Um reencontro depois de anos, e uma aposta que tem tudo para dar errado. Você não esperava que, depois de quase quinze anos, o garoto que tornou o seu ensino médio um inferno fosse reaparecer justamente no museu em que você trabalha. E você definitivamente também não esperava tudo que aconteceria depois disso.
O som de meus saltos finos arranhando o piso de mármore é quase que inteiramente engolido pelo volume elevado de cochichos que ecoam pelo corredor do museu. É sempre assim quando guio os visitantes até a obra The Starry Night de Vincent Van Gogh. Primeiro, um silêncio penetrante que só é vencido pelas minhas explicações sobre a obra, e então, assim que começamos a seguir para a próxima sessão, uma enxurrada de comentários sobre a pintura me atropela. Vincent ficaria orgulhoso se estivesse vivo para escutar as centenas de conversas que suas obras provocam em todos os públicos possíveis.
De qualquer modo, hoje, por algum motivo, as pessoas parecem mais animadas do que o costume, o que me deixa confusa. Ainda são quatro da tarde e por mais acostumada que já esteja com meu trabalho como guia no Museu de Arte Moderna de Nova York, tudo que quero é me livrar dos malditos saltos e me afundar em minha cama. Paro diante de outra pintura e espero que todo o grupo esteja reunido para dar continuação a visita guiada, mas então percebo um grupo de adolescentes no fundo do salão, trocando sorrisinhos e risadinhas baixas, que ainda assim ecoam pela sala oval.
Ignoro a presença do pequeno grupo e começo a explicar sobre uma obra de Salvador Dalí, me satisfazendo ao notar que todos os olhares estão fixos na tela a minha frente, e que o pequeno grupo de turistas parece ouvir atentamente a minha explicação. Ver a reação das pessoas ao se depararem com obras de arte famosas sempre consegue animar meu humor e colocar um sorriso no meu rosto, mas o som das risadinhas no fundo do salão parece servir como um obstáculo para que isso possa acontecer hoje. No meio do grupo de adolescente, avisto um homem alto e completamente vestido de preto, com traços asiáticos e braços fortemente cruzados na altura do peito. De costas, um homem também alto, mas bem menos musculoso, conversa com as garotas, vez ou outra passando as mãos pelos fios castanhos de seu cabelo bem cortado. Nas costas de sua jaqueta jeans clara, a imagem de um felino negro me encara como se estivesse debochando da minha angustia sem motivo. Eu mesma me sinto incapaz de compreender o porque de estar tão agitada e incomodada, no meio de uma quinta feira comum que não se difere em nada de todos os meus últimos dias.
Suspiro derrotada e irritada comigo mesma, tentando ignorar o pequeno grupo e voltando a dar atenção para as pessoas próximas de mim. Assim que vejo que todos já tiveram tempo suficiente para admirarem a obra de Dalí, começo a guiá-los até a próxima pintura, uma das minhas preferidas, e pela primeira vez no dia consigo me sentir verdadeiramente animada. Vejo que o grupo barulhento resolveu nos seguir, mas me obrigo a ignorá-lo e tento prestar atenção única e exclusivamente na tela gigantesca ao meu lado.
— Essa é uma das minhas obras preferidas de Claude Monet! — Digo animada, vendo alguns turistas italianos sorrirem e partilharem da minha empolgação — Water Lilies, na verdade, não se trata de apenas uma obra, mas sim de um conjunto de aproximadamente 250 telas pintadas a óleo que foram feitas por Monet ao longo de seus últimos trinta anos de vida.
Faço uma pequena pausa para que as pessoas possam analisar a pintura com mais tempo, e percebo que o grupo de adolescente se desfez, de modo que o salão volta a ser preenchido novamente apenas pelo som ritmado de minha voz. Sorrio para mim mesma, e torno a explicar sobre a pintura.
— É interessante notar que antes de dar início a essa série de pinturas, Monet precisou dar vida ao cenário que serviria de inspiração para todas essas telas. Por volta de 1883, Monet comprou uma casa na região de Giverny e se dedicou a cultivar seu próprio jardim e… — Antes que possa concluir, uma voz grave e levemente rouca ecoa pelo salão, me interrompendo e chamando a atenção de todos.
— Ele fez mais de 250 telas sobre o mesmo jardim? — Tento encontrar a voz no meio do pequeno grupo de turistas, e é só quando percorro o salão com o olhar que percebo que o grupo parece ter crescido. Logo ao lado do casal de franceses, o asiático alto, e que continua com os braços cruzados, me encara sem paciência. Ao seu lado, o moreno de jaqueta jeans também mantém seus olhos sobre mim, com uma expressão mil vezes mais suave, mas ainda assim divertida.
E é nessa fração de segundos, que dura apenas o suficiente para que nossos olhares se encontrem, que tenho certeza que meu péssimo humor, sem motivo aparente, era na verdade um sinal enviado pelos céus para que eu me preparasse para o pior. E o pior, que permanece me fitando com o canto dos lábios repuxados em um sorrisinho, tem um nome e sobrenome, que brilham em letras em neon no fundo da minha retina. Kim Taehyung.
Sinto que em algum momento minha boca se abriu sem permissão e a fecho depressa, tentando me recompor. Toda a água de meu corpo parece ter sido drenada e sinto meus lábios secos, e sem pensar traço o contorno deles com a ponta da língua, vendo Taehyung imitar o gesto, e só então percebendo o quão ridiculamente atrativo ele pode ser. Ele tinha mesmo que crescer e ficar ainda mais bonito? Parece que mesmo depois de anos, Kim Taehyung não se cansava de me derrotar.
— Como eu disse, o cenário serviu de inspiração para centenas de suas telas, que são bastante diferentes. Cada uma possui suas nuances e detalhes, o que torna cada tela única, apesar de todas retratarem variedades de plantas aquáticas — Respondo, me amaldiçoando por ser capaz de ouvir o tremor por trás de cada palavra que escapa de minha boca. Eu tive mais de uma década para me preparar pra esse momento, e é claro que agora que ele chegou, eu fracassei miseravelmente.
— Ouvi dizer que as telas mudavam de acordo com as estações do ano, e com o clima — Ele diz, escondendo as mãos nos bolsos de sua calça e inclinando o pescoço para o lado, parecendo esperar por minha resposta. Algo em seu olhar parece me desafiar, como se ele estivesse tentando ter certeza de que fui capaz de reconhecê-lo. Como se fosse possível não reconhecer o garoto que transformou meu ensino médio em um verdadeiro pesadelo.
— As pinturas também eram feitas em diferentes horários do dia, o que acaba contribuindo para as diferenças presentes entre elas — Digo, respirando fundo e finalmente sendo capaz de romper com o contato visual. Minha vontade de me livrar de seus saltos e correr para minha cama parece ter sido multiplicada por mil, e luto contra a vontade de encerrar minha explicação ali mesmo, e dar por completa a visita. Mas não posso fazer isso. Não posso deixar que ele tenha esse efeito sobre mim outra vez.
Você é uma mulher madura e responsável. Repito como se fosse um mantra, e estampo o melhor sorriso em meu rosto, voltando a dar atenção para a tela ao meu lado. Ok. Posso ser madura e responsável, mas manter contato visual com Taehyung parece ser capaz de enfraquecer todas minhas convicções.
— Dentre essas várias obras, Monet pintou uma série de doze telas do mesmo tamanho que esta. A intenção do artista era fazer com que aqueles que pudessem observar essas telas de perto, se sentissem completamente englobados pela paisagem. Agora vamos fazer um pequeno intervalo para que vocês possam observar essa e as demais obras dessa sessão. Nos encontramos novamente em quinze minutos — Termino de falar e antes que eu tenha tempo de me sentir culpada por estar antecipando o intervalo e mudando o programa, viro e começo a caminhar depressão na direção dos banheiros.
Agora, o som de meus saltos batendo contra o piso de mármore, enquanto tento fugir, é o único som que sou capaz de ouvir. Até que outro som acelerado de passos se junta aos meus. E até que ambos sons cessam assim que alguém agarra meu braço, me fazendo parar bruscamente. Antes mesmo de olhar para trás já sei a quem pertence aquele toque, e Deus, eu realmente preciso estar passando por isso?! Encho meus pulmões de ar e crio coragem para me virar.
— Eu ainda tinha algumas perguntas pra fazer — Kim Taehyung diz, com a voz mais sincera e inocente que me lembro de já ter escutado. Seus dedos longos e quentes continuam envolvendo meu braço, me mantendo próxima de seu corpo. Ele só se afasta quando percebe que meu olhar permanece sobre sua mão — Desculpa.
— Você devia esperar pelos quinze minutos, assim como os outros — Digo, preparada para voltar a correr na direção dos banheiros, mas ele parece ser capaz de ler meus pensamentos e descobrir meus planos, já que se aproxima ainda mais de mim, como se estivesse tentando me encurralar.
— Você realmente não lembra de mim? — Ele pergunta, coçando a nuca e sustentando meu olhar com o seu.
— Se suas perguntas não tem nada a ver com Monet, então é melhor…
— . — O som de meu nome escapando de sua boca me interrompe, e é como se eu fosse uma adolescente de novo, o que não é uma sensação agradável nem mesmo de longe.
— O que você tá fazendo em Nova York? Você não devia estar do outro lado do mundo? — Vejo ele suspirar aliviado, voltando a curvar o canto de seus lábios em um sorriso contido e reencontrando sua confiança.
— Então você lembra de mim.
— Isso não responde minha pergunta, Kim Taehyung.
— Viagem de negócios… Eu meio que virei um cantor. — Ele diz, parecendo tímido e encolhendo os ombros. Por algum motivo, esse Kim Taehyung não se parece com aquele que conheci há quase quinze anos atrás.
— Eu sei — Digo e sinto vontade de me esganar mentalmente logo em seguida. Ele definitivamente não precisa saber que eu sei. Não é como se eu tivesse tentado descobrir como sua vida andava nos últimos anos, ou como se eu acompanhasse sua carreira de vez em quando. O sorriso em seu rosto cresce ainda mais, e sinto meu coração sendo esmagado em meu peito.
Um silêncio estranho e desconfortável cresce entre nós, e ele parece alternar seus atos entre deslizar os dedos por seus fios de cabelo, e morder o lábio inferior. E tanto uma como outra coisa parecem muito mais do que posso aguentar.
— Preciso ir at…
— Janta comigo — Ele me interrompe novamente, e suas palavras me pegam de surpresa. O quê? Jantar com ele? Sem querer, acabo deixando uma risada escapar, porque é claro que é pra isso ser uma piada, então é claro que eu deveria mesmo rir. Mas Taehyung continua sério, me encarando com uma intensidade maior do que a necessária para uma conversa tão banal como a nossa.
— Você não tá falando sério, né?
— Eu quero jantar com você — Ele repete, tombando o rosto levemente para o lado e me fitando atentamente. A inocência de seus traços não se combina em nada com seu olhar misterioso.
— Taehyung… — Digo e travo, mas ele permanece em silêncio, esperando por uma resposta — Por que eu aceitaria jantar com a pessoa que infernizou minha vida durante todo o ensino médio? — Cruzo os braços e pressiono os lábios em uma linha reta, desafiando-o a encontrar uma boa resposta para minha pergunta, e me sentindo satisfeita ao saber que essa resposta simplesmente não existe.
— Porque talvez eu esteja com saudades de fazer isso? — Ele responde em tom de pergunta, e seu timbre de voz rouco só me deixa com ainda mais vontade de gritar com ele, e reclamar de todas as coisas sobre as quais eu devia ter reclamado anos atrás.
— Bom, infelizmente eu não estou com saudades de ter minha vida infernizada por você, então acho que esse jantar não vai acontecer — Finjo uma decepção inexistente e tento, pela milésima vez, me afastar, mas sua mão volta a me impedir, desta vez se fechando em torno de meu pulso. Nem mesmo meu olhar pesado o faz recuar dessa vez.
— O que preciso fazer pra você mudar de ideia? — Ele insiste, e vejo algumas pessoas em torno de nós observando a cena com curiosidade.
— Sei lá, talvez voltar no tempo e mudar a nossa relação inteira?! — Exclamo, tentando me livrar de seu toque mas sentindo seus dedos se fecharem com ainda mais força em torno do meu pulso. Ele fica em silêncio por alguns segundos, e então um brilho intenso surge em seu olhar, e seu rosto parece se iluminar.
— Tudo bem, eu tive uma ideia — Diz ele, falando pausadamente — Se eu conseguir colocar uma obra de arte em exposição aqui, você aceita sair comigo? — Do que ele está falando? É evidente que ele não vai conseguir expor obra de arte nenhuma no museu, e ainda que ele consiga, isso obviamente levaria anos e mais anos. Qual o sentido disso? Continuo em silêncio, o encarando sem compreender qual seu plano, e ele parece perceber que não faço ideia de como ele conseguiria tornar isso possível — É uma aposta, você só precisa concordar comigo. Se eu conseguir, você janta comigo. Se não, eu vou embora e você pode fingir que a última vez que me viu foi realmente durante o ensino médio.
Quero preservar meu orgulho ferido e dizer que não. Que não adianta, porque nada que ele faça vai ser capaz de me convencer a me aproximar dele. Mas minha curiosidade parecer estar começando a corroer todas minhas entranhas, e tenho certeza de que se eu recusar vou ser incapaz de dormir decentemente pelo resto da minha vida, pensando no que Taehyung tinha em mente ao fazer uma proposta dessa. As chances de eu acabar perdendo são mínimas, certo? Então, se eu concordasse, eu podia descobrir seu plano e, ainda assim, acabar saindo vitoriosa.
Ok. Tudo bem.
Eu posso fazer isso.
— Certo — Me dou por vencida, e ele leva alguns segundos para digerir minha resposta. Seus dedos finalmente se afastam de meu pulso, e o sorriso aberto que ele dá parece ser capaz de iluminar cada mísero centímetro de seu rosto perfeitamente simétrico, de dar inveja aos modelos de Leonardo Da Vinci.
— Ótimo — Ele responde, ainda sorrindo e fazendo com que meu coração se perca nas suas próprias batidas — Você vai estar aqui amanhã?
— É meu dia de folga… Eu não trabalho às sextas — Ele leva o indicador e o polegar até o queixo, assumindo uma postura pensativa.
— Tudo bem… De qualquer jeito, vamos nos encontrar aqui às cinco da tarde — Não é uma pergunta, e me sinto incapaz de ir contra seu tom de voz firme e autoritário.
— Taehyung… — Digo, me calando assim que o vejo dar outro passo para frente, acabando de vez com a pouca distância segura que nos mantinha afastados. Seu perfume amadeirado parece ser capaz de invadir cada poro do meu corpo, e por um segundo parece que estou prestes a ficar embriagada por causa de sua presença.
Por que mesmo depois de anos ele continua tendo esse efeito ridículo sobre em mim?
Todos meus devaneios são cortados assim que vejo ele puxar a caneta escondida no bolso de minha camisa social, com um sorriso enviesado no canto da boca, e então segurar minha mão. Antes que eu tenha tempo de processar o que está acontecendo, a tinta azulada está manchando minha palma, e seu polegar está deslizando levemente pela parte interna de meu pulso, me provocando uma série de calafrios. Ele termina de escrever e observa seu trabalho por um segundo, só então fechando a caneta e, cuidadosamente, voltando a colocá-la no bolso de minha camisa.
— Durma bem essa noite — Ele diz, em um tom de voz mais baixo que o anterior. Ele realmente diz ou será que imagino? Existe algum significado oculto por trás dessa frase? Meu cérebro parece prestes a explodir e antes que eu possa lembrar de perguntar o que ele quer dizer com isso, Taehyung se afasta de mim, caminhando depressa em direção a saída do museu, onde o homem de preto parece esperar por ele.
E então eles desaparecem.
Percebo que o grupo de turistas já está todo reunido novamente, me observando de longe com olhares repletos de questionamentos silenciosos, e suspiro envergonhada, sabendo que provavelmente estou atrasada para continuar com a visita. Antes de caminhar depressa na direção do pequeno grupo, percebo que minha mão continua erguida no ar, e me lembro do motivo. Assim que aproximo a palma do rosto, vejo a grafia inclinada de Taehyung inteiramente rabiscada na palma de minha mão direita. O pequeno bilhete, mesmo escrito em uma tinta clara e que pode ser facilmente removida, parece ter sido gravado diretamente na minha alma. Ainda que eu quisesse, eu jamais seria capaz de me livrar aquilo.
“Encontro com o Tae amanhã.
17 horas. Museu.”
Pela terceira vez no dia, tudo que quero é me desfazer de meus saltos e me esconder em minha cama.
Eu não estou tomando o banho mais demorado da minha vida por causa de Kim Taehyung. Assim como eu também não estou usando um sabonete líquido novo, que eu estava guardando há meses, por causa dele. E é claro que as inúmeras roupas jogadas em cima do meu colchão esperando para serem escolhidas também não tem nada a ver com a ideia de encontrá-lo mais tarde. É claro que não.
Assim que termino de lavar os cabelos, pela terceira vez seguida, finalmente me dou por vencida e resolvo encarar minha realidade: preciso me encontrar com Taehyung. Não, a verdade é que não preciso fazer nada, mas minha curiosidade é a grande responsável por eu estar, agora mesmo, testando trinta sapatos diferentes, na busca por um par que combine com o vestido básico preto. Queria dizer que consegui cumprir aquilo que ele havia dito no museu, mas não dormi bem. Na verdade, acho que não fui capaz de dormir nem mesmo por quatro horas seguidas. Toda angústia do ensino médio parecia ter sido desenterrada e estava recaindo sobre mim novamente. Cada vez que o sono parecia próximo o bastante, alguma memória que eu já julgava esquecida surgia sem permissão, me fazendo girar pelo colchão em um incômodo que não cessou durante toda a madrugada, e me acompanhou por toda manhã e tarde.
É isso. Meu grande plano era reunir toda coragem possível para gritar na cara de Taehyung tudo aquilo que ficou engasgado em minha garganta durante nosso período juntos no colégio. Na época, eu era quieta e covarde demais para mandá-lo parar com as inúmeras brincadeiras sem graça que infernizavam quase todos meus dias. Se eu tivesse que descrever os três anos de ensino médio em uma só palavra, essa palavra seria Taehyung. Assim que terminei os estudos e coloquei os pés fora da Coréia, jurei que jamais aguentaria tanta coisa, por tanto tempo, calada. Também jurei que se algum dia eu voltasse a reencontrá-lo, eu jogaria em sua cara tudo o que sentia na época, e que tudo que continuou a me perturbar por muito tempo.
O problema é que sempre achei que nosso reencontro fosse ser algo previsível e esperado. Quando fiquei sabendo que ele havia se tornado um cantor famoso, meu plano de reencontro parecia ter ido por água abaixo, então resolvi que talvez fosse melhor parar de idealizar esse pequeno momento de vitória. Nem nos meus sonhos mais insanos eu seria capaz de imaginar que ele iria aparecer no meu trabalho, em uma quinta-feira qualquer, me fazendo perguntas sobre Monet. Ainda parece difícil acreditar que isso realmente aconteceu, mas a sensação da caneta riscando a palma da minha mão é o suficiente para que eu tenha certeza absoluta de que o dia anterior realmente aconteceu. E o formigamento que sinto em meu pulso, ao lembrar de seu polegar deslizando por minha pele, só comprova isso.
No fundo do meu cérebro, em um cantinho esquecido, uma voz grita que essa é uma péssima ideia. É sexta-feira, e é meu dia de folga. Eu definitivamente não deveria estar indo para o museu. E, mais definitivamente ainda, eu não deveria estar indo para lá para encontrar com ele. O sorrisinho enviesado que ele sempre trazia no rosto gritava problemas, e o jeito desleixado que ele desliza os dedos pelos fios castanhos de cabelo reforça que nosso reencontro tem tudo para dar errado.
Kim Taehyung infernizava minha vida.
E eu, por algum motivo, me sentia ridiculamente atraída por ele.
É claro que só fui capaz de admitir isso anos mais tarde, quando me peguei sentindo saudade de todas suas provocações baratas e repetitivas.
E também é claro que tentei fingir que eu estava errada.
E falhei.
Ele me jogava bolinhas de papel durante as aulas, e eu queria matá-lo.
Mas também queria jogar a bolinha em sua cara de novo e beijá-lo logo depois.
Ele resolvia colar post-its nas minhas coisas, com os bilhetes mais idiotas possíveis, e eu queria fazer ele engolir cada papelzinho amarelo daqueles.
Mas eu também queria beijá-lo.
Ele fazia todos prestarem atenção em mim, quando eu só queria ser invisível.
E eu o odiava por isso, mas queria beijá-lo.
Ele fazia questão de se sentar atrás de mim, para passar a manhã inteira enroscando meus cabelos em suas canetas.
E eu queria enfiar meus dedos nos seus fios e fazer o mesmo.
E queria beijá-lo.
Ele ficava por perto.
E eu queria beijá-lo.
Ele respirava.
E. Eu. Queria. Beijá-lo.
Suspiro derrotada, parando diante do museu. Parece que levei cerca de dez vezes mais tempo do que o necessário para percorrer o trajeto curto que separa meu apartamento do meu local de trabalho. E a lembrança de que eu gostaria de beijá-lo me acompanhou a cada passo, se tornando cada vez mais alta e barulhenta dentro de minha cabeça.
Eu não queria beijá-lo. Não agora.
Eu quis, algum dia, muito tempo atrás.
A única coisa que quero é fazer com que ele peça desculpas pelos três anos de ensino médio, e então poderei viver em paz, fingindo que nosso reencontro não durou mais do que três minutos. É isso. Tenho certeza de que vou ganhar nossa aposta, e de que não vou precisar me preocupar com sentimentos passados. Eu era uma adolescente idiota e carente, e agora sou uma mulher madura e crescida.
E carente.
Não, não, não. Tudo bem, talvez essa não seja uma boa ideia. Talvez seja mais seguro voltar para casa e gritar para o espelho tudo que gostaria de gritar na cara de Taehyung. O espelho certamente não é uma ameça, enquanto que, só a memória de Taehyung, parece capaz de me deixar fraca.
“Sim, vá embora, fuja enquanto há tempo!” A vozinha no fundo de minha mente implora. Meu coração parece prestes a quebrar minhas costelas, e sinto a palma de minhas mãos se tornarem suadas. Eu não estou pronta pra isso, eu não estou pronta e…
— Você não vai entrar? — Uma voz, que surge atrás de mim e parece próxima demais, interrompe minha linha de pensamento. Meus joelhos fraquejam sem permissão e preciso reunir toda minha força para me manter firme e de pé.
“Você devia ter sido mais rápida.” A voz joga na minha cara, e preciso empurrá-la para longe para olhar para trás e encontrar um Taehyung sorridente e bem vestido. Agradeço mentalmente por saber que não precisarei ir jantar com ele, porque seja lá onde ele estivesse planejando me levar, meu vestido simples certamente não seria bem recebido.
— Achei que a gente fosse se encontrar só aqui fora mesmo — Minto. Não faço a menor ideia do que achei, e na verdade eu estava prestes a sair correndo antes de ser interrompida por sua presença.
Ele sorri, ajeitando o lenço estampado que envolve seu pescoço, como se fosse uma gargantilha. Os tons bege e marrons combinam perfeitamente com o terno escuro e a camisa também estampada, com uma gola em V. Involuntariamente me pego passando as mãos por meu vestido curto e preto, esperando que um milagre aconteça e que ele se transforme em uma peça um pouco mais sofisticada.
— Pro meu plano dar certo, nós vamos precisar entrar — Ele afirma, com a voz calma e arrastada, e então me oferece seu braço, esperando que eu aceite para que possamos seguir para dentro do museu. Só então percebo uma sacola branca da Gucci em sua outra mão. Ele parou para fazer comprar antes de me encontrar? Continuo imóvel, indecisa entre prosseguir com essa ideia terrível, ou inventar uma desculpa qualquer para cancelar todos nossos planos — Então? — Sua voz surge novamente, chamando minha atenção.
— Ok — É o que minha voz diz, mas todo o restante do meu corpo grita que não. Não está nada ok.
Taehyung sorri e, vendo que não vou aceitar seu braço, o abaixa e leva sua mão até a base de minhas costas, me guiando em direção à entrada do museu, que parece bastante movimentado para um fim de sexta-feira. Deixo que ele indique nossa direção até que paramos na frente de um dos banheiros, que fica próximo da sessão na qual está o quadro de Monet, onde nos encontramos ontem.
Sem dizer nada, ele estica a sacola em minha direção.
— Isso é pra mim? — Arrisco, mantendo minhas mãos caídas do lado do meu corpo. Ele concorda com um balançar suave de cabeça, e então agita a sacola em minha frente, esperando que eu a segure — Você realmente acha que vou aceitar o que quer que seja que você tenha comprado na gucci? — Dou ênfase ao nome da marca, mas meu tom de voz perplexo não parece ser capaz de acabar com sua pose segura.
— Não é um presente. — Ele responde, simplesmente.
— Então é o quê? — Pergunto, porque é óbvio que se trata de um presente, a não ser que no seu vocabulário haja outra palavra que envolva comprar coisas e dar para outra pessoa, sem chamar isso de presentear.
— É parte do meu plano… Se você não aceitar vestir isso, não vai funcionar.
É oficial. Daqui pra frente, nada do que acontecer é culpa minha. Não sou eu quem está no controle, e sim minha curiosidade insaciável, que não parece se satisfazer nunca. Daqui alguns anos, quem sabe, talvez eu resolva lidar com meu ato de covardia ao jogar toda responsabilidade de minhas ações sobre meu lado curioso, mas hoje eu não tenho tempo para isso.
— Não é um presente, e eu vou devolver depois — Afirmo, vendo-o assentir e esconder um sorriso quando finalmente tomo a sacola em minhas mãos, me dirigindo na direção do banheiro antes que eu mude de ideia.
Você pode fazer isso.
Deve ser só um acessório, não é?
Agradeço pelo espaço estar vazio e me sento no sofá que fica localizado logo na entrada do banheiro espaçoso, ao lado de um espelho que ocupa toda parede. Retiro uma caixa de dentro da sacola, e desfaço o laço negro que a mantém fechada. Hesito por alguns segundos antes de retirar a tampa, e sinto o ar ser roubado de meus pulmões assim que finalmente descubro o que a caixa esconde.
Meus dedos deslizam pelo tecido leve e de tom pastel e retiro o vestido de dentro da caixa com todo o cuidado possível. Assim que a peça finalmente se revela por inteiro, tenho certeza de que não posso aceitar, e muito menos vestir isso. O vestido longo, e inteiramente bordado com figuras de flores das minhas diversas cores, é a coisa mais linda e cara que eu provavelmente já tive a chance de ver e tocar. Não tenho dúvidas de que eu teria que trabalhar no museu durante três reencarnações para poder pagar por um vestido desses, e é por isso que é claro que não posso vesti-lo.
E se eu estragar alguma coisa? Acabar puxando algum fio? Estourando algum bordado? Mas ele parece ter um caimento tão perfeito… E assim que fico de pé, e o seguro diante de meu corpo, tenho certeza de que ele é exatamente do meu tamanho. Começo a travar uma batalha interna comigo mesma, tentando decidir o quão errado seria fazer a vontade de Taehyung… Que, nessa momento, diga-se de passagem, é também a minha vontade. É, sem sombra de dúvida, a minha vontade. Quando é que vou ter a chace de vestir algo tão maravilhoso assim de novo? Talvez eu possa apenas experimentar, me realizar durante alguns poucos minutos, e então o devolver para sua caixa e para seu dono. Isso pode dar certo.
Com cuidado exagerado, mas que ainda acho pouco, me livro do meu vestido e começo a vestir o novo, levando mais tempo do que o necessário. Com um pouco de trabalho, consigo fechar o zíper que se estende por toda minhas costas, e sorrio orgulhosa ao constatar que o vestido realmente parece se ajustar perfeitamente a cada curva de meu corpo. O tecido é tão leve, e caí tão perfeitamente sobre mim, que parece que não estou vestindo nada. Quando me olho no espelho, quase não consigo me reconhecer em meio a uma vastidão de bordados coloridos e que parecem brilhar cada vez que me movimento. O pensamento de que agora nossas roupas combinam, e de que parecemos um casal de verdade, cruza minha mente mas me apresso em afastá-lo.
Eu preciso mesmo devolver esse vestido.
Eu não poderia aceitar isso nem mesmo se eu e Taehyung fossemos o casal mais apaixonado do universo. Quanto dinheiro um vestido desses deveria valer? Certamente muito mais do que nosso status de relacionamento atual. Inexistente, é claro. Não havia relacionamento nenhum.
Eu deveria tirar o vestido e guardá-lo, e me contentar com meu pedaço de tecido preto e sem graça.
Eu deveria.
Mas por algum motivo minhas mãos estão dobrando meu vestido preto e o jogando para dentro da sacola, e sem permissão alguma meus pés estão me guiando para fora do banheiro. E estou culpando minha curiosidade. Quero saber o que acontece agora, então preciso estar com o vestido. É só por isso que vou aceitar continuar com ele. Tudo bem.
Assim que deixo o banheiro e volto até o lugar onde Taehyung deveria estar me esperando, percebo que ele está conversando com um de meus colegas de trabalho, o guia responsável pelas visitas às sextas-feiras. Quero me aproximar e descobrir o que está acontecendo, mas de repente o vestido parece pesar e a ideia de ser vista com ele, por todos que trabalham comigo, parece terrível e assustadora. Dou um passo em falso para trás, pensando, pela milésima vez, se devo desistir, mas então Taehyung se vira, e seu olhar se encontra com o meu.
Vejo seus lábios se partirem e um sopro de respiração escapar por eles, enquanto ele continua imóvel, ignorando o que quer que seja que meu colega esteja falando agora. Ainda sem esboçar reação alguma, vejo seu olhar se movimentar sobre o meu, descendo em direção a meu corpo, de maneira lenta e torturosa. Ele se demora sobre o vestido, e então refaz todo seu caminho, e volta a me fitar, com íris escuras e repletas de algo que sou incapaz de decifrar.
E quero beijá-lo de novo.
Quero beijá-lo uma, duas, infinitas vezes.
O pensamento me ocorre e sou incapaz de contê-lo, porque cada fibra do meu corpo grita, de maneira escandalosa, que preciso urgentemente beijá-lo.
Pela primeira vez no dia, fico com medo de estar complementante errada e acabar perdendo nossa aposta. Preciso me afastar de Taehyung o mais depressa o possível, e jantar com ele é algo que não pode acontecer. Para o bem da minha sanidade e dignidade, é algo que não pode acontecer nem hoje e nem nunca.
Taehyung finalmente desvia o olhar e volta a dar atenção para o guia, terminando sua conversa e então voltando para perto de mim, parando a alguns metros para, aparentemente, me analisar uma segunda vez. Sinto meu rosto esquentar e tenho certeza que minhas bochechas estão corando, e peço mentalmente para que ele não seja capaz de perceber isso.
— Acho que eu estava errado — Ele diz, parecendo imerso em suas próprias palavras. Espero por uma explicação que não chega, e antes que possa reencontrar minha voz e perguntar o que ele quer dizer com isso, sua mão está envolvendo a minha e ele está nos guiando na direção do salão oval no qual a tela Water Lilies se encontra exposta.
Um grupo de visitantes que se encontra no local parece prestar atenção em nossa aproximação, e vejo uma dezena de olhares recaírem sobre meu vestido. Não, o vestido não é meu. Vejo uma dezena de olhares recaírem sobre o vestido que estou usando, e que definitivamente não pertence a mim. É óbvio que estamos bem vestidos demais para um passeio no museu, e o que quer que Taehyung tenha em mente, está começando a me deixar verdadeiramente preocupada.
— Eu acho melhor ir me trocar e irmos conversar lá fora — Falo baixinho, só então me dando conta de que ainda estou segurando sua mão. Tento afastá-la mas seus dedos apertam os meus com mais força, e ele se coloca em minha frente, o rosto a poucos centímetros do meu.
— Agora você vai ter que confiar em mim e na minha habilidade de tornar sua vida muito mais emocionante — Ele dá uma piscadela rápida.
— Mas não confio em você! — Protesto, com a voz ainda baixa mas completamente aguda e arranhada. Meu nervosismo começa a dar sinal de vida, e quero verdadeiramente sair do museu o mais rápido o possível — E você nunca tornou minha vida emocionante, Taehyung.
— Quinze anos se passaram, e você ainda não se cansou de mentir pra si mesma? — As palavras dele parecem atingir meu rosto em cheio, e abro a boca em sinal de surpresa, incapaz de formular uma resposta coerente.
Ele se aproveita de meu silêncio e dos efeitos que o choque provoca em meu corpo, e então me puxa para a frente da imensa tela de Monet, me fazendo parar bem no centro desta. Entre eu e a tela, o grupo de visitantes continua ouvindo a explicação do guia, o mesmo que antes conversava com Taehyung, e observando a pintura com atenção.
— Preciso que você fique parada aqui, tudo bem? Completamente parada e imóvel, sem dizer nada até que eu diga que você tem permissão para falar, entendeu? — A diversão desapareceu por completo de seu rosto, e sua seriedade é quase tangível. Ele usa novamente um tom autoritário, e parece esperar para que eu diga que entendi sua ordem.
— Taehyung, o que você tá fazendo? Isso não parece uma boa ideia — Questiono aflita.
— Me diga que entendeu o que eu disse — Ele ignora minha questão, e sem saber direito o que fazer, acabo concordando, assentindo com a cabeça. Meu desespero cresce em medidas desproporcionais assim que o vejo soltar minha mão e se afastar, aproximando-se de meu colega de trabalho, que sorri empolgado para ele.
Quero falar algo, perguntar o que está acontecendo, sair dali, mas tudo que faço é me manter imóvel. Meu corpo parece incapaz de descumprir as ordens dadas por Taehyung, e os segundos parecem demorar uma eternidade para passarem. Até que ele começa a falar.
— Boa tarde — Sua voz ecoa pelo salão, e sou incapaz de avistar o rosto dos visitantes para saber qual a reação deles — Parece que vocês que estão aqui hoje terão a sorte de presenciar um evento especial.
É isso. Por um segundo é como se estivesse novamente no ensino médio, e Taehyung estivesse se preparando para atormentar de minha vida de algum jeito novo.
— Sei que meu colega já compartilhou com todos vocês a história por trás dessa obra fantástica de Monet mas, especialmente hoje, há algo que também precisa ser observado e analisado com cuidado e admiração.
Taehyung diz com a voz firme e com uma concentração que se irradia por todo seu corpo. E eu continuo imóvel, porque nem mesmo que quisesse, eu seria capaz de me mover.
A temperatura na sala parece ter se elevado a níveis foras do comum, e cada centímetro de minha pele queima em antecipação. Meu nervosismo se torna maior que minha curiosidade, e me torno incapaz de despejar sobre ela toda a culpa por eu estar envolvida nessa cena toda. De repente, toda a responsabilidade recaí sobre meus ombros e sobre minha incapacidade de superar meus sentimentos por ele, mesmo depois de quinze anos.
— Gostaria de convidar vocês a me acompanharem, por favor — Ele pede educadamente, e então começa a direcionar o grupo para os fundos do salão, fazendo com que agora eu fique parada exatamente entre a tela e o grupo de visitantes. Continuo imóvel, de costas para o grupo e fitando a tela em minha frente, quando sinto uma mão deslizar por minhas costas, e uma respiração quente fazer cócegas na lateral de meu pescoço.
Sem dizer nada, Taehyung me faz girar e dar as costas para a pintura, sendo obrigada a encarar todos os olhares que estão fixos sobre mim. Desejo que um buraco se abra sobre meus pés e me engula por completo, mas nada parece ser capaz de me salvar dessa situação. Seu olhar busca pelo meu, e em um recado silencioso, sei que ele está me dizendo para continuar parada e em silêncio, até que ele me diga o contrário.
Isso definitivamente não está acontecendo, não é?
É só um sonho maluco e do qual vou acordar logo, tenho certeza.
— Tae… — O apelido escapa sem permissão, em um sopro baixo e quase inaudível, mas ele apenas me ignora, caminhando até o grupo de visitantes e se colocando ao lado deles, continuando de frente para mim.
Alguns olhares parecem confusos, mas outros parecem empolgados e realmente admirados. Taehyung permanece em silêncio, dando tempo para que os visitantes comecem a cochichar entre si, dando início a uma série de diálogos que sou incapaz de interpretar.
E isso definitivamente não pode estar acontecendo.
— Quando Monet pintou os doze painéis que tinham como cenário seu jardim de plantas aquáticas, ele tinha a intenção de fazer com que aqueles que observassem essas telas pudessem se sentir presentes no cenário — Taehyung começa a contar para os visitantes a mesma história que já estou cansada de repetir quase que diariamente. No entanto, em sua voz, a informação parece completamente nova e inédita — E hoje vocês estão tendo a chance de presenciar uma escultura saída diretamente de dentro da tela logo a frente de vocês! — Ele exclama, em um discurso tão envolvente que até mesmo os olhares mais céticos parecem suavizar e ver graça na situação.
E tenho certeza que estou rindo, pelo menos por dento. Por fora, meu rosto deve estar pálido e congelado, incapaz de esboçar alguma reação que deixe transparecer o quão sem palavras me encontro.
Ele não pode estar realmente fazendo isso.
— Se olharem com atenção, vão perceber os mesmos tons pastéis — Ele começa a falar, com a voz mais suave e tranquila, como se estivesse realmente explicando sobre alguma obra de arte — E como as cores se sobrepõem. Se olharem um pouco mais de perto — Ele então dá um passo adiante, ficando mais próximo de mim, mas todos os demais apenas se inclinam para frente, parecendo receosos de diminuirem a distância até mim — também vão notar que a mesma delicadeza das pinceladas de cada flor, também aparece nos traços da nossa escultura bastante viva, e de bochechas coradas.
Algumas risadinhas contidas reverberam pelo salão, e vejo o canto direito dos lábios de Taehyung se repuxar em um meio sorriso discreto.
E quero matá-lo.
E beijá-lo.
E me matar também.
— E se vocês se arriscarem a se aproximarem ainda mais — E então ele o faz, acabando quase que por completo com o espaço que mantém nossos corpos separados. Seu olhar continua preso ao meu o tempo inteiro, em um contato que parece íntimo demais — vão definitivamente perceber que é difícil dizer onde exatamente começa e termina a beleza de uma obra de arte e da outra — E então um grupo de garota suspira pesadamente, e tenho certeza que não posso aguentar mais do que isso.
Se isso continuar por mais um minuto, vou ficar conhecida como a garota que desmaiou na frente do quadro de Monet.
— Taehyung… — Digo e me sinto envergonhada ao perceber o quão embargada minha voz está. Tae me ignora e se vira para o grupo atrás de nós.
— Bom, vocês não precisam olhar muito de perto pra perceber que uma delas fala e a outra não — Ele diz, arrancando risos das pessoas a nossa volta.
Ameaço me mover, mas Taehyung se volta em minha direção novamente, deixando que seu olhar seja sustentado pelo meu. Não consigo entender como sua expressão pode se transformar tanto em apenas uma fração de segundos, mas, de algum jeito, todos os traços divertidos voltaram a ser substituídos por uma seriedade incomum e intensa.
E então, como se já não bastasse todos os olhares e toda exposição, ele resolve dar o golpe final.
O golpe mais baixo de todos, e sei que não tenho como reunir armas necessárias para lutar contra.
— E a outra diferença, é que apenas uma dessas obras de arte pode aceitar o meu convite para um jantar — Sua declaração é seguida de um silêncio intenso e inquebrável, que só é preenchido pelo som abafado de minha respiração desregulada. Seu olhar caramelado permanece fixo sobre o meu, e ainda que todo meu corpo me implore para romper com o contato visual, não consigo desviar meus olhos dos seus.
Uma força invisível e desconhecida, mas que parece magnética e perpassada por uma corrente elétrica, continua a me atrair para cada vez mais perto dele, por mais que todos meus instintos me digam que o mais seguro é permanecer afastada.
O silêncio cresce e cresce e cresce, até que se torna ensurdecedor, e sei que todos estão esperando por uma resposta, que precisa obrigatoriamente escapar por meus lábios secos e trêmulos.
Não. Não. Não.
Minha sanidade e dignidade gritam.
— Sim — O monossílabo escorrega de minha boca, e o silêncio ao meu redor é substituído pelo som agitado de palmas.
O sorriso vitorioso de Taehyung parece ser capaz de acabar com todas as injustiças do mundo, e de promover a paz mundial, e meu peito parece se aquecer por completo com essa imagem. Ele estende a mão para mim, e levo menos tempo do que gostaria para aceitar seu convite, e entrelaçar meus dedos aos seus, me permitindo desfrutar de seu toque quente e macio.
É errado o quanto tudo isso parece certo.
O som das palmas continua, e o salão é completamente dominado por um emaranhado de conversas alheias e atropeladas, que continuam mesmo quando Taehyung, se curvando para agradecer os visitantes, me arrasta para fora da sessão de Monet, nos guiando em direção a saída do museu.
Quero dizer algo, mas cada vez que abro a boca para formular alguma frase, minha voz parece desaparecer. Quando percebo, já estamos atravessando a rua e ele está abrindo a porta traseira de um carro para mim, me ajudando a deslizar para dentro. No banco da frente, o mesmo homem de ontem, que agora ocupa o lugar do motorista, sorri pelo retrovisor em um cumprimento curto, e então sinto Taehyung ocupar o assento ao meu lado, se arrastando para perto de mim, ainda com um sorriso presente no rosto.
— Espero que você tenha seguido meu conselho e dormido bem noite passada — Ele diz, com a voz tão serena e pura que sou incapaz de tentar encontrar algum significado oculto por trás de sua frase.
Pelo olhar em seu rosto, tenho certeza de que deveria ter realmente seguido seu conselho.
Algo me diz que nossa noite está apenas começando…
E que está longe de acabar.
Tortura. Acho que essa é a melhor palavra que posso usar para descrever os quase vinte minutos que levam para sair do museu e chegar até o restaurante que Taehyung escolheu. A cada nova curva que o carro faz, sinto o braço dele resvalar no meu, ou nossos joelhos se tocarem - isso porque, apesar do espaço no banco de trás, Taehyung permanece sentado exageradamente próximo de mim, acabando com qualquer possibilidade de espaço pessoal. Repasso mentalmente quais são as chances de saltar de um carro em movimento e sair viva, e chego a conclusão de que são poucas. Ainda assim, parecem mais garantidas do que passar a noite com Kim Taehyun e continuar com vida. Ugh. Não estou, nem mesmo de longe, preparada para isso. Mantenho minhas mãos sobre meu colo o percurso inteiro, e me reverso entre olhar para a paisagem que passa depressa pela janela ao meu lado, ou encarar o banco vazio em minha frente. E o simples som da respiração dele ao meu lado é o suficiente para que eu seja incapaz de pensar em outra coisa que não seja ele. Tortura.
Assim que o carro para e percebo que finalmente chegamos até o local, Taehyung se apressa em descer do carro para abrir a porta para mim, com um sorriso no rosto, e sinto que posso respirar pela primeira vez. A sensação, porém, se esvai no mesmo segundo em que percebo que eu não teria dinheiro nem mesmo para pagar um cappuccino de um restaurante como este. É claro que considerando nossas roupas, e a carreira promissora dele, eu não esperava que fossemos jantar em um carrinho de cachorros quentes… Mas eu também não esperava que ele me trouxesse para restaurante ridiculamente luxuoso. Deve existir uma explicação pra isso tudo, certo?
O fato de eu não ser capaz de dizer nada sobre isso, e nem sobre tudo que aconteceu no museu, começa a me irritar profundamente, e percebo que ele também parece preocupado com meu silêncio prolongado. Por algum motivo, parece que fui atingida por um estado vegetativo e que estou funcionando no piloto automático, e a sensação só desaparece assim que nos sentamos e percebo uma carta de vinhos sobre a mesa. É isso!
Preciso desesperadamente de uma quantia exagerada de álcool circulando pelo meu sistema para encontrar a coragem necessária e colocar pra fora mais de uma década de pensamentos e confissões guardadas. Agradeço mentalmente quando Taehyung, parecendo sentir a mesma necessidade, logo busca pela carta de vinhos e a observa com atenção e curiosidade. Enquanto ele faz isso, me ocupo em bisbilhotar o cardápio, e sinto minha ansiedade atacar ao perceber que nenhum dos pratos tem o valor indicado. É claro, as pessoas que procuram um lugar como este provavelmente não precisam se preocupar com dinheiro.
— Boa noite. — Um garçom simpático e sorridente nos cumprimenta. — Precisam de algum ajuda com o cardápio que irão escolher para a noite?
Olho para Tae, esperando que ele responda por nós, mas então ele me surpreende. De novo.
— Ela é a responsável por isso hoje. — Diz ele, dando uma piscadela confiante para mim, e então voltando a ficar em silêncio, jogando toda responsabilidade de nosso jantar sobre meus ombros.
E quero gritar que ele não pode fazer isso porque não lido bem com responsabilidades, e porque não faço a menor ideia do valor do preço dos pratos, e porque toda a situação é estranha e parece estar me causando uma série de problemas cardíacos. Tenho certeza que não vou sobreviver até o fim da noite, e quero implorar por piedade.
— Por quê? Você pode escolher, não? — Pergunto, com a voz mais engasgada e baixa do que o normal.
— Já escolhi o lugar, é justo você escolher a comida. — Desde quando Kim Taehyung, o garoto irritante do ensino médio, se importa com o que é justo ou não para mim? E essa é outra pergunta sem resposta que se junta para a lista infinita de perguntas sem resposta sobre ele. Para ser sincera, no momento só tenho certeza de uma coisa: Preciso de vinho. Preciso urgentemente de vinho.
Com esse pensamento em mente, volto a olhar para o cardápio e tento encontrar algo que tenha o nome pronunciável, e que eu saiba pelo menos do que se trata. Para minha sorte, são poucas as opções que se enquadram nesses dois requisitos.
— Ahn… Cordeiro grelhado com purê de ervilha e vinagrete de maça verde? — Leio no cardápio, olhando para Taehyung para descobrir se ele está de acordo com a escolha, e o vejo assentir para o garçom.
Suspiro aliviada, relaxando os ombros e espero que ele faça o pedido da bebida mas, ao invés disso, ele pede que o garçom se aproxime e os dois começam uma conversa que sou incapaz de escutar, e que dura poucos minutos. Assim que o homem se afasta, uma atmosfera densa parece se instaurar na mesa, e o silêncio se torna perturbador. Cada segundo que se passa arrastado parece me deixar mais perto da beira de um precipício, e parece que não tenho como fugir disso.
— Então… — Eu e Taehyung falamos ao mesmo tempo — Você primeiro — Ele diz, tamborilando as mãos sobre a mesa e parecendo inquieto. Penso em dizer para que ele fale primeiro, mas é melhor não arriscar.
— Você disse que veio para Nova York por causa de negócios… — Digo sem pensar, mas sinto uma onda de alívio e orgulho inundar meu corpo. É claro! Vamos falar sobre trabalho e evitar assuntos pessoais e afetivos até que metade do vinho já esteja dentro de mim, fazendo efeito.
— Vim gravar algumas entrevistas e estudar algumas negociações pra uma turnê por aqui — Ele responde, claramente empolgado com o rumo que sua vida levou.
— E deu tudo certo? — Ele apenas balança a cabeça, desviando o olhar para as mãos e deixando que o silêncio cresça de novo.
Quero tentar encontrar algo que seja capaz de explicar a forma como me sinto, mas nenhuma palavra parece boa o bastante. Tenho certeza que o ar condicionado está ligado, mas ainda assim parece que estou prestes a entrar em combustão. Embaixo da mesa, continuo batendo os pés contra o chão, e minhas mãos agarram o vestido, tentando compensar a vontade que sinto de me levantar e caminhar de um lado para o outro, até que isso, essa sensação estranha, finalmente passe. Minha boca permanece seca, e cada vez que Taehyung se move, passando as mãos pelos cabelos, ou umedecendo os lábios, tenho certeza que perco pelo menos cinco anos de vida.
— Eu acho que a gente precisa conversar sobre algumas c…
— Por que você resolveu visitar o museu? — Eu o interrompo, com um tom de voz alarmado que deixa claro meu desespero para evitar qualquer assunto que diga respeito a nós. Não posso fazer isso sóbria.
— Você quer saber se eu já sabia que você trabalhava lá e por isso apareci? — Ele questiona, parecendo relaxar por um segundo e dando um sorriso divertido. O jeito que seu rosto se ilumina quando ele sorri parece um fenômeno sobrenatural, e isso é um absurdo.
Talvez.
— Não… — Minto — Isso não passou pela minha cabeça, na verdade — E completo a mentira.
— Não… Eu não sabia que você trabalhava lá.
— Então foi só uma coincidência?
— É assim que você quer chamar? Talvez destino seja uma palavra melhor — E apesar do sorriso que repuxa o canto de seus lábios, e do tom de voz despreocupado, sei que ele está falando sério. Sei porque o jeito que ele mantém seus olhos fixos nos meus parece gritar que ele realmente acredita que nosso reencontro tenha sido obra do destino.
— Quem te ajudou a escolher o vestido? — Mudo de assunto. Falar sobre destino parece um terreno perigoso, e preciso evitar todos os perigos possíveis, e me manter segura. Ele ri, fechando os olhos por um segundo e tombando a cabeça para trás, e a cena é simplesmente adorável. De repente sinto vontade de contar todas as piadas que conheço apenas pra vê-lo rir outra vez, e me sinto ridícula por estar pensando isso. É oficial. Eu perdi todo o controle da situação.
— Por que você acha que alguém me ajudou a escolher o vestido?
Antes que eu possa responder, o garçom finalmente retorna trazendo uma entrada e nosso vinho, e minha vontade é cair de joelhos aos seus pé e agradecer. Finalmente! Assim que ele derrama o líquido avermelhado em minha taça, não penso duas vezes antes de tomar três goles seguidos, sentindo a bebida aquecer minha garganta. Taehyung, parecendo bem mais controlado, apenas agradece e deixa a taça intocada, ainda me encarando e esperando por minha resposta. Tomo outro gole de vinho antes de responder. Coragem líquida, abençoada coragem líquida.
— Porque acho pouco provável que você tenha o escolhido sozinho — Confesso, e ele parece ofendido por um momento, mas então esboça uma falsa expressão de decepção.
— Não acredito que você está duvidando das minhas habilidades de escolher vestidos que combinem com obras de arte. Você sabe como isso fere meus sentimentos? — Ele continua a falar como se estivesse ofendido, mas a sombra de um sorriso denuncia sua farsa, e quero perguntar quem é essa pessoa, e o que ela fez com o Kim Taehyung que eu conhecia anos atrás — Fui eu quem escolheu o vestido… — Diz, fazendo uma pausa curta para finalmente beber o vinho, e vejo que toda seriedade voltou para seu rosto — Eu queria te ver usando algo que lembrasse o quadro de Monet, já que você parecia gostar tanto dele — E então seus olhos se desviam dos meus por um momento, e ele parece estar olhando para a parte exposta do vestido — E parece que não me enganei.
O garçom se aproxima e completa minha taça de vinho. Bebo novamente.
— Essa era sua ideia fantástica? Me fazer usar um vestido parecido com um quadro, e me expor ao lado dele? — Pergunto, contornando a borda da taça com o dedo indicador e vejo Taehyung acompanhar o gesto com o olhar, mordiscando o lábio inferior. E quero fazer o mesmo. Na boca dele. Balanço a cabeça para afastar esse pensamento, e tento me manter focada na conversa, e não em como cada gesto de Tae parece conter uma mensagem oculta. Ou em como minha mente é absurdamente indecente.
— Minha ideia fantástica era fazer com que você jantasse comigo, e ela parece ter dado bastante certo — Infelizmente sou obrigada a concordar — Além disso, era uma aposta, e eu ganhei — Ele sorri confiante e satisfeito consigo mesmo.
— Não tenho certeza disso… Você disse que ia expor uma obra de arte.
— Não foi isso que fiz? — Ele pergunta, e preciso tomar outro gole de vinho, porque sinto meu rosto esquentar. O vinho só piora a situação, e acabo rindo de nervoso, desviando o olhar para a mesa. Não posso acreditar que Kim Taehyung está flertando descaradamente comigo, e que estou me sentindo envergonhada com a situação.
— Até onde eu sei, não sou nenhum quadro de Monet ou uma escultura de Da Vinci para ser considerada uma obra, Taehyung… — Espero que ele ria e que o clima se torne mais ameno, mas quando volto a fitá-lo, vejo que seu rosto permanece sério. O olhar em seu rosto pode ser tudo, menos ameno. Sinto minhas pernas fraquejarem e agradeço por estar sentada.
Ele alcança sua taça de vinho mas antes de terminar de levá-la até seus lábios, para, e volta a colocá-la sobre a mesa, buscando por meu olhar.
— Você sabe que é muito melhor do que isso, não sabe? — Sua voz mansa se parece com uma melodia, e sei que poderia escutá-lo para sempre — Você poderia me levar pra visitar mil museus e galerias de arte diferentes, e eu não me importaria de manter meus olhos só em você… — Cada palavra que escapa por sua boca parece invadir meu cérebro de forma fixa e permanente, e meu coração tropeça nas próprias batidas, me deixando sem ar.
Odeio admitir o quanto suas palavras me deixam abaladas, e o quanto quero e preciso, desesperadamente, acreditar nelas. Mas não posso… Porque nada disso faz sentido.
Apesar de tudo, sinto que minha existência depende única e exclusivamente de eu acabar com a distância que nos separa e beijá-lo. Mas meu lado racional me impede, e ainda estou sóbria demais pra isso, então opto por beber minha terceira taça de vinho, de uma só vez. Ele imita minha ação, como se também precisasse de uma dose de coragem líquida, e não posso julgá-lo.
Enquanto penso no que responder, nossa comida chega e, novamente, sinto vontade de agradecer ao garçom por me salvar da situação. E claro, por completar minha taça de novo e, sem que Taehyung precise pedir, nos trazer uma nova garrafa.
E então, sem que o assunto anterior prossiga, ele desconversa e resolve falar sobre a comida, e sobre meu trabalho no museu, e respondo perguntando sobre sua carreira. E assim a conversa flui tranquilamente, o que faz com que eu seja capaz de manter uma parcela significativa de calma, e consiga comer sem acabar me engasgando com meu próprio nervosismo…
— Por que é tão difícil acreditar no meu interesse por arte? — Ele pergunta entre um gole de vinho e uma risada, e percebo que seu rosto está levemente avermelhado por causa da bebida. Assim como também percebo que minhas palavras começam a sair enroladas, e que cada vez mais me apoio sobre a mesa, tentando ficar mais próxima dele. Ele faz o mesmo.
Eu deveria parar de beber. Mas o garçom continua enchendo minha taça, e dessa vez não tenho tanta certeza se devo agradecer ou não por isso.
— Você odiava as aulas de arte no colégio! — Respondo rindo, lembrando de como ele sempre fazia questão de reclamar das atividades, e passava a maior parte do tempo criticando meus desenhos — E é claro que você resolvia descontar todo seu ódio nos meus desenhos, e dizer como eles não faziam sentido e não eram bonitos.
A risada dele diminui e ele parece distante, como se estivesse se lembrando daquela época. A recordação faz com que outra enxurrada de lembranças surjam em minha mente, e de repente me lembro do real motivo de estar sentada na frente de Kim Taehyung, depois de quinze anos. Preciso fazer com que ele peça desculpas por me atormentar durante três anos seguidos, e vários outros anos depois, e então vou conseguir seguir em frente.
Não importa o quão interessante ele pareça agora, e nem como o som da sua risada faz com que uma porção de borboletas se agitem no meu estômago. Não importa que o modo como ele me olha me faz sentir coisas estranhas e que não consigo nem nomear, ou que cada vez que ele sorri meu coração se perde em seu próprio ritmo. O que importa é que não faz sentido Taehyung me encontrar tanto tempo depois, e agir como se tivesse algum interesse por mim, quando, durante três anos, ele deixou claro o quanto, definitivamente, não gostava de mim.
Eu era a errada da história por, em algum momento bizarro, me pegar atraída por ele. E era só isso que precisava ser resolvido, e nada mais.
— Era uma época boa — Ele finalmente fiz, nostálgico, e isso interrompe meus pensamentos.
— Não foi uma época boa… Foi uma época terrível — Respondo, e sei que é agora. Consigo sentir tudo que mantive escondido durante anos finalmente alcançando a superfície, prestes a encontrar uma forma de vazão, e devo isso aos efeitos do vinho — Eu não menti quando disse que não tinha motivos pra aceitar jantar com você — Minhas palavras parecem atingir ele de alguma maneira, e vejo que seus ombros se tornam tensos e ele arruma sua postura na cadeira, sentando-se de maneira rígida.
— É por isso que eu e você pr…
— Não, me escuta… Tudo bem, foi divertido conversar e fingir que éramos amigos, mas não éramos — Digo, buscando pela taça de vinho outra vez e percebendo o quão trêmulas minhas mãos estão. Uma neblina densa parece bagunçar meus pensamentos, mas continuo a falar, sem me preocupar em pensar antes… Já pensei por muito tempo, e agora só preciso colocar pra fora. Só isso — Você precisa saber que isso não faz o menor sentido, ok? Você não pode aparecer do nada e me convidar pra jantar, e também não pode me comprar um vestido caríssimo, fazer com que eu me sinta digna de ser observada e admirada, e fingir que tem motivos pra isso!
Meu tom de voz começa a aumentar gradualmente, e o choque no rosto de Taehyung cresce na mesma proporção. Suas bochechas, mesmo que coradas pelo vinho, parecem se tornar mais pálidas e ele começa a estralar os dedos de maneira quase compulsiva. Vejo-o abrir a boca para dizer algo, mas sou mais rápida e volto a vomitar uma porção de coisas desconexas, porque não quero ouvir nada. Não quero saber de nada. Só quero, de uma vez por todas, descarregar tudo que envolve Kim Taehyung de minha vida, e então seguir em frente.
— Você fazia o possível e o impossível pra dar um jeito de infernizar todos os meus dias, Taehyung! O tempo todo, em todas as aulas possíveis! Então você não pode dizer que no meio de um museu, você ficaria olhando apenas pra mim, porque eu não sou obrigada a ouvir esse tipo de mentira saindo da sua boca, você entendeu?! Você não pode fazer nada disso, porque você me odiava e… — E então, pela primeira vez na noite, é ele quem me interrompe, com a voz alta e rouca, embargada pela bebida.
— É claro que eu não te odiava! Não acredito que você acha isso — Ele se apressa em dizer, parecendo negativamente surpreso — Eu nunca disse que te odiava e…
— Você não precisava dizer, era só olhar pr…
— Eu só queria um jeito de ficar perto de você! Você era tão inteligente, e tão inacessível, e tão melhor que eu em tudo, e eu só não sabia como fazer você notar um cara qualquer como eu! — Ele rebate, me cortando. Suas palavras pairam no ar entre nós, e não sei o que dizer. Por um segundo acho que imaginei tudo, mas as palavras continuam ecoando dentro da minha cabeça, em uma repetição que não cessa.
Ele termina seu vinho, e então leva a mão até o lenço em seu pescoço, afrouxando o tecido e deixando um suspiro pesado escapar por sua boca. Isso é absurdo. Absurdo, e irreal, e não há vinho nenhum do mundo que me faça suportar isso. Taehyung me odiava, e eu o odiava, e era assim que as coisas funcionavam. Nada havia mudado. Não podia ter mudado.
Eu não podia admitir que por mais de quinze anos, tínhamos nos interpretado de maneira tão errônea.
Não podia admitir que, talvez, em meio a tantas provocações infantis, eu não fosse a única a me sentir estranhamente culpada por querer beijá-lo, quando eu só deveria querer distância.
Eu não posso admitir que todas minhas certezas e convicções sejam abaladas dessa forma, por alguém que já me abalou por tempo demais.
Então, em um ato puro de covardia incentivado pela coragem fornecida pela bebida, resolvo responder.
— Bom, mas eu te odiava… — E me odeio por ter bebido, e odeio minhas palavras engasgadas e atropeladas, e odeio ainda mais o olhar vazio que surge no rosto angelical de Taehyung. Assim que as palavras escapam, já estou arrependida delas, mas me mantenho calada, porque é melhor assim… E porque estou bêbada. E orgulhosa.
E porque, talvez, eu realmente o odeie. Por me fazer sentir tão pequena e frágil, incapaz de controlar meus próprios sentimentos.
— Tem certeza disso? — Ele questiona com uma calmaria invejável, mas percebo sua mandíbula travada e o nervoso disfarçado por trás de cada palavra. Tenho certeza que se abrir a boca novamente, só vou falar mais besteiras, então apenas concordo com a cabeça — Se você me odeia, então não devia estar sentada na minha frente, jantando comigo… — E então seu olhar me desafia, e sinto todos os efeitos do vinho fazerem efeito de uma só vez.
— Eu só estou aqui sentada na sua frente por causa de uma aposta! — Tento me defender e enganar a mim mesma. Não é porque senti saudades, nem porque esperei por esse reencontro por quinze anos… É porque perdi uma aposta.
O vinho que corre por minhas veias insiste em gritar que essa não é a verdade.
— Você sabe que essa desculpa é ridícula — E então Taehyung começa a se descontrolar novamente, passando as mãos pelos cabelos de forma que beira o desespero — Você podia ter simplesmente discordado, não é como se eu tivesse te obrigado!
Taehyung desliza para frente da cadeira e sinto nossos joelhos se tocarem embaixo da mesa, e um som engasgado escapa do fundo da minha garganta. Me afasto depressa, porque é ridículo o quão afetada fico com apenas um toque tão casual e sem significado algum. É ridículo o efeito que ele tem sobre mim, e como me sinto vulnerável, capaz de ceder a qualquer vontade e pedido seu.
— Eu sou uma pessoa de palavra — Resmungo e ele me olha torto, parecendo não acreditar nas palavras que escapam de minha boca — Estou aqui 100% contra minha vontade, porque concordei com a aposta, então a culpa é completamente sua! A culpa é sempre sua, Taehyung! — Exclamo novamente, e percebo que algumas mesas ao nosso redor pararam de conversar para observarem a cena dramática que é interpretada por nós dois. Estou bêbada demais para me importar em estar chamando atenção, e só espero que todos ao nosso redor realmente escutem o quanto Kim Taehyung dificulta minha existência inteira.
— Então por que você não vai embora de uma vez?! — Taehyung responde também com a voz elevada, e suas palavras parecem me atingir em cheio, chegando a me provocar uma dor que se espalha por todo meu peito. Ele me encara como se estivesse esperando para decifrar minha reação, e só quero que ele volte para a merda da Coreia e suma da minha vida! Por que ele entrou na porcaria do museu? Por que ele me encontrou, depois de tanto tempo? Que a coincidência ou o destino vão pro inferno, isso é injusto! Em menos de vinte e quatro horas, meu mundo inteiro parece estar de pernas pro ar.
Que se dane todo o resto de confissões que ainda imploram para serem finalmente reveladas! Sem pensar, me levando em um sobressalto e sinto o mundo ao meu redor girar, e tudo se parece com uma obra de arte surrealista. Por que bebi tanto assim!? Apoio minhas mãos na mesa buscando uma forma de apoio e vejo Taehyung se livrando de seu lenço e o jogando sobre a mesa, deixando seu pescoço ridiculamente bonito exposto. Ele joga a cabeça para trás por alguns segundos e solta todo o ar preso em seus pulmões pela boca, com os olhos fortemente cerrados, no que parece ser uma tentativa de se acalmar. Mas a cena inteira é tão ridiculamente obscena, que tudo que meu cérebro consegue reproduzir é que, apesar de tudo, ainda quero beijá-lo.
Não, isso é uma mentira.
Eu quero mais do que beijá-lo.
Quero que ele termine de acabar com o pouco de sanidade que ainda me resta, e é incrível o quão irritada esse pensamento me deixa. Não acredito que em meio a uma briga, tudo em que consigo pensar é em como quero que ele cale cada argumento meu com sua boca.
Precisa ser culpa do vinho, não é possível que eu esteja em um nível tão elevado de desespero e necessidade. Não é possível que cada celulazinha do meu corpo esteja realmente implorando por esse garoto, sentado em minha frente.
— O que você vai fazer? — Ele finalmente pergunta, voltando a me fitar, e percebo que continuo de pé, chamando a atenção de todos e parecendo uma louca.
E, de novo, que se dane essa porcaria toda. Alcanço minha taça de vinho e tomo o restante da bebida, porque tenho certeza de que vou precisar estar a beira de um coma alcoólico para conseguir chegar em casa e dormir imediatamente, sem repensar em cada mísero detalhe das últimas 24 horas, e acabar me odiando.
Preciso ir embora imediatamente, e o pensamento é logo seguido de minhas pernas se movendo e me levando para longe da mesa, sem dizer nada.
Olho para trás uma vez, e vejo que Taehyung continua sentado, com o rosto escondido atrás das mãos. Diminuo o ritmo de meus passos, e olho para trás novamente. E outra vez.
Por que ele não está vindo atrás de mim?!
Eu não acredito que ele vai mesmo me deixar ir embora assim! E essa possibilidade é inadmissível, o que só faz com que minha revolta cresça ainda mais, se transformando em um monstro que parece me dominar por completo. Sem pensar - o que já deixou de acontecer faz tempo, na verdade, por culpa unicamente do vinho - me viro e começo a voltar para perto da mesa, batendo os saltos contra o chão e me forçando a não desabar na frente de todos. Não posso cair e arruinar o vestido.
Assim que paro na frente da mesa, Taehyung ergue o olhar e parece confuso, completamente perdido.
— Você devia ir para o inferno, Kim Taehyung! — Digo por fim, as palavras escapando de uma só vez. É isso, fim. Antes que ele tenha tempo para responder a esse ato completamente irracional e aleatório, dou as costas para ele e tento seguir em direção a saída.
Mas por que não consigo me lembrar onde fica a maldição da saída? E por que ao invés de me ajudarem, essas porcarias de garçons apenas ficam me olhando torto? Ou será que sou eu que estou enxergando torto? Ugh. Kim Taehyung, Kim Taehyung, Kim Taehyung… Maldito seja Kim Taehyung e malditos sejam os quinze malditos anos de maldita espera!
Eu não preciso dele, não preciso. E posso beijar qualquer outra boca, e me satisfazer. Não precisa ser ele, não tem porque ser ele. Ele é só um cara qualquer, no meio de um monte de outros caras.
Eu estava bem antes dele aparecer, e vou continuar bem.
Continuo seguindo em uma linha que é pouco reta, por causa dos meus passos atrapalhados, e finalmente encontro uma porta. Obrigada, meu Deus! Assim que empurro o vidro e sinto a brisa gélida da noite acariciar meu rosto, percebo que essa definitivamente não é a saída principal. Um terreno extenso e repleto de carros se estende em minha frente, e percebo que fui parar no estacionamento.
Quero matar Taehyung. Por que estou tendo que passar por isso? E por que o gosto de vinho continua impregnado na minha boca? E por que estou desesperada para voltar para dentro e chorar até que Taehyung entenda que preciso - que preciso muito - que ele me beije.
Não, não, não. Não posso pensar nisso.
Respiro fundo uma vez e ignoro a sensação de calor que continua parecendo queimar todo meu corpo. Por que continua tanto calor?! Estamos em pleno outono, não era para estar tão quente assim!
Não acredito que Kim Taehyung não está vindo atrás de mim e me fazendo engolir todos os absurdos que disse. O garoto de quinze anos atrás jamais me deixaria ir embora depois de mandá-lo para o inferno.
Preciso me acalmar urgentemente. E encontrar a rua principal. E superar minha obsessão por Taehyung, mas sei que isso vai ter que ficar pra mais tarde.
Tento colocar meus pensamentos no lugar e, convencida de que sou capaz de fazer o que bem entender, e de que sou uma mulher forte, começo a caminhar pelo estacionamento, utilizando o muro cinzento e pouco iluminado como forma de apoio.
Três passos, e estou convencida de que não sou capaz de fazer nada. Eu sou uma verdadeira piada. Uma piada bêbada. O salto continua enroscando nos pedregulhos que cobrem o chão do terreno, e tenho certeza que a textura do muro está enroscando no vestido e acabando com o tecido.
Ah, o vestido! Droga… Não acredito que vou ser obrigada a ficar com um vestido gucci, que deve custar mais do que minha própria dignidade no momento. Não acredito que Taehyung está me obrigando a fazer esse sacrifício. E não acredito que estou triste por saber que a noite não vai terminar com ele arrancando essa porcaria de vestido do meu corpo.
Não, foco!
Suspiro derrotada, e começo a rezar mentalmente para que eu consiga encontrar a saída logo, porque o estacionamento parece cada vez mais escuro e deserto, e meu cérebro continua embrigado demais para me fazer perceber qualquer sinal de perigo ao meu redor.
Não acredito que me coloquei em uma situação como essa.
Não posso acreditar que, com quase trinta anos, eu me sinta como uma garotinha de quinze.
Continuo me arrastando pelo muro, murmurando uma porção de frases desconexas para mim mesma, apenas para preencher o silêncio que me engole por completo, e me deixa ainda mais nervosa.
E vai ficar tudo bem.
Não é como se algo de ruim pudesse acontecer. A noite já foi completamente arruinada, então nada mais pode acontecer, é claro.
Mas então sinto um par de mãos fortes me agarrando por trás, e me fazendo parar de andar bruscamente, sem chance alguma de escapatória. Em um piscar de olhos estou sendo empurrada de frente contra o muro, incapaz de ver o rosto do dono das mãos, e do corpo que agora parece inteiramente grudado contra o meu, me imobilizando por completo. Uma respiração quente e pesada faz cócegas em minha nuca, e uma onda de pânico se alastra por todo meu corpo. Preciso gritar por ajuda mas minha voz parece ter se perdido em algum canto esquecido, o que só me deixa ainda mais desesperada.
Mas então uma voz rouca e sussurrada surge como uma melodia no pé do meu ouvido, me provocando uma série de sensações diferentes, que dominam meu corpo de maneira involuntária e sem permissão. O calor que sinto parece se tornar ao menos dez vezes maior, deixando minha pele febril, e o efeito da bebida sobre meu corpo parece ainda mais intenso.
- Por que, mesmo depois de anos, você continua tentando me deixar louco? — Taehyung pergunta.
Assim que meu cérebro, perturbado pelo vinho, consegue reconhecer a voz de Taehyung, todo meu corpo relaxa e suspiro aliviada, agradecendo mentalmente pelas mãos em minha cintura não pertencerem a algum desconhecido. A sensação de segurança, para minha infelicidade, dura muito menos do que desejo, e logo percebo que aquilo que deveria me deixar calma, na verdade me deixa nervosa. É Taehyung. E a ideia de que estou verdadeiramente em perigo reaparece com força, fazendo com que cada músculo de meu corpo volte a ficar rígido.
A respiração quente e pesada dele continua fazendo cócegas na lateral de meu pescoço, e sua boca parece tão próxima de minha pele, que todos meus pelos estão miseravelmente arrepiados. Posso sentir cada parte de seu corpo pressionada contra o meu, de maneira controladora e possessiva. Tento me virar mas ele me força ainda mais contra a parede, me mantendo imobilizada e completamente sem saída. Me debato novamente e suas mãos se afastam de minha cintura para envolverem meus braços, quase que como em um abraço, mas de forma bem mais firme.
— Droga, Taehyung! — O nome dele sai arrastado, e Deus… Por que um nome qualquer parece tão delicioso sendo dito em voz alta? Isso é ridículo. — Me larga!
— Só se você prometer que não vai fugir de novo — Sua voz soa novamente ao pé de meu ouvido e me encolho contra seu corpo de maneira involuntária, como se estivesse sendo atacada. E estou. A verdade é que estou sendo completamente atacada, e não faço a menor ideia de como posso me defender desse mix de sentimentos e sensações que Taehyung está causando em meu corpo e em meus pensamentos.
— Eu não fugi… Você me mandou embora — Relembro, ouvindo-o suspirar derrotado antes de finalmente largar meus braços e dar um passo curto para trás, me dando algum espaço para me virar e ficar de frente para ele.
Seus cabelos, antes tão perfeitamente alinhados, agora não passam de uma bagunça desordenada. Os fios apontam em várias direções, e deixam sua testa a mostra, e mesmo na escuridão quase que total do estacionamento consigo enxergar o brilho em seu olhar. A pouca luz amarelada de um poste próximo de nós reflete em sua pele, tornado-a dourada, e tenho certeza de que ele é quem deveria estar sendo exposto em um museu. O modo como seus cílios longos envolvem seus olhos, e suas íris cor de âmbar. O contorno tão bem definido de seus lábios cheios e avermelhados, que eu tenho certeza de que são também os mais macios do mundo… Tudo nele parece simétrico e esculpido. Desde a linha reta de seu nariz, até a mandíbula quadrada e marcante.
Taehyung é uma obra de arte, e eu sou apenas uma guia que precisa, quase que desesperadamente, fazer um estudo completo sobre ele e explorar cada pedaço possível, até me tornar íntima de todos seus detalhes.
Maldito seja Kim Taehyung e todos seus contornos bem traçados, dignos de um pintor renascentista.
— Eu te mandei ir pro inferno… — Digo novamente, porque não sei como preencher o silêncio que se forma entre nós, e preciso destruir a tensão que parece uma corrente elétrica e que passa de seu corpo para o meu.
— Se você quer que eu vá pro inferno, eu vou — Ele fala tranquilamente, seu olhar queimando sobre o meu de modo intenso e magnético — Mas eu vou ter que te arrastar comigo — Tae completa, fazendo com que meu estômago se agite novamente.
O vinho deve ter deixado minhas borboletas embrigadas também, porque elas parecem voar em direções completamente indeterminadas, em uma bagunça tão grande quanto meus pensamentos.
— Você não consegue entender?! — Volto a gritar, porque preciso descarregar o nervoso que sinto de alguma forma — Eu não quero ouvir nada disso, você não pode falar essas coisas!
— Por que não?! — Ele parece tentar manter a calma, mas vejo suas mãos se fechando em punhos — O que mais você quer jogar na minha cara?
Era isso que eu queria, não era? Uma oportunidade de jogar em sua cara tudo que me incomodava, e que me atormentava quase que diariamente quando éramos mais novos. Quando pensava em nosso reencontro, essa era a cena idealizada, certo? Eu gritando em sua cara tudo aquilo que me fazia odiá-lo, e ele se obrigando a pedir perdão. E ele estava colaborado com meu plano e me dando essa chance, e havia tanto, mas tanto vinho circulando por minhas veias, e as palavras pareciam implorar para escaparem, e eu precisava tanto acreditar que o odiava.
Tanto.
— Eu odiava quase tudo no ensino médio por sua causa! — As palavras saem depressa, e depois delas, o resto vem sem dificuldades — Odiava as aulas de educação física, porque você sempre dava um jeito de ser o responsável por escolher os times, e sempre dava um jeito de me fazer ir parar na sua equipe, com o resto dos meninos, quando eu só queria ficar com os meus amigos! — Taehyung escuta tudo em silêncio, os lábios fortemente pressionados em uma linha fina e o cenho franzido — Odiava as aulas de matemática, porque você parecia preferir arremessar bolinhas de papel em minha mesa do que resolver a porcaria dos exercícios! Odiava os trabalhos em equipe, e o fato de você sempre se intrometer no meu grupo, e atrapalhar tudo! Odiava chegar em casa e descobrir que meu material inteiro estava coberto de post-its com comentários idiotas sobre coisas idiotas e que eu não conhecia! Odiava as manhãs, as tardes, os horários de almoço! Odiava ver você rindo dos meus desenhos nas aulas de arte, porque eles eram lindos! Meus bonecos de palitinho eram os mais retos e proporcionais daquela escola, e você ainda assim dizia que eles eram horríveis!
Faço uma pausa e puxo o ar para dentro de meus pulmões, só então percebendo como estou sem fôlego por causa das frases gritadas de forma desesperada. Vejo o canto dos lábios de Taehyung se repuxarem e formarem um sorriso contido, e quero arrancar o sorriso de seu rosto usando minhas unhas. Não é pra ser engraçado! É pra ser trágico, e cru, e doloroso.
— Por que você tá sorrindo? Não tem a menor graça! Era pra você estar ficando de joelhos e me pedindo perdão por todas aquelas provocações irritantes, Taehyung! — Vejo o sorriso de seu rosto desaparecer e, para minha surpresa, ele balança a cabeça em um sinal afirmativo e então se ajoelha em minha frente, ficando sob um joelho e mantendo seu rosto erguido, sustentando meu olhar.
Sinto meu coração dar uma série de mortais e cambalhotas dentro do peito, e meus olhos não conseguem acreditar no que estão vendo. Sem dizer nada, ele busca por minha mão direita e entrelaça seus dedos nos meus, e odeio a sensação de êxtase que sobe por meu braço e se espalha por meu corpo em um piscar de olhos. Seu toque quente e macio parece ser a chave secreta pra curar todos meus medos, e quero me jogar em seus braços e reclamar por ele ter demorado tanto tempo para reaparecer, mas tudo que faço é continuar imóvel, sentindo seu polegar traçar desenhos imaginários em minha mão, originando fagulhas que se espalham por todo meu corpo.
— Eu sinto muito por te fazer pensar que eu te odiava — As palavras escapam de sua boca, e tenho certeza de que estou vivendo em um universo paralelo criado pelo vinho — O que mais você odiava? Eu vou pedir desculpas por tudo…
Não sei o que falar.
As próximas palavras que saem de minha boca parecem decoradas, e carregadas com toda frustração que sinto.
— Por que tinha que ser logo eu? Por que você não podia ter escolhido outra pessoa pra infernizar durante três anos? Por que você apareceu naquele museu, e por que você continua me falando todas essas coisas que não combinam com você! — Digo irritada, porque meu estado mental embrigado não me deixa entender — Mas que droga, Taehyung! — Grito seu nome novamente e em questão de segundos ele está de pé e suas mãos estão enquadrando meu rosto enquanto sua testa se choca contra a minha, e tudo que posso sentir é o calor de sua respiração acariciando minha boca.
— Porque eu quero você! — Ele responde no mesmo tom alto de voz, e parece que cada palavra que escapa de sua garganta lhe causa dor — E se você precisa de um motivo pra continuar gritando meu nome, eu posso te dar um bem melhor!
— Isso é ridículo… — Digo com um fiapo de voz, que mal passa de um sussurro. Estou chocada demais com suas palavras e com sua proximidade, e essa é a única resposta que meu cérebro é capaz de produzir. Meu rosto parece estar em chamas, e o aroma amadeirado de seu perfume me deixa ainda mais embrigada. Seu nariz toca o meu e nosso lábios são separados por um sopro de respiração. Vejo Taehyung sorrir, mas não há nada de alegre no gesto, pelo contrário.
— Sim, é ridículo — Ele concorda, e chega a ser doloroso o quão próximo sua boca se encontra da minha e, ainda assim, o quão distante ela parece estar — É ridículo eu querer você desde o dia em que te encontrei perdida no corredor do colégio, sem saber qual era sua sala… É ridículo que depois dessa primeira vez em que te vi, eu te quis em todas as outras.
— Tae… — Meu Deus, do que ele tá falando?!
De repente tenho certeza de que não bebi vinho o suficiente para aguentar suas palavras e de que a qualquer segundo minhas pernas vão falhar e me deixarem cair.
— É ridículo porque eu não sabia o que fazer com isso, e só precisa de um jeito de ficar perto de você, e você achou que eu te odiava?! — E então suas mãos apertam ainda mais meu rosto, e seu corpo está completamente pressionado contra o meu, e preciso de ar. Preciso urgentemente de ar — Eu te quis durante aqueles três anos, e eu continuei te querendo mesmo quando você foi embora, sem aviso algum — Sua voz é baixa e embargada, suas palavras trêmulas, e seu hálito tem o cheiro doce do vinho, e o conjunto inteiro faz com que eu fique fraca — E, droga… Eu quero você agora, do mesmo jeito que te quis quinze anos atrás. Eu preciso de você. E eu, sinceramente, não sei se tenho forças pra esperar mais quinze anos.
Tenho certeza de que estou a beira de ter um colapso, e de que cada célula do meu corpo está se tornando inútil e perdendo suas funções. Em questão de minutos é como se eu não soubesse mais como respirar, formar pensamentos coerentes, ou mover meus músculos, porque que tudo que eu sei é que também quero ele. Que preciso dele.
— Olha pra mim. — Ele diz, e só então percebo que fechei os olhos em algum momento, incapaz de encarar toda sua proximidade, e seu olhar feroz — Eu preciso que você olhe pra mim.
Obedeço ao seu pedido, e consigo enxergar todo desejo que sinto refletido em suas íris escuras e repletas de luxúria.
— Taehyung, isso… — Começo a falar mas as palavras morrem na ponta de minha língua.
— Na verdade, não sei se consigo aguentar nem mais um segundo desse tormento que é não saber qual o gosto do seu beijo… De não poder traçar cada centímetro do seu corpo com as minhas mãos, e te fazer minha — Sua voz baixa volta a cortar o silêncio da noite, e cada palavra sua é sussurrada contra meus lábios, em um beijo incompleto e que se parece com uma tortura sem fim. Um som arranhado escapa por minha garganta, porque tenho certeza de que também não aguento. Na verdade, tenho certeza de que minha vida inteira depende disso, desse momento — Por favor.
Ele implora. E nessa fração de segundos, estou certa de que ele poderia me pedir para fazer uma réplica do jardim de Monet em solo lunar, e eu daria um jeito de fazer isso.
Não sei quem dá o primeiro passo, mas no instante seguinte não existe vazio nenhum entre nós, e pela primeira vez em muito tempo me sinto plena. Sua boca se move sobre a minha e posso sentir anos de desejos acumulados e reprimidos encontrando alívio, e tudo se resume a Taehyung. O ar que eu respiro tem seu cheiro, o gosto doce de vinho de sua boca está impregnado no meu paladar, e minha epiderme é completamente contaminada por seus toques bagunçados e desesperados. Suas mãos, indecisas, se revezam entre meu rosto e nuca, e deslizam por meus braços até minha cintura, e nada parece ser o suficiente.
É tudo demais, e de menos.
Sua língua toca o céu de minha boca e vejo uma chuva de meteoros explodir atrás da minha retina, e minhas unhas arranham sua nuca com mais força. Ele solta um gemido rouco e sôfrego contra minha boca e tenho certeza de que esse é o som mais harmônico que já escutei nos meus quase trinta anos de existência. Um rastro de fagulhas percorre minha coluna quando ele desliza os lábios por meu queixo, deixando uma trilha de beijos que segue até meu pescoço. Seus dentes mordiscam e arranham minha pele, e me agarro a Taehyung como se minha existência dependesse disso. E acho que depende.
Um resto de sanidade parece gritar que não tenho mais quinze anos para estar me agarrando com alguém em um local público, mas não tenho nem mesmo forças para dar ouvidos a esse resquício de razão. Uma das mãos de Taehyung escorrega até a parte inferior de minhas costas e ele me puxa contra seu corpo, de modo autoritário e dominador. Uma série de sons desconexos escapa de minha boca e Tae me cala, voltando a juntar nossas bocas com a mesma urgência de antes. Ele me beija como se estivesse tentando recuperar todos os anos perdidos, e eu correspondo certa de que nem mesmo os próximos quinze anos bastarão para isso.
Uma de suas pernas desliza entre as minhas, e odeio o vestido. Odeio esse maldito vestido caro e que o impede de chegar mais perto, e preciso me livrar dele nesse segundo. Preciso sentir o corpo dele contra o meu sem nada para atrapalhar, e preciso me afogar em cada pedaço de Taehyung até ter uma overdose completa dele. Uso a pouca força que tenho para partir o beijo e o empurrar para longe, e vejo uma sombra de confusão cruzar seu rosto.
Demoro pelo menos um minuto para recuperar o fôlego e fazer meus pulmões trabalharem da maneira correta, e é só então que consigo fazer com que algum som, que não seja um gemido, escape.
— Acho que você devia me falar pra casa — Falo e percebo que minhas palavras estão todas erradas e com um significado completamente equívoco, mas mal tenho tempo de tentar reformular. Em um piscar de olhos Taehyung está assentindo e agarrando minha mão, começando a me fazer caminhar depressa pelo terreno do estacionamento.
Vez ou outra ele para e me choco contra suas costas, e tenho certeza que dou risada porque a cena é completamente ridícula e me sinto uma adolescente apaixonada e bêbada. Cada vez que isso acontece, ele se vira e me beija novamente, até que a física nos obriga a respirar novamente e voltamos a caminhar de maneira desequilibrada e pouco reta. Percebo que finalmente chegamos até a saída principal, e Taehyung está me puxando em direção a rua, esperando até que o sinal fique verde para atravessarmos.
— Onde vamos? — Pergunto, olhando ao meu redor para tentar encontrar nosso carro ou motorista, mas não enxergo nada além do mundo borrado ao meu redor.
Ele não responde. Sua mão continua a me puxar e logo estamos entrando em um hotel que fica localizado exatamente em frente ao restaurante, e meu cérebro, embebido em vinho, demora para entender o que está acontecendo. Passamos pela recepção e Taehyung dá um leve aceno para o senhor que está atrás do balcão, e então tudo se torna bastante óbvio. Ele está hospedado aqui. E com esse pensamento, o pensamento de que ele escolheu um restaurante ridiculamente próximo também surge, e minha boca se abre em sinal de surpresa.
— Você é inacreditável — Digo sem fôlego assim que estamos entrando no elevador, e tenho certeza que não vou ter resposta alguma, já que Taehyung está avançando em minha direção novamente, até que um som de risadas altas surgem e o fazem parar em seu lugar.
Um grupo grande olha para dentro do elevador e parece pensar por alguns segundos se o cubículo vai dar conta de acomodar todos, e estou rezando mentalmente para que eles desistam. Eles precisam desistir porque Taehyung continua muito perto, e preciso voltar a beijá-lo agora mesmo. Mas então, para o meu desespero, o grupo resolve se juntar a nós e a próxima coisa que sinto é Tae cambaleando para o fundo do elevador e me puxando com ele, me fazendo parar na frente de seu corpo, de costas para ele.
Assim que as portas se fecham, o grupo em nossa frente volta a conversar e começo a amaldiçoar a demora com a qual o elevador se move, até que todos meus xingamentos somem por completo quando sinto as mãos firmes de Taehyung se fechando em torno de meu quadril e me puxando de encontro a seu corpo. Ele afasta uma das mãos e a leva até meus cabelos, jogando-os sobre um de meus ombros e afundando o rosto na curva exposta de meu pescoço. A ponta de seu nariz desliza por minha pele com uma lentidão exagerada, e preciso morder o lábio inferior com força para me impedir de fazer algum barulho.
— Você vai precisar pedir licença — Ele sussurra contra minha pele, e então seus dentes se afundam em meu pescoço e tenho certeza de que vai ser impossível esconder o roxo que isso vai deixar. E por algum motivo esse pensamento só consegue me deixar ainda mais excitada. Um som abafado escapa sem permissão por minha boca e o grupo em nossa frente fica em silêncio, abrindo caminho para nós.
Sinto o pânico me fazer congelar no lugar, até que o risinho baixo de Taehyung me faz entender suas palavras e o chupão… Eu tinha que chamar atenção e pedir licença para passarmos. Não consigo acreditar que ele consegue encontrar um jeito de se divertir em uma situação como essa, ugh!
— Você não perde mesmo a chance de ser irritante, não é? — Resmungo sob o fôlego enquanto ele luta contra a porta, finalmente conseguindo abri-la e me jogando para dentro do quarto escuro.
Um, dois, três segundos. E então o corpo dele está se chocando contra o meu novamente, e nossas bocas estão se movendo em um ritmo frenético. Seu toque, seu calor, o gosto da sua boca… Minhas mãos não conseguem se decidir entre deslizar por suas costas, ou por se manterem em sua nuca. Meus dedos se infiltram em seus fios de cabelo, agarrando-os com força, e ele suspira contra meus lábios. E preciso de mais, mais, mais.
Ele usa as próprias mãos para se livrar de seu terno, e logo a peça de roupa caí sobre nosso pés e é chutada para longe. Afasto minhas mãos de seus cabelos e tento desabotoar sua camisa, de maneira desajeitada, desesperada para sentir sua pele contra a minha. Sua boca escorrega para baixo e ele mordisca meu queixo, e de repente não sei mais como abrir uma camisa. Dane-se essa porcaria… Levo minhas mãos até seu quadril e ergo o tecido o suficiente para espalmar minhas mãos contra sua pele. Meu toque frio em sua pele febril o faz tremer contra meu corpo, e a corrente elétrica causada pelo som de seu gemido contra minha mandíbula faz com que eu perca todos meus sentidos.
Nossos corpos continuam buscando por uma solução para desafiarem as leis da física e ocuparem o mesmo espaço, e sinto as mãos de Taehyung brigando com o tecido de meu vestido, e ele solta um gemido frustrado contra meu pescoço. O vestido… O maldito vestido. Crio coragem para afastar ele pela segunda vez na noite, e ele me fita através da escuridão do quarto, que só é quebrada pela luz amarelada das luzes da cidade que penetram pela janela da varanda.
— A gente não pode estragar o vestido, Tae — Digo manhosa, culpando o vinho pelo tom infantil de minha voz. Vejo sua expressão preocupada se suavizar quase que instantaneamente, e ele solta um risinho baixo e arranhado — É sério, ele parece com o quadro de Monet… — Tento justificar, ainda com a voz baixa e repleta de manha. Odeio o vestido… Mas ele é tão bonito… Não posso estragá-lo.
Ele se aproxima novamente, e com a voz serene e firme responde.
— Precisamos ser cuidadosos então — E toda a urgência e pressa parecem ter desaparecido por completo, o que faz com que meu nervosismo se torne ainda mais evidente. De maneira calma, ele contorna meu corpo até parar atrás de mim, e sinto suas mãos alcançarem o zíper do vestido em minhas costas.
Ele puxa o zíper sem pressa alguma. Os nós de seus dedos tocando minha pele de modo superficial, mas que faz com que minhas entranhas pareçam estar sendo incendiadas. Assim que finalmente termina de abrir o zíper, ele volta a ficar em minha frente, e dessa vez suas mãos alcançam meus ombros. Seus dedos se enroscam no tecido do vestido e ele finalmente começa a afastar o tecido do meu corpo, e espero que ele finalmente deixe a peça deslizar até o chão.
Mas não é isso que ele faz. É claro que não.
Ele vai puxando o vestido para baixo e fazendo o mesmo com o próprio corpo, e se abaixando cada vez mais, sem desgrudar os olhos dos meus. O tecido só escapa de suas mãos quando ele já está ajoelhado em minha frente, e a tensão presente no quarto parece capaz de me esmagar. A respiração fica presa em meu peito e preciso dar um jeito de aliviar isso antes que eu enlouqueça.
— Isso… Não podemos estragar essa obra de arte — As palavras me fazem parecer uma idiota, mas vejo o canto de seus lábios se curvarem em um sorriso.
— Qual delas? — Ele pergunta, e sua mão se fecha na parte de trás de meu tornozelo. Seus dedos começam a deslizar por minha pele, traçando um caminho até a parte de trás de meus joelhos, e sinto meu corpo inteiro enfraquecer.
Meu Deus, desde quando Kim Taehyung consegue mexer tanto comigo?
Ele pressiona a parte de trás de meu joelho levemente, e o gesto me faz cambalear para frente, sendo obrigada a apoiar minhas mãos em seus ombros, acabando com a pouca distância que nós separa. Sinto a respiração quente dele acariciar minha coxa e vejo sua língua traçar o contorno de seus lábios, enquanto seus olhos se afastam dos meus para percorrer meu corpo. E então tenho certeza.
Vou chegar ao meu limite antes mesmo de conseguir me livra das roupas dele, e isso é ridículo. Eu sou uma bagunça ridícula e uma mistura de suspiros abafados e gemidos engasgados. E tudo isso se torna mil vezes pior quando sinto a boca dele depositar um beijo demorado na pele exposta de minha coxa, e cravo minhas unhas de modo involuntário contra seus ombros.
Seus beijos se alternam entre a parte interna e externa de minhas coxas, e ele parece não ser capaz de se decidir entre beijar, morder ou lamber minha pele, e tudo é demais, e de menos, e me sinto prestes a ter uma síncope e quero implorar para que ele acabe com essa tortura e me faça dele de uma vez, porque não sou capaz de aguentar nem mesmo mais um segundo.
Mas ele continua com seu ritmo calmo, e a imagem dele entre minhas pernas é absurda e boa demais para ser real. Eu poderia visitar todos os museus do mundo, e obra de arte nenhuma chegaria aos pés de ver a pele dourada de Taehyung e seu rosto angelical perdido no meu corpo.
— Você é linda — Suas palavras vibram contra minha pele, acariciando a parte interna de minha coxa. — Eu quero te beijar até você não ser capaz de lembrar de nada além da sensação da minha boca contra o seu corpo — Puta merda.
— Taehyung… — O nome dele sai mais arrastado do que o esperado, e ele começa a subir seus beijos, beijando meu ventre.
Quero agradecer por ele não me arruinar ali mesmo, mas também quero matá-lo.
— Eu quero ouvir todos seus gemidos, e te dar um motivo melhor pra você gritar meu nome — Vejo um sorriso lascivo ocupar seus lábios, e é isso, Kim Taehyung vai ser a minha morte. Seus beijos continuam subindo por minha barriga e ele continua falando, fazendo suas palavras beijarem minha pele febril. — Mas também quero segurar sua mão e te levar pra conhecer todos os museus do mundo.
Ele se cala e eu deveria agradecer, porque cada palavra sua parece me deixar cada vez mais perto de um precipício.
Mas preciso de mais.
— O que mais? — Pergunto, e ele sorri contra o tecido rendado de meu sutiã, finalmente voltando a ficar de pé. Seus lábios deslizam por meu colo e continuo segurando em seus ombros, buscando uma forma de apoio.
— Quero decorar cada centímetro do seu corpo com a minha língua… — Por favor, por favor, por favor. Taehyung começa a dar passos curtos para frente, me empurrando com ele. Seu rosto se afunda em meu pescoço e seus beijos voltam a se tornar urgentes pouco a pouco — Mas também quero te levar até Giverny e te ouvir me explicar sobre o jardim de Monet por horas.
Sinto a parte de trás de meus joelhos bater contra a beirada da cama e ele me encurrala, me fazendo deitar e engatinhando até ficar em cima de mim, enquanto sua boca continua a cobrir minha pele de beijos. O olhar em seu rosto é intenso e me sinto hipnotizada.
— Eu te quero de todos os jeitos — Ele diz por fim, e tenho certeza de que é assim que o paraíso deve ser.
Quente.
E idêntico a Kim Taehyung.
O gosto de vinho continua vivo demais em minha boca. A claridade irritante que invade o quarto machuca meus olhos semiabertos e tento, sem sucesso, me esconder embaixo dos lençóis brancos. Meu corpo inteiro parece dolorido, e tenho certeza de que devo ter sido atropelada noite passada, porque nada justificada o quão tenso meus músculos parecem estar. Me viro de um lado para o outro e, incapaz de voltar a dormir, finalmente me sento e resolvo encarar o dia.
Assim que abro os olhos, a paisagem que encontro ao meu redor me deixa confusa e, meu deus, que tipo de ressaca bizarra é essa? Olho para cama e esses lençóis definitivamente não são os meus. E a camisa que cobre meu corpo, com certeza, não pertence a mim. Fecho os olhos novamente e os pressiono com força, esperando que assim que voltar a abri-los as coisas voltem ao seu lugar. Nada acontece.
Olho para o espaço vazio da cama e a imagem de Taehyung cruza meus pensamentos, e a simples memória dele faz minha pele se arrepiar por completo. Passo as mãos por meu pescoço e a lembrança de sua boca contra minha pele me atinge, fazendo meu coração acelerar dentro do peito. Tento recuperar o restante de minhas memórias mas não consigo decidir o que parece ser real, e o que parece ser apenas parte de um sonho. Se for pra ser sincera, absolutamente nada parece real.
Mas o gosto de vinho continua presente, e estou vestindo a camisa dele.
E não preciso me esforçar muito para perceber que os lençóis tem seu cheiro, misturado ao cheiro de uma noite interminável.
Passos os olhos pelo restante do quarto tentando encontrá-lo, mas tudo que avisto é uma porção de post-its amarelados colados na parede ao meu lado. Uma onda de nostalgia me atinge, mas dessa vez a sensação me faz sorrir involuntariamente. Afasto o lençol de meu corpo e salto da cama, ignorando a tontura incômoda que me faz querer voltar a sentar. Os post-its estão organizados em linha reta, e parecem indicar um caminho, e cada pedacinho de papel contém uma grafia inclinada.
“Bom dia.”
“Será que você sabe como fica linda enquanto dorme?”
Não acredito que Kim Taehyung é na verdade um clichê ambulante, saído de um filme de romance de Nicholas Sparks. O pensamento me faz sorrir, e sou obrigada a ignorar todos os mal entendidos dos últimos anos.
“Acho que sou mesmo ridículo…”
Continuo me movendo pelo quarto e arrancando os post-its da parede, juntando-os em uma pequena pilha em minhas mãos.
“Você continha me fazendo falar essas coisas melosas…”
“Então a culpa é sua.”
“Mas acho que a culpa também é um pouco minha…”
“Porque acho que eu…”
E então o próximo recado me faz suspirar.
“Que estou apaixonado.”
E o próximo me faz querer soltar fogos de artifício.
“Que sempre estive.”
Percebo que o caminho de post-its parece terminar na varanda, e meus passos se tornam mais ansiosos e acelerados, e a antecipação começa a corroer meu interior. A cada novo post-it, sinto minhas lembranças se tornarem mais claras. O corpo de Taehyung contra o meu. Sua boca, e seu toque. Seu cheiro inebriante. Seu suor. Nossa sintonia.
“E só preciso saber se…”
“Existe uma chance de você sentir o mesmo.”
“Porque preciso de mais mil noites como a passada.”
“E porque realmente quero segurar sua mão…”
“E te levar até Giverny.”
Finalmente chego até o que parece ser o último post-it, colado na porta de vidro da varanda. Assim que coloco os olhos nele, a imagem que vejo através do vidro rouba toda minha atenção.
Uma mesa redonda, com dois lugares, está coberta por um café da manhã que parece ser mais reforçado do que todas minhas refeições diárias juntas. Não perco muito tempo observando a mesa, porque logo minha atenção é desviada para uma das cadeiras. Taehyung, vestindo apenas uma calça de moletom cinza, está sentado de maneira preguiçosa e tem os antebraços apoiados sobre a mesa. Alguns raios de sol batem contra sua pele, tornando-a iluminada e cor de ouro. Os cabelos bagunçados deixam transparecer a noite agitada, e mesmo de longe consigo avistar os vergões avermelhados que minhas unhas deixaram em sua pele.
Ele parece observar as próprias mãos, completamente alheio a minha presença, e não sei dizer a quanto tempo ele está sentado ali, me esperando. Não sei se fazem apenas alguns segundos, ou dez minutos, ou três horas… Ou talvez quinze anos. Sei que no segundo em que meu olhar encontra seu rosto, todos seus traços estão serenos e sua expressão enche meu peito de paz, acalentando todos meus desesperos. Ele parece distante e pensativo, mas o canto de seus lábios esboça um sorriso tranquilo, e isso é suficiente.
Entre vários Monet, Da Vinci, Dalí, Picasso e Van Gogh, tenho certeza de que sempre escolheria Kim Taehyung. Porque nada jamais seria capaz de chegar aos pés de sua beleza, e de todos seus efeitos sobre mim, e porque estou satisfeita com essa constatação.
E também porque no segundo em que ele ergue o rosto e seu olhar finalmente se encontra com o meu, percebo que tudo que preciso está bem ali. Uma réplica fiel e vívida do jardim de Monet floresce em um espaço escuro e esquecido de minha mente, e essa é a verdadeira obra de arte.
Arranco o último post-it da porta e começo a caminhar na direção dele.
“O que você me diz?”
Fim.
Nota da autora: Ai gente, essa fic é meu amorzinho, então espero que vocês tenham gostado dela e também sofrido bastante com o Taehyung amante de artes, coisa mais lindinha desse mundo...
Qualquer erro nessa atualização são apenas meus, portanto para avisos e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa linda fic vai atualizar, acompanhe aqui.
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