham tanto assunto assim pra ter que ficar no colégio até este horário? Por que eles não falavam sobre isso na casa de um deles, numa lanchonete, ou sei lá onde? E como ela conseguiu me convencer a participar disso mesmo?
Eu estava debruçado sobre a carteira fingindo que prestava atenção enquanto estava sentada do outro lado da sala anotando algumas coisas em uma prancheta e falava baixo com uma garota morena de cabelos longos e lisos. Meu Deus, como eu queria sair daquele colégio!
Bocejei fechando os olhos por alguns segundos e quando os abri vi as duas me olhando com um sorriso divertido em seus rostos. sorriu de lado e eu fiz bico, ela assentiu entendendo o que eu queria dizer e levantou levemente a mão pedindo que eu esperasse. Rolei os olhos. Eu não queria esperar!
Gesticulei de um jeito que demonstrasse o meu tamanho desespero para sair daquela sala e o quanto estava me sentindo sufocado ali. Nada exagerado. A garota ao seu lado começou a rir, enquanto o rosto de tomava um tom avermelhado e levou uma das mãos ao rosto, balançando a cabeça negativamente. chamou a atenção do líder e disse algumas coisas num tom baixo, para que apenas ele pudesse ouvi-la, ele assentiu poucas vezes e logo ela colocou a mochila no ombro e veio em minha direção com a prancheta em mãos.
- Vamos? – arqueou as sobrancelhas e sem pensar duas vezes, eu peguei minha mochila e a segui para fora da sala.
- O que você disse para ele?
- Que iríamos fazer o planejamento da decoração do ginásio, – ela disse sem tirar os olhos da prancheta – mas você pode ir embora se quiser.
- Você quer que eu vá embora? – perguntei buscando pelo seu olhar.
- Não, eu não quero.
- Você está brava comigo?
- Não, , – ela suspirou parando de andar e me encarou – mas seria bom se você se esforçasse de vez em quando. Eu estou tentando fazer uma coisa legal e você, que tinha se oferecido para me esperar, fica me apressando!
- Ok, desculpe, eu estava no tédio – eu disse encolhendo os ombros.
- Eu percebi – ela deu uma risada contida e voltou a andar – e provavelmente nem ouviu quando eu dei a ideia sobre você e os garotos tocarem no baile.
- Baile? Que? !

- , está tudo bem mesmo? – perguntei.
Olhei brevemente para ela pelo retrovisor, já que estava no banco de trás. Desde que entramos no carro ela ficou completamente muda, já estávamos chegando à minha casa e eu não sabia muito bem o que dizer a ela. Digo, agora ela é a minha filha e mesmo que não fosse, eu nunca sabia o que dizer para uma criança que ficou tanto tempo quieta. Havia alguma coisa errada, com certeza.
- Aham – ela respondeu.
- Aham? – franzi o cenho.
- Aham.
- O que isso quer dizer?
- Aham.
- É só isso o que você diz agora? – perguntei ouvindo seu riso baixo.
- Aham.
- Você não quer conversar comigo?
- É que agora é estranho – ela disse e eu a olhei novamente.
- Como assim?
- Agora você é meu pai de verdade, não sei o que ou como falar com você – ela encolheu os ombros e foi a minha vez de rir.
- Fale o que quiser e como quiser, assim como sempre foi, ok? – perguntei e a vi assentir – E, sim, agora eu sou seu pai de verdade, mas o resto não mudou. Ainda sou seu amigo, certo?
- Certo!
- Agora bate aqui, parceira – levantei a mão e ela bateu num high Five entre risos – Isso ai!
- Posso continuar te chamando de , certo?
- Do jeito que você quiser.
- Ok! Então o que nós vamos fazer hoje, ? – ela perguntou assim que entrei com o carro na garagem subterrânea do meu prédio.
- Qualquer coisa, o que você quer fazer? – perguntei enquanto terminava de estacionar o carro.
- Podemos ir ao Palácio?
- Qual deles? – eu desafivelei o cinto de segurança e olhei para trás.
- O Palácio de Buckingham, eu sempre quis ver de pertinho, nem que seja só para ver a parte da frente... Parece ser muito bonito! – ela gesticulou tirando o cinto e eu ri pegando suas duas mochilas – Mas nunca deu certo de ir até lá.
- Nunca deu certo? – franzi o cenho e nós saltamos do carro – Há quanto tempo vocês moram aqui mesmo?
- Dois anos? – ela disse em dúvida e deu de ombros.
- Ahm... Tudo bem! Então nós vamos, mas só vai dar pra ver a parte da frente mesmo, pode ser? – perguntei e ela assentiu com um sorriso divertido em seu rosto – Porque nessa época a realeza não vai nos deixar entrar.
- Se minha mãe estivesse com a gente, eles deixariam. Eu fiz uma coroa para ela na escola, agora ela é uma rainha – ela fez pose e eu ri – e eu sou uma princesa, mas não como as outras.
- Por que não? – perguntei colocando a mão livre sobre seu ombro, a guiando em direção aos elevadores.
- Porque a maioria das princesas é sem graça e elas só usam rosa – ela fez careta – Você pode ser o nosso rei, se quiser.
- Pensarei muito bem em vossa proposta, nobre princesa – eu disse apertando o botão no painel do elevador – e logo lhe darei a minha resposta.
- Ok – ela disse e começou a gargalhar.
- O que foi? – franzi o cenho sem conseguir evitar acompanhá-la com um sorriso.
- Você viaja na maionese! – ela disse entre um suspiro, se recuperando dos risos e eu ri ainda mais – Escuta, é lá que tem os guardas de roupas e chapéus engraçados, não é? Como nos filmes?
- Sim, como nos filmes – eu disse e ela vibrou me arrancando mais risos – Ai a gente pode ir na London Eye depois, o que você acha?
- Eba! – ela alargou o doce sorriso – Vai ser muito legal!
- Ótimo, tampinha – eu disse tirando minhas chaves do bolso da calça e as portas do elevador se abriram – mas antes de qualquer coisa você tem que fazer a lição de casa, almoçar e trocar de roupa.
- Você vai fazer o nosso almoço? – perguntou me olhando de um jeito engraçado.
- Por quê?
- Você não tem cara de que sabe cozinhar.
- Ei, eu sou um ótimo cozinheiro – me defendi destrancando a porta e a pequena riu – mas pode ficar tranquila, quem cuidou da comida foi a Poppy.
A menina franziu o cenho por alguns segundos tornando seu olhar para a porta e eu abri a mesma, revelando um Snoop numa posição que eu diria ser de ataque. Ombros altos, cabeça baixa e pernas levemente flexionadas. Mas ele me decepcionou totalmente assim que chegou perto e ele se largou no chão de barriga para cima à espera de carinho, eu achei que ele ia sair correndo, brincando, ou sei lá. É um bundão mesmo! Balancei a cabeça negativamente trancando a porta novamente.
- Quanto tempo, Snoop – a pequena disse acariciando seu pelo enquanto ele balançava o rabo freneticamente – Eu estava sentindo a sua falta, sabia? Sim, eu estava!
- Quer trocar de roupa, ? – perguntei vendo Snoop lamber a bochecha da pequena, que fez careta e riu se levantando.
- Quero!
- Então vem comigo.
Eu deixei a mochila escolar dela sobre o sofá e seguimos escada acima com Snoop em nosso encalço, até o quarto de hóspedes. Abri a porta, ascendi a luz e coloquei a outra mochila na cama enquanto a pequena sentava-se sobre a mesma, tirando os sapatos.
- Você se lembra desse quarto?
- Claro, essa cama é a mais fofinha de todo o mundo – ela disse subindo na cama e deu alguns pulinhos e Snoop a acompanhou, latindo.
Eu coloquei as mãos nos bolsos dianteiros da calça jeans e soltei uma risada contida vendo-a pular, olhei em volta, para as paredes brancas e para os móveis da mesma cor com um pensamento tomando conta de minha mente. Um pensamento, ahm... Divertido para uma menina de sete anos, colorido ou apenas azul, se ela preferir.
- Qual cor você mais gosta? – perguntei ainda olhando para cada detalhe do cômodo.
- Lilás, azul, branco, vermelho, preto, azul, amarelo, laranja, verde, azul – ela disse entre os pulos e eu ri mais ainda.
- E a favorita é azul, certo? – a olhei com um sorriso divertido.
- Sim!
- Tudo bem, eu entendi – eu disse segurando seus braços por breves segundos, fazendo-a parar de pular – Agora veste a roupa que sua mãe separou, eu estarei te esperando lá embaixo. Você não vai precisar de ajuda, certo?
- Não, eu sei me vestir sozinha, pode ir – gesticulou.
- Ok, o banheiro é ali. Não demore – eu disse e ela assentiu – Vem, Snoop!
Snoop veio até mim balançando o rabo e deixamos o cômodo, mas pude ouvi-la pulando sobre a cama novamente assim que fechei a porta. Eu ri balançando a cabeça negativamente e Snoop apoiou a pata na porta chorando, pedindo para que eu abrisse a porta novamente.
- Chora não, vamos.
Pouco antes de começar a descer as escadas notei que a luz do meu quarto estava acesa, andei até lá e encontrei Poppy terminando de arrumar a cama, na qual Snoop fez questão de pular e se largar em cima.
- Ah, Snoop! – ela jogou as mãos para o alto e eu ri dando duas batidinhas na porta para chamar a atenção dela.
- Chegamos!
- Tudo bem, senhor ?
- Tudo bem, Poppy – eu disse cruzando os braços e passei os olhos pelo cômodo impecavelmente arrumado – E ai, precisa de alguma ajuda?
- Não, obrigada – ela riu – está tudo nos conformes.
- Tem certeza? – perguntei enquanto ela pegava do chão uma flanela e uma cestinha verde de plástico que continha alguns produtos de limpeza.
- Absoluta! O senhor e o Snoop nem fizeram muita bagunça dessa vez, – ela deu de ombros levemente ao andar até a porta e eu ri – aos poucos vocês vão melhorando.
- Pois é, nós estamos nos esforçando pra não te dar muito trabalho. – eu disse dando espaço para que ela passasse e apaguei a luz – Snoop!
- Sua irmã ligou – ela disse assim que Snoop saiu do quarto e eu fechei a porta – perguntou quantas pessoas vão jantar lá amanhã e pediu, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, para o senhor ligar celular. Palavras dela!
- Tudo bem, eu ligo pra ela mais tarde – eu disse entre risos quando chegamos à sala.
Tirei meu celular do bolso e o liguei antes que também recebesse uma bronca de por não atender o mesmo, caso ela resolvesse ligar.
- O almoço já deve estar pronto.
- Será que ela vai gostar?
- É um prato que qualquer criança britânica comeria, senhor .
- Sim, mas ela não é britânica.
- Mas, como o senhor mesmo disse, a senhorita viveu toda a sua juventude aqui na Inglaterra, certo? Ela está habituada com a nossa cultura e acredito que a menina também esteja – a ouvi dizer enquanto abria o forno e Snoop sentou ao meu lado – Fora isso, o senhor disse que ela come de tudo.
- Ah, eu acho que ela come, não tenho tanta certeza – eu disse colocando a luva térmica e peguei um pano de prato – É quase impossível alguém gostar de todas as comidas existentes nesse mundo ou não ter alergia a alguma delas. Tem gente que não gosta de banana, por exemplo.
- O senhor não devia se preocupar tanto... – ela parou ao meu lado e fechou o forno assim que tirei o refratário.
- Tem gente que é alérgica a amendoim...
- Se ela não gostar – ela me interrompeu assim como eu fiz e riu – eu posso preparar alguma outra coisa.
- Onde eu coloco isso? Na pia?
- Não! – se apressou em dizer abrindo uma das gavetas, tirou de lá um negócio de madeira que eu nem sabia que tinha e o colocou sobre a mesa – Melhor colocá-lo no descanso térmico, a pia está fria e o senhor não vai querer tomar um choque térmico.
- Ahm... Eu sabia disso, Poppy! – franzi o cenho colocando o refratário sobre o descanso e ela riu – Estava apenas te testando.
- Claro que estava.
- Você pode arrumar a mesa, por favor – eu sorri para ela, que assentiu – Eu vou chamar a .
Deixei o cômodo a tempo de ver a pequena terminando de descer as escadas, devidamente vestida. Calça jeans, botas bege, camiseta branca de manga longa e um cachecol rosa em volta do pescoço, ela carregava a mochila em um dos ombros e, com mais alguns passos, ela parou a diante de mim, olhando-me com aqueles grandes olhos .
- Preciso colocar a blusa agora? – perguntou enquanto eu pegava a mochila que ela carregava.
- Não, você veste quando a gente sair – eu disse colocando a mochila no sofá, junto a outra.
- Acho que estou com fome, – fez careta e eu sorri de lado.
- Então vamos comer, ora.
- Ok – deu de ombros e eu a segui quando ela foi saltitando até a cozinha.
- Se você não gostar da comida é só dizer, podemos preparar outra coisa – eu disse e ela parou de andar, olhando com o cenho franzido para Poppy e depois me encarou.
- Ahm, ... – ela disse num tom baixo, fez um gesto e eu me abaixei para ficar em sua altura – Quem é ela?
- É a Poppy, ela trabalha pra mim e cuida de tudo aqui – eu disse no mesmo tom.
- Poppy, que nome legal! Ela está aprovada – ela riu fazendo sinal de positivo com as mãos e eu franzi o cenho, tentando entender o que ela quis dizer.
- Tudo pronto, senhor – Poppy disse e se apressou para sentar-se a mesa – Então essa é a famosa ?
- Acho que sim... – a menina sorriu encolhendo os ombros e tirou a cartelinha do bolso – Você quer um adesivo?
- Anw, obrigada, querida! – Poppy sorriu pegando pegando o pequeno adesivo que lhe estendia.
- Você vai dar adeviso pra todo mundo? – perguntei me sentando ao lado da menina.
- Só pra quem é legal.
- E por que eu não ganhei um? – eu disse me sentindo ofendido e ela levou as mãos à boca, rindo – Qual é? Eu sou muito legal.
- Ganhou sim! Depois eu te mostro – ela disse e eu arqueei as sobrancelhas.
- Espero que goste de couve-flor com queijo.
- Eba! – ela vibrou arrancando risos de Poppy.
- Então você gosta, tampinha?
- Mamãe fazia sempre e eu não gostava de couve-flor, mas a vovó disse que faz bem.
- Vovó? – estranhei vendo Snoop se aproximar da pequena.
- Sim, a mãe da tia , ela é minha avó. – ela disse como se fosse a coisa mais óbvia e eu assenti rindo. Claro, como não pensei nisso antes?
- E como foi na escola, ? Tem muita lição hoje?
- Algumas. Você vai me ajudar?
- Vou tentar.

Capítulo 20 - Can I have this dance?


- Acho que o nosso passeio furou desta vez – disse para .
Eu estava sentado numa espécie de degrau que separava o gramado de todo o concreto no Jubilee Gardens e ela em pé à minha frente balançando o corpo de um lado para o outro, com as mãos no bolso do casaco branco e os olhos atentos nas pessoas a sua volta, e nós dois suspiramos ao mesmo tempo.
- Desculpe, pequena. Eu queria que você visse dentro do Palácio e, se tivéssemos chegado mais cedo, talvez veríamos os guardas fazendo alguma coisa de diferente ou... Hoje é o seu dia, se você quiser nós podemos ir a outro lugar, ainda tem tempo.
- Tudo bem, eu gostei do passeio! – ela me interrompeu e me olhou sorrindo com as bochechas rosadas pelo frio – Estou com você, eu gostei de ver o Palácio de pertinho e os contos de fada não me parecem ser tão bobos agora – ela gesticulou e eu ri – E a London Eye... Ah! Eu não sabia que ela era tão grandona, deve dar um medo ficar lá em cima. A gente pode voltar outro dia, não é?
- Sempre que quiser.
- Mamãe e a tia podem vir também? – ela perguntou subindo onde eu estava sentado.
- Sim.
- Até o ?
- Você gosta do ? – franzi o cenho e ela riu.
- Ele é legal.
- Então ele merece um adesivo? – perguntei me levantando enquanto ela começava a andar vagarosamente com os braços abertos, equilibrando-se sobre o degrau.
- Acho que sim – ela sorriu e segurou minha mão para que eu a ajudasse a se equilibrar.
- É, então o também pode vir.
- Todo mundo?
- Todo mundo.
- Até mesmo o Snoop?
- Ahm... Nesse caso eu vou ter que ver direitinho se ele pode – eu disse e andamos mais um pouquinho – Está com fome?
- Não.
- Legal, mas eu estou. Vamos à Starbucks que tem aqui na Belvedere Road, preciso satisfazer a vontade das minhas lombrigas – eu disse e ela riu acelerando o passo.
- Não, eu não quero, – disse entre risos soltando de minha mão.
- Você está me desafiando? – franzi o cenho e ela pulou sobre a grama me olhando com um sorriso sapeca brincando em seus lábios.
- Claro que não! – ela disse tentando reprimir o sorriso e deu alguns passos cegos para trás arrumando a touca azul, que estava quase cobrindo seus olhos, sobre a cabeça.
- Pois eu acho que você está – eu comprimi os olhos e ela não conseguiu deixar de rir, encolhendo os ombros, ainda andando para trás.
- Eu só não quero ir.
- Mas você vai, porque eu estou morrendo de fome!
- Hã-han, não, não! – ela balançou a cabeça negativamente colocando as mãozinhas na cintura e eu ri.
- Então corre, sua tampinha, ou eu te levo a força!
arregalou os olhos assim que ameacei dar um passo a frente e me deu as costas, correndo, rindo e gritando. Suspirei com um sorriso no rosto, deixando que ela ganhasse um espaço de vantagem a minha frente, então pulei sobre a grama e comecei correr, rindo do jeito dela. Quando a alcancei, peguei em meus braços, cutucando sua barriga, fazendo-a gargalhar e se contorcer em meu colo.
- Para, por favor! – disse entre risos e eu parei, ainda rindo e vi sua touca cair no chão – Ai, minha touca caiu.
- Pega ai – eu a virei quase que de ponta cabeça até ela alcançar a touca.
- Me põe no chão! – ela riu – Eu não sou uma boneca.
- Ah, pra que? Assim é tão mais fácil... – eu brinquei a colocando sobre um dos meus ombros, apenas segurando suas pernas, ela riu ainda mais e eu a senti apoiar seus cotovelos contra minhas costas.
Era fácil carregá-la, ela podia não ser uma boneca, mas podia ser tão leve quanto. Comecei a andar e senti meu celular vibrar, tirei o mesmo do bolso da frente da calça e ele piscava “” no visor.
- Fala comigo, !
- Bom humor, é? – ela riu do outro lado – Normalmente você atende e diz “o que você quer, mulher?”
- Isso não é verdade – eu ri.
- Pena que eu vou ter que acabar com o seu bom humor, zinho.
- Ah, o que aconteceu? O quer que eu volte para o ensaio? Já vou logo avisando que hoje não dá mai...
- Não, , não é nada com o , com o McFLY ou qualquer outra coisa que você esteja imaginando – ela me interrompeu – Eu preciso conversar contigo desde ontem, mas não tive a chance depois de todo aquele negócio com o exame de DNA e tal.
- Então fale agora – eu disse arrumando sobre meu ombro – ou cale-se para sempre.
Ainda andando em direção à calçada para chegar a Belvedere Road e notei, próximo as árvores mais ao longe, alguns fotógrafos com suas câmeras apontadas diretamente para mim. Olhei brevemente para trás. Sim, estavam apontadas para mim. E eu esperava que eles não chegassem mais perto, pois mesmo de longe, isso estava me incomodando e muito!
- É coisa séria, , prefiro falar pessoalmente – ela disse e eu suspirei – Será que você não pode vir aqui?
- Não, eu estou com a ...
- Eu posso descer agora? – a menina disse cutucando minhas costelas e eu parei de andar.
- E amanhã vocês vão naquela tal reunião de ex-alunos, não é? – ela disse e eu ri podendo imaginá-la rolar os olhos enquanto o fazia – Imaginei... Enfim, preciso falar contigo sobre o casamento da .
- Casamento? – perguntei com o tom de voz completamente carregado pelo desânimo – Você tem razão, essa não é uma das coisas que estava imaginando que queria falar sobre.
- Ai, , nós temos pouco tempo até lá. É importante, juro!
- Aham, ok... Espere um pouco – eu disse e afastei o celular do ouvido, coloquei no chão e lhe estendi o aparelho – Toma, a quer falar com você.
A menina franziu o cenho para o aparelho arrumando a touca, mas acabou por pegá-lo.
- Alô? – ela disse ainda com o cenho franzido e eu envolvi sua mão a minha para atravessarmos a rua – Eu estou bem, e você?
Ela olhou brevemente para mim, apressando o passo para me acompanhar até chegar ao outro lado da rua e soltou uma risada curta.
- Ok, tchau! – e me devolveu o celular assim que paramos na calçada – Ela disse que você é muito bobo.
- Ah, ela sempre diz isso, mas me ama – eu disse colocando o aparelho no bolso e ela riu.
- Podemos ir logo? Eu estou com vontade de tomar um chocolate branco bem quentinho.
- Agora você quer ir?
- Preciso desfazer a vontade das minhas lombrigas – ela disse engrossando a voz e fazendo pose para me imitar.
- Satisfazer? – perguntei entre risos.
- É, isso também.
- Você parece a sua mãe – rolei os olhos rindo e tornando a andar.
- Ei, espera – ela disse se abaixando, mexendo na bota e eu me aproximei.
- O que foi? – me abaixei diante de , que me olhou colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
- O zíper fica abrindo e, não sei por que, agora ele não quer fechar.
- De novo? – perguntei e ela deu de ombros, era a terceira vez que eu arrumava aquilo.
- Acho que ela está velha – ela disse e se levantou apoiado uma de suas pequenas mãos em meu ombro.
- Eu também acho – eu ri puxando uma vez e o zíper emperrou na metade do caminho, na segunda vez ele se fechou completamente, então eu olhei para a pequena – Mas ainda dá pra usar ela.
- E ela é bonita, não é? – ela sorriu docemente.
Eu ri internamente olhando para ela, havia se passado pouco tempo de convivência e eu já posso dizer que estou completamente apaixonado pela minha filha.
- Sim, mas eu não usaria – eu disse e ela riu.
- É, seria estranho.
- É muito feminina... – eu disse me levantando, mas alguém esbarrou em mim – Opa, desculpe.
- ? – a loira voltou alguns passos, para que ficasse a minha frente e me olhou sorrindo.
- Loren! – eu sorri amigável – Tudo bem?
- Tudo, e com você? – perguntou ajeitando a bolsa sobre o ombro.
- Também – franzi levemente o cenho ainda com um sorriso no rosto – O que você...
- Eu morava por aqui, – ela rolou os olhos – Lembra-se? Com a minha irmã, antes de me mudar para o seu apartamento.
- Eu lembro muito bem, Loren Carter – eu disse e ela riu – Na verdade eu queria saber o que você está fazendo na rua – e olhei para o meu relógio de pulso – à uma hora dessas. Você não trabalha mais?
- Eu já estava voltando pra casa, mas, ahm... Uma Starbucks assim, tão pertinho – ela mordeu o lábio inferior e eu dei uma risada contida.
- Bem, eu estava indo pra lá agora – eu disse e ouvi um pigarrear forçado ao meu lado.
estava de braços cruzados me olhando com os olhos comprimidos. Um olhar de reprovação e, agora sim, ela estava muito parecida com .
- Nós! – corrigi passando a mão pelos cabelos da pequena – Nós estávamos indo pra lá agora.
Loren olhou da menina para mim, abriu a boca uma vez numa tentativa frustrada em dizer algo, franziu o cenho e acabou por sorrir para .
- Desculpe, quem é você, fofa? – Loren tocou levemente o queixo da pequena, que tentou sorrir. Tentou.
- Essa é a . , diz oi para a Loren.
Eu a olhei do jeito mais pidão possível, torcendo para que ela fosse gentil com Loren, mesmo que tivesse sido eu quem a deixou de lado e ela tivesse toda a razão em ficar brava comigo. Mas só um pouquinho brava. A menina me olhou pelo canto dos olhos e descruzou os braços.
- Vem com a gente na Starbucks, Loren.
- Anw! – Loren sorriu e eu suspirei aliviado – Eu vou sim, linda.
- Você gosta de tomar o que? – a menina perguntou entrelaçando sua mão a minha e nós já começávamos a andar até o estabelecimento.
- Ahm, eu gosto de muitos, mas o meu favorito é o cappuccino canela.
- Agente vai comprar esse para você, está bem? – ela disse e nós rimos.
- Onde você arranjou essa figurinha, hein? Ela é muito linda – Loren perguntou num tom baixo e eu apenas sorri.
“A gente se vê por ai”, foi o que Loren disse na última vez que nos encontramos e eu realmente não esperava vê-la novamente, pelo menos não assim, por acaso. Mas o interessante é que não estava sendo desconfortável, não estávamos nos tratando como completos estranhos e parecia que ela não tinha raiva ou guardava qualquer mágoa de mim, como costuma ser ao final da maioria das relações amorosas. Nós nos sentamos a uma mesa na Starbucks, fizemos nossos pedidos e ficamos conversando por longos minutos tomando nossas canecas de café quente, tomando chocolate, e estava tudo numa boa.
- , – , que estava sentada na cadeira ao meu lado, cutucou minha barriga a fim de chamar minha atenção e eu a olhei – eu quero ir pra minha casa.
- Algum problema, pequena? – perguntei e ela fez bico – Está se sentindo bem?
Ela olhou brevemente para Loren pelo canto do olho e balançou a cabeça em negação. Mordi os lábios presumindo que ela realmente não havia gostado de Loren. Não importa a idade, mulher não gosta de ser deixada de lado um minuto sequer por causa de outra, é inacreditável. Olhei para Loren e ela encolheu os ombros e sorriu como se pedisse desculpas.
- Ei, ! – Loren disse – Desculpe-me, não queria estragar o passeio que era só de vocês.
- Não é isso, é que eu não te conheço – a menina disse aboiando os cotovelos na mesa e segurando o rosto entre as mãos – e não estou entendendo nada da conversa de vocês.
- Ah, sei! – ela soltou uma risada contida – Mas se você quiser, pode me perguntar qualquer coisa. Assim a gente pode se conhecer melhor.
- Então...
começou ajeitando a postura, como se fosse uma adulta prestes a falar sobre uma coisa de extrema importância, como se já esperasse por aquela deixa para poder falar o que estava pensando, o que fez com que Loren e eu arqueássemos as sobrancelhas à espera de algo muito interessante.
- Quais são as suas intenções com ele? – apontou para mim e nós rimos.
- Que isso, tampinha?
- Nós somos apenas amigos, – Loren disse entre risos – certo?
- Certo – eu concordei prontamente.
- Hm, é que você disse que morou no apartamento dele...
- Eu disse? – Loren arregalou os olhos e a menina assentiu.
- Sim, mas já faz um tempo – expliquei.
- Eu não sei se gostei de saber disso, – a menina disse mexendo com a colher em seu copo já vazio – acho que fiquei com ciúmes.
- Mas agora ele é todo seu, , pode ficar – Loren se apressou em dizer e eu dei uma piscadela para a pequena.
- E de onde você conhece o meu pai?
- Seu pai? – ela franziu o cenho sem entender.
- É. Ele, – apontou para mim mais uma vez e eu cocei a nuca – , meu pai.
- é seu pai? Esse aqui? – ela disse incrédula e começou a rir.
- Sim.
- Não, não é possível! Se ele fosse seu pai de verdade, biológico, se ele realmente tivesse te gerado... Se vocês tivessem o mesmo sangue, eu saberia da sua existência – ela franziu o cenho – Não é, ?
Eu estava a ponto de começar a bater com a minha cabeça na mesa. Talvez convidar Loren para vir conosco não tenha sido uma boa ideia, não neste momento. Digo, não sei se devo explicações a ela a essa altura, provavelmente não. Mas, de qualquer forma, dizer para a minha ex-namorada que tenho uma filha de sete anos que nem eu sabia da existência era meio desconcertante, estava sendo!
- Ah, ele também não sabia – disse calmamente.
- Acho que já está bom, – eu disse e a menina levantou levemente os ombros.
- Por que ela está rindo? – ela comprimiu os olhos e Loren parou de rir imediatamente.
- Porque é muita informação – eu disse simplesmente.
- Isso é mesmo verdade? – Loren debruçou-se sobre a mesa olhando de mim para a pequena repetidas vezes e, por fim, se fixou em mim.
- É.
- Ai, meu Deus! Como isso é possível? – ela disse pausadamente, boquiaberta – Digo, não o processo, porque disso eu sei, mas... De onde essa menina veio? Você não sabia mesmo ou simplesmente deixou a mãe dela quando soube que ela estava grávida?
- O que? Não! – eu disse ofendido. Qual é? Eu não sou tão irresponsável assim – Eu não sabia.
- Ok, desculpe. Mas quem é a mãe dela? Meu Deus, como eu não percebi isso antes? Ela é você em miniatura na versão feminina, Deus do céu...
- A mãe dela e eu namoramos há anos atrás, nós estudávamos juntos e ela se mudou para o Brasil, eu achava que ela nunca mais voltaria...
- E você não sabia mesmo disso? – insistiu – Que ela estava grávida?
- Já disse que não! – gesticulei meio impaciente. Se todos agissem dessa forma quando soubessem, com certeza eu ficaria maluco.
- Então ela é brasileira? – perguntou indicando com a cabeça.
- As duas são.
- Ahm... – Loren suspirou recostando-se na cadeira – Por acaso a mãe dela é aquela garota da caixa azul?
- Desculpe, mas você não me deixava mexer nela e eu fiquei extremamente curiosa – ela disse colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha – Foi quase que inevitável.
- Sim, é ela – eu disse me mexendo desconfortavelmente sobre a cadeira. A ideia de alguém mexendo nas minhas coisas, ainda mais naquela caixa em especial, nunca me agradou muito.
- Mas se você não sabia que ela teve uma filha sua e não contava que ela voltasse para a Inglaterra, então por que guardou aquela caixa por tanto tempo?
- Loren, a gente não precisa falar sobre isso. – balancei a cabeça negativamente, olhei para o meu relógio de pulso e depois para a menina ao meu lado – A queria ir pra casa e eu acho mesmo que já está na hora.
- Ei, pode me dizer, somos amigos! – ela me incentivou e eu franzi o cenho, pensando um pouco sobre aquilo – Por que guardou a caixa?
- Eu não sei como te responder isso – resolvi dizer para colocar fim àquilo e Loren mordeu os lábios abaixando brevemente o olhar.
- Entendi... Você é um cara muito legal, – ela disse me olhando com um leve sorriso, que eu retribui – Desculpe as perguntas.
- Tudo bem – eu disse me levantando e fez o mesmo – Vamos, tampinha?
- Aham.
- Tchau, – Loren disse e a menina apenas acenou.
- Se cuida – eu disse entrelaçando minha mão a da pequena.
Com um último aceno, nós saímos do estabelecimento sendo recepcionados pelo vento gelado no rosto, que fez com e eu encolhêssemos os ombros brevemente.
- Ela é sua namorada? – a menina perguntou enquanto andávamos pela calçada, em direção à rua onde meu carro estava estacionado e eu ri.
- Está mesmo com ciúmes? – eu franzi o cenho, achando aquilo engraçado e ela deu de ombros – Acho que você é muito nova pra ter esse tipo de sentimento.
- Prefiro você com a minha mãe – ela disse arqueando as sobrancelhas olhando pra onde pisava e eu balancei a cabeça negativamente com um meio sorriso.
- Eu também prefiro.
- Por que a minha mãe é a garota da caixa azul? – ela me olhou curiosa.
- Porque eu tenho uma caixa azul com coisas da sua mãe.
- Eu posso ver?
- Pode. Eu te mostro na próxima vez que você for à minha casa.
Assim que viramos a esquina, três caras atravessaram a rua apontando suas câmeras para nós, disparando flashes incessantes. Ótimo. se assustou dando um passo para trás e abaixou a touca, quase cobrindo os olhos e segurou em minha mão com ainda mais firmeza, passando a andar mais devagar quase se abraçando as minhas pernas. Um dos fotógrafos no seguia e os outros dois estavam a nossa frente dando passos cegos para trás e vez ou outra esbarrando em pessoas que passavam por ali. Bufei odiando aquilo e, já podendo avistar meu carro, peguei no colo a fim de acelerar nosso passo. Ela colocou seus braços envolta de meu pescoço e apoiou a cabeça em meu ombro.
- Quem é a garotinha, ? – um dos homens que estava a minha frente perguntou abaixando a câmera brevemente e eu mordi o canto dos lábios puxando a chave do carro do bolso – São verdade os boatos que estão rolando por ai? Ela é mesmo sua filha?
Respirei profundamente com o maxilar tenso, eles estavam me irritando. Destravei o alarme do carro assim que me aproximei do mesmo e abri a porta do bando de trás, colocando a pequena sentada ali.
- Você e Loren Carter reataram? – ouvi outro perguntar enquanto afivelava o cinto de segurança de .
- Está tudo bem, ok? – eu disse baixinho para e ela assentiu levemente.
- Quem é aquela moça com...
- Qual é? Dá um tempo. – eu disse e fechei a porta virando-me para eles – Não estão vendo que estou com uma criança?
- É exatamente por isso que estamos tirando fotos, amigo.
- Apenas fazendo o nosso trabalho – um deles disse com um sorriso presunçoso no rosto e tirou mais uma foto minha, obrigando-me a fechar os olhos fortemente por conta do flash.
- Dá licença – eu disse batendo com a mão na câmera dele.
- Ei, não põe a mão na lente, amigo.
- Amigo é o cacete! – eu disse dando a volta no carro – Espero não ver nenhum de vocês na minha frente de novo.
Entrei no carro travando as portas logo em seguida e respirei profundamente mais uma vez colocando o cinto de segurança, eu não podia me exaltar. Olhei brevemente para a pequena.
- Eles vão ficar tirando fotos até a gente sair daqui? – perguntou colocando o dedo indicador no vidro.
- Pelo jeito sim – eu disse colocando a chama na ignição.
- Então pisa fundo, ! – ela disse e eu ri ligando o carro e arrancando dali.
- Eu disse que esse nosso passeio tinha furado – balancei a cabeça negativamente prestando atenção no tráfego a minha frente – Primeiro foi no Palácio, depois a London Eye, encontramos Loren, ainda teve esses parasitas e a gente nem gastou tanto dinheiro pra poder contrariar sua mãe – disse e a menina riu.
- Não fica triste, .
- Pelo menos compramos as tintas.
- Mas eu gostei de hoje, foi diferente e divertido e eu ri bastante – disse entre risos.
- Mesmo assim ainda estou um pouquinho decepcionado – eu disse pegando o meu celular do bolso da calça.
- Outro dia a gente faz tudo de novo, mas sem a Loren, ok? – ela disse como se eu fosse a criança ali e eu ri discando o número de , esperando chamar.
- Você é quem manda, pequena.
- Oi, ! – disse ao atender o telefone.
- Nada saiu como o planejado. Estou levando ela pra casa.
- Como assim? – estranhou.
- Depois eu explico.
- Tudo bem, encontro vocês na casa da em 15 minutos. Beijo – e desligou.

- ! – protestou assim que eu tirei a prancheta de suas mãos.
Eu estava ficando impaciente! Fazia tempos que nós dois estávamos em pé, no meio do ginásio do colégio vazio e ela não parava de escrever naquilo, não falava nada. Eu ali, sem nada pra fazer, apenas lhe fazendo companhia e ela não me dava um pingo de atenção.
- Você sabe que isso é do baile de formatura, não sabe?
- Sei – eu disse simplesmente colocando a prancheta atrás do corpo enquanto tentava inutilmente recuperá-la – e sei também que você ainda não me explicou esse negócio doido do McFLY tocar no baile.
- Mas você sabe que o que tem nessa prancheta é muito importante, que eu tenho que mostrar isso para o grupo aprovar e depois levar à direção, certo? – disse e eu assenti – Então você vai tomar cuidado, ou senão eu terei de fazer tudo de novo, não é?
- Até parece que você vai fazer tudo de novo – apressei-me em dizer a puxando pela cintura até seu corpo colar no meu e ela riu – eu não deixo!
- Eu também quero ir embora, mas você tem que colaborar comigo.
- Tudo bem, – dei de ombros – eu faço qualquer coisa por você.
- Vocês vão tocar no baile? – fez bico – Por favorzinho, precisamos de uma banda extraordinária e maravilhosamente boa e eu acho que o McFLY seria perfeito.
- O que eu ganho? – arqueei as sobrancelhas fingindo que nem gostei do seu exagero para qualificar a minha banda.
- Um “muito obrigada”!
- Só isso? – perguntei incrédulo me afastando dela minimamente – Que garota mão de vaca! Você não tem mais nada a me oferecer, não?
- Depende – ela disse entre risos – O que você quer?
- Vou poder ficar só contigo depois de salvar o seu baile?
- Se você dançar uma música comigo... – deu de ombros.
- Se você dançar só pra mim mais tarde... – sorri malicioso.
- Quantas condições! Isso está me cansando. – ela riu jogando a cabeça para trás brevemente e suspirou.
- Ok, então não importa o que os caras digam, nós tocamos no baile – eu disse e ela arqueou as sobrancelhas – e como você quer que eu dance, assim? – perguntei a soltando e começando a dançar do jeito mais ridículo possível.
- Ai, para, ! – ela gargalhava.
- Mas assim é legal, olha!
- Assim não, eu não quero passar vergonha – ela disse ainda entre risos, tocando em meus ombros, me fazendo parar.
- Ok, então... – comecei colocando a prancheta que eu ainda segurava, no chão e a empurrei com o pé até ela deslizar pra longe.
Sobre o olhar curioso de , pigarreei me colocando de frente para ela e com postura, lhe fiz uma reverência que não era nada exagerada como aquelas que costumava fazer para apenas arrancar risos dela, era uma reverência digna! Aproximei-me tocando sua mão e postando a outra mão livre em sua cintura enquanto ela apoiava seu braço, delicadamente em meu ombro. Eu comecei a me balançar de um lado para o outro, sentindo seu corpo entrar em meu ritmo, deixando-se ser guiada.
- E que tal assim? – perguntei com um sorriso nos lábios.
- Muito melhor – ela reprimiu o sorriso me olhando pelo canto dos olhos e eu depositei um beijo em seu pescoço, sentindo-a se arrepiar.
- Vai ter que dançar pra mim.

- Liga o rádio? – pediu, liguei o mesmo e passei a trocar as estações para encontrar alguma que tocasse música boa – Espera, – ela segurou minha mão para que eu parasse de mudar – volta!
- Nessa aqui?
- Aham, eu gosto dessa música – ela disse brincando com o papel de bala entre os dedos e balançando a cabeça no ritmo da música.
Estiquei-me, tirando mais algumas balas do meu porta-luvas e entreguei metade para a pequena, que estava sentada ao meu lado e tornei a me encostar contra a porta apoiando uma das mãos no volante. Estávamos dentro do carro à frente de sua casa há pouco mais de 20 minutos, ainda não tinha aparecido e não tínhamos nada para fazer. E sim, eu estava em parte decepcionado. Poxa, tinha tanta coisa que eu queria fazer hoje e não consegui que nem um quarto disso desse certo. Mas em compensação parecia não se importar com isso, qualquer coisa que eu dissesse, ela sorriria para mim e diria que estava tudo bem, que estava adorando e eu sabia que ela não estava mentindo. Já percebi que é fácil saber quando ela está mentindo, ou pelo menos tentado fazê-lo.
Ouvi três batidas contra o vidro e me virei, era . Abaixei o vidro e olhei para ela por cima do ombro.
- E ai, o que deu de errado?
- Não foi tão divertido, porque três paparazzi nos perseguiram – fiz bico e ela riu.
- Oh, criança! – ela disse debruçando-se na janela e apertou minha bochecha – Não sei nem se pergunto pra você se a se comportou, pois deve mais fácil perguntar a ela se você se comportou.
- Ele gastou dinheiro – disse e eu abri a boca em falsa incredulidade por ela estar me dedurando – e a mamãe falou pra ele não gastar.
- Poxa, pequena, esse segredo era nosso! – eu disse sentando-me corretamente ouvindo as duas rirem.
- Ok, vamos entrar? – disse acertando a postura – Você vai esperar a chegar?
- Por favor? – pediu prolongando a última palavra e eu sorri. Agora eu entendo, ainda mais, por que não consegue negar algo a ela – Eu quero te mostrar o meu quarto, meus brinquedos e todos os meus DVDs!
- São muitos DVDs – sorriu.
- Muitos mesmo – a pequena disse toda animada.
- Você acha mesmo que eu perderia essa chance? – franzi o cenho com um sorriso divertido no rosto e a menina vibrou – Eu quero ver o quarto da princesa. Vamos lá!
Saltamos do carro, eu peguei as mochilas de e travei o mesmo enquanto seguíamos para a porta principal da casa, tirou um molho de chaves do bolso e a abriu, logo acendendo as luzes da sala escura. pegou em minha mão e começou a me guiar casa adentro, me mostrando tudo. No térreo, talvez sem saber que eu já estive ali antes, ela me apresentou a sala e mostrou-me os porta-retratos do rack junto à parede. Franzi o cenho, pois havia menos porta-retratos do que da última vez... Ou talvez fosse apenas impressão minha.
- Olha, essa aqui – ela apontou para o porta retrato de moldura azul – é a minha avó Sue. Você a conheceu, não é? – perguntou e eu apenas assenti olhando para a foto, desta vez sentindo o pesar – Mamãe ama essa foto, ela é muito bonita.
Sorri de leve e ela tornou a me puxar enquanto nos seguia. Ela me mostrou o armário de casacos, o lavabo, o escritório, a cozinha e a área externa. Havia um espaço coberto com poltronas de madeira que levava até pequeno jardim, nesta época, congelado. Então nós seguimos para o segundo andar da casa, onde havia duas portas do lado direito, duas do esquerdo e a última no final do corredor.
- Estes dois são os quartos de hóspedes – disse abrindo uma porta de cada vez do lado direito, revelando os quartos impecavelmente arrumados – Você pode dormir aqui quando quiser.
- Claro – eu ri e olhei para , que sorria balançando a cabeça negativamente.
- Este é o quarto do Robert e da mamãe, – ela apontou para a porta no fim do corredor – mas, ahm... Esse a gente não pode espiar sem ela mãe aqui, não é, tia ?
- É isso ai – concordou dando de ombros.
- Essa porta é do banheiro – ela tornou a falar apontando para a porta ao lado, então soltou de minha mão e correu para a maçaneta da última que restava – e, este aqui... Tchan-ran! Este é o meu quarto! – e abriu a porta.
- , a luz – disse baixinho, segurando para não rir.
- Ah, é! – a pequena acendeu as luzes, voltou para mim e fez pose – Tchan-ran!
- Ai, meu Deus, eu não aguento! – disse começando a gargalhar e eu não tive como não acompanhar.
- Vem, , tire os sapatos e vem ver – ela disse tirando as botas, eu fiz o que me pediu, ficando apenas de meias e então ela me puxou para dentro do quarto lilás.
Composto por móveis brancos, o quarto era bem espaçoso e cheirava a baunilha. A cama coberta por uma colcha lilás, tapete branco felpudo no chão e cortinas da mesma cor. Armário embutido, duas prateleiras com três ursos de cores diferentes, várias caixinhas de DVD e alguns livros escolares. Mesa para a televisão e o videogame, duas caixas de plástico coloridas abaixo da mesma com alguns brinquedos na mesma, em uma das paredes havia um espelho, um mural com fotos e desenhos de , abaixo dele uma poltrona lilás e, entre este e a cama, uma casinha de bonecas.
- Você gostou? – ela perguntou tirando o cachecol e a touca, e eu me sentei na beirada da cama colocando as mochilas da menina sobre a cama.
- Muito!
- Eu sonhava com um quarto desses quando era pequena, mas eu era muito pobre. , sua sortuda! – disse e eu ri.
- É muito bonito mesmo, vou ter que pensar bem na hora de fazer um no meu apartamento.
- Mentira! – ela comprimiu os olhos para mim – Mentira que você vai fazer um quarto para no seu apartamento.
- Já comprei até as tintas – dei de ombros e ela riu levando as mãos à boca.
- Você é maluco, cara. É pai não faz nem 24 horas e já está assim? , sua sortuda! – ela disse entre risos se sentando na poltrona enquanto se sentava ao meu lado – sabe disso?
- Não. – eu disse simplesmente passando a mão pelos cabelos sedosos da pequena – Assim como eu já esperava, ela ligou, mas apenas para saber se estava tudo bem.
- Então não perde tempo, . Sério – ela disse e eu mordi o lábio inferior inspirando profundamente.
- Então... O que a gente vai fazer pra passar o tempo? – arqueei as sobrancelhas olhando para .
- Podemos assistir a um filme? – perguntou e eu soltei uma risada contida.
- Lógico.
- E comer pipoca? – perguntou olhando para a tia, que já se levantou.
- Vou lá preparar.
- E refrigerante.
- Ok.
- De uva! – ela disse e franziu o cenho rindo.
- Está exigente hoje, hein, mocinha?
- É que hoje é o meu dia – a menina disse e nós rimos.
- Mesmo assim você e o vão me ajudar a trazer essas coisas até aqui, ou você acha que não? – ela disse batendo levemente com o dedo indicador no nariz da menina, que fez careta rindo, e rumou para a porta – Escolham um filme bom.
pediu para que eu pegasse as caixinhas de DVDs e assim o fiz, colocando todas espalhadas por cima do tapete branco felpudo e, como já era de se esperar, todos os filmes eram infantis, a maioria da Disney. Ela disse que tinha assistido a todos e me mostrava cada caixinha, perguntando qual eu já tinha assistido e as colocava nas pequenas pilhas de “ não assistiu”, “ já assistiu, mas não vamos assistir” e “ já assistiu, mas eu quero assistir de novo mesmo assim”. Então ela acabou por escolher High School Musical 3, não é um dos meus favoritos, mas eu não vou discutir com uma menininha de sete anos sobre qual filme ela quer assistir na casa dela, certo? Certo. Estou com a minha filha e nem vou me sentir gay ao assistir a esse filme, não vou mesmo.
Depois de um tempo arrumando as caixinhas no lugar, descemos para ajudar com as coisas e, de volta ao quarto de , nos acomodamos em nossos devidos lugares. Eu no chão, na cama e na poltrona. E colocamos o DVD pra rodar. A pequena ficou mexendo um bom tempo no meu cabelo e depois de um tempo eu ouvi gargalhar.
- , isso não se faz – ela disse entre risos olhando para mim e eu levei a mão à cabeça, tirando de lá uns prendedores de cabelo.
- Você está abusando da minha boa vontade, tampinha! – eu disse comprimindo os olhos e a ataquei, fazendo cócegas enquanto ela gargalhava.
- Eu não faço mais, – disse entre risos – juro!
- Olha lá, essa parte é tão fofinha – disse chamando a nossa atenção e eu cobri o rosto com as mãos, sentando-me na cama ao lado de .
- Não acredito que estou assistindo isso – eu disse e elas riram.
- Eles vão dançar, olha! – disse abaixando minhas mãos – “Take my hand, take a breath, pull me close and take one step...” (Pegue a minha mão, respire, me puxe para perto e dê um passo) – ela cantarolou com um tom de voz suave e eu sorri fraco, um pouco mais confortável.
- Anw, Zanessa era a coisa mais fofa que existia. Sério, por que eles terminaram? Por que, Deus? – suspirou e eu olhei para , que tinha seus olhos fixados à tela da televisão.
- “To keep dancing wherever we go next…” (De continuar dançando em qualquer lugar que a gente vá) – cantei baixinho para ela que somente ela me ouvisse e ela me encarou com os olhos brilhando e um sorriso doce em seus lábios.
- Você sabe! – ela disse quase num sussurro.
- Sei. Vem, dança comigo – eu disse me levantando e ela riu também se colocando de pé sobre a cama.
Ajeitei a postura tomando em meus braços, dançando por todo o quarto, enquanto ela achava tudo aquilo engraçado e ria junto a sua tia, que nos olhava de um jeito divertido. Coloquei a pequena novamente sobre a cama e a fiz girar em volta do próprio corpo, ela parou de frente para mim fazendo uma pose dramática engraçada, arrancando-me risos e fez com que eu também girasse, mas algo me parou. Ou melhor, alguém.
- Fomos pegos no flagra – disse e eu sorri para , que também sorria com uma das mãos na cintura, encostada ao batente da porta.
- Bonita essa bagunça, hein? – ela disse fingindo estar brava, o que só me fez sorrir mais e a puxar para dentro do quarto – Não, não, não...
- Me conceda essa dança, ?
- Meu Deus... – ela franziu o cenho tentando reprimir o sorriso e olhou em volta.
- Vai, ! – incentivou com um sorriso divertido enquanto eu já a puxava para dançar comigo sem esperar resposta.
- Filha! – choramingou pra .
- Dance, mamãe.
- “…Take my hand, I'll take the lead and every turn you'll be safe with me” (Pegue a minha mão, eu vou te conduzir e toda volta será segura comigo) – cantarolei ao seu ouvido, sentindo seu perfume me invadir. E, por mais bobo que aquilo, toda aquela dança me parecesse, eu estava achando engraçado e estranhamente bom.
- Eu não acredito que você sabe cantar essa música – ela riu deixando-se levar.
- Bem, eu já assisti a este filme, conheço um cara que é louco pela Disney e lhe confidencio que ele ficou muito triste quando saiu a notícia do fim de Zanessa. – eu disse e ela gargalhou jogando a cabeça brevemente para trás – Acho que saber cantar a música é o de menos vergonhoso.
- Nossa, esse cara deve ter ficado mesmo muito arrasado – ela disse entre risos se afastando de meu corpo, com apenas nossas mãos unidas e eu a puxei para mim.
girou colando suas costas ao meu peito até estar envolta aos meus braços e e começaram a vibrar entre risos.
- Uhul! Uma salva de palmas, por favor! – disse batendo palmas fazendo acompanhá-la e então ouvimos um bater de palmas descompassadas atrás de nós.
- Muito bom! – o ouvi dizer e nós viramos para ele enquanto se soltava aos poucos de mim.
Era a sempre a mesma sensação, não mudava. Eu podia estar ali, ela podia estar em meus braços, mas sempre me escapava. E era sempre a mesma sensação de impotência.
Todos ficaram em silêncio e ficou entre nós dois, ele franziu o cenho a olhando alguns segundos e, com um meneio de cabeça dela, se virou para mim. Olhando-me de cima, um olhar superior, eu diria. E me estendeu a mão.
- Tudo bem, ? – perguntou e eu apertei sua mão brevemente, sem pestanejar.
- Tudo bem e com você?
- Também. – ele pigarreou – Então... Deu tudo certo com o exame, não é? Agora você não precisa duvidar de nada.
- Não, eu não...
- Robert, ele não duvidava – disse calmamente, completando o que eu queria dizer.
- Ah, ok, desculpe! – ele disse sarcasticamente e arqueou as sobrancelhas – Eu não tive a intenção de insinuar algo errado. está feliz, isso é o que importa.
- Claro – eu disse simplesmente ignorando meu incômodo com relação a ele.
- Bem... – se manifestou entre um suspiro – Nós vamos deixar vocês assistirem o filme.
- Qualquer coisa, estamos na sala – Robert disse buscando pela mão da noiva.
Com um meio sorriso, enviou um beijo no ar para a filha e os dois deixaram o cômodo encostando a porta. Encarei com o maxilar tenso e ela apenas deu de ombros. Como ele pode ser tão prepotente? Já se pode perceber isso apenas pelo modo come ele olha pra você, isso me causa repúdio, é irritante.
- Tia, me dá o meu copo? – ouvi pedir e respirei profundamente.
Mais uma vez eu não podia me exaltar, era a segunda vez no dia em que ficava irritado, mas devia me manter calmo. Mesmo querendo esmurrar o rosto de alguém, eu devia me manter calmo. Repeti essa última parte para mim mesmo algumas vezes e me movi, pois até agora estava estático. me entregou o meu copo e o de , então tornei a me sentar ao lado da pequena com as costas contra a cabeceira e as pernas sobre a mesma. Assistimos ao restante do filme em silêncio, havia me devolvido o copo que eu coloquei no chão junto ao meu no pé da cama e foi aos poucos se aninhando em meu peito.
- Ela dormiu? – perguntei num sussurro depois de um tempo para , que ainda estava ali assistindo o final do filme e ela se mexeu sobre a poltrona para poder olhar o rosto da menina.
- Dormiu – ela disse no mesmo tom e se levantou.
Ela me ajudou sair dali sem acordar a pequena e pegou os copos colocando-os dentro pote de pipoca enquanto eu aconchegava melhor na cama. Beijei o topo de sua cabeça, desligou tudo e nós saímos do cômodo deixando a porta entreaberta. Colocamos nossos sapatos e descemos até a sala de estar, onde Robert e estavam juntos sentados no sofá.
- Ai, meus olhos! – reclamei entre os dentes para ao ver aquela cena e ela riu, entendendo o que eu quis dizer.
- Ei, . – chamou sua atenção e o casal nos olhou – A dormiu, acabou nosso turno, podemos ir embora? – perguntou e se levantou rindo.
- Ah, não! Hoje eu quero que vocês façam hora extra. – ela disse num tom brincalhão abanando o ar e pegou o pote das mãos da prima – Vocês já vão mesmo?
- Já, o vai me dar uma carona, – disse passando o braço sobre meus ombros e eu ri. Não sabia que daria uma carona a ela, mas se ela está dizendo... – Mas antes nós vamos passar numa boate, beber e dançar um pouco. Vou apresentar umas amigas minhas a ele.
Sério, ?
- Hm... – franziu o cenho colocando o pote sobre a mesa de vidro e levou a mão à nuca, incomodada – Sério, numa boate?
Sério, , sua prima tem um parafuso a menos.
- É, a gente vai tentar se conhecer melhor – ela disse e eu a olhei pelo canto dos olhos.
Que porra de conversa estranha é essa?
- É uma boa ideia – Robert disse e o olhou brevemente.
Quem o chamou nessa porra de conversa estranha?
- Ok, então eu acompanho vocês até a porta – riu fraco balançando a cabeça negativamente e seguiu caminho até a porta principal.
- Tchau, Rob-Bob.
- Tchau, . Até mais, – Robert disse, eu apenas balancei a cabeça, ainda assim de má vontade e nós seguimos o mesmo caminho que .
- E, ahm, ocorreu tudo certo hoje com ? – perguntou assim que passei por ela.
- É, nos divertimos bastante – dei de ombros sorrindo de leve.
- Percebi. Você deve ter dado uma canseira nela para que ela dormisse à uma hora dessas – ela disse olhando para o relógio de pulso.
- Ela que me cansou pulando e correndo de um lado para o outro – eu disse e ela riu.
- Pois é, aconteceu muita coisa hoje. Mas vocês podem conversar sobre isso amanhã no encontro de ex-alunos, não é? – disse e eu arqueei uma das sobrancelhas.
- Mas, , que fogo é esse? – tirando as palavras da minha boca, disse entre risos olhando de forma engraçada para a prima que apenas deu de ombros e a puxou para um abraço rápido.
- A gente tem que ir. Qualquer coisa me liga.
- Tudo bem, esquisita. – disse pausadamente ainda a olhando daquela forma e se virou para mim, dando-me um suave beijo no rosto – Tchau, .
- Até amanhã. – sorri de lado e segui com até onde meu carro estava estacionado, destravando-o e nós entramos no mesmo – Cara, você é mesmo muito esquisita.
riu afivelando o cinto de segurança e eu fiz o mesmo, colocando a chave na ignição.
- Ah, para, ! Você me adora.
- Ok, primeiro de tudo: Rob-Bob? – eu disse ligando o carro e ela riu ainda mais.
- É, ele odeia.
- Entendi... – eu ri balançando a cabeça negativamente e dei partida arrancando com o carro dali – E nós vamos mesmo a uma boate, ou...?
- Claro que não, era só pra provocar a minha querida prima. – ela sorriu esperta – Espero que não se importe de me dar uma carona.
- Sem problemas. – eu disse passando a mão livre pelo pescoço – Mas por que, exatamente, você quer provocá-la?
- Ela anda um tanto insensível com relação a si mesma, – ela disse entre um suspiro desanimado – acho que é uma forma que ela encontrou para se proteger e não ter que enfrentar qualquer problema que seja.
- Zona de conforto.
- Exato.
- Isso é um saco! – eu disse e a ouvi rir ao meu lado.
- Eu sei, às vezes dá vontade de pegá-la pelos ombros e dizer: “Pelo amor de Deus, ! Reaja, demonstre que sente algo!” – gesticulou e eu desacelerei a velocidade do carro, parando no sinal vermelho e a encarei.
- O que acontece ou aconteceu para que ela aja assim, desta forma? – perguntei e levantei levemente o ombro – Porque ela não é assim a todo o momento, não é assim com , por exemplo. E quando o faz, ela parece se desligar para não se importar, não sei... Não sei explicar.
- É como eu disse, ela quer se proteger para não enfrentar o problema. – ela disse e eu tornei a olhar para frente, seguindo após o sinal ficar verde – Problema no caso, Robert e você. O noivo e o namoradinho do colégio.
- Acho que não gostei dessa rotulação. – franzi o cenho sorrindo e ela riu.
- Mas você é o namoradinho do colégio, não vejo problema algum nesse rótulo.
- Eu prefiro ser apenas o pai da filha dela, soa muito melhor.
- Ah, tudo bem, você entendeu! – ela abanou o ar ainda entre risos.
- Você vai amanhã com a gente? – perguntei já podendo avistar o seu prédio ao final da rua.
- Não, eu vou aproveitar o meu dia de folga e estudar. Já estou no final do curso, o casamento está chegando, logo eu volto para o Brasil... Oh, terra amada! – ela disse levantando os braços brevemente, arrancando-me risadas – Tenho que me dar muito bem nos projetos pra pegar o meu certificado.
- Você vai mesmo voltar para o Brasil?
- Claro! Aqui é muito frio e a cultura é diferente, o sotaque é tão forte que eu fico perdidinha, fora que só tem gente doida nesse lugar, – ela disse e depois tocou meu ombro – sem ofensas.
Eu estacionei o carro junto ao meio-fio do prédio de e comecei a gargalhar. Sério, nós somos loucos? Você tem certeza disso?
- Tudo bem, não levarei isso para o lado pessoal. – eu disse levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência – Mas o vai, ele vai ficar muito chateado.
- Por que vocês só falam do pra mim? – cruzou os braços – Ok, ele é um carinha legal...
- Um carinha legal? – eu a interrompi com estranheza – Você disse que o é um carinha legal?
- Ok, eu mudei de ideia, ela não é doido. – deu-se por vencida desafivelando o cinto de segurança e eu ri – Talvez eu até ficasse com ele uma vez, mas de qualquer forma, eu não ficaria no país e isso não daria certo.
- Sei. – sorri amarelo, pesaroso por . Poxa, ele gostava mesmo de .
- Satisfeito com a explicação?
- Dá uma chance pra ele, ? – pedi e ela suspirou profundamente – Que mal há nisso?
- Não há! – ela disse de má vontade, o que só me fez sorri mais.
- É só ligar pra ele.
- Ok, vamos ver no que isso vai dar... Mas se der em merda, é por sua causa, então se prepare para carregar essa culpa! – ela disse apontando o dedo indicador para mim e eu ri – Posso ir agora?
- Pode. – eu disse entre risos, ela me deu um beijo no rosto e abriu a porta.
- Obrigada pela carona, .
- Por nada. – eu disse e ela fechou a porta.
Esperei até que ela entrasse pelo portão da portaria, liguei o rádio e então dei a partida. Já estava tarde, era hora de voltar para casa. Após longos minutos eu estava no estacionamento subterrâneo do meu prédio esvaziando o porta-malas, coloquei as pequenas latas de tinta e mais coisas que comprei dentro de um dos carrinhos que deixam disponibilizados para os moradores carregarem suas compras até o elevador, fechei o porta-malas e travei tudo. Coloquei as coisas no chão do elevador e apertei o botão do meu andar.
E quer saber? Apesar de qualquer incomodo que algumas pessoas possam ter me causado hoje, eu estava muito bem e sim, eu comprei as tintas. E sim, eu vou fazer um quarto para no meu apartamento. Afinal, o que tenho a perder com isso? Nada, muito pelo contrário, eu estava muito bem com tudo isso.
Chegando ao meu andar, destranquei a porta do apartamento sendo recepcionado por Snoop, que ficou passando o focinho nas coisas que eu carregava a fim de descobrir se havia algo para ele e lambeu minha mão. Fechei a porta com o pé e segui direto para o segundo andar. Coloquei as coisas no chão do quarto de hóspedes e me joguei sobre a cama sentindo o cansaço se manifestar.
- E ai, Snoop? – eu disse tirando os sapatos com os pés e ele subiu em cima da cama, deitando-se ao meu lado – Como foi o seu dia? O meu foi bem legal... – bocejei – A gente vai começar a pintar esse quarto ainda hoje, mas eu vou descansar um pouco antes.
Com minhas pálpebras começando a pesar, me aconchegando melhor sobre a cama e me apoiei em um dos braços para ajeitar o travesseiro e, pela minha visão periférica, eu notei algo de diferente na cabeceira da cama. Fixei meu olhar ali e sorri ao lembrar o que disse, disse que apenas daria pra quem ela acha legal. E ali estava o adesivo colorido, no quarto que seria dela.

Capítulo 21 - Sue


Eu estava incomodado. Mexi-me desconfortavelmente sobre a cama ouvindo aquele barulho chato, estridente e até então desconhecido, que queria a todo custo me acordar. Abri minimamente os olhos, encarando a parede branca a minha frente e ouvi o som com atenção. Passei as mãos pelos cabelos, nervoso, identificando o toque de meu celular e rolei os olhos colocando um travesseiro sobre o rosto. Caralho! Eu acabei de me deitar, estou cansado, custa me deixar descansar um pouco? Custa nada, poxa. Esperei alguns segundos com a esperança de que a pessoa que estava me ligando desistisse e então o celular parou, mas nem deu tempo de soltar um suspiro de alívio ou comemorar em meio ao silêncio absoluto, pois logo ele tornou a tocar incansavelmente.
Bufei impaciente, amaldiçoando quem quer que fosse aquela criatura tão insistente e me estiquei para alcançar minha calça jeans que estava jogada no chão, sem que precisasse me levantar da cama. Alcancei e a puxei para perto tirando o celular do bolso dianteiro e tornei a me endireitar na cama já o atendendo, sem me dar o trabalho de ver quem era.
- Alô? – eu disse sentindo a voz rouca.
- Você estava dormindo?
- Não, não. Eu estava apenas me fingindo de morto, . – eu disse impaciente encarando o teto – Diz logo o que você tem pra dizer, porque eu estou cansado e quero dormir, porra!
- Eu podia muito bem te mandar pra puta que pariu depois dessa, – ele disse entre os dentes abaixando o tom de voz – mas como sou um bom amigo, acho que devo dizer que você está atrasado.
- Atrasado? – perguntei me sentando subitamente e senti uma leve tontura por conta disso.
- Pois é. Ou você se esqueceu do encontro de ex-alunos? – perguntou e eu olhei para o relógio sobre o criado-mudo.
Droga. Já havia passado do horário combinado! Eu estava tão cansado quando me deitei que ao fechar os olhos o tempo passou voando, ou seja; eu dormi, sim, e dormi até demais.
- Estamos esperando por você há quase uma hora, acho melhor você correr.
- Foi mal, cara. Chego ai em cinco minutos – eu disse me levantando.
- Cinco? – ele disse num tom de deboche, pois sabia que eu nunca chegaria até a casa de para encontrar com eles em cinco minutos se levássemos em conta o fato de que acabei de acordar.
- Ok, vinte! – disse por fim e desliguei o celular, jogando-o sobre a cama – Dez minutos, dez minutos...
Corri até meu closet, peguei algumas peças de roupa e então corri para o banheiro. ei um banho mais do que rápido, fiz minha higiene matinal, me vesti e deixei o banheiro já pegando e calçando um tênis qualquer que estava junto à poltrona. Coloquei meu relógio de pulso e, ahá! Consegui me arrumar em menos de dez minutos. Sorri com essa idiotice vestindo um casaco e recolhendo celular, carteira e chaves. Coloquei tudo nos bolsos da calça e desci as escadas correndo, quase tropeçando, passando as mãos pelo cabelo ainda molhado a fim de deixá-lo pouco mais apresentável.
- Ei, Snoop! – chamei a atenção de meu cão.
Ele estava comendo um pouco de ração do seu pote na cozinha, mas logo veio até mim balançando o rabo freneticamente. Servi-me de um copo d’água e tomei meus remédios.
Até que eu estava disciplinado com relação a isso. Querer tomar remédios, na verdade, eu não queria, mas fazer o que?
Coloquei o copo dentro da pia e me abaixei para ficar da altura de Snoop e acariciei suas orelhas.
- Eu vou sair, mas daqui a pouco a Poppy chega ai pra te fazer companhia, não faça bagunça, hein? – eu disse e ele chorou um pouquinho. Viu como ele entende o que eu digo? – Amanhã eu te levo pra passear.
Levantei-me rapidamente e deixei o apartamento. Pois é, eu estava saindo de casa sem tomar café da manhã ou comer qualquer outra coisa. Não era o certo, pois estou tomando remédios, mas não dava tempo! Sem contar que eu vou almoçar na casa da minha mãe, vou poder me esbaldar, o que é muito bom se você for pensar bem...
Quando já estava dentro do meu carro, pronto para sair do estacionamento subterrâneo, eu senti meu celular vibrar novamente dentro do bolso da calça, então logo o atendi.
- Estou chegando. – eu disse rolando os olhos – Pelo amor de Deus, pare de me acelerar!
- É que o está querendo voltar pra casa, – explicou entre risos – você sabe que ele nem estava tão animado, mas agora com a sua demora...
- Fala pra tentar convencer ele, ou sei lá. Dá um doce pra criança – dei de ombros, mesmo que ele não pudesse ver, prestando atenção no tráfego a minha frente e ele riu.
- Ela já tentou convencê-lo, mas ele é muito mala e... – ele dizia, mas logo um barulho estranho tomou conta da ligação.
- ? – chamou do outro lado da linha.
- Ahm?
- , eu não posso ir com vocês.
- Cara, eu estou chegando. – disse pausadamente.
- Não, você não está me entendendo! Seguinte, uma garota me ligou ontem à noite, eu não posso sair da cidade hoje. Desculpe, mas preciso vê-la – ele disse e eu ri ouvindo um “anw” de fundo, provavelmente vindo de .
- Relaxa, , a pode esperar até você voltar. – eu disse entre risos.
- Como você sabe? – ele perguntou e eu pude imaginá-lo franzir o cenho.
- Você está me devendo uma. – eu disse simplesmente e pigarreei – Ou melhor, pague sua dívida comigo agora me esperando frente à casa da sem reclamar de nada, já estou chegando.
- Beleza, você quem manda! – e desligou.
Liguei o rádio rindo da situação boba e coloquei o celular no bolso. Após longos minutos dirigindo, cheguei à casa de e, como eu havia pedido, estavam todos ali em frente a minha espera. , e conversando e rindo com e , que estava abraçada às pernas da mãe enquanto esta acariciava seus cabelos distraidamente.
Encostei o carro ao meio fio, logo atrás do carro de e todos se viraram para mim assim que desci, batendo a porta.
- E ai, a mocinha já está pronta pra ir? – perguntou de um jeito divertido com as mãos nos bolsos da blusa fazendo todos rir e eu sorri abertamente me aproximando deles.
- Foi mal. – encolhi os ombros ao receber tapas e socos dos meus amigos que me amam demais – Outch! Ok, eu já me desculpei, ainda dá pra chegar lá a tempo.
- Imagine, cara, só estamos te batendo, porque é legal! – disse e eu rolei os olhos rindo, me virando para .
- Desculpe a demora. – disse e ela apenas sorriu assentindo – Vamos, ? – chamei a pequena lhe estendendo a mão que ela logo entrelaçou a sua.
- Awn, quanto orgulho! – disse fingindo enxugar lágrimas abaixo dos olhos.
- Eles crescem tão rápido. – disse fingindo estar com a voz embargada.
- Parem! Vão acabar me fazendo chorar e não quero que vocês me vejam nesse estado – entrou na brincadeira com a voz afetada olhando para cima e abanando o rosto como se tentasse evitar as lágrimas. e eu nos entreolhamos rindo.
- Meu Deus, vocês são idiotas demais. Sério! – rolei os olhos já guiando as meninas para o meu carro – Vamos logo.
Já havíamos combinado como seria tudo: nós nos encontraríamos na casa de e então partiríamos para o tal encontro de ex-alunos. Até pensamos em ir num único carro, mas teria que ficar a viagem toda no colo de alguém e, para mim e para , essa ideia não pareceu ser a mais segura. Então os caras iriam com o no carro dele e e iriam comigo no meu carro. Simples, prático e fácil, certo? Certo. Deslizamos para dentro dos respectivos carros e logo arrancamos dali.
- , eu contei pra mamãe que a gente viu o Palácio de pertinho! – disse do banco de trás e eu sorri de lado olhando para pelo canto dos olhos.
- É, parece que vocês se divertiram bastante. – disse dando uma risada contida – Ela acordou hoje cedinho e me contou do passeio de vocês.
- Foi bem legal. A gente vai fazer isso de novo, não é? – a menina perguntou.
- Claro que vamos! – eu disse olhando para a pequena pelo espelho retrovisor e ela alargou o sorriso, então olhei novamente para – E ai, como você está? Não deu tempo de conversar direito contigo ontem.
- Eu sei, minha prima é problemática. – disse balançando a cabeça negativamente ligando o rádio e eu ri – Mas estou bem.
- E Robert?
- Como assim? – ela perguntou de um jeito estranho e eu franzi o cenho para o tráfego a minha frente.
- Não sabia que ele já tinha voltado de viagem.
- Ah, sim! Dificilmente essas as viagens dele são programas e ele fica no lugar pelo tempo que quiser, só fica alguns dias ou até menos. – ela explicou e deu um suspiro – Ahm, como será essa tal reunião? Acho que não tinha essas coisas no Brasil.
- Não faço a mínima ideia de como é, – eu ri fraco – eu e os caras só estamos indo por sua causa.
- Quanta honra! – exclamou num tom brincalhão.
- Isso mesmo, sinta-se honrada, pois estamos usando uma parte do nosso precioso tempo para agradar exclusivamente a você – eu apontei para ela a ouvindo rir.
- Caramba, como eu sou importante! – disse ainda no mesmo tom e eu rolei os olhos parando o carro no sinal vermelho, então a encarei – Sério, o McFLY fazendo o sacrifício de reservar um pouquinho de seu tempo só para mim? Nossa, eu nunca me senti tão lisonjeada em toda a minha vida!
- Você está tirando uma com a minha cara, não é? – arqueei uma das sobrancelhas reprimindo o sorriso e ela fez o mesmo – Palhaça.
- Desculpe, acho que passei muito tempo com os meninos esperando por você. – ela riu e fez bico – Bobeira pega, você sabia?
- Só te perdoo se tiver comida na reunião, – eu disse passando levemente o polegar sobre seus lábios, que formaram um sorriso doce, e pousei minha mão sobre sua perna – pelo menos para me distrair até o almoço, estou começando a ficar com fome.
- Você está sempre com fome – ouvimos dizer no banco de trás e rimos.
- Isso é verdade – concordou entre risos, entrelaçando suavemente sua mão a minha e eu sorri de lado.
- Não é verdade, eu só não tomei café da manhã – tentei me defender levantando os ombros levemente e tornei a atenção à rua ainda as ouvindo rir – e não sei se aguento até o almoço. Só de pensar na comida da minha mãe, eu já sinto minha boca aguar.
- Hm. Pensar na comida da sua mãe? – perguntou pausadamente e eu assenti sabendo o que viria a seguir.
- É, então... – eu tentei formar um bom argumento para explicar o motivo pelo qual não a avisei que almoçaríamos com a minha mãe, mas ela me interrompeu.
- Comida da sua mãe? ! – ela me repreendeu dando-me um tapa na perna com a mão livre.
- Ai! – eu reclamei e a olhei brevemente – Tudo bem, se você não gosta da comida dela, não precisa comer.
- Ora, você sabe muito bem que o caso não é este. – ela disse abaixando o tom de voz, tentando não deixar a irritação transparecer – Você e essa sua mania de nos levar a certos lugares sem nem, ao menos, me avisar. Ainda bem que é longe, assim posso me preparar psicologicamente.
- Qual é, ? Não é nada de mais – eu disse e ela soltou de minha mão, cruzando os braços.
- Você tem mãe, ? – perguntou num tom cauteloso.
- Aham.
- Ela é minha avó?
- Sim! – eu ri fraco – E hoje você irá conhecê-la. Ela e a sua tia.

- Sue, Sue, Sue!
- , , !
- Sogrinha linda do meu coração.
- Diga logo o que você aprontou, menino – Sue rolou os olhos para o molho branco que preparava, mas com um tom brincalhão em sua voz e eu ri.
- Não aprontei nada.
- Então o que você quer?
- Preciso de sua ajuda. – fiz a melhor cara de cãozinho sem dono tentando desviar sua atenção para mim de alguma forma.
- Tudo tem seu preço. – disse colocando a mão livre na cintura – E não me venha com essa carinha, porque isso só convence a , não a mim!
- O que eu tenho que fazer? – perguntei entre um suspiro dando-me por vencido. Sue sempre fazia isso e era bem provável que me pedisse ajuda na cozinha como pagamento para o que ela faria por mim.
- Lave essa louça, querido, que eu farei tudo que estiver ao meu alcance para te ajudar.
- Mas o que eu vou pedir nem é uma coisa tão difícil assi...
- Lava logo – ela me interrompeu e eu ri pegando a esponja
- Ok, eu vou lavar!
- Bom menino. – disse entre risos – Agora pode pedir o que quiser.
- Bem, como você sabe, o aniversário da está chegando e não tenho a menor ideia do que posso dar a ela. – expliquei e encolhi os ombros – Já tentei fazer com que ela mesma falasse o que gostaria de ganhar, mas suas respostas são sempre muito vagas.
- Onde ela está agora?
- No banho.
- Ainda? – perguntou incrédula.
- Já me acostumei com isso. – dei de ombros rindo.
- Hm... Mas sobre o presente, eu não sei. – ela franziu o cenho – Quais são suas opções até agora?
- São as piores de todas, porque não consigo pensar em nada além do clichê! – fiz careta e a ouvi rir – Mas, ahm... Flores?
- Vão morrer em pouco mais de uma ou duas semanas.
- Bombons?
- Ela adoraria, mas depois te culparia se não conseguisse entrar em alguma roupa.
- Caramba, estou até ficando com medo. – eu disse fazendo Sue gargalhar – Bem, um bicho de pelúcia eu já dei e, sei lá, acabaram as opções... Do que mais ela gosta?
- Ela gosta de você – Sue me olhou brevemente com as sobrancelhas arqueadas e deu de ombros – e da sua banda, acredito que vai amar qualquer coisa que você mesmo fizer usando isso, entende?
- Acho que sim – eu disse pensativo passando a esponja nos copos e os colocando sobre a pia –, mas ahm, eu vou pensar em alguma coisa.
Permanecemos em silêncio por alguns minutos e minha mente girava buscando algo que eu pudesse fazer. Fazer e não comprar. Era apenas isso e simples assim. Passei água na louça colocando tudo no escorredor logo em seguida e sequei a pia, terminando meu trabalho.
- Estou dispensado? – perguntei enxugando as mãos no pano de prato.
- Sim, muito obrigada, querido. – Sue disse desligando o fogo e sorriu para mim – Agora vai lá ver se aconteceu alguma coisa com aquela criatura.
- Ok – eu disse, mas logo ouvimos o barulho de uma porta sendo fechada e passos no andar de cima.
- Talvez ela tenha descido pelo ralo no banheiro, não é possível essa demora toda! – Sue disse num tom mais alto para que ouvisse.
- Eu nem demorei tanto assim, ok? – ela disse entrando na cozinha e arqueou uma das sobrancelhas para mim – O que você está fazendo com um pano de prato na mão?
- Ele estava me ajudando, – Sue disse dando uma piscadela discreta para mim.
- O , mãe? – ela riu andando até mim, tirou o pano de prato de minhas mãos e colocou o mesmo sobre a mesa – Ele não ajuda nem a mãe dele.
- Ei! Ajudo, sim – protestei e ela puxou a língua para mim andando até a mãe.
- Nós vamos sair. Você vai fazer o que hoje? – perguntou abraçando a mãe de lado olhando dentro de uma das panelas sobre o fogão.
- Nada, meu amor, eu vou ficar aqui – ela sorriu docemente para a filha.
- Vai ficar bem?
- Claro, não se preocupe comigo.
- Promete?
- Prometo. – disse e deu um beijo rápido no rosto de .
- Vou te ligar mais tarde – ela disse arqueando as sobrancelhas, como se ela fosse a mãe preocupada com a filha.
- Tudo bem! Agora vai e divirta-se. Eu te amo.
- Também te amo.

- Cara, um monte de gente casou e tem filho, olha isso! – indicou uma garotinha que passou correndo na nossa frente – Estou me sentindo excluído.
- Não foi todo mundo que casou, não estamos tão velhos – eu disse colocando uma das mãos no bolso da calça e olhei em volta.
Nós realmente não estávamos tão velhos e só tinha três crianças ali, contando com e tirando a mulher grávida que estava sentada numa cadeira afastada de nós.
- Se a não tivesse aparecido, eu estaria na mesma situação que você.
- E essa cor escrota. – ele disse olhando com estranheza para as paredes e eu ri – Nosso colégio está cor-de-rosa! Ainda bem que eu não estudo mais aqui.
- Isso não é rosa, , é salmão – eu disse e ele rolou os olhos sentando-se na cadeira ao meu lado.
- Somente uma mulher ou um gay poderia identificar essa cor – ele disse e eu dei de ombros rindo – e você só sabe disso, porque a falou.
- Não, eu sei, porque sou gay. – eu disse e ele riu – Ontem eu assisti High School Musical 3 inteiro, até dancei e cantei as músicas.
- Tem razão, você é gay mesmo.
- Assisti por causa de .
- Que beleza, hein? – ele disse entre risos balançando a cabeça negativamente e cruzou os braços se recostando na cadeira – Já era, cara, você foi laçado por uma garotinha de apenas sete anos.
- Eu até que gostei de assistir, não foi tão ruim assim.
- É porque você é gay.
- Verdade, eu quase me esqueci desse detalhe por alguns segundos – eu disse e nós rimos.
- Argh, eu quero tanto ir pra casa – ele disse entre um suspiro.
- Você está muito nervosinho hoje, qual o problema?
- Não sei... – e estalou a boca – Estou nervoso, ansioso, estou...
- Completa e perdidamente apaixonado! – eu o interrompi gargalhando e ele se mexeu desconfortavelmente ao meu lado.
- Não, também não é bem assim.
- Então como é? – arqueei as sobrancelhas.
- é linda e cara, ela é hilária, você sabe disso – ele disse e deu uma risada contida quando eu concordei – e eu gosto de estar com ela. Eu só queria uma chance, não era como se eu estivesse planejando um casamento! E agora que consegui, não consigo parar de pensar nisso.
- Então admite que está dessa forma por causa dela?
- Talvez.
- E que gosta mesmo e que quer ficar com ela?
- É, mas eu acho que você está querendo transformar isso em uma coisa bem maior do que realmente é, então vou ficar na minha – ele disse coçando a nuca e eu ri.
- Beleza.
- Mas e ai? Você não conversou com ninguém ainda, nem se mexeu... Vai ficar aqui no canto até quando? – perguntou arqueando uma das sobrancelhas.
Dei de ombros mais uma vez. Desde que chegamos ao nosso antigo colégio, há pouco mais de vinte minutos, eu havia apenas colocado o meu nome em uma etiqueta, assim como todo mundo, a grudado em meu peito e estava sentado na mesma cadeira até então. Ainda estava cansado e com sono, a cadeira estava um pouco próximo da mesa de comes e bebes e, me oferecia uma boa visão das poucas pessoas que estavam espalhadas pela sala conversando entre grupos de diversos tamanhos. e conversavam com uns caras e, pelos gestos que faziam, eu diria que falavam sobre a banda. brincava com as crianças por ai, às vezes entrava na sala e depois saia. E estava conversando com tal a moça grávida. Eu não sabia que tanta gente tinha se formado naquele mesmo ano e nem me lembrava do rosto da maioria, menos ainda o nome daqueles que estavam ali. Sem contar que depois de um tempo aqui, nós teríamos de ir até o pátio onde teriam mais pessoas, ou sei lá, não entendi direito quando o cara explicou... Aliás, quem era aqu
ele cara? Quantas turmas de último ano tinham formadas? Nunca me dei ao trabalho de parar para pensar especificamente nisto. E também não vou parar agora, afinal não fará diferença alguma, não é? É.
- Não estou a fim de me socializar hoje.
concordou com um meneio de cabeça e se esticou pegando um doce de sei lá o que sobre a mesa e então nós ficamos ali em silêncio por alguns minutos apenas observando. Pela segunda vez, ele se esticou para pegar um doce, logo o colocando na boca.
- Hm. Dallas passou lá em casa ontem... Conversamos e, hm... – ele disse levando a mão à boca, ainda mastigando.
- E ai? – o incentivei a falar e ele engoliu o doce, finalmente.
- Vamos para os Estados Unidos gravar umas faixas para o novo álbum, fazer tatuagens idiotas e nos divertir pra cacete! – disse todo animado fazendo uma dança idiota e eu ri.
- Quando?
- Daqui uns dias, ou semanas, sei lá. O que importa é que nós vamos e vai ser muito bom! – ele deu de ombros e vimos entrar na sala correndo em nossa direção. Ela se sentou entre nós dois, ofegante e com o rosto corado e tirou a touca da cabeça mexendo no cabelo.
- , segura pra mim? – perguntou me estendendo a touca e eu a peguei.
- Calor?
- Só um pouquinho – ela sorriu.
- Vamos, – um menino parou a nossa frente colocando as mãos nos joelhos, se curvando levemente para frente, também ofegante. Franzi o cenho.
Eu conheço esse menino de algum lugar.
- Calma! – ela pediu um tanto impaciente.
- Quem é o seu amigo, pequena?
- Esse é o Brandon, ele estuda lá na minha escola – ela explicou se colocando de pé e eu comprimi os olhos – Os pais dele são amigos da mamãe.
- Uhm... Entendi.
- Vamos, ou senão eles vão encontrar a gente – o menino disse pegando na mão dela e os dois começaram a correr novamente em direção a porta.
- Você viu isso? – eu disse incrédulo apontando para onde o menino estava antes de sair da sala de mãos dadas com a minha filha e ouvi rir – O pestinha nem falou comigo, que absurdo.
- Ele não vai fazer nada de mal com sua filha. – ele disse entre risos – Acho até que está cuidando muito bem de não deixando que os outros a encontrem, eu costumava ter nojo das meninas nessa idade.
- Não ria, ele é uma peste! – franzi o cenho e ele gargalhou – Ele me chamou de idiota quando fui à escola de , naquele dia em que ela acabou com você no videogame.
- Primeiro, eu deixei que ela ganhasse.
- Uhum – murmurei sarcasticamente.
- E segundo, aposto que ele não te chamou de idiota e você está com ciúmes de pai só porque ele nem ligou pra você – acusou e eu estalei a boca.
- Você não sabe de nada... Espera – franzi o cenho –, nojo? Você disse que tinha nojo de garotas?
- Estou tão orgulhoso de você, sério – ele ignorou o que eu disse me abraçando e eu ri vendo se sentar ao meu lado e me abraçar também.
- O que está acontecendo aqui? – ele perguntou entre risos, eu me mexi um pouco a fim de fazê-los me soltar e assim o fizeram.
- está com ciúmes do menino que está brincando com explicou e riu.
- Mas já está assim? – ele franziu o cenho rindo.
- O que? Ela também sentiu ciúmes de Loren – dei de ombros tentando me defender.
- Loren? – perguntou sério – Está saindo com ela de novo?
- Não, nós nos encontramos por acaso ontem e ela acabou tomando um café com a gente.
- A Loren? – ouvi a voz de . Ele estava sentado ao lado de e eu apenas assenti – Ela é problema, cara, não gosto dela.
- Ela é legal... – disse entre um bocejo – Mas, ahm, aproveitando que você está aqui. A me ligou ontem, disse que tinha uma coisa importante para falar comigo sobre o casamento da , você tem alguma ideia do que seja?
- Eu vi quando ela te ligou e, sei lá, ela está estranha agora que o casamento da está chegando, – gesticulou calmamente – mas não me disse nada.
- Acho que ela está vendo todo o estresse que o casamento causa e está querendo desistir de você – disse levando um peteleco de e nós rimos – ou no mais tardar, te deixar no altar.
- Ela não é nem louca! – ele disse entre risos, mas eu pude sentir um pouco de nervosismo em seu tom – Se ela fizer isso comigo eu vou viver de cerveja, comida congelada e jogos de futebol, talvez isso recupere um pouco da minha masculinidade.
- Legal, a gente veio para o encontro de ex-alunos e os únicos ex-alunos com quem estamos conversando somos nós mesmos. – disse e nós rimos mais uma vez – Sério que sempre seremos os perdedores excluídos?
- Tem gente que fica olhando pra gente de vez em quando, – eu disse o que havia notado nos minutos em que fiquei apenas ali sentado e eles olharam em volta – mas fico feliz que ninguém tenha vindo puxar o saco até agora.
- Vocês se excluem – ouvi dizer, dando ênfase às suas palavras e nós seguimos o som de sua voz. Ela estava em pé ao lado de .
- De onde você veio, criatura paranormal? – perguntou de um jeito brincalhão, fazendo-a rir.
- Tem gente achando que vocês são estrelinhas, que não falam com qualquer um.
- Ah, qual é? Isso é bobeira. Eu conversei com uns caras que nem conheço e brilho muito mais do que um simples “estrelinha”, ok? – ele estalou a boca abanando o ar e nós gargalhamos.
- Eu tenho a leve impressão de que a única pessoa que eu conheço aqui, além de vocês, é o faxineiro – disse e riu balançando a cabeça negativamente, sentando-se entre ele e eu.
- É, porque quando a gente cabulava e te deixava sozinho, era com o faxineiro que você almoçava, não é? – eu disse entre risos.
- Eu ficava excluído, ninguém me queria e ele sempre me dava um pedaço do bolo de carne dele. – ele disse, desolado e nós rimos mais ainda – Ele é um cara bacana.
- Não foi esse faxineiro que passou a mão em você uma vez, ? – perguntou e todos nós gargalhamos.
- Cala a boca.
- Bem, eu só não estou reconhecendo algumas pessoas – disse comprimindo os olhos para as pessoas à nossa frente.
- Aquela japonesa grávida ali é a Catlyn, vocês se lembram dela? – perguntou olhando para cada um de nós a espera de uma resposta, então ela sorriu balançando a cabeça negativamente ao perceber que não a teria – Cat era a única líder de torcida simpática e sempre me fazia companhia nas aulas de educação física.
- Ah, a Cat! – dissemos em uníssono e ela riu.
- Pois é, a Cat! E aquelas outras perto dela também eram animadoras de torcida, mas não vou lembrar o nome de cada uma... – gesticulou – Por acaso vocês conseguem reconhecer o cara sentado ao lado de Cat?
- O gordão? – franziu o cenho apontando para o tal cara.
- Ele não é gordo! – disse abaixando a mão dele.
- Ele é, sim, maninha. Olha lá, ele tem tetas – ele debochou colocando as mãos abaixo do peito, como se ajeitasse um sutiã e nós gargalhamos.
- Para, ! – ela o repreendeu segurando para não rir.
- Eu não acredito que ouvi isso – cobriu o rosto tentando se recuperar dos risos.
- Ah, , vai me dizer que ele não tem? – comprimiu os olhos ainda com um sorriso divertido no rosto, então ela cobriu a boca com as mãos.
Claro, assim como um bom irmão mais velho de mentira, ele estava a provocando. Queria que ela parasse de segurar o riso, porque o cara era gordo, sim.
- Isso é maldade, para! – disse com a voz abafada pelas mãos e arqueou as sobrancelhas – E eu não vou rir, seu idiota.
- O cara é marido da Cat? – perguntou pendendo a cabeça para o lado e todos nós tornamos nossa atenção para o cara gordo.
- É o Joey? – arregalei os olhos e então riu.
- Eu também não reconheci na primeira vez que o vi – a ouvi dizer.
- Nem parece o mesmo Joey brutamontes que estudou com a gente. Em quem ele vai botar medo agora, hein? – disse estufando o peito.
- Então eles se casaram? – perguntou.
- Sim, estão juntos desde aquela época, casados há mais de cinco anos e ela está grávida do segundo filho – ela respondeu.
- Caramba! – exclamei.
- Poxa, mas que legal, cara! – disse e todos nós assentimos – Quem disse que namoro de colegial não vai pra frente?
- A mãe do ! E ainda disse que é sempre perda de tempo, porque nunca dá certo – disse como se fosse a coisa mais normal do mundo e nós o encaramos com os olhos arregalados, então lhe deu um peteleco – Outch!
- Está maluco?
- O que? Por que me bateu? – ele franziu o cenho para , que apenas rolou os olhos e me olhou.
- Precisamos conversar – ela arqueou as sobrancelhas e eu sorri sem mostrar os dentes.
- Ahm... Entendi! Foi mal, , eu vou ali conversar com o meu amigo faxineiro – gesticulou e se levantou.
- A gente vai com você – disse e todos saíram dali dando vários socos e tapas em .
- Ela só disse aquilo pra tentar me animar quando você foi embora pra morar com o seu pai no Brasil, juro – apressei-me em dizer e ela assentiu levemente.
- Tudo bem.
- Você sabe como são as mães. E ela não tem nada contra você!
- Ok, eu entendo. – disse e eu franzi o cenho colocando a touca de e as mãos no bolso do casaco.
Eu achei que ela brigaria comigo, pois além de eu não ter contato sobre, agora ela devia saber que o almoço na casa da minha família era mais do que um grande motivo para contássemos sobre . Mas ela estava calma, ou pelo menos parecia estar.
- Já se preparou psicologicamente? – perguntei com cautela e ela riu.
- Um pouquinho. – sorriu encolhendo os ombros – A ideia de ir até a casa de sua família não foi uma total surpresa, eu já podia imaginar e não é como se estivesse com medo de falar sobre com a sua mãe. Quero dizer, é a sua mãe! Ela é um amor de pessoa e sempre me falava como as suas ex-namoradas eram horríveis – ela disse e eu gargalhei.
- Ela ainda diz que você foi a melhor de todas! “Por que é tão difícil você arranjar uma boa namorada? Eu gostava tanto da e você fica me trazendo essas garotas desmioladas aqui em casa” – eu disse entre risos tentando imitar a voz de minha mãe e foi a vez dela gargalhar – E ela ficou feliz em saber que você voltou pra Inglaterra.
- Eu sou muito grata a ela... Aliás, a todos vocês por terem sido tão bons comigo quando minha mãe faleceu. Sei que pode não ser nada de mais, que sua mãe pode amar , – ela sorriu fraco – mas acho que é normal ficar com um pouco de receio da reação dela quando souber que está de frente com a própria neta que ela nunca tinha ouvido falar antes. Você sabe como é e a sensação deve não ser a mais agradável.
- Não é mesmo. – concordei e ela se afundou sobre a cadeira levando as mãos ao rosto brevemente – Mas relaxa, vai dar tudo certo.
- Só não queria chateá-la – ela disse olhando e mexendo distraidamente com os dedos no cachecol verde que estava em volta de seu pescoço.
Balancei a cabeça negativamente tirando as mãos do bolso do casaco e passei o braço em volta de sua cintura para trazê-la para mais perto de mim, suspirou deixando que uma de suas mãos caísse pesadamente sobre seu colo. Ela olhou para frente por alguns segundos e abaixou o olhar buscando pela minha mão livre, entrelaçando seus dedos gélidos aos meus, quentes, causando-me pequenos e involuntários choques elétricos. Então beijei o topo de sua cabeça, deixando que seu perfume me extasiasse por completo.
- Eu estou com você e vai dar tudo certo. – repeti e ela sorriu ainda com o olhar baixo – Capaz de ela pedir para nós voltarmos todo fim de semana só pra compensar esse tempo que ficou ser vê-las.
- Assim espero, pois adoraria isso com certeza. – ela soltou uma risada contida – Mas...
- Não, ! – eu a interrompi choramingando – Sem mas, sem porém, sem contudo, nem todavia! É isso e fim de papo.
- Minha nossa, como você é chato, ! – ela disse entre risos soltando de minha mão e se afastando um pouco – Eu ia mudar de assunto, não argumentar!
- Desculpe, é o costume de ter que insistir pra te convencer das coisas, você é uma pessoa muito teimosa. – levantei levemente os ombros e ela abriu a boca em falsa incredulidade, fazendo-me gargalhar – Vou fazer o que?
- Teimosa. Vândala... Do que mais você quer me chamar? Não sou teimosa, você que é insistente! – ela rolou os olhos e se levantou, mas eu sabia que estava brincando.
- Isso não é verdade.
- Lógico que é.
- Não é.
- É sim – disse jogando as mãos para o alto e me deu as costas.
- , volta aqui!
Ela me olhou por cima do ombro com um sorriso no canto dos lábios e apertou o passo. Mordi o lábio inferior balançando a cabeça negativamente e me levantei segundos depois, vi saindo da sala e a segui antes olhando brevemente para as pessoas, para os meus amigos completamente absortos em suas próprias conversas. Sem problemas, certamente não se dariam conta da nossa ausência por um tempo.
- ! – chamei assim que cheguei ao meio do corredor enquanto ela ainda se afastava com passos rápidos – Aonde você vai? Não me deixa aqui sozinho com essas pessoas.
Ela se virou para mim, dando passos cegos para trás, franziu o cenho enquanto um sorriso ainda brincava em seus lábios e tornou a andar normalmente. Comprimi os olhos e corri atrás dela, abracei sua cintura e a levantei, girando-a no ar. soltou um gritinho agudo, exatamente como faria, mas logo se interrompeu levando as mãos à boca.
- Shhh... – eu ri colocando-a no chão e ela se virou para mim ainda rindo – Quer nos mandar direto pra detenção? – brinquei.
- Shhh! – ela concordou entre risos colocando o dedo indicador sobre os lábios e o braço livre em volta de meu pescoço enquanto os meus se fechavam em volta de sua cintura, automaticamente nos aproximando ainda mais.
- Já disse que você está linda hoje? – perguntei e ela mordeu o lábio inferior para reprimir o sorriso – Porque está e muito.
- Você também está e... – ela suspirou enquanto eu me aproximava lentamente, fazendo com que seu hálito quente batesse contra meus lábios – As coisas estão cada vez mais difíceis pra mim.
- Não no meu corredor senhor e senhorita .
Ouvimos uma voz feminina e sobressaltou-se, assustada, então nos separamos com certa relutância. ainda fitava o chão quando olhei para o lado a fim de saber quem se atreveu a nos interromper, dando de cara com a ainda mais velha, baixinha e rabugenta diretora, que nos olhava por cima dos óculos de grau.
- Parece que certas coisas nunca mudam, não é mesmo? – a senhora complementou.
- Nós não estávamos fazendo nada de mais, senhora diretora – eu disse levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência e ela ajeitou melhor os óculos sobre o nariz.
- É o que todos dizem, meu rapaz! – ela disse tornando a andar – Há quase dez anos, é o que todos sempre me dizem.
e eu assistimos a diretora andar calmamente com suas pernas curtas até o final do corredor e entrar em uma das salas, só então nos permitimos rir.
- Ela continua encantadora – eu disse ironicamente.
- Que medo, eu podia jurar que ela nos mandaria pra detenção! – disse entre risos, ainda certificando-se se a diretora tinha mesmo entrado na sala – Nos livramos dessa.
- Não é a toa que ela se lembre de nós.
- De nós? – ela me encarou rindo – Era você quem vivia no gabinete dela, eu até tentava evitar que acontecesse, mas era sempre uma luta.
- Será que estamos nos lembrando da mesma situação? – eu ri me aproximando dela novamente, entrelaçando sua mão a minha.
- O CD?
- Sim – eu ri.
- Ainda sinto falta daquele CD. – sorriu de lado e deu de ombros – Mais uma das artes de Snoop... Devia tê-lo guardado na caixa azul, provavelmente você ainda o teria junto à caixa.
- Tudo bem, mesmo ele tendo estraçalhado todo o nosso trabalho, valeu a pena no final das contas. Eu faria tudo de novo.
- Até hoje eu não acredito que minha mãe foi quem lhe deu a ideia de usar a sala de música do colégio pra gravar aquele CD.
- E ela ainda conversou com a diretora pra livrar nossa barra depois que fomos pegos.
- Foi uma das piores ideias, mas eu gostei. – ela rolou os olhos rindo fraco – Ela era um anjo.
- Sente muita falta dela, não é?
- Todos os dias – sorriu de lado.
- Aposto que ela ainda é um anjo – beijei o topo de sua cabeça e sorri para ela – Seu anjo.
- Às vezes é o que eu sinto, mas se for isso mesmo, ela tem que melhorar um pouco – ela disse num tom brincalhão comprimindo os olhos e então começou a andar, puxando-me junto.
- Para onde vamos?
- Dar uma voltinha. Cansei daquela sala.

- Alguém pegou minhas baquetas?
- Eu sei lá das suas baquetas!
- Espero que ninguém toque na minha guitarra.
- Relaxa, cara, a sala de música e o estúdio devem estar lacrados.
- , você ao menos pegou o CD? – perguntou.
Eu me abaixei pegando o CD que estava dentro de uma capinha laranja na mochila e abanei o ar com a mesma com um sorriso vitorioso no rosto.
- Ainda bem, senão todo o nosso esforço seria por nada e eu ficaria muito bravo mesmo.
- Relaxem, vocês estão muito tensos – eu disse me levantando novamente.
- Nós estamos no gabinete da diretora, não tem como não ficar tenso aqui – finalmente se manifestou, então ouvimos o ranger da porta se abrindo devagar e tornamos nosso olhar a ela.
- Fiquei sabendo que vocês estavam aqui, – disse e eu mais que rápido, joguei o CD dentro da mochila – o que aconteceu?
- Você não devia estar aqui! Aqui não é lugar para moças direitas e estudiosas, volte pra sala agora – a repreendeu e ela só fez encostar a porta e se esgueirar para dentro da sala.
- Eu venho aqui de vez em quando – ela cruzou andando despreocupadamente pela sala, olhando para os livros nas prateleiras –, mas não pelos mesmos motivos que vocês, claro.
- É sério, , logo a diretora volta – eu disse e ela me olhou – e se ela te encontra aqui, você vai se encrencar com a gente.
- Então me conta o que aconteceu, por favor? – ela pediu parando diante de mim com aquele olhar doce – Talvez eu possa ajudar.
- Não fala, , ou senão eu te dou um soco no saco agora mesmo – disse e eu mordi os lábios o fuzilando com o olhar.
- , dá o fora daqui! – disse e riu.
- Por quê? – ela franziu o cenho e então me abraçou pela cintura, ainda me olhando daquela forma – , conta, por favor.
- Ah, qual é, gente? Acho que nós podemos contar pra ela... Outch! – reclamei assim que levei um pescotapa – , seu filho da puta!
- Não reclame, eu ainda fui muito gentil com você.
- Eu acho que não tem problema contar pra disse e e eu assentimos em concordância – O CD está pronto e nós já estamos fodidos mesm...
foi interrompido pelo som da porta se abrindo novamente e fechando-se em um baque.
- Devo informá-lo que não tolero esse tipo de linguajar em meu gabinete, senhor – a diretora disse seguindo para trás de sua mesa com uma pilha de papéis em mãos e se soltou de meu abraço entrando na fila que formávamos frente à mesma – pensei que já soubesse desta regra, já que me vista tantas vezes por semana.
- Desculpe-me, senhora diretora, não vai acontecer de novo – disse e só então, depois de colocar os papéis sobre a mesa, o olhar da diretora caiu sobre a única menina ali presente.
- Senhorita , não me recordo de ter solicitado sua presença.
- Eu... Eu soube que eles estavam aqui e fiquei preocupada, queria saber se posso ajudá-los em alguma coisa – tentou sorrir, mas estava envergonhada demais para isso, com as maçãs do rosto avermelhadas e com os dedos inquietos mexendo na barra da saia.
- Sei. – a velha me olhou brevemente e se sentou – Não há nada em que a senhorita pode ajudar dessa vez.
- Posso perguntar o que eles fizeram? – arriscou dando um pequeno passo tímido a frente mordendo o lábio inferior e a diretora ajeitou os óculos sobre o nariz.
- Nunca tive nenhuma reclamação sua, muito pelo contrário. Então, claro, por que não? – abanou o ar e abriu uma das gavetas tirando de lá uma caneta personalizada do colégio – Estes delinquentes quebraram o vidro da porta e a fechadura e invadiram a minha sala de música para usar o estúdio em horário letivo, por interesses nem um pouco acadêmicos.
- Quebraram? – olhou pra gente com os olhos arregalados.
- Quebrei o vidro sem querer, mas a fechadura foi ideia do ! – acusou.
- Eu ia arrumar, até paguei o zelador pra isso! – ele se defendeu e levou a mão à boca para segurar o riso por conta da cara de pau dele de envolver até o zelador na conversa – Mas a ideia de entrar lá foi do .
- A gente não tem equipamentos de estúdio, mas o colégio tem por causa da rádio e tudo mais, não custa nada dividir um pouquinho por algumas horas. – ele disse levantando as mãos na altura dos ombros e a diretora levou a mão à testa balançando a cabeça negativamente – Mas o nosso maior motivador foi o !
- ! – me repreendeu e eu encolhi os ombros.
- Foi por uma boa causa, anjo – eu disse e a diretora grunhiu.
- Tudo bem, senhorita , agora que descobriu o motivo – ela disse chamando a atenção de e eu peguei o CD da mochila novamente –, já pode se retirar.
- Obrigada, senhora diretora, e me desculpe por ter entrado na sua sala sem permissão.
- Ok, dessa vez passa – a velha diretora disse por fim, se virou a fim de deixar a sala e eu coloquei a capinha de CD laranja frente ao peito.
- O que é isso? – perguntou baixinho pegando a capinha em mãos.
- Feliz aniversário – eu sorri e ela abriu a boca incrédula.
- Não acredito nisso... Vocês fizeram tudo isso por minha causa?
- Shh. – os caras e eu fizemos em uníssono.
- A senhorita sabe que posso ouvi-la, não sabe? – a diretora disse batendo impacientemente com a caneta na caderneta ali em cima.
- , dá o fora daqui! – repetiu e ela balançou a cabeça negativamente.
- Não. Que ideia doida foi essa, amor?
- Salve-se enquanto tem a chance, zinha – disse.
- Não! – ela repetiu.
- , – a velha disse espalmando as mãos com força sobre a mesa e se levantou, fazendo com que todos nós nos sobressaltássemos – se a senhorita não deixar a sala neste exato momento, levará a mesma advertência que seus amigos!
- Se você não sair daqui, eu vou quebrar esse CD! – ameaçou, ela apertou a capinha contra o peito e eu passei um de meus braços em volta de seu corpo, guiando-a até a porta.
- Você tem que ir.
- Obrigada, sinto muito pela advertência – ela disse por cima do meu ombro e nós rimos enquanto eu abria a porta, a colocando para fora da sala – Pega leve com eles, senhora diretora.
- É claro – ouvi a diretora dizer sarcasticamente e me deu um beijo rápido.
- Obrigada, eu já amei o presente. Sinto muito, muito mesmo – ela disse assim que nos separamos e fez bico ao me ver fechando a porta.
- Então, senhores, – a diretora começou e deu riso debochado – espero que tenham bastante espaço em suas agendas de aspirantes a “rock stars” para prestar trabalho voluntário. E já aviso que será por muitas semanas.


Capítulo 22 - Mais sete anos?


- Pare de rir! – disse entre risos e cutucou minha barriga.
- Como você me conta uma coisa dessas e não quer que eu dê risada? – perguntei ainda rindo e segurei sua mão, fazendo-a parar.
- Estou apenas descontraindo. – ela encolheu os ombros, abraçando-se mais fortemente assim que um vento gelado passou por nós e balançou a cabeça levemente a fim de afastar uma mecha do cabelo que caíra em seu rosto.
Depois que sairmos daquele corredor, seguimos até o pátio para pegar e então ficamos os três andando pelo nosso antigo colégio, relembrando alguns dos vários momentos que e eu passamos ali. Enquanto mexia com a neve, tentando a todo custo fazer um bonequinho, e eu nos sentamos em um dos bancos de madeira que ficavam espalhados pelo campus, nessa época com a grama coberta por uma camada fina de neve, sentados de lado, um de frente para o outro.
- Até pensei em batizá-la com o nome de Sue, mas por vários motivos que agora me parecem os mais bobos que existem, acabei desistindo e deixei .
Afastei a mecha suavemente com a ponta dos dedos, colocando-a atrás de sua orelha e ela sorriu de forma doce.
- Acho que sua mãe teria gostado – eu disse apoiando o braço no encosto do banco.
- Também acho – suspirou.
Silêncio.
- Quer saber o que estou pensando agora? – perguntei me ajeitando a postura e ela me olhou curiosa.
- Quero.
- Comida – disse e ela riu de forma exausta levando as mãos ao rosto brevemente.
- Ah, não, ! Achei que fosse algo útil – suspirou com um sorriso – De tanto falar, você já está começando atiçar a minha fome.
- Brincadeira, não é só nisso que estou pensando. – eu disse dando ênfase ao “só” e ela riu – É que... Vir até aqui é tão nostálgico quanto qualquer outra coisa, sabe?
- Eu sei, por isso quis vir. – encolheu os ombros e eu abaixei o olhar para meu dedo indicador que desenhava distraidamente formas geométricas sobre a madeira fria do banco – Acha que isso é ruim?
- Não, eu gosto. – assenti e tornei meu olhar a ela para demonstrar sinceridade – Gosto daqui, eu gosto de relembrar o que me fazia bem, o que às vezes faz falta.
- Se eu dissesse que não sinto falta disso, seria uma completa mentira.
- E eu perceberia que era uma mentira – eu sorri de lado e ela deu uma risada contida até ser atingida no braço por uma bolinha de neve que fora arremessada seguida de uma gargalhada gostosa.
- ! – ela comprimiu os olhos para a pequena e nós rimos mais ainda. Bem, na verdade eu gargalhei, mas só até ser atingido no peito.
- Mas o que...? ! – eu a repreendi também.
- Tenho a leve impressão de que ela está começando a ficar entediada – me olhou sorrindo.
- Eu acho que ela está querendo guerra – eu disse olhando para pelo canto dos olhos e ela assentiu.
- Também acho.
- Atacar?
- Com certeza.
- Não! – a menina riu colocando as mãos sobre a touca na cabeça e correu para trás de uma árvore quando nos levantamos.
e eu nos entreolhamos rindo enquanto cada um formava uma bolinha de neve nas mãos e então a “guerra” começou. Claro que depois de um tempo as duas se juntaram contra mim, o que era muito injusto, diga-se de passagem, mas houve escorregões, tombos e vários momentos em que precisávamos parar para nos recuperar das gargalhadas.
- Vá pelo outro lado – disse baixo com um sorriso divertido para que pegássemos , que tentava se esconder atrás de uma árvore, mas não conseguia conter o riso que sempre a denunciava – E não jogue com muita força.
- Eu sei – rolei os olhos.
- Estou de olho em você, – ela gesticulou colocando os dois dedos molhados frente aos olhos e depois os apontando pra mim.
- Ah, está de olho em mim, ? – perguntei entortando o maxilar.
- Sim, não pode jogar forte, essa é a regra – arqueou as sobrancelhas levantando o rosto levemente.
- Você quis dizer assim? – perguntei jogando a bolinha, nem tão forte, se encolheu quando a acertei no ombro e então me olhou com os olhos comprimidos.
- Não acredito que você fez isso – disse pausadamente, arrancando-me risos.
- E ai, o que você vai fazer, ? – provoquei pegando mais neve enquanto ela ajeitava a postura – Acha que eu devo ter medo de você?
- Não, de mim não. – ela disse entre risos e logo senti várias bolinhas me atingirem nas costas, pernas, braços, até na cabeça! Quando me virei vi , , e enchendo as mãos de neve novamente.
- Ah, galera, qual é? – eu ri levantando as mãos em sinal de inocência vendo também se juntar a eles, todos com olhares aniquiladores pra cima de mim – Não, espera! Que covardia.
- Isso é pela forma como falou comigo no telefone hoje – disse e arremessou a bola de neve em mim.
- Eu já pedi desculpa! – tentei argumentar.
- Isso por ter nos deixado naquela sala sem avisar – foi a vez de .
- Mas...
- Isso porque eu estou com fome – .
- Ai já é sacanagem, cara – eu gargalhei e ele deu de ombros rindo – Eu não tenho nada a ver com isso.
- E isso, meu amor, é só porque você jogou em mim – disse por fim com um sorriso de canto, assim como todos, me acertando com uma bolinha de neve e eu joguei as mãos exaustivamente para o alto ouvindo-os gargalhar.
- Caramba, então tudo o que acontece hoje é culpa minha?
- Mais ou menos isso – comprimiu os olhos como se ponderasse a questão e nós rimos, então tornei meu olhar e meu sorriso para , a única que ainda tinha neve nas mãos.
- Pequena, você não vai jogar, vai?
Como se decidisse o que fazer, ela olhou para a mãe e olhou para os caras, que assentiam descarada e freneticamente para incentivá-la a jogar a bolinha de neve em mim. Mas ela olhou para as mãos e deu de ombros deixando a neve cair no chão.
- Estão vendo? Essa é a minha filha e ela tem uma alma boa, nunca me deixaria em desvantagem, diferente de vocês... Amigos – arqueei as sobrancelhas para os caras, ironizando minha última palavra e eles riram. Segui até e a peguei no colo.
- A não ser que vocês tenham muffins a oferecer – disse e todos riram.
- Muffins são bons! – confirmou entre risos.
- Ei, está dizendo que me trocaria por muffins? – cutuquei sua barriga, fazendo-me de ofendido.
- Fala sério, quem não trocaria? – levantou os ombros levemente enquanto os caras gargalhavam.
- Até por uma barra de cereal, eu trocaria – disse entre risos e os dois bateram as mãos num high five.
- Não estou valendo nada mesmo, não é? – rolei os olhos, porém com um sorriso divertido no rosto – Depois não venham chorando pedir atenção, hein?
- Own! – fez bico apertando uma de minhas bochechas e a imitou, apertando a outra com sua mão pequenina.
- Ok, chega. – riu gesticulando – Pra casa da sua mãe, ?
- Mas a reunião já acabou? – franziu o cenho.
- Eu não quero saber, estou com fome – disse já começando a andar em direção a onde os carros estavam estacionados.
- Estou perguntando, porque a queria vir até aqui pra isso, certo? E se ela quiser ficar mais um pouco? – ele continuou e olhou para .
- Tudo bem, , eu acho que já aproveitei bastante. Conversei com algumas pessoas, – ela sorriu para ele – , e eu demos uma volta pelo colégio... Mas obrigada pela preocupação, o é mesmo um chato – rolou os olhos e nós rimos seguindo o mesmo caminho de .
- Se você diz, então está tudo ok! Reservamos esse tempo especialmente pra você, certo, ? – ele disse passando o braço por cima dos ombros de , que me olhou ao ouvi-lo dizer aquilo.
- Foi o que eu disse, mas acho que não acreditou, ficou de gracinhas – eu disse balançando a cabeça negativamente e mordi os cantos dos lábios, fingindo descaso e gargalhou.
Então com o clima descontraído que pairava sobre nós, seguimos até os carros que estavam estacionados frente ao colégio para tomar rumo à casa de minha família, que continuava no mesmo lugar. Era a mesma rua, a mesma casa, só que com a fachada de cor diferente e ela havia passado por algumas reformas no decorrer dos anos. Mas fora isso, ainda era a mesma coisa. Na verdade nada naquela rua mudou radicalmente, estava tudo como costumava ser desde que me entendo por gente, só que um pouco mais velho. Minha casa estava meio velha. Tentei várias vezes convencer minha mãe a se mudar para uma casa maior e melhor, mais nova, até para um bairro com mais segurança, mas ela se recusava dizendo que não existia lugar melhor para morar do que ali e indagava coisas como “Por que você não gosta dessa casa?” e sempre finalizava com “Você nem mora mais aqui, a única que tem gostar dessa casa sou eu! Vivi toda a minha vida aqui”. Então eu desistia de dizer qualquer outra coisa, afinal não adiantaria de nada, minha mãe é como eu, apegada a lembranças. Ou então é só birra da parte dela, porque eu saí de casa muito cedo. Não sei, ainda tenho minhas dúvidas.
Minha antiga casa não ficava tão longe do colégio e não demorou muito tempo até que chegássemos. Estacionei o carro ao meio-fio logo desafivelando o cinto de segurança e desci do para abrir a porta do banco de trás para , que desceu num pulo animado enquanto olhava tudo a sua volta e a deixei na calçada com , que já havia deixado o carro de . Contornei o carro para abrir a porta do passageiro para , mas ela já abria a mesma.
- Você não precisa sempre abrir a porta do carro pra mim, – ela riu olhando onde pisava ao sair do carro.
- Faço questão.
Ofereci-lhe a mão, que ela aceitou com um sorriso que falhou quando seu olhar se direcionou para um ponto além do meu ombro. Fechei a porta do carro e segui seu olhar fixo até sua antiga casa, que costumava ser extremamente branca e agora tinha mais um tom pastel sem graça.
- Tudo bem? – tornei a olhá-la.
- Uhum! Tudo bem. – ela assentiu entre um suspiro e sorriu novamente para mim com os olhos levemente marejados – Mas isso é... – pigarreou – É a primeira vez que venho aqui depois de sete anos e é um pouco estranho agora.
- É. Foi estranho olhar pra essa casa todos os dias e saber que não te veria, não veria Sue... Custei a me acostumar com a ausência de vocês – eu disse travando as portas do carro.
- Acho que nunca vou me acostumar com a ausência dela. – disse baixinho olhando para o chão brevemente – Mais uma razão para eu querer vir até aqui.

- Quem é?
- Sou eu!
- A porta está aberta – ouvi dizer e abri a porta encontrando-a na sala, deitada no sofá com o controle da televisão em uma das mãos.
- Que preguiça, hein? – eu ri fechando a porta atrás de mim – Se fosse um ladrão você já estaria morta.
- Que exagero! Como foi o ensaio? – perguntou sem tirar os olhos da televisão.
- O mesmo de sempre – dei de ombros colocando minha sacola em cima do outro sofá e me deitei em cima dela, soltando todo o meu peso.
- Ai, ! Sai daqui – ela disse tentando se mexer em baixo de mim – Você é pesado, sabia?
- Eu estava com saudades de você! – fiz bico.
- A gente se viu hoje cedo – rolou os olhos rindo e me deu um selinho.
- Já são nove da noite, faz muito tempo, ok?
- Nossa, quanta carência...
- Eu vim cuidar de você.
- Desse jeito?
- Ah, é isso o que você faz com o meu carinho, ? – arqueei as sobrancelhas e lambi desde seu queixo até sua testa.
- ! Credo! – ela fez careta e eu ri.
- Você não me dá valor.
- E você é um chato. Sai de cima de mim agora, é sério!
- Senta direito, garoto – ouvi a voz de Sue, mas não me mexi.
- Vai logo, insistiu e eu estalei a boca me sentando corretamente enquanto ela dava espaço colocando os pés sobre minhas pernas.
- Enquanto Joey era todo travado, é um desalinhado – Sue disse entre risos sentando-se no outro sofá.
- Mãe! – a repreendeu.
- Travado? – eu franzi o cenho rindo.
- Mãe...
- Sim, eu não podia nem olhar pra ele. Acho que ele tinha medo de mim – ela deu de ombros e eu ri mais ainda.
Quem tem medo de Sue? Digo, olhe só para ela! Sue deve ser a mãe mais tranquila que eu conheço, tudo bem que não dava nenhum trabalho e era uma aluna excelente, mas mesmo assim.
- Depois daquele susto que você nos deu, era pra ter medo mesmo.
- Que história é essa? – olhei para e ela abanou o ar.
- Nada de mais, querido – Sue disse calmamente – Desde os sete anos, Joey sempre foi meio... Ahm... Como posso dizer?
- Estranho? Frouxo? Gay? – perguntei com um sorriso divertido no rosto, Sue gargalhou e me deu um tapinha no braço – Eu sempre soube.
- Não vou nem falar nada pra vocês – disse tornando a zapear os canais.
- Por quê? Você iria partir em defesa dele?
- Eu não disse isso.
- Mas pensou.
- Para de ser chato, – ela rolou os olhos.
- Qual é o problema vocês hoje, hein? – Sue perguntou e e eu nos entreolhamos.
- Estamos com TPM – eu disse simplesmente e Sue gargalhou mais uma vez.
- “Estamos”? – disse entre risos e assentiu reprimindo o sorriso.
- E esse é só o começo! Falando nisso...
- Você trouxe? – ouvi perguntar num tom beirando a euforia enquanto me esticava para pegar a sacola e tirei de lá um pote de sorvete.
- Claro.
- Anw, muito obrigada! – ela me abraçou e começou a abrir o pote.
- E a colher?
- Não precisa – ela disse passando o dedo pela tampa do pote e eu ri.
- Vai com calma, , senão depois você fica reclamando que sua roupa está apertada e blá, blá, bl...
- Está me chamando de gorda?
- Não! – me apressei em dizer – É claro que não.
- É bom mesmo que não esteja!
- Não seja tão dura com ele, filha – Sue disse ajeitando-se melhor sobre o sofá, colocando os pés sobre o mesmo – Ele veio cuidar de você.
- Obrigado, Sue! – eu disse, então me virei para – Viu? – arqueei as sobrancelhas para ela, que rolou os olhos mais uma vez.
- Mãe, você é o meu anjo, mas ai! Agora ele vai ficar se achando só porque você disse isso – ela resmungou e Sue e eu rimos.
- Mas é a verdade, eu sou o melhor namorado do mundo.
- Ok, agora vai lá pegar uma colher pra mim, melhor namorado do mundo.

- Abre a porta ai, disse impaciente quando apertei a campainha – Eu estou com muita, muita fome. Sério, vou morrer se tiver que esperar mais.
- Agora ele é só visita, , ele não mora mais aqui – explicou.
- Mas deve ter a chave.
- Esqueci no meu apartamento – eu disse dando uma risada curta.
- Mas é um abençoado mesmo... – ele disse arrancando-me gargalhadas, sem conseguir evitar o pensamento de que coisas como essa eu podia esperar de . E então a porta principal se abriu.
- MÃE! É o ! – minha irmã gritou por cima do ombro antes de jogar os braços em volta de meu pescoço para um abraço e depois se afastou ainda apertando meus braços – Que saudade de você!
- Eu não senti sua falta, não, viu? – balancei a cabeça negativamente, mas com um sorriso no rosto – Mas fico feliz em saber que sentiu a minha.
- Idiota.
- Beleza, pirralha? – disse apertando o nariz dela, já entrando na casa e minha mãe se juntou a nós – Tia, cadê a comida?
- Olá para você também, , eu estou muito bem obrigada – minha mãe sorriu para ele que a abraçou rapidamente.
- Desculpe, tia. Dá pra ver que a senhora estámesmo ótima... Está espetacular, de verdade! Eu nem precisaria perguntar – ele disse fazendo gestos exagerados e nós rimos – Mas cadê a comida?
- Na cozinha, ora. Onde mais estaria? – ela disse num tom brincalhão e ele seguiu para não sei onde. Provavelmente para a cozinha.
e as cumprimentaram logo entrando em casa, mas permanecendo no hall. E quando sobraram apenas três pessoas, minha mãe franziu o cenho para , para e para nossas mãos unidas.
- Mãe, eu não sei se você se lembra, mas essa é . , essa é minha amada e querida mãe – eu disse num tom brincalhão e deu um sorriso tímido enquanto minha mãe ainda a analisava.
- Caramba, e eu achando que tinha finalmente enlouquecido – minha irmã disse entre risos.
- Mas... – minha mãe piscou algumas vezes antes de deixar que seu rosto se iluminasse em um grande sorriso e tomar em seus braços – Como eu não me lembraria? Você está linda, meu amor!
- Obrigada, senhora riu retribuindo o abraço – A senhora está realmente ótima.
- Graças a Deus é você! Achei que tinha mesmo enlouquecido – ela disse se afastando um pouco – Mas você está linda, linda mesmo! – e a abraçou de novo – É tão bom te ver!
- Ok, mãe, ela precisa respirar – eu disse e elas se separaram entre risos.
- Eu senti falta dela, ora essa! – ela me olhou feio levantando levemente os ombros – Ela é bem melhor do que todas aquelas tranqueiras que você me trás aqui.
- Não disse? – arqueei as sobrancelhas para , que riu.
- E essa pequena? – minha mãe se virou para que se encolheu com a timidez, mas sorriu educadamente.
- Essa é , mãe – eu disse.
- Minha filha – disse e minha mãe franziu o cenho passando os olhos por nós três, demorando-se mais em mim e por fim sorriu abertamente para a pequena.
- Oi, , tudo bem? – ela perguntou passando a mão brevemente pelos cabelos da menina, que assentiu – Eu estava te olhando agora e, poxa vida, você deve ser a menina mais linda que eu já vi! Quero que se sinta à vontade em minha casa, ok?
- Ok – sorriu.
- Vocês podem levar para a sala de TV, por favor? – minha mãe perguntou olhando para os caras e para a minha irmã, estendeu a mão para e logo eles saíram do meu campo de visão.
- O que eu perdi? Vai ter conversa séria, é? – minha irmã franziu o cenho enquanto e eu entravamos em casa.
- Filha, vá fazer sala às visitas.
- Eles não são vistas, mãe, você mesma diz que somos uma família – ela rolou os olhos fechando a porta.
- Anda logo! E vocês dois vêm comigo – minha mãe disse séria, seguindo para a cozinha.
- Uh, está bem. Que estresse! – ela disse arqueando as sobrancelhas e virou-se para – Oi, . É tão bom te ver!
- Estou feliz em vê-la também – sorriu recebendo o abraço rápido de minha irmã.
- Adorei sua roupa, você está mesmo muito linda – ela disse fazendo rir.
- Obrigada, voc...
- Por favor, não se case.
- Como? – franziu o cenho ainda rindo depois de ser interrompida.
- Está louca? – repreendi minha irmã.
- O que ela quis dizer com isso? – ela me perguntou olhando para minha irmã por cima do ombro enquanto eu a puxava para longe.
Ou pelo menos até a porta da cozinha, onde minha mãe nos esperou para entrar logo em seguida encontrando , que atacava as panelas quentes sobre o fogão com um garfo na mão.
- , querido, você pode nos dar licença?
- Claro! – ele disse espetando com o garfo um pedaço de filé de frango e deixou a cozinha.
- Ahm... Podem se sentar – minha mãe gesticulou para os bancos altos próximos a bancada, assim fizemos e ela ficou em pé ao meu lado – Então, o que eu vi é realmente o que estou imaginando? Aquela menininha, sua filha...
- É, mãe – eu comecei entre um suspiro – é minha filha, fizemos um exame de DN...
- DNA? – ela me interrompeu com os olhos arregalados.
- É...
- Pra que se está na cara da menina que ela é sua? Ela é você... É ela... Não tem como dizer que não! – ela gesticulou em nossa direção.
- Fletch disse que agi bem.
- Fletch é ótimo, eu o adoro, mas aposto que nesse momento ele só quer saber da sua carreira. Que coisa, menino, você tinha dúvidas? Eu percebi sem nem precisar de exame algum! – rolou os olhos para mim e então olhou para – Você aceitou isso?
- Bem, isso na verdade não foi nenhum problema – disse calmamente enquanto seus dedos brincavam com os meus distraidamente – Eu esperava que isso pudesse acontecer e já havia preparado para tal situação.
- Então eu tenho uma neta – ela disse como se tentasse se situar na conversa, depois olhou para mim e puxou... Aliás, praticamente se pendurou em minha orelha – Seu moleque, eu falei tantas vezes pra você tomar cuidado com isso!
- Ai, ai, mãe! – reclamei tentando me livrar de sua mão, que só fez se apertar ainda mais.
- Nada de ai! Eu vou é arrancar sua orelha fora se você me disser que já sabia da existência dela – ela disse com veemência – e é bom que não minta pra mim!
- Não, ele não sabia! – se apressou em dizer, o que eu agradeci mentalmente milhões de vezes – Ele nunca soube.
- Ah, não? – minha mãe suspirou finalmente soltando minha orelha.
- Não, mãe! – franzi o cenho, ofendido, esfregando minha orelha que queimava em dor – Até parece que a senhora não me conhece. Eu nunca deixaria de reconhecer um filho, independente das circunstâncias.
- Ok, desculpe-me – ela disse passando breve e carinhosamente a mão pelo meu rosto – Eu sei que você não faria isso, mas não custa nada perguntar.
- Quase custou minha orelha, poxa vida! – choraminguei fazendo-as rir.
- Anw, meu filho – ela me abraçou de lado rindo – Você já é adulto, sabe o que faz e toma suas próprias decisões, mas conforme-se, pois eu sempre lhe darei alguns belos puxões de orelha.
- estava receosa com a sua reação – eu disse e ela se afastou um pouco de mim para poder olhar melhor para .
- Não se preocupe, foi apenas um pequeno choque, nada de mais. Afinal não sou eu quem terá que pagar pensão mesmo. – ela disse arrancando risos de – Só fiquei com medo de não ter educado direito ao ponto de ele ter te deixado sozinha com uma criança pra criar.
- Entendo – sorriu.
- E, claro, eu quero conhecer a minha neta melhor. Ela é realmente a menina mais linda que eu já vi em toda a minha vida, só não deixe minha filha ouvir isso! – ela disse olhando por cima do ombro para se certificar de que não havia ninguém na porta e nós rimos – Mas ahm... , eu também quero saber da sua história, ok? Começando pelo dia em que você deixou o meu filho completamente desolado, aos prantos...
- Mãe, não exagera!
-... No quarto – ela continuou falando – E terminando no dia de hoje, pode ser?
- Sim, com certeza – sorriu.
- Mas não agora, não é? Acredito que vocês estejam assim como , mortos de fome – ela disse se soltando de mim.
- Sim, estamos. – eu disse me levantando e lhe dei um beijo estalado no rosto – Obrigado.
- Tudo bem, meu filho, agora me deixe terminar de arrumar o almoço, ainda tenho que pôr à mesa – ela riu e eu assenti.
- Eu ajudo – disse colocando a bolsa sobre o balcão e se levantou.
Deixei as duas na cozinha enquanto elas engajavam uma conversa e segui para a sala de TV, onde os demais estavam. Os caras estavam no sofá de três lugares, prestando atenção na televisão e então eu me sentei no sofá de dois lugares, entre e minha irmã, que conversavam baixinho.
- Posso ficar aqui, não é? – sorri afagando os cabelos da pequena, puxando-a pra mais perto até que se acomodasse em mim.
- Cadê minha mãe? – perguntou coçando os olhos.
- Está na cozinha, mas ela já vem, ok? – eu disse e ela assentiu tornando seu olhar à televisão.
- Acho que ela está com sono – minha irmã disse.
- Ela acordou cedo – eu disse com um meneio de cabeça e ela ficou me encarando por um bom tempo.
Silêncio.
Mais silêncio e o seu olhar incômodo pesar sobre mim.
- Que é? – com o cenho franzido, finalmente perguntei a ela.
- Ela é sua filha, não é? – perguntou como se aquilo não fosse nenhuma novidade e eu sorri convencido.
- É.
- Mamãe brigou contigo?
- Ela puxou minha orelha! – eu disse indignado levando a mão à mesma e ela gargalhou.
- Está vermelha – ela disse entre risos.
- Nem lembro quando foi a última vez que ela fez isso.
- Ei, querem parar com esses cochichos? Eu quero ouvir o filme! – nos repreendeu e nós rimos.
- Foi mal, cara – eu sorri.
- Ah, ela fez isso na última vez que você veio aqui. – brincou abanando o ar, fazendo-me rir e abaixou um pouco o tom de voz – Mas você e vão explicar essa história para nós, não é?
- Claro.
- Nem acredito que esse doce de menina veio de você – ela disse olhando brevemente para com um sorriso terno – Ela é a todinha! Exceto pelos olhos , confesso que se parecem um pouco com os seus, mas os dela são muito mais bonitos.
- Eu sei – concordei enrolando uma mecha dos cabelos da pequena em meus dedos, sem nem me importar de minha irmã tirar uma com a minha cara, minha filha era linda mesmo.
- Prepare-se para a adolescência, você estará muito ferrado.
- Fica quieta! – eu disse e nós rimos – Eu já perdi sete anos, não queira pular mais oito, nove ou dez, pois ainda estou aproveitando e me adaptando.
- Ok, não está mais aqui quem falou. – ela levantou as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência e então abaixou ainda mais o tom de voz – E a vai se casar com o tal alemão mesmo?
- É o que ela pretende até o momento – eu disse no mesmo tom.
- Vai roubar a noiva? – perguntou com um sorriso divertido.
- Calma, estou fazendo tudo aos poucos, ela tem que querer estar comigo.
- É isso ai, irmãozinho! – ela disse levantando a mão, que eu bati num high five – Você tem que fazer alguma coisa, assim, pelo menos, eu não terei tanta vergonha pra pedir aquela bolsa dela emprestada.
- Você nem é interesseira, não é? – perguntei entre risos.
- Além de ser o amorzinho da sua vida, – ela sorriu encolhendo os ombros – ela se veste muito bem, vou fazer o que?
- Ei, venham comer – minha mãe disse parada no portal entre a sala de TV e a de jantar.
Os caras se levantaram em um pulo, vangloriando a minha mãe e a enchendo de beijos e abraços enquanto ela ria do jeito deles, que logo correram para se servir. Minha irmã foi atrás e e eu seguimos o mesmo caminho.
- Cadê a ? – perguntei para minha mãe enquanto todos nos sentávamos à mesa.
- Foi tomar um ar – ela disse simplesmente e eu assenti.
Mas não houve muito tempo até que eu resolvesse ir atrás dela, logo entrou no cômodo e se sentou na cadeira vaga ao meu lado com uma expressão um tanto abatida.
- Está tudo bem? – perguntei num tom baixo sob o barulho dos talheres batendo contra a louça e conversas aleatórias.
- Sim. – ela disse entre um suspiro e sorriu levemente olhando para as travessas e refratárias sobre a mesa.
- Você não parece bem. Aconteceu alguma coisa? – insisti e ela me olhou por fim.
- Só senti um leve enjoo, mas estou bem.
- Como assim um leve enjoo, ? – franzi o cenho e de repente todos ficaram em silêncio.
- Está passando mal, ? – perguntou.
- Você está meio pálida, se quiser nós podemos te levar no hospital – disse.
- Quer vomitar? – perguntou de boca cheia e todos riram.
- Que nojo, ! – minha irmã, que estava sentada ao lado dele, riu lhe deu um tapa no braço – Desse jeito sou eu quem vai vomitar.
- Eu estou bem, juro – sorriu.
- Talvez ela só precise comer – minha mãe disse e elas se entreolharam de uma forma muito estranha, diga-se de passagem, e assentiu começando a servir o prato de .
- O que foi isso? – perguntei olhando para as duas.
- Isso o que? – minha mãe franziu o cenho.
- Esse jeito estranho como você falou...
- Deixa de bobeira, – ela riu.
- Então, – eu comecei sem conseguir reprimir minha curiosidade – o que vocês conversaram na cozinha?
- Não consegui deixar de notar o anel na mão dela e me contou que está de casamento marcado, então perguntei sobre seu noivo – ela deu de ombros e pigarreou – Não foi isso, querida?
- Uhum.
- Vocês vão contar como a pequena chegou até aqui? – minha irmã sorriu encolhendo os ombros, querendo mostrar-se meiga para que seu pedido fosse atendido e eu ri – Estou curiosa.
- Ah, não! Eu já ouvi essa história! – protestou num tom brincalhão.
- É. Por que vocês não perguntam sobre o meu noivado? – disse levantando a mão direita, mostrando seu anel – Tia, a senhora não percebeu que eu também tenho um?
- Ahm, já havia me esquecido como músicos são sensíveis – minha mãe disse respirando profundamente e arrancando-nos risos.
- O anel da é mais bonito, disse entre risos.
- E seu noivado foi anunciado em todos os meios de comunicação possíveis! – disse com um sorriso no rosto – Não sei nem como ainda está a salvo dos...
- Parasitas. – dissemos em uníssono com bastante entonação e rimos – Mas ahm, a pode contar, não é? – eu sorri para ela, que me olhava pelo canto dos olhos como se já esperasse que eu deixasse essa tarefa a ela – Você sabe dos detalhes.
Concordando com um meneio de cabeça e um sorriso, ela respondeu todas as perguntas que minha irmã logo despejou sobre nós. Ela contou a “história” de forma descontraída e eu, os caras e até mesmo , a ajudamos em algumas partes para que ela pudesse almoçar também. No geral foi bem tranquilo, pelo menos nas partes da história em que eu estava. não falava muito sobre o pai e em nenhum momento mencionou o fato de ter passado um tempo na Alemanha, o que me incomodava e sempre incomodaria até que ela finalmente revelasse o que de tão traumático aconteceu lá.
Quando foi iniciada outra conversa e ajudava minha irmã a tirar a mesa, eu me levantei e peguei no colo, que estava piscando os olhos tão profundamente há pelo menos uns dez minutos. Subi as escadas até o segundo andar, eu entrei em meu antigo quarto deixando a porta entreaberta e coloquei sobre a cama, cobrindo-a com uma coberta cinza que tirei do armário. Depositei um beijo em sua cabeça.
- Vou dormir só um pouquinho, ok? – disse baixinho, com a voz arrastada e olhos miúdos. Eu ri fraco, ajoelhando-me ao lado da cama, acariciando seus cabelos.
- O quanto você quiser, pequena.
- Eu gostei da minha nova avó! E minha tia é muito bonita.
- Espere até conhecer o resto da família, eu tenho certeza de que vai adorar. – eu disse em seu mesmo tom e bocejou – Ok, eu vou te deixar dormir.
- Não, papai. – ela disse tocando uma de minhas mãos e eu senti o meu corpo todo estremecer imediatamente ao ouvir aquela última palavra. fechou os olhos se abraçando ao meu antebraço e um sorriso se formou em meu rosto – Fica aqui.
Encarei sua expressão suave por alguns segundos e então me movimentei, deitei ao seu lado, abaixo da coberta e, sem soltar meu braço, a pequena apoiou sua cabeça em meu peito. Aos poucos eu senti seu corpo relaxar, sua respiração ficar mais calma, mais profunda e logo após alguns minutos já estava dormindo. Eu comecei a sentir um pouco de calor por conta do casaco e da coberta, mas na verdade não me importei e permaneci ali, afagando seus cabelos ainda com aquele sorriso bobo estampado no rosto e olhando para o teto quase todo escuro, exceto pela luz que se esgueirava do corredor pela porta entreaberta.
“Papai”. Fechei os olhos e respirei profundamente. É normal que eu me sinta tão bem, tão feliz, quanto estou me sentindo agora? Eu já não conseguia mais me imaginar sem isso! Sem , sem ... Parecia-me tão certo tê-las comigo.
Abri os olhos depois de um tempo, vendo a luminosidade diminuir enquanto alguém fechava a porta, mas ela parou assim que virei o rosto para ver quem estava ali.
- Pensei que estivesse dormindo também – ela sussurrou.
- Ela pediu para que eu ficasse – sussurrei em resposta e balançou a cabeça negativamente, mas eu sabia que ela também sorria.
Depositei um beijo no topo da cabeça de , me levantei com cuidado para não acordá-la e deixei o cômodo fechando a porta atrás de mim com ainda com o olhar preso lá dentro.
- Senti sua falta e vim verificar – ela disse e enfim me olhou – Faz tempo que ela dormiu?
- Faz.
- O que foi? – perguntou depois de um tempo e franziu o cenho rindo.
- O que?
- Por que está sorrindo tanto?
- Estou sorrindo? – perguntei, pois realmente não havia notado. Mordi o lábio inferior.
- Sim, está – ela sorriu desconfiada.
- Deve ser porque eu sou um cara muito feliz – dei de ombros a abraçando pela cintura, afastando-nos da porta.
- Só isso?
- Sim, só isso. Acho que nem cabe tanta felicidade dentro de mim, por isso estou sorrindo sem nem perceber – eu disse e dei um beijo estalado no rosto dela, arrancando-lhe risos – Ah, e devo estar feliz também porque acabei de ouvir, pela primeira vez, a minha filha me chamar de papai.
Dei de ombros novamente, como se não fosse grande coisa e vi , instantaneamente, sorrir tanto quanto eu. Ela me olhou com ternura, passou a mão carinhosamente pelos meus cabelos e foi a vez dela de me dar um beijo no rosto. Um longo beijo macio e suave.
- É bom te ver feliz por isso. – e tornou a me olhar – Agora não sei se agradeço por você ser assim, ou se te parabenizo, papai.
- Eu aceito os dois – arqueei as sobrancelhas e ela rolou os olhos rindo.
- Vamos descer – ela disse se afastando e entrelaçou nossos dedos.
- Não! – choraminguei plantando os pés no chão, recusando-me a seguir seus passos.
- Por que não? – franziu o cenho e então eu a puxei para o quarto de hóspedes, deixando a porta entreaberta.
- Porque elas vão nos encher de perguntas de novo e eu quero respirar um pouco, estou morrendo de sono – eu disse me sentando na beirada da cama e brincando distraidamente com os dedos de , que ficou em pé a minha frente.
- Porque você está tão cansado? – ela perguntou mexendo com a mão livre em meus cabelos e eu suspirei.
Passei boa parte da noite anterior pintando as paredes do quarto de hóspedes do meu apartamento para , foi só a primeira mão de tinta, confesso que deu um trabalhinho e que fiz um pouco de bagunça, mas não queria falar sobre isso com ela. Bem, pelo menos não por enquanto. Queria boa parte do quarto já pronta, eu queria mostrar a ela, surpreendê-la e ver sua reação. Contar agora não me proporcionaria tudo isso, por essa razão eu apenas dei de ombros.
- Fui dormir muito tarde – e soltei de sua mão, passando a tirar a blusa. Estava muito calor, provável que o aquecedor estivesse ligado.
- Sei – disse simplesmente e eu percebi que sua atenção sobre mim havia se dobrado.
Seus olhos percorreram cada centímetro do meu corpo, atento aos meus movimentos e demorando-se mais em meus braços e no pescoço recém descobertos.
- Sei – ela repetiu cruzando os braços e olhando para o chão brevemente, inquieta, o que me fez sorrir de lado. Ela pigarreou – Mas temos mesmo que ficar aqui? Não curto muito esse quarto.
- É, você sempre gostou mais do meu – disse num tom malicioso, arqueando as sobrancelhas, mas apenas para fazer com que ela relaxasse um pouco.
Independente do olhar que tenha me lançado, eu sabia perfeitamente à que aquele quarto lhe remetia. Sue. Antes de seu pai chegar à Inglaterra para buscá-la, passou vários dias sozinha ali e várias noites chorando baixinho contra meu peito até enfim pegar no sono, tomada pelo cansaço. Parecendo pensar o mesmo que eu, com um meneio de cabeça, se sentou ao meu lado deixando que um sorriso divertido brotasse em seus lábios e descruzou os braços.
- É a mais pura verdade – ela riu balançando a cabeça negativamente – Mas você também não me deixava sair.
- Touché! – levantei levemente os ombros e nós rimos – E sua mãe sempre brigava com a gente, dizendo que não devíamos ficar aqui sozinhos enquanto minha mãe estava trabalhando.
- Eu nunca havia quebrado tantas regras dela antes de você aparecer.
- Eu te estraguei um pouquinho e você me disciplinou, ficamos quites – eu disse jogando o corpo para trás até me deitar na cama, encarando o teto e riu.
- A sensação era boa. – ela disse mexendo as pernas freneticamente – Quando estava com você, eu sentia como se pudesse fazer qualquer coisa.
Ela me olhou por cima do ombro e então se deitou ao meu lado de barriga para baixo, apoiando-se nos cotovelos para me olhar de cima.
- Posso te perguntar uma coisa? – ela mordeu o lábio inferior e agora eu me pergunto: como negar algo a ela?
- Pode – eu disse mexendo numa mecha do seu cabelo.
- Ok, você pode me achar uma boba por isso, mas... Como foi o baile?
- Baile? – franzi o cenho.
- Sim, o baile de formatura que levei meses para ajudar a organizar – gesticulou rolando os olhos – Mas não eu pude ir, porque estava em outro país?
- Hm... – comprimi os olhos – Quem quer saber? Uma das organizadoras ou a aluna?
- Organizadora – disse, mas ainda em tom de dúvida.
- Ah! Eu gostei bastante, viu? Você organizou muito bem a disposição das coisas no ginásio, parabéns! – eu disse e ela sorriu – Ocorreu tudo bem com segurança, decoração, o som...
- Vocês tocaram? – ela me interrompeu toda animada.
- Sim.
- Que bom, deve ter sido ótimo! Eu adoraria ter visto isso... – ela riu fraco abaixando o olhar para suas mãos brevemente – Hm, agora é a aluna , sua namorada na época quem quer saber, ok? – disse entre um suspiro e eu assenti – Como foi o baile, ?
Analisei sua expressão por alguns segundos e por fim confessei:
- Foi chato. O clima não era um dos melhores entre a banda, não estávamos tão entrosados quanto costumamos ser e não concordávamos em quase tudo, mas mesmo assim tocamos sob as ameaças da diretora, já que tínhamos nos comprometido antes. – eu disse encolhendo os ombros e ela riu – E nenhum de nós ficou muito tempo no baile depois disso, porque não seria a mesma coisa sem você.
- Nenhum ficou? – perguntou franzindo levemente e eu balancei a cabeça em negação – Mas e as suas acompanhantes?
- Bem, os caras deram um jeito de ficar com elas em outro lugar. – eu ri – Mas não tínhamos animação o bastante para ficarmos juntos no baile. Era um tédio... Desconfortável.
- E você?
- Eu não tinha acompanhante – dei de ombros.
- E a Brook?
- Brook? Ah, , você não pode estar falando sério! – rolei os olhos rindo e passei as mãos exaustivamente pelo rosto.
- O que? Eu não disse nada de mais.
- Você acha mesmo que eu iria com ela?
- Não, não acho, mas não duvido nada que aquela oferecida tenha tentado te convencer do contrário – ela disse séria e eu reprimi o sorriso.
- Acho que , você e eu formamos uma família muito ciumenta. Acho mesmo – arqueei as sobrancelhas – Devemos tomar cuidado com isso!
- É, eu sei, ela me falou sobre Loren e que vocês tomaram café juntos...
Foi vez de rolar os olhos analisando as unhas e eu joguei a cabeça para trás rindo, até que ela me deu um soco fraco no peito.
- Não ria! É bom que você saiba que não gostou dela – me repreendeu com os olhos comprimidos – A propósito, você foi a tal boate ontem com a ?
- Eu sempre adorei te ver com ciúmes, sério – ignorei sua pergunta, segurando o riso e puxei um dos travesseiros que estava ali, colocando-o abaixo de minha cabeça.
- Neste caso não é ciúme, ok? Só acho que seria justo eu saber se, por acaso, – ela gesticulou desviando seu olhar do meu brevemente, ajeitando-se melhor sobre os cotovelos e eu sorri – você está... Sei lá, à procura de um relacionamento sério ou não para preparar , entende? Preciso explicar as coisas para que ela não fique confusa.
- Claro.
- A nossa situação já é um pouco confusa.
- Eu sei bem disso – suspirei deixando que meu olhar caísse sobre seus lábios naturalmente vermelhos. Tão macios, doces, convidativos e tão próximos... Eu poderia apenas me inclinar mais um pouquinho para tê-los contra os meus.
- Mas não há razão para que eu sinta ciúmes de você – ela disse jogando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
- Tente de novo, isso não me soou tão convincente.
- Quero tanto de dar um soco agora – ela disse arqueou uma das sobrancelhas com um sorriso quase que imperceptível.
- Um soco não, um beijo.
me encarou por alguns segundos antes que eu enfim me inclinasse levemente em sua direção e ela... Sim, ela venceu a distância restante, selando seus lábios aos meus, iniciando um beijo calmo e terno. Mordi seu lábio inferior soltando-o lentamente e ela selou nossos lábios mais uma vez.
- Talvez fosse isso... – a ouvi dizer antes de roçar seus lábios aos meus, num tom rouco, sexy.
- Foi o que eu suspeitei – disse no mesmo tom e aprofundei o beijo que eu não queria que terminasse. Eu queria senti-la.
Depois de uma série de selinhos, precisávamos de ar, então nos separamos minimamente apenas para recuperar o fôlego e deu uma risada contida.
- Desisto! Eu até tento, mas não consigo resistir a você.
Ela choramingou em tom de brincadeira e eu não pude evitar a gargalhada, deixei meu corpo cair novamente sobre o colchão, puxei para os meus braços e ela afundou o rosto na curva de meu pescoço.
- Não consigo ficar longe e isso é um problema. – ela disse baixinho, entre um suspiro – Um grande problema.
Franzi o cenho e procurei pelos seus olhos.
- Não é um problema, . Você só tem que dizer que quer o mesmo que eu, dizer qu... – eu dizia, mas duas batidinhas na porta fizeram com que nos separássemos mais um pouco.
- Gente, Robert está ai! – disse e logo nos sentamos corretamente.
- O que? – olhei para ele, que estava em pé na porta, parecendo sério, mas um segundo depois começou a gargalhar.
- Vocês tinham que ver suas caras agora!
- Filho da puta – xinguei e jogou um travesseiro nele.
- Isso não se faz, ! – ela disse brava – E pare de rir, está dormindo no quarto ao lado.
- Desculpe-me, zinha, foi mais forte do que eu. – ele disse jogando o travesseiro novamente sobre a cama – , sua mãe quer que você desça.
- , a e eu estamos conversando.
- Tudo bem, nós já terminamos! – ela disse se levantando e eu fiz o mesmo, ficando de frente para ela, a fim de impedir qualquer passo que ela pensassem em dar.
- O que? – eu ri incrédulo e ela suspirou cruzando os braços.
Ela estava mesmo de brincadeira comigo! Só podia ser essa a razão para que ela simplesmente me deixasse ali, sem qualquer desculpa ou explicação por ceder a um beijo meu e dizer que isso era um problema. Não sei para ela, mas um beijo e alguém dizer que não consegue ficar longe, significam muito para mim!
- Não, nós não terminamos. Temos muito que conversar ainda.
- Ok, eu vou... Ok, tanto faz. – ouvi dizer, avisando que nos deixaria a sós, mas não desviei o olhar de .
- Você vai querer brigar agora, não vai? – ela riu enquanto fitava o chão.
- Isso não tem graça.
- Ah, estava tudo bem até agora. – ela me encarou – Não sei por que insiste em exigir coisas de mim.
- Porque o que você está fazendo comigo não é justo, ! – gesticulei nervosamente.
- Eu sei – e levou a mão a testa –, mas...
- Eu juro que às vezes penso que você só quer me usar um pouquinho, sabe? – a interrompi – Antes de se casar, já que, bem, você supostamente não gosta de mentiras e traição em uma relação. Então está aproveitando, – eu dei de ombros, finalmente deixando que aquilo se desprendesse de minha garganta e ela mordeu os lábios – porque deve ser divertido, não sei.
- Eu nunca faria isso.
- Então eu realmente não sei o que você quer! – deixei que minhas mãos caíssem pessadamente ao lado do corpo, dizendo com a voz carregada de ironia – Que ótimo...
- Para, . Eu não quero é discutir com você – disse séria, mas eu ignorei seu pedido e juntei minhas mãos em sinal de súplica.
- Eu estou cansado, então quando souber... Aliás, se um dia souber, por favor, me avise para que eu não faça mais o papel de idiota nessa sua história, que até então deve estar muito interessante, não é? – gesticulei e ela permaneceu em silêncio – O cara ajudou nas horas difíceis, é rico, deve te tratar como uma rainha. Ele te levou pra Alemanha e talvez o tempo que passaram lá nem foi tão ruim assim, mas você não quis me dizer, porque a nobre já tinha uma vida mais do que perfeita e não precisava esfregar mais coisas na cara do seu ex-namorado, que ainda é ridiculamente apaixonado por você.
Silêncio.
- Isso fo... – sua voz falhou e ela deu um sorriso amargo, olhando brevemente para o alto, fazendo com que eu me arrependesse no mesmo segundo de tudo o que disse, que engolisse o meu nervosismo a seco – Foi um tanto cruel. Você não sabe, não pode julgar.
- , eu gostaria de saber. – dei um passo a frente – Desculpe, mas é difíc...
- Eu sei. Sei também que não é justo contigo, você não deve nem pensar em se desculpar – ela me interrompeu entre um suspiro – e eu não posso pedir que veja as coisas do meu ponto de vista. Então se ainda puder te pedir alguma coisa, eu peço um pouco de tempo.
Analisei sua expressão por alguns segundos. Suas palavras eram seguras, mas ela me parecia completamente vulnerável, o que me fez pensar que talvez devesse ser mais cauteloso com o que dizia.
- Tempo?
- Eu sei o que você quer ouvir de mim, mas preciso me resolver, tomar decisões definitivas, não é? Afinal tudo isso não envolve somente a nós dois – disse mexendo-se desconfortavelmente e eu assenti.
- Escute, eu digo essas coisas, porque você não me deixa ver além disso – eu disse calmamente apontando para ela e então para mim mesmo –, não me deixa te entender e por isso a nossa situação é confusa. Eu só quero saber se você quer ficar comigo de verdade, se você me ama... Pois com esta certeza, eu posso encarar qualquer coisa.
Mais silêncio. descruzou os braços, parecendo deixar a tensão de lado e deu um passo tímido a frente, sem quebrar o contato visual.
- Por favor, – pediu baixinho e piscou. Daí quando eu resolvo ser firme, ela acha que é uma boa ideia me olhar daquela forma que torna a ação de negar algo a ela, uma missão impossível.
- Não, não me olhe assim – eu disse olhando para o alto brevemente e suspirei – Você quer tempo?
- Um tempo sem me exigir qualquer coisa, pode ser?
- Acho que tudo bem se não for por mais sete anos – sorri e ela riu abraçando-me pela cintura.
- Não se preocupe, talvez um único dia seja o suficiente para pensar. – ela disse enquanto eu colocava meus braços a sua volta – Não vou mais te fazer esperar tanto.
- Melhor ainda.
- Acho melhor a gente não fazer sua mãe esperar mais – ela disse e eu ri.
- Certo, vamos – eu disse entrelaçando seus dedos aos meus, guiando-a quarto a fora.
- Espera, .
Ela me fez parar no meio do corredor e segurou meu rosto entre suas mãos, tomando meus lábios aos seus de forma urgente. Logo uma de minhas mãos se perdeu entre seus cabelos e a outra apertou fortemente sua cintura, enquanto eu sentia seu gosto no beijo que se aprofundou. Sentia a saudade me acariciar junto aos seus dedos, que alcançaram e seguraram minha camiseta com força, puxando-me para si. Eu sentia o calor. O desejo. A completa necessidade me consumir. Pressionei-a contra a parede e só então nos separamos, um tanto ofegantes, com lábios vermelhos e latejantes.
- Desculpe, é apenas para o caso de eu ter que te deixar seguir em frente e não poder fazer isso outra vez.
Meu olhar se desprendeu de seus lábios e então eu fitei seus olhos de perto. Será que ela tinha a mínima noção do quão profundo foram os cortes que aquelas palavras me causaram por dentro? Ela tinha que querer estar comigo, não faria sentido algum “roubar a noiva” se ela não quisesse o mesmo que eu. Ela tinha que ser completamente minha e eu não aceitaria apenas a metade dela, que agora estava comigo, mas que a noite estaria com o outro. Tínhamos que resolver isso.
Agora era um sim, ou um nunca mais e...
- Não quero nem pensar que nessa possibilidade – eu disse recuperando o fôlego.
Acariciei seu rosto com cuidado e depositei um beijo no topo de sua cabeça. Então finalmente descemos as escadas, seguindo os burburinhos de conversas até a sala de estar, onde todos estavam e nos receberam instalando o silêncio no cômodo.
- Até que enfim, hein? Meu Deus, vocês têm que parar de nos deixar sozinhos em todos os momentos! – disse fazendo-nos rir.
- Ah, pare de chorar, ! – o repreendeu e depois, discretamente, fez o sinal de positivo para mim, e eu rolei os olhos rindo.
- Venha cá, meu filho, ... – minha mãe a chamou – Sentem-se ao meu lado, quero continuar nossa conversa.

Capítulo 23 - Um (velho) novo romance


Depois de muita conversa e ainda mais perguntas de minha mãe e irmã, finalmente acordou e desceu as escadas com suas roupas amassadas, passando as mãos pelos olhos.
- Você não ficou comigo – ela acusou, me olhando brava com os olhos semicerrados e , a única que entendeu, se levantou rindo.
- Desculpe, meu amor, eu precisei dele por um tempinho. – ela explicou e segurou a mão da pequena – Agora venha comigo, vamos lavar este rosto.
- O que ela quis dizer? Não entendi – disse assim que as duas deixaram a sala de estar e então todos me olharam.
- O que houve, filho?
- Nada de mais! – eu ri – É que ela pediu para que eu ficasse no quarto enquanto dormia, mas como vocês podem ver, eu não fiquei.
- A precisou de você. Sei, sei bem – disse se sentando no tapete com um sorriso malicioso e eu lhe mostrei o dedo médio.
- ! Pra que isso, menino? – minha mãe me repreendeu e eu cruzei os braços ouvindo os caras gargalharem – Onde estão seus modos?
- Sinto por ter que lhe dizer isso, mas acho que ele nunca teve isso, não, tia – disse entre risos e apertou minha bochecha.
- E é exatamente por isso a gente o ama tanto, lindinho, amor da minha vida.
- Sai fora, viado! – eu rolei os olhos rindo e afastei sua mão de mim – Desculpa, mãe.
- Sei que você faz essas coisas sempre. – gesticulou – Mas não na minha casa, ou senão eu terei que esquentar sua orelha mais uma vez.
Ela disse de modo severo, mas eu não aguentei, tive que rir junto com os meus amigos, mesmo sabendo que se ela ficasse brava de verdade e se levantasse de onde estava sentada neste exato momento, honraria suas palavras.
ainda estava com uma carinha de sono quando voltou com à sala de estar. Ela veio até mim, me deu um beijo no rosto e então se sentou no tapete com . Perguntei baixinho o porquê disso e sorri ao ouvir dizer que isso foi o jeito de demonstrar que eu estava desculpado por não ter ficado com ela. Logo o pouquinho de sono que a pequena poderia ter, foi embora, já que as mulheres da família resolveram paparicá-la! O que foi bom, pois me mostrou que eu não era assim tão bobo com a minha filha quanto imaginava.
Eu estava gostando daquilo. Ok, a palavra “gostar” é pouco para definir tudo aquilo que eu estava sentindo. Eu estava realmente amando aquele momento! As pessoas mais importantes da minha vida, juntas na sala de estar da minha antiga casa, você tem noção do que é isso? Minha mãe e minha irmã conversavam e brincavam com , insistiam para que ela as chamasse de “vovó” e “tia” e não pelo primeiro nome. estava sentada ao meu lado, parecendo muito mais tranquila e confortável, atenta a tudo o que a filha... A nossa filha dizia, e ela concordava com a pequena prontamente sempre que era preciso. Era possível sentir sua felicidade, sabe? Ver o orgulho que ela tinha pela filha refletido em seus olhos que, hora ou outra, fixavam-se aos meus, acompanhados por um sorriso doce. Isso me aquecia por completo, isso me fazia esquecer qualquer preocupação. E eu não tirava a razão dela de se sentir de tal forma, era linda, uma menina incrível. E, se você for pensar bem, fez isso tudo e muito mais, sozinha. Devia mesmo sentir-se orgulhosa.
- Desde que o meu pai encontrou a gente, eu ganhei três tias, não é, mamãe? – perguntou em certo momento, fazendo-nos sorrir como dois idiotas por conta de suas palavras. Ela ainda estava sentada no tapete junto a , acostumando-se com a ideia de ser o centro das atenções agora.
- É isso mesmo – concordou.
- Eu já tenho a tia , que me viu nascer... – ela gesticulou e nós rimos – Viu mesmo, é sério! Não é, mãe? – ela se virou novamente para , que apenas assentiu – Ela cuida de mim e é muito divertida, ela adora filmes e doces, assim como eu. Tia é maravilhosa! Não é, ?
- Erm... É? – ele franziu o cenho para a menina que o olhava inocentemente e nós rimos – É, sim, claro! Se você está dizendo...
- Então ganhei a tia , – ela tornou a falar – também a tia e agora tenho você.
Nem preciso dizer que minha irmã sorriu toda besta com o jeito de , certo? Certo. E os caras pareciam se divertir também. , por vezes, mexia nos cabelos da pequena, apenas para provoca-la. e participavam da nossa conversa, parecendo pessoas normais. Apenas parecendo. Claro, faltavam pessoas ali, as mesmas que citou, mas daquele jeito era como se o tempo tivesse passado da forma correta e que tudo estava mesmo como devia ser. Como se não tivesse se mudado para o Brasil, como se ela e estivessem comigo esse tempo todo.
- , o que é isso no seu braço? – perguntou, tirando-me de meus devaneios e eu olhei para onde ele apontava com o cenho franzido.
Tinta seca no meu antebraço direito. Uh, que legal! Parabéns pra mim, que quero manter o quarto em segredo, mas tomei banho correndo deixando “evidências” em meu corpo.
- Nada – eu disse tentando esconder aquilo, mas seria difícil já que minha blusa ficou no andar de cima.
- É tinta? – ele manteve o tom baixo, provavelmente já esperando que eu estivesse aprontando algo, mas sua cautela não adiantou muita coisa, já que logo tornou sua atenção para mim.
- Já disse, , não é nada – rolei os olhos.
- Como conseguiu se sujar de tinta? – franziu o cenho.
- É, , como? – ele insistiu.
Caralho, ! Você está de foder hoje, hein? Puta que...
- , a está falando com você – ele me olhou estranho, provavelmente percebendo meu olhar aniquilador, mas segurei minha vontade de dar um belo e terapêutico tapa naquela jaca que ele chama de cabeça, e então olhei para .
- Ahm... Eu não faço a menor ideia.
- Mas...
- Não sei, , fique quieto – eu o interrompi antes que ele me ferrasse mais ainda e ele deu de ombros tornando a prestar atenção no que minha mãe falava para .
- Estranho, não acha? – riu olhando para o meu braço.
- Acredito que deve ter uma ótima explicação para isso, – eu disse baixo e ela me olhou – mas com certeza não é nada de mais.
- Claro. – ela olhou como se me analisasse, desconfiada, mas não insistiu no assunto.
Bem depois disso tomamos um lanche e ficamos lá apenas por mais algum tempo, eu peguei minha blusa que deixei no quarto de hóspedes e então todos nós nos despedimos de minha irmã e de minha mãe que, assim como eu havia dito para , pediu que voltássemos mais vezes. Ela queria passar mais um tempo com elas, conhecer e curtir melhor, então nós concordamos em combinar algo, não tinha como negar isso a ela. Ali mesmo nós nos despedimos dos caras, as ruas já estavam escuras e nós seguiríamos caminhos diferentes.
A volta foi calma e até que bem rápida, quando me dei conta, já estava parando o carro ao meio-fio da calçada frente à casa de e ela desafivelava o cinto de segurança. Eu me senti ligeiramente estranho, sentia como se houvesse algo de errado, algo faltando. Eu não queria que esse dia acabasse tão rápido, queria voltar para o início dele e revivê-lo várias vezes de diversas formas até que isso não fosse mais possível! Eu queria leva-las para o meu apartamento, onde elas deveriam estar comigo e não deixa-las naquela irritante casa amarela, que agora me parecia uma intrusa, uma completa inconveniente.
Parece que afinal eu também queria um tempo. Mas diferente de , eu queria um tempo em que ficamos todos juntos e não o contrário. E agora eu me pergunto se é errado esperar por mais, querer mais.
Puxei o freio de mão, desafivelei o meu cinto e apoiei as mãos novamente ao volante. Eu tinha que manter minhas mãos exatamente ali, paradas, ou senão eu não deixaria que e descessem do carro. Ri internamente com os meus pobres pensamentos, pois eu queria mesmo roubá-las para mim e essa ideia era mais do que atraente, mas, se eu fizesse isso, estaria exigindo que elas ficassem. Também não era isso o que dizia querer, ela dizia não querer exigências, não querer ser pressionada. E daí vinha novamente a minha sensação de total impotência, pois tudo o que eu queria simplesmente escorria entre meus dedos um uma facilidade descomunal.
Ela, que olhava para frente até agora, deu um suspiro e então me olhou.
- Esse, com certeza, foi um dos dias mais importantes desde a minha volta à Inglaterra e eu te agradeço. Por tudo! – ela disse e eu sorri fraco vendo-a se virar para , que estava no banco de trás – Vamos, filha?
- Ah, não, mãe! – a menina choramingou fazendo-me rir.
- Que “ah, não”, menina? – franziu o cenho com um sorriso no rosto.
- Quero ficar com o meu pai, posso ir com ele?
- , já está tarde – ela olhou brevemente para o relógio de pulso.
- Ah, que coisa! – resmungou desafivelando o cinto de má vontade.
- Outro dia a gente combina direitinho pra você ir comigo, pequena – eu disse a olhando por cima do ombro.
- Tudo bem... – ela disse encaixando o corpo no vão entre os dois bancos da frente.
Eu me virei, abraçando-a desajeitadamente por conta do pequeno espaço e, ainda não contente, puxei-a para o meu colo e lhe dei vários beijos estalados no rosto, fazendo-a gargalhar.
- Ai, mamãe, ele não quer me deixar ir!
- , solte a minha filha! – brincou e eu a olhei, ouvindo rir mais ainda.
- Não, vocês demoraram demais pra descer do carro, agora eu vou levá-la comigo – eu disse em tom de brincadeira o que realmente queria fazer.
- Ah, vai pensando que é fácil assim...
- Mas ela prefere a mim.
- Não, ela prefere a mim, !
- Não foi o que pareceu segundos atrás – arqueei as sobrancelhas, apertando ainda mais contra mim e então a pequena levantou as mãos.
- Calma, tem pra todo mundo! – ela disse num tom brincalhão e foi a nossa vez de rir.
- Mas é muito cara de pau, essa nossa filha – eu disse cutucando a barriga dela.
- Demais! – riu balançando a cabeça negativamente – Isso ela não puxou de mim, não.
- Está querendo dizer o que com isso, ? – eu ri e ela deu de ombros com um sorriso divertido no rosto.
- Certo, chega! – ela riu chacoalhando as mãos e se inclinou para me dar um suave beijo no rosto – Vamos entrar, tampinha.
- Vai lá, filha – incentivei e sorriu.
- Ok, papai – ela também me deu um beijo enquanto abria a porta.
As duas logo saltaram do carro e eu dei suspiro curto, assim que vi a porta começar a se fechar novamente. Como se aquilo fosse me ajudar de alguma forma, eu tornei toda a minha atenção ao cinto de segurança, puxei e o afivelei, esperando finalmente ouvir a porta bater. Mas isso não aconteceu.
- Ahm, , – chamou com uma das mãos apoiada na porta e com o corpo levemente curvado para conseguir me olhar – não sei se faz alguma diferença pra você, mas... Eu quero que você saiba que eu não me arrependo de nada do que fiz hoje, pois sei que não aconteceu nada de errado. Eu não quero mais fugir ou me esconder, quero tomar as decisões corretas e acho que isso já é um bom começo.
- Isso faz uma enorme diferença pra mim, .
Ela deu um meio sorriso e enfim fechou a porta. deu um último aceno, mas eu sabia que, mesmo se o devolvesse, ela não veria por conta dos vidros escuros. Sorri com isso, vendo-a correr até a porta principal e esperei até que elas entrassem na casa, arrancando com o carro dali logo em seguida.
Cheguei ao meu apartamento, troquei de roupa e fui direto para o quarto de hóspedes. Ou melhor, para o quarto de . Queria termina-lo o quanto antes! Também queria ocupar um pouco da minha mente e as músicas que eu criaria se parasse para escrever, não ajudariam muito a me distrair. Se é que eu conseguiria criar algo que prestasse.
Ninguém ligou ou me procurou de qualquer outra forma até o final do dia. Deixei a casa no total silêncio e Snoop ficou me fazendo companhia, sentando sobre os jornais que eu havia espalhado por todo chão do cômodo, me olhando... Era terrível saber que se não fosse por ele, eu estaria completamente sozinho. Antes esta ideia não me incomodava, eu até gostava um pouco da solidão, mas agora todo esse vazio me parecia até um pecado. Ninguém devia ficar sozinho, nunca!
Enfim vencido pela fome e pelo cansaço, tratei de comer a comida que Poppy deixou preparada para mim, tomei um banho quente e fui me deitar.
No dia seguinte, percebi algumas chamadas perdidas de em meu celular, mas resolvi esperar que ela me ligasse novamente ao invés de retornar. Às vezes o que ela tem pra falar nem é tão importante quanto faz parecer e ela acaba me deixando ansioso por nada.
Assim como eu havia prometido ao meu fiel seguidor, levei Snoop para passear e aproveitei também para passar na loja de um amigo meu. Tinha algumas ideias para o quarto de que eu não conseguiria fazer sozinho de jeito nenhum. E, como estava ali por perto, eu também resolvi passar na casa de , sei lá, só pra encher o saco dele. Era domingo, eu não tinha nada para fazer, a não ser arrumar o quarto de , mas eu sabia que meu amigo também não tinha. Por que não fazermos nada juntos?
Eu já havia tentado abrir a porta, mas ela estava trancada, o que não é normal. Toquei a campainha três vezes e quando já estava me convencendo de que , diferente de mim, finalmente arranjou alguma coisa mais útil para fazer, a porta se abriu.
- ? – franzi o cenho olhando em volta, apenas para me certificar que bati na porta correta e Snoop latiu para ela.
- Oi, – ela sorriu meio sem jeito, ajeitando a bolsa sobre o ombro e me deu um beijo no rosto – Tchau, .
- Ahm... Tchau – eu disse vendo-a seguir pela calçada, encarando os próprios pés, até sumir do meu campo de visão.
Ainda com a mesma expressão confusa, entrei na casa com Snoop e fechei a porta atrás de mim, andando até a sala de estar, onde a televisão estava ligada e sentado de qualquer jeito no sofá.
- Atrapalhei alguma coisa? – perguntei ainda na porta e ele me olhou.
- Não, relaxa.
- Tem certeza? – eu disse olhando em volta. Estava tudo arrumado, não parecia que eles tinham se pegado ali, mas vai saber...
- Tenho! Senta ai, cara. – ele disse e eu dei de ombros, soltando a coleira de Snoop e me sentei no sofá ao seu lado – O que manda?
- Nada, só estava passando, então resolvi vir encher o saco.
- Hm, entendi... – ele assentiu e então tornamos a atenção à televisão a nossa frente – Nossa vida está tão podre! Ela costumava ser mais interessante, você não acha?
- Talvez já fosse assim e você que não percebeu.
- É.
Silêncio.
- Tinha mais mulheres na nossa vida, não tinha? – ele disse e eu ri – Durante a turnê tinha várias.
- Cara, quer conversar sobre a ? Porque é meio estranho você falar essas coisas depois de ela ter saído daqui a uma hora dessas – perguntei, presumindo que ela fosse a razão para ele falar aquelas coisas, mas ele apenas balançou a cabeça em negação.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, assistindo How I Met Your Mother com Snoop deitado no outro sofá, nada folgado, até que abaixou um pouco o volume e se virou para mim.
- Eu acho que você e eu devemos ir a Insanity hoje à noite – ele disse com uma animação repentina e eu o encarei.
- Insanity?
- Sim, aquela boate que a gente foi na inauguração – gesticulou.
- Eu sei qual é – franzi o cenho.
- E então? Mas só você e eu, porque somos os solteiros da banda. – ele se apressou em dizer e eu dei uma risada contida – Nada de e , porque eles vão querer levar as meninas, e isso não é bom, temos que parecer aqueles que pegam a geral e não os encalhados. E vamos de táxi pra poder encher a cara de cachaça.
- Qual é o seu problema hoje? Eu acho que vou embora, porque você está me fazendo ver o quanto é ruim estar sozinho. – eu ri e ele rolou os olhos – Tem certeza de que não quer conversar sobre a ?
- Não, ! Porra, não começa com esse papo de mulherzinha – ele disse se sentando corretamente e eu ri.
Com uma irritação evidente, cruzou os braços, mexendo as pernas freneticamente e eu fiquei em silêncio, esperando pacientemente até que ele se resolvesse de uma vez.
- Ela é esquisita, ok? Ela ri do meu sotaque e me provoca o tempo todo! – ele disse por fim, enumerando nos dedos o que falava – Nós saímos ontem, nos divertimos, bebemos e nos beijamos, mas quando chegamos aqui em casa e eu achei que ia me dar bem, ela virou para o lado e dormiu... Mas puta que pariu! – disse pausadamente, gesticulando com fervor e eu gargalhei com vontade – Qual o problema dela? Qual o meu problema? Eu dormi com ela, mas não dormi, entendeu? O pior é que na hora eu fiquei puto, mas segundos depois nem estava me importando mais, achei até que engraçadinho. E eu nem sei por que gosto dela!
Silêncio.
- Tem razão, esse papo é muito de mulherzinha! – fiz careta e ele riu me dando um soco no braço – Mas beleza, eu acho que a Insanity é uma boa ideia.
- É óbvio que é uma boa ideia! Querendo ou não, nós dois estamos enrolados com uma , cara. – ele arqueou as sobrancelhas – Ou você acha que eu não percebi o que estava rolando entre você e a ? Não sou idiota e estou feliz de não ser o último a saber.
- Você me deixou com a certeza de que tinha percebido. – eu disse ironicamente – Indiretas mais diretas que as suas não existem! Você é uma peça rara, cara!
- Vocês também não foram discretos.
- Não quero falar sobre isso.
- Vocês brigaram? – perguntou entre risos.
- Você e a já saíram juntos antes?
- A vai largar o Robert?
- E você, acha que pode estar se apaixonando pela ? – rebati levando a mão ao queixo e ele semicerrou os olhos – Qual é? Vocês dormiram juntos mesmo? Conte-me mais sobre essa experiência.
Visto que aquilo não acabaria tão cedo, já que nenhum dos dois queria falar sobre sua respectiva garota, bufou.
- Vamos parar com esse papo de mulherzinha?
- Opa, vamos sim.
- Insanity?
- Pode contar comigo, cara! – eu disse e nós batemos as mãos num high five, então eu me levantei – Mas agora eu vou embora.
- Fica ai, porra.
- Não, a Poppy...
- Mas caramba, até a empregada, ? – perguntou entre risos enquanto eu prendia a corrente na coleira de Snoop.
- A Poppy deixou comida pronta lá em casa ontem – expliquei enfatizando minhas palavras – E eu quero comer, ora.
- Ah, então eu vou contigo.
- Não precisa, pode ficar ai – eu ri, me apressando em dizer e ele jogou as mãos para o alto, fingindo incredulidade.
- Mas não tem comida aqui...
- Fica ai, . E arranja uma empregada – acrescentei.
- Quanto amor você se preocupando comigo!
- Estou preocupado não.
- Mas você não pode ir, ainda nem encheu meu saco – ele disse colocando a mão no próprio saco e eu gargalhei lhe mandando o dedo do meio.
- Cara, vai se foder.
- Vai ficar me devendo essa, hein? – ele disse fingindo-se sério e depois me mandou um beijo no ar – Até mais tarde, bitch.

- Isso está uma bela de uma bosta!
- E se você fizer assim?
- Não, não curti muito essa sequência de acordes.
- Então vai tomar no cu.
- Ei, olha a boca suja, temos uma dama no recinto!
- Foi mal, !
- Tudo bem. Só se acalmem! – ela nos olhou, sentada no único sofá que tinha no nosso estúdio improvisado no porão da casa de , como se tivesse despertado de um devaneio, ela abanou o ar com um leve sorriso no rosto – Vocês estão muito tensos.
- Ela tem razão – eu disse, mas os caras nem se importaram conosco.
- Então vamos desde o começo? – perguntou com a atenção voltada ao seu instrumento.
Ainda que meio frustrados, todos nós concordamos e, após a contagem do bater de baquetas, recomeçamos. Devia ser a quinta vez que estávamos tocando aquela mesma música e era sempre na mesma parte, bem no final, que tudo desandava. Era realmente uma droga quando isso acontecia. E, pra variar, a finalização dessa vez também foi uma porcaria!
- , para de inventar coisa. Você está saindo do tempo! – disse e ele rolou os olhos.
- Eu nada! Estou acompanhando o .
- Eu não estou fora do tempo – eu me defendi calmamente e bufou, deixando seu instrumento.
- Quer saber? Chega por hoje, eu não quero mais tocar... – ele disse bravo e chutou uma caixa que no canto perto dele, mas logo voltou para trás, agarrando-se ao e dando um grito agudo.
- O que foi? – eu perguntei.
- Você se machucou? – se levantou do sofá para ver o que aconteceu.
- Uma barata – ele disse e todos nós começamos a gargalhar.
- Ah, ! – ela rolou os olhos deitando-se no sofá.
- Ela é enorme! Vocês não viram? – ele perguntou enquanto tentava se desvencilhar de seus braços, sem sucesso.
- Não, sua bicha, me solta.
- Está reclamando de que? – franziu o cenho – Você adora quando eu te agarro a noite.
- À noite, querido – disse dando ênfase às suas palavras – Agora você já pode me soltar.
- Você está com essa vergonha toda só por que a está aqui, não é? Mas amor, ela já sabe sobre nós – ele disse fazendo-nos rir ainda mais e enfim se desvencilhou.
- Cara, você já está começando a me assustar – ele disse colocando as mãos em frente ao corpo e foi em direção às escadas – Fica bem longe de mim, pelo menos, até a semana que vem.
- Anw, zinho, já estou com saudades – brincou choramingando e seguiu escada a cima.
- Então, acho que eu vou subir também – disse com o olhar baixo, olhando para os cantos e, e eu rimos.
- Está com medinho? – ela caçoou.
- E você não está? Fala sério, , você viu o tamanho daquela coisa? – ele perguntou sério e nós rimos mais uma vez – Falou aí, vocês!
seguiu o mesmo caminho que os outros dois e quando sumiu do meu campo de visão, olhei para com um sorriso malicioso no canto dos lábios, andei calmamente até ela e pulei no sofá, deixando-a entre minhas pernas, postando um braço de cada lado de seu corpo.
- Enfim sós! – eu disse e selei nossos lábios rapidamente – Minha casa hoje?
- Meu Deus, , apague este fogo! – ela riu.
- Só você consegue apagar o meu fogo, baby – brinquei arqueando as sobrancelhas e gargalhou.
- Você é idiota demais – rolou os olhos ainda com um sorriso no rosto.
Então ela colocou uma de suas mãos em minha nuca, fazendo com que os nossos lábios se encontrassem novamente. Suguei seu lábio inferior e aprofundei o beijo, sentindo seu gosto e nossas línguas entrarem em sincronia perfeita. Até que me afastou de si e, olhando para o lado, ela apontou:
- Amor, a barata!
- Está de brinc...
- Anda, vai logo matar! – ela me obrigou a levantar, eu andei em atrás da maldita barata e pisei nela – Eca.
- Como você sabia que a barata estava andando por aqui? – perguntei e me virei para com o cenho franzido – Você estava me beijando de olhos abertos?
- Não foi o tempo todo, ok? – ela encolheu os ombros, rindo como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo e eu reprimi o sorriso.
- Eu estava em cima de você, mulher, te beijando – eu disse em falsa incredulidade e ela se sentou com as pernas em volta do corpo.
- Há baratas aqui e o meu sexto sentido falou mais alto – arqueou as sobrancelhas e eu ri, ficando em pé de frente para ela, que esticou os braços para mim – Não quero mais ficar aqui!
- Não, tudo bem, eu te perdoo – eu disse ajudando-a a ficar de pé sobre o sofá – Já matei a barata, vamos voltar para onde paramos.
- Está maluco? Deve ter mais por ai – ela riu colocando os braços em volta de meu pescoço e eu abracei suas maravilhosas pernas. Eu glorificava aquelas pernas – Não é nada legal ficar contigo pensando que uma barata pode subir em cima de mim a qualquer momento.
- Qual o problema? Só umas baratinhas de nada em cima de você, ora – brinquei e ela gargalhou – Seria muito sexy!
- Só no seu mundo, não é? – ela disse entre risos – Que nojo!
- Quando você vai se vestir de barata pra mim, huh? – fiz a maior cara de safado possível apertando as coxas de e arrancando mais risos dela.
- Você tem que ir a um psicólogo pra tratar isso ai, hein? Fetiche com baratas deve ser doença.
- E se eu pedisse pra você se vestir de diabinha, você vai me mandar ir pra igreja?
- Meu Deus, , apague este fogo!

Fui andando com Snoop até em casa e me amaldiçoei mil vezes por ter ido tão longe! Cansei de andar e eu estava com fome, mas só conseguia pensar em deitar na minha cama quentinha e assistir qualquer porcaria que estivesse passando na televisão.
Até tentei subir pelo elevador social, mas uma velha ficou me olhando feio por causa do Snoop e então tive que subir com o de serviço. Qual é? O cachorro também é morador! Abri a porta do meu apartamento já pensando na comida de Poppy, eu podia até sentir o cheiro daquela delícia de almoço que esperava por mim, antes mesmo de aquecê-la. Será que isso é mesmo possível? Snoop latiu e quando finalmente entrei, encontrei...
- Fletch? – franzi o cenho soltando a coleira de Snoop e fechei a porta atrás de mim – O que está fazendo aqui?
- E ai, ? Como vão as coisas? – ele disse se levantando do sofá onde estava sentado e eu lhe dei um abraço rápido – O Ian me deixou entrar.
- Estou bem. – eu disse enquanto nós nos sentávamos lado a lado no sofá – Você que não está com uma cara boa, qual é a bomba?
- Eu pedi pra você me ligar quando tivesse o exame, não pedi? – ele perguntou pegando uma bolsa preta que estava no chão e a colocou no colo.
- Uhm, eu esqueci, Fletch! – estalei a boca coçando a nuca e ele levantou levemente os ombros abrindo a tal bolsa.
- Percebi – ele disse, indicou a mesinha de centro e eu a puxei para mais perto.
- Foi mal mesmo.
- Ok. Se você for pensar bem, não é uma bomba! Eu acho que isso está mais para, sei lá, uma biribinha. – ele disse tirando um notebook da bolsa, colocando-o sobre a mesinha e eu gargalhei – Sei que você não curte essas coisas, mas vou te mostrar tudo o que recebi e então você decide se precisa conversar sobre isso com a , tranquiliza-la ou não.
- Beleza.
Vi Fletch puxar algumas revistas da bolsa – quatro, pelo que me parecia – e jogá-las sobre a mesinha de centro, ao lado do notebook. A capa da primeira delas me fez arregalar os olhos instantaneamente. Como eles podiam ser tão rápidos até com as edições impressas? Seria compreensível se fosse em algum site, pois a internet é um lugar onde tudo se espalha facilmente, como vírus, mas isso aconteceu ontem!
- Está de brincadeira, não é? – eu ri pegando a revista em mãos – Vai, Fletch, confesse! Foi você quem fez isso?
- Eu não! – ele franziu o cenho rindo enquanto esperava o notebook ligar – Essa está quentinha, veio direto do forno. Eu recebi hoje de um amigo editor da própria revista.
- Mas...
Olhei novamente para a capa e, cara, aquele fotógrafo era muito bom. Sério mesmo! Eu não notei sua presença enquanto e eu estávamos sentados em um dos bancos no campus do nosso antigo colégio, e ele capturou justamente o momento em que eu afastei uma mecha do cabelo dela e sorriu docemente para mim. Era uma foto perfeita.
- Que azar, Callagham, que azar... – eu ri balançando a cabeça negativamente e me acomodei no sofá, abrindo a revista.
Se Robert não gostou de uma revista com a foto de um simples abraço, imagine quatro, cinco... Imagine todas as revistas do mundo com esta foto, que também é simples, muito mais bonita do que qualquer outra!
- Pelo pouco que eu vi, esta especula mais sobre quem é a . – Fletch gesticulou e eu levantei meu olhar das páginas da revista para ele – Coisas de mulher como cabelo, roupas, sapatos e blábláblá... O que ela usa, que poderia ter te conquistado.
- Que desperdício, uma foto tão boa na capa para uma matéria dessas. – fiz careta e levantei a revista – Posso ficar com ela?
- Pode.
- Você pode me passar o contato do seu amigo também? Quero a foto original – eu disse num tom brincalhão e ele riu rolando os olhos.
- Eles falam também da aliança de noivado dela, . Aliás, todos falam! E eu não tenho certeza se eles sabem quem é o noivo. – ele disse e eu dei uma risada contida – Mas têm várias fotos de vocês dois juntos por toda a internet.
- É, acho que isso eu terei que contar pra ...
- Se é que ela já não saiba. – ele disse calmamente, voltando sua atenção ao notebook e eu peguei mais uma das revistas – Mas acho bom você contar, isso pode causar muita confusão no noivado dela.
Confusão no noivado dela. Hm. Por que isso me soa tão bem?
Quer saber? Foda-se, eu não vou contar nada e espero que tudo isso cause muita confusão mesmo. Temos que acelerar o fim deste casamento! Acredito que assim não será uma exigência minha, certo? Certo. E sem pressão alguma. A única coisa que pode acontecer é Robert agir como um idiota, não querer ouvi-la e acabar com o noivado. Eu só esperava que isso não refletisse de forma negativa em , ou até mesmo em . Só isso.
Pensei por alguns segundos e, não, eu não vou e nem posso fazer isso. Seria muita imaturidade da minha parte só sentar e observar “o circo pegar fogo”, apesar de ser tentador.
Folheei as revistas e bem, várias fotos repetidas, textos parecidos... Realmente, nada se cria, tudo se copia! Eles falavam sobre em sua aparência, falavam sobre ela ser mãe, sobre e nossa semelhança, por onde passamos juntos e como tratamos uns aos outros em público. Uma das revistas até falava sobre aquele fotógrafo babaca que enfiou a câmera na minha cara e de como eu, supostamente, quebrei sua câmera e quase o agredi. Isso me fez rir e muito! É cada coisa que a gente vê por ai.
- Pronto, é esta aqui que eu quero te mostrar. – Fletch disse colocando o notebook a minha frente e eu me inclinei com o cenho franzido, deixando a revista de lado e apoiei os cotovelos nos joelhos – É a matéria que mais me chamou a atenção. É curta, mas ainda assim, é a mais completa!


Um (velho) novo romance?

Parece que o nosso querido , , da banda McFLY, não quer sair da mira de nossas lentes tão cedo!
A vida de parece estar um tanto... Movimentada. Após o término de seu namoro com a produtora de eventos, Loren Carter, é um alvo fácil e constante para revistas e sites de todo o mundo; já que sempre que é visto, ele está acompanhado de uma mulher de identidade (ainda) desconhecida e por uma garotinha linda de (suspeitos) olhos brilhantes.
Através de uma breve entrevista, soubemos por seus próprios companheiros de banda, que não estava muito bem de saúde e, há alguns dias atrás, o rapaz foi visto deixando o St. Thomas’ Hospital em um carro cheio de mulheres. Mas não se engane! Ele estava com as namoradas dos outros McGuys. E adivinhem? Sim, a tal mulher e a garotinha também estavam com eles. De lá, o carro de seguiu até o centro de Londres para outra “consulta”, que ganhou uma grande repercussão nas redes sociais e deixou as fãs da banda com uma pulga atrás da orelha.
Segundo uma fonte próxima ao , a bela mulher com quem o nosso McGuy preferido do momento tem sido frequentemente flagrado, é brasileira! Uma ex-namorada da época do colégio e é bem provável que ela não tenha sido apenas um casinho adolescente.
“Pelo que sei, eles ficaram anos sem contato algum, mas ainda tem coisas, fotos dela guardadas...”, disse a nossa fonte, “O tempo passou, mas ao que parece, ele nunca a superou”.
Fofo, não acham? Não? Pois é, suas fãs querem e merecem explicações sobre esse seu (velho) novo romance, senhor ! Ainda mais depois de nossa fonte exclusiva confirmar nossas suspeitas.
“A menina é filha deles”.
Mas as perguntas ainda continuam: Afinal, quem é ela? E o que tem a dizer sobre aquela linda, enorme e reluzente aliança na mão direita dela? E a menina, ela deve ter em torno de cinco ou seis anos, será mesmo filha dele? Como ela só apareceu agora?
Nem a assessoria da banda McFLY e nem , se manifestaram sobre isso, mas tudo bem, nós estaremos de olho nele!

Respirei profundamente. Aquilo era muita coisa! Havia fotos também, desde aquela primeira que fora publicada numa revista, em que e eu nos abraçávamos, até a outra no campus do colégio, aquela que estampou a capa. Havia muitas fotos de , inclusive as de quando estávamos no Jubilee Gardens e que eu vi o fotógrafo ao longe.
- Eles conseguiram uma ótima fonte – Fletch disse e eu assenti ainda olhando o conteúdo do tal site.
- Uma beleza de fonte. A única coisa que não está certa é que tem sete anos e não “em torno de cinco ou seis”, mas o resto...
- Conversou com alguém sobre isso?
- Nã... Ah... – rolei os olhos e o encarei – Conversei.
- Com quem?
- Loren.
- Loren? – ele estranhou.
- Encontrei com ela neste dia – indiquei a foto em que estava comigo – e acho estranho não falarem sobre isso na matéria.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada qual com os seus pensamentos e eu franzi o cenho.
- Mas acho que não é uma coisa ruim, certo? É só a verdade e não estão difamando ninguém, eles só querem saber mais, entender o que está acontecendo. Apesar de isso não lhes dizer respeito – fiz questão de acrescentar – Mas acho que está tudo bem, não é?
- Acredito que sim – ele disse.
- Na verdade o meu único medo era de acusarem de estar mentindo sobre a paternidade, ou algo assim. Você sabe como isso acontece às vezes – eu disse e ele apenas assentiu – Então posso ficar tranquilo, certo?
- É, mas é bom esperar por perguntas assim na entrevista.
- Entrevista?
- Sim. Os garotos não te avisaram? – perguntou e eu arqueei uma das sobrancelhas.
- O que você acha? – eu disse fazendo-o rir.
- Bem, com algumas demos, estamos investindo um marketing pesado em cima desse novo álbum, temos também a viagem marcada para os Estados Unidos... O McFLY está em destaque! – ele explicou – Tanto que recebemos o convite de uma emissora de televisão para uma entrevista. O programa é exibido ao vivo às nove da noite.
- Ahm... Escute, você não acha que estamos indo rápido demais? Digo, nós voltamos de turnê há um mês e já vamos viajar – gesticulei.
- Sinceramente? – perguntou e eu assenti – Não, eu não acho. Vocês estão em meio a este projeto há quase um ano, não gravam um novo CD há quase dois!
- Ok, eu entendi. – suspirei antes que ele se aprofundasse num discurso – Sobre a entrevista, pode deixar, vai dar tudo certo.
- Vou emitir uma nota à imprensa. Falar sobre o exame de DNA, que pelo jeito, deu positivo, não é? – ele riu – Parabéns, papai! Não é todo dia que se descobre ser pai de uma garotinha de sete anos.
- É, pelo menos foi com a pessoa certa, ou senão eu estaria arrancando os cabelos – eu sorri amarelo, fazendo-o rir mais.
- Enfim, vou esclarecer tudo na nota – gesticulou – Pode ser que para você esteja tudo tranquilo, mas para e , não. Melhor não deixar que eles fiquem tão em cima, ainda mais por ela ser noiva e sua filha tem apenas sete anos, ela pode acabar se assustando com tudo isso.
- Ótimo, é melhor assim mesmo. – sorri aliviado, lembrando-me de que no dia em que sai com , ela havia realmente se assustado com a presença dos fotógrafos quando saímos da Starbucks – Fica pra almoçar?
- Não, vou pra casa, mas obrigado – ele sorriu e colocou o notebook pra desligar.
Juntei as revistas que ficariam comigo e as deixei sobre a mesinha de centro. Sim, eu adorei aquelas revistas! Depois de Fletch guardar o notebook na bolsa preta, eu o acompanhei até a porta e nós nos despedimos. Então, podendo ouvir coros de aleluia, eu finalmente segui até a cozinha com Snoop em meu encalço. Dei ração para ele primeiro e depois me concentrei em arrumar o meu almoço, até que senti meu celular vibrar no bolso da calça. Era .
- Ei, cara! Diz ai, o que temos para hoje, huh? – ele perguntou e eu franzi o cenho, colocando meu prato dentro do micro-ondas.
- Como assim?
- Qual é, ? Você vai mesmo me dizer que vai passar o domingo inteiro enfiado dentro de casa sem fazer nada?
- Por acaso você falou com o hoje? Sério, vocês estão muito estranhos.
- ? Não, mas seria uma boa ideia irmos à casa dele, passar um tempo e...
- Não, eu acabei de voltar de lá. – eu o interrompi e dei uma risada contida – te abandonou hoje, não é?
Ouvi bufar e não consegui conter a gargalhada. Mulher. O problema e a mudança de comportamento dos meus amigos se resumiam a apenas isso. Não estou dizendo que estou livre disso, é bem provável que eu seja o mais ferrado entre nós quatro, mas a situação deles não deixava de ser engraçada.
- Justo no domingo, dá pra acreditar numa coisa dessas? – ele disse em um tom indignado.
- Claro que dá pra acreditar, é a ! – eu ri tirando uma jarra de suco da geladeira e o ouvi estalar a boca do outro lado da linha.
- Ela disse que tinha uma coisa pra resolver com a , mas nem explicou o que era. E eu não quero ficar aqui sem nada pra fazer.
- Bem, eu tenho um quarto para organizar essa tarde e, à noite, eu vou com o a Insanity, quer ir com a gente?
- vai me matar se souber que fomos a uma boate.
- Legal, então chama o também e a gente se encontra lá na frente. – eu disse ouvindo-o rir.
- Você não está nem ai se eu vou morrer, não é?
- Depois de ir a Insanity você pode morrer, porque vai morrer feliz. – eu disse entre risos – Mas relaxa, aposto que a nem vai ligar.
- É, acho que vou mesmo. Obrigado por me desvirtuar.
- Pra isso que servem os amigos.

Capítulo 24 - Por que tão vazia?


’s POV.

Eu estava me esquecendo de alguma coisa, mas não sabia o que era. Por que sugeri este lugar mesmo? Não fazia muito sentido sugerir que viéssemos neste pub sendo que eu nunca estive aqui antes. Aliás, Black Cat... Esse nome não me é estranho. É você de novo, subconsciente?
- , abre a boca!
- O que?
- Bebida, querida.
Franzi o cenho para a garota a minha frente. Jill, uma amiga do trabalho. Ela levantou a garrafa com um conteúdo que parecia ser água, mas apenas parecia, para indicar sobre o que dizia com uma animação maior que o normal. Eu ri inclinando a cabeça para trás e abri a boca para que ela despejasse a bebida que desceu rasgando pela minha garganta.
- Isso mesmo, nova chefe, é assim que se faz!
- Chega, eu quero dançar. Vem, Megan! – eu disse me levantando e puxei a pessoa que estava mais perto mesmo que ela estivesse acompanhada pelo namorado. Eu não ligava. E outra... Agora eu era a nova chefe!
Não, brincadeira. Eu só vou me lembrar dessa coisa de chefe amanhã, quando acordar cheia de dores para ir trabalhar. Era somente eu e o pessoal do trabalho naquele pub, comemorando a minha promoção, não havia e muito menos Robert para dançar comigo. Minha prima cuidava de enquanto eu estava aqui e o meu noivo, graças a Deus, chegará de viajem daqui só mais alguns dias. Eu não aguentava mais esperar, nem aguentava mais aquela casa tão vazia, eu estava sentindo falta dele.
- Chefe, eu estou cansada – Megan fez bico depois de um longo tempo ali dançando comigo.
- Ah, ainda bem que você falou, porque eu também estou. – suspirei e ela riu – Vai lá com o Leo que eu vou buscar alguma coisa pra beber. Você quer?
Ela negou e eu tratei de seguir entre as pessoas na pista até chegar ao bar, esperei até que um barman me avistasse e pedi uma cerveja. Logo peguei meu copo e voltei pelo mesmo caminho que fiz antes... Ou pelo menos tentei, já que um idiota esbarrou em mim fazendo com que todo o conteúdo do meu copo caísse sobre mim.
- Ai, droga.
- Desculpe! – o cara pediu enquanto eu, irritada, passava a mão pelo vestido, mesmo sabendo que não adiantaria em nada, continuaria molhada.
- Não olha por onde anda, não? – perguntei o olhando brevemente.
- Já pedi desculpas.
- Como se desculpas fossem limpar o meu vestido. – ironizei. Idiota, eu estou pouco me importando com as suas desculpas.
- Vem, eu te pago uma bebida. – ele disse puxando o copo da minha mão e eu o medi de cima a baixo, com cara de poucos amigos – Deixa de ser nervosinha e vem logo.
Pensei em dar as costas e o deixar falando sozinho, mas resolvi segui-lo de uma vez! De volta ao bar, eu me sentei em um dos bancos altos, de frente para a pista de dança, e ele se debruçou levemente sobre o balcão, chamando pelo barman.
- Heineken? – ele perguntou e eu apenas dei de ombros, sem desviar o olhar das pessoas que dançavam ali.
- Pode ser.
- Me vê quatro – pediu ao barman e eu pude notar seu olhar sobre mim.
- Eu não gosto de você – eu disse pausadamente.
- Até que não molhou muito.
- Eu era quem devia estar dizendo se molhou muito ou não.
- Você é muito nervosinha. – ele riu e eu bufei.
Era em momentos exatamente como esse que eu percebia que sair pra noitadas não era mais pra mim, pois qualquer coisa me irritava, assim como a grande parte do meu vestido molhado; e qualquer homem que se aproximava de mim, trazia consigo o grande aviso de “Afaste-se agora, se Robert souber disso, não vai gostar!”.
- Quem, afinal, você pensa que é? – perguntei e ele riu mais uma vez.
- Eu penso que sou . E você, quem pensa que é?
. No mesmo segundo, ao ouvir aquele nome, eu senti meu corpo inteiro se arrepiar e o ar abandonar meus pulmões. Tentei ignorar minha louca pulsação e pensei, por alguns instantes, que estava delirando. Mas eu não sou tão fraca com bebidas assim, sou? . Black Cat. . Black Cat. … Engoli a seco e então finalmente encarei o homem ao meu lado. Encarei e seus brilhantes olhos , que me fizeram mergulhar e me perder em meio a tantas emoções. Era agora? Eu sabia que uma hora ou outra isso iria acontecer, mas era mesmo este reencontro pelo qual eu tanto esperei? Eu tinha que admitir, aquele sorriso direcionado a mim estava me fazendo perder todo o foco. Parte de mim, agora, queria apenas apreciar cada segundo daquilo, queria sorrir junto com ele e derreter-se completamente a toda a atenção que seus olhos investiam sobre mim. E outra parte gritava para dar o fora dali, independente do que eu tivesse para conversar com ele. Mas tinha a parte racional também, o cérebro, claro, pois até agora somente o coração quis dar a sua opinião. Ele implorava para que eu dissesse algo para que não ficasse com cara de idiota na frente de , e eu abri a boca algumas vezes, mas minhas tentativas de emitir um som sequer foram fracassadas.
“Oi, ! Lembra de mim? Nós namoramos no colégio e, olha só, você é o pai da minha filha”. Péssimo. Certo, eu desisto!
- Eu não sou ninguém. – coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha e me levantei, pegando a garrafa de Heineken da mão dele. Eu precisava beber algo.
- Ei! Essa é a minha cerveja. – ele reclamou e eu bebi um gole, poderia rir se não estivesse me sentindo tão estranha com a situação. Eu queria estar perto e, ao mesmo tempo, o mais longe possível.
- Eu não tenho nojo de você, . – sorri e ele continuou me olhando de forma a atônita, tomei mais um gole e enfim segui meu caminho.
Nós nos encontraríamos de novo, daqui algumas semanas, meses, ou sei lá quanto tempo. Quase dois anos aqui e essa é a primeira vez que nos encontramos pra valer! Mas antes disso, antes do destino querer resolver as coisas por si só, eu encontraria a minha coragem e as minhas palavras. De alguma forma mais confortável, eu finalmente contaria a sobre , o único propósito para eu estar aqui. E eu torcia para que todo esse meu encantamento por ele fosse apenas efeito do álcool.


“You said it again, my heart is in motion. Every word feels like a shooting star. I’m at the edge of my emotions watching the shadows burning in the dark. And I’m in love and I’m terrified, for the first time in the last time in my only life (Você disse de novo, meu coração se movimenta. Cada palavra é como uma estrela cadente. Estou no limite das minhas emoções, assistindo as sombras queimarem na escuridão. E eu estou apaixonada e estou aterrorizada, pela primeira vez e a última vez em minha única vida)”.
Distraída, eu cantarolava esta música mentalmente enquanto cortava o salame que estava a minha frente, sobre a tábua de carnes, em finas fatias. Ouvi aquela música ontem à noite, pouco antes de dormir e, pelo jeito, ela não sairia da minha cabeça tão cedo. Meu cérebro parecia gostar de coisas que poderiam demonstrar qualquer ironia sobre mim. Mas a música não me incomodava totalmente, era bonita e eu gostava de sua melodia, pois ela me deixava um pouco mais calma. Deixava-me com o pensamento de que, sim, eu estava aterrorizada com a situação em que me encontrava! Mas a vida é única, não é? Não havia razão para que eu ficasse tão nervosa a ponto de me sentir enjoada, quanto estava nos últimos dias; eu não precisava ter tanto medo de tomar decisões e, menos ainda, das consequências que seriam atraídas se resolvesse trilhar um caminho diferente do qual fora inicialmente planejado. Tudo se ajeitaria no fim das contas, certo? Bem, era isso o que eu desejava arduamente todos os dias.
Sorri fraco. Eu queria tanto me sentir tão forte e tão segura, assim como me sinto quando estou com . Era estranho tudo parecer fácil e simples com ele, tudo ganhava um novo e agradável significado.
- MAMÃE! – ouvi gritar atrás de mim e eu sobressaltei, assustada, tanto que acabei cortando os dedos indicador e médio.
- Ai, , que susto! – eu disse soltando a faca sobre a pia e chacoalhei a mão involuntariamente, vendo o sangue vermelho vivo brotar em meus dedos.
- Está tudo bem? – Robert perguntou e parou ao meu lado.
- Não, não é nada.
- Deixe-me ver.
- Estou bem, não tem nada pra ver.
- – disse usando um tom autoritário e me virou para si.
Mostrei os dedos a ele, que semicerrou os olhos e abriu a torneira, colocando minha mão embaixo da água gelada que caía, e então se afastou. Deixei que um muxoxo escapasse e mordi os lábios quando comecei a lavar as mãos com sabão.
- Machucou? – perguntou e eu balancei a cabeça negativamente.
- Nã...
- Desculpe, eu não queria te assustar – ouvi e a olhei por cima do ombro com um leve sorriso no rosto para tranquiliza-la.
- Eu estou bem, meu amor – eu disse e fechei a torneira, secando uma das mãos e onde não sangrava, com o pano de prato.
- Aqui. – Robert colocou sobre a mesa a caixinha que eu costumava deixar no armário, com remédios, gaze, esparadrapos, etc. – Quer que eu cuide disso?
- Não, pode deixar.
- Tem certeza? – perguntou e eu assenti, recebendo um beijo na testa – Então vou arrumar essas coisas aqui.
- Obrigada – eu disse enquanto ele voltava sua atenção às coisas que estavam na pia e então me sentei à mesa ao lado de , que me olhava curiosa.
- Posso ver? – debruçou-se sobre a mesa e eu lhe mostrei os dedos que voltavam a sangrar, abrindo a caixinha com a outra mão – Dói?
- Não muito – eu disse colocando gaze sobre os cortes para estancar o sangue.
- Desculpe-me, mamãe, eu sinto muito mesmo.
- Tudo bem, anjo, daqui a pouco não estará mais sangrando. – eu sorri – Mas por que você gritou?
- Ela estava falando contigo, mas você não ouviu, parecia não estar aqui – Robert explicou.
- Ah...
- Eu estava dizendo que vou precisar de uma roupa pra apresentação da escola, vai ter o teatro e o coral. – ela enumerou nos dedos – E eu sou do coral, a professora disse que nossas roupas serão todas iguais.
- Lá vem eles pedir dinheiro mais uma vez – Robert disse e eu respirei profundamente, pois, realmente, aquela escola me sugava até o último euro.
- E como estão os ensaios? – mudei o foco da conversa vendo Robert colocar um prato com as fatias de salame e queijo que eu estava cortando, sobre a mesa e se sentar também – Você não cantou nem uma vez pra mim.
- Ah, dá vergonha – ela disse cobrindo o rosto com as mãos e nós rimos.
- Mas o que a sua professora disse sobre isso?
- Ela disse que estou indo bem e que não posso deixar de treinar em casa.
- Mas você nem está treinando! – eu disse e ela me olhou, encolhendo os ombros – Não pode ter tanta vergonha, , na apresentação você vai cantar não só para mim, mas para muitos outros pais.
- Ok, eu vou treinar um pouquinho – ela disse entre um suspiro e pegou uma fatia de salame.
- Também quero – eu disse olhando para a fatia na mão de , que riu pegando mais uma e a colocou em minha boca.
- Mas tem que treinar com plateia, – Robert disse pegando um pedacinho de queijo e eu concordei – senão não vai adiantar muita coisa.
- A gente pode tentar te ajudar.
- E como toda boa plateia, até batemos palmas no final – Robert disse e nós rimos.
- É isso que o meu pai faz, não é? O trabalho dele é se apresentar para uma plateia bem grandona? – ela perguntou abrindo os braços, como se quisesse demonstrar o tamanho da tal plateia, e eu apenas assenti – Então acho que também vou falar com ele, talvez ajude. Será que ele imagina as pessoas com roupa de baixo pra não ter vergonha de se apresentar?
- Não sei, – eu ri – mas não custa perguntar. Quem sabe ele não te dá umas dicas?
- Aproveite, pois só isso que ele deve saber fazer...
- Robert! – eu o repreendi ao ver o sorriso de desaparecer por conta do tom carregado por sarcasmo que ele usou para falar de .
- O que? , o cara ganha a vida fácil, dizendo-se bom músico, posando pra fotos com garotinhas que tem, no máximo, o dobro da idade de . – ele gesticulou rindo e se virou para a minha filha – Isso não é trabalho, , seu pai...
- Não começa, Robert.
-... É um vagabundo desocupado.
- Você só diz isso, porque não gosta dele! – ela disse brava, descendo da cadeira e então saiu da cozinha pisando forte.
- Qual o seu problema? Por que você não me ouve quando digo pra parar? Não precisava ter falado essas coisas para ela!
- É a verdade – deu de ombros com um sorriso no rosto.
- Guarde as suas verdades para si. – eu disse me levantando também e ele abaixou o olhar para sua mão que estava sobre a mesa e estralava um dedo por vez com a ajuda do polegar – Ela é uma criança, Robert, não precisa saber que você simplesmente odeia o pai dela. É sério, você tem que parar com essa implicância com .
- Você não me deixa outra escolha. – ele disse calmamente e tornou a me olhar, dessa vez, sério, sem o ar de deboche – Ou deixa, ?
Encarei Robert por alguns instantes e então quebrei o contato visual para ir atrás da minha filha. Eu sabia que se dissesse que isso não envolvia , ele rebateria dizendo que então teria que se resolver com logo de uma vez, ou jogaria sobre a mesa o fato de ter uma noiva adúltera, assim como costumava fazer. Mas eu não queria prolongar uma discussão que não deveria nem ter começado.
Ainda segurando a gaze nos dedos, entrei no quarto de , que estava sentada na cama encostada contra a cabeceira e com o controle da televisão em mãos. Fechei a porta, sentei-me ao seu lado e passei um dos braços em volta de seus ombros, trazendo-a para mais perto de mim enquanto ela mudava de canal, parando no Disney Channel.
- Por favor, não se importe com o que ele disse. – eu disse e beijei o topo de sua cabeça – Ele só tem um pouquinho de ciúmes do seu pai.
- Por quê? – ela me olhou.
- Ele tem medo de que seu pai tome o lugar dele – tentei explicar da forma mais simples e verdadeira possível e ela piscou algumas vezes.
- Não, mamãe, isso está errado! – ela franziu o cenho – Robert está no lugar dele, está no lugar do meu pai!

- Gostou do apartamento?
- Queria que fosse mais perto da sua casa – disse e eu desviei meu olhar dos móveis para encará-la.
- Você quer morar na minha casa? – perguntei irônica.
- Seria uma boa ideia.
- Cala a boca.
- Pelo menos eu poderia ficar de olho em Robert.
- Você não está aqui para cuidar de mim, .
- Pois eu acho que estou – ela disse e eu sentei no sofá rolando os olhos.
- Não está, Robert e eu estamos muito bem, obrigada.
- Só até conhecer o seu namoradinho do colégio, não é? Tenho certeza de que ele vai querer morrer! – ela riu sentando-se ao meu lado e eu saquei meu celular do bolso, apenas para não ter que dar muita atenção a ela e àquele assunto – Vi fotos do seu namoradinho na internet. Que besteira deixá-lo escapar, .
- Sinceramente? Eu acho que os acontecimentos de nosso último encontro não favoreceram muito o nosso relacionamento – disse com ainda mais ironia e ela puxou o celular da minha mão – Ei!
- Eu estou falando com você, então me dê atenção. – arqueou as sobrancelhas e eu suspirei – Não desistiu da ideia de encontra-lo, certo?
- Quem? – franzi o cenho.
- Eu vou te bater, !
- Ah, o ... Não sei, ainda estou pensando nisso.
- Já faz quase seis anos!
- Que droga, eu sei, ! – bufei tomando meu celular de volta – Eu sei onde é a gravadora dele. Sei a academia, o restaurante, a boate e o pub preferido. Sei os lugares que ele mais frequenta e até onde mora, tanto que matriculei a minha filha na escola mais próxima.
- Boa, dona detetive! E agora, o que falta?
- Coragem de, pelo menos, olhar pra cara daquele idiota. – suspirei passando o dedo indicador sobre o visor do meu celular, onde tinha a foto de uma sorridente com seus olhos brilhando a luz do sol – E então vêm as coisas que eu não sei. Não sei o que vou dizer, como vou agir... O que vou sentir.
Silêncio.
- Espero que ele tenha se tornado um daqueles artistas metidos a besta em que ele e o ego não caibam no mesmo cômodo, – eu ri fraco – pois tenho medo de me sentir daquela forma novamente. Quero que ele seja apenas o pai de e nada mais que isso.


- Mamãe, – ela começou depois de um tempo de silêncio, quase num sussurro – você tem que ficar com o meu pai.
Senti um frio percorrer a espinha. Aqueles olhos não estavam me ajudando naquele momento, eles me lembravam de , me lembravam da decisão que devia ser tomada, da resposta pela qual ele esperava.
- Filha, não importa com quem eu fique, sempre será o seu pai e você vai poder contar com ele pra tudo! Se você quiser perguntar a ele como é o trabalho dele, tudo bem, você pode perguntar. E se quiser passar um tempo a mais e se divertir com ele, melhor ainda, é só pedir, pois eu tenho certeza de que ele vai adorar. Fazer com que você seja muito feliz, é a única coisa que importa pra mim, ok? – perguntei e ela assentiu sorrindo levemente.
- Mas Robert disse que aquilo que o meu pai faz não é trabalho.
- Ora, ele ganha muito dinheiro com aquilo, claro que é trabalho! – eu disse num tom brincalhão e ela riu – Mas estamos entendidas?
- Estamos.
- Ótimo! Agora, o que você acha de tomar um banho, colocar uma roupa muito bonita e sair comigo? Só você e eu? – eu disse como se fosse uma oferta imperdível e ela levou o dedo indicador ao queixo, fingindo pensar.
- Hm... A gente pode passar naquela loja que tem vários DVDs de vários filmes super legais?
- Claro! Podemos comprar um DVD novo, tomar um lanche e depois, como já é caminho, passamos na casa da tia pra dar um oizinho. – arqueei as sobrancelhas e o sorriso dela aumentou.
- Estou indo tomar banho! – ela disse preparando-se para engatinhar até sair da cama, mas voltou e me deu um beijo estalado no rosto – Eu te amo.
- Anda, escolha uma roupa e me encontre lá no meu quarto – eu disse e me levantei.
Abri a porta e deixei o quarto andando até as escadas, a fim de encontrar Robert para avisá-lo que sairia com , mas ele já subia para o segundo andar com o telefone em mãos.
- Sua prima – ele me entregou o aparelho, que eu logo levei a orelha e segui para o meu quarto com Robert em meu encalço.
- Estava falando de você agorinha – eu disse e ela riu do outro lado.
- Isso se chama amor.
- Não, acho que não... – eu ri me sentando na beirada da cama, vendo Robert fechar a porta e seguir para o closet.
- Sei. Mas e ai, tudo bem?
- Tudo, e contigo?
- Também. Estava pensando... Vocês podiam vir aqui hoje, não é?
- Caramba, eu estava falando exatamente isso com ! – arregalei os olhos e nós rimos.
- Ainda acho que isso se chama amor.
- E eu ainda acho que não!
- Estou morrendo de saudades da pirralha e de você, piranha. A e a também vem pra cá, daí ficamos apenas nós cinco, o que acha?
- Estou dizendo que isso não é amor! – eu disse por conta do apelido carinhoso que me atribuiu e ela gargalhou – Mas acho a ideia ótima, só que a gente vai chegar um pouquinho mais tarde, pois combinei com a pequena de fazer outras coisas.
- Sem problemas, qualquer coisa eu seguro as garotas aqui. Você sabe como sou boa em entreter as pessoas – ela disse e eu ri.
- Ok, então até mais tarde.
- Beijos – ela disse por fim e eu desliguei, deixando o telefone sobre a cama.
- Vai sair? – ouvi Robert perguntar e então ele saiu do closet com duas gravatas, uma na cor vinho e outra cinza, penduradas sobre os ombros.
- Sim, na verdade eu estava descendo pra te avisar que vou dar uma volta com para distraí-la um pouco – expliquei, unindo as mãos sobre minhas pernas, ainda com a gaze entre os dedos e ele assentiu.
Silêncio.
- Ei, desculpe-me, ok?
- Não é exatamente para mim que você tem que pedir desculpa – eu o interrompi fitando minhas mãos.
- Eu sei, vou falar com depois. – ele disse entre um suspiro – Mas preciso que você saiba que eu estou tentando, juro que estou tentando. – ele se aproximou se agachou a minha frente, colocando uma mão de cada lado de meu corpo – Faço isso por você, mas não é fácil.
- Eu sei que não é – eu disse colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha e mordi os lábios.
- Estou indo às consultas e acredito que estou conseguindo controlar a minha raiva. Há algum tempo que eu não... – pigarreou, acariciando minhas pernas lentamente e abaixou o tom de voz em seguida, usando um tom cauteloso – Há algum tempo que eu não te machuco. E faria ainda mais tempo se não fosse por aquele maldito dia em que você saiu para provar o vestido do nosso casamento e...
Ele desviou seu olhar respirou profundamente e eu olhei para o alto. Ótimo, eu não podia me sentir pior naquele momento!
Ele estava se tratando, mas, claro, ainda era uma bomba relógio que poderia ser ativada a qualquer momento. Depois daquela noite que passei com , Robert havia entrado num surto que me fez temer pelo o que poderia estar por vir. Mais uma vez ele quebrou parte dos porta-retratos que ficavam na sala e, quebrou e revirou todo o nosso quarto. Ele se descontrolou, deixou tudo de lado, dando espaço à sua agressividade. E eu? Bem, mesmo que ele tenha descontado parte de sua raiva nos móveis e não em mim, eu voltei a sentir medo, pois ele passou dias agindo quase que da mesma forma que agia na Alemanha. Apesar de tentar se conter, ele queria me privar de muitas coisas e não fazia questão alguma de me tratar com um pouco de gentileza. Não que eu achasse que merecesse tais gentilezas depois de tê-lo traído e, se achava que eu estava o usando, imagine o que estou fazendo com Robert... Eu não sei nem como toda essa explicar a situação.
Agora olhando para ele, com o olhar fixo em um ponto qualquer, maxilar tenso e punhos fortemente cerrados, eu tinha certeza de que estava perdida, pois escolher poderia ser tão complicado quanto eu imaginava.
Eu não precisava de um tempo para escolher entre os dois. Para escolher entre com todos os nossos anos perdidos, e Robert com todos os seus problemas. Você acha mesmo que eu não sei o que é melhor para mim ou até mesmo para a minha filha?
Não havia dúvida alguma sobre quem escolher!
Eu precisava de um tempo para pensar num modo de derreter esta bola de neve que minha vida se tornou. Um modo no qual ninguém se machucasse, pois apenas eu poderia desarmar esta bomba relógio.
- Tenho grandes motivos e você sabe disso, então não me peça para, nem ao menos, tolerar a existência desse cara. Você tem que ficar comigo e eu estou tentando, estou melhorando para você, – e então me olhou – estou melhorando por você, .
Assenti entre um suspiro, ainda um pouco tensa.
- Você pode sair e eu não vou nem me importar com o horário que pretende chegar. Apenas volte pra casa hoje, ou se não, eu terei que te buscar. – ele tentou brincar, mas dava pra notar a séria entonação em suas palavras. Ele selou seus lábios rapidamente aos meus e se afastou um pouco, ainda agachado, tocando as gravatas com as pontas dos dedos – Agora, qual você acha melhor para bajular um de nossos patrocinadores no chá desta tarde?
- Ahm... – pensei por alguns segundos, um tanto incomodada, e ele arqueou as sobrancelhas para mim – Tem certeza de que não quer que eu te acompanhe neste chá?
Idiota. Fraca. Medrosa!
- Tenho, prefiro que você fique.
- Então... – pigarreei e indiquei a gravata vinho.
Robert sorriu, se levantando e tornou ao closet. Levei uma das mãos à nuca e decidi descer até a cozinha para dar um jeito nos pequenos ferimentos em meus dedos antes que eu resolvesse trocar de roupa e me sujasse de sangue. Não sei como consegui fazer um corte tão fundo! Mesmo que aquilo fosse a coisa mais ridícula que já vi em toda a minha vida, pequei dois band-aids coloridos das Meninas Super Poderosas para depois do banho colocar nos dedos. O sangue já havia estancado, mas era melhor prevenir do que remediar.
Apesar de estar estranhamente tentada a pegar o meu carro hoje, chamei um táxi, que chegaria pelo menos meia-hora mais tarde. Eu evitava ao máximo ter que dirigir, ligar para pedir um táxi se tornou mais que um hábito. Subi as escadas novamente para tomar um banho e quando deixei o box, me enxuguei rapidamente e coloquei meu roupão branco que estava pendurado ali. Coloquei os band-aids da Lindinha e do Macaco Louco, passei minha toalha no grande espelho suado e me maquiei ali mesmo, já que não havia mais penteadeira no meu quarto. Se associar Robert à penteadeira, acho que já dá para ter uma ideia do que pode ter acontecido com ela, não é? Enfim prendi os cabelos em um rabo-de-cavalo meio frouxo e fiz uma maquiagem simples, apenas escondendo as imperfeições, passei um batom nude e destaquei os olhos com delineador e rímel.
Saí do banheiro encontrando Robert sentado na beira da cama já vestido com uma camisa num tom azul claríssimo e com a calça de seu terno azul-petróleo de corte italiano. Ele tinha a gravata vinho pendurada, sem nó, em seu pescoço e colocava os sapatos marrons num tom bem escuro e envelhecido. Independente de qualquer coisa, eu sempre me impressionei com a forma com a qual ele se vestia tão bem. Era o que sua profissão exigia e, apesar de odiar usar gravata, alegando se sentir extremamente sufocado, eu sabia que ele amava a impressão que passava para os outros. Ele adorava deixar uma ótima e impecável primeira impressão e, suas roupas, sua postura, o ajudavam muito nisso. Sem contar a aparência física. Robert era um típico alemão, não havia como negar isso! Um alemão alto, de ombros largos, com um tom de pele claríssimo, cabelos loiros e olhos verdes faiscantes.
Todo este grande pacote deixava a impressão de que ele era realmente poderoso. Foi o que eu pensei no mesmo instante que o conheci no Brasil e confesso que isso me assustou um pouco de início. Apesar de ter , eu ainda me sentia uma garota boba perto dele, que exalava maturidade, mas depois acabei me encantando com a generosidade e boa educação que ele deixava transparecer.
Estranho pensar em como as coisas eram antes, como elas mudaram tanto, pois agora eu já nem sabia mais o que pensar sobre tudo o que passamos juntos. Tanto as coisas boas, quanto as mais terríveis. Eu mal sabia explicar meus sentimentos, mal conseguia definir Robert em palavras, o que ele significava em minha vida.
Pisquei profunda e demoradamente e levei as mãos ao rosto, seguindo para o closet. Olhei atentamente para minhas roupas dobradas sobre as prateleiras, sem saber ainda o que usaria e senti sua presença atrás de mim. Robert parecia nunca emitir barulhos bruscos, era sempre silencioso e apenas o que eu podia ouvir e sentir, era sua respiração quente bater diretamente contra o meu pescoço, deixando-me estática. A ponta de seus dedos gélidos tocou meu pescoço e se arrastou até meu ombro, levando consigo a gola do roupão e depositou um beijo úmido em minha pele exposta.
- Estou quase desistindo de ir, só pra poder ficar contigo. – ele disse beijando-me mais uma vez e eu ri fraco – Não ria, isso é péssimo para os negócios, sabia?
- Já temos nosso dia planejado, – eu disse me virando para ele, que endireitou a postura quando peguei sua gravata para dar o nó – melhor seguir o roteiro. Mas por que tem que ir hoje ver esse tal patrocinador?
- Ele tem contato direto com aquelas famosas revistas...
- Hm, marketing.
- Isso mesmo. – assentiu e eu alisei sua camisa, como de costume – Está aprendendo, hein?
- Você fala disso sempre – eu ri fraco mais uma vez, ajeitando a gola do meu roupão ao sentir um estranho frio repentino.
- Bem, qualquer coisa, me ligue.
- Ok – dei um meio sorriso.
Robert encaixou suas mãos em meu pescoço nu, acariciando meu rosto com os polegares e então juntou nossos lábios. Ele sugou meu lábio inferior e eu fechei os olhos, deixando que ele aprofundasse o beijo e logo nossas línguas se encontraram. O beijo durou e, mordiscando levemente meu lábio inferior, ele me deu um último selinho e se afastou com um leve sorriso no rosto. Ele se virou para suas próprias roupas, pegou o casaco do terno azul-petróleo, vestiu o mesmo e tornou sua atenção para mim, me dando um selinho rápido mais uma vez.
- Até mais tarde.
- Até – eu disse cruzando os braços e ele saiu do closet.
Mantive meu olhar fixo onde ele estava antes e ouvi a porta do quarto se fechar. Franzi o cenho assimilando que, durante todo o beijo, foi ele quem me guiou enquanto meus braços e minhas mãos ficaram mortos ao lado de meu corpo. Eu havia sentido absolutamente nada. Apenas me sentia vazia.
Eu não queria viver assim.
- Mãe? – ouvi abrir a porta e a olhei – Estou pronta.
- Ahm, se agasalhou bem?
- Sim!
- Então me dê só um minuto – sorri verdadeiramente para ela e tratei de me vestir.
- Robert foi trabalhar? – ela perguntou.
- Mais ou menos.
- Mas hoje é domingo.
- Ele só foi fazer uma visita para um moço do trabalho – eu expliquei e ela entrou no closet, encostando-se contra o batente da porta.
- A gente podia também aproveitar e ir à casa do meu pai, não é?
- Ai, eu não sei, filha... – eu olhei com pesar para ela, que deu um meio sorriso e passou a encarar o chão. Não sei por que ela faz isso comigo... Ah, claro, é porque ela sabe que desta forma eu vou ceder! Então me apressei em dizer: – Mas podemos tentar! Não prometo nada, não sabemos se ele já não tem outros planos para hoje, mas podemos tentar, ok?
- Eba! – ela alargou o sorriso.
Ao terminar de me vestir, eu segui novamente para o banheiro, penteei o cabelo e o prendi corretamente.
- Está bom assim? – perguntei sobre minha roupa, saindo do banheiro e coloquei minha bolsa sobre o ombro, girando em volta do meu próprio corpo para que ela pudesse me “avaliar”.
- Aham, está lindona! – assentiu entre risos e eu sorri.
- Ótimo, então vamos.
Verifiquei se tudo estava fechado e se todas as luzes estavam apagadas e então descemos para a sala de estar. Não demorou muito para que o táxi buzinasse do lado de fora e correu na minha frente, já abrindo a porta do banco de trás, enquanto eu trancava a porta principal de casa. O tempo estava um pouquinho fechado e o vento frio, então me abracei ao meu corpo e logo me abriguei no táxi, dando as instruções de como tudo seria ao motorista.
sentou-se o mais próximo possível da porta, com as mãos espalmadas no vidro, atenta a tudo o que passava rapidamente do lado de fora e eu apenas sorri, cruzei os braços e passei a fazer o mesmo que ela, pensando.
Pensando muito.
Não demorou até que chegássemos ao nosso destino e logo que saltamos do carro, o motorista avisou que esperaria por nós naquele mesmo ponto de táxi. Eu logo concordei, afinal não demoraríamos muito, o taxímetro estava rodando.

- Está saindo do trabalho agora?
Eu tentava andar, arrumar minhas coisas dentro da bolsa e equilibrar o celular preso entre minha orelha e pescoço para poder dar atenção ao meu noivo, que me ligava para dizer que estava relaxando no spa de um hotel na Suécia. Olha só, que legal!
- Estou. Mas escuta, eu achei que essa sua viagem era a trabalho – eu disse, desconfiada, fechei minha bolsa acertando a postura e deixei o prédio – e você me diz que está num spa? Quero um trabalho como este seu.
- E é uma viagem a trabalho! – ele riu – Mas não se preocupe, daqui a pouco estarei contigo, eu só consigo pensar em você.
- Sei – rolei os olhos com um sorriso divertido e levei uma das mãos à testa, tentando me proteger o sol que fazia.
- Posso até te imaginar com aquele vestido cinza, que fica um palmo acima de seu joelho e que tem um decote que acaba com a minha sanidade, de salto alto preto, cabelos presos num coque e os lábios pintados de vermelho... – ele disse e eu olhei para mim mesma e depois em volta, pois eu estava vestida exatamente assim – É sério, amor, você não pode sair do hotel vestida dessa forma sem que eu esteja ao seu lado.
- Onde você está? Está me filmando ou o que?
- Olha pra trás. – ele disse e eu me virei rindo, vendo-o encostado contra a parede ao lado da porta por onde eu passei há segundos atrás – Agora tenho que desligar, eu estou na mira de uma mulher maravilhosa!
- Está me vigiando? – perguntei diretamente para ele, que riu andando em minha direção e guardei o celular na bolsa.
- Vim te raptar por alguns minutos.
- Hm... Ainda de terno e gravata? Vai direto para o escritório depois disso?
- Infelizmente, – ele disse e selou seus lábios rapidamente aos meus – mas tenho uma surpresa para você e não podia esperar até mais tarde.
- Ai, Senhor! Rob e suas surpresas...
- Para, não faça pouco caso, você ama minhas surpresas – ele disse divertido, afrouxando e tirando a gravata do pescoço.
- Não, não vai me vendar!
- Vira.
- Não, não precisa, eu fecho os olhos.
- Vira logo, .
- Ok! – dei-me por vencida e me virei fechando os olhos, deixando Robert os cobrir com a gravata.
Robert me guiou até seu carro, tentando me distrair com uma conversa sobre sua viagem, mas era estranho ficar de olhos vendados e a única coisa que conseguia pensar era que eu queria muito tirar aquilo e descobrir o seu motivo. Fazer surpresas devia ser um hobby para ele, pois sempre fazia isso, ele sempre aparecia com alguma coisa nova para me dar. Logo o carro foi estacionado e ouvi Robert saltar do mesmo, então abrir a porta do carona para mim.
- Pensei em mais um diamante, mas nesse momento, morando num hotel, eu acho que você vai gostar mais desse presente. – ele dizia me ajudando a descer do carro – Quer dar um palpite?
- Eu não faço a mínima ideia, Rob. Por favor, me deixa arrancar essa gravata de uma vez – disse com a ansiedade à flor da pele e ele riu fechando a porta, depois se postou atrás de mim, com uma das mãos apoiada em minha cintura.
- Se não gostar, é só dizer, podemos trocar por outra – ele disse ao pé do meu ouvido e tirou a gravata de meus olhos delicadamente, revelando-me uma grande casa amarela de majestosas portas e janelas brancas e um jardim impecável à nossa frente.
- Essa é...
- Pode ser a nossa casa se você quiser.
-... A nossa casa? – dei alguns passos a frente, maravilhada com o que via. Aquela casa era simplesmente perfeita.
- Gostou?
- Se eu gostei? – arregalei os olhos para ele, que riu – É lógico que eu gostei, essa deve ser a casa mais linda que eu já vi em toda a minha vida.
- Quer ver lá dentro? – perguntou tirando um molho de chaves do bolso.
- Ahm, ela... Ela não é muito cara, é? – me lembrei desse detalhe e ele rolou os olhos puxando o celular o bolso da calça, digitou rapidamente e levou o aparelho a orelha.
- Quem liga se é ela cara? , por favor... – ele riu debochado e levantou a mão levemente, pedindo silêncio – PJ? É o Robert. Nós vamos ficar com a casa.


Já teve a impressão de ser observada? É uma sensação um tanto incômoda, ainda mais se você está em algum lugar público. Você pode olhar para todos os cantos e não perceber uma única pessoa que esteja olhando fixamente para você, mas sensação continua sendo como se todas ali estivessem fazendo isso. Dá pra entender? Eu me senti assim o tempo todo em que fiquei andando pra lá e pra cá com , entrando em lojas que interessavam a nós duas. Isso fez com que eu me sentisse mal! Eu estava dispersa e, até mesmo enquanto andávamos pela loja de CDs e DVDs com nossos copos de chocolate quente, acabou percebendo e me cutucou na altura das costelas.
- Mamãe, está se sentindo bem?
- Estou.
- Certeza?
- Aham.
- Olhe este filme! – sorriu empolgada e me entregou a caixinha – Parece ser legal e eu ainda não o tenho.
Com o cenho franzido, encarei aquela capa por alguns instantes e depois virei a caixinha a fim de ler a sinopse do filme de princesa. O que mais me intrigava era que nem gostava tanto de princesas, conto de fadas, ela dizia ser bobo e agora queria levar tal filme.
- Você tem que pensar bem antes de escolher, filha, nós levaremos apenas um! – reforcei o que já havia dito antes a ela, com os olhos ainda fixos no DVD e tomei um gole do meu chocolate.
Aquele filme não me parecia ser assim tão bom assim. Digo, a capa era até que bonitinha, com uma princesa morena de vestido verde, mas ah! Nem eu gostava tanto de filmes de princesas assim. Ou não estava com paciência para os finais felizes que eles proporcionam...
- A gente podia começar a comprar os filmes do Potter, ainda não temos nenhum, são realmente muito bons e eu sei que você também gosta. O que acha? – perguntei e olhei para onde eu achava que ela estava – ?
Olhei a minha volta e ela não estava mais por perto, chamei por seu nome mais uma vez, sem obter resposta e então respirei profundamente. Eu entraria em pânico facilmente se isso já não tivesse acontecido várias vezes antes, se não soubesse que ela sempre se distraia com os filmes e que eu a encontraria no primeiro ou no segundo corredor. Aquela loja era simplesmente o paraíso para ! Andei com calma por dois corredores e a encontrei gesticulando a frente de um homem magro, que estava sentado no chão, com as pernas em volta do corpo. Ele vestia um suéter listrado em várias tonalidades de verde, tinha uns óculos de grau de armação grande no rosto e um topete bem penteado para trás. Cômico, eu diria, parecia ter saído de um desenho animado. Aproximei-me e apoiei as mãos nos ombros de , que me olhou brevemente com um leve sorriso.
-... Quantos filmes? – o homem perguntou a ela, sorrindo.
- Muitos! – ela respondeu, fazendo-o rir.
- Então você acha mesmo que eu tenho que levar este aqui? – ele perguntou levantando a caixinha de “O Mentiroso” e ela apenas assentiu – E se eu não gostar?
- Você compra outro pra se sentir melhor – ela disse encolhendo os ombros e nós rimos.
- Acho que é uma boa ideia! – ele disse se levantando e meu olhar caiu diretamente sobre a câmera profissional pendurada em seu pescoço – Ela gosta muito de filmes, huh?
- Ahm... – tornei a olhá-lo, forçando um sorriso – Sim.
- Muito esperta, pode se tornar uma cineasta – ele disse com um sorriso sincero e passou uma das mãos pela cabeça de .
- Pois é. Ela gosta tanto, que estou começando a achar que não é só uma fase – eu assenti sem conseguir evitar olhar para sua câmera breve e novamente.
- Te incomoda?
- O que?
- A câmera – respondeu levando com as duas mãos a mesma até a altura de seu próprio rosto e deixou que a luz do flash piscasse.
- Bastante. – eu disse séria e pigarreei, buscando pela mão de – Vamos, filha, dê tchau para o moço.
- Tchau! – ela acenou e então eu a puxei comigo em direção ao caixa, mas ainda sentia a presença incômoda do homem atrás de nós.
- Vamos levar este mesmo, ok? – eu disse a ela, mostrando o DVD que havia me entregado – Já está na hora de ir pra casa da tia .
- Tudo bem.
- Ela é sua filha? Você não é muito nova para ter uma filha deste tamanho? – ouvi o homem perguntar atrás de mim.
- Acho que não. – eu disse a ele, dando um meio sorriso para a moça do caixa, enquanto lhe entregava o DVD.
- Achei que fosse sua irmã... – ele disse e eu arqueei uma das sobrancelhas, duvidando muito do que ele dizia – Você é casada?
- Quase.
- São $10,75 – a moça disse e eu puxei a carteira de dentro da bolsa.
- Como quase? – ele insistiu e eu rolei os olhos. Ele estava começando a me irritar. Pigarreei mais uma vez, entreguei algumas notas para a moça do caixa e joguei tudo dentro da bolsa – Vai se casar em breve?
- Por que o senhor teria tanto interesse sobre mim?
- Senhora, o seu troco.
- Pode ficar – eu disse apressada pra a moça, já entrelaçando os dedos de aos meus para sairmos da loja e então começamos a andar.
- Por favor, nada de senhor – ouvi o homem tornar a dizer ainda nos seguindo e eu ri incrédula.
- Claro...
- Eu tenho a leve impressão de que já te vi em algum lugar – ele disse e eu o olhei brevemente, fingindo analisá-lo.
- Bem, eu nunca te vi e não te conheço – dei de ombros.
- Qual é? Eu só quero conversar contigo.
- Uma pena, pois estou com pressa.
- Ah, lembrei! Você é a garota brasileira de quem todos estão falando ultimamente e esta é a sua filha com , certo? – ele disse e eu parei abruptamente, ouvindo-o soltar uma risada nasalada e senti apertar minha mão – Certo.
- O que você quer afinal? – perguntei o vendo parar a minha frente e se abraçou minhas pernas – Está assustando a minha filha.
- Se tudo for verdade, ela vai ter que se acostumar – ele disse, parecendo se divertir bastante e eu semicerrei os olhos.
- Acostumar com essa perseguição? – ri sem humor – Não.
- Não me leve a mal, na verdade, eu nem queria ter que te dar essa notícia, mas... – ele olhou brevemente para os lados, deu um passo a frente e, como se fosse me contar algum segredo, abaixou o tom de voz – Há muitos paparazzi por aqui agora, por sua causa! Gostei de vocês, gostei mesmo e sua filha é muito linda, mas é o nosso trabalho. Sabe o quanto está valendo qualquer história ou foto de vocês?
- Isso pouco me importa, se eu quisesse publicidade, teria ido à televisão... Ou sei lá onde! – gesticulei nervosamente, eu estava irritada e até meio assustada com a situação. Não era apenas impressão, estávamos mesmo sendo observadas durante esse tempo todo!
- Apenas me responda algumas perguntas e eu juro que te deixo em paz – ele disse antes que eu, ao menos, pensasse em começar a andar – São poucos os paparazzi que abordam as pessoas dessa maneira.
- Eu percebi – disse irônica.
- Apenas respon...
- Quer uma confirmação, certo? Sim, ela é filha de e, não, ele não sabia disso até alguns dias atrás. Pronto, você conseguiu o que queria, vai conseguir sua comissão com a gravação desse seu vídeo. – eu disse olhando brevemente para a câmera em seu pescoço, claro que estava ligada!
- Mamãe, – chamou baixinho – vamos embora.
- O senhor já pode ficar bem longe de nós.
- Não é só isso. Preciso saber se vocês dois estão envol...
- Na verdade, é só isso que precisa saber! – eu o interrompi mais uma vez, com a voz firme – Agora, se me der licença, eu quero ir embora com a certeza de que você não está nos seguindo.
Arqueei sobrancelhas, esperando que ele percebesse que eu não diria mais nada e, com um meneio de cabeça, ele concordou em sair da nossa frente. se soltou de minhas pernas, mas logo agarrou uma de minhas mãos e recuperou a postura, lançando um olhar bravo para o homem, que sorriu de leve, provavelmente achando o jeito dela engraçado. Acho que até eu teria rido se não estivesse tão irritada.
Respirei profundamente e segui com até onde o taxista disse que esperaria por nós, não notei mais nenhum olhar voltado especialmente para nós, mas também não fazia questão de notar isso. Eu apenas me sentiria mais incomodada. Era normal que algo do gênero acontecesse, na verdade, eu até esperava por isso. Não é todo dia que um cara famoso se descobre pai de uma menina de sete anos e é visto andando pra lá e pra cá com a mãe dessa menina de forma tão amigável... Ou é? Bem, mesmo assim, essa coisa toda não deixava de ser extremamente incômoda!
- Isso aconteceu com o papai também – ouvi dizer depois de um bom tempo, quando já estávamos dentro do táxi seguindo para o apartamento de .
- O que? – perguntei confusa e ela me olhou.
- De seguirem a gente e tirarem fotos... Ele ficou muito, muito bravo também, até disse um palavrão! – ela disse e eu rolei os olhos balançando a cabeça negativamente, era muito fácil imaginar tal cena – Mas eu disse pra ele pisar fundo com o carro e ele riu.
- Ele disse se isso vai acontecer sempre? – perguntei e ela levantou os ombros levemente – Ok, tudo bem, certo! – suspirei e sorri para ela – Não é um problema, podemos lidar com isso.
- O moço da câmera parecia ser legal – ela disse se aconchegando em mim enquanto eu passava um dos braços pelos seus ombros.
- Ele deve ser legal mesmo, mas estava trabalhando. Alguns trabalhos deixam as pessoas chatas – eu disse num tom brincalhão e ela riu.
- O cabelo dele é engraçado. Até parece que a vaca lambeu – ela disse casualmente e eu gargalhei. Oh, imaginação!
- Sua tia que fala assim, não é?
- Uhum.

- Te encontrei. Onde você se enfiou?
- Fui ao banheiro, assim como havia te dito – franzi o cenho sendo puxada pela mão por Robert.
- Não precisava demorar tanto.
- Calma, Robert! Você está andando muito rápido, esse vestido e esse salto não foram feitos para algum tipo de maratona – eu disse e ele diminuiu o ritmo, parecendo me ouvir pela primeira vez em anos.
- É um evento da minha empresa, , você é minha noiva e deve ficar ao meu lado.
- Eu só... Ah, esquece! E, por favor, relaxe um pouco – rolei os olhos e apressei o passo até que estivéssemos andando lado a lado, mesmo que aquele vestido comprido dificultasse em demasia tal tarefa.
- Agora sorria.
- Como se eu fosse entender muita coisa do que eles falam – murmurei e sorri educadamente assim que nos juntamos a um grupo de engravatados alemães.
Essa era a parte que eu menos gostava da ideia de morarmos na Alemanha. Fazia apenas poucas semanas que estávamos aqui, não deu tempo de aprender uma única palavra em alemão e Robert me trouxe a este evento, que ele diz ser muito importante. Era um coquetel e parecia ser mesmo muito importante, pois todos vestiam trajes de gala e conversavam num tom tão baixo, que eu poderia cochilar nos braços de Robert a qualquer momento. Eu não entendia absolutamente nada do que aquelas pessoas falavam, tinha apenas que ficar ali, com a expressão mais agradável que podia projetar em meu rosto; fingindo não me importar em não entender o que diziam e mantendo a excelente postura ao lado do dono de todo aquele patrimônio, enquanto o mesmo mantinha um dos braços firmemente em volta da minha cintura e distribuía alguns sorrisos.
- Quer se sentar? – ele perguntou ao pé do meu ouvido e eu apenas assenti, seguindo-o até a mesa mais próxima.
- Seus funcionários deviam ser bilíngues, trilíngues, poliglotas! – eu me sentei, ouvindo Robert rir – Pelo menos assim eu teria com quem conversar.
- Alguns subordinados são, só não sei dizer quais – ele disse com as mãos no bolso e um senhor apareceu ao seu lado, dizendo alguma coisa que eu não entendi. Maldito alemão! – Eu já volto, não saia daqui.
- Ok.
Robert se afastou com o velho senhor e eu logo me vi novamente sozinha, suspirei cruzando as pernas e apoiei um dos braços na mesa. Se ao menos estivesse aqui... Será que estava tudo bem com ela na casa dos pais de Robert? Será que ela estava se comportando bem? Será que estavam cuidando bem da minha pequena? Suspirei mais uma vez e tamborilei os dedos sobre a mesa, onde uma taça de champanhe foi colocada por um homem que não me parecia totalmente estranho, ele disse algo e é claro que eu não entendi.
- Desculpe, eu...
- Não fala alemão?
- E você fala inglês? – eu sorri fazendo-o rir e puxei um pouco a cadeira ao meu lado – Por favor, sente-se aqui comigo, não me deixe sozinha.
- Por que eu nunca te vi nesses eventos chatos? – ele perguntou se sentando e me estendeu a taça que antes estava sobre a mesa.
- Sempre tem esses eventos chatos? Sério? – arregalei os olhos pegando a taça e ele assentiu rindo ainda mais – Nossa... Mas ahm, eu estou apenas acompanhando meu noivo.
- Ah, você tem um noivo – ele disse tocando levemente sobre a aliança em minha mão direita, que repousava sobre meu colo e eu senti meu rosto esquentar.
- Sim.
- É apenas um convidado, ou um de meus subordinados? – perguntou e eu franzi o cenho, estranhando. Seus o que?
- Primo, como foi nos Estados Unidos? – Robert se materializou atrás do homem ao meu lado e nós nos viramos para ele – Vejo que já conheceu a minha noiva.
Primo? Ah, está explicada a aparência familiar e o prazer de dizer que tem “subordinados”.
- Olá, Robert. – ele sorriu – Podemos pular os Estados Unidos, não é tão importante quanto a sua noiva, que é realmente encantadora! Devo me preocupar com ela?
- Se preocupar comigo? – eu ri colocando a taça sobre a mesa e olhei para meu noivo – Rob, nós podemos ir embora agora? deve estar sentindo a minha falta.
- ? – o homem, que agora eu sabia ser o primo de Robert perguntou.
- Minha filha.
- Hm... – ele franziu o cenho, comprimindo os lábios. Aquela não era uma expressão boa, qual é o problema dele?
- Certo, vamos – Robert disse apressado e me ajudou a levantar.
- Legal, eu vou com vocês – ouvi seu primo dizer e direcionei meu olhar confuso a Robert.
- Ele mora com a gente. Mas não será por muito tempo.


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