Capítulo 1 – Careless Whisper

There's no comfort in the truth, pain is all you'll find
(Não há conforto na verdade, dor é tudo que você vai encontrar)

Desde antes de entender-se por gente, sempre esteve envolvida com carros e corridas. Filha caçula de Dale Earnhardt, ou como era conhecido, The Intimidator, o automobilismo estava em suas veias. Após a morte do pai na tradicional Daytona 500, a paixão de por esse mundo ficou ainda mais forte, sendo aquela a ligação perpétua com seu querido pai. nunca abandonou o mundo do automobilismo e fez dele sua carreira, e da sua carreira, sua vida. Tornou-se engenheira mecânica premiada e sem usar o sobrenome do pai, para que ninguém a acusasse de estar sugando o nome dele para conseguir sucesso. Conseguiu o que para muitos da área parecia impossível: foi contratada como a mais jovem engenheira da Ferrari.
Miller Earnhardt fez da Ferrari seu lar. E da Fórmula 1 sua paixão, mas nunca deixando de lado a admiração pela Nascar, onde viu seu pai alcançar suas maiores vitórias.
Assim como o pai, adorava os dias das grandes corridas. O GP de Mônaco era o seu preferido, e com o passar dos anos a preferência só aumentava. Era emocionante e desafiador colocar um carro para correr naquelas pistas, ainda mais sendo uma criação sua. não poderia ficar mais ansiosa para o início da corrida e ver a Scuderia Ferrari ali.
— Bom dia, equipe! — cumprimentou, animada, ao chegar no Paddock.
— Viu passarinho verde hoje, Miller? — Marlo perguntou, fazendo Miller revirar os olhos.
— Vermelho. Vi essa minha belezinha aqui que vai entrar na pista.
— E vai destruir, tenho certeza — o segundo engenheiro da equipe respondeu, e um incômodo fora do comum pareceu percorrer o corpo de .
Deveria ser coisa de sua cabeça, pensou a jovem, não tinha nada para dar errado naquela corrida. A Scuderia Ferrari estava brigando pelo título e, naquela manhã, Giuseppe Fernandez largaria na Pole Position. Tudo estava se encaminhando para mais um sucesso da equipe.
— Giu! — chamou o piloto pelo apelido assim que o viu sair de sua sala. — Como estamos?
— Relaxe, principessa, está tudo dentro dos conformes.
Ao dizer o apelido íntimo que tinha dado para a engenheira, olhou em repreensão para Giuseppe. Ninguém da equipe poderia saber que os dois tinham um relacionamento além do profissional há um mês.
Bambino! brincou com o rapaz, que era mais novo que ela apenas dois anos. — Prepare-se para entrar no carro.
— Já nasci preparado, prin… querida .
sorriu. Aquilo era uma verdade incontestável. Giuseppe Fernandez era o piloto mais jovem da Ferrari e já havia subido no pódio em quatro grandes prêmios. Mônaco era a esperança que pela primeira vez ele fosse campeão.
— Boa sorte, bambino. Faça essa máquina voar.
— Foi feita por você, né? Confio nela de olhos fechados.
sorriu e o abraçou. Abraços antes das corridas eram comuns no Paddock, então não chamaria a atenção da equipe. Mas Giuseppe, mesmo não sabendo de fato o que a morena sentia por ele, queria beijá-la na frente de todos. Sabendo que não podia, apenas correspondeu o abraço o mais forte que pôde e sussurrou em seu ouvido:
— Te trago a vitória, principessa.
sentiu seus pelos arrepiarem e o soltou, ainda com um sorriso no rosto.
— Fernandez! — o preparador o chamou, fazendo com que o piloto voltasse sua atenção inteiramente para a corrida que iria começar.
Giuseppe largou na Pole Position e conseguiu manter a posição após as voltas iniciais, disputando com seu companheiro de equipe Vettel e o piloto da Mercedes, Lewis Hamilton. Até que, na sexta volta, Fernandez começou a perceber problemas no carro.
Tem algo de errado! — gritou nos microfones.
— Boxes, agora! — respondeu, mesmo não sendo o indicado para o início da corrida.
— Você está louca? — Marlo perguntou fora dos microfones para a companheira de equipe, que o ignorou. — Estamos em primeiro, não podemos arriscar perder posição.
— Não podemos arriscar o piloto — ela respondeu. — Para os boxes, Fernandez — repetiu ao microfone.
Lewis me ultrapassou! Vettel também! Não…
— Boxes, Fernandez! É uma ordem! — decretou. — Preparem-se! — gritou para a equipe, que já estava a postos para receber o piloto.
— Você vai estragar tudo, Miller.
— Eu que mando aqui, Marlo. Obedeça.
Porém, para a surpresa da equipe, Giuseppe não conseguiu realizar a última curva que faltava para a chegada nos boxes. Ele estava a poucos segundos para a entrada, mas bateu o bico de seu carro na parede da curva em alta velocidade. Ninguém no box parecia acreditar que o carro tinha sido partido ao meio por conta da batida violentíssima no guard rail, muito menos quando a Ferrari que Fernandez pilotava explodiu em chamas.
gritava ao microfone, mas não obtinha nenhuma resposta do piloto. A bandeira vermelha foi decretada 4.5 segundos após o impacto, e o carro médico levou 10 segundos do momento do impacto até o local do acidente. Giuseppe, inconsciente, foi retirado dos destroços e recebeu atendimento de emergência estendido na pista, enquanto a equipe apagava o fogo que já tinha consumido toda a traseira do carro. Até que o helicóptero pousou na pista para removê-lo, sendo levado imediatamente ao hospital.
Tudo aconteceu rápido demais. O aviso, a batida, o fogo, tudo. A equipe da Ferrari ainda estava atônita, tentando resolver rapidamente com a FIA, enquanto estava em choque no chão do box.
Giuseppe Fernandez tinha perdido o controle e a batida tinha resultado na perda total do veículo. Restava esperar para saber se aquele dia terminaria em tragédia ou milagre.
, … — o diretor de máquinas a chamou, balançando seus ombros. — Precisamos ir para a sala!
— Giuseppe… Ele tá vivo? O carro pegou fogo, Will. Pegou fogo.
— Não sabemos, o helicóptero o levou. Vamos , levante-se.
não soube dizer como arranjou forças para se levantar daquele chão que parecia mais gelado que o normal. Andou até a sala principal de reunião acompanhada de Will, mas, desde que entrou ali, não conseguiu escutar nada do que era dito. A única coisa que passava pela sua cabeça era o acidente de Giuseppe. O acidente ainda não tinha nenhuma explicação lógica e parecia que nunca teria. O carro estava impecável, o piloto era o melhor, as condições da pista estavam na mais perfeita ordem. Nada naquele dia estava fazendo sentido.
As horas pareciam não passar. Cada vez que o telefone tocava na sala de reunião, o coração de só faltava sair pela sua boca. Ficar esperando por uma ligação que tivesse noticias certas de Giussepe parecia um jogo de tortura, no qual era a principal jogadora. Era ela quem tinha projetado o carro, quem tinha o liberado naquele dia para a corrida. Era ela quem também estava envolvida romanticamente com o piloto, mesmo que fosse apenas há um mês. Naquele jogo, não ganharia nunca.
Até que o telefone tocou, e, desde aquele momento, Miller soube que sua vida nunca mais seria a mesma.
E então o helicóptero sobrevoou pela pista de Mônaco com a bandeira da Itália pendurada. Aquilo só significava uma coisa: o automobilismo estava de luto pela morte do jovem piloto Giuseppe. O esporte estava de luto por um dos pilotos mais brilhantes que já tinham visto correr pela Scuderia Ferrari.


Capítulo 2 – Atlantis

Losing everything I’ve ever know, it’s all become too much
(Perdendo tudo o que já conheci, tudo se tornou demais)

Mesmo concentrada nas fórmulas à sua frente, aumentou o volume dos fones de ouvido quando percebeu que sua mente estava divagando outra vez para o pior dia de sua carreira. Mesmo após cinco anos, o dia 29 de maio de 2017 ainda passava na cabeça da engenheira como se tivesse ocorrido há poucos dias.
Nada mais na vida da engenheira pareceu funcionar depois da morte de Giuseppe Fernandez.

CNN informa: Morre Giuseppe Fernandez, prodígio da Fórmula 1 após batida de carro.

GloboNews: Acidente mata precocemente corredor da Fórmula 1.

BBC News: Fórmula 1 de luto. Morre hoje Giuseppe Fernandez após trágico acidente no GP de Mônaco.

Fox News: Acidente ou Imperícia? Ferrari se pronuncia sobre a morte de Giuseppe Fernandez.

ABC News: Após trágico acidente, engenheira Ellie Miller é demitida da Ferrari e processo é arquivado.

O fatídico acidente, segundo divulgado pelo parecer técnico de engenheiros da Ferrari, foi causado por uma falha no motor e pneu na sétima volta do GP de Mônaco. O pneu do carro do piloto italiano estourou em uma curva, ocasionando um capotamento por centenas de metros. Para além da batida, o carro começou a pegar fogo por conta do esquentamento excessivo do motor. O parecer basicamente atribuía a culpa à última engenheira que teve contato com a supervisão do carro, pois tudo poderia facilmente ser resolvido se tivesse executado seu trabalho de maneira correta. nunca acreditou que tivesse sido falha sua, mas nunca teve como provar. Sempre desejou que a Ferrari continuasse as investigações do trágico acidente, mas a equipe italiana preferiu arquivar o caso junto da FIA, pois já tinham achado um bode expiatório. Era preferível que a única mulher engenheira da equipe fosse culpada do que gerar ainda mais riscos para a imagem da escuderia.
Então, assinou a demissão e nunca mais foi contratada por nenhuma equipe, pois ninguém queria correr o risco de ter a imagem atrelada à possível causadora da morte da promessa da escuderia italiana. voltou a morar com sua família nos Estados Unidos, Carolina do Norte, lutando contra a estagnação da carreira e dedicando-se inteiramente à pesquisa.
— Filha, você não vai comer algo? — o toque doce, acompanhado da voz preocupada da mãe de , a fez despertar daquele pesadelo em que sua mente estava.
— Oi, mãe, tô estudando.
— Já faz quase dez horas que você não desce, .
passou as mãos pelo rosto e olhou para o relógio da cabeceira, que já marcava nove da noite.
— Vou trazer algo, ok?
— Obrigada, mãe. E desculpe por ter perdido a hora do jantar, hm… mais uma vez.
— A gente ainda espera por você. Toda noite — Blanca respondeu como se fosse chorar a qualquer momento.
Mais do que ninguém, Blanca Earnhardt sentia falta da filha. Sentia saudade de como era leve, engraçada, sorridente, comunicativa, de quando ela estava sempre presente nas reuniões de família. , para a família, sempre tinha sido a pessoa mais parecida com o pai da casa, desde o seu jeito brincalhão até quando era séria e tinha que resolver problemas. A paixão pelas corridas era só um traço, os dois eram muito mais parecidos do que poderiam imaginar.
Mas desde o acidente que a tirou da Scuderia Ferrari, tornou-se irreconhecível. Para a família Earthnet, eles não tinham perdido só Dave pela segunda vez, mas também parte do brilhante legado que ele havia deixado: a filha caçula.
— Desculpe, mãe…
— Querida, tá tudo bem — Blanca passou a mão direita pelos cabelos presos da filha. — Vou trazer algo para você comer. Depois você volta a estudar, ok?
E recebendo um pequeno aceno de cabeça da filha, Blanca saiu do quarto rezando internamente para que a filha melhorasse. , ao ver a mãe sair, deixou que lágrimas teimosas escapassem de seus olhos. Ela também a queria de volta, mais que tudo. Giuseppe não iria querer vê-la daquele jeito, muito menos o seu pai.
Mas era difícil, mesmo com toda a ajuda e compreensão. Faltava algo. E sabia que nunca mais teria de volta o que tinha sido lhe tirado, e nunca mais iria poder cumprir a promessa que havia feito ao pai.
Aquilo a destruía por inteiro.


🏎️


Hungaroring
GP da Hungria

O erro de Bottas e a chuva que parecia aumentar a cada minuto fez com que a corrida da Hungria se tornasse uma das mais caóticas da Fórmula 1 em muitos anos, tendo como resultado Esteban Ocon vencendo pela primeira vez na competição e levando a Alpine ao topo do pódio.
Enquanto o francês e a equipe comemoravam, poderia quebrar seu box inteiro com a raiva que estava sentindo dentro de si depois da corrida que fez.
A temporada do piloto era uma montanha-russa, mas parecia que sempre estava no fundo do poço. Conseguiu o papelão de ficar em 11º em um Grand Prix, onde apenas treze pilotos estavam disputando. Ficou não só atrás da Alpine, mas também das duas Alfa Romeo, além de ter que ver seu companheiro de equipe, Lando Norris, conseguindo pontuar para a equipe e conquistando a P7.
estava frustrado. Ele havia mudado para a McLaren para conquistar pódios e pontos para fazer a equipe brigar na Competição dos Construtores, mas até agora só tinha sido decepcionante. ainda não havia conseguido um único pódio pela equipe e parecia sempre chegar atrás do companheiro, o jovem Lando. O que fazia sua confiança ficar ainda mais balançada.
Sua chegada à McLaren foi recebida com expectativas muito altas depois que largou a Renault, mas uma das suas maiores dificuldades estava sendo acostumar com o novo carro. Parecia que nunca o conseguia levar ao seu máximo, por mais que tentasse. Ele não estava encontrando a consistência necessária para pilotar.
Por sorte, as férias de verão estavam em sua porta. só queria entrar em um avião e não pensar mais em corridas, pódios, treinos e todo o resto pelos quinze dias que teria de descanso.
E aquilo o destruía, porque a Fórmula 1 era sua vida.


Capítulo 3 – I'm Still Standing

And did you think this fool could never win?
Well, look at me, I'm coming back again
(E você pensou que este idiota nunca ia conseguir?
Bem, olhe para mim, estou de volta outra vez)

24 de outubro de 2021
Austin, EUA


Faltavam cinco GPs para a temporada de 2021 acabar e estava ansioso para que aquele ano terminasse. Depois que saiu da Renault, nada do que havia planejado para sua estreia na McLaren saiu como planejado.
Mesmo após o quinto lugar em Monza, Itália, onde trouxe pontos importantes para a equipe – já que foi o único a pontuar no GP –, estava cada vez mais decepcionado consigo mesmo e pressionado tanto pela equipe quanto pela mídia. A cada corrida, perdia espaço para o companheiro de escuderia, Lando Norris, o jovem piloto já considerado um dos futuros da Fórmula 1. não conseguia entender como havia decaído tanto. E o fato de estar ficando cada vez mais velho e longe de ganhar um título o fazia duvidar cada vez mais sobre a sua permanência no meio do automobilismo.
Assim que colocou o capacete, já em seu carro, rezou para todos os deuses existentes para que, naquela corrida, conseguisse ao menos pontuar para sua equipe. também pensou em seu ídolo, Dale Earnhardt, pedindo para que este o guiasse naquela pista em sua terra natal.
Então, as cinco luzes vermelhas apagaram, e esqueceu o mundo ao seu redor. Somente pontuar naquele Grand Prix importava. Max Verstappen largou da pole position, mas, logo na curva 1, Hamilton, por dentro, conseguiu a liderança, deixando os espectadores ainda mais eufóricos. Todos tinham a certeza que a disputa seria, mais uma vez, entre Mercedes e RedBull. Mas ninguém pareceu se esquecer da batalha que estava acontecendo logo atrás, entre Ferrari e McLaren.
Para a surpresa da própria equipe, mergulhou por dentro e ultrapassou Carlos Sainz, deixando para trás o companheiro de equipe, Lando, que pareceu perder tração, logo diversas posições para os rivais. A briga entre , Sainz e Leclerc parecia estar tão boa quanto a briga entre Hamilton e Verstappen, que pareciam tão imersos na própria batalha que esqueceram-se por um momento também disputar com outros dezoito pilotos.
O ego cobrava. E naquela corrida não foi diferente. A chuva começou a cair e Hamilton viu a oportunidade de ultrapassar o rival, então mergulhou para tentar cortar sua frente. Mas Max não quis dar o braço a torcer de jeito nenhum e freou tarde, fazendo com que o pneu dianteiro direito de Hamilton tocasse seu pneu traseiro esquerdo. A suspensão quebrou quase imediatamente; o carro rodou em altíssima velocidade pela brita e acertou em cheio o paredão de pneus.
A direção de prova agiu rapidamente, e, em segundos, a bandeira vermelha já estava estendida. A corrida foi paralisada e os pilotos retornaram aos boxes para aguardar uma nova decisão da direção de prova.
— Você está indo bem, !
— Certo — limitou-se a responder para a equipe.
Ele não queria se animar demais e acabar perdendo o foco. A raiva que sentiu naquele dia de toda a sua situação estava lhe servindo para seu benefício mais do que o esperado. E ele não iria estragar tudo, iria aproveitar cada brecha que pudesse daquela corrida – a começar pela retomada pós-paralisação.
A corrida recomeçou e todos já estavam cientes da punição de dez segundos que Hamilton havia recebido por causar a colisão com Verstappen, para desespero da RedBull, que esperava que o piloto perdesse algumas posições. Mas foi que aproveitou a punição de Lewis, que caiu para quarto lugar, fazendo sua melhor volta – saiu do quinto lugar e conquistou o segundo. O australiano disputava diretamente com Checo Pérez, que não conseguiu segurar o primeiro lugar por muito tempo. estava em primeiro naquela corrida e tinha pneus novos.
Pérez, mesmo usando o DRS, não achava espaço para a ultrapassagem. era rei quando se tratava de chuvas nas corridas; chegava a parecer que, por baixo d’água, ele se destacava. O piloto da McLaren era mais rápido do que seus rivais em todas as voltas. Ninguém conseguia entender o que estava acontecendo ali, parecia que um milagre tinha caído sob .
— Hamilton está em P3, ! Pérez não vai segurá-lo por muito tempo.
— Quantos segundos?
— Cinco segundos de você.
— Ele não vai me passar.
Faltando apenas cinco voltas para o final da corrida, Hamilton ultrapassou Pérez e estava apenas a 2,5 segundos de . E como se sua vida dependesse daquele resultado, acelerou ainda mais, conseguindo a volta mais rápida da corrida.
Mesmo com o britânico em seu encalço, os deuses para os quais rezou ao entrar em seu carro intercederam por ele e o australiano cruzou a bandeira quadriculada.
— P1, ! P1!
— Porra! — gritou, deixando explodir tudo o que estava guardado, soltando uma gargalhada em seguida. — YEAAAAAAAH! P1, merda! WOOAAAAAH!!!
gritou mais algumas vezes e, antes que parasse o carro, mandou uma mensagem para a equipe e para quem mais ousasse duvidar que ele merecia estar correndo na Fórmula 1.
— No fundo, eu sabia que isso ia acontecer… Então, obrigado por me apoiar. E para qualquer um que pensou que eu saí: eu nunca saí, apenas me afastei por um tempo. Obrigado, gente! Obrigado!
queria poder parar no tempo e viver aquele momento para sempre. Ele tinha conseguido seu primeiro pódio naquele ano infernal.


🏁


É a McLaren pilotada por que ganha o Grand Prix dos Estados Unidos! — o comentarista gritou, e o mais velho sorriu com a vitória do time laranja, mas abaixou o volume assim que viu o rosto emburrado da mãe.
— Você sabe que sua irmã não gosta mais de corridas de Fórmula 1, desligue isso.
Mama, venha ver! Esse cara é fã do papai.
— Piloto de Fórmula 1? Jura? — Ralph deu um sorriso sincero e juntou-se ao filho à frente da televisão. Ela amava saber que seu marido, mesmo depois de tanto tempo, ainda era lembrado.
— Sim! Isso é reprise da corrida, olhe o que ele falou do papai — disse animado, mostrando o telefone para a mãe.
Na tela do smartphone brilhava um tweet do piloto australiano que dizia: “Obrigado, Austin! Hoje meu ídolo me abençoou e eu espero ele esteja orgulhoso de mim! Obrigado, Dale, nunca esquecerei de você, CAMPEÃO! 🏁”
— Que menino bom! Vou convidá-lo para jantar.
— Aqui em casa? — Ralph estranhou o pedido. A mãe quase nunca convidava alguém para jantares em casa, já que nunca estaria presente.
— Sim! Eles estão em Austin, não é? Convide-o. Como fã do seu pai, acredito que ele virá.
— Mandei mensagem!
— Você escreve muito rápido nesse negócio — a mãe brincou quando o filho mostrou que já havia feito o convite.
— Não tanto quanto naquele computador. Ela já desceu hoje? — perguntou, mas pela expressão que tomou conta do rosto da mãe, preferiu não ter perguntado. Ele já sabia a resposta. — Ei, o respondeu!
— Mas já?
— Acho que ele deve estar num porre comemorando e com o celular na mão — riu. — Olhe, disse que vem amanhã à noite. Falou, “me mande o endereço que estarei aí, será uma honra!”
— Será que ele vai lembrar?
— Se não lembrar, pelo menos a senhora não terá que se preocupar, pois teremos comida para o restante da semana.
Blanca soltou uma risada sincera e deixou-se envolver no abraço do filho mais velho. Ela sentia falta da presença de , mesmo ela estando tão perto, e ter Ralph ao seu lado lhe trazia conforto e calma. Uma coisa positiva tinha resultado daquele caos todo que a vida da família Earnhardt tornou-se. Blanca teve ainda mais certeza que sua família era unida e que eles jamais abandonariam uns aos outros.
Ralph decidiu se aposentar da NASCAR no mesmo ano do incidente com a irmã, e mudou-se de vez para ficar em Charlotte com as duas mulheres de sua vida. Mas não ficou longe das corridas por muito tempo, virou comentarista da NASCAR Cup Series na NBC e sócio da equipe JR Motorsports. Ao longo dos seus 46 anos, não tinha mulher, nem filhos, para a tristeza de Blanca que sempre quis ter a casa lotada de netos. Mas os três estavam bem, dadas as circunstâncias atuais, e sempre fariam de tudo para que voltasse a ser a de antes.


🏁


Blanca Earnhardt preparou a mesa do café da manhã para os dois filhos como fazia toda manhã, pontualmente às sete horas.
— Bom dia, mãe!
— Bom dia, querido. O piloto respondeu?
— Quem respondeu? — perguntou, com a voz cheia de sono, ao chegar à cozinha coçando os olhos.
— Filha? — Blanca perguntou, surpresa ao ver a mais nova. Ela não conseguia se lembrar da última vez que a filha esteve ali para fazer uma refeição junto dela e de seu irmão.
— Oi, mãe. Oi, Ralph — esboçou um sorriso gentil.
O mais velho piscou várias vezes, deixando o celular sobre a mesa. Com a mão livre, fez carinho na mão da irmã que estava sobre a mesa, e deixou escapar uma lágrima que logo limpou. Ninguém mais entenderia a importância daquele momento para a família Earnhardt.
estava ali entre eles para o café da manhã.
Apesar de não demorar muito à mesa, Blanca estava se sentindo feliz e realizada. Sua menina havia descido para comer em companhia da família depois de meses. Desde o acidente, era raro sair do quarto, principalmente para fazer refeições. A mais nova havia adquirido, junto da depressão, uma espécie de transtorno alimentar que não a permitia comer normalmente. Mesmo com as consultas regulares, se recusava a tomar remédios e dizia que melhoraria em seu tempo, que precisava ter o seu próprio, mesmo a mãe achando que estava demorando demais.
Mas não era uma reclusa completa. Ela não vivia presa em seu quarto há cinco anos, como sua mãe fazia parecer. Ela entendia a mãe e o porquê de ela vê-la assim, mas não era totalmente verdade. Seus passos de cura eram passinhos de bebê, mas ainda eram passos.
ministrava tutoria para a turma de mestrado da Universidade de Berkeley, na Califórnia, porque tinha PhD de Engenharia Mecânica com ênfase em Fenômenos de Transporte, além de ser uma pesquisadora. Ela não precisava atravessar os Estados Unidos para ensinar; os alunos vinham até na faculdade de Charlotte uma vez a cada três meses para aprender. Sentia-se tranquila, porque convivia com nerds iguais a ela e que não se interessavam pela Fórmula 1, não sabiam de seu passado e nem poderiam a ligar a um acidente que aconteceu em 2017 com o jovem piloto. Mesmo o mundo inteiro sabendo quem era Giuseppe Fernandez, era uma sombra e um passado distante da Ferrari e dentro daquele mundo completamente fechado. Fora dali, ninguém a conhecia. Pelo menos ao escondê-la, a escuderia italiana fez um bom serviço.
gostava de dar aulas trimestrais e ajudar alguns alunos a dar prosseguimento em suas pesquisas, mas aquilo não a fazia feliz. A coisa que fazia feliz era estar no paddock, cercada por aquele mundo, mas ela nunca mais colocaria os pés dentro de um autódromo. E aquilo ainda a destruía por dentro. Sem poder viver em seu real mundo, não tinha nada. Nenhuma paixão, alegria verdadeira, nada. Era como se tivesse um grande buraco em sua vida.
Por aquele motivo, e também por sentir ainda muita culpa, vivia reclusa em seu próprio mundo dentro do seu quarto. O seu infinito particular. Ali tinha um setup completo, conseguia realizar suas pesquisas e ajudar alguns jovens estudantes. não conseguia enxergar motivo para sair do quarto e fazer refeições em família, viajar e conhecer novas pessoas. Afinal, não era justo ela voltar a ter uma vida normal quando tinha contribuído para tirar a vida de alguém. Desde o acidente de Giuseppe, sentiu-se culpada de seguir sua vida e estar o tempo inteiro com a família, pois pensava que tinha tirado aquele direito tanto do italiano quanto da família dele. Era pelo que tinha acontecido sob sua responsabilidade que a família Fernandez jamais voltaria a ser o que era. E aquilo a consumia por dentro. Ela só estava pagando o preço por todo o caos.
Mas naquela manhã, sentiu-se feliz por fazer a primeira refeição do dia com a mãe e o irmão. Pela primeira vez não sentiu culpa por ter feito uma refeição completa e muito menos por estar em companhia de sua família.
O despertador tocou, a tirando de seus pensamentos e lembrando-a que tinha consulta. suspirou, prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e conectou o Google Meet. Em minutos sua psicóloga apareceu na tela do seu MacBook.
— Bom dia, !
— Oi, Vívian, bom dia!
— Você me parece animada hoje, quer compartilhar algo?
— Eu tomei café da manhã com minha mãe e meu irmão, conversamos um pouco. Nada demorado, sabe?
— Isso é uma notícia e tanto! Como você se sentiu?
— Eu me senti bem. Pela primeira vez não senti culpa…
E então a consulta continuou durante quarenta minutos. já tinha passado da fase que eram duas vezes por semana e duravam mais de uma hora, por isso levava aquilo como uma pequena vitória. E ela gostava das suas pequenas vitórias.
— Bom falar com você, ! E pense com carinho na possibilidade de também descer para o jantar, já que o almoço pode exigir muito de você.
— Sabe, Vívian, estou realmente sentindo falta dos jantares que minha mãe fazia. Obrigada pela conversa! A gente se vê em quinze dias.
— Sim! Qualquer coisa você pode me ligar, certo?
— Obrigada! Até.
E a consulta encerrou-se com determinada a fazer mais uma refeição em família. Como era no princípio.


Capítulo 4 – Brighter Days

Think I found the light it's been so long, I better hold on to this feeling before it's gone
Whatever happen we both grew, and let's move on
(Acho que encontrei a luz depois de tanto tempo, é melhor eu me apegar a esse sentimento antes que ele vá embora
Seja o que aconteceu, ambos amadurecemos com o tempo)

estava feliz. Talvez a palavra “feliz” não fosse suficiente para explicar o que estava sentindo desde o momento em que cruzou a bandeira quadriculada, muito menos quando fez sua habitual cerimônia de beber champanhe em sua sapatilha de corrida, ficando descalço no pódio. Por mais que não fosse sua primeira vez no lugar mais alto do pódio, o sentimento ainda era inexplicável. queria viver aquilo em todos os finais de semana.
Ele também gostava do lugar de onde estavam, Texas. Gostava do ar de interior da cidade, gostava de vestir roupas de vaqueiro, lembrava da sua vida no interior da Austrália. tinha um carinho mais do que especial pelo GP dos Estados Unidos, porque era o país natal de seu ídolo. Tanto que, na corrida, usou um capacete em homenagem ao seu herói de infância, o lendário heptacampeão da NASCAR, Dale “The Intimidator” Earnhardt. O layout, totalmente pintado em preto, remetia ao que Dale usava na Nascar. No topo do capacete tinha o número 3, eternizado por Earnhardt e com a mesma fonte que até hoje estampava os carros da mais popular categoria dos Estados Unidos. Na parte de trás, havia a inscrição “Honey Badger”, texugo do mel, apelido de .
sentia-se em casa. Queria ficar mais tempo em terras americanas.
E seu pedido pareceu ser atendido quando uma notificação lhe chamou a atenção. Era mensagem privada em seu Twitter, do filho de seu ídolo de infância.
— Esse final de semana consegue ficar melhor! — comentou para os colegas, mesmo com o barulho das caixas de som.
— Largue esse celular, ! — Carlos Sainz gritou, e teve gritos de concordância.
soltou uma risada. Adorava a companhia dos pilotos quando não estavam disputando por pontos e pódios. Já eram grandes amigos de alguns, mesmo com toda a rivalidade dentro das pistas.
— Não fique triste por Max não estar aqui — Lewis provocou e recebeu o dedo do meio como resposta.
Stroll! gritou o sobrenome do mais novo.
— Aqui! — gritou de volta, indo estabanado até . — O que quer, hein?
— Eu duvido você me arranjar um jatinho para amanhã à tarde.
endoidou, gente! — Ocon, que estava por perto escutando tudo, gritou para os colegas. — quer o jatinho do Stroll.
— Cale a boca, francês idiota. Sério, Lance, eu preciso de um jatinho.
— Arrumo fácil. Mas terá que dançar com Carlos.
— Não sei dançar TikTok!
— Sabe sim! ¡Vamos, papá! — Stroll o empurrou até onde o espanhol estava fazendo passos desconexos até então.
— Preciso de mais bebida!
E como se fosse mágica, mais champanhe surgiu à frente de .
Ele realmente amava os Estados Unidos.


🏁


O relógio marcou uma da tarde e sentiu seu ouvido zumbir quando o jatinho da família Stroll decolou. Ele estava de ressaca, mas agradecido pelo colega ter atendido seu pedido. Na realidade, Lance Stroll aproveitou que esticaria a passagem pelos Estados Unidos então resolveu levar junto Esteban, Pierre, Lando e Carlos.
— Vocês são muito barulhentos — reclamou ao se ajeitar na confortável poltrona. Só uma daquela deveria custar alguns milhares de dólares.
— Na verdade, você que é velho.
— Cale a boca, Lando. Quem te convidou, hein?
— Carlos. Carlos não vive sem mim.
— Não convidei, não, você veio sozinho. Aliás, para onde estamos indo, afinal? Eu nem sei.
— Nem eu, só segui Stroll depois que acordei.
— Isso pode ser considerado sequestro? — Norris perguntou, mas foi respondido por Gasly com uma almofada em seu rosto.
— Carolina do Norte. Charlotte — murmurou e escutou protestos e risadas, que foram ignorados no momento em que colocou os fones disponibilizados no jatinho dos Strolls, que pareciam ser maiores que sua cabeça.
colocou a playlist disponível no Spotify do voo no aleatório e adormeceu escutando o que parecia ser Taylor Swift. Deveria bem ter sido escolhido por Carlos ou Lance. Era a cara deles.
— Acorda, Bela Adormecida — se espantou assim que Carlos retirou os fones de ouvido. — ¡Llegamos!
— Posso levar os fones? — perguntou, mesmo sabendo que não precisava perguntar. Se Stroll negasse, iria pegar do mesmo jeito.
— Leve, leve. A McLaren não tá mais pagando tão bem assim, que você não tem fones? — o herdeiro provocou, arrancando risadas dos colegas.
desceu do jatinho e rapidamente entrou em um carro que já estava esperando por eles. Era incrível como não precisava se preocupar com absolutamente nada quando estava na companhia de um herdeiro Stroll; bastava que eles estalassem os dedos e tudo era resolvido. Talvez fosse por aquele motivo que havia demorado para sentir confiança em Lance, mas com o passar do tempo e convivência no Paddock, os dois viraram amigos. Lance Stroll era um homem bom e íntegro, que tinha dado a sorte de nascer em uma família bilionária.
O motorista os levou para o The Ritz-Carlton, e assim que se acomodaram em seus devidos quartos, se permitiu tomar uma aspirina e dormir um pouco mais antes do jantar com a família Earnhardt. Sua cabeça ainda estava dolorida por conta da madrugada de bebedeira com os outros pilotos. esquecia que seu corpo já não era mais o de um jovem de vinte e poucos anos, mesmo que parecesse um.
Ele acordou às cinco em ponto com o despertador do celular gritando. Deveria chegar na casa dos Earnhardt antes das seis e meia, horário marcado por Ralph Dale Jr., então arrumou-se rapidamente e agradeceu por ter um motorista à sua disposição. não fazia ideia de como chegaria ao lugar e, pela mudança de paisagem, imaginou que a casa da família não ficava nem perto do centro de Charlotte. O motorista foi diminuindo a velocidade, então imaginou que já estava na propriedade dos Earnhardt. Estava longe de parecer uma fazenda, porque não tinha animais, mas era um espaço gigantesco.
A casa era grande, rústica e memorável, onde o muro de pedras destacava a fachada, esbanjando elegância e soberania. Também pudera, era onde a família da lenda do automobilismo da NASCAR residia.
piscou diversas vezes quando o motorista manobrou e lhe deixou próximo ao que parecia ser uma garagem. Pelo que conseguia enxergar, tinha um total de seis carros, sendo um deles uma possível versão de um de corrida do seu herói da infância e uma Ferrari 488 GTB, que parecia nunca ter sido usada. Que a McLaren o perdoasse, mas sentiu vontade de dirigir aquele carro. Era belíssimo.
— Chegamos, sr. !
espantou-se com a voz do motorista que invadiu o carro. Talvez aquela tenha sido as primeiras palavras para ele, além do boa tarde.
— Obrigado! Hm…
— Sr. Stroll pediu que eu ficasse à sua disposição. O senhor quer que eu lhe busque em algum horário?
— Pode ser às 22h. Céus, eu nem trouxe nada, minha mãe vai me matar.
O motorista deixou escapar uma risada ao ver a preocupação do piloto por não ter obedecido regras de visitas, se é que elas existiam.
— O seu nome, desculpe-me, nem perguntei!
— Robert, mas não tem problema, sr. . Às 22h lhe apanho. Não se desespere por não ter trazido nada, acredito que a família nem irá reparar!
respirou aliviado e desceu do carro, ficando em frente à porta. Parecia nem acreditar que estava na propriedade do seu ídolo do automobilismo. Se ele havia se tornado quem era, foi por influência total de Dale Earnhardt. Respirou fundo e tocou a campainha.
Sorriu assim que a porta abriu e revelou uma senhora de estatura mediana, com cabelos loiros e olhos castanhos. Aquela deveria ser a matriarca da família.
— Querido! — a mulher o cumprimentou, animada, dando-lhe um abraço apertado. — Vamos, entre! Junior, veja quem chegou!
— Hey, ! — o filho mais velho de Dale veio em sua direção, também lhe dando um abraço. — Cara, bom te conhecer! Após sua vitória, minha mãe quis porque quis te convidar para um jantar.
— Me chame de Blanca, querido! Nossa, de verdade, fiquei emocionada com suas palavras e com a forma que você fala sobre Dale com tanto carinho! Ele com certeza ficaria feliz em receber você aqui.
— Vocês não têm ideia do quanto estou feliz em estar aqui! De verdade, o sr. Dale é a minha inspiração desde que me entendo por gente.
E os três só não se perderam na hora conversando porque Blanca era muito pontual na cozinha. Assim que o alarme avisou que o forno já poderia ser desligado, a matriarca deixou os dois na sala e terminou de preparar a mesa de jantar. Claro que não arrumou a mesa sozinha, mas gostava de cozinhar. A cozinha era seu templo sagrado, assim como as refeições. Era uma tradição que não largava de mão.
e Ralph sentaram-se à mesa e Blanca percebeu que o rapaz tinha um olhar confuso, como se estivesse querendo entender se só seriam eles dois ou se teria mais gente. sempre pensou na família Earnhardt como uma família grande, assim como queria manter a sua.
— Está faltando , mas acredito que ela não virá. Perdão por isso, inclusive!
, é?
— Minha filha caçula. Somos só nós três nessa casa enorme, acredita? Mas ainda acredito que um dia ela estará cheia. E de crianças, não é, Junior?
— Mamãe, pelo amor de Deus… Não ligue, , ela está naquela fase de me cobrar netos. Aproveite enquanto ainda é novo!
soltou uma gargalhada, e Blanca achou a risada do rapaz única e contagiante. Acabou rindo também de alguma outra coisa dita por ele e o filho. Desejou que estivesse ali.
— Mas que barulheira é essa…. Mio Dio parou de falar no momento em percebeu que tinha companhia na cozinha.
, filha, esse é !
— Oh, mio Dio, madre, como ninguém avisou que teríamos companhia em casa?
— Você nunca desce…
encarou o irmão, e teve a certeza que ela poderia matar o mais velho somente com aquele olhar. E sem nem trocar uma palavra com o piloto, saiu rapidamente da cozinha, deixando-os apenas com o barulho do que pareceu ser um tropeço na escada acompanhado de um xingamento em outra língua.
— Perdoe , . Ela é…
— Ela acabou de xingar em italiano? perguntou, ainda absorto com o furacão que tinha passado pela cozinha.
— Vestígios do tempo em que passou na Ferrari. De vez em quando ela fala em italiano, principalmente quando está estressada.
Ferrari?
E sem que percebesse, Ralph Dale Jr. e Blanca estavam contando toda a história de e Fórmula 1 para .
— Eu tinha 28 anos quando aconteceu esse acidente. O dia me marcou porque, afinal, era Mônaco. Subi no pódio, mas a sensação era esquisita, a gente não conseguiu comemorar. Só sabíamos que ele estava no hospital. Eu nunca poderia imaginar que era quem estivesse no paddock naquele dia. Todo mundo falava sobre a engenheira, mas o assunto logo acabou. Acho que hoje foi a primeira vez que escutei falar sobre essa história depois daquele ano!
— A gente ainda tem que conviver com isso, sabe? não superou, e a Ferrari não fez questão alguma de ajudar. Pelo contrário, baniram de tudo! Tudo!
— Odeio aquela equipe — Ralph disse. Ele nunca se esqueceria do descaso que fizeram com a irmã que tanto se doou por aquele time. — Eles são muito ingratos. Se meu pai fosse vivo, era capaz de tocar fogo naquele lugar.
— Eu iria ajudá-lo, céus, que sujeira! então nunca mais voltou a trabalhar na Fórmula 1?
— Nunca mais. Corridas eram a sua vida, igual eram a vida de Dale, e eles tiraram isso dela. Toda vez que vejo aquela maldita Ferrari estacionada em nossa garagem, tenho vontade de quebrar, mas não me permite.
sentiu seu estômago revirar. Ele sabia mais do que ninguém o quão injusto, sujo e nocivo era aquele mundo; afinal, estava ali desde os seus 22 anos, mas a atitude da Ferrari naquela história tinha sido algo que ele nunca havia visto. Primeiro que, para , as equipes eram como famílias, passavam mais tempo com eles do que com as suas de sangue. Então, eles tinham que se proteger acima de tudo. E proteção foi tudo o que a equipe italiana não fez com .
duvidava que se ela tivesse revelado de quem era filha, o tratamento da escuderia teria sido o mesmo. Para eles, ela era só mais uma peça que dera problema cedo demais.
— Agora sim, boa noite! — a voz de preencheu o lugar, tomando toda a atenção de para si.


Capítulo 5 – Enchanted

My thoughts will echo your name until I see you again.
(Meus pensamentos vão ecoar o seu nome até eu te ver de novo.)

Se pudesse se enfiar em um buraco e nunca mais sair dele, ela o faria.
Como sua própria família aprontava uma daquelas? Trazer gente em casa e nem avisar. Era certo que a mãe e o irmão já tinham recebido algumas pessoas em casa – eles eram pessoas muito conversadeiras e sociáveis. Junior, para completar, era namorador, mesmo não tendo relacionamento sério com ninguém. Mas, naquela noite, eles poderiam ter avisado. Uma mensagem de texto no grupo dos três no WhatsApp resolveria.
Mas ela não recebeu nada.
só tinha tomado um banho durante o dia e nem tinha lavado o cabelo. Usava um moletom rosa manchado e um short preto velho. Era um traje aceitável para um jantar em família na segunda-feira depois de muito tempo, mas era totalmente deplorável para um jantar com em sua mesa.
podia estar totalmente fora do mundo da Fórmula 1, nem fazia mais questão de acompanhar as corridas pela televisão e odiava quando se pegava assistindo, porque não queria mais ter lembranças daquele mundo em que tinha sido expulsa. Mas ela sabia quem era o piloto sentado na cozinha de sua casa. Não porque era fã ou algo do tipo, afinal, ele era de uma equipe totalmente sem história que levava nome de energético.
Mas sabia quem era porque o respeitava.
Desde que a engenheira entrou na Fórmula 1 em 2014, já tinha vencido carros feitos por ela enquanto dirigia um modelo bem inferior. Ele era um excelente piloto que, na época, dava trabalho para a , atrapalhando muitas vezes as dobradinhas de 1º e 2º lugar da Ferrari.
não fazia a mínima ideia se ainda seguia por aquele caminho, mas, pela lembrança que tinha, merecia respeito.
— Isso deve ter sido bem ideia de Junior! — praguejou ao lembrar que tinha tropeçado na escada em que subiu e desceu a vida inteira.
A caçula dos Earnhardt praguejou mais uma vez quando se meteu embaixo do chuveiro e sentiu a água gelada bater contra seu corpo. riu sozinha ao se dar conta que, num espaço de dez minutos, já tinha rogado praga para o vento mais do que era o recomendado por alguma lei da atração. Mas ela gostava de praguejar. Seu irmão dizia que tinha personalidade de um pinscher: pequena e raivosa. Para ser sincera, se considerava um pouco raivosa – sempre tinha sido, tal como seu pai. Mas era do bem assim como o homem que lhe deu a vida.
saiu do banheiro, enrolou os cabelos na toalha e parou despida em frente ao seu guarda-roupa. Enquanto observava suas peças de roupa, percebeu que realmente precisava comprar novas – suas únicas peças decentes eram as que iria para a faculdade ministrar aula. Um total de cinco peças.
Naquele momento, desejou ter uma amiga que pudesse lhe ajudar com roupas, mas ela só tinha sua mãe e seu irmão.
Earnhardt sempre foi muito solitária; desde a faculdade até a vida profissional, nunca foi de ter amizades. Aquele era um mundo desleal, competitivo e machista, que se não tomasse cuidado, poderiam tirá-la do caminho. Não se arrependia do caminho que tinha escolhido, mas se perguntava muitas vezes se poderia ter feito algo de diferente, mesmo sabendo que não.
Stronzo! (Merda!) — xingou-se e pegou o vestido marrom que estava praticamente escondido entre suas calças de linho e jeans. — Irá servir.
terminou de se arrumar, respirou fundo quatro vezes e saiu do quarto. Com toda certeza a sua psicóloga iria gostar de saber que ela interagiu com pessoas além do que já estava acostumada a interagir virtualmente, como seus alunos ou sua mãe e seu irmão. Só não saberia se seria bom ter sido um piloto de Fórmula 1.
Não depois de tudo.
— Agora sim, boa noite! — disse ao descer as escadas, atraindo a atenção do piloto para si.


🏎️


piscou algumas vezes antes de se dar conta que a caçula da família ainda estava em pé, falando algo para o irmão e a mãe. O piloto levantou-se rapidamente e estendeu a mão para a engenheira, que voltou sua atenção toda para ele. Ali, percebeu o quanto os olhos dela eram instigantes e incrivelmente bonitos. Pareciam estar sussurrando “já nos conhecemos?”, mas aquela era a primeira vez que a tinha visto.
— Oi, ! Perdão pela invasão à sua casa — sorriu quando ela apertou sua mão. Seu toque era suave. — Sou .
— Como se você precisasse se apresentar! — disse, fazendo com que ele ficasse surpreso. — Oi, , você já me deu muita dor de cabeça, sabia?
O homem, que não era de ficar sem palavras, ficou. As engrenagens da sua mente pareceriam não funcionar depois da pergunta da engenheira.
— Estou brincando, — ela falou, e o australiano respirou aliviado. — Mas é um pouco de verdade.
— Pare com isso, está fazendo o rapaz ficar tímido — Blanca ralhou com a caçula, fazendo o mais velho soltar uma risada.
Dale Ralph Junior estava adorando aquela situação e tinha a certeza que, se o pai fosse vivo, faria ficar constrangido também. olhou para ele com um sorriso travesso, e os dois sentaram-se à mesa. Para a felicidade da engenheira, a mãe tinha organizado o jantar com comidas que ela adorava.
— A Ação de Graças nessa casa chegou mais cedo! — brincou enquanto servia-se do purê de batatas.
— As visitas primeiro, mocinha.
— Não, pode se servir! — falou antes que Blanca interviesse mais uma vez.
— Mamãe fez até peru! — Ralph comentou enquanto servia-se de um bom pedaço da ave.
— Daqui a pouco vai pensar que não tem comida nessa casa.
gargalhou; ele adorava ambientes familiares, ainda mais quando aquelas provocações aconteciam. Aquilo tudo o fazia sentir-se em casa.
— Todos servidos, hora de agradecer! Nossa Ação de Graças antecipada graças a ! — brincou e a mãe a encarou, como se estivesse perguntando onde a filha tinha aprendido aqueles modos. Era um traço do pai, Blanca sabia.
— O que é Ação de Graças? — perguntou, tímido.
— Por um momento esqueci que você não é americano.
— É um feriado, meu filho — Blanca interrompeu a mais nova antes que ela soltasse mais alguma pérola. — Comemoramos em novembro. está falando isso porque é comum comermos peru nesse dia.
— A gente também agradece pelas coisas boas que aconteceram no nosso ano.
assentiu e pareceu pensar no que ele poderia agradecer naquele ano de 2021. As coisas não estavam maravilhosas para ele, que tinha saído de uma pandemia, trocado de equipe, perdido posições… Tinha muita coisa para reclamar, na verdade. Mas, ao mesmo tempo, coisas boas aconteciam com o tempo inteiro. Sua família estava completa e saudável, tinha ganhado seu primeiro pódio no ano e ainda estava na casa do seu herói de infância, sentado à mesa com a família dele.
era muito grato por tudo aquilo. Ele realmente tinha muito a agradecer.
— Eu começo! — Blanca balançou a cabeça negativamente quando o mais velho começou a falar, mas deixou um sorriso escapulir. — Sou grato por ter conhecido uma mulher bacana lá no trabalho.
não aguentou e soltou uma gargalhada, fazendo todos a mesa rirem também, enquanto Blanca dava tapinhas no braço do filho.
— Eu sou grata por ter peru no jantar hoje — sorriu. Ela era grata não só por ter peru no jantar, mas sim por estar sentada à mesa, de banho tomado, jantando com sua família e fazendo piadas com o convidado como faziam antigamente. Antes de tudo acontecer.
estava grata por ter alguns minutos de vida normal novamente. Mas aquilo era muito para falar na frente do piloto.
— Sua vez, avisou ao australiano, que estava à sua direita, na ponta da mesa.
— Sou grato pelo meu pódio desse final de semana. E por estar aqui.
Blanca sorriu ao sentir verdade nas palavras do piloto. A matriarca da família era conhecida por sempre saber quando as pessoas eram boas ou não, e ela sabia que era bom assim que o filho mostrou-lhe o piloto falando sobre seu marido, e seu pressentimento só se confirmou quando o viu à sua porta pela primeira vez.
A energia das pessoas nunca enganava Blanca Earnhardt. E ela tinha adorado a de .
— Eu sou grata por estar na companhia de vocês nesse jantar — a matriarca sorriu. — Vamos comer!
A ordem foi como música para o ouvido de todos naquela mesa. Toda aquela comida parecia deliciosa, principalmente para , que não via comida de verdade desde o dia anterior. Seu corpo só tinha recebido álcool e comida processada.
— Como tá indo na McLaren, ? — Ralph perguntou, e o piloto bebeu um grande gole do vinho.
— Difícil — foi sincero. Era de conhecimento de todos que sua primeira temporada na equipe não tinha sido nada como o planejado.
— Me perdi nessa história — encarou o piloto com os olhos semicerrados. — Você não era da Red Bull?
— Eu saí em 2019. Fui para Renault, que agora é Alpine.
soltou uma gargalhada. Muita coisa tinha mudado no mundo da Fórmula 1 desde que saiu, mas algo não mudou: a opinião dela sobre algumas equipes. A engenheira sempre achou a escuderia francesa uma piada, e mantinha um claro desgosto pela equipe da Red Bull.
— Cansou de Max Verstappen? Pelo que eu lembre, ele era bem petulante — disse ao se lembrar de quando o piloto surtou com Giuseppe após uma corrida.
— Muita coisa aconteceu. Inclusive, Max está em segundo no campeonato esse ano.
— Hamilton permanece em primeiro? — perguntou após colocar um pouco de comida na boca. Lewis era o piloto que mais respeitava.
— Sim — respondeu, e deu um sorriso —, mas acho que Max ganhará esse ano.
— Não acredito que vou ter que voltar a assistir Fórmula 1.
De acordo com o que estava contando para a família Earnhardt, para o mundo da Fórmula 1 naquele ano estava uma completa loucura. tinha saído da equipe que fora criado desde 2014, Renault tinha sido vendida e Max Verstappen poderia tirar o campeonato de Lewis Hamilton.
, mesmo entretida na conversa com o irmão e o piloto, não conseguiu parar de pensar no quanto sentia falta de estar naquele mundo. Imaginou onde estaria a Ferrari com ela na equipe no meio daquela loucura. Para afastar os pensamentos, resolveu servir-se de mais uma rodada de peru. Para a felicidade de Blanca, também colocou um pouco mais de comida em seu prato. A mulher adorava quando comiam da sua comida; sentia falta de estar com a mesa de jantar cheia.
— Você pode me passar o molho? — perguntou e tocou no braço do piloto.
não entendeu o que aconteceu, mas sentiu suas mãos suarem e seus pelos se arrepiarem com o toque da mulher. Ele largou os talheres, rapidamente pegou a tigela de Cranberry e a estendeu desajeitadamente para a mulher, fazendo com que a louça escorregasse de sua mão, indo parar no colo da engenheira.
— Ah, meu Deus.
Che cavolo! (Que droga!) grunhiu. ainda estava com os olhos arregalados pelo susto, mas levantou-se rapidamente, passando o guardanapo branco no colo da engenheira em uma tentativa falha de limpar. — Ci fai o ci sei? Imbranato. (Você é assim mesmo ou só está fingindo? Atrapalhado).
Scusate, . Scusate. (Desculpa, . Desculpa.) — o piloto pediu, desesperado.
No momento em que percebeu que ele estava falando com ela em italiano, colocou sua mão no braço dele e o encarou. Ninguém nunca respondia quando ela começava a falar na língua estrangeira. não sabia se aquilo a deixava feliz ou ainda mais estressada.
não conseguia decifrar o que os olhos dela queriam dizer. Se ela estava com raiva, ódio, ou só queria que ele parasse de tentar ajudar a limpar o que não tinha mais jeito.
— Você me deve um vestido novo — foi a única coisa que disse para o piloto, pegando o guardanapo de sua mão.
não sabia se a engenheira falava sério ou brincando, mas preferiu não arriscar – com certeza daria um novo vestido para a mulher. Sentou-se novamente e bebeu o restante do vinho que restava em sua taça.
Earnhardt realmente parecia um furacão.
Seus olhos tinham fogo, aquilo era inegável. Pareciam sempre estar prontos para quando a dona ficasse raivosa. Mas ainda com raiva, conseguia ser estranhamente doce.
estava absorto com a presença da mulher e de como ela o tinha deixado sem fala por mais de duas vezes naquela noite. Aquilo não era comum para homens como . Ele sempre fora acostumado com mulheres, por mais que não gostasse da sua reputação no Paddock. Ele era um conquistador nato, nunca passava nervoso para conquistar ninguém. Bastava um sorriso e pronto, todas estavam aos seus pés.
Mas com era diferente.
Ela parecia não estar nem aí para seus sorrisos, o tratava como um homem normal. E estava encantado com aquilo.
O australiano também estava decidido que iria fazer de tudo para se desculpar com a mulher pelo vestido estragado. Nada tiraria aquilo de sua cabeça.
Ele realmente estava encantado em conhecer Earnhardt.


Capítulo 6 – Sign of the Times

Things are pretty good from here, remember everything will be alright. We can meet again somewhere.
(As coisas parecem boas daqui, lembre-se que tudo ficará bem. Podemos nos encontrar novamente em algum lugar.)

14 de dezembro de 2021
Woking, Inglaterra


Quando atravessou as portas da sede da McLaren, em plena terça-feira, cumprimentando a quem sua vista enxergava, fez todos os funcionários pensarem a mesma coisa:
O que o piloto estava fazendo ali logo após o último final de semana da temporada?
Aquilo era estranho. A semana pós final de temporada era quando ninguém tinha notícias dos pilotos, porque eles estavam extravasando por conta do caos que sempre eram as temporadas de Fórmula 1. Ninguém aparecia para trabalhar dois dias depois. Muito menos .
Mas ali estava ele, indo diretamente para a sala de Zak Brown – o que aumentava ainda mais os burburinhos pela sede.
! — o CEO da McLaren exclamou surpreso ao ver o piloto entrar em sua sala.
O homem estava com bom humor, e agradeceu mentalmente por aquilo. Com toda a certeza deveria ser pelo quarto lugar no Mundial de Construtores, já que durante o campeonato foi de muita dúvida que obtivessem um lugar no top 5 da classificação, pois teve momentos que beiravam o sétimo.
— A que devo a honra de ter você aqui tão cedo? Só o esperava aqui no final do mês que vem.
— Precisamos conversar! — ele foi direto, e Brown o olhou preocupado.
Sabia sobre os desejos do piloto de um dia ganhar um mundial e como o carro da equipe dificultou o australiano a perseguir o título. Zak não desejava uma saída do homem da escuderia tão repentina, como havia sido com a Renault na temporada passada.
— Não sendo sobre você sair da equipe, eu aceito falar sobre tudo.
sorriu ao sentar-se na cadeira branca em frente ao homem, e Zak sentiu que podia se acalmar. O sorriso do piloto não era de quem desejava pedir uma quebra de contrato.
— Eu preciso que você me faça um favor, é muito importante.
— Qualquer coisa para o nosso australiano preferido.
respirou fundo e, sem rodeios, disse o que precisava:
— Preciso de uma engenheira nova.
Zak o encarou como se o homem estivesse delirando. Sem contar que ele estava falando no feminino, quando claramente havia passado o ano inteiro trabalhando com um homem.
— Mas você já tem um engenheiro de corrida, a equipe vai começar os preparativos para a nova temporada segunda-feira!
— Eu sei, por isso preciso de uma engenheira nova.
, o que está acontecendo?
— Posso ser sincero? — perguntou, mesmo sabendo que iria falar tudo o que pensava a qualquer momento. — O engenheiro que esteve comigo esse ano não é um dos melhores. Não brigou por mim nas estratégias passadas pelos engenheiros de Lando e vocês, aceitou tudo de cabeça baixa. Não sinto confiança em quem não sente confiança em mim, não tem como continuar dirigindo dessa forma. Eu quero ser campeão. Eu quero estar no lugar mais alto do pódio, e não vejo isso acontecendo se tudo continuar da mesma maneira.
Zak sentiu que o piloto vinha guardando as palavras por muito tempo. Por trás do sorriso mais encantador e fácil do paddock, existia um homem que poderia ter muita raiva e frustração dentro de si. E não era adequado perturbar um homem daqueles, que facilmente enfrentaria um exército com um sorriso no rosto para defender o que acreditava ser certo.
— Tudo bem, — Zak respondeu após uma pausa. — Irei providenciar uma seleção de engenheiros para a nova temporada.
— Eu já tenho uma engenheira em mente, quero que a contrate.
— Você está falando sério?
— Mais sério do que nunca — ele deu um sorriso característico. — Earnhardt.
Earnhardt? — perguntou surpreso ao ouvir o sobrenome. — Earnhardt, da família de Dale Earnhardt? O da NASCAR?
— Exatamente.
A proposta para Zak parecia mais benéfica que o esperado. Ter na sua equipe alguém da família Earnhardt era algo jamais esperado, principalmente por ninguém saber de coisas da família, que era muito reservada. Somente Dale Junior era visto na mídia, e suas aparições fora de seu trabalho eram raras.
Earnhardt é parente de Dale? Sobrinha? Com o que vamos lidar?
— Ela é filha de Dale, a caçula.
— Essa menina desapareceu da mídia desde a morte do pai! Você está brincando.
só pode estar louco”, Brown pensou. Era sabido de todos que Dale Earnhardt havia deixado dois herdeiros, mas apenas um seguiu seu caminho no automobilismo. A mais nova sempre fora apenas um nome sem rosto.
— Estou falando sério, e prometi pessoalmente ao irmão que iria conseguir um espaço para ela em minha equipe.
— Earnhardt Junior quer a irmã na McLaren?
coçou a cabeça, pois já esperava que Zak fizesse muitas perguntas no momento em que revelasse o nome da engenheira. Não era para menos, afinal, a família Earnhardt ainda era muito respeitada no meio do automobilismo de forma geral. Dale havia construído uma história, e seu filho seguiu seu legado com louvor.
— Agora vem a parte complicada da história.
— Vou precisar de uma água, você está me trazendo muitas novidades.
Brown apertou um botão na sua mesa e, minutos depois, lhe foram servidos petiscos, cafés e água. O CEO estava sentindo que aquela conversa iria demorar muito mais que alguns minutos, porque não estava lhe contando a história toda.
E ele estava certo. Mal terminou de beber sua água e voltou a falar:
— Você se lembra do caso Giuseppe Fernandez na Ferrari?
— Em 2017, se bem me lembro. Muito triste o acidente, o garoto era uma espécie de Charles Leclerc daquela época.
— Sim! Você lembra o que saiu da época?
— Não muita coisa, a FIA e a Ferrari foram rápidos em resolver o caso. Saiu apenas que a engenheira deles deixou passar uma falha no carro. Não saiu fotos dela, nada. Era só um nome que, sinceramente, não me lembro. Foi demitida e ninguém nunca mais tocou no assunto.
Miller.
— Não me recordo o nome. Mas por que isso é importante agora, ?
passou a mão pelos cabelos cacheados, nervoso. Era a história de , e ele sentia que estava invadindo um espaço que ela estava tentando deixar para trás. Mas não era justo ela não ter mais uma carreira por puro egoísmo de sua antiga equipe. E ele havia prometido ao irmão de que iria arranjar um espaço para que ela pudesse voltar a fazer o que amava.
sempre cumpria suas promessas, daquela vez não seria diferente.
Miller é Earnhardt. Ela nunca usou o nome do pai para não ser acusada de nepotismo, mas acredito que se tivesse usado a Ferrari, jamais teria feito o que fez.
, você está falando sério?
— Sim, Zak. Estou pedindo que contrate Earnhardt mesmo sabendo do passado dela com a Ferrari.
Zak jogou o corpo para trás e sentiu sua mente trabalhar mais rápido que o normal. Ninguém sabia que Earnhardt frequentava o paddock desde 2015, muito menos que tinha sido expulsa pelas portas do fundo da Ferrari como se não fosse nada. não era uma nepotista – pelo que Zak se lembrava, a Ferrari na época era imbatível, que decaiu no ano do acidente. No ano seguinte acharam Leclerc, mas ainda não conseguiram brigar pelo pódio como Mercedes e RedBull.
— Você tem certeza? — Zak perguntou para o piloto, mesmo sabendo que já tinha sua resposta.
Se conseguisse fazer algo para se acostumar com o novo carro, a equipe como um todo só teria a ganhar. A diretoria de Relações Públicas resolveria se vazasse para a mídia quem de fato era Miller em 2017, mas aquilo seria um problema fácil de resolver. Não teria questões judiciais, afinal, não houve crime e, se houvesse, já teria prescrito.
Zak Brown resolveu arriscar.
— Estou disposto a fazer qualquer coisa para tê-la em minha equipe. Só preciso que você me dê esse voto de confiança.
— Me passe o contato da Earnhardt.
sorriu. Ele tinha conseguido que Zak aceitasse sua proposta arriscada. O australiano sentiu um alívio percorrer seu corpo. Desde que soube de toda a história de e Ferrari, viu-se na obrigação de fazer algo, afinal, era a filha do seu herói de infância. E quando a conheceu durante o jantar, mesmo depois dos xingamentos em italiano, soube que aquilo seria o certo a se fazer, não só por ter ficado encantado pela mulher. Mas porque era justo que ela tivesse uma chance de manter o legado do pai no automobilismo assim como o irmão teve.
E acreditava em justiça.



15 de dezembro de 2021
Charlotte, EUA


gostava quando chegava o mês de dezembro por causa do clima de Natal. Ela não era muito chegada a festividades, mas a época lhe lembrava muito de seu pai. Dale costumava dizer que coisas boas aconteciam no mês do nascimento de Jesus, então aquela era sua época preferida. não acreditava fielmente na crença do pai, mas tinha as melhores lembranças possíveis, então gostava de fingir que em dezembro receberia boas notícias, assim como o pai sempre recebia. Afinal, ele conquistou diversos títulos naquele mês.
sorriu ao passar a mão pela fotografia que ficava em um lugar de destaque na sua escrivaninha. Apesar de não se lembrar do dia em que foi tirada, gostava de olhar para o pai a carregando, recém-nascida, com um macacão de piloto personalizado sob medida para ela. Seu destino estava traçado, de fato, desde a maternidade.
— Me ilumine, papai — pediu em sussurro e voltou a focar no artigo em sua frente.
A engenheira estava fazendo as últimas correções de seus orientandos naquele ano, estava feliz por eles terem a chance de defender sua tese e crescer na carreira acadêmica. valorizava quem escolhia seguir na academia. Achava deveras importante e ficava contente por fazer parte daquele mundo, mesmo não sendo o seu mundo verdadeiro. Era bom ser útil.
Marcou de vermelho um parágrafo que estava confuso e foi quando o toque de seu telefone lhe tirou a atenção. Rapidamente olhou para a tela, mas desligou ao não reconhecer o número. Se fosse algum aluno, receberia um e-mail. Eles não tinham acesso ao seu número privado.
Odiava ser incomodada, mas agradeceu mentalmente, pois pôde olhar a hora e se deu conta que estava atrasada para o almoço com sua mãe e irmão. Desde o dia do jantar com , estava se esforçando para fazer todas as refeições no horário e na companhia de sua família. Ela se sentiu muito feliz naquela noite, como há tempos não sentia, mesmo tendo o vestido arruinado pelo piloto.
desceu as escadas e encontrou a mãe colocando a travessa de lasanha na mesa. Finalmente não tinha sido a única a atrasar para o almoço. Sorriu e foi em direção a ela, dando-lhe um beijo na bochecha.
— Amo lasanha.
— E eu amo você aqui!
Pinscher! — Ralph gritou ao entrar, fazendo o fuzilar com o olhar.
— Você vai ficando velho e cada vez mais idiota, Junior.
— Sem tremedeira de raiva, por favor! — provocou, bagunçando o cabelo da irmã. — Ah, mandou oi para você.
— Quem é ? Ah, não acredito — fez uma pausa ao ver o irmão sorrir. — Você é amigo do piloto agora?
— Sou. Inclusive, ele me garantiu ingressos VIPs para o início da temporada que vem.
— Como se você precisasse — a mais nova deu de ombros. — Diga a esse mão-solta que ele me deve um vestido novo.
não esqueceria do estrago que o australiano fez em sua roupa com molho cranberry. Era seu único vestido.
— Você fala como se não tivesse dinheiro algum. Você ensina isso na faculdade, ser pobre?
— Cale a boca, imbecil.
Blanca balançou a cabeça negativamente e sentou-se. Ela poderia brigar com os dois, mas no fundo adorava ver os filhos daquele jeito, juntos e falantes. Demorou tanto tempo para voltar a ser daquele jeito novamente que, pela matriarca, poderia passar o dia inteiro trocando farpas com o mais velho.
Blanca Earnhardt estava feliz porque parecia estar cada vez mais de volta entre eles.
Os dois sentaram-se próximo a mãe e bateu nas mãos do irmão para que o mais velho não pegasse o pegador. Mas, antes que pudesse se servir, seu celular começou a tocar novamente.
— Que inferno! — praguejou, pegando o aparelho de seu bolso.
!
— Esse número fica me ligando, não sei quem é.
— Atenda! — Ralph disse que como se fosse óbvio.
— Lógico que não. Primeiro que não sei quem é, segundo que odeio falar ao telefone, que me mande um e-mail — disse ao desligar a ligação.
achava insuportável falar ao celular, já que qualquer problema poderia ser facilmente resolvido em três linhas de um e-mail. E ela não iria dar o braço a torcer. Da próxima vez que o número aparecesse em seu visor, ela o bloquearia.


🏎️


não planejava passar muito tempo na Inglaterra. Só tinha ido ao país para resolver as coisas com Zak e, com a afirmativa do CEO, já estava pronto para voltar para casa. Só esperava que Earnhardt aceitasse a oferta da McLaren.
Fechou as malas e foi em direção ao aeroporto – mal podia esperar para chegar na Austrália e ficar com sua família na primeira semana de suas férias. Depois iria para Mônaco e Ibiza com seus amigos, também pilotos. A mansão de Carlos Sainz na ilha espanhola era coisa de outro mundo, valia a estadia.
Sentou-se na sala privativa do aeroporto e entrou no Instagram para passar o tempo. adorava a rede social, era muito útil. Postou um story e, antes que pudesse começar a ver o dos outros, o número de Zak Brown brilhou em sua tela.
— Meu chefe preferido!
, tenho duas notícias. Uma boa e uma ruim.
— Só quero saber da boa.
A boa é que nossa equipe de relações pessoais já está trabalhando no caso Earnhardt. Abigail está no comando e Beatrice vai acompanhar pessoalmente vocês nesse período. Ela é realmente é uma fera, você sabe.
deu uma risada ao se lembrar do jeito único da negra ao lidar com mídias e repórteres.
Mas a notícia ruim é que não consigo contatar . Ao que parece, ela me bloqueou. Minhas ligações nem completam mais.
não conhecia a Earnhardt muito bem, mas já deveria desconfiar que aquela reação seria a cara dela.
Você pode resolver isso? Temos até depois de amanhã para ela assinar o contrato. Precisamos começar a trabalhar.
— Vou resolver. Obrigado por avisar!
respirou fundo, passou as mãos pelo cabelo e foi em direção à atendente da sala privativa. Ele teria que ser colocado urgentemente em um voo que fosse para Charlotte, nos Estados Unidos.


Capítulo 7 – Fight Song

And I don't really care if nobody else believes ‘cause I've still got a lot of fight left in me.
(E eu realmente não me importo se ninguém mais acredita, porque eu ainda tenho muita luta que ficou em mim.)

16 de dezembro de 1996
Charlotte, EUA


O piloto estadunidense da NASCAR, Dale Earnhardt, nunca pensou muito em ter uma família grande, mas sempre quis ter um filho que seguisse com seu legado. Para o grande The Intimidator bastava um sucessor. E ele teve. O primogênito levou seu nome, Ralph Dale Earnhardt Junior, e para orgulho de Dale Sr., sempre fora apaixonado pelo mundo do pai e começou a correr oficialmente aos 17 anos, em 1991.
No mesmo ano que realizou o sonho de ver o herdeiro correr profissionalmente pela primeira vez, descobriu que a esposa teria mais uma filha. Dale ficou surpreso, afinal, não tinha sido nem um pouco planejado. Mas assim que colocou nos braços pela primeira vez, soube que ela era tudo em sua vida. Ele protegeria a menina para sempre, mostraria cada pedaço de si e da sua história. Lhe apresentaria o automobilismo, mas ela seria livre para escolher o que fazer. Ele iria apoiá-la independente do que quisesse fazer no futuro. Poderia ser modelo – Dale Sr. a apoiaria e até mesmo a patrocinaria.
O grande homem de preto faria de tudo por aquela bebê que cabia na palma de sua mão.
Para a sua maior alegria, desde criança sempre fora apaixonada por corridas. A primeira de sua vida foi quando tinha apenas dois anos, e assistiu o pai correr pela primeira vez na NASCAR CUP. Claro que ele trouxe a vitória e dedicou o troféu para a caçula. sempre fora a menina dos olhos de Dale.
Assim como para , Dale era seu herói. Tudo o que a mulher fazia em sua vida tinha o dedo do pai. O automobilismo sempre esteve presente na relação dos dois, desde o nascimento até a morte.
Dale era um homem completo. A família respirava automobilismo, como ele sempre sonhou.
, ao longo dos seus cinco anos, já não queria mais brincar com as bonecas que ainda estavam encaixotadas aos montes em seu quarto. Ela queria saber mesmo da programação das férias com o pai: ajeitar o carro parado na oficina da família. A criança já conseguia identificar com maestria as mais diversas peças espalhadas pelo lugar.
levava muito a sério a missão de ajudar o pai; pegava sempre com cuidado cada ferramenta que lhe era pedida, e sua parte preferida era quando o pai a permitia mexer dentro do carro, saindo todas as vezes suja de graxa. Aquilo sim era diversão de verdade.
Naquele dia, a caçula da família desceu a escadaria correndo, recebendo um olhar de reprovação da mãe assim que pisou na sala de estar.
— Estou atrasada, mamãe — disse, fazendo Blanca balançar a cabeça negativamente, mas com um sorriso no rosto. — Papai já deve estar me esperando.
— Não vá se machucar! — pediu, mas não obteve resposta da menina.
Sem se prolongar no assunto, passou a mão pelo macacão jeans que usava e correu para fora de casa, indo em direção à garagem. Dale Earnhardt já estava ali, com o capô do carro levantado.
— Cadê Junior? — perguntou, chamando a atenção do pai.
— Oi, princesa! Seu irmão foi treinar.
— Hm, ok. Não vejo mais ele em casa — ela soou triste. A pequena sentia falta de ter a presença do irmão de 22 anos em casa, mas tudo o que ele fazia agora era treinar para ser um piloto de elite da NASCAR.
Dale saiu de perto do carro, abaixou-se e chamou a filha para seus braços.
— Um dia você entenderá, querida. Ralph está brigando pelo seu sonho, que é ganhar a Nationwide Series, assim como um dia você precisará brigar pelo seu.
— Vou mesmo ter que brigar? — ela cruzou os braços, pensativa.
— Com toda a sua alma, princesa. Nada vai ser fácil, mas você terá a mim, sua mãe e a seu irmão. Vamos brigar por você também.
— Ótimo — sorriu. — Agora vamos ajeitar esse carro, papai!
— Um dia você terá vários desses para ajeitar!
Os olhos de brilharam. Aquele era seu sonho: ajeitar carros. E ela iria brigar por aquilo, com toda a sua alma.



16 de dezembro de 2021
Charlotte, EUA


rolou pela cama, relutando para se levantar. Ela queria ficar mais um pouco naquele lugar confortável, sonhando com o tempo que passou com o pai. Era aconchegante ter aquelas lembranças. Mesmo não sendo religiosa, acreditava que, quando sonhava com o pai, era porque ele estava por perto.
Levantou-se a contragosto quando sentiu o estômago roncar e desceu a escadaria na esperança que a mãe tivesse feito um café da manhã daqueles. Não teve tempo de comer na noite anterior porque se perdeu na correção dos artigos e acabou dormindo com fome. Mas não viu a mãe nem o irmão na cozinha e nem em lugar nenhum. Por sorte, a mesa continuava posta, de forma impecável, como todos os dias. Entretanto, antes que pudesse se sentar, escutou a campainha.
— Quem visita os outros uma hora dessas? — perguntou a si mesma ao ir em direção à porta.
Assim que abriu, se assustou com o australiano parado com as mãos no bolso da calça de moletom e um sorriso no rosto. “Tinha que ser”, pensou, tinha que parar de frequentar a minha casa quando estou completamente desarrumada.”
!
. Entre — esticou o braço para que ele passasse. — Você está esperando Junior? Esse safado saiu sem avisar.
— Na verdade, é com você. Como é aquele provérbio, “se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”?
soltou uma risada. só poderia estar maluco. Ela não tinha absolutamente nada para tratar com o piloto e muito menos era entendida de provérbios.
— Não sei do que você está falando!
— Você não atendeu às cinco ligações do CEO da McLaren, então eu tive que vir aqui te buscar. Você será contratada e voltará para a Fórmula 1!
Ao ouvir as palavras do piloto, sentiu seu coração errar as batidas. Deu um passo em falso para trás e foi como se o seu corpo não correspondesse mais a seus comandos. sentiu suas pernas fraquejarem, mas antes que pudesse cair, passou o braço em volta de sua cintura e a manteve em pé.
a colocou sentada no sofá e ajudou a engenheira a colocar sua cabeça entre os joelhos, ficando em pé, à sua frente.
— Respire fundo, — disse, calmo, e passou as mãos pelas costas da morena por longos minutos.
— falou séria, levantou a cabeça e olhou em direção ao piloto. estava com a testa franzida e os olhos estreitados, como se a qualquer momento pudesse matar o homem à sua frente. — Eu não gostei da brincadeira. Isso não se faz.
estava visivelmente abalada e, também, irritada com o piloto. Por alguns segundos, o australiano não soube como reagir ao se dar conta de como ela havia recebido a notícia. A caçula dos Earnhardt parecia tão vulnerável, machucada. Aquilo ainda a atormentava.
, me desculpe, não queria deixar você mal…
— Mas deixou — ela o cortou. — Você pode…
— Mas eu falei sério — continuou ele antes que a mulher o expulsasse da casa. — O CEO da McLaren realmente estava ligando para você e eu posso provar, certo?
manteve seu olhar desconfiado, ainda sem entender por que o piloto estava fazendo tudo aquilo. pegou o celular do bolso e sentou-se ao lado da engenheira no sofá.
— Zak? Oi! — fez uma pausa. — Sim, consegui. Você pode falar com ela, por favor? — estendeu o telefone para , e antes que ela o levasse até o ouvido, encarou, hesitante, a tela. Respirou aliviada ao verificar o nome que ali brilhava: “Zak Brown - Chefe”.
— Hm, oi. É a .
Oi, ! — escutou a voz firme, mas animada do outro lado da linha. — me falou muito bem de você, então queria te convidar para vir aqui em nossa sede, na Inglaterra, tudo bem?
— Sim — ela encarou o piloto. — Falarei com a respeito. Obrigada! E desculpe qualquer transtorno.
Ele tem um jeito peculiar, , não se desculpe — escutou o homem rir. — Te esperaremos aqui, até mais!
A morena encerrou a ligação e devolveu o celular para o australiano, que a encarava fixamente como se esperasse uma confirmação rápida. Mas não teve.
— Você realmente não estava mentindo. Mi scusi.
— Eu não mentiria para você — foi sincero. — Você quer ir?
— Partiríamos quando?
— Comprei o último voo do dia, sai daqui a cinco horas. Aí amanhã de manhã iríamos para a empresa.
assentiu.
— Espere aqui, preciso fazer uma ligação — ela se levantou do sofá e deu as costas para o piloto, mas virou rapidamente como se tivesse lembrado de algo. — Pode comer, se quiser — apontou para o outro cômodo. — Você já sabe o caminho.
Então, deixou o piloto sozinho e subiu a escadaria – sem cair daquela vez. Assim que fechou a porta do quarto, quis gritar. A engenheira havia passado seus últimos anos desejando voltar para o mundo da Fórmula 1 e, quando a oportunidade apareceu, literalmente à sua porta, ela não sabia o que fazer.
pegou seu celular e ligou para o número que já sabia de cor.
? — a voz de sua terapeuta invadiu o quarto. — Você está bem? Esperava seu contato somente na semana que vem.
— Irei cometer uma loucura — foi sincera, afinal, tudo aquilo parecia uma grande loucura.
— Sente-se, respire e me conte o que está acontecendo.


🏎️


A cena de quase desmaiando ao receber a notícia ainda estava na cabeça de em looping. Ele nunca imaginou que veria a engenheira daquela forma, e aquilo o entristeceu verdadeiramente. Os acontecimentos com a Ferrari realmente a fizeram muito mal e tinham deixado consequências mesmo depois de todos aqueles anos.
“Como podem destruir uma vida assim?”, se perguntou enquanto tentava achar uma posição confortável no enorme sofá da sala dos Earnhardt. Mas ele não iria achar conforto algum, pois além de estar se sentindo cansado, estava com fome. tinha pegado um voo de Londres para os Estados Unidos na noite anterior, que durou dez horas – ele não tinha comido, muito menos dormido direito.
O piloto deu de ombros e andou em direção à sala de refeições da família americana. Não seria mal educado, havia oferecido comida. E ele nunca recusaria comida.
Sorriu ao ver a mesa farta, lembrando-se do jantar que tivera ali meses atrás. Os Earnhardt realmente gostavam de comer bem, e gostava bastante daquele traço da família. Ele era um apreciador de boas comidas.
O australiano pegou um prato e sentiu-se num hotel. Panquecas com calda, ovos fritos mexidos, bacon frito, salsichas, pães, cereais, leite, bagels, torradas, até mesmo muffins e cookies estavam à sua frente. “Michael que lutasse em seus treinos”, pensou em seu personal e grande amigo antes de se servir de uma boa porção de ovos com bacon.
O australiano se preparava para mais uma rodada, pegando panquecas com calda de mel, quando foi surpreendido pela matriarca da família e seu filho mais velho.
? — a mulher perguntou surpresa, fazendo o piloto a encarar assustado ainda com um pedaço na boca.
— Oi, senhora Earnhardt! — ele disse com a boca cheia, engolindo rapidamente com a ajuda do suco de laranja. — Desculpe pela invasão, hm, estou esperando ! Ela subiu já tem bastante tempo.
— Você está esperando a Pinscher? — Ralph perguntou, recebendo um olhar de reprovação da mãe e arrancando uma risada alta do piloto. — Aquilo deu certo?
— Sim!
— Aquilo o quê? — Blanca perguntou, curiosa, sentando-se à mesa.
disse que iria conseguir um emprego para na McLaren.
— Ela aceitou? — Blanca não podia se ver, mas sua expressão era de pura felicidade. Ela, mais do que ninguém, desejava que a filha alcançasse seu sonho.
— Não sei — respondeu —, eu espero que sim. Mas ela só me deixou sozinho aqui e subiu. Espero que não tenha fugido.
— A Pinscher deve estar pensando mil formas de dar certo e outras mil de dar errado.
— Pare de chamar sua irmã de cachorro, Ralph. Coisa feia.
— Mas ela é igualzinha a uma pinscher. Relativamente baixa, treme a mão quando fica com raiva, gosta de ser metida a brigona — o mais velho dos Earnhardt provocou a mãe. — Obrigado por tentar, ! Nosso pai deve estar agradecendo também.
— É o mínimo que posso fazer! Afinal, o pai de vocês mudou a minha vida — limpou a boca com o guardanapo. — E a senhora está mudando a minha vida com essa comida deliciosa.
Blanca sorriu em agradecimento; era realmente um galanteador. Mesmo quando falava de boca cheia, conseguia encantar.
Os três continuaram em uma conversa animada. contava mais uma de suas histórias, arrancando risadas, mas parou de falar quando percebeu na cozinha com uma mala e uma mochila nas costas. Ele sabia que a engenheira era bonita, mas a enxergando ali, com a claridade natural que entrava pelas janelas da grande casa, teve a certeza. Ela vestia uma calça de linho preta junto de uma blusa laranja. Calçava um tênis perfeitamente branco, o cabelo estava solto, não usava maquiagem, e se perguntou como poderia ser ainda mais bonita daquele jeito.
— Você terá que me levar para fazer compras — disse para o piloto, chamando a atenção de sua mãe e irmão.
— Para onde você vai com essa mala, hein, mocinha? — Blanca perguntou, mesmo já sabendo a resposta da filha caçula.
— Irei brigar pelo meu sonho, mamãe. Do jeito que papai me ensinou.
nunca havia tido tanta certeza quanto aquela durante todos aqueles anos. Ela iria para a McLaren com e enterraria seu passado com a Ferrari. Earnhardt não estava sozinha. Ela iria brigar por seu sonho de voltar à Fórmula 1 com toda a sua alma.


Capítulo 8 – One More Light

Who cares if one more light goes out? Well, I do.
(Quem se importa se mais uma luz se apagar? Bem, eu me importo.)

17 de dezembro de 2021
Londres, Inglaterra


não conseguiu dormir durante a viagem, ao contrário de , que estava aproveitando todos os benefícios de estar na primeira classe da aeronave. O piloto havia reclinado a poltrona o máximo que conseguia e dormia como se estivesse em sua própria casa, estava até mesmo de boca aberta. riu sozinha ao ver a cena e aproveitou para tirar uma foto, que com toda a certeza usaria contra quando surgisse a oportunidade.
Antes que pudessem sair do avião, ela aproveitou para ajustar seus horários. Esperava que não sofresse com o jet lag, mas sabia que era difícil – afinal, Londres estava cinco horas à frente de Charlotte. Os dois pisaram em terra firme às duas da manhã da quinta-feira, e o corpo de implorava por um descanso. Muita coisa tinha acontecido naquelas últimas horas, e tudo ainda parecia uma loucura.
— Vamos para um hotel aqui, tudo bem? — perguntou assim que pisaram no estacionamento do aeroporto. apenas assentiu, cruzando os braços em uma forma de se proteger do frio. — Fique com isso, deve ajudar — ele tirou o moletom laranja que usava e o entregou para a engenheira.
Em dias normais, recusaria por não querer atrapalhar, mas por conta do frio que estava quase para fazer seus dentes rangerem, aceitou de bom grado. Entregou a mochila que carregava para o piloto e vestiu rapidamente a peça, dando um sorriso de canto ao prestar atenção na marca que estava no punho do moletom.
— Você tem uma marca de roupas? — perguntou assim que entregou a mala para o motorista que os esperava.
— Legal, não é? — ele sorriu, e acenou positivamente com a cabeça. — Você pode ficar com esse.
— Serei modelo da Ric3 — falou, convencida, arrancando uma risada do piloto.
— Será um prazer! E ei — ele deu três tapinhas na pequena mochila da engenheira assim que se acomodaram dentro do carro —, você me avisa quando for para mandar buscar o restante das suas coisas em Charlotte.
riu sem graça e o encarou.
— Eu não tenho mais bagagens, . De nenhum tipo.
O piloto passou a mão pelo cabelo, que já estava com os cachos mais aparentes, e deixou escapar um sorriso ao ver a mulher olhar atentamente cada detalhe da paisagem na madrugada inglesa. Earnhardt parecia sentir-se livre. E adorava vê-la daquela forma.
Liberta, como sempre deveria ter sido.


🏎️


os hospedou no Mandarim Oriental, o hotel seis estrelas que ficava localizado em frente ao Hyde Park.
suspirou, surpresa, assim que pisou na cobertura em que iriam ficar. Era uma das quatros principais do hotel – possuía uma vista espetacular para o Hyde Park, dois quartos e uma sacada de tirar o fôlego. Fazia muito tempo que ela não frequentava espaços tão chiques e finos; talvez nem soubesse mais como se comportar naqueles ambientes.
— Você pode ficar em qualquer quarto. Fique à vontade, ok? — deixou a mochila de , que ainda carregava, ao seu lado no sofá.
— Obrigada, . Mas como vamos fazer? A sede fica muito longe daqui? É em Woking, não é?
— Sim! Woking fica a alguns quilômetros daqui. Não se preocupe, a McLaren já mandou um carro para ficar comigo nesse tempo. Hm, vou precisar resolver algumas coisas, mas ficaremos aqui hoje. Mais tarde lhe explico como faremos, você ainda precisa assinar o contrato.
o encarou, séria.
— Não quero dar trabalho! São suas férias, e eu lembro como vocês esperavam ansiosos para esse momento. Posso me virar sozinha, , só me dê o endereço do lugar.
falava gesticulando, e se deu conta do porquê do irmão mais velho da mulher a chamar de pinscher. Ela realmente parecia um quando ficava nervosa e, principalmente, na defensiva.
— Eu sei que você pode — ele sorriu gentilmente —, mas não precisa se preocupar. Aliás, pode ficar com o quarto maior. Você parece estar precisando de uma noite de sono melhor que eu. Estarei no quarto ao lado, se precisar.
saiu da sala, deixando a engenheira a sós. ainda não entendia o motivo de o piloto estar sendo tão gentil – talvez fosse de sua própria natureza ser assim, solícito e preocupado, mas ela não estava acostumada com tantos cuidados. ainda se lembrava de como as coisas funcionavam na Fórmula 1 e sempre tinha sido cada um por si, e ela estava acostumada com a própria solitude. Mas as coisas pareciam ter mudado durante todos aqueles anos em que ficou de fora.
Earnhardt respirou fundo e sentiu seu corpo relaxar, ajeitando-se no sofá que era mais confortável que a cama em que dormia todos os dias. Agradeceu mentalmente por ter aparecido e dormiu.


🏁


saiu do quarto às cinco da manhã. Não tinha mais nem um pingo de sono, já que aproveitou as horas no avião para dormir tudo o que não havia dormido nos dias passados. Passou pela sala e balançou a cabeça negativamente – ainda que tivesse um sorriso nos lábios – ao ver dormindo profundamente, encolhida no sofá.
— Amanhã suas costas irão me agradecer — murmurou ao pegar a engenheira no colo.
a colocou no meio da cama, cobrindo-a do pescoço aos pés em seguida. No pouco tempo que tinha passado com ela, já tinha percebido que Earnhardt não era tão adepta ao forte frio que fazia na Inglaterra.
A morena ainda vestia seu moletom, e percebeu que ela não havia trazido consigo muitas coisas, apenas uma mala – que falava a todo momento para terem cuidado – e uma mochila, que ele passou a maior parte do tempo carregando desde que saíram do aeroporto. O piloto se perguntou o que de tão importante tinha trazido, porque, segundo ela, aquilo era tudo o que tinha.
coçou os olhos e voltou a mexer em seu celular. com certeza iria assinar o contrato mais tarde, então ficar hospedado em Londres era perda de tempo, pois ficariam muito tempo em Woking. Já pensando nisso, o piloto passou o restante da madrugada procurando uma casa para alugar na cidade inglesa. Um apartamento poderia ser pequeno caso não gostasse de dividir ambientes. achou uma casa que aparentava ser espaçosa e confortável, e, sem pensar duas vezes, alugou a propriedade com um clique e um reconhecimento facial. O cartão de débito já autenticado no celular facilitava muitas coisas.
Voltou para o quarto e resolveu deitar. Ainda faltavam três horas para que eles fizessem a pequena viagem para Woking, então cochilou sem nem perceber. O australiano acordou com o alarme, levantou-se preguiçosamente e saiu em direção ao quarto de para acordá-la, mas a encontrou sentada no sofá mexendo em sua mochila.
— Acordei em uma cama muito mais confortável que esse sofá. Preciso comprar uma igual — ela disse assim que percebeu entrar na sala. — Você me carregou, foi?
— Foi — ele respondeu, recebendo um sorriso como resposta.
— Obrigada — voltou a mexer na mochila. — Não sei o que vestir, não tenho roupas de frio. Como é lá na sede?
— É frio — respondeu novamente, e a engenheira o olhou com os olhos semicerrados. — Vou te emprestar um dos meus moletons, vai servir.
— Fica igual um vestido. Mas pelo menos não passo frio.
— Você não trouxe muitas coisas, não é?
— Só o importante. O resto posso comprar por aqui mesmo, ou onde eu for ficar.
— É verdade. E por sinal — ele coçou o pescoço, dando um pigarro —, você vai morar comigo durante uns dias.
Eu vou o quê? — ela perguntou, o encarando assustada.
— Você precisará de companhia para se adaptar e, surpresa — sorriu animado —, serei seu anfitrião.
balançou a cabeça negativamente, já prevendo formas de não matar o piloto durante a estadia na Inglaterra, pois não poderia ficar desempregada novamente.
— Quanto vai custar essa brincadeira? — ela perguntou e deu de ombros, em um claro sinal que não fazia ideia. E saiu da sala.
esfregou suas mãos na coxa, ainda pensativa, mas o piloto tinha razão no final das contas. Não fazia sentido algum ficar em Londres quando o lugar que trabalharia ficava em outra cidade. Talvez a ideia de dividir uma casa com ele não fosse tão absurda, mesmo Earnhardt não tendo noção de como as coisas iriam acontecer.
voltou para a sala do quarto do hotel e entregou para algumas peças de suas próprias roupas. agradeceu e foi se trocar; vestiu-se com sua calça mais grossa e colocou a blusa de moletom de por cima da blusa de manga comprida. Ela gostou da cor do moletom, era amarelo-claro. Amarelo era a cor preferida da engenheira. Voltou para a sala e mentalmente agradeceu pelo piloto já ter pedido serviço de quarto. Eles comeram enquanto falava sobre a casa que tinha alugado e rapidamente desceram para irem em direção a Woking.
Os olhos de Earnhardt brilharam assim que viu o McLaren GT preto e fosco em sua frente. Sem pensar muito, a engenheira se aproximou do carro esportivo e poderia dizer com firmeza cada detalhe dele, apenas por aquela primeira olhada.
— Lindo, não é?
— Sim!
— E sabe o que é melhor? — ele incitou, o encarou. — Foi de graça.
A morena sorriu acompanhada de , e entraram no carro que já estava com todas as bagagens devidamente arrumadas.
— Pronta? — perguntou, e o encarou mais uma vez.
Pronta.
Ela estava mais do que pronta. Havia esperado por muito tempo por aquele momento, que agora estava mais perto do que imaginava. E então, acelerou em direção à saída de Londres.


⚙️


Os dois cruzaram o enorme portão de entrada da McLaren e seguiram por uma estrada até a portaria principal da sede. A sede em Woking tinha uma vista espetacular, parecia ter saído de um set de cinema.
Ao entrarem na área principal, os olhos de foram certeiros na escultura feita em bronze em homenagem a Ayrton Senna que estava exposta no boulevard da fábrica da equipe. A lenda do automobilismo brasileiro, e mundial, estava reproduzido como se estivesse dentro do cockpit, pilotando o carro, com o tronco na vertical e as pernas deitadas na horizontal. Os detalhes de seu uniforme e capacete não passaram despercebidos pelos olhos atentos da engenheira – estavam devidamente esculpidos no bronze.
— Incrível! — disse animada, batendo palmas como se fosse uma criança. — Você pode tirar uma foto minha aqui? Preciso mandar para minha família, eles não vão acreditar!
riu e concordou, então pegou o celular da engenheira e ficou ao lado da estátua, sem ousar tocá-la. Em seguida, aproveitou e tirou uma selfie com a mulher, também ao lado da escultura.
— Aqui é muito legal, não é?
— É perfeito — exclamou ao continuarem andando. encarava tudo como se fosse uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo.
Não se parecia em nada com a sede da Ferrari na Itália, mas desde o primeiro momento, se emocionou. Passou pelas portas de vidro acompanhada de e quis chorar; estava de cara com os carros que cresceu amando.
Parecia que ela tinha cinco anos de novo e estava vendo seu primeiro carro de corrida.
Sentiu seus olhos encherem d’água quando parou em frente aos carros de Ayrton Senna, Niki Lauda, Alain Prost, Lewis Hamilton, Jenson Button, Kimi Räikkönen, Mika Häkkinen. E sorriu verdadeiramente ao passear por entre os carros que disputaram Can-Am, Indy e Le Mans.
— Isso é história viva, — comentou ao se agachar ao lado do carro em que Ayrton Senna havia disputado a temporada de 1990. — Obrigada, de verdade.
passou a mão pelo número 27 e permitiu-se chorar pela primeira vez. Ela estava de volta àquele mundo. Ao mundo que tanto amava e que sentia falta. abaixou-se ao seu lado e a abraçou.
— Você voltou, .
Os dois voltaram a andar por entre os espaços do Centro de Tecnologia McLaren até que pararam em frente à sala da divisão McLaren Applied Technologies. Era uma espécie de laboratório onde os engenheiros dedicavam suas horas nas peças e controladores. sempre quis conhecer aquele lugar, mas nunca tinha tido a oportunidade. Afinal, era uma ferrarista.
— Você sabia que é aí nessa sala que são fabricadas as peças da IndyCar, Fórmula E — fez uma pausa — e da NASCAR?
poderia jurar que os olhos da mulher estavam brilhando. sempre teria uma ligação com a categoria, também pudera, filha de quem era.
— Eu não sabia disso — o piloto revelou, um pouco constrangido. — Na verdade, não entendo muito dessas coisas, mas é bom finalmente ter uma engenheira que me explique, certo?
soltou uma risada.
— Obrigada por pensar em mim para esse emprego, . De verdade.
— Ao que me lembre, temos que assinar um contrato agora!
e Earnhardt caminharam juntos pelos grandes corredores da sede, até que passaram pela versão do McLaren Senna, em tamanho real feito inteiramente de peças de Lego. sorriu, tendo uma lembrança boa de sua infância quando passava muitas horas do seu dia construindo carros e bonecos de lego. Ela adorava montar as peças.
— Isaac vai adorar conhecer isso aqui! — ele deu um grande sorriso ao apontar para o carro.
— Você tem um filho? — a engenheira perguntou, curiosa. havia falado o nome transparecendo muito amor.
— Não! — riu. — É meu sobrinho mais velho. Tenho dois, Isaac e Isabella. Moram em Perth com minha família.
— Ele gosta de Lego?
— Ele é apaixonado! Isabella, nem tanto. Mas Isaac é louco, vive me pedindo os brinquedos, mas sempre acabo esquecendo de levar um novo. Acho que estou devendo uns três para ele.
— Eu era exatamente assim quando criança — sorriu ao se lembrar de quando perturbava o pai para que ele trouxesse peças novas quando voltasse de suas corridas.
Os dois subiram pela escada branca que dava na sala de Zak, e, antes que pudessem entrar, pareceu recuar. Seus pensamentos começaram a se embaralhar e a encarou, como se soubesse que algo estava errado.
— Ei — ele tocou nos ombros de —, estarei ao seu lado. Vai dar tudo certo, ok?
— Estou com medo — ela assumiu. — E se eu não fizer um trabalho bom com você? E se perdermos? Ou pior, se eu fizer alguma besteira…
— Com o seu currículo, acho difícil — o australiano foi sincero. — Vamos fazer isso juntos. É a minha primeira vez também mudando algo na equipe.
sorriu, concordando. Esperou o piloto abrir a porta e entrou na sala gelada em seu encalço.
Zak Brown estava sentado, acompanhado de uma mulher que deveria ser um pouco mais nova que . Ela possuía o cabelo trançado que ia até sua cintura; seus olhos eram negros e combinavam perfeitamente com sua pele. Ela vestia um macaquinho curto, laranja, acompanhado de um tênis Nike, e se perguntou como a mulher aguentava o frio.
! Finalmente nos conhecemos — foi a primeira a falar. Então, levantou-se e estendeu a mão em direção à engenheira. — Nesses quatro dias, esses dois — apontou para Zak e — só falam de você.
— De mim? — perguntou, dando uma risada nervosa.
— Sim! Não se preocupe, foram coisas boas. Ah, eu me chamo Beatrice Portinari, mas me chame de Bea, por favor.
— Finalmente pude conhecer Earnhardt! — Zak a cumprimentou. — Você me foi muito bem recomendada.
— Não sei o que andou falando para vocês, mas só sou uma engenheira mecânica.
— Formada pelo MIT e que dá tutoria para os alunos de Mestrado em Berkeley. — Beatrice disse e a encarou, não tendo ideia de como a mulher sabia sua formação. Ela nunca tinha falado nada para . — Não seja modesta, . Tá tudo bem ser um gênio. riu sem graça, e Zak fez sinal para que ela se sentasse; fez o mesmo.
— O que é MIT? — ele perguntou, recebendo um olhar nada contente de Bea.
— É a melhor faculdade de engenharia do mundo. Sim, , do mundo inteiro — respondeu antes mesmo de .
sentiu seu rosto ruborizar e abaixou a cabeça, percebendo que estava balançando os pés. Ela estava ansiosa e nervosa.
— Beatrice é nossa contratada de relações públicas, por isso ela sabe tanto de você. Tivemos que fazer uma busca sobre sua vida inteira, desculpe a intromissão.
encarou Zak, preocupada.
— Então vocês sabem de tudo?
A Ferrari foi um lixo com você — Bea foi sincera e arrancou um sorriso da engenheira. — Não se preocupe, estaremos prontos para brigar por você se for necessário.
— Obrigada! — sussurrou, parecendo mais aliviada.
— Se você quiser, é claro — Zak disse, colocando um papel em sua frente. — Você só tem que assinar.
Earnhardt estava a um passo de voltar para o mundo que a tinha expulsado. O mundo que sempre sonhou voltar, mas nem nos seus mais loucos devaneios imaginou que seria daquela forma, ainda mais tão rápido e com pessoas tão dispostas a fazer dar certo. olhou para o piloto ao seu lado e, quando recebeu um sorriso de , se deu conta que poderia ficar tranquila.
E então, assinou o contrato que estava à sua frente. Ela oficialmente fazia parte da McLaren.
Earnhardt estava de volta ao jogo.


Capítulo 9 – Night Changes

She's heading for something that she won't forget
Having no regrets is all that she really wants
(Ela está indo em direção a algo que nunca esquecerá
Viver sem arrependimentos é o que ela quer)


não sabia como as coisas seriam dali em diante, mas preferiu confiar em , ignorando tudo o que tinha aprendido na Ferrari sobre não acreditar nas pessoas ao seu redor. As coisas poderiam ser diferentes, ela faria ser diferente.
— Ainda não acredito que você alugou uma casa — disse assim que o piloto passou pela entrada do condomínio, que ficava a cerca de vinte minutos da sede da McLaren.
— Acredite. Eu também contratei algumas pessoas para ajudar na organização da casa.
! — deu gargalhadas. — Por quê?
— Você pode precisar de espaço, e está acostumada a viver em uma casa grande.
sorriu ao perceber o cuidado que o piloto havia tido para que ela não sofresse tanto com a mudança brusca, não só de país mas também de rotina. estacionou perfeitamente em frente à casa onde tinha uma pequena fachada feita de tijolinhos, que lembrava com a de onde tinha crescido. sorriu ao se lembrar com carinho de Charlotte. Desceram do carro e tirou calmamente todas as bagagens; eram mais malas dele do que da engenheira.
Entraram na casa e se deu conta do quão espaçosa era, além de ser bem iluminada. Existiam janelas por todas as partes; seus olhos conseguiram enxergar um enorme quintal que com toda certeza deveria ter uma piscina. gostava de piscinas, mas sabia que não entraria em nenhuma enquanto continuasse aquele frio na Inglaterra.
— Boa tarde, senhor e senhora ! — uma senhora branca, de meia-idade, com os cabelos presos e a roupa devidamente passada, os cumprimentou. e se entreolharam e gargalharam, assustando a governanta.
— Céus, desculpe! — quem falou primeiro. — Não somos casados, nós só trabalhamos juntos.
— Mil perdões! — a expressão da mulher era de puro desespero.
— Não se preocupe! — falou, tocando em seus ombros.
percebeu que ele gostava de falar tocando nas pessoas. Apesar de não ser chegada a cumprimentos, a engenheira gostava quando era o piloto quem fazia.
— Essa é Earnhardt! Por favor, faça-a se sentir em casa.
— Com toda a certeza, senhor ! Eu sou Meredith, a chefe da equipe que o senhor contratou. Trabalharei com mais duas pessoas.
— Oi, Meredith — sorriu amistoso. — Pode me chamar de .
A mulher sorriu, sabendo que não o chamaria pelo primeiro nome, pois não era assim que as coisas funcionavam na Inglaterra. Meredith apresentou a casa para os dois, que ficaram ainda mais surpresos com o quão grande ela era. Tinha um total de cinco quartos, sendo três suítes, e um enorme quintal que contava com uma piscina e churrasqueira. Aquela foi a parte preferida de – piscina e churrasco eram suas combinações preferidas.
Depois de estarem devidamente acomodados, foi atrás de , que tinha escolhido o quarto com vista para o quintal.
— Precisamos conversar — disse, recebendo um sinal da engenheira para que ele entrasse no quarto. estava com a mala aberta, arrumando as coisas que tinha trazido. — Então era isso que você guardava a sete chaves nessa mala.
arrumava perfeitamente na mesa, encostada na parede, seu material de trabalho: um MacBook, um monitor também da Apple, teclado, mouse e um iPad.
— Meu material de trabalho — ela sorriu, tirando um pequeno quadro de dentro da parte protegida da mala. Era uma fotografia dela recém-nascida com o pai. — Mas, sim, diga.
— São duas coisas. A primeira é que a Beatrice me encheu o saco para eu passar seu telefone para ela…
— Eu nem sei como você conseguiu meu número.
— Seu irmão quem me deu — deu de ombros e suspirou. Não estava surpresa; Junior sempre fora um enxerido. — Enfim, Bea deve encher você de mensagens e vai querer te levar para fazer compras. Acabei falando que você sentia frio aqui.
— Ótimo, assim compro logo o vestido que você está me devendo, não pense que eu esqueci — brincou, e riu.
— A segunda coisa é mais um pedido. É que eu sou acostumado a passar o Natal com a minha família, mas não queria deixar você sozinha aqui, se acostumando com tudo.
, você já fez muito. Não precisa pedir pra ir visitar sua família, claro que não irei me importar.
— Não, , eu quero trazer eles pra cá. A casa é bem grande, acredito que eles não irão incomodar você. Vou falar com todos antes.
Ela sorriu para o piloto.
, é a sua família! Isso nem deveria estar em cogitação aqui. Você deveria me tirar, e não pensar que eu poderia não aceitá-los aqui!
— Jamais expulsaria você, ! — foi sincero e a morena sorriu, sendo pega de surpresa. — Mas obrigado. E, ah, tem mais uma coisa.
— Então são três coisas que você queria falar.
riu, coçando a cabeça.
— Sim, hm — ele passou a mão pela garganta, demorando mais tempo que o normal para continuar —, você quer jantar comigo mais tarde?
— Eu iria se tivesse roupas — apontou para as roupas espalhadas pela cama. — Isso é tudo o que eu trouxe de Charlotte.
soltou uma risada ao olhar para as peças. Todas aparentavam serem feitas de tecidos finos que não protegeriam a mulher do frio inglês.
— Se eu resolver esse problema, você iria?
— Tranquilamente. Ah, e eu não uso vermelho — piscou para o piloto, e ele saiu apontando para a própria cabeça, como se estivesse avisando que não iria esquecer.
não sabia o que iria fazer, mas resolveu deixar as coisas acontecerem, afinal, era só um jantar. Um jantar com o australiano que lhe havia dado a oportunidade de fazer o que mais amava na vida.
A morena terminou de ajeitar suas coisas do trabalho, colocou suas – poucas – roupas no lugar e, enfim, ligou para a família. Estava há quase três dias longe, mas já tinha uma porção de novidades para contar.


🏎️


O som dos saltos altos de Beatrice Portinari invadiram a casa em Woking, fazendo , que já estava à sua espera na espaçosa sala, dar um largo sorriso ao ver que a negra trazia sacolas, das mais diversas marcas, penduradas em seus braços.
— Eu só não peço um aumento porque amo fazer compras, você sabe que eu não diria não.
— Você é a melhor, Portinari! — pegou todas as sacolas de sua mão, deixando-as no sofá ao seu lado. — Mas, por favor, tire meu cartão da sua Apple Wallet. O do futuro não pode ficar pobre.
— Você está chorando miséria. Não gastei nem 1% do seu salário.
— Se você tivesse tido mais tempo, gastaria! — brincou, recebendo um olhar travesso da mulher. — Obrigado, Bea! Espero que goste das roupas.
— Se ela não gostar, é maluca — a italiana falou como se a dúvida do piloto fosse uma ofensa. — Eu tenho um ótimo gosto, .
— Disso tenho certeza. Por isso pedi para você, e não para Leclerc ou Maximilian.
Argh — Beatrice gesticulou com as mãos, como se fosse para parar de falar. — Não fale deles, você sabe. E sim, Charles se veste no escuro, todas as vezes. E Max não tenho nem comentários, só veste coisa da RedBull.
— Seus namorados são esquisitos — provocou. gostava de testar a paciência das pessoas, e Beatrice Portinari era uma de suas maiores vítimas.
— Cale a boca — balançou as mãos em um sinal para o piloto esquecer o assunto. Charles Leclerc, Beatrice Portinari e Max Verstappen eram tópicos que a negra evitava tratar. — Eles não são meus namorados, ok?
— Escolha Max. Maximilian é meu amigo.
— Lance Stroll é seu amigo e nem por isso eu escolheria o herdeiro.
— De besta, nesse momento você poderia estar usando o cartão dele em seu Wallet, e não o meu.
— Você é impossível, . Impossível — a italiana bufou e recebeu um abraço do piloto. — Me avise se ela não gostar de algo — sorriu —, mas duvido que isso vá acontecer.
Beatrice deu as costas para o piloto, deixando com um sorriso no rosto e várias sacolas.
gostava verdadeiramente de Beatrice. Ele tinha conhecido a italiana quando ainda era piloto da Red Bull, o então companheiro de equipe, Max, chegou animado falando sobre como tinha reencontrado uma mulher incrível na noite passada. Beatrice Portinari havia virado a cabeça do piloto neerlandês e seguia fazendo isso até os dias de hoje, mesmo tendo Charles Leclerc na história. Mas aquela era uma história que Bea não gostava de contar.
subiu cuidadosamente a pequena escada, tentando não se desequilibrar com as diversas sacolas que segurava. A porta do quarto de estava fechada – deveria estar falando com sua família ou já estaria focada em seu trabalho, pensou o piloto antes de dar uma pequena batida com o pé na porta, que acabou se tornando um estrondo. a abriu rapidamente, com a mão no peito.
— Você me assustou — disse para o australiano, que tinha um sorriso sem graça no rosto.
— Desculpa! Não consegui bater — levantou as sacolas ainda com dificuldade. — São para você — ele as deixou em cima da cama enorme.
— Isso tudo é pelo vestido que você estragou?
riu.
— Isso tudo é para você não passar muito frio. Beatrice quem comprou. — sorriu e percebeu seus olhos brilharem. — Mas ela disse que vocês ainda precisam ir às compras antes da temporada começar.
— Com toda certeza! — ela disse ao pegar uma sacola da Valentino. — McLaren ou você que pagou por isso?
— A McLaren, né? Eles pagam meu salário.
soltou uma risada.
— Faço um cheque para você mais tarde. Talvez minha mãe fique feliz ao ver minha conta sendo movimentada. Ela vive dizendo que não levarei dinheiro algum para o caixão. — gargalhou, sendo acompanhado pela estadunidense. — Obrigada, . Lhe encontro às oito, assim que terminar de corrigir esse trabalho. É o último.
— Trabalho?
— Sim! Preciso finalizar as orientações dos meus alunos de Berkeley antes de me dedicar inteiramente à McLaren. Não posso deixá-los sem orientação final, seria terrível. Mas já encontrei um tutor à altura deles.
— Não melhor que você, claro.
sentiu seu rosto queimar e fitou os próprios pés, descalços.
— Você fez tudo isso agora? — ele perguntou.
— Não, desde o avião enquanto você babava dormindo.
a encarou com os olhos arregalados; riu da surpresa do piloto. Ele havia sido flagrado.
— Até as oito, .
— Não se atrase — ele piscou e saiu do quarto.
mal podia esperar por aquele jantar. Só esperava não derramar nada na mulher.


⚙️


tentou voltar a concentração para o último artigo que faltava, mas as dezenas de sacolas que estavam em sua cama a chamavam.
, quando ainda morava na Itália, adorava passear pelas ruas recheadas de lojas e sempre voltava com mais de dez sacolas para casa. Ela gostava de ir às compras, mesmo que sozinha, afinal, estava na Itália e trabalhava na escuderia mais famosa do mundo – não poderia deixar a desejar em nenhum aspecto. Mas quando o acidente aconteceu, tudo mudou. Nenhuma roupa mais lhe tinha serventia, além de ter perdido muitos quilos. Não precisava mais estar arrumada, pois era apenas uma decepção. Mandou a mãe entregar tudo para a doação mesmo tendo a vontade de queimar. Não queria mais nada que remetesse àqueles seus dias gloriosos. Ela não merecia.
deixou em Charlotte a única coisa que lhe remetia à Itália e à Ferrari: o carro esportivo que ainda estava perfeitamente estacionado em sua garagem. Era uma punição pessoal tê-lo sob seu teto. Esperava um dia conseguir tirá-lo dali. Mandá-lo pro inferno, assim como todos os tifosi. No mesmo lugar onde a Ferrari a tinha deixado.
Earnhardt deixou a mesa de trabalho e sentou-se na cama, abrindo sacola por sacola, com um sorriso nos lábios e um brilho no olhar. Não era por ser Gucci, Prada, Miu Miu, Chanel ou Dior ali, mas sim porque cada peça parecia ter sido comprada pela própria . A engenheira não sabia como, mas Beatrice havia acertado em tudo. Desde as vestimentas até os calçados. A italiana tinha comprado, além das roupas e biquínis, duas botas, um salto alto e dois tênis. era uma fã de tênis, porque sempre combinavam com tudo e eram confortáveis.
Da pequena fortuna em sacolas, deixou para abrir por último a da Burberry, e teve uma feliz surpresa ao retirar um vestido amarelo de dentro. A cor preferida de era amarelo. Amarelo, para a engenheira, significava muitas coisas, até mesmo amor, como na música do Coldplay. Earnhardt ainda acreditava que um dia poderia encontrar o seu yellow em meio ao caos que era.
Ela pegou o vestido com cuidado. Ele não possuía mangas, era feito de lã em conjunto de seda e parecia que se moldaria perfeitamente no momento em que estivesse em seu corpo. Faria par perfeito com a jaqueta xadrez vintage que tinha uma pequena logo da mesma marca do vestido. estava apaixonada. Seria aquela roupa que usaria no jantar com .
“Diga a Beatrice que amei cada peça”, ela enviou a mensagem para e, enfim, voltou a sentar-se na mesa para que pudesse finalizar a correção do artigo.
estava feliz como não ficava há muito tempo.


🏎️


estava no sofá, amarrando seus Vans pretos que pareciam combinar perfeitamente com sua calça jeans preta, assim como sua camiseta, fazendo par com um casaco verde-escuro e branco no estilo colegial – quando percebeu descer as escadas.
O piloto piscou algumas vezes antes que a mulher olhasse em sua direção; ela estava ainda mais linda do que nos outros dias. Segurava delicadamente o casaco em sua mão esquerda e usava um vestido amarelo que pareceu ter sido feito sob medida, e uma parte de seus cabelos estavam perfeitamente presos, enquanto a outra caía por seus ombros. adorava como amarelo parecia ter sido feito para . Ela combinava com a cor.
— Você está muito bonita, ! — disse assim que a engenheira ficou à sua frente.
— Você também, . Gostei da jaqueta — ela sorriu. — Vamos?
— Sim! Antes que percamos nossa reserva.
— Você fez até uma reserva!
— Claro que fiz! Não poderia deixar você esperando em uma fila no restaurante. Você está muito bonita para esperar no frio.
soltou uma risada e acompanhou o piloto em direção ao carro, que estava em frente à casa.
O caminho até o restaurante The Clock House não ficava muito distante da propriedade onde os dois estavam hospedados. Quanto mais via a paisagem ao seu redor, tinha a certeza que havia escolhido uma localidade de alto luxo. Talvez nem ele mesmo soubesse daquilo.
estacionou em frente ao restaurante e a porta de foi aberta pelo manobrista. Antes que pudesse sair, já estava a aguardando. O restaurante escolhido pelo piloto ficava localizado em um belo edifício georgiano, bem no centro do bairro de Ripley. Assim que adentraram, receberam um espaço elegante, contemporâneo e luxuoso; prestava atenção a cada detalhe. A engenheira adorou como o lugar era requintado, mas ao mesmo tempo, descontraído e acolhedor. Não tinha muitas pessoas, o que a fazia ficar ainda mais confortável.
— Aqui é lindo, sussurrou enquanto eles eram guiados para a área de jantar, que ficava no primeiro andar. Havia ainda menos gente do que no térreo próximo à entrada, onde ficava localizado o bar.
— Gostei muito da vista — apontou para o grande jardim completamente iluminado.
— Podemos tentar fazer isso no jardim daquela casa, não é? — ela perguntou, animada com a possibilidade.
— Com toda certeza. Você gostou mesmo?
— Eu adorei as luzes, acho que ficaria lindo esticadas no quintal — respondeu e voltou a atenção para o menu disposto na mesa.
Ao ler, soube que a cozinha era comandada pelo Chef Paul Nicholson e que o restaurante possuía uma estrela Michelin e três Rosetas AA. não fazia ideia do que tudo aquilo significava, mas deveria ser muito importante.
— Boa noite, Sr. e Sra. .
Os dois se entreolharam, e encarou como se estivesse implorando para ele não soltar uma de suas gargalhadas.
— Eu sou Serina Drake, a proprietária do restaurante. Espero que vocês gostem muito da experiência em nosso lugar!
— Hm, obrigado! Estamos ansiosos para provar cada comida daqui.
— O lugar é fantástico — elogiou —, muito confortável!
Serina sorriu alegremente.
— Vou pedir para trazerem nosso menu especial, fiquem à vontade!
Assim que a proprietária afastou-se da mesa, encarou , que olhava em direção ao jardim em uma tentativa de não explodir em gargalhadas:
— As pessoas me casaram! Imagine quando a notícia vazar e o mundo da Fórmula 1 souber.
deixou escapar uma gargalhada. Foi acompanhada por , e inevitavelmente atraíram olhares das pessoas que ali estavam.
— Me sinto um velho. Se eu tivesse no auge dos meus vinte anos, ninguém cogitaria que eu fosse casado.
— Você não parece velho, bebeu com delicadeza um gole do vinho. — Vai ver só somos muito bonitos.
— Isso é verdade — ele assentiu —, mas confesso que você é mais do que eu, óbvio.
sorriu timidamente e voltou a beber seu vinho.
A comida não demorou a chegar, e foi quando viram os pratos que perceberam que estavam famintos – quase não comeram naquele primeiro dia em Woking. Após a primeira garfada, fechou os olhos e mentalmente agradeceu a por ter escolhido aquele restaurante. O sabor era divino.
Os dois jantaram em um silêncio confortável, e, assim que os pratos foram retirados, prestou atenção na pequena tatuagem que tinha em seu mindinho direito: o número 3.
— Você realmente gosta do número 3, não é?
— Eu amo, é meu número da sorte. Sempre dizem que na terceira vez é destino sorriu. — Mas comecei com o três por conta do seu pai, sabia?
o encarou, surpresa.
— É sério? — sorriu. Ele pensou por um momento que aquele sorriso poderia iluminar todo aquele ambiente. — Era o número preferido do meu pai também.
— Sim! Comecei a correr por causa de Dale, digamos que ele mudou a minha vida. Fiz meu pai, ainda criança, me levar para uma corrida na NASCAR. Eu era muito pequeno, mas lembro que foi a melhor sensação que tive na minha vida — ele sorriu, saudoso. — Ver Dale ali, correndo, cortando todo mundo e saindo vitorioso me fez ter a certeza que era aquilo que eu queria. Comecei a dar meu melhor no Kart logo depois, e, bom, o resto é história. Virei oficialmente piloto de Fórmula 1 graças a Dale.
não percebeu, mas seus olhos estavam cheios d’água. Era emocionante que alguém além dela e da sua família tivesse um amor tão visível por seu pai. Ainda mais quando era alguém que nem chegou a conhecê-lo de verdade. limpou delicadamente a lágrima que escorreu no rosto da engenheira e recebeu um sorriso em agradecimento.
— Por isso você me ajudou?
— Sim e não — ele foi sincero. — Quando sua mãe e seu irmão me contaram superficialmente a sua história, eu pensei em ajudar você por causa de seu pai. Devo a vida que tenho hoje a ele. Mas depois que você chegou para o jantar, tive a certeza que não era por ele. Odeio injustiças, e a Ferrari foi mais que injusta. Foi criminosa, se me permite dizer — possuía faíscas de raiva em seu olhar. O piloto achava toda aquela história uma grande merda. — Foi por você, .
sorriu, porque não sabia o que dizer. O piloto a tinha deixado completamente sem fala, afinal, não esperava por todo aquele discurso. Talvez uma piada sem graça, mas todas aquelas palavras, não. era uma caixinha de surpresas.
— Vou te mostrar uma coisa que quase ninguém sabe. Não que eu seja uma pessoa muito popular jogou os cabelos para o lado. — Eu também tenho um três tatuado — sussurrou, como se fosse um segredo.
E então percebeu, pela primeira vez, a tatuagem de atrás da orelha direita. Era praticamente do mesmo tamanho da que tinha em seu dedo e na mesma fonte. sorriu com a coincidência.
Talvez o três realmente fosse destino.


Capítulo 10 – Eternal Sunshine

Maybe I have made mistakes and been through my fair share of pain
But all in all, it's been okay
(Talvez eu tenha cometido erros e passado pela minha cota de dor
Mas apesar de tudo, está tudo bem)


20 de dezembro de 2021
Woking, Inglaterra


quase nem vira o final de semana passar; tinha optado por terminar todas as suas obrigações com os alunos de Berkeley e se despediu no domingo à noite. Após uma chamada de vídeo que contou com toda sua turma, a engenheira sentiu que finalmente tinha cumprido seu dever com eles. Aquele ciclo na academia foi encerrado com excelência.
ficou feliz por não ser importunada por ou Meredith naqueles dias. E também porque uma refeição era deixada à sua porta três vezes por dia, e a avisavam com uma simples batida na porta – ela só não sabia qual dos dois era o responsável por aquele gesto de cuidado. sentia-se culpada por não estar presente para o piloto no final de semana, já que ele usaria aqueles dois dias para ajeitar o que precisasse na casa, pois sua família chegaria para passar o Natal e Ano-Novo. gostava da companhia de e esperava que ele não a achasse uma egoísta. Ela só não queria decepcionar seus alunos, largando-os de qualquer jeito justo no final do semestre.
não gostava de decepcionar ninguém.
Mas mal a engenheira sabia que tinham sido ordens de que ninguém a importunasse naqueles dias – ele resolveria tudo que fosse necessário. O australiano sabia o quão importante era para a estadunidense resolver as pendências com seu antigo trabalho para que pudesse seguir cem por cento com a McLaren. O piloto admirava aquele traço de , o de se doar em tudo que se propusesse a fazer. Sem contar que, após o jantar no The Clock House, ele parecia estar ainda mais encantado por ela. Por sua tatuagem em segredo, pela gargalhada tão alta quanto a dele, seu vestido amarelo e também pelo seu sorriso capaz de iluminar uma cidade inteira.
arrumou toda a casa com Meredith e sua equipe durante os dois dias. Queria tudo perfeito para quando sua família chegasse da Austrália, afinal, fazia uns bons meses que não os via. Seus sobrinhos deveriam estar enormes, assim como a saudade que ele sentia. Pensando neles, fez diversos pedidos em lojas infantis na internet e não sabia como iria fazer para eles levarem tudo para Perth.
— Natal chegou mais cedo? — perguntou ao chegar na sala, atraindo a atenção do piloto. Sentado no carpete, ele abria caixas de papelão para ela.
— Para Isaac e Isabella! E aquele é para você — apontou para uma caixa branca, com um laço laranja em volta, que estava no sofá.
— Mais presentes para mim? Você vai me acostumar mal, — piscou para ele, que teve vontade de fotografá-la.
se sentou no sofá e abriu a caixa – eram uniformes perfeitamente dobrados da McLaren. sorriu ao ver a mulher pegar cada blusa com um extremo cuidado, como se valessem mais do que todas as roupas de marca que tinha em seu guarda-roupa.
— Presentes da McLaren, sou apenas o entregador — uma risada escapou por seus lábios, e o encarou, sorrindo.
— Obrigada, — chamou-o pelo apelido pela primeira vez desde que haviam se conhecido.
Ele adorou como o apelido soou no sotaque e voz da engenheira. sentiu seu corpo responder de uma maneira que nunca tinha experimentado – sentiu calor percorrer sua espinha, mas, ao mesmo tempo, suas mãos estavam suadas. Era diferente.
— Vou trocar de roupa — ela avisou. — Você irá hoje?
— Claro que irei! Sou seu anfitrião, , você não se livrará de mim tão cedo — piscou para a engenheira, que sorriu de canto.
não havia falado, mas estava feliz por estar presente em seu primeiro dia oficial de trabalho.


🏎️


De acordo com sua terapeuta, toda vez que sentisse o nervosismo dominar seus atos, ela deveria parar, contar de dez a zero, respirar fundo e, assim, seus pensamentos entrariam em ordem. Ela deveria se lembrar do quão capacitada era e afirmar para si mesma que merecia as coisas boas que aconteciam em sua vida.
E assim fez ao adentrar a porta principal da sede da McLaren, ao lado de , cumprimentando a todos. Ainda que tivessem atraído olhares curiosos, a engenheira só estava focada em ter um primeiro dia brilhante. Afinal, não foi criada para decepcionar.
Os dois subiram a escadaria branca e entraram na sala de Zak, que estava acompanhado por um homem branco, cabelos bem cortados e um óculos de armação preta e quadrada. Ele não era nem um pouco desconhecido para .
Earnhardt! — Zak a cumprimentou, animado. — Bem-vinda oficialmente, vejo que o uniforme lhe caiu bem! — apontou para a blusa polo e branca, com o logo da equipe, que a engenheira usava por dentro de sua calça preta de cintura alta.
— Obrigada! entregou tudo direitinho.
O piloto fez uma pequena reverência.
— Obrigado, ! , quero que você conheça Andreas Seidl, ele é nosso engenheiro-chefe e te acompanhará nesses primeiros dias.
— Bem-vinda, — Andreas estendeu a mão direita em direção à engenheira, que a apertou quase imediatamente. — Seu currículo é impressionante. A McLaren só tem a ganhar com você na nossa equipe!
E eu também se intrometeu, fazendo a morena encará-lo, cúmplice. — Não adianta, Seidl, ela trabalhará ao meu lado. Não invente de deixá-la nessa fábrica.
Andreas riu e deu três tapinhas no ombro do piloto.
— Já viu o currículo dessa mulher? Você é um sortudo, Honey Badger — Seidl voltou sua atenção para . — Irei lhe mostrar onde você irá ficar.
Honey Badger, huh? sussurrou para o engenheiro antes que saísse da sala.
— Depois explico — ele deu uma piscadela e não acompanhou a mulher, que seguiu o engenheiro-chefe.
não sentia-se mais tão nervosa, era como se já frequentasse o lugar há bastante tempo. Ela foi apresentada a cada pessoa da enorme sala branca que ainda não conhecia; os funcionários eram amigáveis e solícitos. Perguntou-se se o clima ali era sempre daquele jeito ou era só porque a pausa de final de ano seria naquela mesma semana.
— Você ficará aqui — Seidl apontou para a mesa que ocupava uma parede inteira.
não percebeu, mas seus olhos estavam brilhando ao ver o espaço que iria ocupar por aqueles dias até a pré-temporada. A mesa estava composta por um computador de alto nível, dois monitores ao lado e alguns televisores na parede. Tudo era de última geração, um sonho para qualquer engenheiro amante de tecnologia de ponta.
— Se quiser abandonar para trabalhar aqui, vamos entender.
deixou escapar uma gargalhada, fazendo Andreas encará-la com a sobrancelha arqueada:”
Esqueça, vocês são mais parecidos do que eu pensava.
olhou para ele sem entender, mas o engenheiro balançou a cabeça e as mãos em um sinal para que ela esquecesse. Então, Seidl começou a apresentá-la tudo o que deveria saber antes de começar a trabalhar ali. “Muita coisa está diferente”, pensou enquanto o engenheiro-chefe lhe ensinava as novas regras. Até que apontou para a tela em sua frente, fazendo Andreas parar de falar.
— Isso aqui. A FIA enlouqueceu? — ela tinha um ar sério e, ao mesmo tempo, feroz. — Efeito solo em 2022? Você só pode estar de brincadeira, Andreas. Isso era coisa da década de 70 e 80.
— São as novas exigências da Federação. Dizem que querem trazer mais competitividade.
— Isso pode ser um perigo sério para a saúde. Nem todos os pilotos têm vinte e dois anos. Alonso ainda corre? — Andreas concordou. — Espere para ver como ficará as costas dele, ele já é quarentão.
O engenheiro deixou escapar um riso.
— Esperamos que isso não seja um problema. Já estamos fazendo todos os testes possíveis no simulador e no túnel de vento.
— Só vamos saber realmente nos testes na pista, Seidl — murmurou desgostosa e marcou o trecho do novo regulamento no iPad que estava em suas mãos.
Ela trabalharia para ajustar o efeito solo da melhor forma. E se acontecesse qualquer coisa com a saúde de por conta da nova regra instaurada pela FIA, iria para cima deles com tudo.
Ao ver a engenheira fazer suas pontuações enquanto explicava cada informação do regulamento e apresentava os projetos das novas peças que iriam compor o novo carro da escuderia, Andreas Seidl sentiu uma chama em que não via na equipe havia algum tempo. Ela tinha vontade de fazer as coisas darem certo, e naquelas horas que esteve com a engenheira, teve a certeza que iria brigar por em cada corrida.
A equipe que se preparasse – estaria acompanhado por um furacão.


⚙️


O dia seguinte no escritório não foi diferente. já estava imersa nas novas regras e fazia suas anotações e cálculos com base nas informações que eram trazidas a todo momento por Seidl e o restante da equipe. Ela precisaria estar por dentro de tudo para que fizesse o melhor trabalho possível quando a temporada começasse. Nenhuma informação poderia lhe faltar.
estava tentando entender o layout do novo carro e como as peças que estavam faltando iriam integrá-lo, quando escutou uma voz conhecida sua, sendo seguida por altas gargalhadas. estava aprontando.
— Por que você o deixou vir para cá? — perguntou para Seidl fingindo uma irritação, mas rindo em seguida, sem acreditar, ao ver como o piloto estava chegando no escritório.
gritava igual uma criança enquanto se divertia andando em um mini kart dentro do escritório, usando as cadeiras e pessoas como obstáculos que tinha que ultrapassar. Não contente, bateu em uma parede e fingiu que não viu, indo com o brinquedo em direção onde estava.
— Você não tem umas férias para curtir, hein? — perguntou ao tirar o boné laranja do piloto e colocá-lo na sua própria cabeça.
— Perturbar você me parece mais interessante — respondeu, saindo do kart. pegou o boné de volta e bagunçou os cabelos da engenheira, que o olhou com as sobrancelhas franzidas. — O que você está estudando aí?
— Maneiras do seu carro não ser o pior do grid. Já sabe das novas regras da FIA, não é?
— Sei — deu de ombros. — Uma babaquice, todo ano inventam alguma coisa. Malucos.
— Bom que você sabe. Em fevereiro vamos para os simuladores antes da pré-temporada.
sorriu. Ele adorava os simuladores, sentia-se em um parque de diversões.
— Agora me deixe trabalhar, vá brincar para lá. Chispa.
— Aqui é mais emocionante — disse, voltando para dentro do kart. — Tem mais obstáculos para ultrapassar.
acelerou, voltando a fazer muito barulho para o terror de . O piloto parecia uma criança quando encontrava um brinquedo novo. Até que bateu em uma das colunas do escritório, que ficou visivelmente amassada.
! gritou e foi em direção ao piloto, que estava com as mãos na boca, incrédulo. — Tá vendo o que você fez?
— Não fui eu — disse, saindo do kart outra vez. — Você está vendo coisas, senhorita Earnhardt. Max Verstappen invadiu aqui e fez isso.
— Palhaço.
estalou a língua e deu um beijo na bochecha de , que estava com as duas mãos na cintura.
— Irei ver se a comida desse lugar está pronta — ele piscou para a engenheira antes de lhe dar as costas e sair do lugar. deixou escapar uma risada e voltou para sua mesa.
era impossível. E ela adorava aquilo, mesmo que nunca fosse falar em voz alta.


🏁


foi acompanhada até o refeitório por e pegou a mania do piloto de cumprimentar todos a seu caminho, mesmo que já tivesse feito isso quando havia chegado na sede. Talvez, naquele dois dias, Earnhardt tivesse conversado com mais gente do que em quatro anos.
gostava da companhia do piloto, mesmo que ele fosse incrivelmente barulhento e conversador. tinha um jeito único de ser, e ela gostava de conhecê-lo cada vez mais.
— Hm — ele engoliu rapidamente —, vou precisar buscar minha família no aeroporto daqui a pouco, mas voltarei para te levar de volta pra casa, tudo bem?
— Oh, meu Deus, como ficarei sem por algumas horas? — dramatizou, colocando a mão no peito.
— Minha presença é maravilhosa, eu sei, amore mio.
— Algo que eu preciso saber sobre sua família?
— Eles são mais barulhentos que eu.
— Pois duvido muito — brincou, recebendo uma expressão de indignação do piloto como resposta.
Continuaram a comer enquanto conversavam amenidades, até que o piloto fez uma careta ao olhar para o celular.
— Uh, esqueci que o aeroporto fica em Londres. Vou ter que ir.
— Como você vai trazer toda sua família em um carro esportivo?
— Já pensei em tudo. Até logo, amore mio, não morra de saudades de mim.
— Já estou morrendo! — gritou assim que ele começou a andar, escutando as suas risadas.
O caminho até o aeroporto de Londres era um pouco longo, mas não se importava. Iria ver a família e aquilo bastava – poderia fazer o trajeto quantas vezes fosse necessário para que pudesse encontrá-los. encaminhou-se para a área VIP do aeroporto e finalmente pôde escutar o sotaque marcante que tanto sentia falta.
Agachou-se ao ver os sobrinhos correrem em sua direção e os agarrou em seu colo.
— Meu Deus, vocês estão enormes!
— Estávamos com saudade — disseram juntos, não desgrudando do piloto.
— Tio , quero andar de kart — Isaac disse, para o desespero da mãe.
— Sua mãe me mata.
— Ainda bem que você sabe! — a voz de Michelle se fez audível e ele riu, levantando-se para abraçar a irmã e os pais.
— Você deixou o cabelo crescer! — o pai, o ítalo-australiano Joe, abraçou saudosamente o filho.
— Está lindo! Sempre foi. Você está mais bonito. Parece feliz.
Estou feliz! — revelou o piloto entre os braços dos pais. — Senti muito a falta de vocês. Nossa, pensei que a temporada não fosse acabar nunca.
— Por que nos trouxe para cá e não voltou para Perth? Acho que era uma viagem mais barata — Michelle pontuou enquanto tentava em vão fazer as crianças pararem de pular para chamar a atenção do tio.
— Tenho uma surpresa. Mas antes, pai, preciso que você dirija para eu poder levar meu carro de volta.
— Sem problema algum, filho. Conte suas novidades quando chegarmos em casa.
E assim o piloto fez. Depois de mostrar cada canto da casa em que estava hospedado em Woking para a família, contou rapidamente sobre e o porquê de ter permanecido na Inglaterra ao invés de voltar correndo para Perth. Sua família pareceu entender e não fizeram muitas perguntas; Grace conhecia como ninguém o coração gigante que o filho tinha. não iria mudar nunca.
— Tio vai sair e já volta — avisou para os pequenos, que já estavam entretidos com os diversos brinquedos que haviam ganhado. Isabella se despediu com um tchauzinho, mas Isaac foi até o piloto com os braços cruzados.
— Você vai embora de novo?
— Irei voltar tão rápido que nem vai dar tempo de você sentir minha falta.
Impossível — ele fez um bico.
— Sem brabeza. Vou trazer uma pessoa muito legal para você e sua irmã conhecerem, ela é muito amiga do Tio .
— Ela pode ser nossa amiga também? — perguntou, desconfiado.
— Sim! Ela vai adorar.
— Então tudo bem, pode ir — Isaac autorizou e saiu de casa rumo à sede da McLaren.
O relógio marcava oito da noite quando o piloto estacionou em frente à casa em Woking. desceu rapidamente e, antes que pudessem entrar, escutou vozes animadas vindas de dentro da residência. A engenheira percebeu que eram do mesmo sotaque forte de , então perguntou para si mesma se todos eles seriam iguais ao piloto.
Assim que entraram, foram recebidos por Isaac, que sorriu animado para a morena.
— Oi, eu sou Isaac. Tio disse que você pode ser minha amiga também — disparou, fazendo se assustar com a rápida aproximação, mas sorriu em seguida, abaixando-se para conseguir ficar próxima à altura da criança. — Eu gosto de carros, bolas e Lego — ele contou nos dedos suas preferências. — E você, gosta do quê?
— Oi, Isaac, eu sou . Eu também gosto de carros e Lego. Mas não sou boa brincando de bola.
— Eu ensino — virou-se para o tio, que estava em pé ao lado da estadunidense. — Eu gostei da Tia . Ela parece uma princesa.
— Uma principessa concordou com o sobrinho, o segurando no colo.
O apelido dito por pegou de surpresa, fazendo-a ficar absorta por alguns segundos nas lembranças que lhe invadiram de repente. Piscou algumas vezes antes de recobrar a atenção e levantar-se do chão. Embora fosse o mesmo apelido que Giuseppe Fernandez havia lhe chamado em sua última corrida, não era nem um pouco parecido quando saiu da boca de . Era diferente. Até a forma que a fazia se sentir era diferente. Antes era incômodo, mas ao vir de , era suave e acolhedor.
passou as mãos pelo rosto rapidamente e seguiu em direção ao quintal da casa, onde sua família estava reunida. Ali, conheceu e de primeira, gostou de todos. Grace tinha cabelos curtos e possuía o mesmo sorriso de ; Michelle adorava fazer piadas; e o pai, Joe, era o mais calado dentre as duas, mas ainda assim tinha um sorriso no rosto e sempre uma frase pronta. Ao vê-los, entendeu o porquê de ser quem era. Ele tinha crescido em um lar com muito amor e carinho, assim como ela também fora criada.
— Você é mais bonita do que comentou!
— Mamãe! — gritou, parecendo constrangido.
— Ele falou mesmo — Michelle concordou, levando um tapinha na nuca do irmão.
— Você é uma enxerida. Não disse nada para ela, .
— Acredito — piscou para o piloto —, e obrigada! Mas acho que está faltando uma pessoa, não? — perguntou ao se lembrar que havia dito que tinha dois sobrinhos.
A chatonilda da Isabella — Isaac respondeu, sendo seguido por um olhar repreendedor da mãe. — Ela dormiu. Amanhã você fala com ela. Tio disse que entraremos todos na piscina.
fuzilou com o olhar, e o piloto levantou as mãos em rendição. Ela não teria como negar entrar na piscina com duas crianças, afinal, eram crianças. só esperava que não fizesse tanto frio assim.
— Vamos comer! Estávamos à espera de vocês — Grace apontou para a mesa que estava um pouco mais afastada deles, então, percebeu como o quintal estava bonito.
As árvores estavam cortadas perfeitamente. Havia muitas luzes e cadeiras espalhadas, principalmente embaixo da maior árvore que tinha ali. Agora tinha uma mesa grande com um banco de madeira reto em cada lado, além de espreguiçadeiras ao lado da piscina. também percebeu que havia dois carrinhos infantis de Kart perfeitamente estacionados ao lado de um de mini kart para adultos. Sorriu ao ser abraçada de lado pelo piloto; ele havia arrumado tudo cuidadosamente no final de semana.
— Você colocou as luzes do restaurante? — sussurrou, passando o braço pelas costas de .
— Você disse para mim que tinha adorado — respondeu como se fosse óbvio e a puxou em direção à mesa.
Ali, sentiu coisas que não saberia nomear. Mas era estranhamente confortável estar perto de . Muito confortável mesmo.


Capítulo 11 – Exile

I think I've seen this film before, and I didn't like the ending
(Acho que já vi esse filme antes e não gostei do final)


23 de dezembro de 2021
Woking, Inglaterra


trabalhou apenas durante os dois dias da semana na sede da McLaren e logo entrou, junto de toda equipe, para a pausa de Natal.
A engenheira quis correr para o aeroporto e pegar o primeiro avião para Charlotte e passar o restante dos dias com sua família, afinal, fazia anos desde a última vez que havia ficado tão longe deles, mas não podia. Precisava se acostumar com a rotina de trabalho em Woking; teria muito tempo para ver a família quando a temporada começasse. Com toda a certeza as equipes se matariam para ter a família Earnhardt como convidados especiais, mesmo aquele posto sendo da McLaren.
também não estava mais imersa em solitude. Podia não ter os Earnhardt por perto, mas agora convivia com uma família tão faladeira e amável quanto a sua. Os haviam chegado para passar as comemorações de final de ano ao lado de , e adorou conhecê-los.
Principalmente as crianças. nem sabia que gostava tanto assim daqueles seres tão pequenos, mas desde que recebeu os abraços carinhosos de Isaac e Isabella, descobriu que amava crianças. Queria ter algumas delas correndo pela sua casa quando fosse mais velha.
— Tia — o loiro chamou sua atenção enquanto ela digitava em seu MacBook —, vamos para o quintal?
— Isaac, baby, está ocupada — falou ao se abaixar para pegar o sobrinho no colo, que fez um bico. — Desculpe — sussurrou para , que balançou a cabeça negativamente ao sair do quarto com um sorriso em seus lábios.
— Tá sol. Queria brincar. Isabella é chatonilda.
balançou a cabeça negativamente e se levantou, estendendo os braços para que o menino fosse para seu colo. Isaac sorriu como se tivesse ganhado um Lego novo e, sem pensar duas vezes, empurrou o peito do tio para ele entregá-lo à engenheira.
— Futebol ou carro? — a engenheira perguntou ao tirá-lo do colo de , e Isaac colocou a mão direita no rosto, como se tivesse que tomar uma decisão muito difícil.
— Os dois — respondeu, manhoso, arrancando uma risada de .
não soube o que era aquilo em seu corpo, mas algo o encheu de alegria ao ver com seu sobrinho mais velho no colo, gargalhando e descendo as escadas enquanto a criança conversava animadamente com ela. Isaac tinha se aproximado de primeira de , sendo que sempre fora muito grudado com . Mas não tinha como competir com a engenheira, ele sabia bem.
— Tio ! — antes que pudesse ir para o quintal com os dois, escutou a voz doce de Isabella o chamar. — Brinca de boneca comigo? Isaac não quer.
— Claro, meu amor. Vamos brincar com todas as suas bonecas.
Bella puxou pelas mãos e foram em direção à sala, que mais parecia uma loja de brinquedos. Ele não fazia ideia como a família arrumaria aquilo tudo para levar quando voltassem à Austrália. Talvez tivesse exagerado um pouco com os brinquedos que comprou. Mas não se arrependia. No dia de Natal ainda ganhariam mais.
Estava brincando com as meia dúzia de bonecas de Isabella, até que Isaac entrou correndo pela sala chutando tudo ao seu redor com ao seu encalço. Isabella, enraivecida, empurrou o irmão, que caiu no carpete.
Chatonilda — respondeu, mostrando a língua para a irmã mais nova enquanto ela armava um bico, com os olhos cheios d’água.
— Isaac! Não brigue com sua irmã, peça desculpas — foi sério, mas ao mesmo tempo se segurava para não rir da pequena briga dos dois. — Vamos, cara.
— Ela é uma chatonilda. Desculpa, chatonilda — ele sorriu para a irmã, que mantinha um bico ainda maior. — Não quis chutar as bonecas, elas estavam no meio. Vim só chamar todo mundo para a piscina, não é tia ? — perguntou com a voz mansa, puxando a barra da camisa de .
— É verdade. A bola dele caiu na piscina, então viemos trocar de roupa e pegar as boias para brincarmos.
— Piscina! — Bella bateu palminhas em direção ao tio. — Por favor, tio !
— Claro, princesa. Vamos trocar de roupa antes que a mãe de vocês chegue e corte nossa diversão.
Os sobrinhos riram cúmplices e seguiram e para a parte de cima da casa onde ficavam os quartos.
— Quero o rosa com coração — Bella praticamente ordenou para o tio enquanto o irmão a imitava, fazendo careta. “Então era assim que ela e Júnior eram”, pensou a estadunidense.
— Precisa de ajuda, ? — a engenheira perguntou ao vê-lo encarar a gaveta apontada por Isabella, sem saber qual biquíni pegaria, já que as cores eram parecidas.
— Eu resolvo aqui, ! Pode ir se trocar — respondeu, ainda confuso, sem tirar os olhos da gaveta.
— É esse aqui o que ela quer — passou o braço por cima do piloto e gentilmente pegou o biquíni ros- escuro com corações desenhados. — Não é, Bella?
— Sim! Obrigada, tia . Tá vendo, tio ? Rosa e coração sorriu em agradecimento para a engenheira, e saiu do quarto.


⚙️


agradeceu mentalmente por Beatrice ter achado necessário comprar um biquíni. Ela ainda não tinha tido a oportunidade de agradecer pela gentileza da comunicadora de ter feito o pequeno favor para , porque Bea estava aproveitando suas férias em Ibiza. Talvez fosse por aquele motivo que ela tinha lembrado de comprar a peça de roupa para .
ajeitou o biquíni azul com detalhes em rosa da Versace, dando mais uma olhada no espelho. A engenheira nunca tinha se preocupado em como seu corpo iria aparecer para as pessoas, mesmo depois de ter ficado um pouco abaixo do peso durante os quatro anos que voltou para os Estados Unidos, mas pensou por alguns segundos se a acharia bonita na peça de roupa.
— No que você está pensando, Miller Earnhardt? — brigou consigo mesma na frente do espelho. — Sei pazza? (Está louca?)
Ela respirou fundo ao prender os cabelos em um rabo de cavalo alto e desceu as escadas. Assim que entrou no quintal, sorriu ao ver brincar na água com os sobrinhos.
— Tia ! — Isaac gritou, animado, fazendo com que encarasse a engenheira. — Está quentinho!
— Sim! — Isabella concordou, jogando água para cima e fazendo cair no rosto do tio, que piscou várias vezes para entender o que tinha acontecido nos últimos segundos. — Molhei você.
— Tio estava com cara de bobo — Isaac apontou para o australiano e soltou uma risada sapeca junto da irmã.
— Eu apoio guerra de água no tio soltou a ideia despretensiosamente para as crianças enquanto se sentava na espreguiçadeira.
A engenheira soltou uma gargalhada quando as crianças não deram nem tempo para o tio se proteger. Com uma mão seguravam na boia, com a outra, jogavam água em direção ao piloto, que inutilmente tentava se defender do pequeno caos causado por .
— Você vai ver só! — apontou para ela e apoiou-se na borda da piscina.
rezou para que ninguém percebesse a forma que olhou para quando ele saiu da piscina, ajeitando o short que caía perfeitamente e deixava visível seus ossinhos da pelve, além de suas tatuagens coloridas na coxa. era incrivelmente bonito, e se odiou por perceber aquilo justo naquele momento – quando ela estava sozinha com ele e duas crianças para vigiar, mas principalmente por ele ser seu novo colega de trabalho.
Ela não poderia deixar se envolver. Não de novo.
— Água para você, principessa sussurrou em seu ouvido quando a pegou no colo.
O apelido em italiano que saiu da boca do piloto a fez arrepiar. estava tão absorta em gravar a imagem de saindo da piscina que nem percebeu quando ele chegou mais próximo.
A engenheira não teve reação, só sentiu a água da piscina molhar todo seu corpo.
! — gritou, sendo acompanhada de palmas e risadas das crianças. — Você me paga.
— Você mereceu, vai — ele gargalhou, passando a mão pelos cabelos e molhando de propósito.
— Para! — ela gargalhou. — O que você fez para essa água estar tão gostosa? Nada gelada.
— Você disse que não gostava de água gelada. Dei um jeito.
sorriu e, naquele momento, percebeu o quanto estava ferrada. Teria que lutar muito contra si mesma para que não entrasse ainda mais em sua mente.



10 de janeiro de 2022
Woking, Inglaterra


O feriado de final de ano passou mais rápido do que gostaria. Ela aproveitou para falar mais tempo com a família por chamadas de vídeo, sentia falta de receber o cuidado da mãe e também das infinitas picuinhas com o irmão. Mas apesar da falta que sentia da família, os dias não estavam sendo ruins. adorava estar passando aqueles dias com a família australiana.
tinha criado um carinho especial pela família de . Gostava de como a mãe dele era sempre cuidadosa quando preparava as refeições e não deixava Meredith chegar perto da cozinha. O pai de era o mais calado, mas vez ou outra puxava assunto com , principalmente sobre veículos automotores desde que Joe revelou que já tinha pertencido àquele mundo e havia encontrado Dale durante alguns eventos automobilísticos. Já Michelle era faladeira igual , mas para o azar do piloto, ela adorava contar para as histórias mais vergonhosas possíveis da infância e adolescência do australiano – com toda a certeza usaria para encrencar com o homem quando tivesse oportunidade. A estadunidense também adorava como e Michelle eram cuidadosos um com o outro, principalmente quando se tratava sobre as crianças. Era visível não só nas palavras, mas no olhar, quando era cuidadoso, preocupado e acolhedor com Isabella e Isaac. era como um pai para as crianças.
também tinha se apegado aos sobrinhos de . Eles eram bastante arteiros e encrenqueiros um com o outro, o que fazia lembrar da sua relação com o irmão. Isaac e Isabella também gostavam de estar na presença de , passavam muito tempo explicando as histórias dos desenhos preferidos, de como era a escola e sobre o que queriam ser no futuro. Isabella, que sempre parecia estar com uma boneca em mãos, não perdia a oportunidade de entregar para a engenheira para que elas pudessem brincar. Isaac não ficava para trás – o mais velho estava sempre por perto para lhe entregar os mais apertados abraços que podia, principalmente após o Natal, quando lhe deu de presente uma miniatura em Lego do carro de corrida McLaren. O pequeno gritou que era igual ao carro que o tio dirigia e não desgrudou mais da engenheira até o momento que tiveram que ir embora.
Momento esse que foi regado de muito choro, não só por parte das crianças, mas de também. O piloto era apaixonado pela família; eles eram a sua força, e se despedir era sempre ruim. odiava as despedidas.
Mas estava feliz e grato pelo tempo que passou com a família, afinal, pôde ver com seus próprios olhos como os sobrinhos estavam crescidos e continuavam crescendo cada vez mais rápido. Teve de volta o cuidado da mãe, as conversas e degustações de vinho com o pai e as farpas trocadas com a irmã que sempre terminavam em abraços. E também tinha , que dividiu momentos especiais com sua família. adorava ver a engenheira brincando na piscina com seus sobrinhos, arrumando bonecas com Isabella e montando Lego com Isaac, assim como gostava de vê-la receber dicas de cozinha com a mãe. Ele sempre estava com um ouvido atento quando ela conversava sobre automobilismo com seu pai. só ficava envergonhado quando Michelle começava a contar suas peripécias quando adolescente, aí ele queria mandar a irmã dele de volta para Perth; mas quando gargalhava, ele esquecia o motivo da risada e apenas curtia aquele som.
adorava escutar gargalhar, assim como adorava vê-la fazendo várias outras coisas. Estava realmente encantado, mesmo não tendo a mínima ideia do que passava pela cabeça da engenheira.
encarou digitar rapidamente no computador no escritório da McLaren e desejou que eles estivessem em casa, dividindo uma cerveja na beira da piscina.
— Vamos? — ela perguntou, tirando de seus pensamentos. — Tá pensando em quê, hein?
O piloto sorriu. “Em você, principessa”, pensou, mas apenas balançou a cabeça negativamente, passando as mãos pelo rosto.
— Hora do simulador, né?
— A melhor hora do seu dia.
levantou e seguiu por entre os corredores da fábrica, que já pareciam tão naturais para a engenheira. Ela tinha se adaptado com uma facilidade impressionante.
Entraram na sala dos simuladores e esfregou as mãos, animado. Ele adorava as sessões, mesmo que o antigo engenheiro não usasse tanto. aproveitou que o piloto estava todos os dias perambulando pela sede e resolveu que começaria o treinamento com ele antes da data prevista, já que todos os outros pilotos estavam de férias e só voltariam próximo à data de apresentação oficial dos carros, em fevereiro. Naquele dia, testariam o Circuito Internacional do Brahim.
estava atenta a todos os movimentos de , anotando todos os detalhes possíveis no seu inseparável iPad. Ele estava se saindo melhor do que a engenheira esperava. Apesar de o piloto levar como uma diversão, também sabia que o momento era sério, então se dedicava de verdade para dar o seu melhor.
— Muito bem, elogiou quando ele finalizou a sua décima, marcando seu melhor tempo, 1:30:459. — Vamos dificultar as coisas, ok?
— E tem como dificultar?
o encarou com a sobrancelha arqueada e um sorriso nos lábios.
— Eu sempre tenho como dificultar, — ela piscou, e o piloto sentiu um arrepio percorrer por seu corpo. — Feche os olhos.
— E como vou enxergar? — brincou. sorriu, dando de ombros. — Sempre tem como dificultar, entendi. Vamos lá, Principessa.
sentiu borboletas fazerem um festival em seu estômago e balançou a cabeça em uma tentativa de controlar o que estava acontecendo. fechou os olhos e ela respirou fundo, tocando em seu ombro.
— Exercício de confiança. Você precisa aprender a confiar que eu serei seus olhos na corrida, que estarei vendo coisas que você não consegue — explicou. — Isso vamos trabalhar com o tempo, mas já começamos hoje, entende? Mas agora esse exercício é importante para que você possa trabalhar seus outros sentidos. Principalmente a visualização. Você precisa conhecer as pistas do circuito de olhos fechados, não pode ser pego de surpresa. Podemos começar?
O piloto assentiu. não fazia ideia, mas já confiava nela desde o momento em que pediu para Zak que a colocasse na McLaren. Ele brigou por ela assim como sabia que ela brigaria por ele em qualquer situação.
— Siga a minha voz.
respirou fundo e sentiu ainda mais perto o cheiro da mulher. Queria poder sentir aquele cheiro adocicado que emanava de sua pele, misturado com café e canela do seu hálito, cada vez mais perto. Poderia ser coisa da sua cabeça, mas emanava um calor que ele conseguia sentir na sua própria pele. quis abrir os olhos, tomá-la nos braços e beijá-la ali mesmo, mesmo com as câmeras de segurança ao redor.
— Cinco, quatro, três, dois, agora.
E como se já soubesse o que fazer, acelerou. O australiano não sabia como era possível, mas conseguia enxergar com clareza a pista mesmo com os olhos fechados. Seu corpo sabia o que fazer e como fazer, principalmente porque estavam sendo guiados por , que fazia a visualização ser ainda mais real.
prendeu a respiração quando o piloto fez uma curva arriscada, mas soltou, deixando um sorriso escapar por seus lábios quando ele completou a volta com maestria.
— É isso aí, Honey Badger — usou seu famoso apelido. — Você conseguiu.
— E eu nem trapaceei!
riu.
— Tá vendo, Principessa? Confio em você de olhos fechados.


🏎️


A sessão no simulador levou grande parte do dia, e apesar de se divertirem no lugar, ambos agradeceram por chegarem em casa. Era bom estar no lugar confortável sem a pressão para que tivessem resultados.
— Preciso de um bom banho — avisou.
— Eu também, mas vou aproveitar e fazer logo nosso jantar, você vai querer?
— Você, cozinhando?
— Me respeite, . Sua mãe me ensinou algumas coisas.
— Eu quero só ver.
mostrou o dedo do meio para o piloto, que subiu as escadas enquanto ria. Ela gostava de escutar rindo. De alguma forma parecia que as coisas ficariam bem quando escutava aquele som tão característico do piloto.
deixou a água quente do chuveiro bater contra seu corpo e se perdeu no tempo em que ficou ali. Era difícil assumir em voz alta, mas dominava seus pensamentos. Ele não tinha falado sobre aquilo com ninguém, afinal, não estava acostumado com aquele tipo de coisa. era o tipo de homem que não precisava fazer muito esforço para conquistar alguém – bastava um olhar, uma frase galanteadora acompanhada de um sorriso que a mágica estava feita. Ele não passava horas do seu dia se perguntando como conquistar alguém ou sobre o que deveria falar para impressionar, as coisas eram fáceis naquele quesito.
Mas ao se tratar de Earnhardt, nada era fácil.
tinha deixado-se encantar por desde o momento em que ela o xingou em italiano, como se o homem não entendesse a língua. O jeito que ela ficou surpresa quando ele devolveu no mesmo idioma o deixou ainda mais fascinado; era uma caixa de surpresas. E o fato de ela ser incrivelmente inteligente em tudo o que fazia deixava as coisas ainda mais difíceis para o australiano. Afinal, ele era apenas um piloto. Não tinha muito estudo, não sabia falar sobre coisas inteligentes de engenharias, nada que ela estivesse acostumada a conversar. se sentia muito burro, para ser sincero, quando estava perto de , apesar de adorar vê-la falar sobre qualquer assunto, mas principalmente quando ela explicava sobre carros e todas suas perspectivas. Ela tinha um brilho no olhar que não tinha visto em nenhuma outra mulher. Somente em Earnhardt.
O fato de eles estarem morando juntos há quase um mês também não era um facilitador. Durante todos aqueles dias, ele tinha percebido que ela não era só inteligente, também tinha uma beleza natural inexplicável. Ela quase não usava maquiagem e passava a maior parte do tempo vestida com um moletom de e short de pijama. também achava que poderia iluminar uma cidade inteira com um sorriso, ainda mais se estivesse vestida de amarelo. A cor parecia ter sido feita para ela.
— Estou parecendo um adolescente — resmungou para si mesmo ao desligar o chuveiro. Provavelmente gastou mais água que uma família em um dia inteiro; seu amigo Vettel não ficaria nada contente se soubesse daquilo. — Se recomponha, . Se recomponha.
se enxugou e se vestiu, pensando em como seria mais fácil se lhe dissesse o que pensava sobre aquele assunto, se ela também já tinha tido vontade de beijá-lo. Ou se ele só estava fantasiando coisas demais. Seria muito mais fácil se ele soubesse o que ela pensava, mas Earnhardt era ilegível. Ou ele que não sabia interpretar sinais.
desceu as escadas e não encontrou na cozinha, mas percebeu as luzes do quintal acesas. Sorriu ao ver a engenheira encostada na árvore, mexendo no celular, usando um top amarelo e uma saia da mesma cor.
— Hey! — o piloto a chamou, fazendo com que tirasse os olhos do aparelho.
— Você apareceu! Pensava que tinha me dado um bolo.
— Nunca, Principessa — ele sorriu, e sentiu um calor percorrer por seu corpo.
— Vamos comer.
A engenheira puxou pela mão e o levou até a mesa próxima da árvore, que estava perfeitamente arrumada com uma travessa de spaghetti a carbonara, duas taças e um vinho francês que o pai dele havia deixado.
O jantar seguiu com os dois conversando amenidades, até que perceberam que a mesa era grande demais para eles. Então, levaram o vinho para perto da piscina enquanto admiravam as estrelas do céu límpido de Woking.
— Você é muito bonita, murmurou ao aproximar seu corpo um pouco mais do da engenheira.
estava a uma distância nada segura do piloto e sentiu como se borboletas estivessem fazendo um furacão dentro de seu estômago. Sem pensar no que poderia acontecer nos segundos seguintes, desceu os olhos para aquela boca carnuda que tinha dentes perfeitamente brancos e alinhados.
queria beijá-lo. Muito.
Como quis no dia que o viu sair da piscina encharcando tudo ao seu redor ou quando entraram no carro na volta do primeiro jantar em Woking. queria ter perto de si, mesmo que sua mente gritasse para que ela se mantivesse em uma distância segura. Mas ali, enquanto seus olhos passeavam entre as íris castanhas de e seus lábios, esqueceu o que sua mente gritava durante todos aqueles dias. Principalmente quando sentiu o toque quente de por trás de sua orelha, acariciando sua pele exposta.
sentiu sua mão tremer, assim como seu corpo inteiro, quando colocou seus lábios sobre os dela. Ele puxou Earnhardt para si, era como se precisassem um do outro urgentemente. gostou da sensação que percorria seu corpo quando a língua do australiano percorria cada canto de sua boca.
tinha urgência de tê-la ainda mais perto, assim como também tinha.
A morena passou suas mãos pelos cabelos do piloto, desceu para sua nuca e fez carinho com suas unhas ali, o fazendo arfar por entre o beijo, que não foi quebrado. tinha como gosto um frescor de menta misturado com um doce que não soube dizer do que era. Mas que gostou, gostou muito.
Ele apertou a cintura da engenheira e sentiu seu corpo queimar por todos os lugares imagináveis e inimagináveis. Cada canto dele parecia clamar por ela. precisava tê-la ainda mais perto, se é que aquilo fosse possível.
Mordiscou o canto da boca dela e deu-lhe um selinho em seguida. Naquele momento, teve a certeza que estava entregue a Earnhardt.
A engenheira o afastou, respirando com dificuldade; seu peito subia e descia aceleradamente, assim como o do piloto. Os dois precisavam de ar, assim como precisavam estar em contato novamente.
fechou seus olhos e foi como se sua mente voltasse a tomar conta de seu corpo novamente. Ela não podia, aquilo era arriscado demais. Não podia colocar tudo a perder, não depois das coisas que já havia passado.
pensou que talvez nunca tivesse paz realmente. Não poderia estar feliz, que sempre era puxada para a realidade. Talvez estivesse fadada àquele destino miserável para sempre: estar sozinha. Para que nenhuma tragédia acontecesse.
— Desculpe, — levantou-se e deixou o piloto sozinho, com sua mente ainda tentando entender o que tinha acontecido.


Capítulo 12 – Before You Go

Was there something I could've said to make your heart beat better? Was there something I could've said to make it all stop hurting? It kills me how your mind can make you feel so worthless.
(Havia algo que eu poderia ter dito para fazer seu coração bater melhor? Havia algo que eu poderia ter dito para fazer tudo parar de doer? Me mata como sua mente pode fazer você se sentir tão inútil)

A mente de estava a 350 por hora. Ele não conseguia colocar os pensamentos em ordem depois de tudo o que aconteceu, e aquilo o estava deixando louco.
Ele tinha beijado . havia correspondido. havia parado. havia o deixado sozinho no quintal.
. . . .
Todos os seus pensamentos se resumiam a ela. Se fosse sincero consigo mesmo, tudo o que tinha feito desde que havia a conhecido se resumia à engenheira. Afinal, ele não teria implorado um emprego dois dias depois da final de uma temporada, não teria alugado uma casa e dividido seus dias com sua família com qualquer outra pessoa. Não teria arrumado a casa do jeito que ela gostava, com as luzes no quintal iguais às do restaurante que eles tinham ido pela primeira vez. Não teria ido cedo para a fábrica e nem ficado durante todos os dias esperando ela sair para voltarem juntos. não teria feito aquilo por qualquer pessoa. Ele não era do tipo de homem que arriscava tudo por conta de sentimentos. Ele tinha feito todas aquelas coisas por conta de Earnhardt.
E também estava indo embora de Woking por conta dela.
Acelerou ainda mais ao se lembrar de como tinha encontrado tentando inutilmente colocar suas roupas em uma mala, chorando e dizendo que iria embora, pedindo desculpas para ele. Afirmava com toda a certeza que era um caos e que não arrastaria de jeito nenhum para dentro dele.
Mas já era tarde. já estava no olho do furacão chamado Earnhardt. E mesmo com tudo, não estava arrependido de nada. Nem mesmo quando pediu para que ela não fosse embora e que continuasse na casa, que ele iria se afastar. E não pensou duas vezes antes de entrar no carro só com sua carteira, documentos e celular, e acelerar para longe. Nem ele mesmo sabia para onde iria.
era o tipo de homem considerado impulsivo pelas pessoas que o rodeavam e que o conheciam desde cedo, mas quando se tratava de Earnhardt, ele era ainda mais. Muito mais. Mais do que podia perceber. Desde que a conheceu, foi capaz de fazer tudo por ela, apenas para vê-la feliz. E se deu conta daquilo quando sentiu seu coração apertar no momento em que a viu chorar no chão do quarto sobre suas roupas e a mala rosa.
A única coisa que passava pela sua cabeça era que nunca mais queria ver a estadunidense daquele jeito.
Então, preferiu ir embora do que insistir em arrancar algo dela. estava acostumada a ficar sozinha e precisaria de um tempo depois do que tinha acontecido entre eles. ) não sabia os motivos, muito menos o que tinha a levado a agir daquele jeito, mas sabia que precisava dar o tempo que a mulher achasse ser necessário.
Ele freou bruscamente ao se ver em um sinal vermelho próximo de um cruzamento e bateu no volante com as duas mãos, xingando-se a plenos pulmões. A música que estava tocando no rádio do carro não ajudava em nada, já que o fazia se lembrar de . De chorando, dela em seu vestido e roupas amarelas, do seu sorriso que poderia ser capaz de iluminar uma cidade inteira e que o fazia se sentir como um adolescente, de como ele se sentiu quando a tomou nos braços e a beijou. E de como sentiu seu coração rasgar ao sair da casa de Woking, porque ele tinha se precipitado e a beijado. Por um momento, achou que foi correspondido, mas a verdade era que agora ele não tinha mais nenhuma certeza.
odiou aquela música. E odiou ainda mais sobre o quão verdadeira ela era. “Sim, One Direction. Maldição, vocês estavam certos. Ninguém nunca se compararia a Earnhardt”, pensou, batendo no volante mais uma vez.
Merda! — gritou sozinho.
Seu coração mandava ele dobrar no próximo retorno, tomar nos braços e extrair cada pequena dor que ela pudesse estar sentindo. Mas seu cérebro o mandava seguir, para longe. Longe de todo o caos. E quando o sinal lhe deu permissão, acelerou novamente.
Depois de quebrar algumas infrações de trânsito e acelerar mais que o recomendado até mesmo para vias expressas, estacionou perfeitamente em uma vaga no aeroporto e pulou do carro, agradecendo por ser de madrugada e não ter muita gente ali. Entrou sem maiores problemas na sala privativa e se deu conta que não sabia nem mesmo para onde ir.
— Tudo dando certo hoje — o piloto esfregou a mão na testa. — Espero que esse idiota atenda — puxou o telefone e clicou no número que já estava entre seus favoritos. Depois de chamar por alguns segundos, o amigo atendeu. — Maximilian, você está onde agora?
? — escutou o barulho de música alta. — Espere.
revirou os olhos, mas pôde escutar o som ficando cada vez mais distante.
Olha quem apareceu. Você está muito sumido, não gosto disso, tem cara de estar aprontando.
— É sério, Max, estou no aeroporto em Londres e não sei pra onde ir. Você está onde?
— Ibiza.
esfregou a nuca; Max deveria estar com outros pilotos. O australiano não teria sossego.
— Venha para Ibiza, vai ser bom ter um amigo de verdade aqui.
encerrou a ligação e respirou fundo, andando até o balcão da sala. Ou ele ficava e enfrentava coisas que nem entendia, ou iria encontrar com os amigos para que pudesse ficar distante de tudo e talvez achar uma explicação para o que estava acontecendo. Seu coração estava quase para pular pela boca, lhe mandando sair daquele aeroporto e encontrar , mas sua mente engolia as emoções como um predador faminto.
— Me coloque no primeiro voo para Ibiza — passou a mão pelo peito, inquieto. — Vou pagar no débito.


⚙️


estava deitada no carpete enquanto as lágrimas ainda lhe molhavam a face. Earnhardt viu-se sozinha mais uma vez.
Talvez as coisas deveriam ser daquele jeito, estavam apenas seguindo seu curso natural: o de estar preenchida na própria solitude e sem beleza alguma na palavra. Era o que pensava a engenheira enquanto inutilmente limpava sua face com a palma da mão. Seus olhos pareciam duas cachoeiras, e, como se não fosse o bastante, seu corpo inteiro doía. Desde sua cabeça até as pontas de seus pés.
Ainda deitada, abraçou os joelhos e permitiu-se sentir todas as coisas ruins, afinal, ela quem tinha provocado tudo aquilo a si mesma. A dor e confusão em sua mente a faziam querer gritar com todas as forças que ainda restavam em seus pulmões, depois de tanto chorar. Mas ela estava cansada demais para aquilo.
estava cansada de chorar, de sentir dor, de estar sozinha.
A estadunidense queria não ter estragado tudo.
Ela queria que entrasse pela porta do quarto, a tomasse nos braços e entendesse todos os seus motivos. Queria ter tido coragem para falar todos os motivos que a fizeram afastá-lo. Queria que o piloto estivesse ali, nem que fosse para provocá-la com uma piada sem graça, para dividir um vinho ou uma cerveja gelada enquanto conversariam amenidades sobre a vida.
Earnhardt queria os bons momentos de volta.
Mas ela tinha apenas a si mesma, sua dor e a solidão da casa vazia. tinha ido embora porque ela havia estragado tudo, como sempre fazia.



24 de janeiro de 2022
Woking, Inglaterra


estava tão imersa nos trabalhos finais para o lançamento do carro da temporada 2022, que iria acontecer em duas semanas, que ela nem percebia que os dias estavam passando depressa. A engenheira gostava quando o trabalho dominava sua vida, porque assim não tinha tempo para pensar em outros problemas. Sua única preocupação era fazer com que fosse competitivo nas corridas como nunca antes, e para aquilo acontecer, ela precisava fazer os últimos ajustes do carro sem erros. E realizar tudo aquilo demandava muita energia e tempo.
bateu com a mão na mesa, respirando aliviada quando percebeu que tinha encontrado o erro que estava impedindo a equipe de dar continuidade na simulação dos freios. E, na mesma hora, sentiu sua barriga reclamar. A engenheira olhou para o relógio e percebeu que já eram oito da noite e ela não tinha se alimentado desde o almoço. Praguejou quando lembrou que não a deixaria esquecer de comer, porque ele estaria ali pela fábrica.
— O que será que ele está fazendo? — perguntou-se em pensamento, mas logo esfregou as têmporas e se recostou na cadeira.
Ela não poderia arranjar tempo para pensar em e nem imaginar o que ele deveria estar fazendo naquele momento. Não era da sua conta – mesmo que quisesse, com todo o seu coração, que ele estivesse ali. Bem ao seu lado. Ela não se incomodaria se ele pegasse novamente o Kart e fosse perturbá-la. sentia falta da gargalhada estrondosa de .
Seu estômago reclamou novamente, e decidiu que era melhor guardar as coisas e voltar para casa do que ter que lidar com uma possível gastrite por falta de alimentação.
Ela gostava de quando voltava para casa depois do trabalho, porque aproveitava o momento para cantar músicas com e também conversarem sobre qualquer assunto somente para não ficarem em silêncio. Mas naqueles dias, o caminho até a casa era quieto e estranho, mesmo que ela, agora, dirigisse uma McLaren 720s que tinha recebido de cortesia da equipe.
A engenheira estacionou perfeitamente em frente à casa, e, assim que desceu do carro, o alarme de seu telefone começou a tocar, lembrando-lhe do seu compromisso que não podia faltar. A terapia.
Aquela com certeza seria demorada. E ela não sabia nem como começaria a contar as coisas para Vivian.
ajeitou o iPad na mesa de centro da sala, sentou-se no chão e aceitou a chamada do Meet. Esboçou um sorriso e, sem que se desse conta, sentiu-se segura para contar tudo o que estava ignorando enquanto se afundava em seu trabalho. Pegando até mesmo mais responsabilidades do que deveria.
— O trabalho não precisa ser sua única realização, . É tentador e confortável investir tudo em uma área só porque você já sabe que é incrível e que dará certo. Mas você é tanta coisa a mais que só o seu trabalho, não acha? Será que vale a pena se reduzir somente a ele depois de todo esse tempo que provou para si mesma que consegue viver sem ele?
não respondeu a terapeuta, apenas limpou uma lágrima teimosa que insistia em cair.
— Você não precisa esquecer todas as coisas ruins que lhe aconteceram, . Você precisa trabalhar a paciência com todas essas fragilidades que carrega. Precisa aplicar todas essas lições, tudo o que aprendeu na sua nova fase. Você cresceu, Earnhardt, e vai continuar a crescer.
A consulta continuou entre o silêncio e lágrimas, com uma promessa da engenheira de que estaria presente na próxima. O dia a dia com a temporada tomava quase todo o tempo de , mas ela precisava cuidar da mente para que tudo saísse na mais perfeita ordem.
Após a sessão, ela acabou percebendo o que já sabia, mas que não tinha conseguido enxergar. Estava abandonando uma das partes mais bonitas que tinha: seu coração.



24 de janeiro de 2022
Ibiza, Espanha


acordou sentindo-se enjoado; sua cabeça parecia rodar de acordo com suas piscadas enquanto encarava o teto do quarto. Tirou o lençol que cobria seu corpo e estranhou estar vestido apenas com uma cueca samba-canção. Esfregou os olhos, passou a mão pelos cabelos e flashes da noite anterior invadiram sua mente.
Festa. Álcool. Mulheres. Álcool. Muito Álcool.
Quis vomitar ao se lembrar de tudo que bebeu antes de apagar. Seu corpo não estava mais acostumado a receber tudo aquilo. Sentou-se na cama e enfim percebeu que dividia o lugar com uma mulher loira, que dormia completamente nua.
— Mas que porra aconteceu aqui? — murmurou para si enquanto esfregava o queixo, pensando em como se levantaria sem acordar a mulher, que ele não fazia a mínima noção de quem era.
saiu da cama vagarosamente, para não ter chances de acordar a mulher e dar início a uma conversa constrangedora, porque ele não lembrava nem mesmo o seu primeiro nome. Mas ao ficar de pé, sentiu sua cabeça rodopiar. O piloto cambaleou até a porta sentindo-se estranhamente ruim, tudo parecia muito confuso e ainda sem explicação.
Assim que os raios solares tocaram seu corpo, ele quis voltar para dentro do quarto e ficar no escuro novamente. O sol, que tanto gostava, agora fazia a sua cabeça doer como nunca.
Andou o mais rápido que conseguiu pelos corredores do que parecia ser o iate da família Stroll. Encontrou algumas portas fechadas, e a única entreaberta não se atreveu a entrar por medo do que poderia encontrar. Se no quarto em que estava tinha uma loira dormindo completamente nua, não queria imaginar o que tinha nos outros. respirou aliviado quando encontrou Charles, Carlos, Lando e Lance sentados em um sofá branco, que tinha um enorme “S” bordado na popa do iate, em uma área que considerou gigantesca, já que facilmente caberia mais de cem pessoas ali.
— Acordou a Bela Adormecida! — Lando Norris gritou assim que percebeu se aproximar.
— Por que você está em todo lugar? — jogou-se no sofá entre o companheiro de equipe e o caçula da família Stroll. — Não grite, idiota.
— Você gritar tudo bem, os outros gritarem é um crime — Charles provocou, fazendo os colegas rirem. — Você está ficando velho e chato.
— Vou já te mostrar o velho, seu babaca — apoiou os cotovelos na mesa à sua frente e massageou as têmporas. — Assim que minha cabeça parar de me matar.
— Você aproveitou ontem, viu? — Stroll soltou e o encarou, coçando a cabeça.
— Eu não lembro de nada. Alguém me explica como uma loira parou nua na minha cama?
— Essa é sempre a desculpa quando vem a ressaca moral — Lando bateu nas costas do australiano, mas levantou as mãos em forma de rendição rapidamente quando o piloto o encarou como se fosse matá-lo.
— A loira estava vestida quando vocês entraram no quarto — Carlos disse com um sorriso no rosto. — Ou quase vestida.
— Ela é sua amiga, por algum acaso?
, eu não sei nem quantas pessoas estiveram aqui depois que a gente saiu da mansão. Sabe o que eu sei? Que Lance gastou todo o salário dele em bebida e quis pular pelado no mar, inclusive. Que você transou com uma loira gostosa que não sabe nem o nome. Que Lando sumiu a noite toda e do nada saiu de um dos quartos, e não foi com a namoradinha dele. E, ah, Charles ficou puto no telefone. Algo com Beatrice e Max. — Charles jogou uma almofada na direção do piloto espanhol, que a pegou enquanto ria. — Que Yuki está dormindo na banheira no mesmo quarto que o Gasly está, e que Charles também dormiu, mas levantou cedo pensando que ninguém iria saber. Aliás — virou-se para o monegasco —, o que vocês fizeram ontem à noite?
— Você é muito fofoqueiro. Não te interessa, porque eu também não lembro.
— Ninguém lembra de nada, muito conveniente — Lando bateu palminhas e recebeu um empurrão de .
— Com quem você estava no quarto, Zé Bonitinho? — Stroll perguntou, e o inglês fechou o rosto.
— Não sei do que você está falando — sorriu amarelo, recebendo risadas em resposta. “Cínico”, pensou.
— Ontem foi uma loucura, — Lance deu dois tapinhas na coxa do amigo. — E você ainda está só de samba-canção. Ninguém quer ver seu pinto balançar quando você estiver andando.
— Vocês são uns imbecis. Não vou voltar para aquele quarto, nem conheço a mulher que tá lá. Vamos, Carlos, me empreste alguma roupa.
— Tenho cara de closet por algum acaso? Eu vou voltar pra casa, porque ainda preciso ir para Madrid resolver umas coisas. Já está tarde.
Puta que pariu — o australiano bateu na própria testa. — Que horas são? — lembrou que tinha marcado para começar seus treinos físicos naquela manhã. Michael iria matá-lo quando o visse.
— Onze da manhã — Stroll respondeu, mostrando o celular. — Não tenho nenhuma foto aqui.
— Claro que não tem! Você queria pular pelado no mar! — Carlos levantou as mãos como se fosse óbvio.
— Gasly deve ter, ele sempre tem tudo — Charles balançou a cabeça em negativo —, infelizmente. Mas assim a gente sabe o que aconteceu, só esperar ele acordar.
— Espero estar longe daqui.
— Não se preocupe, iremos mandar tudo no grupo — Leclerc bebeu o suco que estava à sua frente, fazendo um sinal de positivo para o australiano que parecia nada contente com a possibilidade de ter provas sobre coisas que ele nem se lembrava na noite anterior.
— Vamos, cabrón, pare de ficar emburrado. Levo você para minha casa e de lá você resolve sua vida — Carlos disse ao se levantar da mesa.
— Se descobrirem o nome da mulher, não é preciso me avisar. Adeus.
— Até mais tarde, imbecil, você irá voltar, tenho certeza. Max já foi embora, você só tem a nós agora — Lance deu uma piscadela e não respondeu, seguindo Carlos em direção à saída do iate. Ele só tinha duas certezas naquele momento: que estava indo de samba-canção para a mansão da família Sainz e que Michael iria matá-lo quando conseguisse falar com ele.
— Você está esquisito esses dias, sabia? — Carlos pontuou assim que entrou no carro e reclinou a cadeira completamente para trás. — Sem sacanagem.
— Eu não sei o que estou fazendo desde o dia que decidi vir para cá com Max. E esse filho da puta disse que cansou de vocês e foi embora sem dizer quando volta.
— Mas você nunca se prendeu ao Max — Sainz acelerou sem obter uma resposta do australiano.
Carlos preferiu não continuar o assunto ao ver como a expressão de tinha mudado, apesar de ter percebido que o amigo estava agindo estranho desde que havia chegado em Ibiza. era o cara que sempre tinha uma piada pronta, uma gargalhada contagiante. Ele aproveitava todas as situações, mesmo nas roubadas em que se metia, até o final. Tinha uma presença que fazia todos quererem tê-la por perto, mas agora, mesmo tentando manter seu jeito descontraído de sempre, o piloto parecia perturbado com algo, como se estivesse preso em uma situação que não conseguia sair. Sainz só esperava que o amigo melhorasse.
Aquele era um que ninguém estava acostumado a ver.



1º de fevereiro de 2022
Woking, Inglaterra


Após sua última sessão de terapia, tentou criar coragem e ligar para , mas não conseguiu nem mesmo digitar uma simples mensagem. Os últimos acontecimentos ainda pareciam confusos em sua cabeça, e ela não tinha certeza nenhuma consigo. não queria arrastar para o olho do furacão que era sua vida naquele momento, não com tantas coisas para resolver.
Mesmo preferindo ignorar tudo e dedicar-se somente ao seu trabalho, à única coisa que tinha certeza naquele momento, Earnhardt ainda sentia falta do piloto. Parecia que o tempo longe do australiano só serviu para que a engenheira o quisesse ali, mesmo com sua mente gritando toda vez que era melhor as coisas estarem do jeito que estavam.
Sem riscos, distrações e sofrimentos inevitáveis.
Então, ela preferiu se dedicar inteiramente à McLaren, evitando ao máximo pensar no que estava fazendo ou sentindo. Mas ao olhar o calendário e perceber que faltavam apenas alguns dias para a apresentação oficial do carro da temporada e para o início dela, a mente da engenheira lhe pregava a pior peça de todas: a que era incapaz de estar de volta àquele mundo.
A solitude em que tinha voltado a se encontrar não a ajudava em nada. Quase não via Beatrice, já que a negra, antes de tirar sua folga de dez dias e viajar para Mallorca, estava uma pilha de nervos para o lançamento. Nada poderia passar despercebido, senão daria tudo errado. Os engenheiros na sede da McLaren mal tinham tempo para comer, assim como ela. E não estava ali para deixar as coisas mais leves.
“Tudo por minha culpa”, pensou ao digitar ferozmente no MacBook, praguejando sobre alguma conta que não batia. sentiu a cabeça arder e seus olhos lacrimejarem. Ela não servia nem para acertar uma conta. “Sou uma imprestável, sempre tenho que estragar tudo”, resmungou e foi para o banheiro de sua sala.
chorou igual uma criança e digitou algumas palavras no celular. Desligou e limpou os olhos.
— Vou voltar para casa — sussurrou para si mesma. — Não deveria ter voltado para esse mundo. Não sou capaz.


Capítulo 13 – Never Say Never

I will be your guardian when all is crumbling, I'll steady your hand
(Eu serei o seu guardião quando tudo estiver desmoronando, vou segurar firme a sua mão)

1º de fevereiro de 2022
Mallorca, Espanha


Já tinha passado quase um mês desde que havia pegado o primeiro voo disponível para encontrar o amigo de longa data, Max Verstappen, sem nem mesmo vestir roupas adequadas ou ter malas consigo.
Desde Ibiza, já tinha passado também por Mônaco e Bélgica, mesmo querendo voltar para Londres ou ir para Perth, mas sabia que não podia. Tanto em um lugar quanto no outro teria que falar sobre . Sua família, com toda a certeza do mundo, não o deixaria em paz até que falasse sobre tudo o que tinha acontecido desde que saíram de Woking.
E Earnhardt era um assunto que o piloto estava tentando ignorar o máximo possível, pelo menos até no dia da apresentação oficial dos carros da McLaren, que iria acontecer dentro de poucos dias. odiava a situação em que os dois estavam, mas a falta de notícias da engenheira era um claro sinal para ele se manter distante. Ainda que o australiano não fizesse a mínima noção do porquê.
Para evitar ficar sozinho e ser consumido por seus próprios pensamentos, estava novamente com o amigo enquanto o sol de Mallorca queimava sua pele, mas não reclamava porque gostava como ficava.
— Você está muito pensativo, Boy — Max constatou ao ver o amigo olhar para o nada enquanto estava deitado no sofá da lancha, deixando uma cerveja esquentar. — Você não vai mesmo me contar o que está acontecendo?
permaneceu em silêncio. Se fosse contar algo, teria que ser pelo início, e nem ele mesmo saberia explicar com exatidão quando foi o início de tudo. Quando tinha sido o momento exato em que se apaixonou por Earnhardt sem nem mesmo tê-la em seus braços. Ele sentia-se cada vez mais burro por estar naquela situação. Tinha fugido como um garotinho ao invés de ficar e sustentar as consequências depois do beijo. Mas ver desesperada, tentando inutilmente enfiar as roupas em uma mochila enquanto chorava, quebrou seu coração em pedacinhos. Ela precisava de um tempo, e mesmo sem saber os reais motivos da engenheira, daria aquele tempo.
Mesmo que ele odiasse ficar longe.
— Você está apaixonado.
— Não estou apaixonado, Maximilian.
Verstappen revirou os olhos e arrastou as pernas do amigo para fora do sofá.
— Está, sim. Você não me engana, . Consigo ler você.
— É? E o que você está lendo agora? — perguntou, tirando o óculos de sol e mostrando o dedo do meio para o neerlandês, lhe arrancando uma risada alta. — É complicado, Max. Tudo que envolve essa mulher é complicado.
— Ela entrou nessa sua cabecinha oca — Max tocou com o dedo indicador na testa do australiano. — E você nem me disse o nome dela.
— Se eu contar para você, todo mundo vai saber. Aí, sim, estarei fodido.
Max arregalou os olhos, fingindo surpresa.
— Assim você me ofende. Tá achando que eu sou o Gasly, Carlos ou Lando? — contou nos dedos os colegas. — Daqui a pouco, sei lá, tá me chamando de Charles Leclerc — sua expressão era de puro desgosto.
— É para começar a falar do Perceval? sorriu sacana para o amigo, que lhe respondeu com tapas.
— Cale a boca, daqui a pouco Beatrice escuta e vai sobrar pra mim. Parece que é só falar desse idiota que ela aparece.
— Sabe, Max, nós dois estamos fodidos. Você também está apaixonado.
Também, é? — ele levantou a sobrancelha, fazendo com que lhe desse um tapa na nuca.
— Você cale essa sua maldita boca grande.
Antes que pudesse continuar, uma notificação na tela do seu celular lhe chamou a atenção e fez seu coração acelerar. estava visivelmente nervoso. A mensagem era de . Ela não tinha dado notícias desde que saiu de Woking e, apesar de querer ter notícias da engenheira, receber uma mensagem naquela hora não parecia uma coisa boa.
— Então o nome da mulher misteriosa é — Max estava com um sorriso nos lábios enquanto o piloto ainda encarava a tela do telefone, sem abrir a mensagem. — Vamos, , clique logo! Quero saber o que ela te disse.
— Vai pra lá! — empurrou o neerlandês, e assim que desbloqueou o telefone, seu rosto ficou sério. — Preciso pegar um avião.
— Ah, não — Max resmungou. — Você precisa parar com essa arrumação de estar pegando avião toda hora. Daqui a pouco vão achar que você está traficando.
— É sério, Max. Resolva isso pra mim. Preciso ir para Londres agora.
— Você vai pagar a gasolina — Max deu de ombros e, com uma ligação, seu jatinho já estava disponível para que embarcasse em vinte minutos.
foi para o quarto do iate, pegou apenas sua carteira, trocou de roupa e encontrou Max novamente no sofá, que já estava acompanhado de Beatrice.
— Para onde você vai? — a assessora de na McLaren perguntou, com a sobrancelha arqueada.
— Depois explico. Vamos, Max, rápido.
— Que bicho te mordeu, hein?
ligou, ele vai — estalou um beijo na bochecha da negra. — Eu já volto.
— Qual “” ligou para ?
— Vamos logo, Verstappen — puxou o neerlandês pela blusa. — Não diga nada, Bea. Depois explico.
A negra permaneceu sentada, tentando juntar as peças que lhe tinham sido jogadas. e . Seria a mesma em que estava pensando? E se fosse, como ela não tinha adivinhado aquilo ainda e teve que descobrir por Max Verstappen? Nada fazia sentido para a italiana. Para ela, Earnhardt estava em um patamar diferente das mulheres que se envolvia – a engenheira era inteligente, formada pela melhor universidade do mundo. Era bonita e engraçada, não se importava com coisas fúteis e muito menos em se aproveitar de tudo que o seu sobrenome poderia lhe proporcionar; pelo contrário, até deixou de usá-lo por um tempo. Earnhardt estava muito acima de todas as mulheres superficiais que já tinha se relacionado. E ela sabia de todas, porque nunca gostou de nenhuma.
Beatrice resmungou sozinha, decidida a descobrir o que estava acontecendo mesmo que não conseguisse arrancar algo de ou Max.


🏁


Earnhardt nunca foi impulsiva. A estadunidense sempre foi muito racional – costumava pensar em todos os âmbitos da sua vida como pensava uma engenheira, calculando tudo, todas as probabilidades de erro e acerto, racionalizava cada passo, tudo. Mas esse traço mudou com a chegada de . foi uma corrente de ar nova em sua vida que ela nem sabia que precisava, então por ele resolveu confiar e arriscar como nunca tinha feito antes. Mas a impulsividade em uma mente que sempre foi racional podia ser muito negativa. A mente costumava pregar peças que cegavam a realidade. E isso tinha acontecido com , que foi cegada pelo lado ruim de todas as coisas. Estava sozinha de novo.
Ao contrário da estadunidense, era notavelmente um homem impulsivo. Quando o piloto estava diante de alguma situação, não costumava pensar muito, apenas fazia o que seu coração mandava; respeitava suas emoções mesmo que elas não fossem tão boas. No tratante a , não tinha sido diferente: arriscou seu próprio emprego ao pedir um para a engenheira que nem sabia de verdade quem era, largou tudo para ir atrás dela em Charlotte, alugou uma casa, trouxe toda a sua família. Tudo porque estava seguindo o seu coração. parou de ouvir seu coração apenas no dia que resolveu sair da casa em Woking e foi consumido por uma racionalidade insana que o levou para longe de , mas logo encontrou sua impulsividade novamente ao ir para Ibiza e ficar fora de tudo por quase um mês.
Mas lá estava ele, abraçando sua impulsividade, acreditando em seu coração novamente. estava largando tudo em Mallorca, sem nem pensar duas vezes, para ir atrás de . Por conta de apenas uma mensagem.
Graças ao empréstimo do jatinho do amigo, tinha chegado cedo no aeroporto de Londres e não precisou passar por todas as burocracias que precisaria em um voo comercial. pagou uma pequena fortuna de estacionamento, porque tinha deixado sua McLaren ali antes de partir para Ibiza, e dirigiu enlouquecidamente de Londres até Woking. Não se importou com as possíveis multas que receberia no país inglês – aquilo não era nenhum pouco importante naquele momento.
queria desistir antes mesmo de tentar. Aquilo não poderia acontecer, não depois de tudo o que já tinha passado.
freou bruscamente em frente à casa e respirou aliviado quando notou que um carro diferente também estava estacionado ali – deveria ser o novo que a empresa entregou para a mulher depois que ele foi embora. Entrou em casa gritando pela engenheira, mas não obteve resposta. O lugar parecia estar na mais perfeita ordem, sem qualquer indício que estivesse ruim ou em uma crise. Subiu as escadas e encontrou-a sentada no carpete, igual como havia a encontrado antes de sair dali semanas atrás.
Ao ver passar pela porta do seu quarto e envolvê-la num abraço apertado, para foi como ter recebido uma descarga elétrica. O toque quente de poderia causar danos sérios em seu corpo – e mente, mas naquele momento sentiu apenas arrepios percorrendo sua coluna e seu coração acelerar. Aquele era o efeito do australiano sobre ela. O australiano que ela não via há dias, que havia ido embora para que ela não saísse sozinha pelas ruas ainda desconhecidas de Woking. O australiano que, desde quando a conheceu, tinha mudado toda sua vida apenas para que ela pudesse ter uma chance de voltar a fazer o que amava.
Aquele era o efeito . E Earnhardt sentia saudade de tê-lo ali.
— Eu não vou deixar você desistir. Estou aqui, ok? Vamos fazer isso juntos.
sentiu seu coração apertar dentro do peito e desabou. Chorou nos braços do piloto e então, por entre as lágrimas, o beijou como se aquele fosse o último segundo de sua existência. A falta que sentia do australiano fazia seu coração doer. Tê-lo ali, com seus lábios sobre os dela, era como se tivesse voltado a respirar depois de muito tempo.
separou seus lábios dos de com delicadeza e limpou o rosto da engenheira com a ponta dos dedos.
— Preciso saber como você está. Fiquei preocupado, Principessa. — respirou fundo e colocou algumas mechas dos cabelos atrás da orelha. — Apesar de querer beijar você, não sei se devemos. Não antes da gente conversar.
— Eu sou um caos, . Naquele dia eu não queria ter deixado você ir embora, mas não consegui. Não seria certo, sabe? Te prender aqui comigo sendo uma bagunça. Mas eu também não consigo falar sobre tudo ainda.
— Acho que devemos acertar isso antes de, hm coçou a cabeça —, nos beijarmos. Não me parece justo deixar você ainda mais confusa.
— Me desculpe por isso. Eu só preciso de um tempo para me acostumar com o que estou sentindo, sabe? E eu sinto muita coisa, . Por você.
Ao ouvir as palavras de , sentiu seu corpo aliviar.
gostava dele. Mesmo que ainda fosse confuso, saber que ela nutria sentimento por ele da mesma forma que ela sentia era suficiente para que o australiano soubesse que eles ficariam bem no final das contas, não importava o tempo que levassem.
— Quando você quiser falar, eu vou estar aqui, tudo bem? Irei esperar o tempo que for preciso. Sem beijos, prometo juntou as mãos e soltou uma risada. — Fiquei preocupado com sua mensagem.
— Eu surtei — confessou, envergonhada. — Estava no serviço, não consegui finalizar um cálculo sobre o assoalho. Só falta isso, ! Só o assoalho — deixou os ombros caírem; a frustração era nítida em sua voz. — E aí surtei, entrei no banheiro, chorei, me senti inútil e te mandei mensagem sem pensar — ela encarou o piloto com um sorriso tímido de canto. — Acho que é porque me senti confortável com você e senti falta disso. Desculpe por preocupar e pelo incômodo, aliás.
— Você não me deve desculpas! — juntou suas mãos delicadamente. — Mas e aí, o que aconteceu? Você resolveu?
Não — um bico se formou em seus lábios. — Quando saí, quis bater na porta de Zak e pedir demissão, mas ele já tinha ido embora. Resolvi voltar pra casa e iria pedir a demissão amanhã, mas você chegou.
— Nunca agradeci tanto a Max Verstappen por ele ter comprado um jatinho. — fez uma careta ao ouvir o nome do neerlandês e riu. — Cheguei a tempo de impedir você de ir embora.
— Me sinto uma fraude, . Você apostou em mim e eu não consegui resolver esse problema.
— Você não resolveu ainda, Principessa. Mas estarei ao seu lado para lhe dar apoio moral, já que eu só sei dirigir.
— Ao meu lado nada. Você ficou longe, vai direto pro simulador.
soltou uma risada e puxou para seus braços. Quando sentiu a morena corresponder ao seu abraço, soube que eles ficariam bem. Tudo ficaria bem.



12 de fevereiro de 2022
Woking, Inglaterra


sentiu suas mãos suarem assim que estacionou o carro perfeitamente nas instalações da equipe inglesa. Era diferente estar ali pela parte da noite. As luzes colocadas especialmente para aquela data deixavam o Centro de Tecnologia da McLaren ainda mais bonito. O lago artificial em meio-círculo parecia completar com perfeição a estrutura do evento que estava montada para receber todos os funcionários, representantes dos patrocinadores e convidados da escuderia.
observou esfregar as mãos uma na outra e respirar fundo.
— Nervosa?
— Muito — respondeu e passou a mão pelo vestido laranja-papaya que usava. — Eu estava bem quando era só para gravar os vídeos que vão usar no marketing de hoje, mesmo passando pro mundo inteiro — soltou um riso fraco. — Mas parece que se eu entrar lá, vai ser de verdade, sabe? E eu quero muito que seja.
— Vai dar certo, Principessa. Vou entrar com você antes que Beatrice me empurre para fazer minha parte do show, mas quero te entregar um presente antes.
— Um presente? — o encarou surpresa. — Você realmente vai acabar me acostumando mal.
puxou uma caixa branca do banco de trás e colocou no colo de , que nem esperou o piloto falar mais alguma coisa para puxar o laço laranja e abrir o presente. Os olhos da estadunidense brilharam, e desejou fotografá-la daquele jeito, tão real.
— Meu Deus, é lindo! Eu não sei nem como te agradecer.
— Eu sei que você vai usar isso mais do que qualquer coisa, então pensei em você ter um exclusivo. Espero que goste.
— Eu amei, ! — a voz de era pura animação. Ela pegou com cuidado o fone laranja que contava com suas iniciais gravadas, além dos detalhes serem diversas fórmulas matemáticas desenhadas em amarelo, sua cor preferida.
— Pensei em amarelo porque combina com você.
— É a minha cor preferida, — Earnhardt o olhou com um sorriso nos lábios. — Grazie, bello.
A engenheira repousou a mão sob a coxa do piloto e se permitiu fazer um pequeno carinho ali. sentiu os pelos da sua nuca arrepiarem e se esforçou muito para ignorá-los quando passou o braço em volta dos ombros de , a abraçando de lado. gostava de estar perto dela, principalmente quando estava o suficiente para sentir seu cheiro. Era doce, mas não enjoativo, chegava a parecer uma mistura de morango, jasmim e gardênias, com um toque amadeirado. tinha cheiro de . Algo que jamais tinha sentido e adorava quando podia inalar aquele aroma único de tão perto.
— Vamos? — a voz da engenheira preencheu o ambiente, tirando de seus pensamentos.
— Vamos, Principessa — sorriu gentil. — Estarei ao seu lado.


⚙️


A McLaren apresentou primeiro seus projetos na Fórmula Indy, na Extreme E, categoria off-road com carros elétricos e e-sports. prestou atenção em cada detalhe, já que não conhecia quase nada do trabalho das outras partes da empresa, e estava maravilhada com tudo que era apresentado.
Até que as luzes mudaram, sendo apontadas para e Lando Norris, que mostravam a principal atração da noite: o MCL36. quis chorar quando o viu à sua frente. Finalmente inteiro, pronto. Com sua ajuda. Ela também tinha feito parte da construção daquele carro.
A equipe de design optou por manter o laranja-papaya, que passou a gostar, mas o azul turquesa ocupava espaço na lataria, sobretudo na asa traseira e nas laterais, dividindo espaço com o preto, e no bico, que era mais estreito do que a engenheira estava acostumada; assim como a asa dianteira mais arqueada e uma asa traseira mais sinuosa e menor. O modelo da McLaren também trazia aletas sob os novos pneus de 18 polegadas, mas que provavelmente iria se diferenciar de todos os outros carros, porque trazia calotas coloridas, em azul.
Earnhardt estava mais do que feliz com o carro apresentado. Só esperava que ele funcionasse na pista.
— Aliviada? — perguntou assim que as apresentações acabaram e pôde, finalmente, encontrar com no espaço destinado para os comes e bebes.
— Muito! Mal posso esperar para Barcelona.
— Encontrei vocês! Inferno, , não suma! Eu ainda preciso gravar um vídeo seu — Beatrice apareceu já ralhando, como de costume. Deu um abraço apertado em e balançou o dedo indicador em direção à engenheira. — Precisamos conversar, mocinha. Não pense que fugiu de mim só porque não nos falamos direito esses dias. Esse lançamento me tirou de órbita.
— Você sabe onde me encontrar, Bea! — piscou para a comunicadora. — Mas por favor, não mande ninguém mais me gravar, eu já estourei minha cota. Me filmaram com no simulador.
— Você apareceu por cinco segundos e estourou sua cota?! — soltou uma risada com a indignação na voz de Beatrice. — Você ainda não viu nada, querida. E eu amei o vestido.
— Foi você quem comprou, né? — colocou as mãos na cintura enquanto a negra jogava os cabelos para o lado.
— Alto lá! Eu apontou para si — comprei.
— Comprou o quê, hein? — Lando intrometeu-se entre os três.
Chegou quem não devia, acabou minha alegria provocou o menor, que revirou os olhos.
— Você me ama. Não é verdade, Beatrice?
Não — Portinari respondeu rapidamente e o inglês colocou a mão no peito, fingindo estar magoado. — , não ligue, esse é Lando Norris.
— Oi, Lando. Vamos nos ver muito ainda, espero que não se estresse fácil.
— Então você é a famosa ! — ele estendeu a mão para a mais velha, que apertou em seguida. — só sabe falar de você agora.
— É mesmo? — Earnhardt arqueou as sobrancelhas e encarou o piloto australiano. — Sou mais legal do que ele deve dizer.
— Minha Nossa Senhora, então você é muito legal. só sabe falar da engenheira nova que vai me dar uma surra.
— Ele não mentiu — piscou para o inglês, que a encarou surpreso.
— Bem feito, pra aprender a deixar de ser boca grande — deu um tapa rápido na nuca do mais novo. — Vamos, .
— “Vamos, nada, você tem que gravar um vídeo — Beatrice puxou pelo braço. — , fique aqui com Lando, voltamos já.
E os dois sumiram por entre as pessoas, que começavam a parecer cada vez mais animadas. Talvez fosse a bebida que estavam servindo a todo momento.
— Não precisa ter medo de mim, Norris.
— Não tenho — respondeu rápido. — Se você não matou ainda, não irá me matar tão cedo. Ele é bem pior que eu.
soltou uma risada e deixou-a levar pela conversa do inglês. Apesar de muito mais novo, ele parecia ter um bom coração. só esperava não ter muitos estresses com ele e seus engenheiros durante a temporada. Ela poderia ser bem raivosa se quisesse.
Os dois continuaram a conversar, até que ela pediu licença para Lando, saiu da área de convivência e se direcionou para a sala de troféu da McLaren, onde encontrou . Ele estava com os braços cruzados, observando atentamente uma réplica do primeiro troféu de James Hunt, que estava junto de tantos outros que já tinham passado pela escuderia. encarava aquele com um brilho diferente.
— Pensando em como o seu ficaria aqui?
Ele deixou escapar um sorriso quando percebeu a engenheira ao seu lado.
— Talvez. Você acha que eu posso estar aqui?
— Eu acho que você pode ser campeão do mundo.
Nós podemos ser — repousou sua mão no ombro de , e a mulher repousou a cabeça nela. — Vamos ser campeões do mundo juntos, Principessa.
sorriu e sentiu todas as extremidades do seu corpo se arrepiarem. Ela sentiu verdade nas palavras do piloto e, naquele momento, sabia que não tinha mais como voltar atrás – o que a engenheira tanto sonhou por anos era real.
Earnhardt estava oficialmente de volta ao mundo da Fórmula 1, representando a McLaren, rival histórica da Ferrari desde os tempos de Hunt e Lauda, ao lado de .
E perder não estava no plano de nenhum dos dois.


Capítulo 14 – Thunder

You're always riding in the back seat, now I'm smiling from the stage while you were clapping in the nose bleeds
(Você está sempre no passageiro, agora estou sorrindo do palco enquanto você aplaude da grade)

24 de fevereiro de 2022
Barcelona-Catalunha, Espanha


O caminho do hotel até o autódromo foi silencioso, e ao perceber Earnhardt constantemente olhar para os lados, esfregar as mãos umas nas outras e balançar os pés, se preocupou com como lidaria com sua retomada às pistas. Assim que estacionou o carro em sua vaga reservada e colocou o crachá em seu pescoço, a engenheira sentiu o medo percorrer cada extremidade de seu corpo.
— Você precisa de algo? — perguntou, mesmo sabendo que a resposta seria negativa. não gostava de preocupar ninguém.
Mas, naquela manhã, ela não conseguiu esconder que não estava bem, muito menos tentou fingir. Não precisava fingir nada para o australiano. Então, abriu a porta do carro e correu para trás dele, colocando todo seu café da manhã para fora. não pensou duas vezes antes de pular para fora e ir até a mulher, abaixando-se ao seu lado. Ele suspendeu seu cabelo com uma mão, para que ela não sujasse, e passou a mão livre nas costas da engenheira.
— James Hunt vomitava toda vez antes da corrida — disse enquanto pigarreava. — Talvez isso seja um bom sinal. Ele foi campeão, né?
— Você é idiota — murmurou ao limpar o canto da boca com a palma da mão, levantando-se. — Obrigada! Fiz bem em te acordar cedo, assim ninguém me viu nessa situação.
— Você não me acordou cedo, você me acordou de madrugada. Estava pronto para processar o hotel quando escutei as batidas na porta, mas aí era você.
— Se acostume! Posso ser seu pior pesadelo — brincou e o piloto soltou uma risada, lembrando que a engenheira o acordou às cinco da manhã. — Pode pegar minha mochila?
— Você já está melhor? — ele devolveu a pergunta, ainda preocupado. balançou a cabeça em modo afirmativo e se encostou no carro, com os olhos fechados.
— Eu só não imaginava que colocaria meus pés aqui de novo — ainda com os olhos fechados, ela deixou escapar um sorriso. — Agora eu tô aqui. A vida é engraçada. Me juraram que eu nunca mais pisaria em um paddock como engenheira.
— E agora é a minha engenheira, que vai me fazer ganhar um campeonato mundial.
— Exatamente — respondeu o australiano, que encostou-se no carro ao seu lado. passou as mãos pelo braço esquerdo de e repousou sua cabeça ali, recebendo um beijo no topo. — Vamos conseguir, .
— Com você eu tenho todas as certezas, Principessa.
sentiu-se segura e feliz. Desejou não ter mais receios em seu coração e teve vontade de gritar para o australiano tudo o que passava na sua mente sobre como se sentia a respeito deles dois. Mas ela sabia que as coisas aconteceriam no tempo certo, então apenas aproveitou o momento abraçada no braço – incrivelmente forte – de , respirando tranquila pela primeira vez desde que haviam pisado em Barcelona.
era sua calmaria antes e depois da tempestade.


🏁


agradeceu em pensamento assim que passaram pelas catracas de acesso ao paddock, durante aqueles três dias da primeira fase da pré-temporada ser fechada, sem qualquer tipo de transmissão. Ela sempre foi acostumada a estar nas sombras quando fazia parte da Ferrari. Era apenas uma voz sem rosto nas rádios durante as corridas. Ela não estava acostumada a receber atenção da mídia por nunca ter revelado a verdade sobre quem era.
Mas, naquela temporada, aquilo não seria possível – ela jamais estaria nas sombras ao lado de . O mundo, de fato, conheceria a verdadeira face de Earnhardt. A mulher só não sabia como iria lidar com tudo aquilo, mas tinha a certeza que não estaria sozinha.
Os dois entraram rapidamente no motorhome da McLare – a nova casa sobre rodas em que iria passar bastante tempo quando não estivesse nos boxes – e foram recebidos alegremente por Beatrice Portinari, perfeitamente arrumada em seu uniforme da equipe.
— Faltam vinte minutos para as sete horas, por que você já está aqui? — perguntou com a sobrancelha arqueada e os braços cruzados.
— Quem escuta, pensa que nunca acordei cedo.
, você não acorda de madrugada — Bea bateu no ombro do piloto e soltou uma risada. — Nem Michael ainda chegou.
— Ele ainda está irritado comigo pelos furos que dei em Ibiza, mas vou ficar bem. Já tem comida nesse lugar? precisa estar alimentada antes de irmos para a pitlane.
— Tem! Acabei de tomar o café daqui, está muito bom — Portinari sorriu. — Vá lá buscar e volte para gravarmos uns vídeos antes de você trocar de roupa.
— Sim, senhora — ele bateu continência para a negra. — E tome aqui suas coisas, não sou seu carregador.
— É sim — respondeu, dando de ombros, e pegou a mochila rosa das mãos do australiano.
— O que vocês dois têm, hein? — Bea foi direta assim que o piloto deu as costas, e a encarou confusa.
— Nada! Por quê?
, querida, vocês não vão se esconder de mim por muito tempo — piscou, fazendo a engenheira balançar a cabeça negativamente. — Sou o olho que tudo vê aqui.
— Não irá ver nada, porque não tem nada — respondeu, desviando o olhar para a mochila. — Vou ao banheiro, já volto.
— Estarei bem aqui!
entrou no banheiro e a primeira coisa que fez foi escovar os dentes para não restar nenhum vestígio dos seus primeiros minutos no autódromo. Ela era maior que o medo que sentiu. Era maior que as pessoas que a humilharam e tiraram suas oportunidades. era maior e estava novamente naquele mundo que tanto amava, o mundo que tinha nascido para fazer parte.
Earnhardt estava de volta, tal como uma tempestade que chegava sem avisar.
A engenheira voltou para a sala comum da McLaren e se alimentou novamente, sendo vigiada de perto por . Se dependesse do piloto, nenhuma refeição seria pulada por ela, mesmo com a correria dos dias no paddock. Antes de ir em direção à garagem, falou rapidamente com Michael, que já conhecia por conta dos dias que havia passado com ele em Woking, e tirou algumas fotos junto dos dois por um pedido de Beatrice. Ao dizer que não tinha rede social, a social media se indignou e só a deixou partir quando a engenheira prometeu que criaria, mesmo que a conta fosse trancada.
Ao adentrar a garagem da McLaren, sentiu-se em casa. Era confortável para a engenheira estar entre aqueles 400 metros quadrados, que dali a poucos minutos começaria a ficar frenético. Andou pelo local e parou em frente ao seu preferido: a sala de telemetria. Estava ainda mais moderna do que se lembrava, repleta de computadores potentes, com 45 monitores de cristal líquido. A sala abrigaria, em média, 40 técnicos que iriam passar todas as informações para os engenheiros. lembrou-se com carinho quando começou na Fórmula 1, naquela mesma função, passando informações desde quantas vezes o piloto tinha utilizado o freio até a temperatura do óleo no carro durante a corrida. Uma loucura que a proporcionou saber tudo o que era necessário para ser melhor na sua função.
Earnhardt voltou para a parte principal da garagem, colocou seus fones no pescoço e cumprimentou engenheiros e mecânicos que chegavam. As horas passaram voando e, quando deu por si, já estava ao lado de Seidl no pitwall enquanto pulava para dentro do cockpit.
— Por que ele não veio ontem? — perguntou para o engenheiro-chefe, que analisava a tela atentamente.
— Ontem tiramos o dia somente para Lando, hoje será e amanhã os dois.
— Entendi — ela apontou para a tela que trazia a imagem do visor de . — Eu disse que ia ser diferente na pista.
era perfeccionista e não gostou quando deixaram Barcelona com muitas incertezas.
Nenhuma das equipes espremeu os carros até o máximo, tampouco tentaram fazer simulações de classificação com bólidos que ainda tinham muito para oferecer aos seus pilotos. Ela queria ter extraído o máximo que pudesse de para poder ter certeza nas atualizações que seriam necessárias, mas poderia fazer aquilo agora que estavam na segunda parte da pré-temporada, em Bahrein.
— Precisamos pensar sobre o proposing, deixar a parte de baixo dos carros menos instável — disse a Seidl, que concordou assim que passou pelo setor 2. — A solução pode estar nos assoalhos, superfícies ou suspensões.
— Você tem algo em mente?
— Sim — sorriu —, preciso que os mecânicos trabalhem rápido para dar tempo de testar ainda amanhã.
se estressou bastante quando a volta de foi prejudicada por Bottas, que saiu da pista na curva 4, com o carro precisando ser retirado com auxílio do trator. A pista foi bloqueada e restaram apenas vinte minutos para a sessão finalizar. A primeira sessão do penúltimo dia de treinos seguiu sem muitas surpresas, mas com diversos estresses. , além de lidar com o proposing, teve problemas no aquecimento dos freios dianteiros e terminou a rodada com a décima-quinta volta mais rápida. Se fosse uma qualificação, estaria fora do Q3, e ninguém iria querer aquilo.


🏎️


A última sessão não saiu como o australiano imaginava, por vários fatores, e muitos deles estavam longe de sua alçada. Mas sentiu-se confiante quando viu mexer como um furacão no computador à sua frente enquanto dava algumas ordens e trocava ideias com Seidl. Não ousou tirar nenhuma gracinha com a engenheira, porque sabia que, naquele lugar e situação, correria um grande perigo de vida com resultado em morte. Deixou os boxes rapidamente, apenas com a promessa que traria comida para , já que se dependesse de si própria, iria passar o restante do dia somente com o café da manhã.
caminhou tranquilamente pelo paddock que, mesmo mais movimentado que quando estavam em Barcelona, ainda era calmo comparado aos dias de Grand Prix. Ele entrou na McLaren apenas para ver o cardápio do dia, que não o agradou, e saiu em direção à área de alimentação, encontrando Max no caminho.
— Que merda foi aquela com Bottas, hein? — o neerlandês perguntou assim que o amigo o alcançou, dando um longo gole em seu RedBull.
— Alfa Romeo, né? Carro quebrando a cada volta, queria quebrar o box deles. Atrapalhou minhas últimas voltas.
? — Max perguntou animado, cutucando o australiano. — Eu sabia que ela era sua engenheira, mas você não me apresentou em Barcelona. Vamos, me apresente a mulher que você está apaixonado.
— Cale a boca, Maximilian — deferiu um tapa em sua nuca assim que entraram no restaurante árabe do paddock. — É por isso que não a apresento para você. Você vai falar suas merdas como sempre.
— Não falarei. Qual é, ? Vamos, ao menos uma foto.
— Quando foi que você ficou tão chato? — perguntou, e Max sorriu vitorioso quando sentaram-se em uma mesa distante e lhe entregou o celular. — Essa é a .
Ele mostrou uma foto em que tinha tirado da estadunidense com seus sobrinhos, no dia da piscina. Sorriu ao lembrar de como aqueles foram dias felizes, mas sua expressão mudou ao perceber Max engasgar com o RedBull que tomava.
Puta que pariu — disse ao limpar a boca com a palma da mão, mesmo o líquido já estando também na sua blusa. — Eu reconheceria essa mulher mesmo sem uniforme.
— Do que você está falando?
— Essa é a sua ? Não acredito nisso, — balançou a cabeça negativamente, batendo na própria testa com as duas mãos. — Você já a conhecia, não lembra?
— Desde quando, seu maluco?
— Desde quando essa doida gritou comigo e você riu. Em 2016, minha quarta corrida pela RedBull.
— Você é muito rancoroso, Max. Eu não lembro disso.
— Como não lembra? Você riu de mim.
— Eu sempre rio de você, Max.
Max revirou os olhos e devolveu o celular para o australiano.
Max Verstappen não era o tipo de homem que se intimidava com qualquer coisa, muito pelo contrário. Era ele quem intimidava os outros, fazendo algumas pessoas evitarem contato até fora das pistas. Mas Earnhardt foi uma das primeiras – e únicas – pessoas que Max teve medo naquele mundo da Fórmula 1. Desde aquele dia, soube que não poderia mexer com ela, mesmo a mulher sendo apenas um rosto sem nome, com o uniforme da Ferrari. Só não entendia como tinha a encontrado, como ele conseguiu se apaixonar por uma mulher que poderia matá-lo com apenas um olhar, muito menos como tinha parado na McLaren.
— Você a apelidou de Medusa — Max disse. colocou a mão na boca, com a lembrança daquele dia invadindo sua mente.



10 de julho de 2016
Silverstone, Inglaterra


Max Verstappen estava animado para a primeira corrida representando a RedBull no país britânico. Sabia bem como a corrida era uma das mais importantes do calendário e o quanto era fundamental para a equipe conseguir aqueles pontos. A RedBull tinha apostado muito quando o tirou da ToroRosso para ocupar o antigo lugar de Kyvat. E Max gostava de apostas altas.
Estava feliz por estar ali, mas sabia que precisava começar a construir seu legado – afinal, não seria escudeiro para sempre. Ele era diferenciado, todos sabiam. Naquela corrida não iria passar despercebido, mesmo com todos os olhos atentos apenas na promessa italiana: Giuseppe Fernandez. Ele era imbatível, mas Max sonhava com o dia que iria tirá-lo do pódio com suas cores vermelhas.
Giuseppe teve uma qualificação ruim e começaria a corrida em quinto, ao lado de Max, que começaria em sexto. Rosberg começaria em quarto, Vettel em terceiro, em segundo e Lewis em primeiro. Mas o plano arquitetado por Miller e Giuseppe Fernandez era simples: subir o pelotão até alcançar o primeiro lugar. Fernandez era especialista em ultrapassagens rápidas e limpas, e o faria sem muito esforço aparente.
estava confiante. Não importava a corrida – ela sabia que, em algum lugar no pódio, o menino prodígio da escuderia italiana estaria brilhando, e os pontos viriam para se garantirem ainda mais no mundial de construtores e no de pilotos. Daquela vez não seria diferente. Não poderia ser, afinal, não tinha chegado até ali para falhar no seu segundo ano como engenheira de corrida e substituta do engenheiro de estratégias. Era um cargo que muitos queriam, trabalhar com o prodígio, mas era dela. Somente dela.
A corrida começou e, no primeiro minuto, olhou para a tela à sua frente sem acreditar no que estava vendo. O novato da RedBull empurrava Giuseppe para fora da pista, que tirou o pé para não colidir logo depois da primeira curva, sendo jogado para as britas.
— Quem esse moleque pensa que é? — gritou antes de ligar o microfone para se comunicar com o piloto. A bandeira amarela virtual foi acionada, mas em uma manobra perfeita e arriscada, Giuseppe deu ré e conseguiu sair das britas, voltando para a corrida. A bandeira verde rapidamente voltou e ele acelerou, mesmo com o pneu danificado e o cockpit cheio de poeira e sujeiras.
A corrida seguiu com a Ferrari tendo um pitstop excelente, organizado com maestria por , e Giuseppe conseguiu seguir o plano. Escalou o pelotão, mesmo saindo do décimo-nono lugar, e ocupou o segundo lugar do pódio, com Lewis Hamilton em primeiro e em terceiro. O plano tinha acontecido de forma brilhante. Mas não estava nada contente com o que tinha acontecido, muito menos com a audácia do novato em dizer nas entrevistas que tinha feito apenas seu trabalho e a culpa era de Fernández que não lhe deu espaço. A estadunidense estava por um fio de perder a paciência e não invadir o box da RedBull para cobrar o neerlandês.
Earnhardt comemorou com a equipe, mas foi uma das últimas a sair porque precisava fazer as anotações da corrida. Nada poderia passar despercebido. Prometeu que encontraria os colegas em um pub próximo antes de partirem e foi em direção ao estacionamento privativo. O tempo em Silverstone era de garoa fina, com ventos frios, mas sentiu seu corpo esquentar quando percebeu Max Verstappen rindo ao lado de , que estava bastante alcoolizado. Também pudera, tinha pegado pódio em um dos maiores circuitos da temporada.
— Você — ela gritou, chamando a atenção dos dois pilotos. — Novato.
— É com você — riu, fazendo revirar os olhos.
O dedo indicador de estava em riste para Verstappen, que o olhava surpreso e com receio. Nunca tinha visto aquela mulher por ali e, com toda certeza, não era uma fã. Ela vestia uma jaqueta da Ferrari por cima das roupas pretas e não parecia nada contente.
— Quem você pensa que é, hein? Se você acha que pode chegar aqui e dirigir feito um maluco, você está enganado. Aprenda a se comportar como um piloto decente, pelo menos.
— Quem você…
— Eu não terminei, então não me interrompa, garoto — suas narinas estavam infladas. Max a encarava com os olhos arregalados e olhava a situação sem entender; o álcool não estava ajudando. — Você podia ter causado um grave acidente com Fernandez, poderia destruir não só um carro. Se você não tem amor à sua própria vida, lembre-se que não dirige sozinho. Isso é um trabalho de gente grande, e não para moleques sem limites que acham que vão ser o próximo campeão do mundo.
— Eu vou ser campeão do mundo.
— Você será — encarou o neerlandês com tanta fúria que poderia fuzilá-lo com o simples olhar. Mesmo sem entender, não conseguia tirar os olhos de cada movimento da mulher. — Você será quando eu não estiver mais aqui para impedir essas merdas que você pensa que pode fazer. Escute o que estou lhe dizendo, você não sabe com quem está lidando.
— Você está…
— Não terminei — vociferou. — Sabe, Max, você pode até ser bom. Mas se vai fazer jogo sujo, resolveu brincar com a equipe errada. E quer saber? Vá se foder. Você e sua equipezinha. Quando você pensar em bater no meu piloto novamente, lembre-se que é comigo que você terá que lidar. Seu moleque irresponsável — ela pegou a chave do carro dos bolsos da jaqueta e destravou a Ferrari preta, fazendo os dois se assustarem com o barulho. — E saiam de perto do meu carro.
Sem deixar Max responder ou entender o que tinha acontecido, fez o motor da Ferrari rugir e acelerou para longe dali, os deixando na chuva.
— Ela era uma fã? — perguntou, passando a mão pelo rosto.
— Ela pode ser tudo, menos uma fã — Max passou a mão pela garganta. — Cara, que mulher…
— Você cagou nas calças, não foi? — riu sozinho. — Ela parecia a Medusa. Não consegui parar de encará-la.
— Claro, não era com você que ela estava gritando.
— Esqueça isso, Maximilian. Vamos que tenho que te apresentar a lugares. Deixe a Medusa para lá, nunca mais vamos vê-la.



24 de fevereiro de 2022
Barcelona-Catalunha, Espanha


voltou para os boxes rindo sozinho enquanto segurava a marmita recheada de Tabule, uma salada típica libanesa com porções de falafel e kafta para almoçar.
Ele mal se lembrava dos acontecimentos do dia em que ficou em terceiro lugar em Silverstone depois da comemoração na garagem com a equipe. Em sua mente só vinha chuva e muito champanhe. Mas ele realmente tinha ficado surpreso com a passagem repentina da mulher de vermelho no estacionamento, mas era apenas uma memória bloqueada, um borrão. Completamente esclarecido por Max Verstappen.
— Eu sabia que te conhecia de algum lugar antes daquele jantar — disse para a engenheira assim que entrou em sua sala, que contava apenas com um sofá, uma mesa com seu inseparável MacBook e iPad, junto de uma cama de solteiro, uma televisão pequena e um pequeno cômodo.
— Nunca falei com você na época em que trabalhei na Ferrari, só via a distância. Muita distância riu e pegou a marmita das mãos do piloto, sentindo o cheiro maravilhoso da comida árabe invadir sua sala. — Muito obrigada! Estava morrendo de fome.
— Você nunca falou comigo, mas você foi a mulher de vermelho que assustou Max.
encarou enquanto mastigava.
— Eu assustei aquele sem noção?
— Sim! — esticou-se para roubar um bolinho de falafel e sentou-se na cama. — Em Silverstone.
— Puta merda — a mulher soltou uma gargalhada alta, fazendo o australiano a acompanhá-la. — Eu surtei com Max. Ele tinha jogado meu piloto para as britas. Surtei mesmo!
— Eu jamais me lembraria daquele dia, estava completamente bêbado.
— Graças a Deus! Eu nem lembrava, bloqueei essa memória na minha mente. Não que eu me sentisse mal, mas fiquei envergonhada de ir brigar com um adolescente. Max tinha o quê naquela época, dezoito anos?
— Por aí! — espreguiçou-se e, ainda com um riso nos lábios, deitou na pequena cama enquanto almoçava. — Você assustou Maximilian. Ele disse que foi a primeira vez.
— É bom ele ter medo mesmo, avise logo que estou bem pior que antes — brincou, mas falava sério no final das contas. Ela não permitiria nenhuma espécie de jogo sujo para cima de sua equipe na temporada. Estava realmente pronta para brigar com unhas e dentes por .
Ela havia voltado como um furacão.


Capítulo 15 – Clarity

If our love is tragedy, why are you my remedy? If our love's insanity, why are you my clarity?
(Se o nosso amor é tragédia, por que você é meu remédio? Se o nosso amor é insano, por que você é minha lucidez?)

25 de março de 2022
Jeddah, Arábia Saudita


A primeira corrida da temporada de 2022 no Grand Prix de Bahrein não tinha sido do jeito que planejou. Muito pelo contrário, saiu tudo como ela não queria.
teve problemas no carro que não estavam previstos nos testes da pré-temporada e acabaram ficando em décimo segundo lugar, sendo o nono ocupado pelo companheiro de equipe, Lando. Sentiu incômodo ao ver as Ferrari ocupando os dois lugares mais altos do pódio, mas usou aquilo como força para trabalhar; afinal, não conhecia os novos pilotos da escuderia italiana, sabia apenas o nome de cada um. Aprendeu o nome de todos quando viu pacientemente todas as corridas desde 2018 – precisava estar atualizada para quando a temporada começasse.
Mas nem tudo tinha sido ruim. O tempo que passou no Bahrein, e agora em Jeddah, também tinha a aproximado ainda mais de .
Era de praxe os dois conversarem todas as noites sobre carros e seus achismos da corrida. Até mesmo cogitaram seguir o exemplo de Bottas e dividir um motorhome durante a temporada para evitar perderem tempo com hotel. amava quando os dois gargalhavam sobre alguma coisa engraçada, ou quando suas mãos se tocavam sem querer e seu corpo respondia de imediato, fazendo-a perder a concentração no que quer que estivesse fazendo. Ou quando dividiam cervejas ou vinhos no quarto dos hotéis em que se hospedavam, e a encarava com aqueles olhos castanhos tão envolventes que ela chegava a cogitar que ele pudesse ler sua alma.
Compartilhar aqueles momentos com era o lado bom em meio aos problemas. sentia-se cada vez mais segura e aberta, pronta para dar o próximo passo. Esperava que o piloto ainda estivesse disposto, como tinha afirmado que estaria, a esperando pelo tempo que fosse necessário.
Como já era costume, chegaram juntos ao paddock mas logo se separaram, já que precisaria cumprir suas obrigações de marketing com Beatrice e fazer os exercícios do dia com Michael. sentiu seu estômago reclamar e resolveu ir até a área de alimentação – teria bastante tempo, já que os treinos livres só teriam início pela parte da tarde.
Estava tão concentrada em passar despercebida pela frente do imponente hospitality da Ferrari – que ficava ao lado do da Mercedes, enquanto o da McLaren estava um pouco antes, mas do lado esquerdo – que não prestou atenção quando chegou em frente ao da Aston Martin e um homem alto, de casaco azul, passou ao seu lado correndo, lhe dando um esbarrão. Muito menos conseguiu se equilibrar quando algo passou por entre suas pernas rapidamente. caiu mais rápido do que podia raciocinar, usando as duas mãos para se apoiar no chão. Foi então que se deu conta que tinha sido atropelada por um cachorro.
Stronzo — praguejou em italiano, ainda sentada. Limpou as mãos uma na outra e logo percebeu que sangravam.
— Eu disse para esse imbecil não correr com o brinquedo dele — o forte sotaque britânico passou por ela tão rápido quanto sua queda, que não deu tempo de ver quem era o dono da voz marcante. — Volte aqui, Pierre. E traga ele junto!
— Você está bem? — Charles Leclerc abaixou-se rapidamente e estendeu a mão para a engenheira, que ficou sem reação quando viu o homem na roupa vermelha da Ferrari em sua frente.
Aquele sotaque francês misturado com o italiano. As roupas vermelhas. O escudo da Ferrari no peito. sentiu sua cabeça rodar e fechou os olhos com força; sua mente foi invadida por memórias que não queria ter. O homem à sua frente imediatamente trouxe Giuseppe Fernandez para sua memória.
— Acho que ela não tá bem — Charles encarou Russell, ainda agachado, ao ver levar a mão para a cabeça.
— É claro que não tá bem. Pierre fez o Roscoe atropelar ela. As mãos dela estão sangrando, levante ela, Leclerc! — George ordenou enquanto acenava para Gasly voltar com Roscoe.
— Eu vou carregar você, ok? A Ferrari fica logo ali atrás, vamos dar um jeito.
— Não! — Earnhardt respondeu rapidamente. — Só fiquei tonta, estou bem — ela tentou parecer confiante, mas sua expressão entregava o incômodo. Suas mãos ardiam.
— Meu Deus, , é você?! — Lando gritou, atraindo olhares das pessoas que passavam por ali. — O que esses imbecis fizeram com você? — agachou-se ao lado de Charles. — vai matar vocês.
— O que tem a ver com isso, seu idiota?
— É a engenheira dele, imbecil. Vocês acabaram de bater na engenheira dele.
— Em minha defesa, foi o Roscoe — Pierre disse com a respiração ofegante ao voltar para a roda que havia se formado ao redor da estadunidense.
— Vão todos ficar olhando e ninguém vai me ajudar a levantar, é? — perguntou, até que prontamente mãos distintas ficaram em sua direção para ajudá-la a levantar.
— Vocês são burros ou se fazem? As mãos dela estão machucadas — Russell falou o óbvio enquanto pegava o pequeno meliante que tinha sido responsável pela confusão.
Charles foi para trás de e cuidadosamente a colocou de pé. encarou as próprias mãos, já imaginando que seria incômodo trabalhar daquele jeito, mesmo sendo apenas arranhões. Elas ardiam e, mesmo que pouco, o vermelho era bastante vivo.
? — Leclerc a chamou pelo nome pela primeira vez e a engenheira o encarou, ainda desconfiada do homem de vermelho, mesmo não tendo motivo para sentir aquilo. Ele tinha a ajudado quando poderia tê-la deixado no chão e ir atrás de seu amigo que corria com o cachorro. — Vou buscar algo para limpar suas mãos.
— Não precisa! Vou só comer e dou um jeito na McLaren…
— Não, fique aqui. Tá sangrando — ele falou, e antes que a engenheira pudesse negar novamente, o piloto deu as costas para o grupo e correu até o motorhome da escuderia italiana.
— Como isso aconteceu, hein? — Lando perguntou, fazendo carinho na cabeça de Roscoe.
— Esse menino me atropelou — encarou Pierre — enquanto brincava com o cachorro dele. Nem sabia que aceitavam cachorros aqui — ela olhou com carinho para o buldogue. Se suas mãos não estivessem machucadas, com toda a certeza já estaria enchendo-o de beijos.
— Não é meu cachorro, é de Hamilton — Pierre explicou. — Estávamos levando ele para passear.
Eu estava levando ele para passear, você se meteu só para ficar correndo por aí e ainda roubou o brinquedo dele.
— Vocês são babás do cachorro do Lewis?
— É como um filho, na verdade — George pontuou. — A gente gosta bastante dele.
— Ele é mais legal que Lewis — Lando falou, jogando beijinhos para o buldogue enquanto fazia carinho nas suas orelhas.
— Cale a boca, Norris — George virou Roscoe para que Lando não o alcançasse mais. — Você acha Verstappen legal — ele revirou os olhos.
— Voltei! — Charles levantou uma pequena maleta branca com a logo da Ferrari. — Vamos entrar aí — apontou para a casa da Aston Martin — para fazermos o curativo, não dá para fazer em pé.
— Não vou invadir a Aston Martin…
— Ninguém vai invadir, , vamos visitar nosso amigo Lance.
não teve como negar – quando percebeu, já estava ao lado de Norris enquanto Charles os guiavam com Gasly e Russell ao seu lado. Ninguém da Aston Martin os encarou estranho, então ela imaginou que aquilo era mais normal do que pensava. Em sua época, quando um grupo de pilotos entrava na sede de outra equipe, coisa boa que não era.
O hospitality da Aston Martin era mais chique do que o normal. Logo na entrada estavam sofás brancos com detalhes em verde e bordado o logo da equipe, que tinha certeza que custavam uma pequena fortuna. Pierre, como se já estivesse acostumado, pegou uma água no grande expositor de bebidas que estava equipado para que todos ali pudessem usufruir.
— Você tá cada vez mais abusado — o homem com macacão da Aston aberto até a cintura, com sobrancelhas grossas e óculos de sol sobre a cabeça, chamou atenção do grupo. — Estou indo até o restaurante. Você também pode comprar coisas lá e não pegar de graça.
— Qual é, Stroll? — Gasly deu um tapinha em seu ombro. — Aqui tem de graça.
— O que vocês aprontaram? — ele encarou , ignorando o francês. Em seguida, colocou a mão direita na testa dela, balançando a cabeça negativamente. — Meu Deus, você está sangrando?
Não, eu que pintei as mãos dela de vermelho pra combinar com a Ferrari — Charles piscou para o canadense enquanto os outros riram. — Gasly atropelou ela junto de Roscoe, aí estamos ajudando, já que esse incompentente não se deu ao trabalho nem de levantá-la do chão. Não foi, ?
— Exatamente isso que aconteceu — a engenheira concordou com o monegasco. — Inferno, ragazzo — reclamou em italiano quando Charles colocou o antisséptico sob os arranhões. O piloto a encarou confuso, mas deixou escapar um sorriso.
Era inavvertitamente, bella.
— O que vocês tão falando aí, hein?
— Mal de você, Lando.
— Ele tá dando em cima de você não é, ? Chamou de “bella”, isso eu entendi. Vou contar tudo pro .
— Jesus Cristo, você é namorada de ? — Stroll perguntou, surpreso.
— Mio Dio, não — Earnhardt respondeu rapidamente, fechando a cara ao sentir seu estômago roncar. — Termine logo, estou faminta!
— Lance estava indo até o restaurante, não é? — Lando lembrou.
— Sim, e vocês me atrapalharam. Preciso encontrar o morto de fome do Esteban lá.
— Ótimo — Norris bateu uma palma —, então vá e compre algo para essa morta de fome aqui.
— Tenho cara de delivery agora? — colocou os óculos de sol e Norris revirou os olhos.
— Olha, se ela desmaiar de fome durante o treino e cagar com a estratégia de porque você não quis trazer um lanchinho depois que ela foi atropelada por Gasly e Roscoe, porque Russell não reparou nos dois direito, vai cobrar e vai contar tudinho para Lewis.
olhava para o britânico, tentando entender sua linha de raciocínio. E parecia ser a única, já que os outros pilotos ou o encaravam com um sorriso no rosto ou como se quisessem amordaçá-lo para não ouvir mais sua ladainha.
— Então Lewis vai fazer demitirem George porque ele colocou Roscoe em risco. Então eu acho melhor você colaborar, sabe? É tudo para um bem maior, Stroll.
— O que você vai querer? — perguntou para , ignorando completamente Norris, que tinha um sorriso convencido nos lábios.
— Um sanduíche bem grande e um energético. Mas não traga Red Bull, não tomo essa porcaria.
— Você já conheceu o Verstappen? — Charles riu, colocando o esparadrapo por cima da gaze na mão direita de . — Acho que vocês vão ser bons amigos.
— Ele que não se atreva a perturbar minha paz. Sou mais maluca que ele.
— Então você já conhece a peça — Russell murmurou, balançando Roscoe no colo. — Sinto muito.
deixou escapar uma risada e percebeu que não era só ela que tinha uma imagem ruim do piloto neerlandês.


🏎️



— Por que Lance Stroll lhe mandou lanches? O emprego de Russell está em risco, você foi atropelada, odeia a Red Bull e Max Verstappen? — perguntou ao fechar a porta da sala de atrás de si.
O piloto gostava muito mais daquela sala do que a da garagem. A do hospitality, mesmo não sendo a oficial que viajava pelos motorhomes nas corridas pela Europa, era mais espaçosa. Ainda que fosse pequena comparada à sala em outros lugares, não tinha cheiro de óleo e nem de pneu queimado, muito menos de suor excessivo masculino. Tinha a cara e cheiro de . A engenheira sorriu ao escutar o australiano e seu sorriso aumentou ainda mais quando ele a entregou a sacola de papel gigante que deveria ter sido dada por Lance Stroll.
— Lance exagerou! — murmurou com ar de riso quando retirou as coisas que ele tinha comprado. Ela colocou os quatro sanduíches, três sabores diferentes de Monster e mais uma fatia de torta de morango na pequena mesa em frente ao sofá que estava deitada. — E eu não odeio Max Verstappen, só o acho irresponsável. E a Red Bull acho sem história, apenas isso.
— Por que suas mãos estão enfaixadas? Você realmente foi atropelada? — perguntou sério ao perceber a gaze enrolada.
— Não vai atrapalhar meu trabalho, já testei digitar. Não se preocupe…
— Não estou preocupado com seu trabalho comigo, estou preocupado com você, — sentou-se ao seu lado e puxou delicadamente sua mão direita, observando o esparadrapo vermelho ao centro.
— Charles Leclerc que fez o curativo lá na Aston Martin — ela explicou, percebendo o olhar do australiano para o símbolo minúsculo da Ferrari. Os italianos sempre queriam deixar a sua marca em tudo. — Te conto se você comer comigo.
— Nem se não tivesse feito convite. É óbvio que vou comer às custas de Lance Stroll com você.
— E nas minhas também. — a encarou confuso e coçou a garganta. — Quer dizer, se quiser jantar comigo hoje à noite. Queria conversar com você.
— Eu fiz algo de errado? — perguntou ao desenrolar o sanduíche do papel laminado em que estava embrulhado. Ele fez uma careta ao constatar que tinha escolhido o mais saudável dentre os outros, já que o de tinha bacon e queijo cheddar.
— Só se você não ficar no top 10 de melhor tempo hoje — ela piscou para o piloto. — É que seria bom falar antes da nossa rotina virar uma loucura — mordeu o sanduíche e fechou os olhos ao sentir como era realmente gostoso. Lance Stroll não tinha errado em sua escolha. — E eu não vou trocar meu sanduíche com você, pare de olhá-lo — cutucou o braço do piloto, que soltou uma risada.
não sabia como era possível, mas estava ainda mais encantado por Earnhardt. Ela o tinha capturado.


⚙️


sempre foi um homem confiante, mas naquela noite estava se sentindo ainda mais. O primeiro treino livre tinha sido consideravelmente bom, com ele conseguindo o quinto melhor tempo do dia. Diferentemente da temporada passada, já conseguia sentir-se confortável com o carro que pilotava, mesmo que não fosse totalmente.
Porém, mesmo com toda a sua confiança, sentiu o nervosismo tomar conta de seu corpo enquanto esperava na porta do quarto em que estava hospedada no hotel. Muito menos quando ela abriu a porta e se revelou incrivelmente linda, usando um macacão de linho, com uma amarração no pescoço que deixava evidente o decote que mostrava, delicadamente, parte dos seus seios e o início da sua barriga. A cor amarela deixava a peça ainda mais incrível, como se tivesse sido costurada sob medida para a engenheira. O nervosismo o acompanhou quando ela caminhou ao seu lado até o táxi que já os esperava. Ele sentiu suas mãos formigarem quando sem querer tocou nas de , e a estadunidense lhe deu um sorriso. Não negava que parecia um adolescente, mas aquele era o efeito de Earnhardt sobre seu corpo. Bastava ela estar perto, fazendo qualquer pequena coisa, que todo o seu ser respondia. E adorava ter Earnhardt por perto.
O táxi os deixou no lugar chamado Byblos Restaurant, localizado em um dos melhores lugares de Jeddah, em frente à orla da Corniche do Mar Vermelho. Ao entrar, o lugar era ainda mais surpreendente; a sensação era a de que estavam em um palácio árabe. cumprimentou a atendente e, ao dizer seu nome, os dois foram guiados para a parte de cima do restaurante, que era a céu aberto. se perguntou como a engenheira conheceu aquele lugar, que mesmo ele já tendo visitado Jeddah, nunca tinha escutado falar. E ao ver o pequeno sorriso de enquanto encarava atentamente as estrelas e o mar, teve a certeza que ela era a mulher mais bonita que já tinha visto.
— Como demos a sorte de estarmos apenas nós dois aqui? — perguntou, encantado com tudo.
O lugar parecia estranhamente vazio. Não tinha nem músicos para atrapalhar a conversa ou a sensação de cumplicidade e intimidade que pairava entre os dois. O único som era o das ondas do mar. Até o barulho dos carros parecia quase inaudível ali de cima.
Dinheiro respondeu, e o piloto a encarou boquiaberto, soltando uma risada em seguida. — Mas dou os créditos para Beatrice, ela quem me indicou o lugar.
— Eu parei na parte que você disse que pagou por isso. Como conseguiu?
— Você tá me chamando de pobre? — perguntou ela com uma falsa indignação, que fez coçar a cabeça e rir nervoso.
Colpevole (culpado) — ele levantou as mãos em forma de rendição. — Esqueço que você trabalhou na Ferrari e que era professora universitária.
— Sem contar no dinheiro que meu pai deixou, né? — brincou, arrancando uma risada do piloto.
— Tudo bem, Principessa, hoje você quem paga o jantar. Não vou gastar um centavo.


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Os garçons trouxeram o menu que foi decidido por na reserva. E enquanto serviam as melhores comidas da autêntica cozinha libanesa e observava tudo surpreso com um sorriso em seus lábios, a engenheira perguntou-se qual foi o momento exato em que tinha se apaixonado por .
Ele era tudo o que ela disse para si mesma que não iria mais se envolver por medo, mas não sabia como a fazia querer arriscar.
Era como se estivesse na ponta de um precipício, prestes a pular. Talvez o amor fosse aquilo. Se arriscar, sem pensar duas vezes. Ter medo, mas ainda assim, persistir. sentia-se segura com como nunca tinha se sentido na vida. E se amor fosse aquilo, amor era fácil. Estar com e todas as suas particularidades era fácil. Era envolvente e apaixonante. Era único.
Por isso ela estava ali, fechando um andar inteiro de um restaurante na Arábia Saudita somente para que ele ficasse ciente do que ela sentia. De que ele era dono não só dos seus pensamentos, mas do seu coração. Por inteiro.
— Você gostou? — perguntou ao vê-lo dar a última garfada no kebab de cereja junto do shish taouk de frango.
— Eu adorei — ele bebeu o vinho. — Estou me sentindo um príncipe com todo esse tratamento especial.
soltou uma risada que foi acompanhada por . Ela amava escutar aquele som tão característico dele.
Os dois terminaram o restante do vinho e o piloto seguiu a engenheira, que andou em direção ao parapeito do restaurante. encarava o movimento das águas do Mar Vermelho à sua frente e teve a certeza que aquele era um dos lugares mais bonitos que já tinha visitado. Desejou poder ficar mais dias naquela cidade.
— Sabe, , estou muito tentado a quebrar a promessa que fiz para você — murmurou mais para si mesmo do que para a engenheira.
— A de que me esperaria?
— Essa nunca. Nunca desistiria de você, — ele a encarou. não queria perder nenhum detalhe de naquele momento. Era uma visão linda e pacífica; lhe trazia um tipo de paz que nunca tinha experimentado. — A que disse que não iria mais beijar você.
deixou escapar um riso baixo e sentiu seu rosto esquentar.
— o apelido soou como música nos ouvidos do piloto —, eu realmente gosto de você. E eu realmente quero ser sua. Cada pequena coisa minha quer se entregar para você. É encantador estar com você, sabe? Não sei dizer ao certo o que é ou quando isso tudo começou. Eu só sei que não quero passar o resto da minha vida me perguntando o que nós poderíamos ter sido ou se você sabia de tudo o que eu sentia e não dei espaço para algo acontecer entre a gente.
não conseguia desviar os olhos das íris de , que pareciam ler toda sua alma. Ela não fraquejou em nenhum momento, nem se arrependia. Tudo o que estava saindo da sua boca era a mais pura verdade, e ela queria que o piloto soubesse de tudo. De todas as pequenas coisas.
— Eu aprendi da pior forma que sou uma tragédia e que nada dura para sempre, tanto que já cheguei a pensar que não poderia ter um segundo sequer de felicidade. E foi por isso que não fui atrás de você quando saiu de Woking, por isso que tive tanto medo de me abrir depois. Não por mim, mas por você, . Eu sou um caos e não queria te trazer para ele. Porque você é merecedor somente das coisas mais lindas desse mundo.
Você é a coisa mais linda desse mundo, — ele acariciou a mão da engenheira, que estava sobre o parapeito, e levantou seu rosto quando ela fitou os próprios pés. — Sério, olhe para mim. Você não é só incrivelmente linda, você é um conjunto de coisas incríveis. Eu me sinto burro ao seu lado, juro. — balançou a cabeça negativamente e deixou escapar um riso. — Voce é inteligente, porra, se formou na melhor universidade do mundo. Eu fui pesquisar, é o Massachusetts Institute of Technology! E eu quase não terminei o colegial. Você enfrentou o mundo inteiro e não desistiu quando o seu mundo te virou as costas. Você nunca desiste, mesmo quando tudo ao seu redor faz pensar que deveria. Eu que não sou merecedor de ter uma pessoa tão incrível comigo, mas juro, , que vou fazer de tudo para ser — diminuiu o espaço entre eles. Seu coração estava acelerado e ele podia jurar que podia escutar o batimento de tão rápido quanto o seu. — Você faz com que pareça que estou ganhando mesmo quando eu perco. E isso acontece porque eu confio em cada coisa que diz. Você não é uma tragédia e, merda, se você for, eu aceito os riscos. Eu aceito tudo, . Aceito cada pequena parte sua até as que você não quiser me mostrar. Eu vou aprender detalhe por detalhe seu, mesmo que não me ensine. Você vale a pena, Principessa. E eu sou profundamente, verdadeiramente, loucamente apaixonado por você, Miller Earnhardt. Por cada pequena parte sua.
As cartas estavam todas na mesa. Os dois estavam arriscando tudo enquanto escancaravam os seus corações. Então cansou de esperar. Ele tinha certeza que, não importava o que acontecesse, Earnhardt era a pessoa com quem ele queria estar. Se amar era não ter nada, ele preferia não ter nada. Preferia não ter nada a ficar mais um minuto longe de . Ela era o seu amor.
repousou uma mão na cintura da engenheira; a outra acariciou seu rosto e a beijou. estava trêmula, mas o corpo estava em puro êxtase quando correspondeu ao beijo. O encontro dos lábios foi nostálgico, mas era diferente. Enquanto nos outros eles transbordavam incertezas, naquela noite, sob o céu iluminado pela lua e as estrelas da Arábia Saudita, acompanhados do som das ondas do Mar Vermelho, eles tinham a certeza que queriam estar junto um do outro.
— Você não irá desistir nem quando eu perder a cabeça? Ficaremos bem mesmo se eu for uma tragédia?
— Eu nunca desistirei de você, Earnhardt. Você ainda não entendeu que eu sou seu devoto? segurou o rosto dela com suas duas mãos. Ao encarar o fundo de suas íris castanhas, ela sentiu como se sua alma estivesse totalmente despida para o piloto. — Porra, , eu queimo por você. Cada parte minha queima por cada parte sua.
Eles estavam em combustão. O coração dos dois pareciam bater na mesma sintonia, ambos a mil. Ninguém nunca havia tirado de órbita; ele não estava acostumado, aquilo tudo também era novo para o piloto. Mas Earnhardt o deixou desestabilizado. E então, ela invadiu sua boca com seus lábios macios. Eram doces, mas naquele momento transbordavam desejo e prazer. Eram quentes, assim como o restante do seu corpo. Os dois ferviam. pressionou seu corpo contra o do piloto e o escutou respirar pesadamente por entre o beijo. Seus olhos estavam mais escuros que o normal, transbordavam luxúria.
— Vamos embora daqui.
— Deus que me perdoe por todas as coisas que vou fazer com você hoje, Earnhardt — sussurrou no ouvido da engenheira quando ela apertou sua mão, e podia jurar que teria um ataque cardíaco a qualquer momento. — Deus que me perdoe.
O caminho do restaurante até o hotel foi difícil. O silêncio entre os dois no táxi era alto, transbordava sentimentos. A atmosfera entre eles poderia ser sentida a metros de distância, e aquilo só dificultava quando o motorista parava pelos sinais vermelhos durante o caminho. Desceram rapidamente do carro e apenas encostaram os dedos dentro do elevador, mas assim que chegaram no andar em que estavam hospedados, praticamente correram até o quarto e trancou a porta atrás de si.
O piloto segurou a engenheira em seu colo e a carregou até a cama, soltando rapidamente pelo caminho o nó que prendia o macacão em seu pescoço, deixando a área livre para que pudesse deixar seus beijos. Jogou-a na cama e o sorriso que a mulher lhe deu foi suficiente para lhe fazer imaginar as piores e melhores coisas. Deixou de costas e teve cuidado ao abrir o zíper do macacão, tirando a peça vagarosamente enquanto trilhava um caminho de beijos molhados por toda a extensão das costas desnudas da morena.
— Merda, Principessa — murmurou em italiano e virou-a novamente, observando cada detalhe de seu corpo nu. Tirou sua camisa e percorreu com seus dedos finos os traços delineados de seu abdômen, como se fosse um mapa.
— Eu quero você.
Naquele momento, percebeu que estava totalmente entregue. A engenheira passou a mão pelo seu cabelo e o puxou no momento em que o sentiu entre suas pernas, soltando um gemido quando sua língua quente se fez presente. O som parecia como música nos ouvidos do australiano, poderia ouvi-la para sempre. Cada vez mais alto se ela quisesse.
As mãos de apertavam cada parte do corpo de , a fazendo se remexer, apertando o lençol branco da cama com força, contraindo tudo dentro de si diante do prazer que estava recebendo depois de tanto tempo e de todos os sentimentos que nunca tinha experimentado.
apertou os olhos e soube que estava perdido quando invadiu por completo, e ela repetiu seu nome como se fosse uma oração. Quando suas respirações ofegantes se misturaram assim como as batidas de seus corações. Quando os pequenos cachos do piloto grudaram em sua testa, fazendo o suor salpicar pelo colo da engenheira enquanto ela mantinha as pálpebras fechadas e exibia um sorriso no rosto enquanto murmurava seu nome junto de palavras sujas. Naquele momento, soube que não importaria o que acontecesse – ele ficaria e lutaria por . Era capaz de lutar sozinho todas as batalhas que ousassem aparecer na vida da engenheira somente para protegê-la. Ele era dela. Completamente. Dolorosamente dela.
Mia dolce principessa — murmurou, com os olhos ainda ardendo pelo que tinham acabado de fazer enquanto usava o dedo indicador para contornar as tatuagens na coxa do piloto.
Naquele momento, a engenheira teve a certeza que o australiano seria em sua vida como aquelas tatuagens: permanente. Nem que tudo desse errado e ele fosse embora. Nem que tudo terminasse em uma tragédia, ele ainda estaria com ela.
tinha marcado Earnhardt como uma tatuagem. Para sempre.
passou a mão delicadamente pelo rosto corado da engenheira quando ela a encarou, mantendo um sorriso nos lábios.
Mio dolce amore — respondeu e deitou a cabeça no peito nu do piloto enquanto acariciava seu braço.
Se o mundo acabasse naquele momento, morreria feliz. Assim como .


Capítulo 16 – Favorite place to go

You shed a light that guides me home, to my favorite place. You are my favorite place to go.
(Você lança uma luz que me guia para casa, para o meu lugar favorito. Você é meu lugar favorito para ir)

30 de março de 2022
Melbourne, Austrália


acordou quando os primeiros raios de sol invadiram o quarto. Ele coçou os olhos preguiçosamente e lembrou que não tinha fechado as cortinas na noite anterior – a noite que não tinha saído de sua mente assim como todas as outras que tivera com a engenheira desde Jeddah. Os dois haviam esticado a estadia no país por mais dois dias para que aproveitassem mais um pouco da cidade, mas na noite anterior haviam pousado na Austrália, para o Grand Prix que iria acontecer dali a dez dias. queria aproveitar o máximo possível com a família, já que estava em seu país natal.
Encarou dormindo pacificamente ao seu lado e instantaneamente seus olhos brilharam – assistir dormir era um dos novos hábitos preferidos de . O piloto era bastante observador quando se tratava da engenheira; ele era apaixonado pela forma que ela o olhava depois que faziam amor e depois fechava os olhos para adormecer. Gostava de tentar adivinhar quais eram as palavras que ela murmurava de forma quase inaudível durante o sono e da forma que ela rolava pela cama, mas sempre ficava com uma mão tocando em seu corpo.
Era o jeito único de Earnhardt, e ele queria gravar cada pequeno detalhe para que nada passasse despercebido.
O piloto levantou com cuidado da cama e fechou as cortinas para que não fosse incomodada. Sorriu de canto quando ela se remexeu, revelando seu corpo nu, mas ainda dormia tranquila. O som de sua respiração era baixo e calmo, como se estivesse tendo um sonho bom. Ao fitar Earnhardt dormir, se perguntou se tudo aquilo que estava vivendo era real.
Mas, ao mesmo tempo em que estava muito feliz por estar finalmente acertado com , ele estava receoso sobre suas duas primeiras corridas no campeonato. Nenhuma tinha saído como o planejado, muito pelo contrário – ainda não havia conseguido marcar pontos. E a última sequer tinha finalizado, já que Bottas bateu em seu carro, o tirando logo nas voltas iniciais.
Naquela semana que iria correr em casa, não queria correr nenhum risco. Não queria decepcionar seus conterrâneos, com todos gritando seu nome e toda a sua família presente. Queria ter a chance de mostrar que ainda poderia brigar pelo lugar mais alto do pódio e também do campeonato.
— Bom dia, dolce murmurou, tirando de seus pensamentos. — Já acordado?
— Um pouco ansioso, para ser sincero — ele se sentou na beira da cama e pegou o pé direito de , o massageando. — Corrida em casa, único piloto australiano, não tive resultados bons ainda.
Nós não tivemos — ela o corrigiu, e suspirou. — O lado bom é que na última não foi nossa culpa. Na primeira foi culpa dos aceleradores que nós projetamos, então você não é bem um culpado. Acho que essa corrida pode dar certo. Estou com um pressentimento bom, sabia?
— Eu confio em você até quando perco, Principessa. Pelo que soube, da última corrida você queria ir no box da Alfa?
soltou uma risada e cobriu o rosto. Ele continuou:
— Acho extremamente sexy a ideia de ter você brigando por minha causa. Você fica bem gostosa quando está irritada, sabia?
— Só acha isso porque ainda não briguei com você.
Um sorriso malicioso tomou conta dos lábios de e ele se jogou por cima dela, beijando seus lábios. fechou os olhos e deixou que o piloto depositasse diversos beijos em seu colo desnudo. A mulher ainda não entendia como um simples toque de fazia seu corpo reagir da forma mais primitiva, como se eles pertencessem um ao outro.
— Não temos que viajar para Perth daqui a pouco?
— Esse é o lado bom de um voo particular, Principessa — ele deixou um beijo molhado na clavícula da engenheira e a encarou. — Podemos fazer o nosso horário.
tateou o rosto do piloto, deixou seu polegar deslizar suavemente pelo seu lábio inferior e, como se fosse uma ordem, a beijou novamente.


⚙️


não sabia como o piloto já tinha uma Toyota Hilux à sua espera no estacionamento do aeroporto, mas agradeceu a quem quer que a tivesse deixado ali. Ao se afastarem do centro da cidade, quando o australiano começou a percorrer as estradas de terra, a engenheira abaixou o vidro da janela e sentiu-se em casa. Ela adorava o cheiro de terra molhada, orquídeas e sândalo, ver as alpacas, vacas e ovelhas nas propriedades à beira da estrada e em como tudo ficava mais bonito apenas por ter as Perth Pinks em todo lugar – eram as árvores e arbustos com flores nas cores brancas, roxas e vermelhas, junto das Xantorreias, que também eram coloridas.
A morena nunca havia estado em Perth, mas sentia-se em casa porque o lugar a lembrava de Montana, nos Estados Unidos, onde a família Earnhardt tinha uma fazenda que era comandada à distância pela mãe e irmão, e que passou bastante tempo após a morte do pai. Ela não sabia o quanto sentia falta de estar em um local como aquele até ter pisado em Perth. Sua mente foi invadida por lembranças felizes, principalmente as que tinha com seu pai.
— Está pensando em quê, hein?
— Papai — ela sorriu de canto e puxou o celular para gravar um vídeo da paisagem. — Me lembra nossa fazenda em Montana. Não visito desde que entrei na Fórmula 1.
— Você tem uma fazenda em Montana? — perguntou, surpreso, e deu de ombros, deixando escapar um riso. — O que mais você esconde, hein? Carros da NASCAR na garagem?
— Talvez.
tirou os olhos da estrada por alguns segundos apenas para encarar a engenheira, boquiaberto.
— Você está brincando comigo, não é?
— Não deixei venderem os carros do meu pai. Meus filhos vão pilotá-los um dia!
— Vamos chegar em casa e faremos um filho hoje. Eu vou ensiná-los a dirigir.
soltou uma gargalhada e deu uma cotovelada no piloto:
— Podemos fazer um trato, pode ser?
arqueou a sobrancelha e um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.
— Um trato que não envolva filhos, seu palhaço.
— Você está atrapalhando meus planos de dar um golpe da barriga.
— Não brinque com isso. Se minha mãe escutar você dizendo essas coisas, ela vai te apoiar — riu ao se lembrar da matriarca, que já tinha chegado na fase de pedir netos para os herdeiros. — Mas, sim, se você pontuar nas quinze corridas das vinte que faltam, quando chegarmos em Austin, deixo você dirigir um dos carros do meu pai na fazenda no Texas.
— Não me diga que você também tem fazenda no Texas?
— Essa é do Junior. Ele tem um carro do papai lá.
— É o carro preto? — os olhos do piloto brilhavam; o mítico carro preto de Dale Earnhardt Sir. era o seu preferido. Mas ele já estava completamente eufórico só de ter a chance de dirigir qualquer um dos carros já pilotados pelo seu ídolo.
— O azul e amarelo.
— Principessa, eu vou ganhar todas as corridas. Você não sabe com quem apostou — sorriu com os olhos brilhando. — Você não perde por esperar.
diminuiu a velocidade do Toyota ao passar pelo enorme portão de entrada da propriedade da família enquanto estava atenta a tudo, sempre fotografando árvores e bichos que encontrava pelo caminho. O piloto estacionou em frente à casa, e, antes que pudessem saltar para fora do carro, a porta abriu e revelou Grace e as duas crianças, estas que correram para perto do carro.
— Tia ! — Isaac e Isabella gritaram assim que a engenheira desceu do Toyota. Earnhardt agachou-se e os dois pularam em seus braços.
— Vocês já me trocaram? — perguntou com as mãos na cintura ao ficar ao lado da engenheira, recebendo como resposta a risada das crianças e, logo em seguida, seus abraços e beijos. — E também já cresceram de novo?
— E voltamos a estudar. Mas hoje a gente não foi pra aula porque vovó disse que vocês iam chegar de manhã.
e se encararam, cúmplices, e o piloto foi em direção à mãe.
— Desculpe pelo atraso, mãe! Melbourne fica uma loucura.
Grace sorriu carinhosamente e fez carinho nos braços de .
— Não se preocupe, agora que são duas da tarde! Entrem para almoçar.
abriu um sorriso largo; ele estava faminto e amava a comida de casa.
, querida! Você está mais bonita!
— Obrigada, Grace! — a mãe do australiano a envolveu em um abraço apertado enquanto caminhava para dentro com as crianças em seu encalço. — Aprendi a fazer sua carbonara.
— Vamos cozinhar juntas mais tarde! — Grace a soltou, ainda com as mãos em seus ombros. — Ficamos muito felizes quando disse que você viria com ele passar esses dias antes da competição aqui. Já separei um quarto para você, arrumei tudo. A vista é para o nosso pequeno lago! Espero que você goste daqui, é um dos lugares preferidos de .
— Já virou um dos meus também! — foi sincera e recebeu mais um abraço de Grace.
As duas entraram em casa e foi recebida com sorrisos e abraços de Michelle e seu pai, Joe. Procurou pela sala e o encontrou já com chapéu de cowboy na cabeça, Earnhardt sorriu de canto ao se dar conta do quanto ele ficava feliz quando estava em seu lar.
O piloto sorriu na direção de e Grace o mandou levá-la para a cozinha. Ele prontamente passou o braço pelos ombros da engenheira e andaram juntos, mas antes que pudessem chegar no cômodo, parou em frente a uma foto no corredor e seus olhos se encheram d’água imediatamente.
— Isso é no Daytona 500, não é? — a engenheira perguntou, apontando para a foto que estava sorrindo em frente à entrada das garagens do infield de Daytona, usando um casaco da Goodwrench Service Racing Sports, que era o triplo do seu tamanho, ao lado de uma menina com cabelos presos em um rabo de cavalo e fones de ouvido grandes no pescoço.
— Foi a primeira corrida da NASCAR que assisti.
— Foi a primeira vez que meu pai ganhou o Daytona 500. o encarou —, a gente não se conheceu quando briguei com Max e nem em Charlotte. A gente se conheceu aqui — o dedo indicador de pousou em cima da menina que sorria ao lado dele. — Eu sou essa menina.



Daytona Beach, Flórida
15 de fevereiro de 1998


estava animada. Não tinha conseguido dormir na noite anterior, mas tinha energia de sobra. Finalmente estava no Daytona International Speedway, uma das seis principais superspeedways para receber corridas da NASCAR. Era a primeira vez que veria seu pai correr em Daytona, pela equipe da Richard Childress Racing, em busca da sua tão sonhada primeira vitória.
só tinha visto o pai quando ele foi se despedir, antes de sair do hotel. Em dias de Daytona, Dale tinha rituais que gostava de cumprir religiosamente, e um deles era não ter contato com o mundo exterior além do necessário. O piloto gostava de se fechar em seu próprio mundo e focar somente na corrida que iria fazer; ele não atendia fãs, repórteres, não falava nem mesmo com sua família, mesmo a esposa estando presente com o filho mais velho e agora, pela primeira vez, a caçula de sete anos.
Apesar de frequentar corridas desde que tinha meses de nascida – porque sua mãe sempre acompanhava o pai e o irmão, que também corria profissionalmente desde 1991 –, a pequena parecia estar em um parque de diversões. A primeira vez em Daytona era sempre especial, e ela sonhava com aquilo desde que soube o quanto a competição era importante para o pai.
— Vamos , tenho que te levar para os boxes. Mas não pode correr atrás do papai, certo?
— Eu já sei — ela respondeu rapidamente, ajeitando a enorme jaqueta do pai. — Não pode falar com o papai antes da Daytona. Entrar e ir direto até onde mamãe está.
— Sim! Você aprendeu tudo, tá ficando espertinha.
— Eu sou esperta, Junior.
O mais velho jogou a cabeça para trás, rindo, e lhe mostrou a língua.
— Coloque os fones se ficar muito barulho, senão a mamãe briga. Você tem certeza que não quer comer mais nada? Tá de boa?
— Sem fome, já enchi minha barriguinha — a menina deu três tapinhas na barriga e segurou a mão do irmão.
Os irmãos Earnhardt atravessaram a praça de alimentação e caminharam sem problemas por mais alguns metros até chegarem à área das vendas de produtos das equipes dos pilotos, que estava lotada. segurou a mão de Junior com mais força, incomodada e assustada com as pessoas que andavam se esbarrando e falavam alto, mas passaram pelo local sem maiores problemas. Até que a menina parou de andar abruptamente próximo à entrada dos boxes e fez o irmão encará-la, confuso.
— O que foi?
— Ele está chorando — ela apontou para o menino de cabelos cacheados, que deveria ter por volta dos dez anos, soluçando ao lado do pai. — E está usando uma blusa com o rosto do papai.
, é só uma criança fazendo escândalo, vamos entrar logo. A corrida começa daqui a vinte minutos.
— Mas ele tá triste — bateu o pé e, antes que o irmão protestasse, soltou a mão do mais velho e correu em direção ao menino. — Oi — disse rapidamente e tocou em seu ombro, que a encarou, ainda chorando. — Precisa de ajuda?
— Eu… eu não consegui… comprar… Meu pai…
— Querida, você está sozinha?
! — escutou o irmão gritar seu nome, mas ignorou tanto ele quanto o homem que estava com o menino.
— Não comprou o quê? Fale comigo — pediu e o menino a encarou, apontou para a jaqueta que usava.
— Acabou. E não vão fazer mais dessa. Vim da Austrália pra cá porque só iam vender aqui.
— Isso? — perguntou ela, passando a mão pela enorme jaqueta preta, que não era só do pai, mas também estava assinada por ele. — Você pode ficar com a minha.
— Querida, não precisa!
A criança encarou o pai perplexo e o cutucou, como se fosse para ele ficar em silêncio.
, eu juro que vou contar tudo para a mamãe. Se você sair assim de novo…
— Depois, Junior — fez sinal com a mão para o mais velho parar de falar. — Qual seu nome? O meu é .
— ele estendeu a mão, e a apertou. — Tava falando sério?
— Claro! Eu tenho outras — ela deu de ombros e tirou a jaqueta rapidamente, depois entregou para o menino que parecia não acreditar no que estava acontecendo. — Vista!
— Agora! — ele riu e colocou a jaqueta, que, assim como em , também ficou gigantesca no corpo do pequeno australiano. — Esse é o melhor presente de todos! — sorriu e abraçou a menina, como se ela tivesse dado o mundo para ele.
— Não tem problema mesmo? Podemos pagar por ela! Sabemos como é cara… — o homem perguntou para Junior, que balançou a cabeça negativamente.
Pagar? perguntou mais para si mesma do que para os outros. “Eu não pago por nada e tenho tudo, por que alguém vai pagar por um presente?”, ela se perguntava.
— Fique tranquilo. Ele pode ficar, sim!
— Nem que você dissesse não, papai deu para mim, faço o que quiser — retrucou para o irmão. — Tchau, . Cuide bem dela, viu?
— Com a minha vida! — o menino respondeu, ainda passando a mão pelo novo presente.
— Eu posso tirar uma foto dela com ele? — o pai de perguntou para Junior, que concordou .— A mãe dele quer que eu registre tudo. É a primeira vez que trago para um lugar sem a mãe e a irmã dele.
— É a primeira vez da aqui também. Vocês são fãs de corridas?
é apaixonado pelo Dale. Diz que quer ser piloto igual, começou no Kart há um ano. Vocês são fãs também?
— Você não imagina o quanto — Junior passou a mão pelas costas da irmã, que conversava baixo com o menino enquanto ele fazia um movimento de dirigir com as mãos, arrancando risadas da menor. — , tire uma foto para irmos!
— Tudo bem!
ficou ao lado de , em frente à entrada dos boxes das garagens das equipes, e o pai do australiano tirou a foto. A menina se despediu rapidamente e, antes que pudessem falar mais algo, deu as mãos para o irmão, que a direcionou para longe dos australianos. mantinha um sorriso no rosto assim como , que teve a certeza que aquele era o melhor dia de sua vida.




apertou os olhos e uma lágrima rolou pelo seu rosto. Ela reconheceria de longe aquela jaqueta e aquela menina pequena, com macacão jeans e cabelos em um rabo de cavalo despenteado. Era ela. Era e ela em Daytona Beach, no dia em que seu pai ganhou pela primeira vez o Daytona 500.
Ela encontraria três vezes em sua vida, e três vezes significava destino.
— Você está falando sério? É você? Você é a menina que me viu chorar e deu a jaqueta esgotada pra mim?
— Sou eu, . A jaqueta era do meu pai.
a encarava e não percebeu que também tinha lágrimas em seus olhos.
— Ele tinha todos os modelos que a equipe lançava e sempre levava alguns para casa. Ele tinha me dado na noite anterior da corrida e disse que, daquela vez, ele iria ganhar porque eu estaria lá.
— E ele ganhou — sussurrou e percebeu que já chorava, percebendo sua vista embaçada.
envolveu em um abraço apertado e não a soltou nem mesmo quando percebeu que ela chorava assim como ele. apenas a apertou ainda mais contra seu corpo e beijou o topo da sua cabeça.
— Três vezes — escutou ela sussurrar. — Três vezes, .
É destino — os dois afirmaram ao mesmo tempo e se encararam.
sabia que o que sentia por era algo que nunca havia sentido na vida, mas naquele momento teve a certeza que eram predestinados um ao outro, mesmo com todas as coisas que aconteceram e as que poderiam acontecer. Eles tinham nascido para se encontrar, nada daquilo era coincidência. Seus destinos estavam cruzados. Estava escrito em cada canto do universo, constava nos signos e astros. Earnhardt era o amor de , cada um era pro outro a paz que não sabiam que precisavam.
— Eu a tenho até hoje — o piloto revelou ao soltar de seus braços. — A jaqueta. Guardei durante todo esse tempo, porque significou muito pra mim. Quando Dale morreu, eu fiquei tão triste que disse que não usaria mais, porque queria lembrar dele usando a mesma jaqueta enquanto levantava o troféu do primeiro Daytona 500 que ganhou. E eu estava lá, assistindo tudo.
— Você guardou pelo quê… vinte e quatro anos? Sério?
— Sim.
levou as mãos ao rosto, sem acreditar. Ela sabia que seu pai era o ídolo de , mas não tinha ideia que o carinho e admiração que o piloto sentia por Dale era tão puro e verdadeiro daquela forma.
— Venha cá — ela o chamou.
retirou o porta-retrato da parede do corredor, segurou a mão de e voltou para a sala de estar, encontrando novamente a família , que estava ainda mais falante que o normal. O piloto chamou pela mãe e, antes que Grace pudesse brigar por ainda não terem comido, pediu para que ela os acompanhasse até a parte de cima da casa.
— Mãe, você lembra onde guardou a jaqueta do Daytona depois da mudança?
— Claro! Tá em seu guarda-roupa antigo no quarto de hóspedes. Inclusive, foi onde arrumei para . Mas para quê você quer e por que diabos tirou a fotografia da parede? — questionou com as duas mãos na cintura. — Sabe, , Michelle e eu separamos várias fotos do para você ver mais tarde. E ele fica escondendo.
— Não estou escondendo nada, vou deixar a fotografia na parede do meu quarto.
Grace o encarou como se estivesse esperando por uma explicação; coçou a cabeça e as conduziu para o quarto de hóspedes. Assim que entraram, o piloto deixou o porta-retrato na cama, ao lado de e Grace, e abriu o guarda-roupa em busca da jaqueta, até que achou na última gaveta. Ao ter a peça de roupa em suas mãos depois de tantos anos, não conseguiu segurar as lágrimas.
— Mamãe, é a menina da foto que papai tirou. A jaqueta que ela me deu era do pai dela. De Dale, mamãe. Tive por todos esses anos uma parte de Dale, de verdade, comigo.
— Então você e se conheceram quando crianças na Flórida?
— Surreal, não é? — deu um sorriso leve, encarando a jaqueta em suas mãos de forma amável. A peça ainda estava intacta, mesmo depois de todos aqueles anos. — Encontrei quando era criança porque ele estava precisando de ajuda. E vinte e três anos depois, ele me encontrou também precisando de ajuda.
— Sabe, querida, eu acredito muito que as coisas acontecem por algum motivo que está além do nosso entendimento. Tudo nessa vida tem um motivo, não acha?
— Eu acho. E mamãe, hm coçou a garganta —, e eu estamos juntos.
Os olhos de Grace se iluminaram. Ela bateu uma palma e levou as mãos ao rosto, abrindo um enorme sorriso.
— Que notícia incrível! Minha nossa, , você cuide bem de , viu? — soltou uma risada e Grace a abraçou de lado. — Você é uma moça muito especial. ficou diferente quando te conheceu.
— Mamãe!
— Mas é verdade! Que tipo de mãe eu seria se não percebesse que meu filho ficou mais feliz, atencioso e leve quando passamos aqueles dias juntos? Eu nem fazia ideia que você sabia cuidar de uma casa, e em Woking estava tudo um brinco. me contou que você cuidou de tudo. Eu até apostei com sua irmã quando você ia perceber que ela era uma mulher que combinava contigo.
— A senhora apostou com aquela intrometida da Michelle? — cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha. — E ninguém me disse nada?
— Lógico que não! — exclamou como se fosse óbvio, fazendo rir. — Era óbvio que vocês se davam bem, por isso sempre saímos para passear por Woking e Londres. Não queríamos atrapalhar nada! Isaac e Isabelle sempre ficavam porque achamos que crianças aproximam as pessoas. E olhe só, estava certa! Vocês estão juntos!
— Foi recente, na verdade. Foi antes da corrida de Jeddah.
— E ninguém sabe, a senhora é a primeira a saber — contou, e uma expressão confusa tomou conta do rosto de Grace. — não quer me assumir, mamãe.
— Deixe de ser besta! — Earnhardt balançou o dedo indicador em direção ao piloto, mas logo virou para Grace. — está mentindo, Grace! É que fico receosa porque trabalhamos juntos, sabe? E tem todas as questões que já aconteceram comigo nesse meio. Não quero arriscar a carreira dele e nem dar motivos para o encherem de questionamentos que não tenham relação com as corridas.
— Então não posso contar nem para Joe? Ele gosta tanto de conversar com !
— Claro que pode, mãe. Aqui em casa todo mundo pode saber. Menos fora. ainda precisa falar para a família dela também, isto é, se ela quiser me assumir para a família Earnhardt.
— Por que você é assim, garoto? — Grace riu enquanto encarava com os olhos semicerrados. — Vou descer para esquentar o almoço de vocês, não demorem — avisou e levantou da cama, saindo do quarto em seguida. encarava com um sorriso em seus lábios.
— Você é muito palhacinho. Fica falando essas coisas para sua mãe, já pensou se ela começa a me odiar?
— É impossível odiar você, Principessa — ele roubou um selinho da engenheira. — Vamos descer? É capaz da mamãe subir e enfiar a comida pela nossa goela.
— Estou faminta!
deixou a jaqueta ao lado do porta-retrato em cima da cama e saiu do quarto acompanhada de ; passaram pela sala rapidamente, mas a tempo de perceberem os olhares curiosos dos familiares dele e os cochichos. Grace já tinha contado a novidade para todos.
Os dois sentaram-se à mesa e podia jurar que seu estômago vibrou de alegria quando viu o que a senhora havia preparado para eles: costelinhas com molho barbecue, purê de batatas e arroz temperado. Aquilo a lembrava de sua própria mãe – estar em Perth era como estar em casa.
já estava servindo-se novamente quando percebeu os sobrinhos parados na porta da cozinha, como se estivessem esperando por algo.
— O que foi? — os dois se entreolharam assustados. — Querem almoçar?
— Já tá quase na hora do lanche — Isaac quem falou primeiro. — Isabella quer perguntar uma coisa.
— Eu? — a caçula perguntou, espantada. balançou a cabeça para os lados e chamou a menina, colocando-a em seu colo.
— Pergunta logo, chatonilda.
— Seu mentiroso — ela mostrou a língua para o mais velho.
— Pergunte você, baby. Sente aqui — disse e Isaac coçou a cabeça, indo em sua direção. Também se sentou em seu colo e ficou de frente para o tio e a irmã.
— Vovó contou um segredo. Mas eu acho que é mentira. Isabella acha que é verdade.
— O que você acha que é mentira, hein? — perguntou e Isabella soltou uma risada, recebendo um olhar raivoso do irmão.
— Vovó Grace contou que tia é sua namorada — Isabella quem confessou.
— Mas é mentira, não é, tia ?
— Por que você acha que é mentira de sua avó?
— Porque a tia é igual a uma princesa. E você é o meu tio . Não parece um príncipe. Princesas ficam com príncipes — explicou envergonhado, e pressionou os lábios para não rir da expressão que tinha tomado conta do rosto do piloto. — E também você disse que a tia era sua amiga. Amigos não namoram.
— Eu não pareço um príncipe? É lógico que pareço um príncipe.
— Não sei de onde, tio .
não aguentou e soltou uma risada. Em seguida, passou as mãos pelos cabelos de Isaac, que ficou aliviado ao escutar o riso da mulher.
— Meu amor, seu tio e eu gostamos um do outro, mesmo sendo amigos. Às vezes isso acontece. Quando a gente gosta muito de alguém, quer que essa pessoa vire algo maior que amigo.
— A-há! Eu disse que era verdade — Isabella gritou e apontou para o irmão.
— Mas eu não sou namorada do seu tio — falou, e o sorriso desapareceu do rosto da mais nova. — Vou contar um segredo para vocês. O tio de vocês não me pediu em namoro.
As crianças encararam sem acreditar.
— Tio ! — Issac foi o primeiro a protestar. — Tem que ajoelhar e pedir! Igual nos filmes.
— Que filmes são esses que vocês estão assistindo?
Disney! — os dois responderam juntos, como se fosse óbvio.
— Tio , isso tá errado. Muito errado — Isabella pulou para fora do colo do piloto. — As princesas sempre são pedidas pelos príncipes.
— É, se você for um príncipe, tem que pedir. Podemos ajudar.
— E como vocês vão me ajudar, hein? — ele perguntou com a sobrancelha arqueada, e Isaac sorriu cúmplice junto da irmã.
— Vem com a gente — Isaac saiu do colo de e Isabella puxou o piloto pela mão, fazendo-o se levantar. — Tia , depois a gente chama você. Pode ficar lá na sala com a mamãe.
— Você me paga, viu? — sussurrou para , que lhe deu um sorriso vitorioso.
— Sua culpa, dolce.
Ele saiu da cozinha sendo puxado pelas crianças, e, ao ver a cena, sentiu seu coração aquecer. Não era só com as crianças que a fazia se sentir daquele jeito, mas sim o conjunto de todas as coisas que estavam relacionadas ao australiano desde que ele tinha entrado em sua vida.
Era mesmo para estar em sua vida. Sempre havia sido. Ele era o seu e único yellow.


Capítulo 17 – Dandelions

And I've heard of a love that comes once in a lifetime and I'm pretty sure that you are that love of mine.
(E ouvi falar de um amor que vem uma vez na vida e eu tenho certeza de que você é esse amor meu)

adorava a família e aquilo era um fato. Os adorou desde o primeiro momento em Woking e aquelas primeiras horas em Perth, só tinha confirmado a primeira impressão.
Michelle já esperava na sala de estar. A mais velha mal esperou a engenheira perguntar algo, já foi lhe mostrando as fotos mais vergonhosas que tinha encontrado do irmão nos álbuns da família.
gostava de Michelle; a mais velha dos irmãos a lembrava muito de Junior. Os dois eram engraçados, sempre tinham algo vergonhoso para contar e eram apaixonados pela família. A estadunidense adorava a forma que ela cuidava das crianças, sempre prezando por cultivar o amor às raízes australianas e pela família. Isaac e Isabelle eram crianças inteligentes e amáveis.
perdeu-se no tempo em que ficou conversando com Michelle enquanto ela lhe mostrava fotografias antigas, até que ela abriu o anuário do último ano de no colégio.
— Ele sempre foi metido — Michelle revelou ao passar as mãos pelas fotografias. — E ele nem era bonito nessa época — mostrou uma foto de junto do time de basquete na escola.
— Ele jogava basquete?
— Era banco, porque faltava bastante. Mas ele diz até hoje que fez cestas importantes. — riu e Michelle continuou a virar as páginas do anuário. — Olhe isso aqui. Você acredita?
soltou uma risada ao ver a frase que o piloto tinha escolhido em meio às motivacionais de seus antigos colegas de classe. Nada podia ser mais do que aquilo.
“Hannah Montana said nobody’s perfect, but here I am” — ela leu em voz alta e imaginou tendo a ideia para a legenda.
— Tá vendo? Foi com isso que você quis se meter! — as duas gargalharam. — Mas sério, , fiquei feliz quando mamãe nos contou hoje mais cedo. ficou tão diferente depois de você.
— Diferente? — perguntou ao passar a mão pela fotografia dele no anuário. O enorme sorriso parecia o mesmo desde aquela época.
— Ele passou por maus momentos depois que saiu da Renault. Não sei, às vezes chegava a parecer que ele tinha perdido a esperança, sabe? Ele sorria, brincava, mas não era a mesma coisa de antes. Se distanciou da gente, não compartilhava mais as novidades. Parecia que existia uma raiva escondida. Nas raras vezes quando nos falávamos, ele parecia melancólico, desejando que a temporada acabasse. A McLaren mudou ele, não sei o que acontece lá.
escutava Michelle atentamente. A mais velha parecia entristecida ao contar sobre o passado nada distante do irmão.
— Mas aí ele ganhou em Austin e você surgiu, parece que trouxe energia para ele. Não sei dizer, mas você trouxe ele de volta. Parece que ele voltou a ter esperança, . E acho que é por sua causa.
— Posso te ser sincera? — Isabelle assentiu. — Ele quem me salvou.
— Acho que vocês dois se salvaram, de alguma forma. Se encontraram no momento em que tinham que se encontrar. A vida costuma cuidar dessas coisas pra gente, sabia?
Um sorriso tomou conta dos lábios da estadunidense. Para ela, se apaixonar era como entrar num quarto escuro, desconhecido, e torcer para não tocar ou derrubar nada, não se machucar. Era confiar em um desconhecido que até ontem não estava em sua vida, não naquele ponto específico. E era a junção de todas aquelas coisas. Era o desconhecido que a fez mergulhar em suas incertezas e acabou descobrindo de fato o amor.
— Você pode me prometer que cuidará dele? Eu não confio na McLaren. Não depois de ver como ficou no primeiro ano lá.
— Não vou deixar nada acontecer com , Michelle. Isso eu te prometo.
Michelle abraçou , e ali, em silêncio, firmaram a promessa. nunca esteve sozinho, e se dependesse de sua família e da engenheira, nunca ficaria.


🏎️


— Tia ! — Isaac entrou gritando na sala, chamando a atenção das duas mulheres. — Temos uma surpresa para você.
— Uma surpresa?
— O que vocês estão aprontando, hein?
— Pode vir ver, mamãe! Mas vai ter que tirar foto também. Tivemos um trabalhão.
Michelle balançou a cabeça enquanto ria. Isaac puxou pelas mãos e a levou para o quintal da casa, onde encontrou Joe, Grace, Isabelle e . Isaac apontou para a Polaris vermelha, o quadricíclo que era o xodó do australiano, e encarou sem ter a mínima noção do que eles estavam aprontando.
— Vai ter que subir no teto, tia — o menino falou como se fosse óbvio, e a engenheira encarou , balançando a cabeça negativamente.
— Exatamente! — disse ao se aproximar dos dois. — Vou ajudar você.
Antes que a engenheira pudesse negar, passou a mão em volta de sua cintura e a conduziu até o carro. colocou o pé direito sobre a roda traseira e a impulsionou para que ela conseguisse ficar de pé. A estadunidense não teve tanto problema para se equilibrar, já que piloto subiu rapidamente ao seu encalço. Então, o australiano apontou para o centro do quintal e foi quando percebeu o que ele tinha feito durante a tarde inteira com os sobrinhos e os pais. No meio do quintal, ao redor das mais diversas flores, pedras dos mais variados tamanhos estavam posicionadas formando a frase: “Principessa, você quer namorar comigo?”. Aquilo não podia ser mais a cara de .
— Eu não acredito! — colocou as mãos sobre a boca. — Você está falando sério?
— Claro que sim — segurou sua cintura, lhe deu um beijo no rosto e sussurrou em seu ouvido: — Você quer namorar comigo, Principessa?
sentiu seu corpo inteiro arrepiar. Ela nunca acostumaria com a voz de ao pé do seu ouvido, sempre se sentiria como na primeira vez em que escutou aquele sotaque marcante tão de perto.
— É claro que sim!
— Ela disse sim! — gritou, e uma pequena comemoração da família começou.
Isaac pulava com a irmã na frente dos avós enquanto Michelle fotografava tudo. beijou e, naquele momento, desejou para todos os deuses existentes que a mulher que estava em seus braços nunca mais saísse da sua vida.


🏁


— Então, , eu te vejo daqui um mês — Vívian disse e esboçou um leve sorriso.
— Um mês?
— Quero começar a testar um espaço de tempo maior entre nossas sessões, . Percebo uma melhora significativa em você.
Earnhardt quis atravessar a tela do computador e abraçar Vívian. Ela fazia acompanhamento com a terapeuta desde 2018, e, mesmo com as faltas nas sessões no início, Vívian não desistiu dela. Entre idas e vindas, altos e baixos, mostrava melhora em seus passinhos de bebê, mas nada como nos últimos meses. A mudança na vida da estadunidense era o gás que ela precisava, mesmo ela nunca mais sendo a de antes. Vívian tinha a certeza, e era testemunha, que aquela era uma versão muito melhor – preenchida com seus medos e dores, mas com a vivência e sabedoria que lhe fazia toda a diferença.
Miller Earnhardt tinha ressurgido ainda mais forte, completamente pronta para lutar por seus sonhos.
— Obrigada, Vívian! Foi muito bom escutar isso no dia de hoje.
— Continue assim, . Até mês que vem!
encerrou a ligação e desligou o iPad, o deixando sobre a bancada. estava ainda mais feliz; o progresso na terapia era fundamental para que as outras áreas da sua vida continuassem a dar certo.
A engenheira saiu de seus próprios pensamentos ao perceber abrir a porta do quarto, então notou que o piloto trazia consigo dois dentes-de-leão, a flor que também era conhecida por significar esperança.
— Isabelle colheu para você — ele se sentou ao seu lado na cama e lhe entregou uma flor, ficando com a outra.
— Você sabia que a gente tem que soprar pensando em um amor que queremos na nossa vida e fazer um pedido? — ela sorriu.
— Pois então vamos fazer agora mesmo.
também sorriu e os dois ficaram de frente um para o outro, cruzaram as pernas, fecharam os olhos e, juntos, sopraram as flores.
— Tal qual duas crianças — riu acompanhada por , que a deitou em suas pernas.
— Sabe, Principessa, eu nunca conheci alguém como você. Acho que foi a melhor surpresa que tive na minha vida — ele passou a mão pelo rosto da engenheira, que mantinha os olhos vidrados nos seus.
— Você me deixa mais feliz — confessou. — Sabe o que eu desejei para o dente-de-leão? Que você não vá embora.
— Você não vai se livrar de mim tão fácil, amore mio.
soltou uma risada e levantou a cabeça para beijar . Ela sentia-se leve, como se não precisasse mais carregar todo o peso do mundo sozinha. Era bom ter ao seu lado. E se os deuses existentes no universo realmente a estivessem escutando, ela pediu para que fosse dela para sempre. Igual o “para sempre” que ela enxergava em seus olhos toda vez que ele a olhava.
— Você tem olhos muito bonitos — disse ao passar o dedo pela sobrancelha da estadunidense.
— Eles são da mesma cor que os seus.
— Não, o seu tem um brilho diferente. — sorriu. — Você tem um brilho diferente na verdade, namorada.
“Namorada” repetiu. — Isso soa muito bem vindo de você.
— É? — sorriu. — Então, minha namorada, o que você quer fazer?
— Eu quero que você tranque a porta.
— Não precisa pedir duas vezes.



7 de abril de 2022
Melbourne, Austrália


queria ter aproveitado mais o tempo que passou em Perth. Ela adorava o convívio e a rotina na fazenda. Gostava de cavalgar pela manhã, fazer trilha com na Polaris; gostava de passar a tarde escutando e inventando as mais variadas histórias junto de Isaac e Isabella. Tinha criado gosto por cozinhar com Grace e ajudar Joe na montagem e desmontagem dos carros antigos e Karts que estavam na propriedade. Apreciava sentar ao redor da fogueira com os enquanto cantavam canções, mesmo algumas sendo desconhecidas por , já que ao final da noite ela sempre aprendia todas.
A engenheira amava principalmente a forma que sentia-se em paz ao estar em casa, sempre com o seu inseparável chapéu de cowboy. Até mesmo tinha ganhado um, idêntico ao do piloto. Os dois andavam combinando a todo momento porque não tiravam o acessório da cabeça.
Perth tinha conquistado verdadeiramente Earnhardt.
saiu das instalações da McLaren pronta para ir correr. Ela estava nervosa não só com o primeiro treino livre na Austrália, mas também com a reunião dos engenheiros junto do CEO da equipe, Zak Brown. A estadunidense estava há pouco tempo na equipe e não sabia o que esperar daquela reunião. apenas tinha a certeza que não importava o que acontecesse, ela iria brigar pelos interesses de . Afinal, eles eram uma dupla. Não tinha sido a McLaren que tinha ido atrás dela em Charlotte, mas sim . Seus interesses sempre estariam em primeiro lugar.
andou em direção à pista do Albert Park sozinha, passou por rostos desconhecidos e outros nem tanto assim, mas não falou com ninguém. Tirando os pilotos que tinha conhecido em Jeddah, a estadunidense ainda não tinha muitos conhecidos no paddock, mas sabia que já existiam burburinhos de que a filha de Dale Earnhardt iria trabalhar na McLaren. Seria apenas uma questão de tempo para que ligassem a antiga Miller da Ferrari e tudo se tornaria um caos. Mas daquela vez ela não estava sozinha, muito pelo contrário.
— Você vai correr sem se alongar? — o sotaque espanhol forte e firme a fez se virar. tomou um susto ao se deparar com a mulher de cabelos cor de mel, mais enrolados que lisos, olhos incrivelmente verdes e vestida com as cores da Ferrari. Desde o casaco até as calças.
— Falou comigo?
— Sim — ela respondeu calmamente. — Desculpe, não consegui evitar, hm, me chamo Lunna! Você é?
— respondeu, receosa. Earnhardt ainda não conseguia ter paz em relação às pessoas vindas da Ferrari. Mesmo Charles Leclerc mostrando-se diferente e Carlos Sainz aparentando ser uma pessoa decente, mesmo não interagindo com o piloto.
— Eu sou nova por aqui. Cheguei ontem, então não conheço nada. Você trabalha nesse meio também?
— Bem-vinda, eu acho. — Lunna soltou um ar de riso. — E trabalho, sou engenheira de .
— Ah, o dono da casa. Ele é um espetáculo à parte aqui, não é? Só falam dele.
— E ele adora. Agora imagine a pressão para fazer uma boa estratégia para ele conquistar pontos hoje.
— Que Carlos não me escute, mas espero que vocês consigam. Não conheço nada de Fórmula 1, apenas sei que preciso usar coisas disso — ela apontou para o símbolo da Ferrari no peito — e não falar muitas coisas com desconhecidos. O que é difícil, porque eu falo pra caramba e não conheço ninguém.
riu.
— Um conselho de uma mulher que já está nesse meio há bastante tempo? Mantenha-se de olhos bem abertos dentro da Ferrari. Nunca se sabe quem pode estar escutando ou até mesmo querendo seu lugar.
— Obrigada! — Lunna sorriu. — Se dependesse de mim, eu nunca conheceria nada desse mundo. Sou preparadora física de Carlos, e é nisso que vou me concentrar, sabe? Nada mais.
— Boa sorte, Lunna! Espero que dê tudo para você, de verdade.
— Posso te ajudar com sua corrida? — a espanhola perguntou, e podia ver um certo brilho em seu olhar.
— Com certeza, não entendo nada. Mas um amigo que também é preparador disse que correr é bom quando se está com a cabeça cheia.
— Você vai querer que vire rotina!
Lunna explicou pacientemente para como ela deveria se alongar e todos os benefícios que as corridas matinais poderiam trazer para a sua vida. Ficaram nas pistas do Albert Park por mais de quarenta minutos, e percebeu o quanto Lunna era diferente das pessoas que já tinha convivido na Ferrari. Ela possuía uma chama única, cheia de vida, gostava de falar e, por mais que parecesse um pouco dura, era muito gentil. Earnhardt ficou feliz por ter feito mais uma amizade feminina naquele meio. Era importante, principalmente para ela, que tinha ficado por anos longe de outras pessoas que não fossem sua família ou seus alunos.
Antes de se despedirem, as duas trocaram contatos e combinaram que correriam juntas no dia seguinte. comentou que tentaria levar Beatrice também; pensou que iria ajudar a negra a desestressar.
voltou para o estande da McLaren sentindo-se tranquila. Ela estava pronta para a reunião que aconteceria dali a alguns minutos.


⚙️


terminou de beber o café que tinha sido deixado por e saiu de sua sala. Em seu caminho até a área onde aconteciam as reuniões, passou pela área destinada ao australiano, onde ele estava fazendo exercícios com Michael, apenas para lhe acenar rapidamente. O piloto respondeu com uma piscadela, que fez com que a engenheira o achasse ainda mais atraente.
Earnhardt riu sozinha e entrou na sala de reuniões, onde a maioria dos engenheiros da equipe já estavam presentes. Faltavam apenas Zak, Seidl, Daren, o engenheiro-chefe de estratégias, e Will, engenheiro de Lando, que entraram juntos minutos depois. estranhou a cena. Ela era a única das engenheiras do pitwall que em nenhum momento tinha sido chamada para a reunião com eles. Aquilo estava longe de ser um bom sinal.
— Bom dia! Bom, time, está na hora de ajeitarmos as estratégias para o nosso primeiro piloto e o piloto que vai testar as atualizações dos carros — Zak encarou com um sorriso de canto. — Contaremos com você nessas atualizações, !
— Claro! — ela olhou para o engenheiro-chefe, Andreas. — Nós já estávamos conversando sobre algumas coisas.
— Ótimo! Então Norris vai ser nosso piloto principal, vai ser seu escudeiro.
piscou algumas vezes ainda sem acreditar no que estava ouvindo Zak falar. Abriu os olhos e encarou Seidl, que estava com uma clara expressão de descontentamento, assim como outros engenheiros. Earnhardt só não entendeu o porquê de ninguém contrariar Zak Brown.
— Foi consenso em qual reunião que seria piloto de testes e escudeiro?
Zak pareceu se assustar ao escutar o questionamento da estadunidense. Não estava acostumado a ouvir contestações a suas ordens.
, não quero arriscar ficar na metade da tabela do campeonato dos construtores. Lando Norris é a nossa melhor arma para que isso não aconteça.
— Lando Norris?
— Sim. Mesmo mais novo, nos dois primeiros GPs ele teve resultados muito mais impressionantes que .
nos dois GPs foi prejudicado. Em Bahrein pelos freios projetados pelos engenheiros de montagens, e em Jeddah por causa de Bottas. Em nenhuma das duas corridas ele errou, então tomar essa decisão baseada nisso é um tremendo…
— Zak a interrompeu, mas Earnhardt mantinha tanto o olhar quanto sua voz firme, sem vacilar.
— Deveríamos esperar mais duas corridas, no mínimo. Decidir o percurso do restante da temporada após duas corridas é um tremendo equívoco — ela finalizou, e a veia na testa do CEO já era aparente. Zak estava visivelmente irritado com a petulância da engenheira.
— A decisão é essa e a reunião acabou — Brown desviou o olhar para Seidl junto do engenheiro de corridas de Lando. — Quero falar com vocês, a sós.
levantou-se junto dos outros engenheiros da sala de reuniões em silêncio, mas a sua quietude gritava. Qualquer um que a visse lia em seu rosto o quão brava estava. Zak Brown estava a um passo de destruir tudo com sua arrogância e prepotência. Ele não era engenheiro, muito menos havia sido piloto, não entendia e nem deveria estar tomando aquelas decisões. Earnhardt queria gritar, mas apenas bateu com força a porta de sua sala e rezou para que Zak não aparecesse na sua frente pelo resto do dia.
— Você está bem? — perguntou assim que o encarou quando abriu a porta. — Parece irritada.
— Estou um pouco irritada. — fechou a porta atrás de si e sentou-se ao lado de no sofá. — Mas nada que eu não possa resolver. Como foi a entrevista?
— Hoje fui com George, Lance, Esteban e seu amigo Max. — A engenheira rolou os olhos, fazendo rir. — Um jornalista perguntou de você, sabia?
— De mim? — estava receosa. Não esperava que já tivessem descoberto tão cedo.
— Sim! Perguntaram como eu estava me sentindo com a filha do meu ídolo sendo a minha engenheira. Não parecem saber ou ligar você com a Ferrari.
— Tempos de paz, então. Por enquanto riu baixo e deixou sua cabeça repousar no ombro de , enquanto sua mão direita acariciava a coxa do piloto. — Você precisa se dar bem nesse GP.
— Você me parece preocupada, Principessa. O que aconteceu nessa reunião?
— Zak Brown é meio complicado. Mas preciso de mais tempo para saber de verdade como as coisas funcionam por aqui — ela o encarou. — Pode esperar um pouquinho para eu poder contar quando tiver certeza do que acho? Não quero criar alarde à toa.
Amore mio, se esperei quase dois meses para te beijar de novo, eu posso esperar um pouquinho para você me contar algo.
O som da risada de e preencheu a pequena sala, e, em um movimento rápido, o piloto encaixou sua boca na da engenheira. Earnhardt não conseguia pensar quando seus lábios estavam grudados nos de , tampouco conseguiu impedi-lo por estarem no ambiente de trabalho. Ela adorava beijar . Parecia sempre receber uma descarga elétrica que trazia consigo arrepios e borboletas no estômago, junto de coragem e felicidade. Era o efeito que o australiano tinha sobre ela.
Mas se separaram rapidamente como se estivessem cometendo um crime ao escutar um riso conhecido.
— Eu sabia! — Beatrice Portinari entrou no quarto e trancou a porta atrás de si. — Tá vendo? Existe uma tranca. Poderia ser qualquer um.
— Ainda bem que foi você — disse, parecendo aliviado.
— Sim, bonitão, agora caia fora. Converso com você depois.
— Se você assustá-la, eu te demito.
Beatrice rolou os olhos e apontou para a porta. deu um selinho em e saiu antes que a negra o expulsasse.
respirou fundo e encarou Beatrice como se fosse uma criança sendo pega no flagra por aprontar em casa. Portinari se sentou ao lado da estadunidense, passou o braço direito pelos ombros dela e a abraçou.
— Se quiser falar sobre, tô aqui.
— Ai, meu Deus, obrigada respondeu, e foi como se um peso gigantesco tivesse sido retirado de suas costas. — Eu estava para explodir sem contar para alguém que não fosse a família de ou a minha sobre isso. Céus, Beatrice, você não tem noção do quão complicado é querer beijá-lo e não poder. Às vezes sinto vontade de gritar para os quatro cantos do mundo que estamos juntos. E eu não podia falar nem com você.
Primeiro, está todo errado porque eu, como a RP dele, deveria ser a primeira a saber para caso isso vaze. Me lembre de brigar com ele depois da qualificação. Segundo, ragazza, eu sei bem como é tudo isso. — a encarou com as sobrancelhas arqueadas. — Não por causa de , mas — respirou fundo e continuou — já que agora sei um segredo seu, vou te contar um meu. Charles e eu já nos envolvemos. Mas não é isso. Eu também tenho um rolo com Max.
cobriu a boca com as mãos enquanto mantinha os olhos arregalados. Beatrice soltou uma risada e a engenheira se perguntou como ela tinha conseguido esconder aquilo por todo aquele tempo.
Max Verstappen, Charles Leclerc e você?
— Para você ver! É uma história longa e complicada, que eu nem gosto de falar. Mas eu preciso, senão vou explodir. Igual você disse.
— Eu ainda tô tentando administrar a ideia de você e Max. Não, sério, como? Verstappen, ragazza?
— Max não é um homem ruim, eu juro. A gente se conhece desde criança, igual Leclerc, crescemos juntos. Meu pai é dono da Veloz Racing.
Veloz Racing? A porra da empresa de Kart mais famosa da Itália que tem filial até nos Estados Unidos? Ela não patrocina o Verstappen? Você é a porra de uma bilionária?
— Não sou uma bilionária, meu pai é. — revirou os olhos e Beatrice riu. — Para completar, papai adora Verstappen e não gosta do Leclerc, isso desde que éramos crianças e eles corriam no nosso autódromo em Verona, o South Garda. Tá vendo como é tudo muito complicado?
— Beatrice Portinari, você é uma fucking bilionária, dona de uma empresa e circuito de Kart? O que você está fazendo na McLaren?
— Você fala como se não fosse uma herdeira Earnhardt.
riu e se lembrou de como o irmão a perturbava dizendo que ela se esforçava para ser pobre.
— Isso é assunto para quando estivermos bebendo um vinho em um jantar, topa?
— Com toda a certeza. E você pagará a conta.
Portinari riu e deu as mãos para .
— Agora você vai me explicar como e você estão juntos. é meu amigo de longa data, então eu posso perguntar, . Ragazza, como você caiu nos encantos desse australiano?
soltou uma risada alta, que Beatrice jurou que poderia ser escutada pelo lado de fora daquelas paredes. Earnhardt era mais parecida com do que as aparências deixavam transparecer.



10 de abril de 2022
Circuito do Albert Park, Melbourne
Grande Prêmio da Austrália


amava estar em casa, principalmente em dias de corrida. Ele adorava sentir seus conterrâneos de perto, sorrir para fotos, dar autógrafos e entrevistas. Se divertia ao ver os cartazes com frases engraçadas, as montagens com suas fotos e quando a torcida imitava seus gritos típicos. Amava enxergar as crianças no meio dos adultos – sempre priorizava dar autógrafos e tirar fotos com elas, principalmente quando lhe contavam animadas que também queriam ser pilotos e que ele era uma inspiração. já tinha sido uma criança daquela, e para ele era incrível estar naquela posição – mesmo também sendo uma responsabilidade imensa.
sentia falta da sensação de acolhimento por parte dos torcedores nos outros Grand Prix, era sempre diferente em casa. Parecia que todos ali, mesmo que torcessem para equipes diferentes, estavam torcendo por ele também. Não tinha como ficar triste quando estava ali. O piloto sempre tinha seu característico sorriso largo no rosto, uma gargalhada contagiante e todos os elogios possíveis para o clima festivo e caloroso dos australianos. Era uma energia surreal. Ele se sentia diferente, como se em casa fosse imbatível. E era com esse pensamento em mente que ele iria entrar nas pistas.
— Como estão as expectativas para a corrida de hoje, ?
— Lá no alto! — riu. — Mesmo vindo de duas corridas sem pontos, acredito que hoje a coisa mude. Estou confiante com a minha nova engenheira. O carro novo tem se mostrado adaptável.
Mais perguntas foram disparadas para o australiano, que respondeu todas muito com bom humor. estava tranquilo e confiante. Ele tinha Earnhardt ao seu lado, ela era seu amuleto.
Saiu da zona de entrevistas, voltou para a garagem da McLaren, onde sua família já estava o aguardando, e se pegou sorrindo ao ver conversando animadamente com sua irmã, mãe e seu pai. Ela tinha Isabella no colo e Isaac estava no chão, brincando com um controle de brinquedo.
— Tio ! — o mais velho gritou assim que viu o tio se aproximar e correu em sua direção. — Tia me levou para conhecer o carro de Lego igual ao seu! Entrei nele, é super da hora. Pode comprar um para mim?
— Claro que compro, baby — o piloto bagunçou os cabelos cacheados do menino. — Você gostou de estar no carro?
— Claro! Tia me deu isso de presente — Isaac balançou o controle de Lego nas mãos. — Quero ser piloto igual a você, tio.
O rosto de se iluminou. Isabella encarou o irmão com os olhos arregalados enquanto os pais se entreolharam, sorrindo. não entendeu a reação da família, mas também sorriu ao escutar o pequeno falando sobre seu desejo de pilotar.
— Repete pro tio o que você disse.
Quero ser piloto igual a você.
— Você ouviu isso, Michelle? — gritou para a irmã e soltou uma risada. — Eu disse. Não forcei nada, ele quem quis.
— É, Mi, essa ele ganhou. — Michelle balançou a cabeça negativamente para o pai. — Vamos colocá-lo no kart assim que chegarmos em casa.
— Michelle fez prometer que não ia ficar falando para Isaac ser piloto — Grace explicou para —, e ele nunca tocou no assunto com o menino, mesmo tendo kart em casa, era só mais um brinquedo. Michelle fica muito preocupada quando o irmão corre e não quer isso para Isaac.
— Porque o tio corre rápido — Isabella disse, arrancando um sorriso de .
— Muito rápido, não é? Mas ele precisa para poder vencer — respondeu para a menina. — Vencer é importante, baby.
Isabella assentiu, sorrindo. Michelle pegou Isaac no colo e foi para o lado da mãe, a abraçando de lado. Era bom estar com sua família antes da corrida. deixou Isabella no chão e a mais nova correu para os braços do tio.
Dirija rápido, tio — pediu, e o australiano lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu irei, meu amor. Irei dirigir bastante rápido.
— Tia disse que é importante. Ela vai ficar feliz.
— Então irei dirigir ainda mais rápido — respondeu para a sobrinha, encarando a engenheira que observava a cena com um sorriso nos lábios.
estava determinado a dar o seu melhor naquela corrida. Nada poderia dar errado.


🏎️


Quando abaixou o visor, a mente de só pensava em uma única coisa: vencer. Gana era o sentimento que percorria seu corpo inteiro. Ele queria mais do que tudo trazer um resultado bom para casa, desejava mostrar que ainda estava no jogo. E o piloto tinha a certeza de tudo que poderia entregar nas pistas.
apertou o volante, respirou fundo e acelerou quando as luzes se apagaram. Ele tinha feito uma largada perfeita em cima de seus adversários, ganhando duas posições e marcando seu lugar em P6.
É isso, caralho — gritou no rádio.
Era só o começo.
tem que segurar — o engenheiro comentou ao lado de quando passaram na volta 30. Ambos já tinham feito o primeiro – e único – pit stop do domingo.
— Ele está mais rápido. Avisem Lando para deixar ultrapassar — solicitou, mas não teve resposta da equipe que a acompanhava no pitwall.
Earnhardt fechou os punhos e soltou a respiração, tentando manter a calma. Ela não estava nem um pouco acostumada com aquilo.
— Quero tentar correr no ar limpo.
— DRS disponível na próxima volta. Acelere ao máximo, ordenou e sorriu; era a hora de tentar se aproximar mais ainda do pódio. Os dois resolveram arriscar naquela hora.
— O que foi isso, Earnhardt? — Zak Brown perguntou, enraivecido.
— Ele está mais rápido. Eu o mandei ultrapassar.
E não decepcionou a estadunidense. Na zona de DRS ultrapassou com facilidade Lando Norris, assumindo a quinta colocação e distanciando-se ainda mais do companheiro de equipe.
— Max está perdendo potência, perdeu uma posição — avisou ao perceber que o piloto da Red Bull estava a um carro de distância, faltando dezesseis voltas para o fim da corrida.
— Verstappen relatou problemas no motor. Acelere, . Você consegue ultrapassar Perez, está 0.3 segundos mais rápido.
— Às suas ordens.
forçou e ultrapassou Perez, passando também com tranquilidade Max, que segundos após a ultrapassagem, parou na pista.
— P3, ! Segure. Perez e George estão disputando, então se mantenha afastado deles — a engenheira teve como resposta o grito do australiano. — Como estão os pneus?
Consigo segurar até o final.
— Então corra, . Não pare.
A engenheira não se importou com os cochichos dos homens ao seu lado. Eles não importavam naquele momento; ela estava certa e tinha certeza absoluta que se corresse em ar limpo, poderia alcançar maiores posições. E a última volta da corrida só comprovava que valia a pena enfrentar aqueles homens e não abaixar a cabeça.
Earnhardt era uma verdadeira força da natureza. E foi com ela que ganhou o primeiro pódio de toda a carreira em casa, levando os australianos à loucura.
era P3 no Grand Prix da Austrália de 2022.


Capítulo 18 – In The Stars

Now you're in the stars and six feet’s never felt so far. Here I am, alone between the heavens and the embers. Oh, it hurts so hard for a million different reasons.
(Agora você está nas estrelas e sete palmos nunca pareceram tão distantes. Aqui estou, sozinho entre os céus e as cinzas. Oh, isso dói muito por um milhão de razões diferentes)

20 de abril de 2022
Imola, Emília-Romanha


acordou sentindo-se estranha. A verdade era que ela mal tinha pregado os olhos durante a noite, mesmo estando ao lado de , que tanto se sentia segura.
A engenheira estava ali novamente, na Itália, no reino da Ferrari. O lugar que foi sua casa por tanto tempo e que passou a ser seu inferno.
sentiu seu estômago revirar ao pensar que no outro dia teria que pisar novamente no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, mas ao ver o homem que dormia tranquilamente ao seu lado, sentiu-se segura. estaria ali, ao seu lado, enfrentando todos aqueles demônios de vermelho.
Mas tinha um que ela precisaria enfrentar sozinha. Não era um demônio – talvez, até mesmo, fosse um anjo que não conseguiu se despedir a tempo, mas que permaneceu ali, bem ao seu lado.
levantou-se com cuidado para não acordar . Entrou no banheiro, tomou um banho, vestiu roupas de frio que combinavam com o clima de chuva na cidade italiana e saiu, deixando apenas uma mensagem de texto para o namorado.
Ao passar pelo enorme portão do Cimitero di Zello, sentiu garoar. Apertou o casaco sobre o corpo e andou por entre os jazigos, até achar a quadra que Giuseppe Fernandez fora enterrado. Não demorou muito para que achasse; ali estava sobre seu túmulo, bem no centro sob uma árvore de Ipê, que deixava o lugar mais colorido com suas flores – branca, amarela, rosa e roxa – que caíam.
— “Giuseppe Fernandez, filho, amigo e piloto de Fórmula 1. Para sempre em nossos corações”. — leu baixinho, sem esconder as lágrimas que caíam. — Me desculpe, Giu. Me desculpe por não ter conseguido te ajudar. — passou a mão pela pequena escultura do capacete que estava abaixo da gravura da lápide. — Eu queria que você soubesse que iria ganhar um Mundial, que é amado por todos e que eu te amo, muito — as lágrimas caíam mais rápido e se misturavam com a leve garoa que a molhava. — Você foi muito especial para mim, mesmo que na época, talvez, não deixasse transparecer isso. Não posso dizer que você foi meu único amor, porque a vida me deu de presente, mas você sempre estará em meu coração. Eu queria ter te amado direito, Giu, da forma que você merecia. Eu sinto muito mesmo, Giuseppe. — soltou um soluço forte e apoiou as duas mãos sobre o mármore. — Eu vou descobrir o que aconteceu de verdade, você merece isso. Sua morte não vai ficar sem justiça, nem que isso custe meu sonho de novo. Estou disposta a abrir mão dele para honrar sua memória.
A engenheira respirou fundo, mas sem conseguir controlar as lágrimas. Earnhardt estava tão emocionada por estar ali pela primeira vez que nem mesmo percebeu que estava sendo observada já fazia algum tempo.
— Então finalmente conheci a Miller.
Charles? virou-se rapidamente e encontrou o monegasco, com um buquê de flores na mão e um sorriso de canto. — Eu…
— Sabia que te conhecia de algum lugar. Você é a que Giu tanto falava, a famosa Principessa . Acho que não tinha um dia que ele não falasse de você, sabia? — indagou, sem tirar o sorriso do rosto. Ela o encarou, atônita. — Eu mesmo disse para ele te esquecer. E então tudo aconteceu e você sumiu, nunca a conheci.
— Charles, eu não sei o que você quer que eu diga. Não fazia ideia que vocês eram amigos e…
— Ele era meu melhor amigo, na verdade.
— Você é o Marc Perceval? perguntou, e Charles soltou uma risada ao colocar o buquê sobre o túmulo.
— Esse idiota me chamava assim para todo mundo, ossos do ofício de ter sido o seu melhor amigo.
— Meu Deus! Charles, ele te amava tanto.
Leclerc esboçou um sorriso e assentiu. O piloto não tinha dúvidas sobre aquilo. Eles eram irmãos.
— Ele também amava você. E é por isso que eu acredito que você não teve culpa de nada. Giuseppe não errava sobre as pessoas. E, , você foi o primeiro amor da vida dele. Giu não iria errar sobre você.
— Aquele maldito acidente. Charles, eu…
— Eu sei que te acusaram, mia cara amica. Afinal, tô na Ferrari, não é? Agora eu entendo de verdade por que não queria se aproximar de mim naquele dia no paddock. — assentiu, em silêncio. — Você não sabe o quanto eu quis te conhecer, escutar e entender teu lado antes de tudo virar sombra. Eu me senti muito sozinho quando Giuseppe morreu porque não tinha ninguém tão próximo dele quanto você e eu. Ele mal tinha tempo para visitar a família, eles não sabiam das coisas que aconteciam.
Eles não deixaram eu me despedir. Não pude vir aqui — confessou.
— Eu imaginei isso quando não vi nenhuma “” na lista dos presentes — Charles suspirou. — Sabe, , eu queria ter alguém para conversar, dividir os momentos e até mesmo um ombro para chorar, de alguém que realmente o conheceu, mas me tiraram isso também. Não honraram Giuseppe e isso me causa calafrios toda vez que visto o uniforme vermelho.
— É infernal, não é?
— Piora quando lembro que seríamos companheiros de equipe — Charles revelou. — Entrei na Fórmula 1 em 2018, mas não me pergunte como, a gente sabia que o nosso lugar era na Ferrari, juntos. Você sabe. Não importa o que aconteça, quando você faz parte disso — passou a mão pela escultura do capacete sobre o túmulo que tinha o pequeno símbolo da escuderia italiana gravado —, você nunca sai. É uma espécie de amor esquisita, não é?
Você ama o detestável e perdoa o imperdoável encarou Charles. — Sabe, eu quis odiar a Ferrari com todo o meu ser. Acho que cheguei a odiar no início e já quis mandar vocês para o quinto dos infernos por mais vezes que posso contar, mas acho que nunca vou conseguir odiar verdadeiramente. E isso me assombra — confessou, como se fosse um segredo.
— Você quer tomar um café? — perguntou, finalmente. O monegasco tinha tantas perguntas; queria falar sobre tudo o que não falou por muito tempo. — Acho que a gente precisa conversar. Hm, acabei escutando tudo — Charles coçou o queixo. — Você e , uh?
— Definitivamente precisamos tomar um café.



29 de Maio de 2017
Monte Carlo, Mônaco


Independente de precisar correr logo após, Giuseppe Fernandez nunca perdia uma corrida da Fórmula 2 do melhor amigo, Charles Leclerc, quando coincidiam de cair nas mesmas localidades da Fórmula 1.
Leclerc, egresso da GP3 Series, já ocupava a primeira posição do campeonato com sessenta e dois pontos, um feito enorme para o rookie da temporada. Giuseppe sabia que se o amigo conseguisse terminar o ano entre as três primeiras colocações, a sua saída da Prema Racing para a Fórmula 1 era certa.
Giuseppe e Charles, mesmo sendo melhores amigos, seguiram caminhos diferentes no mundo do automobilismo. Fernandez conseguiu uma superlicença graças ao seu talento extraordinário e aos patrocínios certos, que o levaram até mesmo antes de Max Verstappen direto para a Fórmula 1.
Mas mesmo com a diferença de caminho, o sonho de criança dos melhores amigos estava mais perto do que nunca. Eles iriam ser companheiros na Ferrari. Charles só precisava fazer o que ele tinha sido predestinado a fazer desde quando se entendia por gente: correr.
— Você sabe do que é capaz, não sabe? — perguntou ao amigo antes que ele saísse do box para a pista. — Se você ganhar essa corrida, tenho uma surpresa.
— Idiota, não me faça suspenses!
— Traga o primeiro lugar que eu conto.
Mio fratello, vincerò io (Meu irmão, eu vencerei).
E com o último abraço, Charles pulou para dentro do cockpit e seu carro foi para a pista. O monegasco não estava errado quando disse que venceria, e vê-lo no lugar mais alto do pódio enchia o coração de Giuseppe de felicidade.
Talvez fosse estranho naquele mundo do automobilismo, mas entre os dois não havia disputa alguma – era apenas cumplicidade, lealdade e irmandade. Trilharam caminhos diferentes para chegar até o sonho, mas se encontrariam no final das contas. Afinal, Charles Leclerc era predestinado a usar as cores vermelhas da Ferrari. Assim como Giuseppe Fernandez.
— Estou orgulhoso, fratellino (irmãozinho) — Giu gritou ao abraçar o mais novo. — O que foi aquela curva 4?
— Daqui alguns anos passarei você nela.
— Ano que vem. — Leclerc encarou o amigo, colocando o troféu sobre o peito. — Soube que a Alfa Romeo está de olho em você.
— Você está brincando comigo!
Giuseppe segurou o troféu e o balançou na frente do amigo:
— Você tem que fazer a sua parte! Eu só escuto as coisas, como você pediu para eu não me envolver. Já escutei seu nome pela Ferrari e… — o italiano fez uma pausa, devolvendo-lhe a taça de primeiro lugar. — E depois da minha corrida vou contar para que você é meu amigo.
— Fratello, você sabe… Combinamos que você não ia usar seu nome para me conseguir uma vaga! Quero entrar por meu próprio talento.
— E você vai. Confie em mim, Charles, quando foi que eu fiz algo ruim para você?
— Nunca.
só vai saber que você é o Marc. Fratellino, o nome Charles Leclerc já é conhecido. Você só precisa trazer esse campeonato para casa.
O monegasco sorriu e abraçou o amigo novamente. Eles tinham esperado a vida toda por aquilo, mas nem em seus sonhos mais loucos no Kart poderiam imaginar que conquistariam tão cedo.
Charles Leclerc estava mais do que determinado para ganhar o campeonato de Fórmula 2 de 2017. Seria por ele. Por sua família, por seu melhor amigo.
Ele iria vencer.
Mesmo que a vida tivesse outros planos para todos os outros a sua volta.




Charles Leclerc levou para uma cafeteria próxima, que ele gostava bastante e frequentava todas as vezes quando visitava o túmulo do melhor amigo. Em suas idas ao cemitério, sempre se perguntava se um dia já tinha visitado e se ainda iria conhecê-la. Mas a vida sempre dava um jeito de fazer as coisas acontecerem; Leclerc já deveria saber.
— Ainda bem que viemos antes dela ficar mais forte — apontou discretamente para fora, já que estavam sentados próximos à janela — Você sempre vem aqui?
— Toda vez que estou pela cidade. Fico lá, converso um pouco, conto as novidades, peço conselhos e sigo a minha vida. Acho que hoje é a primeira vez que conversei de fato com alguém.
— Vamos lá, me peça um conselho — deu um gole em seu cappuccino de morango. — Acho que já posso te chamar de amigo, Perceval?
— Claro que pode, amiga — Charles riu. — Mas não sei se posso te pedir esse conselho.
— Beatrice? — ela perguntou ao arquear uma sobrancelha. Charles esfregou os olhos com a ponta dos dedos enquanto concordava com a cabeça.
— Hm, senhora ?
riu ao lembrar que era a terceira vez que a chamavam daquele jeito.
— Droga, Leclerc — murmurou entre risos. Três era destino, nunca se esqueceria. — Beatrice me contou por alto sobre vocês.
— Então não preciso repetir. Você precisa apenas saber que Max Verstappen é um pé no saco e sua amiga é uma maluca de ainda dar corda para esse cara.
— Como isso tudo começou, hein?
— Desde sempre, éramos crianças. Max e eu éramos rivais no Kart, Beatrice era melhor amiga dele, o pai dela era dono da porra do kart e virou patrocinador do Verstappen, é até hoje. O pai dela me odeia por coisas que aconteceram quando minha mãe nem imaginava que um dia iria ter filhos — Charles deu de ombros. — Beatrice me apelidou de Il mostro principe di Monte Carlo.
O príncipe monstro de Monte Carlo? soltou uma gargalhada — Inferno, ragazzo. Se isso é a cara de Beatrice hoje, imagine quando criança.
— E sabe o pior? Ficamos juntos na Austrália depois que você e foram embora da festa. E ela acordou e sumiu, desapareceu. Ainda não nos falamos.
— Eu acho que você precisa chamá-la e colocar isso em pratos limpos. Foda-se o Verstappen, sabe? Estou totalmente do seu lado nessa.
— Pelo menos uma pessoa tem bom senso. Ensine para seu namoradinho, senhora . — riu, balançando a cabeça negativamente. — Agora é sua vez. Vamos, me conte, como você ficou com ele? Você tem um tipo, não é, homens burrinhos que gostam de velocidade? chutou a perna do monegasco por baixo da mesa. — Qual é, , Giuseppe nem fazem o tipo inteligente.
Earnhardt riu; aquilo não era uma mentira. A estadunidense terminou seu cappuccino e se deu conta de como era fácil estar na presença de Charles Leclerc.


🏎️


rolou pela cama e estendeu o braço em uma tentativa de fazer carinho nas costas de . Mas quando não encontrou o corpo ao lado do seu, abriu os olhos em um pequeno desespero.
Eles sempre passavam as noites juntos no quarto de hotel da engenheira. acordava cedo e ia para o seu quarto para que ninguém desconfiasse. Se por algum acaso o vissem saindo do quarto dela, a desculpa combinada era a de que ele tinha ido repassar os últimos informes para os treinos livres e corridas. Era uma rotina que funcionava para os dois, mas naquela manhã não estava ali.
? — perguntou na esperança que ela estivesse no banheiro, ou na saleta, mas só teve como resposta o vazio.
coçou os olhos; estava cedo demais para que começasse a raciocinar tão bem. Até que pegou seu celular e a primeira coisa que viu foi uma mensagem da engenheira, avisando que ela tinha ido resolver uns problemas e que o encontraria após o almoço. respirou aliviado e mandou dois áudios em resposta, aproveitando para chamar o melhor amigo e preparador físico, Michael Italiano, para acompanhá-lo no café da manhã.
— Sabe, eu poderia ter esperado você voltar para o hotel — disse assim que o amigo sentou-se à sua frente.
Nah, já estava na rua. Corrida matinal, você sabe. Inclusive, você deveria estar fazendo todos os dias.
— Michael, amigo, eu faço outro tipo de cardio pela manhã. O importante é se exercitar, não é?
Michael balançou a cabeça negativamente, sem conseguir esconder a risada.
era impossível certas vezes, e Italiano sabia bem. Os dois se conheceram aos onze anos no caminho para a escola e, desde então, tornaram-se melhores amigos. Michael não conseguia lembrar algum momento em que não esteve ao lado de . Desde crianças faziam tudo juntos: o mesmo time de basquete, mesmas aulas, surf, skate, trilhas, tudo. Nem mesmo o tempo de no início da Fórmula 1 os separou, já que o piloto contratou o amigo como preparador um tempo depois.
Michael e eram irmãos de outras mães. Conseguiam se comunicar e saber como o outro estava apenas com um olhar.
— Como você está se sentindo pra corrida dessa semana?
— Nervoso pra caralho — confessou. — Depois que a gente tá no pódio, não quer mais sair. Na Austrália foi incrível. Puxei o carro até onde deu, fiz as ultrapassagens na hora certa e porra, terceiro lugar!
— Você não vai mais querer sair de cima, não é?
— Nunca quis ter saído — deu um gole em seu café expresso —, mas antes parecia distante por conta de todas as merdas que aconteceram, só que agora parece possível. Consegui a porra de um pódio em casa pela primeira vez em toda a minha carreira. Eu vinha há tanto tempo sem pódio, comecei mal pra caralho e olha só…
— Agora você pode ter a chance de estar bravo e competitivo novamente.
— Sim! Sabe, cara, ainda está na minha cabeça aquela corrida.
— A comemoração na segunda foi uma loucura, não foi? — perguntou ao beber seu macchiato, e concordou, rindo. — Tio Joe completamente bêbado, nunca pensei que o veria assim! Tia Grace ficou cantando com a gente até tarde. E ? — Michael podia jurar que um brilho diferente surgiu nos olhos castanhos do amigo quando ele citou a estadunidense. — Ela estava mais bêbada que tio Joe e ria mais que você. Vocês queriam pular pelados na piscina!
gargalhou ao lembrar de como a comemoração na fazenda tinha sido uma loucura. Foi ainda melhor que a de domingo, porque estava com sua família e seus verdadeiros amigos. Comemorando juntos aquela vitória que tinha um gosto ainda mais especial por ter sido na Austrália. Todos celebrando o que parecia ser o início de uma nova jornada na vida de .
— Vocês combinam, sabia? Mesmo você tendo me estressado em Ibiza por causa dela, vocês combinam muito.
— Esqueça Ibiza, isso nunca aconteceu — coçou a testa ao se lembrar do que tinha aprontado com os colegas de grid naquele lugar. — Me sinto feliz, cara. Fazia tempo que eu não me sentia assim.
— Sabe, , até seu brilho no olhar é diferente quando fala dela. Não sei o que aconteceu, mas você mudou. E pra melhor, viu?
— Se Scooty estivesse aqui, ele não ia me deixar em paz — lembrou do amigo que tinha feito durante sua vida nas pistas, que por uma feliz coincidência era namorado da irmã mais velha de Lance Stroll. — Mas foi como um sopro de ar fresco na minha vida.
— Sim, você tinha me falado em aposentadoria, não foi? Citou isso em uma de nossas conversas, e eu não esperava escutar isso tão cedo de você.
terminou de beber seu expresso em silêncio. Ele realmente tinha cogitado sair das pistas antes de Austin; as coisas não pareciam mais certas. A Fórmula 1 era um esporte muito duro, que por mais que você amasse com todo seu coração, uma hora não daria mais para continuar. Mas o australiano ficou feliz por ter estado errado.
— Desisti depois de Austin.
— Imaginei, foi seu primeiro lugar no ano.
negou:
— Eu conheci naquela semana. Prometi para mim mesmo que ia fazer ela voltar para esse esporte, porque era a vida dela. Desisti de me aposentar por causa de .
Ao escutar o amigo, Michael sorriu de canto. Ele conhecia o australiano desde os onze anos de idade e poderia afirmar com toda a certeza do mundo que Earnhardt era o grande amor da vida de .


⚙️


“Principessa, hm, esqueci de avisar ontem, hoje tem jantar das equipes… Pera aí, Michael… Coloquei você na lista– Não, Michael, você não vai, cara… Sim, – Nossa, cale a boca! Às sete estarei na frente da sua porta. Escolha um vestido que seja fácil de…”
pausou o áudio antes que Charles pudesse terminar de escutar a conclusão do raciocínio de , mas o monegasco já estava gargalhando.
— Ele mandou dez áudios ao invés de um só, não é? — assentiu, rindo, enquanto digitava a resposta para o australiano. — Estou quase pedindo para Russell banir do nosso grupo. Ele só sabe se comunicar por áudio, parece que não sabe escrever. E quando escreve, é igual a cara dele.
riu. era exatamente assim, sem tirar nem pôr. O australiano não gostava de perder tempo digitando – um áudio ou uma ligação sempre resolviam. detestava falar ao telefone, mas sempre atendia quando via que era ele. Gostava de escutar seu sotaque australiano, mesmo quando mandava áudios cortados.
— Você vai para esse jantar?
— Sou obrigado. Itália, Ferrari, você sabe. Aliás — Charles olhou para o celular —, preciso ir. Você quer que eu te deixe em algum lugar?
— Quero. Vou fazer algo que nunca fiz hoje.
— Se for algo sexual, por favor, eu não preciso saber. Não depois de escutar esse áudio do .
— Não, seu idiota. Compras no shopping com minhas amigas. Agora eu tenho duas. — Charles riu. — Beatrice me mandou esse endereço.
— Totalmente ao contrário de onde eu vou, parece que ela adivinha. Mas eu deixo você lá sem problema algum.
— Tem certeza? — Charles concordou. — Então vamos, Il mostro principe di Monte Carlo.
— Por que fui te contar isso, hein? — perguntou, e teve como resposta a risada da estadunidense.
Charles Leclerc sabia que não teria mais paz com a engenheira em sua vida. Ele tinha a certeza que havia ganhado uma amiga que seria para a vida toda.
Leclerc deixou na La Rinascente e, sem baixar os vidros, acenou para Beatrice e Lunna, que já aguardavam a estadunidense na porta da loja. Ao ver o monegasco, Bea sentiu seu coração acelerar, mas não quis demonstrar para as amigas. Não depois do que tinha acontecido em Melbourne e que ela não havia contado para ninguém. Mas ao perceber o olhar de Earnhardt para ela, teve a certeza que a engenheira já sabia. “Maldito Charles Leclerc”, pensou.
— Não estamos em Milão, então temos que nos contentar por aqui — Beatrice disse, dando de ombros. A negra se concentraria em suas compras e não deixaria Charles tomar conta de sua mente.
— Aqui parece ter muitas coisas — Lunna comentou ao encarar a longa vidraçaria com vários manequins.
— Não tanto quanto em Milão — Beatrice fez um bico. — Ainda acho que deveríamos ter ido de helicóptero até lá, fazer compras e voltar.
— Volte para a terra, Portinari — estalou os dedos em frente ao rosto da amiga. — Não temos muito tempo.
— Credo, foi só você começar a andar com Charles que ficou assim, chata. — soltou uma risada. — Tudo bem, vamos entrar — rendeu-se.
As três adentraram a La Rinascente e souberam imediatamente que iriam demorar – agradeceram mentalmente por aquele dia ser livre e que os compromissos poderiam ser facilmente adiados.
Lunna, Beatrice e nem contaram as horas que passaram enquanto rodaram a loja em busca de vestidos para o jantar oficial das equipes na Itália, uma cortesia da Ferrari, como acontecia durante todos as temporadas quando chegava a etapa de Imola. Era mais uma oportunidade para a escuderia italiana mostrar toda a sua pompa, glamour e perpetuar a ideia de que eram incomparáveis dentro da Fórmula 1.
odiava saber que, no fundo do seu coração, eles estavam certos. Afinal de contas, Ferrari sempre seria A Ferrari.


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As três voltaram para o hotel às duas da tarde. deixou Beatrice e Lunna tomarem conta de seu quarto e seguiu para o quarto de , dando as três batidas de sempre em sua porta. O piloto abriu rapidamente com um sorriso no rosto. Puxou pela mão e trancou a porta atrás de si, envolvendo-a em um abraço apertado.
— Hey, Dolce — o beijou. — Desculpe por ter saído cedo. Não quis te acordar.
— Só peguei um sustinho. Você está bem? Parece pensativa.
Ela suspirou e sentou-se na cama, sendo acompanhada pelo namorado.
— Está tudo bem! — respondeu. — Só foi um dia longo — preferiu dizer ao invés de contar toda a história que envolvia Giuseppe. Por mais que confiasse em e se sentisse segura ao seu lado, ainda não era o momento para aquela revelação. — Até encontrei Charles. Inclusive, acho que viramos amigos, sabia? — soltou um riso fraco. — Ele é um bom rapaz.
— Meio doido, mas sim, ele é bom. Ele deve ter falado de Beatrice, não é?
— E do seu amigo Max. Por sinal, Beatrice ficou com Charles na Austrália, e agora ela está ignorando ele.
Beatrice ficou com Charles na Austrália? — os olhos do australiano arregalaram-se e ele soltou uma risada alta. — Ela não me contou.
— Claro que não contou, você ia ter essa reação aí — riu e encarou o celular. — Vou ter que ir, Bea montou um salão de beleza dentro do quarto.
— Um salão de beleza?
— Não me pergunte, ela só disse que ia resolver. Acho que está tentando ocupar a cabeça com várias coisas para não lidar com essa história de Leclerc e Max — deu de ombros. — Você leva a gente hoje, não é?
— Sim, madame.
Ela deu um beijo na bochecha do namorado e ele rapidamente virou o rosto para beijar seus lábios.
— Acho que a Beatrice pode esperar.
— Não pode, não — riu entre o beijo. — Você conhece a sua melhor amiga.
concordou com a cabeça e soltou a namorada, que saiu do quarto jogando-lhe um beijo no ar. A estadunidense foi ao encontro de suas amigas e, assim que abriu a porta, deu de cara com Beatrice já enrolada em um roupão, com o dedo indicador levantado e segurando uma cueca.
— Você precisa dizer para parar de deixar as roupas dele jogadas por aí — jogou a cueca para a engenheira, que pegou no ar, rindo.
— Pera aí, ? ? Vocês estão juntos? — Lunna indagou, fazendo Bea e se entreolharem. — Meu Deus, quando você ia me contar isso, garota? Pode abrir o bico.
— Era segredo, mas agora a gente é um trio, então vou te contar tudo desde o início.
— A história é longa, mas no final você vai se perguntar igual eu, como conseguiu que caísse em seu papo.
balançou a cabeça negativamente e se sentou na cama, tirando os sapatos.
Então vamos lá para a não tão maravilhosa história de Miller Earnhardt.
não tinha mais vergonha em falar do seu passado, nem medo. Sabia que estava cercada de pessoas incríveis e que queriam seu bem. Então não foi um problema contar tudo para Lunna Martínez, que demonstrou grande indignação e raiva pela escuderia que trabalhava. apenas se preocupava em como as coisas seriam quanto todo o restante do mundo da Fórmula 1 descobrisse que ela era a Miller da Ferrari.
E algo lhe dizia que, depois daquele jantar das equipes, a notícia se espalharia como o vento. podia ser um nome sem rosto para todos os outros, mas dentro da Ferrari, as pessoas que trabalharam até 2017 a conheciam.
Ela era a garota prodígio da Ferrari. O tormento de muitos engenheiros antigos e do alto escalão.


Capítulo 19 – How To Save a Life

Where did I go wrong? I lost a friend somewhere along in the bitterness.
(Onde eu errei? Eu perdi um amigo em um momento de amargura)

Earnhardt conhecia bem como eram os dias de festa na escuderia Ferrari, afinal, havia passado cinco anos na escuderia.
As recepções sempre eram luxuosas e grandiosas. Sempre restritas aos poucos convidados das dez equipes do grid, mas que contavam com figuras importantes e os jornalistas mais influentes do mundo automobilístico. A Ferrari gostava de deixar bem evidente que sempre seria a escuderia mais importante da competição. Gostava de esbanjar seu poder sempre que os olhos estavam voltados para as terras italianas e seus arredores. Não era à toa que o autódromo que a etapa seria realizada mantinha o nome do lendário fundador da marca Ferrari e seu filho.
Por aquele motivo, não reclamou quando a amiga Beatrice Portinari transformou seu quarto de hotel em um salão de beleza, que contou até mesmo com as melhores costureiras da região, especializadas nas marcas de luxo e seus trajes finos. Ela podia estar distante daquele mundo, mas não tinha como esquecer.
Por aquele motivo, todos separavam suas melhores vestimentas e se preparavam para mostrar que estavam a par de frequentar as festas da monarquia italiana que era a Ferrari. Ali, eles eram os reis.
E como um verdadeiro pertencente à monarquia, Carlos Sainz não deixou nada passar batido naquela noite. Inclusive, foi o responsável por mandar um helicóptero para levar os amigos até Maranello.
— Ele se superou dessa vez — disse ao fechar o terno assim que desceu da aeronave, ajudando as duas mulheres a descerem em seguida.
estava achando o piloto ainda mais bonito naquela noite. usava um terno azul marinho da Ralph Lauren, com abotoaduras douradas que continham as próprias iniciais. Um lenço branco no bolso, que combinava com a blusa branca perfeitamente passada, completava seu visual.
— Finalmente, porque Carlos só sabe perturbar.
— Você fala isso porque ele é amigo de Charles. — Beatrice rolou os olhos e mostrou o dedo do meio para a estadunidense. — Não fique na defensiva, baby, você sabe que amo você.
— Vamos entrar logo, isso sim.
abraçou a amiga, que murmurou um “eu te amo” de volta. Então, as duas seguiram para o salão.


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, apesar de todo o dinheiro em sua conta bancária, não era adepto a lugares extravagantes e luxuosos. E extravagância e luxo eram pouco para descrever o que a escuderia italiana havia preparado para aquele jantar em Maranello.
O grande prêmio poderia acontecer em Imola, mas qualquer parte das terras italianas fazia parte do terreno deles, e naquela noite deixaram aquilo bem evidente. Não era seu estilo estar ali, mas o australiano não reclamou, principalmente pela oportunidade de ver Earnhardt vestida daquele jeito. O Prada que a estadunidense usava parecia ter sido costurado para ela. O modelo tomara-que-caia e verde-turquesa ressaltava seu busto, justo na medida certa para que todas as partes de seu corpo fossem valorizadas. Terminava com uma fenda no lado esquerdo, que começava um pouco abaixo do início de suas coxas, deixando em evidência suas pernas, agora mais longas por conta da Jimmy Choo que calçava.
Desde que colocou os olhos na mulher em Imola, abriu um sorriso largo e imediatamente pensou em levá-la de volta para o quarto e nas mil maneiras de tirar aquele vestido de seu corpo. Seus pensamentos envolviam bagunçar o perfeito penteado de seus cabelos e deixar rastros da maquiagem junto do seu batom vermelho nos travesseiros brancos.
— Por Deus, não ande assim na minha frente. Você está ainda mais gostosa — ele sussurrou ao pé do ouvido da engenheira quando entraram no corredor onde a entrada do salão ficava.
— Se comporte — respondeu e beliscou discretamente a cintura do piloto, o fazendo grunhir.
— Eu acho bom você ficar quietinho mesmo, pervertido — Beatrice se voltou para e ajeitou o nó de sua gravata azul. — Sem atrair muitas atenções hoje, estamos em solo inimigo.
— Charles Leclerc é inimigo agora? — ele provocou, mas a italiana apenas revirou os olhos, pisando propositalmente no pé esquerdo do homem. soltou uma risada nada discreta, mas calou-se ao receber o olhar repreendedor da agente de relações públicas. — Vamos entrar.
escutou a instrução da mais nova, mas permaneceu parada em frente à porta. Ela estava ali novamente, em Maranello, no reino da Ferrari. No reino que tinha sido seu, mas também de onde tinha sido expulsa como se fosse uma qualquer. A estadunidense piscou algumas vezes, mas antes que sua respiração pudesse ficar descompassada, sentiu o dedo mindinho do australiano enroscar no seu. Ela olhou para cima e a encarava com seus olhos gentis.
— Estamos com você — ele sussurrou. — Você é maior que tudo isso.
assentiu e, então, os três entraram no salão.
O lugar já contava com diversas pessoas, mas não impediu que os olhares recaíssem sobre eles. andava no meio das duas mulheres e, mesmo tendo a vontade de tomar pela mão e apresentá-la para todos como sua namorada – porque aquilo era o que Earnhardt era de fato: a sua namorada, e ele era um homem muito orgulhoso daquilo –, não o fez. Apenas continuou a andar até encontrarem os convidados da McLaren.
— Todos reunidos! — Seidl os cumprimentou quando chegaram à mesa. — Zak está com Lando por aí, mas sejam bem-vindos.
Ao trocar olhares com a namorada e ver que ela já estava melhor, conversando alegremente com Beatrice enquanto tomavam champanhe, não demorou muito tempo na mesa com os convidados da escuderia inglesa e saiu para cumprimentar seus colegas da categoria. O australiano sabia que não aguentaria ficar mais um minuto ao lado de sem cometer a impulsividade de beijá-la e ficar ao seu lado sem se importar com mais nada. Earnhardt era como uma onda que sempre o puxava para perto.
Hey, fellas! — cumprimentou os colegas de categoria quando os encontrou em uma rodinha no meio do salão enquanto tomavam champanhe.
Boy — Russell lhe deu um abraço. — Demorou para chegar.
— Carlos Sainz atrasou o helicóptero.
Carlos mandou um helicóptero te buscar? — Lance Stroll perguntou com a sobrancelha arqueada. — O que você colocou na bebida dele para ele aceitar isso?
— Ele deve ter acordado gentil.
— Sim, eu sei o gentil. — Gasly deu um meio-sorriso. — Se eu tivesse essa
preparadora física, eu também seria gentil sempre. Acordaria feliz todos os dias.
Então, os pilotos seguiram o olhar do francês e se depararam com Carlos Sainz ao lado de Lunna Martínez do outro lado do salão, enquanto entregava uma taça para a espanhola.
Lunna! soltou o nome dela na rodinha, e um sorriso sugestivo no rosto de Pierre apareceu.
— Como que você sabe o nome dela, hein? — Stroll provocou o amigo.
— Sim, Carlos parece um urubu, não sai de cima da garota. Como você sabe disso, ? — Pierre completou, arrancando risada dos amigos.
— Ela é amiga de Beatrice e — explicou, dando de ombros. — Apenas isso, juro.
— Você está conhecendo muitas mulheres bonitas ultimamente e não apresenta nenhuma para seus amigos. Sua engenheira é muito bonita também.
— Sim, a que voce atropelou, idiota — Russell retrucou, e agradeceu mentalmente pelo amigo britânico ter falado primeiro antes de dar uma resposta atravessada para o francês e gerar questionamentos. — Ela deve ter ficado super interessada em você — ironizou.
— Não tem nem como te defender — Lance pontuou e Pierre bufou, dando mais um gole em seu champanhe.
Sainz passou pelo grupo de pilotos mas não parou para conversar, apenas acenou e seguiu com Lunna a seu lado até onde Charles Leclerc estava conversando com um grupo de engenheiros da Ferrari. cumprimentou a espanhola com um sorriso e Martínez retribuiu com um tchauzinho, que fez Gasly dar um tapa em seu braço direito.
— Juro que eu daria tudo para você ficar com ela só para ver Carlos estressado.
— Eles nem estão juntos, mente brilhante.
— Mas ele quer, reconheço de longe. Se não quisesse, não ficaria de um lado para outro com ela.
— Agora que Pierre falou, dá para notar se prestar atenção — Russell concordou. — Parece um segurança particular.
— Pelo entretenimento do grupo, eu voto para o dar em cima dela — Gasly decretou e recebeu risadas de George e Stroll em apoio.
— Me tirem dessa — bebeu o restante da bebida que tinha na taça do amigo britânico. — Vocês viram Max?
— Ele estava rodando por aí com Horner, Perez e Tsunoda — Pierre deu de ombros. — Inclusive, eu deveria achar Yuki.
— Mas está aqui falando merda, incrível.
— Ali está Max — George apontou com a cabeça para o outro lado do salão. — Vou pegar mais bebida e encontrar Toto.
— Preciso tirar fotos com a Aston também — Lance resmungou ao olhar para o celular. — Vejo vocês depois.
se despediu dos colegas e atravessou o salão para encontrar Max Verstappen, que estava sozinho próximo ao bar.
— Hey, Maximillian — cumprimentou o amigo com um sorriso, mas recebeu apenas uma careta de volta. — O que você tem, tá passando mal?
— Estou estressado, não me perturbe — ele torceu os lábios. — Sua melhor amiga tá me evitando e eu não faço a mínima ideia do porquê.
— Deve ser porque ela ficou com Leclerc no final de semana — deu de ombros, mas imediatamente bateu a mão na própria testa. tinha contado para ele, o que significava que Beatrice ainda não havia dito para Max.
— Você endoidou, foi? Diga que é mais uma das suas palhaçadas.
— É brincadeira — respondeu e bebeu um gole do seu champanhe, desviando do olhar fuzilante de Verstappen.
— Você não tá brincando — ele bufou. — Vou falar com Beatrice.
— Fale como um ser humano e não como um animal, tudo bem? Só vá com calma.
— De repente você virou um especialista em relacionamentos, sendo que não tem nem três meses que estava fodendo com todas as mulheres que podia em Ibiza quando sua namoradinha lhe chutou.
— Você é um babaca, Max. Espero que você se foda.
balançou a cabeça e deixou Max sozinho. A frase do neerlandês havia o atingido e ele estava com raiva. Ele conhecia Verstappen há muito tempo, já haviam se estressado muitas vezes um com o outro, mas ele sempre esteve ali para o mais novo. Nunca jogou os erros – que eram muitos – em sua cara. Muito pelo contrário, sempre o apoiou. Max não tinha o direito de falar sobre seu relacionamento com . Não daquela maneira.
andou por entre os corpos conhecidos, cumprimentou a maioria das pessoas, mas parou ao ver conversando com Matias Binotto no lado esquerdo do salão, afastados de toda a multidão. Suas mãos automaticamente se fecharam. Ao menor sinal de incômodo da estadunidense, ele iria até eles e não dava a mínima de estar na casa da Ferrari.


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Matias Binotto encontrou Earnhardt no salão por acaso e, assim que seus olhos encontraram os dela, ele a reconheceu de imediato. Era ela, sua antiga engenheira, a prodígio que esteve ao seu lado nos melhores e piores momentos que passou na escuderia, quando ainda era diretor técnico. Binotto a teve como uma pupila, tinha a visto crescer – e cair – dentro da escuderia.
A verdade era que, mesmo depois de todos aqueles anos, ele sentia-se em dívida com a estadunidense.
Miller — a cumprimentou, dando um sorriso sincero. — Você por aqui?
Matias — o rosto dela era como uma pedra, dura e fria.
Da sua lista de pessoas com quem não queria contato nunca mais em sua vida, Matias Binotto estava entre os primeiros. não sentia raiva ou ódio, sentia algo que era ainda maior que os outros dois: decepção e mágoa. Se pudesse escolher, escolheria sentir apenas raiva, pois ela era momentânea – te deixava com ódio e chateado por um tempo, mas tinha prazo de validade. Acabava. Você se esquecia ou se tornava indiferente. Entretanto, a mágoa e decepção duravam meses, anos, até mesmo uma vida inteira. Era algo que não perdia a força, e quando você se lembrava de tudo – de quem te magoou, da forma que se sentiu quando tudo ruiu –, ainda que muito tempo depois, o impacto continuava sendo o mesmo do dia em que tudo aconteceu. Você não se esquecia nunca.
Earnhardt nunca poderia esquecer Matias Binotto. Ele ainda a assombrava em suas piores memórias – e nas melhores, pois sempre esteve presente. A estadunidense um dia teve o italiano como uma referência. Ele tinha acompanhado todos os seus passos dentro da escuderia. Os dois discutiam planos e estratégias, conversavam até mesmo sobre coisas pessoais; Binotto era o seu verdadeiro mentor. Um professor, mestre, amigo, uma referência dentro daquele mundo tão competitivo. Mas Matias tinha a abandonado. No momento em que mais precisou, ele não estava lá. E nunca mais tinha aparecido.
Até aquele dia.
— Sinto muito por como as coisas aconteceram, — ele interormpeu o silêncio sepulcral que pairou entre os dois.
Você é um covarde — ela respondeu em italiano, com a voz baixa, mas firme. O que deixava Binotto ainda mais surpreso, já que ela aparentava não demonstrar nenhum sentimento. — Se você tivesse se preocupado de verdade, teria mandado fazer uma investigação séria, teria respeitado a nossa relação de anos trabalhando juntos. O lema da Ferrari de ser uma família para os Tifosi é uma mentira e você sabe. Que família é essa que abandona quando o outro mais precisa? Você não fez nada, Matias, nada o encarava, sem vacilar. — Eu era a melhor e você sabia disso, e ainda assim escolheu me abandonar. E saiba que a Ferrari não vai ganhar o campeonato de construtores esse ano, sabe o por quê? Porque a Ferrari não me tem mais.
não se arrependia de nem uma palavra dita para o homem. Ela não era a errada naquela história, mesmo que eles quisessem fazer com que parecesse. Earnhardt estava ainda mais certa que ainda descobriria o que de fato tinha acontecido naquele 29 de maio de 2017.
A estadunidense deu as costas para Matias Binotto, deixando o engenheiro tentando entender todas as coisas ditas por ela. respirou fundo, mas quando prestou atenção nos dois homens que a encaravam como se ela não devesse estar ali, sentiu suas mãos esquentarem.
Miller! Pensei que eu nunca mais fosse te ver — o sotaque italiano do homem alto lhe trouxe diversas memórias que ela não estava esperando.
Marlo — o nome dele foi a única coisa que conseguiu dizer.
— Miller, realmente faz muito tempo. É uma surpresa te ver por aqui. Veio como convidada de quem?
— Estou curioso, Miller. Você acabou virando namorada de algum piloto, não é? Eu sempre te avisei, Giancarlo. Sempre falei que não duraria muito tempo.
— Eu sou engenheira, seu merda. E muito melhor do que você jamais vai ser — disparou em italiano, os pegando de surpresa. — Não que eu esperasse mais de você também, Giancarlo, afinal, seu emprego seria meu no final da temporada.
— Você…
Earnhardt — ela não deixou o mais alto terminar seu raciocínio. — Sim, eu sou a porra de uma Earnhardt. E engenheira da McLaren com um contrato milionário, mas não que você saiba o que é isso.
juntou toda a coragem que ainda tinha em seu corpo e passou pelos italianos sem olhar para trás. Todos os seus fantasmas do passado estavam naquele lugar, e ela tinha enfrentado cada um, de cabeça erguida, como nunca imaginou que algum dia fosse capaz de fazer. Mas sua respiração estava acelerada e sua cabeça parecia girar.
Álcool, surpresas desagradáveis e emoções fortes não eram uma boa combinação.
A estadunidense respirou fundo em uma tentativa de controlar seu corpo e mente, mas percebeu que suas pernas não estavam mais querendo responder a seus comandos.
Principessa.
Ela piscou várias vezes até entender que não estava alucinando. Era a voz doce e o toque firme de em suas costas.
— O que eles fizeram? Irei matá-los.
— Fique aqui — pediu em um sussurro. — Comigo.
a conduziu até os fundos do salão onde estavam as mesas mais escondidas e distantes dos convidados. Sentaram-se um ao lado do outro e ficaram em silêncio por grande parte do tempo, mas as mãos dadas por baixo da mesa significavam muita coisa para .
estaria ali quando ela precisasse.
— Eles trabalhavam comigo na época da Ferrari. Giancarlo, o homem mais baixo, era meu superior. O outro é Marlo, ele seguia minhas ordens. Ele nunca gostou de mim — revelou ela. — Nunca percebi nada de Giancarlo, mas puxando pela memória, ele não era um chefe bom. E Marlo sempre foi presunçoso e petulante. Não me respeitava, mas era obrigado — passou a mão pela testa. — Matias Binotto era chefe geral de engenharia, todos respondíamos a ele. Éramos muito próximos, eu era sua aprendiz. Mas ele me abandonou quando o acidente aconteceu.
— Italiano desgraçado. Isso tudo é tão injusto — a encarou. — Você acha que eles podem ter feito algo para você naquela época?
— Matias não, impossível. Mas sempre desconfiei de Marlo, e agora, Giancarlo. Queria poder provar minhas intuições.
— Vamos dar um jeito, Principessa. Eu prometo a você.
Amore mio, per favore, no — pediu em italiano e repousou uma mão na coxa do australiano por baixo da mesa. — Não te quero metido nessa história, você precisa se preocupar com o campeonato. Eu vou resolver isso algum dia. Mas por favor, não se envolva. Não serei capaz de me perdoar se alguma coisa ruim acontecer com você por causa disso. Se eles forem mesmo os responsáveis por tudo que aconteceu em 2017, eu não sei do que eles são realmente capazes.
— Principessa…
— Por favor. Deixe-me lidar com isso sozinha. Não vou conseguir ficar em paz se cogitar que você corre perigo.
— Tudo bem — ele afirmou depois de um longo minuto.
lhe lançou um sorriso e resistiu ao impulso de deitar nos ombros do australiano, como sempre fazia. Assim como se privou da ideia de beijá-la. Chegava a ser torturante estarem tão perto, mas ao mesmo tempo, tão longe um do outro. Pareciam dois criminosos, trocando carícias e toques de mão por baixo da mesa para não serem flagrados juntos.
— Achei vocês. Esse lugar está repleto de italianos — Beatrice disparou ao chegar na frente dos dois.
— Pensei que você ia se sentir em casa.
— Idiota. Itália não é minha casa, é do meu pai — ela resmungou. — Você está bem? — se direcionou a e a encarou com cuidado. — Esses italianos escrotos fizeram algo para você?
— Eu só preciso de ar. É muito italiano por metro quadrado, sabe? — brincou e a negra soltou uma risada, concordando com a estadunidense.


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Os três saíram do enorme salão pela porta dos fundos e se depararam com a parte de trás da enorme fábrica mãe da Ferrari. Fazia anos que não pisava ali, mas era engraçado o quanto ainda parecia o mesmo de sempre. Até o cheiro do lugar era igual.
— Estamos cercados de italianos — reclamou ao escutar um barulho próximo. deu um grande gole na água em que bebia, concordando, mas Beatrice o encarou seriamente.
— Eu conheço essa voz. É Charles! — fez uma careta ao ouvir mais gritos. — E Max. Meu Deus.
— E esse espanhol forte só pode ser…
— Lunna e Carlos — completou. — Fizeram casinha pra Max.
— Max se meteu em confusão na casa deles. Porra, — Portinari grunhiu.
— Incrível como ele sempre consegue se superar.
Eles correram na direção do barulho, mas o que encontraram foi inimaginável. Max estava sentado no chão com a mão no pescoço, e Lunna, que também estava no gramado, o encarava assustada. Charles estava sentado ao lado de Carlos, o único em pé, que gargalhava.
— Você é maluca, porra! — Verstappen gritou.
— O que aconteceu aqui? — Portinari perguntou ao correr em direção dos quatro, que já estavam de pé, com exceção de Leclerc, que permanecia imóvel no chão, um encarando o outro como se pudessem se atacar a qualquer momento.
— Essa maluca me bateu!
— Você apanhou de Lunna? — perguntou sem conseguir conter a gargalhada, assim como , que deixou a água que bebia escapar de sua boca. Max encarou os dois com mais raiva ainda.
— Eu nem bati de verdade! — Lunna tentou se explicar, e a cena só se tornava ainda mais cômica com Max completamente vermelho, como se estivesse prestes a explodir de ódio. — Eu só te imobilizei, gênio.
Antes que pudesse fazer alguma loucura que fosse se arrepender ainda mais, Verstappen puxou pelo paletó e o arrastou para longe. Enquanto Carlos acalmava Lunna, Charles puxou e Beatrice para a sala que ficava ao lado do salão. reconhecia aquele lugar, era a enfermaria da fábrica-mãe.
— Você pode explicar o que aconteceu?
— Preciso dar um jeito no meu nariz antes — respondeu quando se encarou no espelho.
Sem que fosse preciso pedir, Beatrice o mandou sentar e cuidou pacientemente do curativo do monegasco. Por sorte o nariz não tinha sido quebrado, mas seu supercílio estava aberto – um roxo consideravelmente grande ficaria em seu olho direito.
— Como você se meteu em confusão justo hoje, Leclerc? — perguntou, andando de um lado para o outro na sala.
— Eu também não sei. Estava indo me servir do jantar, Max chegou, disse que precisava falar comigo e fomos para fora — ele passou a mão pela mandíbula, fazendo uma careta em seguida. — A gente se alterou e ele explodiu, me dando um soco de surpresa. Eu caí e ele veio pra cima de mim de novo, e nisso Lunna apareceu. Não me pergunte como, estou tentando entender até agora como ela conseguiu tirar Verstappen de cima de mim e imobilizá-lo
— Alguém viu alguma coisa? — Portinari perguntou. — Chance de ter algum paparazzi por aí?
— Não, a Ferrari proibiu tudo. Só jornalistas credenciados, e eles tem que ficar dentro do salão. Foram proibidos de ficar perambulando por aqui.
— Que droga — resmungou, e os dois a encararam com a sobrancelha arqueada. — Que foi? Queria ver Max apanhando de Lunna. — Charles abraçou a estadunidense de lado e ela lhe deu três tapinhas na coxa. — Você não pode se meter em confusão.
— A confusão me persegue, bella.
— Por que Max explodiu? Eu o conheço, ele não é doido de sair batendo nas pessoas sem motivo.
— Ah, sim, porque Verstappen é um santo, eu tinha esquecido completamente desse detalhe, Portinari.
— Não estou defendendo ele, Charles. Eu quero entender como isso aconteceu.
— Agora você quer falar comigo e entender alguma coisa? Depois de ter me ignorado durante dias?
— Vou encontrar com e comer algo — declarou ao se levantar. — Parem de brigar e se resolvam, vocês não são mais crianças para ficar nisso.
, não…
Mas a estadunidense não esperou o piloto terminar de falar. Saiu da sala e os deixou a sós, com a esperança que eles se acertassem.
As coisas já tinham ido longe demais naquele dia.


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tirou a mão de Max de seu paletó abruptamente, afastando-se do neerlandês. Seu rosto se contorceu ao prestar atenção na raiva que atravessava a face do australiano.
— Você só pode estar de brincadeira. Eu que apanho e você que fica com essa cara pro meu lado?
— Por mim você tinha apanhado era de Charles também. Não consegue pensar nas suas atitudes, caralho?
— Nas minhas atitudes?
— Não, Max, sem essa. Não vou ficar do seu lado nessa palhaçada.
As narinas do mais velho estavam infladas, enquanto a cor parecia ter sumido do rosto de Max. nunca tinha agido com ele daquela forma.
— Você precisa crescer, senão vai continuar sozinho.
— O que deu em voce hoje, porra?
— Em mim? Em você! Primeiro fala do meu relacionamento, depois sai por aí batendo nas pessoas. Ainda bem que Lunna te deu uma lição. Espero que aprenda alguma coisa com essa merda. Você não é mais criança, Verstappen — inclinou-se para frente com o dedo em riste. — Fique longe de mim, da minha namorada e de quem eu gosto. Estou falando sério e te avisando. Se eu souber que fez algo para Beatrice, vai se ver comigo. Cansei de te defender e você continuar fazendo merda sem se importar com quem vai ser afetado.
deu as costas para Max e o deixou sozinho. O australiano estava muito estressado para voltar atrás, e o fato de tudo ter acontecido no mesmo dia só o fazia sentir ainda mais raiva. Ele quem havia contado para Verstappen o que tinha acontecido entre Charles e Beatrice. E tinha pedido para que não tratasse a situação de forma descompensada, mas Verstappen fez totalmente o contrário.
Max havia batido em Charles. Se aquilo vazasse para a imprensa, seria de um caos sem precedentes e afetaria também a imagem de Beatrice. Não era certo que ela fosse prejudicada por conta das atitudes insanas do neerlandês.
Que ele se foda sozinho murmurou para si mesmo antes de entrar novamente no salão.
Sem que demorasse muito, achou a namorada conversando com George Russell, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. Sorriu ao vê-la sorrir enquanto bebia um gole de champanhe. O australiano faria qualquer coisa para mantê-la sempre assim: sorrindo. Ainda que fosse preciso enfrentar a maior escuderia do mundo para descobrir o que de fato tinha acontecido em seu passado.
— Olha quem apareceu! — Russell disse alegremente ao ver se aproximar de onde estavam. — Encontrei e fiz ela se juntar com a gente.
— Cara, essa mulher me deu muito trabalho na época da Ferrari — Vettel disse e colocou a mão sobre o braço da engenheira. — Fiquei feliz em vê-la novamente depois de tanto tempo!
— Mesmo na outra ponta do paddock, é claro — ela brincou, já que o motorhome da Aston Martin ficava mais distante.
— Descobri que ela era a famosa engenheira que dava dor de cabeça para a Mercedes! A mulher de vermelho.
— Agora é papaya! disse e piscou cúmplice para a namorada. — Espero que ela volte a dar trabalho para vocês.
— É a meta — concordou com o australiano, fazendo os três rirem.
Era uma verdade.
Earnhardt mal podia esperar para voltar aos seus dias de glória no pitwall, por mais que soubesse que não seria nem um pouco fácil.


Capítulo 20 – Power

You’re the man, but I got the power. You make rain but I'll make it shower.
(Você é o cara, mas eu tenho o poder. Você pode fazer, chover mas eu faço os céus caírem)

21 de abril de 2022
Imola, Itália


O relógio bateu às duas da tarde e colocou duas aspirinas para dentro, por conta da dor de cabeça que sentia graças à festa da noite anterior. Tomou um grande gole d’água enquanto estava com Beatrice Portinari em seu encalço a caminho da sala de entrevistas. Se dependesse unicamente de sua vontade, ele ainda estaria deitado na cama do hotel, com em seus braços enquanto dormiriam e fariam amor o dia todo, mas o australiano tinha obrigações a cumprir.
— Você pode andar mais depressa? Faltam cinco minutos — Beatrice grunhiu ao apertar a costela do piloto.
Ouch a empurrou com o cotovelo. — Não sei por que você está apressada. Nunca começam sem todos terem chegado.
— Não quero ver Max — ela sussurrou. — Mexi uns pauzinhos para que você não fosse escalado junto com ele, então não me faça perder tempo para que eu o encontre por acidente aqui.
— Obrigado — passou o braço pelos ombros da RP. — Max e eu não estamos em nossos melhores dias. Ontem ele foi totalmente desnecessário…
— Ele bateu no Charles! — Beatrice esbravejou. — Eu já deixei passar muitas coisas que ele fez, mas isso não tem como. E você ainda foi atrás dele.
— Alto lá, não fui atrás dele coisa alguma. Ele me puxou e eu o mandei ficar longe de mim, estou chateado de verdade. Max cruzou várias linhas ontem. Lunna deveria ter batido nele muito mais — respirou fundo. — Preciso de um conselho.
— É sobre a entrevista? — O australiano negou. — Então você tem dois minutos — Beatrice parou em frente à porta de acesso dos pilotos para a sala e virou-se para o amigo, puxando-o para o canto.
— Devo contar a o que fiz em Ibiza? Quer dizer, não estávamos juntos, não tínhamos nada. Mas acho que esconder isso é, sei lá, estar mentindo.
— Você já tem sua resposta, baby — Portinari passou a mão pelo braço do amigo e, em seguida, lhe deu dois tapinhas. — Você conhece mais do que ninguém. Se for realmente necessário para você se sentir bem, conte, mas não faça da situação um drama e nem deixe que outras pessoas façam.
assentiu e agradeceu, entrando finalmente na área de entrevistas. Ele respirou fundo, ajeitou o boné laranja e se sentou entre Carlos Sainz e Sebastian Vettel, onde estavam também Sergio Pérez, Lewis Hamilton e Mick Schumacher. Ao verem os flashes das câmeras e a movimentação dos repórteres, soube que a Press Conference iria começar.
O australiano sabia que havia grandes chances de citarem na entrevista, e Beatrice já o tinha preparado para aquilo, mas não pôde deixar de respirar aliviado quando percebeu que, pelo menos naqueles minutos iniciais, a atenção dos repórteres estava virada para seus colegas. Até que o repórter da Ziggo Sport Racing levantou a mão e dirigiu a pergunta para .
, você se sente seguro em ter como uma engenheira uma mulher que foi responsável pela morte do piloto Giuseppe Fernandez?
— Além de piloto, também vou precisar fazer o seu trabalho de investigar antes de falar merda? Primeiro, eu não poderia me sentir mais seguro. Tenho total confiança em todos que estão dentro da minha equipe — disparou, sentindo seu corpo ferver e sua mão livre tremer. Ele estava furioso. — Segundo, se você fizesse a porra do seu trabalho direito, saberia que a Ferrari arquivou as investigações do caso. Agora se você me perguntar se eu me sinto seguro dividindo grid com uma equipe que mexe assim com a vida das pessoas e depois as descarta sem chance de defesa, a resposta é não. A Ferrari não foi nem um pouco confiável e acredito que ainda não seja.
O silêncio sepulcral tomou conta da sala, mas logo diversos burburinhos começaram a ferver. E quando olhou para Carlos Sainz, que o encarava com fogo nos olhos, soube que tinha cruzado a linha.
Mas o australiano não se arrependia.


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A Press Conference acabou sem mais perguntas polêmicas, e quando Daniel encontrou Beatrice do lado de fora da sala, de braços cruzados, acompanhada de Charles Leclerc, percebeu o quanto sua fala já deveria ter repercutido.
— Você não sabia só responder a porcaria da pergunta? , era só dar uma risada e dizer sim. Treinamos isso várias vezes.
— Não consegui.
— Onde você estava com a cabeça para falar uma porra dessas sobre a Ferrari? — o sotaque espanhol de Carlos Sainz se fez presente, e massageou as têmporas. — Você e Max realmente formam uma dupla perfeita, são dois imbecis.
— Eu não vou discutir isso com você, Carlos. Não aqui e nem agora.
— Carlos, depois a gente conversa, de verdade — Leclerc se manifestou e recebeu um sorriso de agradecimento de Portinari. — Só não inflame mais as coisas, pode ser? Pode não polemizar isso quando lhe perguntarem algo, por favor?
— Leclerc, você me deve uma. E você — virou para —, fique longe de mim, da minha equipe e também da minha preparadora, afinal, nós não somos confiáveis.
Carlos deu as costas para o trio e quis gritar. Sabia que tinha tornado as coisas ainda mais complicadas do que elas já eram, mas não conseguiu raciocinar quando escutou a pergunta do repórter sobre .
— Vou ver como está. Você consegue ficar dez minutos sozinho sem falar alguma besteira? Ou preciso ser sua babá também? — o australiano negou, então Beatrice o deixou a sós com o monegasco.
— Ela vai me matar, não vai? Merda, Charles.
— Não que eu concorde, mas entendo você. Eu teria feito o mesmo.
— Cara, você já gostou tanto de alguém que seria capaz de colocar em risco tudo por aquela pessoa? — perguntou, mas Charles não respondeu, apenas cruzou os braços e desviou o olhar.
Charles sabia exatamente como era aquele sentimento. Ele tinha sido agredido na noite anterior por gostar demais de alguém que não deveria. Era inevitável sair ileso das coisas que aconteciam quando estava naquela posição.
O amor pregava peças das mais variadas formas, e você que se virasse com todas as consequências.
— Preciso da sua ajuda — murmurou, e o monegasco arqueou a sobrancelha. — Sei que você gosta de , ela me contou que viraram amigos. Então, por ela, preciso que me ajude a descobrir de verdade o que aconteceu naquele ano. Nada nessa história parece certo.
— Eu estava querendo mesmo saber quando você me pediria isso. E, pra ser sincero — coçou o queixo e soltou um suspiro —, não vai ser só por . Giuseppe era meu melhor amigo e eu devo isso a ele, afinal, era para ele estar vivendo o que eu vivo agora.


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Earnhardt respondeu a mensagem do irmão, o tranquilizando que estava bem, mas sabia que era mentira.
A estadunidense nunca agradeceu tanto por terem lhe dado a última sala do final do corredor no segundo andar do hospitality, assim ninguém a perturbava e conseguia ficar longe de todo o barulho do paddock. Principalmente naquele dia que a entrevista de , mesmo tendo acabado há meia hora, já tinha rodado o mundo, fazendo querer sumir.
Ela tinha plena consciência que depois do jantar da Ferrari, onde os anfitriões da noite a conheciam, a sua antiga identidade seria revelada, mas não sabia que seria daquele jeito. De forma tão maldosa, sendo jogada como uma fofoca polêmica no colo de .
Ela também acreditou menos ainda na reação impulsiva do piloto. A engenheira sorriu ao vê-lo defendê-la daqueles abutres, mas ainda assim, estava preocupada com as reações que a fala do australiano pudesse gerar. Afinal, ele era , um dos pilotos mais populares do grid. Tudo que o envolvia virava notícia.
E, naquele momento, a fala dele sobre a Ferrari já estava gerando muitos cliques para muitos jornais esportivos.
praguejou sozinha em sua sala. Por mais que estivesse agradecida, não deveria ter feito o que fez. Eles tinham ensaiado durante semanas todas as respostas que ele poderia dar sobre o assunto, afinal, Beatrice sabia que a notícia poderia vir à tona a qualquer momento. Eles estavam preparados, mas resolveu seguir seu coração e disparar a primeira coisa que surgiu em sua mente.
No final das contas, ele era humano, e não uma máquina pronta para sorrir com qualquer investida da mídia. sabia daquilo muito bem. Mas nem mesmo a ciência de tudo ou a conversa rápida com seu irmão e Beatrice foram capazes de acalmá-la. A única pessoa que importava de fato naquele momento ainda não tinha aparecido, e ela estava sem coragem alguma de aparecer no paddock.
sabia que as câmeras estariam apontadas para ela, afinal, ela era Earnhardt, a filha caçula da lenda da NASCAR, a responsável pela morte de Giuseppe Fernandez. Naquele dia, ela tinha virado um rosto com nome e sobrenome.
exclamou assim que abriu a porta da sala. não pensou duas vezes antes de pular do sofá e puxar o australiano para um abraço apertado.
— Você não deveria ter feito aquilo.
Ele balançou a cabeça negativamente e a segurou pelos ombros.
Você está bem?
Ao ver a forma que a encarou, quis chorar. Ali estava ele, com a imagem completamente deturpada na mídia e, mesmo assim, preocupado com o seu bem estar. piscou várias vezes e, sem que o australiano esperasse, o beijou. Seus lábios eram apressados e urgentes, como se precisasse de para que continuasse viva. E, de fato, ele a fazia se sentir viva.
Eu amo você — declarou. — Droga, eu amo você mesmo. Você… você é meu yellow. Me salvou de tantas maneiras que eu não consigo explicar, porque eu nem sabia que precisava ser salva até você aparecer de novo na minha vida.
apertou a cintura de com as duas mãos e encostou sua testa sobre a dela, sorrindo como se tivesse acabado de ganhar uma corrida. O australiano nem mesmo percebeu que lágrimas lhe molhavam a face.
— Eu amo você, e acho que desde a primeira vez que te v,i quando tinha dez anos de idade — riu —, eu sou fascinado por você e, Principessa, não vou deixar nada nesse mundo te fazer mal. Nada.
Mesmo em meio às lágrimas, sentiu como se chamas flamejassem ao fundo das íris castanhas do piloto, e soube que estava entregue a ele.
Cada parte de Earnhardt amava cada parte de .
E a engenheira estava muito feliz por finalmente ter dito aquilo com todas as letras.
Então, o beijou. conhecia o gosto dos lábios da engenheira, mas não conseguiu evitar ficar surpreso com a forma que eles estavam ainda mais calorosos e incrivelmente doces. Seu corpo pareceu incendiar por inteiro quando ela separou seus lábios dos seus e o encarou.
Ali estava ela, Miller Earnhardt, a mulher que amava com toda a sua alma.
Era incrível a forma que conseguia, com extrema facilidade, fazer com o que quer que estivesse passando na cabeça de desaparecesse em segundos. O corpo da estadunidense era voltado inteiramente para ele, como se fosse a única coisa que realmente importasse no momento.
E de fato, ele era.
a empurrou delicadamente até o sofá, deitando-a, tirou sua própria blusa rapidamente e voltou a beijar a namorada. Seus lábios eram ferozmente delicados sobre os dela. E ele amava quando lhe correspondia na mesma intensidade. Não demorou muito para que todas as roupas estivessem jogadas no chão da sala e seus corpos completamente suados e entrelaçados, enquanto murmuravam palavras desconexas e sujas – ainda que o homem tapasse com a mão à boca da estadunidense, na tentativa de não fazerem barulho.
— Você me deixa maluco, porra — grunhiu quase sem conseguir juntar as palavras ao entrar mais uma vez nela, que o encarou com um sorriso sacana.
adorava quando estava sobre ela daquela forma. Com a cabeça jogada para trás, os olhos apertados, os pequenos cachos grudados em sua testa por conta do suor. Gostava de senti-lo por inteiro, seus músculos tensos, os suspiros pesados em conjunto da respiração desregulada. Ele ficava daquele jeito por causa dela. Porque ele a queria, lhe desejava.
Porque ele a amava. Assim como ela o amava. E os dois eram capazes de cometer as maiores loucuras um pelo outro.
— Eu amo você — murmurou, então fincou as unhas nas costas do piloto.
a tinha feito chegar em seu ápice.



24 de abril de 2022
Imola, Emília Romanha
Circuito Dino e Enzo Ferrari


sentou-se em seu lugar no pitwall e, como de costume, benzeu-se e pediu proteção para naquelas sessenta e duas voltas. Testou o rádio durante a volta de apresentação e respirou fundo quando o australiano ocupou a quarta posição do grid, na mesma fileira que Carlos Sainz, antecipados por Max Verstappen e Charles Leclerc.
Já nas primeiras voltas, superou o holandês, que largou na pole position mas foi passado rapidamente para trás por Leclerc e Carlos, que tomaram a frente da corrida. Ao ver o balançar da cabeça do australiano, que naquele momento passou a ocupar a terceira posição, sentiu um frio diferente percorrer sua espinha.
Mas a corrida seguiu sem maiores alardes. Ferrari e Mercedes já tinham feito a sua primeira parada enquanto a Red Bull soltava Verstappen depois de um desastroso pit de onze segundos que pegou todos de surpresa. Então, aproveitando-se da situação, mandou para os boxes.
A engenheira tentaria uma única parada e esperava que o plano desse certo, já que continuava em terceiro com folga enquanto seu adversário, Verstappen, havia despencado para sexto. Ainda que estivesse a segundos consideráveis do primeiro e segundo lugar, que disputavam entre si, ainda tinha chances reais de conseguir um pódio.
sorriu ao ver deixar o pitlane com perfeição, mesmo saindo na quinta posição, e foi quando o australiano encontrou o último campeão do mundo que as coisas mudaram de forma brusca. Max e disputaram a quarta curva na volta vinte e seis e o neerlandês não cedeu, fazendo com que seu carro passasse por cima das lombadas e subindo na McLaren do australiano, tirando os dois da pista.
Earnhardt sentiu seu corpo inteiro gelar. Conseguiu apenas gritar ao microfone para , mas não conseguiu sair do banco, porque suas pernas pararam de responder aos seus comandos.
Deus não brincaria com ela daquele jeito de novo. Não poderia, não depois de tudo.
! !
Filho da puta — escutou o grito enraivecido do australiano.
A mente de voltou a funcionar, e o corpo que antes era gelado pareceu fervilhar. estava vivo. Incrivelmente vivo, mesmo com o carro da Red Bull passando por cima da sua cabeça.
— Você está bem?
Esse merda. Por que ele não parou?
— Você está bem?
Estou, porra. Inferno.
A voz de transpirava ódio. E mesmo que ele estivesse soando desrespeitoso, preferia aquilo do que nunca mais ouvi-lo. Assim que a bandeira amarela foi acionada, a estadunidense gritou para a Zak Brown:
— Faça alguma coisa agora.
Os dois estavam fora da corrida.
Max foi o primeiro a pular do cockpit; o neerlandês olhou por cima do ombro e seguiu seu caminho para fora da cena do acidente, sem nem mesmo verificar mais de perto se o amigo estava bem.
sentia o corpo inteiro ferver. O australiano tinha completa ciência de que correr na Fórmula 1 era estar frente a frente com a morte, mas não pensava – muito menos esperava – que ela aparecesse o tempo todo. A morte não o assustava, mas naquele domingo, quando um carro tinha literalmente passado por cima de sua cabeça, assustou. Antes ele não tinha medo, mas agora tinha.
Ele sabia que tinha alguém que o esperava quando deixava o cockpit. Tinha alguém que o amava o aguardando voltar em segurança. Tinha alguém que amava e que o amava de volta. Ele tinha . E sentiu raiva por ter medo de morrer. E sentiu mais raiva ainda de Max ter tido a chance de lhe tirar tudo.
Era tudo culpa de Max Verstappen e sua forma quase psicopata de pilotar.
jogou as luvas para fora e, depois de dois minutos, saiu do carro recusando qualquer tipo de ajuda. Ele estava com tanta raiva que era capaz de quebrar qualquer coisa à sua frente. Seu corpo transpirava ódio por cada poro.
O australiano entrou na área dos boxes, jogou o capacete de qualquer jeito no chão ao entrar em seu galpão e se deu conta que tinha parado aos pés de , que gentilmente o pegou e passou a mão pela parte de cima. não havia percebido, mas o pneu de Verstappen tinha deixado uma marca ali. A estadunidense sentiu seu estômago embrulhar e encarou , que sem falar nada seguiu para sua sala da garagem. não estava são.


🏎️


O saguão do motorhome da Federação Internacional de Automobilismo só não estava pior porque os envolvidos no acidente estavam dentro de uma sala, com os nervos à flor da pele.
Max Verstappen estava de cabeça baixa em um canto enquanto o fuzilava com o olhar do outro lado, com os braços cruzados, assim como Beatrice, que não sabia se estava com mais raiva ou decepcionada. Max havia extrapolado todos os limites ao ser completamente irresponsável com a própria vida, colocando a do em perigo também.
Os responsáveis das duas equipes discutiam calorosamente, até que todas as atenções se voltaram para a mulher que tinha colocado as mãos na mesa e gritado para que se calassem.
nunca tinha visto Earnhardt daquele jeito. Não só furiosa, mas confortavelmente cheia de si. Impondo sua presença e sua voz. Ela seria ouvida nem que fosse necessário gritar. O australiano sentiu o corpo encher de orgulho e se arrependeu no mesmo instante de ter tratado a namorada de forma rude após o acidente.
A verdade era que o australiano não queria que ela testemunhasse o seu pior lado.
— O mundo inteiro assistiu o que um irresponsável com poder de direção pode fazer em questão de segundos, e não é possível que vocês vão deixar mais um absurdo desse passar impun. — ela virou a cabeça para o lado e encarou para onde Max estava. — Você merece uma punição.
Verstappen a encarou sem dizer uma só palavra, mas cruzou os braços como se estivesse duvidando da mulher. Ninguém em sã consciência faria aquilo, mas talvez Max realmente já tivesse perdido toda a sanidade que lhe restara naquele dia.
— Você não pode sair acusando meu piloto…
— Eu posso porque tenho provas, todo mundo viu. Será uma canalhice se não fizerem nada, e eu não vou admitir que meu piloto sofra as consequências das imprudências do seu. Talvez, Honner, esteja na hora de você domar o seu leãozinho.
respirou fundo e pegou sobre a mesa o controle remoto da televisão, voltando para o início do vídeo do aceidente que passava em looping. No primeiro momento, a cena do carro de Verstappen passando por cima da cabeça de e ele sendo salvo pelo halo a fez ficar tonta e perder o ar. Mas se acostumou com a sensação depois de ter passado incontáveis minutos revendo aquele vídeo para que nenhum detalhe passasse despercebido na hora que fosse defender o protesto da McLaren.
— Vocês conseguem ver perfeitamente o acidente por esse vídeo! Verstappen está ligeiramente atrás de quando o toque acontece. Ele é quem bate — a estadunidense apontou para a tela ao pausar o vídeo, mas logo deu sequência. — O carro da Red Bull passa pelas zebras salsichas, então Max é “catapultado” e passa por cima da McLaren, parando um pouco mais à frente, com o bólido encavalado no carro. É bastante óbvio que a manobra do carro 33 veio tarde demais. Ele não tinha direito algum de ter espaço nessa disputa — pausou novamente o vídeo e encarou os comissários que a olhavam atentamente. — Preciso repetir a explicação? Se sim, não tem problema, posso passar a tarde inteira aqui.
Hm, não será necessário, senhorita Earnhardt — Loic Bacquelaine, comissário principal, pigarreou. — Nós avaliamos também todos os vídeos que tivemos acesso do acidente e já temos o nosso parecer.
— Ah, ainda bem. Então vocês podem esclarecer para a senhorita Earnhardt o que de fato aconteceu? — Horner perguntou ao cruzar os braços.
— Ela já nos explicou — Silvia Bellot, uma das primeiras mulheres comissárias a fazer parte da FIA, se pronunciou. — A Doutora Earnhardt nos explicou tudo da forma mais didática possível.
Pela primeira vez desde o acidente, sorriu e sentiu seu corpo aliviar. Ela havia conseguido. E não só isso, também tinha sido reconhecida de acordo com sua qualificação acadêmica, e não por seu sobrenome. era a porra de uma doutora formada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na faculdade de Cambridge.
— O parecer da Federação é — Silvia encarou na direção de Max e Horner — que o carro 33 fez uma manobra tardia e irresponsável, ainda que — virou seu olhar para e passou por — o carro três pudesse virar o volante para evitar a colisão, seu posicionamento na pista foi correto e sensato, visto que a preferencial era sua. Declaramos que a maior parte da culpa, e se me permitem dizer com minhas próprias palavras — o olhar da comissária recaiu inteiramente em Max —, toda a culpa do acidente, foi do carro 33. Portanto, a penalidade para o piloto Max Verstappen, aqui presente, é de quatro posições no grid para a próxima corrida.
Ao escutar a sentença dos dirigentes responsáveis pela reunião, se deu por satisfeita, encarou Zak Brown como se falasse “Tá vendo? É assim que se faz” e deixou seus olhos pousarem em , que ainda não tinha conseguido parar de encará-la. O australiano estava absorto.
— Quatro posições? — pela primeira vez a voz de Max pôde ser escutada naquela sala, e o encarou feroz.
— Você deveria ter sua licença cassada, seu irresponsável. Você passou por cima da cabeça de seu colega de trabalho e não parou nem mesmo para checar se ele estava bem.
Earnhardt voltou sua atenção para os comissários e agradeceu pela sentença. Em seguida, encarou pela última vez e saiu da sala sem dizer uma só palavra ao piloto australiano.


⚙️


Mesmo com a vitória com os comissários da Federação e seu reconhecimento, Earnhardt não estava de todo feliz.
Sentia-se contente com sua desenvoltura e por ter realizado até mais que seu trabalho de forma impecável, trazendo resultados positivos após um acidente que poderia ter terminado em um desastre. Mas ao mesmo tempo sentia-se triste por perceber que estava a evitando. Desde quando entrou nos boxes, o australiano não a encarou por mais de dois minutos, e pediu para que Beatrice a avisasse que queria ficar sozinho.
não entendia o porquê daquilo. Não quando o que ela mais queria era abraçá-lo e se certificar pessoalmente que o homem estava inteiro. Mas ele não a queria por perto. Então preferiu ficar em sua sala para que não corresse riscos de encontrar com pelo hospitality ou pelo paddock – naquele dia ele deveria estar com mil entrevistas para que pudesse dar a sua versão dos fatos.
A engenheira terminou de fazer suas anotações da telemetria em seu MacBook e, ao passar as principais para seu inseparável caderno de evolução, percebeu na parte livre de anotações dois bonequinhos de palito com um coração. Era ela e . sorriu ao perceber que o piloto deveria ter feito aquilo provavelmente enquanto ela dormia ou tomava banho.
Inferno, — reclamou em italiano.
Ela realmente queria o piloto ali.
Antes que voltasse a escrever, escutou três batidas conhecidas na porta e ele apareceu.
— Oi — murmurou ao entrar na sala da engenheira, depois fechou a porta atrás de si. — Quero te pedir desculpas.
— Por que você quer me pedir desculpas? — ela perguntou sem tirar os olhos do iPad, mesmo tendo vontade de pular em seus braços e depois socá-lo.
— Você pode me olhar, por favor?
respirou fundo e desligou o aparelho, colocando-o ao seu lado.
— Por que você quer me pedir desculpas? — ela repetiu a pergunta, o encarando.
— Porque eu fui um idiota. — concordou. — Eu não deveria ter tratado você daquele jeito — passou a mão pelo cabelo —, eu só… eu tenho medo, Principessa. Eu… — abaixou-se para ficar na altura que estava, bem à sua frente, e colocou as mãos em suas coxas. — Eu não tinha medo. Eu entrava no carro e me desligava do mundo aqui de fora. Eu sabia que poderia morrer em qualquer momento, mas isso nunca me assustou. Mas você… — segurou o rosto de . — Eu sempre me achei forte e corajoso, destemido. Até conhecer você, você é minha fraqueza. Agora eu tenho medo.
Eu também tenho medo — saiu como em um sussurro, e beijou-lhe os lábios, limpando com os dedos as lágrimas que molhavam o rosto dela.
— Eu tenho medo de perder você. Quando o carro de Max estava sobre a minha cabeça, a primeira coisa que eu pensei foi que nunca mais ia te ver. A segunda foi que eu poderia ser capaz de matá-lo, e eu não consegui pensar na terceira coisa porque estava com ódio. Ódio por ele quase me tirar o privilégio que é estar ao seu lado.
— Você pensou em mim? Não pensou que tinha acabado de sair da corrida?
negou e abriu um sorriso.
— Pensei nisso depois que xinguei no rádio. E eu estava com tanta raiva… só não queria que você me visse daquele jeito — confessou. — Por isso não podia ficar perto. Não queria que você conhecesse esse meu lado, eu nem gosto dele. É um ruim, . Doente, cego, agressivo. Eu quebrei minha sala inteira — confessou, e enfim percebeu os punhos machucados do australiano e os levou ao seus lábios, dando-lhe um demorado beijo nas mãos. — Eu tive medo que você me abandonasse se visse.
— Vou lhe falar uma coisa e quero que você escute com muita atenção — ela levantou seu queixo com a mãe direita. — Eu amo você. E isso significa que eu amo você por inteiro, todas as suas coisas, até esse seu lado sombrio. Ninguém é perfeito, eu não sou, você não é, e tá tudo bem. Eu vou amar você mesmo quando me mostrar o seu pior, . Eu te amo por inteiro, e acho que amo desde quando você derramou molho em meu único vestido — riu e depositou um beijo na testa do piloto. — Não se esconda de mim. Nunca mais. Estarei ao seu lado até quando você não me quiser.
— Oh, — passou a mão sobre o rosto dela. — Eu nunca vou deixar de querer você, entendeu? Nunca.
E selou sua promessa com um beijo.
O australiano sempre estaria ali, mesmo quando tudo ficasse nublado e disforme. Miller Earnhardt era sua vida. Era como se todas as estrelas do universo brilhassem para e por causa dela. Ela era perfeita. E era o seu verdadeiro amor.


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