Marry Me?






Olho meu reflexo no espelho; cabelos levemente cacheados, olhos carregados de maquiagem, meus lábios marcados por batom vermelho de aparência fosca. O vestido que eu usava era todo coberto por bordados de pétalas de rosas, em minha cabeça, um véu branco com uma coroa de flores para fixar. O meu traje era longo e de mangas por causa do tempo frio que fazia na cidade. Em meus pés tinha um salto baixo prateado, com duas pequenas borboletas do lado de cada sapato.
Apesar de a aparência ser uma das mais belas que eu já tive, não me sentia igualmente bem por dentro. Meu estômago embrulhava de minuto em minuto enquanto eu arrancava a pele de meus lábios internos, eu estava extremamente feliz por aquele dia (apesar de estar tensa), era meu dia e eu deveria estar assim. Naquele momento, algo que me reconfortava era revisar minhas falas e andar de um lado para o outro enquanto esperava o enjoo passar.
Eu já estava ali no mínimo umas duas horas, caminhando de um lado para o outro, aguardando o rodar dos ponteiros. Começo a pensar, minha mãe me disse uma vez que quando estamos prestes a tomar a maior decisão de nossas vidas, vemos o nosso passado voltar à tona (como dizem que acontece quando morremos), e esse era o exato momento para me deixar levar para outra órbita.

Vancouver, Canadá - 13 de Março de 2018.

A cabana ficava um pouco afastada, mas eu não me importei em caminhar por mais alguns metros. O tempo estava fechado e eu sentia o vento jogando lufadas de ar em meu rosto enquanto o meu cabelo voava. Pensei em começar a correr, pois não havia mais de cinco metros de distância de minha hospedagem, mas a chuva foi mais rápida e ligeira, caindo como se estivesse livre e bem, como dizem:
Se estiver na chuva, é para se molhar.
Dou um sorriso e abro os braços, rodando com minha roupa encharcada e pesada. Isso é uma maravilha!
Conseguia ouvir o batuque da chuva contra o mar da praia de areia fofa, que ficara atrás de mim, enquanto as latarias dos barcos estralavam em ritmos diferentes a cada segundo.
- Ei! Sua louca! - uma voz grossa gritava e, como eu não reconhecera, deixei para lá e continuei a rodar. - Você vai pegar um... - a voz retornou a gritar, mas eu não ouvi até o fim por causa do barulho alto.
- O que? Eu não consigo te ouvir! - grito para o além, enquanto tento manter minha visão em foco.
- Eu disse que você vai pegar um...! - a sua fala é cortada por um raio que cai em uma montanha ao norte. Solto um grito agudo e minhas pernas correm em direção à cabana. Quando piso na casa, escorrego pelo chão liso. Logo um riso extrovertido me faz fechar a cara.
- Está rindo de quê? - digo para o desconhecido. - Você poderia ao menos ajudar ao invés de ficar ai, com cara de bunda, moscando! - disse enquanto tentava levantar desajeitada.
- Eu não fiquei na chuva, não caí. - ele diz dando de ombros. - Muito menos vim passar o final de semana na praia quando a previsão dizia que iria chover durante esses dias.
- Ótimo, obrigada. Elevou minha autoestima para os céus! - digo. Ainda na tentativa de não escorregar, continuo: - Quem confia na previsão? Eles disseram que faria sol no dia do meu aniversário e quem disse que eles acertaram? Festa cancelada.
- Nossa, que traumatizante! - exclama ainda rindo. Depois estende a mão, mas eu me faço de difícil. - Sério?
Venço meu ego e agarro sua mão. Tecnicamente eu já deveria estar de pé, mas o garoto escorregou e caiu de costas no chão, levando-me junto.
- Oh meu Deus! Você está bem? - pergunto quando ele solta um gemido de dor.
Mas então ele começou a rir, me deixando confusa.
- Você deveria ver a sua cara! - pronuncia. Eu ergo uma de minhas sobrancelhas, fazendo um olhar desafiador. - Aliás, eu me chamo . E você, garota da chuva?
- Não me chame de garota da chuva! Meu nome é .

Vancouver, Canadá-17 de Setembro de 2023.

Sou traga de volta à órbita pelas batidas na porta.
- Entre - digo com a voz um pouco falha.
O local é coberto por risos infantis, vejo a pequena entrar correndo pelo quarto com suas pernas curtas, atrás dela está com um sorriso no rosto.
- Tia !- exclama abraçando as minhas pernas.
- , sua fofa. Tudo bem? - aperto suas bochechas e ela faz careta.
- Tia , você está linda! E branca, até demais.
- ! Isso não é coisa que se diga! - repreende .
- Qual o problema em dizer que ela está bonita? Estou sendo indesejável, mamãe? - pergunta um pouco tensa.
- Que nada, . A sua mãe que é um pouco cafona. Você também está linda! - disse e ela deu pequenas rodadas fazendo uma reverência no final. Rimos.
-Olha para você! Está maravilhosa! - minha irmã diz. - Nível de princesa, hein?
- Ah, não é para tanto.
- Mas é claro que é! Esse é seu dia, é para ser um dia de princesa. - ela diz. - Pense no tapete que te leva para o altar, com as pessoas te olhando e as pétalas de rosas, ele te esperando. E então, na sua festa, a música perfeita e os passos de dança - agarra minhas mãos, fazendo com que eu me erga. Ela também dá as mãos para e então nós estamos dançando ao som de seus cantos.
- Uou! - exclamo. - Estou tonta.
- Não! - solta um grito. - Não vomite em mim ou no vestido! - então ela se esconde atrás da mãe. - Vomite nela, se quiser.
- ! - protesta, segurando os braços de e erguendo-a, fazendo cócegas em sua barriga. - Vem, vamos deixar a noiva se recompor. Você tem dez minutos, princesa!
- Até, tia ! - acena e as duas saem.
Ver minha irmã e minha sobrinha se dando bem me faz lembrar como foi difícil fazer com que tirasse a ideia de aborto da cabeça, achando que nossa mãe não gostaria de saber de sua filha grávida. Mas, quando ela finalmente aceitou, foi uma maravilha.

Vancouver, Canadá- 28 de Setembro de 2017.

Entrei pela porta com pressa, parando no balcão desesperada por informações.
- Oi, boa noite. Você poderia me informar sobre a paciente ?
- A senhora tem algum parentesco com a personagem?
- Sim, sim! Ela é minha irmã. – digo, já roendo as unhas.
- Ah, certo. Ela acabou de sair de uma bateria de exames, quarto 301. Por favor, antes de entrar, fale com o médico responsável pelo caso dela - ela finaliza, entregando-me um papel com informações.
- Obrigada - digo já indo em direção ao elevador. Aperto o botão que indica o segundo andar.
Quando as portas se abrem, passo os olhos pelos números dos quartos até encontrar o de minha irmã. Avisto um médico conversando com um enfermeiro e ando apressadamente.
- Olá, desculpa a interrupção. – O médico assente e pede para que eu continue. – Será que o senhor poderia me dar alguma informação sobre a paciente do quarto 301?
- Ah, claro. A jovem . Ela está bem, quer dizer, elas estão bem. – Sinto um grande alívio em meu peito quando ele me mostra uma pasta com os exames feitos por . Ele ainda continua com: - Os remédios que ela tomou foram rejeitados pelo organismo, já que a matéria não era conhecida. Sendo assim, ela acabou por não digerir, mas as poucas partículas foram capazes de realizar um forte mal estar - vou acenando com a cabeça a cada palavra dita por ele. Logo depois dele finalizar sua fala, pergunto.
- Será que eu poderia entrar?
- Ela está adormecida, mas se quiser entrar, pode entrar.
- Certo, obrigada. – Coloco a mão na maçaneta do cômodo. – Com licença - digo para o médico, entrando no quarto.
Sinto meu coração apertar quando vejo minha irmã. Ela parecia um anjo dormindo. Aproximei-me de sua cama, parando ao seu lado e segurando sua mão. Respiro fundo e começo a falar:
- Olá, pequena. Como é que você está? – aperto um pouco sua mão, pensando se devo ou não conversar sobre ela sobre aquele assunto. – Eu espero que sim. Bom, irmã, parece que a minha sobrinhazinha é bem guerreira, resistiu a uma situação dessas? Quem diria, hein?
Encaro minha irmã, está grávida de dois meses, mas ela não quer aceitar isso, segundo ela, nossa mãe já falecida não gostaria de saber de sua filha mais nova grávida aos dezesseis anos. Esse assunto causa uma grande discussão entre nós. Ela diz que não queria a criança, mas ao mesmo tempo a amava e eu sabia disso.
- Eu estava pensando em um nome exótico, como Ananka ou Savanna, o que acha?
- Eu - levo um susto ao ouvir sua voz - irei tacar uma savana na sua cara, isso sim.
Rimos.
- Oi. – ela diz com um pequeno sorriso de lado.
- Oi? Oi nada! Você me deu o maior susto!
- Eu sinto muito, eu não queria. – sorrio quando ouço essa fala sair de seus lábios. – O que foi?
- Você ouviu o que disse? Você disse que não queria!
- Sim, eu disse. Mas...
- Sabe o que isso significa? – ela nega. – A pequena Meredith virá ao mundo! Você está a aceitando!
- É, parece que sim. E o nome dela não é Meredith, é !
- Viu, já está dando até o nome!
- É eu percebi que nós ainda temos uma história para viver juntas. Eu senti que ela – coloca a mão sobre o ventre -, ela quer isso.
Meus olhos enchem de água, estendo meus braços para abraçá-la.

Vancouver, Canadá - 17 de Setembro de 2023.

Abro a porta do armário banheiro, pego um pequeno pote de pastilhas para hálito. Olho-me no espelho mais uma vez e aproveito para retocar o batom vermelho. Saio do banheiro, abro a porta do quarto e respiro profundamente. Quando meus pés estão na escada, respiro mais uma vez. Quando estou no fim da escada, digo:
- Vamos?
Meu pai olha para mim com cara de orgulho e choro, minha irmã segura nos braços, ao seu lado está Jack, um cara que realmente vale a pena e a faz feliz; todos sorriem. Papai vem até mim e segura meu braço, murmurando o quão linda estou e nós saímos da casa. Do lado de fora vejo a limousine branca estacionada, nunca pensei que chegaria a ver uma daquelas em minha vida.
Logo estamos seguindo caminho até a igreja. Meu coração acelerava a cada metro que percorríamos. Eu podia imaginar ele no altar, podia ver o sorriso em seus lábios, podia ver a minha maquiagem se desmanchar em felicidade.
A cidade parecia ainda mais bonita, mas meu estomago ainda dava voltas. Senti meu coração saltar de felicidade quando avistei a igreja e bambeei quando coloquei meus pés nas escadas.
Ouvi a marcha inicial tocar e as portas abrirem, dentes a mostra e brilho nos olhos. Um pé na frente do outro e minha cabeça em um único foco. Mãos soadas e pétalas de rosa pelo tapete vermelho. Parada ao lado do altar e vendo meu pai entregar-me para ele. O discurso do padre, no qual eu só entendo a seguinte frase:
- Você, , aceita amar e respeitar essa pessoa na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza até que a morte os separe?

Vancouver, Canadá- 9 de Novembro de 2020.

havia me convidado para jantar fora e eu de bom grado aceitei. Ele havia me levado ao meu restaurante favorito de comida japonesa. Ia tanto ali que já conhecíamos o dono.
Acabei de comer os sushis de meu prato. Já havia terminado um pouco mais rápido do que eu. Uma mulher simpática veio retirar nossos pratos.
- Desejam mais alguma coisa? – ela perguntou.
- Traga meu violão.
A mulher sorriu e saiu me deixando mais confusa ainda. Encarei na tentativa de que ele percebesse que eu gostaria de respostas, mas ele apenas sorriu e começou a brincar com o cardápio. A mesma mulher voltou rapidamente entregando o violão a ele que logo começou a tocar algumas notas para ver se estava afinado.
- , o que está acontecendo?
- Hm, eu gostaria de cantar para você – ele disse com as bochechas vermelhas.
Amava quando ele cantava para mim, sua voz era muito bonita. Coloquei as mãos no queixo de uma forma apaixonada e ele se levantou ficando de pé ao lado da mesa e então começou a cantar. A música era muito bonita e eu nunca havia ouvido, provavelmente ele devia ter composto ela.
Quando ele terminou algumas pessoas em volta aplaudiram e ele voltou a ficar vermelho.
- Linda música, amor.
Ele sorriu.
- Eu sou péssimo com palavras. E um completo babaca, porque esqueci o anel e ele é muito importante – então ele se ajoelhou ao meu lado. – , você aceita se casar comigo?

Vancouver, Canadá – 17 de Setembro de 2023.

- Eu aceito.



Nota da autora: (30.12.2015) Sem nota.




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