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Capítulo 25 - Nós dois


- Nossa, que desenho bonito!
- É você e eu, mamãe.
- Estou vendo, meu amor. – eu disse e beijei o topo da cabeça da minha pequena – Vou poder coloca-lo na nossa coleção de desenhos?
- Aham – ela riu.
- , aquele maldito e enorme carro preto está estacionado na frente da nossa garagem outra vez – passou por mim bufando.
Rolei os olhos por conta do modo como ela falou. “Maldito”. Tínhamos combinado de não falar palavras como essa na frente de , pois ela repetia tudo! Levantei-me do sofá de três lugares onde estava sentada com e minha tia até então, segui para a janela e afastei um pouco a cortina, para ver o tal enorme carro preto.
- É o Robert! – sorri e me virei para minha tia com as mãos unidas em sinal de súplica, piscando várias vezes – Prometo que já volto.
- Pode ir, eu fico de olho em – ela abanou o ar e eu ri já correndo porta a fora.
Diminui o passo ao sair pelo portão da casa de minha tia e vi a porta do carro, do lado do motorista, se fechar. Robert se aproximou de mim tirando os óculos escuros e afrouxando a gravata verde-musgo em volta do pescoço e selou nossos lábios rapidamente.
- Saudades? – ele perguntou com um sorriso no canto dos lábios, passando lentamente um dos braços em volta de minha cintura e puxou-me para si.
- Muitas – eu disse desenhando seus ombros com a ponta dos dedos.
- Ótimo, é assim mesmo que eu gosto – arqueou as sobrancelhas e eu ri lhe dando um tapa no braço.
- Você está cada vez mais convencido, pode parar com isso já! – eu disse, mas ele nem se importou e aproximou nossos rostos, roçando seus lábios aos meus, descendo pelo pescoço e distribuiu alguns beijos languidos ali até chegar a minha orelha.
- Se quer saber, eu também senti muito a sua falta. – ele disse num sussurro que fez meus pelos eriçarem levemente – Acabei de chegar da Alemanha, então diz pra mim, por favor, que vai passar essa noite comigo.
- Hm, eu não sei...
- Fiquei 15 dias longe de você, . – ele me interrompeu fixando seus olhos aos meus e eu sorri arqueando as sobrancelhas – Eu acho que mereço um pouco do seu tempo, então fale com sua tia para que ela fique com .
- Implore. – brinquei cruzando os braços e ele riu comprimindo os olhos.
- Eu não vou fazer isso.
- Então eu também n-nã... Ah! – eu gritei quando ele me agarrou pelas pernas, colocando-me sobre seu ombro com total facilidade e em um segundo, eu estava de cabeça para baixo, encarando suas costas – Robert, me põe no chão!
Enquanto ele começava a andar, eu tentei levantar o tronco, mas desisti sentindo meu rosto em chamas quando vi que todos na rua nos olhavam.
- Ai, que vergonha, está todo mundo olhando – eu disse levando as mãos ao rosto e o ouvi rir e o barulho do portão se abrir – Robert, me põe no chão!
Mais uma vez ele não deu a menor importância ao que eu disse e continuou andando até enfim me colocar no chão, frente à porta principal da casa de minha tia, eu olhei para ele de cara feia e lhe dei mais um tapa no braço.
- Seu sem graça! – cruzei os braços e ele riu mais um pouco.
- Vai fazer o que eu pedi? Tenho uma surpresa para você.
- Uma surpresa, é? – franzi o cenho, instigada.
- Na verdade, são três coisas que eu tenho que te contar, uma consequente da outra que nos levará até a sua surpresa. – gesticulou e eu mordi o lábio inferior – Mas só vou contar se você vier comigo.
- Claro que eu vou. Mesmo você sendo um chato – eu disse colocando-me nas pontas dos pés e selei meus lábios aos seus –, eu senti a sua falta.

- Parece que os garotos vão sair.
- Vão? – franziu o cenho para – Pra onde?
- Ih, como assim você não sabe onde seu noivo vai? – cutucou, fazendo-nos rir.
- É normal, ok? Isso funciona com a gente – ela arqueou as sobrancelhas, exibida – Confiamos um no outro e o que os olhos não veem , o coração não sente.
- Ah, com um monte de fotógrafo atrás dele todos os dias, então é por isso ele se comporta bem – riu e deu uma piscadela com um sorriso divertido.
- Eles vão a Insanity. Ideia do disse e automaticamente encaramos .
- Que foi?
- Nada – disse e depois olhou para , trocando olhares maliciosos.
Eu sabia muito bem o que tudo aquilo sobre e queria dizer, mas resolvi não me importar. Acomodei-me no sofá e abracei a , tornando a atenção ao filme que ela assistia, enquanto as garotas, que estavam sentadas a mesa, resolveram perseguir com tal assunto.
- Está legal o filme?
- Não muito, ele está me dando fome – a pequena disse e eu ri.
- Só não dou a ideia de comprarmos outro para que você se sinta melhor porquê já temos muitos filmes em casa.
- A gente podia deixar uma parte na casa do meu pai, ai quando eu dormir lá, a gente pode assistir. – ela levantou levemente os ombros – Ou...
- Você está gostando bastante dessa palavra, não é? – eu ri e ela mordeu o lábio inferior, tentando reprimir o sorriso – Nunca mais o chamou apenas de .
- É a primeira vez que eu tenho um pai de verdade – ela disse e eu gargalhei.
- É, você está certa! – eu disse entre risos – Mas, ahm... Qual a outra opção que temos para o monte de filmes?
- Hm, vender os mais chatos – ela disse ainda em tom de dúvida.
- Acho que vender é uma boa solução – concordei com um meneio de cabeça.
- Sim! Ai eu posso colocar o dinheiro no meu porquinho.
- Mas você não tem um porquinho.
- Ah, é... Mamãe, posso comprar um porquinho com o dinheiro dos filmes? – ela perguntou com um sorriso brincando em seus lábios e eu ri, lhe dando um beijo estalado no rosto.
- Claro que pode.
- , conversa com a gente – ouvi choramingar e eu me virei para ela com o cenho franzido.
- Eu estava conversando com vocês até agora.
- Mas quase não prestava atenção! – ela disse semicerrando os olhos para mim – Você está muito aérea hoje, parece preocupada, o que aconteceu?
- Nada, só estou pensando.
- Em que?
- Fiquei de dar uma resposta a uma pessoa... Bobeira minha.
- Hm, então já que é bobeira sua, esquece isso e conversa com a gente. – se manifestou, colocando as mãos na cintura – Fala pra que ela tem que ficar com o , porque daí fecha tudo, entendeu? Não precisamos de outra garota no nosso grupo.
- Nossa, como você é egoísta – riu.
- Sou eu e o , você e o , ela e o ...
- Mas e o ? – perguntou e abanou o ar.
- é um caso a parte, não muda o foco, ! – ela disse fazendo-as rir e eu suspirar aliviada por não aprofundarem tal assunto – Você tem que ficar com o e já era. Você passou a noite na casa dele e...
- O que? – eu arregalei os olhos sentando-me corretamente e elas riram – Eu ouvi bem?
- É, mas relaxa, foi no estilo DVD! Deitou, virou e dormiu – caçoou recebendo um belo tapa na perna enquanto eu ainda olhava para , esperando uma explicação de como eu não sabia disso.
- Foi de ontem pra hoje – ela explicou e eu assenti.
- Agora me diz, qual a dificuldade? Você fica dando corda para ele se enforcar, já que está estampado na testa dele que ele realmente gosta de você. – gesticulou – Claro que não foi amor a primeira vista, porque isso não existe, ma...
- Como não? É claro que existe, a interrompeu rindo, deixando claro que era apenas para fazer pouco caso.
- Ah, é! O olhou uma única vez para você e pensou “ela é diferente de todas as que eu já conheci em toda a minha vida, estou apaixonado e preciso conquista-la, eu vou me casar com ela”. – ela colocou a mão sobre o peito, afetando a voz, fazendo gargalhar – Até parece... Aposto que a mente dele se limitou a pensar “nossa, que gostosa!” depois de dar uma bela inspeção visual em você e fim! Porque existe atração física à primeira vista e depois vem o amor.
- Ai, credo, ! – gargalhava – Eu achava que você era mais romântica.
- Mas ela é mesmo diferente, tia, ou nem teria olhado pra ela – disse olhando para a televisão e nós rimos da cara de .
- Toma essa! – gargalhou.
- Ela deve ser a garota mais bonita que já viu e ele pensou que devia falar com ela, simples assim – a pequena deu de ombros, como se entendesse muito do assunto, arrancando mais gargalhadas das meninas.
- Isso mesmo, , você usou os termos corretos! – concordou arqueando as sobrancelhas para logo em seguida – Nem todos os homens veem as mulheres como objetos.
- ? – me questionou com o olhar e eu ri.
- Você acha mesmo que ela não está ouvindo a conversa?
- O que as duas disseram faz todo o sentido, só difere de homem para homem – disse entre risos, mas rolou os olhos assim que tornou seu olhar a ela.
- Continuando... , eu não sei o que ele viu em você...
- Nossa, valeu, hein? – ela fez o sinal de positivo com as mãos, de jeito sarcástico, e nós rimos.
- Mas do jeito que você contou, parece que ele foi a versão de mais fofa que existe...
- Tanto faz, ele nem liga! – ela disse de má vontade – Vai até a uma boate hoje.
- Pelo amor de Deus, me deixem terminar minha linha de raciocínio! – reclamou, fazendo-nos gargalhar – Aposto que ele só vai a Insanity, porque você foi embora e o deixou com cara de idiota. Para ele é você quem não liga.
- Ela está indignada – sorriu apontando para , que assentiu prontamente.
- Estou mesmo!
- Eu já disse, – começou entre um suspiro – o chegou lá e...
- Para, ele chegou depois.
- Eu estava com cólica.
- Cala a boca.
- , me ajuda! – ela me lançou um olhar de súplica.
É um saco quando todas as atenções estão voltadas para você, não é? É, eu sei.
- Ela não quer se envolver, . – eu disse relaxando o corpo no sofá e tornando meu olhar para a televisão – Apesar de já gostar dele e não querer admitir, ela está com medo de se envolver, porque não quer ficar na Inglaterra por muito tempo. Aliás, vamos combinar, existe alguma forma de não se encantar por ? Se ela entrar nessa, é quase que um caminho sem volta para o Brasil.
- E por que não fica? A gente pode dar um jeito nisso... – disse animada e, novamente, eu me perdi entre a conversa, afagando os cabelos de .
- Mãe, tem alguma coisa pra beber? – ela me olhou e eu já me levantei imediatamente.
- Vou lá ver.
Segui até a cozinha, peguei um copo em um dos armários e abri a geladeira em seguida, tirando dali uma jarra de suco. A música que eu acordei cantando ainda ecoava em minha cabeça e, agora sim, ela começava a me incomodar. “I could be all that you needed if you let me try (Eu posso ser tudo aquilo que você precisava se me deixasse tentar)”. Ri sozinha ao me lembrar de dizendo que nós fazemos parte da imaginação de uma garota... Ela bem que podia mudar essa trilha sonora, não é? Por Deus, a música pode ser a mais incrível que existe na face da Terra, mas passar o dia inteiro com ela na cabeça não é muito legal.
- BU! – duas mãos apertaram minha cintura, a fim de me assustar, mas eu apenas olhei para por cima do ombro com um meio sorriso – Você está muito estranha hoje. Quem é você e o que fez com a minha amiga ?
- Eu estou normal, – ri fraco despejando o conteúdo da jarra no copo para .
- Eu não acho! tem razão, você está meio aérea.
- Estou normal – repeti e ela deu de ombros.
- Ok. E como estão as coisas?
- Bem, está tudo tranquilo...
- E ?
- Você está de brincadeira comigo, não é? – eu ri verdadeiramente dessa vez, deixando o copo e a jarra sobre a pia, e apenas sorriu.
- Foi só uma pergunta.
- Ok, eu não sei. Ele está bem. Estava bem da última vez que o vi, – eu disse a olhando pelo canto dos olhos e apoiei uma das mãos na cintura – eu acho.
- Fui ao salão de beleza do shopping hoje pra fazer as unhas e ouvi dizer que vocês estão muito bem – ela disse e eu franzi o cenho.
- Como assim?
- Revistas, ! e você estão por todas as partes, em todas elas!
- Que exagero, – eu ri balançando a cabeça negativamente.
- Tudo bem então... Mas e Robert? – senti aquele tom cauteloso em sua voz, aquele que automaticamente me deixa tensa, e a olhei.
- Ele está bem também. – suspirei – Eu acho.
- Você só acha? – perguntou arqueando uma das sobrancelhas e eu assenti.
- Sim. Não sei se nenhum dos dois está mesmo bem – admiti. Em meu ponto de vista, na situação em que nos encontrávamos, ninguém estava bem ou verdadeiramente feliz. Posso dizer seguramente que eu não estava.
- Você sabe que pode contar comigo para tudo, certo? – ela disse encostando-se contra a pia e eu assenti – E que eu também quero saber de tudo.
- Uhum – dei mais um meio sorriso, mas me amaldiçoei por isso no mesmo segundo em que ela franziu o cenho.
- Vocês tiveram alguma briga neste meio tempo, ele te...?
- Não! – me apressei em dizer, pois eu odiava ouvir aquilo de outras pessoas – Já faz um tempo que nada acontece.
- Quanto tempo?
- Um tempo. Ele quer melhorar, , está se tratando.
- contou e eu estive pensando bem sobre isso... É como uma doença, não é? Porque eu tenho certeza de que amor não é. – ela disse entre um suspiro, cruzando os braços e eu concordei com um leve meneio de cabeça – Ele já ameaçou fazer alguma coisa com sua filha, ou sua prima, ou alguém que você ame. Tem medo do que ele pode fazer, se tornou quase que uma prisioneira deste noivado obsessivo e doentio e por isso ainda está nessa. Não existe outra razão, você sabe que ele nunca vai se curar disso.
Percebendo que tudo o que ela disse não eram apenas perguntas, mas afirmações convictas, eu abaixei meu olhar para minhas mãos inquietas sobre a bancada. Estava cansada de omitir e tentar mentir, de negar até o último e dizer que estava tudo bem. Estava cansada de entrar neste assunto e ter que dizer que a situação era complicada demais para ser entendida por completo numa única conversa, mas dessa vez, para variar um pouco, conseguiu definir melhor a coisa toda de uma forma e com uma simplicidade com a qual eu jamais conseguiria ou teria coragem de fazer. Essa era uma longa história e eu não sentia prazer algum em compartilhá-la com alguém, em debater, eu não gostava nem de pensar. Tinha medo de enfrentar. Era mais fácil fechar os olhos, fingir que nada acontece e seguir em frente.
Em algum momento entre a nossa mudança da Alemanha para a Inglaterra, no início do tratamento de Robert e o dia em que reapareceu, eu realmente acreditei que tudo pudesse se ajeitar! Acreditei e apostei todas as minhas fichas na recuperação de meu noivo, eu queria superar os momentos ruins e fazer com que voltássemos ao que éramos, afinal o que tínhamos antes era uma coisa boa. Então nós ficaríamos bem ao ultrapassar o grande obstáculo que se formou a partir da Alemanha, certo? Antes a minha reposta para isso seria um “talvez, nós estamos tentando”, mas agora eu tenho certeza de que ter um bom e tranquilo casamento não será mais possível. Não quando , o motivo de seus ciúmes e surtos, também é exatamente o motivo de minhas indecisões.
- Mãe! – entrou na cozinha correndo – Estou com cede.
- Ah, aqui – eu sorri para ela, entregando o copo de suco e logo ela nos deu as costas, saindo do cômodo.
- Você ainda não contou sobre Robert, Alemanha e tudo mais ao , não é? – ouvi dizer, então eu tornei a encará-la e provavelmente minha expressão me entregou – Percebi que não, pois ele ainda não me procurou nervoso e desesperado, perguntando se eu já sabia disso e dizendo que quebrou a cara de Robert por levantar um único dedo para você.
Engoli a seco, também me encostando a pia. Preferi apenas ouvir, pois tudo o que ela estava dizendo, eu já havia pensado por um longo tempo.
- Mas, de qualquer forma, você deve contar a ele.
- Eu nã...
- Ele vai ficar ao seu lado, te ajudar com toda essa situação e cuidar de vocês. – ela disse mais firme e eu suspirei – Fora que se você não contar, eu mesma conto.
- ! – eu a repreendi sentindo meu celular vibrar dentro do bolso interno do meu casaquinho – Primeiro a e agora você? Isso não está certo!
- Estamos tentando te ajudar. Vai dizer que quer mesmo ficar com o Robert? Ai eu que te dou dois tapas na cara pra você largar mão de ser idiota.
- O que aconteceu com o “tudo bem você achar que ele pode mudar”? – fiz aspas no ar, abrindo a boca em incredulidade e ela riu. Ela riu! – Não estou dizendo que não quero resolver as coisas, mas eu preciso de um tempo, preciso fazer isso sozinha e com calma.
- Você tem que ficar com o .
- Por que é melhor para o seu grupinho? – rolei os olhos e ela parou de rir no mesmo instante.
- Não, porque é melhor pra você.
Silêncio.
- Desculpe, brincadeira fora de hora – suspirei.
- e eu não aceitamos aquilo de primeira, você acha o que? Que somos loucas? – ela franziu o cenho – Te confortamos, porque você precisava disso e nós estamos mesmo do seu lado pra tudo. Mas, apesar da situação ser delicada, eu contaria ao na primeira oportunidade que surgisse e até tentei, mas queria fazer isso pessoalmente pra ter certeza de que ele não faria qualquer besteira; e como ainda não consegui encontra-lo, eu resolvi falar com você primeiro. Entendo que você não quer que ninguém se machuque com tudo isso, mas, ... Agora a única coisa que eu quero entre Robert e você é apenas uma distância de, no mínimo, 93 milhões de milhas determinada pelo tribunal de justiça.
Suspirei. Mais silêncio.
- Eu não sabia que você entendia de unidade de medida de comprimento – eu disse depois de um tempo e ela piscou como se tentasse absorver aquilo e então nós começamos a rir.
- Nossa, está tudo uma merda e você ainda consegue rir? Como assim? – ela perguntou entre risos e eu encolhi os ombros ainda com um sorriso divertido nos lábios.
- É que você me surpreendeu agora – eu ri e ela me deu um tapa no braço – e eu não quero mais falar sobre esse assunto.
- Ai, minha , como você é tonta! – e me puxou para um abraço – Você merece ser muito feliz, ouviu bem? Então, por favor, não poupe esforços para conseguir isso.
- Ok, , uma coisa de cada vez. Vai ficar tudo bem no final das contas, você não tem com o que se preocupar – eu disse quando nós nos separamos.
- Prometa que vai contar ao e terminar seu noivado?
- ...
- Prometa! Prometa agora! – ela disse autoritária e eu assenti, mesmo que a minha resposta ainda não fosse completamente positiva à sua primeira exigência.
- Obrigada por ser tão chata, insistente e... – brinquei e ela riu me dando mais um tapa no braço – Ai! Forte.
- Você me ama, .
- Claro que amo. – rolei os olhos sorrindo – Agora, por favor, vamos voltar pra sala. As meninas estão muito quietas, você não acha isso estranho?
- Devem estar aprontando algo. – arqueou uma das sobrancelhas e eu ri – Mas espera um pouco, seu celular não estava tocando?
- Ah, verdade!
- Te encontro na sala, nem pense em demorar – ela sorriu e saquei o aparelho do bolso vendo seguir para fora da cozinha.
Encarei o visor por alguns instantes e ele voltou a vibrar em minha mão, mas cliquei imediatamente para que a chamada fosse ignorada. Foram duas ligações de Robert, mas eu não queria falar com ele. Não agora. Uma bobagem minha, claro. Era provável que eu estivesse brincando com a sorte, pois depois dessas duas, vieram mais duas chamadas que também foram ignoradas até que então ele desistiu. Eu não sabia o porquê de suas ligações, muito menos o porquê de sua rápida desistência, já que ele costumava ser mais insistente. E apesar de tremer internamente, de sentir o medo começar tomar seu lugar ao meu lado aos poucos, também não estava curiosa para descobrir os motivos de Robert. Eu estava novamente em meio a um conflito interno e ficar longe de sua pressão psicológica era o melhor a fazer.
Eu não queria apenas viver momentos felizes, queria ser plenamente feliz! Não queria ter uma vida limitada, cheia de restrições e ameaças. Nem viver sentindo medo, ou até mesmo pena.
Essa era a minha decisão e eu só conseguiria o que queria se Robert não estivesse comigo, se ele finalmente me permitisse seguir em frente. Eu queria me permitir a isso. Por que insistir mais em uma coisa que tinha tudo para dar errado? Eu não era mais dele, ou talvez nunca fui completamente dele. Pois todos os meus pensamentos me levavam sempre a um único alguém e era com esse alguém que eu queria e sentia deveria estar agora. Um alguém que, mesmo que no início eu tentasse negar, é quem sempre amei. Todos os dias, em todos momentos, até quando estávamos há um oceano de distância. Nada mudaria isso, eu era de .

- Aonde você pensa que vai? – perguntou calmamente assim que eu entrei no nosso quarto. Aliás, no quarto dela, que ela dividia comigo e .
- Vou sair com Robert – eu disse preparando minhas coisas para tomar um banho e ela rolou os olhos.
- Minha mãe concordou com isso, é?
- Sim. – arqueei as sobrancelhas e ela repetiu o gesto de rolar os olhos novamente, começando a me irritar – Qual é o seu problema, hein? Ele ficou 15 dias fora, quero aproveitar enquanto ele ainda está aqui.
- Ele nem gosta de mim, , não tenho a obrigação de ser legal com ele – ela disse ainda com aquela incrível calma e eu bufei.
- E isso é o que? Ciúmes? – brinquei e ela riu.
- Claro, ele não desgruda de você, sabe de todos os seus passos. Parece até que colou um rastreador no seu pescoço! – ela disse fazendo-me rir com vontade – Fora que toda vez que marca alguma coisa comigo enquanto ele está aqui no Brasil, você acaba me dando um bolo.
- Desculpe-me, você sabe que não é por mal – eu disse e me sentei na cama, de frente para ela e puxei o travesseiro para o meu colo.
- Claro, ele só faz uma pequena chantagem e você cede com a maior facilidade...
- Não é assim.
- Claro que é! Parece até que ele te domina.
- Não é verdade, ! – suspirei balançando a cabeça negativamente – Você até que gostava dele antes, não gostava?
Aquela situação entre os dois não me agradava nem um pouco. era minha família e se tornou também minha melhor amiga nesse tempo em que estive no Brasil. Ela sempre esteve comigo, me ajudou em muitas coisas e Robert era o único que nos fazia entrar em atrito sem mesmo precisar estar por perto. Eu não sabia o porquê, nem como ou quando isso começou, só sei que agora eles simplesmente não se suportavam.
- Eu até que gostava um pouco, ele parece ser um cara legal quando você o olha pela primeira vez. Mas ah, acabou o encanto... – ela arqueou as sobrancelhas, recostando-se a parede atrás de si – É uma coisa de energias, a dele não é boa.
- Aham – ri sem humor.
- Sei lá, não confio mais nele.
- Eu não... Entendo. – franzi levemente o cenho, olhando e mexendo distraidamente com a ponta da fronha – , se você vê algo de errado nele, algo que eu não vejo, eu preciso saber o que é.
Houve um longo silêncio até que ela estalou a boca.
- Ele não é daqui, ! – ela disse num tom diferente, baixo, um tanto embargado e eu a encarei – Se vocês continuarem juntos, ele vai levá-las embora e isso é muito, muito errado. É injusto.
Umedeci os lábios sentindo meus olhos começando a arder.
- Eu estou feliz, . Olhe pra mim agora! – eu disse arrastando-me para mais perto dela – Eu não tinha nada quando cheguei aqui. Minha mãe tinha acabado de falecer, eu tive que mudar de país pra morar com o meu pai, o qual eu nunca me dei muito bem, tive que me adaptar a novas pessoas e a uma nova escola. E, de quebra, ainda estava grávida de um cara que... – apertando os olhos brevemente, deixei a frase morrer ali com um suspiro pesado – Eu não sei... Fiquei mal por um longo tempo, chorando pelos cantos...
- Você ainda chora pelos cantos. – ela me interrompeu fungando e puxou as pernas para cima da cama – Se está feliz, por que ainda faz isso?
- Porque em alguns momentos eu ainda me sinto sozinha e perdida, como uma criança tola. – eu disse de uma vez, deixando meu olhar marejado cair novamente em minhas mãos inquietas, engolindo a seco – Eu sinto a dor que é a falta da minha mãe, penso em como tudo seria fácil se ela estivesse aqui comigo e imaginando como seria a relação dela com . Quero me tornar uma mãe tão boa para , quanto a minha foi para mim.
Dei um sorriso amargo e, ao ouvir um soluço, encarei mais uma vez , que deixava algumas lágrimas caírem livres e silenciosas. Então eu puxei toda a quantidade de ar possível para prosseguir, pois se não dissesse tudo agora para alguém, nunca diria e aquilo ficaria guardado, me remoendo por dentro.
- Eu odeio admitir isso, ainda mais por causa de Robert, mas às vezes também sinto falta de . Não sei se vou conseguir algum dia superá-lo com , um pedacinho dele, comigo todos os dias. – funguei – Eu queria esquece-lo, queria mesmo, mas coisa alguma me tira da cabeça de que não há nada mais justo do que encontrar e conversar com ele. Eu choro, porque sinto falta de muita gente, mas principalmente daqueles que mudaram a minha vida completamente. É ruim fazer tudo sem as pessoas que eu achei que ficariam comigo pra sempre.
- Mas você não está sozinha, – ela disse baixinho, abraçada às próprias pernas.
- Eu sei que não, você viu que foi tudo tão difícil pra mim – abaixei o olhar brevemente, mordendo o lábio inferior – e esteve comigo em todos os momentos. Mas eu sinto que estou conseguindo seguir em frente depois de quarto anos, . Quatro anos! E Robert também faz parte disso.
- Eu sei! Desculpa – ela disse com a voz chorosa, cobrindo o rosto com as mãos e eu rolei os olhos, controlando minha própria vontade de chorar. Mas assim não ia funcionar!
- Não chora, sua idiota, vai me fazer chorar também.
- Não estou chorando! – disse entre um soluço.
- Está sim – eu disse abaixando suas mãos, obrigando-a a me encarar com os olhos levemente avermelhados e mareados.
- Cala a boca, eu te odeio. – ela disse de um jeito infantil, passando o dorso da mão pelos olhos e eu ri fraco, puxando-a para um abraço – Vai lá ser feliz, mas se você for embora com ele, eu juro que vou brigar na justiça pela custódia de !
- Anw, você sabe que vai perder, certo? – perguntei com falso pesar e nós rimos.
- Eu sei, mas não custa tentar.

- Tudo bem! Já que você não quer ficar, me avise quando você voltar para o Brasil, pois eu vou junto com o para poder espairecer um pouquinho – disse alisando o cabelo.
- Só fala pra ele não anunciar isso no Twitter, ou senão será atacado pelas fãs – riu e ela arregalou os olhos concordando.
- Verdade, ele e aquele vício! – ela fez careta e olhou para o visor de seu celular – Bem, falando nele, eu já vou pra casa. Já faz um tempo que liguei e ele deve estar me esperando.
- Eu acho que vou esperar o passar aqui pra me pegar. – disse e olhou para minha prima – Posso, ?
- Claro!
- Quer uma carona, ?
- Se não for te tirar do seu trajeto. – eu disse desviando o olhar da televisão e abanou o ar – Então nós vamos. ?
- Mãe... – a pequena choramingou ao meu lado – Você disse que a gente ia ver o papai.
- Anw! – as meninas disseram em uníssono.
- Ok, eu vou ligar e ver se ele está em casa, caso contrário nós vamos para a nossa casa no carro da tia – eu disse sacando o celular do casaquinho e ela assentiu animadamente, mordendo o lábio inferior.
Primeiro liguei para o número fixo, mas a ligação caiu na caixa postal depois de alguns toques. Já estava tarde e eu sabia que ele havia saído com os garotos, era bem provável que ele só chegasse em casa depois da meia-noite, mas não custava ligar para não dizer a que eu não tentei!
Sob o olhar apreensivo de , liguei também no celular de , mas nem ao menos chamou. Tentei mais três vezes e aconteceu a mesma coisa.
- Desculpe, filha, mas vai ter que ficar pra próxima.
- Se amanhã ele estiver livre, eu te levo para vê-lo depois da escola, tampinha – disse dando-lhe uma piscadela e não deixou que o sorriso desmanchasse.
- Ótimo, agora podemos ir – ela disse se levantando do sofá e nós rimos.
Despedimo-nos de e de e em poucos minutos já estávamos dentro do carro. Durante o trajeto, e eu falamos sobre noivado, ela me contou sobre o que já tinha visto para o seu próprio casamento e eu acabei dando algumas dicas. Tudo bem que era quase certo de que o meu casamento não iria mais pra frente, mas depois de meses pesquisando e comparando preços, acabei adquirindo algum conhecimento sobre aquelas coisas. Coitado do meu vestido...
- Pensei em contratar alguém para ver tudo isso do casamento, mas tenho medo de que não façam da forma como quero, sabe?
- Relaxa, ! – eu ri – Em casos assim, tudo passa por você, nada vai acontecer se não tiver a sua aprovação. Sem contar que é muito mais fácil, vai por mim.
- É, tenho bastante tempo, então vou pensar nisso direitinho. – ela disse dando uma risada contida – Nós ainda nem decidimos o dia do casamento.
- Só digo que tem que ser durante as férias no Brasil, ou senão a vai ficar uma fera por não poder vir.
- Claro, agora não podemos e nem vamos perder contato! Abençoado seja o dia em que você foi promovida – ela sorriu estacionando o carro em frente a minha casa e eu olhei para o banco de trás.
- Ih, dormiu! – eu disse entre um suspiro, vendo encolhida no banco, então me virei novamente para – Bem, obrigada pela carona, amor.
- Imagina! – ela disse me dando um abraço rápido – Qualquer coisa me liga, ok?
- Pode deixar – sorri colocando a bolsa sobre o ombro ao abrir a porta e deslizei para fora do carro fechando-a logo em seguida.
Abri a porta do banco de trás e olhei para aquele rosto tão calmo e sereno de , fiquei com dó de acordá-la, então ainda que com um pouco de dificuldade, eu puxei e a encaixei em meu colo. Qualquer dia desses, eu não aguentaria mais o seu peso, mas prefiro carrega-la enquanto isso não acontece. Bati a porta e com um último aceno, assisti o carro de se afastar aos poucos até sumir completamente de meu campo de visão. Suspirei e me virei para a casa amarela imaginando ser a hora de enfrentar a fera, talvez até fosse se a casa não estivesse com todas as luzes apagadas e o carro dele estivesse na garagem. Eu odiava ver casas escuras e vazias, mas me senti aliviada em vê-la assim desta vez.
Meus braços já começavam a reclamar pelo peso de , então apertei o passo até a porta principal tirando o molho de chaves do meu bolso e encaixei uma delas na fechadura, mas a porta já estava destrancada e quando a forcei para abri-la, ela simplesmente emperrou há um palmo de distância do batente. Emperrou não, tinha algo me impedindo de abrir a porta por completo. Franzi o cenho e tateei com uma das mãos em busca do interruptor de dentro de casa, acendi as luzes da sala e forcei mais a porta ouvindo barulhos de vidro se quebrando e coisas se arrastando. Mas que diabos!
Quase suspirei aliviada, mas tive que piscar algumas vezes assim que consegui me esgueirar para dentro de casa, tentando absorver tudo o que via a minha frente. O que estava impedindo a minha entrada era o rack que antes tinha vários porta-retratos em sua superfície, mas que agora estavam todos quebrados no chão, explicando-me os barulhos que ouvi ao forçar minha entrada. Dei um único passo a frente, pisando em cacos de vidro, e pude ver a sala de estar revirada, estava tudo fora do lugar, jogado e quebrado. Os quadros que antes estavam nas paredes e a televisão estava quebrada no chão junto a todas as pequenas coisas que estavam na estante, como CDs e DVDs. A mesa de vidro também estava em cacos no chão, as almofadas e encosto do sofá rasgados com a espuma espalhada para todos os lados. Havia papéis e revistas rasgadas e até as cortinas foram arrancadas. Mais um passo a frente e mais quatro apressados para trás assim que meus enxergaram, com a luz fraca que chegava ao lavabo, sangue na parede e no batente claro, o espelho quebrado, cacos e uma toalha também tingidos por sangue.
- , filha, acorde! – eu disse controlando a voz um tanto trêmula pelo nervosismo, para não falar mais alto do que um sussurro, pois ainda não sabia se havia alguém ali dentro – Acorde.
- Hm? Não, mamãe... – ela resmungou quando eu a coloquei no chão.
- Shh... Fique aqui, eu vou pegar a chave do carro.
- Chave do carro? – perguntou coçando os olhos e eu entrei em casa novamente.
Abaixei-me ao lado do rack tombado e abri uma de suas gavetas, vendo várias coisas caírem no chão e busquei entre elas a chave do meu carro o mais rápido possível, mas algo chamou minha atenção. Puxei o pedaço de papel para mais perto e vi uma foto minha com , então peguei a revista que estava próxima e vi a mesma coisa.
“Revistas, ! e você estão por todas as partes, em todas elas!”, que ótimo.
Ouvi barulhos de passos sobre cacos de vidro atrás de mim e sobressaltei assustada pensando ser Robert, pois tinha certeza de que ele era o responsável por tudo aquilo. Então logo larguei a revista e apertei ainda mais a chave em minha mão, não me importava o que aconteceria a seguir, mas eu sabia que tinha que tirar dali.
- Mamãe? – olhou tudo a sua volta e eu me levantei apressada. Entrelacei sua mão a minha e a puxei para fora, apenas encostando a porta e tirando a chave da fechadura – Aonde a gente vai?
- Vamos voltar pra casa da sua tia.
- O que aconteceu?
- Eu não sei – suspirei fazendo-a entrar no carro.
Então era isso, parabéns e boa sorte pra mim, pois a bomba relógio havia explodido enquanto eu ainda tentava desarmá-la.
Arranquei com o carro dali e, por mais que eu não me sentisse confortável dirigindo, tive também que ligar para , pedindo para que nos esperasse no estacionamento de seu edifício. Ela nem fez perguntas, talvez por conta do meu tom de voz, apenas concordou dizendo que avisaria ao porteiro e desligou. Também tentei falar com quase que por todo o trajeto de volta ao apartamento de , mas sempre caia na caixa postal, então por precaução liguei para . Robert não estava mais em casa quando cheguei lá, pois se estivesse, teria feito alguma coisa assim que consegui abrir a porta. Mas se ele não estava lá para descontar sua fúria em mim, em quem ele faria isso? Essa sempre foi a minha maior preocupação e agora eu podia ouvir meus batimentos cardíacos em meus ouvidos e um bolo se formar em minha garganta ao pensar em qualquer hipótese, esperando estar redondamente enganada.
- foi embora com o há um bom tempo, . Eu fiquei cuidando do . – disse e eu estalei a boca – Por que?
- Nã-Não, nada, eu só precisava falar com ele.
- Ah, enten... Porra, ! – exclamou – Desculpa, maninha, o desgraçado do vomitou no meu pé. Liga para o , ele deve saber do .
- Ok, vou ligar.
- Mas está tudo bem?
- Sim, – pigarreei – tenho que desligar.
- Tudo bem, qualquer coisa meu celular está ligado o dia todo, é só ligar.
- Obrigada.
- Boa noite, .
- Boa noite – suspirei e finalizei a chamada.
- A gente vai dormir na casa da tia ? – ouvi perguntar no banco de trás depois de um longo tempo calada e a olhei pelo retrovisor – O que aconteceu com a nossa casa? A gente não vai mais poder voltar lá?
- Filha, você sabe que eu te conto e explico tudo o que acontece de importante com a gente, certo? – comecei e a vi assentir – Então eu vou te deixar na tia , você vai dormir lá...
- E você? – ela me interrompeu.
- Eu vou resolver algumas coisas, pois talvez assim eu consiga te responder as outras perguntas quando voltar. Pode ser assim?
Silêncio. Suspirei mais uma vez, discando o número do celular de , mas ele também não atendia. Assim que passei pelos portões do estacionamento do edifício de e parei o carro, desafivelei o cinto de segurança deixando o celular de lado e me virei para o banco de trás.
- ? Pode ser assim? – insisti ao vê-la com o olhar baixo.
- Mas vai ficar tudo bem, não vai? – ela disse quase num sussurro e eu senti um aperto enorme no coração.
Ela estava com medo? Não, ela não devia sentir medo, não devia se sentir assim. Eu a protegeria em qualquer situação, independente do quê fosse exigido de mim, assim como sempre fiz e como ainda tenho feito. Ela, sua saúde, sua segurança e sua felicidade, estavam e sempre estiveram à frente de qualquer prioridade! Pulei para o banco de trás e abracei minha filha com o costumeiro cuidado.
- Vai ficar tudo bem, meu amor, claro que vai! – eu disse depressa beijando o topo de sua cabeça enquanto ela me abraçava de volta – Você não precisa se preocupar com nada, ok? Não precisa ter medo, pois a mamãe vai cuidar de tudo e, senão hoje, amanhã bem cedo eu volto aqui para te buscar. Quando você acordar, eu já estarei aqui.
- Promete? – ela me olhou e eu sorri.
- Prometo.
- Tem certeza?
- Já quebrei alguma promessa antes? – arqueei uma das sobrancelhas e ela sorriu balançando a cabeça negativamente.
- Então pode ser – ela disse e eu lhe dei um beijo no rosto.
- Muito bem! Agora vem, que a tia está esperando – eu disse desafivelando seu cinto de segurança e abri a porta já avistando andar em nossa direção, apertando as roupas contra o corpo por causa do frio.
- Ei, pequena, não aguenta ficar muito tempo longe da sua tia preferida, não é? – ela disse com um sorriso divertido e riu descendo do carro – Adivinha quem não vai pra escola amanhã?
- Eu gosto da escola – a pequena fez bico e a abraçou.
- Mas a escola não é tão divertida quanto ficar o dia inteiro comigo!
- Nossa, que convencida! – eu disse descendo do carro também, fechei a porta atrás de mim e dei mais um beijo em minha filha – Boa noite, minha pequena, mais tarde eu volto. Eu te amo.
- Também te amo, mãe.
- Cuida dela, ok? – pedi para e ela se virou para com um largo sorriso.
- Se você correr lá pra cima agora e encontrar a tia , eu te deixo dormir com o meu cobertor verde fofin... – ela nem precisou terminar de falar que começou a correr em direção à porta do prédio, nos arrancando risos, até que ela se virou para mim – Pronto, o que aconteceu?
- Acho que Robert ficou nervoso com umas coisas sobre e eu que saíram nas revistas de fofoca, quebrou toda a casa, bateu no espelho do banheiro até se machucar feio, pois eu vi sangue lá... – eu disse abrindo a porta do motorista e ela me seguiu – Na melhor das hipóteses, foi um ladrão, ou sei lá.
- E onde você vai?
- Ver se está bem, ele não atende minhas ligações – dei de ombros ao entrar no carro e tentei fechar a porta, mas me impediu.
- Está ficando maluca? Aposto que nem chamou a polícia e vai lá sozinha?
- Não sei se Robert sabe onde mora, eu...
- Mesmo assim, .
- Eu preciso ter certeza. – eu disse categoricamente e ela me questionou com o olhar – Vou tomar cuidado e se perceber algo estranho, eu chamo a polícia, prometo.
- Liga ou manda uma mensagem se estiver tudo bem e volta logo, não quero ficar preocupada.
- Ok.

- Será que agora você pode me explicar por que estamos num hotel e não no seu apartamento?
- Por quê? Não gostou? – Robert perguntou arqueando as sobrancelhas e eu rolei os olhos, apoiada sobre seu peito.
- Não é isso.
- Você não gostou da vista da cobertura desse hotel cinco estrelas? Não gostou do banquete que serviram para nós? Nem do bom vinho e dessa cama maravilhosamente macia com lençóis de seda, – ele disse passando uma das mãos pela cama onde estávamos deitados e eu ri – não gostou do...
- Para! – disse colocando minhas mãos em sua boca e ele riu – Eu não estou nem ai para o que o seu dinheiro pode fazer.
- Você só quer o meu corpo, não é? – ele disse alisando minhas costas e eu gargalhei.
- Sim, somente o seu corpo. – suspirei – Mas gostei do seu cuidado para me agradar, ok?
- Eu sei, querida. – ele sorriu e depositou um beijo em meu ombro descoberto.
- Obrigada.
- Qualquer coisa por você – ele disse baixinho e eu sorri.
- Por que estamos aqui, hm?
- Bem, nós estamos aqui, pois seria muito fácil me encontrarem no apartamento e eu queria um tempo contigo.
- Anw, mas que lindeza! – eu disse selando rapidamente meus lábios aos seus, fazendo-o rir – Aposto que está querendo me contar alguma coisa.
- Três. Três coisas.
- Ah! As tais três coisas? Sei... Estou começando a ficar com medo desse suspense todo – disse num tom cauteloso e expectante, arqueei uma das sobrancelhas e me sentei sobre a cama, trazendo comigo o lençol.
- Onde você vai? – Robert franziu o cenho.
- Nenhum lugar. Quero saber o que você tem pra me dizer, parece ser sério – eu disse entre risos, achando graça do jeito que ele falou.
- Quer ouvir agora? – perguntou e se ajoelhou na cama, ficando de frente para mim.
- Uhum.
- Ok, então ahm... Corrija-me se eu estiver errado, mas vai fazer dois anos que estamos juntos e, eu quero muito te tirar da casa da sua tia, quero que você more comigo.
- Eu sei, ficamos de ver isso direitinho quando você voltasse da Alemanha.
- O que acha de fazermos isso agora, ? Você quer ter uma vida comigo? – ele perguntou e eu senti minha respiração falhar brevemente.
Não foi exatamente um susto, é que a ideia de morarmos juntos me parecia completamente diferente colocada em tais termos, mas logo tratei de me recompor. Não viaja, ! Independente das palavras usadas, isso não deixa de ser um compromisso sério, seria mais um passo e está mais do que na hora de seguir em frente, quatro anos se passaram e você superou, está tudo bem agora.
Sim, eu quero ter uma nova vida!
- Essa é só a primeira das coisas sérias que você tem pra me contar? – me ouvi perguntar e franzi o cenho de leve. Não era isso o que eu estava treinando mentalmente para dizer, mas Robert pareceu não notar minha confusão interna.
- Bem, se você ainda quiser morar comigo, terá que pedir demissão do instituto de música.
- O que? Não! Por quê? – abri a boca, incrédula, a ponto de chama-lo de machista e outras coisas mais, mas ele foi mais rápido e me puxou pela nuca para um breve beijo.
- Volto pra Alemanha ainda neste mês, a empresa matriz está enfrentando sérios problemas no setor financeiro. Isso nunca aconteceu antes, meu pai já está velho para voltar à ativa e precisam da minha rigorosa supervisão. – ele explicou com um leve sorriso no canto dos lábios e deu de ombros – Dessa vez eu volto para ficar e quero que você venha comigo.
Respirei profundamente. Essa devia ser a segunda coisa importante que ele tinha para contar, então moraríamos juntos, mas em outro país. Mais uma grande mudança, assim como temeu.
- Como foi tudo decidido muito rápido, não consegui visitar casas a venda por lá e até prefiro que você faça isso comigo, assim pode escolher a que mais te agradar. Então inicialmente nós podemos ficar na casa da minha família... Mas só se você quiser – ele se apressou em dizer a última parte e eu ri fraco –, também podemos ficar num hotel, caso não se sinta tão à vontade.
E essa era a terceira coisa importante, vamos morar na casa de sua família até encontrarmos a nossa. Ok, bastante coisa, muita... Mudança para processar e eu já não estava mais assim tão certa do que queria.
- Mas ahm, e eu... Nós não...
- Eu sei, também já pensei nisso e tudo bem vocês não falarem alemão! – ele me interrompeu, parecendo adivinhar qual a minha primeira preocupação – Acho que impor outro idioma a , com a idade em que está, seria demais para ela, então ela pode começar estudando em casa e aprender alemão depois e aos poucos. E você pode estudar também.
- Rob... – eu suspirei em dúvida e ele tomou minhas mãos às suas.
- Sei que é uma enorme mudança e eu quero que você pense nisso com calma e com muito carinho. – disse e beijou minha mão – Mas, independentemente do que decidir, eu quero que você seja minha.
Robert me olhou nos olhos e se levantou da cama, deixando-me ali, confusa. “Minha”? Ele já não me tinha? Não houve tempo para concluir meu pensamento, pois logo ele voltou com o que eu imaginava ser a minha surpresa em mãos, ajoelhando-se novamente a minha frente.
- Eu te amo, você sabe disso, certo? – ele disse naturalmente e eu engoli a seco balançando a cabeça negativamente e ele riu fraco.
Robert parecia deixar certos detalhes lhe escaparem com facilidade, pois eu não estava brincando, na verdade estava realmente negando e estava apavorada! Eu não conseguia dizer o mesmo que ele, não com essa tranquilidade, não agora e algo me dizia que isso ainda levaria um certo tempo. Nunca havia dito isso para qualquer homem, as palavras simplesmente não saiam, mas acho que nenhum sentiu a falta disso como eu senti.
- Durante a viagem, eu pensei bem sobre a nossa relação e tenho certeza de que este é o momento certo para isso...
Ele disse olhando para os dedos que brincavam com a caixinha lisa de cor azul, um tanto verde-água, com “Tiffany & CO.” gravado em letras pretas em sua superfície. Eu me policiei pra não pensar nisso, mas foi praticamente inevitável não lembrar de uma antiga e simples caixa azul-bebê de marca nenhuma, ainda mais naquele exato momento. Minha mente era mesmo uma traíra! Prendi a respiração e vi a caixinha se abrir, revelando em meio ao veludo preto, uma delicada aliança prateada com um notável diamante.
- , você quer se casar comigo?

#End of ’s POV.

Era o copo quase vazio de um whisky que eu tinha guardado há um bom tempo, um vinil qualquer que coloquei para tocar, a luz da lua, um caderno e uma caneta que me faziam companhia aquela noite. “Going down this lonely road, hoping to see her again (Caminhando por essa rua solitária, esperando vê-la de novo) …” É, afinal não estava tão ruim assim. Olhei para o monte de papéis amassados ao meu lado e sorri com o meu feito, pois finalmente consegui escrever algo que prestasse. Uma salva de palmas, por favor! Obrigado.
Antes que você me pergunte, não, eu não passei a noite inteira aqui, sentado no chão da sala próximo à grande janela e com nenhuma luz acesa, no mesmo lugar onde e eu acabamos cochilando uma vez. Eu fui a Insanity com os caras e me diverti um bocado. Não enchi a cara de cachaça, assim como esperava que eu fizesse, mas ri praticamente que na mesma medida que ele, que estava pra lá de alto. Eu já não me lembrava quando foi a última vez que saímos apenas nós quatro enquanto não estávamos em turnê e acabou sendo ótimo. até inventou de procurar uma garota para mim naquela brincadeira de “Oi, você conhece o meu amigo ?”. Brincadeira sem graça, diga-se de passagem, pois uma das garotas usava um perfume tão doce e, de repente, se tornou tão grudenta que parecia que eu tinha um chiclete pendurado no meu pescoço. Ela era bonitinha, morena dos olhos verdes, e devo admitir que tem muito bom gosto, mas era mesmo uma pena que ela não fosse nada mais do que sua aparência. Então, assim que ligou para avisando que já estava voltando casa, eu percebi que aquela era a minha deixa e tratei de segui-lo boate a fora para aproveitar a carona. Tenho certeza de que cuidaria bem do .
Depois de alguns minutos eu já estava aqui. De banho tomado, descalço, de calça de moletom cinza e uma camiseta regata branca, tentando criar algo. Estiquei as pernas, que antes estavam em volta de meu corpo, e me deitei de barriga para cima, encarando o teto e tamborinando a caneta sobre o peito.
- ‘Cuz I live... Não, ahm… – pigarrei e semicerrei os olhos pensando em algo melhor – ‘Cuz I... ‘Cuz I keep seeing in reflections, flashes in every mirror... Kissing her? O que você acha, Snoop?
Coloquei-me apoiado sobre os cotovelos e o olhei, deitado em sua enorme almofada, ele apenas levantou as orelhas.
- Você não presta mais pra nada, hein? Custa nada dar opinião... – eu disse e dessa vez ele levantou a cabeça, farejando algo – O que? Não adianta disfarçar agora.
Levantei-me do chão entre um suspiro, peguei meu copo, me arrastei para a cozinha e o completei com mais whisky ouvindo Snoop latir depois de um tempo, mas não lhe dei muita atenção até ouvi-lo raspar a porta e um barulho de chave no trinco, que me parecia ser da porta principal. Franzi o cenho, estranhando, e andei com calma até o batente da porta da cozinha com o copo ainda em uma das mãos. Caramba, será que eu bebi demais e estou vendo coisas ou estou apenas em mais um dos meus sonhos loucos que sempre são bem reais?
- ? – dei mais um passo ao vê-la colocar minha própria chave extra sobre o móvel próximo à porta e ela sobressaltou, assustada, virando-se para mim rapidamente.
- ? – ela deu alguns passos a frente, parecendo incerta, então eu acendi as luzes da sala.
- É... – franzi o cenho, quase rindo e praticamente correu até mim e me abraçou.
- Você está bem, graças a Deus – ela disse dando um suspiro aliviado e eu envolvi sua cintura com um dos braços, tentando equilibrar o copo e não entendendo muita coisa. Até Snoop veio até nós, batendo as patas dianteiras em minhas pernas.
- É, eu estou bem. Por que não estaria? – dessa vez eu ri e ela se afastou dando-me um tapa no braço e me olhou brava – Outch! O que eu fiz?
- Por que não atende o telefone?
- Cheguei há pouco tempo e...
- Por que não atende o celular? – ela me interrompeu e eu olhei em volta em busca do aparelho.
- Meu celular? – perguntei mais para mim mesmo do que para ela e dei dois passos até o sofá, lembrando de tê-lo jogado ali junto com a carteira, e o achei entre as almofadas – Acabou a bateria. Mas por quê? Aconteceu alguma coisa? É com a ? Onde ela está?
- Não é nada! está bem e com a . – se apressou em dizer e eu olhei para ela, que mexia em algo no celular – Eu só fiquei preocupada, porque você não me atendia. E desculpe o incômodo, a invasão, eu sabia que seu porteiro me deixaria entrar, sabia onde estava sua chave extra e – me olhou e levantou o celular levemente com um fraco sorriso no rosto – também ficou preocupada. Acabei de avisá-la.
suspirou olhando em sua volta, olhou para Snoop, que tornava a deitar em sua almofada e mordeu o lábio inferior.
- E desculpe também pelo tapa. – ela encolheu os ombros e nós rimos – Bem, eu vou voltar para o apartamento da pra ficar com a ...
- Não, , ahm... – eu a interrompi assim que ela ameaçou dar um passo para trás. Pigarreei colocando meu copo no móvel mais próximo e me aproximei mais – Você ainda não me disse por que eu não estaria bem.
- Como eu disse, tentei ligar – disse e mordeu o lábio inferior, tentando evitar o curto riso – várias vezes.
- Precisava falar comigo sobre...? – arqueei as sobrancelhas e ela desviou brevemente seu olhar do meu.
Silêncio.
- Ahm, sabia que eu dirigi até aqui? – ela disse, mas logo fechou fortemente os olhos, parecendo se arrepender disso, e eu ri.
- Dirigiu? Deve ser algo mesmo muito importante. Devo ficar preocupado?
- Desculpe, é que... Eu não sei por onde começar – gesticulou frustrada.
- Acho que percebi isso.
- Posso dizer só uma parte?
- Tem duas partes? – eu ri e ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha – , o que...?
- Calma! – ela me interrompeu.
- Eu estou calmo! – disse entre risos – Só não estou entendendo...
- Então fica quieto por um instante e deixe-me apenas... Tentar uma coisa – ela abaixou o tom de voz, diminuindo a distância entre nós e subiu sua mão quente pelo meu peito até alcançar minha nuca.
Eu permaneci imóvel, apenas apreciando sua mão fazer um carinho suave em meus cabelos e deixando-me ser hipnotizado por seus olhos, que pareciam me fazer estremecer por dentro. Ela aproximou seu rosto aos poucos e selou nossos lábios, fechei os olhos e logo iniciamos um beijo calmo, doce e sem segundas intenções. Mas ainda assim um beijo que demonstrava paixão, eu sentia que havia carinho e cuidado em cada um de seus toques. Envolvi-a em meus braços da mesma maneira, acabando com qualquer distância existente, enquanto nossas línguas brincavam uma com a outra. me deu um selinho antes de nos separarmos minimamente e eu sorri de lado.
- Você pode tentar essa coisa sempre que quiser – eu disse encostando nossas testas e ela riu.
- Eu te amo – disse baixinho e eu abri os olhos.
me encarou e afastou-se um pouquinho, mas mantendo meus braços a sua volta.
- Eu te amo, . – ela disse num tom mais firme – E, por favor, nunca mais duvide disso. Nunca mais, ouviu bem? Sei que sou difícil, às vezes até confusa e sei que, com certeza, muitas das minhas decisões devem te enlouquecer...
- Com certeza! – confirmei e ela sorriu de lado.
- Mas é sempre pensando em alguém importante, por , até mesmo por você e não por mim. – explicou balançando a cabeça negativamente – Eu não me importo com o que acontece comigo, eu supero, seja lá o que for.
Ela suspirou e, parecendo meio relutante, tirou as mãos em volta de meu pescoço olhando para a aliança que cintilava em seu dedo.
- Sei também que sempre bagunço com a sua vida, não é de propósito, mas eu simplesmente não consigo e você sabe! – e tornou a me olhar – Sabe que não consigo mais ficar longe, não consigo me imaginar vivendo com outro homem e fingir que não sinto nada, pois eu sinto! Sinto que não é com ele que eu devo ficar. Então... Ahm, não há dúvidas de que será difícil acabar com este noivado, mas se você ainda me aceitar, eu estou disposta a tentar.
Mais silêncio. Eu a soltei de meu abraço, peguei sua mão e depositei em seu dorso um beijo suave antes de tocar a aliança com os dedos.
- Sabe quantas vezes eu te ouvi dizer isso? – perguntei fixando seu olhar ao meu – Uma única vez. E eu apenas ouvi mesmo, pois tinha uma porta entre nós dois e eu não pude nem dizer que sentia o mesmo. – eu disse e ela sorriu fraco – Aquele poderia ter sido um dos dias mais felizes da minha vida, mas sabe quantas vezes você disse que me odiava?
- Desculpa! – ela cobriu os olhos com a mão livre e eu ri.
- Não, , o que estou querendo dizer é que eu pensei que nunca mais te ouviria dizer isso pra mim e quero que isso dê muito certo, porque eu também te amo e não sei o que faria se daqui alguns dias você me dissesse que preferiria se casar com Robert do que ficar comigo.
- Mas eu quero! – ela disse soltando sua mão da minha, tirou a aliança e a colocou sobre o móvel junto ao meu copo, então me olhou – Eu quero você.
Não foi preciso dizer mais nada, um único passo foi o suficiente para que eu a tivesse novamente em meus braços e seus lábios macios contra os meus, sentindo aquela costumeira necessidade de tê-la. Mas dessa vez sem preocupações ou interrupções, ela ficaria ali e não fugiria. Eu não sei como aguentei ficar tanto tempo esperando por ela, por uma atitude certa de sua parte, mas sei que não me arrependo disso. Esperaria todo o tempo preciso, pois agora tudo estava valendo a pena. Ela estava aqui, a minha frente tão linda e... Completamente minha.

Capítulo 26 - É tempo de amar


- ... Em cima da minha mesa, ok? Também desmarque... Invente uma desculpa para qualquer pessoa que procurar por mim. – a voz soava longe e aveludada, mas ainda assim me despertava aos poucos – Eu sei, Jill, mas vou ficar com hoje e resolver alguns problemas... Depois eu falo com ele...
Houve alguns instantes de silêncio e eu, de olhos fechados, me aproximei dela abraçando ainda mais seu corpo quente contra o meu. Apoiei meu rosto na curva de seu pescoço, respirei lenta e profundamente, sorrindo de leve, feliz por sentir seu doce cheiro e a textura de sua pele macia sob a palma de minha mão.
- Ok, depois conversamos melhor. Obrigada, Jill. – ela disse abaixando mais o tom de voz e se mexeu um pouco entre meus braços.
- Hm... Que horas são? – perguntei sentindo a voz arrastada e rouca pelo sono e virou um pouco o rosto em minha direção.
- Seis horas – sussurrou.
- Da tarde, certo?
- Não, da manhã – disse e eu sabia que ela estava sorrindo.
- Céus, por que tão cedo? – franzi o cenho e pigarreei, ouvindo-a rir baixinho.
Cocei os olhos e forcei minhas pálpebras a finalmente se abrirem, demorei poucos segundos até que minha vista se acostumasse e logo focalizei o quarto todo escuro exceto pelo abajur ligado sobre o criado-mudo ao lado de . Ela se virou completamente para mim, deixando-nos frente a frente e eu beijei seus lábios breve e profundamente, enroscando nossas pernas, enquanto ela puxava a coberta até a altura de nossos ombros.
- Bom dia – eu disse deslizando vagarosamente uma de minhas mãos desde seu quadril até sua cintura e sorriu ainda meio sonolenta.
- Bom dia.
- A gente não pegou no sono quase agora?
- Não foi quase agora, já faz algumas horas – ela disse calmamente roçando seu nariz ao meu e eu sorri.
- Por que já está acordada?
- É mais ou menos nesse horário que acordo todos os dias. Acho que já me acostumei. – deu de ombros e postou uma de suas mãos em minha nuca, deixando seus dedos se perderem num um carinho gostoso que me fez fechar os olhos brevemente – Desculpe, não queria te acordar, mas você não me soltava de jeito nenhum!
- É por precaução, vai que você muda de ideia e resolve ir embora no meio da noite feito uma fugitiva – eu disse e ela me olhou com os olhos comprimidos.
- E se eu quisesse levantar só para ir ao banheiro?
- Fizesse na cama, eu não me importo – dei de ombros e ela fez cara de nojo, mas riu.
- Credo.
- É sério! Não importaria se acordasse todo mijado ou cag...
- Ai, meu Deus! – ela fechou os olhos rindo e eu a acompanhei – Com certeza eu vou me lembrar disso para o resto da vida.
- Sei que você gosta do meu romantismo, então estou me esforçando – brinquei e ela me olhou com um sorriso ainda brincando em seus lábios.
- Está se saindo muito bem.
- Mesmo?
- Mesmo.
- Mas é brincadeira, ok? Eu me importaria, sim – eu disse forçando o tom de preocupação e ela gargalhou.
- Ok, prometo que nunca farei uma coisa dessas – disse entre risos balançando a cabeça negativamente e suspirou.
Silêncio.
- Você é tonto.
- Sou?
- Sim! Não precisa me segurar, já disse que não vou fugir.
- Eu só não quero que você me deixe outra vez.
- Eu não vou! Aliás, você pediu por isso, arqueou as sobrancelhas e eu sorri – e agora vai ter que me aturar por muito tempo.
- Por muito tempo? – semicerrei os olhos e ela assentiu – Quanto tempo?
- O máximo possível!
- Tipo para sempre?
- Se é isso o que você quer...
- Eu acho que isso seria ótimo.
- Então está ótimo.
- Tudo ótimo! – eu a puxei para mais perto e apertei sua cintura, fazendo-a se encolher um pouco e rir.
- Não me aperta, .
- Mas eu te apertei tanto ontem... Ou já era hoje? Não sei, mas se bem me lembro, você gostou muito disso – comprimi os olhos como se tentasse me lembrar, então ela beliscou minha barriga com as unhas e foi a minha vez de encolher – Ai!
- Sério, você é muito tonto.
Ficamos nos olhando por alguns segundos e então começamos a rir, ajeitou melhor a cabeça sobre o travesseiro, deixando-nos mais próximos e desceu sua mão, que ainda estava em minha nuca, até a altura de minhas costelas e eu franzi o cenho ao sentir algo diferente, então puxei sua mão com calma. Franzi o cenho umedecendo os lábios e ri sozinho ao passar meu polegar sobre os band-aids desenhados e coloridos em seus dedos indicador e médio.
- Gostei dos seus band-aids – eu disse e riu.
- São bem estilosos, não?
- Demais, estou até com inveja. – brinquei e nós rimos – O que houve com seus dedos? Isso já estava aqui ontem?
- Já! – ela sorriu de lado.
Talvez ela já soubesse o porquê de eu não ter notado isso antes. Talvez eu até tivesse visto, mas é provável que este pequeno detalhe se perdeu entre os acontecimentos mais relevantes da noite que se passou.
- Mas foi nada, estava distraída e acabei me cortando – disse e eu assenti levemente, beijando a ponta de seus dedos e uni nossas testas.
- Quer voltar a dormir ou só ficar na cama? – perguntei ao vê-la fechar os olhos e ela mordeu o lábio inferior.
- Hm, ofertas tentadoras...
- Mas tem um “mas” nessa sua frase... – disse entre um suspiro ao perceber sua entonação, já sentindo um aperto no peito e fiz bico quando ela abriu os olhos afastando minimamente nossos rostos.
- Infelizmente – deu um meio sorriso passando o polegar pelos meus lábios.
- Droga, eu estava torcendo para você dizer que queria voltar a dormir. Está muito cedo, !
- Depende do ponto de vista.
- Do meu ponto de vista, , eu estou cansado e a culpa é toda sua! – acusei com um olhar malicioso ao acariciar sua pele e ela mordeu os lábios reprimindo o riso – Qual é? Só mais um tempinho pra, pelo menos, criar coragem de perguntar por que você não pode ficar.
- Tudo bem, – ela sorriu fechando os olhos brevemente ao corar – só mais vinte minutos.
O silêncio preencheu todo o cômodo e leves sorrisos brotaram em nossos lábios no mesmo segundo. permaneceu com seu olhar fixo ao meu tornando com o carinho em meus cabelos enquanto minha mão passeava livremente por suas costas nuas. Aproximei-me devagar vendo seus olhos se fecharem novamente e fiz o mesmo quando rocei meu nariz ao seu e depois nossos lábios sem pressa alguma. Eu queria apenas senti-la da forma com a qual ansiei por muito tempo. Com calma e sem restrições eu continuei com meus toques sutis, provocando-a até que ela puxou levemente os meus cabelos ao dar um suspiro entrecortado por tentar reprimi-lo. Este foi o estímulo que faltava para que o meu corpo inteiro se estremecesse por dentro, então eu finalmente selei meus lábios aos seus que se entreabriram permitindo que nossas línguas se encontrassem em um beijo suave, macio e doce. Aquele beijo que eu amava, que eu sabia que teria apenas dos lábios dela, que eu não saberia viver mais tempo sem.
- Acho que... – ofeguei quando separei meus lábios minimamente dos seus – Você deve ficar um pouco mais.
- Também acho.
Ela buscou por meus lábios novamente e aos poucos o beijo tornou-se mais intenso, ele durou o suficiente para que ambos ficássemos ofegantes, mas no momento em que uma de minhas mãos apertava sua coxa, quando eu me apoiei em um dos braços em busca de uma posição mais confortável ao distribuir beijos languidos em seu pescoço e meu corpo já dava sinais de que começaria a ferver enquanto o dela correspondia a tudo, o celular de começou a tocar como louco em cima do criado-mudo e ela se soltou de mim rapidamente.
- Eu tenho que atender – ela disse com a respiração descompassada, lábios vermelhos e com as mãos espalmadas em meu peito.
- Tem certeza?
Não, não, não, não, não...
- Tenho – disse e mordeu o lábio inferior já buscando pelo aparelho.
Droga!
- Acho que terei que tomar um banho frio logo de manhã cedo se continuarmos assim – eu disse tombando meu corpo para o lado, tornando minha posição anterior e riu.
- Alô?
- Maldito seja! – eu disse mais alto para a pessoa que estava ligando ouvisse, mas bem na hora cobriu parte do celular com a mão inspirando profundamente, tentando normalizar a respiração e eu ri depositando um beijo em seu ombro.
Ela riu e inspirou profundamente balançando a cabeça negativamente, então tirou a mão do aparelho e me deu um leve tapa no braço.
- Está tudo bem... Mesmo, juro! Estou com o ainda. Aham. E ela já acordou? – perguntou à pessoa no telefone e me deu um beijo rápido antes de se descobrir e sentar na beira da cama – Ótimo, daqui a pouco eu estou ai... Ok, já entendi! Beijos.
Vi colocar o celular novamente sobre o criado mudo e eu estava quase me distraindo, mergulhando em prazerosos pensamentos com sua silhueta nua a minha frente, mas franzi o cenho quando ela pegou minha camiseta preta que antes estava dobrada sobre a poltrona e a vestiu.
- O que? Não, não, não, não... – eu não apenas pensei, dessa vez choraminguei de verdade e ela riu virando-se para mim – Ah, não faz isso comigo! Não precisava se vestir.
- Quer que eu vá aonde sem roupa? – perguntou entre risos e eu me sentei bem perto dela, buscando por sua mão e entrelaçando nossos dedos.
- No máximo até a minha geladeira, porque lá tem uns morangos... – comecei com um sorriso divertido e ela gargalhou – Não, é sério, não quero que você vá a lugar algum. Quem era no celular?
- . Tenho que chegar ao apartamento dela antes que acorde, ela está esperando por mim.
- Posso ir com você?
- Pode.
- Quer ir de moto? – a abracei pela cintura arqueando as sobrancelhas e ela me imitou rindo.
- Ha, ha, engraçadinho.
- Vai dizer que não gostou de andar de moto comigo?
- Confesso que foi um ótimo pretexto pra te agarrar. Coisa que eu gostei bastante, diga-se de passagem – ela disse calmamente comprimindo os olhos como se pensasse muito bem sobre assunto e eu gargalhei jogando brevemente a cabeça para trás.
- Eu sabia! Sabia que você não tinha tanto medo assim!
- Mas não sou fã de motos e ainda não confio em quem dirige do lado errado da rua. – ela balançou a cabeça negativamente e nós rimos – Só dirigi até aqui ontem, porque era realmente necessário...
- Uma prova de amor.
- Exatamente. – ela disse entre risos e me deu um selinho – E não podemos ir de moto por causa da .
- Então fica pra próxima.
- Aham. Se for te fazer mais feliz, a gente pode ver isso depois.
- Acha que estamos muito melosos? – fiz careta e ela pendeu a cabeça levemente para o lado, ponderando a questão e deu uma risada contida.
- Talvez um pouquinho, mas acho que depois de tanto tempo, nós merecemos isso. E não posso dizer que não estou gostando.
- Eu também não – e foi a minha vez de lhe dar um beijo rápido.
Ou pelo menos tentar lhe dar um beijo rápido, pois um único selinho se tornou três ou quatro e logo minha mão livre estava em sua cintura por baixo da camiseta preta enquanto a dela estava em meu pescoço e nós estávamos nos beijando novamente. sorriu entre o beijo e eu desci minhas mãos para suas coxas trazendo-a para meu colo, deixando-me entre suas pernas. Mordi seu lábio inferior soltando-o lentamente antes de beijar seu queixo e depois afastar seus cabelos para me deleitar de seu pescoço...
- Melhor não começar, – sussurrou e eu ri ainda com o rosto na curva de seu pescoço.
- Mas eu acho... – comecei no mesmo tom, acariciando sua cintura com o polegar e a vi se arrepiar – Que já recomeçamos.
Ela suspirou.
- Sério. .
- Ok, desculpe.
- Uhum, vou levantar.
- Uhum.
Deixei que seu perfume me invadisse mais uma vez antes que ela pensasse em se levantar, mas nenhum de nós se moveu, continuamos da mesma forma e eu com meus lábios plantados em sua pele. Por alguns instantes tudo o que se ouvia eram as nossas respirações, até que ela começou a rir e eu a acompanhei.
- Que droga, nós somos dois idiotas.
- Somos mesmo. – eu disse entre risos soltando-a e entrelaçando minhas próprias mãos atrás de meu corpo – Mas vai! está esperando, então levante antes que eu te segure outra vez, porque se eu fizer isso, não haverá outra chance de fugir.
Eu sabia que ela não sairia dali. Ou pelo menos torcia fervorosamente por isso, caso contrário eu teria que puxá-la de volta para mim. Até então eu estava sendo muito bonzinho com ela se levássemos em conta o estado em que me encontrava no momento, ainda não tinha me acalmado do calor dos beijos e não tinha qualquer controle da situação.
Depois de alguns segundos me observando, continuou ali. Não havia mais razão para fugir, havia apenas o seu poder de produzir a única faísca necessária para minha total conflagração. Ela sorriu de lado apoiando perigosamente uma das mãos próxima a minha virilha, obrigando-me a fechar os olhos, para se aproximar e roçar levemente seus lábios em minha orelha.
- Senti tanto a sua falta.
Suspirei profundamente ao abrir os olhos e busquei por seu olhar, que deu um sentido maior às suas palavras, que me fez sentir cada célula de meu corpo vibrar e minha pulsação acelerar. Não era apenas o sentir falta pelos 2 segundos que minhas mãos não a tocavam mais, ou pelas horas e dias em que ficamos separados desde que nos reencontramos enquanto ela vivia sua vida normalmente e eu tentava viver a minha. Era principalmente pelos sete torturantes anos sem isso que estávamos vivendo agora. Como consegui sobreviver? Agora, com ela aqui, este fato me parecia insano.
Sob meu olhar atento, pegou um elástico que estava sobre o criado-mudo e prendeu os cabelos em um coque meio frouxo e mordeu o lábio inferior ao se levantar e tornar toda a sua atenção a mim. Meus olhos passearam sem pressa por toda a extensão de seu corpo apenas coberto pela minha camisa preta, desde seus pés descalços até os seus lábios tão convidativos. Sem contar o tempo que me demorei em suas pernas e em seu pescoço agora exposto que acabava com qualquer pingo de sanidade e autocontrole que poderia me restar. Eu queria guardar cada mínimo detalhe daquele momento em minha mente. Não apenas soa, eu sei que isso é mais do que clichê, mas me diz qual homem não gosta de ver uma mulher vestida dessa forma e tão linda depois da noite que passaram juntos? Ainda mais sabendo o que estava por vir agora? Ainda mais se for a sua mulher? Sua... Minha. Sim, eu estou gostando disso e muito.
Ela deu dois passos cegos para trás sem desviar seus olhos dos meus e depois se virou em direção ao banheiro. Eu simplesmente a segui. É muita bobagem dizer que eu sentia como se estivéssemos magnetizados, pois ficar sem contato algum era simplesmente impossível? Eu precisava daquilo e não demorou muito para que eu a encostasse contra a parede fria de azulejos pretos dentro do box. Seu olhar se intensificou e fixou em meus lábios por alguns instantes, depois acompanhou o movimento meticuloso de suas mãos, que desceram pelo meu peito até atingir meu abdome com a ponta dos dedos, fazendo-o se contrair. umedeceu os lábios e os selou aos meus de forma tão delicada que eu não quis avançar. Não quis correr o risco de quebrar bruscamente aquela nova e logo impenetrável atmosfera que ela havia criado para nós. Então apenas me deixei levar sabendo que amaria qualquer coisa que ela fizesse comigo e que nada mais nos impediria de continuar. Eu só não pude evitar o leve e extasiado sorriso quando ela abriu o registro e a água morna passou a cair sobre minhas costas, menos ainda conter meus instintos, subindo a camiseta que usava quando ela então sussurrou:
- Eu te amo, .

- Amor, estou com frio.
- Quer que eu vá lá em cima e pegue um cobertor pra você?
- Não, não quero que você saia daqui – ela disse baixinho contra o meu peito, entre um bocejo que me contagiou.
Estávamos no sofá da minha casa, assistindo um filme e estava entre mim e o encosto do sofá, com a cabeça encostada em meu peito, abraçando-me pela cintura enquanto um de meus braços estava sobre seus ombros. Então me virei, ficando de frente para ela e a abracei pela cintura.
- Esse filme é horrível.
- Foi você quem escolheu – me apressei em dizer e ela riu.
- Certo, confesso, foi uma péssima escolha.
- Assim como na maioria das vezes.
- Não é verdade, Titanic foi uma ótima escolha, assim como muitos outros.
- Ah, claro! “Dão ri dos beus sentibentos, ”. – eu disse apertando meu próprio nariz para imitá-la e ela riu – Eu nunca te vi chorando daquele jeito.
- Cala a boca, o Jack morreu congelado!
- Como se você já não soubesse que isso fosse acontecer.
- Shhh...
, com os olhos miúdos de sono, colocou o dedo indicador frente aos lábios encolhendo os ombros e eu sorri fraco. Peguei o controle que estava no chão e desliguei a televisão, logo tornando a atenção para , que fechou os olhos quando passei a afagar seus cabelos. Às vezes era bom ficar simplesmente assim. Em silêncio, deitado e abraçado com ela, apenas aproveitando cada milésimo de segundo de sua presença.
Era em momentos como este que eu notava o quanto estava perdido. Era isso e não havia mais volta, porque eu não trocaria momentos assim por nada! Eu pensava que não me sentiria de tal forma tão cedo, mas não conseguia mais me imaginar sem ela, não conseguia me lembrar como eu era antes dela. era o meu encaixe perfeito.
- Você é tão linda.
Eu disse ao pé de seu ouvido, quase em um sussurro e ela me olhou com as maçãs do rosto adotando um tom rosado. Isso sempre acontece. Rocei a ponta do meu nariz no dela e selei nossos lábios suavemente.
- Por que isso agora?
- Só para não perder o costume. – eu disse e beijei seu pescoço, ouvindo-a rir – É a verdade – e lhe dei outro beijo – e eu pretendo te dizer isso todos os dias, sempre que for possível.
- Hm... Bom saber. – ela disse aproveitando de meu carinho – E você pode me levar em casa mais tarde?
- Claro, é muito longe para você ir sozinha – brinquei e a olhei com um leve sorriso no rosto.
- Não consigo imaginar o que seria de mim sem você, sabia? – ela disse e fez com que os nossos lábios se encontrassem novamente.

Deixei o box passando os dedos por meus cabelos, jogando-os para trás. Não havia toalhas limpas no banheiro, então atravessei o quarto sem me importar com o rastro de água que deixei até o closet, onde peguei uma toalha para e me enxuguei rapidamente outra, prendo-a na cintura logo em seguida. Tomamos banho juntos e, claro, levamos muito mais tempo do que o necessário, mas pelo menos não fomos interrompidos por nenhum celular dessa vez, coisa que eu agradeci mentalmente várias vezes. Concluímos que por ser tão cedo, provavelmente ainda estava dormindo, então nós dois ainda tínhamos um tempo a sós. Realmente, somos dois idiotas apaixonados! E talvez eu seja mais idiota ainda, pois não consigo parar de sorrir e falar coisas bobas apenas para que ela ria comigo e também sinta o que agora estou sentindo tão intensamente. Aquilo tudo, todo aquele sentimento não estava cabendo em mim, eu estava mesmo transbordando em felicidade.
Olhei em volta e ri fraco por conta da pequena bagunça que fizemos no quarto, me lembrei do corredor que nos trouxe até aqui e da sala onde tudo começou... Era bem provável que a gente tenha derrubado algumas coisas pelo caminho. Ameacei entrar novamente no banheiro e vi o celular de vibrar sobre o criado-mudo, dei um passo em sua direção, mas o barulho do registro se fechando me distraiu facilmente e eu tornei automaticamente a fazer meu caminho.
- Você ainda tem aquela escova que eu usei da última vez? – perguntou ao abrir um pouco a porta do box e eu lhe entreguei a toalha, a qual ela se abraçou rapidamente.
- Claro, eu sabia que você iria precisar dela quando voltasse aqui – rolei os olhos mantendo o sorriso no rosto e fez o mesmo encostando a porta de vidro novamente.
O box era de um vidro negro fosco e eu não conseguia vê-la nitidamente, mas via seus movimentos enquanto se enxugava despreocupadamente, coisa que me acalmava, pois ficaria tenso se ela quisesse sair daqui com pressa. Concentrei-me em pegar nossas escovas e a pasta de dente e depois de alguns segundos de silêncio saiu do box com a toalha presa em volta do corpo, começando murmurar baixinho uma melodia que me fez sorrir levemente quando a identifiquei.
- And I've done all I can to stand on her steps with my heart in my hands... – cantarolei e nós nos entreolhamos sorrindo. Entreguei-lhe sua escova e levei a minha até a altura de minha boca, peguei sua mão livre e a fiz girar em volta do próprio corpo – Now I'm starting to see maybe it's got nothing to do with me.
Enquanto escovávamos os dentes, hora ou outra rindo por eu ter feito alguma palhaçada apenas para vê-la sorrir, pensei em como seria o dia de hoje e tentei arquitetar planos mirabolantes para passar o tempo da melhor forma possível ao lado dela. Ela já não iria trabalhar mesmo, podemos então pegar e sair para fazer algo de diferente e eu já sabia de um lugar para onde poderíamos ir, um lugar afastado de qualquer coisa que pudesse nos atrapalhar, afastado de qualquer problema. Eu não queria e longe de mim tão cedo! Queria que terminasse logo com seu noivado, claro, mas ainda não queria deixa-la frente a frente com Robert. Pelo menos por enquanto. A situação ainda não me parecia mesmo real e eu queria desfrutar deste meu momento de felicidade, pois é como disse: depois de tanto tempo, nós merecemos isso. Eu mereço isso.
- Você viu minha camiseta? – ela perguntou e eu dei de ombros olhando em volta.
- Acho que eu tirei quando estávamos subindo as escadas – eu sorri, de certa forma, orgulhoso em poder dizer aquilo e me joguei novamente sobre a cama.
Eu já estava pronto, devidamente vestido com as roupas que peguei no closet. estava com sua meia-calça grossa preta, saia e sutiã, andando de um lado para o outro com seus saltos a procura das outras peças de roupa enquanto penteava os cabelos, mas parou ao me ver deitado rindo da situação.
- Não tem graça, ok?
- Nem vem com essa, você também está rindo! – eu disse encolhendo os ombros e ela colocou uma das mãos na cintura tentando reprimir o riso.
- Mas você não pode rir, eu não autorizei. – ela disse e eu ri ainda mais – Vamos acabar chegando muito tarde e vai ficar chateada.
- Ok, não vou rir mais – eu disse cobrindo a boca com uma das mãos, então ela olhou para dentro do meu closet mordendo o lábio inferior – O que foi?
- Posso ver a caixa?
- Vamos nos atrasar.
- Rapidinho.
- É sua! – eu disse e ela entrou no closet. Depois de um tempo e alguns pequenos barulhos, eu me sentei na cama com o cenho franzido e um sorriso divertido – , você consegue alcançar a caixa, certo?
- Fique ai, , não quero que o desastre da farinha se repita. – eu ri ao ouvi-la dizer e logo ela apareceu com a caixa em mãos, também sentando-se na cama – Posso te perguntar uma coisa?
- Qualquer coisa.
- Por que a guardou por tanto tempo? – indagou passando a ponta dos dedos pela tampa da caixa e me olhou.
- Sou acumulador compulsivo. – brinquei levando a mão à nuca, mantendo o olhar baixo e ela riu – Não, na verdade eu não sei ao certo... Ahm, não consegui jogar fora, sempre tive a impressão de que me arrependeria se fizesse isso, afinal ela se tornou muito importante. Era a única forma de te manter aqui comigo.
- Agora eu estou aqui contigo – ela disse e nós nos entreolhamos.
- Mas eu não vou jogá-la fora – balancei a cabeça negativamente com um sorriso divertido.
- Ai, céus! Criei um acumulador. – ela levou a mão à testa e nós rimos – Mas acho que tenho uma ideia de como é isso, ainda tenho a caixinha de música da minha mãe, que agora está muito bem guardada com o cãozinho de pelúcia e algumas fotos nossas com , e .
- Quais fotos? – sorri de lado e ela abriu a caixa.
- Da última viagem que fizemos. Usamos uma velha máquina fotográfica com filme pra revelar, sabe? – ela gesticulou como se tivesse o pequeno rolo de filme em mãos e nós rimos – Depois do que aconteceu, eu acabei me esquecendo dele no fundo da mochila e só mandei revelar anos mais tarde.
- Podemos coloca-las ai junto com as outras coisas – eu disse virando as palmas das mãos para cima e dando de ombros, como se fosse a coisa mais óbvia a ser feita.
- Dois acumuladores... Acho que isso vai dar muito certo. Pelo jeito nossa história está dentro dessa caixa. – ela disse ao pegar algumas folhas grampeadas e me olhou com um sorriso discreto nos lábios – É o exame de DNA?
- Uhum, está tudo ai, até mesmo a sua carta.
- Não era bem uma carta, era mais um bilhete – ela deu uma risada contida olhando para algumas das fotos e eu virei a caixa para que tudo caísse sobre o lençol, procurando por aquela folha de caderno.
- Que rendeu ao McFLY a inspiração para uma música muito boa. – e então puxei o papel tão conhecido por mim – Temos que mostrar isso para os nossos filhos... Não, espera. – eu dizia desdobrando o velho papel e olhei brevemente para o teto, fazendo-a rir – Temos que mostrar isso para !
- Não, .
- Por que não? Ela vai adorar.
- Tenho minhas dúvidas sobre isso – ela disse entre risos e tentou puxar o papel de minha mão, mas eu tombei o corpo para trás.
- Vou ler.
- Não, não... – choramingou engatinhando até mim, levantei o braço para que ela não o alcançasse e teve que se sentar sobre mim para conseguir pegar o papel, deixando-me entre suas pernas. Uma ótima visão para mim, diga-se de passagem – Não, amor! Isso ai é...
- Espera, você me chamou de que? – sorri por conta da forma tão natural com a qual ela falava agora, e ela pendeu a cabeça levemente para o lado.
- De , ora – franziu o cenho dando de ombros e eu ri.
- Tubo bem, vou ler – eu disse apoiando a mão livre em sua coxa e pigarreei trazendo o papel à altura de meu rosto, mas ela logo puxou de mim.
- Não, isso é coisa de uma adolescente chorona. – fez careta ao se sentar novamente na cama e eu ri – Vamos, já está ficando tarde.
- Estraga prazeres! – eu disse ao me levantar e arqueei as sobrancelhas vendo-a começar a colocar as coisas de volta dentro da caixa – Deixe isso ai, mulher.
Puxei sua mão e a entrelacei a minha para que se levantasse e riu dando de ombros, pegou seu celular sobre o criado-mudo e então saímos do quarto, recolhendo pelo caminho peças de roupas minhas e o colar dela. Assim como imaginei, a camiseta de estava em um dos primeiros degraus da escada e quando começamos a descer, ouvimos um barulho vindo da cozinha, que fez se esconder atrás de mim.
Essa coisa de uma galera entrar na minha casa sem avisar está começando a me deixar com medo de um dia chegar aqui e minhas coisas terem sido roubadas. Sério.
- Não, Snoop, isso é meu! Devolve.
- É só a Poppy – eu disse e olhei brevemente para por cima do ombro com um sorriso divertido nos lábios.
- Pega minha camiseta? – pediu soltando-se de mim e eu assenti. Tornei a descer as escadas vendo Snoop entrar na sala correndo com um pano na boca e logo Poppy veio atrás dele.
- Snoop! Bom dia, senhor . – ela disse passando por mim – Me devolve isso, Snoop!
- Ahm... Bom dia – eu disse entre risos ao pegar a camiseta do chão enquanto assistia o cachorro dar uns olés na Poppy e olhei rapidamente para o topo da escada. não estava mais lá – Você precisa de ajuda com ele?
- Não, pode deixar – ela disse fracassando ao tentar encurralar Snoop e eu ri mais ainda já começando a subir as escadas.
- Tudo bem então. Chegou há muito tempo?
- Acabei de chegar.
- A está aqui, nós vamos sair e ma...
- AHÁ! Eu consegui! – Poppy exclamou entre risos e eu tornei a minha atenção a ela, que exibia o pano frente ao focinho de Snoop e puxava a língua para ele, que dava mordidas no ar para pegar o pano de volta – Sai pra lá, cachorro, eu te disse que isso era meu.
Fiquei em silêncio por alguns segundos e soltei uma risada contida com o cenho franzido, então uma Poppy de bochechas vermelhas se virou para mim adotando a postura de sempre, aquela de quem só faz o trabalho dela não fica tirando uma onda com a cara do meu cachorro apesar de ser engraçado ver uma cena dessas.
- Desculpe, senhor . Vocês vão querer alguma coisa em especial para o café da manhã?
- Não, valeu! – eu ri balançando a cabeça negativamente – Pode continuar zoando o Snoop, parece que ele gosta.
Poppy riu e eu encontrei encostada contra a parede assim que cheguei ao topo da escada, ela mordeu o lábio inferior para reprimir o sorriso ao pegar sua camiseta e a vestiu, arrumando os cabelos sobre os ombros logo em seguida. Apoiei o ombro contra a parede e arqueei as sobrancelhas para ela, que assentiu entendendo-me rapidamente e entrelaçou seus dedos, agora sem band-aids coloridos, aos meus para descermos as escadas lado a lado.
- Bom dia, Poppy – cumprimentou a garota que pegava umas louças que eu deixei sobre a mesinha de centro e Snoop se sentou ao nosso lado.
Sim, eu sempre como na sala enquanto assisto televisão e, sim, de vez em (sempre) quando eu deixo a louça na mesinha de centro.
- Bom dia! – Poppy sorriu – Certeza de que não querem tomar café? Eu posso preparar algo.
- Não, obrigada.
- Temos que correr, ou chegaremos atrasados.
- O que já era de se esperar.
- Tomaremos café na casa da prima da – expliquei para Poppy, que ainda nos olhava.
- vai adorar saber disso – disse sarcasticamente e riu vestindo seu casaco.
- Espero que ela tenha café. E bacon, ovos e pão torrado, aceito waffles também – eu disse olhando para o chão e umedeci os lábios imaginando tudo aquilo, mas fui tirado de meus devaneios quando recebi um tapa no braço.
- Você não quer mais nada, não é? – riu.
- Se tiver... – dei de ombros fazendo-as rir.
- Certeza de que não querem tomar café? – Poppy repetiu a pergunta com um sorriso divertido em seus lábios e nós balançamos a cabeça negativamente.
- Não, estou só brincando, temos mesmo que ir – eu disse conferindo se minha carteira e o documento do carro estava em meu bolso já seguindo para a porta principal com e Snoop.
- E esta aliança? – Poppy perguntou e e eu nos entreolhamos antes de retornar nossa atenção a ela.
- Ahm... Daremos um jeito nela depois – disse e eu assenti pegando ali por cima a chave do carro.
- Meu carro, certo? Certo. – sorri abrindo a porta – Poppy, mais tarde um amigo meu vem ai concertar umas coisas no quarto de hóspedes, Ian o conhece e vai deixa-lo subir.
- Tudo bem.
- E cuide bem do meu filho! – eu disse acariciando brevemente as orelhas de Snoop me puxou pelo pulso para fora do apartamento – Tchau.
- Tchau! – ela sorriu para Poppy, que apenas acenou, fechando a porta logo em seguida e, ainda me puxando, apertou o botão para chamar o elevador – Acho que ela suspeita sobre nós.
- Acho que depois de você ter deixado sua aliança de noivado para trás enquanto sai comigo, ela tem certeza sobre nós – eu disse colocando meu braço em volta de seus ombros, trazendo-a para mais perto e ela riu.
- É, isso deve ser isso também – brincou abraçando-me pela cintura.
Entramos no elevador e do jeito que estávamos abraçados, ficamos. Por vezes trocando beijos e outras bocejando, coisa que nos fazia rir levemente. Sim, estávamos com sono.
pegou sua bolsa que estava dentro do carro que a trouxe até aqui, por conta de seus documentos, etc. e Ian disse que um funcionário do condomínio colocaria o carro dentro da garagem, então deixamos a chave enfim seguindo para o apartamento de . Não levamos muito tempo, logo depois do velho porteiro nos deixar entrar com facilidade e um sorriso cordial para , ela apertava a campainha do apartamento 13. Abracei por trás apoiando meu rosto na curva de seu pescoço, então a porta se abriu revelando uma com um treco de alumínio na cabeça e, claro, eu não pude evitar a gargalhada.
- Eu já devia saber que ele viria contigo – ela rolou os olhos e riu lhe cumprimentando com um abraço rápido já entrando no apartamento.
- ET, minha casa – afetei a voz levantando meu dedo indicador para ela, que me deu um tapa.
- Idiota.
- Você até que seria uma ET bonita, – sorri a abraçando rapidamente e ela fechou a porta atrás de nós.
- Eu sei, , você me ama. – ela disse e franziu o cenho para nós colocando as mãos na cintura – Demoraram, hein? Estou esperando vocês já faz o maior tempão. O que estavam fazendo?
e eu mais uma vez nos entreolhamos em silêncio, mordendo os lábios para não sorrir.
- Urgh, acho que já sei. Urgh, que nojo de vocês! – fez careta e nós rimos – Eu sou pura, não precisava saber disso. E parem de exalar amor perto de mim.
- Certo, , não vamos e contar mais nada.
- Não, prima, estou brincando – ela disse entre os dentes ao se aproximar de e nós rimos mais – Quero saber dos detalhes depois.
- Ok, mas e ?
- Não vai contar os detalhes para ela, está ficando louca? – ela arregalou os olhos e recebeu da prima um tapa no braço – Ai, é sério, ela ainda não está na idade de saber como foi concebida.
- Cala a boca, ! – dissemos em uníssono ainda rindo e ela comprimiu os olhos.
- Só estou dizendo o que eu acho.
- Para de brincadeira, quero saber da minha filha.
- Você é uma estraga prazeres, .
- Foi a mesma coisa que eu disse pra ela hoje mais cedo... – eu disse levantando levemente os ombros.
- Estava legal tirar uma com a cara de vocês – concordou com um meneio de cabeça e , impaciente, rolou os olhos cruzando os braços.
- Não fica assim, amor – eu ri puxando-a pela cintura e lhe dei um selinho.
- O que eu disse sobre exalar amor perto de mim? – foi a vez de rolar os olhos começando a andar em direção a um pequeno corredor e nós rimos – Qual o problema de vocês?
- Ela ainda está dormindo? – perguntou abaixando o tom de voz e nós seguimos o mesmo caminho que ela.
- Acho que sim. Como eu meio que já imaginava... Não, na verdade eu torcia para que você passasse a noite com o para se resolverem logo de uma vez – ela disse no mesmo tom ao indicar uma das portas, me olhando brevemente e eu levei a mão à nuca – então nós duas ficamos acordadas até tarde assistindo filmes e comendo porcarias, mesmo depois da ir embora.
- Certo, obrigada, . Eu vou acordá-la, tenho que conversar com ela – disse e abriu a porta que havia indicado, entrou no quarto escuro deixando a porta entreaberta.
- Quer comer ou beber alguma coisa, ?
- Ainda não, valeu.
- Ainda não? Já vi que eu vou ter que fazer café – ela riu balançando a cabeça negativamente e estalou os dedos frente ao meu rosto – Para de olhar para a minha touca térmica!
- Achei que estivesse sendo discreto, mas essa coisa é muito estranha, – eu ri e ela rolou os olhos.
- Homens... – resmungou e seguiu até a sala, sentando-se no sofá.
Encostei-me contra o batente da porta vendo a luz do abajur acesa e sentada na beira da cama em que estava deitada envolta de um cobertor verde felpudo, tirando os saltos, então ela se deitou com a pequena, ficando de costas para mim. Dei um passo à frente entrando no quarto, encostei levemente a porta e cruzei os braços.
- Hora de acordar.
Silêncio.
- , acorde. – ela disse e eu automaticamente sorri vendo se abraçar a mãe ao murmurar palavras desconexas.
- ... Mamãe.
- Demorei?
- Um pouquinho – ela murmurou –, mas não tem problema.
- Você já estava acordada?
- Acho que acordei uma vez, mas você não estava aqui, então voltei a dormir. Ou então foi só um sonho – ela disse e riu.
- Gostou de ficar com a tia e a tia ?
- Aham, a gente assistiu filmes de princesas e depois que a tia foi embora, a tia me ensinou a jogar um jogo de tabuleiro.
- É mesmo?
- É, nem precisa ligar ele na tomada. – ela disse e deu uma risada contida acariciando o rosto da pequena – Mamãe?
- Hm?
- Você trouxe?
- O que?
- As respostas.
- Acho que sim – disse entre um suspiro e a mãozinha de afagou seus cabelos.
Houve um breve silêncio e eu franzi o cenho, tentando entender um pouco daquela nova conversa que acabara de iniciar.
- Pode ficar, mamãe, eu não preciso mais delas – a menina disse, fazendo rir mais.
- Apenas se lembre que eu vou sempre cuidar de você, ok? – ela disse e lhe deu um beijo no testa – Te amo.
- Te amo – disse e imitou o gesto da mãe.
- Agora vamos levantar. Você acha que não precisa de respostas, mas muitas delas estão ali perto da porta, ouvindo a nossa conversa e esperando por você – disse se sentando sobre a cama.
Eu, mesmo que sem entender muito bem sobre o que elas falavam, ajeitei a postura e descruzei os braços assim que também se sentou sobre a cama para me focalizar ali “escondido” e sorriu para mim.
- É o meu pai! – ela riu e eu acendi a luz do quarto, juntando-me a elas na cama.
- Que história de respostas é essa, posso saber? – perguntei e lhe dei um beijo estalado no rosto, arrancando-lhe risos.
- Nada – sorriu encolhendo os ombros e mordeu o lábio inferior, olhando com seus olhos brilhando de para mim.
- O que foi? – franziu o cenho apagando o abajur e a menina riu.
- Parece que hoje vai ser um dia bem legal.
- Será? – arqueei uma das sobrancelhas e tirou a coberta verde de cima da pequena.
- Certo, levante, vai tomar banho e escovar os dentes, depois conversamos sobre como será o nosso dia.
- Estou indo, mas já vou logo avisando que quero ficar com meu pai hoje – ela disse se levantando da cama e eu ri.
- Ora essa, vai logo tomar o seu banho, tampinha! – disse e a menina riu correndo para a porta – Daqui a pouco eu levo a toalha e suas roupas.
- Ok! – ela deixou o quarto e eu olhei para .
- Como será o nosso dia?
- Não sei... – suspirou colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha – Não queria voltar para casa agora, mas tenho que me resolver com Ro...
- Foge comigo? – eu a interrompi e sorri vendo-a franzir o cenho.
- Que?
- Foge comigo?
Postei uma de minhas mãos em sua cintura e aproximando-me dela, que continuou a me encarar com uma certa confusão em seus olhos, me analisando como se procurasse por vestígios de um piada em minhas feições e então começou a rir.
- Você está com fome, não é? – ela disse entre risos colocando uma mão de cada lado do meu rosto e eu rocei seu nariz ao meu – Precisa comer algo, pois já está delirando.
- Estou falando sério – eu disse sentido suas mãos descerem até meu pescoço e selei nossos lábios.
- Você sabe que isso é meio que impossível, certo? – perguntou e eu assenti sorrindo de lado.
- Eu posso dar um jeito desde que você diga que vem comigo.
- Para qualquer lugar contigo, meu amor.

- ?
- Hm?
- Você não vai mais falar com o ?
- É ele que não quer falar comigo desde que ela foi embora. – dei de ombros com o olhar fixo na televisão e joguei o controle do videogame longe quando perdi mais uma partida – Que merda.
- ?
- Fala, – rolei os olhos e o encarei.
Era estranho, nem olhava mais para mim, ainda chateado com tudo o que aconteceu, enquanto ficava comigo o tempo todo. Parecia que queria ter certeza de que eu não faria mais alguma merda. Agora ele estava sentado no colchão que colocamos no chão do meu quarto para que ele dormisse ali naquela noite, mas eu já estava me arrependendo de tê-lo deixado ficar, ele estava me irritando apenas por querer conversar comigo.
- Você já abriu aquela caixa? – e indicou a caixa azul-bebê no canto, ao lado da cômoda. Senti meu corpo tenso e suspirei, me mexendo desconfortavelmente sobre a cama.
- Não.
- Não vai abrir?
- Não.
- Por que não?
- , cala a boca.
- Posso abrir?
- Não, , mas que porra! – esbravejei me sentando na beira da cama – A porra da caixa é minha, deixa ela quieta.
- Porra, . Mas você sabe que eu vou abrir a porra da caixa enquanto você estiver dormindo, certo? – ele disse entre risos e eu rolei os olhos mais uma vez.
- Não fala assim da caixa – murmurei tornando a me deitar, ouvindo-o rir.
Silêncio.
- ?
- Vai, , pega logo aquela porra caixa! – dei-me por vencido e ele se levantou num pulo, pegou a caixa e, em pé ao meu lado, a estendeu para mim – Pode abrir.
- Você que tem que abrir, , ela deixou para você!
- Eu não quero abrir.
- Sabe, talvez que sejam coisas que ela acha que são importantes.
- Não são importantes, ! Se fossem, ela teria levado.
- Tudo bem, talvez ela não tenha levado porque você foi um tremendo idiota. Mas eu tenho certeza de que se não fossem importantes, ela teria a jogado no lixo – ele arqueou as sobrancelhas.
Pensei nisso por alguns segundos e cheguei à conclusão de que era uma merda quando o tinha razão. Sentei-me, peguei a caixa de suas mãos, ainda que meio relutante e a coloquei sobre a cama. Suspirei e quando me senti seguro, finalmente a abri. Não podia ser uma bomba, pois se fosse, já teria explodido. Aquela caixa estava ali parada há mais de semanas e era bom saber que não queria me matar apesar de tudo o que aconteceu em nosso último dia juntos. Deixei a tampa de lado, olhei dentro da caixa e nossa! Tinha tanta coisa ali dentro. Puxei com cuidado a primeira coisa em que meus dedos tocaram e não pude evitar o sorriso triste ao ver o cãozinho de pelúcia com um laço azul em volta de seu pescoço. Foi o primeiro presente de que eu lhe dei e ela não o levou. Minha mente girava em meio a lembranças, meus olhos analisavam os detalhes de cada coisa que se revelava daquela caixa e com a ajuda de algumas das fotos eu até conseguia sorrir em certos momentos, coisa que eu não fazia há algum tempo. Tinha o cheiro dela naquele ali e aquilo despertava todos os meus sentidos, todos os meus sentimentos adormecidos desde que ela foi embora. Eu não ouvia mais nada, apenas as batidas do meu coração descompassado e desesperado de saudade. Olhei para todas aquelas fotos, papéis e para o cão de pelúcia sobre a minha cama e suspirei mais uma vez. Olhei novamente para dentro da caixa, a fim de ter certeza de que já tinha visto tudo, e depois para a sua tampa, onde encontrei um papel dobrado no meio, preso com um durex. Franzi o cenho em estranheza e olhei para onde deveria estar, mas ele saiu do quarto sem que eu me desse conta.
- Ok, deve ser uma música que escrevi – eu disse para mim mesmo e puxei o papel.
Na tampa da caixa, onde antes estava o papel, tinha escrito “para você”. Sorri fraco e desdobrei o papel. Não era uma música.


Capítulo 27 - E eu não me importo


Palavras. Palavras desconhecidas soando totalmente ilegíveis e indecifráveis aos meus ouvidos. Palavras que ao mesmo tempo que eu queria tanto compreender, já começavam a me incomodar. Palavras estas que pertenciam a língua portuguesa. Já disse que esse idioma é complicado? Já disse também que me arrependo de não ter aprendido outras palavras, frases, sentenças, qualquer coisa fora todas aquelas coisas que as fãs acabam nos ensinando quando vamos para o Brasil? “Oi, tudo bem?”, “eu te amo”, “água com gás” e alguns palavrões não vão me ajudar a entender muita coisa do que essas duas falavam agora.
Estalei a boca e me virei para .
- Você consegue entende-las? – perguntei indicando e que conversavam na cozinha.
já estava de banho tomado, toda arrumadinha com a roupa que ela mesma escolheu e com os cabelos soltos e bem penteados caindo sobre os ombros com leves cachos nas pontas, e agora sentada ao meu lado no sofá. também havia trocado de roupa e, quando indaguei sobre a quantidade de roupas que as duas tinham bem guardadas aqui, ela explicou que vinha para o apartamento de quando Robert viajava a negócios para não ter que ficar completamente sozinha com na casa deles.
Depois de convencê-la a pegar algumas daquelas peças de roupa para que as duas fugissem comigo de fato, nem que fosse apenas por algumas horas, desencadeou com uma conversa que a princípio não me parecia interessante, então me sentei no sofá a fim de espera-las para que seguíssemos o caminho que eu havia planejado de última hora; mas quando o celular de começou a tocar e ela automaticamente ignorou a chamada, a conversa das duas ficou cada vez mais longa, o tom de voz cada vez mais baixo e até mudaram do inglês para o português. Não que eu estivesse prestando atenção em sua conversa desde o início ou em tudo o que ela estava fazendo, na verdade eu estava bem tranquilo sentado no sofá, assistindo televisão e comendo waffles. Sim, para a minha felicidade, tinha waffles! Mas enfim eu acabei de comer os waffles, começou um programa chato na televisão e eu me vi entediado, pensando no que estava evitando ao ignorar aquela chamada. Eu só queria sair dali com as minhas garotas e, dependendo da situação, esperar nem sempre é o meu ponto forte.
levantou o seu olhar da boneca que repousava sobre o seu colo para mim e concordou à minha pergunta com um meneio de cabeça.
- Consegue me dizer sobre o que elas tanto conversam? – perguntei com o meu melhor olhar pidão, piscando repetidas vezes e ela sorriu tornando a olhá-las.
- Ahm... Mamãe está dizendo que... Que ela está preocupada... Não quer deixar a tia sozinha e a tia disse que ela tem que aproveitar e... Ops! – ela se interrompeu rindo ao levar a mão à boca e eu segui seu olhar até a porta da cozinha, de onde nos observava – Disse que eu estou te contando toda a conversa.
- ! – repreendeu a filha colocando uma das mãos na cintura.
- Desculpe, mamãe – ela disse e me olhou arqueando as sobrancelhas.
- Desculpe, mamãe – sorri fazendo-as rir.
balançou a cabeça negativamente tornando rapidamente a atenção para sua conversa com , que agora não tinha mais aquela touca térmica na cabeça. Dei um beijo estalado no rosto de , que sorriu para mim encolhendo os ombros, olhei para o meu relógio de pulso e me levantei seguindo lenta e calmamente em direção a cozinha. Seguindo em direção a , para ser mais exato. Suspirei e a abracei por trás, apoiando o queixo em seu ombro.
- , eu aposto um rim que o não aguenta mais ficar aqui – disse e eu ri fraco assentindo – Olha só pra cara dele!
- Eu sei, mas... – começou num tom exausto vendo a prima se virar para mim.
- , por favor diga a ela que eu vou ficar bem – ela gesticulou arqueando as sobrancelhas.
- , a vai ficar bem – eu disse endireitando a postura, mantendo minhas mãos em cada lado de sua cintura.
- Eu não disse?
- Ele não sabe o que está dizendo, .
- O que eu estou dizendo?
- Só a verdade – abanou o ar.
- ... – pegou a mão da prima e eu franzi o cenho estranhando aquela conversa, afastando-me um pouco para que pudesse ver seu rosto.
- Por que ela não ficaria bem, ? – perguntei e ela olhou para por cima do ombro antes de me encarar.
- Não dê ouvidos ao que ela diz, é uma exagerada! – rolou os olhos e tomou o rosto da prima entre as mãos a obrigando encará-la – Presta atenção, você finalmente está livre daquele casamento, então não seja cabeça dura agora e não se preocupe comigo. Eu vou ficar muito bem, obrigada, mas sei me cuidar.
Silêncio.
- Ok – assentiu entre um suspiro fazendo a prima sorrir abertamente e postar suas mãos sobre seus ombros, virando-a totalmente para mim.
- Agora você já pode levar, , as duas são inteiramente suas! – ela disse dando um leve empurrão na prima – Só quero que me prometa que cuidará bem delas.
- Pode deixar – sorri fraco colocando as mãos nos bolsos dianteiros da calça, ainda estranhando tal expressão preocupada no rosto de .
- Não esquece de dar banho, água, a ração da e... – ela dizia e eu ri quando lhe deu um tapa no braço – Outch! Levar pra passear de vez em quando também é bom.
- Idiota – ela rolou os olhos rindo e se aproximou um pouco de mim para dar espaço para que saísse da cozinha.
- Eu te amo, prima, você sabe.
- Já disse que isso não é amor, prima – ela respondeu ironicamente e riu seguindo em direção ao pequeno corredor.
- Vem, , me ajuda a pegar suas mochilas lá no quarto.
- Já estamos indo embora? – a pequena perguntou para a tia ao se levantar do sofá com a boneca em mãos.
- Não querendo já me despedir, mas vocês deviam ter ido embora há muito tempo – ela disse e nós rimos.
As duas seguiram para um dos quartos e e eu nos entreolhamos.
- Problema? – perguntei simplesmente e ela balançou a cabeça de leve. Não era um sim, mas também não era um não e isso não era nada bom.
- Quando voltaremos? – ela perguntou com calma ao envolver o cordão do capuz de minha blusa entre os dedos.
- Quando você quiser.
- Ok – assentiu.
- Problema? – repeti a pergunta e ela deu uma risada contida.
- Não! Bem, na verdade eu não estava assim tão certa sobre deixar aqui sozinha, mas se você diz que podemos voltar a qualquer hora... – ela encolheu os ombros abraçando-me pela cintura e eu sorri – Quero ir com você, tem muita coisa que ainda precisamos conversar.
- Não se preocupe. Teremos tempo de sobra e qualquer coisa eu ligo para o , – eu disse a abraçando pelos ombros e beijei sua testa ouvindo-a rir – tenho certeza de que ele não se importaria em vir aqui de vez em quando ver se está tudo bem com a .
- Olha, até que essa não é uma má ideia...
- O que não é uma má ideia? – ouvimos perguntar e viramos para ela.
- vir te fazer companhia – expliquei e assentiu sorrindo.
- É, deixa eu pensar... Não! – ela arqueou as sobrancelhas e se aproximou de nós.
- O tio é legal – ela disse segurando as alças da mochila em suas costas e comprimiu os olhos para a pequena.
- Ah, agora ele é seu tio?
- Eu gosto dele – ela deu de ombros e nós rimos.
- Você gosta é do jogo de videogame dele.
- Sim, e dos doces que ele me dá também.
- Traidora – ela abriu a boca incrédula apontando para , que nem se importou.
- Se essa menina aparecer cheia de caries, eu vou enviar a conta do dentista para o seu namorado – disse num tom brincalhão ao se separar de mim e eu peguei a mochila que carregava com as coisas da prima.
- Ele não é meu namorado – ela rolou os olhos – e outra, vive dando balas para .
- Que mentira! – eu ri.
- É sério, ! Pode ver o porta-luvas do carro dele, está lotado de doces.
- Traidora – eu a imitei e elas riram – Certo, agora chega de graça e vamos logo.
nos acompanhou até a portaria e, realmente, ela não estava querendo se despedir... Estava mesmo nos expulsando de seu condomínio ajudando a colocar as coisas e até dentro do meu carro. Expulsando e apressando, mas do seu jeito divertido e meio doido, que se dissipou rapidamente quando lhe deu um forte abraço.
- Não perca mais tempo, eu disse que tudo ia se ajeitar. – disse baixinho e beijou o rosto de antes de se virar para mim e me dar um abraço – Desculpe as brincadeiras, , por mim vocês estariam juntos há muito tempo!
- Por isso que eu te amo, – sorri esperando um “eu sei” como resposta, mas ela apenas riu me apertando brevemente entre seu abraço antes de se afastar – Se cuida!
- Podem exalar muito amor agora – ela gesticulou e e eu nos entreolhamos rindo.
- Vamos? – disse e eu assenti, abrindo a porta do passageiro para ela – Vai, , já pode entrar no seu condomínio!
- Ok, estou indo – riu acatando a advertência de , que logo deslizou para dentro do carro.
Fechei a porta e dei a volta do carro entrando no mesmo em seguida, acenou para a tia enquanto e eu colocávamos os cintos de segurança. Mais um último aceno e eu arranquei com o carro dali, já estava ficando tarde e ainda tinha que pegar as chaves com . Seria um longo dia e agora nós tínhamos apenas que desfrutá-lo.

’s POV

Passei as mãos pelo rosto e olhei pela última vez para trás ainda podendo ver aquela figura imóvel que provocava um enorme aperto em meu peito, mas não havia nada o que fazer. Era definitivo, acabávamos ali. Talvez fosse mesmo melhor assim. Entrei em casa mordendo os lábios para sufocar o choro, de cabeça baixa e em passos rápidos. Meu pai estava na sala sentado em um banquinho, mexendo em uma caixa e ao menos virou o rosto para me olhar quando eu fechei a porta. Ou talvez tenha virado e eu não notei. Ou talvez ele estivesse dormindo sentado, não sei, estava atordoada demais para prestar atenção nele. Subi as escadas até meu quarto e tranquei a porta atrás de mim. Três caixas e uma mochila tomavam agora o lugar de toda a mobília, a qual nós já havíamos nos livrado. Não havia mais coisas para empacotar, apenas caixas para lacrar. Respirei profundamente e comecei a arrumar mais uma vez tudo aquilo que havia dentro das caixas, apenas para me distrair, apesar de ter a certeza de que nada me ajudaria em tal tarefa, nada tiraria aquelas imagens de minha mente e menos ainda toda aquela angustia que eu sentia. Sorri amargamente. Ótimo jeito de finalizar a minha história na Inglaterra, sendo traída pelo namorado de escola.
- ? – ouvi a voz de meu tio no corredor e logo duas batidas leves na porta.
Olhei para o que tinha em mãos e só então percebi meu olhos marejados, estava chorando novamente. Terminei de fechar a caixa com uma fita adesiva e, limpando o rosto, eu me levantei para enfim abrir a porta.
- O que aconteceu?
- Ahm, nada. Por que? – cocei a nuca mantendo o olhar baixo.
- Eu estava indo pra casa, mas seu pai disse que você chegou meio estranha, pediu para...
- Tio, será que você pode me levar embora daqui? – eu o interrompi, finalmente o encarando e ele franziu o cenho.
- , seus olhos estão...
- Vermelhos, eu sei. – funguei passando o dorso da mão pelo nariz – Mas você pode? Pode me levar pra algum lugar, qualquer lugar longe daqui antes de irmos ao aeroporto?
- ...
- Eu não posso ir com você agora? – me apressei em dizer – Eu prometo que fico quietinha, não ocupo espaço. Você não vai nem notar a minha presença na sua casa.
- Tem certeza? – ele franziu o cenho – O que aconteceu, ?
- Eu só não quero... – suspirei fechando os olhos brevemente – Não consigo mais continuar nessa casa.
Ele me olhou por alguns instantes, como se me analisasse e então assentiu.
- Tudo bem, arrume suas coisas – deu um passo atrás e eu tentei sorrir. Tentei – Vou avisar seu pai que você vem comigo.
Assim que ele me deu as costas eu fechei a porta e corri para juntar tudo o que faltava. Tentando pensar em qualquer outra coisa, mas instantes depois eu me vi sem uma válvula de escape diante da caixa azul-bebê. O que eu vou fazer com ela agora? Sentei no chão abraçando minhas pernas e fiquei olhando para ela por segundos que pareciam uma eternidade, pensando que boa parte do que eu havia dito, no momento da raiva e da angustia, para há minutos atrás, se perdeu. O meu principal sentimento por ele continuava vivo. Não vou dizer que tudo bem ele ter feito o que fez, mas eu já sentia a sua falta e o queria de volta, pois nos tempos difíceis ele foi a minha fortaleza. Ele estava chorando, pedindo pelo meu perdão, e eu tive que me segurar para não o abraçar a fim de consola-lo e dizer que estava tudo bem, que nós ficaríamos bem.
Ouvi passos e virei o rosto para a porta que se abria novamente. Meu pai perguntou calmamente se eu tinha certeza de que não queria mais ficar na casa e eu olhei a minha volta assentindo. Não voltar mais aqui também significava um adeus para minha mãe.
Avisando que iriamos todos juntos para casa de meu tio, eles pegaram as duas caixas que tinha ali e eu me levantei colocando a mochila em cima do ombro, peguei a caixa azul-bebê e então nós deixamos o quarto em silêncio. Era estranho passar pelos cômodos e vê-los vazios, com as janelas trancadas e luzes apagadas. Eu fiquei parada na porta principal enquanto eles colocavam as caixas que restavam dentro do carro de meu tio, fiquei olhando para dentro daquela casa que logo não seria mais minha, tentando me lembrar apenas dos momentos bons, aqueles que valiam a pena serem lembrados.
- Pronta? Amanhã eu coloco a placa de venda. – meu tio me tocou levemente no ombro e eu o olhei – Espero que tenha se despedido de tudo, mas quem sabe um dia você não volta aqui?
Pisquei absorvendo suas palavras e lhe estendi a caixa que carregava até então, já decidida sobre qual seria o destino dela. Meu tio a pegou pela base e franziu o cenho, estranhando quando eu abri a mesma e comecei a revirá-la. Tirei de lá o rolo de filme para revelar com fotos da última viagem que fiz com e os meninos. Aquele rolo estava na minha mochila até hoje à tarde quando eu resolvi que deixaria a caixa com e até escrevi um bilhete para ele, mas agora, em um lapso, eu não mais queria deixa-lo para trás com todas as outras coisas.
- É, ahm... Eu vou precisar disso – expliquei e peguei a caixa de volta, correndo para colocá-la no primeiro degrau da escada e para voltar até a porta – Se vier aqui amanhã, você pode, por favor devolver a caixa? É dele.
- E se ele não vier? – perguntou e eu encolhi os ombros involuntariamente. Eu queria que ele viesse mesmo que eu não estivesse aqui, significaria muito. Suspirei.
- Jogue fora.

Se eu estava feliz? Sim, e o sorriso em meu rosto não me deixava negar isso. Agora eu realmente me sentia completa, me sentia livre de um peso em meu coração que esmagava minha felicidade e aniquilava com as esperanças de me sentir de tal forma novamente. Não tem como me sentir de outra forma com ao meu lado. Com ele eu podia fazer o que quisesse, não precisava ficar me policiando com o que diria e poderia agir por impulso, pelas emoções, simplesmente me deixando levar sem o constante medo de errar ou não agradar; não ficaria bravo de forma alguma e, a cada momento que ele demonstrava que não me prenderia se minha vontade fosse contrária da sua, o sentimento de que eu havia tomado a decisão correta aumentava. Foi a decisão correta para mim e eu sabia que estava tão feliz por isso quanto eu. Agora estávamos longe de problemas... Eu só não tinha certeza de até onde essa distância era saudável.
Se eu estava intrigada? Sim, mas procurei não deixar isso transparecer tanto, pois me sentia assim por dois motivos totalmente diferentes. O primeiro era que, antes de finalmente pegarmos a estrada, passou na casa de e pegou com ele um molho de chaves. Até disse a ele, como quem não quer nada, para que fosse visitar ainda hoje, coisa que eu aprovava com muito gosto. disse que nos levaria a um lugar que, apesar de ser dele no papel, era tanto dele quanto dos meninos do McFLY e quando um ia pra lá para ter um tempo para si, os outros ficavam em Londres. Tentei pressioná-lo mais um pouco para saber onde e como exatamente era esse lugar, mas ele disse simplesmente que não havia o que explicar, não era um segredo, menos ainda uma surpresa planejada.
- Relaxa – disse com um sorriso divertido após minha última tentativa fracassada para fazer com que ele dissesse algo.
Então suspirei apertando o celular entre uma das mãos, vendo árvores e mais árvores passarem correndo como borrões pela janela do carro. Eu odiava ficar grudada com o meu celular como se minha vida dependesse unicamente daquilo, mas era realmente necessário e fazia parte da segunda coisa que mais me deixava intrigada no momento: Robert.
Desde que sai de casa correndo com para encontrar , ele me enviou uma mensagem hoje de manhã perguntando onde eu estava e ligou uma vez enquanto ainda estávamos no apartamento de , mas por impulso eu acabei ignorando a ligação. Então sim, foi uma ligação, um “onde você está?” e só! Nada de “volte para casa agora” ou “estou indo te buscar”. Não, não houve nenhum tipo de imediatismo ou insistência de sua parte para que eu aparecesse de vez para enfrentar as consequências ou simplesmente lhe dar explicações. Essas eram coisas que sempre estiveram presentes entre nós e com as quais eu acabei me acostumando já que estava decidida a ficar com ele, ajuda-lo com o tratamento e então, depois de um tempo, passei a entender que aquela era uma necessidade de controle dele. Claro, eu não devia deixa-lo controlar tudo, estávamos trabalhando isso, talvez ele não fosse um caso perdido e eu devia, aos poucos, demonstrar que ele podia confiar em mim e que eu estaria por perto se fosse preciso... Mas agora isso de nada valia e eu estava preocupada com sua supressão repentina. E se ele tivesse feito alguma besteira? E se aquele sangue que vi em casa fosse mesmo dele? E se algo grave tivesse acontecido, mas não pela razão que eu imaginava? Neste caso, eu preferia pensar que foi ele quem revirou a casa, talvez assim me sentiria menos culpada por tudo! No momento seria ótimo, mas duvido muito que depois de encontrar minha casa naquele estado, Robert esteja tranquilo passeando por ai e conhecendo pessoas novas, tocando a vida assim que algo o fez perceber que eu não estava mais ali, que eu havia desistido do nosso casamento. Que eu, a pessoa em que ele devia confiar, havia desistido dele.
me disse muitas coisas, muitas verdades durante a nossa longa conversa na cozinha de seu apartamento. Ela queria que eu ficasse com , que me desligasse por um tempo de qualquer pensamento ruim para só depois contar a ele sobre o que aconteceu na Alemanha e então enfrentar Robert, mas ainda assim eu estava preocupada. Eu tinha certeza de que Robert não aceitaria bem a minha decisão de terminar tudo e tinha medo do que ele poderia fazer para tentar me machucar por isso. Na verdade meu maior medo sempre foi de ele resolver machucar alguém que eu amo para me atingir e isso eu não suportaria, seria demais para mim! Até hoje não tenho notícias de seu primo, então não quero chegar ao ponto de descobrir do que Robert é capaz para conseguir o que quer. Eu estava aqui com e , mas parte de meus pensamentos estava apenas desejando que tudo realmente estivesse se ajeitando, assim como disse.
- Com fome? – ouvi perguntar ao apoiar suavemente sua mão quente sobre minha perna e o olhei, sentindo um frio gostoso na barriga. Posso garantir a qualquer um que esse simples toque é a melhor forma de ser resgatada de pensamentos aflitos para o momento que deveria ser vivido plenamente.
- Não muita.
- Tem um posto aqui perto com um mercado bem grande e alguns restaurantes. disse que, pra variar, a dispensa da casa está completamente vazia, – ele riu – então teremos que comprar algumas coisas para sobreviver.
- Tudo bem. – eu ri por conta do modo como ele disse e apoiei a cabeça no banco para olhá-lo melhor – Diz pra mim, amor, para onde estamos indo?
- Mas eu já te disse – e me olhou brevemente.
- Estamos indo para a minha casa – dissemos em uníssono e eu rolei os olhos rindo – Você é tão chato.
- Se você me ama, confie em mim – ele disse com um sorriso divertido no rosto e eu abri a boca em incredulidade.
- Que chantagem baixa! – eu disse arrancando-lhe risos.
- Tive que apelar... Vai continuar a perguntar?
- Eu devia, só pra te pirraçar, mas não vou.
Dei de ombros ouvindo-o rir e olhei para por cima do ombro a fim de saber por que estava tão quieta. Ela já estava sem o cinto de segurança, deitada no banco de trás balançando sua boneca e os pés, que estavam apoiados na porta, no ritmo da música que soava pelos alto-falantes. Nada folgada essa minha filha.
- Nós já chegamos? – ela perguntou virando o rosto para mim.
- Não – disse concentrado no tráfego a nossa frente.
- Estamos chegando?
- Não.
Silêncio.
- E agora? – indagou e eu ri vendo sorrir balançando a cabeça em negação.
- Ela não vai fazer isso comigo, vai? – ele disse me olhando brevemente pelo canto dos olhos.
- Já está fazendo – eu ri.
- E agora? – e então ela se sentou encaixando o corpo no vão entre os bancos da frente com um sorriso divertido no rosto.
- Coloque o cinto, ! – ele advertiu e ela rapidamente o fez.
- E agora?
- Ainda não.
- Falta muito? – choramingou fazendo bico.
- Um pouco, por quê?
- É que eu estou com um pouquinho de fome, papai.
- Ah, agora está explicado – ele disse olhando-a pelo retrovisor e ela riu – Depois sou eu quem está sempre com fome, não é?
- Sim! – ela disse entre risos.
- Isso não é justo.
- Mas eu estou em fase de crescimento – ela arqueou as sobrancelhas, esperta, arrancando-nos risos.
- Quem te disse isso?
- Mamãe.
- Tudo bem, você venceu, princesa – ele disse com um sorriso divertido – Nós já vamos parar pra comer.
Eu assisti aquela cena com um sorriso bobo no rosto e dei uma risada contida ao ajeitar a postura, sentando-me corretamente sobre o banco. Agora eu conseguia entender porque ela estava dando uma segunda chance para as princesas dos contos de fadas... Era por causa de que a chamava e tratava como tal, levando-a para ver o Palácio e tudo mais. A verdade é que ela estava adorando tê-lo por perto e talvez se sentisse num conto de fadas por isso. Era engraçado vê-los agindo de tal forma, era natural, espontâneo. Em momento algum, desde que descobri que estava grávida de , eu duvidei de que a trataria bem ou que a assumiria como filha. Eu sabia que ele seria um bom pai se tivesse sua chance no momento correto. Este era o momento e agora eu estava tirando a prova disso.
Poucos metros depois avistamos o tal posto e já estava parando com o carro no estacionamento dali. Entrelaçando minha mão com a de , segurou a minha e nos guiou para dentro do estabelecimento, que era mesmo bem grande. De um lado ficava a entrada para o mercado e de outro uma praça de alimentação com apenas algumas franquias dos restaurantes mais conhecidos, assim como nos shoppings. Fizemos nossos pedidos e não demorou muito tempo para que já estivéssemos sentados em uma das mesas redondas que havia ali, a minha esquerda e a minha direita.
- Filha, deixe essa boneca de lado – eu disse vendo que ela não soltava a boneca nem para pegar seu copo de suco.
- Achei na casa da minha tia . – e levantou a boneca na altura de meu rosto antes de pousá-la sobre a mesa – Ela trouxe do Brasil, sabia?
- Não. – franzi o cenho olhando-a brevemente enquanto tornava a atenção ao meu prato – Mas como ela trouxe do Brasil se faz tempo que não viaja pra lá?
- Ela disse que vovô comprou para mim – ela deu de ombros e eu pisquei confusa.
- Seu avô?
- Aham.
Encarei a boneca em cima da mesa, absorvendo cada palavra, sem saber ao certo o que pensar sobre aquilo. Meu pai enviando um presente via correio para minha filha? Isso não é uma coisa que acontece com tanta frequência... Aliás, isso nunca aconteceu antes. Nem comigo, depois que minha mãe e eu nos mudamos para Inglaterra, ele fazia isso. E por que não me contou?
- Bonita, não é?
- Sim, – sorriu para antes que eu despertasse totalmente de meus devaneios – é muito bonita. Eu gostei.
Agradecida, sorri levemente e ele deu uma piscadela.
- Eu não vou mais para a escola? – franziu o cenho e nós rimos.
- Claro que vai! – eu disse entre risos.
- Desde que papai apareceu, eu faltei várias vezes e isso não pode – ela disse pendendo a cabeça levemente para o lado e a balançou negativamente.
- É, isso não pode – fiz o mesmo olhando para , que riu.
- A culpa é minha agora?
- Não, não é sua – eu ri – Mas teremos que voltar o quanto antes.
- A única coisa que eu não entendo é como ela gosta de ir pra escola – gesticulou – Eu não gostava nem um pouco, não deixaria a chance de faltar passar assim!
- Ainda bem que ela puxou a mim nisso, então. – sorri, exibida, e ele rolou os olhos ainda mantendo o sorriso no rosto – Não, na verdade ela tem uma apresentação e não pode ficar faltando tanto.
- Uma apresentação, é? – arqueou as sobrancelhas para , que assentiu reprimindo um sorriso – Por que eu não estava sabendo disso? – ele a questionou com o olhar e ela só se fez encolher timidamente sobre a cadeira.
- Ela e os amiguinhos da escola estão se preparando há um tempinho – expliquei olhando-o enquanto apoiava um dos baços no encosto da minha cadeira – Terá a turma do teatro e a do coral. está no coral e, se você quiser ir assistir, está convidado.
- Se eu quiser ir? – ele franziu o cenho rindo – É claro que eu quero! Só a ouvi cantando uma única vez.
- Pelo menos você ouviu – frisei minhas palavras e dei uma risada contida ao cutucar a barriga de , fazendo-a rir – porque essa menina não treina em casa.
- Eu não gosto de treinar na frente de todo mundo, tenho vergonha – ela cruzou os braços, levantando e virando levemente o rosto para a cadeira vazia ao seu lado.
- Sem contar que sua mãe ficaria babando, não é? – ele disse e eu abri a boca, incrédula.
- É...
- O que? Eu não fi... – comecei, mas logo me interrompi quando arqueou uma das sobrancelhas para mim, então rolei os olhos – Ok, eu ficaria. Mas eu sou a mãe e isso faz parte.
- Eu sei – ele riu e tornou seu olhar a – Mas não precisa ter vergonha, pequena, é só fingir que está sozinha – deu de ombros e ela o olhou de soslaio – Finja que está no seu quarto, brincando e se divertindo e tudo dará certo! Só não se empolgue tanto para não sair dançando por ai de um jeito que você não queira que os outros vejam.
- Experiência própria? – comprimi os olhos passando meu braço por baixo do dele para apoiar minha mão em seu ombro, e sorriu de lado.
- Talvez.
- Então nada de roupa de baixo? – ela perguntou desfazendo um pouco de sua postura resistente e rapidamente franziu o cenho em confusão.
- Imaginar as pessoas da plateia com roupa de baixo – expliquei vendo-o arquear as sobrancelhas e rir.
- Não, isso não funciona! – ele disse entre risos – Bom, pelo menos não comigo, porque na hora eu me imagino apenas com as roupas de baixo e isso seria muito desconfortável se acontecesse de verdade.
- Ok, eu posso tentar treinar de vez em quando – ela disse com um meneio de cabeça, tornando a atenção ao pouco de comida que restava em seu prato.
sorriu para mim e pegou seu copo para tomar último gole de seu suco enquanto eu cruzava minhas pernas, automaticamente me aproximando mais dele, que passava suavemente a ponta de seus dedos pelo meu braço descoberto até meu ombro, afastando alguns fios de cabelo. Encostei meus lábios em seu ombro coberto apenas pela camiseta cinza e fechei os olhos brevemente, sentindo o calor que seu corpo emanava. Suspirei lentamente e, deixando que seu perfume a extasiasse, eu sorri fraco, agradecendo que ninguém ali tinha o poder de ler mentes, pois os pensamentos e lembranças que agora inundavam a minha não eram nem um pouco apropriados para , o horário ou o lugar onde estávamos no momento. Parecia-me que os efeitos que causava sobre mim haviam se intensificado nos últimos tempos.
- Ela disse nada de roupa de baixo e eu já estava achando que ela queria se apresentar sem as próprias – ele disse baixinho ainda com o copo entre os lábios e eu ri contra sua camiseta, mas se ele queria algum tipo de discrição, perdeu a chance assim que começou a rir junto comigo, pois logo estávamos gargalhando.
- Eu vi que você ficou confuso demais com uma pergunta tão simples.
- Fiquei preocupado – gesticulou com a mão livre entre um suspiro ao nos recuperarmos dos risos – Imagine a cena!
- Teria que arrancá-la do palco.
- E vesti-la.
- E chamar a atenção dela.
- Dar uma de pai sério e correto antes do que imaginei.
- Seria engraçado.
- Não seria, não – ele fez bico sem a real intenção e nós rimos.
- Então você quer ser o pai divertido?
- E deixar para você a tarefa de dar broncas? – ele perguntou envolvendo minha cintura com o braço livre, puxando-me para mais perto de si, e me roubou um selinho – Claro!
- Se você soubesse o quanto eu perco para um belo par de olhos , não diria uma coisa dessas – disse calmamente, vendo-o arquear as sobrancelhas.
- Nossa, como você é romântica! – ele disse segurando o riso e eu rolei os olhos, virando o rosto.
- Ah, !
- Desculpa, amor, fiquei com vergonha das suas palavras bonitas.
- Não sei por quê, eu estava falando de , não de você.
- Mas ela tem os meus olhos !
- Grande coisa. Nem ligo – dei de ombros.
- Ah, liga sim – ele disse entre risos ao tocar meu queixo, obrigando-me a encará-lo, e selou seus lábios aos meus.
- Você está adorando me provocar, não é? – disse com meus lábios levemente encostados nos seus, ainda que meio embriagada.
- É que eu te amo – riu fraco antes de me beijar novamente, até que ouvimos um leve pigarro ao meu lado e então nos separamos. – Ih! Eu conheço essa carinha.
Por curiosidade, eu apenas a olhei. Também conhecia aquela carinha e sabia, assim que acertou sua postura, que ela queria falar ou perguntar algo que julgava ser muito importante, algo pertinente àquele momento. Eu já conseguia imaginar o que estava pipocando na cabeça de minha filha, até mesmo porque, como sempre conversávamos e eu tentava explicar tudo a ela, dessa vez nada lhe foi exatamente esclarecido. Ela dispensou respostas sobre Robert e sobre o estado de nossa casa na noite passada, mas com certeza não faria o mesmo com as respostas que envolvessem seu pai.
- Vocês estão namorando agora? – disparou enfim, fazendo com que e eu nos entreolhássemos.
- Estamos?
- Não sei. Estamos?
Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas nos questionando com o olhar de um jeito descontraído, sem sinal algum de cobranças. Sabíamos que não havia razão para nos definirmos naquele exato momento e que, de qualquer forma, nossa decisão silenciosa era de que daríamos nossos próximos passos juntos, com calma e certeza. Não devíamos nos precipitar diante das indagações de e dar a ela expectativas sobre algo que já ansiava, ainda mais se levarmos em consideração que a minha relação com Robert não estava oficialmente acabada.
sorriu dando de ombros e virou-se novamente para a pequena, que nos observava atentamente.
- Não tem uma pergunta mais fácil, não? – perguntou e eu rolei os olhos rindo enquanto curvava o tronco levemente para frente, aproximando-me mais de ao apoiar um dos braços sobre a mesa.
- Hm... Acho que posso te dizer que nós dois estamos juntos agora – eu disse ainda procurando as melhores palavras para me expressar – E que vamos tentar fazer isso dar certo.
- Vai dar certo – interveio debruçando-se sobre a mesa e eu concordei com um meneio de cabeça.
- É o que queremos. – eu disse olhando-o brevemente por cima do ombro e ele assentiu – Sei que você gosta de nos ver assim, , mas vamos com calma, ok?
Silêncio.
- É por isso que você não está usando aquele seu anel brilhante? – ela perguntou tocando meu dedo anelar com a ponta de seus dedos, exatamente onde a aliança de noivado ficava.
- Sim. Aquele anel brilhante, a aliança, significava meu noivado com Robert, lembra-se? – comecei vendo-a assentir – Então, eu não vou mais usá-lo.
franziu o cenho ainda encarando meus dedos, parecendo tentar absorver cada uma de minhas palavras para que não lhe escapasse um único detalhe que pudesse ajudá-la a entender tal situação e, por fim, olhou de mim para , deixando que um leve sorriso brotasse em seus lábios rosados.
- Eu disse que hoje seria um dia bem legal – ela disse encolhendo os ombros, toda satisfeita com o que viu e ouviu.
- Sim, você disse. – sorri fraco e encarei para , vendo-o sorrir da mesma forma e lhe dei um beijo no rosto antes de retornar minha atenção para , arqueando as sobrancelhas para ela – Não tem mais perguntas?
- Ah, algumas... Mas nenhuma vai ter uma resposta tão boa quanto essa, mamãe – e balançou a cabeça negativamente.
- Ok, mas qualquer coisa você sabe que é só falar comigo, certo?
- Aham!
- Então vamos às compras? – perguntei para , que logo ajeitou sua postura.
- Claro, você que manda.
Nós três nos levantamos e saímos dali em direção ao mercado. Suspirei vendo pegar um carrinho e logo nos conduzindo para um dos corredores, só então percebendo que eu estava fazendo tudo tão despreocupadamente que nem parecia que estava há um passo de terminar meu noivado com Robert. Era melhor nem pensar muito sobre isso, então tornei minha atenção a , que se soltou de minha mão e começou a correr pelo corredor para provavelmente chegar a um produto em especial que lhe chamou a atenção, mas que eu não conseguia enxergar de onde estava.
- ! – chamei e ela parou virando-se para mim – Não vá tão longe, fique onde a gente possa te ver, ok?
- Ok!
- Pode pegar tudo o que você quiser, pequena – disse e ela abriu um instantâneo sorriso de orelha a orelha, acho que até podia ver seus olhinhos brilhando de longe.
- Sério, essa é a pior frase que existe! – olhei para balançando a cabeça negativamente e ele riu – Prepare-se para perseguir essa menina pelo mercado inteiro. E para pagar o mercado inteiro também.
- Se ela estiver se divertindo, por mim tudo bem – ele deu de ombros e eu sorri o abraçando de lado, sentindo-o passar um dos braços sobre meus ombros, ainda empurrando o carrinho.
- Anw, quero te ver falando isso com o mesmo bom humor daqui sete anos. – disse irônica e ele riu antes de beijar minha testa – Melhor não deixa-la mal acostumada.
- Já disse que serei o pai divertido – me olhou de soslaio sorrindo e eu rolei os olhos rindo.
- Como quiser. O que você vai comprar exatamente?
- Hm. Congelados, coisas instantâneas – ele disse em tom de dúvida, com cautela.
- É sério isso? – eu me soltei dele não conseguindo evitar o olhar incrédulo.
- Você sabe que eu tenho uma queda por comida que não presta, .
- Ai meu Deus, ! – disse categoricamente, arrancando-lhe risos.
- Droga, eu sabia que estava me esquecendo de algo. Devia ter trazido a Poppy para cozinhar pra gente! – estalou a boca ao dar um soquinho no ar e nós rimos – Está vendo como não é nenhuma surpresa planejada?
- Ei! Não precisamos da Poppy – me apressei em dizer vendo-o arquear uma das sobrancelhas para mim logo em seguida.
- E isso é ciúmes, ou...? – ele sorriu de lado, parando para analisar uma caixinha de suco natural na prateleira, mas logo deu alguns passos cegos para trás, pegando duas garrafas de dois litros de Coca-Cola. , geração saúde.
- Claro que não! Só estou dizendo que eu sei cozinhar, ok? – justifiquei-me comprimindo os olhos para ele, que se virou para mim sem tirar o sorriso do rosto – E você também sabe, seu preguiçoso.
- Hm, tenho minhas dúvidas sobre isso... Acho que você terá que provar.
- Na verdade, farei melhor do que isso – franzi o cenho ao ver tanto quanto colocarem garrafas de refrigerante dentro do carrinho. Eles acham mesmo que nós vamos beber tudo isso? – Vou tomar a frente dessa compra e você vai cozinhar para nós – eu disse colocando as mãos na cintura e os dois me olharam – O que foi?
- Eu, cozinhar? – disse e riu com gosto – Sua mãe está ficando louca, .
- Não entendi qual a graça. Seu pai sabe cozinhar, – eu disse devolvendo as duas garrafas de Coca-Cola a seus lugares na prateleira e ela riu mais, então me virei para .
- Nem vem, !
- Se você me ama, cozinhe para mim – eu arqueei as sobrancelhas fazendo-o gargalhar.
- E o feitiço vira-se contra o feiticeiro... Justo, mas acho que a gente vai acabar se dando mal com essa chantagem.
- Agora você está em débito comigo. – sorri tomando o controle do carrinho de compras – Já pode ir pensando no que vai precisar para o nosso jantar.

Será que eu desembarquei por engano na escala que fizemos no inferno e esqueceram de me avisar? Que calor é esse, Brasil? Não me lembrava que aqui era assim tão quente! Eu estava praticamente com o rosto grudado no ventilador, pedindo à Deus por um ventinho mais frio, por um pouco de chuva para refrescar, por flocos de neve... Droga! Em pensar que eu ainda não tinha a menor ideia de quando teria a oportunidade de ver e tocar a neve novamente. Eu já estava sentindo falta disso e posso garantir que não era só porque seria conveniente neste momento. Fazia poucos dias que eu havia deixado minha vida – ou o que restava dela – na Inglaterra para trás para viver com meu pai aqui no Brasil. A casa dele não era assim tão diferente da que um dia foi minha e de minha mãe, a única coisa era que a dele não tinha um segundo andar nem suítes, apenas um banheiro para a casa toda. Eu fiquei com o quarto que antes era de hóspedes, mas que parecia não receber um há muito tempo. Eu também não vinha aqui há muito tempo e meu pai parecia não esperar ou estar preparado para a minha visita tão cedo, então aquele cômodo estava mais para um quartinho de bagunça. Tive que limpar tudo ali antes de desempacotar minhas coisas e colocar tudo em seu novo lugar. Não era o meu quarto, eu não sentia como se aquela fosse minha casa, mas acredito que com o tempo eu iria me acostumar. Com a cama, por exemplo, eu me acostumei rapidamente, já que era onde eu passava a maior parte do tempo. Só me levantava para usar o banheiro e para assaltar a geladeira, ainda não tive o prazer de passar um tempo assistindo televisão no sofá da sala ou de ter alguma refeição na mesa da cozinha. Estava tão calor que eu me sentia extremamente cansada mesmo fazendo nada o dia inteiro e tinha que tomar ou comer algo gelado a todo momento. Mas algo doce de preferência. Sorvete era sempre uma boa pedida e dane-se se eu fosse engordar e se minhas roupas não me servissem mais daqui um tempo. Aliás, dane-se tudo!
Bufei tomada pelo tédio e me joguei pesadamente sobre minha cama, passando a encarar o teto branco sem conseguir evitar o pensamento de como tudo seria agora se esse último mês não tivesse acontecido. “E se...?”. Essa pergunta é horrível, eu sei, mas ela vinha me perseguindo por ai, martelando em minha cabeça para receber um pouco da atenção que sabia que conseguiria com incrível facilidade.
Virei-me de bruços e fechei os olhos, quase adormecendo quando ouvi duas leves batidas na porta. Permaneci imóvel pensando que fosse meu pai. Não queria falar com ele agora pois todas as conversas que se iniciavam entre nós eram desconfortáveis e eu só queria um tempo sozinha, mesmo que ele não ficasse o tempo todo em casa. Hoje mesmo ele foi ver a escola que eu passaria a frequentar ainda naquela semana. Ah, sobre isso: minha animação para voltar a estudar é inexistente.
- ! – ouvi uma voz feminina romper o silêncio e a porta se fechando com força, fazendo-me virar assustada em direção ao som.
- Eu? – franzi o cenho para a criatura de cabelo roxo, que sorria pra mim.
- Se você falar que não se lembra de mim, eu vou te dar uns tapas.
- ? – arregalei os olhos sentando-me corretamente sobre a cama e ela sorriu ainda mais puxando e obrigando-me a levantar para lhe dar um abraço – Senhor amado, o que aconteceu com o seu cabelo? Perdeu uma aposta ou algo assim?
- Claro que não, sua vaca – e se soltou de mim – Resolvi mudar um pouco.
- Mas seu cabelo era tão bonito...
- Ah, valeu por querer dizer que agora ele está feio! – rolou os olhos sentando-se em minha cama e eu ri fazendo o mesmo – Vou ignorar esse fato, ok? Obrigada.
- Não está feio. Eu é que vou precisar de um tempinho para me acostumar com ele assim. – eu disse tocando uma mecha com a ponta dos dedos e ela sorriu – Vou ter que me acostumar com muita coisa, na verdade.
Silêncio.
- Sinto muito pela sua mãe. – ela disse abaixando brevemente o olhar e eu apenas assenti mordendo os lábios – Mas ahm, como estão sendo os seus primeiros dias aqui?
- Sinceramente? Não muito bons. – eu ri fraco – Acho que me desacostumei com o clima daqui, sei lá! Tenho me sentido muito mal, enjoada e fico mole quase que o dia todo.
- Credo, sai pra lá, sua doente! – ela riu me empurrando levemente pelo ombro – Espero mesmo que seja só o tempo, porque você vai estudar na minha escola e não quero apresentar uma moribunda para os meus amigos.
- Eu já estou super animada para enfrentar uma nova escola mesmo – sorri irônica.
- Sei que você sente falta do pessoal de lá, do namorado... – ela disse entre risos e eu suspirei rolando os olhos com a última parte, coisa que não deixou escapar – O que foi?
- Nada.
- Como “nada”, ? Que cara foi essa quando eu disse “namorado”? Seu pai falou que você tinha um namorado... Ah! Vocês já haviam terminado antes disso tudo? Como foi? – ela disparou as perguntar e me levantei seguindo para a porta – Pra onde você está indo?
- Ai, cacete, ! Eu estou apertada e preciso mijar! – gesticulei impacientemente e ela arregalou os olhos levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência.
- Está bem, sua maluca!
- Desculpa, eu já volto e conto tudo o que você quiser saber – eu ri vendo-a assentir com um sorriso no rosto.
Deixei o quarto e quando cheguei a porta do banheiro, ouvi uma voz que não me era totalmente estranha. Dei mais alguns passos logo reconhecendo que minha tia, mãe de , também estava aqui. Pensei em ir até a cozinha para cumprimenta-la, mas eu estava tão apertada e não...
- Mas e ? – a ouvi dizer e interrompi meus pensamentos no mesmo segundo – Como ela está reagindo à toda essa mudança?
- Eu não sei, nós quase não conversamos. – meu pai disse – Ela fica o dia todo dentro do quarto e se emitiu um único som hoje, foi muito.
- Vocês devi...
- Não!
- Mas...
- Eu vou precisar da sua ajuda, sério! Acho que não vou conseguir ficar com ela por muito tempo aqui. Sei que vai acontecer o mesmo que aconteceu com Sue. – ele a interrompeu dizendo tudo de uma vez, quase que atropelando as palavras – Toda vez que eu olho pa...
Franzi o cenho sentindo um estranho nó na garganta, meus olhos arderem e os ouvidos taparem, dei alguns passos cegos para trás apoiando-me na parede para finalmente entrar no banheiro e trancar a porta do mesmo. Não estava mais ali pela minha vontade inicial, mas para vomitar boa parte do que havia ingerido poucas horas atrás. Legal, será que tem como as coisas piorarem?
Bom, eu tinha certeza que sim, mas preferia continuar colocando a culpa de meus sintomas no clima quente do Brasil.

- Prove!
- Não mesmo – eu disse entre risos balançando a cabeça negativamente.
- Qual é? Você me chantageia, diz que cozinho bem e que quer que eu faça o jantar para vocês, mas não quer nem provar? – ele riu apontando para mim com a colher de pau coberta por molho.
- Tem razão, mas eu não quero ser sua cobaia. Prove você primeiro.
- Ok... – ele disse passando o dedo indicador pela colher e levou-o até a boca em seguida, fazendo careta de nojo.
- Eca, está tão ruim assim? – fiz careta também e ele riu, relaxando as expressões.
- Que nada, tonta, está bom pra caramba! – ele disse se aproximando da cadeira onde eu estava sentada com a colher em mãos – Prove.
apoiou a mão livre na mesa, curvando levemente o troco em minha direção, estendendo-me a colher e, assim como ele havia feito segundos atrás, eu passei meu dedo indicador pela colher e provei, logo arqueando as sobrancelhas em aprovação para ele, que sorriu.
- Uma amostra da minha recompensa, por favor – pediu e eu lhe beijei os lábios antes que ele se afastasse um pouco – Obrigado.
E ele então voltou para o fogão. Situação da qual ele alertou para que eu não me acostumasse, pois colocar um avental para cozinhar não era uma coisa que ele fazia sempre! O que era realmente uma pena, pois eu gostei de vê-lo assim.
- Mamãe, achei! – entrou na cozinha com uma caixinha em mãos – Vamos jogar.
- Ah não, eu vou perder como sempre – fiz bico enquanto ela me puxava pela mão.
- Mas você disse que jogaria comigo.
- Ok, ok... Vamos – dei-me por vencida e segui com ela até a sala de televisão.
E pensar que fora um enorme sacrifício fazer compras com e , pois ela colocava as comidas porcarias e doces, eu tirava e colocava tudo de novo dentro do carrinho. Acabou que quando chegamos ao caixa, nosso carrinho estava lotado e eu tive que tirar boa parte fazendo-os escolher entre um produto e outro. Era um exagero a quantidade de coisas que eles tinham pegado, não consumiríamos tudo nem se , , e os garotos do McFLY estivessem com a gente! Pois é.
Depois de mais um pouco de estrada, em torno de uma hora e meia de viagem no total – sem contar a nossa parada –, chegamos ao nosso destino. Estávamos na costa sul da Inglaterra. Em meio a vários chalés, havia aquela grande casa de madeira em cor creme, com as colunas da pequena sacada na entrada, as portas e janelas em um tom verde escuro. Na verdade o grande número ou o tamanho das janelas costumavam me incomodar, eu gostava de ter certeza de teria privacidade sempre que precisasse, mas neste caso era diferente pois a maioria delas dava-se para os fundos da casa, onde tínhamos a vista privilegiada da praia deserta de águas extremamente azuis e dos majestosos penhascos brancos. Chegamos quando o pouco que podíamos ver do sol estava começando a se pôr, então apenas colocamos nossas coisas dentro da casa, guardamos as compras e fomos até a praia para caminhar um pouco antes que escurecesse e esfriasse de vez. Poderíamos conhecer melhor a casa mais tarde. Para estava tudo perfeito até então, mas e eu logo cansamos de andar e nos sentamos na areia apenas observando a pequena, que riscava o solo com um graveto que ela havia encontrado por ali.
É incrível como o tempo passa voando quando estamos vivenciando um bom momento. Em um segundo já era tarde e nós estávamos todos juntos em torno da mesa da sala de jantar, comendo, entre conversas e risos, o que havia preparado; em outro eu estava sentada na beirada da cama de solteiro em que dormia tranquilamente. Podia ser um delírio meu, mas eu podia jurar que ela mantinha um sorriso quase que imperceptível em seu rosto sereno, um sorriso que se refletiu em mim. Depositei um beijo no topo de sua cabeça e deixei o quarto com a porta entreaberta, descendo as escadas e seguindo para a frente da casa, onde estava sentado em uma das poltronas de vime. Apertei o casaco contra o corpo e, quando me aproximei, me olhou estendendo a mão e eu a toquei fazendo menção em me sentar na poltrona ao seu lado, mas ele me puxou para seu colo, envolvendo minha cintura com um dos braços.
- Ela dormiu? – perguntou enquanto eu me ajeitava, passando meu braço sobre seus ombros e ele trouxe meus pés para cima da poltrona.
- Uhum! Conversou um pouquinho, abraçou a boneca e apagou. – assenti e ele riu fraco – Ah, e parabéns pelo jantar, estava ótimo. – e lhe dei um beijo rápido – Aliás, o dia foi ótimo.
- Foi? – ele perguntou roçando seus lábios aos meus e eu senti sua mão livre passear vagarosamente pela minha perna – Mas quem disse que ele já terminou?
Sorri e fechei os olhos quando avançou contra meus lábios sem pressa, iniciando um beijo calmo enquanto sua mão alcançava minha cintura, massageando-a por baixo de todo o pano que eu usava para me aquecer. Enrosquei meus dedos em seus cabelos mordiscando seu lábio inferior e nós nos afastamos um pouco. sorriu de lado.
- Eu disse que daria um jeito – ele disse, fazendo-me sorrir também – e nós estamos aqui agora! está feliz, eu estou...
- Eu também. Acho que já deu de ficar longe, cansei – disse afagando seus cabelos e ele riu.
- Já deu de se envolver com outras pessoas também, por favor.
- Se pensarmos bem, isso não é exatamente um problema para você, não é? Já que eu terminei com Joey e vou terminar com Robert só por sua causa.
- Você foi feita para ficar comigo, conforme-se – ele disse sério por um momento, arqueando as sobrancelhas e então nós soltamos risadas contidas.
Silêncio.
- E eu faria o mesmo por você.
abaixou o olhar e entrelaçou sua mão a minha e eu suspirei encostando minha cabeça na curva de seu pescoço, permanecendo sob o nosso silêncio confortável por alguns instantes.
- Posso perguntar uma coisa? – ele disse e eu apenas assenti – Por que você estava tão preocupada em deixar sozinha?
Fechei os olhos brevemente, sentindo que não estava tão nervosa ou ansiosa quanto hoje mais cedo. A segurança ali era palpável. Então fixei meu olhar em nossas mãos unidas sobre minhas pernas.
- Acho que talvez Robert queira procura-la para saber de mim. – disse calmamente, tornando a olhá-lo – Na verdade, , eu preciso te contar uma coisa.

Capítulo 28 – Apenas fale comigo


- ? – ele se mexeu sobre a poltrona, para que pudesse me olhar de frente, fazendo-me tirar meu braço de seus ombros – O que foi?
- É que...
- Você está me assustando com esse suspense todo. – ele me interrompeu com o cenho franzido e soltou sua mão da minha – Não vai me dizer que está grávida de Robert, vai?
- Não! – eu ri do desespero dele – Claro que não.
- Então está doente? É o mesmo que sua mãe tinha? Por favor, diz que nã...
- Calma, amor, não é nada disso. – eu disse entre risos, tocando seu rosto brevemente para que ele me olhasse nos olhos – Eu estou bem, ok? Agora não desvie minha atenção, assim não consigo falar.
- Você já não estava falando muita coisa mesmo – ele deu de ombros rindo e eu rolei os olhos.
- Eu nem demorei tanto assim para falar.
- Você que pensa. Eu poderia ter infartado com a sua pausa dramática.
- Que exagero, ! – eu lhe dei um leve tapa no peito ao reprimir o sorriso e ele me roubou um selinho – Será que eu posso? Se eu não falar agora, não falo nunca mais.
- O assunto é sério assim? – perguntou franzindo levemente o cenho e eu assenti.
- É muito importante.
- Então, quando estiver pronta, pode falar.
- Ok. Ahm... – suspirei – Bom, na verdade, é sobre Robert que eu quero falar contigo – comecei vendo arquear uma das sobrancelhas – e sobre eu não... Não tê-lo deixado antes pelo fato de ele ter sérios problemas e precisar de tratamento.
Breve silêncio.
- Tratamento? – ele disse em um tom mais baixo, cauteloso, mantendo a mesma expressão em seu rosto.
- Sim. Erm... Você chegou a pensar que talvez eu estivesse te usando, o que é perfeitamente compreensível diante de nossas circunstâncias, – frisei minhas palavras com um meneio de cabeça, olhando brevemente para meus dedos que se entrelaçavam sobre meu colo – mas há muito tempo que eu queria mesmo estar contigo. Assim, como estou agora! Só não sabia... E ainda não sei, na verdade, como enfrentar esses problemas que apenas descobri que Robert tinha, quando já fazia dois anos que estávamos juntos e nós vivíamos na Alemanha.
- , de que tipo de problemas você está falando exatamente? – perguntou com calma, comprimindo os olhos para mim.
Certo, era agora. Umedeci os lábios e tentei aquietar minhas mãos. Eu estava começando a ficar um tanto ansiosa e isso era notável, então cruzei os braços. Na verdade, eu tinha vergonha de falar sobre aquele assunto com qualquer pessoa, até mesmo com , mas sabia que era necessário contar a . Se eu quisesse um novo recomeço, era justo com nós dois que ele soubesse o que havia acontecido em um passado não tão distante. Era justo que eu tentasse, ao menos, explicar minhas ações nos últimos tempos, pois não havia dúvidas que muitas delas o enlouqueciam.
- Para controlar a raiva. – eu disse por fim – Ele... Já é um tanto possessivo, mas costuma ficar muito nervoso quando algo o tira do sério ou não ocorre de acordo com suas expectativas, principalmente quando é com relação a mim. Ele fica irreconhecível, intolerante e agressivo e... Já perdeu o controle a ponto de me bater algumas vezes – e mordi o lábio inferior vendo seus olhos se abrirem em surpresa tão rapidamente quanto seu rosto se fechou em uma expressão dura.
- Isso é sério?
Assenti levemente e vi, com seu maxilar travado e apoiando o cotovelo no braço da poltrona, desviar seu olhar do meu para um ponto fixo qualquer à sua frente ao estralar dedo a dedo de sua mão.
- Algumas vezes? – seu tom grave se elevou.
- Foi por ciúmes. Um ciúmes que agora já não posso mais julgar como infundado – eu disse mais para mim mesma do que para ele, que balançou a cabeça negativamente.
- , como...? – ele deu um suspiro pesado passando uma das mãos nervosamente pelos cabelos e apertando minha cintura com a outra, trazendo-me para mais perto de si – Eu sabia que tinha algo de muito errado com ele. Eu sabia. Mas por que você não me disse isso antes? Durante todo esse tempo você esteve nas mãos daquele filho da puta e agora...
- Agora eu estou bem – eu me apressei em dizer e ele riu sem humor.
- Já seria um completo absurdo ele apenas pensar em levantar um único dedo para te machucar! – e me encarou com seus olhos fulgurantes – Eu vou matar aquele desgraçado.
- Não, , não... Este não é o problema agora, , eu já superei. – apressei-me para explicar, mas ele me parecia impassível – Estou até surpresa em como não estou tremendo ou gaguejando para te contar tudo is...
- É, eu também estou surpreso, já que não é uma coisa simples! – ele disse sério, firme, gesticulando em incredulidade – E você disse Alemanha?
- Disse.
- Então foi isso o que aconteceu na Alemanha e que você não queria, de forma alguma, me contar? Por isso que quando vocês dois brigaram no corredor do apartamento de , eu te ouvi chorando e dizendo que não queria voltar pra lá?
Assenti calmamente à suas perguntas e então contei tudo o que havia acontecido durante o tempo em que e eu estivemos com Robert na Alemanha, vivendo na casa e com a família dele. E, para que entendesse minhas motivações, contei também como éramos antes dessa mudança. Contei que éramos um casal como qualquer outro, com briguinhas à toa e ciúmes que até então me pareciam bobos. Nunca sequer imaginei que poderíamos chegar a tal ponto, pois depositei em Robert as esperanças que tinha para minha vida enfim entrar nos eixos, afinal era com ele que eu estava há tanto tempo e nossa relação tinha muito para dar certo.
Eu sabia que não amava Robert suficiente para corresponde-lo logo de início, ele também devia saber, mas achei que poderia aprender com o tempo, achei que valeria a pena insistir em nós. E mais uma vez eu me enganei. Robert necessitava, além de um bom tratamento, de alguém que o amasse acima de tudo, alguém que pudesse realmente ajuda-lo e que estivesse sempre ao seu lado para apoia-lo. Eu tentei por muito tempo, mas nunca seria nem suportaria ser essa pessoa. É uma relação muito intensa e sobrecarregada para mim.
ainda estava com o cotovelo apoiado no braço da poltrona e seus dedos agora cobriam a boca de um rosto que expressava nada menos do que repulsa pelo que ouvia de mim, seu olhar estava atento aos meus movimentos e analisavam minuciosamente cada parte de meu corpo em que eu mostrava como já havia sido machucada uma vez.
Em certos momentos enquanto falava, passando as mãos no pescoço, por exemplo, eu me lembrava dos dedos que se fechavam ali sem medir força, da falta de ar e do desespero, que se acumulava em um grito preso em minha garganta e se dispersava pelos meus membros, imediatamente procurando por uma forma de me soltar; em vários momentos eu vi meus olhos marejarem com a lembrança daquele que me encarava com uma fúria tão grande e tentei engolir a seco para me manter firme, mesmo quando tocou meu rosto com suavidade ao querer me confortar. Eu não queria ser mais tão fraca e sempre ceder tão facilmente às ameaças, não queria mais sentir medo e estava decidida a isso.
- E ? – me olhou ansioso – Ele não...
- Não, nunca! – eu me apressei em dizer balançando a cabeça negativamente – Na Alemanha, quando isso acontecia, os pais de Robert já tinham saído com ela. Eles são aposentados e ricos, fazem o que querem na hora que querem, então sair com para distraí-la nunca foi um problema. Ela não faz ideia do que aconteceu comigo enquanto vivíamos lá, só sabe que eu fiquei “fora” por algumas semanas. O tempo em que fiquei trancada no quarto. – expliquei – E aqui na Inglaterra nada aconteceu com nenhuma de nós, pois Robert logo começou com o seu tratamento e as coisas se acalmaram entre nós.
- Você tem certeza de que aqui nada aconteceu contigo? – ele perguntou e eu dei de ombros, estranhando seu tom de desconfiança.
- Sim, ele está se controlando.
- Quando você aprendeu a mentir? – ele disse num tom severo e eu franzi o cenho.
- Eu nã...
- Eu me lembro bem, , lembro de uma marca roxa no seu pulso no dia em que você dormiu no meu apartamento e eu estava doente. – disse tentando controlar seu tom e eu franzi o cenho levemente, impressionada com sua boa memória, então ele puxou meu braço descobrindo-o, indicando o pulso agora sem marca alguma – Eu perguntei e você, mais do que rápido, cobriu o pulso dizendo que era uma descuidada e que eu não devia me preocupar. Mas uma marca assim você não consegue por acidente e eu, idiota, te ouvi e ignorei.
- Erm... Bom, eu havia esquecido, mas isso foi...
- Ele.
- Sim, mas...
- E aqui na Inglaterra nada aconteceu, ? – ele disse incrédulo – Como você pode esquecer uma coisa dessas?
- Isso não é nada comparado ao que já aconteceu antes... – eu disse, sem medir palavras, mas me arrependi no mesmo segundo, fechando os olhos fortemente ao ver bufar afastando minhas pernas de si para se levantar da poltrona.
- Claro. Você está absolutamente certa, , porque é melhor continuar omitindo tudo e esperar que o pior aconteça mesmo! – ele disse transbordando ironia ao se afastar.
- Isso foi no dia seguinte da prova do meu vestido de noiva. Naquele dia eu disse a você que era mais complicado do que parecia, . – eu disse entre um suspiro cansado, ajeitando-me sobre a poltrona e seguindo com o olhar – Entrei em casa na manhã seguinte e ele estava na porta, esperando por mim com a cara de quem não dormiu a noite inteira! E eu não precisei dizer uma única palavra, ele já suspeitava que eu tinha passado a noite com você e então aconteceu isso... – abaixei o tom de voz e olhar para meus pulsos – Ele não mediu forças. Estava nervoso comigo por eu não ter voltado para casa na noite anterior, por não ter atendido às ligações dele e ainda mais por você ter feito isso. Como sempre, tentei acalmar a situação, mas na hora ele não quis conversar comigo, bateu com a porta do quarto quando tentei abrir, disse que eu devia ficar longe, que ele não queria me machucar mais.
Silêncio.
Dei mais um dos meus incontáveis suspiros sentindo o ar gelado instantaneamente invadir meus pulmões. Ouvindo o farfalhar das folhas nas árvores ao redor. E vendo dar passos pesados de um lado para o outro, sem saber ao certo o que fazer com as mãos, que queriam estralar seus dedos a todo momento ou bagunçar os cabelos nervosamente enquanto murmurava baixinho coisas que eu não conseguia entender. Eu nem sabia mais se ele prestava atenção no que eu dizia.
- Ontem eu saí com , queria distraí-la um pouco. Tomamos um lanche e ficamos andando pela loja de CDs e DVDs que ela tanto adora... Até que foi divertido, tinha um fotógrafo nos seguindo e a princípio fez amizade com ele. – eu comecei com uma risada contida e parou onde estava, com as mãos descendo pelos cabelos e se unindo atrás da nuca, para me olhar – Tive que contar que ela é sua filha para que ele nos deixasse em paz, espero que não se importe.
Tentei brincar e franziu o cenho deixando que um leve sorriso se esboçasse em seu rosto, mas logo balançou a cabeça negativamente e mordeu os lábios. Talvez percebendo que aquela era apenas uma forma de progredir com o assunto, que eu tinha mais a dizer.
- Enquanto isso Robert foi para um chá... Ou algo assim, para tratar de negócios e parecia que para ele estava tudo bem, mas mais tarde, quando cheguei em casa, a sala estava revirada e tudo estava espalhado, quebrado ou rasgado. Tinha até marcas de sangue na parede. Acredito que ele deve ter visto em alguma revista, pois tinha algumas rasgadas no chão, coisas sobre você e eu e teve mais uma de suas crises. Eu te liguei várias vezes e fui a sua casa ontem para saber se ele havia procurado por você, precisava saber se você estava bem, , pois fiquei preocupada. E eu nunca me perdoaria se algo acontecesse contigo por minha causa!
- Você acha que ele poderia tentar algo do tipo? Que seria capaz de fazer algo contra mim para ter você de volta? – perguntou e eu meneei a cabeça levemente abaixando o olhar outra vez.
- Sei que ele é capaz de fazer muitas coisas para conseguir o que quer.
- E, claro, você não o denunciou nem uma vez – ele riu sem humor.
- Eu não tinha motivos para isso depois que nos mudamos para cá! Ele demonstrou que queria mudar seu comportamento e teve mesmo uma grande melhora, ficamos bem por um tempo significativo e dá para perceber que ele só precisa de tratamento.
- Eu não estou nem ai para o que ele precisa, ! – ele gesticulou nervosamente e eu encolhi os ombros automaticamente – É um absurdo a proporção que isso tomou! Ele vive debaixo do mesmo teto que a nossa filha e à essa altura deve achar que é seu dono, que pode mandar e fazer o que quiser com vocês, ou sei lá mais o que se passa pela cabeça doentia dele.
- Eu sei, ! Sei que foi tudo longe demais e eu sinto muito por isso – eu disse cobrindo o rosto brevemente, sentindo-me ainda mais frustrada com meus próprios erros –, mas entenda que eu só quis ajuda-lo, porque apesar dos pesares...
- Por favor, não me diga que você gostava do desgraçado. Esse é o meu limite.
- É o seu limite... – foi a minha vez de rir sem humor – Desculpe ultrapassar seu limite, mas sim, , a verdade é eu gostava do desgraçado que, depois de você e com tudo o que estava acontecendo comigo, foi o único que fez com que eu me sentisse bem. – e comprimi os olhos para ele – Sabia que depois de você eu achei que nada mais daria tão certo? Sabia ele era tão bom comigo que me fez pensar que talvez eu não precisasse cuidar de sozinha? Porque essa era a minha ideia no início; cuidar dela sozinha. Eu realmente achei que poderia ser feliz.
- Você está defendendo ele agora? É isso mesmo o que eu estou ouvindo? – franziu o cenho dando um passo à frente – Não acha que já foi ingênua o bastante, ?
Respirei profundamente e então abracei minhas pernas, deixando meu olhar vagar pela rua escura e deserta. A conversa, que, na verdade, já havia se tornado uma discussão, não estava tomando o rumo que eu desejava. apenas extraia o que queria ouvir de tudo aquilo que eu dizia e isso estava começando a me irritar.
Não se tratava apenas da doença e das atitudes e ações negativas de Robert com relação a mim, mas de tudo o que eu fiz para controlar a situação e as consequências que todo esse tempo de convivência estava me trazendo, pois eu sentia e tentava evitar que tudo isso se refletisse nas pessoas que estão por perto. Eu tentava proteger , e até mesmo , continuando com o noivado com Robert, mas agora é muito provável que isso se torne mais difícil. Era isso que eu estava querendo dizer, mas parecia que quanto mais eu falava, menos era ouvida, então preferi ficar quieta por alguns instantes até que senti se aproximar lentamente e agachar-se ao meu lado, passando uma das mãos em meu braço, então eu tornei a olhá-lo.
- Só acho o cúmulo você dizer isso depois de tudo que ele fez contigo – ele disse e eu desviei meu olhar brevemente, pensando bem antes de falar qualquer coisa.
- Não estou o defendendo, , de forma alguma! – eu comecei calma, porém firme – Estou apenas defendendo minhas ações, porque, sim, talvez eu tenha sido ingênua por muitas vezes ao acreditar em promessas vazias; sim, eu gostava e pretendia ajudar e ficar com ele, porque tinha esperanças de que ainda existisse nele um pouquinho daquele Robert que conheci no começo de toda essa história. Mas não estou te contando essas coisas para que sinta pena de mim por tudo o que aconteceu ou pedindo que me proteja de alguma forma do que pode estar por vir, na verdade, eu quero ser mais forte agora e estou te contando porque tenho certeza de que é o certo a ser feito. Você deve saber em que está se envolvendo, deve saber por que sempre pareci tão confusa e resistente com relação a você e eu. Não quero que ninguém mais se machuque por minha causa. – e balancei a cabeça levemente, mantendo meu olhar fixo ao de – E também estou contando porque estou cansada de omitir, de guardar segredos e sentir de medo. Eu já senti tanta dor antes, não só física, pois guardei e aguentei tudo sozinha. Fiz e ainda faço o que posso para que não venha a tomar conhecimento sobre o que aconteceu... Eu já atingi o meu limite há muito tempo! Então, por favor, não me julgue por eu ter tentado fazer a relação errada dar certo para proteger quem eu amo. Não brigue comigo agora, ok?
Ele sustentou meu olhar por um tempo, subindo sua mão até minha nuca e, ainda que visivelmente contrariado, assentiu levemente. Soltei de minhas pernas e as coloquei em volta do corpo para abraçar , passando meus braços pelo pescoço dele e encolhendo-me um pouco ao sentir meu corpo se arrepiar quando uma corrente mais forte de ar frio passou por nós.
- Tudo bem. Só espero que você saiba que eu ainda quero dar uma surra nele. – disse ao envolver firmemente minha cintura, mantendo seu tom sério e eu sorri fraco. Poderia rir se o assunto ainda não me fosse preocupante – As coisas não vão mais ficar como estão, você pode ter certeza disso.
- Como assim? – franzi o cenho, esperando que ele fosse mais específico, mas apenas balançou a cabeça negativamente, beijando meu rosto em seguida.
Inspirei lenta e profundamente. Segurando e apertando o tecido de sua blusa entre meus dedos gélidos, eu senti uma de suas mãos subir e descer devagar em minhas costas, trazendo-nos um breve silêncio, que agora não me era mais tão confortável. Na verdade, o assunto já era mais do que desconfortável e a quietude que se seguiu, mesmo que me parecesse que eu havia falado demais naquele curto espaço de tempo, dava-me a impressão de que algo estava faltando.
Agora, nos braços de , eu me sentia ainda mais frágil sem todo aquele fardo que carreguei por alguns anos. Eu me sentia leve, mas ainda assim enfraquecida.
Realmente, as coisas não ficarão como estão, há muito o que mudar e este era apenas o novo recomeço.
- Desculpe, – eu disse depois de um tempo, ajeitando minha cabeça em seu ombro enquanto o silêncio ainda me incomodava – estraguei o fim do nosso dia com esse assunto.
- Ei, esquece isso. – disse ao se afastar um pouco, procurando me olhar diretamente nos olhos com um leve sorriso moldando seus lábios e relaxando seus ombros – Estamos juntos agora e isso é o que importa, certo?
- Certo.
- E acho que toda essa conversa mostrou que queremos permanecer assim.
- Basicamente – sorri fraco e ele assentiu olhando em volta brevemente.
- Sabe por que eu trouxe vocês até aqui hoje? – perguntou enquanto suas mãos passeavam suavemente pela minha cintura, por baixo de minhas roupas quentes, e eu levantei os ombros em dúvida – A minha ideia era conseguir um lugar longe de preocupações e longe de tudo o que pudesse nos impedir de agirmos naturalmente. Acho que está dando certo, não é? Estamos resolvendo as pendências, eliminando as preocupações...
- Ou pelo menos tentando – disse entre um suspiro exausto ao fechar os olhos e o ouvi dar uma risada nasalada.
- Pelo menos isso. Mas fico feliz ao ver que estamos agindo como a família que realmente somos.
Olhei para e pisquei sentindo aos poucos seu sorriso se refletir tímido em meu rosto enquanto suas palavras me atingiam e eram lentamente absorvidas. Por um segundo eu apenas ouvia minha pulsação ritmada, o som de nossas respirações calmas e aquelas palavras ecoando em minha mente. “A família que realmente somos”. Talvez não soubesse que aquelas simples palavras, ditas tão naturalmente, me causariam tal efeito. Que me trariam uma enorme exultação. Que levariam meus lábios de encontro aos seus para conseguir um pouco da sua doçura.
Os lábios foram suavemente selados com calma e gentileza, apenas para ter o prazer de tê-los contra os meus, e não durou muito já que o forte vento gelado que passava por nós estava se tornando cada vez mais contínuo, então o quebramos e nos abraçamos entre risos acanhados.
- Você não estragou nada, – ele disse calmamente ao afagar meus cabelos – fez o certo em me contar e eliminar os segredos que existiam entre nós.
- Eu precisava contar.
- Eu sei – ele assentiu de leve e eu me afastei um pouco, fixando meu olhar ao seu.
- Ou senão, com tudo se acumulando sem que soubesse, você não confiaria mais em mim quando tudo isso explodisse de surpresa. Você tinha que ouvir diretamente de mim que sempre foi a minha escolha – eu disse entrelaçando minhas mãos às suas e vi o canto de seus lábios se curvarem levemente.
- Sou eu quem vai cuidar de vocês daqui pra frente, ok? – ele arqueou as sobrancelhas e eu abri a boca para falar, mas foi mais rápido: – Não adianta, . Sei que quer se mostrar mais forte do que já foi durante esse tempo todo, mas isso não foi um pedido, estou apenas lhe informando, pois eu já ia cuidar de você mesmo que me implorasse pelo contrário.
- Ok! – eu disse fingindo má vontade e ele deu uma breve risada contida, mas seu sorriso não durou muito, logo se desmanchou sob o olhar conflituoso que manteve alinhado ao meu.
- Acho que agora eu consigo entender certas coisas que aconteceram. Principalmente o porquê de você estar sempre fugindo do que podíamos nos tornar se ficássemos cada vez mais próximos e porque me parecia tão vulnerável em alguns momentos. Estou até começando a me arrepender do que disse para pressionar e ter explicações suas... – e suspirou passando uma das mãos pelo rosto.
- Não tinha como você saber.
- Mas você tem razão, é mesmo muito mais complicado do que parecia no início. Não sei nem o que pensar direito... , ele é um covarde e você e eu já temos que começar a dar um jeito nessa situação, a nos preparar e a partir de agora eu não quero que você fique sozinha com ele em nenhum momento. Independentemente das circunstâncias. Não quero correr o risco de um dia te ver machucada, chorando. Você não precisa passar por isso para proteger ninguém! – ele disse balançando a cabeça negativamente e levantou um pouco nossas mãos entrelaçadas – Ainda mais agora que ele tem motivos reais para se sentir traído ou ameaçado em te perder.
- Acho que motivos para sentir ciúmes de você, ele sempre teve. – eu ri sem humor – Contei sobre você logo no início do nosso relacionamento, porque eu sabia que em algum momento teria vontade de te conhecer e eu não negaria isso a ela nunca, então Robert dizia estar disposto a me fazer te superar, já que esquecer seria impossível com por perto.
- Mas parece que não deu muito certo, não é? – ele sorriu de lado e eu balancei a cabeça negativamente.
- Não. Fui feita para ficar contigo, lembra-se?
- Espera! – ele se afastou um pouco com o cenho franzido – Sem anel de noivado no dedo, dizendo que me ama e que foi feita pra ficar comigo sem se sentir culpada ou envergonhada segundos depois, me beijando na hora que quer e contando seus segredos mais profundos... Você está passando bem, amor?
- Não seja idiota! – gargalhei.
- Estou começando a ficar preocupado.
- Eu estou muito bem.
- Hm, ainda acho que tem alguma coisa muito errada com você. – brincou e eu ri vendo se apoiar na poltrona onde eu estava sentada para levantar, mas ele parou, ainda com o corpo um pouco curvado para frente, ao ouvir os joelhos estralarem e se esticou fazendo cara de dor – Por que eu fui inventar de ficar nessa posição por tanto tempo? Eu estou quebrado.
- É melhor entrarmos. – eu disse me levantando também e já sentindo envolver meus ombros com seus braços – Você dirigiu por um bom tempo, fez compras, correu atrás de uma menininha de olhos famintos por doces pelo mercado, fez o jantar e ainda lavou a louça enquanto eu colocava para dormir...
- Caramba, eu achei que o papel de pai era totalmente diferente deste! Não vai ser sempre assim, vai? – ele arregalou os olhos e nós gargalhamos.
- Mas você se saiu muito bem.
- Nem vem! Não comece com esse papinho, pois eu sei bem onde ele vai terminar e meu lugar não é na cozinha. – ele balançou a cabeça negativamente, parecendo adivinhar o que se passava em minha mente, e riu quando eu fiz bico, abraçando-o pela cintura.
- Então você não vai cozinhar nunca mais?
- Exceto quando a ocasião for muito especial.
- E essa foi uma?
- Claro.
- Posso saber por que? – perguntei encarando de perto seus olhos que, mesmo com a pouca iluminação de onde estávamos, começavam a me inebriar sob sua intensidade. suspirou, mantendo o sorriso suave no rosto e disse por fim:
- Este é o nosso recomeço.

- ?
- Hm?
- Você está com uns peitões enormes, cara! – disse impressionada e eu arregalei os olhos.
Abracei-me no mesmo instante a fim de cobrir meus seios e olhei em volta rapidamente, sentindo meu rosto corar, já que estávamos praticamente sentadas no meio do pátio do colégio, perto de uma das lápides onde várias pessoas passavam a cada segundo. Sem contar que ela disse aquilo em um tom como se quisesse dizer bom dia para todos os que estavam por perto! Qual o problema dessa garota que eu chamo de prima?
- ! – eu a repreendi, mas ela nem se abalou.
- Estão maiores do que antes, o que aconteceu? Ficou a fim de um garoto daqui e colocou papel higiênico no sutiã? – ela perguntou entre risos e eu tive que rir também, deixando que minhas mãos caíssem sobre meu colo.
- Claro que não. Ninguém aqui me interessa.
- Mas boa parte aqui se interessa por você. E com esses peitões agora... – ela rolou os olhos e eu gargalhei – Acho que vou parar de andar com você...
- Ai, cala a boca.
- É sério, todos os garotos que chegam perto de mim só querem saber da minha “prima inglesa” – ela fez aspas no ar e eu rolei os olhos rindo.
- Nada a ver, ! Primeiro porque eu sou brasileira, segundo que essa atenção toda é só porque eu sou nova aqui, logo aparece outra e eles me esquecem. – dei de ombros – Aconteceu a mesma coisa no meu antigo colégio, mas lá a atenção era maior por eu ser brasileira e namorada do Scrum-Half do time de rúgbi.
- É, mas o seu namoradinho não gostou de você só porque você era nova no seu antigo colégio, muito menos porque namorava o seu amigo colorido Joey.
- , para de falar assim. – eu disse entre risos nervosos e olhei em volta brevemente – Você não conheceu nenhum dos dois.
- Mas eu gostei da história! – ela gesticulou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e eu tive que rir – Sem contar que do jeito que você me contou sobre o seu namoradinho, , quase que se derretendo toda com uma simples lembrança dele – ela suspirou fazendo seu corpo amolecer-se, encenando como se estivesse realmente derretendo e eu rolei os olhos – e dizendo todos os mínimos detalhes, me faz sentir como se o conhecesse há décadas.
- Eu era apaixonada por ele, você quer mais o que?
- Era? – e arqueou uma das sobrancelhas para mim.
- Você me entendeu. – eu disse de má vontade, olhando para o outro extremo do pátio – Não quero mais falar sobre isso.
- ?
- Fala, .
- Hoje você duvida do amor que ele disse sentir por você? – a ouvi perguntar e a encarei com o cenho franzido.
- Por que está me perguntando isso agora?
- Foi só uma pergunta, não precisa responder se não quiser – ela disse levantando as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência e eu virei o rosto.
Eu não queria responder, mas a pergunta ecoava em minha cabeça. Não pensar em era uma missão impossível, ainda mais com por perto, já que ela falava e perguntava sobre ele a cada oportunidade que lhe surgia. Então eu tornei a encará-la torcendo a barra da camiseta do colégio entre os dedos enquanto ela ainda me olhava esperando por uma resposta. Ela sabia que se tratando de , sempre haveria uma resposta.
- Não duvido. Nem naquela última noite eu duvidei. – eu disse sentindo meus olhos arderem instantaneamente ao ver o olhar de compaixão de direcionado a mim. Droga de sensibilidade – Ele estava chorando e, em todo o tempo em que estivemos juntos, nem quando tivemos nossas piores brigas, nem quando ainda éramos apenas amigos, nem quando ele levou um soco no nariz de um dos amigos do Joey – gesticulei enfatizando a última parte e ela riu –, eu nunca tinha o visto chorar! Eu não podia fazer nada e isso cortou ainda mais o meu coração.
- Se tivesse a chance, você voltaria com ele mesmo depois do que aconteceu? – antes mesmo que ela terminasse a questão, eu já assenti mordendo os lábios para segurar o choro – Ainda sente a falta dele, não é?
- Uhum.
- Ai, ! Não fica assim – ela disse e se aproximou de mim, tomando-me em um forte abraço.
- Não acredito que você está me fazendo chorar no meio do pátio do colégio. – eu funguei e ela riu – Você é um monstro, , eu te odeio.
- Mas a culpa não é minha! Se eu digo que pisei em uma formiga, você já começa a chorar.
- Isso não é verdade e você sabe que falar sobre não é fácil! – eu disse me soltando dela e passei as mãos pelo meu rosto – Prefiro você sendo nada discreta e falando sobre os meus peitos.
- Ok, então deixa eu ver se eles são de verdade. – ela fez menção em tocar em meus seios, mas eu lhe dei um tapa, afastando sua mão e fazendo-a rir – É brincadeira, sua tonta, eu não ia tocar!
- Menos mal, – eu franzi o cenho para ela – tenho-os sentido doloridos ultimamente.
- Ô Maria das Dores, você já pensou em ir ao médico? Todos os dias você reclama de alguma coisa.
- Eu acho que já sei qual o meu problema.
- Legal, então a gente passa na farmácia depois da aula e pronto, resolvido.
- É... – abaixei o olhar – Resolvido.

- Por que você não larga essas coisas ai e vem pra cama? – disse num tom exausto e eu ri. Era a segunda vez que ele me perguntava isso.
- Porque, meu amor, eu quero já deixar isso arrumado, essa mochila é muito pequena e vai amassar todas as minhas roupas.
- Deve ter um ferro de passar roupa por aqui, só não sei exatamente onde... Dá preguiça só de tentar lembrar onde está. – ele disse entre um suspiro e eu ri ainda mais, balançando a cabeça negativamente – Mas pensa que legal seria se você viesse deitar comigo.
- Eu já vou.
- Eu não ligo se as suas roupas estiverem amassadas amanhã e acho que também não, então vem pra cá!
- Espera!
- Será que eu vou ter que ir ai te buscar, ?
- Calma, ! Você está me deixando nervosa. – eu o repreendi entre risos e ele gargalhou – Eu já te disse o quanto você é chato hoje?
- É efeito do sono – ele disse entre um bocejo e eu o olhei por cima do ombro vendo-o deitado na cama-box, coberto até o pescoço pelo edredom.
- Ainda assim um chato.
Sorri e ele riu ao rolar os olhos e virou-se de lado sobre a cama, puxando ainda mais o edredom para si em sinal de que não insistiria mais. Entre um bocejo, eu tornei minha atenção para o que tinha em mãos, mas logo desisti de arrumar minhas roupas dentro da mochila, aquilo só daria certo se eu socasse todas as peças ali dentro e amassá-las não era uma opção. Então dobrei e deixei tudo sobre a cadeira de madeira escura e de estofado branco que estava próxima a mim, encostada à lisa parede branca, entre a porta que levava ao corredor e uma cômoda marrom que tinha em sua superfície vários livros perfeitamente alinhados e um porta-retratos com uma foto dos meninos do McFLY juntos na praia; coisa que me fez parar para observar por um bom tempo e sorrir involuntariamente.
Estavam todos mais magros do que agora, acho que nessa época nenhum deles pensava em malhar ou até mesmo em levar o Sol da praia à sério, já que ainda estavam brancos como sempre foram, exceto os ombros, os de ambos estavam avermelhados. Os cabelos desgrenhados escapavam dos chapéus de uns e caiam sobre os olhos dos outros dois, todos tinham latinhas de cerveja nas mãos e sorrisos estampavam seus rostos de moleques... Quantos anos devia ter aquela foto? O quão importante ela devia ser para que estivesse ali, única?
Puxei meu creme hidratante da mochila, sentei-me na beira da cama com cuidado e de costas para . Inspirei profundamente, sentindo o ligeiro cheiro da maresia misturando-se ao de macadamia e chocolate do cômodo, mantive-me atenta a seus detalhes.
Eu já havia conhecido toda a casa com . Enquanto estava ocupado demais na cozinha, ela estava curiosa para ver de diferentes ângulos a vista da praia e dos penhascos de cada uma das janelas, e eu prestei atenção na casa em si, nos cômodos, em seus móveis e na decoração. Havia apenas quartos no segundo andar e o de foi o que mais me agradou, este em especial conseguia ser ainda mais simples, bonito e aconchegante do que todo o restante da casa.
Sua iluminação baixa vinha de duas das seis luminárias espalhadas pelo cômodo, presas à parede de cabeceira, a única que era revestida por uma espécie de papel de parede em madeira. As outras paredes eram brancas, em uma ficava a janela, agora fechada e coberta pelas pesadas cortinas em cor creme, e na parede oposta a esta, um closet e a porta para ao amplo banheiro com banheira. O piso era todo em madeira escura, assim como todos os móveis, ao lado da cama havia um aquecedor, ao seu lado tapete creme felpudo e à frente um baú de onde tirou o grosso edredom.
Era bom estar em um lugar totalmente diferente dos quais estou acostumada, eu estava me sentindo bem ali. Acolhida, segura. Eu não queria ter que pensar em voltar e a ideia de em fugir me parecia cada vez mais convidativa, mas como poderíamos fazer isso? É impossível, nossas vidas estão em Londres. tem as coisas dele e as coisas da banda, tem o colégio e eu... Bom, eu ainda tenho um emprego, onde minhas horas positivas já devem ter evaporado e talvez seja melhor começar a arranjar ótimos argumentos se quiser mantê-lo, e tenho , que quer voltar logo para o Brasil. Sorri de lado e balancei a cabeça negativamente terminando de passar creme nas pernas. Quem eu quero enganar? A ideia de fugir com e , para qualquer lugar que fosse, me era extremamente convidativa.
Olhei para por cima do ombro, esperando vê-lo em um sono profundo por conta de seu silêncio, mas seus olhos estavam fixos em mim, absortos, então coloquei o frasco de hidratante sobre o criado-mudo e entrei debaixo das cobertas sendo recebida por seu abraço quente.
- Achei que já estivesse dormindo – eu disse a ele, que deu um meio sorriso.
- Estava esperando que você viesse deitar – disse em um tom baixo ao afastar meus cabelos, deixando meu pescoço a mostra e seguindo os movimentos de sua mão com o olhar vago.
Silêncio.
- Em que está pensando?
- Nada demais – ele balançou a cabeça negativamente ainda sem me olhar diretamente, apenas afagando meus cabelos e manteve-se em silêncio mais uma vez.
- Acho que se for mesmo nada demais, você pode me contar. Não seria nada demais eu saber – insisti dando de ombros e ele deu uma risada nasalada.
- Realmente. – pigarreou e me encarou com os olhos semicerrados – Você não está com sono, está?
- Não muito.
- Então está explicado o interesse. – ele disse e nós rimos – Mas você também parecia estar bastante entretida com seus pensamentos segundos atrás.
- É que estou gostando daqui, só isso.
sorriu e tocou meu rosto delicadamente, parecendo analisa-lo. Seus olhos acompanhavam sem pressa o caminho que seu polegar fazia pela minha pele até tocar meus lábios, onde ele se demorou mais. O que quer que ele estivesse pensando antes ou neste exato momento, ou o que significasse aquilo, todo aquele cuidado e calma, não parecia ser nada demais.
Eu queria saber o que se passava em sua mente, mas não me atrevi a dizer uma única palavra. Em uma semana desde que nos reencontramos, conseguiu um beijo meu na cozinha do apartamento de e em vinte dias eu dei a ele uma filha, em menos de um mês virei sua vida de cabeça para baixo! Mas hoje, em uma única noite, eu havia despejado preocupações e problemas, de certa forma, inacabados, que ele não gostou de ouvir e que talvez precisasse de um tempo para processar.
Algo me dizia que era com isso que ele se ocupava enquanto esperava que eu viesse me deitar e talvez pedir que compartilhasse seus pensamentos comigo agora, mesmo que ele não queira, não seja o melhor a fazer. Então permaneci em silêncio para dar o espaço que ele precisava enquanto sua mão descia por minhas costas até minha cintura e me puxava para mais perto de si.
- Mais nenhum assunto importante por hoje? – indagou mantendo o tom de voz baixo e eu balancei a cabeça levemente em negação, entrelaçando nossas pernas por baixo do edredom – Eu posso te ouvir, nós podemos tentar resolver.
- Sei que podemos, amor. – sorri e me aproximei selando suavemente seus lábios aos meus – Mas chega desses assuntos, huh?
- Eu quero cuidar de você e de , assim como não pude fazer durante todos esses anos – me interrompeu e eu mantive o leve sorriso no rosto ao menear a cabeça para tranquiliza-lo.
- Pode cuidar, não vamos reclamar de forma alguma – brinquei e ele deu uma risada contida.
Por alguns instantes eu me perdi naquele momento. Tudo o que o compunha me extasiou, desde suas mãos firmes e seguras em mim, até seu cheiro e o sorriso sincero que moldava seu lábios. Lábios pelos quais os meus estavam ansiosos. se aproximou um pouco e, sem hesitar, eu venci a distância para iniciar um beijo; o momento perfeito para que algum celular começasse a vibrar em cima do criado-mudo.
- Ai, não... – bufei e jogou seu peso para o lado, ficando de barriga para cima.
- Dá pra acreditar nisso? – ele choramingou fechando os olhos fortemente e eu ri apoiando-me nos cotovelos para ver qual aparelho vibrava sobre o criado-mudo ao seu lado.
- Claro que dá, temos tanta sorte com celulares. Adoram nos interromper – eu disse ironicamente ao rolar os olhos e ele fez bico.
- Por que as pessoas sempre fazem isso com a gente? – ele estalou a boca arrancando-me mais risos.
- Espera, acho que é o meu, ele está no silencioso. – eu disse praticamente subindo em cima de para alcançar o aparelho – Tenho que atender.
- E quando não tem que atender? Você tem é que começar a desligar o seu celular, assim como eu fiz com o meu.
- Não seja dramático, .
- É que eu tenho sete anos de atraso pra tirar, sabe? – ele disse calmamente ao colocar seus braços pesadamente em volta da minha cintura.
- Nossa, quanta delicadeza! – eu irônica e lhe dei um tapa no peito, fazendo-o rir.
- É brincadeira!
- Sei...
- Quem é? – indicou o celular em minhas mão com o olhar.
- Hm... Minha prima. – eu disse olhando brevemente no visor e então atendi a ligação, deixando-a no viva-voz – Oi, ! Você está no viva-voz.
- E ai, como está a lua de mel em família? – ela disse do outro lado da linha.
Pelo jeito estava de bom humor e ótima como sempre, coisa que me fez sorrir aliviada e comprimir os olhos em minha direção.
- Vai bem.
- Mas poderia estar melhor se você deixasse pra ligar amanhã – disse em bom tom para que ela o ouvisse e eu ri.
- , vai pastar. – ela disse e nós rimos – A é minha prima, eu tenho todo o direito de ligar pra ela na hora que eu bem entender.
- Não, também não é assim... – franzi o cenho.
- Sem contar que tudo o que é dela, é meu. Mas o que é meu, é meu, claro.
- Mas que conversa é essa, ? – eu disse entre risos, ajoelhando-me na cama e a ouvi gargalhar.
- Brincadeirinha, .
- Claro que é. – sorri de lado vendo apoiar as mãos no colchão para se sentar e então segurou em uma de minhas pernas, puxando-me para seu colo logo em seguida, deixando-nos frente a frente – Por que não ligou mais cedo?
- Porque eu sou uma pessoa ocupada e queria dar um tempinho pra vocês três, ora!
- Depois da meia-noite? Escolheu a hora perfeita pra ligar, prima, com certeza – disse ironicamente ao afastar a mão boba de que subia pela minha coxa e ouvi rir do outro lado.
- Olha, me poupe de certos detalhes da história de amor de vocês. Eu só sei que celular do só cai na caixa postal!
- É que está desligado – ele mesmo explicou e levantou as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência, segurando o riso quando eu levantei o dedo indicador em censura.
- Hm, ele é mais esperto do que você, ...
- Eu disse que ela tinha que desligar também – disse e eu deixei minha mão livre cair pesadamente ao lado do corpo, fazendo-o rir.
- Mas vocês já vão se juntar contra mim de novo?
- Não reclama, ok? disse entre risos – E eu quis mesmo dar um tempo pra vocês, tanto que, se não fosse por mim e pelo , os meninos do McFLY e suas namoradas teriam ligado várias vezes no seu celular pra saber do paradeiro de vocês.
- Ah! Obrigada. Mas eu estava mesmo esperando que você ligasse.
- Eu sei. As coisas por aqui estão ótimas, prima, relaxa! Não vi nem a sombra do seu agora-ex-noivo. Só não sei se isso é bom ou ruim... – ela disse, tirando suas últimas palavras de minha boca, e eu mordi o lábio inferior – Ele te ligou, mandou mais uma mensagem, ou algo assim?
- Não, o que é um pouco estranho.
- É... Eu passei em frente à sua casa e estava tudo fechado e apagado. Do jeito que você odeia ver qualquer casa. – ela disse e eu suspirei olhando para , que me fitava curiosamente apoiando suas mãos em minhas pernas mais uma vez. Visto que eu permaneceria em silêncio, estalou a boca – Quer saber? Espero que ele tenha sofrido um acidente e que esteja morto agora!
- Ai, ...
- Tem razão, vaso ruim não quebra tão fácil. – ela disse entre um suspiro tranquilo e eu rolei os olhos levando a mão à testa.
- Que horror.
- Estou estragando a lua de mel de vocês com esse assunto, não é?
- Basicamente.
- Foi mal. Mas era só isso mesmo o que eu queria saber e, claro, se vocês pretendem voltar pra cá um dia... Sabe? Essas coisas básicas.
- É claro que pretendemos voltar! – eu disse entre risos, mas brinquei balançando a cabeça negativamente com , como se aquela fosse uma ideia estúpida.
- Que bom, – ela tornou a dizer – nós aqui já estamos sentindo a falta de vocês.
- Estamos? – franzi o cenho.
- Oi?
- Você disse “estamos sentindo”. Você e mais quem?
- Eu disse isso? – indagou dissimuladamente.
Ela estava querendo me dizer alguma coisa, ou senão, não estaria nem se esforçando para inventar uma mentira. Fiquei em silêncio por alguns segundos, ouvindo a respiração de e um barulho ao fundo. Televisão, provavelmente. E uma risada baixa, porém muito familiar, de repente emergiu, coisa que me fez sorrir.
- Sua safada, você está com o , não é? – arqueei uma das sobrancelhas e gargalhou.
- O que é que tem? Estamos nos divertindo. Quer que eu te mande uma foto nossa?
- Que? Não!
- , liga seu celular que eu vou mandar uma foto bem sexy – ela disse e ele se esticou para alcançar o aparelho no mesmo instante.
- Não, ! Ela não vai mandar nada – disse entre risos vendo-o jogar as mãos pesadamente sobre o colo.
- Ahh...
- E, , para de ser louca, eu vou desligar – eu disse e estalou a boca mais uma vez, eu conseguia até imagina-la encarando as unhas neste momento.
- Você é tão estraga prazeres.
- Também te amo.
- É, eu sei. E, ahm... Não vai ter mais casamento... Então talvez eu fique mais um pouco por aqui – ela disse em português e, pelo seu tom, estava sorrindo.
- Assim espero.
- Mais você ainda é uma chata, não sei nem como o te suporta. – tornou ao inglês e eu sorri balançando a cabeça negativamente – Dê um beijo na por mim e, , continue cuidando delas.
- Só se você cuidar do meu – ele disse calmamente e ela riu.
- Vou pensar no seu caso, ok? Tchau! – e desligou. Encarei e nós começamos a rir.
- Você também acha que a minha prima é meio doida?
- Ela gosta do , isso já prova que ela tem uma certa tendência. – ele disse entre risos – Eu sabia que ela ia acabar cedendo.
- Só falta fazê-la admitir que gosta mesmo.
- Se for como você, nossa! nem precisa se preocupar, vai ser muito fácil – ele arqueou as sobrancelhas e sorriu de lado tornando seu olhar para o celular em suas mãos, fazendo-me rolar os olhos – Brincadeira!
- Ha! Engraçadinho. – eu disse e deixei o meu celular, agora desligado, sobre o criado-mudo, vendo não parar de mexer no dele – Vai ficar mexendo nessa coisa mesmo? Não era você que estava com sono?
- Sim, mas sua prima me lembrou de uma coisa...
- O que... – franzi o cenho fazendo-o abaixar o celular em minha direção, tendo uma bela visão de meu busto na tela, coisa que me fez abrir a boca e cobrir-me até o pescoço, incrédula, e rir de mim – Você está me filmando?
- Na verdade, eu tirei uma foto – ele disse entre risos e mostrou a tal foto logo em seguida, na qual eu estava rindo muito – muito bonita, inclusive.
- Ah, não... – choraminguei segurando o riso e tentando pegar o aparelho de sua mão, mas ele logo o afastou.
- Eu não tinha nenhuma foto sua, , para!
- Pra que você quer foto minha?
- Pra que sim! – ele rolou os olhos rindo e trouxe o aparelho de volta para frente do rosto – Para de ser chata.
- Ok.
- Certo, agora deixa eu filmar.
- Não, ! – choraminguei mais uma vez e cobri o rosto ouvindo-o gargalhar.
- Por que não? Eu já não estou com tanto sono mesmo.
- Eu não quero, – disse com a voz abafada e ele puxou uma de minhas mãos para que o olhasse – tenho vergonha.
- De mim? É sério?
- Não, tonto, de câmeras. Eu não sei como ficar, o que fazer ou falar na frente dessas coisas. – indiquei seu celular com a cabeça e abaixei a outra mão – Esse é o seu ramo, não o meu.
- Não é o meu! Eu sou músico, amor, não fico na frente das câmeras toda hora porque gosto. – ele riu – Mas vai, fica normal. Eu só quero te registrar.
Fiquei por alguns segundos apenas encarando-o e, visto que eu não faria ou falaria mais nada, cutucou minha barriga, fazendo-me encolher entre risos.
- Não, sem cócegas.
- É você quem está me obrigando a isso.
- , é sério.
E me cutucou mais uma vez sorrindo malignamente. E mais outra e outra, até que eu tentei fugir, mas logo estava deitada na cama, com estava em cima de mim fazendo cócegas em todos os cantos possíveis enquanto eu me contorcia de tanto gargalhar, tentando afastar suas mãos.
- Chega, eu me rendo! – eu disse entre risos e ele levantou as mãos na altura dos ombros, rindo muito provavelmente do meu estado – Daqui a pouco... bate na porta... – e inspirei profundamente colocando as mãos na barriga – Tem certeza de que não está cansado?
- Não estou mais – ele disse tornando a se sentar e então me ajudou a voltar a minha posição inicial, em seu colo.
- Eu estava gostando tanto da ideia de ir dormir – fiz bico e ele me imitou pegando o celular que tinha se perdido entre as cobertas.
- Posso filmar agora?
- Pode. – suspirei e ele riu quando eu levantei sua mão com o celular na altura de meu rosto – Mas ninguém mais vai ver isso, não é?
- Não.
- É sério, amor, ninguém pode ver.
- Eu sei. É só pra eu ver quando você não estiver comigo, juro.
- Certo. Meu cabelo está bom assim? – perguntei alisando-o – Ou você acha que é melhor assim? – e o joguei para o outro lado, fazendo pose e arrancando mais risos de , que me olhava através da imagem em seu celular.
- Está ótimo!
- E o que eu faço agora?
- Qualquer coisa.
- Tipo o que?
- Ah, sei lá. – deu de ombros e foi a minha vez de rir – Fala comigo.
Franzi o cenho para , reprimindo o riso, e ele sorriu. Por que a tinha inventar de falar em tirar foto? Eu estava gostando mais quando estava com sono e quase dormindo. Então balancei a cabeça negativamente e coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha, ainda pensando no que dizer exatamente. Ele queria registrar, guardar aquilo para poder ver depois, quando eu não estivesse por perto. Assim como eu queria ter feito com o seu sorriso minutos atrás, quando disse que ele poderia cuidar de e de mim.
- Eu odeio câmeras, mas é... – e abaixei o olhar brevemente, depois fixando-o na pequena lente da câmera de seu celular – Entendi o que você quis dizer. Coisa que é uma bobagem, na verdade, porque vai ser difícil eu ficar longe de você a partir de agora!
- Então você acha que esse vídeo é uma bobagem? – ele riu quando eu brinquei um pouco, comprimindo em olhos para a câmera, fazendo-me de pensativa.
- Sim, eu acho.
- Por que?
- Por que assim até parece que eu não vou poder dizer todos os dias que sou tão sua quanto você é meu. – dei de ombros – Ou que você é a melhor coisa que já aconteceu comigo. Ou que eu te amo. Ou que seria bom você tirar esse celular do meu rosto, porque eu quero te beijar agora.
- Eu não preciso mais dessa porcaria de câmera mesmo – ele disse e jogou o aparelho que quicou uma vez sobre a cama e caiu no chão, coisa que me fez rir.
E em um movimento rápido, logo nós estávamos na mesma posição de quando apenas brincávamos e me fazia cócegas, ele por cima e ainda entre minhas pernas. Suas mãos agora eram mais sutis, mas ainda assim arrancavam-me o fôlego e sorrisos embriagados entre o beijo que se aprofundou.
Quando desceu com seus lábios até meu pescoço e eu encarei o teto, minha audição pareceu se aguçar, então coloquei as mãos nos ombros dele pra que parasse e levei o dedo indicador até a boca, pedindo silêncio. E mais uma vez, três leves batidinhas na porta ecoaram pelo cômodo.
- É, esquece – riu e me deu espaço para que eu levantasse da cama, e assim o fiz.
- Eu disse que ela viria – sorri ao prender o cabelo em um coque frouxo improvisado e ele se esticou para pegar o celular do chão.
Segui para a porta, abrindo-a logo em seguida para revelar a minha pequena descalça e com o pijama lilás amassado enquanto ela segurava a boneca em uma das mãos.
- Tive um pesadelo. – ela fez bico e abraçou minhas pernas – Dorme comigo, mamãe?
- Claro, meu anjo. Vamos para o quar...
- Vocês vão me deixar aqui? – perguntou e o olhou – E se eu tiver um pesadelo também?
- Nossa! E agora, hein, filha? – arqueei as sobrancelhas para ela, que ainda me abraçava.
- A gente não pode deixar ele dormir sozinho, mãe.
- Não mesmo! Já pensou se ele também tem um pesadelo? – eu disse e nós duas tornamos a olhar para , que começou a esticar o edredom.
- Eu acho que aqui cabe nós três – ele disse por fim e nem pensou muito, logo se soltou de mim e correu pra deitar no meio da cama. Então eu fechei a porta e segui o seu mesmo caminho.
- A gente vai cuidar de você, papai, não precisa ter medo. – ela disse ao abraçar e eu sorri também enfiando-me debaixo do edredom – A mamãe é boa com isso, ela sempre espanta os meus pesadelos.
- Ah, que bom saber que eu estou em boas mãos – ele disse e deu um beijo no topo da cabeça de antes de se apoiar em um dos cotovelos para me dar um selinho e sussurrar: – Te amo.
Ele se ajeitou melhor sob o edredom e então eu apaguei a única luz que restava acesa no quarto. Suspirei e passei meu braço sobre o corpo de , assim como sempre costumava fazer, e senti os dedos de se entrelaçarem aos meus. Senti que tudo o que eu precisava estava ali, literalmente em meus braços e em minhas mãos.

- Ahm, quer saber? Eu não tenho dinheiro aqui e agora pra comprar remédio...
- Tudo bem, eu pago.
- Não precisa, .
- Agora eu faço questão, Maria das Dores! – ela disse puxando-me novamente para dentro da farmácia – Olha, a gente já está aqui e eu não aguento mais te ouvir reclamando, então vamos logo aproveitar essa oportunidade em que nós duas saímos felizes... – ela disse começando a andar pelos corredores e então me olhou – Nem precisa me devolver o dinheiro depois, pense nisso como um presente de aniversário adiantado.
- Meu aniversário já passou – eu disse mais desanimada pela situação em que me encontrava agora do que pelo fato de não receber presente de no meu próximo aniversário.
Aliás, eu não estava em ai pra presente nenhum.
- ... – a chamei baixinho, olhando em volta e fazendo-a parar onde estava, cm as sobrancelhas arqueadas.
- Do que você precisa?
- Ahm...
- Fala.
- Teste de gravidez – eu disse mais baixo ainda e ela franziu o cenho.
- Não entendi.
- Teste de...
- Fala mais alto, !
- GRAVIDEZ, TESTE DE GRAVIDEZ, ! – falei alto. Ou talvez muito mais do que alto.
E arregalou os olhos para mim, olhou a nossa volta, onde todos nos encaravam e então me puxou para baixo, fazendo com que eu praticamente me ajoelhasse. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e eu comecei a ficar preocupada, era difícil não ter o que dizer.
- ... Você está bem?
- Se eu estou bem? – ela franziu o cenho falando baixinho – Eu estou em choque!
Silêncio.
- Ai, meu Deus, você não vai nem falar que era brincadeira? – ela disse com sua voz adotando o tom de desespero – Isso é mesmo sério? Você tem certeza?
- Quase, é pra isso que eu quero o teste!
- Ai, caramba, seu pai vai te matar!
- , você não está ajudando em porra nenhuma! Só está me deixando mais nervosa. Para de ser louca por pelo menos um minuto que seja – eu disse a segurando pelos ombros e vi um rapaz passando por nós e nos olhando como se tivéssemos sérios problemas. E realmente tínhamos.
- Ah, ok. Seu pai não vai te matar... – ela disse respirando fundo e de repente riu nervosamente – Ele vai cortar o pinto do seu namoradinho fora... Coitado do , do outro lado do oceano, mas com um esperma perdido no Brasil.
- Ai, Cristo, eu não mereço ouvir essas coisas. – choraminguei me levantando e comecei a caçar pelos testes de gravidez – Vem, me ajuda a achar o teste e vamos dar o fora daqui.
- Melhor a gente comprar logo três diferentes, não é?
- Por que? – franzi o cenho e ela pegou em minha mão para que andássemos mais rápido.
- Em casa eu te explico.


Capítulo 29 - Vai dar certo


- Você disse "" – franzi o cenho em confusão para o teto e então olhei para , que me encarava da mesma forma, deitada em sua cama.
- Quê?
- Na farmácia... Você disse “coitado do ”.
Ela continuou a me olhar por alguns instantes depois de minha explicação, como se me analisasse a fundo e minuciosamente, e então balançou a cabeça levemente em negação.
- Foi ele que te traiu, , e não o contrário. Se você estiver mesmo grávida, não há dúvidas de que o filho é dele, há? Porque eu não me lembro de você ter contado algo sobre se envolver com outra pessoa desde que o seu relacionamento com ele começou de fato. – suspirou – E só o chamei de coitado, porque ele nem imagina que terá problemas.
Pisquei ainda com o cenho franzido e deixei que meu olhar se fixasse novamente ao teto, apenas absorvendo suas palavras. Era estranho vê-la falando tão seriamente e eu ainda estava um tanto atordoada pelo que passamos na farmácia no dia anterior, pois, além da vergonha por ter chamado a atenção de todas as pessoas ali presentes, aquela foi a primeira vez que admiti em voz alta as minhas suspeitas. E agora, deitada na cama auxiliar do quarto de , eu me sentia internamente... Anestesiada. Talvez a dor e o desespero, que eu temia sentir até então, se manifestariam e me remoeriam mais tarde e aos poucos, não sei.
Eu simplesmente não consegui esboçar qualquer reação às diferentes tentativas para de me distrair ou de fazer com que eu dissesse algo, ela até tinha desistido de tal tarefa quando já estávamos prontas para dormir. Minha mente estava completamente vazia e impenetrável, pois eu não queria sequer pensar sobre o assunto, não conseguia raciocinar direito. Depois de admitir para alguém e até para mim mesma, tudo aquilo parecia muito mais real e eu estava com medo dessa realidade.
- Eu espero que você já esteja com vontade de fazer xixi – ela disse e eu suspirei.
- Por que compramos três testes de uma vez?
- Porque se fosse um só, suspeitaríamos que ele teria dado errado, independentemente do resultado. Você não aceitaria o positivo, pois não quer ter um filho agora, mas também não aceitaria o negativo caso os seus “sintomas persistissem”. – fez aspas – Se fossem dois e eles dessem resultados diferentes, não nos ajudariam em nada. É uma ideia boba, mas com três, tudo fica muito mais fácil, entendeu?
- Uhum.
- De qualquer forma, eu acho melhor você ir ao médico. Mas se os três derem negativo, a gente pode rir muito disso daqui uns anos! – ela disse entre risos, tentando disfarçar um pouco do seu nervosismo sobre o assunto, então eu me sentei sobre o colchão – Imagina só...
- Mas e se os três derem positivo? – eu a interrompi, vagarosamente assimilando tudo o que ainda estava fragmentado em minha mente, e encarei , vendo seu sorriso se desmanchar no mesmo instante.
- É. Está ai uma ótima pergunta. – ela disse entre um suspiro depois de um tempo e se sentou também – Com certeza você vai ter que ir ao médico e então... Bom... Não sei, .
Silêncio.
- Eu estou com medo – suspirei e fixei por alguns instantes o meu olhar em um ponto qualquer no chão, que me parecia muito interessante neste exato momento.
E se os três derem positivo...
- A gente vai te ajudar no que for preciso, disso eu tenho certeza. Mas se todos derem negativo, eu juro por Deus que vou tingir o meu cabelo de roxo pelo resto da minha vida. – ela disse, chamando minha atenção e relaxou os ombros, arrancando-me risos – Ou pelo menos até o dia que você realmente quiser esperar por um filho, vai ser um tipo de comemoração, ai eu o deixo voltar a cor natural.
Esperar por um filho...
Dei uma risada contida, nervosa, medrosa.
E se os três derem positivo, eu vou esperar por um filho de .
Apoiei as mãos na cama e o rosto no ombro, encarando o outro extremo do quarto e sentindo um bolo se formar em minha garganta. Ao mesmo tempo em que tentava me acalmar e dizer a mim mesma que aquilo era uma bobagem minha, que poderia existir uma pequena possibilidade de eu estar completamente precipitada ao pensar que estava grávida e que tudo ficaria bem no final, eu também me sentia a pessoa mais idiota do mundo, imaginando como me deixei chegar a tal ponto.
Eu, que sempre tentei seguir as regras que me foram impostas e ser a mais disciplinada possível, me focando nos estudos e no futuro... Ah, o futuro! Eu não sabia mais o que esperar do futuro, não depois da total reviravolta que minha vida deu, pois agora ele me parecia completamente incerto. Estaria perdida e, muito obviamente, sozinha se qualquer um dos testes desse positivo.
Quando isso pode ter acontecido? e eu sempre nos prevenimos, mas agora, mesmo me esforçando ao máximo, eu não conseguia me lembrar de uma ocasião que tenha sido diferente. Eu, definitivamente, não podia estar grávida!
- Tenho que fazer isso logo.
Tirei a sacolinha branca da farmácia de dentro da minha mochila, que estava ao meu lado no chão, então eu me levantei e segui em passos firmes diretamente para o banheiro, que ficava no final do corredor. Não fazia sentido algum ficar ali parada, rezando por um milagre. Eu estava com aquela ideia martelando em minha cabeça havia tempo e faltava pouco para que enlouquecesse de vez.
- Qualquer coisa, me chama – ouvi dizer e fechei a porta do banheiro, trancando-a logo em seguida.
- Tudo bem, não deve ser tão difícil assim... – eu disse para mim mesma enquanto tirava os testes de dentro da sacolinha.
E, realmente, não era nada difícil. Então fiz o que tinha que ser feito com os três testes e os coloquei sobre a pia de mármore branco, perfeitamente alinhados paralelamente na vertical e com os visores dos resultados virados para baixo... Tudo bem, talvez eu já tenha enlouquecido. Lavei minhas mãos, respirei fundo repetidas vezes e me sentei sobre a tampa do vaso sanitário, ficando ali por um longo tempo.
Eu não queria ver os resultados.
- ? – e mais três batidas na porta – , sei que está com medo e tudo bem, eu entendo, mas faz o maior tempão que você está ai dentro e eu estou começando a ficar preocupada com a sua integridade física.
Suspirei e me virei sobre a tampa do vaso para apertar o botão da descarga.
- Ah, você está viva. Legal. Bom saber.
Silêncio. Olhei novamente para os três testes de gravidez sobre a pia e passei as mãos nervosamente pelos cabelos. Sim, eu já havia enlouquecido, só não tinha percebido isso ainda. Quem tem a psicótica preocupação de alinhar seus testes de gravidez? Quem fica tanto tempo dentro de um banheiro, sentada sobre a tampa do vaso sanitário balançando a perna freneticamente enquanto olha para três coisinhas pequenas como se fossem um bicho de sete cabeças? Eu só podia estar louca mesmo, pois aquilo poderia significar nada de mais, poderia ser exagero, ser apenas um drama meu, um drama... Pós-traumático? Talvez. Ou não. Não sei. Ok, eu estou muito confusa agora.
Suspirei novamente, mas agora decidida. Apertei minhas mãos em punhos, estralando os dedos polegares a fim de afastar um pouco da tensão e me levantei. Tudo bem, isso tudo não vai ser nada de mais.
- Olha, não estou querendo te apressar, mas... – ouvi dizer do outro lado da porta e mordi o lábio inferior ao tocar o mármore frio com a ponta dos dedos – Já faz bem uns trinta minutos que minha mãe ligou avisando que eles estão voltando da igreja e vai ser meio estranho se você ficar tanto tempo no único banheiro da casa.
Coloquei o primeiro teste na horizontal e virei o resultado para cima engolindo a seco quando vi duas tiras vermelhas no pequeno visor, indicando o resultado positivo. Ouvi me chamar novamente, mas a ignorei respirando profundamente em uma tentativa fracassada de me manter calma e repeti o processo com o segundo teste, que me fez sorrir com amargura, pois mais duas tiras vermelhas estavam ali, estampadas. Algo automaticamente se apertou em meu peito, trancou minha garganta e inundou meus olhos. Mordi o lábio inferior internamente e funguei, sentindo as lágrimas quentes descerem pelo meu rosto, então peguei o último teste. Duas tiras vermelhas.
Larguei o teste, apoiando a mão trêmula na borda da pia enquanto levava a outra à boca, eu desmoronei ali mesmo, cai sentada no chão do banheiro e apoiei as costas contra o gabinete sem conseguir estrangular meu choro por muito tempo.
Era difícil acreditar que em poucos meses e minha vida estava uma completa bagunça, como se além de a colocarem de cabeça para baixo, lhe deram uma bela de uma chacoalhada apenas por diversão. Tirando de mim pessoas importantes e fazendo diversas mudanças apenas para ver o quanto eu aguento, mas olha só a novidade: Eu não aguento tudo isso! É demais pra mim.
Abracei minhas pernas e passei uma das mãos pelo rosto, sentindo-o mais molhado do que jamais esteve. Eu soluçava, chorava e ouvia a voz de me chamar, mas ela estava longe demais, minhas lembranças e pensamentos falavam mais alto. Tudo e todos estavam ali, passando repetidas vezes como flashes em minha cabeça, dos momentos bons aos ruins. Minha mãe, meus melhores amigos e . Meu pai, a mudança para o Brasil e uma criança... Uma criança! Isso é loucura, eu não posso, não vou conseguir cuidar de uma criança!
- , POR FAVOR, ABRE A PORTA! – bateu na porta, parecendo ainda mais angustiada e eu tentei respirar.
Inspirei o ar e expirei mais lágrimas, tossindo mais choro. Apoiei as mãos no chão para me levantar e segui até a porta, destrancando e abrindo-a.
- Eu não... Não vou conseguir... – solucei balançando a cabeça negativamente e me abraçou.
- Eu disse que a gente vai te ajudar! – ela disse com a voz levemente embargada, coisa que me fez soluçar – A gente vai te ajudar, ! Calma! Shh... Calma, não chora.

Antes de realmente pegar no sono e dormir, eu pensei que tinha feito o correto ao chamar para dormir na mesma cama que nós dois, pois ela nunca havia feito algo do tipo. Nunca dormiu por uma noite inteira com e há muito tempo que não se deitava comigo em uma cama de casal, até mesmo porque é com Robert com que eu me deito... Ou melhor, deitava todas as noites. E ela também nunca viveu a experiência de ter e eu tão juntos dela ao mesmo tempo em um momento, de certa forma, íntimo para nós três.
Com a ajuda das poucas e velhas fitas cassete que ainda tenho guardadas no meio das minhas coisas, e com minhas breves lembranças de como era minha infância com o meu pai por perto, lembro que minha mãe sempre deixava que eu dormisse na mesma cama que os dois e, para mim, aquilo era a melhor coisa que existia. Eu não gostava de dormir sozinha, gostava de ficar com eles. Gostava da segurança, do calor e do carinho no cabelo. Lembro que eles sussurravam baixo coisas sobre seu dia quando eu estava quase pegando no sono. Lembro que eu prestava mais atenção em suas respirações calmas e nas batidas ritmadas do coração do meu pai quando eu encostava a cabeça em seu peito, assim como fazia e ainda faço com .
Inclusive, depois dos ultrassons de , em que era possível ouvir as rápidas batidas de seu pequeno coração, e o longo tempo em que eu ficava com ela ainda bebê em meu colo, apenas vendo seu peito subir e descer enquanto dormia, essa minha mania se intensificou em demasia.
E tudo bem, muito justo ela ter esse momento conosco, mas hoje eu estava achando que a ideia de havia sido terrível pelo simples fato de ele dormir feito uma pedra só de abraçar um travesseiro e de ela ter se mexido e subido em cima de mim várias vezes durante a noite. Não, eu não sei porque ela faz isso, só sei que faz e, quando tem pesadelos e eu vou ficar com ela, é só começar com a tal "mexeção", que eu volto pra minha cama. No dia seguinte ela não saberia que eu não tinha ficado a noite inteira naquela mesma cama. Simples assim. Mas agora, como eu fiquei a noite inteira ali e estava cansada demais para me levantar e carrega-la até o outro quarto, o meu ombro estava todo dolorido.
Era por volta das seis da manhã e, como de costume, eu já estava me esgueirando para fora da cama, mas sem conseguir evitar que um muxoxo de dor escapasse dentre meus lábios ao levantar os braços para me espreguiçar. Calcei meus chinelos seguindo ainda meio cambaleante de sono até o banheiro e fiz minha higiene matinal, penteei o cabelo e vesti o roupão branco que havia deixado ali para mim na noite anterior, mas que eu acabei por não usar.
Peguei meu celular sobre o criado-mudo e deixei o cômodo na ponta dos pés. Eu sabia que não conseguiria mais voltar a dormir e não quis acordar e , então encostei a porta e desci as escadas já ligando o celular.
Não que eu estivesse completamente preocupada com ele, pensando que talvez o desejo de de que ele esteja morto tenha mesmo se realizado, mas o sumiço de Robert era muito estranho, ainda mais depois do estado em que encontrei a nossa casa. Eu estava esperando por algo muito menos implosivo da parte dele depois disso, algo a longo prazo, mas estava tudo fácil demais até agora e isso é de se desconfiar. Não havia chamada perdida em meu celular, nenhuma mensagem, não houve sinal de fumaça e ninguém veio bater na porta para dar alguma notícia sobre ele, ou exigir que eu voltasse para casa, ou qualquer outra coisa! Não havia um único vestígio sobre Robert. Absolutamente nada.
Mordi o lábio inferior e resolvi que era melhor eu me ocupar com outra coisa, com pensamentos saudáveis de preferência. Coloquei o celular no bolso do roupão, mas logo ele vibrou, automaticamente deixando-me tensa. Saquei-o de volta com cautela e olhei no visor.
- Fala sério, ... – ri de mim mesma ao ver que era uma mensagem da operadora do celular – Não, gente, eu não quero concorrer a um carro.
Balancei a cabeça negativamente, relaxando os ombros e apaguei a mensagem tornando a colocar o aparelho no bolso logo em seguida. Acho que depois dessa, era certo de que eu estava ficando um pouco paranoica com toda essa história sobre Robert e que tinha que relaxar, tinha que parar de me preocupar tanto. Suspirei olhando em volta e comecei a abrir todas as cortinas daquele andar que davam vista para os fundos, para a escassa folhagem em torno da casa, para os pedregulhos que levava até a areia coberta pela névoa e para o mar, com suas ondas revoltosas e os grandiosos penhascos brancos. As janelas suavam mostrando o frio cortante que estava lá fora, onde a vista era maravilhosa e prendia minha atenção com todo o mérito. Eu nunca havia presenciado nada como aquilo.
Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo meio frouxo com o elástico que estava em meu pulso e enfim segui para a cozinha para preparar o café da manhã com calma. Abri os armários e só então me dei conta que, mesmo tentando cortar os gastos desnecessários durante a compra, nós trouxemos muita coisa! Poderíamos ficar um longo tempo nessa casa sem nos preocupar, pois não haveria problema algum com comida. Coisa que seria realmente muito interessante para se levar em consideração... Ok, acho que não é segredo para ninguém que eu estou louca para ficar aqui por mais tempo, mas é verdade, os armários estavam cheios!
Peguei a caixa de cereal, alguns pães e comecei a pôr à mesa da cozinha apenas o que tinha certeza de que comeríamos. Depois abri a geladeira para pegar o leite e algumas coisas mais, vendo um pacote de waffles congelados ali... Franzi o cenho. Eu poderia jurar que tinha deixado isso no mercado.
Pouco a pouco estava quase tudo pronto e em seu devido lugar. Quando desliguei o fogo, pois o leite já estava quase fervendo, eu ouvi barulhos no andar de cima. Um dos dois acordou, presumi. O que era bom, pois assim eu não teria que acordá-los ou esperar mais para enfim saciar a minha fome que começava a se manifestar. Então me servi de uma caneca e segui novamente para uma das janelas, dobrando os braços na altura do peito para me perder com o olhar entre as ondas do mar. Eu estava distraída demais para notar entrar no cômodo, mas tranquila o bastante para não me assustar quando ele me abraçou pela cintura, roçando levemente seus lábios macios em meu pescoço até chegarem ao lóbulo de minha orelha.
- Bom dia – disse sua voz ainda rouca e meus olhos se fecharam automática e brevemente diante da sensação que seu quente hálito de menta provocou ao tocar minha pele exposta.
- Bom dia.
- Dormiu bem? – perguntou colocando sua mão sobre a minha, trazendo a caneca para mais perto de nossos rostos apenas para ver o que tinha ali dentro, coisa que me fez rir fraco.
- Não muito, na verdade.
- Por que?
- subiu em cima de mim várias vezes durante a noite e agora meu ombro está dolorido. Uma pequena tortura. – eu disse entre risos – Da próxima vez deixe que eu vá com ela pra o outro quarto, prometo que volto para você depois, ok?
- Desculpe. – pediu subindo vagarosamente suas mãos pelas minhas costas – Eu esqueci que vocês duas não dividem mais a mesma cama.
- Tudo bem, eu também não recusei a ideia. – eu disse e , puxando com cuidado a gola do meu roupão até meus ombros ficarem suficientemente expostos, pousou suas mãos quentes ali e passou a massageá-los – Ai!
- É aqui que dói? – e tocou mais uma vez onde estava dolorido, fazendo-me arquear as costas involuntariamente.
- Aham – assenti e ele passou a massagear com mais suavidade naquela região.
Suspirei fechando os olhos mais uma vez e deixei minha cabeça aos poucos pender levemente para frente, apenas me aproveitando de cada segundo daquilo. Será que eu precisava de mais alguma coisa nessa vida? Com certeza não, estava tudo muito bom assim.
- ?
- Hm?
- Não acha que é um tanto apelativo você gemer agora?
- Hm... Não estou gemendo, amor – eu disse completamente embebida por seu toque e riu baixo perto de minha orelha.
- É sério, você está acabando com o pouquinho que ainda resta do meu estoque de autocontrole – ele disse baixinho e eu ri ao sentir meu corpo todo se estremecer por dentro.
Efeitos. Tratando-se de , eles sempre se fazem presentes.
Abri os olhos aos poucos, preguiçosamente, e mantive o sorriso no rosto com a certeza de que ele não desapareceria tão cedo. Lembrava-me muito bem daquela frase e, na noite que a disse a , eu estava deitada em sua cama enquanto ele fervia em febre. Estava preocupada, pois ele não tinha se cuidado depois da forte chuva que tomamos e que nos deixou com roupas encharcadas no meio da estrada; Roupas que depois de certo tempo, já dentro do carro, começaram a nos incomodar, atrapalhar e foram facilmente descartadas. Mas ali, na mesma cama que ele, eu estava completamente confusa, pois queria estar naquele exato lugar, queria estar perto e cuidar de , só não sabia se podia ou se seria certo levando-se em conta o notável anel de noivado em meu dedo e o turbilhão de sentimentos que tomava conta de mim. Mas agora... Agora a situação era diferente e eu simplesmente amava aquela frase.
- Desculpe, mas você já acabou com o meu estoque de autocontrole faz tempo. – repeti o que ele havia me dito naquela noite e nós rimos juntos – Você tem certeza que quer mesmo continuar com essa massagem? Sinto como se fosse desmontar a qualquer momento.
- Estou apenas cuidando de você, amor – ele disse entre risos, depositando um beijo em minha nuca logo em seguida.
- Você está mimando muito a mim e a nesses dias, vamos ficar insuportáveis daqui alguns anos. – eu brinquei ouvindo-o rir – É sério, vou querer uma massagem sua sempre que possível.
- Tudo bem, eu gosto do seu pescoço e dos seus ombros.
- Ahm... Eu estava brincando, mas dessa eu não sabia – sorri e me virei para olhá-lo de frente.
ainda estava com aquela carinha de sono que me dá vontade de encher de beijos, os olhos estavam um pouco comprimidos e ele tinha um sorriso lindo moldando os lábios. Seus cabelos estavam levemente bagunçados, como se ele apenas tivesse passado a mão para afastar alguns fios do rosto, e estava vestindo um roupão preto com o nó meio frouxo, deixando parte de seu peitoral a mostra. Suspirei e coloquei minha caneca sobre a bancada de um dos armários. Ok, , agora levando-se em consideração tudo isso que eu vejo e que tenho ao alcance de minhas mãos, mais o timbre tentador de sua voz, eu diria que nós temos mesmo que tirar logo esses sete anos de atraso.
- Vou começar a usar mais o cabelo preso e umas roupas em estilo tomara-que-caia, o que acha? – eu sorri dando um tímido passo à frente e reprimiu o sorriso arqueando uma das sobrancelhas.
- Acho sinceramente que você quer me torturar.
Assim como você está fazendo comigo agora?
- Um pouquinho, talvez.
- E acho também que você tem que fazer isso lugares em que eu possa te atacar, ou se não eu vou ficar muito frustrado – deu um firme passo à frente e eu mordi o lábio inferior ajeitando o roupão com a mão livre, cobrindo meus ombros e parte de meu pescoço.
- Isso eu já não posso prometer.
Soltei o cabelo rindo quando fez bico e tive que me colocar nas pontas dos pés para selar rapidamente seus lábios aos meus. Lábios dos quais aceitou de bom grado, tanto que sua mão já estava firmemente espalmada na base de minhas costas, impedindo-me de me distanciar um centímetro sequer quando apenas afastei nossos rostos. E então ele ficou me olhando por alguns instantes até comprimir os olhos.
- Você sabe que isso é muita sacanagem, certo? – ele disse tão naturalmente, que eu até me surpreendi e gargalhei jogando a cabeça brevemente para trás, logo depois me deparando com o seu sorriso desconcertante – Não ria, . Você não tem vergonha, não? Isso é sério.
- Estou vendo essa seriedade toda estampada na sua cara, – ironizei entre risos e ele passou seu braço livre sobre meus ombros, pois era a sua vez de me dar um beijo. Mas foi um beijo estalado, que me arrancou uma gargalhada. E ele então olhou para o alto.
- Que mulher é essa que eu fui arranjar, meu Deus? – disse e eu ri mais, dando um leve belisco em seu braço e fazendo-o me olhar ainda com aquele sorriso no rosto.
- Uma que gosta mesmo de você e que é até arrumadinha – alarguei tanto o sorriso que meus olhos automaticamente se fecharam enquanto ria.
- E meio ceguinha também para se chamar de "arrumadinha", não é? Nem parece que você acabou de acordar – ele disse e eu fechei o sorriso sentindo meu rosto esquentar.
É sério que eu fiquei com vergonha?
- É porque eu não acabei de acordar mesmo. – balancei a cabeça negativamente e ele rolou os olhos rindo – Enfim... Preparei o café da manhã para nós três.
- Mesmo? – franziu o cenho e olhou brevemente para a mesa – Caramba!
- Vai dizer que não tinha notado?
- Não tinha mesmo, – ele riu tornando a me olhar – você me distraiu.
- Eu, não. já acordou?
- Ainda não.
- Então eu vou subir e chama-la.
- Ok, vou esperar por vocês – assentiu me deu mais um selinho antes de me soltar.
Sorri e lhe dei as costas, deixando o cômodo para seguir escada a cima até o quarto em que deveria ter passado a noite para pegar sua escova de dente dentro da mochila dela e depois fui para o quarto de , onde ela ainda dormia na cama-box, coberta pelo edredom até as bochechas rosadas. Coloquei a escova sobre o criado-mudo e rodeei a cama pensando na melhor forma de acorda-la, então tirei os chinelos e entrei debaixo do edredom para ficarmos frente a frente.
- ? – chamei e apertei levemente sua cintura, vendo-a se encolher um pouco – Vamos acordar, meu anjo?
- Hm... Nah... – murmurou e me abraçou pelo pescoço.
- Vamos, mocinha, já está na hora.
- Só mais dois minutinhos, mamãe.
- Dois minutinhos passam muito rápido.
- E dez? – ela disse com a voz mole e eu ri.
- Nada disso. Olhe para mim. – pedi e ela abriu preguiçosamente apenas um dos olhos – Sem negociação.
- Mas está tão bom aqui – ela fez bico fechando os olhos.
Agora eu não pude deixar de notar a indiscutível semelhança entre ela e , ainda mais quando estão tentando me convencer de alguma coisa, os dois eram iguais tanto na aparência quanto na insistência. Sorri afastando uma mecha de cabelo que caia sobre o seu rosto e suspirei, puxando mais a ponta o edredom para mim.
- Pior é que está mesmo muito bom. Você tem razão – eu disse e ela riu.
- O papai já acordou? – ela perguntou olhando brevemente para o lado em que ele supostamente deveria estar.
- Já e está lá na cozinha. Eu fiz o café da manhã dele. – eu arqueei as sobrancelhas vendo-a fazer o mesmo – Tem café, cereal, frutas... E acho até que vou preparar uns waffles, porque eu sei que seu pai ama waffles.
Disse apenas para provocar pois, na verdade, eu já havia preparado. Eu sabia que amava mesmo waffles e sabia também que foi exatamente por essa razão que ele havia colocado o pacote de volta no carrinho de compras mesmo depois de eu ter tirado, coisa que não faria, mas adoraria tê-lo feito.
- Ele ama waffles? – ela perguntou e eu assenti, segurando para não rir quando ela fez bico mais uma vez – Mas eu também amo waffles.
- Ah, mas você nem quer levantar da cama, lembra?
- Quero, sim, olha! – ela disse e, mais do que rápido, ficou em pé sobre a cama com os braços abertos para demonstrar o que dizia.
- Pensei que você tivesse dito que aqui estava muito bom... – brinquei e ela começou a dar pulinhos.
- Não! Eu levantei, mamãe! Levantei! Levantei!
A cada palavra era um novo pulo que ela dava, a cama se mexia e eu acabava pulando involuntariamente, coisa que me fez rir mais e dar uma gargalhada gostosa. Então peguei sua escova sobre o criado-mudo, lhe estendendo a mesma logo em seguida e a pegou já pulando no chão para correr em direção ao banheiro da suíte. Dei uma risada contida e me virei de bruços, espalhando-me sobre a cama macia. Eu não estava brincando, minha filha tinha mesmo razão quando disse que ali estava muito bom! Tanto que eu levantei instantes depois com uma enorme relutância, peguei a boneca de que estava jogada no chão, colocando-a sentada sobre o criado-mudo e então segui para o banheiro.
- Dormiu bem? – perguntei encostando o ombro no batente da porta e , me olhando através do reflexo do espelho a sua frente, assentiu enquanto escovava os dentes – Teve mais pesadelos?
- Hã-han.
- Ainda lembra como foi o da noite passada? – perguntei e ela negou com a cabeça – Tudo bem. Escove bem os dentes, peteie o cabelo e nos encontre na cozinha, ok?
Sorri quando ela assentiu novamente e deixei o cômodo. Já seguindo escada a baixo, cheguei à porta da cozinha encontrando sentado à mesa, mexendo em seu celular, e ele logo notou minha presença.
- Amor, antes de entrar, me faz um favor? – perguntou deixando o aparelho de lado e eu levantei os ombros levemente – Ai do seu lado direito tem um violão no suporte, pega pra mim?
- Só pra saber... Você vai ficar tocando ao invés de tomar café? – franzi o cenho pegando o instrumento em mãos para levar até , que sorriu em agradecimento quando o entreguei.
- Na verdade, eu não queria falar, mas não aguentei e comi mais da metade de um waffle – ele disse encolhendo os ombros, passando a mão pelas curvas do violão negro, e eu ri.
- Quanta cara de pau – eu disse balançando a cabeça negativamente enquanto me sentava na cadeira ao seu lado e começava a dedilhar as cordas do violão.
- Desculpa, falei que ia esperar vocês, mas eu amo waffles.
- Eu sei. – sorri de lado e fez o mesmo, clicando em algo no seu celular – E sei também que você não é do tipo que rejeita comida.
- Não mesmo! – ele gargalhou – Eu só quero gravar isso.
Ele mexeu novamente no aparelho celular e então, sob o meu olhar atento, começou a tocar o violão, por vezes cantarolando baixinho, quase que inaudível sob o som do instrumento em suas mãos. Cruzei as pernas e me debrucei na mesa, eu apenas conseguia ouvi-lo dizer I'll never say goodbye e nada mais, mas ainda assim um sorriso encantado brotou em meus lábios.
- Não está tão ruim, está? – ele me olhou sem parar de tocar e eu arqueei as sobrancelhas, rindo.
- Você sabe que eu não entendo nada de música, certo?
- Entende mais do que o Snoop, que é pra quem eu sempre peço opinião quando estou em casa sozinho, isso eu posso garantir – ele disse clicando rapidamente em seu celular e eu ri.
- Para mim, está perfeita.
- Ótimo, é para você mesmo.
Engraçado é que ele diz tudo numa naturalidade tão grande, como se aquilo não fosse nada de mais, como se eu ouvisse aquilo todos os dias de manhã. Então eu abri a boca numa tentativa completamente frustrada de dizer algo, apenas vendo-o rir.
- Você não tem noção do quão legal é te deixar sem graça – ele ria.
- Bom dia! – disse ao entrar na cozinha jogando as mãos para o alto, arrancando-nos risos, até que ela olhou para e correu em sua direção – Um violão! Toca Elvis?
- Só se você cantar – ele arqueou as sobrancelhas.
- Pode ser Burning Love? – a pequena perguntou e e eu franzimos o cenho em estranheza, mas rimos logo em seguida. Jurava que ela se negaria a cantar.
Deixei que os dois se divertissem um pouco e me levantei para requentar o leite, pois depois de tanto tempo esperando-os, a leiteira já estava fria. Quando a tirei do fogo, servi uma caneca para e tirei o violão das mãos de afirmando que já era tarde, que eles tinham que tomar o café da manhã e não ouvi nenhuma reclamação, eles estavam mesmo com fome.

- Certo, será que agora alguma de vocês pode me explicar exatamente o que está acontecendo? – a mãe de , sentada na mesinha de centro à nossa frente com meu pai ao seu lado, perguntou.
Nós duas nos entreolhamos rapidamente e eu me mexi desconfortavelmente sobre o sofá. Meu tio estava em pé e de braços cruzados, encostado ao batente da porta e não quis se envolver mais do que isso. Deixei meu olhar cair sobre a perna de meu pai, que se mexia freneticamente num sinal de ansiedade, e olhei para seu rosto cansado sentindo vontade de chorar todas as lágrimas que eu já não tinha mais por não saber o que ele iria pensar quando me ouvisse dizer que estava grávida, por não ter a menor ideia de qual seria a sua reação. Isso estava acabando comigo, mas o pior era imaginar que talvez a conversa mais longa, direta e clara que teríamos aconteceria hoje e seria sobre o fato de eu estar grávida. Na verdade, seria muito provavelmente uma bronca da qual ele teria toda a razão em me dar.
- , por que você estava chorando tanto quando eu cheguei aqui? – ela tornou a falar e eu apenas tirei a sacolinha branca de dentro do bolso da minha blusa cinza de moletom, estendendo-a.
Minha tia franziu o cenho esticando a mão, mas foi meu pai quem pegou a sacolinha sem hesitar, puxando dali os três testes de gravidez que eu tinha guardado quando ainda estava na paranoia de organizar aquelas coisinhas brancas, pensando no que faria com elas. Sem se importar, ele deixou a sacolinha cair no chão e virou cada visor para cima de forma que minha tia também pudesse enxergar os resultados, e então me encarou fixamente de um jeito não muito agradável, diga-se de passagem.
- Espera, aqui tem três testes. Nenhum desses é seu, é, ? – minha tia, já nervosa, se apressou em perguntar e arregalou os olhos.
- Não! Não, mãe, é só da ! Os três são.
- Ai, que bom... – ela suspirou aliviada – Ok, agora vai para o seu quarto.
- Não, eu vou ficar.
- Vai, . Isso foi uma ordem, não uma sugestão.
- Mãe, deixa eu só...
- Anda logo, ! – ela disse firmemente.
E, com um último olhar de piedade direcionado a mim, saiu o cômodo ainda relutante, deixando-nos sozinhos em meio a um silêncio extremamente desconfortável. Funguei abraçando-me ao meu próprio corpo e continuei encarando os dois adultos à minha frente com meus olhos ainda vermelhos e inchados, esperando por qualquer tipo de reação deles, até que minha tia suspirou mais uma vez e se sentou ao meu lado, unindo suas mãos às minhas.
- Ah, querida, não fique assim. Está tudo bem...
- Tudo bem? Você por acaso tem noção do que isso aqui significa? – meu pai a interrompeu incrédulo – Tudo bem... Você sabe que não está nada bem e nem vai ficar! Olha só pra essa menina, – e se levantou apontando para mim com a mão que ainda segurava os testes – não tem nem 18 anos, não se formou no colégio, nunca trabalhou na vida e está grávida! Que porcaria de futuro você acha que ela vai ter?
Fechei os olhos brevemente e encolhi os ombros, apenas aceitando a dor que aquelas palavras queriam propositalmente me causar enquanto minha tia permanecia em silêncio ao meu lado. Afinal ele não estava mentindo, estava? Eu mesma já havia pensado em tudo isso.
- Diz pra mim, , como você pretende cuidar de uma criança? O que você vai fazer da sua vida? – ele perguntou elevando um pouco seu tom e eu abri a boca uma ou duas vezes sem conseguir emitir som algum, aturdida – E o pai da criança, cadê?
- Na Inglaterra – ouvimos a voz de e todos olhamos para ela, na porta do cômodo e ao lado de seu pai ainda calado.
- !
- Mãe, a precisa da nossa ajuda!
- Isso é muito bom mesmo – meu pai riu sem humor.
- Ei, calma! – minha tia se levantou, tentando amenizar a situação, mas ele logo fez sinal para ela se manter afastada.
- Licença, será que eu posso falar somente com a minha filha agora? – e então se virou para mim – Ele está na Inglaterra, ? Ótimo, mas e Sue? Onde e o que ela estava fazendo para não poder cuidar de você e não te deixar fazer uma burrice como essa? Que tipo de ótima educação ela achava que estava te dando naquele maldito lugar?
- E que direito você tem de falar dela? – eu me levantei também, fechando minhas mãos em punhos. Minha mãe não tem nada a ver com isso.
- Eu sempre soube que ela não saberia cuidar de você direito! Não sozinha.
- Mas mesmo assim não foi você quem cuidou de mim, quem me educou durante todos esses anos em que estive na Inglaterra. Também não é quem está fazendo isso agora e, pelo jeito, nunca fará. Você nunca me ensinou coisa alguma, então que direito você tem para falar da minha mãe e do que ela fez por mim? Você nem mesmo me conhece!
- Mas eu conhecia muito bem a sua mãe. O bastante para saber que você é igualzinha a ela, até mesmo agora... – ele disse balançando a cabeça negativamente, parecendo realmente decepcionado, mas eu não me importei – E eu sou o seu pai!
- Você não é nada pra mim. Eu não te conheço!

- Tente manter a nota no final, ok?
- Aham.
- Você acha que consegue?
- Consigo!
- Ótimo, então vamos tentar mais uma vez e vo... – dizia para , mas logo foi interrompido pelo som de seu celular tocando – ...cê, ahm... Desculpe, pequena, eu tenho que atender.
Olhei brevemente por cima do ombro, vendo deixar o violão de lado ao se levantar e deixar a cozinha já atendendo o celular. Franzi o cenho, mas ignorei minha curiosidade sobre aquela ligação e tornei minha atenção para o pouco de louça que ainda restava para lavar.
- Aqui, mamãe – disse ao aparecer ao meu lado com os dois copos que eles usaram para beber água.
- Obrigada, meu anjo.
- Você viu o que eu fiz? – ela perguntou, toda animada, e eu ri – Cantei a música da minha apresentação todinha e não esqueci da letra, nem fiquei com tanta vergonha assim de você e do meu pai.
- E também cantou muito bem.
- Ah, mas eu ainda tenho que treinar bastante... – disse entre um suspiro e pegou um dos pequenos biscoitos de chocolate que estava dentro do pote de vidro sobre a bancada, colocando-o na boca logo em seguida – Principalmente o final, assim como a professora disse.
- Mas você está se divertindo? – perguntei e passei meu dedo ensaboado em sua bochecha, fazendo-a rir – Porque tudo fica melhor quando estamos nos divertindo.
- Mamãe!
- O que, filha? Eu só perguntei se você estava se divertindo – e passei em seu queixo.
- Eu estou, mas tem sabão na sua mão.
- Ai, me desculpe, eu nem percebi – e toquei a ponta de seu nariz, arrancando-lhe mais risos.
- Ah, não, mãe. Você está me sujando – ela disse pegando a barra de meu roupão para limpar o rosto e foi a minha vez de rir.
- Já vai se acostumando, tampinha, daqui a pouco você vai ter que tomar banho mesmo.
- Tudo bem, tudo bem... – disse ao celular quando entrou novamente no cômodo e eu fechei a torneira, colocando o último copo lavado no escorredor – Fletch, é sério, cara, está tudo bem! Certo. Até!
- Ahm... Está tudo bem mesmo? – perguntei ao pegar o pano de prato para enxugar as mãos, e riu enquanto guardava o celular no bolso do roupão.
- Sim, é que o Fletch me lembrou sobre um compromisso da banda e... Eu não queria, – ele disse para mim, aproximando-se da bancada – mas teremos que voltar para casa hoje, pode ser?
- É, tem mesmo que voltar pra escola e eu tenho que confirmar se ainda tenho um emprego, então pode ser – sorri sem jeito e riu.
Olhamos para , esperando que ela também dissesse alguma coisa sobre o assunto, assim como costuma fazer quando o mesmo a envolve, mas ela mudou totalmente a sua expressão, semicerrando os olhos em direção a , e cruzou os braços.
- O que foi, pequena? – ele perguntou pegando-a no colo para sentá-la sobre a bancada.
- Eu não quero voltar para casa!
- Por que não?
- Porque se a gente voltar, a mamãe e eu teremos que morar com o Robert, e eu não quero isso – ela disse brava e eu ia explicar que as coisas não seriam mais dessa forma, mas foi mais rápido, manifestando-se antes que eu pensasse em abrir a boca.
- Claro que não, , vocês vão morar comigo.
- Sério? – ela perguntou já abrindo um grande sorriso, vibrando de felicidade, e eu franzi o cenho em estranheza.
- , nós não decidimos nada ainda.
- Mas essa seria a decisão mais óbvia, não? – perguntou levantando levemente os ombros – Para aquela casa vocês não voltarão de forma alguma e não há nada mais natural e extremamente correto do que passarem a morar comigo a partir de agora.
- Não, a questão não é essa...
- Então qual é? – ele me interrompeu, arqueando as sobrancelhas, e eu olhei brevemente para , que acompanhava a conversa atenta e silenciosamente.
- Eu acho que talvez essa não seja a melhor hora para falarmos sobre isso.
- Certo... Quem quer morar na minha casa levante a mão. – disse e os dois logo levantaram as mãos, batendo em um high-Five – Viu? A maioria ganha.
- , é sério.
- Vem, filha! – então ele se virou para que subisse em suas costas e ela assim o fez, entre risos, e depois vieram em minha direção – Nós somos a sua família, .
- Sim...
- Então, se somos a sua família, por que você vai se negar a morar com a gente e a ser assim como qualquer outra família normal?
- Por favor, mamãe – disse e a olhou brevemente, logo os dois me olhavam com suas carinhas de cachorros sem dono.
O que foi que eu falei mesmo sobre a insistência deles ao tentarem me convencer de alguma coisa? Ah, sim, eles são indiscutivelmente iguais! Ah, e eles muitas vezes se saem bem nessas situações, pois conseguem o que querem de mim com uma facilidade incrível. E, sim, agora eu estava com dó deles, que me olhavam com aqueles olhos brilhantes e faziam tímidos bicos apenas para me sensibilizar. Mas eu mordi o canto de meus lábios e fixei meu olhar apenas em , pois dessa vez eu seria um pouco mais firme.
- Eu já falei que a questão não é essa – e me virei para a pia, começando a secar a louça com o pano em mãos – e, definitivamente, é melhor deixarmos para discutir isso outra hora.
- Ok. , que tal você ir para o quarto para eu poder falar com a sua mãe agora? – ele disse colocando-a no chão, mas ela cruzou os braços, emburrada mais uma vez.
- Ah, não, por que?
- Porque sim.
- Mas...
- Eu estou pedindo.
- Eu não vou!
- É um assunto importante.
- Não vou para o quarto, eu quero saber o que vocês vão falar! – ela bateu o pé e eu olhei de soslaio para , que suspirou e coçou a cabeça nervosamente.
- , uma ajudinha aqui, por favor.
Coloquei o pano de prato sobre o ombro e, pegando os talheres já secos, segui para a gaveta olhando para brevemente antes de guardá-los ali, esperando que ela fizesse o que pediu, mas como permaneceu imóvel, eu enfim me virei para ela.
- Vai tomar o seu banho – disse simplesmente ao cruzar os braços e ela estalou a boca, dando meia-volta para sair do cômodo em passos firmes – e feche a porta!
- Isso poderia ter sido muito mais fácil – disse depois de um tempo e eu franzi o cenho, voltando a guardar a louça.
- Espera... – fiz sinal para , apenas prestando atenção nos barulhos, ou na ausência deles, no segundo andar – , feche a porta! – eu disse elevando um pouco o tom de voz, logo podendo ouvir o baque da porta se fechando com força, e suspirei – Ela sempre faz isso.
- Ahm, ok... Eu não... Não sabia que ela sempre... Batia portas desse jeito. De onde ela tirou tanta força? – ele disse olhando para cima, atônito com o cenho franzido, e eu dei uma risada contida, desfazendo-me do pano de prato.
- É que você nunca a deixou brava, por isso é uma novidade. – eu disse terminando de colocar os copos e canecas em seus devidos lugares dentro do armário e olhei brevemente para por cima do ombro – Então, o que poderia ter sido mais fácil?
- Você sabe, toda essa coisa sobre onde vocês vão morar a partir de agora. Em que você está pensando exatamente, ? Quer voltar a morar com ele mesmo depois de toda a conversa que tivemos? – perguntou e eu ri sem humor, virando-me para ele.
- Claro que não! Mas também não estava pensando em morar com você... Não neste exato momento. – disse balançando a cabeça negativamente e ele gesticulou, demonstrando que não estava entendendo aonde eu estava querendo chegar – , lembra que nós combinamos em ir com calma?
- Mas gostou da ideia, vai ser bom pra ela ficarmos juntos.
- Sim, mas será que vai ser bom pra você? Seria uma mudança repentina – expliquei e ele fez menção em dizer algo, mas eu logo gesticulei – e nem venha dizer o contrário! Pode até parecer que não, mas essa é uma decisão muito séria, , seria quase como um casamento. Especialmente por causa de .
- Ah, sim! Engraçado, porque o Robert consegue muito bem fazer uma coisa desse tipo e eu não. – disse ironicamente – Eu não estou preparado pra porcaria nenhuma...
- Por que estamos o envolvendo? Isso não tem nada a ver com ele! – franzi o cenho e ele se encostou contra a bancada, cruzando os braços na altura do peito, e eu suspirei – Isso não é uma briga.
- Está parecendo.
- Mas não é! Amor, a questão, o meu ponto de vista – gesticulei a fim de ser mais clara possível – é que você teria que se adaptar a nós duas dentro da sua casa, no meio da sua rotina diária simplesmente de uma hora para a outra.
- Assim como foi aqui?
- Aqui? Não, aqui nós não temos preocupações ou responsabilidades. Não tem escola, trabalho, médico, dentista, contas... – eu disse colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha e me encostei contra a pia, ficando exatamente de frente para – Aqui é como uma válvula de escape para tudo e isso não faz parte da rotina de nenhum de nós. É uma coisa tão aleatória, que dá até para comparar com um dia comum, pois não é todo dia que você vai fazer o jantar, por exemplo, ou acordar de bom humor para me fazer uma massagem, me escrever uma música ou ajudar com uma apresentação da escola. E você pode ter certeza que não vou fazer o café todas as manhãs. – eu ri balançando a cabeça negativamente – E, sim, eu quero manter meu emprego, porque amo o que faço mesmo que eu viva me atrasando para todos os meus outros compromissos, chegando tarde e exausta em casa.
- E, pelo jeito, estes são só alguns dos vários exemplos que você tem na ponta da língua para me dizer – ele disse calmamente e eu apenas concordei com um meneio de cabeça, vendo-o se aproximar, apoiando uma mão de cada lado de meu corpo.
- Vai ser diferente de como foi aqui, você sabe disso. – suspirei apoiando minhas mãos em seus braços – Eu só acho que não precisamos sofrer este impacto agora, mas nos acostumarmos aos poucos com a ideia e tentarmos encaixar as coisas como são. Não precisamos ter pressa.
- Mas também não precisamos esperar mais. – ele disse com seu olhar fixo ao meu, determinado a me fazer concordar com ele, causando-me um leve arrepio interno por sua intensidade – Tudo bem, eu entendo a sua preocupação, mas você não vai nem me deixar tentar te mostrar?
- Mostrar o que?
- Que estou preparado para assumir essas responsabilidades e que posso me adaptar a vocês, assim como vocês podem se adaptar a mim, porque isso é certo. – ele disse unindo nossas testas e eu fechei os olhos, mordendo o lábio inferior – Quanto tempo a gente já não perdeu?
- ...
- Qual é, ? Acho que aprendi bastante com vocês e também estou me esforçando muito pra isso dar certo, então me dá um crédito, vai. Desde que você e apareceram, a minha vida já vem girando em torno de vocês.
- Mas e se você cansar, enjoar de nós duas? – perguntei afastando-me um pouco e sorriu.
- Das duas, não, é bem provável que eu enjoe de você. – deu de ombros e eu abri a boca em incredulidade – Mas depois é fácil arranjar uma nova mãe para .
- Nem brinque com isso, ! – eu disse apertando meus dedos em seus braços e ele riu tentando me roubar um selinho, mas eu virei o rosto.
- Desculpa! – ele segurou meu rosto entre suas mãos para que eu o olhasse nos olhos – E não vou enjoar de vocês, para de ser louca!
- Ok – eu disse meio que de má vontade e ele selou nossos lábios rapidamente.
- Então vocês vão morar comigo?
- Hm... – fingi que ainda pensava sobre o assunto e ele me beijou mais uma vez.
- Vai dar certo, amor, confie em mim – e mais outra vez.
- Eu odeio o fato de você me convencer das coisas tão facilmente, dá vontade de te deixar falando sozinho. – rolei os olhos e ele riu jogando a cabeça brevemente para trás – Vou perder todas as nossas discussões pelo resto da vida.
- Dessa vez não foi tão fácil assim.
- Foi sim. – eu disse me desvencilhando de seus braços e saí do cômodo, começando a subir em passos rápidos as escadas com em meu encalço, ainda rindo – Fica ai, eu vou tomar banho.
- Eu vou também.
- Você vai tomar banho também, só que em outro banheiro, certo?
- Claro que não, por que eu faria essa bobagem?
- Ah, não, ! – eu ri, virando-me para ele já praticamente no final da escada – É sério, não é pra você vir junto comigo.
- ! Para, vai, já estou enjoando de você. – disse em tom brincalhão e eu gargalhei quando ele envolveu minhas pernas com seus braços, erguendo e carregando-me até o seu quarto – Por que eu não posso ir junto?
- Porquê das últimas vezes que tomamos banho juntos nós levamos muito mais tempo que o necessário, porque você fica de gracinha. E agora a gente não pode fazer certas coisas – eu sorri quando fui devolvida ao chão e franziu o cenho, fechando a porta atrás de si.
- Que coi...? Ah, coisas – ele riu indo se sentar na beirada da cama ainda bagunçada.
- É, amor, restrição número um: Nada de coisas enquanto estiver acordada e sozinha no mesmo lugar que nós, assim como agora – disse tirando o celular do bolso, jogando-o sobre a cama e desfiz o nó do roupão, dando a ele o mesmo destino e ficando apenas com a minha camisola.
- Não! É sério isso? – ele franziu o cenho e eu assenti, prendendo o cabelo em um coque com o elástico que estava em meu pulso – Ah, não quero mais que vocês morem comigo. Agora eu entendi o que você quis dizer quando disse que seria quase como um casamento.
- Anw, amor! – eu ri e me aproximei dele, passando as mãos por seus cabelos e beijando-lhe a testa rapidamente – Vai dar certo.
- Só se você comprar uma camisola que cubra mais partes do seu corpo e não usar tomara-que-caia ou o cabelo preso – ele disse entre risos e eu gargalhei.
Há quanto tempo que eu não ria de coisas bobas assim, com tanta facilidade e a quase todo momento? Há quanto tempo que eu não me sentia tão bem sob minha própria pele, sem me preocupar e sentir a necessidade de me arrumar e permanecer bem vestida, apresentável? Digo, neste momento eu não usava maquiagem ou qualquer outra coisa para valorizar certos pontos em mim e esconder minhas imperfeições. Era apenas eu! Eu, apenas de camisola e nada mais, em frente ao homem que conhecia tudo sobre mim, desde cada centímetro de meu corpo, até os meus mais profundos segredos e sentimentos. Sob seu olhar eu me sentia bonita, me sentia amada.
- Vou pensar no seu caso. Agora vai tomar banho no banheiro do corredor, vai.

- Como funciona o atendimento médico aqui?
- Ah... Seu pai te incluiu no convênio dele? Aliás, ele tem convênio médico? – perguntou com o cenho franzido e eu dei de ombros – Seria bom se ele tivesse, daria para te incluir e você poderia passar em consultas nos hospitais particulares.
- Não quero pedir nada para ele, ainda mais depois de tudo o que eu disse ontem.
- É, você foi um pouco maldosa, ele pareceu bem chateado. Sorte que meus pais deixaram você ficar lá em casa.
- Eu só disse a verdade, , maldoso foi o que ele disse da minha mãe.
- Vocês dois foram maldosos, só que de formas diferentes. – ela disse entre um suspiro e colocou uma bala de goma na boca, estendendo-me o pacote logo em seguida – Você sabe que vai ter que falar com ele e voltar pra sua casa um dia, certo?
- Vou voltar hoje.
- Eu não estou te expulsando, não – ela se apressou em dizer e eu ri pegando o pacote de balas de sua mão.
- Sei que não, mas eu sei também que não adianta ficar adiando as coisas.
Suspirei e dei um leve impulso com os pés, fazendo o balanço em que eu estava sentada, ir para trás e depois para frente. e eu estávamos em um parque perto da casa dela e ainda era de manhã. Eu quis ir pra lá, pois era um lugar diferente e eu queria respirar novo ares, e apenas concordou porque eu disse que compraria suas tão queridas balas de goma.
- Até que foi bom o sermão que meu pai me deu, agora eu estou mais disposta a fazer com que isso dê certo. Vou pegar alguns dos currículos impressos que tenho no meio das minhas coisas e começar a procurar um emprego... Meu inglês fluente deve servir para alguma coisa, eu só quero o dinheiro para colocar boa parte em uma poupança e tentar planejar alguma coisa boa para o futuro dessa criança. Tantas mulheres conseguem fazer muito com quase nada, por que eu não vou conseguir? – dei de ombros e ouvi dar uma risada contida ao meu lado, então a encarei – Que foi, doida?
- Tem certeza de que você é a mesma garota de ontem que estava aos prantos dizendo que não ia conseguir cuidar de uma criança?
- Já estou ferrada mesmo, vou fazer o que? Agora não adianta, mas a noite, na minha cama, eu choro – dei de ombros.
- Eu vi... – ela disse séria, mas logo começou a rir – Até levei um susto, achando que você estava tendo uma convulsão, ou sei lá!
- Nossa, , que coisa horrível de se dizer! – eu disse empurrando seu balanço de qualquer jeito com o pé enquanto ela ria – Você é muito desagradável, cara. Tenho até vergonha de dizer que sou sua prima.
- Mentira, você me ama. Passa ai as minhas balas. – pediu entre risos e eu peguei uma antes de entregar o pacote a ela – Será que te contratam mesmo grávida?
- Ninguém precisa saber, se eu estiver certa sobre meus pensamentos, ainda vai demorar um pouco pra ficar na cara que estou mesmo.
- Faz sentido. – ela riu – Mas voltando a falar sobre atendimento médico, você pode passar em um hospital da rede pública! É só ir lá e marcar... O atendimento pode demorar um pouquinho, eu não sei como é para as gestantes, mas até que as coisas funcionam bem aqui na cidade.
- Vou em algum posto amanhã, então... Você vai comigo?
- Vou! – ela deu de ombros e franziu o cenho, olhando para uma bala de goma verde, e depois me encarou – Já parou pra pensar que você vai ficar, tipo, muito gorda?
- Na verdade, não.
- Você podia me emprestar todas suas roupas enquanto estiver obesa.
Silêncio. Nós nos entreolhamos e começamos a rir.
- Ai, que desgraça. , você é um pé no saco!


Capítulo 30 - Vivo


(Música: Beam Me Up – P!nk)

- Quer que eu dirija para você poder descansar um pouco?
- Caramba! Sugestão de matar, hein, amor? – ele disse entre risos enquanto seus olhos permaneciam atentos ao tráfego à sua frente, e eu, que não entendi exatamente qual era a graça, continuei encarando-o com o cenho franzido – Foi uma piada. – explicou olhando-me brevemente – Você dirigindo... De matar... Ha-ha! Entendeu?
- Uma piada?
- Sim...? – ele disse em tom de dúvida e entortou a boca, como se achasse que tinha falado besteira, e então, apenas para lhe dar essa certeza, eu cobri os olhos com uma das mãos e balancei a cabeça negativamente.
- Nossa, que piada horrível, .
- Eu sei. Na minha cabeça parecia bem mais engraçado, desculpa.
Ficamos em silêncio por alguns segundos e então nos entreolhamos. Juro que a princípio eu não tinha a intenção, pois ele estava me zoando descaradamente com aquela piada infame, mas era difícil me manter séria diante daquele sorriso contido e de seu olhar ainda esperançoso de que eu começasse a rir nem que fosse só um pouquinho, nem que fosse apenas para não deixá-lo tão sem graça por sua falha; E foi exatamente isso o que aconteceu logo em seguida. Eu devo ser mesmo muito idiota pra sempre rir de certas coisas.
- Não acredito que você me disse uma coisa dessas.
- Eu sei, mas saiu antes de eu pensar duas vezes. Foi mal – ele disse fazendo-me gargalhar e levar a mão à boca, pois estava dormindo no banco de trás.
- Foi mal? Não, foi péssimo! – eu disse entre risos vendo fazer bico – Por que eu te amo mesmo?
- Olha, agora eu tenho que te confessar de que essa é uma ótima pergunta.
- Idiota. Só de raiva, eu nunca nessa vida vou dirigir pra você. – eu disse esticando meu braço e cutucando sua bochecha com o dedo indicador, que ele tentou morder – A partir de agora você será o meu motorista particular.
- Ai, não maltrata, porque assim eu me apaixono. – ele disse com a voz afetada, fingindo jogar o cabelo para o lado, e dessa vez eu levei as duas mãos à boca, rindo ainda mais – É sério!
- Ai, meu Deus... – e inspirei profundamente, tentando recuperar o fôlego enquanto ria de mim – O que foi isso? Com quem, ou melhor, com o que eu estou namorando...? – franzi o cenho olhando para cima – Ficando...? Ou sei lá?
- Quanta frescura, mulher. – ele rolou os olhos e espalmou suas mãos em minha coxa, apenas para apertá-la entre seus dedos – Fala logo a verdade de que estamos nos pegando, de todas as melhores formas possíveis diga-se de passagem, e já era.
- Para de graça, , não faz muito tempo que pegou no sono e você vai acordá-la com essas coisas impróprias – eu o repreendi com uma risada contida e olhei para trás por alguns segundos, certificando-me de que ela ainda estava dormindo.
- Às vezes eu tenho pena dessa menina, sabia? Com uns pais idiotas como esses que ela tem... – ele disse e estalou a boca, balançando a cabeça negativamente, e eu lhe dei um leve tapa no braço.
- Você que é idiota!
- Tudo bem. Pode falar, , o que tinha naquele suco de uva que a gente bebeu no almoço? – ele comprimiu os olhos, fingindo-se intrigado – Você não parece estar no seu estado normal, rindo de qualquer coisa... Então era suco de uva mesmo ou tinha alguma substância a mais?
- Ah, nem vem... Foi você que fez! – me apressei em dizer.
- Mas foi você que serviu. – rebateu e eu estalei a boca ao dar um soquinho no ar, fingindo-me decepcionada por ser "descoberta", ouvindo-o rir logo em seguida – Eu sabia que aquele remédio que você tomou era meio suspeito.
- , pare de insinuar coisas! Você sabe muito bem que era apenas um remédio para enjoo. – dei ênfase às minhas últimas palavras e levantei de ombros – Foi você que arranjou pra mim!
- Desculpa, amor. É que, na verdade, agora eu estou meio que em dúvida se era para enjoo mesmo. O remédio não era meu – ele disse adotando uma certa ansiedade em seu tom de voz e me olhou de soslaio, esperando por uma reação minha, que resultou apenas em uma breve estagnação que o fez rir ainda mais – Eu estou brincando, .
- Não teve graça. Não vou mais entrar nas suas brincadeiras. – rolei os olhos, porém não consegui evitar o sorriso – Como entramos nesse assunto mesmo?
- Hm... Ok. Primeiro de tudo, teve graça, sim! Segundo, você ama as minhas brincadeiras. E terceiro, você se ofereceu para dirigir. – ele explicou enquanto enumerava o que dizia nos dedos e eu ri – Nós já estamos chegando, amor, não precisava, mas obrigado por se oferecer.
- Ah, bem melhor assim, senhor ! Por nada. – arqueei as sobrancelhas ao me virar de lado, dobrando e trazendo minhas pernas para cima do banco, e deu uma risada nasalada balançando de leve a cabeça em negação – Será que podemos passar na minha prima antes?
- Tudo bem, pode ser... Mas vocês duas não vão ficar lá o maior tempão fofocando em português, não, certo?
- Dessa vez não, – disse vendo-o sorrir de lado – eu só quero pegar algumas das coisas que temos guardadas com ela.
- Tipo o que?
- Ah, tipo algumas peças de roupa e a mochila reserva de .
- Mochila reserva? – franziu o cenho.
- Sim, é uma mochila que deixo guardada lá com uniforme e material escolar. – expliquei entre um bocejo, tentando arrumar o cinto de segurança que estava começando a me incomodar – Claro, não tem tudo o que ela precisa em um dia normal, mas é o suficiente para que ela vá à aula quando eu não puder pegar sua outra mochila.
- Que está na sua casa – presumiu e eu assenti.
- Uhum.
- , você já esperava que algum dia isso acontecesse? – ele perguntou com calma, olhando-me brevemente – Que talvez um dia ele perderia totalmente o controle e você não poderia mais voltar para casa com ?
- Esperava por isso desde que ele perdeu o controle pela primeira vez, na verdade.
- E é por isso também que você deixa tantas roupas e coisas guardadas no apartamento de . – ele disse comprimindo os olhos, pensativo – Era lá que você pensava em morar se caso tivesse que sair da sua casa?
Fiquei em silêncio por alguns instantes, apenas fitando o perfil de , e ele tornou a pousar sua mão em minha perna, movimentando seu polegar em um discreto carinho, e então me olhou para demonstrar que aguardava por uma resposta minha.
- Não exatamente. Acho que pensei somente em ... – confessei em um tom baixo e encostei a cabeça no banco enquanto passava a brincar distraidamente com as pontas de seus dedos entre os meus – Eu não me via com coragem suficiente para sair daquela casa algum dia, sem olhar para trás ou esperar que Robert viesse atrás de mim. Sempre tive a certeza de que ele viria atrás de mim, infenso. Pensei nela, mesmo que eu não consiga imaginar ficar longe ou por muito tempo sem vê-la, mas pensei! Porque é muito importante para mim que ela esteja em segurança, protegida.
- E ela está. – ele disse, deixando que sua convicção transparecesse em seu tom de voz – Não é justo e você nem deve mais se preocupar com isso, ok?
- Ok, mas confesso que é um tanto inevitável, pois sempre a coloco à frente de tudo. – eu disse e suspirei – E acho que você devia fazer o mesmo.
Vi franzir o cenho, talvez incomodado pelo rumo da conversa ou simplesmente com o meu tom de voz, pois, confesso, eu ainda tinha muito receio do que poderia acontecer daqui pra frente e este meu sentimento era muito difícil de ser mascarado.
- ... Aonde você está querendo chegar?
- Só quero garantir que realmente não preciso mais me preocupar tanto com isso. Já disse, eu não me importo com o que acontece comigo, – disse balançando a cabeça negativamente – pois sei que posso superar, mas para não seria fácil.
- Ei, vai ficar tudo bem, nada vai acontecer com vocês! E eu vou cuidar dela, faço qualquer coisa que você quiser. Relaxa. – entrelaçou seus dedos aos meus, olhando-me mais uma vez com uma das sobrancelhas arqueadas e um leve sorriso reconfortante em seu rosto – Já disse que você é uma ótima mãe?
- Eu... Não sei – franzi o cenho em surpresa por sua pergunta, mas sorri timidamente.
- Bom, você é! – ele disse e levou minha mão aos seus lábios, depositando um beijo suave em meu dorso, fazendo-me rir levemente – É uma ótima mãe, com certeza.
- Obrigada.
Um silêncio acolhedor se instalou entre nós e então eu tornei meu olhar para , que dormia tranquilamente sobre o banco de trás. Ela estava com as mãos unidas entre o travesseiro e o seu rosto sereno, levemente rosado, e ela havia se enrolado, cobrindo-se até os ombros com uma manta vermelha que teve o cuidado de deixar ali para ela se cobrir quando quisesse ou sentisse sono.
Tanto a manta quanto o travesseiro, foi ele quem pegou sem que eu sequer pedisse por isso, coisa que me deixou um pouco impressionada, diga-se de passagem. Não que eu duvide de que ele realmente se importe e queira cuidar dela, ele mesmo fora bem conciso sobre sua intenção de exercer a função de pai, mas coisas pequenas assim às vezes podem se passar facilmente desapercebidas para quem não tem tal costume ou quando simplesmente se está com um pouco de pressa, assim como estávamos; Não queríamos pegar a estrada tão tarde, pois o tempo já estava bastante instável. Então seria muito normal e compreensível se ele não pensasse em tudo isso. Mas ele pensou.
Sorri comigo mesma e suspirei olhando para novamente enquanto ele permanecia atento ao tráfego à sua frente.
Sabe aqueles breves instantes em que você se dá conta que nada poderia ser melhor do que o exato momento no qual está vivendo? Eu me sentia em um deles, mas ele não parecia nem um pouco breve, a sensação se fazia presente desde que encontrei em seu apartamento e aquela onda de alívio tomou conta de todo o meu corpo ao ver com meus próprios olhos que ele estava muito bem e ainda alheio sobre certas coisas, principalmente sobre o paradeiro de seu celular.
Maldito celular!
Lembro que minhas mãos suavam frio enquanto seguravam firmemente o volante do carro, que meu coração batia loucamente em meu peito com todos os diferentes sentimentos que o envolviam – ansiedade, nervosismo, medo – e que minha mente se desdobrava ao procurar e listar todas as possíveis motivações para que não atendesse qualquer uma das minhas chamadas. Eu já estava entrando em desespero pensando no que me restaria fazer se ele não estivesse em seu apartamento... Eu não poderia simplesmente sentar e esperar por alguma notícia, certo? E se Robert tivesse feito algo de ruim com ele? E se desaparecesse de uma hora para a outra assim como o primo de Robert, que até hoje eu não faço ideia do que aconteceu com ele? Acho que nunca perdoaria Robert, ou a mim mesma, por permitir que algo assim acontecesse. Nem nem ninguém perdoaria. Seria um fardo muito maior do que todas as minhas omissões sobre Robert e eu para se carregar, um fardo do qual eu teria que lutar contra ou se não afundaria com ele, e eu não queria afundar mais uma vez.
Mordi os lábios e balancei a cabeça de leve, sentindo-me mentalmente exausta por conta destes meus constantes e quase inevitáveis pensamentos. Vi trocar a marcha levando minha mão com a sua, ainda entrelaçadas, e dei uma risada leve, um pouco cansada.
- Vai ficar me olhando mesmo?
- Só um pouquinho – eu disse colocando minha mão livre entre minhas coxas, a fim de esquentá-la de tal forma, e me olhou brevemente.
- Eu acho que você está com sono.
- É só o remédio fazendo efeito.
- Pode dormir, amor.
- Não, vou te fazer companhia até chegarmos na sua casa.
- Tem certeza?
- Hm, bom... – abaixei a cabeça sem conseguir evitar o bocejo e ouvi rir ao meu lado – Na verdade, não, desculpe.

- Nossa, tio, muito, muito obrigada mesmo! – eu disse entre um suspiro ao apenas encostar a porta principal atrás de mim, e então segui lado a lado com ele até a cozinha – Se não fosse o senhor, eu nem sei o que faria.
- Imagina, ! Não tem nem cabimento você, grávida, trazer isso sozinha dentro de um ônibus. – balançou a cabeça negativamente colocando a caixa sobre a mesa – Nós podemos até combinar de todo mês, no dia em que você receber a cesta, eu ir te buscar no serviço. É caminho, não teria problema algum.
- Eu não queria abusar, mas confesso que seria ótimo. – eu disse deixando a mochila sobre uma das cadeiras e peguei uma faca com serra dentro da gaveta da pia ouvindo meu tio dar uma risada contida – E acho que vou ter que pensar muito bem em uma forma de agradecer ao senhor e à minha tia.
- Nem precisa tanto, – a voz da minha tia chamou minha atenção para a porta da cozinha, onde ela estava antes de se juntar ao marido e sorrir ternamente para mim – é só continuar fazendo tudo direitinho. Você fez muito bem em arranjar um serviço, . E tudo bem que o salário não é lá essas coisas, mas já é um bom começo.
- Ainda mais ganhando uma cesta básica todo mês. – meu tio reforçou, fazendo-nos rir como se aquele fosse um grande feito, e talvez fosse mesmo – Dá para poupar boa parte do seu salário por causa disso.
- Agora eu consigo ver muito mais de Sue em você. Tenho certeza de que ela ficaria muito orgulhosa – minha tia disse e eu forcei um sorriso, tornando a atenção à caixa.
Será que minha mãe ficaria orgulhosa de mim? Mesmo quando eu achava que tudo não poderia estar mais errado, ela pensaria que eu estava tomando as decisões certas?
Eu podia até tentar amenizar a minha atual situação arranjando um emprego e seguindo o meu plano inicial para fazer com que essa criança, que está crescendo aos poucos dentro de mim, tivesse uma vida no mínimo confortável; Mas o agora era somente o começo daquilo que duraria a minha vida toda! O bebê poderia ser a coisa mais linda desse mundo, ter a pele macia, as bochechas gordinhas e coradas, confesso que poderia até ter os lindos e brilhantes olhos do pai, e ser muito saudável, mas nem por isso tudo melhoraria de uma hora para a outra. Querendo ou não, essa era uma gravidez indesejada, inconveniente, e eu simplesmente não conseguia me sentir tranquila com relação a isso ou animada por meus próximos meses. Aliás, agora eu tinha a companhia constante de uma voz em minha mente que dizia que seria melhor não esperar para descobrir como seriam os próximos meses, ela repetia que a tarefa de ter um filho não seria nada fácil, e muitas vezes eu concordava com ela em tudo. Eu não queria aquela criança.
Em certos momentos, principalmente aqueles em que me vejo sozinha com os meus inquietos pensamentos, eu ainda sentia como se não fosse realmente capaz de fazer tudo isso sozinha, de repente crescer e assumir todas essas grandes responsabilidades que esperavam ser assumidas por mim. Era muito para se fazer, para se pensar, para se sentir. Era tanto, que às vezes me parecia errado não ter outra opção a não ser enfrentar tudo, entende?
Balancei a cabeça levemente para afastar tais pensamentos, assim como faço todos os dias, e mordi os lábios cortando com a faca a fita adesiva que lacrava a caixa. Eu não queria que a insegurança e o medo me abraçassem logo agora, a fim de me impedir de ao menos dar um único passo para longe do perigo que era despencar de vez em depressão, eu queria continuar tentando me convencer de que sou forte.
- Obrigada pelo apoio – eu disse por fim, olhando-os brevemente com um sorriso amarelo, e coloquei a faca de volta ao seu lugar para terminar de abrir a caixa.
- Meu bem, você nos dá um minuto, por favor? – ouvi minha tia dizer baixinho.
- Claro, te encontro no carro. – meu tio disse e logo veio até mim com um leve sorriso no rosto – Até mais, . Se cuide, está bem?
- Ok, tio. Obrigada mais uma vez – sorri dando-lhe um abraço rápido antes de vê-lo nos dar as costas e deixar o cômodo, então tornei minha atenção à caixa, começando a tirar os alimentos dali.
Ouvimos o barulho da porta principal se fechando e o silêncio oprimido se espalhou pelo cômodo. Eu poderia até me sentir desconfortável se já não estivesse acostumada com sua constante presença.
- ? – minha tia chamou tentando disfarçar seu tom preocupado que não se passou desapercebido – Está tudo bem na escola?
- Mais ou menos... Enquanto em algumas matérias eu estou muito mais adiantada do que todos os alunos da sala, em outras eu não sei absolutamente nada. – balancei a cabeça negativamente dando uma risada fraca – Como em história, por exemplo, em que o professor não é um dos mais amigáveis. Mas a e algumas meninas estão me ajudando no que podem.
- Menos mal, não é? – disse mantendo o mesmo tom de voz, e eu apenas concordei com um meneio de cabeça – Mas e com relação ao bebê, como você está?
Suspirei lentamente e enfim levantei meu olhar para ela. Eu não queria que minha tia se preocupasse comigo, quero dizer, ela não precisava disso.
- É complicado, tia.
Mais silêncio.
- Eu sei que é. – assentiu calmamente – Sei que você não queria estar grávida, que não queria estar aqui sem nem ter uma relação tão agradável com o cabeça dura do seu pai, sei que não queria que sua mãe tivesse falecido. , eu sei que você não queria ter que passar por isso, mas tudo vai parecer ainda mais devastador se você não se abrir com quem se importa contigo.
Eu engoli a seco todas as suas palavras sentindo um nó se formar e apertar minha garganta com uma incrível força, então apoiei uma das mãos na mesa e abaixei meu olhar brevemente, vendo que meus olhos já estavam bastante marejados sem que eu ao menos notasse. Parecia que até agora eu estava em uma espécie de modo automático, sorria e falava, mas simplesmente não sentia coisa alguma física ou emocionalmente. Apenas neste exato momento eu estava realmente ali, e finalmente podia sentir que por dentro eu estava completamente frágil, pronta para cair aos pedaços.
- Sei que não sou sua mãe, seria impossível ocupar o lugar dela, mas você pode conversar comigo.
Soltei um suspiro falho piscando os olhos repetidas vezes a fim de afastar aquelas lágrimas inúteis e pigarreei.
- O que está acontecendo com você? – perguntou quando eu a olhei – Nem na sua primeira semana aqui você parecia tão distante.
- É que... Ahm... Há poucas semanas eu não estava conseguindo comer nem dormir direito. Às vezes eu me sinto bastante desanimada com tudo, ansiosa, triste... – gesticulei com a mão livre indicando meu próprio rosto, desgostosa – Em uma das conversas com o médico, eu acabei falando sobre isso e então ele me encaminhou para um psiquiatra que vai acompanhar o meu estado psicológico, porque, além de ser ruim pra mim, o bebê sente tudo o que eu sinto e... O seu desenvolvimento pode ser influenciado pela minha depressão.
- Por que não nos contou isso? – ela franziu o cenho levemente, e, depois de pensar muito por alguns instantes, eu apenas levantei de ombros – Como é o tratamento?
- São terapias. Somáticas e não somáticas.
- E você acha que vai dar certo? – perguntou, e eu levantei os ombros mais uma vez – Você não pensa em se matar, tirar ou mandar o bebê pra adoção, não é?
- Já pensei muito sobre isso, na verdade, e agora tenho certeza de que essas não são as melhores atitudes a serem tomadas... Eu nunca teria coragem de fazer algo do tipo com uma criança que não tem culpa de nada – balancei a cabeça negativamente.
- Então parece que o tratamento tem grandes chances de dar certo. Tudo pode dar certo, não se preocupe. – e se aproximou apoiando suas mãos em meus ombros – Apenas lembre-se de que você pode contar comigo, com e com seu tio, afinal é para isso que serve a família. – ela disse com um leve sorriso – Agora venha comigo, quero te mostrar uma coisa, ok?
Ela não esperou por qualquer resposta, apenas passou um de seus braços por meus ombros e fez com que eu acompanhasse seus passos enquanto começávamos a andar lado a lado até que enfim chegássemos à porta do meu quarto, que estava fechada. Olhei para ela com um olhar questionador que apenas a fez sorrir de modo maternal, cheio de desvelos que fizeram meu coração apertar por um instante de saudades de um sorriso que era como aquele, mas que eu nunca mais veria se não fosse por fotos e vídeos.
- É mesmo um alívio saber que você pretende ficar com o bebê, ou se não o que eu faria com tudo isso?
Franzi o cenho, mas não tive tempo para formular uma única pergunta, pois logo a porta se abriu revelando o meu quarto um pouco diferente de como eu havia o visto hoje de manhã. Pisquei algumas vezes e dei um tímido passo à frente vendo que a maioria dos móveis foram remanejados para que a parede da direita ficasse livre para as coisas novas. Deixei um riso deslumbrado escapar e recebi um beijo no topo da cabeça seguido por um breve afago.
- Depois conversamos melhor sobre isso, agora vou te deixar sozinha para pensar um pouco, ok? Seu tio está me esperando – minha tia disse quando eu a olhei e, com um último sorriso, ela deixou o cômodo.
Dei um passo em direção à porta, pensando em ir atrás de minha tia, de repente sem realmente querer estar ali sozinha, mas parei de forma abrupta com meus pensamentos se anuviando aos poucos. Apertei meus dedos ao lado do corpo e mordi o lábio inferior respirando profundamente algumas vezes, indecisa. Mas ela disse que tudo pode dar certo...
- Está tudo bem, – disse para mim mesma em um tom baixo, sentindo minha voz falhar levemente – eu sei que posso fazer isso.
Levei as mãos ao rosto e tentei manter este pensamento em minha mente, me apegar à ele com todas as minhas forças para me virar novamente para o quarto. Franzi o cenho e engoli a seco minhas inseguranças ao me aproximar e tocar o trocador de fraldas branco sobre pequena cômoda da mesma cor com as pontas dos dedos, bem devagar e com muito cuidado, pois eu queria absorver meus pensamentos e sentimentos conflituosos com calma. Parecia-me que a falta de delicadeza faria com que tudo o que estava ali simplesmente evaporasse diante de meus olhos junto com a imensa sensação surreal que começava a me envolver. Meus dedos deslizaram para duas das três gavetas conforme eu me abaixei brevemente e então seguiram para o berço branco que tinha um mosquiteiro suspenso por uma armação. O pequeno colchão estava ainda sem roupas de cama, e na parede havia duas novas estantes brancas vazias.
Mordi o lábio inferior e me sentei no chão coberto por meu tapete em cor creme, com as pernas em volta do corpo e os dedos ainda tocando as grades do berço, eu mantive meus olhos atentos a todos os mínimos detalhes de toda aquela nova mobília. Pensei sobre a indagação de minha tia e tentei imaginar como seria daqui alguns meses, quando aquele berço estivesse ocupado por uma criança, e, realmente, independentemente das circunstâncias, eu não teria coragem alguma de abortá-la ou de levá-la à doação; Não viveria em paz com o pensamento de que abandonei alguém que não tinha tantas escolhas quanto eu.
- Tudo pode dar certo.
Soprei as palavras de minha tia entre um suspiro, apenas para tentar me convencer de que aquela poderia ser a verdade que eu não conseguia de forma alguma enxergar, e então deixei que meu olhar caísse sobre minha mão que antes estava livre, mas que agora, inconscientemente, estava espalmada em minha barriga. Àquela altura, a saliência naquela região já era notável.
Suspirei mais uma vez e enfim relaxei meus ombros.
Minha comoção não era pela mobília em si, mas sim pelo cuidado e preocupação das pessoas que a colocaram ali. Talvez eu não estivesse assim tão sozinha como quanto a irritante voz em minha cabeça insistia repetir. Talvez, com essas pessoas, eu pudesse lutar mais destemidamente por mim e por essa criança. Talvez eu pudesse ser mais forte.

- Amor? – ouvi sua voz baixa próxima a mim e me encolhi sob o toque de sua mão quente em meu braço – Ei, acorda.
Suspirei e senti meus lábios se curvarem de forma involuntária em um leve sorriso enquanto sua mão subia e descia suavemente sobre minha pele, causando-me um arrepio gostoso. Se continuasse a me alisar daquele jeito, eu continuaria dormindo ali sem nem me importar com o fato de que ainda estávamos em seu carro, mas, parecendo ler meus pensamentos com uma incrível facilidade, ele parou com o movimento. Abri os olhos preguiçosamente e só então notei que o meu banco agora estava totalmente inclinado para trás e que eu estava coberta com a blusa de moletom preta de . Por quanto tempo eu dormi mesmo?
- Chegamos. – ele sorriu ternamente – Você acorda a enquanto eu tiro nossas coisas do carro?
- Aham – assenti devagar depois de piscar algumas vezes e vi tirar a chave da ignição antes de me dar um beijo na testa e descer do carro rapidamente.
Olhei para o teto do carro, ainda preguiçosa, e suspirei mais uma vez antes de me espreguiçar sentindo meus músculos reclamarem por ficarem tanto tempo retesados, então me sentei corretamente sobre o banco e olhei a minha volta. Estávamos no estacionamento subterrâneo do prédio de , coisa que me fez franzir o cenho. Nós não combinamos de passar na antes?
Encarei meu reflexo no espelho retrovisor, ajeitando minha aparência brevemente, e me virei para trazer o banco para a sua posição normal logo me deparando com a mochila reserva de ali no chão.
Sério, não sei por que ainda me surpreendo com .
- . Filha, chegamos. – chamei-a vestindo a blusa de e desci do carro para abrir a porta do banco traseiro, curvando-me levemente em direção à minha pequena – Chegamos, meu bem.
Ela se mexeu pouco, mas não demorou a despertar e logo se levantou para descer do carro mesmo estando tão preguiçosa quanto eu, que colocava sua mochila sobre o ombro e segurava o travesseiro e a manta vermelha entre os braços. Fechei a porta com a lateral do corpo sentindo agarrar na barra da blusa que eu usava e vi fechar o porta-malas, pois já havia deixado toda a nossa pouca bagagem próximo ao elevador, que tinha o seu botão amarelo piscando e o painel acima de si indicando que ele estava descendo. acionou o alarme do carro e veio até nós passando brevemente uma das mãos pelos cabelos de , indicando com um meneio de cabeça de que já podíamos ir, e assim fizemos.
- Peguei tudo com a .
- Eu meio que percebi isso. – dei uma risada contida, balançando a cabeça negativamente vendo as portas do elevador se abrirem – Já disse que vou ficar mal acostumada com todo esse seu cuidado, não disse?
- Ah, dormiu e você também, não quis acordá-las.
deu de ombros ao sorrir de lado e pegou as alças de todas as mochilas juntas para colocá-las no chão dentro do elevador, onde todos entramos, antes de se encostar contra à parede revestida por um grande espelho.
Agora me diz, existe alguma razão para que eu insista no assunto?
É, achei mesmo que não.
se esticou para apertar o último botão do painel iluminado e, sem soltar a barra da larga blusa que eu usava, abraçou o pai pelas pernas enquanto o mesmo passava um dos braços em volta de seus ombros e o outro em volta de minha cintura, puxando-nos para mais perto de si. Afaguei os cabelos de com a mão livre e depositei um beijo suave em seu pescoço antes de apoiar minha cabeça em seu ombro, sentindo meu coração acelerar pelo carinho palpável que envolvia a nós três, e meu corpo se aquecer ao ver levantar seu olhar para mim com um lindo sorriso moldando seus lábios.
O elevador parou brevemente no térreo apenas para que uma senhora entrasse encarando seus próprios pés, então as portas se fecharam e a senhora se virou para as mesmas, olhou para o dourado relógio em seu pulso e depois nos olhou de relance. Suspirei vendo-a franzir o cenho de leve e comprimir os olhos para as portas antes de olhar para nós de soslaio. Olhou para mim e depois para , onde se demorou mais com uma expressão que não era muito boa, mas que logo suavizou quando se fixou em , que soltou a barra da blusa para se abraçar somente ao pai. Às vezes chega a ser engraçado como uma menina parecia amenizar qualquer situação. Seja lá o que a senhora estava pensando, foi rapidamente esquecido, e eu tive que levantar meu olhar questionador para quando ela deixou o elevador no 6º andar.
- Ela sempre implica com o Snoop, – explicou em um tom baixo, meio que de má vontade, ao rolar os olhos – não podemos nem mais usar o elevador social.
- Por que? O que ele aprontou? – arqueei uma das sobrancelhas.
- Ahm... Digamos que nós só quebramos algumas coisinhas por ai, mas juro que não foi nada de tão importante assim.
- Você disse “nós”? – perguntei vendo comprimir os olhos para o painel e sugar o ar entre os dentes, tentando mascarar seu sorriso.
- Longa história, . Mas o caso é que agora temos tantas restrições que às vezes dá dó do bichinho – fez careta e eu tive que rir por conta da forma com a qual ele se referiu à Snoop, que de “inho” não tinha nada desde a primeira vez que o vi, sete anos atrás.
- Ah, amor! Coitado do bichinho. – eu disse entre risos e concordou fazendo bico – Você é um palhaço.
- E você é linda! – ele disse sorrindo abertamente e me roubou vários selinhos e beijos no rosto enquanto eu ainda ria.
- Ei, olha lá, faltam só mais dois andares! Cadê as chaves, ? – afastei-me levemente dele e estendi a mão livre.
- Estão aqui, . – ele disse puxando o molho de chaves do bolso traseiro da calça jeans e me entregou enquanto se desencostava da parede com ainda abraçada às suas pernas, bocejando.
- Ih, tem alguém ainda com muito sono por aqui – eu disse vendo-a passar as mãos pelo rosto antes de se soltar de para que ele pegasse as mochilas do chão.
- Só um pouquinho – disse devagar, até que o elevador parou e abriu suas portas, e ela se juntou a mim para me acompanhar à porta principal do apartamento.
- Confesso que essa viagem de poucas horas cansa mesmo – disse atrás nós e logo ouvimos latidos do outro lado da porta, seguidos do som de unhas arranhando a porta e o choro de Snoop, que fez com que nós nos entreolhássemos.
- Parece que o seu bichinho está com saudades – eu disse entre risos ao destranquei a porta, e rolou os olhos rindo junto comigo.
Abri a porta e e eu fomos cumprimentadas por um Snoop eufórico, mas, claro, nada se compara a como foi sua reação quando ele viu . Latindo, colocando-se sobre duas patas para apoiar as outras no peito de seu dono, lambendo o pescoço e o queixo do mesmo, que ria e tentava com dificuldades se desvencilhar para nos seguir apartamento a dentro. Eu não disse que de “inho” esse cachorro não tinha nada? Pois é.
logo correu para o sofá e fechou a porta atrás de si, deixou as mochilas novamente no chão e abaixou-se na altura Snoop, brincando e conversando com o cão que balançava o rabo freneticamente em alegria. Ajeitei a mochila sobre o ombro e sorri com aquilo, com o ambiente agradável.

(Dê o Play na música!)

Deixei a sala de estar e subi as escadas até o quarto de hóspedes a fim de deixar as coisas de ali. Como não estávamos mais em uma casa diferente, acredito que ela poderá dormir sozinha e tranquila essa noite. Abri a porta do cômodo, ascendi as luzes e franzi o cenho logo em seguida. Eu teria estranhado o fato de alguns móveis, exceto pela cama, terem simplesmente desaparecido, mas outras coisas chamaram mais a minha atenção.
- Não era pra você ver. – ouvi a voz de atrás de mim, seguido pelo som da porta se fechando e ri sem conseguir desprender meus olhos daquelas paredes – Pelo menos não por enquanto.
- Você deixou a porta destrancada...
- Ainda não está pronto.
- Mas agora eu já estou aqui. – eu disse e o olhei por cima do ombro, vendo-o sorrir e coçar a nuca – Você que fez tudo isso?
- Sim e não. Eu planejei, pintei as paredes e pedi para um amigo meu fazer os detalhes, que são os mais importantes, na verdade. – ele riu sem graça – O que está achando?
- Sinceramente? – perguntei unindo minhas mãos atrás do corpo e seguindo em direção a , que assentiu – Primeiro, eu acho que você não existe. Segundo, eu falei para você não gastar dinheiro com ela, não falei? – eu disse, fingindo repreendê-lo e ele riu passando um dos braços pela minha cintura para me puxar para mais perto de si – Ela me contou sobre as tintas, ok?
- Mesmo eu falando que esse era um segredo só meu e dela? – ele disse em falso tom de incredulidade e eu sorri, convencida.
- Ela me conta tudo. – eu disse entrelaçando nossos dedos atrás de meu corpo e suavizei o sorriso – E, com certeza, vai amar esse quarto.
- Assim espero, fiz pensando nela. – disse de forma um tanto apreensiva, fazendo-me rir fraco e olhar brevemente para uma das paredes com os olhos comprimidos, pensativa – E espero também que possa te explicar, porque sei que você está tentando associar tudo.
- Estou mesmo. – eu ri – Na verdade, estou me sentindo dentro da nossa caixa.
- Ótimo, essa era a intenção. – ele disse dando-me um beijo suave no rosto antes de se afastar minimamente – Deixe-me só colocar a cama no lugar certo pra poder pegar o colchão que está no meu quarto, ok?
Assenti e então nós nos separamos. Coloquei as duas mochilas de no chão e ajudei a empurrar a cama até o ponto que ele queria, cruzando os braços entre um suspiro logo em seguida enquanto ele deixava o quarto para buscar o colchão no cômodo ao lado. Saquei o celular do bolso da calça jeans em um movimento automático e me sentei no chão mesmo, já que o quarto estava impecavelmente limpo. Poppy? Acredito que sim. Apertei o botão lateral e vi a foto de iluminar a tela do aparelho que não registrava qualquer chamada perdida ou nova mensagem. Essa quietude estava me ensurdecendo, mas não me permiti pensar muito sobre isso, passei a prestar atenção no burburinho que vinha do corredor e logo entrou no cômodo carregando o colchão com e Snoop em seu encalço.
Snoop se deitou ao meu lado e eu vi abrir a boca no máximo de admiração que seu rosto ainda sonolento lhe permitia expressar enquanto seus olhos passeavam pelo quarto, que estava totalmente diferente do que costumava ser. Ele agora tinha paredes em um tom azul-bebê, assim como a nossa querida caixa, e em uma delas havia delicados desenhos completamente brancos em forma de princesas em diferentes situações com outros diferentes “personagens”, um desenho ao lado do outro, os quais tocou com cuidado com as pontas dos dedos.
- Esse é o seu quarto agora.
- Quem... Essa... Sou eu? – ela arqueou as sobrancelhas e olhou de mim para , que ajeitava o colchão sobre a cama.
- Sim, princesa – ele respondeu com um leve sorriso, fazendo-a arregalar os olhos ao encarar os desenhos mais uma vez, e eu ri fraco.
- Eu lembro de todos esses dias! – sorriu e me encarou brevemente antes de seguir em direção ao primeiro desenho e indica-lo para então descrevê-lo: – Esse aqui foi o dia em que você estava atrasada e eu conheci o papai... Essa com a coroa de princesa, sou eu, e esse é o Snoop lambendo meu rosto. Certo?
- Certo! – assentiu sorrindo e se sentou sobre o colchão – E o próximo?
- Aqui somos nós três patinando no gelo. Mamãe ficou toda roxa. – ela disse fazendo-nos rir e apontou o próximo – Aqui sou eu e os amigos do papai jogando videogame, e aqui...
Ela parou em frente ao quarto desenho por um momento, deixando sua mão ali espalmada, e eu franzi o cenho tentando enxergar o motivo de seu breve silêncio, então levantei do chão acompanhada por Snoop para me sentar ao lado de e mais próxima à parede.
- Qual é esse? – perguntei sentindo a mão de se entrelaçar à minha.
- Esse é daquele dia que a gente tirou sangue, lembra? Eu disse isso quando ele me abraçou... – ela sorriu ainda com o olhar fixo no desenho e passou o dedo indicador por baixo das pequenas palavras no balãozinho que despontava da cabeça da princesa que estava abraçada à um homem, o qual eu arriscava dizer que era – “Eu sempre sinto a sua falta”.
e eu nos entreolhamos, involuntariamente aproximando nossos corpos ainda mais, cúmplices em busca de conforto diante das consequências de seus atos e escolhas. Mordi o lábio inferior sem saber ao certo o que fazer, tentado imaginar o que se passava na cabeça da minha pequena quando ela disse isso, tentando imaginar tudo o que ela havia sentido naquele momento.
- É o meu desenho favorito até agora. – sorriu para nós dois e seguiu para o próximo – O Palácio de Buckingham e a London Eye... Esse dia foi bem divertido, principalmente quando a gente assistiu High School Musical – ela riu, fazendo-nos acompanha-la.
- Foi uma surpresa e tanto somente o fato de vocês assistirem àquele filme, mas dançando e cantando...? – eu disse entre risos, e gargalhou.
- Eu só estava acompanhando a ...
- Foi você que começou a cantar – ela acusou, e nós rimos ainda mais.
- Mas o que importa é que foi divertido! – ele disse levantando a mão livre até a altura dos ombros em sinal de inocência – Ok, mas e o último?
- Ahm... Este foi na casa da minha nova avó. – disse orgulhosa ao tornar sua atenção à parede e apontou para o balãozinho – “Papai”. Essa parede parece uma história em quadrinhos.
- Gostou? – quis saber, e ela veio até nós.
- Muito! Obrigada – ela disse e passou os braços tanto pelo pescoço de quanto do meu e deu um beijo no rosto de cada um de nós.
- Que tal a gente se arrumar e ir dormir? Já está tarde. – eu disse e olhei para – Aposto que você está exausto.
- Talvez um pouco – ele meneou a cabeça com um leve sorriso.
- Vou ajudar aqui e depois te encontro no quarto, pode ser?
- Pode. Boa noite, pequena – ele disse dando um rápido abraço e um beijo no rosto de , que apenas sorriu dando-lhe espaço para levantar.
Logo que deixou o quarto, bocejou preguiçosamente. Realmente, já estava bem tarde. Peguei suas coisas na mochila para que ela se trocasse e fui até o closet em busca de novas roupas de cama. conversou pouco enquanto ajeitávamos tudo ali, mas ela só falava sobre o quarto, os desenhos e , coisa que me fez sorrir. Era bom saber que tudo estava da forma como realmente deveria ser.
Deixei-a sozinha no quarto apenas quando ela enfim pegou no sono, e encostei a porta. Segui para o cômodo ao lado, já encontrando saindo do banheiro somente de boxer, então tranquei a porta atrás de mim.
- disse que não achou nenhum pijama seu – ele informou afastando as cobertas para se sentar na cama, e eu franzi o cenho.
- Como assim?
- Foi o que ela disse – deu de ombros.
- E eu vou usar o que para dormir? – perguntei andando até o criado mudo ao lado de para deixar meu celular ali e começar a tirar a blusa que eu usava.
- , não precisa usar nada. Você sabe que eu não ligo – sorriu de lado e eu ri balançando a cabeça negativamente.
- Antes de qualquer coisa... – eu disse vendo-o acompanhar com os olhos os movimentos de minhas mãos, que deixavam a blusa cair no chão – Só quero deixar avisado que amanhã cedo eu vou levar para a escola e depois vou dar uma passada na empresa, ver como está a minha situação, tudo bem?
- Tudo, sim, senhora! – ele assentiu como um soldado, fazendo-me rir.
- Seu compromisso com os meninos na emissora de TV é a tarde? – indaguei vendo-o assentir mais uma vez enquanto eu me ocupava em tirar os sapatos.
- Sim, senhora!
- Será que tem problema se você for buscar depois da escola e levá-la contigo? – sorri abertamente, figurando meu pedido encarecido, e me sentei na beirada da cama já sentindo uma de suas mãos se espalmar em minha coxa.
- Problema nenhum! Acho até que vai ser divertido.
Sorrimos. não costuma dar trabalho algum pois sempre se comporta perfeitamente, mas imagine-a em uma emissora de TV com e os meninos do McFLY, tenho certeza de que ela vai se divertir, rir muito e adorar cada segundo dessa nova experiência. Suspirei e encarei por alguns instantes, pensando e já me sentindo um tanto pesarosa por minhas palavras seguintes:
- Estou pensando seriamente também em passar na minha... Ahm, na minha antiga casa para pegar o material escolar de , minhas coisas de trabalho que provavelmente vou precisar...
- Não. – me interrompeu com firmeza em seu tom de voz ao se mexer desconfortavelmente sobre a cama – , não! Você...
- Nós precisamos, , temos documentos lá, roupas, tudo! – expliquei, mas ele balançou a cabeça negativamente.
- Essas coisas não são insubstituíveis. Podemos fazer novos documentos, comprar novas roupas...
- , não. São as nossas coisas, coisas que tem valor sentimental e que vai sentir falta...
- Então eu busco! – ele me interrompeu novamente – Você não precisa ir até lá sozinha. Eu não quero que você vá.
- E eu não quero que você vá. – retruquei – Não sozinho.
Houve um breve silêncio e enfim suspirou pesadamente ao encostar a cabeça na cabeceira da cama.
- Vamos os dois? Por mim tudo bem desde que você não esteja sozinha, provavelmente, na presença daquele louco psicopata.
- Tudo bem, vamos os dois. – assenti vendo morder o canto dos lábios em desgosto e encarar o outro extremo do quarto – Eu tinha que falar.
- Eu sei – ele disse passando a mão pelo rosto, e eu busquei por seu olhar.
- Desculpa?
- Não – ele disse sério, ainda olhando para o outro lado, e eu abri a boca incrédula.
- O que? É sério isso? Não, , olha pra mim.
Coloquei uma mão em cada lado de seu rosto, mas enquanto tentava se afastar para que eu não notasse que ele estava segurando o riso, foi praticamente deitando na cama e eu fui junto, ficando por cima dele.
- Seu mentiroso – eu disse pausadamente entre risos, apertando seu rosto, e ele me olhou.
- Para, , não estou achando graça – e mordeu os lábios para não rir.
- Aham, palhaço. – rolei os olhos jogando o corpo para o lado, ficando de frente para ele e com minhas pernas sobre sua cintura – Quem está fazendo graça é você!
- Eu queria me fazer de difícil, mas com você em cima de mim, não dá! É tipo uma missão impossível – ele disse e nós rimos.
- Ah... Muito bom saber disso... A minha lista de “como te desarmar” está crescendo rápido.
- Como me desarmar? – indagou entre risos e eu olhei para o teto, fingindo-me pensativa
- Sim! Cabelo preso, tomara-que-caia, estar por cima...
- Você. – ele disse simplesmente, apoiando-se no colchão para me deixar dentre seus braços e me olhar de cima – Ser você é o suficiente. De qualquer jeito, de qualquer forma, em qualquer lugar...
- Tudo bem, amor, você já me ganhou – disse entre um suspiro, como se estivesse dando-me por vencida, e sorriu de forma divertida antes de selar seus lábios aos meus.
O beijo era calmo e gentil. Seu gosto se misturava suave e deliciosamente ao meu, e o calor que sua pele perfumada emanava me atingia aguçando todos os meus sentidos. A cada segundo bem aproveitado e cada toque preciso, tornávamos mais sedentos, mais atraídos e unidos. O beijo estava urgente, nosso ritmo aumentava gradativamente e as respirações se misturavam descompassadas.
A necessidade de um contato maior em nosso momento íntimo se mostrava impossível de ser ignorada, e nós não hesitamos em ceder a ela com todo o prazer.

- ?
Silêncio.
- , eu sei que você está ai. Abre a porta.
Puxei as cobertas até cobrir minha cabeça e fechei os olhos a fim de me desligar novamente, mas as periódicas batidas na porta dificultavam e me irritavam significativamente. Tudo bem ela saber que eu estava trancada no meu quarto, mas custava muito me deixar sozinha de vez em quando?
- Olha aqui, sua chata. Eu trouxe uma pessoa aqui para te ver, então não seja uma mal educada e, pelo menos, abra a porta – dito isso, ela deu um chute na porta, mas eu nem me abalei, já era de se esperar que uma coisa assim partisse dela. É bem a cara de .
Suspirei sentindo-me um tanto incomodada pelo ar abafado e pela sensação de quentura extrema em cada centímetro de minha pele, então tornei a puxar as cobertas para baixo. Legal, já não estava ali há muito tempo, mas agora que eu não conseguiria ficar deitada mesmo!
Encarei o teto escuro e rolei os olhos antes de apoiar minhas mãos no colchão para me levantar dali com um pouco de dificuldade. Calcei os chinelos, acendi a luz do quarto enfim ouvindo o barulho dos passos de do lado de fora, e me olhei no espelho sem conseguir evitar a leve careta. Era estranha essa minha nova aparência, eu estava mais cansada e bem mais gorda também.
Abri a porta do quarto e segui direto para o banheiro que ficava no corredor, lavei o rosto, penteei meus cabelos e só depois fui para a sala encontrar e a tal pessoa que ela trouxe para me ver...
- Ah ê! Finalmente, , a Elisabete já estava querendo ir embora achando que você ia fazer desfeita e não sairia do quarto. – disse assim que passei pela porta, e eu franzi o cenho – Você lembra dela, certo? A gente sempre ia brincar na casa da avó dela durante as férias.
- Zibby?
- Ai, como eu senti falta do sotaque dessa garota – Zibby riu ao se levantar do sofá e veio me dar um abraço, que levou um tempinho para ser retribuído devido ao meu estado de choque.
- O que está fazendo aqui? Você não estava morando em outro estado? Quando voltou?
- Nossa, bom te ver também, ! – ela riu ao nos separarmos – Encontrei com a e vim ver como você está, ora.
- Estou enorme – eu disse com um meneio de cabeça, e as duas riram.
- Eu bem vi! Você está linda, .
- Ela está maluca, não está? Bateu com a cabeça ou algo assim? – perguntei para , que deu de ombros enquanto elas ainda riam.
- Senta ai, Zibby – minha prima indicou o mesmo lugar que a garota estava sentada antes e então nós três ocupamos o sofá da sala.
- Então, você não estava morando em outro estado com os seus pais? – logo tornei a perguntar, apenas para desviar o foco de mim, enquanto dobrava uma das pernas sob o corpo. Ultimamente estava um pouco difícil encontrar uma posição realmente confortável naquele sofá.
- Sim, mas voltamos há poucas semanas por conta da empresa do meu pai e tal. – gesticulou – Fiquei sabendo pela minha avó que você estava aqui, eu queria ter vindo antes, mas não consegui, porque você sabe... Aquela coisa chata de mudança, várias coisas para desempacotar e colocar no lugar...
- E agora vocês vão ficar por aqui mesmo? – perguntou.
- Com certeza. – ela assentiu e deu uma risada contida – Bom, pelo menos eu não quero me mudar mais, é muito ruim ficar em um lugar diferente a cada dois anos e voltar pra cá somente nas férias! E eu estou pensando mais no futuro, até me inscrevi em um processo seletivo pra uma vaga de emprego.
- Sério, Zibby? Que legal! – eu disse sinceramente, e estalou a boca.
- Que legal... Legal nada, vocês estão crescendo muito rápido e me deixando pra trás – ela disse cruzando os braços, e nós rimos.
- Ok, ignore a idiota da e fala mais sobre essa vaga de emprego – sorri abraçando minha prima de lado, vendo-a rolar os olhos.
- Ah, gente, não é para nenhum cargo do tipo “Nossa, Zibby, como você é superimportante”! – ela explicou entre risos – Mas é em uma empresa alemã bastante conhecida e poderosa, seria ótimo para o meu currículo começar lá e conseguir experiência.
- Seria mesmo – eu disse e concordou.
- Vocês podiam tentar também – Zibby disse e discordou, coisa que nos fez rir.
- Podem crescer, eu estou bem sem ter que trabalhar.
- E eu já estou trabalhando, então... – dei de ombros – Não acho que mudar agora de emprego seja uma boa ideia, na verdade, eu só estou tentando garantir algo...
- Para o bebê. – completou e eu assenti – Acho até que esse bebê tem mais dinheiro do que eu.
- Pode apostar que sim – eu disse e nós rimos. Qualquer pessoa tem mais dinheiro do que a , ela gasta tudo!
- E você está de quantos meses, ? – Zibby perguntou e seus dedos, provavelmente em um ato involuntário, pousaram em minha barriga. Muita gente fazia isso sem nem mesmo perceber e, pelo jeito, eu teria que me acostumar com isso – Sua barriga está grande. Já sabe se é um menino ou uma menina?
- Ahm... – arqueei as sobrancelhas olhando de Zibby para a minha própria barriga e dei de ombros – Acho que só vou querer saber depois que nascer.

- Já está saindo? – ouvi uma voz abafada e sonolenta dizer atrás de mim enquanto eu arrumava o brinco em minha orelha.
- Já.
Peguei meus sapatos e andei em passos rápidos até a cama, sentando-me ali na beirada para calçá-los, e se virou de barriga para cima, tirando o rosto do travesseiro para me olhar com seus olhos miúdos de sono.
- Pode levar minha chave reserva contigo. – ele disse com a voz rouca e pigarreou – Vai pegar um táxi?
- Vou com o meu carro. Acho que agora tudo bem eu começar a usá-lo de verdade – dei de ombros e deu uma risada contida.
- Então dirija com cuidado e, qualquer coisa, me liga.
- Tudo bem. – assenti colocando o celular no bolso do casaco e me virei para com um leve sorriso – O mesmo serve para você.
Inclinei-me para lhe dar um beijo rápido e senti um de seus braços envolver minha cintura com firmeza, o mesmo que me impediu de me afastar muito quando eu tentei fazê-lo. Os olhos de capturaram os meus, e ele suspirou.
- E não vai até aquela casa sozinha, ok? – ele disse em um tom de preocupação tão grande que fez com que meu corpo todo estremecesse por dentro, então franzi o cenho e balancei a cabeça em negação.
- Não vou.
Ele continuou me encarando por alguns instantes e enfim assentiu, me inclinei novamente para dessa vez selar seus lábios aos meus e deixar que durasse até que seu braço se afrouxasse a minha volta e eu não me afastasse por completo quando nos separamos.
- Eu te amo.
- Eu também te amo. Boa sorte lá na empresa – ele disse e nós sorrimos.
Peguei minha bolsa, apaguei as luzes e deixei o quarto para que enfim pudesse descansar. Eu havia acordado um pouco mais cedo para fazer o café da manhã e ajudar a se arrumar e, enquanto ela comia, retornei ao quarto para terminar de me vestir. Então, com tudo já encaminhado, eu apenas peguei a mochila da minha pequena e desci as escadas ao encontro dela, que assistia ao Disney Channel enquanto mordia uma maçã. Nós duas estávamos na porta principal, prontas para sair, mas eu parei ao ver minha aliança de noivado cintilar em cima do mesmo móvel que eu havia deixado há alguns dias. Pensei duas, três, quatro vezes, mordi o lábio inferior e a peguei logo jogando-a no fundo da bolsa. Eu a devolveria quando tivesse a chance e ao meu lado, assim como ficou combinado.
O dia começou oficialmente e tudo estava indo como o planejado, coisa que me fez suspirar em alívio. estava na escola, iria busca-la, e eu estava no trabalho conversando em uma reunião com os meus superiores. Posso dizer que a conversa não foi nem um pouco tensa, mas que levou horas!
Depois de alguns anos dentro da empresa, até então eu não havia causado problema algum a eles, muito pelo contrário! Mas como nem tudo é perfeito, minhas ausências consecutivas, justificadas por mim apenas como assuntos pessoais, causaram atrasos em alguns processos. Eu ouvi e compreendi as preocupações da empresa, então conversei e consegui garantir, com base no meu histórico como profissional, com que eu não tivesse que renunciar ao meu cargo. Essa era a última coisa que eu queria fazer. Mas até que eu estava bem feliz com os resultados que consegui, sem contar que minha mente estava entretida com vários pensamentos, sem dar espaço para qualquer preocupação.
No horário de almoço, eu resolvi voltar para o apartamento de a fim de analisar alguns documentos e contratos do trabalho, pois sabia que estando somente na companhia de Snoop, eu conseguiria me concentrar muito mais no que estava fazendo do que junto com ou qualquer uma das meninas, por exemplo, que provavelmente me fariam perguntas sobre vários assuntos e ainda pediriam todos os detalhes, os quais eu não teria tempo de dar. Então quando cheguei ao edifício de , estacionei o carro ao meio-fio e desci do mesmo com uma pasta em mãos, já acionando o alarme para jogar a chave dentro da bolsa e enfim atravessar a rua em direção ao portão social, que logo foi destrancado quando o porteiro me reconheceu. Retribui seu sorriso cordial e olhei brevemente para meu relógio de pulso antes de ouvir o estalido do portão se fechando atrás de mim logo seguido de um forte pigarro. Virei o rosto em direção ao som achando que talvez eu tivesse fechado o portão na cara de algum morador, mas minha única reação diante de algo... Ou melhor, de alguém que eu realmente não esperava, foi franzir o cenho e dar um inseguro passo para trás.
Parado do outro lado do portão, ele estava vestido com um de seus negros ternos caríssimos, a mão direita estava atrás do corpo e a esquerda tirava o cigarro que pendia entre seus lábios.
Cigarro? Ele não tinha parado de fumar?
Continuei estática, apenas encarando-o de volta, até que ele sorriu de lado. Ok, isso não acabaria em boa coisa.
- Saudades? – Robert disse simplesmente, da mesma forma como ele sempre fazia depois que voltava de uma viagem em que eu ficava dias sem vê-lo.
Virei-me a fim de subir para o apartamento de e ficar lá até que tivesse a certeza do que fazer, a certeza de que seria realmente seguro sair novamente, mas depois de dois passos, ele me fez parar com incrível facilidade ao dizer:
- Fiquei sabendo que você foi à costa sul da Inglaterra. – ele disse tentando mascarar seu tom irritado com um pouco de humor mórbido, e eu fechei os olhos com força – Venha aqui, meu amor, vamos conversar.
Engoli a seco, cruzei os braços, apertando a pasta contra o peito, e retornei ao portão procurando me manter longe e não encarar seus olhos novamente. Vi Robert jogar a prisca no chão e então sua mão direita entrou em meu campo de visão.
- O que houve com a sua mão? – perguntei em um tom baixo e ele levantou a mão enfaixada até a altura do rosto.
- Você sabe o que aconteceu. – deu uma risada contida – Você queria quebrar o espelho na minha cabeça e eu tentei me proteger, lembra?
- Não foi isso o que aconteceu – eu disse sentindo uma leve irritação começar a coçar minha garganta.
- Ah, não? Poxa, mas foi isso o que eu contei para a polícia. – ele disse fazendo-se de pensativo, e eu levei uma das mãos à boca, desacreditada – Você sabe, temos que recorrer à polícia quando sofremos algum tipo de agressão. Ainda dói, mas tudo bem, eu não guardo nenhum rancor.
- Meu Deus, por favor, diz pra mim que isso é uma brincadeira de muito mau gosto. – eu ri sem humor balançando a cabeça negativamente – É pra isso que você veio até aqui? Para me dizer que agora você é a vítima de toda essa história doentia?
- Não, eu vim te buscar para voltarmos para a nossa casa.
Fiquei parada por alguns instantes, ainda sem acreditar no que via e ouvia, e olhei a minha volta antes de encará-lo mais uma vez e balançar a cabeça em negação novamente.
- Eu não vou. – eu disse, e ele mordeu os lábios – Robert, eu não vou a lugar algum com você! Eu tentei fazer com que desse certo, mas o nosso noivado acabou há muito tempo.
Silêncio.
- Tudo bem. – ele disse simplesmente ao assentir, e eu franzi o cenho em estranheza por essa facilidade ao aceitar o que eu dizia – Se está mesmo tudo acabado, você pode, pelo menos, me devolver a aliança de noivado? Ela está contigo?
Hesitei um pouco, apenas por ter sido pega desprevenida por sua tranquilidade, e abri a bolsa já vasculhando-a até encontrar a aliança e puxá-la para fora. Ajeitei a bolsa sobre o ombro e estendi a aliança para Robert, ingênua demais ao ponto de deixa-lo me puxar pelo pulso em sua direção, fazendo-me bater brutalmente contra as grades. Praticamente grudada ao portão, eu deixei minha pasta cair no chão ao tentar segurar a grade com a mão livre, então virei o rosto e mordi os lábios, reprimindo o muxoxo de dor que queria se desprender de minha garganta.
- Você é minha. – ele disse pausadamente entre os dentes enquanto tentava colocar a aliança em meu dedo anelar – E eu não estou pedindo para que você venha comigo, estou ordenando.
- Robert, me solta, você está me machucando.
- Estou? , você devia me agradecer porque eu estou aqui e ainda não quebrei esse seu braço, ao invés de ter ido até aquela emissora de TV com a arma que está presa à minha cintura. Você acha mesmo que eu não sei das coisas, não é? – ele riu e então segurou com força meu queixo com a mão livre, obrigando-me a encará-lo com os meus olhos que começavam a marejar, e sorriu, dizendo bem baixinho: – Melhor você cooperar, dificilmente eu me arrependo do que faço.
- Senhorita? – ouvi uma voz atrás de mim, e Robert soltou meu queixo devagar e deixou que sua mão deslizasse pelo meu pulso até que se entrelaçasse à minha – Senhorita, está tudo bem?
- Está tudo ótimo – Robert disse com firmeza ao porteiro, que pegou minha pasta do chão e se colocou ao meu lado.
Respirei profundamente, abaixei a cabeça para piscar algumas vezes a fim de afastar minhas lágrimas e engoli a seco, ainda sentindo um bolo se formar em minha garganta. Como Robert podia fazer aquilo comigo? “Ao invés de ter ido até aquela emissora de TV com a arma que está presa à minha cintura”. Ele sabia perfeitamente que dentre essas opções, eu preferia mil vezes ter um braço quebrado do que ver ou qualquer outra pessoa em apuros por minha causa.
- Senhorita. – o porteiro chamou minha atenção novamente – Conhece esse homem?
- , fala logo que eu sou seu noivo e pede para esse moleque voltar ao trabalho e abrir a porra do portão – Robert disse impaciente apertando minha mão com força e o rapaz continuou me olhando, esperando minha resposta mesmo que visivelmente irritado com o que acabara de ouvir.
- Ahm... – pigarreei e olhei para o porteiro – Você... Pode abrir o portão, por favor?
- Tem certeza? – perguntou preocupado, e Robert bufou – Posso interfonar e perguntar à Poppy se o senhor ...
- Meu Deus...
- Sim, tenho certeza. – assenti tentando esboçar um leve sorriso, só não sei se consegui – Obrigada pela preocupação.
O porteiro olhou de mim para Robert, para nossas mãos unidas e para mim novamente, parecendo analisar a situação, mas como eu não me manifestei, não lhe restou mais nada a não ser me devolver minha pasta e tirar um molho de chaves de seu bolso para destrancar o portão. Robert apenas soltou minha mão quando o portão estava afastado o suficiente para que ele agarrasse em meu braço e me puxasse para si sem usar muita força. Ele passou o braço direito por meus ombros e permaneceu segurando meu braço com sua mão esquerda, a mão que não estava enfaixada, e me guiou até um carro prata com vidros escuros, onde dois homens bem vestidos nos esperavam de braços cruzados.
- , estes são Tate e Curtis, nossos novos amigos. – ele disse indicando cada um, e os dois homens me olharam de cima a baixo de uma forma tão invasiva e desconfortável, que eu automaticamente me encolhi sob o braço de Robert e apertei meu casaco contra o corpo – Agora me dá a sua bolsa e entra no carro.
Olhei rapidamente à minha volta, louca para sair correndo dali, mas eu tinha certeza de que com aqueles dois homens ali, eu não chegaria viva até a próxima esquina. Suspirei em pesar e entreguei minha bolsa a Robert, que por sua vez a entregou para o tal Tate, que a abriu e começou a vasculha-la.
- Você também não vai precisar disso. – Robert disse puxando a pasta de documentos da minha mão para entrega-la a Curtis – Não sei por que ainda não renunciou ao seu cargo naquela empresa de merda.
Curtis rasgou todos os papéis da pasta em vários pedacinhos e jogou tudo ali no chão mesmo, sem nem se importar, enquanto Tate entregava meu celular para Robert e colocava minhas chaves no bolso de sua calça antes de jogar minha bolsa dentro do carro prata e então atravessar a rua em direção ao meu.
Inspirei profundamente, sentindo-me completamente violada e impotente, e olhei para trás vendo que o porteiro ainda acompanhava a situação de longe, mas antes que eu pensasse em qualquer coisa eficiente a se fazer, Curtis me fez entrar no carro pelo banco de trás e logo Robert se sentou ao meu lado fechando a porta em seguida. Tentei abrir a porta do meu lado, mas apenas confirmei minha suspeita de que a mesma estava travada. Então cruzei os braços e esperei que Curtis ocupasse seu lugar como motorista, coisa que não demorou muito a acontecer, e ele logo deu a partida.
- Só para desencargo da sua consciência. – Robert disse afastando um pouco e rapidamente a barra do casaco apenas para revelar um revolver preso em sua cintura – Você é esperta, eu sabia que iria fazer tudo direitinho.
Prendi minha respiração involuntariamente e não consegui despender meu olhar do revolver agora ocultado pelo seu casaco. Eu estava nervosa, ansiosa, e ver Robert brincar distraidamente com meu celular em sua mão só parecia piorar minha situação. Ele estava tranquilo!
- Para onde está me levando? – perguntei sentindo a voz falhar e pigarreei.
Robert e Curtis nem me olharam, fingindo que não ouviram o que acabei de dizer, então eu bufei, passei as mãos nervosamente por meus cabelos e desviei o olhar para o lado de fora do carro que parecia ficar cada vez menor.
- Como foi na costa sul? – Robert perguntou calmamente, soando assim como se quisesse saber como estava o tempo lá fora, e eu tornei a olhá-lo.
Silêncio.
- Como sabe que eu estava lá? – indaguei incomodada, e ele continuou me encarando – Como sabe sobre a emissora de TV e sobre o fato de eu quase ter que renunciar ao meu cargo na empresa? Como sabe de tudo isso?
- E você ainda dizia que eu não prestava atenção em você, na sua roupa ou corte de cabelo... – ele disse entre risos – Você é minha noiva, , eu tenho que saber tudo. Claro, ainda estou um pouco decepcionado com os últimos acontecimentos, mas vai dar tudo certo agora que você está comigo.
Mais silêncio. Engoli a seco e encarei minhas mãos unidas sobre o meu colo.
- Robert, nós não vamos...
- Curtis, a minha noiva é linda, não é? – ele me interrompeu, fazendo-me dar um suspiro resignado, e então o homem no banco da frente me encarou pelo retrovisor – Pode dizer, sem medo.
- Ela é muito linda, chefe.
- Você transaria com ela?
- Robert! – eu o repreendi, mas isso só o fez rir.
- Não, não, querida, – ele disse entre risos, ajeitando-se sobre o banco e ficando praticamente de frente para mim – deixe ele responder! Transaria, Curtis?
- Com todo o respeito, chefe...
- Sim?
- Eu ficaria com ela, com certeza.
O homem me olhou brevemente pelo retrovisor com um sorriso no canto dos lábios, parecendo se divertir com a situação tanto quanto Robert, que me olhava de cima, de forma superior. Desviei meu olhar para o chão e apertei meu casaco entre os dedos, sentindo-me enojada, ultrajada.
- Você adoraria os seios dela...
- JÁ CHEGA! – vociferei levantando a mão, mas Robert a parou agilmente antes mesmo que eu pensasse em como o atingiria – Para com isso, você não é assim!
- Ah, não?
- Não! Qual o seu problema?
- O meu problema? – ele franziu o cenho fitando-me de perto, era possível até sentir sua respiração descompassada bater contra meu rosto, que ardia em rubor – Eu vou te dizer qual é o meu problema. Curtis, se ela fosse sua noiva, você não faria tudo por ela?
- Sim, chefe.
- Você mudaria por ela? – ele indagou ainda me encarando profundamente, com os olhos verdes faiscando em alguns tons mais escuros, e eu engoli a seco mais uma vez – Você acabaria com todos os seus vícios, mudaria sua vida e entraria em um tratamento apenas porque ela ameaçou te deixar?
- Sim, chefe.
- Bom... – ele assentiu devagar – Agora o mais importante, você deixaria que mais alguém a tocasse?
- Não, chefe.
- Acho que isso responde sua pergunta. E pode ficar tranquila, Curtis não vai fazer nada contigo. – ele disse diretamente para mim, abrindo os dedos e deixando que eu afastasse meu braço de si, e então deu uma risada contida – Sabe o que é engraçado? Eu perdi as contas de quantas vezes você disse que nada de mais aconteceria... Mas tudo bem, já disse que não guardo rancor. Não de você.
Robert tornou a se sentar corretamente sobre o banco entre um suspiro, eu continuei apenas olhando-o de soslaio sem ter o que dizer depois de tal resposta e sabendo perfeitamente que agora ele só poderia estar falando sobre . Então ele riu novamente, sendo seguido pelo som do meu celular tocando, o qual eu tentei inutilmente tomar em mãos.
- Tem como isso ficar mais divertido? – ele me olhou brevemente, sorrindo ao mostrar que o nome de piscava no visor do aparelho, e pigarreou ao balançar a cabeça negativamente – Ah, eu também tive que contar à polícia que o fez isso com você.
- Isso o que? – franzi o cenho em estranheza.
- Curtis, por favor, ligue para a minha doutora, vai precisar muito dos serviços dela agora.
Ele mal terminou de dizer e eu logo senti sua mão esquerda agarrar meus cabelos da nuca com força, fazendo-me soltar um gemido baixo quando ele me puxou em sua direção. Minhas mãos automaticamente foram de encontro ao seu antebraço, cravando minhas unhas ali, e eu fechei os olhos ao senti-los arder novamente.
- Robert... – solucei.
- Calma!
- Me solta!
E então minha cabeça foi jogada contra o vidro de forma impetuosa. A princípio eu não senti nada. O barulho que se propagou, me aturdiu por completo. Eu apenas vi minhas pálpebras se afastarem um pouco e meus olhos giraram involuntariamente em suas órbitas, sem direção alguma em meio ao breu que começava a encobri-los, então tornei a fechá-los. Minha cabeça pesou toneladas sobre o pescoço, a sensação era de que tudo dentro dela tinha se desprendido e emaranhado, enquanto meus dedos se afrouxaram devagar e sem força alguma em volta do antebraço de Robert.
- Você vai ficar bem.
Ouvi sua voz soar bem próxima a mim e, com o máximo de esforço que consegui reunir, eu abri os olhos enxergando tudo em um borrão antes de ter minha cabeça lançada novamente contra o vidro.
E eu apaguei.

#End of ’s POV.

Capítulo 31 - Não se esqueça de mim


- Acho que também vai acordar com fome – ela disse distraidamente ao abrir e revirar mais um dos armários, mantendo-se nas pontas de seus pés descalços.
Ela estava apenas com uma camisa preta de flanela que cobria até metade de suas coxas, era de um antigo pijama meu, o qual resolvi desenterrar do closet para que pudesse vestir a calça do mesmo. Agora eu não podia esquecer que tinha duas damas em casa. As minhas garotas. Então não seria uma boa ideia andar... Ahm, “livremente” pelos cômodos, assim como eu costumava fazer com certa frequência.
- Olha o leite no fogo – eu disse com calma, sentando-me de lado em um dos bancos junto à bancada de mármore antes de colocar uma bolacha na boca, mas nem me deu atenção.
- Agora me diz, por que mesmo nós não jantam... Meu Deus, pasta de amendoim! – ela se interrompeu, sorrindo para o pote em mãos antes de abraça-lo, e eu tive que rir.
- Olha o leite, !
- Ai, estou olhando! Como você é chato – ela fez careta e colocou o pote na bancada ao meu lado.
- Ah, eu sou chato?
- Demais, nossa – rolou os olhos e se virou novamente para os armários.
- Engraçado isso, porque, se não me engano, até segundos atrás era “amor” pra lá, “amor” pra cá... – eu disse, e ela riu olhando-me por cima do ombro e mandou um beijo no ar – Vê se não vai me trocar pelo pote de pasta de amendoim, pelo amor de Deus.
- Por favor, não me faça escolher – ela deu uma risada gostosa, jogando brevemente a cabeça para trás, e puxou um saco de pães de forma de um dos armários.
- O que? Essa é a sua resposta ao meu pedido, ? – arregalei os olhos vendo-a rir mais ao colocar os pães junto do pote e enfim postar-se à minha frente. Apoiei as mãos em sua cintura e puxei-a para mais perto – Não estou valendo mais nada, hein? Nunca mais compro essa porcaria.
- Até parece, eu sei que você também adora pasta de amendoim – disse entre risos, apoiando seus braços sobre meus ombros e começando a acariciar meus cabelos.
- E quando você vai fazer aquele tal de bri-sei-lá-o-que para mim?
- Bri-sei-lá-o-que... Brigadeiro? – ela riu, e eu assenti enquanto me aproveitava de sua carícia – Qualquer dia desses eu faço, prometo. Mas, na verdade, espero estar ocupada demais com o trabalho durante a semana.
- E como você acha que vai ser amanhã? – perguntei ao sentir em seu tom de voz a leve preocupação com relação ao trabalho, e ela encolheu os ombros.
- Estou contando com que tudo o que fiz de bom para a empresa até agora, espero que isso pese muito mais do que minhas últimas faltas... As quais eu não tenho nem ideia de como vou justificar, – suspirou e assentiu – mas acho que vai dar tudo certo. Espero. Espero mesmo.
- e eu vamos torcer por isso.
sorriu ternamente e, deixando que minhas mãos descessem devagar até seus quadris, eu me aproximei e selei meus lábios aos seus para iniciar um beijo que tinha a intensão, mas não teve tempo suficiente para ser aprofundado, pois logo ouvimos o barulho do leite fervendo.
- Não, não... – choramingou correndo para desligar o fogo, mas mesmo assim um pouco do líquido fervente transbordou para fora da leiteira – Ah, droga.
- Eu avise-ei – cantarolei, e ela pegou o pano de prato só para jogá-lo na minha cara.
- Sem graça, foi você quem me distraiu! – tentou manter-se séria, mas eu ri colocando o pano sobre a bancada, e ela acabou por me acompanhar – A culpa é todinha sua.
- Quer que eu limpe?
- Não precisa. Só faz um sanduíche para mim? – pediu e eu assenti vendo-a postar uma das mãos na cintura – Aliás, faz dois, porque eu mereço.
- Está bem.
Concordei entre risos e comecei a fazer quatro sanduíches de pasta de amendoim e fatias de banana, dois para mim – porque eu também mereço, ora – e os outros para , que se ocupava com a limpeza de nossa pequena bagunça. Ouvi o som baixo de passos e olhei para a porta da cozinha, onde logo apareceu acompanhada por Snoop, com seus olhos miúdos e os cabelos levemente bagunçados. Ela arrastou os pés até a mãe e abraçou uma das pernas da mesma. terminou rapidamente o que estava fazendo, limpou as mãos e então pegou a filha no colo para senta-la no banco ao meu lado.
- Você tem que parar de crescer, mocinha, se continuar assim, daqui a pouco eu não vou aguentar mais te carregar. – brincou cruzando os braços brevemente, e riu – Quer comer alguma coisa?
- Quer um sanduíche? – ofereci, mas ela me olhou dando piscadas profundas e negou com um leve sorriso.
- Não deixe ela cair – pediu simplesmente e voltou sua atenção aos armários.
O que exatamente ela quis dizer com isso?
Franzi o cenho em estranheza, olhei para , que encostou a cabeça em meu braço, e reprimi o riso ao imagina-la caindo de sono de uma cadeira. Com certeza não deve ter sido muito engraçado na hora.
Vi pegar uma caneca e peneirar o leite quente para separar a nata, ela misturou ali duas colheres de açúcar e, antes de estendê-la para , a pequena se esticou um pouco para me dar um suave beijo no rosto e desceu da cadeira. se curvou para também receber um beijo e só então entregou a caneca para a filha, que segurou-a com as duas mãos, sorriu de leve em agradecimento e deixou a cozinha carregando consigo o mesmo silêncio de quando entrou com Snoop, que continuou seguindo-a como uma sombra.
- Você tem que cuidar de mim assim também – brinquei ainda olhando para a porta e uma xícara de café puro foi colocada sobre a bancada, bem próxima a mim.
- Do que está falando? Eu já cuido de você – disse ocupando o lugar ao meu lado, colocou sua xícara perto da minha e tomou um dos sanduíches em mãos. Olhei para o café puro e franzi o cenho quase em indignação.
- Como você sabe o que fazer sem que a gente diga uma única palavra?
- Eu só sei – ela levantou levemente os ombros e mordeu o sanduíche.
- Amor, você está começando a falar igualzinho a minha mãe. – eu disse entre risos, e ela me acompanhou – Acho que tenho que levar a sério aquela coisa de mãe ser tudo igual e só muda de endereço.
- É, pode ser isso mesmo.
Ela sorriu levemente para mim, colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha antes de pegar sua xícara, e tomou um gole de café com leite. Ri fraco ao desviar meu olhar do seu por alguns instantes, pensando e enfim dando-me conta do quanto era enorme a mudança que havia sofrido ao se tornar mãe. Eu sabia que ela sempre foi muito responsável e focada em tudo o que fazia, mas só agora percebi e dei a devida importância ao seu amadurecimento. Ela foi obrigada a deixar aquela garota do colegial para trás, mais especificamente comigo, e então se tornou uma mulher realmente incrível. Uma mãe incrível, que era muito forte, mas nem sequer imaginava o quanto! Eu só não sabia ainda o que isso havia lhe custado, além de todo o tempo e paciência que precisava, e como havia sido para ela, como ela se sentiu, então não reprimi minha curiosidade e indaguei calmamente:
- Como foi quando você descobriu que estava grávida?
Ela franziu o cenho com a borda da xícara próxima aos lábios, colocou o sanduíche sobre a bancada e gesticulou para mim, como se estivesse questionando a razão de minha pergunta, e eu dei de ombros.
- Não precisa responder se não quiser.
- Não, tudo bem, é só que... Ahm... Não é uma das minhas lembranças favoritas, – ela balançou a cabeça em negação, mexeu-se desconfortavelmente sobre o banco e colocou sua xícara junto à minha – não foi um momento tão feliz quanto deveria ser.
- Você não queria – eu disse simplesmente.
Lembrei-me do dia em que ela me contou sobre , aquele em que eu a levei para provar seu vestido de noiva e que nós tomamos muita chuva na volta para casa. Ela havia dito exatamente isso, que não queria estar grávida.
- Não que eu nunca tivesse pensado sobre ter uma família e coisas assim, mas aquele não era o momento certo, era cedo demais! E eu não gostei muito, na verdade, eu chorei quando descobri. Chorei por noites seguidas, pensando que, com 16 anos, eu não seria capaz de cuidar sozinha de uma criança... – ela comprimiu os olhos brevemente para a bancada e deu uma risada contida – Acho que nunca chorei tanto em toda a minha vida quanto chorei naquele ano. – e suspirou tornando a me olhar – Era muita coisa envolvida, meu emocional estava destruído e eu tive que fazer terapia durante a gravidez, pois o desenvolvimento de seria afetado se eu entrasse em depressão. Então... É, foi um pouco difícil.
Espera. O que ela acabou de dizer? Alguém me explica o real significado dessas palavras, por favor, porque eu realmente não consigo acreditar que tudo isso que ela disse até hoje e neste exato momento seja mesmo só “um pouco difícil”. Qual o problema dessa mulher?
Continuei olhando para por um tempo, ainda absorvendo tais informações, automaticamente imaginando-a passar por aquilo e mais outras coisas enquanto eu estava aqui, alheio a tudo e sem fazer nada por ela. Isso não me parecia nem um pouco justo, ainda mais porque eu estava inevitável e indiretamente envolvido em seus altos e baixos, mas mesmo assim ela estava aqui comigo.
Percebendo minha distração, ela puxou seu banco para mais perto de mim e apoiou sua mão em meu joelho.
- Para, isso não tem nada a ver com você.
- Como não? – eu ri sem humor – Você não fez sozinha.
- Tem razão, não fiz. Mas eu sei o que está pensando e, , você não é responsável por tudo o que acontece comigo. – ela sorriu balançando a cabeça negativamente – Nem por eu não ter falado nada sobre sair do país há sete anos, ou por inicialmente eu não aceitar muito bem uma gravidez, menos ainda pelo ocorrido com Robert.
- Mas a cada vez que você me conta uma coisa como essa, eu não consigo deixar de pensar que poderia ter ajudado de alguma forma, ter evitado ou...
- Mas fui eu que fiz as escolhas, como a de não te contar sobre , por exemplo, e essas foram as consequências. Você não sabia, não podia fazer nada.
- E você está calma dizendo isso? – franzi o cenho.
- Estou. Isso já passou, eu consegui superar muitas coisas e fazer com que seja uma criança muito saudável e feliz. – deu de ombros – É o suficiente para mim.
- Você é louca, sabia? Fica querendo resolver tudo sozinha... – suspirei passando uma das mãos exaustivamente pelo rosto, e ouvi-a rir.
- E não me arrependo de forma alguma.
- Ok, então pelo menos me avise na próxima vez!
- Espera. Ainda estamos falando sobre eu ficar grávida ou...? – foi a vez dela de franzir o cenho, e nós rimos.
- Ah, claro, com certeza é sobre isso o que eu estou falando – brinquei.
- Tudo bem, então da próxima vez você será o primeiro a saber.
- Ótimo!
- Ótimo. – ela disse entre risos – Idiota.
- Você me ama, mulher.

- Dá para você parar? – perguntou ao meu lado.
- Parar com o que? – franzi o cenho com o olhar ainda fixo no visor do celular, mexendo em qualquer coisa para me distrair, e levei o copo de suco aos lábios sem a intenção real de beber.
- Parar com esse celular, cacete! – ele disse e tirou o aparelho de minha mão.
Bufei. Por que todo mundo quer que eu pare com alguma coisa? Não estou entendendo qual é a dessas pessoas... Tudo bem que hoje de madrugada com a foi totalmente diferente, eu estava mesmo tentando provoca-la, pois isso é sempre deliciosamente divertido. Mas esse é um outro assunto e o já estava começando a me encher o saco.
- Eu estou esperando uma ligação muito importante, – eu disse categoricamente, olhando-o de soslaio nada feliz com sua atitude.
- Cara, eu não sou idiota, ok? Sei que você está tentando falar com a há algum tempo, mas está tudo bem com ela, relaxa! – riu e colocou o celular no bolso traseiro da minha calça jeans, dando-me um tapa na bunda logo em seguida – Já parou para pensar que o ex dela pode ter começado a ficar louco sendo um cara controlador?
- Eu não estou sendo controlador.
- Tanto faz. Eu só quero que você relaxe um pouco, pode ser? – ele rolou os olhos pegando alguns Flipz que estavam em uma vasilha sobre a mesa – Parece que ir até a costa sul não adiantou em nada e que vocês não estão bem.
- Não é isso, só estou um pouco preocupado – gesticulei com a mão livre.
Sentei no pequeno sofá preto de dois lugares que tinha ali perto, ocupou um lugar ao meu lado, e eu passei os olhos pelo camarim, fixando-os na porta aberta que dava direto para o corredor do estúdio em que estávamos para gravar a chamada do programa de entrevista que vamos participar. Câmeras, luzes, fios e pessoas andando para todos os lados, sabe? Aquela mesma coisa de sempre. A parte do estúdio que eu mais gostava era exatamente essa em que estávamos agora, ao lado da mesa de alimentos e bebidas, pequena com relação à todo o resto, mas significante ao extremo com todas aquelas coisas boas que colocavam exclusivamente para nós.
- Então... Tirando essa preocupação, que eu ainda não entendi direito de onde vem, o que sobra? – ele indagou fazendo-me sorrir automática e imediatamente.
Eu não havia contado ainda sobre como estão as coisas entre e eu no momento, nem para nem para ninguém, mesmo que eu quisesse parar todas as pessoas que passavam por mim e dizer que finalmente estávamos juntos. Queria dizer que ela era minha, que ela me amava, que eu estava feliz. Mas isso tudo seria muito estranho e, no meu caso, poderia ser também uma grande e indesejada exposição, então tive que me conter.
Logo quando chegamos à emissora e encontramos com os caras, perguntou sobre como havia sido a nossa pequena viagem até a costa sul. E eu tive que pensar um pouco antes de responder, escolher a melhor palavra que pudesse descrever aquela viagem... Indescritível. Mas não demorou para que fizessem isso por mim:
- A gente não queria voltar – seu riso baixo e contagiante fez com que todos a nossa volta tornassem sua atenção para , que estava ao meu lado com sua mão pequena e macia entrelaçada à minha e um lindo sorriso no rosto. Ela, por si só e por sua declaração, já deixou claro que tudo havia sido ótimo, então fiz suas as minhas palavras.
Quando questionado sobre Robert e o seu noivado com , limitei-me apenas em dizer que ele era um louco, que e não o veriam novamente. Era irritante não poder dizer tudo o que somente a menção do nome daquele cara me fazia pensar. Era estranho ter que me policiar e escolher bem minhas palavras quando começava a falar sobre o assunto, pois não era qualquer pessoa que podia saber daquilo e a reação de cada um pode ser bem diferente. Então, se para mim já estava sendo difícil e desconfortável, imagino que para deve ter sido muito pior durante todos esses anos.
Mordi lábios por conta de tal pensamento que só aumentava a minha vontade de estar novamente perto dela, de cuidar dela, e suspirei enfim tornando meu olhar para . Talvez eu não estivesse sendo controlador, mas também não discutiria se dissessem que estava me tornando superprotetor e com razão.
- O que sobra? – dei um riso deslumbrado e balancei a cabeça levemente em negação, feliz por finalmente poder falar sobre isso com alguém – Cara, sobra muita coisa boa! Está tudo de uma forma que eu nunca imaginei.
Mentira. Eu já imaginei algo assim, mas ele não precisa saber disso.
- E, ainda assim, eu tenho certeza de que com o tempo tudo pode ficar ainda melhor – completei.
- Ainda bem! Já estava mais do que na hora de algo assim acontecer com você. – ele gesticulou parecendo aliviado e eu tive que rir – Sério, eu estava cansando de entrar no seu apartamento e sempre dar de cara com uma garota diferente.
- E eu estava cansando de você sempre me perguntar os nomes das garotas na frente delas, mesmo sabendo que eu não me lembrava – eu disse e ele gargalhou.
- “Se apresenta ai para os caras enquanto eu vou ali fazer sei lá o quê”, tipo lembrar o seu nome. – ouvi dizer ao entrar no camarim e cobri os olhos brevemente enquanto ríamos – Se bem que nesse caso eu não posso falar muito de você, . Ainda uso muito essa saída, porque o é um filho da puta que adora ver os outros se ferrando.
- Admito, eu faço muito isso! Mas é que vocês não têm noção do quanto é engraçado ver vocês se ferrando – disse entre risos, levantando as mãos na altura dos ombros.
- Não falei? – indagou puxando uma cadeira e se sentou ao lado de , apontando para o mesmo – É ou não é um filho da puta?
- Está bem, . – rolou os olhos ainda com um sorriso divertido no rosto – Mas não desvia o foco da nossa conversa aqui, porque eu ainda não entendi como o e a foram parar na costa sul.
- Sabe que eu também estou querendo entender isso? – ele concordou pensativo e me olhou – Eu me perguntei a mesma coisa depois que você pegou as chaves comigo no domingo.
- A não te explicou? – arqueei uma das sobrancelhas, totalmente inocente, vendo entrar e fechar a porta do camarim antes de se aproximar da mesa de alimentos e bebidas.
- E você acha mesmo que eu fico falando de você e da quando estou com a ? – ele comprimiu os olhos, sorrindo maliciosamente.
- É o que? – eu abri a boca em incredulidade, mas ri em seguida.
- Sabe de nada mesmo, hein?
- Estou vendo.
- Mas que porra de conversa é essa? – perguntou enchendo uma das mãos de Flipz e se jogou de qualquer jeito na cadeira ao lado de .
- Espera. Você está pegando a prima da ? É isso mesmo o que eu entendi? – arregalou os olhos.
- Ela tem nome, ok? E, sim, eu estou com a .
- Hm... Sentiram a firmeza? Não é nem pegando, ele está com dobrou o lábio em admiração enquanto dava de ombros despreocupadamente.
- E você e a ? Brigaram mesmo? – ele perguntou dando um soco no ombro de , que logo devolveu a gentileza.
- Olha, o ainda não desistiu de casar. Está ai uma coisa que não é novidade nessa conversa!
- Tudo bem, mas o é um caso perdido. Você sabe que isso não tira o seu da reta, certo? – ele franziu o cenho e nós rimos – Até mesmo porque você e brigados, é uma das coisas mais estranhas que existe.
- Sem contar que você fica um saco – complementou.
- Ele já chorou? – perguntei e me olhou assentindo.
- Como um bebê.
- Chorei porra nenhuma, !
- A me contou.
- A sua noiva é uma intrometida. Tudo isso é culpa dela, sabia? Ela que fica colocando ideia errada na cabeça da minha namorada – ele disse olhando-o com uma cara nem um pouco amigável.
- Ah, para! Até parece que a é tão influenciável assim...
- O que houve, afinal? – franzi o cenho vendo-o cruzar os braços.
- Ele esqueceu a na casa da e acho que aconteceu mais algumas coisas depois disso.
- Aconteceu, sim. Mas eu não a esqueci lá, ok? Vocês saíram da Insanity e eu tive que cuidar desse bêbado sozinho. – ele disse apontando para – Sem ofensas, cara.
- Não ofendeu – ele abanou o ar e eu ri.
- Eu e a vamos nos acertar, eu sei. Mas agradeceria muito se você e a ficassem fora disso. Todos vocês, aliás. – disse e todos nós levantamos as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência.
- Nem vou mais tocar no assunto – disse.
- Inclusive, a me ligou bem na hora que o viado do vomitou no meu pé. Sem ofensas! – ele se apressou em dizer e nós rimos enquanto comprimia os olhos.
- Não ofendeu – repetiu, mas dessa vez pausadamente e olhando-o de soslaio, e tocou seu ombro.
- Eu sei que não. – brincou e deu uma piscadela para fazendo-nos rir, então tornou sua atenção a mim – Mas voltando ao assunto...
- Ela estava me procurando, não é? – perguntei e ele assentiu.
Suspirei lembrando-me do modo como ela chegou em meu apartamento naquela noite. Totalmente inesperada. Nós quatro ficamos em silêncio por alguns instantes, mas eles não paravam de me olhar de um jeito muito estranho e aquilo estava começando a me incomodar.
- O que foi?
- Você não vai nos contar o que aconteceu? Porque até para mim ela tentou ligar naquela noite e, de repente, vocês estão na costa sul? – arregalou os olhos em incredulidade e eu não consegui evitar o riso – Qual é, ? Eu fui a única pessoa que o incentivou a não desistir dela. Vai contar, sim!
- Tudo bem, calma! – eu franzi o cenho ainda rindo – A gente tinha muita coisa para conversar e resolver. Sobre , sobre nós... Então foi até o meu apartamento e eu só decidi ir. – dei de ombros – Achei que era uma boa ideia nos afastarmos daqui um pouco e perguntei, não precisei dizer nem para onde, ela disse que iria para qualquer lugar comigo.
Passei uma das mãos pelos cabelos, meio sem jeito ao ver meus amigos agora com sorrisos discretos em seus rostos, e ri fraco sentindo que eles estavam realmente felizes por mim... Por nós. Pela família que, na verdade, todos nós formávamos. tinha razão, ele sempre esteve comigo quando o assunto era e me apoiava na medida do que era saudável. Já que incentivar quando tínhamos certeza de que não a veríamos mais, não seria nada bom. era o contrário, a falta dela também o afetou significantemente e eu sabia disso. Mas ele não deixou de estar por perto assim como , que fez o possível para nos manter unidos por tantos anos.
Eram todos eles essenciais na nossa história. Mas o meu relacionamento com também ser motivo de alegria para os nossos amigos, era uma das coisas que eu mais amava.
- não mentiu quando disse que não queríamos voltar. Elas adoraram a casa e a vista para os penhascos. – balancei a cabeça levemente – Nós estamos muito bem juntos e é tudo tão... Natural.
- Que nojo de você – disse simplesmente e eu franzi o cenho em estranheza apenas ouvindo meus amigos rindo.
- Será que alguém tem um espelho ai? – indagou entre risos – Cara, você tem que ver a sua cara de idiota apaixonado quando fala sobre elas.
- Ele tem razão. – concordou com um grande sorriso ao passar um dos braços sobre meus ombros e me deu um beijo babado no rosto – E é exatamente por isso que eu estou tão orgulhoso de você!
- Urgh, ! Pra que isso? – reclamei passando a mão no rosto e depois limpando-a na calça dele, mas nem se importou.
- Qual o plano agora? – quis saber e eu suspirei ao levantar os ombros levemente.
- Ir com calma.
- Seremos seus padrinhos, certo? – disse, e nós rimos.
- Eu disse “ir com calma”, não “vamos nos casar amanhã”!
- Ainda não, mas vai falar! Tratando-se da , então...
- Esquece. Alguém fez algum tipo de amarração para vocês, virou aquelas cartas de mágicas que nem no filme que a gente fez com a Lohan, ou qualquer coisa assim. – rolou os olhos sorrindo e a gente riu ainda mais – Se não for com ela, não vai ser com mais ninguém e ai você morre velho e sozinho.
- , foram sete anos falando dela. É o destino – voltou a falar e eu arqueei uma das sobrancelhas, sentindo como se estivesse com a . Só ela diria uma coisa tão tonta como aquela.
- Puta que pariu, é sério isso?
- , você vai mesmo me dizer que você nunca pensou nisso? – chamou minha atenção e comprimiu os olhos para mim – Nem depois que a viu vestida de noiva?
- Ei, qual a parte do meu “ir com calma” vocês não entenderam? – franzi o cenho ao ver que eles não estavam falando tanto na brincadeira quanto como eu imaginava – Vocês, por acaso, estão se ouvindo? O assunto virou casamento e eu nem sei como!
- Não pensou nem por um segundo? – ignorou totalmente minhas palavras e eu me limitei a cruzar os braços e afundar no sofá – Nem como se fosse a saída mais desesperada para fazê-la ficar?
- Eu acho que ela aceitaria – ponderou.
- Eu tenho certeza! Não sei o que o faz com ela, mas... – começou, mas logo apertou de leve seu ombro, balançando a cabeça negativamente.
- Cara, com a existência da , eu acho que já podemos ter uma ideia do que ele faz com ela – ele disse calmamente e dessa vez eu gargalhei com a cara que fez.
- Não era disso que eu estava falando! – ele disse com a mesma expressão de desagrado, mas logo riu – Idiota.
- Ele estava falando sobre sentimentos, . Sabe? Aquelas coisas que a gente usa de vez em quando para escrever algumas músicas. – ironizou entre risos – Falando nisso, escrevi e mostrei parte de uma música para e ela gostou.
- Tenho uma pronta que, modéstia à parte, está muito boa. Podemos dar uma olhada nisso depois? – perguntei e eles assentiram.
- Eu tenho algumas também, só que... – dizia, mas se interrompeu quando a porta do camarim se abriu revelando , que correu em minha direção com um lindo e enorme sorriso no rosto e uma rosa branca entre os dedos.
- Ei, onde você estava, pequena? – ajeitei a postura vendo-a apoiar a mão livre em meu joelho.
- Conhecendo o estúdio todinho com a Loren e o Fletch! – riu apontando para as duas pessoas que ainda estavam.
- E ai, Loren? – cumprimentou-a e ela apenas sorriu também segurando uma rosa, porém vermelha.
É, eu já devia saber que, como produtora de eventos, Loren ainda era um dos bons contatos de Fletch. Foi assim que nós nos conhecemos e, pelo jeito, é assim que vamos continuar nos encontrando por ai.
- Olha o que ele me deu – chamou minha atenção chacoalhando a rosa em frente ao meu rosto e eu ri tornando a olhá-la.
- Ainda bem que foi o Fletch e não aquele menino da reunião, ou senão o já estaria se mordendo de ciúmes – caçoou e nós rimos enquanto me olhava em dúvida.
- É uma rosa muito bonita – eu disse apenas para ela, que sorriu e se sentou no pequeno espaço ao meu lado.
- Fletch, Loren está aqui, então nós teremos algum evento? – arqueou as sobrancelhas.
- Nada definido ainda. – ele balançou a cabeça negativamente e olhou para o relógio em seu pulso – Estão prontos? Vamos gravar?
Todos concordamos e logo deixamos o camarim. A ideia era gravarmos quatro chamadas separadamente – nos apresentando e falando um pouco de como será o programa –, e uma em que estaríamos todos juntos. Essa foi a primeira que fizemos e foi bem engraçado! Ao invés de dizer “e nós somos McFLY” em uníssono, assim como sempre fazemos, teve que trocar o nome da banda por One Direction, causando um pequeno desentendimento entre nós frente às câmeras e muitas gargalhadas quando ele dizia que Zayn era o seu favorito mesmo que ninguém tivesse pedido por isso.
Depois começamos a gravar as chamadas individuais. Eu fui o primeiro e, logo que terminei, sentei na cadeira vaga ao lado de Loren. Assisti dançar de uma forma ridícula em frente às câmeras e vi acompanhar tudo bem de perto ao lado de Fletch. Ele disse que ela era sua convidada especial e estava adorando, se divertindo com sua liberdade por todo o set.
- E ai, fonte de revista, – disse em voz baixa ao cruzar os braços e me inclinar levemente em direção à Loren sem olhá-la – como você está?
Ela suspirou.
- Fletch já falou comigo sobre isso e eu não contei sobre ser sua filha, juro – ela disse no mesmo tom.
- Ah, qual é, Loren?
- É sério, ! – insistiu e eu enfim a encarei – Devem ter jogado aquilo na matéria depois de tirarem suas próprias conclusões já que, se olharmos bem, dá para notar a nítida semelhança entre vocês.
- Você não notou.
- Não mesmo, eu me distraí. Fiquei feliz em te encontrar. – sorriu balançando a cabeça negativamente – E eu vi quando vocês deixaram a Starbucks, que ela se assustou com os fotógrafos. Por que eu traria mais atenção para uma criança?
Olhei-a por alguns segundos e dei uma risada contida alinhando a postura.
- Acho que eu me assustei mais do que ela.
- Espero não ter causado tantos problemas.
- Tudo bem, relaxa. Agora isso não significa nada – disse entre um suspiro.
- Então, você e a brasileira...?
- Só conto se você prometer que não vai espalhar por ai – arqueei as sobrancelhas e ela riu espalmando a mão livre no peito.
- Outch! Ok, essa eu mereci. – ela disse e nós rimos.
- Desculpa.
- Não, eu sei! Acho que eu fiquei... Um pouco sentida, talvez. – ela riu sem humor – Só falei o que os paparazzi me perguntaram, porque... Ahm, a gente sabia que aquele nosso namoro nunca ia dar certo, mas fiquei sentida por não fazer muito tempo que terminamos e eu vi que você já seguiu em frente, encontrou a pessoa que, de certa forma, eu sempre soube que amou.
Silêncio.
Balancei a cabeça em negação.
- Quem me encontrou foi ela. – as palavras saíram sem a minha permissão e eu logo fiz uma leve careta, confuso – Desculpa, não sei por que falei...
- Porque você realmente a ama. – ela sorriu dando de ombros – Porque toquei no assunto e, por incrível que pareça, eu quero ouvir sobre isso. Nós éramos amigos antes, lembra? Eu até te ajudei a conquistar algumas garotas!
- Verdade.
- E você me ajudou com uns caras...
- Outra verdade.
- A gente se dava bem mesmo com o não gostando de mim.
- Ok, isso era ciúmes – eu disse entre risos.
- É, sempre achei que fosse isso mesmo – brincou voltando seu olhar para a movimentação à nossa frente e suspirou.
O silêncio se instalou mais uma vez entre nós e eu pensei muito bem antes de dizer qualquer coisa. Conversar com Loren sempre foi tão fácil... Não que agora eu fosse falar tudo sobre e eu, falar sobre Robert e o que ele fez ou o que ele é – adjetivos não me faltavam. Não! Mas talvez não fosse de todo mal dar uma chance para a amizade que tínhamos antes. Eu não via problema algum nisso.
- . – eu disse e Loren me olhou – O nome dela é . E eu literalmente trombei com ela na noite do mesmo dia que você decidiu sair do meu apartamento.
- Ah, valeu! – ela sorriu virando-se de lado para me dar mais atenção e eu ri com isso – Bom saber que sai antes de ser traída.
- Eu não faria isso com você, ok? – tentei me defender e ela apenas me lançou um olhar duvidoso. Tudo bem, talvez meu histórico não me favorecesse muito – Eu não a reconheci na hora e ela também não queria falar comigo tão cedo por conta de alguns motivos antigos, então...
- Demoraram a se acertar?
- É, um pouco.
- Esses dias eu vi umas fotos dela na internet. Então fico feliz que ela só tenha aparecido depois que nós terminamos, caso contrário eu ficaria muito brava, porque ela é irritantemente linda.
- Ela é – assenti e nós rimos.
- Então não é verdade o que dizem por ai? Que você deu aquela aliança a ela.
- Infelizmente não. – balancei a cabeça negativamente – Essa é a parte um pouco complicada de toda história...
- Que você não vai contar – completou e eu concordei com um meneio de cabeça.
- Ela ficou muito tempo longe e já estava tomando aquelas decisões que a gente torce para que nos acompanhe pelo resto da vida, sabe? – resumi vendo-a assentir e dei uma risada contida – Acho que acabei com todos os planos dela.
- , eu não sei metade da história e já tenho certeza disso – ela rolou os olhos rindo e meu olhar se desprendeu do seu, pensativo.
Levei minha mão à boca apenas para confirmar minhas suspeitas: eu não parava de sorrir. Não largamente, mas sorria. Um daqueles sorrisos bobos que se formam apenas com um feliz pensamento. É, talvez e fossem agora o meu assunto preferido.
- Mas nada a impede de fazer outros planos, não é? Ela pode fazê-los comigo. Sem aquela aliança. – dei de ombros – E eu sei posso fazer com que ela e sejam muito felizes assim.
Mordi os lábios e tornei a olhar para Loren, que manteve seu olhar baixo por breves instantes. Então ela sorriu estendendo-me a rosa que ainda segurava, e eu franzi o cenho.
- Pega.
- Não está dando em cima de mim agora, está? – brinquei e ela logo me deu um tapa na testa em resposta – Ah, ok!
- Lógico que não estou dando em cima de você! – ela riu – É pra você dar pra ela. Fletch deu uma para e essa para mim, mas eu prefiro tulipas, então...
- Espera, eu já te dei um buquê de rosas vermelhas – franzi o cenho vendo-a reprimir o riso.
- Ops.
- Você disse que tinha gostado. – abri a boca em incredulidade – Mentirosa!
- A gente ainda nem se conhecia direito, , eu não quis te deixar triste por isso – ela tentou se defender, muito mal por sinal, e eu comecei a rir também.
- Caramba, você mentiu pra mim. Não acredito nisso – balancei a cabeça negativamente enquanto exagerava no drama, e ela rolou os olhos ainda rindo.
- Foi uma mentirinha inocente.
- Ok. Mentirosa.
- Deus, por que eu fui dizer isso? – ela disse entre risos olhando para o alto e deixou suas mãos caírem pesadamente sobre seu colo.
- Sobre o que mais você mentiu? Não, não fala. Eu não quero nem pensar.
- Ai, cala a boca!
- Você é uma mentirosa, Loren Carter – acusei e ela arqueou as sobrancelhas antes de se sentar corretamente.
- E você, um idiota, . Vai ficar com a rosa ou não?
- Vou. – sorri e peguei a rosa entre as pontas dos dedos – Obrigado.
- Combina com a sua cara de idiota apaixonado.
- Ah, obrigado mais uma vez! Você não é a primeira pessoa que me diz isso hoje. – disse ironicamente e ri – Acho que a vai gostar, então não vou falar que a ideia foi sua, ok?
- Não, tudo bem! Nesse caso, eu não preciso de créditos e dispenso os agradecimentos.
- E você? Está namorando? – perguntei e ela logo balançou a cabeça em negação – Você é tão mentirosa. Não consegue parar, não é?
- Não estou mentindo.
- Loren, por favor, não insulte minha inteligência – rolei os olhos e ela jogou a cabeça brevemente para trás ao dar uma gargalhada – e nem a das minhas fãs que me contam tudo pelo Twitter.
Voltamos nossa atenção para , que agora estava na frente das câmeras, e permanecemos assim por um longo tempo, entre breves comentários e risos. E eu me senti bem por isso. Na verdade, eu tinha me esquecido como gostava da companhia de Loren. Talvez tenhamos nos confundido muito, pois acho que nunca deveríamos ter ultrapassado o limite da amizade. Assim, como estamos agora, está ótimo. É o suficiente.
Em determinado momento, Loren se levantou para se juntar à Fletch, então ocupou seu lugar ao meu lado depois de alguns instantes. Distraído, olhei para a rosa que ainda segurava, sem qualquer espinho e com suas pétalas vermelhas e delicadas. É, talvez gostasse mesmo.
Entre um suspiro, puxei o celular do bolso traseiro da calça jeans e seu visor se iluminou com o horário que parecia se arrastar e sem que nenhuma chamada perdida me fosse indicada, então tentei ligar mais uma vez esperando que isso não a incomodasse. Eu só queria saber se estava tudo bem. Se tinha dado tudo certo na empresa e, se sim, perguntar que horas ela voltaria para casa. Faria muitas outras perguntas, na verdade, apenas como uma desculpa para prolongar a conversa em seu horário de trabalho. Queria que ela me passasse aquelas instruções para cuidar de , assim como costuma fazer mesmo sabendo que eu não seguiria ou lembraria da maioria delas. Mas não me atendeu.
Já estava tarde e ela devia estar ocupada.
- Posso ficar com você? – ouvi a voz de e desprendi o olhar da rosa para ela, que tinha um leve sorriso em seu rosto e piscava seus grandes olhos para a mim.
- Claro que pode. – sorri e ela logo subiu em meu colo, apoiou as costas e a cabeça em meu peito e eu abracei sua cintura – Cansada, pequena?
- Só com um pouquinho de sono – disse balançando os pés no ar.
- Não tem lição de casa, tem? – eu disse adotando um tom cansado na voz e ela sorriu pegando a rosa vermelha de minha mão para juntar com a sua branca.
- Eu fiz rapidinho na aula. Estava muito fácil.
- Ainda bem que você puxou a sua mãe.
- Puxei? – perguntou ao virar levemente o rosto para me olhar.
- É inteligente como ela. – assenti e ela riu quando eu a apertei em meus braços e lhe dei um beijo estalado no rosto – Quer ir embora?
me olhou por breves segundos, mordeu o lábio inferior e enfim assentiu timidamente. Na verdade, eu também queria ir embora. Não tinha nada mais que eu pudesse fazer no set e não estava mais tão disposto a ficar sentado naquela cadeira sem um bom motivo declarado. Então procurei Fletch com o olhar e rapidamente o encontrei conversando com um cara que eu não fazia a mínima ideia de quem era.
- Hoje era só isso de acordo com o que o Fletch tinha planejado. – disse ao meu lado e eu o olhei – Pode deixar que eu falo com ele.
- Ele não vai ligar me xingando depois, vai? – brinquei ajudando a desce do meu colo para me levantar, e riu fazendo o mesmo que eu.
- Não. Estávamos pensando em ir lá no para trabalhar um pouco, mas acho que é melhor você levar ela para casa. – disse colocando as mãos nos bolsos dianteiros da calça jeans e se curvou levemente para olhar , que sorriu abraçando-se às minhas pernas – Você parece com sono, tampinha.
- E está! Vou fazer isso mesmo. – suspirei afagando os cabelos da minha pequena – Foi um longo dia para ela.
- E a ? Como ela está? – ele tornou a me olhar.
Não havia nada de errado com sua simples pergunta, mas eu senti uma leve ansiedade formigar em meu corpo, aquela mesma que senti hoje cedo e que não conseguia evitar.
- Bem até a última vez que consegui falar com ela. Não sei o que ela está fazendo agora... Talvez também esteja tendo um longo dia no trabalho, ou sei lá.
E ali estava, a preocupação fazendo seu trabalho mais uma vez.
Suspirei.
- , algum problema? – ele indagou analisando-me com o olhar.
- Não, só estou um pouco confuso e perdido sem ela por perto quando se trata de – disse com um meneio de cabeça e ele riu. Não era uma total mentira, de qualquer forma.
- Você parece se sair muito bem, cara, relaxa. – ele disse e me deu um abraço rápido – Aproveita que o Fletch não está olhando e dá o fora daqui!
- Ok, valeu. – eu ri e segurei a mão de – Vamos?
- Aham! Tchau, tio – ela se despediu com um tímido sorriso no rosto e, provavelmente pego de surpresa, demorou um pouco antes de sorrir como idiota e acenar.
Estou começando a achar que é e sempre será do tipo de pessoa que gosta de surpreender as outras, inclusive. Já que não era a primeira vez que ela fazia algo assim.
Peguei meu carro e nós logo deixamos a emissora ouvindo as músicas de uma rádio qualquer em um volume mediano, apenas para distrair. Na verdade, para distrair mais a mim do que à , que deitou no banco de trás do carro e não demorou muito para pegar no sono. O que demorou mesmo foi o tempo que levamos para chegar em casa devido ao horário. As ruas estavam entupidas de carros e eu sentia que precisava relaxar um pouco, assim como insistiu que eu fizesse a tarde inteira.
Será que era exigir muito? Quero dizer... Será que ela não podia parar por um segundo, com o que seja lá de tão importante que estivesse fazendo, para me atender ou ligar e dizer “ei, está tudo bem comigo”? Eu nem devia estar me preocupando, pois tenho certeza de que isso não é ser controlador. De forma alguma! Neste momento, eu só precisava de uma única informação. Só precisava saber se tudo estava bem assim como estava hoje pela manhã, se nada havia mudado, e acho que isso é muito normal e até saudável para o nosso relacionamento depois de tudo o que e eu conversamos... Certo?
Certo. Nada controlador. Nem um pouco. Apenas saudável. Simples assim, e eu nem estava pensando tanto em tudo isso porquê estava com receio de que ela tenha ido até sua agora antiga casa sem me dizer nada, afinal seria grande bobagem que não faria. Mas ainda assim eu só precisei de um tempo parado diante do engarrafamento para enviar uma mensagem de texto para e então receber dela o número de telefone da empresa e o ramal onde trabalha. Ainda nem um pouco controlador, claro, pois deixei para ligar quando estava no elevador do meu próprio prédio com uma quase desperta em meu colo, que segurava duas rosas em mãos, e sua mochila em meu ombro enquanto encarava o visor que marcava os andares pelos quais passávamos.
- Jillian Weiss.
- Ahm... Por favor, Jillian, eu gostaria de falar com .
- Com quem eu falo?
- . . Eu sou... – hesitei por um instante. Legal, eu sou o que mesmo? Ajeitei em meu abraço, e ela me olhou entre um bocejo – Sou o pai da filha dela.
- Oh... Pai? – disse um pouco surpresa – Erm... Bom, senhor , a senhorita não está em sua sala no momento.
- E você sabe se está em reunião ou algo assim? Porque há tempos que estou tentando falar com ela pelo celular.
- Infelizmente, eu não sei lhe dizer, senhor. Na verdade, eu a vi pela última vez um pouco antes do horário de almoço e a agenda dela está livre hoje – ela disse, e eu suspirei profundamente.
Ok, acho que está na hora de desistir, não é?
Vi o elevador parar em nosso andar e abrir suas portas, então coloquei no chão. Agora que estava mais do que claro que o melhor a se fazer era esperar, seguir com o plano inicial e relaxar um pouco. Talvez eu devesse me acostumar com a ausência dela durante boa parte do dia, afinal em uma de nossas conversas ela disse claramente que tudo não seria da mesma forma como foi na costa sul, seria diferente também por causa do seu trabalho, então a mim só restava ser paciente e entender, certo?
- A senhorita é muito influente nessa empresa, senhor , então talvez ela só esteja resolvendo com seus superiores algumas das pendências que apareceram durante sua ausência. – a moça, Jillian, explicou em um tom que denunciava um sorriso, talvez para demonstrar sua admiração pela ou apenas para me tranquilizar. Não sei dizer ao certo – O senhor não gostaria de deixar algum recado?
- Não. – eu disse ao abrir a porta do meu apartamento e deixei que entrasse primeiro – Apenas avise que liguei, ok?
- Está bem. Tenha uma ótima noite.
- Obrigado.
- Ela está trabalhando? – perguntou baixinho quando desliguei e encostei a porta atrás de mim.
- Parece que sim. – sorri fraco para ela – Quer comer alguma coisa?
apenas negou com a cabeça e seguiu para o sofá de dois lugares passando reto por Snoop, que esperava receber um pouco de sua atenção. Ela colocou as duas rosas sobre a mesinha de centro e se deitou no sofá olhando para Snoop, que mal conseguia se sentar no chão à sua frente de tão inquieto que estava enquanto balançava o rabo freneticamente, e eu coloquei sua mochila no chão.
- Vai dormir na sua cama, .
- Não, vou esperar a mamãe chegar.
Snoop chorou um pouco, apoiou a cabeça no sofá e só então passou a mão devagar nele. Sorri fraco e resolvi deixa-la ali, pelo jeito eu não era o único que estava sentindo a falta de , então segui para a cozinha e quase trombei de frente com a Poppy, que vestia seu grande casaco vermelho.
- Oi, desculpa, senhor – ela riu ajeitando sua postura.
- Oi, Poppy.
- Como foi no seu compromisso?
- Foi bem... Você já está indo embora?
- Sim, mas fiz tudo como o senhor pediu antes de sair hoje mais cedo. E o jantar já está pronto, então eu estou indo... – ela disse distraidamente, dobrando uma vez cada manga de seu casaco – A não ser que o senhor precise de mim para mais alguma coisa.
- Não, só me responde uma pergunta. – disse e ela me olhou assentindo – ligou aqui para dizer que horas voltava do trabalho?
- Não, mas poucas horas depois do senhor sair, Ian interfonou dizendo que ela esteve no condomínio, só não subiu para o apartamento – explicou calmamente.
- Como assim? – franzi o cenho em estranheza.
- Ele disse que ficou um pouco preocupado com a senhorita , pois ela mal tinha entrado no condomínio e ficou por um tempo conversando com um homem que disse ser seu noivo e que parecia estar um pouco nervoso também. – Poppy disse com cuidado em seu tom de voz, e eu engoli a seco sentindo meu maxilar travar automaticamente – Mas Ian disse que ela estava calma e que assegurou que estava tudo bem... Então ele destrancou o portão social para que ela saísse.
Com vários pensamentos invadindo minha mente e sentindo minhas mãos se fecharem em punhos com a mísera possibilidade de qualquer coisa ruim ter acontecido com enquanto ela estivesse com Robert, eu desviei meu olhar brevemente para ver , que parecia distraída subindo as escadas devagar e brincando com Snoop, talvez seguindo para o quarto, e inspirei profundamente tentando manter meus nervos sob controle pelo menos enquanto ainda estivesse ali. Então tornei meu olhar para Poppy e vi sua expressão mudar rapidamente de cuidadosa para preocupada.
- Ele... Ele agiu mal em deixa-la ir?
- Ian disse algo sobre o homem machucar a de alguma forma? – indaguei sentindo meu tom voz oscilar, sentindo meus músculos cada vez mais tensos por eu insistir em ficar parado, mas eu precisava saber.
- Ele achou que sim, mas ela...
- Ok, Poppy, eu preciso muito que você fique com a pra mim – disse firme e categoricamente ao dar um passo à frente, e os olhos de Poppy se arregalaram.
- Agora?
- Sim. – eu disse já dando alguns passos cegos para trás – Pode ser, não pode?
- Pode, mas...
- Eu pago – disse simplesmente e por fim me virei correndo o curto espaço até a porta entreaberta.
- Mas, senhor ...
- Eu pago, Poppy!
Bati a porta do apartamento já praticamente esmurrando o botão para chamar o elevador e logo o de serviço abriu suas portas para mim. Agora era eu que estava inquieto, que tinha com a respiração pesada por estar ainda mais nervoso e que conseguia ouvir as batidas aceleradas de meu coração em meus ouvidos por ter que ir atrás dela, que fez isso por mim uma vez de forma inconsequente. Afinal, do que poderia me proteger naquela última noite em que veio correndo para o meu apartamento?
- Onde está? – ouvi Poppy indagar atrás de mim quando entrei no elevador e me virei tendo tempo antes das portas fecharem para respondê-la:
- No quarto.

Capítulo 32 - She hates the way you lie


Eu estava atordoado e xingando alto a mim mesmo milhares de vezes. De alguma forma, eu sabia, mas tentei ignorar o fato de que havia algo de muito errado, tanto com o silêncio de Robert durante o tempo em que e estavam comigo quanto com o silêncio dela hoje. Ela sabia que eu estava um tanto inseguro depois de tudo, depois das nossas longas conversas, então não me deixaria tanto tempo sem notícias. não é assim. Ela atenderia a primeira das minhas ligações, me tranquilizaria em um tom amável ao dizer que estava tudo bem e então perguntaria sobre , sobre mim, sobre a banda e o nosso compromisso de hoje e, apenas se eu perguntasse, ela falaria sobre seu trabalho. E eu o faria mesmo que o tom que usasse para falar comigo já denunciasse o que ela diria, porque é assim. Nós somos e sempre fomos assim.
Mas fui um completo idiota e era isso e um mais pouco que eu repetia em voz alta enquanto dirigia como louco, inconscientemente apertando com força o volante em minhas mãos, sentindo como se pudesse estraçalha-lo a qualquer momento.
Idiota!
Durante o dia inteiro, eu tentei acreditar que este fato era apenas o meu lado superprotetor falando mais alto e desnecessariamente, quis pensar que tudo estava como deveria estar: tranquilo e com nada de mal acontecendo com nenhuma das minhas garotas, pois estava comigo e estava trabalhando. Mas eu não podia ter me enganado tanto ao pensar assim. Eu subestimei o filho da puta e ele me fez de idiota sem nem precisar se esforçar tanto.
Era estranho de se pensar – e até um pouco doentio –, mas se Robert já teve a intrepidez de diversas vezes levantar a mão para machucar e inferiorizar , tratá-la como se fosse de sua total posse, então eu não deveria ter duvidado de que ele tentaria fazer qualquer coisa para tê-la de volta. Nem que fosse preciso segui-la o dia inteiro ou simplesmente ter a audácia de ir até o portão do meu próprio condomínio, apenas torcendo para que ela aparecesse sozinha em algum momento. Se é que foi exatamente isso o que aconteceu, mas com certeza ele fez algo.
Mal estacionei o carro e já saltei do mesmo batendo a porta atrás de mim sem medir força. De longe, a grande casa amarelo-clara parecia silenciosa com suas luzes apagadas, janelas e cortinas fechadas. Mas eu não me importei com nada disso, minha intenção era fazer barulho se fosse preciso, era incomodar até conseguir o que queria. E eu queria a minha e, de preferência, sem sequer um único arranhão ou marca roxa em qualquer parte de seu corpo.
Eu já até podia imaginar o que viria a seguir mesmo que tal coisa não fosse muito do meu feitio. Claro, estava preocupado com e sabia muito bem que eu só precisava leva-la de volta para o apartamento, deixa-la segura com e longe dessa loucura, mas também estava torcendo para que Robert me desse mais um único motivo para eu poder enfiar vários socos na cara dele e arrancar todos os seus dentes, porque é isso o que quero fazer desde o primeiro minuto em que apenas soube da sua existência.
Tentei abrir a porta principal a força mesmo e foda-se, fiz o mesmo com todas as janelas e tentei olhar por elas sem ter sucesso algum, então voltei a esmurrar a porta, ansioso demais para pensar em qualquer outra coisa. Apertei a maldita campainha, gritei pelo nome de e repeti isso várias vezes, então me afastei da entrada da casa, apenas o suficiente a fim de ver qualquer movimentação no andar de cima, mas nada acontecia em nenhum cômodo até que ouvi e vi a porta principal finalmente se abrir depois que luzes se acenderam do lado de fora.
- Será que eu posso te ajudar em alguma coisa, ?
Robert indagou dissimuladamente ao fechar a porta atrás de si e cruzou os braços na altura do peito.
Eu juro que tentei respirar profundamente para organizar melhor os meus pensamentos, tentar manter em prioridade tirar dali o quanto antes, pois tinha a certeza absoluta de que, seja lá o que tenha acontecido hoje, ela estava esperando por mim. Mas não consegui tal proeza naquele exato momento. Na verdade, isso se tornou uma missão praticamente impossível quando vi um sorriso cínico surgir no rosto de Robert. Minha mente mergulhou tão profundamente na lembrança de sentada em meu colo enquanto me contava tudo o que já havia sofrido nas mãos do cara à minha frente, do quanto ele já havia a machucado e a feito chorar, que era como se ela estivesse aqui do meu lado agora, pedindo para que eu o fizesse sentir uma dor muito pior que ele a fez sentir por tantas vezes.
Tal pensamento me atingiu com tanta intensidade, que meu maxilar travou no mesmo instante, minhas mãos levemente úmidas se fecharam em firmes punhos e eu podia sentir cada parte de meu corpo ferver em exasperação. Então, quando me dei conta, estava seguindo em passos largos até ele.
- Eu estava tentando te ignorar, mas sua insistência me comoveu...
- ONDE ELA ESTÁ?
- Ela quem?
Ah, ele estava mesmo querendo levar uma bela surra. E aquilo era o suficiente para eu acertá-lo com um forte soco no rosto, vendo Robert cambalear e se curvar levando a mão ao local atingido. Apertei minhas mãos na gola de sua camisa, obrigando-o a se recompor, e o empurrei bruscamente contra a parede.
- O que fez com ela? – disse em tom firme, e ele comprimiu os olhos.
- Não sei do que você está falando...
Apertei meus dedos em seu pescoço e desferi logo dois socos, um seguido do outro.
Ok, talvez briga seja um pouco do meu feitio, sim.
Dessa vez eu vi sangue em sua boca, tingindo de vermelho o lábio e os dentes inferiores que Robert fez questão em mostrar com um sorriso mórbido, então ele me empurrou pelo peito com força para que eu o soltasse.
- Você veio bater na minha porta e me socar por causa da minha mulher, é isso mesmo? Não acha que está muito tarde pra isso? – ele disse passando o dorso da mão direita, que estava enfaixada, pela boca, manchando-a com pouco de sangue.
- Ah, agora você sabe do que eu estou falando? – gesticulei ironicamente e segui em direção à porta mesmo sabendo que Robert me barraria, e foi exatamente isso o que ele fez. Olhei brevemente para sua mão, que agora envolvia meu braço com firmeza, e o encarei de perto.
- Esquece, , você não vai entrar na minha casa.
- Eu acho melhor você soltar o meu braço. Agora.
- Ok! Olha, eu não queria ter que chegar a este ponto, – ele riu – vou até tentar ser amigável para falar sobre isso contigo, mas... Cara, está começando a ficar muito incômodo! Você tem que parar de correr atrás da minha mulher.
- Como é? – franzi o cenho em incredulidade e repulsa, fazendo-o soltar meu braço ao me afastar novamente.
- Eu sei, tem todo aquele negócio de primeiro amor ou algo assim entre vocês... Algo que eu realmente não quero saber, mas que acho que vocês deveriam ter superado há muito tempo, pelo bem de todos. – gesticulou – E cometeu um erro do qual se arrepende muito. Eu entendi e aceitei quando ela me pediu perdão hoje, mas já chega! Isso tudo está começando a me deixar muito irritado, então você tem mesmo que se afastar dela.
Sustentei seu olhar e balancei a cabeça negativamente. Só tinha uma palavra que podia descrever tudo aquilo: inacreditável.
- Ok. Você é doente. E , que não é sua mulher, que não se arrepende do que fez e que, com toda certeza, não te pediu perdão por porra nenhuma, vai voltar comigo para o nosso apartamento, para a nossa filha – disse em bom tom e, quando ameacei dar um passo à frente, Robert apoiou a mão enfaixada na maçaneta da porta. Bufei.
Puta que pariu...
- Callagham, eu sei que ela está ai e não quero mais perder meu tempo com você. Sai da minha frente.
- Você se acha muito esperto, mesmo. – ele comprimiu os olhos e riu ao trocar o peso de seu corpo entre as pernas – Eu já vi esse filme antes, . Você deve ter acreditado em qualquer bobagem que ela tenha dito... Algo que envolva o quanto ela te ama e que apenas não me deixou ainda porque eu tenho certos "problemas", não foi?
Mordi os lábios e estralei dedo a dedo de cada uma de minhas mãos com a ajuda dos polegares, mantendo os braços imóveis ao lado de meu corpo. Tinha certeza de que ele só estava me testando, mas não queria deixar aquilo tudo me abalar e fazer com que eu perdesse meu breve momento de controle. Não por enquanto. Agora, eu queria ouvir e saber até onde ele iria com aquela conversa absurda, queria saber o quão doente Robert poderia ser quando o assunto envolvia “sua noiva”. Então entrei em seu jogo simplesmente permanecendo em silêncio.
- Claro que foi. – ele riu mais uma vez, com gosto ao retomar sua postura arrogante e o olhar cínico, provavelmente pensando que estava no controle da situação – Mas tenho certeza que ela não comentou o fato de que não é a primeira vez que isso acontece. Ela não disse que usou essas mesmas palavras e abriu as pernas para o meu próprio primo, debaixo do meu teto e em cima da minha cama.
Dei um mínimo passo à frente.
- E você fala bonito, . Sério mesmo! Estufa o peito e diz “nosso apartamento”, mas sabe que, independentemente de qualquer coisa, sempre vai querer mais e então, por no mínimo cinco motivos, ela voltará para mim.
- Cinco motivos? – arqueei as sobrancelhas.
- Primeiro, – levantou o polegar – eu posso dar tudo a ela, assim como a nova aliança que vale mais do que a porcaria do seu carro. – o indicador – Segundo, eu nunca a traí mesmo depois do que fez comigo, confesso que ela é o meu ponto fraco. – e o dedo médio – Terceiro, eu estive com ela durante esse tempo todo, sendo o homem que ela precisava enquanto você estava por ai... Fazendo o que? Brincando com seus amigos?
Robert deu um passo à frente e eu pude enfim notar o quão tenso o meu corpo inteiro estava enquanto minha respiração se tornava ainda mais profunda, até um pouco ruidosa. Meu sangue subia, mais quente a cada segundo, e eu já não sabia mais de onde estava tirando toda aquela força sobre-humana para apenas me manter imóvel.
- E quarto, – continuou – eu cuidei da sua filha. Aquela menina insuportável, que fica cantando músicas de filmes idiotas de um lado para o outro.
Realmente, inacreditável.
Soltei todo o ar que meu pulmão prendia em um riso sem humor e carregado por aversão ao umedecer os lábios, afastei-me um pouco e virei de costas para Robert por breves instantes enquanto ele ainda falava:
- e eu decidimos que você pode ficar com a menina quando voltarmos para a Alemanha...
E esse era muito mais do que o meu limite. Não dei tempo para que ele terminasse com seu “faz de conta”, aquilo tudo era muita bosta que eu definitivamente não precisava e nem queria ouvir e, quando me virei novamente, foi para investir contra Robert. Acertei-o com mais um soco no rosto e ele se curvou de lado cuspindo sangue.
- Você acha que me engana, seu verme, filho da puta? – indaguei entre os dentes e o vi apoiar a mão no joelho antes de me olhar brevemente pelo canto dos olhos – Acha que ela não me disse nada?
- Talvez tenha dito que nós não somos assim tão diferentes... – ele riu baixo, dando atenção ao sangue em sua mão enfaixada – Ela gosta de um tratamento diferenciado, não?
Senti o sangue borbulhar e grunhi ao apoiar as mãos em suas costas, obrigando-o a se curvar mais, então lhe dei uma joelhada na barriga para desferir um novo soco e enfim deixa-lo cair sobre um dos joelhos. Robert gemeu baixo e tossiu algumas vezes, mas depois, sem ao menos se recuperar completamente dos golpes, ele começou a... Rir? Dei alguns passos cegos para trás e franzi o cenho em estranheza ainda encarando-o, pois já não estava entendendo por qual razão ele ainda não havia tentado revidar, e agora tinha mais isso? Uma manifestação de loucura total à minha frente. Sim, loucura, só podia ser!
Abri e fechei a mão algumas vezes, sentindo-a um pouco dolorida, mas mesmo assim eu a fechei de vez em um punho firme. Eu a usaria mais, pois queria ver aquele desgraçado cuspindo muito mais sangue do que apenas aquilo que tinha no chão.
Então balancei a cabeça de leve para afastar os pensamentos inúteis e inspirei profundamente, mas, quando dei um decidido passo à frente, minha atenção foi desviada com facilidade por um barulho alto que veio de dentro da casa. Mais especificamente da porta principal, que tremeu, como se sofresse o impacto de algo que a atingiu. E eu encarei a mesma com certa preocupação, ouvindo a voz de dizer categoricamente:
- Sai da minha frente.
- Senhora Callag...
- PARA DE ME CHAMAR ASSIM E SAI DA FRENTE. AGORA.
esbravejou furiosamente com alguém dentro da casa e, em uma mistura de preocupação e total alívio por saber que ela estava muito perto, eu não pensei em mais nada. Avancei automaticamente em direção à porta, e Robert avançou imediatamente contra mim.
Não seria assim tão fácil, ele disse que não me deixaria entrar.
Levantou-se com as mãos fechadas em punhos e me deu um soco na barriga, fazendo-me soltar um gemido baixo de dor ao me curvar para frente, sobre seu braço. Senti sua outra mão em minhas costas e Robert empurrou seu corpo para frente com força, me levando junto, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio e caísse, batendo com as costas no chão gelado e úmido. Apoiei-me sobre os cotovelos o mais rápido que pude, estava pronto para me levantar, mas não houve tempo suficiente. Logo Robert se abaixou ao meu lado e apertou a gola de minha camiseta entre os dedos, puxando-me para mais perto, então senti seu punho enfaixado acertar meu rosto.
- ROBERT!
Ouvi a voz de mais perto dessa vez, menos nervosa e mais angustiada. Desesperada. E pude vê-la por questão de segundos, em pé atrás de Robert antes que o mesmo desferisse mais um soco em meu rosto. Levantei as mãos para tentar me proteger de alguma forma de seus golpes, mas sem muito sucesso, recebendo mais socos e começando a sentir o gosto amargo de sangue invadir minha boca enquanto ainda ouvia a voz de , mas agora um pouco mais longe e pedindo por socorro.
Convencido de que todo aquele sangue não era meu, tentei e consegui impedi-lo de me acertar no rosto mais uma vez ao segurar e apertar seu punho enfaixado e completamente ensanguentado, vendo Robert contorcer o rosto em dor e seu braço fraquejar brevemente antes que eu lhe desse um murro no nariz. Empurrei-o pelo peito e ele caiu ao meu lado com as mãos cobrindo parte do rosto. Sem querer perder mais tempo, ajoelhei-me e apertei minhas mãos com força em volta de seu pescoço.
A adrenalina tomava conta do meu corpo. Minha respiração era profunda e ruidosa, mas ainda assim eu conseguia escutar as fortes e ritmadas batidas de meu coração, como se ele estivesse em meus ouvidos. E era apenas isso que eu ouvia no momento. Sentia o lado atingido de meu rosto latejar e o gosto de sangue impregnar minha boca, mas não me importava enquanto ainda encarava aqueles malditos olhos vidrados. Na verdade, era isso o que levava mais força às minhas mãos. Eu queria acabar com aquilo, queria que ele sofresse, que agonizasse.
Robert já começava a ficar com o rosto vermelho quando começou a se mexer com mais fervor e bateu com a mão em meu rosto, querendo agarrar também meu pescoço enquanto a outra tentava inutilmente me fazer soltá-lo, e eu apenas me afastei o máximo que pude. Acertei-lhe um soco e voltei ao seu pescoço, vendo-o segurar meus pulsos. Agora eu estava no total controle. Umedeci o lábio inferior e tentei bater com sua cabeça no chão, mas logo senti mãos segurarem e envolverem meus braços. Olhei brevemente para os dois homens que me puxavam para que eu me afastasse de Robert e somente me deixei levar quando dei um chute na barriga do desgraçado, vendo-o se encolher no chão sem fôlego suficiente para sequer gemer de dor.
- SEU COVARDE, FILHO DA PUTA! – vociferei e tentei furiosamente me desvencilhar das mãos que me seguravam quando vi Robert se levantando com a ajuda de outros dois homens que nos pediam calma.
Calma? De que inferno está surgindo essa gente? Eles deviam deixa-lo no chão, Robert não merecia ajuda de ninguém.
- Eu... Vou... Acabar com você – Robert disse ofegante ao apontar diretamente para mim enquanto a outra mão estava em seu pescoço e, antes que desse um único passo em minha direção, os homens o seguraram pelos braços, impedindo-o.
- VEM! Vem tentar acabar comigo e descobrir como é bater em alguém pode se defender – provoquei transbordando em cólera e vi ele tentar se soltar sem sucesso.
- Dá para me soltar? Não conseguem ver que eu sou a vítima aqui! – Robert disse aos homens, e eu abri a boca em incredulidade.
- O QUE? Ah, não...
- VOCÊ ME ATACOU! EU SOU A VÍTIMA.
- VÍTIMA, PORRA NENHUMA, CALLAGHAM. VAI SE FODER!
- Eu e minha noiva somos as vítimas...
- Ela não é sua noiva!
- Essa é a minha casa... – ele me ignorou, começando a argumentar com os homens que o seguravam, e eu soltei um riso sem humor ao encarar o chão e balançar a cabeça negativamente.
Dá para acreditar em uma coisa dessas?
- Senhora Callagham!
Ouvi uma voz feminina e desconhecida falar com firmeza, então levantei meus olhos imediatamente à procura de , vendo-a seguir pela calçada em direção à casa com uma moça em seu encalço. Tentei inutilmente me soltar quando ela fixou seu olhar ao meu e apressou seus passos, mas a moça segurou seu braço fazendo-a parar. apenas olhou para a moça por alguns instantes e se afastou de forma brusca, visivelmente irritada.
- A senhora não devia estar aqui! – a moça insistiu em vão.
- ! – Robert disse em um tom grave, repreendendo-a também em vão.
Pelo canto dos olhos, vi Robert tentar se soltar novamente, dessa vez com muito mais esforço e persistência do que quando o provoquei. Mais irritado. Agora ele carregava uma expressão nada feliz em seu rosto ao ver que não lhe daria ouvidos e que, assim como a minha, sua tentativa para se livrar dos homens que o prendiam seria completamente inútil, então não lhe restou nada mais do que parar de se debater e assistir a sua ex-noiva declarar para quem quisesse ver que não sucumbiria às suas vontades ao parar exatamente à minha frente. Talvez essa fosse a pior provocação para ele.
- Você está bem?
Ouvi-a perguntar e, certo de que Robert não poderia fazer mais nada, voltei minha atenção para a pessoa com quem eu mais me importava no momento. Estava tão aliviado por ter ali depois daquele longo dia confuso, e ao mesmo tempo tão orgulhoso por ela estar simplesmente fazendo o que bem entendia, que até me permiti sorrir bem de leve, quase que imperceptivelmente.
Essa sim é a mulher que eu amo.
Já havia escurecido bastante e a iluminação na rua não era uma das melhores, mas, com a ajuda das luzes acesas do lado de fora da casa, pude ver semicerrar seus olhos preocupados ao tocar meu rosto cuidadosamente com as pontas de seus dedos gélidos, analisou-o, e deu um suspiro entrecortado. Então eu voltei à realidade.
- ... Oh, meu Deus. – ela disse em voz baixa, mais para si mesma do que para mim, selou seus lábios bem suavemente em meu rosto e me olhou com os olhos marejados – Desculpe. Por tudo isso, me desculpe.
- Não, eu estou bem. – disse e franzi o cenho vendo-a levar o dorso de uma das mãos à boca, reprimindo o choro, e balançar a cabeça negativamente ao abaixar o olhar – , seu rosto... O que...?
- Não é nada. – disse entre um suspiro e olhou para os homens atrás de mim – Por favor, solte...
- Ei, !
- , por favor, olha pra mim... Ele te machucou? É isso, não é? – indaguei já começando sentir aquela mesma irritação de segundos atrás, então olhei brevemente para os malditos homens que insistiam em me prender – Será que dá... ME SOLTEM!
- Você quer ouvir o último motivo? – Robert insistiu. Eu não pretendia lhe dar atenção, mas o olhou.
- Por favor, não começa.
- Ela não vai a lugar algum, porque está grávida. – ele disse enfim conseguindo ter minha completa atenção, e sorriu – Cinco motivos.
- Cala a boca, Robert – ela disse categoricamente, tentando manter-se calma.
Pisquei algumas vezes e franzi o cenho. Tinha como isso ficar ainda mais estranho? Eu temia por isso depois de alguns acontecimentos, mas precisava de mais do que aquilo para ser convencido. Ainda mais por Robert. Então procurei pelo olhar de , que se mantinha no mesmo lugar e com uma das mãos apoiada em meu pescoço, mas com o olhar fixo em Robert enquanto ele não tirava aquela porra de sorriso débil do rosto.
Continuei encarando-a por alguns instantes, preocupado, vendo sua respiração pesada denunciar que ela estava controlando de forma árdua todo o seu nervosismo, então abaixei meu tom de voz:
- É verdade, ? Porque se for, você não pre...
- Claro que não é verdade! Eu já disse isso a você – ela me interrompeu, irritada, olhando-me com os olhos comprimidos.
- Por que não diz para ele que está esperando um filho meu? Você acha mesmo que eu vou te deixar criar essa criança longe de mim? – Robert disse de um modo simples e casual. De um modo que fez explodir. Vi suas mãos se fecharem brevemente em punhos antes que ela as levasse, tensas, às têmporas, então se virou totalmente para Robert.
- QUANTAS VEZES EU TENHO QUE DIZER? NÃO EXISTE CRIANÇA ALGUMA!
- Abaixe o tom para falar comigo...
- NÃO! Porque de outro jeito você parece não me entender!
- Já falamos sobre isso e você sabe que não vai a lugar algum. Você é minha, e esse filho também.
Ele disse completamente calmo, sendo o total oposto de , que não conseguia mais reprimir sua raiva e andou em passos firmes e rápidos na direção dele ainda sendo seguida pela tal moça que havia ignorado minutos antes. Talvez essa moça tivesse a intenção, mas não conseguiu ser rápida o bastante para impedir de dar um forte e estalado tapa no rosto de Robert sem pensar duas vezes, sem nem mesmo hesitar por um único segundo.
- Hm, caramba...
- Essa doeu.
Os caras que me seguravam exclamaram baixo em surpresa, e eu continuei observando a cena à minha frente com o cenho franzido e boquiaberto. Vi a moça então se apressar para passar um dos braços pela cintura de – como se lhe desse um apoio necessário, mas que foi aceito de malgrado – e a afastou o máximo que pôde de Robert enquanto a repreendia pelo seu feito em voz baixa e olhar preocupado.
Eu não me surpreendi ao ver que não lhe deu a menor atenção, era impossível que sua raiva se dissipasse tão rápido com apenas algumas palavras. Ela simplesmente continuou de frente para Robert, e ele ajustou sua postura sem tirar os olhos da ex-noiva, agora sem qualquer sorriso cínico no rosto, sem expressão de deboche, ou qualquer outra que costumava tomar conta de seu rosto. Agora a situação ficou mais do que séria.
- Algumas horas com você, e eu já estou enlouquecendo, Robert! – ela balançou a cabeça levemente em negação, encarando-o – Isso é doentio. Estou cansada dessas suas invenções.
Silêncio.
- A senhora precisa parar um pouco. – a moça disse calmamente depois de um tempo, e a olhou – E eu falo sério, .
- Eu estou mesmo cansada – disse em voz baixa para a outra, que assentiu antes de olhar em minha direção.
- Já podem soltá-lo, senhores. – disse aos homens e esboçou um leve sorriso quando eles o fizeram – Obrigada pela ajuda e desculpem-nos pelo enorme incômodo, isso não vai se repetir.
Ela tornou seu olhar para antes mesmo de terminar sua frase, dando àquelas últimas palavras um significado maior ao enfatiza-las apenas para por uma razão que eu realmente gostaria de entender mais tarde. Não fazia o menor sentido para mim, não era como se tivesse causado tudo aquilo.
Eu então respirei profundamente, vendo os homens se afastarem de mim ainda um tanto cautelosos e incertos, arqueei as costas e coloquei a mão sobre um dos ombros, sentindo-me um tanto dolorido, e enfim segui até .
- O senhor precisa ir embora – a moça disse de repente, impassível, e eu parei abruptamente por alguns instantes com o cenho franzido.
- O que? Como assim?
- Precisa ir agora.
- Eu não falei com você. – eu disse, aborrecido, e olhei para balançando a cabeça negativamente e me aproximando mais – Eu não vou...
- Desculpe, .
Abri e fechei a boca em uma tentativa frustrada de emitir qualquer som e puxei pela mão, fazendo-a se soltar da tal moça que estava começando a me irritar somente com sua presença, então nos afastei daquelas pessoas e segurei seu rosto entre minhas mãos com cuidado para não machuca-la, encarando de perto seus olhos cansados. Ela estava cansada, não devia estar raciocinando direito.
- Do que está falando? Não vou sem você, .
- Mas não posso ir contigo agora. Você tem confiar em mim e tirar daqui, ok? – ela disse com calma ao apoiar suas mãos em meus braços, e eu comprimi os olhos em confusão – Ela já viu e ouviu o bastante.
- Mas não...
- Ela é prioridade, , sabe disso.
- , eu a deixei no apartamento com Poppy.
Ela parou por alguns instantes, sustentando meu olhar com o cenho franzido como precisasse de um tempo para absorver minhas palavras, então afastou minhas mãos de si e andou até o meu carro, abrindo a porta do banco de trás. Logo que se ajoelhou, dois braços envolveram o pescoço de e o choro baixo e dolorido de invadiu meus ouvidos, tirando-me a capacidade de fazer qualquer coisa a não ser me perguntar como! Como e por que ela estava ali se eu tinha certeza de que a havia deixado no apartamento sob os cuidados de Poppy.
Mas que droga.
- Calma. Eu estou aqui, meu amor, não precisa chorar. – dizia enquanto afagava os cabelos da pequena – Vai ficar tudo bem. Por favor, não chore.
- Boa, !
Olhei para Robert apenas pelo canto dos olhos. Eu podia muito bem partir para cima dele depois dessa simples provocação, aproveitar que dois homens ainda o seguravam, mas não tinha tempo a perder com isso. Então fiz nada mais do que ignorar seu tom de deboche, fixar meu pensamento nas minhas garotas e seguir até elas, pois ele não valia a pena.
Vi tentar se levantar com ainda agarrada em seu pescoço e já estava perto o suficiente quando ela se virou piscando os olhos profundamente, com uma expressão nem um pouco boa tomando conta de seu rosto, então apressei-me para colocar no chão e ter tempo para envolver a cintura de com um dos braços, sentindo todo o seu peso cair sobre mim como se seus joelhos tivessem falhado.
- ? ! – engoli a seco tentando ajeitá-la entre meus braços, e ela encostou a testa em meu peito, apertando meu ombro sem muita força nos dedos.
- Ajuda, papai! – soluçava enquanto segurava a mão da mãe olhando-me com os olhos completamente carregados e o rosto molhado por lágrimas – Ajuda ela.
- Ok, chega, isso já ultrapassou todos os limites! – ouvi a moça se manifestar mais uma vez e a olhei brevemente, vendo-a se virar em direção à Robert, determinada – Agradeço muito a ajuda, mas os senhores já podem soltá-lo. Está tudo sob controle.
- Amor, o que está acontecendo com você? – indaguei baixinho, entre um suspiro ao afastar seus cabelos.
Eu já estava cansado, sobrecarregado, angustiado. Era muita coisa para um único dia, muita coisa para nós três e, agora, eu mal conseguia olhar para sem sentir-me pior. Era como se fosse possível ver o quão ruim tudo estava sendo só pela dor que ela deixava transparecer por seus olhos .
deu um suspiro profundo e apoiou o queixo em meu ombro retomando aos poucos o controle de seu próprio corpo, fazendo o esforço que podia para não depender totalmente do meu apoio, e me olhou.
- Eu estou bem – disse em voz baixa, e eu suspirei.
- Não, você não está.
- Doutora... – ouvimos Robert, ainda longe, começar a se manifestar e logo ser interrompido pela voz da mesma moça que disse pausadamente:
- Tudo sob controle, senhor Callagham.
- , você vai voltar com a gente. – disse mais uma vez, em um tom mais baixo, e ela balançou a cabeça negativamente. Mas que inferno! – Eu vou te colocar no carro e você vai, querendo ou não.
- Faça isso e eu volto pra cá.
- O que?
- Eu não vou, ! Não posso ir.
- , eu não entendo! Por que está fazendo isso? Por qu...
- Eu estou cuidando de vocês – ela disse ainda no mesmo tom de voz, e eu arregalei os olhos balançando a cabeça imediatamente em negação.
- Não assim. , assim eu não quero!
- Vamos, .
Ouvi a voz da tal moça/doutora ao meu lado e mordi a parte interna do lábio inferior, reprimindo minha decepção quando esboçou um leve e dolorido sorriso, em um pedido mudo de desculpas. Então, sem tirar minhas mãos dela, eu a vi se curvar apenas o suficiente para deixar um beijo no dorso da mão da filha.
- Não quero te ver chorando. Papai vai cuidar muito bem de você essa noite.
- Não, mamãe!
- Ei, eu amo vocês, ok? Mas tenho que ficar...
- Não, não! – chorou mais sem querer soltar a mão da mãe, que tentava se desprender aos poucos, então eu segurei suas mãos ainda unidas e não deixei se afastar – Mamãe!
- , por favor – ela abaixou o olhar e apertou seus dedos em volta de meu braço quando segurei sua cintura com mais firmeza.
Eu não estava facilitando a situação para ela, sabia disso, mas era um ato completamente involuntário. Deixá-la ficar aqui sem um extraordinário motivo para tal, era algo que minha mente se negava a aceitar, e com razão.
- Robert pode aju...
- Eu não preciso de ajuda. – disse fixando seu olhar novamente ao meu e fez com que eu a soltasse, abaixando ainda mais o tom de voz ao dizer: – Confie em mim.
Suspirei.
O problema era esse, eu confiava apenas nela e em mais ninguém ali. Eu dirigi até aqui com a intenção de leva-la de volta para casa, então como assim eu precisava ir embora e deixar que ficasse sob o mesmo teto que Robert? Deixar que ela cuidasse de nós três ao lidar novamente com toda a situação sozinha? Isso estava errado. Não devia ser o contrário? Não seria eu a pessoa que devia cuidar dela e de a partir de agora? Seja lá de qual forma eu faria tal coisa, mas esse era o combinado e agora estava tudo tão errado!
E eu relutei, mesmo com sua insistência para me tranquilizar e pedir para que eu confiasse nela, mas aquela era uma discussão perdida. Não demorou muito para que se soltasse por completo e começasse a se afastar de nós lentamente, ignorando qualquer ajuda da moça que permaneceu ao meu lado. Assisti-a seguir para a casa amarelo-clara, ignorar a mão que Robert oferecia como ajuda para que ela subisse os poucos degraus da entrada, e olhar para trás apenas uma vez. Acho que isso foi um ato involuntário para ela, mas isso também fez com que tentasse se soltar de minha mão para correr atrás da mãe enquanto ainda chorava, e eu apenas a mantive ali comigo.
- O senhor precisa mesmo ir embora.
- Quem é você, afinal?
Questionei a moça ao meu lado já mais do que irritado com sua presença incômoda e totalmente inútil para mim e, sem esperar por qualquer resposta à minha pergunta, estalei a boca e me abaixei para segurar , tentando acalma-la.
- Filha, shh! Não chora.
- Eu sou médica, – ouvi a moça dizer, parecendo um pouco apressada – a senhora Callagham está sob minha observação.
- E por que exatamente ela precisa de uma médica? – ignorei o restante de sua frase ao indagar, olhando-a de soslaio, e ela balançou a cabeça negativamente, talvez notando muito bem o meu tom de preocupação.
- me jogou contra a porta e passou por mim para chegar até você, então posso dizer com muita certeza de que ela é forte. Não se preocupe, estou cuidando dela. Então, por favor, vá embora agora – disse por fim, olhou brevemente para e seguiu em passos rápidos o mesmo caminho que e Robert.
- ...
Respirei fundo ao tornar meu olhar para a minha filha que chorava e soluçava, batia o pé, e tentava a todo custo fazer com que eu soltasse de sua mão. Ela apertava minha mão, beliscava e tentava arranhar com suas unhas curtas.
- Não! – ela disse dando tapas na minha mão para que eu a soltasse e depois puxou meu pulso – Por que você está deixando que fiquem ela? Vamos, eu quero a minha mãe!
- Venho busca-la mais tarde, eu prometo – disse e dei um suspiro vendo-a bater o pé mais uma vez, fazendo mais lágrimas caírem.
- Você não pode prometer isso. Eu quero a minha mãe.
- Eu também.
Fiquei em silêncio, e mordeu os lábios sem conseguir reprimir os soluços, apenas abafando o choro. Ela abaixou o olhar, passou a mão livre pelo rosto para afastar as lágrimas e me olhou mais uma vez.
- Por favor, papai – disse mais baixo, entre um soluço.
- Nós vamos embora. Promete que não vai fazer nada escondido? – perguntei, e ela derramou mais lágrimas ao assentir antes de me abraçar pelo pescoço.
Segurei-a firmemente entre meus braços e me levantei com ela no colo, só então me dando conta de que havia pessoas me observando nas portas e janelas de suas casas, porque, realmente, não tinha como ser diferente. Então apenas segui para o meu carro, coloquei no banco de trás afivelando o cinto de segurança e fiz o mesmo quando fechei a porta do motorista, espalmando as mãos no volante entre um suspiro exausto.
O que eu estou fazendo?
Olhei para pelo espelho retrovisor e ela agora chorava silenciosamente enquanto tinha seu olhar fixo na casa amarelo-clara. “Ela é prioridade”, disse e tinha razão, mas ainda assim eu me sentia derrotado. Ambas são a minha prioridade, ambas deviam estar nesse carro, voltando para nossa casa.

- !
- O que?
- Para com isso agora – ela disse com sua voz arrastada e, ainda com a cabeça apoiada em meu peito, espalmou uma de suas mãos no meu rosto fazendo-me rir.
- Mas, amor, eu não estou fazendo nada – disse dissimuladamente e afastei sua mão, apoiando-a novamente em meu pescoço.
- Está, sim! Você está tentando me provocar.
- E eu estou conseguindo, pelo menos? Por favor, diz que sim – disse entre risos, e me acompanhou.
- Meu Deus. Você não presta, .
Um longo suspiro calmo. O silêncio. Mais algumas mãos bobas por baixo das cobertas, passeando por sua pele macia, ainda perfumada e levemente úmida de suor, e...
- ! – ela me repreendeu mais uma vez e da mesma forma que antes, e eu gargalhei.
- O que foi?
- Já falei para parar com isso! – choramingou ao mesmo que tentava reprimir o riso – Você sabe muito bem que eu tenho que acordar daqui algumas horas para levar para a escola e ir trabalhar, então, por favor, vamos dormir.
- Mas eu não quero dormir.
- Como não? – ela riu e levantou seu olhar até o meu com o cenho franzido em estranheza – , são quase duas da manhã, nós ainda não dormimos nem um pouquinho e eu lembro muito bem de você me dizer que estava cansado da viagem.
- Mesmo assim, eu não quero dormir.
- Mas o que você tem contra isso? Dormir é tão bom. – ela disse em um tom brincalhão ao se apoiar sobre um dos cotovelos e colocar uma mecha do cabelo atrás da orelha, deixando que eu mantivesse uma de minhas mãos em sua cintura – Estou começando a achar que você tem algum tipo de aversão ao sono.
- Devo ter mesmo – eu ri segurando sua mão junto ao meu pescoço e arqueou uma das sobrancelhas como se me questionasse, mas manteve seu lindo sorriso no rosto.
- Quer que eu fique acordada para que? Para ficar me olhando desse seu jeito?
- Não sei qual seria esse meu jeito, mas... – franzi o cenho rindo e me acompanhou enquanto nossas mãos que começavam a brincar distraidamente uma com a outra – É engraçado, pode ser que você ache até meio idiota e ria, não sei...
- Eu nunca riria de você. – disse calmamente e eu sustentei seu olhar por alguns segundos, reprimindo o sorriso, até que ela riu – Ok, existe essa pequena possibilidade.
- Pequena?
- Grande. Mas não se for uma coisa importante, então fale!
- Não é nada. – balancei a cabeça em negação – Eu só acho que não me acostumei a ter você comigo. Ainda mais aqui.
- Está tudo bom demais para ser verdade, não é? – ela disse em um tom de voz mais baixo, apoiando o rosto com a mão livre, e riu preguiçosamente quando eu assenti.
Realmente, estava tudo bom demais! Eu não tinha mais do que reclamar e, se nos esforçarmos para continuar assim, as coisas apenas tendem a melhorar.
Sei que estou preparado para tudo isso, para essa nova fase... Acho que, na verdade, sempre estive! Fala sério, quantas vezes eu não me imaginei assim e me repreendi logo em seguida, achando que ter de volta à minha vida era uma ideia totalmente estúpida de tão impossível? E agora ela estava aqui, tínhamos e uma chance incontestável de que tudo poderia dar muito certo conosco a partir deste recomeço.
Sem quebrar o contato visual, nós permanecemos em silêncio por alguns instantes até que passou a olhar para nossas mãos ainda unidas e apoiadas em meu pescoço.
- Tudo bem, – eu disse enfim – vou deixar te dormir e voltar a cuidar de você agora.
- Promete que vai fazer tudo isso? Você não se mostrou tão confiável nessas últimas horas, – brincou ao comprimir seus olhos duvidosos para mim e eu ri – fez tudo o que disse que não faria.
- Claro que vou fazer, mas você tem que prometer cuidar de mim também.
- Mas eu já fiz isso! – ela disse entre risos.
- Acho que gosto de ouvir você dizendo.
O silêncio confortável retornou e o sereno sorriso, que moldou seus lábios em seguida, refletiu-se em meu rosto em uma mistura de êxtase e deleite. E eu logo recebi a confirmação de meu pedido em forma de um beijo suave de seus lábios nos meus. Nossas palmas então se uniram, seus dedos se afastaram uns dos outros e enfim se entrelaçaram aos meus antes que afastasse seu rosto minimamente.
- Eu vou cuidar sempre, prometo.

- Você está bem? – perguntei vendo-a assentir levemente – Que bom. Tome um banho e se apronte para dormir, ok?
- Será que, hm... – ela franziu o cenho e desviou seu olhar brevemente para seus dedos, que entrelaçavam-se uns aos outros – Será que eu posso dormir com você essa noite? Não quero ficar sozinha.
- Claro que pode, pequena. – disse enfim e dei um beijo em sua testa – Agora vai lá.
Entre um suspiro, vi seguir devagar para as escadas e passei os olhos calmamente pela sala apenas iluminada com a luz da lua, que atravessava as janelas e a porta da varanda. Depois da noite que passou aqui e nós ficamos exatamente ali, apenas conversando, rindo e admirando a vista, eu pedi para que Poppy não fechasse mais aquelas cortinas. Havia me esquecido do quão bonita era a vista da varanda daquele apartamento, mesmo que esse tenha sido o principal motivo para que eu o comprasse há alguns anos, e agora eu me lembraria disso todos os dias e por um ótimo motivo.
Então, como podíamos enxergar muito bem, eu não me dei ao trabalho de acender as luzes. Logo sumiu do meu campo de visão e Snoop desceu as escadas instantes depois, vindo em minha direção, e eu me encostei contra a porta deixando meus joelhos cederem à exaustão, deslizando até cair sentado no chão. Eu me sentia simplesmente destruído, mal conseguindo descrever meu estado físico ou emocional com relação àquele dia. Snoop parou ao meu lado, me encarou por alguns instantes e deitou de barriga para cima, então passei a fazer carinho nele com a mão livre enquanto a outra segurava firmemente as chaves do apartamento e do carro. Eu queria tanto voltar...
Eu queria dar meia-volta e esse foi o meu pensamento durante todo o trajeto de volta ao apartamento, queria trazer conosco e brigaria novamente se fosse preciso, mas sabia que a própria negaria, assim como já havia feito. Ela pediu para que eu fosse embora e cuidasse de nossa filha, que confiasse nela e a deixasse para trás mesmo sabendo que eu não queria fazer isso de forma alguma. A situação não era simples e, ao mesmo que tanta coisa foi dita naquele meio tempo, muitas outras foram omitidas... Eu estava começando até a ficar tonto com todos aqueles pensamentos pedindo por minha atenção naquele momento de silêncio total. O que eu faria agora?
Suspirei mais uma vez ao encostar a cabeça na porta atrás de mim e permaneci ali, sentado no chão e com o olhar fixo em um ponto qualquer sem notar o tempo passar.
- Pai? – senti sua mão em meu peito e abri os olhos preguiçosamente – Você está bem?
Encarei os olhos de um pouco assustados e ajustei minha postura, assentindo à sua pergunta. Ela já havia tomado banho e estava de pijamas, sentada no chão bem ao meu lado com as pernas em volta do corpo. Talvez eu tenha cochilado.
- Você está triste. – disse calmamente, e eu passei um dos meus braços sobre seus ombros, trazendo-a para mais perto, então ela encostou a cabeça em meu peito e tocou meu rosto – E muito machucado. – e inspirou profundamente – E fedido.
fez uma leve careta de nojo parecendo não ter a intenção de ser engraçada, mas eu comecei a rir devagar, sentindo meu corpo dolorido reclamar, então fechei os olhos brevemente e pigarrei. Tudo bem, eu podia aguentar firme por mais alguns minutos até que ela caísse no sono, não demoraria muito e eu não queria assustar ou preocupar com qualquer coisa que fosse depois daquela noite incomum.
- Quer comer ou beber alguma coisa antes de dormir?
Ela encolheu os ombros antes de se levantar do chão e, desajeitadamente, tentou me ajudar a fazer o mesmo. Eu sentia o meu corpo todo reclamar de dor, minhas costelas e meu rosto principalmente, mas levantei e segui com até a cozinha. Acendi as luzes e encontrei na bancada o meu próprio celular junto a um bilhete de Poppy que, em resumo, dizia que ela tentou avisar sobre e até esperou por nós por um tempo, mas depois foi embora.
É, agora esse meu pequeno erro fazia ainda mais sentido.
Em momento algum eu me lembrei desse maldito celular, nem lembrava qual foi a última vez que o usei. Eu estava nervoso, preocupado, e essa era a menor das minhas preocupações naquele momento. Mas e se eu o tivesse levado comigo? Teria atendido quando Poppy tentou ligar, então traria para o apartamento e, seguro de que isso não se repetiria, voltaria ao meu caminho para encontrar . Obviamente brigaria com Robert, mas acho que ainda assim não entraria em meu carro.
Não tem jeito, eu nunca conseguiria aceitar aquilo. Era errado! Não importa quantas vezes a própria dissesse que ficaria tudo bem, que daria tudo certo e que eu devia confiar nela.
Pisquei para conseguir tornar à realidade e olhei para minha mão, que amassava o pedaço de papel entre os dedos sem eu nem mesmo perceber que o fazia. Até as minhas mãos estavam machucadas e doloridas devido aos socos que dei. Olhei brevemente para , que estava quietinha enquanto me olhava sentada à mesa, e respirei fundo resolvendo parar com meus devaneios, pois assim a tarefa de não assustá-la não daria tão certo.
Eu não precisava disso agora, ainda teria uma noite inteirinha para me preocupar com aqueles pensamentos que com certeza viriam me visitar mais tarde, então amassei o bilhete, jogando-o no lixo, coloquei o celular no bolso e me ocupei com as coisas na cozinha.
Foi intuitivo e automático, fiz lembrando do que fizera na noite passada, e aceitou com um sorriso no rosto o leite quente peneirado e com duas colheres de açúcar. Sentei-me também à mesa, ao lado dela, e nós ficamos em silêncio por longos minutos. Eu não sabia se tinha qualquer coisa a dizer ou se precisava obrigatoriamente dizer algo para ela com relação à situação, na verdade, eu estava muito perdido com tudo, meu olhar divagava por pontos aleatórios da parede branca à minha frente e eu me perguntava se o silêncio me ajudaria a pensar melhor sobre o que faria a partir de agora.
- Você está bravo comigo? – ouvi perguntar em voz baixa e a olhei com os olhos comprimidos, sem entender – Por eu ter entrado escondida no seu carro?
Pensei por alguns segundos e suspirei, ajeitando minha postura.
- Não estou bravo, mas ter feito isso não foi certo e você sabe. – eu disse, e ela encolheu os ombros mais uma vez – O que você viu lá?
- Tudo.
- E o que ouviu?
- Bastante coisa.
- E não foram coisas muito legais, foram? – perguntei vendo-a balançar a cabeça negativamente enquanto seus dedos brincavam distraidamente com a caneca entre eles – Isso porque você não deveria estar lá.
- Desculpe, papai.
Silêncio.
- Você quer conversar sobre o que viu e ouviu? Eu não sou como a sua mãe, mas acho que consigo esclarecer algumas coisas.
Ela sustentou meu olhar por breves segundos antes de olhar para sua caneca, relaxou um pouco os ombros e entortou a boca, talvez pensando muito bem antes de dizer ou perguntar qualquer coisa, então assentiu devagar e me encarou novamente.
- Por que mamãe estava machucada?
Droga. Ok, eu devia ter feito como ela e pensado muito bem antes de abrir a boca, porque essa pergunta não era uma das coisas que eu tinha em mente para esclarecer. Na verdade, eu não tinha nada em mente, não tinha a menor ideia de como explicar qualquer coisa que a minha filha de 7 anos presenciou aquela noite sem assustá-la ainda mais.
Suspirei calmamente.
- Ela não quis me dizer.
- Por que ela ficou lá?
- Porque... Ela... – comecei ainda um tanto indeciso, vendo franzir o cenho diante da minha confusão interna, então dei outro suspiro – Olha, sua mãe vai resolver os problemas que tem com o Robert, terminar de vez com o noivado e vai voltar para cá, vai ficar com a gente. Porque é o certo, aqui é o lugar dela. Mas ela precisa de um tempo e não quer nos preocupar com nada. Então, enquanto isso, aquela médica que estava lá vai cuidar de qualquer machucado que ela tiver.
- Então ela vai ficar bem?
- Sim!
- Ok.
E o silêncio se instalou entre nós novamente, só que dessa vez ele era simples e até um pouco mais leve, pelo menos para , que pareceu não querer mais tocar no assunto e apenas perguntou se eu a levaria para a escola na manhã seguinte quando já estava deitada na cama, pronta para dormir. Acho que gostaria que eu a levasse, na verdade, seria muito bom para se distrair depois dessa noite, pensar em coisas mais produtivas do que Robert e eu trocando socos, e a mãe nervosa e ao mesmo tempo machucada. Com certeza seria muito bom. Então concordei dando-lhe um beijo de boa noite, peguei uma toalha e uma troca de roupa e segui para o banheiro já trancando a porta atrás de mim a fim de tomar um longo banho.
Tirei o celular do bolso, colocando-o sobre a pia de mármore, acendi as luzes e despi-me evitando encarar minha própria imagem refletida no espelho. Já tinha uma certa ideia de como meu rosto estava por conta do retrovisor do carro e pelas leves caretas, em uma mistura de pesar e dor, que fazia ao me olhar antes de enfim se acostumar. Sabia que havia um machucado feio acima da sobrancelha, e que este levaria um tempo para se curar, sentia um corte no lábio inferior que se estendia até a parte interna de minha boca e, provavelmente, tinha também algumas marcas roxas no rosto.
Mas tentei não me importar com nada disso durante o tempo que se arrastou enquanto estava embaixo do chuveiro, apenas sentindo o jato quente em minhas costas, relaxando todos os meus músculos tensionados. Aquele dia já havia sido muito longo, então eu só desliguei o registro quando as pontas de meus dedos estavam começando a enrugar e, logo que o fiz, um barulho estranho se propagou no pequeno cômodo tomado pela fumaça. Prendi a toalha na cintura e deixei o box vendo meu celular com o visor aceso, vibrando sobre a pia e fazendo-me hesitar por breves segundos. Estava muito tarde para que qualquer pessoa nesse mundo me ligasse, mas podia ser a , não podia?
Podia... Claro que podia.
Na verdade, só podia ser ela! Por isso o atendi o mais rápido que pude sem nem me dar ao trabalho de ver quem ligava.
- Alô?
- Oi.

Capítulo 33 - Segundo Round


Meu rosto estava entre suas mãos quentes e macias enquanto seus olhos atentos me analisavam devagar. Muito devagar. Então eu fiz uma careta feia de quem estava cansado de ser observado tão de perto por tanto tempo, e essa nem era a primeira vez que o fazia, mas ainda assim ela começou a gargalhar jogando sua cabeça para a trás.
O som de sua risada doce e sincera me atingiu em cheio, me fez sorrir de modo instantâneo, me fez sentir uma onda de alívio e conforto percorrer todo o meu corpo, porque eu estou vendo que ela está se sentindo bem. Porque ela está se divertindo com coisas pequenas e bobas como essa.
Mas quando seus olhos semicerrados me focalizaram mais uma vez, ao mesmo tempo em que ela mordeu os cantos dos lábios, eu me lembrei de sua mãe e isso me atingiu com uma força ainda maior.
Ela parecia muito com sua mãe.
Ela estava fazendo exatamente como sua mãe.
Em uma fração de segundos, a saudade e a preocupação apertaram em meu peito apenas demonstrando que ainda se faziam presentes e que permaneceriam ali, muito bem acomodadas. Então o sorriso oscilou um pouco em meu rosto, mas não o bastante para que os olhos atentos dela percebessem e ela desviasse sua total atenção para tal feito. Ela apenas apertou meu rosto em repreensão pela careta, mas não com muita força, ciente de que ainda estava um tanto dolorido, e voltou a desenhar com o lápis grafite no caderno de capa dura sobre seu colo, parecendo estar extremamente concentrada.
Permaneci com meu olhar fixo em seu perfil, analisando-a da mesma maneira que ela fazia comigo há poucos instantes. Você é tão linda, . O leve sorriso retornou ao meu rosto e uma de minhas mãos passaram a afagar seus cabelos com cuidado.
Logo ela deixou o lápis em cima da mesinha de centro junto ao seu estojo colorido, segurou o caderno contra o peito e se virou para mim com um sorriso inocente no rosto, completamente leiga quanto aos meus pensamentos.
- Terminei.
- Ok. Quero ver.
- Promete que não vai rir?
- Lógico que eu não vou rir, você teve muito trabalho com ele!
Arqueei uma das sobrancelhas ao apoiar o braço no encosto do sofá, então reprimiu o sorriso e fechou os olhos fortemente antes de virar o caderno em minha direção para revelar o desenho que, supostamente, seria o meu retrato.
Bem... Pelo menos foi o que ela disse, mais ou menos vinte minutos atrás, quando começou a ajeitar tudo perto do sofá para poder desenhar, mas não acho que eu seja assim tão magro, desproporcional e tenha uma cabeça do tamanho de uma bola de bilhar.
- Eu não gostei... – disse, balançando a cabeça em negação e ela me encarou imediatamente. – Eu estou muito mais bonito no seu desenho do que sou de verdade!
Então ela deu uma gargalhada gostosa, mais uma vez jogando sua cabeça brevemente para trás, suspirou aliviada balançando a cabeça em negação e se esticou para pegar o lápis de cor vermelho.
- Você é lindo, papai.
- Sei... E o que é isso aqui? – indaguei ao indicar a parte em que ela agora pintava.
- É a sua capa, ora. Você é um super-herói! – explicou animada, fazendo com que eu desse uma leve risada contida.
Deixei meu olhar cair em um ponto qualquer no chão e meu leve e instável sorriso desaparecer aos poucos de meu rosto. Suspirei lentamente.
Eu não sabia exatamente por qual razão ela estava me desenhando como um super-herói, não sabia se apenas quis assim ou se havia algum motivo em especial, mas decidi não questiona-la sobre isso. Aquele era apenas mais um de seus desenhos e eu sabia que não podia, de forma alguma, ser considerado um herói. Não enquanto ainda estivesse sentado no sofá do meu apartamento sem ter tomado qualquer outra atitude efetiva para convencer e enfim trazer de volta para nós.
Levei uma de minhas mãos à testa e rolei os olhos.
Isso era tão ridículo. Eu era um idiota, e o fato de nós termos que nos submeter à toda essa situação era simplesmente ridículo! Já não estava sendo fácil não ter por perto, não poder vê-la, ter a certeza de que ela estava bem... Mas tudo conseguia ser ainda mais torturante, pois eu não sabia exatamente o porquê de ela ter se recusado a voltar.
Eu não tinha mais ideia do que fazer, ou de como me portar, ou de como me sentir no momento. Tentava apenas me manter calmo com por perto, tentava demonstrar que não havia com o que nos preocuparmos, pois tudo ficaria bem. Mas, por dentro, eu havia simplesmente me tornado uma enorme confusão.
Tentava pensar com clareza, tentava encontrar uma forma de fazer com que tudo isso se revertesse, mas teria que concordar comigo... Por que ela não concordava comigo? Por que preferiria ficar?
Não fazia sentido algum para mim, mas ainda assim essas indagações ecoavam em minha cabeça, pois eu sempre retornava à estaca zero sem suas respostas. Eu continuava sem saber muito bem o que fazer. Sabia apenas que tinha que cuidar da e estava fazendo isso da melhor forma que podia. Até mesmo porque ela facilitava muito todo o trabalho sendo extremamente tranquila e ao mesmo tempo incrível. Mas sabia também que não podia ficar aqui, parado por muito tempo sem fazer nada, só que não podia voltar àquela casa com a minha filha.
Estalei a boca e passei nervosamente a mão pelos cabelos, bagunçando-os e puxando alguns fios entre os dedos. Desviei meu olhar para o celular sobre o braço do sofá já desbloqueando sua tela e ficando ainda mais frustrado, se é que isso era realmente possível.
Não havia nada de diferente! Nada. Nenhuma chamada e nenhuma mensagem relacionada a ela, assim como se seguiram as últimas horas. Isso estava simplesmente me deixando louco.
Não estava sendo nem um pouco fácil não ter por perto.
Suspirei mais uma vez, batendo repetidamente com o punho em minha perna, e tornei meu olhar para .
- Está com fome?
- Não.
Ela disse com calma sem tirar os olhos de seu desenho e eu logo senti Snoop encaixando sua cabeça entre meu braço e minha perna, pedindo por atenção. Voltei meu olhar para a televisão ligada à nossa frente em um canal infantil qualquer, sem realmente prestar atenção no que passava, e fiquei fazendo carinho em Snoop, que parecia estar gostando bastante enquanto lambia meu pulso vez ou outra. Então parei.
O celular mal começou a vibrar ao meu lado e eu o peguei em mãos rapidamente. Tão rapidamente que até Snoop se afastou de mim, assustado. Olhei no visor antes de atender e desaminei no mesmo instante, prontamente ignorando a chamada. Era apenas ... Pela segunda vez.
Ele já sabia sobre o que aconteceu. Ele e mais um monte de gente que resolveu me ligar também. Disse que a notícia se espalhou rápido pela internet e queria que lhe contasse direito a história, mas eu estava sem cabeça para qualquer coisa no momento. Estava impaciente e não podia fazer isso por telefone. Se fosse para conversar com alguém, que fosse com quem pudesse me ajudar agora e, pela primeira vez em anos, eu não achava que era essa pessoa.
- Ela não ligou – ouvi dizer ainda usando o mesmo tom de voz de antes e suspirei pela sei lá qual vez (isso havia se tornado muito frequente nas últimas horas). Sabia exatamente a quem ela se referia.
- Não, ela não ligou.
- Mas Loren ligou.
- Sim, Loren ligou.
- Por que? – indagou parecendo estar realmente incomodada, então eu tornei meu olhar para minha filha.
- Porque ela ficou sabendo do que havia acontecido e queria saber se eu estava bem, se precisava conversar com alguém ou se precisava de algum tipo de ajuda...
- Ela é muito curiosa! – ela fez uma leve careta antes de me encarar, e eu ri.
- Curiosa?
- Sim!
- Tem certeza que você não quis dizer cuidadosa?
- Não, curiosa mesmo.
- Você não pode dizer isso assim, – eu disse vendo-a suspirar ao desviar seu olhar do meu brevemente, então ela arqueou as sobrancelhas.
- Você gosta dela?
- Talvez – dei de ombros.
- Mas você gosta da minha mãe também. Como pode gostar das duas ao mesmo tempo?
Vi-a franzir o cenho, intrigada, e dei risada achando graça do fato de que ela ainda não havia superado o ciúme bobo que desenvolveu por Loren desde a primeira vez em que as duas se encontraram e que ela, de certa forma, estava tentando me mostrar que ficar com sua mãe sempre seria a melhor opção que existia. Mas eu já sabia muito bem disso.
- Você não tem que se preocupar com isso, porque é diferente, . Loren é apenas uma amiga e eu acho que gosto um pouco dela, mas com certeza não como gosto de sua mãe. Eu amo a sua mãe.
- Quanto você ama a mamãe?
- Muito!
- Assim? – ela sorriu, abrindo os braços para demonstrar a quantidade de amor que devia julgar ser enorme, e eu ri mais uma vez.
- Mais.
- Ahm... Do tamanho do mundo?
- Muito mais do que isso! – arqueei as sobrancelhas vendo-a abrir a boca como se estivesse mesmo muito impressionada.
- Nossa, isso é bastante! – disse entre risos e eu assenti.
- Eu sei.
- Então você devia se casar com ela.
- Um dia eu vou – disse e ela sorriu orgulhosa. – Quer ver uma coisa?
assentiu prontamente e deixou suas coisas sobre a mesinha de centro quando nós nos levantamos, e eu coloquei meu celular no bolso da calça de moletom que usava. Não o abandonei mais desde a noite anterior por medo de perde-lo de vista mais uma vez.
Havia me lembrado de quando perguntou por que era a garota da caixa azul, assim como Loren a havia denominado, e eu expliquei dizendo que um dia ela poderia até ver a caixa. Hoje era esse dia. Portanto guiei-a escada acima em direção ao meu quarto e segui diretamente para o closet com e Snoop em meu encalço. Logo puxei a caixa azul-bebê de uma das prateleiras mais altas e me virei para eles, vendo franzir o cenho.
- O que é isso?
- Você quer ouvir uma história para passar o tempo?
- Sim! – ela sorriu batendo palmas animadamente e correu para se sentar na cama.
- Ok... Então isso aqui... – indiquei a caixa antes de me sentar à sua frente e Snoop se deitar no chão ao nosso lado. – É o motivo da sua mãe ser "a garota da caixa azul". Lembra quando você me perguntou?
- Ah, sim! Posso ver? – indagou com um sorriso lindo ainda moldando seus lábios, e eu assenti abrindo a caixa para que ela pudesse mexer, puxando uma foto dali sem demora e gargalhando. – É você, papai? Você era tão magricela!
me mostrou a foto, e eu acabei rindo também, pois era verdade.
É, o tempo pode fazer mudanças muito boas.
Mas agora o caso é que nós dois precisávamos nos distrair um pouco com qualquer coisa que fosse até que chegasse a hora, então eu contei a ela sobre a minha história com desde o começo. Foi apenas um breve resumo, claro, mais tarde poderia explicar melhor e com mais calma algumas partes que eu não consegui.
E a pequena até que estava gostando da história enquanto eu ainda não havia chegado ao seu final. Ela me encarava extremamente atenta como se estivesse vendo um daqueles seus filmes de que tanto gostava, com a expectativa refletindo em seus olhos. Mas depois suas feições mudaram.
Na verdade, eu esperava por algo assim, pois isso já havia acontecido antes. Como quando contei para . E eu sabia que com não seria diferente e que, talvez, ela ficasse ainda mais desapontada comigo. Por isso, quando eu disse que fiz algo que deixou sua mãe muito triste na época, mesmo sem especificar tal feito, seu sorriso desmanchou e seus ombros caíram deixando transparecer sua leve decepção.
- Por que? – ela perguntou e eu suspirei.
- Bom, porque eu era um magricela egoísta que depois se arrependeu muito do que fez – expliquei com calma, vendo-a deixar que um sorrisinho tímido aparecesse em seu rosto, fazendo-me sorrir também. – Eu queria ficar com ela para sempre. Porque é assim que eu gosto da sua mãe. Mas ela teve que se mudar para a casa do seu avô no Brasil e ficar longe de mim, então nós ficamos por todo esse tempo, por sete anos, sem nos ver ou falar.
- Ei, eu tenho sete anos! – ela disse pensativa piscando algumas vezes antes de arquear as sobrancelhas e acertar sua postura. – Ah... Não, espera. Entendi. Agora eu entendi!
- Entendeu? – eu ri vendo-a assentir veementemente.
- Sim, papai! Olha, é bem fácil. Foi assim: eu nasci há sete anos no Brasil, e até a tia viu, mas você... – disse ao apontar para mim como se estivesse me explicando, deixando a frase morrer ali e me fazendo rir mais.
Eu conhecia a história. Era eu quem estava contando! Como ela fez isso mudar de figura?
- Estava aqui... – comecei cutucando rapidamente sua barriga, fazendo-a se encolher e rir. – Sem fazer a mínima ideia – e cutuquei-a mais uma vez. – de que tinha uma princesa – e outra vez. – linda e sapeca como filha.
Comecei a fazer cócegas em enquanto ela gargalhava e se contorcia sob meus dedos, praticamente rolando na cama para tentar fugir de mim. Suas bochechas estavam vermelhas.
- Para, pai! Para! – ela ria.
A minha intenção não de parar. Gostava de fazer e ver rindo, meio que me acalmava. Mas o som estridente da campainha ecoou por todo o apartamento, por isso eu parei. Olhei automaticamente para a porta do quarto vendo Snoop correr para fora enquanto latia, depois olhei para , que recuperava o fôlego ainda deitada na cama e com as mãos sobre a barriga.
- Chegou a hora, tampinha. Vai tomar seu banho – fingi um tom autoritário começando a juntar tudo o que estava espalhado pela cama e devolvendo à caixa.
- Mas... Já acabou a história?
- Ahm, deixe-me pensar... – olhei brevemente para o alto tentando lembrar em qual parte havia parado. – Depois eu esbarrei com a sua mãe em um tipo de festa...
- E então você se apaixonou por ela de novo – ela me interrompeu com um sorriso largo ao se sentar novamente, e eu rolei os olhos rindo antes de voltar minha atenção à caixa, fechando-a em seguida.
- E, logo no dia seguinte, eu te encontrei na porta da sua escola.
- Como você nos encontrou? – questionou, e eu me levantei da cama com a caixa em mãos já ouvindo a campainha tocar mais uma vez, fazendo-me lançar um olhar significativo para .
Ela já devia estar pronta.
- Eu não sei, isso você vai ter que perguntar para a sua mãe e me contar depois, porque também quero saber. Agora bate aqui, parceira – disse estendendo uma das mãos para que batesse em um high five, e ela assim o fez. – E vai se arrumar. Suas coisas já estão no banheiro.
se levantou da cama em um pulo, seguindo em direção ao banheiro, e eu a acompanhei com o olhar até que ela parou frente à porta e se virou para mim com um leve sorriso no rosto.
- É uma boa história, papai. Eu sei que vai ter um final feliz.
Sorri de volta e vi enfim entrar no banheiro para tomar seu banho e se arrumar, assim como devia ter feito há muito tempo, pois ainda estava com seu uniforme escolar.
Assim como na casa de praia, ela não me ouvia em certos momentos. Eu ainda não sabia muito bem como ter, ahm, pulso firme. E driblava minhas decisões com perspicácia! Definitivamente, terá que me ensinar seus truques em que, com apenas uma frase, a pequena obedecia sem nem mesmo questionar.
Ouvi a campainha tocar mais uma vez, sendo seguida por latidos de Snoop, resgatando-me de meus pensamentos. Assim devolvi a caixa azul-bebê ao seu lugar de costume e desci as escadas preguiçosamente.
Tudo bem, agora era a parte chata.
- Vai deitar! – disse para Snoop enquanto destrancava a porta principal de meu apartamento, mas ele apenas fez sentar-se ali mesmo onde estava.
Legal, mais um que também não me obedece.
Suspirei pesadamente e enfim abri a porta.
- Puta que pariu! – disse rapidamente enquanto me encarava com os olhos arregalados, e arregalou os olhos para ela, talvez surpreso por sua exclamação, levou a mão à boca e me olhou mais uma vez.
- Cara, que merda...
Pisquei já sentindo o meu desânimo retomar seu lugar de costume, pesando toneladas sobre meus ombros. Eu disse que essa era a parte chata.
Soltei a maçaneta deixando a porta aberta como um convite para que o casal enfim entrasse no apartamento e, com Snoop em meu encalço, segui diretamente para o sofá de três lugares e me sentei puxando as pernas para cima no mesmo lugar onde estive sentado durante toda a tarde na companhia da pequena.
Sim, toda a tarde.
Eu levei para a escola de manhã e, depois de ter passado boa parte do tempo com o carro estacionado em frente à casa de Robert e sem conseguir ver de fato qualquer tipo de movimentação, busquei a pequena mais tarde. Então nós almoçamos, fizemos o dever de casa, assistimos televisão e desenhamos naquele mesmo sofá.
Não, não havia sido um dia tão produtivo quanto eu imaginava que seria depois que voltássemos da nossa pequena viagem à costa sul.
A televisão ainda estava ligada no canal infantil, então eu a coloquei no mudo e larguei o controle remoto no braço do sofá juntamente ao meu celular, o qual saquei do bolso mais uma vez apenas para deixa-lo visível para mim.
Eu não conseguia evitar que meus olhos caíssem a cada instante sobre sua tela apagada. Não conseguia me sentir bem ou tranquilo com todo aquele silêncio ensurdecedor. Eu apenas me sentia mais frustrado e impaciente, pois tudo poderia estar acontecendo naquele mesmo instante, e eu sabia de absolutamente nada. Não podia fazer nada.
- O que está fazendo aqui?
- Como assim, ? Está maluco? – ouvi perguntar sendo seguida do barulho da porta principal se fechando. – Você pediu para que eu viesse, porque tinha algo de muito importante para conversar, e que trouxesse um remédio para dor de cabeça! – então parou em pé ao meu lado com o cenho franzido. – Aliás, você está péssimo.
- É, como pretende aparecer em um programa de televisão com a sua cara toda arregaçada? – perguntou parando ao lado de e eu levei as mãos aos olhos brevemente.
- Puta merda, esqueci completamente disso.
- Fletch vai te matar.
- Eu não vou mais ao programa.
- Claro, Fletch vai te matar antes.
- Ah, mas não está tão ruim assim. Está? – disse olhando de mim para , que levantou os ombros.
- Ficará ruim na televisão. Temos essa entrevista marcada há um tempo para falarmos dos nossos projetos como banda a partir de agora, já que a ideia é não termos uma pausa muito longa, mas eu acho que agora as perguntas serão feitas somente a ele... – gesticulou, fazendo-a arquear as sobrancelhas.
- Nesse caso vão desviar um pouco do foco e isso é... Ruim? – ela indagou ainda em dúvida e eu vi suspirar.
- Não, na verdade o caso não é bem esse. já está em foco há semanas por causa de e , mas com a cara assim – e apontou para mim, fazendo-me rolar os olhos. – A repercussão vai ser relativamente maior! Se não explicar muito bem o que aconteceu, haverá muitas especulações nem um pouco positivas sobre e sua cara arregaçada em todos os tipos de mídias possíveis, porque ele já se meteu em encrenca antes. Ou seja, no fim das contas, ele não vai ter paz por um bom tempo.
Com as sobrancelhas arqueadas e os braços cruzados na altura do peito, terminou de explicar tudo o que eu já sabia muito bem, mas que não estava muito a fim de ouvir ou lembrar, pois era simplesmente inútil! Eu não queria saber daquilo, pois essas coisas eram nada perto das preocupações que eu tinha agora.
Assim os dois tornaram a me encarar e eu rolei os olhos mais uma vez. Tinha acabado de decidir que não estava gostando de naquele momento. Desde quando ele se tornou o cara mais indicado para explicar qualquer coisa aos outros? Quero dizer, tudo bem que eu já me meti em várias enrascadas antes, mas ultimamente ele ganhava de mim no quesito fazer merda.
- O que está fazendo aqui? – repeti a pergunta categoricamente dessa vez olhando para ele, e abriu a boca em entendimento.
- Ah! Você estava... Estava perguntando para ele? – ela apontou para , que franziu o cenho, e eu assenti. – Bom, estávamos juntos, então...
- O que foi? Você não me quer aqui? – ele a interrompeu em um tom um tanto ofendido, e eu suspirei.
- Por que vocês não se assumem logo de uma vez? – perguntei ao ajeitar minha postura, recostando-me melhor contra o encosto do sofá. – Não deviam perder tanto tempo. Sério.
- Vocês querem, por favor, parar de mudar de assunto? – bufou, impaciente, e se sentou no lugar vago ao meu lado colocando a bolsa sobre o colo. – O que aconteceu contigo, afinal?
- Vocês realmente não sabem? – indaguei vendo balançar a cabeça em negação e descruzar os braços.
- Como assim? Já tem notícia por aí? – ele perguntou sacando o celular do bolso traseiro de sua calça jeans e começando a mexer nele, talvez à procura de algo sobre mim que tenha saído nas últimas horas.
- Parece que sim, sabia. Até Loren sabia – dei de ombros. – Ela me ligou ontem... Ou hoje, que seja! Logo depois do que aconteceu, uns vídeos viralizaram por ai, então a gente até conversou um pouco.
- A Loren? – ele me encarou mais uma vez com as sobrancelhas arqueadas.
- Sim, ela é... Sei lá, minha amiga de novo.
- Não, ela não é.
Rolei os olhos.
Eu sabia que não gostava de Loren, mas sinceramente...
- Cara, tanto faz, eu não estou nem aí para isso agora – eu disse, levando as mãos ao rosto brevemente, e bateu a mão em meu joelho com força, fazendo até Snoop rosnar.
- Porra, ! Eu vim te ajudar, seu bosta, trouxe até remédio para você. Então para de fazer cu doce.
- Quem é Loren? – elevou um pouco o seu tom de voz a fim chamar nossa atenção, e eu e ele nos entreolhamos.
- Uma amiga, eu acho – eu disse simplesmente ao apoiar com o cotovelo no braço do sofá para segurar minha cabeça, que parecia pesar toneladas sobre meu pescoço, e vi se sentar no outro sofá.
- É a ex dele.
- Sua ex, ? – então se virou totalmente para mim com os olhos arregalados. – Você ficou conversando “um pouco” com a sua ex-namorada durante a madrugada, foi isso mesmo que eu entendi? “Ontem ou hoje”... – comprimiu os olhos ao afetar a voz, fazendo pouco caso. – Esqueceu que eu jurei por Deus que te castraria se você fizesse algo errado?
- Eu não fiz nada... – disse em um tom exausto ao ouvir rir baixinho. – Qual o problema de vocês?
- Ex, pra mim, é tudo vaca – ela arqueou as sobrancelhas e acertou a postura ao olhar para suas unhas, fazendo rir, e eu quase o acompanhei. Quase.
- Você sabe que é ex de alguém, certo? – ele indagou entre risos.
- E é exatamente por isso que eu sei muito bem do que estou falando! – ela deu de ombros antes de olhar para mim e dessa vez eu consegui rir levemente. – Ei, não ria! e eu dividimos a mesma opinião! Ela está sabendo dessas suas conversinhas com a vaca da sua ex? – e comprimiu os olhos. – Aliás, cadê a minha prima, ? Ela não atende mais as minhas ligações.
Pigarreei sentindo aquele leve vestígio de calmaria que ameaçava se estabelecer, desaparecer rapidamente, então suspirei levantando a cabeça e encarei para .
- Ela está com Robert.
Silêncio.
- O que? – ela disse quase em um sussurro, apertando a bolsa em suas mãos.
- Foi exatamente por isso que eu te liguei.
Ela continuou me encarando por alguns instantes, talvez ainda absorvendo a nova informação. Olhou para a bolsa em seu colo e a abriu ao mesmo tempo que se mexeu de forma claramente desconfortável sobre o sofá antes de direcionar seu olhar para , que estava quieto até o momento enquanto mordia os lábios e me olhava de soslaio.
Ele provavelmente entendia que aquilo era um grande problema, que isso de certo modo justificava meu mau humor e comportamento ruim, porque até ontem tudo estava muito bem, mas ele ainda estava alheio a boa parte do que realmente acontecia ali. Assim como , não precisava necessariamente saber sobre tudo agora e, ao que parece, pensa o mesmo que eu.
- Você se importa em pegar um copo d’água? – ela sorriu ternamente ao tirar da bolsa uma pequena cartela de comprimidos para dor de cabeça, e ele logo se levantou do sofá.
- Tudo bem. Já volto – disse com um meneio de cabeça e seguiu em direção à cozinha.
- Ela te contou? – perguntou rapidamente e em um tom mais baixo assim que sumiu do nosso campo de visão, e me encarou com seus olhos interessados.
- Você sabia, ! – eu acusei colocando os pés no chão de virando-me para ela. – Sabia o que ela me escondia durante todo esse tempo. Eu te dei a chance, mas mesmo assim você não me contou!
- Eu não podia, . Pelo bem das duas, eu juro por Deus que queria, mas não podia! – gesticulou nervosamente e balançou a cabeça de leve. – Robert não...?
- Machucou no rosto, não sei exatamente como, mas tinha uma médica com ela. Eu estou... Perdido nisso tudo.
Balancei a cabeça negativamente, sem saber como descrever o quão frustrante e desesperadora a situação estava sendo para mim até aquele momento, mas o olhar de em mim fazia com que eu pensasse que talvez ela já tivesse uma leve ideia. Como havia imaginado, ela era exatamente a pessoa com quem eu podia conversar.
- Pelo jeito você caiu na porrada com ele pra valer, não foi?
- Claro! Eu fui até a casa deles para busca-la, mas insistiu para que eu fosse embora – gesticulei indignado tentando manter meu tom de voz baixo. – Depois, saindo de lá, pensei até em falar com a polícia, mas... Mas eu vi que ele é um louco doente, . E se ela não colaborar e negar o que ele fez? E se ele a machucar de novo? E se fizer algo pior? Eu não... – suspirei pesadamente ao me curvar para frente e apoiar com os cotovelos nos joelhos vendo voltar para a sala com um copo cheio d’água.
- Eu sei como é – ela disse abaixando o olhar para as mãos.
- Seria ótimo se você pudesse ficar com para mim por um tempo. Está ficando meio difícil fingir que está tudo bem.
- Sim, claro que fico. Na verdade já até sei bem qual o melhor jeito de distraí-la, mas eu não... – ela suspirou profundamente com um meneio de cabeça, parecendo escolher suas palavras. – Como isso começou exatamente? Eu não entendo, , vocês estavam ótimos na última vez que nos vimos.
- Ele veio até aqui enquanto eu estava com . estava sozinha.
- Robert veio até aqui? – quis saber ao estender o copo para mim, mas quem o pegou foi , logo tomando um longo gole e recebendo de um olhar preocupado. – Você está bem?
- Uhum!
Vi assentir com veemência ainda terminando de engolir o líquido, então ela me entregou o copo d’água pela metade junto com a cartela de comprimidos.
- Ok, então... – disse tornando a se sentar no outro sofá. – Ahm, ele veio?
- Veio na porra do portão do meu condomínio, insistiu e fez com que ela fosse com ele – disse já um pouco irritado só de pensar no quão descaradamente Robert agiu ao vir até aqui. Peguei um dos comprimidos para dor de cabeça e o engoli tomando o restante da água em seguida. – Eu devia ter batido naquele desgraçado com ainda mais força quando pude.
- Ah, agora está tudo explicado.
Ouvi-o dizer enquanto eu colocava o copo vazio sobre a mesinha de centro e me recostei no sofá entre um curto suspiro, logo quando meu celular começou a tocar ao meu lado novamente.
Eu já estava ficando cansado de toda vez atender essa porcaria e nunca ouvir a única voz que realmente queria ouvir. Aquela única voz que realmente poderia me trazer um pouco da verdadeira calma de que precisava no momento. Então peguei o aparelho e o atendi de qualquer jeito. Por certo era sendo insistente mais uma vez.
- , já falei, cara. Não posso falar agora! – disse impaciente e não ouvi nada do outro lado da linha a não ser por um leve suspiro.
Franzi o cenho em estranheza e olhei rapidamente o visor do celular vendo que aquele era um número desconhecido. Não era o .
- Não é o – ela disse em um tom quase tímido e, sob o olhar atento de e , eu me levantei do sofá praticamente tropeçando em meus próprios pés.
- ?
- É ela?
- Oi, meu amor – ouvi-a dizer carinhosamente, e assenti para a pergunta de antes de indicar a cozinha.
Mesmo que ouvir a voz dela agora já tirasse grande parte do peso que a preocupação fazia sobre mim, ainda existia muita coisa que me incomodava. Como o simples fato de ela não estar aqui comigo. Eu queria falar sozinho com , e pareceu entender isso muito bem, pois permaneceu em seu lugar enquanto eu saia do cômodo em passos rápidos.
- Como você e estão?
- Como você está? Está bem? Está machucada? Onde e com quem está? De quem é esse número? – despejei tudo de uma vez enquanto andava de um lado para o outro na cozinha.
- Eu estou bem, , juro...
- Ele não te machucou?
- Não.
- Certeza? Sabe que não precisa me esconder mais nada agora, certo?
- Certeza absoluta, amor. Eu estou bem. Estou no quarto de desde ontem e não aconteceu nada de mais até então – ouvi-a dizer calmamente e me permiti dar um suspiro de alívio encostando-me contra a geladeira, deixando meus joelhos cederem até que eu estivesse sentado no chão. – Desculpe por tudo isso.
- Não é sua culpa.
- Às vezes eu sinto que sim.
- Mas não é.
Silêncio.
- Como você e estão? – repetiu a pergunta ainda sem resposta, e eu apoiei o braço livre sobre meus joelhos encarando meus dedos inquietos.
- está bem. Ela achou ruim e brigou comigo porque deixei que você ficasse aí, mas, depois que conversamos sobre o que aconteceu, ela pareceu entender a situação por hora... Mesmo que ainda pergunte de você sempre que tem a oportunidade – eu disse e mordi os lábios. – Quer falar com ela?
- Não, eu não... Não tenho certeza se seria uma boa ideia.
Mais silêncio.
- Por que não me deixou te trazer para casa?
- Eu não podia sair daqui. Não queria que vocês se machucassem.
- Mas, de uma forma ou de outra, estamos todos machucados agora. Os três, . Isso não adiantou de nada – disse passando a mão livre nervosamente por meus cabelos, logo me arrependendo de minha péssima escolha de palavras. Então encostei a cabeça na geladeira suspirando. – Desculpe...
- Não, você tem razão.
- Não, eu não tenho.
Droga, como eu podia ser tão idiota? Se já se sentia culpada por tudo o que estava acontecendo conosco no momento, minhas palavras impensadas apenas lhe davam essa estúpida certeza.
Mas eu sabia que não era culpa dela! Sabia que ela não estava com Robert por livre e espontânea vontade, que não queria que algo de ruim acontecesse comigo ou com “por sua causa”. Sabia que, na verdade, não tínhamos total controle sobre nada no momento. Eu apenas...
- Estou preocupado, não quero que você se machuque, e eu... – balancei a cabeça negativamente e estalei a boca. – Estou sentindo tanto a sua falta.
Breve silêncio.
- Eu também – ela disse em um tom mais baixo, fraco, tentando disfarçar sua voz embargada, e eu fechei os olhos fortemente.
Era por minha causa que ela estava chorando agora? Por causa do que eu disse?
- ...
- Tenho que desligar e devolver o celular...
- Estou indo aí! – eu disse subitamente.
- ... Não vou poder ir com você. Ainda não. Nã-não é seguro.
- Eu estou indo aí, . Eu preciso te ver – disse em um tom mais firme ao me levantar do chão gelado, e ela permaneceu em silêncio por alguns instantes.
- Ok, eu... Eu vou tentar... Algo... – disse ainda incerta e suspirou pesadamente. – Ok.
- Até daqui a pouco.
Mesmo decidido, continuei com o celular na orelha e esperei pacientemente por qualquer objeção sua, pois essa é uma das coisas que ela costuma fazer, mas apenas murmurou um “até” e desligou.
Eu precisava mesmo ir lá. Tinha certeza de que ela queria que eu fosse até lá.
Coloquei meu celular no bolso da calça de moletom e voltei para a sala apenas encontrando e , agora sentados no mesmo sofá e com Snoop deitado aos seus pés. Ambos me olharam com interesse, mas eu apenas franzi o cenho.
- ainda não desceu? – indaguei vendo-os dar de ombros e fui diretamente para as escadas. – !
Subi em passos rápidos para o segundo andar já seguindo em direção ao seu quarto e ainda chamando por seu nome, até que de repente a pequena abriu a porta quase trombando de frente comigo. Ela deu risada divertida ao dar um passo para trás e me encarar, e eu suspirei aliviado. Não sei o que faria se ela inventasse de sumir outra vez.
- O que estava fazendo?
- Estava só procurando a minha touca – explicou com um sorriso ao indicar a touca branca em uma das mãos. – E isso aqui!
então levantou a rosa vermelha, que eu tinha intenção de dar para no dia anterior, pegou uma de minhas mãos e me fez segurar a rosa antes de me olhar ainda sorrindo.
- Se você ver a mamãe hoje, diz que já estou com saudades?
Encarei a rosa por alguns segundos e depois olhei para conseguindo apenas assentir. Assisti-a passar uma de suas mãos pelos cabelos a fim de ajeitá-los, colocar a touca e andar em direção às escadas.
Ela não conseguia parar de me surpreender.
Dei uma risada contida e balancei a cabeça de leve enfim seguindo o mesmo caminho que a pequena fez até a sala de estar, onde eu já tratei de me sentar no braço do sofá.
- Tia ! – disse animada e olhou para ela com um grande sorriso no rosto ao abrir os braços para receber um forte e apertado abraço da menina.
- E aí, tampinha? Como você está? Com saudades da sua tia preferida?
- Sim! Cadê o chocolate que você me prometeu?
- Ah, menina, toma vergonha! – a mais velha reclamou se soltando do abraço e fazendo a pequena gargalhar. – Você vai passar o resto do dia comigo e com esse cara aqui que você chama de melhor pior jogador – e apontou com o polegar para , que sorriu largamente. – Então relaxa! Chocolate não é nada comparado a nós.
- Ah... Está bem, está bem! – rolou os olhos discretamente ainda com uma expressão divertida tomando conta de seu rosto e andou até , dando-lhe um abraço rápido. – Oi, perdedor!
- Oi, pequena perdedora! – cumprimentou apertando as bochechas dela, e ela fez cara feia para ele em repreensão antes de se virar para mim levantando levemente os braços ao lado do corpo.
- Então, estou bonita?
Sorri verdadeiramente.
- Está linda! – disse vendo-a sorrir e se aproximar mais de mim, então segurei uma de suas mãos e depositei um beijo ali.
- Então nós já vamos, certo, tampinha? – disse entre risos, levantando-se do sofá, e fez o mesmo. – Tenho certeza de que seu pai tem muitas coisas para resolver.
- Vou te buscar mais tarde, tudo bem? – eu disse vendo assentir.
- Ok. Só promete que não vai se meter em encrencas, papai, ainda não terminei de cuidar de você e dos seus machucados – ela disse tocando meu rosto com as pontas dos dedos e eu ri junto com e .
- Eu prometo.
A pequena sorriu docemente para mim antes de me dar um beijo no rosto e me abraçar pelo pescoço sem medir muito sua força. Coisa que, apesar de ter sido um pouco dolorido no momento, não me incomodou nem um pouco, apenas me fez rir de leve. Eu gostava dessas suas demonstrações de carinho.
Depositei um beijo em sua testa e me levantei para acompanha-los até a porta principal. Na verdade, eu só queria não perder de vista e ter certeza de que ela realmente entraria no elevador com eles. Ela meio que me traumatizou depois de ontem.
Abri a porta e deu dois tapinhas em meu ombro esboçando um simples sorriso que me dizia silenciosamente que tudo daria certo, assenti levemente e ele seguiu pelo corredor com em seu encalço. suspirou e se virou para mim.
- estava comigo ontem e viu a encrenca, mas já conversei com ela – avisei e ela assentiu.
- Tudo bem. Tente não fazer nada estúpido, ok? tem essa mania de... – disse em um tom baixo enquanto cruzava os braços desconfortavelmente. – De fazer coisas estúpidas por pensar demais nas consequências. Então chame a polícia se for preciso, mas a traga de volta...
- ? – ouvimos chama-la e ela me abraçou.
- E me conte depois o que aconteceu.
- Tudo bem – concordei.
se afastou rapidamente e, com um último aceno, as portas do elevador se fecharam e eu logo bati com a porta do apartamento para correr mais uma vez escada acima. Agora que não estava mais aqui, chega de calma e de fingir que estava tudo bem.
Troquei de roupa o mais rápido que pude, peguei a rosa que havia me entregado e verifiquei três vezes se estava com minhas chaves, a carteira e o celular nos bolsos antes de passar por Snoop, que estava deitado em sua grande almofada no canto da sala, e enfim sair do apartamento.
Fiz o mesmo caminho que havia feito hoje pela manhã e no dia anterior sem demoras, praticamente no modo automático, até chegar perto o suficiente da casa amarelo-clara e já enxergar do lado de fora.
Ela estava muito bem agasalhada, com os braços cruzados na altura do peito devido ao frio e os olhos atentos à movimentação na rua. Parecia que esperava por mim, pois deu um passo ansioso e incerto à frente ao avistar o meu carro se aproximando. Mas ela não estava ali sozinha.
Franzi o cenho em estranheza ao notar que aquele engravatado que estava ao seu lado e que falava algo para ela não era Robert, mas um homem que eu simplesmente nunca havia visto na vida. Estacionei com meu carro do outro lado da rua de qualquer forma, desafivelei o cinto de segurança com pressa vendo atravessar a rua em passos rápidos e deslizei para fora do carro tendo tempo suficiente apenas para bater a porta atrás de mim e puxar para os meus braços para enfim ter seus lábios contra os meus.
Ela não demonstrou qualquer tipo resistência pela forma como eu devia estar agindo ali, no meio da rua. Como um apaixonado louco de saudades. apenas deixou que a beijasse como eu quisesse, como eu precisava, como eu já sentia tanta falta. Sentia falta de seu gosto, seu toque, seu aroma. Eu estava sedento, mas também não era o único.
Céus, como eu queria tudo isso de volta. Queria o tempo todo!
Como se ela pudesse desaparecer a qualquer instante, eu apertava meus braços ao redor de sua cintura, eliminava qualquer distância e sentimento ruim existente entre nós. Era ela tudo o que eu sentia. Eram suas mãos gélidas em meu pescoço, causando-me leves e agradáveis arrepios. Eram seus lábios roubando-me o fôlego.
Inebriado, virei nossos corpos agilmente e encostei-a contra a porta do carro, mas soltou um gemido baixo e quebrou o beijo. Abri os olhos confuso e a vi empurrar um pouco o seu corpo contra o meu tendo seus olhos fortemente fechados.
- O carro está gelado e molhado – explicou em um tom baixo e ofegante, tremendo um pouco antes de me olhar, e eu logo nos afastei do carro ao dar dois passos para trás ouvindo-a rir levemente contra meu peito.
- Desculpe.
- Tudo bem, amor – ela me olhou, sorrindo ternamente, e arqueou uma das sobrancelhas. – Bem que eu senti um gostinho diferente...
Comprimi os olhos sem entender muito bem o que queria dizer enquanto infiltrava uma de suas mãos dentro de minha blusa e descia seu olhar até minha boca. Logo senti sua mão livre tocar meu rosto com cuidado e seu dedo polegar roçar em meu lábio inferior, provocando uma leve ardência bem onde estava cortado. Ela então encarou o próprio polegar carimbado com um pouco de vermelho sangue e o levou à boca antes de selar nossos lábios novamente.
- Oi – disse com seus lábios ainda encostados aos meus.
Um fraco sorriso brotou em meus lábios e eu me afastei um pouco para poder olhá-la melhor.
- Oi.
- Estava sentindo falta de nós.
- Eu também, amor.
Passei meus dedos com calma por seus cabelos e coloquei uma mecha atrás de sua orelha enquanto analisava o lindo rosto daquela que tanto amava.
Hoje estava um pouco mais iluminado ali fora, então dessa vez pude ver claramente a marca que já havia notado antes. Era do lado esquerdo e se seguia desde a têmpora até um pouco abaixo da maçã do rosto.
Coloquei minha mão naquela região com cuidado, cobrindo completamente a marca, e respirei profundamente fixando meus olhos nos de sem saber o que pensar ou dizer sobre aquilo. Eu apenas via a expressão alegre que ela tinha há poucos instantes ao me ver dar espaço à uma que me fazia sentir uma dor profunda. Odiava vê-la de tal forma.
Ela então abaixou o olhar trazendo uma de suas mãos até a minha e a afastou de seu rosto, depositando um suave beijo em minha palma antes entrelaçar nossos dedos.
Percebi uma movimentação à frente e levantei o rosto olhando diretamente para o outro lado da rua, onde a tal médica se juntava ao desconhecido homem engravatado. Estavam lado a lado, ambos com os braços cruzados e olhos fixos em nós. Então seguiu meu olhar e, antes que eu abrisse a boca para dizer ou perguntar qualquer coisa, se afastou por completo ainda mantendo sua mão unida à minha.
- Será que... Ah, sim, está destravado! – ela exclamou ao conseguir abrir a porta do banco de trás do meu carro e entrou tentando me levar junto, mas eu me segurei. – ...
- , não, isso significa que você ainda pretende ficar nessa maldita casa.
Ela suspirou diante de minha acusação e se virou de frente para mim sentando-se sobre uma das pernas e sem soltar minha mão ou desviar de meu olhar.
Tudo bem, sei que talvez agora eu tenha soado até um pouco infantil, mas apenas isso já fez com que eu automaticamente me sentisse aborrecido, magoado e impotente mais uma vez. Por que ela simplesmente não voltava para o apartamento comigo? Isso não fazia o menor sentido!
- Por favor – pediu apertando minha mão levemente.
Sustentei seu olhar e apoiei meu braço livre no carro, acima de minha cabeça.
- Isso é frustrante – eu disse vendo-a deixar os ombros caírem ao balançar a cabeça levemente em negação.
- Você ainda não sabe, não entende...
- Você não me diz o que está acontecendo!
- E você não entra na porcaria do carro, droga! – ela disse elevando seu tom de voz minimamente – Como vou lhe dizer tudo o que está acontecendo com pessoas nos vigiando? É assim o tempo todo e eu avisei que ainda não posso ir contigo.
Mordi a parte interna de meu lábio inferior e permaneci em silêncio sentindo sua mão agora apertar a minha com um pouco mais de força do que antes. Ela estava brava, mas isso não durou muito. Ambos sabíamos que aquela era uma discussão inútil. Por isso suspirou ainda sem quebrar nosso contato visual, semicerrou os olhos e mordeu os cantos dos lábios, então se aproximou mais de mim, deixando seu rosto na altura do meu enquanto o aperto em minha mão foi suavizando aos poucos.
- Escute. Sei que está odiando tudo isso, mas eu também estou! – começou em um tom mais calmo e balançou a cabeça dando um curto riso sem humor. – Ficar longe de você e de nem era para ser uma opção. Mas agora eu sei que posso dizer qualquer coisa a você, , assim como posso dizer que não estou aqui por ele, mas por causa dele. Nós dois sabemos que meu lugar não é mais esse, é onde você e ... Minha família estiver. Por favor.
Ela sustentou meu olhar, um tanto ansiosa, esperando por qualquer reação minha, e eu levantei um pouco a cabeça a fim de olhar brevemente para a frente da casa amarelo-clara. Pelo jeito estávamos mesmo sendo vigiados e isso era, no mínimo, irritante.
- Não vai desistir de nós, vai? – indagou, imediatamente fazendo-me olhar para ela com o cenho franzido e balançar a cabeça em negação.
- Não. Nunca!
Então ela deu um suspiro curto, parecendo relaxar sua postura por completo com minha resposta, e puxou minha mão com cuidado mais uma vez em um pedido mudo para que eu entrasse no carro. E eu me rendi, enfim deixando-me levar com facilidade enquanto a via abrir espaço para que eu me sentasse ao seu lado no banco.
Fechei a porta ao meu lado já travando-a junto à todas as outras e passei meu braço sobre os ombros de sem soltar de sua mão, trazendo-a para mais perto de mim, então senti sua mão livre em meu rosto enquanto ela o virava para si.
- E esses machucados, hein, meu defensor?
Ela disse com um suave sorriso no rosto, analisando-me de perto com seus olhos preocupados, e eu depositei um beijo em sua testa antes de encará-la por alguns segundos. Sorri como ela e balancei a cabeça de leve em negação, lembrando-me instantaneamente de . De seu desenho e de seu pedido para que eu não arranjasse mais encrencas hoje por conta dos machucados.
Então soltei-me brevemente de e me estiquei um pouco para frente a fim de alcançar o cabo livre de espinhos da rosa vermelha, que repousava sobre o banco do carona até o momento, e me encostei novamente, retomando minha posição e oferecendo-a para .
- Eu ia te dar ontem assim que chegasse em nossa casa, mas você não estava mais lá – expliquei, girando devagar o cabo da rosa entre os dedos. – me lembrou dela hoje, antes de sair com a , e pediu para que eu dissesse a você que já está com saudades.
- Também estou com saudades da minha pequena.
mordeu os lábios, soltou minha mão para pegar a rosa entre seus dedos e tocou as pétalas com extremo cuidado antes de me olhar com os olhos levemente marejados. Era isso, supus, era a saudade que mais a fazia querer chorar. Passei minha mão devagar por seu braço a fim de conforta-la e ela encostou sua cabeça em meu ombro, depositando um longo beijo em meu pescoço.
- Obrigada – sussurrou.
- Conte-me o que aconteceu – pedi com calma. – Por que estamos aqui.
parou de mexer com a rosa em mãos e se afastou um pouco para poder me olhar diretamente, suspirou e então começou a contar o que havia acontecido com ela no dia anterior desde o momento que deixou nosso apartamento com .
Eu estava tenso logo de início, tinha plena consciência de que não iria gostar de nada de tudo o que ouviria durante aquela conversa. Nunca havia sentido tanta repulsa por alguém, mas fiquei ainda mais irado ao ouvir as coisas absurdas que Robert disse a ela, o modo como a tratou, como a ameaçou, a machucou.
Eu queria acabar com ele.
Mais uma vez cego de raiva, eu nem me dei ao trabalho de pensar melhor sobre o que queria e podia fazer naquele momento. Destravei e rapidamente abri a porta ao meu lado.
pediu para que eu ficasse ali enquanto tentava me segurar pelo braço, mas, ao ver que isso não me impediria de entrar naquela maldita casa para dar mais alguns bons socos em Robert, ver que eu já estava quase descendo do carro, ela simplesmente subiu em cima de mim. sentou em meu colo, deixando-me entre suas pernas, e uniu todo o seu corpo ao meu, abraçando-me pelo pescoço e me apertando com toda a força que tinha e que eu percebi que não era muita.
- Não faz isso, !
- Ele te machucou, ameaçou a mim e à ...
- Ainda assim. Não vale a pena se arriscar. Eu nem sei se ele está ai.
Eu ainda mantinha a porta aberta e a mão livre fortemente fechada em punho. Tinha certeza de que valeria muito a pena! Soquei o banco agora vazio ao meu lado, fazendo dar um leve sobressalto, assustada, e se agarrar ainda mais a mim.
Meu maxilar estava travado e minha respiração, profunda e ruidosa quando senti encostar a lateral seu rosto contra o meu e plantar uma de suas mãos em meu pescoço enquanto a outra acompanhava meu braço estendido e tenso até a porta. Ela tentou me fazer fechar, mas continuei firme.
- Amor, eu preciso que você fique aqui comigo agora. Preciso muito – ela soprou contra minha pele, fazendo meu corpo todo se arrepiar. – Não vou aguentar passar pelo que passamos ontem mais uma vez.
Fechei os olhos por um momento, derrotado. Abaixei meu rosto, encostando-o na curva de seu pescoço, e respirei profundamente, deixando que seu cheiro me invadisse na tentativa de me acalmar pouco a pouco. Subi minha mão livre devagar até sua cintura e, com a outra, enfim bati a porta do carro usando mais força que o necessário, demonstrando minha relutância e descontentamento.
O suspiro dela contra meu pescoço veio baixo, mas eu senti seu corpo inteiro relaxar de imediato sobre mim. trouxe meu braço para si, fazendo com que eu a abraçasse. E, mais uma vez, eu a apertei com cuidado contra mim antes de deixar que minhas mãos percorressem livremente por toda a extensão daquele corpo que já conhecia muito bem. Beijei sua pele macia e rocei meus lábios por seu pescoço até o lóbulo de sua orelha.
- Você não precisa ficar aqui, . Vem comigo?
- Eu ainda não estou forte o suficiente para isso, – ela disse espalmando suas mãos em meu peito para nos afastar e recostou-se contra as costas do banco atrás de si. – Se eu for, ele vai saber no mesmo instante.
Permaneci em silêncio e franzi o cenho ainda digerindo a informação.
- O que você está tentando me dizer? – dei um riso curto, incrédulo. – Sabe que isso é loucura, certo?
- Por que?
- Porque sim! – comprimi os olhos. – Quanto tempo mais você pretende ficar aqui? Acha mesmo que em algum momento ele vai te deixar ir embora por livre e espontânea vontade?
- E-eu... Eu não...
- , ele é um doente!
- Eu sei, está bem? Eu sei disso! – ela disse incisivamente ao se aproximar mais uma vez. – Mas mesmo que eu saia daqui agora e vá direto para uma delegacia com você, nada impede que Robert, ou qualquer outro que ele tenha contratado, seja Tate ou Curtis, venha me abordar amanhã enquanto eu estiver buscando a nossa filha na escola. Não entende a minha preocupação? Eu não quero que algo pior aconteça! Eu só quero... Me acalmar um pouco.
Suspirou. Vi-a abaixar o olhar por alguns instantes e levei minhas mão até suas coxas. Olhei brevemente para o outro lado da rua e vi que o homem engravatado e a mulher ainda estavam lá, então foi minha vez de suspirar antes de voltar minha atenção para .
- É por isso eles estão nos vigiando agora? – eu quis saber, indicando-os com a cabeça. – Ele sabe cada passo que você dá. Sabe que estou aqui.
- Deve saber. E Colleen não está nos vigiando de fato, ela é minha neurologista há pouco mais de um ano – explicou e deu de ombros entre um suspiro. – Estou sob sua observação desde ontem, quando bati com a cabeça e fiquei inconsciente. Ela disse que vai ficar comigo até amanhã, pois, caso note alguma anormalidade, vou ter que fazer alguns exames. Mas fora a sonolência e o cansaço de ontem, eu estou bem.
- Então você confia nela? Acha mesmo que ela está aqui para cuidar de você?
- Acho que ela é a única que confio aqui, porque... Bem... Ontem eu meio que discuti e quase bati nela, daí hoje ela me emprestou seu celular para que eu pudesse te ligar... – encolheu os ombros enquanto um leve sorriso envergonhado estava querendo despontar de seu rosto e, pela primeira vez desde que cheguei, eu dei uma risada de verdade.
- Você jogou ela contra a porta. Fez um barulho e tanto, eu ouvi.
- Ela não queria me deixar sair da casa para te ver – dobrou o lábio e eu sorri antes de lhe roubar um selinho. – Eu precisava fazer alguma coisa.
- Fez certo – assenti e ela riu fraco. – E quem é o cara?
- Aquele é Tate. Eu não sei exatamente o que ele e Curtis são, mas sei que Robert os contratou agora e que também andam armados o tempo todo. Eles meio que ficam de olho em mim, mas... – ela disse em tom de dúvida e comprimiu os olhos. – Não sei, eu... Tenho a impressão de que eles estão aqui para evitar que o próprio Robert faça algo contra mim. Mais Tate do que Curtis, na verdade.
- Curtis é o que estava dirigindo o carro ontem quando...? – comecei e ela logo assentiu, provavelmente não gostando de se lembrar do que ouviu de Robert antes que ele a agredisse.
- Não confio totalmente nele, mas Tate parece ser bem mais calmo que Curtis e não me tratou mal ou faltou com o respeito comigo até agora.
- E por que tem essa impressão de... Proteção? – indaguei vendo-a ainda com a mesma expressão e ela suspirou.
- Não sei... Ontem, quando você veio, ele estava dentro da casa e não fez nada por Robert, para ajudá-lo a te enfrentar ou para separar a briga. E, quando entramos, ele não deixou que Robert fosse comigo até o quarto de . Mesmo sob protestos, apenas Leen pôde entrar para ver como eu estava.
- Robert saiu com Curtis?
- Parece que sim. Acho que estamos apenas os três.
- Então foi Tate que deixou você sair e se encontrar comigo? – indaguei e ela olhou por cima do ombro para o outro lado da rua rapidamente antes de assentir.
- Garanti que não iria embora e ele concordou em esperar por um tempo.
E ficamos em silêncio mais uma vez, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Era estranho tentar entender toda essa situação. Robert machuca , então lhe traz sua médica neurologista e uma espécie de segurança para cuidarem dela? Mas que porra esse doente está querendo afinal?
suspirou mais uma vez antes de pegar a rosa caída ao nosso lado sobre o banco e ameaçou sair de meu colo, mas eu a segurei, impedindo-a, e a puxei para mais perto com facilidade.
Não queria me separar dela agora.
Abracei-a mais uma vez enquanto ela deitava a cabeça em meu peito.
- Robert está fazendo com que eu perca o controle das coisas aos poucos mais uma vez. Sei como ele age... Mascarando suas intenções com outras ações – ela disse em um tom baixo, encarando a rosa entre seus dedos, e eu encostei meu rosto no topo de sua cabeça. – Ele adiou o casamento para uma data que eu não faço ideia de qual seja e já avisou a todos os convidados, que não eram poucos. E hoje de manhã pediu o meu afastamento do cargo que tenho na empresa. Não a demissão, apenas o afastamento por tempo indeterminado. Por certo deve ter pagado por algo ou... Sei lá! Para ele, dinheiro resolve tudo.
- O que acha que ele está fazendo?
- Não sei e não vou esperar para descobrir. Vai doer, mas eu só vou sair daqui quando estiver forte e pronta para enfrentá-lo – ela disse e levantou o rosto para me olhar. – Quando fizer isso, ele vai ver que não sou propriedade dele, que não pode me prender.
- Como assim "vai doer"? – indaguei com o cenho franzido, mas três batidas no vidro ao nosso lado nos chamou atenção.
Era o homem engravatado, "segurança" de , Tate.
Ele não se curvou para tentar nos ver através do vidro escuro ou acenar algo, apenas se afastou dos passos da porta e cruzou os braços.
- Ele quer que eu entre.
- Não podemos simplesmente chamar a polícia? – perguntei vendo-a se afastar novamente enquanto sentia a leve angústia começar a me atingir, então segurei uma de suas mãos, a que ainda envolvia a rosa.
Não queria me separar dela de novo.
- Estamos os três, ainda mais ele, visivelmente machucados. Os vizinhos nos viram brigar e bater nele ontem, e hoje vieram perguntar se ele estava bem, foi... Inacreditável – ela riu sem humor, piscando algumas vezes para afastar as lágrimas que ameaçavam marejar seus olhos. – Ele pode e sabe muito bem como inverter a situação quando quer. Pode se irritar conosco e fazer algo, então vamos esperar, sim? Só me dê alguns dias.
- , não me pede isso...
- Por favor? Você pode vir aqui, meu amor, assim como fez hoje de manhã. Eu te vi pela janela – disse, afagando meus cabelos com a mão livre e a colocando em minha nuca ao aproximar nossos rostos. – Se notar algo estranho, pode chamar quem quiser.
Não.
Aquilo não era o suficiente para mim. Ainda era frustrante. Era apenas mais uma batalha perdida, assim como foi ontem. Mas eu podia ver minha expressão abatida refletida em seu rosto. Estávamos unidos na mesma situação, dividíamos dos mesmos sentimentos, mas...
Balancei a cabeça em negação, ainda nem um pouco convencido, e ela acabou com a distância entre nós, encaixando perfeitamente seus lábios macios aos meus por longos segundos. Com os olhos fechados, avancei contra ela e apertei sua cintura entre meus dedos por baixo de todo o pano que ela vestia.
- Se soubesse o quão doloroso é me separar de você...
- Eu sei, ... Eu sei – disse entre os selinhos desesperados que dávamos, então a porta ao nosso lado se abriu.
, assim como eu, não se importou com a insignificante interrupção e me beijou mais uma vez, com vontade e a saudade antecipada antes de nos separar e colocar os braços em volta de meu pescoço. E me abraçou com força, pedindo para que eu confiasse que ela ficaria bem e que continuasse a cuidar de nossa filha durante esses dias tortuosos que se seguiriam.
Eu não queria. De forma alguma! Mas, com uma relutância evidente, tive que concordar e deixá-la enfim se soltar aos poucos de mim para se afastar apenas com a rosa vermelha em mãos.
Desci do carro e debrucei-me sobre o mesmo, assistindo-a atravessar sem pressa até o outro lado da rua e olhar várias vezes em minha direção enquanto era acompanhada por Tate e Colleen à entrada da casa. A cada troca de olhares antes da porta se fechar, eu sentia o já conhecido aperto incontrolável em meu peito.
A saudade e a preocupação se manifestando novamente.
E pelas manhãs seguintes, logo depois de deixar na escola, ali estava eu novamente. Simplesmente ficava parado naquele mesmo lugar, perto de meu carro estacionado do outro lado da rua, e mantinha o olhar fixo nas janelas brancas da casa amarelo-clara que, por todo o tempo que lentamente se arrastava, não me permitiam ver qualquer movimentação estranha até que a cortina da primeira janela à direita no segundo andar se abria.
se encostava ali, espalmando a mão livre contra o vidro, e eu acenava desanimadamente.
- Já é a quarta noite que ela passa lá e eu não estou aguentando mais.
- ... Sabe que já passou da meia-noite, certo? Quero dizer, você não tem que descansar pelo menos um pouco para sua entrevista com a sua banda amanhã?
- Eu não vou, tenho mais com o que me preocupar.
- E por isso não consegue dormir.
- Deve ser a quarta noite que não faço isso direito.
- Como ela estava hoje?
- Vendo de longe, parecia bem. Pelo menos fisicamente. Talvez esteja enfim se sentindo melhor depois da batida na cabeça, não sei... – suspirei e recostei-me no sofá, encarando o teto.
- Isso é bom...
- Mas não é o suficiente, . Ela não devia estar lá. Não consigo mais nem falar com ela.
- Sinto muito. É tudo mesmo uma droga.
Silêncio.
- Escute. Sei que ela te pediu alguns dias pra poeira baixar e que você está tentando respeitar a vontade dela, mesmo dadas as circunstâncias, mas acho que podemos nos aproveitar disso e denunciar Robert por cárcere privado disse depois de um tempo e eu logo acertei minha postura e puxei meu celular para perto, abrindo o navegador.
- Quanto tempo de pena?
- Na verdade eu não entendo bem dessas coisas e não sei como é aqui, mas lembro que no Brasil, apenas por privar a liberdade de alguém, devia ser... Sei lá, até uns três anos. Eu acho!
- Se pudermos comprovar que ele é um desiquilibrado e as agressões feitas contra ela... – eu disse, franzindo o cenho e desviando meu olhar para Snoop, que tinha começado a latir para a porta.
- Acho que a pena pode aumentar consideravelmente – completou. – Espero que aumente. Você é daqui, , devia saber como essas coisas funcionam!
- Você não tem ideia do quanto eu me arrependo por não saber.
- Conhece um advogado bom, certo? – ouvi indagar e me levantei do sofá, andando rapidamente até Snoop. Ele iria acordar se continuasse latindo e raspando a porta daquele jeito descontrolado. – Com certeza Robert vai tentar reverter as acusações sem poupar esforços. Ou dinheiro.
- Eu sei. Vou ver o que farei e qualquer coisa te aviso.
- Certo, se cuide.
Logo depois de desligar, coloquei o telefone sobre a mesinha que tinha ali perto e segurei Snoop pela coleira, repreendendo e distanciando-o da porta que se destrancou pelo lado de fora, fazendo-me franzir o cenho em estranheza mais uma vez.
De novo isso? Quantas pessoas tem a chave do meu apartamento, afinal?
- Ian?
- Olá, senhor !
Ele sorriu abertamente, de um jeito que se eu olhasse por muito tempo poderia até começar a me assustar. Então o encarei rapidamente com certo receio antes de descer meu olhar para as malas posicionadas no chão perto dele enquanto tentava manter Snoop perto de mim. O cachorro estava agitado e eu não conseguia entender por qual razão até que Ian deu um passo para o lado, enfim dando espaço para que ela entrasse em meu campo de visão e me deixasse completamente sem reação.
- Pode me ajudar? – sorriu timidamente para mim ao colocar uma mala toda desenhada e colorida aos seus pés.
- Ian... – repeti sem tirar os olhos dela, mas percebi que ele rapidamente entendeu meu tom.
- Claro, senhor. É bom vê-la de novo, senhorita . Tenham uma boa noite.
Ela o olhou brevemente, lhe lançando um leve sorriso em agradecimento, e Ian se distanciou de nós. Deve ter voltado para o elevador, não sei. Não vi. Só sei que soltei a coleira de Snoop e, ao mesmo tempo que ele, avancei em direção à ela, tomando seu rosto entre minhas mãos e não perdendo tempo em beijar os lábios que tanto me fizeram falta.
- Você está realmente aqui ou eu estou delirando? – perguntei, distribuindo por todo o seu rosto, arrancando-lhe risos um tanto cansados, e ela espalmou as mãos em meu peito.
- Estou aqui.
- Eu estava agora mesmo... Amor, o que... Como você...
Ri fraco e desacreditado, tentando formular ao menos uma pergunta coerente ao passar meus braços por seus ombros, mas ela me fez imediatamente desmanchar o sorriso e parar meu movimento quando se encolheu e apertou os dedos com força em minha camisa com uma expressão de dor tomando conta de seu rosto. Ela reprimiu um muxoxo e fechou os olhos.
- ?
- Você não vai gostar muito dessa parte.

Continua...