Capítulo 1
1
Acordei com a minha cabeça estourando depois de dormir o dia inteiro. Podia sentir meus olhos inchados e meu corpo dolorido, reclamando da falta de movimentação. Não saia de casa há duas semanas, mal tinha forças pra levantar da cama, tomar banho ou mesmo comer qualquer coisa. A tristeza estava me matando aos poucos, e eu não sabia o que fazer pra esse sentimento começar a passar. Eu nem tinha certeza se queria que passasse, a vontade de desistir era avassaladora. Liguei pro trabalho avisando que estava muito doente e não sabia quando conseguiria voltar. Não era mentira, o aperto no peito me fazia acreditar que eu estava realmente morrendo por dentro.
Eu sou brasileira e me mudei pros Estados Unidos com 5 anos. Meu pai trabalhava com uma empresa de segurança privada e quando surgiu uma oportunidade de ser promovido, ele a agarrou com todas as forças, só que pra isso ele foi transferido pra Fort Lauderdale na Flórida, e eu e a minha mãe fomos também. A minha mãe era gerente geral de um hotel famoso no Rio de Janeiro, então não foi difícil pra ela conseguir ser realocada, mas ao contrário do meu pai que recebeu uma promoção, ela perdeu o cargo da gerência, e passou a trabalhar como supervisora de staff. A troca não foi boa, e o casamento deles que já não era perfeito, foi descendo ladeira à baixo.
As brigas se emendavam uma na outra. Se não era por questões financeiras, era por que cada hora um chegava muito tarde em casa, ou reclamavam que o outro não me dava atenção ou me dava atenção demais e me deixava mimada. A verdade é que eles só não queriam admitir que o casamento tinha acabado, e usavam as brigas pra disfarçar.
Mesmo assim eu sempre fui uma romântica incansável. Não importava o que a minha mãe falasse, ou as tantas vezes que o meu pai reclamou das suas namoradas, eu sempre acreditei que o amor era tão real quanto aparecia nos filmes, que todas as pessoas têm a sua metade, e em algum lugar do mundo, entre as mais de sete bilhões espalhadas por aí, eu encontraria a minha. Nunca fui louca de acreditar no homem perfeito, ou amor à primeira vista, mas nunca duvidei que existe alguém certo pra cada um, e que essas duas almas podem viver uma vida inteira de felicidade.
Foi essa outra alma que me trouxe ao estado deprimente que estou hoje. Conheci o Derek com 19 anos, tinha acabado de alugar meu apartamento em Los Angeles e estava começando a trabalhar como tradutora, em uma nova editora. Ele era estagiário na firma de advocacia que trabalhava pra gente, e entre livros de romance e legislação, fomos nos conhecendo e nos apaixonamos. Eu já tinha namorado antes, mas nunca senti uma identificação e reciprocidade tão fortes. Por mais cafona que pareça, ele realmente me completava, me protegia e zelava por mim. Namoramos por três anos, até que no ano retrasado ele me pediu em casamento, e nada me pareceu tão certeiro quanto o "sim". Não tínhamos dinheiro pra casar de imediato, então ele se mudou pro meu apartamente, e enquanto isso começamos a nos organizar financeiramente e planejar a cerimônia, que seria em seis meses. Pra mim estava tudo certo, incrivelmente perfeito, tudo caminhava para o sucesso do nosso "felizes para sempre". Aparentemente, ele não se sentia dessa forma.
Há 20 dias ele foi para uma conferência em São Francisco e uma semana depois, no dia que ele deveria voltar pra casa, eu recebi um e-mail que dizia o contrário. Meu noivado acabou, meu casamento foi cancelado e o relacionamento que eu tinha construído com tanto carinho, foi terminado por um e-mail de menos de dez linhas, e assim, eu perdi toda aquela certeza de que o amor existe. Pelo menos o que dura pra sempre.
A cada lembrança, ficava mais difícil de respirar e parecia que eu estava sendo sufocada, mas não tinha jeito, tudo ali me lembrava ele. A cor da parede do meu quarto, foi ele quem escolheu, a roupa de cama foi ele quem comprou, até o abajur que era meu, ele jogou fora e trocou por um que ele gostava mais. Não tinha pra onde fugir.
Mas o toque da campainha me lembrou que eu não estava sozinha, e por pior que fosse me levantar pra atender à porta, ficar no escuro com os meus pensamento, era ainda pior.
- Você não atende nossas ligações e nem responde as mensagens, então viemos ver se você está viva – Julia entrou gritando, seguida de Helena, as duas penduradas de compras de mercado.
- Como você está, meu amor? – Helena parou pra me dar um abraço. A pergunta era facilmente respondida pelo meu estado deplorável, e espero que isso tenha sido suficiente, por que as palavras não saíram. Se saíssem seriam seguidas por lágrimas, então o silencia era minha melhor opção agora.
- Amiga, eu sei que você está mal, e eu te entendo – Julia falou guardando na minha geladeira o que compraram – mas não dá pra desistir de você mesma dessa forma. Você é muito maior do que um relacionamento que não deu certo. Tem o seu emprego que você gosta tanto, o seu livro que você prometeu que começaria a escrever esse ano, tem seus amigos, tem a galera do bar do seu Osmar.
- É verdade ! – Helena tentou – você tem todo o direito do mundo de ficar triste e chorar e querer queimar tudo que veio dele – ela disse rindo, pegando um porta-retratos na mesinha de centro – mas isso vai ter que passar.
- Eu sei gente, mas não é fácil assim! – era tão difícil de entender o que eu estava passando? – Foram cinco anos com uma pessoa que eu amava mais que tudo, eu planejei um futuro, me dediquei à isso e ele terminou comigo por um e-mail! – Eu não tinha conversado com ninguém sobre isso, não tinha extravasado, guardei tudo pra mim, mas agora vinha à tona juntamente ao choro que estava engasgado – Ele disse que não queria mais casar, que vai ficar em São Francisco e é isso! Foi toda informação que ele achou que eu merecia. Eu não sei o que aconteceu! Não sei se ele se sentia assim a meses e nunca teve coragem de falar nada, ou se bastou uma semana viajando pra perceber que não me amava. Não sei se ele conheceu alguém na viagem, ou se descobriu que a vida de solteiro é muito melhor. Eu não sei de nada e nem vou saber! Ele não atende as minhas ligações, nem responde as mensagens, e me bloqueou no facebook e instagram. Caralho, ele pode ter morrido, e eu vou ser a última a descobrir, porque em questão de horas, ele me apagou da vida dele e me deixou aqui sem porra de resposta nenhuma! – era esse o maior problema... não saber de absolutamente nada. O peso disso me fez cair no chão e soluçar de tanto chorar. Como eu pude ter me enganado tanto?!
- Calma amiga, vai ficar tudo bem – Helena me abraçou – nós estamos aqui com você, sempre.
- , você não quer sair com a gente? – Julia sentou no chão do meu lado – de repente o que você ta precisando agora é só tomar um porre... – só essa garota pra conseguir me fazer rir no meio de todo o chororô.
- Vamos amiga! A gente pode ir no pub, você encontra o seu Osmar, toma umas tequilas – Helena falou enquanto fazia cafuné na minha cabeça
- Você falando pra eu beber tequila? Eu devo estar realmente à beira da morte né? Só falta falar que vai beber com a gente.
- Se você topar sair, eu bebo! – falou, e eu até a encarei. A Helena era a centrada do trio. Adorava uma taça de vinho, ou no máximo uma cervejinha no happy hour, mas destilados, jamais! – Aproveita hein, não é todo dia que você pode me ver bêbada.
- Uma proposta indecente dessas, nem tem como eu recusar.
Acordei com a minha cabeça estourando, um zumbido alto ainda ecoava nos meus ouvidos por causa do show de ontem, e a fresta de luz que passava pelas cortinas, dificultava que eu conseguisse abrir os olhos. A noite foi incrível, tive uma das melhores apresentações da minha vida, completamente lotada de fãs ensurdecedores, a banda foi perfeita, os produtores estavam orgulhosos, nosso empresário estava com um sorriso de orelha a orelha. Foi tudo perfeito e pra fechar a noite com chave de ouro rolou uma puta festa no terraço da produtora. Eu não estava muito animado, estava morto de cansaço, mas a animação dos caras me contagiou e o combo de álcool com mulheres gatas também ajudou bastante. É uma pena que eu não lembre de muita coisa. Mais um motivo pra eu achar que a festa foi ótima.
Eu sempre achei horrível as pessoas que dormem com alguém e esquecem, não lembram nem do nome da pessoa, mas a garota deitada do meu lado na cama, me diz que era exatamente isso que tinha acontecido comigo. Eu não fazia ideia de quem era, como nos conhecemos, ou como chegamos na minha casa. O máximo que lembrava era estar sentado no bar da festa com o Ashton e ele comentar de um grupo de mulheres que estavam vindo falar com a gente... depois disso, nada. Ao menos, ver um pacote de camisinha aberto, jogado no chão, me permitiu respirar aliviado por não ter feito merda maior.
Coloquei uma calça de algodão que estava jogada na poltrona do quarto, e saí tentando fazer o mínimo de barulho. Seria bom evitar de ser o escroto que come e pergunta o nome no dia seguinte.
- Bom dia criança! A noite deve ter sido boa... – Deu pra ouvir o julgamento na voz de Jane. Ela trabalhava na casa dos meus pais desde a minha adolescência e era como uma segunda mãe para mim; e agora me encarava com um baita ar de reprovação. O sonho dela era que eu me casasse, e não gostava nem um pouco que eu dormisse com alguém sem conhecer antes, leva-la para jantar, e seguir todo o protocolo do século XIX, que ela acha extremamente necessário.
- Bom dia, amor da minha vida! – Falei enquanto a abraçava e tirava seus pés do chão, para rodopia-la. Eu sabia o quanto ela odiava isso, o que tornava ainda mais divertido – A noite foi ótima mesmo... Dona ngela mandou você vir me vigiar?
- Não senhor, eu mesma quis garantir que tinha alguma coisa além de água e cerveja na sua geladeira. – falou apontando pra bancada da cozinha – Mas sim, a sua mãe fica muito preocupada com você, e com razão!
- Razão por que Jane? Eu sou grandinho, e ao contrário do que vocês pensam, sou muito responsável – afirmei. Talvez, pros parâmetros das duas, eu não fosse esse mar de responsabilidade que elas queriam, mas comparado à outros músicos da minha idade e que viviam para o show bis, eu merecia ser canonizado.
- Bom dia! – Uma voz fina vinda do corredor falou enquanto sua dona andava em minha direção vestindo apenas uma calcinha minúscula e uma blusinha de alça.
- Bom dia, dormiu bem? – Falei sem graça por Jane presenciar esse momento.
- Divinamente – respondeu me dando um selinho - Queridinha, você pode fazer umas torradas com ovos mexidos pra gente? E um café bem forte também! – olhou pra Jane como se fosse íntima da casa, e a conhecesse há anos.
- Desculpa, queridinha, mas eu só vim buscar umas assadeiras e já estava de saída. – ela não tinha muita paciência pra qualquer mulher que entrasse na minha vida, que ela não julgasse digna de ter minha atenção, mesmo que fosse por uma noite só. Ela fazia o papel da mãe ciumenta, enquanto a Dona ngela estava longe pra conseguir fazer.
- Nossa, quanta grosseria – me encarou como se esperasse que eu fosse repreender Jane, ou exigir um pedido de desculpas. Ficaria só esperando, por que eu não faria isso, e ela já estava indo embora.
- Gata – essa era sempre uma boa saída pra questão do nome – eu vou ter que me arrumar pra sair agora. Gostaria muito de poder ficar de bobeira por aqui, mas eu tenho um compromisso inadiável.
A garota ficou me olhando, esperando que eu fosse pedir o seu número, ou desse qualquer sinal de que iríamos nos ver de novo. Não ia acontecer.
- Eu vou tomar um banho. Pode tomar um café se quiser, depois é só bater a porta. Precisa de dinheiro pro Uber? – a cara de esperança se transformou em decepção e rapidamente em raiva. Saiu marchando em direção ao quarto e em menos de dois minutos cruzou a sala, saindo pela porta me xingando baixinho.
Eu realmente não tinha nenhuma intenção de ser babaca, mas não fazia ideia de quem era, não lembrava de merda nenhuma. Não iria dar chance para depois descobrir que ela era insuportável, e aí sim ter que ser escroto, e dar um perdido nela. Assim era bem melhor, chato, mas não dava tempo de criar grandes expectativas.
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- Você está atrasado – Samuel, reclamou antes mesmo de eu fechar a porta da sala de reuniões. Ele era o empresário da banda desde o início, foi quem nos ajudou a assinar o nosso primeiro contrato de gravação, e era muito tranquilo sobre como levávamos a nossa vida pessoal, nunca reclamou das festas, da bebedeira, ou de dormirmos com fãs, mas nada disso podia atrapalhar o trabalho, então atrasos não eram bem aceitos. Então assumi meu erro sem tentar me justificar, e fui me juntar à Ashton, Calum e Michael, que estavam sentados à mesa com cara de sono. Além de nós, tinham outras pessoas, muito bem arrumadas por sinal, que eu não fazia ideia de quem eram, mas provavelmente trabalhavam na gravadora.
Quando começamos a fazer sucesso, a equipe designada a trabalhar com a gente aumentou pra garantir que todas as áreas que envolvem a banda fossem bem trabalhadas, como redes sociais, tabloides, agenda de eventos, shows, encontro com os fãs, marketing, etc. Hoje, por exemplo, têm quase vinte pessoas na sala, pra uma reunião que, até alguns minutos atrás, eu achava que era de rotina, nada demais.
- Primeiramente eu queria parabenizar vocês pelo show de ontem. Lotação total, cinco mil fãs, nenhuma confusão ou reclamação, as mídias de você estão bombando... enfim, estão de parabéns, aliás, não apenas a banda, mas toda a equipe – falou virando-se para olhar para todos que estavam ali.
- Que bom Samuca, então da próxima vez, vocês podiam marcar a reunião um pouquinho mais tarde né? Tipo no fim do dia. – O Ashton era o cara de pau da banda, acho que por ser o baterista e ficar sempre mais no fundo, fora dos palcos ele era o palhaço e nunca passava despercebido. – A gente ta morto... As horinhas a mais de sono seriam um brinde pelo bom trabalho.
- Muito engraçado Ash – falou em tom bem-humorado - Eu dei os parabéns, mas vocês não fizeram mais do que a obrigação. Ninguém mandou ficar até de madrugada na farra.
- Falei que era pra ficar quieto – Michael o cutucou com um sorriso de canto.
- Eu chamei vocês hoje, por que precisamos nos preparar pro que vai acontecer nas próximas semanas – Falou mexendo em alguns papéis e abrindo na televisão da sala um slide com a nossa agenda dos próximos meses. Estávamos trabalhando em um novo álbum, tudo ainda nos estágios iniciais, mas antes de dar continuidade a isso, lançamos um single que estava disparado nas vendas de todas as plataformas. Duas semanas seguidas nas 10 mais ouvidas do spotify, e nem teve videoclipe de lançamento! Foi música pura, e fez o maior sucesso.. e agora teríamos a divulgação ao vivo dele. – Semana que vem, vocês começam as entrevistas em programas de rádio. Serão seis no total. Enquanto isso, estaremos ensaiando diariamente, para que na semana seguinte comecem as entrevistas e apresentações nos programas ao vivo, incluindo Live with Kelly and Ryan, Good Morning America, The Tonight Show do Jimmy Fallon, Watch What Happens, Jimmy Kimmel Live, e pra fechar, o programa da Ellen DeGerenes – falou como se não fosse nada demais. Já tínhamos participado da maioria deles, estávamos minimamente acostumados com essa pressão, mas não deixava de ser assustador entrar ao vivo nos programas de maior audiência do país.
A reunião se seguiu por mais tempo do que esperávamos. Pedimos comida duas vezes enquanto estávamos ali. Fomos orientados novamente sobre as perguntas que nos fariam, o que podíamos responder sobre a turnê que faríamos, sobre o álbum que estava em andamento, se existiam inimizades dentro da banda, relacionamentos inventados por sites de fofoca, etc. Tínhamos que estar preparados pra tudo, e era pra isso que aquela equipe enorme estava ali. Ainda tínhamos que coordenar tudo com provas de figurino, maquiagem, campanhas publicitárias, tempo de estúdio, e de vez em quando, seria legal conseguir comer alguma coisa e dormir um pouco.
- Quase esqueci de uma coisa. – falou se virando para nós com um sorriso meio assustador – Vocês vão ser a atração musical do Saturday Night Live na primeira semana de junho!
- Puta que pariu, você ta brincando?! – Ashton gritou se levantando com as mãos na cabeça
- Caralho, não to acreditando! – Falei, me levantando em seguida. Palavrões faziam parte do nosso dia a dia, segundo Samuel era uma das suas maiores dores de cabeça. Mas cacete, não dava pra evitar agora.
- Por que você deixou isso pro final? – Michael disse numa mistura de gargalhada com um choro emocionado.
- Por que eu precisava que vocês prestassem atenção em tudo que eu falei hoje... e não ia acontecer se eu começasse com essa notícia. – E ele estava certo. SNL caralho! Acho que nunca nem sonhei que faria parte disso! São mais de 30 anos de programa, 40 temporadas, centenas de músicos fodas... isso era incrível!
- A gente precisa comemorar isso né? – Michael, nosso guitarrista, deu a ideia.
- Óbvio! – Ashton falou ainda gritando.
- Partiu... – respondi já mais calmo, mas com a adrenalina lá em cima.
- Acho que vou passar essa, galera. Eu to morto... já fomos pra festa ontem, e eu quase não dormi - Calum era o mais quieto, e sempre preferia ficar em casa, tocando seu baixo, ensaiando e compondo. Ele também era o único que namorava, mas até a Stella era mais animada que ele.
- Fala sério cara, SNL! Não vai ter de novo – tentei...
- Pode ser só uma cerveja cara, mas não da pra passar em branco – Mike falou.
- Chama a Stella – falei botando pilha.
- Ela está na casa dos pais dela – falou desanimado – Mas o programa vai ser em junho! Faltam dois meses ainda... dá para comemorar mais pra frente.
- Por favor cara, ou vai a banda toda ou não faz sentido... – Michael falou fazendo drama.
- Ok ok... – falou bufando e revirando os olhos - vamos logo tomar mais um porre! Vou mandar pra você minha conta de engov.
- Nesse caso, esquece a cerveja, e bora de tequila! – Ashton falou saindo da sala. Eu tinha certeza que ele ia sair carregado do bar, e muito provavelmente por mim ainda por cima.
Eu ainda não acreditava que tinha aceitado sair com as meninas. Estava tão desanimada que iria acabar estragando a noite delas, além disso, ficar em casa seria tão mais confortável, podia ficar de pijama, esparramada no sofá, sem competir pela atenção dos garçons, ou ter que ficar gritando pra poder conversar com quem está sentado à menos de um metro de distância. Eu sabia o quanto elas queriam que eu quisesse estar ali, e me divertindo, mas estava difícil...
Eu amo essas meninas com todo o meu coração, e faria tudo por elas, assim como sei que fariam por mim. Então mínimo que eu podia fazer, era um esforço pra me distrair. Sentamos no balcão mesmo, onde era menos cheio e mais próximo do álcool. Era disso que eu precisava. Como tinha trabalhado lá por um bom tempo, conhecia todos, então não demorou muito para sermos atendidas.
Começamos com um Moscow Mulle.
- Lena, como estão as coisas na clínica nova?
- Ainda uma bagunça. Só estou conseguindo atender em poucos horários. – Helena é pediatra e acabou de começar a trabalhar em uma clínica nova. A antiga era muito pequena e desorganizada demais, só dava dor de cabeça. – Eles estão fazendo uma reforma na ala de internação, então é complicado atender as crianças com aquela barulheira.
- Nossa, que merda. Saiu de uma bagunça e entrou em outra?
- Tipo isso. Só que dessa vez eu espero que seja passageiro, e já já eu consigo ficar em paz.
- E você dona Julia. Como tá o escritório? Conseguiu se acertar com aquele sócio problemático?
- O Rogério? Já desisti. Ele é maluco! Sou arquiteta formada, trabalho lá há quase dois anos e ele ainda me trata como se fosse uma estagiária recém contratada. Fica querendo dar pitaco em cada fase dos meus projetos, quer que eu peça autorização pra colocar cada tomada. Todo dia é uma luta pra não manda-lo à merda.
Depois de um tempo fui me soltando e me permiti aproveitar aquele momento que não tinha a tanto tempo. Apesar de ser ou ter sido apaixonada por Derek, o relacionamento tinha suas complicações. Ele não gostava que eu saísse sem ele, ou que eu bebesse, então acabei passando muito tempo sem sair com as meninas, e sem vir ao bar onde trabalhava. Mas naquele momento eu nem lembrava mais disso, as risadas corriam soltas. Era uma gargalhada mais escandalosa que a outra, e se eu estivesse sóbria estaria morrendo de vergonha da atenção que estávamos chamando. Ainda bem que não era o caso. Não lembro da última vez que saí e me diverti tanto. Era isso que estava faltando, uma noite só nossa, contando histórias e falando besteiras.
- ! – ouvi meu nome do outro lado do balcão.
- Marcondes! – falei abrindo um sorrisão – Que saudade cara!
- Você sumiu, garota!
- Sumi, mas não sumo mais, prometo.
- Eu sinto sua falta por aqui! O seu Osmar sempre pergunta de você.
- Nossa, eu estou morrendo de saudades dele! Aconteceram algumas coisas nos últimos tempos, e não deu pra eu aparecer mais – falei tentando disfarçar. Eu sabia o quão absurdo era deixar de sair por que o meu namorado, noivo, sei lá, não deixava, mas na época eu, por algum motivo, não o questionava.
- Ele já viu que você ta aqui? Ele vai ficar muito feliz!
- Ainda não! Onde ele ta?
- Está lá trás, na sala dele. Pode ir lá.
- Gente, eu vou cumprimenta-lo rapidinho e já volto. – Falei me dirigindo às meninas.
A sala do seu Osmar era um ovinho no final do bar. Ele já podia ter reformado aquilo há anos, mas dizia que não precisava. "Vai perder o aconchego". Ele era uma figura, e foi o pai que eu pedi a Deus, num momento que eu não tinha mais ninguém. Ele me acolheu quando eu cheguei em Los Angeles e ainda não tinha conseguido o emprego na editora, fazia alguns bicos como tradutora, e conseguia juntar uma graninha, mas nada que desse pra pagar um aluguel. O seu Osmar me deixou ficar dormindo na salinha dele até que conseguisse um lugar pra morar. Em troca, eu trabalhava no turno da noite. Eu não tinha nenhuma experiência com bares e restaurantes, mas ele nem ligou. Dizia que o importante era eu querer aprender, e quem precisava de dinheiro sempre aprendia mais rápido. E foi isso que aconteceu. Eu trabalhei ali por um ano. Fui garçonete, estoquista, trabalhei no caixa, e aprendi a fazer os drinks do bar. Ele e o Marcondes viraram meus cães de guarda, e não deixavam nenhum cliente abusado mexer comigo. Eu sempre soube tomar conta de mim mesma, nunca precisei de homem pra isso, mas era bom saber que tinha gente me apoiando, e dispostos a comprar as minhas brigas.
Depois de um tempo, eu fui conhecendo pessoas da minha área, fazendo contatos, e fui contratada pela World Castle, uma editora que ainda estava se firmando no mercado. Começei fazendo a tradução de livros em língua portuguesa e espanhola que queriam republicar e lançar nos Estados Unidos, e depois assumi a vistoria e revisão dos conteúdos dos autores da própria editora. Com o passar do tempo, consegui juntar dinheiro pra alugar o meu apartamento, e foi ficando cada vez mais cansativo trabalhar até de madrugada no bar. Então achei melhor parar. Mas continuei frequentando o pub e quando seu Osmar precisava de uma ajudinha eu entrava em ação. Isso também diminuiu por causa do meu namoro. Ele não achava que aquele era o ambiente pra uma mulher comprometida...
- É aqui que fica o cara mais lindo de Los Angeles? – ele estava quientinho, escrevendo em seu caderninho das contas, e levantou a cabeça em um susto.
- Ooh minha filha, como é bom te ver aqui de novo. Achei que você já tinha esquecido desse velho senil aqui. - falou abrindo um sorrisão de orelha a orelha e me apertando num abraço.
- Eu nunca esqueceria do senhor. Nem que eu quisesse, – eu não sabia o quanto sentia falta desse abraço - e de senil, o senhor não tem nada – falei me afastando para encara-lo séria.
- Ainda né! Por que o tempo ta passando e a idade já chegou.
- Chegou nada seu Osmar, para de drama! Ainda ta inteirão, comandando esse bar aqui.
- Aaah, mas isso eu vou fazer pra sempre. Acho que quando bater as botas, vai ser nessa sala mesmo.
- Que mórbido seu Osmar. Não vim aqui pra isso não!
- Querida, a hora vai chegar pra todo mundo. Pra alguns antes do que pra outros – falou rindo.
- Nisso eu não tenho como discordar. – Seu Osmar era um dos homens mais inteligentes que eu conhecia, estava nos meados dos seus setenta anos e cuidava daquele bar como ninguém, nunca ficou no vermelho, sempre pagou seus funcionários em dia, e mantinha um clientela que não o trocava de forma nenhuma. Além disso, sabia dar conselhos melhor que qualquer um, dizia que poderia colocar no currículo o trabalho de psicólogo, pelo tanto de gente que ele escutava e ajudava. De alguma forma, ele tinha um jeitinho de falar, que fazia todo mundo se sentir especial. Era incrível – Bom, eu vim aqui só pra te dar um abraço, por que eu estava morrendo de saudade. Sei que fiquei um tempo sem aparecer, mas não vai mais acontecer, juro.
- Espero mesmo, se não, vou ter que mandar o Marcondes ir bater na sua porta.
- Não vai precisar. – Falei rindo e o abraçei novamente – Vou voltar pro bar pra encontrar as minhas amigas que estão me esperando.
- Vai lá minha filha, se cuida. – Voltou a se sentar em sua cadeira surrada, e eu deixei sua sala.
Esse reencontro foi tudo que eu precisava. Mesmo que rápido, era bom rever gente que me fazia tão bem, e de quem eu infelizmente me afastei.
Mas agora tinha acabado, eu estava solteira e aos poucos percebia como fui privada de coisas e pessoas que me queriam tão bem. Parecia que aquele abraço, depois de duas semanas turbulentas e que me fizeram tão mal, tinha começado a curar aquela ferida, e transformar aquilo que eu achava ser um buraco vazio no peito, em um espaço livre, que poderia ser preenchido com carinho pelo o que eu quisesse. Olha o que um gesto sincero pode fazer. Teria que agradecer as meninas por terem me arrast...
- Puta que pariu!
Já eram quase nove da noite, e o bar estava cheio apesar de ainda ser quinta feira. Será que ninguém ali trabalharia no dia seguinte?
- Com licença, eu posso tirar uma foto com vocês? Por favor! – Uma garota loira, bem magrinha perguntou tímida.
- Claro! – Ashton respondeu animado.
Nos juntamos e um cara veio tirar a foto pra ela. Devia ser seu namorado, não sei, mas ele não fez questão de aparecer na foto. Esse tipo de situação ainda é engraçada pra mim. Não me surpreende mais como fazia no início, mas continua sendo estranho tirar foto com desconhecidos, principalmente quando não estamos trabalhando. Ás vezes as pessoas chegam pedindo fotos e autógrafos quando estamos almoçando, ou correndo na rua. A primeira vez que me reconheceram eu estava na fila do mercado, cheio de compras na mão. Eu fiquei surpreso, não sabia como agir, e aceitei, é claro. Mas deu o maior problema. Acharam que a garota queria furar a fila, começaram a reclamar e gritar, e eu acabei perdendo o meu lugar. Tudo pelos fãs...
Depois da loira, vieram outras pessoas falar com a gente. Tiramos foto, demos autógrafos, alguns pediam pra mandar áudio no whatsapp pra alguém, ou gravar um vídeo. Era sempre assim... bastava uma pessoa pedir, pra outras várias quererem também. Provavelmente nem todos realmente sabiam quem a gente era, mas viram que somos famosos e pediam uma foto só pra não perder a oportunidade. Não julgo, faria o mesmo no lugar deles. Mas nessa brincadeira, perdemos uns quinze minutos.
Depois disso vida que segue, sentamos em uma mesa mais no canto e começamos a comemorar nossas últimas conquistas. Como dizia Michael, bebemorar.
Foi uma cerveja atrás da outra. O idiota do Ashton não conseguia se controlar, então de vez em quando, ele ficava mais animado e pedia um shot de tequila. E é aquela história, né? Mistura fora e mistura dentro, uma hora o corpo reclama e devolve tudo.
- Fala aí, , como foi com a gata de ontem? Levou pra casa? – Michael, quando bebia ficava curioso. Queria sempre saber da vida de todo mundo, fazia perguntas até não poder mais.
- Se eu te disser que eu não lembro de porra nenhuma, vocês vão me achar muito babaca?
- Fala sério cara! Ficou um tempão desenrolando a garota pra na hora H, dormir?! – caíram na gargalhada
- Dormir nada. Nós dois acordamos do jeitinho que viemos ao mundo, então alguma coisa rolou, eu só não lembro o que.
- Porra, ela deve ter ficado muito puta – Calum questionou
- Eu sou muito discreto com a minha falta de memória... Sempre dá pra dar uma enrolada.
- E você Ashton? Chegou na festa falando que ia fazer acontecer, ia pegar todo mundo, não ia ter espaço no seu quarto pra tanta mulher bonita, bla bla bla e nada né? Saiu no zero a zero.
- Quem disse que eu saí no zero a zero?
- Ah não? – Michael perguntou – Então conta aí, quem foi a sortuda?
- Um cavalheiro não se gaba de suas conquistas – respondeu com um sorriso torto.
- Sei, – falei debochando da sua autoestima inabalável – e desde quando você é um cavalheiro? – Completei
- Vai se fuder – falou rindo e empurrou meu ombro. Foi fraco..., mas suficiente pra fazer um estrago.
- Puta que pariu! – Uma garota que estava passando na hora levou um banho de cerveja.
- Puta que pariu!! Me desculpa, foi sem querer! – eu não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha. Ela tentou se limpar, mas o vestido era branco, não tinha muito o que fazer. Passava a mão no tecido ensopado e olhava incrédula pra lambança sem saber como limpar.
- Garota, me desculpa. A gente estava aqui brincando, ele me empurrou... – tentei me explicar, sem sucesso.
- Me desculpa – Ashton me interrompeu, se aproximando. – É que eu sou muito forte, qualquer empurrãozinho já derruba tudo – Ele estava claramente bêbado, mas ela não estava achando a menor graça.
- Eu sinto muito, mesmo.
- Você já disse isso. – foi curta e grossa.
- Ta tudo bem por aqui? – Um homem, enorme por sinal, apareceu com cara de poucos amigos – Esses caras estão te incomodando ? – se direcionou à ela. Era isso que faltava, um namorado ciumento achando que eu tava dando em cima da mulher dele.
- Ta tudo bem Marcondes... só caiu cerveja em mim, mas foi um acidente.
- Tem certeza? – Falou dando um passo em minha direção, e eu tenho que confessar que fiquei um pouco intimidado. Eu não ia fugir da briga, mas o cara parecia um armário!
- Para com isso! – ela se colocou entre a gente, impedindo que ele desse mais um passo. – Já falei que tá tudo certo. Pega um pano úmido pra mim, por favor? – Relutante em sair do seu lado, ele nem se mexeu. – Marcondes! Agora, por favor.
Deu para perceber quem mandava naquele relacionamento. O tal de Marcondes baixou a cabeça, e saiu andando, provavelmente pra pegar o pano que ela queria.
- Me desculpa – repeti pela milésima vez.
- Ta tudo bem, foi um acidente. Acontece... – até agora, ela estava com uma postura forte, provavelmente de raiva. Mas agora, parecia murchar - Isso é um sinal de que eu devia ter ficado em casa – murmurou encostando no início do balcão.
- Que isso gatinha?! – falei tentando aliviar a tensão – A noite é uma criança... – tirei o cabelo do seu rosto. O armário tinha se afastado, essa era a minha oportunidade de virar o jogo a meu favor. Quem sabe ela não aceitava trocar de roupa lá em casa?
- Nossa, que graça! Derrubou cerveja em mim, acabou com o meu vestido, e agora tá me cantando?! Muito esperto.
- Ei! Você disse que tinha me desculpado, que estava tudo bem.
- Eu desculpei! Mas não quer dizer que eu tenha gostado do banho fora de hora.
- Aqui – o cara entregou um pano molhado pra ela. Dessa vez pelo menos, ele estava do outro lado do balcão, devia trabalhar ali – Qualquer coisa me chama – falou me encarando, e recebeu um sorriso dela como agradecimento.
Do jeito que ela passava o pano na roupa tentando se limpar, só ia conseguir rasgar o vestido. Claramente não estava fazendo nenhuma diferença.
- Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar? – Eu sabia que não, mas também não custava perguntar. Recebi uma revirada de olho como resposta e silêncio. Ela me olhou de cima à baixo por alguns segundos, mas não falou nada. Será que era uma fã?
- Quer saber? – se virou pra mim – Você tem razão... a noite é só uma criança - aarancou a camisa jeans que estava amarrada na minha cintura e saiu andando.
- Uououou – Saí correndo na direção dela e segurei seu pulso. – Essa camisa é minha, tá pensando que vai onde?
- Estou pensando que vou no banheiro trocar de roupa já que você destruiu a que eu estou usando.
- Essa é uma das minhas camisas preferidas.
- Nesse caso, nós dois perdemos uma roupa que gostamos muito. Por que eu não pretendo ir embora agora, e não vou continuar aqui toda molhada e manchada. – Puxou o pulso e conseguiu se soltar, entrando rapidamente na cabine feminina.
Essa o Ashton ia ter que me pagar. Não tinha muito o que fazer, ela tinha motivo pra ficar puta e querer um roupa pra trocar... então perdi a discussão e a camisa.
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Como previsto, meu baterista já estava trocando as pernas e jogando os neurônios na lixeira.
- Caralho Ashton, você colocou no Twitter onde a gente tá?! – Michael levantou o olho do celular, e o encarou incrédulo.
- Qual o problema? – Perguntou com a voz tremula.
- O problema são essas porras de paparazzi aqui na frente com você encharcado de tequila.
- Não exagera! Eu to tranquilo. – Foi tudo o que conseguiu dizer antes de correr para enfiar a cabeça em um balde e colocar tudo pra fora.
Isso ia dar um problemão...
Acabamos de sair de uma reunião em que fomos super elogiados. Sempre fomos disciplinados, fugimos de qualquer fofoca, dificilmente somos alvos dos tabloides. Mas dessa vez seria foda... O bar estava cheio, os paparazzis chegaram em tempo recorde e nos esperavam lá fora, como que a gente ia sair daqui carregando o Ashton sem que isso virasse notícia?! Nossa sorte é que o balde onde ele estava ficava em um cantinho no fim do bar, do lado do caixa, ninguém estava vendo.
Viemos de carro com o Calum, mas ele já tinha ido embora há tempos. Já devia estar no décimo sono.
- A gente vai ter que dar um jeito de sair daqui sem esses caras virem atrás. – falei tentando pensar em qualquer solução.
- Licença – Michael se virou para o senhor que fazia contas atrás do caixa – Tem alguma forma de sair daqui sem ser pela porta principal? – O senhor olhou pra ele desconfiado, sem entender o porquê da pergunta.
- Tem um bando de fotógrafos lá na frente esperando a gente sair, – falei começando a me explicar – e seria muito ruim se eles tirassem fotos do nosso amigo nesse estado – completei apontando pro idiota com a cabeça no balde.
- Vocês são famosos? Fazem algum filme conhecido?
- Filme, não. Nós somos músicos. Temos uma banda, Jungle Roots, já ouviu falar? – tentei parecer o mais calmo possível pra não me mostrar tão desesperado, e talvez assim ele confiasse na gente pra nos ajudar.
- Não, desculpa garoto. Eu sou velho, não estou por dentro dessas novidades. – deu uma risada envergonhada.
- Tudo bem – Era obvio que ele não conhecia. Podemos ser conhecidos, mas nem tanto. Ele devia ter uns 70 anos, spotify, youtube e twitter não deviam fazer parte do dia a dia dele.
- Rapaz, eu vou te confessar uma coisa, até tem outra saída, ela é pelo terraço do prédio.
- Que ótimo! Como eu chego lá?
- O problema é que tem uma porta lá em cima que precisa ficar trancada e, por mais que eu acredite que vocês são gente honesta, eu não posso entregar a minha chave assim.
- Senhor, eu juro que te entrego essa chave amanhã de manhã, bem cedo, ou eu posso passar na sua casa e deixar lá. O que o senhor preferir. Eu posso até voltar aqui mais tarde. – Michael implorou enquanto dava água pra Ashton. Eu também estava ficando nervoso. Aparecer em site de fofoca agora, na véspera de começar as entrevistas, não era uma boa opção. O Samuel ia comer nosso fígado, um por um.
- Faz o seguinte. Ta vendo aquelas meninas ali? – Apontou pra um trio de garotas que se levantavam pra ir embora. Uma delas, inclusive, era a que estava com a minha blusa.
- Aham – falei já desanimado.
- Uma delas trabalhava aqui e pode ficar com a chave. é o nome dela. Se você quiser, vai lá e pede pra ela acompanhar vocês.
Mais uma pra conta do Ashton. Além de me fazer derrubar bebida na garota e dar minha camisa pra ela, agora eu teria que ir atrás dela, pra pedir um favor. Que ótimo, né?
- Mike, vai lá! – falei olhando pra ele, que estava agachado ajudando Ash a se recompor.
- Vai lá você cara. Eu to dando água pra esse idiota.
- Se eu fosse você, ia correndo. Elas estão saindo – o senhor falou sinalizando pra entrada, de onde elas se aproximavam.
Não deu nem tempo de pensar. Enfiei o orgulho no cu e sai correndo, tentando atravessar o bar esbarrando no mínimo de pessoas. Tomara que ela seja uma pessoa razoável. Era uma emergência e ela teria que entender!
- Eieieiei – falei a segurando pelo braço. Ela já estava com a porta aberta, saindo do bar, quando parou pra se livrar de mim.
- Me solta! – Reclamou sacudindo o braço, e abrindo a boca quando percebeu quem eu era. – Ah não é possível! Eu já disse que não vou te devolver a camisa!
- Eu não quero a camisa de volta. – falei já recebendo alguns flashes na cara. Era só o que me faltava... tirar o Ashton dos tabloides e me colocar com um falso novo affair! – Pode entrar, por favor? É coisa séria, juro. – ela me olhou desconfiada mas deu um passo pra dentro e fechou as portas. As amigas estavam em seu encalço querendo entender o que estava acontecendo.
- Espera ai! Você é daquela banda Jungle Roots, né? – Uma de suas amigas falou surpresa.
- Sou – falei forçando o máximo de simpatia – É por isso que eu preciso da sua ajuda – me virei pra , acho que esse era o nome dela – O baterista da minha banda bebeu todas e ta passando muito mal.
- O que te empurrou, e fez cair cerveja no meu vestido?
- Esse mesmo – queria que ela tivesse esquecido dessa parte – Seria ótimo se a gente pudesse sair daqui sem passar por esses fotógrafos, e senhor do caixa disse que tem uma saída pelo terraço, mas não pode me dar a chave.
- E você quer que eu leve vocês...
- Tipo uma missão secreta pra salva-los dos tabloides?
- Menos Julia, bem menos.
- Seria ótimo se você pudesse ajudar, por favor – juntei as mãos em sinal de súplica, dizem que ajuda no convencimento.
- O problema é que a gente já estava de saída.
- Deixa de ser chata . Não vai custar nada.
- Helena, – falou reprovando o comentário da amiga – vai custar tempo, e uma baita subida de escada.
- A gente vai com você – gostei dessas meninas. A garota da cerveja claramente não estava muito feliz de estar naquela situação, mas estava ponderando.
- Eu posso te pagar! Quanto você quer? – falei já cedendo ao desespero. Se ela não nos ajudasse, estaríamos fodidos.
- Eu não quero o seu dinheiro – falou revirando os olhos. Aparentemente ela fazia isso com frequência. Saiu andando em direção ao caixa, seguida pelas amigas, e me deixou pra trás – você vem ou não? – Perguntou, e eu acelerei o passo em sua direção.
A observei tentando abrir caminho para chegar ao senhor do caixa, onde também estavam meus amigos. A minha camisa até que ficou bem nela. Em mim, passava pouco do quadril, mas nela serviu como um vestido, chegando até a metade de suas coxas. E que coxas hein...
- Aah ele conseguiu te alcançar! Que bom – o senhor falou quando nos avistou – Esses rapazes estão precisando da sua ajuda. Parece que eles são famosos...
- Percebi – falou olhando pros paparazzis esperando do lado de fora. Não eram tantos, talvez uns quatro ou cinco. Mas chamavam atenção, e podiam fazer um estrago.
- Você se importa de leva-los lá por cima?
- Claro que não! Vai ser uma honra acompanhar esses astros da música – falou forçando a ironia. Muito engraçada ha ha.
- Obrigado minha filha. O bar tá cheio, não tenho como pedir pra outra pessoa acompanha-los.
- A saída é pelo terraço, vamos subir sete andares de escada... alguém vai levar ele no colo? – falou apontando pra Ashton, que ainda estava ajoelhado na frente do balde.
- Não precisa, – ele respondeu se levantando – eu to melhor, consigo ir sozinho.
- Ótimo. Vamos logo então, por favor? – pedi e ela foi andando pro fundo do bar acompanhada por nós três e suas amigas. Por precaução, Ashton levou o balde junto.
Fomos caminhando pra um canto no final do bar e depois do que parecia ser o depósito, entramos por uma porta metálica com uma placa de "apenas pessoal autorizado", estava escuro e bem empoeirado. Será que ninguém nunca ouviu falar em faxina por aqui? Cadê a vigilância sanitária?
Subimos uma escada em espiral que parecia interminável. Eu faço musculação regularmente, mas aquilo já estava me matando, poderiam ter instalado um elevador ali há séculos. E como se já não fosse difícil o suficiente, Ashton foi se escorando em mim durante toda a subida pra não cair e derrubar todo mundo que vinha atrás dele. Poeira, escuro, escadaria, e um idiota com cheiro de vômito caindo em cima de mim. Melhor impossível.
Chegamos lá em cima e ela abriu a porta que dava pro lado de fora nos permitindo respirar ar puro. Era um terraço grande e quase totalmente vazio, com exceção de dois banquinhos de madeira e umas plantas que ficavam concentrados em um canto. Mas a vista era de outro mundo! Poucas vezes vi algo tão bonito assim. A cidade era uma grande escuridão com pequenas luzes espalhadas por toda ela, parecia um céu estrelado refletido em todo aquele concreto.
- Cacete! Que vista é essa? – Michael parecia tão surpreso quanto eu.
- A saída é por aqui. – já andava em direção aos fundos do prédio, onde tinha mais uma escada. Naturalmente teríamos que descer tudo o que tínhamos acabado de subir.
- Será que podemos dar um tempinho por aqui? – Ashton pediu já se sentando em um dos banquinhos. Ele estava transparente, fiquei surpreso de ter conseguido subir tudo.
Paramos pra deixa-lo respirar e aproveitar o vento fresco que estava passando. Enquanto isso, alguns se sentaram junto a ele, outros se apoiaram no parapeito, e ficamos em silêncio apreciando aquela vista.
- Eu sei que já falei vinte vezes, mas me desculpa, de novo, pelo vestido. – falei pra que estava apoiada na mureta do meu lado.
- Tudo bem, mesmo – e me lançou um sorriso sincero, que me deu até um frio na barriga. – É só uma roupa... ou era, né?
- Eu posso comprar outro vestido, não tem problema.
- Você tem que parar de querer sempre gastar o seu dinheiro, – falou achando graça – não precisa comprar nada.
- Eu achei que o seu namorado ia me bater lá dentro...
- Quem? O Marcondes? – deu uma gargalhada alta – Ele não é meu namorado, é tipo meu irmão mais velho aqui. Ele se acostumou com uns caras sem noção passando dos limites, e sempre acha que precisa me defender. Mas ele é do bem.
- Pode ser, mas é enorme né... não ia ter musculação que me salvasse numa briga com ele – falei arrancando mais uma gargalhada dela.
- Vocês são daqui? – Michael perguntou pras amigas dela e nos viramos pra participar.
- Nós duas, sim, a é de Fort Lauderdale – a morena respondeu... Helena, eu acho.
- Na verdade, eu sou brasileira, mas me mudei pra Flórida com cinco anos, e depois pra Los Angeles há seis anos.
Elas se apresentaram, falaram mais sobre a vida delas, e a gente contou sobre a nossa. As histórias eram bem diferente, e por mais ridículo que pareça, eu não lembrava como era conversar com pessoas que não eram do meio artístico.
A Julia era a mais doidinha, trabalhava em um escritório de arquitetura no centro e tinha umas histórias hilárias dela com o chefe maluco, ela garantia que ele dava dor de cabeça pra ela, mas algo me dizia que era ao contrário. A Helena já era mais discreta e contida; era médica pediatra e tinha acabado de começar em uma clínica nova em Silver Lake. Já era tradutora em uma editora grande, em Studio City. Eu admito que nunca tive muito o hábito de ler, então não fazia ideia se a editora era realmente conhecida, mas segundo ela, sim.
E contra todas as expectativas a noite terminou sendo ótima. Ficamos ali conversando por um tempão, rimos muito e nem vimos a hora passar. O Ashton melhorou depois de um tempo, voltou a fazer graça e parece que até trocou contato com a Julia... esse cara não dava uma trégua. Mas tomara que, seja lá o que for, dê certo... seria bom encontrar com elas de novo.
Acordei com a minha cabeça estourando depois de dormir o dia inteiro. Podia sentir meus olhos inchados e meu corpo dolorido, reclamando da falta de movimentação. Não saia de casa há duas semanas, mal tinha forças pra levantar da cama, tomar banho ou mesmo comer qualquer coisa. A tristeza estava me matando aos poucos, e eu não sabia o que fazer pra esse sentimento começar a passar. Eu nem tinha certeza se queria que passasse, a vontade de desistir era avassaladora. Liguei pro trabalho avisando que estava muito doente e não sabia quando conseguiria voltar. Não era mentira, o aperto no peito me fazia acreditar que eu estava realmente morrendo por dentro.
Eu sou brasileira e me mudei pros Estados Unidos com 5 anos. Meu pai trabalhava com uma empresa de segurança privada e quando surgiu uma oportunidade de ser promovido, ele a agarrou com todas as forças, só que pra isso ele foi transferido pra Fort Lauderdale na Flórida, e eu e a minha mãe fomos também. A minha mãe era gerente geral de um hotel famoso no Rio de Janeiro, então não foi difícil pra ela conseguir ser realocada, mas ao contrário do meu pai que recebeu uma promoção, ela perdeu o cargo da gerência, e passou a trabalhar como supervisora de staff. A troca não foi boa, e o casamento deles que já não era perfeito, foi descendo ladeira à baixo.
As brigas se emendavam uma na outra. Se não era por questões financeiras, era por que cada hora um chegava muito tarde em casa, ou reclamavam que o outro não me dava atenção ou me dava atenção demais e me deixava mimada. A verdade é que eles só não queriam admitir que o casamento tinha acabado, e usavam as brigas pra disfarçar.
Mesmo assim eu sempre fui uma romântica incansável. Não importava o que a minha mãe falasse, ou as tantas vezes que o meu pai reclamou das suas namoradas, eu sempre acreditei que o amor era tão real quanto aparecia nos filmes, que todas as pessoas têm a sua metade, e em algum lugar do mundo, entre as mais de sete bilhões espalhadas por aí, eu encontraria a minha. Nunca fui louca de acreditar no homem perfeito, ou amor à primeira vista, mas nunca duvidei que existe alguém certo pra cada um, e que essas duas almas podem viver uma vida inteira de felicidade.
Foi essa outra alma que me trouxe ao estado deprimente que estou hoje. Conheci o Derek com 19 anos, tinha acabado de alugar meu apartamento em Los Angeles e estava começando a trabalhar como tradutora, em uma nova editora. Ele era estagiário na firma de advocacia que trabalhava pra gente, e entre livros de romance e legislação, fomos nos conhecendo e nos apaixonamos. Eu já tinha namorado antes, mas nunca senti uma identificação e reciprocidade tão fortes. Por mais cafona que pareça, ele realmente me completava, me protegia e zelava por mim. Namoramos por três anos, até que no ano retrasado ele me pediu em casamento, e nada me pareceu tão certeiro quanto o "sim". Não tínhamos dinheiro pra casar de imediato, então ele se mudou pro meu apartamente, e enquanto isso começamos a nos organizar financeiramente e planejar a cerimônia, que seria em seis meses. Pra mim estava tudo certo, incrivelmente perfeito, tudo caminhava para o sucesso do nosso "felizes para sempre". Aparentemente, ele não se sentia dessa forma.
Há 20 dias ele foi para uma conferência em São Francisco e uma semana depois, no dia que ele deveria voltar pra casa, eu recebi um e-mail que dizia o contrário. Meu noivado acabou, meu casamento foi cancelado e o relacionamento que eu tinha construído com tanto carinho, foi terminado por um e-mail de menos de dez linhas, e assim, eu perdi toda aquela certeza de que o amor existe. Pelo menos o que dura pra sempre.
A cada lembrança, ficava mais difícil de respirar e parecia que eu estava sendo sufocada, mas não tinha jeito, tudo ali me lembrava ele. A cor da parede do meu quarto, foi ele quem escolheu, a roupa de cama foi ele quem comprou, até o abajur que era meu, ele jogou fora e trocou por um que ele gostava mais. Não tinha pra onde fugir.
Mas o toque da campainha me lembrou que eu não estava sozinha, e por pior que fosse me levantar pra atender à porta, ficar no escuro com os meus pensamento, era ainda pior.
- Você não atende nossas ligações e nem responde as mensagens, então viemos ver se você está viva – Julia entrou gritando, seguida de Helena, as duas penduradas de compras de mercado.
- Como você está, meu amor? – Helena parou pra me dar um abraço. A pergunta era facilmente respondida pelo meu estado deplorável, e espero que isso tenha sido suficiente, por que as palavras não saíram. Se saíssem seriam seguidas por lágrimas, então o silencia era minha melhor opção agora.
- Amiga, eu sei que você está mal, e eu te entendo – Julia falou guardando na minha geladeira o que compraram – mas não dá pra desistir de você mesma dessa forma. Você é muito maior do que um relacionamento que não deu certo. Tem o seu emprego que você gosta tanto, o seu livro que você prometeu que começaria a escrever esse ano, tem seus amigos, tem a galera do bar do seu Osmar.
- É verdade ! – Helena tentou – você tem todo o direito do mundo de ficar triste e chorar e querer queimar tudo que veio dele – ela disse rindo, pegando um porta-retratos na mesinha de centro – mas isso vai ter que passar.
- Eu sei gente, mas não é fácil assim! – era tão difícil de entender o que eu estava passando? – Foram cinco anos com uma pessoa que eu amava mais que tudo, eu planejei um futuro, me dediquei à isso e ele terminou comigo por um e-mail! – Eu não tinha conversado com ninguém sobre isso, não tinha extravasado, guardei tudo pra mim, mas agora vinha à tona juntamente ao choro que estava engasgado – Ele disse que não queria mais casar, que vai ficar em São Francisco e é isso! Foi toda informação que ele achou que eu merecia. Eu não sei o que aconteceu! Não sei se ele se sentia assim a meses e nunca teve coragem de falar nada, ou se bastou uma semana viajando pra perceber que não me amava. Não sei se ele conheceu alguém na viagem, ou se descobriu que a vida de solteiro é muito melhor. Eu não sei de nada e nem vou saber! Ele não atende as minhas ligações, nem responde as mensagens, e me bloqueou no facebook e instagram. Caralho, ele pode ter morrido, e eu vou ser a última a descobrir, porque em questão de horas, ele me apagou da vida dele e me deixou aqui sem porra de resposta nenhuma! – era esse o maior problema... não saber de absolutamente nada. O peso disso me fez cair no chão e soluçar de tanto chorar. Como eu pude ter me enganado tanto?!
- Calma amiga, vai ficar tudo bem – Helena me abraçou – nós estamos aqui com você, sempre.
- , você não quer sair com a gente? – Julia sentou no chão do meu lado – de repente o que você ta precisando agora é só tomar um porre... – só essa garota pra conseguir me fazer rir no meio de todo o chororô.
- Vamos amiga! A gente pode ir no pub, você encontra o seu Osmar, toma umas tequilas – Helena falou enquanto fazia cafuné na minha cabeça
- Você falando pra eu beber tequila? Eu devo estar realmente à beira da morte né? Só falta falar que vai beber com a gente.
- Se você topar sair, eu bebo! – falou, e eu até a encarei. A Helena era a centrada do trio. Adorava uma taça de vinho, ou no máximo uma cervejinha no happy hour, mas destilados, jamais! – Aproveita hein, não é todo dia que você pode me ver bêbada.
- Uma proposta indecente dessas, nem tem como eu recusar.
Acordei com a minha cabeça estourando, um zumbido alto ainda ecoava nos meus ouvidos por causa do show de ontem, e a fresta de luz que passava pelas cortinas, dificultava que eu conseguisse abrir os olhos. A noite foi incrível, tive uma das melhores apresentações da minha vida, completamente lotada de fãs ensurdecedores, a banda foi perfeita, os produtores estavam orgulhosos, nosso empresário estava com um sorriso de orelha a orelha. Foi tudo perfeito e pra fechar a noite com chave de ouro rolou uma puta festa no terraço da produtora. Eu não estava muito animado, estava morto de cansaço, mas a animação dos caras me contagiou e o combo de álcool com mulheres gatas também ajudou bastante. É uma pena que eu não lembre de muita coisa. Mais um motivo pra eu achar que a festa foi ótima.
Eu sempre achei horrível as pessoas que dormem com alguém e esquecem, não lembram nem do nome da pessoa, mas a garota deitada do meu lado na cama, me diz que era exatamente isso que tinha acontecido comigo. Eu não fazia ideia de quem era, como nos conhecemos, ou como chegamos na minha casa. O máximo que lembrava era estar sentado no bar da festa com o Ashton e ele comentar de um grupo de mulheres que estavam vindo falar com a gente... depois disso, nada. Ao menos, ver um pacote de camisinha aberto, jogado no chão, me permitiu respirar aliviado por não ter feito merda maior.
Coloquei uma calça de algodão que estava jogada na poltrona do quarto, e saí tentando fazer o mínimo de barulho. Seria bom evitar de ser o escroto que come e pergunta o nome no dia seguinte.
- Bom dia criança! A noite deve ter sido boa... – Deu pra ouvir o julgamento na voz de Jane. Ela trabalhava na casa dos meus pais desde a minha adolescência e era como uma segunda mãe para mim; e agora me encarava com um baita ar de reprovação. O sonho dela era que eu me casasse, e não gostava nem um pouco que eu dormisse com alguém sem conhecer antes, leva-la para jantar, e seguir todo o protocolo do século XIX, que ela acha extremamente necessário.
- Bom dia, amor da minha vida! – Falei enquanto a abraçava e tirava seus pés do chão, para rodopia-la. Eu sabia o quanto ela odiava isso, o que tornava ainda mais divertido – A noite foi ótima mesmo... Dona ngela mandou você vir me vigiar?
- Não senhor, eu mesma quis garantir que tinha alguma coisa além de água e cerveja na sua geladeira. – falou apontando pra bancada da cozinha – Mas sim, a sua mãe fica muito preocupada com você, e com razão!
- Razão por que Jane? Eu sou grandinho, e ao contrário do que vocês pensam, sou muito responsável – afirmei. Talvez, pros parâmetros das duas, eu não fosse esse mar de responsabilidade que elas queriam, mas comparado à outros músicos da minha idade e que viviam para o show bis, eu merecia ser canonizado.
- Bom dia! – Uma voz fina vinda do corredor falou enquanto sua dona andava em minha direção vestindo apenas uma calcinha minúscula e uma blusinha de alça.
- Bom dia, dormiu bem? – Falei sem graça por Jane presenciar esse momento.
- Divinamente – respondeu me dando um selinho - Queridinha, você pode fazer umas torradas com ovos mexidos pra gente? E um café bem forte também! – olhou pra Jane como se fosse íntima da casa, e a conhecesse há anos.
- Desculpa, queridinha, mas eu só vim buscar umas assadeiras e já estava de saída. – ela não tinha muita paciência pra qualquer mulher que entrasse na minha vida, que ela não julgasse digna de ter minha atenção, mesmo que fosse por uma noite só. Ela fazia o papel da mãe ciumenta, enquanto a Dona ngela estava longe pra conseguir fazer.
- Nossa, quanta grosseria – me encarou como se esperasse que eu fosse repreender Jane, ou exigir um pedido de desculpas. Ficaria só esperando, por que eu não faria isso, e ela já estava indo embora.
- Gata – essa era sempre uma boa saída pra questão do nome – eu vou ter que me arrumar pra sair agora. Gostaria muito de poder ficar de bobeira por aqui, mas eu tenho um compromisso inadiável.
A garota ficou me olhando, esperando que eu fosse pedir o seu número, ou desse qualquer sinal de que iríamos nos ver de novo. Não ia acontecer.
- Eu vou tomar um banho. Pode tomar um café se quiser, depois é só bater a porta. Precisa de dinheiro pro Uber? – a cara de esperança se transformou em decepção e rapidamente em raiva. Saiu marchando em direção ao quarto e em menos de dois minutos cruzou a sala, saindo pela porta me xingando baixinho.
Eu realmente não tinha nenhuma intenção de ser babaca, mas não fazia ideia de quem era, não lembrava de merda nenhuma. Não iria dar chance para depois descobrir que ela era insuportável, e aí sim ter que ser escroto, e dar um perdido nela. Assim era bem melhor, chato, mas não dava tempo de criar grandes expectativas.
- Você está atrasado – Samuel, reclamou antes mesmo de eu fechar a porta da sala de reuniões. Ele era o empresário da banda desde o início, foi quem nos ajudou a assinar o nosso primeiro contrato de gravação, e era muito tranquilo sobre como levávamos a nossa vida pessoal, nunca reclamou das festas, da bebedeira, ou de dormirmos com fãs, mas nada disso podia atrapalhar o trabalho, então atrasos não eram bem aceitos. Então assumi meu erro sem tentar me justificar, e fui me juntar à Ashton, Calum e Michael, que estavam sentados à mesa com cara de sono. Além de nós, tinham outras pessoas, muito bem arrumadas por sinal, que eu não fazia ideia de quem eram, mas provavelmente trabalhavam na gravadora.
Quando começamos a fazer sucesso, a equipe designada a trabalhar com a gente aumentou pra garantir que todas as áreas que envolvem a banda fossem bem trabalhadas, como redes sociais, tabloides, agenda de eventos, shows, encontro com os fãs, marketing, etc. Hoje, por exemplo, têm quase vinte pessoas na sala, pra uma reunião que, até alguns minutos atrás, eu achava que era de rotina, nada demais.
- Primeiramente eu queria parabenizar vocês pelo show de ontem. Lotação total, cinco mil fãs, nenhuma confusão ou reclamação, as mídias de você estão bombando... enfim, estão de parabéns, aliás, não apenas a banda, mas toda a equipe – falou virando-se para olhar para todos que estavam ali.
- Que bom Samuca, então da próxima vez, vocês podiam marcar a reunião um pouquinho mais tarde né? Tipo no fim do dia. – O Ashton era o cara de pau da banda, acho que por ser o baterista e ficar sempre mais no fundo, fora dos palcos ele era o palhaço e nunca passava despercebido. – A gente ta morto... As horinhas a mais de sono seriam um brinde pelo bom trabalho.
- Muito engraçado Ash – falou em tom bem-humorado - Eu dei os parabéns, mas vocês não fizeram mais do que a obrigação. Ninguém mandou ficar até de madrugada na farra.
- Falei que era pra ficar quieto – Michael o cutucou com um sorriso de canto.
- Eu chamei vocês hoje, por que precisamos nos preparar pro que vai acontecer nas próximas semanas – Falou mexendo em alguns papéis e abrindo na televisão da sala um slide com a nossa agenda dos próximos meses. Estávamos trabalhando em um novo álbum, tudo ainda nos estágios iniciais, mas antes de dar continuidade a isso, lançamos um single que estava disparado nas vendas de todas as plataformas. Duas semanas seguidas nas 10 mais ouvidas do spotify, e nem teve videoclipe de lançamento! Foi música pura, e fez o maior sucesso.. e agora teríamos a divulgação ao vivo dele. – Semana que vem, vocês começam as entrevistas em programas de rádio. Serão seis no total. Enquanto isso, estaremos ensaiando diariamente, para que na semana seguinte comecem as entrevistas e apresentações nos programas ao vivo, incluindo Live with Kelly and Ryan, Good Morning America, The Tonight Show do Jimmy Fallon, Watch What Happens, Jimmy Kimmel Live, e pra fechar, o programa da Ellen DeGerenes – falou como se não fosse nada demais. Já tínhamos participado da maioria deles, estávamos minimamente acostumados com essa pressão, mas não deixava de ser assustador entrar ao vivo nos programas de maior audiência do país.
A reunião se seguiu por mais tempo do que esperávamos. Pedimos comida duas vezes enquanto estávamos ali. Fomos orientados novamente sobre as perguntas que nos fariam, o que podíamos responder sobre a turnê que faríamos, sobre o álbum que estava em andamento, se existiam inimizades dentro da banda, relacionamentos inventados por sites de fofoca, etc. Tínhamos que estar preparados pra tudo, e era pra isso que aquela equipe enorme estava ali. Ainda tínhamos que coordenar tudo com provas de figurino, maquiagem, campanhas publicitárias, tempo de estúdio, e de vez em quando, seria legal conseguir comer alguma coisa e dormir um pouco.
- Quase esqueci de uma coisa. – falou se virando para nós com um sorriso meio assustador – Vocês vão ser a atração musical do Saturday Night Live na primeira semana de junho!
- Puta que pariu, você ta brincando?! – Ashton gritou se levantando com as mãos na cabeça
- Caralho, não to acreditando! – Falei, me levantando em seguida. Palavrões faziam parte do nosso dia a dia, segundo Samuel era uma das suas maiores dores de cabeça. Mas cacete, não dava pra evitar agora.
- Por que você deixou isso pro final? – Michael disse numa mistura de gargalhada com um choro emocionado.
- Por que eu precisava que vocês prestassem atenção em tudo que eu falei hoje... e não ia acontecer se eu começasse com essa notícia. – E ele estava certo. SNL caralho! Acho que nunca nem sonhei que faria parte disso! São mais de 30 anos de programa, 40 temporadas, centenas de músicos fodas... isso era incrível!
- A gente precisa comemorar isso né? – Michael, nosso guitarrista, deu a ideia.
- Óbvio! – Ashton falou ainda gritando.
- Partiu... – respondi já mais calmo, mas com a adrenalina lá em cima.
- Acho que vou passar essa, galera. Eu to morto... já fomos pra festa ontem, e eu quase não dormi - Calum era o mais quieto, e sempre preferia ficar em casa, tocando seu baixo, ensaiando e compondo. Ele também era o único que namorava, mas até a Stella era mais animada que ele.
- Fala sério cara, SNL! Não vai ter de novo – tentei...
- Pode ser só uma cerveja cara, mas não da pra passar em branco – Mike falou.
- Chama a Stella – falei botando pilha.
- Ela está na casa dos pais dela – falou desanimado – Mas o programa vai ser em junho! Faltam dois meses ainda... dá para comemorar mais pra frente.
- Por favor cara, ou vai a banda toda ou não faz sentido... – Michael falou fazendo drama.
- Ok ok... – falou bufando e revirando os olhos - vamos logo tomar mais um porre! Vou mandar pra você minha conta de engov.
- Nesse caso, esquece a cerveja, e bora de tequila! – Ashton falou saindo da sala. Eu tinha certeza que ele ia sair carregado do bar, e muito provavelmente por mim ainda por cima.
Eu ainda não acreditava que tinha aceitado sair com as meninas. Estava tão desanimada que iria acabar estragando a noite delas, além disso, ficar em casa seria tão mais confortável, podia ficar de pijama, esparramada no sofá, sem competir pela atenção dos garçons, ou ter que ficar gritando pra poder conversar com quem está sentado à menos de um metro de distância. Eu sabia o quanto elas queriam que eu quisesse estar ali, e me divertindo, mas estava difícil...
Eu amo essas meninas com todo o meu coração, e faria tudo por elas, assim como sei que fariam por mim. Então mínimo que eu podia fazer, era um esforço pra me distrair. Sentamos no balcão mesmo, onde era menos cheio e mais próximo do álcool. Era disso que eu precisava. Como tinha trabalhado lá por um bom tempo, conhecia todos, então não demorou muito para sermos atendidas.
Começamos com um Moscow Mulle.
- Lena, como estão as coisas na clínica nova?
- Ainda uma bagunça. Só estou conseguindo atender em poucos horários. – Helena é pediatra e acabou de começar a trabalhar em uma clínica nova. A antiga era muito pequena e desorganizada demais, só dava dor de cabeça. – Eles estão fazendo uma reforma na ala de internação, então é complicado atender as crianças com aquela barulheira.
- Nossa, que merda. Saiu de uma bagunça e entrou em outra?
- Tipo isso. Só que dessa vez eu espero que seja passageiro, e já já eu consigo ficar em paz.
- E você dona Julia. Como tá o escritório? Conseguiu se acertar com aquele sócio problemático?
- O Rogério? Já desisti. Ele é maluco! Sou arquiteta formada, trabalho lá há quase dois anos e ele ainda me trata como se fosse uma estagiária recém contratada. Fica querendo dar pitaco em cada fase dos meus projetos, quer que eu peça autorização pra colocar cada tomada. Todo dia é uma luta pra não manda-lo à merda.
Depois de um tempo fui me soltando e me permiti aproveitar aquele momento que não tinha a tanto tempo. Apesar de ser ou ter sido apaixonada por Derek, o relacionamento tinha suas complicações. Ele não gostava que eu saísse sem ele, ou que eu bebesse, então acabei passando muito tempo sem sair com as meninas, e sem vir ao bar onde trabalhava. Mas naquele momento eu nem lembrava mais disso, as risadas corriam soltas. Era uma gargalhada mais escandalosa que a outra, e se eu estivesse sóbria estaria morrendo de vergonha da atenção que estávamos chamando. Ainda bem que não era o caso. Não lembro da última vez que saí e me diverti tanto. Era isso que estava faltando, uma noite só nossa, contando histórias e falando besteiras.
- ! – ouvi meu nome do outro lado do balcão.
- Marcondes! – falei abrindo um sorrisão – Que saudade cara!
- Você sumiu, garota!
- Sumi, mas não sumo mais, prometo.
- Eu sinto sua falta por aqui! O seu Osmar sempre pergunta de você.
- Nossa, eu estou morrendo de saudades dele! Aconteceram algumas coisas nos últimos tempos, e não deu pra eu aparecer mais – falei tentando disfarçar. Eu sabia o quão absurdo era deixar de sair por que o meu namorado, noivo, sei lá, não deixava, mas na época eu, por algum motivo, não o questionava.
- Ele já viu que você ta aqui? Ele vai ficar muito feliz!
- Ainda não! Onde ele ta?
- Está lá trás, na sala dele. Pode ir lá.
- Gente, eu vou cumprimenta-lo rapidinho e já volto. – Falei me dirigindo às meninas.
A sala do seu Osmar era um ovinho no final do bar. Ele já podia ter reformado aquilo há anos, mas dizia que não precisava. "Vai perder o aconchego". Ele era uma figura, e foi o pai que eu pedi a Deus, num momento que eu não tinha mais ninguém. Ele me acolheu quando eu cheguei em Los Angeles e ainda não tinha conseguido o emprego na editora, fazia alguns bicos como tradutora, e conseguia juntar uma graninha, mas nada que desse pra pagar um aluguel. O seu Osmar me deixou ficar dormindo na salinha dele até que conseguisse um lugar pra morar. Em troca, eu trabalhava no turno da noite. Eu não tinha nenhuma experiência com bares e restaurantes, mas ele nem ligou. Dizia que o importante era eu querer aprender, e quem precisava de dinheiro sempre aprendia mais rápido. E foi isso que aconteceu. Eu trabalhei ali por um ano. Fui garçonete, estoquista, trabalhei no caixa, e aprendi a fazer os drinks do bar. Ele e o Marcondes viraram meus cães de guarda, e não deixavam nenhum cliente abusado mexer comigo. Eu sempre soube tomar conta de mim mesma, nunca precisei de homem pra isso, mas era bom saber que tinha gente me apoiando, e dispostos a comprar as minhas brigas.
Depois de um tempo, eu fui conhecendo pessoas da minha área, fazendo contatos, e fui contratada pela World Castle, uma editora que ainda estava se firmando no mercado. Começei fazendo a tradução de livros em língua portuguesa e espanhola que queriam republicar e lançar nos Estados Unidos, e depois assumi a vistoria e revisão dos conteúdos dos autores da própria editora. Com o passar do tempo, consegui juntar dinheiro pra alugar o meu apartamento, e foi ficando cada vez mais cansativo trabalhar até de madrugada no bar. Então achei melhor parar. Mas continuei frequentando o pub e quando seu Osmar precisava de uma ajudinha eu entrava em ação. Isso também diminuiu por causa do meu namoro. Ele não achava que aquele era o ambiente pra uma mulher comprometida...
- É aqui que fica o cara mais lindo de Los Angeles? – ele estava quientinho, escrevendo em seu caderninho das contas, e levantou a cabeça em um susto.
- Ooh minha filha, como é bom te ver aqui de novo. Achei que você já tinha esquecido desse velho senil aqui. - falou abrindo um sorrisão de orelha a orelha e me apertando num abraço.
- Eu nunca esqueceria do senhor. Nem que eu quisesse, – eu não sabia o quanto sentia falta desse abraço - e de senil, o senhor não tem nada – falei me afastando para encara-lo séria.
- Ainda né! Por que o tempo ta passando e a idade já chegou.
- Chegou nada seu Osmar, para de drama! Ainda ta inteirão, comandando esse bar aqui.
- Aaah, mas isso eu vou fazer pra sempre. Acho que quando bater as botas, vai ser nessa sala mesmo.
- Que mórbido seu Osmar. Não vim aqui pra isso não!
- Querida, a hora vai chegar pra todo mundo. Pra alguns antes do que pra outros – falou rindo.
- Nisso eu não tenho como discordar. – Seu Osmar era um dos homens mais inteligentes que eu conhecia, estava nos meados dos seus setenta anos e cuidava daquele bar como ninguém, nunca ficou no vermelho, sempre pagou seus funcionários em dia, e mantinha um clientela que não o trocava de forma nenhuma. Além disso, sabia dar conselhos melhor que qualquer um, dizia que poderia colocar no currículo o trabalho de psicólogo, pelo tanto de gente que ele escutava e ajudava. De alguma forma, ele tinha um jeitinho de falar, que fazia todo mundo se sentir especial. Era incrível – Bom, eu vim aqui só pra te dar um abraço, por que eu estava morrendo de saudade. Sei que fiquei um tempo sem aparecer, mas não vai mais acontecer, juro.
- Espero mesmo, se não, vou ter que mandar o Marcondes ir bater na sua porta.
- Não vai precisar. – Falei rindo e o abraçei novamente – Vou voltar pro bar pra encontrar as minhas amigas que estão me esperando.
- Vai lá minha filha, se cuida. – Voltou a se sentar em sua cadeira surrada, e eu deixei sua sala.
Esse reencontro foi tudo que eu precisava. Mesmo que rápido, era bom rever gente que me fazia tão bem, e de quem eu infelizmente me afastei.
Mas agora tinha acabado, eu estava solteira e aos poucos percebia como fui privada de coisas e pessoas que me queriam tão bem. Parecia que aquele abraço, depois de duas semanas turbulentas e que me fizeram tão mal, tinha começado a curar aquela ferida, e transformar aquilo que eu achava ser um buraco vazio no peito, em um espaço livre, que poderia ser preenchido com carinho pelo o que eu quisesse. Olha o que um gesto sincero pode fazer. Teria que agradecer as meninas por terem me arrast...
- Puta que pariu!
Já eram quase nove da noite, e o bar estava cheio apesar de ainda ser quinta feira. Será que ninguém ali trabalharia no dia seguinte?
- Com licença, eu posso tirar uma foto com vocês? Por favor! – Uma garota loira, bem magrinha perguntou tímida.
- Claro! – Ashton respondeu animado.
Nos juntamos e um cara veio tirar a foto pra ela. Devia ser seu namorado, não sei, mas ele não fez questão de aparecer na foto. Esse tipo de situação ainda é engraçada pra mim. Não me surpreende mais como fazia no início, mas continua sendo estranho tirar foto com desconhecidos, principalmente quando não estamos trabalhando. Ás vezes as pessoas chegam pedindo fotos e autógrafos quando estamos almoçando, ou correndo na rua. A primeira vez que me reconheceram eu estava na fila do mercado, cheio de compras na mão. Eu fiquei surpreso, não sabia como agir, e aceitei, é claro. Mas deu o maior problema. Acharam que a garota queria furar a fila, começaram a reclamar e gritar, e eu acabei perdendo o meu lugar. Tudo pelos fãs...
Depois da loira, vieram outras pessoas falar com a gente. Tiramos foto, demos autógrafos, alguns pediam pra mandar áudio no whatsapp pra alguém, ou gravar um vídeo. Era sempre assim... bastava uma pessoa pedir, pra outras várias quererem também. Provavelmente nem todos realmente sabiam quem a gente era, mas viram que somos famosos e pediam uma foto só pra não perder a oportunidade. Não julgo, faria o mesmo no lugar deles. Mas nessa brincadeira, perdemos uns quinze minutos.
Depois disso vida que segue, sentamos em uma mesa mais no canto e começamos a comemorar nossas últimas conquistas. Como dizia Michael, bebemorar.
Foi uma cerveja atrás da outra. O idiota do Ashton não conseguia se controlar, então de vez em quando, ele ficava mais animado e pedia um shot de tequila. E é aquela história, né? Mistura fora e mistura dentro, uma hora o corpo reclama e devolve tudo.
- Fala aí, , como foi com a gata de ontem? Levou pra casa? – Michael, quando bebia ficava curioso. Queria sempre saber da vida de todo mundo, fazia perguntas até não poder mais.
- Se eu te disser que eu não lembro de porra nenhuma, vocês vão me achar muito babaca?
- Fala sério cara! Ficou um tempão desenrolando a garota pra na hora H, dormir?! – caíram na gargalhada
- Dormir nada. Nós dois acordamos do jeitinho que viemos ao mundo, então alguma coisa rolou, eu só não lembro o que.
- Porra, ela deve ter ficado muito puta – Calum questionou
- Eu sou muito discreto com a minha falta de memória... Sempre dá pra dar uma enrolada.
- E você Ashton? Chegou na festa falando que ia fazer acontecer, ia pegar todo mundo, não ia ter espaço no seu quarto pra tanta mulher bonita, bla bla bla e nada né? Saiu no zero a zero.
- Quem disse que eu saí no zero a zero?
- Ah não? – Michael perguntou – Então conta aí, quem foi a sortuda?
- Um cavalheiro não se gaba de suas conquistas – respondeu com um sorriso torto.
- Sei, – falei debochando da sua autoestima inabalável – e desde quando você é um cavalheiro? – Completei
- Vai se fuder – falou rindo e empurrou meu ombro. Foi fraco..., mas suficiente pra fazer um estrago.
- Puta que pariu! – Uma garota que estava passando na hora levou um banho de cerveja.
- Puta que pariu!! Me desculpa, foi sem querer! – eu não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha. Ela tentou se limpar, mas o vestido era branco, não tinha muito o que fazer. Passava a mão no tecido ensopado e olhava incrédula pra lambança sem saber como limpar.
- Garota, me desculpa. A gente estava aqui brincando, ele me empurrou... – tentei me explicar, sem sucesso.
- Me desculpa – Ashton me interrompeu, se aproximando. – É que eu sou muito forte, qualquer empurrãozinho já derruba tudo – Ele estava claramente bêbado, mas ela não estava achando a menor graça.
- Eu sinto muito, mesmo.
- Você já disse isso. – foi curta e grossa.
- Ta tudo bem por aqui? – Um homem, enorme por sinal, apareceu com cara de poucos amigos – Esses caras estão te incomodando ? – se direcionou à ela. Era isso que faltava, um namorado ciumento achando que eu tava dando em cima da mulher dele.
- Ta tudo bem Marcondes... só caiu cerveja em mim, mas foi um acidente.
- Tem certeza? – Falou dando um passo em minha direção, e eu tenho que confessar que fiquei um pouco intimidado. Eu não ia fugir da briga, mas o cara parecia um armário!
- Para com isso! – ela se colocou entre a gente, impedindo que ele desse mais um passo. – Já falei que tá tudo certo. Pega um pano úmido pra mim, por favor? – Relutante em sair do seu lado, ele nem se mexeu. – Marcondes! Agora, por favor.
Deu para perceber quem mandava naquele relacionamento. O tal de Marcondes baixou a cabeça, e saiu andando, provavelmente pra pegar o pano que ela queria.
- Me desculpa – repeti pela milésima vez.
- Ta tudo bem, foi um acidente. Acontece... – até agora, ela estava com uma postura forte, provavelmente de raiva. Mas agora, parecia murchar - Isso é um sinal de que eu devia ter ficado em casa – murmurou encostando no início do balcão.
- Que isso gatinha?! – falei tentando aliviar a tensão – A noite é uma criança... – tirei o cabelo do seu rosto. O armário tinha se afastado, essa era a minha oportunidade de virar o jogo a meu favor. Quem sabe ela não aceitava trocar de roupa lá em casa?
- Nossa, que graça! Derrubou cerveja em mim, acabou com o meu vestido, e agora tá me cantando?! Muito esperto.
- Ei! Você disse que tinha me desculpado, que estava tudo bem.
- Eu desculpei! Mas não quer dizer que eu tenha gostado do banho fora de hora.
- Aqui – o cara entregou um pano molhado pra ela. Dessa vez pelo menos, ele estava do outro lado do balcão, devia trabalhar ali – Qualquer coisa me chama – falou me encarando, e recebeu um sorriso dela como agradecimento.
Do jeito que ela passava o pano na roupa tentando se limpar, só ia conseguir rasgar o vestido. Claramente não estava fazendo nenhuma diferença.
- Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar? – Eu sabia que não, mas também não custava perguntar. Recebi uma revirada de olho como resposta e silêncio. Ela me olhou de cima à baixo por alguns segundos, mas não falou nada. Será que era uma fã?
- Quer saber? – se virou pra mim – Você tem razão... a noite é só uma criança - aarancou a camisa jeans que estava amarrada na minha cintura e saiu andando.
- Uououou – Saí correndo na direção dela e segurei seu pulso. – Essa camisa é minha, tá pensando que vai onde?
- Estou pensando que vou no banheiro trocar de roupa já que você destruiu a que eu estou usando.
- Essa é uma das minhas camisas preferidas.
- Nesse caso, nós dois perdemos uma roupa que gostamos muito. Por que eu não pretendo ir embora agora, e não vou continuar aqui toda molhada e manchada. – Puxou o pulso e conseguiu se soltar, entrando rapidamente na cabine feminina.
Essa o Ashton ia ter que me pagar. Não tinha muito o que fazer, ela tinha motivo pra ficar puta e querer um roupa pra trocar... então perdi a discussão e a camisa.
Como previsto, meu baterista já estava trocando as pernas e jogando os neurônios na lixeira.
- Caralho Ashton, você colocou no Twitter onde a gente tá?! – Michael levantou o olho do celular, e o encarou incrédulo.
- Qual o problema? – Perguntou com a voz tremula.
- O problema são essas porras de paparazzi aqui na frente com você encharcado de tequila.
- Não exagera! Eu to tranquilo. – Foi tudo o que conseguiu dizer antes de correr para enfiar a cabeça em um balde e colocar tudo pra fora.
Isso ia dar um problemão...
Acabamos de sair de uma reunião em que fomos super elogiados. Sempre fomos disciplinados, fugimos de qualquer fofoca, dificilmente somos alvos dos tabloides. Mas dessa vez seria foda... O bar estava cheio, os paparazzis chegaram em tempo recorde e nos esperavam lá fora, como que a gente ia sair daqui carregando o Ashton sem que isso virasse notícia?! Nossa sorte é que o balde onde ele estava ficava em um cantinho no fim do bar, do lado do caixa, ninguém estava vendo.
Viemos de carro com o Calum, mas ele já tinha ido embora há tempos. Já devia estar no décimo sono.
- A gente vai ter que dar um jeito de sair daqui sem esses caras virem atrás. – falei tentando pensar em qualquer solução.
- Licença – Michael se virou para o senhor que fazia contas atrás do caixa – Tem alguma forma de sair daqui sem ser pela porta principal? – O senhor olhou pra ele desconfiado, sem entender o porquê da pergunta.
- Tem um bando de fotógrafos lá na frente esperando a gente sair, – falei começando a me explicar – e seria muito ruim se eles tirassem fotos do nosso amigo nesse estado – completei apontando pro idiota com a cabeça no balde.
- Vocês são famosos? Fazem algum filme conhecido?
- Filme, não. Nós somos músicos. Temos uma banda, Jungle Roots, já ouviu falar? – tentei parecer o mais calmo possível pra não me mostrar tão desesperado, e talvez assim ele confiasse na gente pra nos ajudar.
- Não, desculpa garoto. Eu sou velho, não estou por dentro dessas novidades. – deu uma risada envergonhada.
- Tudo bem – Era obvio que ele não conhecia. Podemos ser conhecidos, mas nem tanto. Ele devia ter uns 70 anos, spotify, youtube e twitter não deviam fazer parte do dia a dia dele.
- Rapaz, eu vou te confessar uma coisa, até tem outra saída, ela é pelo terraço do prédio.
- Que ótimo! Como eu chego lá?
- O problema é que tem uma porta lá em cima que precisa ficar trancada e, por mais que eu acredite que vocês são gente honesta, eu não posso entregar a minha chave assim.
- Senhor, eu juro que te entrego essa chave amanhã de manhã, bem cedo, ou eu posso passar na sua casa e deixar lá. O que o senhor preferir. Eu posso até voltar aqui mais tarde. – Michael implorou enquanto dava água pra Ashton. Eu também estava ficando nervoso. Aparecer em site de fofoca agora, na véspera de começar as entrevistas, não era uma boa opção. O Samuel ia comer nosso fígado, um por um.
- Faz o seguinte. Ta vendo aquelas meninas ali? – Apontou pra um trio de garotas que se levantavam pra ir embora. Uma delas, inclusive, era a que estava com a minha blusa.
- Aham – falei já desanimado.
- Uma delas trabalhava aqui e pode ficar com a chave. é o nome dela. Se você quiser, vai lá e pede pra ela acompanhar vocês.
Mais uma pra conta do Ashton. Além de me fazer derrubar bebida na garota e dar minha camisa pra ela, agora eu teria que ir atrás dela, pra pedir um favor. Que ótimo, né?
- Mike, vai lá! – falei olhando pra ele, que estava agachado ajudando Ash a se recompor.
- Vai lá você cara. Eu to dando água pra esse idiota.
- Se eu fosse você, ia correndo. Elas estão saindo – o senhor falou sinalizando pra entrada, de onde elas se aproximavam.
Não deu nem tempo de pensar. Enfiei o orgulho no cu e sai correndo, tentando atravessar o bar esbarrando no mínimo de pessoas. Tomara que ela seja uma pessoa razoável. Era uma emergência e ela teria que entender!
- Eieieiei – falei a segurando pelo braço. Ela já estava com a porta aberta, saindo do bar, quando parou pra se livrar de mim.
- Me solta! – Reclamou sacudindo o braço, e abrindo a boca quando percebeu quem eu era. – Ah não é possível! Eu já disse que não vou te devolver a camisa!
- Eu não quero a camisa de volta. – falei já recebendo alguns flashes na cara. Era só o que me faltava... tirar o Ashton dos tabloides e me colocar com um falso novo affair! – Pode entrar, por favor? É coisa séria, juro. – ela me olhou desconfiada mas deu um passo pra dentro e fechou as portas. As amigas estavam em seu encalço querendo entender o que estava acontecendo.
- Espera ai! Você é daquela banda Jungle Roots, né? – Uma de suas amigas falou surpresa.
- Sou – falei forçando o máximo de simpatia – É por isso que eu preciso da sua ajuda – me virei pra , acho que esse era o nome dela – O baterista da minha banda bebeu todas e ta passando muito mal.
- O que te empurrou, e fez cair cerveja no meu vestido?
- Esse mesmo – queria que ela tivesse esquecido dessa parte – Seria ótimo se a gente pudesse sair daqui sem passar por esses fotógrafos, e senhor do caixa disse que tem uma saída pelo terraço, mas não pode me dar a chave.
- E você quer que eu leve vocês...
- Tipo uma missão secreta pra salva-los dos tabloides?
- Menos Julia, bem menos.
- Seria ótimo se você pudesse ajudar, por favor – juntei as mãos em sinal de súplica, dizem que ajuda no convencimento.
- O problema é que a gente já estava de saída.
- Deixa de ser chata . Não vai custar nada.
- Helena, – falou reprovando o comentário da amiga – vai custar tempo, e uma baita subida de escada.
- A gente vai com você – gostei dessas meninas. A garota da cerveja claramente não estava muito feliz de estar naquela situação, mas estava ponderando.
- Eu posso te pagar! Quanto você quer? – falei já cedendo ao desespero. Se ela não nos ajudasse, estaríamos fodidos.
- Eu não quero o seu dinheiro – falou revirando os olhos. Aparentemente ela fazia isso com frequência. Saiu andando em direção ao caixa, seguida pelas amigas, e me deixou pra trás – você vem ou não? – Perguntou, e eu acelerei o passo em sua direção.
A observei tentando abrir caminho para chegar ao senhor do caixa, onde também estavam meus amigos. A minha camisa até que ficou bem nela. Em mim, passava pouco do quadril, mas nela serviu como um vestido, chegando até a metade de suas coxas. E que coxas hein...
- Aah ele conseguiu te alcançar! Que bom – o senhor falou quando nos avistou – Esses rapazes estão precisando da sua ajuda. Parece que eles são famosos...
- Percebi – falou olhando pros paparazzis esperando do lado de fora. Não eram tantos, talvez uns quatro ou cinco. Mas chamavam atenção, e podiam fazer um estrago.
- Você se importa de leva-los lá por cima?
- Claro que não! Vai ser uma honra acompanhar esses astros da música – falou forçando a ironia. Muito engraçada ha ha.
- Obrigado minha filha. O bar tá cheio, não tenho como pedir pra outra pessoa acompanha-los.
- A saída é pelo terraço, vamos subir sete andares de escada... alguém vai levar ele no colo? – falou apontando pra Ashton, que ainda estava ajoelhado na frente do balde.
- Não precisa, – ele respondeu se levantando – eu to melhor, consigo ir sozinho.
- Ótimo. Vamos logo então, por favor? – pedi e ela foi andando pro fundo do bar acompanhada por nós três e suas amigas. Por precaução, Ashton levou o balde junto.
Fomos caminhando pra um canto no final do bar e depois do que parecia ser o depósito, entramos por uma porta metálica com uma placa de "apenas pessoal autorizado", estava escuro e bem empoeirado. Será que ninguém nunca ouviu falar em faxina por aqui? Cadê a vigilância sanitária?
Subimos uma escada em espiral que parecia interminável. Eu faço musculação regularmente, mas aquilo já estava me matando, poderiam ter instalado um elevador ali há séculos. E como se já não fosse difícil o suficiente, Ashton foi se escorando em mim durante toda a subida pra não cair e derrubar todo mundo que vinha atrás dele. Poeira, escuro, escadaria, e um idiota com cheiro de vômito caindo em cima de mim. Melhor impossível.
Chegamos lá em cima e ela abriu a porta que dava pro lado de fora nos permitindo respirar ar puro. Era um terraço grande e quase totalmente vazio, com exceção de dois banquinhos de madeira e umas plantas que ficavam concentrados em um canto. Mas a vista era de outro mundo! Poucas vezes vi algo tão bonito assim. A cidade era uma grande escuridão com pequenas luzes espalhadas por toda ela, parecia um céu estrelado refletido em todo aquele concreto.
- Cacete! Que vista é essa? – Michael parecia tão surpreso quanto eu.
- A saída é por aqui. – já andava em direção aos fundos do prédio, onde tinha mais uma escada. Naturalmente teríamos que descer tudo o que tínhamos acabado de subir.
- Será que podemos dar um tempinho por aqui? – Ashton pediu já se sentando em um dos banquinhos. Ele estava transparente, fiquei surpreso de ter conseguido subir tudo.
Paramos pra deixa-lo respirar e aproveitar o vento fresco que estava passando. Enquanto isso, alguns se sentaram junto a ele, outros se apoiaram no parapeito, e ficamos em silêncio apreciando aquela vista.
- Eu sei que já falei vinte vezes, mas me desculpa, de novo, pelo vestido. – falei pra que estava apoiada na mureta do meu lado.
- Tudo bem, mesmo – e me lançou um sorriso sincero, que me deu até um frio na barriga. – É só uma roupa... ou era, né?
- Eu posso comprar outro vestido, não tem problema.
- Você tem que parar de querer sempre gastar o seu dinheiro, – falou achando graça – não precisa comprar nada.
- Eu achei que o seu namorado ia me bater lá dentro...
- Quem? O Marcondes? – deu uma gargalhada alta – Ele não é meu namorado, é tipo meu irmão mais velho aqui. Ele se acostumou com uns caras sem noção passando dos limites, e sempre acha que precisa me defender. Mas ele é do bem.
- Pode ser, mas é enorme né... não ia ter musculação que me salvasse numa briga com ele – falei arrancando mais uma gargalhada dela.
- Vocês são daqui? – Michael perguntou pras amigas dela e nos viramos pra participar.
- Nós duas, sim, a é de Fort Lauderdale – a morena respondeu... Helena, eu acho.
- Na verdade, eu sou brasileira, mas me mudei pra Flórida com cinco anos, e depois pra Los Angeles há seis anos.
Elas se apresentaram, falaram mais sobre a vida delas, e a gente contou sobre a nossa. As histórias eram bem diferente, e por mais ridículo que pareça, eu não lembrava como era conversar com pessoas que não eram do meio artístico.
A Julia era a mais doidinha, trabalhava em um escritório de arquitetura no centro e tinha umas histórias hilárias dela com o chefe maluco, ela garantia que ele dava dor de cabeça pra ela, mas algo me dizia que era ao contrário. A Helena já era mais discreta e contida; era médica pediatra e tinha acabado de começar em uma clínica nova em Silver Lake. Já era tradutora em uma editora grande, em Studio City. Eu admito que nunca tive muito o hábito de ler, então não fazia ideia se a editora era realmente conhecida, mas segundo ela, sim.
E contra todas as expectativas a noite terminou sendo ótima. Ficamos ali conversando por um tempão, rimos muito e nem vimos a hora passar. O Ashton melhorou depois de um tempo, voltou a fazer graça e parece que até trocou contato com a Julia... esse cara não dava uma trégua. Mas tomara que, seja lá o que for, dê certo... seria bom encontrar com elas de novo.
Capítulo 2
2
Eu amo escrever, acho que não tem nada na vida que eu goste mais de fazer do que isso. Sempre disse que gostaria de escrever o meu próprio livro, talvez algo de ficção científica, ou um romance, mas nunca consegui começar. Toda vez que eu pensava em sentar pra escrever, acontecia algo que me fazia adiar esse início. Já tinha até conversado com as minhas chefes sobre, e elas me deram a maior força, falaram inclusive que leriam e, se possível, tentaria publicar. Seria mesmo um sonho, mas no meio dele, ainda tinham todas as traduções, resenhas e críticas do site pra fazer e comentar, o que era ótimo também, eu amava o meu trabalho, não tinha do que reclamar.
Mesmo assim, eu estava há quase duas semanas sem aparecer na editora. Por causa do meu luto pós pé na bunda, fiquei trabalhando de casa, o que não funcionou muito já que eu estava mais ocupada sofrendo. Sendo assim, eu tinha muito trabalho pra colocar em dia, não podia nem de parar para almoçar.
Além disso, no início desse ano contratamos dois estagiários que trabalhavam principalmente com revisão de crônicas, e eu era a responsável por supervisionar o trabalho deles. Não era um trabalho árduo, eles eram muito bons e empenhados, e eu gostava de trabalhar com quem estava começando, mesmo assim, era mais uma coisa que eu tinha para fazer.
- , eu vou deixar esse manuscrito impresso na sua mesa, para você revisar quando puder, tudo bem? – Cris era uma das estagiárias, tinha uns dezoito anos, eu acho, mas nos dávamos muito bem, ela era muito esforçada, provavelmente seria efetivada daqui a um tempo.
- É aquele que você já tinha me mostrado e eu marquei as correções que precisavam ser feitas?
- Ele mesmo.
- Então não precisa me mostrar de novo. Eu estou enrolada, botando outro trabalhos em dia, não vai dar tempo de ler novamente. Se você corrigiu tudo que eu apontei e está segura, pode enviar direto para gráfica. – falei voltando minha atenção para o computador na minha mesa. Quando estagiária, é muito comum duvidar do seu trabalho, e pode ser assustador alguém confiar que ele não precisa ser revisado, mas eventualmente teria que acontecer, e se houvesse erros, ela sabia que seriam de sua responsabilidade. Apesar disso, ela não parecia nervosa, mesmo assim, ficou parada na minha frente, como se ainda esperasse algo de mim – Precisa de mais alguma coisa?
- Não – falou sem graça, dando um passo pra trás, mas logo se arrependeu voltando a se aproximar – na verdade... eu queria te fazer uma pergunta.
- Pode perguntar – larguei o mouse e o teclado para dar a atenção que ela parecia precisar.
- É meio idiota e eu não tenho nada a ver com isso, a vida é sua, obviamente, e se você não quiser responder, tudo bem – parecia tão nervosa que já estava me deixando agoniada. Nunca tive uma relação de chefe e subordinado com os estagiários, muito pelo contrário, tirando a diferença de idade que os impedia de irem à bares depois do expediente, tínhamos uma relação de amizade, conversávamos sobre tudo, inclusive, a Cris sabia que, o real motivo de eu ter sumido por duas semanas, não era uma doença. Então para que esse suspense todo?
- Fala logo Cris! O que aconteceu?
- É verdade que você está saindo com o Ammel? – soltou de uma vez só
- Como é?!
- O Ammel – repetiu – da Jungle Roots.
- Eu entendi... de onde você tirou isso?
- Do Twitter – falou pegando o celular para me mostrar as "notícias" que inundavam suas redes sociais.
- Puta que pariu... não acredito! – Tinha uma foto nossa na porta do pub! Ficamos ali por menos de um minuto e já foi suficiente para tirarem várias fotos e eu virar "o novo contatinho de Ammel". Eu não estou nem brincando, era exatamente assim que as matérias que circulavam se referiam a mim, "o novo contatinho de Ammel"?! Até parece... eu mal conhecia o cara! Pelo menos a maioria das fotos estavam tremidas e eu estava atrás de um vidro com os reflexos de flashes, isso dificultava que me reconhecessem. Por causa disso começaram até uma hashtag de #garotadopub. Puta que pariu vinte vezes!
- Então é verdade? – Jonny, meu outro estagiário, se juntou a nós enfatizando a pergunta.
- Não! Não tem nada de verdade nisso. – falei nervosa – Eu mal o conheço, ele só queria a minha ajuda pra resolver um problema.
- Aah que pena... – ele falou e eu franzi o rosto sem entender – Seria muito legal se vocês estivessem saindo mesmo, a Jungle Roots é muito maneira e ele é um gato – completou se abanando.
- A gente não tem nada a ver, eu só o ajudei com uma coisa, mas a gente nem se conhece direito... eu realmente não esperava que fosse dar esse problema... – falei apoiando o rosto nas mão sobre a mesa.
- Relaxa , nem dá para te reconhecer direito – Jonny fez uma tentativa de me tranquilizar.
- Vocês reconheceram!
- Mas a gente te vê quase todo dia, e mesmo assim não tínhamos certeza
- Obrigada – forcei um sorriso – Por favor, não comentem isso com ninguém... ninguém mesmo, pode ser?
- Pode deixar... – Cris falou se afastando pra voltar a sua mesa, e Jonny fechou um zíper imaginário na boca.
A minha vontade era de pegar logo as minhas coisas e ir embora, mas considerando a minha ausência ali, isso não era uma opção. Contei os minutos até o final do meu expediente, e fui direto pra casa. Ainda estava difícil de acreditar naquilo. Será que muita gente já tinha visto? Será que também me reconheceram? Pelo amor de Deus, a última coisa que eu queria era virar fofoca e ainda ter que lidar com várias pessoas pesquisando sobre a minha vida. Sempre achei horrível que personalidades públicas não conseguiam ter uma vida privada, não podiam sair sem ter alguém os seguindo e postando nas redes sociais onde estavam, com quem e o que estavam fazendo a cada segundo, e as pessoas de quem elas se aproximam, acabam sendo arrastadas para essa confusão. Nunca imaginei que seria eu ali.
Cheguei no meu prédio e fui direto para o apartamento das meninas. Ser vizinha das minhas melhores amigas podia ter suas dificuldades e momentos de excessos, mas nessas situações não tinha nada melhor. Toquei a campainha e Julia logo abriu com o celular na mão.
- Acabei de ver, já ia te mandar mensagem.
- Eu não estou crendo... cacete, eu abri a porta do pub por meio minuto! Meio minuto!
- Eu sei amiga, calma – falou me entregando uma cerveja.
- Calma é o caralho, isso é um saco, – me joguei no sofá – já até me arrependi de ter ajudado.
- O não tem culpa, aliás, ele só estava querendo ajudar o amigo.
- Eu sei..., mas é uma merda! – Falei pegando um pote de melancia na sua geladeira – Cadê a Helena?
- Ela me ligou há vinte minutos dizendo que estava saindo do consultório, deve estar chegando.
- Nunca achei que eu seria "a garota do pub" de alguém... ninguém merece – falei olhando pra ela, mas parecia nem ter ouvido já que continuou olhando pro celular.
- Ooh garota, eu vim pra cá para me lamentar com uma amiga, pode parar de me ignorar? Eu estou falando sozinha.
- Desculpa amiga, eu to falando com o Ashton. Eles já viram o que está acontecendo, e parece que o está puto da vida.
- Ué, já devia estar acostumado com essas coisas... quem tem que estar puta sou eu – falei da boca pra fora, sabia que não era simples assim.
- Opaa, e por que você estaria puta? – Helena chegou pegando a conversa pela metade.
- Vocês me convenceram a ajudar os garotos da Jungle Roots e agora eu virei falso contatinho de astro pop... – expliquei irritada – "Missão secreta para salvar a banda dos tabloides" "Vai lá , a gente te ajuda" – generalizei uma voz finíssima como se imitasse as duas.
- As fotos foram tiradas antes da gente te convencer de qualquer coisa, então a culpa não é nossa. E o ta pedindo desculpas... falou que não queria ter te metido nisso – Julia tentou defender o novo amiguinho
- Do que vocês estão falando?
Mostramos as matérias pra Lena e ela ficou tão surpresa quanto nós. Tentava me acalmar dizendo que não tinha nada demais, as fotos não estavam nítidas, nem dava pra ver direito quem era ali. E talvez não desse mesmo, mas não tinha como ter certeza. E se alguém me reconhecesse ali?
E se o Derek me reconhecesse?
Pra ser sincera, isso era o que mais me preocupava, que ele pensasse que eu já estava com outro. Eu sabia que não devia nada a ele, nem satisfação, muito menos ficar esperando que ele percebesse a burrada que fez e viesse correndo de volta pra mim, mas era exatamente isso que eu estava fazendo. Por mais difícil que fosse admitir, eu ainda sentia sua falta, e alimentava uma esperança, mesmo que mínima, de que à qualquer momento ele bateria na minha porta pedindo perdão, e poderíamos voltar de onde paramos. Mas isso não iria acontecer, muito menos se ele visse aquelas merdas de matérias caluniosas e começasse a acreditar que eu já o esqueci.
Parecia ser um grande pesadelo.
Nos preparamos bastante para essa semana, para todas as entrevistas, e pra garantir que a divulgação do nosso novo single seria a melhor possível. Abstraímos as fofocas da última semana e estávamos contando que não seriam mencionadas por ninguém.
Há alguns dias começamos nossas aparições em programas de rádio e tudo têm se encaixado e fluído muito naturalmente. Os entrevistadores mantiveram o mesmo parâmetro de perguntas, se atentando às curiosidades sobre o álbum em andamento, e uma possível turnê, também sempre tentavam fazer diferentes jogos, que eles apresentavam como se fossem inéditos, mas normalmente era a nossa milésima vez participando daquela mesma brincadeira, "eu nunca", "quem é o mais provável", "o que você prefere", era quase um jogo da memória pra conseguir variar nas respostas.
Hoje passamos o dia ensaiando. Como seriam várias aparições seguidas em diferentes programas, não dava para cantar sempre as mesmas músicas. Tínhamos que focar no novo single, que era o motivo de toda a divulgação, mas em alguns talk shows, teríamos tempo para mais de uma performance, então tínhamos que preparar um repertório variado, que não entediasse os fãs que assistiriam à tudo.
Consequentemente, tivemos que voltar a ensaiar músicas mais antigas, que faziam sucesso, mas que não tocávamos constantemente e, ao contrário do que muitos pensam, esses ensaios demoram, além de relembrar a música, fazemos infinitos ajustem nos arranjos e nas vozes, sem contar que em programas televisivos, não apresentávamos as músicas inteiras, então precisávamos corta-las de uma forma harmoniosa e que não a estragasse. Era cansativo, mas necessário.
No fim do dia fomos para o estúdio da KIIS-FM, gravar com o Ryan Seacrest. Fizemos pela primeira vez uma apresentação ao vivo da versão acústica da nova música, e tudo corria da melhor forma possível. Ryan e sua equipe eram sempre muito gentis, e o clima das suas entrevistas era muito leve, ótimo para encerrar o nosso dia. Tinha apenas um detalhe que preferíamos que fosse evitado: ele adorava deixar o lado profissional de lado e perguntar sobre nossa vida privada, e não era nada sutil com isso.
- Me contem meninos, como andam os corações?
- Batendo, graças a Deus – Ashton respondeu sarcástico.
- Que bom, isso é importante... – riu do bom humor de Ash – e os relacionamentos? O Calum namora, certo? Já tem bastante tempo até, né?
- Isso mesmo, cinco anos – ele respondeu orgulhoso
- Mas e os outros? Todos solteiros? – silêncio. Talvez fosse mais fácil se logo falássemos que sim, mas não víamos muita necessidade de falar disso, sempre escalava pra uma conversa desnecessária e meio constrangedora – Fala sério gente, vocês são todos jovens, bonitões, e com certeza cheios de mulheres querendo ficar com vocês.
- Disso eu não sei – Ashton começou – Mas agora preferimos focar na nossa música. O Calum começou a namorar a Stella antes da banda estourar, ela acompanhou tudo do início e é nossa companheira, mas acho que hoje não temos espaço, nem tempo para começar uma história séria.
- Então alguém tem que avisar isso para os fotógrafos que andam atrás de vocês de um lado para o outro – riu alto e forçamos uma risada tentando não criar um clima constrangedor – Inclusive, sempre circulam fotos de vocês com várias garotas diferentes... não é possível que não tenha nenhuma especial.
Aí ficava o ponto chave da conversa, porque ou seríamos os babacas que achavam as mulheres descartáveis e nada especiais, ou os babacas que fingiam acreditar ter um futuro na relação, apenas para leva-las pra cama.
- "Especial" é uma péssima palavra para essa situação. – Falei querendo acabar logo com aquilo – Acho que é normal a gente conhecer muita gente e, em algumas situações, acabamos nos envolvendo com alguém, mas a nossa vida é muito corrida, não dá para evoluir muito e todo mundo sabe. Ninguém aqui engana ninguém – ri tentando descontrair.
- Então essa garota do pub que as pessoas falaram tanto nesses últimos dias, é um desses casos? Eu pergunto, por que suas fãs levantaram uma força tarefa para tentar descobrir quem é e se vocês estão namorando, ou qualquer coisa do tipo. – A vontade que eu tive nessa hora era de levantar e ir embora.
- Eu não estou namorando, nem pretendo. A conheci naquele dia mesmo e ela é muito legal, conversamos um pouco, mas não temos nada. Tiraram uma foto que foi publicada completamente fora de contexto, e criaram várias teorias em volta disso, mas realmente não existe nada demais ali. – Ela inclusive deve estar me odiando, pensei.
- Não dava para ver direito, mas ela parecia ser bem bonita – Cacete, ele ia continuar insistindo nisso?
- Ela é mesmo mas, como já falei, eu mal a conheço. Conversamos muito pouco e só isso. O problema aqui, é que parece que não temos o direito de ter amigas, sair e conversar sem que no dia seguinte estejam insinuando uma lua de mel – eu já estava demonstrando uma irritação maior do que deveria.
- São situação complicadas – Michael interrompeu percebendo meu desconforto – Acho normal que as pessoas que nos acompanham queiram saber das nossas vidas e se estamos namorando, mas temos que tomar cuidado em não expor demais pessoas que não tem nada a ver com isso. Se tornar figuras públicas foi uma decisão nossa, não podemos impor isso sobre os outros. - Foi uma ótima saída, muito mais articulada do que eu seria capaz de fazer.
Depois disso a entrevista não durou muito mais. Improvisamos um pedaço de uma música antiga só com violão e cajon, que ficou horrível, mas era o que dava pra fazer sem um aviso prévio, e fomos embora.
♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥
Saímos da rádio tinham menos de duas horas, mal tive tempo de tomar um banho e sentar no sofá, e Ashton já estava lá de novo... Eu tinha acabado de chegar em casa, passamos a semana inteira grudados, então por que caralhos ele estava tocando a minha campainha?
- Cara, o que você está fazendo aqui? – Perguntei abrindo a porta
- Eu mandei mensagem, mas acho que você não viu – foi logo entrando e abrindo a minha geladeira – As meninas chamaram a gente pra ir pra casa delas comer uma pizza e tomar um vinho.
- Do que você está falando? Que meninas? – era um termo extremamente vago, eram infinitas as opções que poderiam ser contempladas.
- Do pub – falou como se fosse óbvio. Eu nem sabia que eles ainda estavam se falando – Na verdade, a Helena chamou o Mike, então eu mandei mensagem pra Julia falando que eu iria também, e ela falou que você e o Ca podiam ir junto.
- Você ta brincando né?
- Claro que não. Por que?
- Você mal conhece a garota, e já se convidou para ir pra casa dela e ainda quer arrastar a banda toda?
- Ela que convidou a banda. O Calum e a Stella estão indo encontrar o Michael, e eu vim te buscar.
- Eu não vou, cara. Sem chance
- Porque não? Achei que você tinha gostado delas. Elas me pareceram bem tranquilas... não tem nada demais.
- Eu sei disso, mas ao contrário da Julia e da Helena que, aparentemente, gostaram de vocês, a deve estar me odiando depois daquele lance dos fotógrafos.
- Fala sério! Essa história já passou, ninguém nem lembra mais disso.
- Você por acaso não estava na mesma entrevista que eu hoje à tarde? Acabaram de me perguntar dela em uma entrevista de rádio! – Ele estava se fazendo de sonso, não é possível – Se ela já estava puta antes por causa do twitter, imagina agora que falaram dela na porra do rádio!
- Eu acho que você está exagerando, nem citaram nomes... e elas não te chamariam se a melhor amiga delas te odiasse.
- Então a sabe que me chamaram?
- Deve saber né... – falou sem muita certeza – Você sabia que elas são vizinhas? A Julia e a Helena moram no apartamento da frente do da ... a gente podia fazer isso também, né?
- Como assim? – Perguntei franzindo o rosto.
- Você podia comprar uma casa lá no meu condomínio, seríamos vizinhos...
- Deus me livre!
Compensar os dias que eu fiquei em casa estava sendo muito cansativo, eu chegava na editora antes das oito da manhã e só voltava pra casa depois das oito da noite, exausta. Mesmo assim, eu preferia estar atolada de trabalho, do que em casa, onde eu tinha que lidar com os meus pensamentos e tudo que me fazia lembrar meu ex-noivo. Eu também não queria ser a pessoa que vive enchendo a cabeça das amigas de problema, que só toca a campainha para reclamar e chorar. Elas já tinham me aguentado tempo o suficiente, agora eu teria que aprender a lidar com isso sozinha.
O maior problema era que o apartamento parecia ser todo revestido pelas coisas dele e, por mais que eu quisesse muito acreditar que ele voltaria atrás e ficaríamos bem de novo, eu não conseguiria continuar naquele lugar sendo lembrada constantemente de que fui abandonada. Então, por mais difícil que fosse, eu resolvi tirar o sábado para fazer uma faxina e deixar apenas as minhas coisas, sem resquícios de ex. Deixaria guardado em algum armário, pra caso ele resolvesse voltar, nem que fosse só pra pegar suas coisas de volta.
Para criar o clima perfeito para essa mudança de cenário, abri um vinho, botei uma playlist clichê de pós-termino, e comecei a tirar os porta-retratos que estavam espalhados por toda a sala ao som de Fighter da Christina Aguilera... hino. Eu nunca tinha percebido a quantidade de coisas dele que ficavam na minha sala, tinha uma montagem com fotos nossas em uma das paredes, fotografias de cabine de shopping, outras de férias e eventos que fomos juntos. Aquilo era um exagero, mas no fim das contas, tudo foi parar em uma caixa de papelão. Inevitavelmente, as lágrimas voltaram a escorrer pelo meu rosto enquanto eu analisava e empacotava cada item. Pegava, chorava, devolvia para o lugar onde estava, bebia mais um gole de vinho, pegava de novo e botava na caixa. Parecia dramático demais, mas foi um processo doloroso que reavivou várias memórias que eu preferia esquecer.
Aproveitei e tirei as capas das almofadas que ele gostava tanto, um abajur de chão que me deu de aniversário, e decidi me livrar também de uma poltrona que eu adorava, mas ele que tinha comprado e estava sempre sentado nela, então não era um bom móvel para ter por perto. Talvez eu devesse tirar alguns utensílios de cozinha que ele tinha me dado, mas não dava pra substituir na hora, então por enquanto, iriam continuar ali.
Depois de muitas horas limpando e esvaziando a minha casa, eu estava exausta, e o cansaço me fez parar de chorar em algum momento. Acho que meu corpo percebeu que eu estava perdendo muito líquido e, entre o suor e as lágrimas, deu um jeito de acabar com um dos dois antes que eu morresse de desidratação.
Não tive ânimo para fazer tudo em um único dia. Limpar a cozinha e a sala, que na verdade eram um cômodo só, estava de bom tamanho pra começar. Guardei as caixas no quarto de hóspedes, que servia como o depósito onde eu entulhava tudo o que não cabia no meu quarto, e abri a porta pra deixar a poltrona e o abajur na rua, pra caso alguém quisesse pegar. Afinal, se ele não teve a decência de terminar comigo cara a cara, eu não tinha nenhuma obrigação em continuar com aquela tralha toda dentro da minha casa. Eu só não estava contando que encontraria uma metade da Jungle Roots no meu corredor.
- O que vocês estão fazendo aqui?! – Perguntei completamente surpresa com a dupla que saia do elevador.
- Oi, ! – Ashton veio me abraçar.
- Eu estou toda suada! – tentei impedir o abraço. Aliás, suada, descabelada, com a cara inchada de choro, usando um short minúsculo e uma blusa toda rasgada. Antes que eu pudesse cavar um buraco no chão pra me enfiar, a porta do outro lado se abriu.
- Oi gente! – Julia falou animada olhando pra Ashton e , e arregalou os olhos quando percebeu que eu também estava ali, não tão feliz assim.
- Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?
- Amiga, eu esqueci de te avisar... a gente chamou os meninos para tomar um vinho com a gente.
- Esqueceu né? – Sinônimo pra: deixou para me avisar quando fosse tarde demais.
- Eu juro que achei que você soubesse – falou levantando as mãos em rendição – a última coisa que eu queria era te deixar desconfortável de novo, ainda mais na sua casa... – falou sem graça, dando alguns passos pra trás em direção ao elevador.
- Também não é pra tanto – falei me dando por vencida – não precisa ir embora, está tudo bem. – Ele já tinha ido até ali, seria muita grosseria faze-lo sair.
- Tem certeza?
- Aham...
- Ótimo, os outros já chegaram – Julia falou
- Oi gente – uma mulher morena e muito gata, por sinal, apareceu na porta – Vocês demoraram! – falou se dirigindo aos meninos.
- Esse daí ficou enrolando pra se arrumar. – Ashton respondeu apontando pro amigo, que ainda me encarava.
- Oi... Stella, – estendeu a mão esperando meu aperto – namorada do Calum – acho que esse era o baixista da banda, ele já tinha ido embora quando tudo aconteceu no pub.
- – respondi, ainda meio confusa com aquelas pessoas na minha porta.
- Eu sei, o Mike estava contando que você foi a salvadora da pátria na quinta-feira, principalmente pra esse idiota aqui, né? – falou dando um tapinha na cabeça de Ashton.
- Eei, acontece com os melhores – falou se defendendo.
- Verdade – respondi sorrindo.
- Gente, acho que podemos entrar e sair do corredor, né? – Julia falou apontando pra dentro do apartamento e eles foram passando – O que você está fazendo ?
- Faxina, estava precisando me livrar de umas coisas – falei empurrando a poltrona e o abajur, e ela deu um sorriso orgulhoso de quem entendeu que, aos poucos, eu estava saindo do luto.
- Quer ajuda? – perguntou apontando pros móveis comigo.
- Não precisa.
- Tem certeza? Não tem problema, fica como pagamento pela ajuda do bar – falou já segurando a poltrona
- Nesse caso eu tinha que fazer você descer com a cama e o sofá também... – brinquei enquanto esperávamos o elevador – aquela ajuda me saiu muito cara.
- Eu sinto muito, de verdade, – baixou o olhar envergonhado – eu quis ajudar o idiota do Ashton e acabei te colocando na bagunça.
- Pra ser sincera, eu fiquei bem puta quando vi o que estavam falando no Twitter, mas não tem jeito, eu sei que a culpa não foi sua, e nem dá pra ver direito que sou eu ali – falei sabendo que não era tão verdade... eu ganhei quase três mil seguidores em menos de 24 horas, não podia ser coincidência.
- Mesmo assim, me desculpa.
- Tudo bem... – falei e descemos pra deixar as coisas na rua. Ele levou a poltrona com facilidade, o que agilizou bastante o processo. Confesso que estava com medo de surgir um maluco com uma câmera do nada, e inventar que agora estávamos casados, ou algo do tipo.
- Eu ouvi a entrevista de vocês pro Ryan Seacrest.
- Teve isso também – falou rindo de nervoso.
- Foi legal o que você respondeu. Obrigada – sorri entrando novamente no prédio. Eu sabia que se era difícil pra mim ser exposta dessa forma, pra ele devia ser muito pior, tendo que lidar com isso constantemente.
- Nesse caso, você podia topar sair comigo...
- Você sabe aproveitar um momento de trégua pra investir, hein?
- Não aproveitar seria um desperdício – levantou uma das sobrancelhas querendo se justificar – Seria sem a banda inteira à tiracolo – completou sorrindo e eu tinha que confessar que era um puto sorriso. A combinação toda era incrível, o sorriso, os olhos verde-água, e também não tinha o que reclamar no corpo, mas o que vinha com tudo isso, era o problema.
- Sem a banda à tiracolo, mas com os paparazzi. – Rebati cruzando os braços.
- Eh, essa parte já é mais complicada – falou passando a mão na nuca.
- Não vai rolar – respondi direta, mas sorrindo. – Você parece ser um cara maneiro, mas eu realmente não me encaixo nesse papel de contatinho de popstar.
- E quem disse que você seria só um contatinho? – Indagou parando no corredor.
- Você mesmo, – falei rindo – na entrevista de hoje.
- Estava esperando que, de repente, você não teria prestado atenção nessa parte.
- Atenção aos detalhes é uma das minhas maiores qualidades. Eu sou escritora, esqueceu? Nada passa despercebido.
- Vou lembrar disso na próxima vez que me perguntarem de você.
- Idiota – falei empurrando seu braço.
- Fala sério... eu sou um cara legal, e vamos combinar que não sou nada feio...
- Muito modesto também.
- Pois é, essa é uma das minhas maiores qualidades – respondeu rindo – e você também. Muito legal e, definitivamente, nada feia... essa relação só tem como dar certo – falou se aproximando.
- Não tem "relação" nenhuma – enfatizei as aspas com as mãos – e se tivesse, teria tudo pra dar errado – conclui, e ele jogou a cabeça pra trás em desistência. – Por isso, a amizade aqui vai ser muito melhor, mais fácil, certeira e sem confusão.
- Amizade entre homem e mulher é chato – falou fazendo bico, parecia uma criança mimada.
- Isso por que você nunca foi meu amigo – respondi abrindo a porta do meu apartamento – Agora vai pra casa das meninas, já devem estar achando que eu te sequestrei.
- Eu não teria problema nenhum com isso... só pra constar – falou e eu revirei os olhos como resposta – Você não vem?
- Eu estou um lixo, preciso pelo menos de um banho, mas daqui a pouco eu vou – falei fechando a porta.
Eu tinha acabado de sair de um relacionamento longo e que estava longe de estar superado. Ainda estava frágil e tentando me reconstruir e redescobrir como mulher solteira. Não tinha espaço pra um outro cara na minha vida, ainda mais um que era imã de confusão. Mas de uma coisa já dava pra ter certeza, esse ainda me daria muito trabalho.
Eu amo escrever, acho que não tem nada na vida que eu goste mais de fazer do que isso. Sempre disse que gostaria de escrever o meu próprio livro, talvez algo de ficção científica, ou um romance, mas nunca consegui começar. Toda vez que eu pensava em sentar pra escrever, acontecia algo que me fazia adiar esse início. Já tinha até conversado com as minhas chefes sobre, e elas me deram a maior força, falaram inclusive que leriam e, se possível, tentaria publicar. Seria mesmo um sonho, mas no meio dele, ainda tinham todas as traduções, resenhas e críticas do site pra fazer e comentar, o que era ótimo também, eu amava o meu trabalho, não tinha do que reclamar.
Mesmo assim, eu estava há quase duas semanas sem aparecer na editora. Por causa do meu luto pós pé na bunda, fiquei trabalhando de casa, o que não funcionou muito já que eu estava mais ocupada sofrendo. Sendo assim, eu tinha muito trabalho pra colocar em dia, não podia nem de parar para almoçar.
Além disso, no início desse ano contratamos dois estagiários que trabalhavam principalmente com revisão de crônicas, e eu era a responsável por supervisionar o trabalho deles. Não era um trabalho árduo, eles eram muito bons e empenhados, e eu gostava de trabalhar com quem estava começando, mesmo assim, era mais uma coisa que eu tinha para fazer.
- , eu vou deixar esse manuscrito impresso na sua mesa, para você revisar quando puder, tudo bem? – Cris era uma das estagiárias, tinha uns dezoito anos, eu acho, mas nos dávamos muito bem, ela era muito esforçada, provavelmente seria efetivada daqui a um tempo.
- É aquele que você já tinha me mostrado e eu marquei as correções que precisavam ser feitas?
- Ele mesmo.
- Então não precisa me mostrar de novo. Eu estou enrolada, botando outro trabalhos em dia, não vai dar tempo de ler novamente. Se você corrigiu tudo que eu apontei e está segura, pode enviar direto para gráfica. – falei voltando minha atenção para o computador na minha mesa. Quando estagiária, é muito comum duvidar do seu trabalho, e pode ser assustador alguém confiar que ele não precisa ser revisado, mas eventualmente teria que acontecer, e se houvesse erros, ela sabia que seriam de sua responsabilidade. Apesar disso, ela não parecia nervosa, mesmo assim, ficou parada na minha frente, como se ainda esperasse algo de mim – Precisa de mais alguma coisa?
- Não – falou sem graça, dando um passo pra trás, mas logo se arrependeu voltando a se aproximar – na verdade... eu queria te fazer uma pergunta.
- Pode perguntar – larguei o mouse e o teclado para dar a atenção que ela parecia precisar.
- É meio idiota e eu não tenho nada a ver com isso, a vida é sua, obviamente, e se você não quiser responder, tudo bem – parecia tão nervosa que já estava me deixando agoniada. Nunca tive uma relação de chefe e subordinado com os estagiários, muito pelo contrário, tirando a diferença de idade que os impedia de irem à bares depois do expediente, tínhamos uma relação de amizade, conversávamos sobre tudo, inclusive, a Cris sabia que, o real motivo de eu ter sumido por duas semanas, não era uma doença. Então para que esse suspense todo?
- Fala logo Cris! O que aconteceu?
- É verdade que você está saindo com o Ammel? – soltou de uma vez só
- Como é?!
- O Ammel – repetiu – da Jungle Roots.
- Eu entendi... de onde você tirou isso?
- Do Twitter – falou pegando o celular para me mostrar as "notícias" que inundavam suas redes sociais.
- Puta que pariu... não acredito! – Tinha uma foto nossa na porta do pub! Ficamos ali por menos de um minuto e já foi suficiente para tirarem várias fotos e eu virar "o novo contatinho de Ammel". Eu não estou nem brincando, era exatamente assim que as matérias que circulavam se referiam a mim, "o novo contatinho de Ammel"?! Até parece... eu mal conhecia o cara! Pelo menos a maioria das fotos estavam tremidas e eu estava atrás de um vidro com os reflexos de flashes, isso dificultava que me reconhecessem. Por causa disso começaram até uma hashtag de #garotadopub. Puta que pariu vinte vezes!
- Então é verdade? – Jonny, meu outro estagiário, se juntou a nós enfatizando a pergunta.
- Não! Não tem nada de verdade nisso. – falei nervosa – Eu mal o conheço, ele só queria a minha ajuda pra resolver um problema.
- Aah que pena... – ele falou e eu franzi o rosto sem entender – Seria muito legal se vocês estivessem saindo mesmo, a Jungle Roots é muito maneira e ele é um gato – completou se abanando.
- A gente não tem nada a ver, eu só o ajudei com uma coisa, mas a gente nem se conhece direito... eu realmente não esperava que fosse dar esse problema... – falei apoiando o rosto nas mão sobre a mesa.
- Relaxa , nem dá para te reconhecer direito – Jonny fez uma tentativa de me tranquilizar.
- Vocês reconheceram!
- Mas a gente te vê quase todo dia, e mesmo assim não tínhamos certeza
- Obrigada – forcei um sorriso – Por favor, não comentem isso com ninguém... ninguém mesmo, pode ser?
- Pode deixar... – Cris falou se afastando pra voltar a sua mesa, e Jonny fechou um zíper imaginário na boca.
A minha vontade era de pegar logo as minhas coisas e ir embora, mas considerando a minha ausência ali, isso não era uma opção. Contei os minutos até o final do meu expediente, e fui direto pra casa. Ainda estava difícil de acreditar naquilo. Será que muita gente já tinha visto? Será que também me reconheceram? Pelo amor de Deus, a última coisa que eu queria era virar fofoca e ainda ter que lidar com várias pessoas pesquisando sobre a minha vida. Sempre achei horrível que personalidades públicas não conseguiam ter uma vida privada, não podiam sair sem ter alguém os seguindo e postando nas redes sociais onde estavam, com quem e o que estavam fazendo a cada segundo, e as pessoas de quem elas se aproximam, acabam sendo arrastadas para essa confusão. Nunca imaginei que seria eu ali.
Cheguei no meu prédio e fui direto para o apartamento das meninas. Ser vizinha das minhas melhores amigas podia ter suas dificuldades e momentos de excessos, mas nessas situações não tinha nada melhor. Toquei a campainha e Julia logo abriu com o celular na mão.
- Acabei de ver, já ia te mandar mensagem.
- Eu não estou crendo... cacete, eu abri a porta do pub por meio minuto! Meio minuto!
- Eu sei amiga, calma – falou me entregando uma cerveja.
- Calma é o caralho, isso é um saco, – me joguei no sofá – já até me arrependi de ter ajudado.
- O não tem culpa, aliás, ele só estava querendo ajudar o amigo.
- Eu sei..., mas é uma merda! – Falei pegando um pote de melancia na sua geladeira – Cadê a Helena?
- Ela me ligou há vinte minutos dizendo que estava saindo do consultório, deve estar chegando.
- Nunca achei que eu seria "a garota do pub" de alguém... ninguém merece – falei olhando pra ela, mas parecia nem ter ouvido já que continuou olhando pro celular.
- Ooh garota, eu vim pra cá para me lamentar com uma amiga, pode parar de me ignorar? Eu estou falando sozinha.
- Desculpa amiga, eu to falando com o Ashton. Eles já viram o que está acontecendo, e parece que o está puto da vida.
- Ué, já devia estar acostumado com essas coisas... quem tem que estar puta sou eu – falei da boca pra fora, sabia que não era simples assim.
- Opaa, e por que você estaria puta? – Helena chegou pegando a conversa pela metade.
- Vocês me convenceram a ajudar os garotos da Jungle Roots e agora eu virei falso contatinho de astro pop... – expliquei irritada – "Missão secreta para salvar a banda dos tabloides" "Vai lá , a gente te ajuda" – generalizei uma voz finíssima como se imitasse as duas.
- As fotos foram tiradas antes da gente te convencer de qualquer coisa, então a culpa não é nossa. E o ta pedindo desculpas... falou que não queria ter te metido nisso – Julia tentou defender o novo amiguinho
- Do que vocês estão falando?
Mostramos as matérias pra Lena e ela ficou tão surpresa quanto nós. Tentava me acalmar dizendo que não tinha nada demais, as fotos não estavam nítidas, nem dava pra ver direito quem era ali. E talvez não desse mesmo, mas não tinha como ter certeza. E se alguém me reconhecesse ali?
E se o Derek me reconhecesse?
Pra ser sincera, isso era o que mais me preocupava, que ele pensasse que eu já estava com outro. Eu sabia que não devia nada a ele, nem satisfação, muito menos ficar esperando que ele percebesse a burrada que fez e viesse correndo de volta pra mim, mas era exatamente isso que eu estava fazendo. Por mais difícil que fosse admitir, eu ainda sentia sua falta, e alimentava uma esperança, mesmo que mínima, de que à qualquer momento ele bateria na minha porta pedindo perdão, e poderíamos voltar de onde paramos. Mas isso não iria acontecer, muito menos se ele visse aquelas merdas de matérias caluniosas e começasse a acreditar que eu já o esqueci.
Parecia ser um grande pesadelo.
Nos preparamos bastante para essa semana, para todas as entrevistas, e pra garantir que a divulgação do nosso novo single seria a melhor possível. Abstraímos as fofocas da última semana e estávamos contando que não seriam mencionadas por ninguém.
Há alguns dias começamos nossas aparições em programas de rádio e tudo têm se encaixado e fluído muito naturalmente. Os entrevistadores mantiveram o mesmo parâmetro de perguntas, se atentando às curiosidades sobre o álbum em andamento, e uma possível turnê, também sempre tentavam fazer diferentes jogos, que eles apresentavam como se fossem inéditos, mas normalmente era a nossa milésima vez participando daquela mesma brincadeira, "eu nunca", "quem é o mais provável", "o que você prefere", era quase um jogo da memória pra conseguir variar nas respostas.
Hoje passamos o dia ensaiando. Como seriam várias aparições seguidas em diferentes programas, não dava para cantar sempre as mesmas músicas. Tínhamos que focar no novo single, que era o motivo de toda a divulgação, mas em alguns talk shows, teríamos tempo para mais de uma performance, então tínhamos que preparar um repertório variado, que não entediasse os fãs que assistiriam à tudo.
Consequentemente, tivemos que voltar a ensaiar músicas mais antigas, que faziam sucesso, mas que não tocávamos constantemente e, ao contrário do que muitos pensam, esses ensaios demoram, além de relembrar a música, fazemos infinitos ajustem nos arranjos e nas vozes, sem contar que em programas televisivos, não apresentávamos as músicas inteiras, então precisávamos corta-las de uma forma harmoniosa e que não a estragasse. Era cansativo, mas necessário.
No fim do dia fomos para o estúdio da KIIS-FM, gravar com o Ryan Seacrest. Fizemos pela primeira vez uma apresentação ao vivo da versão acústica da nova música, e tudo corria da melhor forma possível. Ryan e sua equipe eram sempre muito gentis, e o clima das suas entrevistas era muito leve, ótimo para encerrar o nosso dia. Tinha apenas um detalhe que preferíamos que fosse evitado: ele adorava deixar o lado profissional de lado e perguntar sobre nossa vida privada, e não era nada sutil com isso.
- Me contem meninos, como andam os corações?
- Batendo, graças a Deus – Ashton respondeu sarcástico.
- Que bom, isso é importante... – riu do bom humor de Ash – e os relacionamentos? O Calum namora, certo? Já tem bastante tempo até, né?
- Isso mesmo, cinco anos – ele respondeu orgulhoso
- Mas e os outros? Todos solteiros? – silêncio. Talvez fosse mais fácil se logo falássemos que sim, mas não víamos muita necessidade de falar disso, sempre escalava pra uma conversa desnecessária e meio constrangedora – Fala sério gente, vocês são todos jovens, bonitões, e com certeza cheios de mulheres querendo ficar com vocês.
- Disso eu não sei – Ashton começou – Mas agora preferimos focar na nossa música. O Calum começou a namorar a Stella antes da banda estourar, ela acompanhou tudo do início e é nossa companheira, mas acho que hoje não temos espaço, nem tempo para começar uma história séria.
- Então alguém tem que avisar isso para os fotógrafos que andam atrás de vocês de um lado para o outro – riu alto e forçamos uma risada tentando não criar um clima constrangedor – Inclusive, sempre circulam fotos de vocês com várias garotas diferentes... não é possível que não tenha nenhuma especial.
Aí ficava o ponto chave da conversa, porque ou seríamos os babacas que achavam as mulheres descartáveis e nada especiais, ou os babacas que fingiam acreditar ter um futuro na relação, apenas para leva-las pra cama.
- "Especial" é uma péssima palavra para essa situação. – Falei querendo acabar logo com aquilo – Acho que é normal a gente conhecer muita gente e, em algumas situações, acabamos nos envolvendo com alguém, mas a nossa vida é muito corrida, não dá para evoluir muito e todo mundo sabe. Ninguém aqui engana ninguém – ri tentando descontrair.
- Então essa garota do pub que as pessoas falaram tanto nesses últimos dias, é um desses casos? Eu pergunto, por que suas fãs levantaram uma força tarefa para tentar descobrir quem é e se vocês estão namorando, ou qualquer coisa do tipo. – A vontade que eu tive nessa hora era de levantar e ir embora.
- Eu não estou namorando, nem pretendo. A conheci naquele dia mesmo e ela é muito legal, conversamos um pouco, mas não temos nada. Tiraram uma foto que foi publicada completamente fora de contexto, e criaram várias teorias em volta disso, mas realmente não existe nada demais ali. – Ela inclusive deve estar me odiando, pensei.
- Não dava para ver direito, mas ela parecia ser bem bonita – Cacete, ele ia continuar insistindo nisso?
- Ela é mesmo mas, como já falei, eu mal a conheço. Conversamos muito pouco e só isso. O problema aqui, é que parece que não temos o direito de ter amigas, sair e conversar sem que no dia seguinte estejam insinuando uma lua de mel – eu já estava demonstrando uma irritação maior do que deveria.
- São situação complicadas – Michael interrompeu percebendo meu desconforto – Acho normal que as pessoas que nos acompanham queiram saber das nossas vidas e se estamos namorando, mas temos que tomar cuidado em não expor demais pessoas que não tem nada a ver com isso. Se tornar figuras públicas foi uma decisão nossa, não podemos impor isso sobre os outros. - Foi uma ótima saída, muito mais articulada do que eu seria capaz de fazer.
Depois disso a entrevista não durou muito mais. Improvisamos um pedaço de uma música antiga só com violão e cajon, que ficou horrível, mas era o que dava pra fazer sem um aviso prévio, e fomos embora.
Saímos da rádio tinham menos de duas horas, mal tive tempo de tomar um banho e sentar no sofá, e Ashton já estava lá de novo... Eu tinha acabado de chegar em casa, passamos a semana inteira grudados, então por que caralhos ele estava tocando a minha campainha?
- Cara, o que você está fazendo aqui? – Perguntei abrindo a porta
- Eu mandei mensagem, mas acho que você não viu – foi logo entrando e abrindo a minha geladeira – As meninas chamaram a gente pra ir pra casa delas comer uma pizza e tomar um vinho.
- Do que você está falando? Que meninas? – era um termo extremamente vago, eram infinitas as opções que poderiam ser contempladas.
- Do pub – falou como se fosse óbvio. Eu nem sabia que eles ainda estavam se falando – Na verdade, a Helena chamou o Mike, então eu mandei mensagem pra Julia falando que eu iria também, e ela falou que você e o Ca podiam ir junto.
- Você ta brincando né?
- Claro que não. Por que?
- Você mal conhece a garota, e já se convidou para ir pra casa dela e ainda quer arrastar a banda toda?
- Ela que convidou a banda. O Calum e a Stella estão indo encontrar o Michael, e eu vim te buscar.
- Eu não vou, cara. Sem chance
- Porque não? Achei que você tinha gostado delas. Elas me pareceram bem tranquilas... não tem nada demais.
- Eu sei disso, mas ao contrário da Julia e da Helena que, aparentemente, gostaram de vocês, a deve estar me odiando depois daquele lance dos fotógrafos.
- Fala sério! Essa história já passou, ninguém nem lembra mais disso.
- Você por acaso não estava na mesma entrevista que eu hoje à tarde? Acabaram de me perguntar dela em uma entrevista de rádio! – Ele estava se fazendo de sonso, não é possível – Se ela já estava puta antes por causa do twitter, imagina agora que falaram dela na porra do rádio!
- Eu acho que você está exagerando, nem citaram nomes... e elas não te chamariam se a melhor amiga delas te odiasse.
- Então a sabe que me chamaram?
- Deve saber né... – falou sem muita certeza – Você sabia que elas são vizinhas? A Julia e a Helena moram no apartamento da frente do da ... a gente podia fazer isso também, né?
- Como assim? – Perguntei franzindo o rosto.
- Você podia comprar uma casa lá no meu condomínio, seríamos vizinhos...
- Deus me livre!
Compensar os dias que eu fiquei em casa estava sendo muito cansativo, eu chegava na editora antes das oito da manhã e só voltava pra casa depois das oito da noite, exausta. Mesmo assim, eu preferia estar atolada de trabalho, do que em casa, onde eu tinha que lidar com os meus pensamentos e tudo que me fazia lembrar meu ex-noivo. Eu também não queria ser a pessoa que vive enchendo a cabeça das amigas de problema, que só toca a campainha para reclamar e chorar. Elas já tinham me aguentado tempo o suficiente, agora eu teria que aprender a lidar com isso sozinha.
O maior problema era que o apartamento parecia ser todo revestido pelas coisas dele e, por mais que eu quisesse muito acreditar que ele voltaria atrás e ficaríamos bem de novo, eu não conseguiria continuar naquele lugar sendo lembrada constantemente de que fui abandonada. Então, por mais difícil que fosse, eu resolvi tirar o sábado para fazer uma faxina e deixar apenas as minhas coisas, sem resquícios de ex. Deixaria guardado em algum armário, pra caso ele resolvesse voltar, nem que fosse só pra pegar suas coisas de volta.
Para criar o clima perfeito para essa mudança de cenário, abri um vinho, botei uma playlist clichê de pós-termino, e comecei a tirar os porta-retratos que estavam espalhados por toda a sala ao som de Fighter da Christina Aguilera... hino. Eu nunca tinha percebido a quantidade de coisas dele que ficavam na minha sala, tinha uma montagem com fotos nossas em uma das paredes, fotografias de cabine de shopping, outras de férias e eventos que fomos juntos. Aquilo era um exagero, mas no fim das contas, tudo foi parar em uma caixa de papelão. Inevitavelmente, as lágrimas voltaram a escorrer pelo meu rosto enquanto eu analisava e empacotava cada item. Pegava, chorava, devolvia para o lugar onde estava, bebia mais um gole de vinho, pegava de novo e botava na caixa. Parecia dramático demais, mas foi um processo doloroso que reavivou várias memórias que eu preferia esquecer.
Aproveitei e tirei as capas das almofadas que ele gostava tanto, um abajur de chão que me deu de aniversário, e decidi me livrar também de uma poltrona que eu adorava, mas ele que tinha comprado e estava sempre sentado nela, então não era um bom móvel para ter por perto. Talvez eu devesse tirar alguns utensílios de cozinha que ele tinha me dado, mas não dava pra substituir na hora, então por enquanto, iriam continuar ali.
Depois de muitas horas limpando e esvaziando a minha casa, eu estava exausta, e o cansaço me fez parar de chorar em algum momento. Acho que meu corpo percebeu que eu estava perdendo muito líquido e, entre o suor e as lágrimas, deu um jeito de acabar com um dos dois antes que eu morresse de desidratação.
Não tive ânimo para fazer tudo em um único dia. Limpar a cozinha e a sala, que na verdade eram um cômodo só, estava de bom tamanho pra começar. Guardei as caixas no quarto de hóspedes, que servia como o depósito onde eu entulhava tudo o que não cabia no meu quarto, e abri a porta pra deixar a poltrona e o abajur na rua, pra caso alguém quisesse pegar. Afinal, se ele não teve a decência de terminar comigo cara a cara, eu não tinha nenhuma obrigação em continuar com aquela tralha toda dentro da minha casa. Eu só não estava contando que encontraria uma metade da Jungle Roots no meu corredor.
- O que vocês estão fazendo aqui?! – Perguntei completamente surpresa com a dupla que saia do elevador.
- Oi, ! – Ashton veio me abraçar.
- Eu estou toda suada! – tentei impedir o abraço. Aliás, suada, descabelada, com a cara inchada de choro, usando um short minúsculo e uma blusa toda rasgada. Antes que eu pudesse cavar um buraco no chão pra me enfiar, a porta do outro lado se abriu.
- Oi gente! – Julia falou animada olhando pra Ashton e , e arregalou os olhos quando percebeu que eu também estava ali, não tão feliz assim.
- Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?
- Amiga, eu esqueci de te avisar... a gente chamou os meninos para tomar um vinho com a gente.
- Esqueceu né? – Sinônimo pra: deixou para me avisar quando fosse tarde demais.
- Eu juro que achei que você soubesse – falou levantando as mãos em rendição – a última coisa que eu queria era te deixar desconfortável de novo, ainda mais na sua casa... – falou sem graça, dando alguns passos pra trás em direção ao elevador.
- Também não é pra tanto – falei me dando por vencida – não precisa ir embora, está tudo bem. – Ele já tinha ido até ali, seria muita grosseria faze-lo sair.
- Tem certeza?
- Aham...
- Ótimo, os outros já chegaram – Julia falou
- Oi gente – uma mulher morena e muito gata, por sinal, apareceu na porta – Vocês demoraram! – falou se dirigindo aos meninos.
- Esse daí ficou enrolando pra se arrumar. – Ashton respondeu apontando pro amigo, que ainda me encarava.
- Oi... Stella, – estendeu a mão esperando meu aperto – namorada do Calum – acho que esse era o baixista da banda, ele já tinha ido embora quando tudo aconteceu no pub.
- – respondi, ainda meio confusa com aquelas pessoas na minha porta.
- Eu sei, o Mike estava contando que você foi a salvadora da pátria na quinta-feira, principalmente pra esse idiota aqui, né? – falou dando um tapinha na cabeça de Ashton.
- Eei, acontece com os melhores – falou se defendendo.
- Verdade – respondi sorrindo.
- Gente, acho que podemos entrar e sair do corredor, né? – Julia falou apontando pra dentro do apartamento e eles foram passando – O que você está fazendo ?
- Faxina, estava precisando me livrar de umas coisas – falei empurrando a poltrona e o abajur, e ela deu um sorriso orgulhoso de quem entendeu que, aos poucos, eu estava saindo do luto.
- Quer ajuda? – perguntou apontando pros móveis comigo.
- Não precisa.
- Tem certeza? Não tem problema, fica como pagamento pela ajuda do bar – falou já segurando a poltrona
- Nesse caso eu tinha que fazer você descer com a cama e o sofá também... – brinquei enquanto esperávamos o elevador – aquela ajuda me saiu muito cara.
- Eu sinto muito, de verdade, – baixou o olhar envergonhado – eu quis ajudar o idiota do Ashton e acabei te colocando na bagunça.
- Pra ser sincera, eu fiquei bem puta quando vi o que estavam falando no Twitter, mas não tem jeito, eu sei que a culpa não foi sua, e nem dá pra ver direito que sou eu ali – falei sabendo que não era tão verdade... eu ganhei quase três mil seguidores em menos de 24 horas, não podia ser coincidência.
- Mesmo assim, me desculpa.
- Tudo bem... – falei e descemos pra deixar as coisas na rua. Ele levou a poltrona com facilidade, o que agilizou bastante o processo. Confesso que estava com medo de surgir um maluco com uma câmera do nada, e inventar que agora estávamos casados, ou algo do tipo.
- Eu ouvi a entrevista de vocês pro Ryan Seacrest.
- Teve isso também – falou rindo de nervoso.
- Foi legal o que você respondeu. Obrigada – sorri entrando novamente no prédio. Eu sabia que se era difícil pra mim ser exposta dessa forma, pra ele devia ser muito pior, tendo que lidar com isso constantemente.
- Nesse caso, você podia topar sair comigo...
- Você sabe aproveitar um momento de trégua pra investir, hein?
- Não aproveitar seria um desperdício – levantou uma das sobrancelhas querendo se justificar – Seria sem a banda inteira à tiracolo – completou sorrindo e eu tinha que confessar que era um puto sorriso. A combinação toda era incrível, o sorriso, os olhos verde-água, e também não tinha o que reclamar no corpo, mas o que vinha com tudo isso, era o problema.
- Sem a banda à tiracolo, mas com os paparazzi. – Rebati cruzando os braços.
- Eh, essa parte já é mais complicada – falou passando a mão na nuca.
- Não vai rolar – respondi direta, mas sorrindo. – Você parece ser um cara maneiro, mas eu realmente não me encaixo nesse papel de contatinho de popstar.
- E quem disse que você seria só um contatinho? – Indagou parando no corredor.
- Você mesmo, – falei rindo – na entrevista de hoje.
- Estava esperando que, de repente, você não teria prestado atenção nessa parte.
- Atenção aos detalhes é uma das minhas maiores qualidades. Eu sou escritora, esqueceu? Nada passa despercebido.
- Vou lembrar disso na próxima vez que me perguntarem de você.
- Idiota – falei empurrando seu braço.
- Fala sério... eu sou um cara legal, e vamos combinar que não sou nada feio...
- Muito modesto também.
- Pois é, essa é uma das minhas maiores qualidades – respondeu rindo – e você também. Muito legal e, definitivamente, nada feia... essa relação só tem como dar certo – falou se aproximando.
- Não tem "relação" nenhuma – enfatizei as aspas com as mãos – e se tivesse, teria tudo pra dar errado – conclui, e ele jogou a cabeça pra trás em desistência. – Por isso, a amizade aqui vai ser muito melhor, mais fácil, certeira e sem confusão.
- Amizade entre homem e mulher é chato – falou fazendo bico, parecia uma criança mimada.
- Isso por que você nunca foi meu amigo – respondi abrindo a porta do meu apartamento – Agora vai pra casa das meninas, já devem estar achando que eu te sequestrei.
- Eu não teria problema nenhum com isso... só pra constar – falou e eu revirei os olhos como resposta – Você não vem?
- Eu estou um lixo, preciso pelo menos de um banho, mas daqui a pouco eu vou – falei fechando a porta.
Eu tinha acabado de sair de um relacionamento longo e que estava longe de estar superado. Ainda estava frágil e tentando me reconstruir e redescobrir como mulher solteira. Não tinha espaço pra um outro cara na minha vida, ainda mais um que era imã de confusão. Mas de uma coisa já dava pra ter certeza, esse ainda me daria muito trabalho.
Capítulo 3
3
A vida é muito doida. Dá cada volta repentina e nos surpreende de formas tão absurdas que se tentássemos contar pra algum desconhecido, com certeza achariam que estamos mentindo.
Nas últimas semanas eu havia passado de uma mulher que vivia em casa, chorando pelo pé na bunda que tinha levado do ex noivo, para alguém que tinha reaprendido a se divertir e apreciar bons momentos da vida. A minha repentina aproximação com os membros da Jungle Roots deu uma reviravolta na minha rotina. Desde que minhas amigas os chamaram pra comer pizza na casa delas, a gente se aproximou muito e estranhamente rápido. Eles estavam em um momento bastante agitado da carreira, com muitos ensaios e entrevistas, então não era sempre que conseguíamos nos ver, mas nos falávamos com frequência, e basicamente todo tempo livre que eles tinham, estavam com a gente. O que também era um prato cheio para as colunas de fofoca. De acordo com "fontes confiáveis" estávamos todos casados, vivendo em uma constante suruba.
Obviamente, o fato do Michael e da Helena estarem caminhando para um namoro, e da Julia e do Ashton estarem caminhando pra alguma outra coisa que ninguém saberia explicar, fazia deles quase moradores honorários do nosso corredor. Acabamos ficando muito próximas da Stella também, namorada do Calum. Ela era designer de joias e tinha uma boutique em Beverly Hills. Aparentemente ela estava começando a ficar famosa no mundo da moda, já havia montado algumas celebridades, estava para lançar uma nova coleção, e tinha sido convidada pela Calvin Klein para fazerem uma colaboração. Além disso, como ela já estava acostumada a lidar com o assédio da imprensa, e o amor e ódio das fãs da banda, estava nos ajudando, principalmente a Julia e a Helena, a lidar com isso também. Elas não estavam namorando oficialmente os meninos, e segundo a Ju, isso não aconteceria nunca, mas sempre apareciam aos beijos na rua, e acabavam sendo fotografados.
O meu caso era diferente. Tinham alguns rumores que diziam que eu e estávamos nos "conhecendo melhor" ou namorando, e as fãs sempre queria saber mais da minha vida, algumas até davam a entender que queriam que a gente namorasse, mas não tinha a parte dos beijos, então os fotógrafos não caiam em cima da mesma maneira. De qualquer forma, eu evitava dar corda pra esse tipo coisa me mantendo longe das fofocas do Twitter.
Ao mesmo tempo, eu estava me acostumando com tudo isso e já tinha decidido que não deixaria de ser amiga deles por causa de paparazzi ou tabloide. Além disso, de alguma forma, a amizade deles estava me ajudado muito. Eu não ficava mais chorando pelos cantos, e o até me ajudou a separar o restante das coisas do Derek para colocar em caixas, e respeitou quando eu não quis entrar em detalhes sobre o que tinha acontecido. Ele era bem diferente do que eu esperava de um vocalista de banda, ainda mais por ser gato pra caralho e solteiro. Trocávamos mensagem todo dia, e surpreendentemente os assuntos não acabavam facilmente. Descobrimos que tínhamos bastante coisa em comum, como a falta de habilidades culinárias e o amor por basquete, apesar dele não compartilhar do meu bom gosto e preferir o Los Angeles Lakers, enquanto eu obviamente torcia pro Golden States Warriors. Não tinha como assistir ao Stephen Curry e torcer pra qualquer outro time.
Outra coisa curiosa que eu descobri, é que não dava para ser próxima apenas de um membro da banda, principalmente quando as suas melhores amigas estão ficando com os outros, eles funcionavam como um combo. Amiga de um, amiga de todos. Por isso, eu não estranhei tanto quando Ashton e Michael tocaram a minha campainha numa quarta-feira à tarde.
- Acho que vocês tocaram a campainha errada – falei depois de abrir a porta.
- Não senhora, – Ash respondeu me abraçando – o bobão aqui quer conversar com você.
- Vai se foder! – Michael respondeu enquanto me cumprimentava – Não era nem para você estar aqui.
- Eu que dei a ideia de você vir falar com ela.
- "Ela" está aqui – interrompi – do que vocês estão falando?
- É sobre a Lena...
- Lá vem... Aviso logo que se você estiver de palhaçada, só brincando com os sentimentos dela, eu acabo com você hein, foda-se o que vai sair na impressa.
- Eitaa, calma ai! Não é nada disso – falou se defendendo, e foi se sentar no banco em baixo da janela – Muito pelo contrário.
- Você não vai pedi-la em casamento, né? – Perguntei com medo da resposta e recebi uma gargalhada estridente de Ash – Fala logo Mike!
- Ele quer pedir a Helena em namoro – Ashton falou já impaciente
- Caralho moleque, fica quieto!
- Está brincando, né? – falei me jogando no sofá.
- Por que? Você acha que ela não vai aceitar?
- Eu achei que já estavam namorando, vocês estão juntos quase todo dia.
- Eu sei, mas não tem nada oficial. Ninguém nunca falou em namoro.
- E você acha que ela vai dizer "não"? – Perguntei achando meio fofo o nervosismo dele. Era óbvio que ela aceiraria, a bichinha estava toda apaixonada.
- Sei lá, foi tudo meio rápido né? A gente se conhece a menos de um mês... vai que ela me acha maluco.
- Você é maluco, já falei mil vezes que é uma péssima ideia desperdiçar a vida de solteiro agora – Ashton se intrometeu para falar merda, como sempre.
- Cala a boca! – falei jogando uma almofada nele – Se vocês se gostam de verdade, acho válido fazer esse pedido aí. Apesar de eu achar pedido de namoro uma coisa meio ultrapassada.
- Ela também acha ultrapassado?! – Michael voltou a ficar nervoso. O que estava acontecendo com esse homem?
- Fica calmo, pelo amor de Deus! Vai acabar enfartando aqui na minha sala.
- Relaxa cara – Ashton levantou indo até a cozinha – você está pensando demais, claro que ela vai aceitar – falou e parou olhando pra mim – Mas e você , qual é a desse seu ex-namorado? – Perguntou e eu o olhei fixamente sem saber o que responder. Não estava esperando por aquela pergunta, não era algo que eu estava prepara pra conversar, muito menos com o Ashton que arranjaria uma forma de fazer alguma piadinha idiota.
- Ashton, fica quieto, por favor. – Michael falou envergonhado, tentando fazer o amigo se tocar da inconveniência.
- Ué, não falei nada demais. Só perguntei por que eu sei que ela está solteira e, como não quis nada com o , achei estranho, só isso.
- Se você acha o tão irresistível assim, fica você com ele. Eu juro que não vou me importar.
- Muito engraçada. Mas falando sério, você é a maior gata, pode pegar o cara que quiser, não estou falando que precisa ser o , mas acho um desperdício uma mulher dessas dormir sozinha.
- Ashton! – ele não tinha absolutamente nenhum filtro, isso me assustava ás vezes.
- Com todo respeito do mundo, claro.
- Sei...
- Eu só estou falando que talvez sair com outras pessoas seria uma ótima forma de remendar um coração partido e, pelo amor de Deus, não arranje um namorado pelos próximos cinco anos...
- Por que isso? Quer se candidatar? – perguntei brincando.
- Deixa a Julia ouvir isso... – Michael falou nos observando.
- Não, você não está pronta pra um cara como eu.
- Nisso podemos concordar.
- Mas você pode muito bem começar a aproveitar a vida um pouco mais, conhecer uns caras, dar pra outros... – eu ainda não estava acreditando no que estava ouvindo – Nem toda transa vai ser boa, mas pelo menos você vai ter história pra contar.
- É isso que você fala paras mulheres quando brocha? – Mike perguntou e eu cai na gargalhada.
- Vocês não têm maturidade pros meus conselhos – respondeu revirando os olhos – Só queria ajudar... mas falando em possíveis transas pra , vocês sabem onde está o ?
- Você é ridículo, já disse que não vai rolar. – Falei segundos antes do meu celular tocar com o nome do dito cujo aparecendo na tela, e recebi um sorriso safado de Ashton. – Não morre tão cedo – atendi a ligação.
- Hmm, estava pensando em mim? Em como eu sou gostoso e você não aguenta mais resistir ao meu charme? – falou do outro lado.
- Quase isso... o Ash estava perguntando onde você está.
- Ele te ligou só para perguntar onde eu estou? Por que ele não ligou para mim?
- Ele está aqui em casa – falei colocando no viva-voz
- Na sua casa? Por que?
- Isso é ciúmes que eu estou escutando?
- Claro! Cada um com uma amiga e ele já está pegando a Julia...
- Ela não se importa de dividir – respondi brincando
- Nem eu! – Ashton falou com um sorriso malicioso, aff...
- Ashton, mais tarde vamos ter uma conversinha muito séria – completou em tom dramático.
- Fala logo o que você quer?
- Eu queria saber se o amor da minha vida não quer sair comigo.
- Não sei, pergunta pra ela.
- Só pra comer, meu amor! Sem segundas intenções, a não ser que você queira, é claro.
- Ha-ha-ha muito engraçado. – falei sorrindo – Depois alguém te escuta falando essas merdas e eu viro matéria de fofoca de novo.
- É sério, eu não queria ficar em casa. O Ashton pode ir.
- O Michael também está aqui.
- Aah que ótimo, ta rolando um ménage à trois na sua casa e eu nem fui convidado.
- Quem me dera – Ash falou brincando, ou não.
- Idiota – não entendia como eles pensavam nessas coisas tão rápido. Será que a mente masculina é sempre assim, poluída?
- Encontro com vocês no pub do seu Osmar em vinte minutos.
Liguei pro Calum assim que cheguei no pub e ele disse que iria buscar a Stella e chegariam em alguns minutos. Provavelmente a também já devia estar chegando com o Ashton e o Michael, então escolhi uma mesa e pedi uma cerveja. O problema é que quando está tudo tranquilo demais, o destino sempre arranja um jeito de dar uma complicada, e a minha complicação tinha nome e sobrenome, Natalie Fox.
- ! – ela falou acenando e andando na minha direção.
- Natalie, quanto tempo! – falei me levantando para cumprimenta-la.
- Você está sozinho?
- Cheguei cedo, mas meus amigos estão chegando.
- A banda né? – falou com um sorriso torto.
- Também – respondi sem fazer questão de dar continuidade a conversa. A Natalie era minha ex-namorada. Ficamos juntos por quase um ano, pouco depois de eu me mudar pra Los Angeles. A nossa relação sempre foi um pouco torta, ela era modelo e gostava demais dos paparazzi e isso constantemente acabava se tornando um problema para mim. Ao mesmo tempo, eu estava começando a minha carreira, a fama ainda era uma novidade, e o amor das minhas fãs também, então fidelidade não era o meu forte. Terminamos por uma questão de falta de praticidade, afinal, ela adorava a atenção que recebia junto com os chifres. Mesmo assim, nunca nos afastamos completamente e eu acho que desenvolvi uma paixonite. Ela era gata demais, então eu tinha uma certa dificuldade de manter a distância e dizer não para os seus convites.
- Sabe, eu tenho pensando muito em você. – falou se sentando ao meu lado – Tem tanto tempo que não nos encontramos, eu fico chateada quando a gente se afasta assim.
- Eu tenho trabalhado muito.
- Eu entendo, também tenho trabalhado horrores, estou exausta, mas para os velhos amigos tínhamos que arranjar um tempo, você não acha? – falou segurando minha mão.
- Com certeza, só tem sido difícil. Ultimamente não tenho tido tempo nem pra respirar direito.
- Não é o que eu tenho visto...
- Como assim?
- Você e a sua nova amiguinha estão lotando o feed das páginas de fofoca. Parece que não se desgrudam nunca. Cada semana é uma foto diferente de vocês juntos. Aliás, a banda toda, né? Fundaram um fã clube com a plebe? – perguntou debochada. Natalie tinha um complexo de estrelato e não gostava da ideia de conviver com pessoas que não tinham o mesmo status que ela. Parecia achar que todos a sua volta eram interesseiros.
- Para de besteira.
- Você ta namorando aquela garota?
- A ?! Não! Ela é só minha amiga mesmo, nos conhecemos há pouco tempo.
- Sei... mas pra ela você tem tempo, né?
- Deixa de ser boba. Eu realmente tenho estado muito ocupado. Acontece que os caras da banda também se aproximaram dela e das amigas dela, então fica mais fácil da gente se encontrar.
- Você sabe o que eu penso sobre esse tipo de amizade, então boa sorte – falou com desdém e eu fiquei quieto sem ter o que responder pra um comentário desse tipo - Vamos aproveitar agora que não estamos trabalhando, e vamos dar uma volta.
- Agora eu não posso, combinei de encontrar outras pessoas aqui.
- Os caras da banda. Você encontra com eles todo dia – reclamou fazendo bico – por favor, tem tanto tempo que a gente não se encontra – por um momento eu cheguei a cogitar dar um bolo neles, mas antes que eu pudesse responder a parou do meu lado, enquanto Ashton e Michael ficaram atrás da Natalie fazendo cara de vômito. Eles não gostavam muito dela.
- Oi linda – falei sem pensar e instantaneamente me arrependi ao ver a expressão da Natalie.
- Oii – ela responder me dando um rápido abraço e sorrindo na direção da minha ex com cara de poucos amigos que levantou irritada
- Você tem certeza disso, ?
- Depois eu te ligo, prometo.
- Ou não, né... estamos trabalhando muito – Ashton falou para provocar
- Pois é, acho que essa ligação pode demorar – Michael acrescentou querendo colocar lenha na fogueira.
- Você não quer sentar com a gente? – tentou ser simpática, mas não deu muito certo.
- Não queridinha, eu sei escolher as minhas companhias. Não perco meu tempo com qualquer um, ou uma – respondeu virando as costas e esbarrando com o Calum e a Stella que acabavam de chegar.
- Que porra foi essa? – perguntou impressionada com a resposta
- Essa é a ex-demônia, opss, ex-namorada do – Michael falou.
- Ela é meio sem noção, mas é boa pessoa – tentei defender, mas nem eu acreditei completamente no que disse. A Natalie conseguia ser bem má quando queria.
- Não é não – Ashton rebateu
- Percebi.
- Não precisa ficar com ciúmes, você é especial – brinquei fazendo um carinho no rosto dela.
- Até parece – respondeu batendo na minha mão – Só fiquei surpresa de você ter namorado uma mulher arrogante dessas.
- Quando você a conhece, percebe que ela não é assim.
- Claro que é! – Stella falou quase gritando – O desenvolveu uma Síndrome de Estocolmo por essa maluca, mas ela não é flor que se cheire...
- Ok ok, podemos mudar de assunto? – pedi. O meu contato com a Natalie era complicado, eu sabia que não era a coisa mais saudável do mundo, mas também não queria dividir isso com todos daquela maneira.
- Por favor, daqui a pouco vou ter uma indigestão.
- Tudo bem, então o que vamos comer? Estou faminto – Calum falou mudando de assunto.
- Eu também – Stella completou olhando o cardápio – Cadê a Julia e a Helena? Elas não vêm?
- A Ju vem direto do trabalho e a Lena não sei se vai conseguir sair da clínica a tempo. Eles terminaram a reforma e ela está toda enrolada reajustando os horários dela – respondeu, e se levantou pra ir cumprimentar o amigo armário dela que estava no bar.
- O que que está rolando entre você e a ? – Stella perguntou assim que viu que ela já tinha se afastado.
- Como assim? Não tá rolando nada.
- Nada? – Michael refez a pergunta, e todos ficaram me encarando.
- Para de besteira gente, não tem nada não. A garota acabou de terminar um namoro que a deixou tão traumatizada, que ela nem gosta de falar sobre. E eu já falei que não tenho nenhuma intenção em ter nada sério.
- Mas quem disse que precisa ser sério? – Ashton falou – Eu e a Julia estamos só com a parte boa. Vocês podiam tentar.
- Você e a Julia são doidos né... daqui a pouco começa a dar problema.
- Para de rogar praga!
- Não estou rogando nada. Espero que dê certo, mas nós somos diferentes. É melhor deixar do jeito que está.
- E essas brincadeiras de "amor da minha vida", "você é especial"...? – Ash perguntou
- São só brincadeiras mesmo, parem de ver coisa onde não tem!
- Sei... acho que isso ainda vai dar em namoro – Stella falou sem tirar o olho do cardápio.
- O que vai dar em namoro? – voltou, e eu fiquei tenso sem saber o que responder.
- O lance do Michael com a Helena – Ashton intercedeu para o meu resgate – eu estava aqui contando do nervosismo dele.
Eu não era cego, nem idiota. Era óbvio que eu já tinha pensado em ter alguma coisa com a , inclusive já tinha falado isso para ela, mas logo recebi um "não". Depois acabamos nos aproximamos e, contra tudo que eu acreditava, eu gostava de ter ela como amiga, não ia estragar isso por causa de uma transa.
Era meio estranho ser amiga de gente famosa. Estávamos sentados no pub à menos de uma hora e várias pessoas já tinham se aproximado pedindo para tirar fotos. Para eles devia ser normal, levantavam, conversavam com as fãs, e voltavam a comer como se nada tivesse acontecido. Eu achava engraçado por que, algumas vezes, elas me olhavam de um jeito meio estranho, não sei se queriam me matar ou pedir um autógrafo, mas eu dava um sorriso sem graça e voltava minha atenção pra comida.
- Eu vi a apresentação de vocês no Good Morning America hoje de manhã – Julia falou quando eles se sentaram de novo – Não sei como vocês conseguem ter toda aquela animação tão cedo.
- Nem me fale, – começou – eu adoro participar, mas estava quase dormindo em pé antes de subir no palco.
- Porra, eu também – Michael falou depois – ainda bem que não tivemos ensaio hoje... dormi quase que o dia todo.
- Eu não entendo como as pessoas conseguem acordar tão cedo assim pra assistir – eu falei impressionada. O show no GMA começava às 8h da manhã, e ficava lotado!
- Eu sempre fico impressionado também. Tinha gente que veio de outras cidades – Calum falou.
- Eu pensei que a gravação era em Nova Iorque – Julia falou e eu concordei.
- Nem sempre, – Ash respondeu – os shows fora do estúdio deles às vezes são aqui em Los Angeles. Só que não tem nenhuma entrevista, só a apresentação mesmo.
- E como está o álbum? – Stella perguntou – pronto?
- Nem perto – falou jogando a cabeça pra trás – acho que nunca demoramos tanto pra escrever.
- Cara, eu adoro o processo de estúdio, escrever, gravar as músicas novas e depois ajudar na produção, mas eu já estou ficando de saco cheio – Calum falou esfregando os olhos e apoiando os cotovelos na mesa.
- Eu pensei que demorava tipo um ano pra fazer um álbum – falei – parece ser muito demorado mesmo.
- Sim, mas em um ano você deveria ter tudo pronto né… – respondeu – tem gente que escreve um álbum inteiro em menos de dois meses, a gente tá fazendo isso há cinco, e se temos seis músicas que prestam, é muito.
- O pior é que a gente compõe muita coisa, mas quando chegam no final e pensamos em gravar, não estão tão boas e não vale a pena. – Calum completou, apoiando a cabeça no ombro da namorada
- Parece que vocês estão muito exigentes com vocês mesmos – Julia ponderou.
- Não é isso. – Ash falou – Nosso último álbum tem quase dois anos. Os fãs estão esperando o próximo, perguntam sempre. A gente não pode entregar algo medíocre depois de tanto tempo. Tem que ser realmente bom.
- E vocês escrevem tudo sozinhos? Não compram de outros compositores? – Perguntei
- Fazemos colaborações, mas participamos de todas. Não pegamos nenhuma pronta – Michael falou, também desanimado.
- Vocês podem fazer uma colaboração com a . – Julia falou olhando pra mim e eu só arregalei os olhos... ela estava maluca?
- Você compõe? – perguntou me encarando
- Não!
- Claro que sim – minha amiga queria me jogar na frente de um ônibus – ela tem um caderno cheio de letras.
- Eu quero ver! – falou – Ver não, ouvir.
- Esquece, não vai acontecer.
- Por que não?
- Por que a Julia é uma exagerada. – falei me segurando pra não pular no pescoço dela – Eu não componho... eu brincava de escrever música quando era mais nova. Eu não entendo nada dessas coisas, são ridículas.
- Se você não entende nada, como sabe que são ridículas? – Ashton perguntou do meu outro lado.
- O idiota do Derek falou isso pra ela – Julia falou, mas logo se arrependeu quando olhou pra mim. As músicas realmente não eram boas, mas eu gostava de escrever, só parei por que ele falou que eram uma perda de tempo. Mas eu não queria falar disso agora.
- Se esse cara não for músico ou alguém que entenda muito do assunto, eu vou respeitosamente mandar ele enfiar a opinião dele no cu – falou olhando pra mim – Mas pra isso eu preciso ouvir essas obras primas.
- Pode desistir, eu não vou te mostrar. Eu nunca mostrei nem pra elas – falei apontando a cabeça pra Julia.
- Você canta também? – Michael perguntou.
- Não...
- Canta sim, e muito bem, por sinal. – Julia falou e eu só queria cavar um buraco no chão pra me enfiar. Estavam todos me encarando.
- Por que você está mentindo? – falou sorrindo
- Eu não estou mentindo, não sou nenhuma cantora. Meus pais me deram um violão quando eu era adolescente, e eu cantava com ele... não tem nada demais.
- E você não vai cantar pra mim? – perguntou com cara de cachorro pidão
- Não – falei rindo
- E pra mim? – Ashton perguntou dessa vez.
- Gente, não acreditem em tudo que a Julia fala, ela é meio maluca.
- Eu não vou insistir agora, – falou bebendo um gole da sua cerveja – mas não vou esquecer assim.
Era só o que me faltava...
♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥
Há umas duas semanas, quando eu estava triste e tentando achar ânimo para terminar de fazer faxina no meu apartamento e empacotar o restante das coisas do meu ex, o se prontificou a me ajudar, então quando ele me mandou mensagem falando que precisava arrumar o closet dele para poder separar algumas roupas para doação, eu acabei me voluntariando para dar uma forcinha.
- Puta que pariu! Há quanto tempo você não arruma isso? – Falei assustada com a quantidade de coisa que tinha ali.
- Não faço ideia. – ele respondeu sentando no chão sem saber por onde começar – A Jane que arrumava pra mim.
- Você já está grandinho o suficiente pra sua babá arrumar o seu armário – abriu várias portas observando a bagunça que estava. – Você não tem vergonha de deixar isso assim, não?
- Realmente, organização não é uma das minhas maiores qualidades.
- E qual é?
- Eu sou bem talentoso, mas eu acho que o que mais destaca é que eu sou bonito pra caralho, vamos ser sinceros – brincou e eu não consegui conter o riso.
- Ok bonito, isso não vai te ajudar agora.
- Então por onde começamos, coisa linda? – respondeu sarcástico.
- Coisa linda? Sério?
- Você me chamou de Bonito, eu te chamo de coisa linda. Achei adequado – falou rindo.
- Acho que temos que começar pela parte de cima, o que tem ali? – perguntei ignorando a provocação e apontando pra portas mais altas.
- São os casacos de moletom.
- Mais o que?
- Nada... só casaco de moletom mesmo – falou e eu só conseguir deixar o meu queixo cair. Ele tinha muita roupa, acho que nunca vi um homem com um armário desses – Eu não compro tudo! A gente acaba ganhando muita coisa.
- Sorte de vocês.– falei encaixando uma escada de poucos degraus ali - Pode subir.
- Eu?
- Você não achou que iria ficar aí sentado enquanto eu faço tudo, né? As roupas são suas! Eu vim só ajudar, mas quem vai fazer o trabalho pesado é você.
E foi realmente pesado, passamos o sábado inteiro fazendo aquilo e eu estava destruída. A ideia era separar coisas para doar, mas ele tinha um sério problema para desapegar. Muitas coisas ainda tinham etiqueta, outras ele nem lembrava que existiam, tinham roupas manchadas e rasgadas de tão velhas, mas nada foi fácil para ele abrir mão. Mas no fim conseguimos... tiramos tudo, passamos aspirador de pó e pano por todo o closet, e aos poucos fui o convencendo de que outras pessoas iriam fazer um uso muito melhor daquelas roupas.
Separamos 19 calças, 27 bermudas, quase 60 blusas, 11 jaquetas, 23 moletons, vários bonés que ele não usava e sapatos que já nem cabiam mais nele, sem contar os acessórios que ficavam perdidos por todos os cantos. E eu, que não sou nada boba, aproveitei pra pegar uns presentes pra mim também. Depois de todo trabalho que eu tive ali, eram mimos muito merecidos.
Quando acabamos pedimos uma pizza e ficamos jogados na sala assistindo Modern Family pelo resto da noite. Era a série favorita do , ele gargalhava sem parar, e eu acabava rindo mais dele do que da série em si.
- Esse cara me lembra muito o meu pai, – falou apontando pra um dos personagens – fica tentando se enturmar na vida dos filhos, ser o pai descolado e sempre acaba fazendo uma burrada – concluiu dando mais uma gargalhada quando o episódio acabou, e levantou pra deixar a caixa de pizza vazia e os pratos na pia da cozinha. Estranhei o tempo que isso levou, mas entendi quando voltou segurando um violão.
- Hmm, vai fazer uma serenata pra mim, bonito? – brinquei.
- Eu até faria se achasse que surtiria algum efeito – respondeu e eu revirei os olhos – É pra você.
- Eu já tenho um violão – falei e ele bufou me entregando o instrumento.
- Pra que isso?
- Não se faça de boba coisa linda, é pra você tocar.
- Eu não toco violão há uns três anos, nem lembro como é – falei o devolvendo. Era mentira, eu ainda tocava de vez em quando.
- Tudo bem... então eu toco e você canta.
- Ooou... você toca e você canta.
- Deixa de ser chata, a Julia falou que você canta super bem.
- E eu já falei que vocês não podem acreditar em tudo que ela fala.
- Por favor! – Falou em um tom de súplica.
- Por que isso? Eu não sou cantora, cantava só como passatempo.
- Tudo bem, mas eu amo cantar e já que você não quer me beijar, seria bom arranjarmos outras coisas pra fazer – falou me encarando pensativo – a não ser, é claro, que você tenha mudado de ideia – e se inclinou um pouco na minha direção.
- De jeito nenhum – falei empurrando seu rosto.
- Azar o seu. O que vamos cantar então?
- Aviso logo que eu não sei quase nenhuma música da Jungle Roots de cor ainda – falei me dando por vencida.
- Gostei do "ainda". – falou arrumando o violão – Mas não precisa ser da banda, pode ser qualquer uma.
- Qualquer uma é muito vago, deixa eu ver aqui – peguei meu celular pra ver as mais tocadas do meu Spotify e escolher uma que não me faria passar tanta vergonha.
- She will be loved, do Maroon 5?
- Não... eu gosto, mas já cansei.
- Qualquer música , você não vai fazer nenhuma audição pro The Voice.
- Tá bom, você sabe "Best Part" da H.E.R?
- Óbvio, eu adoro essa... vamos ver – dedilhou um pouco pelo violão pra garantir que lembrava como tocar.
- Sem julgamentos, por favor – falei respirando fundo, apoiei a cabeça no sofá e fechei os olhos pra tentar fingir que estava sozinha ali. Então ele começou...
[https://www.youtube.com/watch?v=vBy7FaapGRo]
No meio da música, quando ele começou a cantar, eu já estava mais confortável então abri os olhos e, apesar de ainda estar com o coração acelerado, aquilo me fez conseguir aproveitar ainda mais o momento. Foi perfeito. Não a música em si, ou a minha voz, mas até aquela hora, eu nem lembrava o quanto cantar me fazia bem... Era como se aquele ditado "quem canta, seus males espantam", tivesse sido feito pra mim, e eu só consegui perceber ali.
- Eu não sei nem o que dizer – ele falou me olhando com um sorriso bobo – de onde você tirou que não sabe cantar?
- Eu nunca falei que não sabia, só que não sou cantora, e é verdade.
- Você é incrível! Por que não queria que ninguém te ouvisse?
"Por que um dia me disseram que era uma perda de tempo" pensei
- Não sei, acho besteira – falei olhando para o chão.
- Seria besteira se você não gostasse, mas tá na cara que você gosta.
- Eu adoro, só que não tenho tempo pra essas coisas.
- Impossível... todo mundo tem que ter tempo pra cantar. Não estou falando que você precisa organizar um show e se apresentar na frente de várias pessoas, mas se é uma coisa que você gosta tanto, deveria fazer mais vezes.
- Pode ser...
Essa situação toda era muito estranha. Eu nunca parei pra pensar que tinha abandonado a música e parado de cantar, para mim parecia ter sido uma coisa muito natural. Eu cantava no chuveiro, ou no carro, mas era isso, não tirava mais um tempo para tocar violão ou até tentar compor alguma coisa, mesmo que só por diversão.
O meu ex sempre falou que eu deveria focar no meu trabalho, que era o que eu amava fazer, e eu nunca questionei ou parei pra pensar que eu podia fazer os dois. A editora, fazer traduções e escrever, continuavam sendo as minhas paixões, mas a música também fazia parte da minha vida e me ajudava muito.
ficou me encarando, acho que tentando desvendar no que eu estava pensando, mas não me importei. Ficamos naquele silêncio que, felizmente não estava desconfortável. Ás vezes, um dos dois ria de alguma coisa que lhe vinha a mente, ou fazia pequenos comentários sobre letras de música, e ficamos naquela realidade paralela por alguns minutos até eu perceber que estava tarde e na hora de voltar pra casa.
- Você pode dormir aqui.
- Passo...
- Tem quarto de hóspedes coisa linda. Sou sem noção, mas nem tanto – falou erguendo as mãos em rendição.
- Eu prefiro dormir em casa – falei me levantando. Era melhor evitar esse tipo de mal-entendido. Depois podiam me ver saindo da casa dele de manhã, e seria um prato cheio para os comentários que eu queria tanto evitar.
- Então eu te levo – falou pegando as chaves – Nem adianta dizer que não precisa.
Quem diria... Ammel, um cavalheiro. Acho que eu estava ficando mal-acostumada, e isso era uma coisa que, definitivamente, eu já tinha aprendido que não era bom acontecer. A essa altura do campeonato, eu já esperava que a qualquer momento alguém podia jogar um balde de água fria na minha cabeça.
A vida é muito doida. Dá cada volta repentina e nos surpreende de formas tão absurdas que se tentássemos contar pra algum desconhecido, com certeza achariam que estamos mentindo.
Nas últimas semanas eu havia passado de uma mulher que vivia em casa, chorando pelo pé na bunda que tinha levado do ex noivo, para alguém que tinha reaprendido a se divertir e apreciar bons momentos da vida. A minha repentina aproximação com os membros da Jungle Roots deu uma reviravolta na minha rotina. Desde que minhas amigas os chamaram pra comer pizza na casa delas, a gente se aproximou muito e estranhamente rápido. Eles estavam em um momento bastante agitado da carreira, com muitos ensaios e entrevistas, então não era sempre que conseguíamos nos ver, mas nos falávamos com frequência, e basicamente todo tempo livre que eles tinham, estavam com a gente. O que também era um prato cheio para as colunas de fofoca. De acordo com "fontes confiáveis" estávamos todos casados, vivendo em uma constante suruba.
Obviamente, o fato do Michael e da Helena estarem caminhando para um namoro, e da Julia e do Ashton estarem caminhando pra alguma outra coisa que ninguém saberia explicar, fazia deles quase moradores honorários do nosso corredor. Acabamos ficando muito próximas da Stella também, namorada do Calum. Ela era designer de joias e tinha uma boutique em Beverly Hills. Aparentemente ela estava começando a ficar famosa no mundo da moda, já havia montado algumas celebridades, estava para lançar uma nova coleção, e tinha sido convidada pela Calvin Klein para fazerem uma colaboração. Além disso, como ela já estava acostumada a lidar com o assédio da imprensa, e o amor e ódio das fãs da banda, estava nos ajudando, principalmente a Julia e a Helena, a lidar com isso também. Elas não estavam namorando oficialmente os meninos, e segundo a Ju, isso não aconteceria nunca, mas sempre apareciam aos beijos na rua, e acabavam sendo fotografados.
O meu caso era diferente. Tinham alguns rumores que diziam que eu e estávamos nos "conhecendo melhor" ou namorando, e as fãs sempre queria saber mais da minha vida, algumas até davam a entender que queriam que a gente namorasse, mas não tinha a parte dos beijos, então os fotógrafos não caiam em cima da mesma maneira. De qualquer forma, eu evitava dar corda pra esse tipo coisa me mantendo longe das fofocas do Twitter.
Ao mesmo tempo, eu estava me acostumando com tudo isso e já tinha decidido que não deixaria de ser amiga deles por causa de paparazzi ou tabloide. Além disso, de alguma forma, a amizade deles estava me ajudado muito. Eu não ficava mais chorando pelos cantos, e o até me ajudou a separar o restante das coisas do Derek para colocar em caixas, e respeitou quando eu não quis entrar em detalhes sobre o que tinha acontecido. Ele era bem diferente do que eu esperava de um vocalista de banda, ainda mais por ser gato pra caralho e solteiro. Trocávamos mensagem todo dia, e surpreendentemente os assuntos não acabavam facilmente. Descobrimos que tínhamos bastante coisa em comum, como a falta de habilidades culinárias e o amor por basquete, apesar dele não compartilhar do meu bom gosto e preferir o Los Angeles Lakers, enquanto eu obviamente torcia pro Golden States Warriors. Não tinha como assistir ao Stephen Curry e torcer pra qualquer outro time.
Outra coisa curiosa que eu descobri, é que não dava para ser próxima apenas de um membro da banda, principalmente quando as suas melhores amigas estão ficando com os outros, eles funcionavam como um combo. Amiga de um, amiga de todos. Por isso, eu não estranhei tanto quando Ashton e Michael tocaram a minha campainha numa quarta-feira à tarde.
- Acho que vocês tocaram a campainha errada – falei depois de abrir a porta.
- Não senhora, – Ash respondeu me abraçando – o bobão aqui quer conversar com você.
- Vai se foder! – Michael respondeu enquanto me cumprimentava – Não era nem para você estar aqui.
- Eu que dei a ideia de você vir falar com ela.
- "Ela" está aqui – interrompi – do que vocês estão falando?
- É sobre a Lena...
- Lá vem... Aviso logo que se você estiver de palhaçada, só brincando com os sentimentos dela, eu acabo com você hein, foda-se o que vai sair na impressa.
- Eitaa, calma ai! Não é nada disso – falou se defendendo, e foi se sentar no banco em baixo da janela – Muito pelo contrário.
- Você não vai pedi-la em casamento, né? – Perguntei com medo da resposta e recebi uma gargalhada estridente de Ash – Fala logo Mike!
- Ele quer pedir a Helena em namoro – Ashton falou já impaciente
- Caralho moleque, fica quieto!
- Está brincando, né? – falei me jogando no sofá.
- Por que? Você acha que ela não vai aceitar?
- Eu achei que já estavam namorando, vocês estão juntos quase todo dia.
- Eu sei, mas não tem nada oficial. Ninguém nunca falou em namoro.
- E você acha que ela vai dizer "não"? – Perguntei achando meio fofo o nervosismo dele. Era óbvio que ela aceiraria, a bichinha estava toda apaixonada.
- Sei lá, foi tudo meio rápido né? A gente se conhece a menos de um mês... vai que ela me acha maluco.
- Você é maluco, já falei mil vezes que é uma péssima ideia desperdiçar a vida de solteiro agora – Ashton se intrometeu para falar merda, como sempre.
- Cala a boca! – falei jogando uma almofada nele – Se vocês se gostam de verdade, acho válido fazer esse pedido aí. Apesar de eu achar pedido de namoro uma coisa meio ultrapassada.
- Ela também acha ultrapassado?! – Michael voltou a ficar nervoso. O que estava acontecendo com esse homem?
- Fica calmo, pelo amor de Deus! Vai acabar enfartando aqui na minha sala.
- Relaxa cara – Ashton levantou indo até a cozinha – você está pensando demais, claro que ela vai aceitar – falou e parou olhando pra mim – Mas e você , qual é a desse seu ex-namorado? – Perguntou e eu o olhei fixamente sem saber o que responder. Não estava esperando por aquela pergunta, não era algo que eu estava prepara pra conversar, muito menos com o Ashton que arranjaria uma forma de fazer alguma piadinha idiota.
- Ashton, fica quieto, por favor. – Michael falou envergonhado, tentando fazer o amigo se tocar da inconveniência.
- Ué, não falei nada demais. Só perguntei por que eu sei que ela está solteira e, como não quis nada com o , achei estranho, só isso.
- Se você acha o tão irresistível assim, fica você com ele. Eu juro que não vou me importar.
- Muito engraçada. Mas falando sério, você é a maior gata, pode pegar o cara que quiser, não estou falando que precisa ser o , mas acho um desperdício uma mulher dessas dormir sozinha.
- Ashton! – ele não tinha absolutamente nenhum filtro, isso me assustava ás vezes.
- Com todo respeito do mundo, claro.
- Sei...
- Eu só estou falando que talvez sair com outras pessoas seria uma ótima forma de remendar um coração partido e, pelo amor de Deus, não arranje um namorado pelos próximos cinco anos...
- Por que isso? Quer se candidatar? – perguntei brincando.
- Deixa a Julia ouvir isso... – Michael falou nos observando.
- Não, você não está pronta pra um cara como eu.
- Nisso podemos concordar.
- Mas você pode muito bem começar a aproveitar a vida um pouco mais, conhecer uns caras, dar pra outros... – eu ainda não estava acreditando no que estava ouvindo – Nem toda transa vai ser boa, mas pelo menos você vai ter história pra contar.
- É isso que você fala paras mulheres quando brocha? – Mike perguntou e eu cai na gargalhada.
- Vocês não têm maturidade pros meus conselhos – respondeu revirando os olhos – Só queria ajudar... mas falando em possíveis transas pra , vocês sabem onde está o ?
- Você é ridículo, já disse que não vai rolar. – Falei segundos antes do meu celular tocar com o nome do dito cujo aparecendo na tela, e recebi um sorriso safado de Ashton. – Não morre tão cedo – atendi a ligação.
- Hmm, estava pensando em mim? Em como eu sou gostoso e você não aguenta mais resistir ao meu charme? – falou do outro lado.
- Quase isso... o Ash estava perguntando onde você está.
- Ele te ligou só para perguntar onde eu estou? Por que ele não ligou para mim?
- Ele está aqui em casa – falei colocando no viva-voz
- Na sua casa? Por que?
- Isso é ciúmes que eu estou escutando?
- Claro! Cada um com uma amiga e ele já está pegando a Julia...
- Ela não se importa de dividir – respondi brincando
- Nem eu! – Ashton falou com um sorriso malicioso, aff...
- Ashton, mais tarde vamos ter uma conversinha muito séria – completou em tom dramático.
- Fala logo o que você quer?
- Eu queria saber se o amor da minha vida não quer sair comigo.
- Não sei, pergunta pra ela.
- Só pra comer, meu amor! Sem segundas intenções, a não ser que você queira, é claro.
- Ha-ha-ha muito engraçado. – falei sorrindo – Depois alguém te escuta falando essas merdas e eu viro matéria de fofoca de novo.
- É sério, eu não queria ficar em casa. O Ashton pode ir.
- O Michael também está aqui.
- Aah que ótimo, ta rolando um ménage à trois na sua casa e eu nem fui convidado.
- Quem me dera – Ash falou brincando, ou não.
- Idiota – não entendia como eles pensavam nessas coisas tão rápido. Será que a mente masculina é sempre assim, poluída?
- Encontro com vocês no pub do seu Osmar em vinte minutos.
Liguei pro Calum assim que cheguei no pub e ele disse que iria buscar a Stella e chegariam em alguns minutos. Provavelmente a também já devia estar chegando com o Ashton e o Michael, então escolhi uma mesa e pedi uma cerveja. O problema é que quando está tudo tranquilo demais, o destino sempre arranja um jeito de dar uma complicada, e a minha complicação tinha nome e sobrenome, Natalie Fox.
- ! – ela falou acenando e andando na minha direção.
- Natalie, quanto tempo! – falei me levantando para cumprimenta-la.
- Você está sozinho?
- Cheguei cedo, mas meus amigos estão chegando.
- A banda né? – falou com um sorriso torto.
- Também – respondi sem fazer questão de dar continuidade a conversa. A Natalie era minha ex-namorada. Ficamos juntos por quase um ano, pouco depois de eu me mudar pra Los Angeles. A nossa relação sempre foi um pouco torta, ela era modelo e gostava demais dos paparazzi e isso constantemente acabava se tornando um problema para mim. Ao mesmo tempo, eu estava começando a minha carreira, a fama ainda era uma novidade, e o amor das minhas fãs também, então fidelidade não era o meu forte. Terminamos por uma questão de falta de praticidade, afinal, ela adorava a atenção que recebia junto com os chifres. Mesmo assim, nunca nos afastamos completamente e eu acho que desenvolvi uma paixonite. Ela era gata demais, então eu tinha uma certa dificuldade de manter a distância e dizer não para os seus convites.
- Sabe, eu tenho pensando muito em você. – falou se sentando ao meu lado – Tem tanto tempo que não nos encontramos, eu fico chateada quando a gente se afasta assim.
- Eu tenho trabalhado muito.
- Eu entendo, também tenho trabalhado horrores, estou exausta, mas para os velhos amigos tínhamos que arranjar um tempo, você não acha? – falou segurando minha mão.
- Com certeza, só tem sido difícil. Ultimamente não tenho tido tempo nem pra respirar direito.
- Não é o que eu tenho visto...
- Como assim?
- Você e a sua nova amiguinha estão lotando o feed das páginas de fofoca. Parece que não se desgrudam nunca. Cada semana é uma foto diferente de vocês juntos. Aliás, a banda toda, né? Fundaram um fã clube com a plebe? – perguntou debochada. Natalie tinha um complexo de estrelato e não gostava da ideia de conviver com pessoas que não tinham o mesmo status que ela. Parecia achar que todos a sua volta eram interesseiros.
- Para de besteira.
- Você ta namorando aquela garota?
- A ?! Não! Ela é só minha amiga mesmo, nos conhecemos há pouco tempo.
- Sei... mas pra ela você tem tempo, né?
- Deixa de ser boba. Eu realmente tenho estado muito ocupado. Acontece que os caras da banda também se aproximaram dela e das amigas dela, então fica mais fácil da gente se encontrar.
- Você sabe o que eu penso sobre esse tipo de amizade, então boa sorte – falou com desdém e eu fiquei quieto sem ter o que responder pra um comentário desse tipo - Vamos aproveitar agora que não estamos trabalhando, e vamos dar uma volta.
- Agora eu não posso, combinei de encontrar outras pessoas aqui.
- Os caras da banda. Você encontra com eles todo dia – reclamou fazendo bico – por favor, tem tanto tempo que a gente não se encontra – por um momento eu cheguei a cogitar dar um bolo neles, mas antes que eu pudesse responder a parou do meu lado, enquanto Ashton e Michael ficaram atrás da Natalie fazendo cara de vômito. Eles não gostavam muito dela.
- Oi linda – falei sem pensar e instantaneamente me arrependi ao ver a expressão da Natalie.
- Oii – ela responder me dando um rápido abraço e sorrindo na direção da minha ex com cara de poucos amigos que levantou irritada
- Você tem certeza disso, ?
- Depois eu te ligo, prometo.
- Ou não, né... estamos trabalhando muito – Ashton falou para provocar
- Pois é, acho que essa ligação pode demorar – Michael acrescentou querendo colocar lenha na fogueira.
- Você não quer sentar com a gente? – tentou ser simpática, mas não deu muito certo.
- Não queridinha, eu sei escolher as minhas companhias. Não perco meu tempo com qualquer um, ou uma – respondeu virando as costas e esbarrando com o Calum e a Stella que acabavam de chegar.
- Que porra foi essa? – perguntou impressionada com a resposta
- Essa é a ex-demônia, opss, ex-namorada do – Michael falou.
- Ela é meio sem noção, mas é boa pessoa – tentei defender, mas nem eu acreditei completamente no que disse. A Natalie conseguia ser bem má quando queria.
- Não é não – Ashton rebateu
- Percebi.
- Não precisa ficar com ciúmes, você é especial – brinquei fazendo um carinho no rosto dela.
- Até parece – respondeu batendo na minha mão – Só fiquei surpresa de você ter namorado uma mulher arrogante dessas.
- Quando você a conhece, percebe que ela não é assim.
- Claro que é! – Stella falou quase gritando – O desenvolveu uma Síndrome de Estocolmo por essa maluca, mas ela não é flor que se cheire...
- Ok ok, podemos mudar de assunto? – pedi. O meu contato com a Natalie era complicado, eu sabia que não era a coisa mais saudável do mundo, mas também não queria dividir isso com todos daquela maneira.
- Por favor, daqui a pouco vou ter uma indigestão.
- Tudo bem, então o que vamos comer? Estou faminto – Calum falou mudando de assunto.
- Eu também – Stella completou olhando o cardápio – Cadê a Julia e a Helena? Elas não vêm?
- A Ju vem direto do trabalho e a Lena não sei se vai conseguir sair da clínica a tempo. Eles terminaram a reforma e ela está toda enrolada reajustando os horários dela – respondeu, e se levantou pra ir cumprimentar o amigo armário dela que estava no bar.
- O que que está rolando entre você e a ? – Stella perguntou assim que viu que ela já tinha se afastado.
- Como assim? Não tá rolando nada.
- Nada? – Michael refez a pergunta, e todos ficaram me encarando.
- Para de besteira gente, não tem nada não. A garota acabou de terminar um namoro que a deixou tão traumatizada, que ela nem gosta de falar sobre. E eu já falei que não tenho nenhuma intenção em ter nada sério.
- Mas quem disse que precisa ser sério? – Ashton falou – Eu e a Julia estamos só com a parte boa. Vocês podiam tentar.
- Você e a Julia são doidos né... daqui a pouco começa a dar problema.
- Para de rogar praga!
- Não estou rogando nada. Espero que dê certo, mas nós somos diferentes. É melhor deixar do jeito que está.
- E essas brincadeiras de "amor da minha vida", "você é especial"...? – Ash perguntou
- São só brincadeiras mesmo, parem de ver coisa onde não tem!
- Sei... acho que isso ainda vai dar em namoro – Stella falou sem tirar o olho do cardápio.
- O que vai dar em namoro? – voltou, e eu fiquei tenso sem saber o que responder.
- O lance do Michael com a Helena – Ashton intercedeu para o meu resgate – eu estava aqui contando do nervosismo dele.
Eu não era cego, nem idiota. Era óbvio que eu já tinha pensado em ter alguma coisa com a , inclusive já tinha falado isso para ela, mas logo recebi um "não". Depois acabamos nos aproximamos e, contra tudo que eu acreditava, eu gostava de ter ela como amiga, não ia estragar isso por causa de uma transa.
Era meio estranho ser amiga de gente famosa. Estávamos sentados no pub à menos de uma hora e várias pessoas já tinham se aproximado pedindo para tirar fotos. Para eles devia ser normal, levantavam, conversavam com as fãs, e voltavam a comer como se nada tivesse acontecido. Eu achava engraçado por que, algumas vezes, elas me olhavam de um jeito meio estranho, não sei se queriam me matar ou pedir um autógrafo, mas eu dava um sorriso sem graça e voltava minha atenção pra comida.
- Eu vi a apresentação de vocês no Good Morning America hoje de manhã – Julia falou quando eles se sentaram de novo – Não sei como vocês conseguem ter toda aquela animação tão cedo.
- Nem me fale, – começou – eu adoro participar, mas estava quase dormindo em pé antes de subir no palco.
- Porra, eu também – Michael falou depois – ainda bem que não tivemos ensaio hoje... dormi quase que o dia todo.
- Eu não entendo como as pessoas conseguem acordar tão cedo assim pra assistir – eu falei impressionada. O show no GMA começava às 8h da manhã, e ficava lotado!
- Eu sempre fico impressionado também. Tinha gente que veio de outras cidades – Calum falou.
- Eu pensei que a gravação era em Nova Iorque – Julia falou e eu concordei.
- Nem sempre, – Ash respondeu – os shows fora do estúdio deles às vezes são aqui em Los Angeles. Só que não tem nenhuma entrevista, só a apresentação mesmo.
- E como está o álbum? – Stella perguntou – pronto?
- Nem perto – falou jogando a cabeça pra trás – acho que nunca demoramos tanto pra escrever.
- Cara, eu adoro o processo de estúdio, escrever, gravar as músicas novas e depois ajudar na produção, mas eu já estou ficando de saco cheio – Calum falou esfregando os olhos e apoiando os cotovelos na mesa.
- Eu pensei que demorava tipo um ano pra fazer um álbum – falei – parece ser muito demorado mesmo.
- Sim, mas em um ano você deveria ter tudo pronto né… – respondeu – tem gente que escreve um álbum inteiro em menos de dois meses, a gente tá fazendo isso há cinco, e se temos seis músicas que prestam, é muito.
- O pior é que a gente compõe muita coisa, mas quando chegam no final e pensamos em gravar, não estão tão boas e não vale a pena. – Calum completou, apoiando a cabeça no ombro da namorada
- Parece que vocês estão muito exigentes com vocês mesmos – Julia ponderou.
- Não é isso. – Ash falou – Nosso último álbum tem quase dois anos. Os fãs estão esperando o próximo, perguntam sempre. A gente não pode entregar algo medíocre depois de tanto tempo. Tem que ser realmente bom.
- E vocês escrevem tudo sozinhos? Não compram de outros compositores? – Perguntei
- Fazemos colaborações, mas participamos de todas. Não pegamos nenhuma pronta – Michael falou, também desanimado.
- Vocês podem fazer uma colaboração com a . – Julia falou olhando pra mim e eu só arregalei os olhos... ela estava maluca?
- Você compõe? – perguntou me encarando
- Não!
- Claro que sim – minha amiga queria me jogar na frente de um ônibus – ela tem um caderno cheio de letras.
- Eu quero ver! – falou – Ver não, ouvir.
- Esquece, não vai acontecer.
- Por que não?
- Por que a Julia é uma exagerada. – falei me segurando pra não pular no pescoço dela – Eu não componho... eu brincava de escrever música quando era mais nova. Eu não entendo nada dessas coisas, são ridículas.
- Se você não entende nada, como sabe que são ridículas? – Ashton perguntou do meu outro lado.
- O idiota do Derek falou isso pra ela – Julia falou, mas logo se arrependeu quando olhou pra mim. As músicas realmente não eram boas, mas eu gostava de escrever, só parei por que ele falou que eram uma perda de tempo. Mas eu não queria falar disso agora.
- Se esse cara não for músico ou alguém que entenda muito do assunto, eu vou respeitosamente mandar ele enfiar a opinião dele no cu – falou olhando pra mim – Mas pra isso eu preciso ouvir essas obras primas.
- Pode desistir, eu não vou te mostrar. Eu nunca mostrei nem pra elas – falei apontando a cabeça pra Julia.
- Você canta também? – Michael perguntou.
- Não...
- Canta sim, e muito bem, por sinal. – Julia falou e eu só queria cavar um buraco no chão pra me enfiar. Estavam todos me encarando.
- Por que você está mentindo? – falou sorrindo
- Eu não estou mentindo, não sou nenhuma cantora. Meus pais me deram um violão quando eu era adolescente, e eu cantava com ele... não tem nada demais.
- E você não vai cantar pra mim? – perguntou com cara de cachorro pidão
- Não – falei rindo
- E pra mim? – Ashton perguntou dessa vez.
- Gente, não acreditem em tudo que a Julia fala, ela é meio maluca.
- Eu não vou insistir agora, – falou bebendo um gole da sua cerveja – mas não vou esquecer assim.
Era só o que me faltava...
Há umas duas semanas, quando eu estava triste e tentando achar ânimo para terminar de fazer faxina no meu apartamento e empacotar o restante das coisas do meu ex, o se prontificou a me ajudar, então quando ele me mandou mensagem falando que precisava arrumar o closet dele para poder separar algumas roupas para doação, eu acabei me voluntariando para dar uma forcinha.
- Puta que pariu! Há quanto tempo você não arruma isso? – Falei assustada com a quantidade de coisa que tinha ali.
- Não faço ideia. – ele respondeu sentando no chão sem saber por onde começar – A Jane que arrumava pra mim.
- Você já está grandinho o suficiente pra sua babá arrumar o seu armário – abriu várias portas observando a bagunça que estava. – Você não tem vergonha de deixar isso assim, não?
- Realmente, organização não é uma das minhas maiores qualidades.
- E qual é?
- Eu sou bem talentoso, mas eu acho que o que mais destaca é que eu sou bonito pra caralho, vamos ser sinceros – brincou e eu não consegui conter o riso.
- Ok bonito, isso não vai te ajudar agora.
- Então por onde começamos, coisa linda? – respondeu sarcástico.
- Coisa linda? Sério?
- Você me chamou de Bonito, eu te chamo de coisa linda. Achei adequado – falou rindo.
- Acho que temos que começar pela parte de cima, o que tem ali? – perguntei ignorando a provocação e apontando pra portas mais altas.
- São os casacos de moletom.
- Mais o que?
- Nada... só casaco de moletom mesmo – falou e eu só conseguir deixar o meu queixo cair. Ele tinha muita roupa, acho que nunca vi um homem com um armário desses – Eu não compro tudo! A gente acaba ganhando muita coisa.
- Sorte de vocês.– falei encaixando uma escada de poucos degraus ali - Pode subir.
- Eu?
- Você não achou que iria ficar aí sentado enquanto eu faço tudo, né? As roupas são suas! Eu vim só ajudar, mas quem vai fazer o trabalho pesado é você.
E foi realmente pesado, passamos o sábado inteiro fazendo aquilo e eu estava destruída. A ideia era separar coisas para doar, mas ele tinha um sério problema para desapegar. Muitas coisas ainda tinham etiqueta, outras ele nem lembrava que existiam, tinham roupas manchadas e rasgadas de tão velhas, mas nada foi fácil para ele abrir mão. Mas no fim conseguimos... tiramos tudo, passamos aspirador de pó e pano por todo o closet, e aos poucos fui o convencendo de que outras pessoas iriam fazer um uso muito melhor daquelas roupas.
Separamos 19 calças, 27 bermudas, quase 60 blusas, 11 jaquetas, 23 moletons, vários bonés que ele não usava e sapatos que já nem cabiam mais nele, sem contar os acessórios que ficavam perdidos por todos os cantos. E eu, que não sou nada boba, aproveitei pra pegar uns presentes pra mim também. Depois de todo trabalho que eu tive ali, eram mimos muito merecidos.
Quando acabamos pedimos uma pizza e ficamos jogados na sala assistindo Modern Family pelo resto da noite. Era a série favorita do , ele gargalhava sem parar, e eu acabava rindo mais dele do que da série em si.
- Esse cara me lembra muito o meu pai, – falou apontando pra um dos personagens – fica tentando se enturmar na vida dos filhos, ser o pai descolado e sempre acaba fazendo uma burrada – concluiu dando mais uma gargalhada quando o episódio acabou, e levantou pra deixar a caixa de pizza vazia e os pratos na pia da cozinha. Estranhei o tempo que isso levou, mas entendi quando voltou segurando um violão.
- Hmm, vai fazer uma serenata pra mim, bonito? – brinquei.
- Eu até faria se achasse que surtiria algum efeito – respondeu e eu revirei os olhos – É pra você.
- Eu já tenho um violão – falei e ele bufou me entregando o instrumento.
- Pra que isso?
- Não se faça de boba coisa linda, é pra você tocar.
- Eu não toco violão há uns três anos, nem lembro como é – falei o devolvendo. Era mentira, eu ainda tocava de vez em quando.
- Tudo bem... então eu toco e você canta.
- Ooou... você toca e você canta.
- Deixa de ser chata, a Julia falou que você canta super bem.
- E eu já falei que vocês não podem acreditar em tudo que ela fala.
- Por favor! – Falou em um tom de súplica.
- Por que isso? Eu não sou cantora, cantava só como passatempo.
- Tudo bem, mas eu amo cantar e já que você não quer me beijar, seria bom arranjarmos outras coisas pra fazer – falou me encarando pensativo – a não ser, é claro, que você tenha mudado de ideia – e se inclinou um pouco na minha direção.
- De jeito nenhum – falei empurrando seu rosto.
- Azar o seu. O que vamos cantar então?
- Aviso logo que eu não sei quase nenhuma música da Jungle Roots de cor ainda – falei me dando por vencida.
- Gostei do "ainda". – falou arrumando o violão – Mas não precisa ser da banda, pode ser qualquer uma.
- Qualquer uma é muito vago, deixa eu ver aqui – peguei meu celular pra ver as mais tocadas do meu Spotify e escolher uma que não me faria passar tanta vergonha.
- She will be loved, do Maroon 5?
- Não... eu gosto, mas já cansei.
- Qualquer música , você não vai fazer nenhuma audição pro The Voice.
- Tá bom, você sabe "Best Part" da H.E.R?
- Óbvio, eu adoro essa... vamos ver – dedilhou um pouco pelo violão pra garantir que lembrava como tocar.
- Sem julgamentos, por favor – falei respirando fundo, apoiei a cabeça no sofá e fechei os olhos pra tentar fingir que estava sozinha ali. Então ele começou...
[https://www.youtube.com/watch?v=vBy7FaapGRo]
"You don't know, babe
Você não sabe, amor
When you hold me
Quando você me abraça
And kiss me slowly
E me beija lentamente
It's the sweetest thing
É a coisa mais doce
And it don't change
E não muda
If I had it my way
Se dependesse de mim
You would know that you are
Você saberia que você é
You're the coffee that I need in the morning
Você é o café que eu preciso de manhã
You're my sunshine in the rain when it's pouring
Você é meu raio de Sol na chuva, quando ela está caindo
Won't you give yourself to me
Você não vai se entregar para mim?
Give it all, oh
Se entregue completamente, oh
I just wanna see
Eu só quero ver
I just wanna see how beautiful you are
Eu só quero ver o quão bonito você é
You know that I see it
Você sabe que eu vejo
I know you're a star
Eu sei que você é uma estrela
Where you go I follow
Onde você for, eu sigo
No matter how far
Não importa a distância
If life is a movie
Se a vida é um filme
Oh you're the best part, oh oh oh
Oh, você é a melhor parte, oh
You're the best part, oh oh oh
Você é a melhor parte, oh
Best part
Melhor parte
It's the Sunrise
É o nascer do Sol
And those brown eyes, yes
E esses olhos castanhos, sim
You're the one that I desire
Você é a única que eu desejo
When we wake up
Quando nós acordamos
And then we make love
E então fazemos amor
It makes me feel so nice
Isso me faz sentir tão bem
You're my water when I'm stuck in the desert
Você é minha água quando estou preso no deserto
You're the Tylenol I take when my head hurts
Você é o Tylenol que eu tomo quando minha cabeça dói
You're the sunshine on my life
Você é a luz do Sol na minha vida
I just wanna see how beautiful you are
Eu só quero ver o quão bonita você é
You know that I see it
Você sabe que eu vejo
I know you're a star
Eu sei que você é uma estrela
Where you go I follow
Onde você for, eu sigo
No matter how far
Não importa a distância
If life is a movie
Se a vida é um filme
Then you're the best part, oh oh oh
Então você é a melhor parte, oh
You're the best part, oh oh oh
Você é a melhor parte, oh
Best part
Melhor parte
If you love me won't you say something?
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you, won't you
Se você me ama, não vai, não vai
If you love me won't you say something?
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
Você não sabe, amor
When you hold me
Quando você me abraça
And kiss me slowly
E me beija lentamente
It's the sweetest thing
É a coisa mais doce
And it don't change
E não muda
If I had it my way
Se dependesse de mim
You would know that you are
Você saberia que você é
You're the coffee that I need in the morning
Você é o café que eu preciso de manhã
You're my sunshine in the rain when it's pouring
Você é meu raio de Sol na chuva, quando ela está caindo
Won't you give yourself to me
Você não vai se entregar para mim?
Give it all, oh
Se entregue completamente, oh
I just wanna see
Eu só quero ver
I just wanna see how beautiful you are
Eu só quero ver o quão bonito você é
You know that I see it
Você sabe que eu vejo
I know you're a star
Eu sei que você é uma estrela
Where you go I follow
Onde você for, eu sigo
No matter how far
Não importa a distância
If life is a movie
Se a vida é um filme
Oh you're the best part, oh oh oh
Oh, você é a melhor parte, oh
You're the best part, oh oh oh
Você é a melhor parte, oh
Best part
Melhor parte
It's the Sunrise
É o nascer do Sol
And those brown eyes, yes
E esses olhos castanhos, sim
You're the one that I desire
Você é a única que eu desejo
When we wake up
Quando nós acordamos
And then we make love
E então fazemos amor
It makes me feel so nice
Isso me faz sentir tão bem
You're my water when I'm stuck in the desert
Você é minha água quando estou preso no deserto
You're the Tylenol I take when my head hurts
Você é o Tylenol que eu tomo quando minha cabeça dói
You're the sunshine on my life
Você é a luz do Sol na minha vida
I just wanna see how beautiful you are
Eu só quero ver o quão bonita você é
You know that I see it
Você sabe que eu vejo
I know you're a star
Eu sei que você é uma estrela
Where you go I follow
Onde você for, eu sigo
No matter how far
Não importa a distância
If life is a movie
Se a vida é um filme
Then you're the best part, oh oh oh
Então você é a melhor parte, oh
You're the best part, oh oh oh
Você é a melhor parte, oh
Best part
Melhor parte
If you love me won't you say something?
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you, won't you
Se você me ama, não vai, não vai
If you love me won't you say something?
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
If you love me won't you say something
Se você me ama, não vai dizer alguma coisa?
If you love me won't you
Se você me ama, não vai
Love me, won't you
Me ama, não vai
No meio da música, quando ele começou a cantar, eu já estava mais confortável então abri os olhos e, apesar de ainda estar com o coração acelerado, aquilo me fez conseguir aproveitar ainda mais o momento. Foi perfeito. Não a música em si, ou a minha voz, mas até aquela hora, eu nem lembrava o quanto cantar me fazia bem... Era como se aquele ditado "quem canta, seus males espantam", tivesse sido feito pra mim, e eu só consegui perceber ali.
- Eu não sei nem o que dizer – ele falou me olhando com um sorriso bobo – de onde você tirou que não sabe cantar?
- Eu nunca falei que não sabia, só que não sou cantora, e é verdade.
- Você é incrível! Por que não queria que ninguém te ouvisse?
"Por que um dia me disseram que era uma perda de tempo" pensei
- Não sei, acho besteira – falei olhando para o chão.
- Seria besteira se você não gostasse, mas tá na cara que você gosta.
- Eu adoro, só que não tenho tempo pra essas coisas.
- Impossível... todo mundo tem que ter tempo pra cantar. Não estou falando que você precisa organizar um show e se apresentar na frente de várias pessoas, mas se é uma coisa que você gosta tanto, deveria fazer mais vezes.
- Pode ser...
Essa situação toda era muito estranha. Eu nunca parei pra pensar que tinha abandonado a música e parado de cantar, para mim parecia ter sido uma coisa muito natural. Eu cantava no chuveiro, ou no carro, mas era isso, não tirava mais um tempo para tocar violão ou até tentar compor alguma coisa, mesmo que só por diversão.
O meu ex sempre falou que eu deveria focar no meu trabalho, que era o que eu amava fazer, e eu nunca questionei ou parei pra pensar que eu podia fazer os dois. A editora, fazer traduções e escrever, continuavam sendo as minhas paixões, mas a música também fazia parte da minha vida e me ajudava muito.
ficou me encarando, acho que tentando desvendar no que eu estava pensando, mas não me importei. Ficamos naquele silêncio que, felizmente não estava desconfortável. Ás vezes, um dos dois ria de alguma coisa que lhe vinha a mente, ou fazia pequenos comentários sobre letras de música, e ficamos naquela realidade paralela por alguns minutos até eu perceber que estava tarde e na hora de voltar pra casa.
- Você pode dormir aqui.
- Passo...
- Tem quarto de hóspedes coisa linda. Sou sem noção, mas nem tanto – falou erguendo as mãos em rendição.
- Eu prefiro dormir em casa – falei me levantando. Era melhor evitar esse tipo de mal-entendido. Depois podiam me ver saindo da casa dele de manhã, e seria um prato cheio para os comentários que eu queria tanto evitar.
- Então eu te levo – falou pegando as chaves – Nem adianta dizer que não precisa.
Quem diria... Ammel, um cavalheiro. Acho que eu estava ficando mal-acostumada, e isso era uma coisa que, definitivamente, eu já tinha aprendido que não era bom acontecer. A essa altura do campeonato, eu já esperava que a qualquer momento alguém podia jogar um balde de água fria na minha cabeça.
Capítulo 4
4
Cantar com a no fim de semana foi a injeção de adrenalina que me faltava. Acho que no meio de turnês, entrevistas, gravação e tudo mais que temos que fazer repetidas vezes, entramos num modo automático de lidar com a demanda da indústria e eu esqueci como era tocar por diversão. Parar durante aqueles minutos, e cantar sem nenhuma pretensão de estar perfeito, sem qualquer objetivo maior por trás, me fez relembrar como era antes da banda realmente fazer sucesso, quando a música era só um amor e não tínhamos nenhuma obrigação com ela. Eu só tinha que fundir essas duas energias, e colocar aquele frescor do início no som que estávamos criando.
- Garoto, você passou a noite toda aí? – Jane perguntou olhando pra mim jogado no chão da sala com o meu violão, papéis de rascunho espalhados por todos os cantos e uma cara toda amassada.
- Eu acabei me empolgando com umas ideias e fiquei por aqui.
- Eu pensei que vocês estavam com problemas pra escrever coisas novas... esse problema acabou então?
- Graças a Deus... quer dizer, graças a – corrigi – Ela canta, sabia? E muito bem, por sinal.
- Sei... – falou me lançando um sorrisinho de lado e um olhar que entregava tudo que ela estava pensando.
- Nem começa com isso – cortei logo o seu barato
- Eu não falei nada!
- Mas eu te conheço e é melhor já acabar logo com as suas esperanças.
- Eu também te conheço, muito mais do que você pensa... – falou me ajudando a juntar as novas partituras que eu tinha rabiscado – Quero saber é quando eu vou conhecer essa tal de .
- Ela veio aqui no sábado. Passou o dia me ajudando a arrumar o closet
- Não acredito! Agora sim eu preciso conhecer essa santa milagreira – falou jogando as mãos pro alto.
- Pra sua informação, eu já estava me planejando pra arrumar, ela só veio me dar uma forcinha – Jane já andava em direção ao armário, para avaliar o resultado da arrumação, e eu fui atrás – Eu a ajudei com uma faxina na casa dela, então ela veio retribuir, só isso.
- Parece que você achou sua musa inspiradora – falou debochando – na música, na faxina... essa garota te faz bem mesmo.
- Faz sim. Por que ela é uma ótima amiga... amiga, ouviu?
- Eu ainda não sou surda, meu amor, mas também não sou burra. Sei ler nas entrelinhas.
- Aham. Só que você e as minhas mães estão tão desesperadas pra me verem esperando alguém no altar, que estão criando entrelinhas onde não tem. Elas se referem à como "nora"! – Eram duas malucas querendo que eu arranjasse uma namorada de qualquer forma.
- Somos as pessoas que mais te conhecem na vida – completou e eu revirei os olhos indo em direção ao banheiro pra tomar uma chuveirada. Eram 8h da manhã ainda e eu não tinha nenhum compromisso durante a manhã, mas estava sem sono.
Fiquei mexendo no celular por alguns minutos, fuxicando os feeds de fofoca, - quando a notícia não era sobre mim, era um bom passatempo - assistindo uns tutoriais de comida no Instagram, mas fiquei entediado rapidamente e me joguei na cama pra assistir alguma série. Como sempre, escolhi Modern Family e maratonei a sexta temporada, e entre risadas e pequenos cochilos, nem vi o tempo passar.
Já era pouco mais de meio-dia quando Jane deu duas batidinhas na porta do meu quarto antes de entrar.
- Criança, você tem visita.
- Visita? Quem?
- Sua musa inspiradora - falou dando um suspiro exagerado, e eu logo me levantei seguindo-a em direção a sala.
- Essa produção toda é pra mim, coisa linda? - Perguntei abraçando uma toda arrumada. Ela sempre disse que uma das melhores partes do seu escritório era que não exigiam uma vestimenta muito formal, então ela ia sempre de jeans e tênis, mas agora estava de vestido e salto alto. Linda como sempre, mas bem diferente do seu habitual.
- Bobo. Eu estava em uma reunião aqui perto e precisava estar mais emperequetada. Mas resolvi dar uma passada aqui pra saber se você não topa almoçar comigo.
- Com você? Sempre.
- Eu estou fazendo um almoço - Jane falou de trás do balcão da cozinha - se quiserem, podem almoçar aqui mesmo.
- Oba! Comida caseira, melhor ainda.
- Ótimo… , me deixa te apresentar oficialmente a Jane - falei me aproximando da cozinha - Jane, essa é a que você queria tanto conhecer.
- Muito prazer. O fala bastante de você.
- O prazer é todo meu, querida. Ele fala bastante de você também, . Inclusive, eu queria te agradecer por fazer esse moleque arrumar o closet dele, eu estava insistindo nisso há meses, mas ele não me escuta mais, então obrigada.
- Não precisa agradecer não – respondeu rindo – Ele só arrumou porque você pediu mesmo, eu só dei uma forcinha.
- Eu falei isso, eu ia arrumar de um jeito ou de outro.
- Só precisava de uma inspiração, né? - Jane falou dando uma piscadela pra mim. Ela ia insistir nessas "entrelinhas" pra sempre.
- Me conta, coisa linda, com quem era essa reunião que você precisava estar toda arrumada assim? - falei mudando de assunto.
- Com um youtuber que quer escrever um livro. Stuart Davill, conhece?
- Nunca ouvi falar.
- Eu conheço! - Jane respondeu animada - minhas sobrinhas são apaixonadas por ele.
- Eu não conhecia muita coisa dele, para ser sincera.
- E vocês vão publicar o livro dele?
- Publicar e escrever, né? Vai ser aquela "autobiografia" que na verdade quem escreve sou eu - respondeu dando de ombros.
- Como você vai fazer isso?
- A gente vai ter mais algumas reuniões, para eu conhecê-lo melhor e ele vai me passar o material que quer que esteja no livro.
- Não parece muito simples.
- Não é - falou rindo - é um trabalho em conjunto. Pelo menos ele é divertido.
- E um gato - Jane afirmou - pelo menos é isso que as minhas sobrinhas falam.
- Ele é bem bonito mesmo.
- Sei… não dá muita abertura pra esse cara não - Esses marmanjos da internet acham que podem tudo, era bom ela impor os limites para ele - Se ele ficar de gracinha pra cima de você, me avisa.
- Relaxa. Ele é gente boa.
- No início todos são, aí de repente você perceber que são uns tarados.
- Tá doido, ?
- Só estou falando pra você não marcar bobeira.
- Pode deixar que eu sei me cuidar. Mas falando nisso, o Ashton me deu uma ideia.
- Ai meu Deus, lá vem…
- Não é nada demais - ela falou isso, mas deu uma pausa como se pensasse em como me contar. Isso não era bom sinal.
- Fala logo, que ideia o Ashton te deu.
- Não foi ele que deu a ideia na verdade. Eu já tinha pensado nisso, mas ele trouxe o assunto à tona e eu acho que vou colocar em prática.
- Colocar o que em prática?
- Sair com uns caras aleatórios. - OK, isso eu não estava esperando.
- Como é?! Você ficou maluca? – nem a deixei completar – O Ashton eu sempre soube que é, mas você…
- Qual o problema? Eu estou solteira, não fico com ninguém há meses, passei pelo meu período de luto pós pé na bunda, é normal que eu queira conhecer outros homens agora, né?
- Você acha normal querer sair com caras que você nem conhece?!
- Você faz isso o tempo inteiro, e se disser que é diferente porque você é homem, eu vou embora.
- Ele não é maluco de falar uma coisa dessas – Jane falou me encarando, parando de mexer nas panelas para oficialmente prestar atenção na nossa conversa.
- Não vou dizer nada! – me rendi antes que alguém me batesse – Só falei porque achava que esse não era o tipo de coisa que você fazia.
- Não era. Até dois meses atrás eu estava noiva, não tinha muito como fazer. - Noiva? – Jane perguntou impressionada – Isso você não me contou – reclamou olhando pra mim.
- Eu não sabia! – estava tão surpreso quando ela.
- Não é o tipo de história que eu fico ansiosa pra contar. – falou abaixando o olhar e respirando fundo – Eu namorei por anos com um cara que eu conheci logo que eu me mudei pra Los Angeles. O nome dele é Derek, ele era advogado da editora onde eu trabalho. Eu sou escritora – falou se dirigindo à Jane.
- Eu sei – ela respondeu sorrindo. Eu realmente tinha contado bastante coisa da pra ela.
- Nós ficamos juntos por cinco anos. Ele me pediu em casamento no ano retrasado e ficamos morando no meu apartamento enquanto juntamos dinheiro para fazer a cerimônia que queríamos – falou enquanto começava a correr uma lágrima, e meu peito estava apertando com aquilo – Estávamos preparando tudo e o casamento ia acontecer em alguns meses. – Parou por um momento e limpou o rosto – Mas ele desistiu e terminou tudo – concluiu rapidamente, sem entrar em detalhes.
- Assim, do nada? Falou que não queria mais e acabou? – Jane perguntou.
- Exatamente assim. Na verdade, ele nem falou. Estava viajando e mandou um e-mail dizendo que não ia mais voltar e que eu deveria cancelar tudo.
- Tá brincando?! – perguntei indignado - Caralho, que babaca! Como alguém faz uma coisa dessas?!
- Querida, vem aqui. – Jane falou se aproximando dela e lhe dando um abraço – Esse cara não te merece, aliás, não merece nenhuma lágrima sua. Você tem que seguir em frente, azar o dele. A fila anda! – completou e eu entendi tudo.
- É por isso que você acha que tem que sair com qualquer cara? – perguntei.
- Não com qualquer cara – falou se recompondo – mas alguém. O Ash tá certo. Eu tenho que aproveitar minha vida de solteira, e o quanto mais rápido eu fizer isso, mais rápido eu esqueço o Derek de uma vez por todas – concluiu e eu não fazia ideia do que responder.
- Eu achei que você não queria se envolver com ninguém.
- Não quero! Pelo menos, não de forma séria.
- Então você quer só uma transa.
- Não só uma. Eu quero curtir a vida de solteira, como qualquer um faz. Sem romance, sem compromisso, sem complicação.
- Tem certeza de que essa é a melhor ideia? – Jane perguntou – De repente você pode achar um cara legal, que valha a pena ter algo além de apenas sexo. Talvez você já até conheça essa pessoa, um amigo que você gosta – completou me olhando, muito sutil, como sempre.
- A última coisa que eu preciso agora é de alguma coisa sentimental. Eu nem tenho cabeça pra isso.
- , acho ótimo você querer aproveitar a vida. Mas isso de sair com estranhos pode ser perigoso. Tem muito maluco por aí.
- Eu sei me cuidar.
- Eu sei, mas mesmo assim.
- Qual a outra alternativa? - não conseguia pensar em nada além de "fica sozinha", mas isso não iria servir.
- Eu vou te ajudar.
- Me ajudar? Em que?
- Eu estou acostumado com essas coisas, sei reconhecer um babaca de longe. Posso tentar escolher alguém decente pra você.
- De jeito nenhum, é pra minha cama que o cara vai, quem vai escolher sou eu!
- Você vai escolher um rostinho bonito e vai acabar com um doido que vai roubar a sua televisão enquanto você dorme - eu já estava ficando irritado com essa ideia. O Ashton só pode ter merda na cabeça.
- Deixa de ser exagerado. Eu não sou nenhuma pré-adolescente inocente, eu sei avaliar minimamente a índole das pessoas.
- Por favor, confia em mim.
- Bonito, eu sei que você quer me ajudar, mas…
- Eu vou estar por perto então. Não vou escolher, mas se eu sentir uma vibe estranha do dito cujo, eu me meto. Pode ser? - Eu sabia que estava pedindo demais, onde já se viu alguém escolher com quem o outro pode ou não ficar. Mas isso era precaução, zelo. Não queria que ela ficasse com nenhum maníaco.
- Tudo bem - concordou revirando os olhos - mas só se o cara der sinais de psicopatia e por algum motivo louco eu não perceber.
- Combinado. Podemos começar na festa de lançamento da Stella, no sábado.
- Perfeito!
- Só pra constar, eu não acho isso uma boa ideia - Jane opinou enquanto arrumávamos a mesa - Não gosto dessa ideia de fazer amor com uma pessoa que você mal conhece, é muita intimidade.
- Mas quem falou em amor aqui? - respondi e recebi uma expressão de decepção como resposta.
- Fica tranquila Jane, eu sei me comportar e ainda arranjei um guarda-costas - falou passando o braço em volta do meu pescoço - Não tem como dar errado.
♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥♡♥
- Eu não acredito que você aceitou aquilo! – Jane reclamou puta da vida quando foi embora depois do almoço.
- Aceitei o quê?
- Que ela fique com outros homens! Ainda se ofereceu para ajudar, era só o que me faltava.
- O que você queria que eu fizesse? Deixasse que ela acabasse com um maluco qualquer?
- Eu queria que você tomasse vergonha nessa sua cara e parasse com essa palhaçada de "somos só amigos"
- Calma Jane - falei segurando o riso - realmente não rola nada entre nós dois. E ela também não quer que isso mude.
- Eu vi que você também não gostou da ideia.
- Eu só achei estranho.
- Você tem que acordar pra vida! Essa menina é linda, divertida e está disponível, precisando que alguém cuide dela.
- A sabe se cuidar muito bem sozinha, e você não escutou o que ela falou? A última coisa que precisa é de um relacionamento sério, e eu também.
- Por enquanto, mas as coisas mudam.
- Esquece isso. Ela não quer nada comigo e qualquer coisa a mais só iria estragar tudo. Vou ajudá-la a conseguir essas transas.
- Credo! Falando desse jeito parece que é um negócio de aliciamento para prostituição – falou e eu caí na gargalhada.
- Você é uma figura.
Era estranho pensar na dormindo com outros caras. Não que tivesse qualquer problema, decidimos que seríamos apenas amigos e eu gostava disso, mas daí ajudar outros caras a levar ela pra cama... isso não soava tão tranquilo assim.
Eu não conseguia parar de pensar nessa ideia de transar com homens que eu não conhecia. Podia parecer neurose, mas o estava certo, a quantidade de coisas que podiam dar errado eram infinitas. O cara podia ser um babaca, escroto, agressivo, podia ser um ladrão que roubaria minha televisão e os meus discos do Coldplay, sei lá, as possibilidades eram infinitas. Tudo isso passava pela minha cabeça, mas por outro lado podia resultar em uma ótima transa, divertida, que talvez virasse até um contatinho para um futuro de carência, mas zero pegajoso, que estaria feliz em ser usado e poder se aproveitar do meu corpinho maravilhoso. Era tudo que eu queria... a reciprocidade que faltou no meu noivado, eu agora precisava por uma noite apenas.
- Amiga, eu tenho que confessar que não estou gostando tanto dessa ideia – Helena falou quando nos encontramos para almoçar na quinta-feira.
- Eu estou amando! – ao contrário de Lena, Julia estava mais empolgada que eu.
- Eu só quero parar de ficar em casa, remoendo um passado que não vai voltar – falei tentando me explicar.
- Eu sei, mas tem tantas formas de você fazer isso. Pode encontrar um cara legal de verdade, que te valorize.
- Péssima ideia! O negócio agora é a putaria mesmo.
- Julia! Menos, por favor – falei morrendo de vergonha de alguém no restaurante ter escutado.
- Mas é verdade! A precisa aproveitar o lado bom da vida, sem comprometimentos e expectativas. Transa com um, salva o contato, e de preferência, nunca mais o veja de novo. A não ser que o cara seja avassalador e abale suas estruturas em uma noite.
- Você é louca. , não dê ouvidos a ela, por favor, não é assim que você vai superar nada.
- Como você pode ter tanta certeza? De repente, é exatamente disso que eu preciso, e eu só vou saber se tentar.
- Eu só não acredito que o quis entrar nessa. – Julia falou rindo.
- Por que não?
- Fala sério amiga... tudo bem que vocês ainda estão apertando essa tecla de "apenas amizade", mas daí ele querer te ajudar a arranjar suas transas… isso já é demais.
- "Querer" não é a palavra. Ele é meu amigo e se importa comigo. Ficou preocupado de eu acabar com um maluco.
- Sei… tô achando que isso é uma desculpa pra ele empatar suas fodas.
- Claro que não! Ele vai ser só uma "rede de segurança" para caso dê merda.
- Pode ser – Helena aceitou sem muita convicção - Mas eu também acho que ele preferiria ser o cara que vai pra cama com você, ao invés de alguém que vai ficar olhando a magia acontecer.
- Vocês viajam com essas coisas – falei revirando os olhos – Pela milésima vez, nós somos só amigos. Não rola nada.
- Não rola, mas poderia rolar – Helena falou.
- Não poderia não... eu adoro o , de verdade. Ele foi uma surpresa boa que a vida me trouxe, e que eu estava precisando, mas a gente é muito diferente.
- Deixa de ser dramática , você tem dois exemplos na sua frente de que isso poderia dar certo. Eu e o Ash com a parte boa e divertida, e a Helena e o Michael, com a parte chata e monótona, mas que os fazem felizes.
- Cala a boca! Não tem nada de chato e monótono no nosso namoro.
- Não é disso que eu estou falando – tentei continuar – Pelo menos não só disso. Ele tem esse lado famoso, com várias pessoas se metendo na vida dele e as fãs malucas apaixonadas.
- Você sabe que as fãs da banda te adoram, né? – Julia falou pegando o celular.
- Elas nem me conhecem.
- Não são amigas íntimas, mas conhecem algumas coisas – Helena falou olhando também o celular. - Os meninos postam stories e vídeos no Instagram e no Twitter.
- Tá brincando, né?
- Te acham uma gata, divertida, pedem até para você aparecer mais vezes e interagir com elas – Julia continuou me mostrando alguns comentários e eu estava de queixo caído vendo aquilo - , não tem nada demais. Inclusive, a maioria quer que você e o fiquem juntos, acham que vocês combinam.
- Somos só...
- Amigos. A gente sabe. Já falou duzentas vezes. – Julia já estava sem paciência – mas pra alguém que parece tão convencida de que o sexo casual é a solução dos seus problemas e de que não vai se envolver romanticamente com ninguém, você está relutante demais em dar uma chance pro . Por que será?
Eu não soube responder. Quer dizer, eu sabia que a questão dos tabloides e das fofocas era um fator importante, mas eu já estava me acostumando com isso. Vez ou outra tiravam fotos nossas em bares ou restaurantes ou até de mim sozinha. Falaram uma vez que queriam postar o meu "look do dia"... eu estava de short jeans e chinelo. A questão maior era que, em muito pouco tempo, o tinha se tornado uma pessoa muito importante pra mim, que eu não estava disposta a perder. O porquê de eu achar que o perderia se alguma coisa rolasse entre a gente, aí já era outra questão e, pra isso, eu não fazia a ideia da resposta.
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O ramo da moda, com novas tendências e lançamentos era definitivamente mais complicado e estressante do que eu pensava. Nunca me liguei muito nessas coisas, o máximo que fazia era ver alguém usando alguma roupa ou um estilo com que eu me identificasse, e tentava aplicar isso na minha vida, incrementar minhas roupas de trabalho e sair com acessórios ou qualquer coisa que colocasse a minha personalidade nelas, mas a indústria da moda era infinitamente maior do que isso. Às vezes parece ser só glamour, modelos lindas, muito arrumadas e coleções incríveis, mas por trás dos panos era muito diferente, incluindo o ramo de joias.
Stella estava completamente desesperada pro lançamento da sua nova coleção. Esse era o último passo pra ela começar a desenvolver o trabalho que tinha sido chamada pra fazer com a Calvin Klein, e tinha finalmente chegado o dia, mas o estresse estava tomando conta de tudo. Eu não conseguia nem entender direito, mas ela pediu para mim, Julia e Helena, irmos para o salão onde aconteceria o lançamento.
- Obrigada por virem – ela estava destruída, claramente com os nervos à flor da pele. – Seguinte, eu não queria me estressar com os detalhes, contratei uma pessoa pra cuidar das modelos e já deu tudo errado. O infeliz chamou menos pessoas do que eu precisava, e agora está muito em cima da hora e eu não tenho mais um centavo pra pagar de cachê. – falou respirando fundo para não pirar – Então, vocês topam?
- Topamos o quê?
- Serem minhas modelos - falou como se fosse óbvio.
- O que?!
- Você está doida? – Julia perguntou expressando o que nós três estávamos pensando.
- Gente, por favor...
- Stella, olha bem pra mim – Julia parou na sua frente - eu não sou como essas modelos magrelas.
- Nenhuma de nós é... – Helena completou
- Eu não preciso de modelos magras, preciso de mulheres maravilhosas e que queiram me ajudar para eu não infartar antes de lançar minha primeira coleção.
- Amiga, eu até gostaria, mas não sou modelo, não sei desfilar – sem contar que eu morria de vergonha de ser o centro das atenções. Subir em uma passarela para várias pessoas ficarem me olhando, estava fora de cogitação.
- Não, calma, eu não expliquei direito – pegou um copo d'água em cima de um balcão e continuou. – Eu só preciso que vocês usem algumas peças durante a festa. Algumas vão ficar expostas nesses altares, mas a ideia era que outras fossem usadas pra ser uma forma mais dinâmica de integrar a coleção à festa.
- É só usar as joias? - perguntei
- As joias e as roupas que escolhemos para cada uma. Vocês vão ser fotografadas, e vão poder dizer que usaram uma original Stella Valença.
- Muito chique – falei sorrindo
- Nesse caso, eu aceito – Helena respondeu – Vai ser uma honra.
- Eu topo também, estava com problemas de arranjar o que vestir, é a solução perfeita – Julia não ia dispensar a oportunidade de chamar mais essa atenção.
- Eu aceito também – quem era eu pra negar ajuda a uma amiga.
- Só uma pergunta... – Julia começou – se durante a festa alguém encontrar um cara gostoso e depois acabar rasgando a roupa, tem problema? – ela estava de sacanagem com a minha cara fazendo as outras rirem.
- Nenhum problema, inclusive, eu apoio. Só não pode estragar as minhas peças – respondeu dando uma piscadinha pra mim, como aprovação. – O Calum me contou, da ideia que o Ashton te deu.
- Ah que incrível! Está todo mundo sabendo... será que eu deveria criar um evento no Facebook?
- Não seria uma má ideia – Julia falou sarcástica – vai que você dá sorte.
- Não tem graça. Era pra ser uma coisa normal, mas vai virar um show. Vou acabar desistindo.
- Não mesmo!
- Ju, eu não quero pagar esse mico com todo mundo me olhando.
- Que mico, ? – Stella perguntou – Você está solteira, tem todo o direito de sair com quem quiser. Experimentar é bom, faz bem pro nosso ego.
- Não se eu levar toco atrás de toco.
- Até parece... – Helena revirou os olhos. Acho que eu peguei essa mania dela.
- , você é gata pra caralho e está atrás de sexo. Que homem vai te dar um toco? – Stella perguntou – Mais provável você sair distribuindo toco.
- Ela ou o , né? Só quero ver quem ele vai aprovar.
A Stella estava uma pilha de nervos. Mandou uma mala de roupas pra casa do Ashton pra gente escolher e garantir que iríamos bem vestidos, e olha que ela sempre elogiou o nosso estilo, mas dessa vez não estava confiando tanto no nosso bom gosto.
- Sério que a gente precisa ir com essas? – Ashton já tinha experimentado umas cinco combinações diferentes, mas nada parecia agradar o gosto sofisticado do meu baterista.
- Eu gostei! – Michael ainda estava indeciso, mas no caso dele era por gostar demais de tudo.
- Não reclama, as peças são maneiras.
- E você não é a estrela da festa – Calum também estava nervoso, acho que acabou contraindo o estresse da namorada.
- Eu sempre sou a estrela da festa – falou vestindo um blazer preto com botões estampados.
- Esse ficou maneiro – falei tentando agilizar a situação. Ainda tínhamos tempo, mas Ash era sempre o último a ficar pronto, então era melhor começar a se arrumar logo.
- Você vai como? – Perguntou e foi mexer nas roupas que eu tinha separado – Ah, eu quero essa camisa!
- Quer porra nenhuma! Eu escolhi antes, já casou com todo o resto, não vou mexer só pra você ficar mais duas horas sem saber com o que vai usar.
- Foda-se. Vai essa mesma – escolheu uma blusa estampada de seda com uma calça preta de couro, mas não estava completamente satisfeito – Não, acho que essa calça é melhor. É isso... vou entrar no banho. Vocês sabem onde tem toalhas, então se virem.
Cada um entrou em um quarto de hóspedes para começar a se arrumar. Eu nunca entendi por que Ashton tinha comprado uma casa tão grande. Eram cinco quartos, uma sala gigantesca, uma área externa digna de filme, e ele morava sozinho e passava a maior parte do tempo fora. Tudo bem que as festas ali eram sensacionais, cada cantinho da casa era sempre muito bem utilizado. Eu achava ótimo, mas manter isso arrumado devia ser um inferno, o que era óbvio, já que ele optava por deixar tudo uma bagunça.
Usei bem o meu tempo pra me arrumar. Os eventos que nós íamos, apesar de serem importantes, normalmente eram mais casuais e descontraídos. Não era todo dia que íamos a lugares chiques que demandavam traje passeio completo, com pessoas finas, champanhe original e uísques de mil anos. Então, pra honrar a dor de cabeça da Stella e consequentemente a do Calum, me esforcei. Fiz a barba com todo o cuidado, passei perfume, escolhi acessórios que complementassem bem a minha roupa, penteei o cabelo, e me vesti tomando cuidado para não amassar nada.
- Olha ele! – Michael gritou quando me viu descendo as escadas.
- Você também não está nada mal, meu caro. Nenhum de vocês dois, aliás. – falei chamando a atenção do Calum que não desgrudava do celular, provavelmente para garantir que a namorada ainda não tinha surtado.
- Está bonitão mesmo – falou e eu dei uma voltinha debochando da situação – Demorou tanto que achei que o Ashton desceria primeiro.
- Eu não poderia fazer isso e tirar a glória dele de ser o último a ficar pronto.
- Ashton! Desce logo, já está todo mundo aqui – Calum gritou da base da escada, mas não recebeu resposta.
- Como ela tá, Calum?
- Muito nervosa. Nem dormiu de ontem pra hoje.
- Imagino... isso é tipo o lançamento do primeiro álbum dela né, mas vai dar tudo certo.
- Tomara. Pelo menos as meninas estão com ela, impedindo que ela passe mal.
- As meninas... , Julia e Helena?
- Pois é, ela contratou uma maquiadora e um cabeleireiro, e eles iam aproveitar pra arrumar as três também.
- Ótimo – Ashton falou, descendo – Assim a gente garante que o não vai ter nenhum problema pra conseguir uma transa pra – ele sabia que eu não estava feliz com aquele plano idiota, e ficava repetindo só pra implicar.
- Cala a boca cara, por favor.
- Ué, você que falou que não rolava nada entre vocês.
- E por isso você foi dar essa ideia genial dela ficar com estranhos?!
- Eu nunca falei estranhos… só disse que ela precisava aproveitar a vida de solteira. É um desperdício uma gata daquelas não ficar com ninguém.
- Não é porque você fica com várias pessoas aleatórias, que ela tem que ficar também!
- Acho que você está se irritando mais do que deveria com essa história – Michael colocou a mão no meu ombro.
- Eu não estou irritado.
- Não? Por um segundo achei que você ia me dar um soco – Ashton riu e eu só me afastei.
- Eu nunca faria uma coisa dessas... imagina se eu machucasse a mão, como iria tocar nos shows?
- Você garantiu que não rolava nada além de amizade.
- Não rola mesmo!
- Então qual é o problema dela sair com outros caras? A ideia é ser só por uma noite, mas vai que ela conhece alguém legal... – Calum voltou a atenção para conversa, quando achou que o clima tinha pesado.
- Vai que ela conhece alguém legal e o cara faz a mesma coisa que o ex dela fez?
- Se isso acontecer, não tem nada que você possa fazer – Calum me entregou um copo que eu achei que era água... era vodca.
- Puta que pariu! Pra que isso? – quase cuspi com aquilo rasgando a minha garganta sem aviso prévio.
- Parece que você também vai precisar de alguma coisa pra te ajudar a se manter calmo essa noite.
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Mesmo com toda a ansiedade e pressa de Calum para que fossemos os primeiros a chegar na festa, acabamos enrolando para sair de casa. Ele estava uma pilha de nervos querendo chegar o mais rápido possível para apoiar a Stella. Não chegamos exatamente atrasados, a festa havia começado há menos de uma hora, mas para ele o fim do mundo. O lugar já estava cheio e Stella já estava rodeada de fotógrafos e pessoas que queriam falar com a dona da coleção.
O salão era lindo. Muito bem decorado, com efeitos de iluminação, música boa e bebidas aos montes. Isso sem falar na coleção de joias. Eu não entendia absolutamente nada sobre pedras preciosas ou bijuterias, mas tudo parecia muito impressionante. As peças eram lindas e dava para perceber o cuidado com os detalhes que ela tinha tomado.
- Vocês demoraram – Helena falou se aproximou de Michael para lhe dar um beijo.
- Eu falei! – Calum respondeu mal-humorado
- Relaxa, ainda tem muito tempo de festa. - Ashton disse querendo acalmar nosso amigo,
- Cadê a Stella? - perguntou afobado sem se importar com Ash.
- Já a perdi, está todo mundo atrás dela. - Helena responder e Calum logo saiu à procura da namorada.
- Você está linda, amor - Michael falou dando um beijo no rosto de Lena. Ela estava mesmo, com um vestido azul marinho e um coque que permitia mostrar bem os brincos da coleção. Todas as modelos que usavam as joias estavam com cabelo preso e roupas escuras, devia ser uma estratégia para destacá-las.
- Está uma gata mesmo, Helena. - Ashton também a elogiou - E cadê as suas amigas? – perguntou me olhando de lado. Se continuasse com essas coisas, até o final da noite ele iria levar um soco.
- A Julia está posando de modelo ali – apontou para um canto cheio de gente, mas não dava para vê-la direito – A foi pegar alguma coisa pra beber e acabou ficando conversando com um carinha – falou e virou pro bar, pra ver se ela ainda estava ali. Estava. Ela e o carinha, mas estava tão linda que nem consegui prestar atenção em com quem ela conversava. Fizeram uma escolha muito feliz em lhe dar um terninho feminino e um colar que enfatizava o decote... e que decote.
Demorou um tempo até ela perceber que eu estava a olhando, mas o sorriso que eu recebi quando isso aconteceu, foi de aquecer o coração e revirar o estômago. Ela logo pediu licença para quem estava falando com ela e veio andando em minha direção com aquele sorriso que estava me deixando tão nervoso. Aquele momento parecia acontecer em câmera lenta, e eu sabia que aquilo estava errado. Amigos, lembra? Apenas amigos, óbvio, e não queria nada além. Mesmo assim, ali estava eu, quase babando.
- Até que enfim, vocês chegaram! – veio me dar um abraço – achei que tinham desistido.
- O Ashton queria fazer uma entrada triunfal.
- Não posso desperdiçar tudo isso sendo o primeiro a chegar.
- Claro que não! Você está lindo, Ash – falou.
- Pelo menos alguém com bom gosto e que consegue me apreciar.
- Da próxima vez, pedimos para a Stella colocar umas esmeraldas em uma melancia, pra você usar no pescoço - Michael brincou fazendo-o revirar os olhos - assim você garante que não vai passar despercebido.
- Coisa linda, você se superou dessa vez – sussurrei pra – gata para caralho.
- Você também se arrumou direitinho – respondeu enlaçando o braço ao meu.
- Pois é... nem eu tô me reconhecendo. – As roupas eram muito bonitas e até que confortáveis, mas bem diferentes de qualquer coisa que eu costumava usar.
- A Ju ainda está em exposição?
- Parece que sim, mas ela está adorando – Helena olhou pro grupo que já estava com um pouco menos de gente, e dava pra ver a alegria da Julia em estar ali, sendo o centro das atenções.
- Nós duas também deveríamos estar andando pela festa né?
- Por quê? – Michael perguntou decepcionado em ter que se afastar dela tão rápido.
- A ideia é que as pessoas vejam as peças, e isso não vai acontecer se ficarmos paradas aqui – Helena deu um selinho em Michael e pegou a mão de para tirá-la da roda onde estávamos, mas logo foram paradas.
- Que linda – um homem se colocou na frente da , impedindo sua passagem –, a joia.
- Obrigada – ela sorriu sem graça e tentou dar um passo para o lado para passar, mas novamente foi impedida.
- A modelo também – completou lhe entregando uma taça de espumante – Sam – falou pegando em sua mão livre e pousando um beijo ali. Ele parou no século XVIII? Quem fazia isso atualmente?
- – respondeu com um sorriso discreto.
- Amiga, eu vou ali e já volto – Helena voltou a se juntar a nós claramente para deixá-los sozinhos.
- Eu falei para chamar a sua atenção, mas é verdade – se aproximou ainda mais dela – Você é linda. A joia também é, mas nem se compara a você.
- Nossa, obri...
- Com licença – interrompi e pude ouvir os meus amigos tentando segurar a risada, eu devia estar fazendo um papel muito ridículo mesmo – Coisa linda, eu preciso falar com você.
- Agora?
- Exatamente.
- Desculpa, você é namorado dela? – ele perguntou confuso.
- Não! – respondeu rapidamente, trocando o olhar de mim para ele.
- Vem aqui rapidinho, por favor – pedi de novo.
- Cara, se você não é nada dela, dá licença pra gente, por favor. Estamos conversando.
- Eu sou amigo dela e já disse que agora sou eu quem precisa conversar com ela.
- Tudo bem – ela falou se colocando na minha frente, e me puxando pela mão – O que aconteceu? – perguntou nervosa quando já estávamos afastados dele.
- Nada...
- Como assim "nada"? Você acabou de me tirar de um cara gato pra caralho dizendo que precisava conversar comigo.
- Nem achei ele tão bonito assim.
- !
- Eu não gostei dele… senti uma vibe estranha.
- Você tá brincando, né?
- Você falou que se eu sentisse que o cara não presta, e você não percebesse, eu poderia interceder. Aquele cara não presta.
- A gente mal conversou. Como você conseguiu concluir isso tão rápido?!
- Não gostei da energia dele.
- Energia?
- Exatamente. Tá cheio de opção aqui, você com certeza consegue coisa melhor.
- , é para ser uma coisa simples. Não complica, por favor. Deixa pelo menos eu conseguir conversar com o cara, antes de você tirar qualquer conclusão.
- Não vou, juro. Só quero ter certeza de que você vai ficar com alguém bom - justifiquei e ele revirou os olhos.
- To vendo que vai ser uma noite longa…
Ela não estava errada, e se pra ela estava ruim, pra mim estava pior. Os caras não deram uma trégua, pareciam que nunca tinham visto uma mulher na vida. O decote e a esmeralda pendurada entre seus seios não estavam me ajudando em nada. Mas caralho, tinham várias ali, será que não dava pra se interessar por outra? Qualquer uma.
Eu fiz o que a me pediu, esperei mais tempo pra ver se o cara era realmente bom o suficiente, mas nenhum era, e já que ela me deu a missão de arranjar alguém que valesse a pena ela levar pra casa, eu não iria deixar que ela se contentasse com qualquer um. Depois da quinta ou sexta vez que eu a afastei de uma conversa, dava para perceber que ela já estava puta e nem se dava mais ao trabalho de resistir e me convencer de deixá-la escolher sozinha. Mas claramente isso não era um problema, em menos de vinte minutos já tinha outro a cercando, e eu já estava ficando sem respostas para explicar por que eles não eram adequados.
- Você sabe que uma hora vai ter que parar com isso né? – Ashton se aproximou de mim enquanto eu observava sendo parada pelo milésimo homem de terno.
- Como assim?
- Você falou que ia ajudar, mas só está a atrapalhando – Julia apareceu para pegar uma água no canto do bar onde estávamos apoiados – Se você gosta dela, fala, mas para de se fazer de sonso – falou se afastando novamente.
- Ela está certa – Ash falou a observando desfilar pelo salão.
- Não é nada disso, é só que...
- É que você não quer ver a saindo daqui com outro cara. – falou olhando na direção dela – Só que você tem que se decidir. Ou você assume seu papel de amigo e para de tirar ela de perto de cada cara por quem ela se interessa, ou você aceita logo que essa história de "só amizade" não está funcionando e diz a verdade pra ela.
- Quem disse que ela se interessa por todos os caras que falam com ela?
- Ninguém disse – revirou os olhos sem paciência – mas você também não deixa que isso aconteça, e se ela não estivesse interessada, sairia de perto sozinha, não precisaria esperar o seu resgate.
- Eu só não quero que ela quebre a cara.
- Tem certeza de que é só isso? – Perguntou me encarando. A essa altura eu já não tinha certeza de nada. Várias mulheres bonitas na festa, e eu passei a noite inteira garantindo que a não ficaria com ninguém. Que merda eu estava fazendo da minha vida?!
- Não faço ideia.
- Então pensa bem cara. Eu não tenho como te dizer nada além disso. Só você sabe o tamanho do que está sentindo, e se é mais importante do que a sua amizade com ela – falou se levantando e me deixando sozinho com um nó de pensamentos.
Eu podia não saber o que estava sentindo, mas nada era mais importante do que a nossa amizade. Eu estava desconfortável com toda aquela situação de passar a noite inteira vendo caras diferentes correndo atrás da . Fiquei irritado de perceber como ela gostava da atenção deles. Me senti traído quando vi que ela preferia conversar com homens aleatórios, a ficar comigo. E então percebi que estava sendo ridículo e, no fim das contas, ela estava no direito dela, e eu virei o próprio babaca que disse a noite inteira que queria afastar dela.
- Oi – se sentou na minha frente, fazendo uma careta quando bebeu um gole do líquido que tinha no meu copo, e percebeu que era uísque.
- Esse era muito chato?
- Não..., mas resolvi te poupar de ir lá e dizer que ele é um idiota – ela estava claramente cansada, só não sabia dizer se era de mim ou de passar a noite andando de um lado pro outro pra expor as joias da Stella.
- Ele pareceu legal – falei sem nem saber se era verdade, mal tinha olhado pra cara dele – você devia dar uma chance.
- Sério? – se endireitou no banco alto e se virou para olhar o rapaz com quem estava conversando.
- Aham.
- Você acha que eu deveria voltar lá? – perguntou se virando pra mim.
- A não ser que você tenha mudado de ideia sobre dormir comigo – falei forçando uma risada.
- Bobo... – ela então se levantou e começou a se afastar.
- !
- Oi? – ela se virou pra mim e estava com um sorriso no rosto que eu não teria coragem de estragar de novo.
- Nada não... – pensei por uns segundos - eu acho que vou pra casa.
- Mas já?
- Estou cansado, só quero dormir.
- Aah, tudo bem – falou me dando um beijo no rosto e um abraço apertado – Obrigada por tudo, você é incrível.
- Boa sorte – falei sorrindo mais uma vez – Qualquer coisa me liga.
Meus amigos estavam certos, eu não tinha o direito de ficar a atrapalhando. Não podia cobrar nada dela, muito menos arriscar nossa amizade por causa de uma dúvida. O álcool estava misturando tudo, eu estava misturando tudo. Era melhor enterrar seja lá o que fosse que eu estava sentindo, e fingir que nunca nem percebi que estava ali. Mas para isso, eu tinha que ir embora o mais rápido possível.
A última coisa que eu precisava era vê-la saindo da festa acompanhada.
Cantar com a no fim de semana foi a injeção de adrenalina que me faltava. Acho que no meio de turnês, entrevistas, gravação e tudo mais que temos que fazer repetidas vezes, entramos num modo automático de lidar com a demanda da indústria e eu esqueci como era tocar por diversão. Parar durante aqueles minutos, e cantar sem nenhuma pretensão de estar perfeito, sem qualquer objetivo maior por trás, me fez relembrar como era antes da banda realmente fazer sucesso, quando a música era só um amor e não tínhamos nenhuma obrigação com ela. Eu só tinha que fundir essas duas energias, e colocar aquele frescor do início no som que estávamos criando.
- Garoto, você passou a noite toda aí? – Jane perguntou olhando pra mim jogado no chão da sala com o meu violão, papéis de rascunho espalhados por todos os cantos e uma cara toda amassada.
- Eu acabei me empolgando com umas ideias e fiquei por aqui.
- Eu pensei que vocês estavam com problemas pra escrever coisas novas... esse problema acabou então?
- Graças a Deus... quer dizer, graças a – corrigi – Ela canta, sabia? E muito bem, por sinal.
- Sei... – falou me lançando um sorrisinho de lado e um olhar que entregava tudo que ela estava pensando.
- Nem começa com isso – cortei logo o seu barato
- Eu não falei nada!
- Mas eu te conheço e é melhor já acabar logo com as suas esperanças.
- Eu também te conheço, muito mais do que você pensa... – falou me ajudando a juntar as novas partituras que eu tinha rabiscado – Quero saber é quando eu vou conhecer essa tal de .
- Ela veio aqui no sábado. Passou o dia me ajudando a arrumar o closet
- Não acredito! Agora sim eu preciso conhecer essa santa milagreira – falou jogando as mãos pro alto.
- Pra sua informação, eu já estava me planejando pra arrumar, ela só veio me dar uma forcinha – Jane já andava em direção ao armário, para avaliar o resultado da arrumação, e eu fui atrás – Eu a ajudei com uma faxina na casa dela, então ela veio retribuir, só isso.
- Parece que você achou sua musa inspiradora – falou debochando – na música, na faxina... essa garota te faz bem mesmo.
- Faz sim. Por que ela é uma ótima amiga... amiga, ouviu?
- Eu ainda não sou surda, meu amor, mas também não sou burra. Sei ler nas entrelinhas.
- Aham. Só que você e as minhas mães estão tão desesperadas pra me verem esperando alguém no altar, que estão criando entrelinhas onde não tem. Elas se referem à como "nora"! – Eram duas malucas querendo que eu arranjasse uma namorada de qualquer forma.
- Somos as pessoas que mais te conhecem na vida – completou e eu revirei os olhos indo em direção ao banheiro pra tomar uma chuveirada. Eram 8h da manhã ainda e eu não tinha nenhum compromisso durante a manhã, mas estava sem sono.
Fiquei mexendo no celular por alguns minutos, fuxicando os feeds de fofoca, - quando a notícia não era sobre mim, era um bom passatempo - assistindo uns tutoriais de comida no Instagram, mas fiquei entediado rapidamente e me joguei na cama pra assistir alguma série. Como sempre, escolhi Modern Family e maratonei a sexta temporada, e entre risadas e pequenos cochilos, nem vi o tempo passar.
Já era pouco mais de meio-dia quando Jane deu duas batidinhas na porta do meu quarto antes de entrar.
- Criança, você tem visita.
- Visita? Quem?
- Sua musa inspiradora - falou dando um suspiro exagerado, e eu logo me levantei seguindo-a em direção a sala.
- Essa produção toda é pra mim, coisa linda? - Perguntei abraçando uma toda arrumada. Ela sempre disse que uma das melhores partes do seu escritório era que não exigiam uma vestimenta muito formal, então ela ia sempre de jeans e tênis, mas agora estava de vestido e salto alto. Linda como sempre, mas bem diferente do seu habitual.
- Bobo. Eu estava em uma reunião aqui perto e precisava estar mais emperequetada. Mas resolvi dar uma passada aqui pra saber se você não topa almoçar comigo.
- Com você? Sempre.
- Eu estou fazendo um almoço - Jane falou de trás do balcão da cozinha - se quiserem, podem almoçar aqui mesmo.
- Oba! Comida caseira, melhor ainda.
- Ótimo… , me deixa te apresentar oficialmente a Jane - falei me aproximando da cozinha - Jane, essa é a que você queria tanto conhecer.
- Muito prazer. O fala bastante de você.
- O prazer é todo meu, querida. Ele fala bastante de você também, . Inclusive, eu queria te agradecer por fazer esse moleque arrumar o closet dele, eu estava insistindo nisso há meses, mas ele não me escuta mais, então obrigada.
- Não precisa agradecer não – respondeu rindo – Ele só arrumou porque você pediu mesmo, eu só dei uma forcinha.
- Eu falei isso, eu ia arrumar de um jeito ou de outro.
- Só precisava de uma inspiração, né? - Jane falou dando uma piscadela pra mim. Ela ia insistir nessas "entrelinhas" pra sempre.
- Me conta, coisa linda, com quem era essa reunião que você precisava estar toda arrumada assim? - falei mudando de assunto.
- Com um youtuber que quer escrever um livro. Stuart Davill, conhece?
- Nunca ouvi falar.
- Eu conheço! - Jane respondeu animada - minhas sobrinhas são apaixonadas por ele.
- Eu não conhecia muita coisa dele, para ser sincera.
- E vocês vão publicar o livro dele?
- Publicar e escrever, né? Vai ser aquela "autobiografia" que na verdade quem escreve sou eu - respondeu dando de ombros.
- Como você vai fazer isso?
- A gente vai ter mais algumas reuniões, para eu conhecê-lo melhor e ele vai me passar o material que quer que esteja no livro.
- Não parece muito simples.
- Não é - falou rindo - é um trabalho em conjunto. Pelo menos ele é divertido.
- E um gato - Jane afirmou - pelo menos é isso que as minhas sobrinhas falam.
- Ele é bem bonito mesmo.
- Sei… não dá muita abertura pra esse cara não - Esses marmanjos da internet acham que podem tudo, era bom ela impor os limites para ele - Se ele ficar de gracinha pra cima de você, me avisa.
- Relaxa. Ele é gente boa.
- No início todos são, aí de repente você perceber que são uns tarados.
- Tá doido, ?
- Só estou falando pra você não marcar bobeira.
- Pode deixar que eu sei me cuidar. Mas falando nisso, o Ashton me deu uma ideia.
- Ai meu Deus, lá vem…
- Não é nada demais - ela falou isso, mas deu uma pausa como se pensasse em como me contar. Isso não era bom sinal.
- Fala logo, que ideia o Ashton te deu.
- Não foi ele que deu a ideia na verdade. Eu já tinha pensado nisso, mas ele trouxe o assunto à tona e eu acho que vou colocar em prática.
- Colocar o que em prática?
- Sair com uns caras aleatórios. - OK, isso eu não estava esperando.
- Como é?! Você ficou maluca? – nem a deixei completar – O Ashton eu sempre soube que é, mas você…
- Qual o problema? Eu estou solteira, não fico com ninguém há meses, passei pelo meu período de luto pós pé na bunda, é normal que eu queira conhecer outros homens agora, né?
- Você acha normal querer sair com caras que você nem conhece?!
- Você faz isso o tempo inteiro, e se disser que é diferente porque você é homem, eu vou embora.
- Ele não é maluco de falar uma coisa dessas – Jane falou me encarando, parando de mexer nas panelas para oficialmente prestar atenção na nossa conversa.
- Não vou dizer nada! – me rendi antes que alguém me batesse – Só falei porque achava que esse não era o tipo de coisa que você fazia.
- Não era. Até dois meses atrás eu estava noiva, não tinha muito como fazer. - Noiva? – Jane perguntou impressionada – Isso você não me contou – reclamou olhando pra mim.
- Eu não sabia! – estava tão surpreso quando ela.
- Não é o tipo de história que eu fico ansiosa pra contar. – falou abaixando o olhar e respirando fundo – Eu namorei por anos com um cara que eu conheci logo que eu me mudei pra Los Angeles. O nome dele é Derek, ele era advogado da editora onde eu trabalho. Eu sou escritora – falou se dirigindo à Jane.
- Eu sei – ela respondeu sorrindo. Eu realmente tinha contado bastante coisa da pra ela.
- Nós ficamos juntos por cinco anos. Ele me pediu em casamento no ano retrasado e ficamos morando no meu apartamento enquanto juntamos dinheiro para fazer a cerimônia que queríamos – falou enquanto começava a correr uma lágrima, e meu peito estava apertando com aquilo – Estávamos preparando tudo e o casamento ia acontecer em alguns meses. – Parou por um momento e limpou o rosto – Mas ele desistiu e terminou tudo – concluiu rapidamente, sem entrar em detalhes.
- Assim, do nada? Falou que não queria mais e acabou? – Jane perguntou.
- Exatamente assim. Na verdade, ele nem falou. Estava viajando e mandou um e-mail dizendo que não ia mais voltar e que eu deveria cancelar tudo.
- Tá brincando?! – perguntei indignado - Caralho, que babaca! Como alguém faz uma coisa dessas?!
- Querida, vem aqui. – Jane falou se aproximando dela e lhe dando um abraço – Esse cara não te merece, aliás, não merece nenhuma lágrima sua. Você tem que seguir em frente, azar o dele. A fila anda! – completou e eu entendi tudo.
- É por isso que você acha que tem que sair com qualquer cara? – perguntei.
- Não com qualquer cara – falou se recompondo – mas alguém. O Ash tá certo. Eu tenho que aproveitar minha vida de solteira, e o quanto mais rápido eu fizer isso, mais rápido eu esqueço o Derek de uma vez por todas – concluiu e eu não fazia ideia do que responder.
- Eu achei que você não queria se envolver com ninguém.
- Não quero! Pelo menos, não de forma séria.
- Então você quer só uma transa.
- Não só uma. Eu quero curtir a vida de solteira, como qualquer um faz. Sem romance, sem compromisso, sem complicação.
- Tem certeza de que essa é a melhor ideia? – Jane perguntou – De repente você pode achar um cara legal, que valha a pena ter algo além de apenas sexo. Talvez você já até conheça essa pessoa, um amigo que você gosta – completou me olhando, muito sutil, como sempre.
- A última coisa que eu preciso agora é de alguma coisa sentimental. Eu nem tenho cabeça pra isso.
- , acho ótimo você querer aproveitar a vida. Mas isso de sair com estranhos pode ser perigoso. Tem muito maluco por aí.
- Eu sei me cuidar.
- Eu sei, mas mesmo assim.
- Qual a outra alternativa? - não conseguia pensar em nada além de "fica sozinha", mas isso não iria servir.
- Eu vou te ajudar.
- Me ajudar? Em que?
- Eu estou acostumado com essas coisas, sei reconhecer um babaca de longe. Posso tentar escolher alguém decente pra você.
- De jeito nenhum, é pra minha cama que o cara vai, quem vai escolher sou eu!
- Você vai escolher um rostinho bonito e vai acabar com um doido que vai roubar a sua televisão enquanto você dorme - eu já estava ficando irritado com essa ideia. O Ashton só pode ter merda na cabeça.
- Deixa de ser exagerado. Eu não sou nenhuma pré-adolescente inocente, eu sei avaliar minimamente a índole das pessoas.
- Por favor, confia em mim.
- Bonito, eu sei que você quer me ajudar, mas…
- Eu vou estar por perto então. Não vou escolher, mas se eu sentir uma vibe estranha do dito cujo, eu me meto. Pode ser? - Eu sabia que estava pedindo demais, onde já se viu alguém escolher com quem o outro pode ou não ficar. Mas isso era precaução, zelo. Não queria que ela ficasse com nenhum maníaco.
- Tudo bem - concordou revirando os olhos - mas só se o cara der sinais de psicopatia e por algum motivo louco eu não perceber.
- Combinado. Podemos começar na festa de lançamento da Stella, no sábado.
- Perfeito!
- Só pra constar, eu não acho isso uma boa ideia - Jane opinou enquanto arrumávamos a mesa - Não gosto dessa ideia de fazer amor com uma pessoa que você mal conhece, é muita intimidade.
- Mas quem falou em amor aqui? - respondi e recebi uma expressão de decepção como resposta.
- Fica tranquila Jane, eu sei me comportar e ainda arranjei um guarda-costas - falou passando o braço em volta do meu pescoço - Não tem como dar errado.
- Eu não acredito que você aceitou aquilo! – Jane reclamou puta da vida quando foi embora depois do almoço.
- Aceitei o quê?
- Que ela fique com outros homens! Ainda se ofereceu para ajudar, era só o que me faltava.
- O que você queria que eu fizesse? Deixasse que ela acabasse com um maluco qualquer?
- Eu queria que você tomasse vergonha nessa sua cara e parasse com essa palhaçada de "somos só amigos"
- Calma Jane - falei segurando o riso - realmente não rola nada entre nós dois. E ela também não quer que isso mude.
- Eu vi que você também não gostou da ideia.
- Eu só achei estranho.
- Você tem que acordar pra vida! Essa menina é linda, divertida e está disponível, precisando que alguém cuide dela.
- A sabe se cuidar muito bem sozinha, e você não escutou o que ela falou? A última coisa que precisa é de um relacionamento sério, e eu também.
- Por enquanto, mas as coisas mudam.
- Esquece isso. Ela não quer nada comigo e qualquer coisa a mais só iria estragar tudo. Vou ajudá-la a conseguir essas transas.
- Credo! Falando desse jeito parece que é um negócio de aliciamento para prostituição – falou e eu caí na gargalhada.
- Você é uma figura.
Era estranho pensar na dormindo com outros caras. Não que tivesse qualquer problema, decidimos que seríamos apenas amigos e eu gostava disso, mas daí ajudar outros caras a levar ela pra cama... isso não soava tão tranquilo assim.
Eu não conseguia parar de pensar nessa ideia de transar com homens que eu não conhecia. Podia parecer neurose, mas o estava certo, a quantidade de coisas que podiam dar errado eram infinitas. O cara podia ser um babaca, escroto, agressivo, podia ser um ladrão que roubaria minha televisão e os meus discos do Coldplay, sei lá, as possibilidades eram infinitas. Tudo isso passava pela minha cabeça, mas por outro lado podia resultar em uma ótima transa, divertida, que talvez virasse até um contatinho para um futuro de carência, mas zero pegajoso, que estaria feliz em ser usado e poder se aproveitar do meu corpinho maravilhoso. Era tudo que eu queria... a reciprocidade que faltou no meu noivado, eu agora precisava por uma noite apenas.
- Amiga, eu tenho que confessar que não estou gostando tanto dessa ideia – Helena falou quando nos encontramos para almoçar na quinta-feira.
- Eu estou amando! – ao contrário de Lena, Julia estava mais empolgada que eu.
- Eu só quero parar de ficar em casa, remoendo um passado que não vai voltar – falei tentando me explicar.
- Eu sei, mas tem tantas formas de você fazer isso. Pode encontrar um cara legal de verdade, que te valorize.
- Péssima ideia! O negócio agora é a putaria mesmo.
- Julia! Menos, por favor – falei morrendo de vergonha de alguém no restaurante ter escutado.
- Mas é verdade! A precisa aproveitar o lado bom da vida, sem comprometimentos e expectativas. Transa com um, salva o contato, e de preferência, nunca mais o veja de novo. A não ser que o cara seja avassalador e abale suas estruturas em uma noite.
- Você é louca. , não dê ouvidos a ela, por favor, não é assim que você vai superar nada.
- Como você pode ter tanta certeza? De repente, é exatamente disso que eu preciso, e eu só vou saber se tentar.
- Eu só não acredito que o quis entrar nessa. – Julia falou rindo.
- Por que não?
- Fala sério amiga... tudo bem que vocês ainda estão apertando essa tecla de "apenas amizade", mas daí ele querer te ajudar a arranjar suas transas… isso já é demais.
- "Querer" não é a palavra. Ele é meu amigo e se importa comigo. Ficou preocupado de eu acabar com um maluco.
- Sei… tô achando que isso é uma desculpa pra ele empatar suas fodas.
- Claro que não! Ele vai ser só uma "rede de segurança" para caso dê merda.
- Pode ser – Helena aceitou sem muita convicção - Mas eu também acho que ele preferiria ser o cara que vai pra cama com você, ao invés de alguém que vai ficar olhando a magia acontecer.
- Vocês viajam com essas coisas – falei revirando os olhos – Pela milésima vez, nós somos só amigos. Não rola nada.
- Não rola, mas poderia rolar – Helena falou.
- Não poderia não... eu adoro o , de verdade. Ele foi uma surpresa boa que a vida me trouxe, e que eu estava precisando, mas a gente é muito diferente.
- Deixa de ser dramática , você tem dois exemplos na sua frente de que isso poderia dar certo. Eu e o Ash com a parte boa e divertida, e a Helena e o Michael, com a parte chata e monótona, mas que os fazem felizes.
- Cala a boca! Não tem nada de chato e monótono no nosso namoro.
- Não é disso que eu estou falando – tentei continuar – Pelo menos não só disso. Ele tem esse lado famoso, com várias pessoas se metendo na vida dele e as fãs malucas apaixonadas.
- Você sabe que as fãs da banda te adoram, né? – Julia falou pegando o celular.
- Elas nem me conhecem.
- Não são amigas íntimas, mas conhecem algumas coisas – Helena falou olhando também o celular. - Os meninos postam stories e vídeos no Instagram e no Twitter.
- Tá brincando, né?
- Te acham uma gata, divertida, pedem até para você aparecer mais vezes e interagir com elas – Julia continuou me mostrando alguns comentários e eu estava de queixo caído vendo aquilo - , não tem nada demais. Inclusive, a maioria quer que você e o fiquem juntos, acham que vocês combinam.
- Somos só...
- Amigos. A gente sabe. Já falou duzentas vezes. – Julia já estava sem paciência – mas pra alguém que parece tão convencida de que o sexo casual é a solução dos seus problemas e de que não vai se envolver romanticamente com ninguém, você está relutante demais em dar uma chance pro . Por que será?
Eu não soube responder. Quer dizer, eu sabia que a questão dos tabloides e das fofocas era um fator importante, mas eu já estava me acostumando com isso. Vez ou outra tiravam fotos nossas em bares ou restaurantes ou até de mim sozinha. Falaram uma vez que queriam postar o meu "look do dia"... eu estava de short jeans e chinelo. A questão maior era que, em muito pouco tempo, o tinha se tornado uma pessoa muito importante pra mim, que eu não estava disposta a perder. O porquê de eu achar que o perderia se alguma coisa rolasse entre a gente, aí já era outra questão e, pra isso, eu não fazia a ideia da resposta.
O ramo da moda, com novas tendências e lançamentos era definitivamente mais complicado e estressante do que eu pensava. Nunca me liguei muito nessas coisas, o máximo que fazia era ver alguém usando alguma roupa ou um estilo com que eu me identificasse, e tentava aplicar isso na minha vida, incrementar minhas roupas de trabalho e sair com acessórios ou qualquer coisa que colocasse a minha personalidade nelas, mas a indústria da moda era infinitamente maior do que isso. Às vezes parece ser só glamour, modelos lindas, muito arrumadas e coleções incríveis, mas por trás dos panos era muito diferente, incluindo o ramo de joias.
Stella estava completamente desesperada pro lançamento da sua nova coleção. Esse era o último passo pra ela começar a desenvolver o trabalho que tinha sido chamada pra fazer com a Calvin Klein, e tinha finalmente chegado o dia, mas o estresse estava tomando conta de tudo. Eu não conseguia nem entender direito, mas ela pediu para mim, Julia e Helena, irmos para o salão onde aconteceria o lançamento.
- Obrigada por virem – ela estava destruída, claramente com os nervos à flor da pele. – Seguinte, eu não queria me estressar com os detalhes, contratei uma pessoa pra cuidar das modelos e já deu tudo errado. O infeliz chamou menos pessoas do que eu precisava, e agora está muito em cima da hora e eu não tenho mais um centavo pra pagar de cachê. – falou respirando fundo para não pirar – Então, vocês topam?
- Topamos o quê?
- Serem minhas modelos - falou como se fosse óbvio.
- O que?!
- Você está doida? – Julia perguntou expressando o que nós três estávamos pensando.
- Gente, por favor...
- Stella, olha bem pra mim – Julia parou na sua frente - eu não sou como essas modelos magrelas.
- Nenhuma de nós é... – Helena completou
- Eu não preciso de modelos magras, preciso de mulheres maravilhosas e que queiram me ajudar para eu não infartar antes de lançar minha primeira coleção.
- Amiga, eu até gostaria, mas não sou modelo, não sei desfilar – sem contar que eu morria de vergonha de ser o centro das atenções. Subir em uma passarela para várias pessoas ficarem me olhando, estava fora de cogitação.
- Não, calma, eu não expliquei direito – pegou um copo d'água em cima de um balcão e continuou. – Eu só preciso que vocês usem algumas peças durante a festa. Algumas vão ficar expostas nesses altares, mas a ideia era que outras fossem usadas pra ser uma forma mais dinâmica de integrar a coleção à festa.
- É só usar as joias? - perguntei
- As joias e as roupas que escolhemos para cada uma. Vocês vão ser fotografadas, e vão poder dizer que usaram uma original Stella Valença.
- Muito chique – falei sorrindo
- Nesse caso, eu aceito – Helena respondeu – Vai ser uma honra.
- Eu topo também, estava com problemas de arranjar o que vestir, é a solução perfeita – Julia não ia dispensar a oportunidade de chamar mais essa atenção.
- Eu aceito também – quem era eu pra negar ajuda a uma amiga.
- Só uma pergunta... – Julia começou – se durante a festa alguém encontrar um cara gostoso e depois acabar rasgando a roupa, tem problema? – ela estava de sacanagem com a minha cara fazendo as outras rirem.
- Nenhum problema, inclusive, eu apoio. Só não pode estragar as minhas peças – respondeu dando uma piscadinha pra mim, como aprovação. – O Calum me contou, da ideia que o Ashton te deu.
- Ah que incrível! Está todo mundo sabendo... será que eu deveria criar um evento no Facebook?
- Não seria uma má ideia – Julia falou sarcástica – vai que você dá sorte.
- Não tem graça. Era pra ser uma coisa normal, mas vai virar um show. Vou acabar desistindo.
- Não mesmo!
- Ju, eu não quero pagar esse mico com todo mundo me olhando.
- Que mico, ? – Stella perguntou – Você está solteira, tem todo o direito de sair com quem quiser. Experimentar é bom, faz bem pro nosso ego.
- Não se eu levar toco atrás de toco.
- Até parece... – Helena revirou os olhos. Acho que eu peguei essa mania dela.
- , você é gata pra caralho e está atrás de sexo. Que homem vai te dar um toco? – Stella perguntou – Mais provável você sair distribuindo toco.
- Ela ou o , né? Só quero ver quem ele vai aprovar.
A Stella estava uma pilha de nervos. Mandou uma mala de roupas pra casa do Ashton pra gente escolher e garantir que iríamos bem vestidos, e olha que ela sempre elogiou o nosso estilo, mas dessa vez não estava confiando tanto no nosso bom gosto.
- Sério que a gente precisa ir com essas? – Ashton já tinha experimentado umas cinco combinações diferentes, mas nada parecia agradar o gosto sofisticado do meu baterista.
- Eu gostei! – Michael ainda estava indeciso, mas no caso dele era por gostar demais de tudo.
- Não reclama, as peças são maneiras.
- E você não é a estrela da festa – Calum também estava nervoso, acho que acabou contraindo o estresse da namorada.
- Eu sempre sou a estrela da festa – falou vestindo um blazer preto com botões estampados.
- Esse ficou maneiro – falei tentando agilizar a situação. Ainda tínhamos tempo, mas Ash era sempre o último a ficar pronto, então era melhor começar a se arrumar logo.
- Você vai como? – Perguntou e foi mexer nas roupas que eu tinha separado – Ah, eu quero essa camisa!
- Quer porra nenhuma! Eu escolhi antes, já casou com todo o resto, não vou mexer só pra você ficar mais duas horas sem saber com o que vai usar.
- Foda-se. Vai essa mesma – escolheu uma blusa estampada de seda com uma calça preta de couro, mas não estava completamente satisfeito – Não, acho que essa calça é melhor. É isso... vou entrar no banho. Vocês sabem onde tem toalhas, então se virem.
Cada um entrou em um quarto de hóspedes para começar a se arrumar. Eu nunca entendi por que Ashton tinha comprado uma casa tão grande. Eram cinco quartos, uma sala gigantesca, uma área externa digna de filme, e ele morava sozinho e passava a maior parte do tempo fora. Tudo bem que as festas ali eram sensacionais, cada cantinho da casa era sempre muito bem utilizado. Eu achava ótimo, mas manter isso arrumado devia ser um inferno, o que era óbvio, já que ele optava por deixar tudo uma bagunça.
Usei bem o meu tempo pra me arrumar. Os eventos que nós íamos, apesar de serem importantes, normalmente eram mais casuais e descontraídos. Não era todo dia que íamos a lugares chiques que demandavam traje passeio completo, com pessoas finas, champanhe original e uísques de mil anos. Então, pra honrar a dor de cabeça da Stella e consequentemente a do Calum, me esforcei. Fiz a barba com todo o cuidado, passei perfume, escolhi acessórios que complementassem bem a minha roupa, penteei o cabelo, e me vesti tomando cuidado para não amassar nada.
- Olha ele! – Michael gritou quando me viu descendo as escadas.
- Você também não está nada mal, meu caro. Nenhum de vocês dois, aliás. – falei chamando a atenção do Calum que não desgrudava do celular, provavelmente para garantir que a namorada ainda não tinha surtado.
- Está bonitão mesmo – falou e eu dei uma voltinha debochando da situação – Demorou tanto que achei que o Ashton desceria primeiro.
- Eu não poderia fazer isso e tirar a glória dele de ser o último a ficar pronto.
- Ashton! Desce logo, já está todo mundo aqui – Calum gritou da base da escada, mas não recebeu resposta.
- Como ela tá, Calum?
- Muito nervosa. Nem dormiu de ontem pra hoje.
- Imagino... isso é tipo o lançamento do primeiro álbum dela né, mas vai dar tudo certo.
- Tomara. Pelo menos as meninas estão com ela, impedindo que ela passe mal.
- As meninas... , Julia e Helena?
- Pois é, ela contratou uma maquiadora e um cabeleireiro, e eles iam aproveitar pra arrumar as três também.
- Ótimo – Ashton falou, descendo – Assim a gente garante que o não vai ter nenhum problema pra conseguir uma transa pra – ele sabia que eu não estava feliz com aquele plano idiota, e ficava repetindo só pra implicar.
- Cala a boca cara, por favor.
- Ué, você que falou que não rolava nada entre vocês.
- E por isso você foi dar essa ideia genial dela ficar com estranhos?!
- Eu nunca falei estranhos… só disse que ela precisava aproveitar a vida de solteira. É um desperdício uma gata daquelas não ficar com ninguém.
- Não é porque você fica com várias pessoas aleatórias, que ela tem que ficar também!
- Acho que você está se irritando mais do que deveria com essa história – Michael colocou a mão no meu ombro.
- Eu não estou irritado.
- Não? Por um segundo achei que você ia me dar um soco – Ashton riu e eu só me afastei.
- Eu nunca faria uma coisa dessas... imagina se eu machucasse a mão, como iria tocar nos shows?
- Você garantiu que não rolava nada além de amizade.
- Não rola mesmo!
- Então qual é o problema dela sair com outros caras? A ideia é ser só por uma noite, mas vai que ela conhece alguém legal... – Calum voltou a atenção para conversa, quando achou que o clima tinha pesado.
- Vai que ela conhece alguém legal e o cara faz a mesma coisa que o ex dela fez?
- Se isso acontecer, não tem nada que você possa fazer – Calum me entregou um copo que eu achei que era água... era vodca.
- Puta que pariu! Pra que isso? – quase cuspi com aquilo rasgando a minha garganta sem aviso prévio.
- Parece que você também vai precisar de alguma coisa pra te ajudar a se manter calmo essa noite.
Mesmo com toda a ansiedade e pressa de Calum para que fossemos os primeiros a chegar na festa, acabamos enrolando para sair de casa. Ele estava uma pilha de nervos querendo chegar o mais rápido possível para apoiar a Stella. Não chegamos exatamente atrasados, a festa havia começado há menos de uma hora, mas para ele o fim do mundo. O lugar já estava cheio e Stella já estava rodeada de fotógrafos e pessoas que queriam falar com a dona da coleção.
O salão era lindo. Muito bem decorado, com efeitos de iluminação, música boa e bebidas aos montes. Isso sem falar na coleção de joias. Eu não entendia absolutamente nada sobre pedras preciosas ou bijuterias, mas tudo parecia muito impressionante. As peças eram lindas e dava para perceber o cuidado com os detalhes que ela tinha tomado.
- Vocês demoraram – Helena falou se aproximou de Michael para lhe dar um beijo.
- Eu falei! – Calum respondeu mal-humorado
- Relaxa, ainda tem muito tempo de festa. - Ashton disse querendo acalmar nosso amigo,
- Cadê a Stella? - perguntou afobado sem se importar com Ash.
- Já a perdi, está todo mundo atrás dela. - Helena responder e Calum logo saiu à procura da namorada.
- Você está linda, amor - Michael falou dando um beijo no rosto de Lena. Ela estava mesmo, com um vestido azul marinho e um coque que permitia mostrar bem os brincos da coleção. Todas as modelos que usavam as joias estavam com cabelo preso e roupas escuras, devia ser uma estratégia para destacá-las.
- Está uma gata mesmo, Helena. - Ashton também a elogiou - E cadê as suas amigas? – perguntou me olhando de lado. Se continuasse com essas coisas, até o final da noite ele iria levar um soco.
- A Julia está posando de modelo ali – apontou para um canto cheio de gente, mas não dava para vê-la direito – A foi pegar alguma coisa pra beber e acabou ficando conversando com um carinha – falou e virou pro bar, pra ver se ela ainda estava ali. Estava. Ela e o carinha, mas estava tão linda que nem consegui prestar atenção em com quem ela conversava. Fizeram uma escolha muito feliz em lhe dar um terninho feminino e um colar que enfatizava o decote... e que decote.
Demorou um tempo até ela perceber que eu estava a olhando, mas o sorriso que eu recebi quando isso aconteceu, foi de aquecer o coração e revirar o estômago. Ela logo pediu licença para quem estava falando com ela e veio andando em minha direção com aquele sorriso que estava me deixando tão nervoso. Aquele momento parecia acontecer em câmera lenta, e eu sabia que aquilo estava errado. Amigos, lembra? Apenas amigos, óbvio, e não queria nada além. Mesmo assim, ali estava eu, quase babando.
- Até que enfim, vocês chegaram! – veio me dar um abraço – achei que tinham desistido.
- O Ashton queria fazer uma entrada triunfal.
- Não posso desperdiçar tudo isso sendo o primeiro a chegar.
- Claro que não! Você está lindo, Ash – falou.
- Pelo menos alguém com bom gosto e que consegue me apreciar.
- Da próxima vez, pedimos para a Stella colocar umas esmeraldas em uma melancia, pra você usar no pescoço - Michael brincou fazendo-o revirar os olhos - assim você garante que não vai passar despercebido.
- Coisa linda, você se superou dessa vez – sussurrei pra – gata para caralho.
- Você também se arrumou direitinho – respondeu enlaçando o braço ao meu.
- Pois é... nem eu tô me reconhecendo. – As roupas eram muito bonitas e até que confortáveis, mas bem diferentes de qualquer coisa que eu costumava usar.
- A Ju ainda está em exposição?
- Parece que sim, mas ela está adorando – Helena olhou pro grupo que já estava com um pouco menos de gente, e dava pra ver a alegria da Julia em estar ali, sendo o centro das atenções.
- Nós duas também deveríamos estar andando pela festa né?
- Por quê? – Michael perguntou decepcionado em ter que se afastar dela tão rápido.
- A ideia é que as pessoas vejam as peças, e isso não vai acontecer se ficarmos paradas aqui – Helena deu um selinho em Michael e pegou a mão de para tirá-la da roda onde estávamos, mas logo foram paradas.
- Que linda – um homem se colocou na frente da , impedindo sua passagem –, a joia.
- Obrigada – ela sorriu sem graça e tentou dar um passo para o lado para passar, mas novamente foi impedida.
- A modelo também – completou lhe entregando uma taça de espumante – Sam – falou pegando em sua mão livre e pousando um beijo ali. Ele parou no século XVIII? Quem fazia isso atualmente?
- – respondeu com um sorriso discreto.
- Amiga, eu vou ali e já volto – Helena voltou a se juntar a nós claramente para deixá-los sozinhos.
- Eu falei para chamar a sua atenção, mas é verdade – se aproximou ainda mais dela – Você é linda. A joia também é, mas nem se compara a você.
- Nossa, obri...
- Com licença – interrompi e pude ouvir os meus amigos tentando segurar a risada, eu devia estar fazendo um papel muito ridículo mesmo – Coisa linda, eu preciso falar com você.
- Agora?
- Exatamente.
- Desculpa, você é namorado dela? – ele perguntou confuso.
- Não! – respondeu rapidamente, trocando o olhar de mim para ele.
- Vem aqui rapidinho, por favor – pedi de novo.
- Cara, se você não é nada dela, dá licença pra gente, por favor. Estamos conversando.
- Eu sou amigo dela e já disse que agora sou eu quem precisa conversar com ela.
- Tudo bem – ela falou se colocando na minha frente, e me puxando pela mão – O que aconteceu? – perguntou nervosa quando já estávamos afastados dele.
- Nada...
- Como assim "nada"? Você acabou de me tirar de um cara gato pra caralho dizendo que precisava conversar comigo.
- Nem achei ele tão bonito assim.
- !
- Eu não gostei dele… senti uma vibe estranha.
- Você tá brincando, né?
- Você falou que se eu sentisse que o cara não presta, e você não percebesse, eu poderia interceder. Aquele cara não presta.
- A gente mal conversou. Como você conseguiu concluir isso tão rápido?!
- Não gostei da energia dele.
- Energia?
- Exatamente. Tá cheio de opção aqui, você com certeza consegue coisa melhor.
- , é para ser uma coisa simples. Não complica, por favor. Deixa pelo menos eu conseguir conversar com o cara, antes de você tirar qualquer conclusão.
- Não vou, juro. Só quero ter certeza de que você vai ficar com alguém bom - justifiquei e ele revirou os olhos.
- To vendo que vai ser uma noite longa…
Ela não estava errada, e se pra ela estava ruim, pra mim estava pior. Os caras não deram uma trégua, pareciam que nunca tinham visto uma mulher na vida. O decote e a esmeralda pendurada entre seus seios não estavam me ajudando em nada. Mas caralho, tinham várias ali, será que não dava pra se interessar por outra? Qualquer uma.
Eu fiz o que a me pediu, esperei mais tempo pra ver se o cara era realmente bom o suficiente, mas nenhum era, e já que ela me deu a missão de arranjar alguém que valesse a pena ela levar pra casa, eu não iria deixar que ela se contentasse com qualquer um. Depois da quinta ou sexta vez que eu a afastei de uma conversa, dava para perceber que ela já estava puta e nem se dava mais ao trabalho de resistir e me convencer de deixá-la escolher sozinha. Mas claramente isso não era um problema, em menos de vinte minutos já tinha outro a cercando, e eu já estava ficando sem respostas para explicar por que eles não eram adequados.
- Você sabe que uma hora vai ter que parar com isso né? – Ashton se aproximou de mim enquanto eu observava sendo parada pelo milésimo homem de terno.
- Como assim?
- Você falou que ia ajudar, mas só está a atrapalhando – Julia apareceu para pegar uma água no canto do bar onde estávamos apoiados – Se você gosta dela, fala, mas para de se fazer de sonso – falou se afastando novamente.
- Ela está certa – Ash falou a observando desfilar pelo salão.
- Não é nada disso, é só que...
- É que você não quer ver a saindo daqui com outro cara. – falou olhando na direção dela – Só que você tem que se decidir. Ou você assume seu papel de amigo e para de tirar ela de perto de cada cara por quem ela se interessa, ou você aceita logo que essa história de "só amizade" não está funcionando e diz a verdade pra ela.
- Quem disse que ela se interessa por todos os caras que falam com ela?
- Ninguém disse – revirou os olhos sem paciência – mas você também não deixa que isso aconteça, e se ela não estivesse interessada, sairia de perto sozinha, não precisaria esperar o seu resgate.
- Eu só não quero que ela quebre a cara.
- Tem certeza de que é só isso? – Perguntou me encarando. A essa altura eu já não tinha certeza de nada. Várias mulheres bonitas na festa, e eu passei a noite inteira garantindo que a não ficaria com ninguém. Que merda eu estava fazendo da minha vida?!
- Não faço ideia.
- Então pensa bem cara. Eu não tenho como te dizer nada além disso. Só você sabe o tamanho do que está sentindo, e se é mais importante do que a sua amizade com ela – falou se levantando e me deixando sozinho com um nó de pensamentos.
Eu podia não saber o que estava sentindo, mas nada era mais importante do que a nossa amizade. Eu estava desconfortável com toda aquela situação de passar a noite inteira vendo caras diferentes correndo atrás da . Fiquei irritado de perceber como ela gostava da atenção deles. Me senti traído quando vi que ela preferia conversar com homens aleatórios, a ficar comigo. E então percebi que estava sendo ridículo e, no fim das contas, ela estava no direito dela, e eu virei o próprio babaca que disse a noite inteira que queria afastar dela.
- Oi – se sentou na minha frente, fazendo uma careta quando bebeu um gole do líquido que tinha no meu copo, e percebeu que era uísque.
- Esse era muito chato?
- Não..., mas resolvi te poupar de ir lá e dizer que ele é um idiota – ela estava claramente cansada, só não sabia dizer se era de mim ou de passar a noite andando de um lado pro outro pra expor as joias da Stella.
- Ele pareceu legal – falei sem nem saber se era verdade, mal tinha olhado pra cara dele – você devia dar uma chance.
- Sério? – se endireitou no banco alto e se virou para olhar o rapaz com quem estava conversando.
- Aham.
- Você acha que eu deveria voltar lá? – perguntou se virando pra mim.
- A não ser que você tenha mudado de ideia sobre dormir comigo – falei forçando uma risada.
- Bobo... – ela então se levantou e começou a se afastar.
- !
- Oi? – ela se virou pra mim e estava com um sorriso no rosto que eu não teria coragem de estragar de novo.
- Nada não... – pensei por uns segundos - eu acho que vou pra casa.
- Mas já?
- Estou cansado, só quero dormir.
- Aah, tudo bem – falou me dando um beijo no rosto e um abraço apertado – Obrigada por tudo, você é incrível.
- Boa sorte – falei sorrindo mais uma vez – Qualquer coisa me liga.
Meus amigos estavam certos, eu não tinha o direito de ficar a atrapalhando. Não podia cobrar nada dela, muito menos arriscar nossa amizade por causa de uma dúvida. O álcool estava misturando tudo, eu estava misturando tudo. Era melhor enterrar seja lá o que fosse que eu estava sentindo, e fingir que nunca nem percebi que estava ali. Mas para isso, eu tinha que ir embora o mais rápido possível.
A última coisa que eu precisava era vê-la saindo da festa acompanhada.
Capítulo 5
5
Eu já tinha me arrependido de aceitar que me ajudasse a arranjar alguém para passar a noite comigo. Não sabia dizer qual eram os critérios que ele estava usando para decidir qualquer coisa, mas ninguém nunca era bom o suficiente. Chegou um momento que eu comecei a pensar que talvez ele não quisesse que eu transasse com outro cara, talvez a Helena estivesse certa quando falou que ele preferiria ser o cara a dormir comigo. Apesar de não ser nenhuma tragédia pensar que um cara legal, divertido e gostoso pra caralho, quer dormir com você, não era o ideal considerando as possíveis complicações que viriam junto ao corpinho bonito de . Cheguei a ir me sentar com ele para ver se talvez ele falaria alguma coisa à respeito, mas contra todas as minhas expectativas, ele achou que o cara com quem eu estava conversando antes, era uma boa pessoa e disse que eu deveria investir. Foi um misto de frustração e alívio, mas decidi que era melhor assim e apostei que aquele me daria o orgasmo que eu tanto procurava.
O nome dele era Thomas e trabalhava em uma grande empresa de engenharia civil da Califórnia. Conversamos um pouco no final da festa, e o resto aconteceu sem que eu precisasse me esforçar muito.
Eu podia não ser a personificação da experiência quando se tratava de sexo casual, mas sabia aproveitar tanto quanto qualquer uma. Achei melhor irmos para o apartamento dele para garantir que não precisaria expulsá-lo do meu pela manhã, caso ele resolvesse que devíamos nos conhecer melhor.
Confesso que no início foi um pouco estranho toda a situação de entrar na casa de um cara que eu tinha acabado de conhecer. Não sabia se eu já chegava tirando a roupa e partindo pra um beijão, ou se ainda iríamos ficar conversando e beber alguma coisa pra quebrar o gelo. Ele não teve essa dúvida e antes mesmo de conseguir acender as luzes, já estava beijando o meu pescoço, mordiscando minha orelha, e explorando cada pedaço do meu corpo. Não me importei nem um pouco, retribui cada gesto, e nos entendemos muito bem sem precisar usar as palavras.
Fazia um tempo que eu não dava pra alguém, talvez uns três meses, mas acredito que me saí muito bem, e ele também não deixou a desejar em nenhum aspecto. No final eu estava exausta, toda suada, descabelada mas pude dormir saciada.
Acordei, não tão feliz assim, com um apito repetitivo de um despertador que não era meu, mas quando abri os olhos, seu dono não estava ali, então tomei a liberdade de desligá-lo. Suas janelas eram cobertas por cortinas "blackout", então o quarto ainda estava bastante escuro, mas dava pra ter uma noção de como era pelas pequenas frestas de luz que conseguiam entrar. Nada muito diferente do que o senso-comum espera de um quarto de homem solteiro de quase trinta anos. Coloquei logo a minha roupa que agora, à luz do dia, parecia bem menos apropriada, e saí para procurar e me despedir do meu anfitrião. O encontrei na cozinha, de cueca boxer, preparando o meu café da manhã.
- Bom dia – se virou pra mim, colocando ovos mexidos em um prato, e eu respondi apenas com um sorriso. Aquilo não estava nos meus planos.
- Obrigada por tudo, mas acho que já vou indo – deu até pena de negar o bolo e os sucos que tinha preparado, mas ele claramente estava querendo ser romântico e isso era exatamente o que eu queria evitar
- Mas já? Eu fiz tudo isso pra você!
- Que amor..., mas não precisava, mesmo, eu tenho várias coisas pra fazer, não posso me atrasar.
- Mas hoje é domingo – primeira bola fora.
- Sim, claro. É que é o único dia que eu tenho pra arrumar a minha casa e preciso colocar alguns trabalhos em dia – tentei inventar a melhor desculpa, pra não precisar falar a verdade.
- Então me passa o seu número, podemos combinar de sair depois – se aproximou me envolvendo pela cintura. Aparentemente o só vetou os babacas, os românticos, que desejavam mais do que uma foda, ele deixou passar.
- Thomas, eu vou ser bem sincera com você – me afastei dos seus braços musculosos e respirei fundo – Eu não estou nem um pouco interessada em ter qualquer tipo de relacionamento, com ninguém. Foi uma noite ótima e tal, mas é melhor deixar as coisas como estão, sem o romantismo todo, ou trocar contatos e ficar esperando uma ligação no dia seguinte.
- Nossa, você é bem direta – sorriu sem graça
- Me desculpe, de verdade, a minha intenção nunca foi criar qualquer expectativa, achei que você tinha a mesma ideia que eu... apenas uma transa.
- Claro, por que o cara nunca pode querer um relacionamento sério, né? Tem que ser só uma trepada e depois parte pra próxima...
- Claro que não! Não foi isso que eu quis dizer – tentei me justificar – Olha, eu acho ótimo você querer encontrar alguém especial, se comprometer e namorar, casar, sei lá mais o que, mas não é pra mim. Eu acabei de sair desse relacionamento com o meu "alguém especial" e não estou mais nessa fase, entende?
- Entendo. Fico decepcionado por que você parece ser uma pessoa muito incrível, mas se você não quer, não posso fazer nada.
- Eu sinto muito, mesmo – me aproximei lhe dando um abraço, depois um selinho de despedida, e fui embora.
Quem diria que eu seria a pessoa a quebrar um coração? Não quebrar exatamente, mas talvez deixar um arranhão, um leve amassado... Só sei que eu fiz o que tinha que fazer e não iria me martirizar por isso; fui honesta e o deixei livre pra montar no seu cavalo branco e fazer ovos mexidos para a pessoa que muito provavelmente, um dia realmente destruiria seu coração em mil e um pedacinhos.
Eu passei por isso, não curti, e agora estava decidida a não passar de novo. Para isso, noites como essa eram ideais e se dependesse de mim aconteceriam mais vezes, mas provavelmente seria melhor dispensar o da sua função de cupido.
Falando nele, Thomas morava perto do apartamento dele, acho que uns quinze minutos caminhando, talvez vinte considerando o tamanho do salto que eu estava usando, mas achei que seria uma boa ideia passar lá. Já eram quase onze da manhã e ele não foi embora tão tarde da festa, então já deveria estar acordado. Fui andando devagar, liguei pra saber se tinha problema, mas ele não me atendeu.
O porteiro já me conhecia e me deixou entrar sem fazer perguntas. Subi, toquei a campainha e fiquei esperando um tempo. Talvez ele estivesse dormindo mesmo, mas quando estava quase indo embora, abriram a porta.
Não foi ele.
Esse é o grande problema da surpresa, é uma via de mão dupla.
- Bom dia – uma morena de cabelos compridos bocejou da porta. Ela vestia a camisa que estava em ontem.
- Oi – não sabia o que fazer, definitivamente não era quem eu estava esperando encontrar – desculpa, eu não devia ter vindo sem avisar.
- Quem é? – ouvi a voz de se aproximando quando eu já estava indo embora – , o que você está fazendo aqui?
- Nada, estava por perto e resolvi passar aqui, mas já me arrependi.
- Da licença, só um minutinho – ele falou pra "amiga" dele, e saiu para o corredor onde eu estava – Coisa linda, está tudo bem?
- Tudo ótimo... melhor impossível.
- Aconteceu alguma coisa?
- Nada – apertei o botão do elevador de novo, só pra garantir que ele chegaria.
- Você está chateada comigo? – minha carona finalmente chegou, mas ele segurou a porta impedindo que fechasse.
- Tenho algum motivo pra isso?
- Não que eu saiba...
- Então pronto.
- Isso é por causa da Siena? Você está com ciúmes? – perguntou e um sorrisinho ridículo surgiu no seu rosto, e consequentemente surgiu em mim uma vontade de dar um soco nele.
- Deixa de ser idiota, por favor, eu não tenho motivo pra isso.
- Não mesmo! Você não passou a noite na casa de sei lá quem? – a roupa de ontem me entregava.
- Passei sim, e foi incrível, caso você esteja curioso.
- Não estou, mas bom pra você...
- Obrigada – falei contorcendo a língua dentro da boca, pra não continuar aquela discussão sem fundamento – Dá pra largar a porta agora?
- Sim senhora. – ai que ódio!
A festa tinha sido longa e cansativa. Passei a noite inteira descartando cada homem que se aproximava da e, no final, não adiantou de nada. Acabei desistindo de ser empata foda e falei pra ela ficar com o último cara com quem estava conversando, mas quando eu estava quase na porta, parei pra pensar no desperdício que era estar em uma festa cheia de mulheres maravilhosas e sair de mãos abanando por causa de uma que, até aquela hora, eu tinha certeza que não queria nada comigo.
Dei mais uma volta pelo salão e encontrei Siena, uma modelo de vinte e dois anos que estava passando a semana na cidade para a inauguração de uma loja, de nada mais nada menos, do que da Victoria's Secret. Pareciam forças divinas me recompensando pela noite de merda que eu tive.
Obviamente eu não imaginava que acordaria no dia seguinte com a na minha porta, dando de cara com uma Siena usando minha camisa do dia anterior, mas aparentemente não foi tão ruim assim. Pelo menos, não pra mim.
- Me desculpa por isso – falei entrando de novo no apartamento.
- Relaxa... ex-namorada?
- Quem me dera, – brinquei – quer dizer, é uma amiga.
- Linda, – sentou no balcão da cozinha e mordeu uma maçã que estava dando sopa por ali – e não pareceu ter ficado muito feliz quando me viu.
- É, né? – não fui só eu que percebi – mas não importa, é só amizade mesmo.
- Sei... – falou pulando do balcão e foi em direção ao quarto – Bonito, obrigada por tudo, mas eu tenho que ir. – Foi bem estranho ouvir outra pessoa me chamando daquele jeito. "Gato" tudo bem, mas "bonito" virou quase uma exclusividade da . Mas ignorei a estranheza, adorava quando elas eram tão práticas quanto eu e iam embora rápido.
O resto do meu dia se resumiu a ficar jogado no sofá, pulando de canal em canal até achar algo que eu quisesse assistir. Também tentei continuar compondo alguma coisa, mas não deu muito certo. Na última epifania de criatividade que tive, parece que gastei todas as minhas ideias e agora demorava pra elas voltarem.
Mandei uma mensagem pra pra saber se estava tudo bem, e se já tinha mudado de ideia sobre conversar comigo, mas ela não respondeu. Eu estava achando graça na situação, ela jurava de pé junto que nada rolaria entre a gente, eu mesmo já tinha decorado e aceitado, mas bastou me ver com outra pessoa que ficou toda irritada. Não pode ter sido coincidência, mas eu não queria viajar sem falar com ela antes.
No dia seguinte a banda teria que ir pra Nova York gravar o programa do Jimmy Kimmel. Aproveitando a viagem, tínhamos agendado uma sessão de fotos para divulgação do novo single com um fotógrafo foda, além de encontros com produtores e uma galera da música que iria nos ajudar a fazer o álbum andar e terminá-lo, mas pra isso teríamos que ficar lá até sexta-feira.
Meu celular tocou e por alguns segundos eu tive a esperança que fosse ela, mas era o Ashton... como sempre
Fala
Tá fazendo o que?
To em casa e quero continuar aqui...
Ah tranquilo, eu to com a Julia, estamos indo pra casa dela. Ia perguntar se você queria ir, mas tudo bem...
Eu vou!
Você acabou de falar que...
Esquece, eu vou
Ta bom – falou rindo – quer carona? Passo aí em dez minutos
Pode ser
Chegamos no apartamento das meninas e Michael já estava lá, provavelmente tinha dormido com Helena, já que a Julia foi dormir na casa do Ashton. Mas não estava.
- Ela falou que não vem – Helena percebeu que eu esperava vê-la ali –, tá trabalhando.
- Eu vou falar com ela e já volto.
- Volta sim, com certeza – Ashton debochou. Talvez ele estivesse certo, o que eu ficaria fazendo ali com os dois casais? Atravessei o corredor e nem deu tempo de tocar a campainha.
- O que você está fazendo aqui? – me olhou surpresa, mas não mais do que eu vendo um homem deixando seu apartamento.
- Eu vim falar com você, mas parece que cheguei em péssima hora.
- Imagina, eu já estava de saída – ele deu um tapinha no meu ombro e um beijo no rosto dela e saiu descendo as escadas.
- Você é rápida, né? – entrei sem esperar o convite.
- Do que você está falando?
- Ontem saiu com um, hoje já está com outro...
- Oi?!
- Ele não é novo demais pra você, não? Você pediu a identidade? Essas coisas dão cadeia. – conclui e ela teve uma crise de riso.
- Quem está sentindo ciúmes agora, hein?
- Então você admite que sentiu ciúmes mais cedo?
- Claro que não, mas você nem precisa admitir nada.
- É muito convencida mesmo...
- Ele é o Jonny, meu estagiário – respondeu tentando conter a risada, sem muito sucesso.
- Estagiário?! Ele é uma criança! Suas chefes sabem disso?
- Deixa de ser bobo, ele só veio trazer umas pastas que eu tinha esquecido no escritório, e que preciso revisar para amanhã – segurou as pastas como prova e eu me senti bem ridículo quando me dei conta do papelão que estava fazendo.
- Aah, foi mal.
- Você precisa aprender a se controlar – falou pegando água na geladeira e bebendo direto da garrafa.
- Só eu, né? – tomei a garrafa da sua mão e dei um gole – Coisa linda, pensa que eu já esqueci do showzinho que você deu hoje?
- Que showzinho garoto, tá maluco?
- Não senhora, ficou se mordendo toda quando viu a Siena na minha porta
- Óbvio que não – riu tentando disfarçar o desconforto – eu só não sabia que você estava acompanhado, e resolvi ir embora pra não atrapalhar.
- Para de besteira , - me aproximei, fechando-a entre meus braços e o balcão da sua cozinha – Admite que você ficou com ciúmes, eu admito também... não gostei de pensar que você estava com esse garoto, da mesma forma que não queria que você tivesse saído da festa com ninguém ontem.
- Sabia! – gritou me empurrando para se afastar – Eu sabia que você não estava me ajudando coisíssima nenhuma, só estava tentando evitar que eu ficasse com alguém.
- Sabia, mas não fez nada. Podia muito bem ter ligado o "foda-se" pra minha opinião e ter saído de lá com o primeiro que passou, mas não fez.
- Não fiz por respeito à você que disse que queria me ajudar.
- Fala sério , conta outra. Você queria que eu vetasse todos os caras mesmo e no final, eu seria sua única opção.
- Depois eu é que sou convencida... olha o que você está falando.
- Por que é tão difícil pra você admitir que também já cansou dessa história de "somos só amigos".
- Nós somos só amigos!
- Eu sei disso, mas podia muito bem ser diferente...
- , presta atenção, – falou sério e cheguei a ficar tenso – eu não vou pra cama com você, só por que você não aguenta ouvir um "não", acha sempre que estão fazendo charme.
- Não tem nada a ver, não é essa a questão
- Ah não? Então qual é a questão? – perguntou cruzando os braços me desafiando.
- A questão, amor da minha vida – debochei tentando aliviar a tensão – é que você está procurando caras pra fazerem sexo casual, e eu estou aqui sempre à disposição, mas você sempre acha que alguma coisa vai dar errado.
- Você é muito cara de pau.
- Acompanha comigo... você não pode dizer que eu sou feio, pode me chamar de convencido, mas de feio não.
- Feio realmente não dá.
- E nem de chato, por que você já está me aguentando há muito tempo.
- To acompanhando – colocou o queixo na mão, fazendo cara de pensativa.
- E eu tenho um pinto.
- Não duvido – levantou as sobrancelhas, sem esperar que aquele seria o terceiro ponto.
- Então... esses são os pré-requisitos fundamentais para você transar com um cara.
- Quase, faltou um.
- Qual?
- Ele precisa ser dispensável... por que se tudo der errado e eu não quiser nunca mais olhar na cara dele, eu preciso saber que vou ficar bem – ela sabia bem como me deixar sem fala.
- Não tem nada pra dar errado aqui, coisa linda – falei passando minhas mãos pela sua cintura.
- Não tem como a gente saber, até dar errado – ela não se afastou.
- O Ashton e a Julia estão fazendo dar certo – apoiei minha testa na dela, e ficamos assim por alguns minutos.
- É diferente...
- Por que?
- A gente já sente ciúmes e nem temos nada, como você quer me convencer de que vai ser só sexo, sem compromisso ou sentimento?
- E se não for só sexo – perguntei e ela se afastou me encarando – Quer dizer... eu sei que você não quer nada sério, nem eu, mas se acontecer vai ser tão ruim assim?
- Você só pode estar brincando.
- Nem um pouco.
- Você está disposto a apostar o que temos hoje nisso?
- Por que a gente tem que escolher ou um ou outro? Por que as coisas não podem simplesmente dar certo, e a gente ficar bem?!
- Porque não! – ela gritou e eu me assustei – Essas coisas não existem! Não existe felizes para sempre, não dá certo.
- Que isso ?!
- Exatamente isso! Mais cedo ou mais tarde tudo implode.
- Nem sempre é assim, , às vezes dura...
- As pessoas se enganam, se acomodam, mas não existe isso de ser feliz pra sempre.
- E por isso você acha que tem que ser infeliz pra sempre? Não vale tentar ser feliz por um tempo?
- Feliz como ? Você não conseguiria levar um relacionamento a sério, nem que quisesse.
- Como você sabe? Eu nunca tentei pra valer.
- E de repente você está a fim de tentar? – Ela não conseguia baixar a guarda, estava com cinco pedras na mão.
- Eu não falei isso – ela me encarou esperando que eu continuasse –, mas por quê não?
- Porque eu não quero! – respondeu alto e claro e, mesmo assim, foi difícil de ouvir. Não era o que eu estava esperando quando decidi conversar com ela. Eu sempre soube que nossa amizade era preto no branco, mas ouvi-la falando daquela forma foi um soco no estômago.
Eu estava completamente atolada com as coisas do trabalho. Parecia que, de repente, as minhas chefes resolveram que seria uma boa ideia editar um milhão de livros de autores brasileiros, consequentemente, eu não tinha tempo nem de respirar. Cada vez que levantava da minha mesa pra ir ao banheiro ou pegar um café, sentia que estava perdendo minutos valiosos de trabalho. Ao mesmo tempo, não conseguia me concentrar direito em nada. A cada página traduzida que revisava, eu achava mil erros e tinha que basicamente refazer tudo, cheguei a confundir "arma"(gun) com "chiclete"(gum) em um texto e, obviamente, não fez nenhum sentido.
A conversa que tive com no domingo ainda passava em looping na minha cabeça e estava me deixando zonza. Para mim nunca foi uma dúvida se deveríamos sair da amizade e tentar algo a mais, por mais tentador que fosse, sempre soube que estávamos em uma zona segura. Logo que nos conhecemos e começamos a nos aproximar, ele sugeriu que podíamos sair em um encontro e eu logo disse que não ia rolar, seria só amizade e na hora ele pareceu ter entendido e aceitado muito bem. Mas antes de ontem, quando ele apareceu na minha porta e soltou tudo aquilo em cima de mim, eu mal sabia como responder. Eu não estava procurando me envolver com ninguém, na verdade, era precisamente o que eu estava evitando.
Eu já tinha perdido qualquer esperança no amor dos contos de fadas, onde a paixão dura, os casais não brigam nem se separam. Não podia dar oportunidade pra ser magoada e ficar devastada mais uma vez.
Eu não iria aguentar.
Como se a quantidade de trabalho e a confusão que estava na minha cabeça não fossem suficientes, Stella queria que tivéssemos umas "noite das mulheres" em sua casa, aproveitando que a banda estava em Nova Iorque. A minha cabeça não estava boa pra isso, mas não tinha como recusar o convite.
A Stella veio morar em Los Angeles há quatro anos por causa da carreira da Jungle Roots; ela e o Calum já estavam juntos há dois anos e ela não quis apostar em um relacionamento a distância. Por causa disso, se mudou para longe da família e dos amigos e, chegando aqui, não foi fácil fazer novas amizades. Mesmo depois de tanto tempo nos Estados Unidos, nós fomos o primeiro grupo de amigas com quem ela realmente conseguiu se identificar, e a identificação era mútua, não tinha como não gostar dela.
- Desculpa pelo atraso, eu já estava achando que não iria conseguir sair da editora nunca. – Stella abriu a porta da sua, nada simples, residência.
- Tudo bem, eu estou tentando convencê-las a parar de procurar as matérias sobre os meninos e ler os comentários do Twitter e do Instagram – Era esse tipo de coisa que eu queria evitar.
- Achei que você não viria mais – Ju tirou o olho do celular pra me cumprimentar.
- Foi mal, não deu pra sair antes.
- Tá tudo bem, amiga? – Lena perguntou vindo me dar um abraço – Você está com uma carinha...
- Tudo bem, só com muita coisa pra fazer.
- O contou pro Ashton sobre a conversa de vocês – Julia me encarou esperando que eu dissesse alguma coisa – Por que você não me contou nada?
- Não tem nada pra contar – me sentei em um poltrona enorme que tinha ali. Parecia que tudo naquela casa era maior do que o normal. – A gente só colocou alguns pingos nos "i"s, mas não quero falar disso.
- O Mike falou que o ficou meio mal depois da conversa – Helena me olhou com pena.
- Não adianta me olhar com essa cara, eu não fiz nada. Podemos mudar de assunto? O que você estão fazendo?
- Vendo o que eles estão aprontando em Nova York – Julia respondeu e eu revirei os olhos sem vontade de dar força pra isso – Eles foram pra uma festa hoje.
- O Calum me falou – Stella voltou da cozinha com uns aperitivos
- Puta merda!
- Que susto Ju! O que houve? – Lena perguntou e Julia me encarou.
- Nada, deve ser mentira.
- Lá vem... o que é?
- Com certeza é falso – tentou mas eu peguei o seu celular logo.
" Ammel e Natalie Fox são flagrados saindo juntos de boate"
"Convidados da festa afirmam que vocalista da Jungle Roots e modelo passaram a noite grudados, e o clima era de romance"
"Fontes próximas ao casal confirmam que Ammel e Natalie Fox retomaram o namoro"
Eu não sabia como reagir àquilo. Eu falei mil vezes que éramos só amigos, ele tinha todo o direito do mundo de ficar com quem quisesse, mas tinha que ser logo ela? A mulher era insuportável!
- Quem são "fontes próximas ao casal"?! Não dá pra confiar – Stella pegou o celular da minha mão e tentou justificar.
- Ele não faria isso, amiga – Lena falou querendo me consolar.
- Por que não? Ele pode fazer o que quiser. – tomei um gole da bebida que estava na mesinha de centro... rum.
- A Natalie é uma idiota... não faz nenhum sentido. – Julia continuou mexendo no celular
- Ele claramente ainda é apaixonado por ela, eles só não voltaram antes por que ela não queria, pode muito bem ter mudado de ideia agora.
- O não é apaixonado por ela, ele só tem uma dificuldade de desapegar. Mas duvido que ele queira voltar a namorar. – Stella falou revoltada
- Eles não devem ter voltado – Julia deixou o celular na mesinha se aproximou de mim, se ajoelhando na minha frente
- Com certeza não! – Helena apoiou a mão no meu ombro.
- Gente, para com isso! – me levantei em um impulso – eu não preciso que ninguém me console... ele é solteiro, faz o que quiser.
- Amiga, você pode ficar chateada, não precisa achar lindo.
- Eu não acho lindo, acho ridículo! Ela é uma imbecil que eu mal conheço e já percebi que é uma pessoa escrota pra caralho, mas se ele acha ela incrível e quer dar uma segunda chance para isso, o problema é dele.
- – Helena tentou se aproximar, mas eu a impedi.
- Se for pra gente ficar falando disso, eu vou embora agora.
- Não! Tudo bem, vamos fazer outra coisa... – Julia me apoiou – chega de falar de homem.
- Eu postei no twitter que estamos juntas e várias pessoas pediram pra fazermos uma live, o que acham? – Helena sugeriu e eu não me animei muito
- "Várias pessoas" são as fãs da banda? – perguntei
- A maioria...
- Será que é a melhor ideia pra agora? – Julia questionou
- A gente pode abrir a live e jogar um jogo.
- Verdade ou desafio – Stella falou animada.
- O que você acha ? Se você topar, eu topo – Julia se colocou do meu lado como quem se prepara pra batalha, e eu ri. Pelo menos eu sabia que teria sempre o apoio delas.
- Tudo bem..., mas aviso logo que se começarem a encher o saco com as perguntas eu vou parar.
- A gente escolhe as perguntas! Não vamos responder tudo... – Lena falou e logo abriu a live no Instagram.
Boa noite, gente! Vocês pediram uma live com todas nós, então aqui estamos.
A gente teve a ideia de jogar verdade ou desafio – Stella começou, mas foi interrompida por Julia
Com álcool pra dar uma animada!
Isso! Então vocês podem ir fazendo umas perguntas e sugerindo uns desafios pra gente.
Olha quem está aqui também! – Stella virou o celular para eu entrar no enquadramento da câmera, mas eu mal sabia como agir. Elas pareciam tão a vontade ali e o máximo que eu conseguia fazer, era dar um sorriso forçado.
Tem uma galera entrando olha, quase mil pessoas já! – Helena alertou e eu bebi mais um gole de rum pra ver se aquilo aliviava a tensão.
Vamos começar logo – Julia se empolgou – , você que está com mais vergonha... verdade ou desafio? – eu nem sabia o que seria pior.
Verdade…
Vamos ver aqui alguma coisa que queiram saber da – Helena se aproximou da tela pra ler as perguntas – Nossa, quem imaginava que perguntariam isso? Vai ser um choque aqui hein – começou sarcástica e todas já sabíamos o que era – Você e o estão namorando?
Eu nem aguento mais responder isso – seria trágico se não fosse não engraçado – Não! Eu e o somos somente amigos, nada além disso. Inclusive, ele está em Nova York, curtindo bastante a vida – talvez essa parte eu poderia ter deixado de fora, mas já estava começando a sofrer os efeitos do álcool.
Antes que me perguntem – Julia se meteu – eu e o Ashton também não estamos namorando. Ele está solteiro de verdade, ele não mente nas entrevistas, eu não estou o chantageando, torturando ou fazendo nada pra ele mentir.
Stella! Olha, estão falando pra você passar um trote pro Calum! – Helena gritou animada.
Iiish que tipo de trote? Eu sou péssima com essas coisas.
Fala que você não quer mais namorar com ele – Julia sugeriu
Ele não acreditar… terminar por telefone é muito cruel. - ela tinha razão, telefone, e-mail...
Fala que você acabou de descobrir que está grávida! – falei trocando o rum pela cerveja, pra tentar não acordar tão destruída no dia seguinte
As fãs adoraram a ideia.
A partir daí as coisas escalaram muito rápido. A Stella ligou pro Michael, mas só conseguiu enganá-lo por poucos minutos, quando ele começou a se animar e comemorar ela perdeu a coragem e contou do trote pra ele. Depois vieram mais perguntas, principalmente sobre a banda, e muita coisa sobre sexo
"Com que frequência você transa?", "Qual dos meninos tem o maior pinto?", "Já fez sexo à três?", "Qual a sua posição favorita?"
Foi bastante constrangedor mas respondemos tudo, sempre da forma menos explícita possível e enrolando bastante.
Sem falar nos desafios que mandaram... viramos shots, bebemos misturas nojentas que as pessoas sugeriram, tentamos aprender o hino nacional da Rússia, ranqueamos as músicas da banda e gravamos um vídeo dublando e dançando ao som de Good Girls Go Bad do Cobra Starship pagando o mico de nossas vidas.
Foi melhor do que eu imaginava. Quando paramos de beber e fechamos a live, já eram quase 2h da manhã, e eu mal conseguia andar em linha reta, então decidimos que seria melhor ficarmos por lá mesmo, fazendo nossa festa do pijama de última hora.
Graças a Deus, ressacas não faziam parte das minhas pós-bebedeiras, mas a dor de cabeça veio de outra forma, afinal, nada é tão ruim que não posso ficar ainda pior.
Eu já tinha me arrependido de aceitar que me ajudasse a arranjar alguém para passar a noite comigo. Não sabia dizer qual eram os critérios que ele estava usando para decidir qualquer coisa, mas ninguém nunca era bom o suficiente. Chegou um momento que eu comecei a pensar que talvez ele não quisesse que eu transasse com outro cara, talvez a Helena estivesse certa quando falou que ele preferiria ser o cara a dormir comigo. Apesar de não ser nenhuma tragédia pensar que um cara legal, divertido e gostoso pra caralho, quer dormir com você, não era o ideal considerando as possíveis complicações que viriam junto ao corpinho bonito de . Cheguei a ir me sentar com ele para ver se talvez ele falaria alguma coisa à respeito, mas contra todas as minhas expectativas, ele achou que o cara com quem eu estava conversando antes, era uma boa pessoa e disse que eu deveria investir. Foi um misto de frustração e alívio, mas decidi que era melhor assim e apostei que aquele me daria o orgasmo que eu tanto procurava.
O nome dele era Thomas e trabalhava em uma grande empresa de engenharia civil da Califórnia. Conversamos um pouco no final da festa, e o resto aconteceu sem que eu precisasse me esforçar muito.
Eu podia não ser a personificação da experiência quando se tratava de sexo casual, mas sabia aproveitar tanto quanto qualquer uma. Achei melhor irmos para o apartamento dele para garantir que não precisaria expulsá-lo do meu pela manhã, caso ele resolvesse que devíamos nos conhecer melhor.
Confesso que no início foi um pouco estranho toda a situação de entrar na casa de um cara que eu tinha acabado de conhecer. Não sabia se eu já chegava tirando a roupa e partindo pra um beijão, ou se ainda iríamos ficar conversando e beber alguma coisa pra quebrar o gelo. Ele não teve essa dúvida e antes mesmo de conseguir acender as luzes, já estava beijando o meu pescoço, mordiscando minha orelha, e explorando cada pedaço do meu corpo. Não me importei nem um pouco, retribui cada gesto, e nos entendemos muito bem sem precisar usar as palavras.
Fazia um tempo que eu não dava pra alguém, talvez uns três meses, mas acredito que me saí muito bem, e ele também não deixou a desejar em nenhum aspecto. No final eu estava exausta, toda suada, descabelada mas pude dormir saciada.
Acordei, não tão feliz assim, com um apito repetitivo de um despertador que não era meu, mas quando abri os olhos, seu dono não estava ali, então tomei a liberdade de desligá-lo. Suas janelas eram cobertas por cortinas "blackout", então o quarto ainda estava bastante escuro, mas dava pra ter uma noção de como era pelas pequenas frestas de luz que conseguiam entrar. Nada muito diferente do que o senso-comum espera de um quarto de homem solteiro de quase trinta anos. Coloquei logo a minha roupa que agora, à luz do dia, parecia bem menos apropriada, e saí para procurar e me despedir do meu anfitrião. O encontrei na cozinha, de cueca boxer, preparando o meu café da manhã.
- Bom dia – se virou pra mim, colocando ovos mexidos em um prato, e eu respondi apenas com um sorriso. Aquilo não estava nos meus planos.
- Obrigada por tudo, mas acho que já vou indo – deu até pena de negar o bolo e os sucos que tinha preparado, mas ele claramente estava querendo ser romântico e isso era exatamente o que eu queria evitar
- Mas já? Eu fiz tudo isso pra você!
- Que amor..., mas não precisava, mesmo, eu tenho várias coisas pra fazer, não posso me atrasar.
- Mas hoje é domingo – primeira bola fora.
- Sim, claro. É que é o único dia que eu tenho pra arrumar a minha casa e preciso colocar alguns trabalhos em dia – tentei inventar a melhor desculpa, pra não precisar falar a verdade.
- Então me passa o seu número, podemos combinar de sair depois – se aproximou me envolvendo pela cintura. Aparentemente o só vetou os babacas, os românticos, que desejavam mais do que uma foda, ele deixou passar.
- Thomas, eu vou ser bem sincera com você – me afastei dos seus braços musculosos e respirei fundo – Eu não estou nem um pouco interessada em ter qualquer tipo de relacionamento, com ninguém. Foi uma noite ótima e tal, mas é melhor deixar as coisas como estão, sem o romantismo todo, ou trocar contatos e ficar esperando uma ligação no dia seguinte.
- Nossa, você é bem direta – sorriu sem graça
- Me desculpe, de verdade, a minha intenção nunca foi criar qualquer expectativa, achei que você tinha a mesma ideia que eu... apenas uma transa.
- Claro, por que o cara nunca pode querer um relacionamento sério, né? Tem que ser só uma trepada e depois parte pra próxima...
- Claro que não! Não foi isso que eu quis dizer – tentei me justificar – Olha, eu acho ótimo você querer encontrar alguém especial, se comprometer e namorar, casar, sei lá mais o que, mas não é pra mim. Eu acabei de sair desse relacionamento com o meu "alguém especial" e não estou mais nessa fase, entende?
- Entendo. Fico decepcionado por que você parece ser uma pessoa muito incrível, mas se você não quer, não posso fazer nada.
- Eu sinto muito, mesmo – me aproximei lhe dando um abraço, depois um selinho de despedida, e fui embora.
Quem diria que eu seria a pessoa a quebrar um coração? Não quebrar exatamente, mas talvez deixar um arranhão, um leve amassado... Só sei que eu fiz o que tinha que fazer e não iria me martirizar por isso; fui honesta e o deixei livre pra montar no seu cavalo branco e fazer ovos mexidos para a pessoa que muito provavelmente, um dia realmente destruiria seu coração em mil e um pedacinhos.
Eu passei por isso, não curti, e agora estava decidida a não passar de novo. Para isso, noites como essa eram ideais e se dependesse de mim aconteceriam mais vezes, mas provavelmente seria melhor dispensar o da sua função de cupido.
Falando nele, Thomas morava perto do apartamento dele, acho que uns quinze minutos caminhando, talvez vinte considerando o tamanho do salto que eu estava usando, mas achei que seria uma boa ideia passar lá. Já eram quase onze da manhã e ele não foi embora tão tarde da festa, então já deveria estar acordado. Fui andando devagar, liguei pra saber se tinha problema, mas ele não me atendeu.
O porteiro já me conhecia e me deixou entrar sem fazer perguntas. Subi, toquei a campainha e fiquei esperando um tempo. Talvez ele estivesse dormindo mesmo, mas quando estava quase indo embora, abriram a porta.
Não foi ele.
Esse é o grande problema da surpresa, é uma via de mão dupla.
- Bom dia – uma morena de cabelos compridos bocejou da porta. Ela vestia a camisa que estava em ontem.
- Oi – não sabia o que fazer, definitivamente não era quem eu estava esperando encontrar – desculpa, eu não devia ter vindo sem avisar.
- Quem é? – ouvi a voz de se aproximando quando eu já estava indo embora – , o que você está fazendo aqui?
- Nada, estava por perto e resolvi passar aqui, mas já me arrependi.
- Da licença, só um minutinho – ele falou pra "amiga" dele, e saiu para o corredor onde eu estava – Coisa linda, está tudo bem?
- Tudo ótimo... melhor impossível.
- Aconteceu alguma coisa?
- Nada – apertei o botão do elevador de novo, só pra garantir que ele chegaria.
- Você está chateada comigo? – minha carona finalmente chegou, mas ele segurou a porta impedindo que fechasse.
- Tenho algum motivo pra isso?
- Não que eu saiba...
- Então pronto.
- Isso é por causa da Siena? Você está com ciúmes? – perguntou e um sorrisinho ridículo surgiu no seu rosto, e consequentemente surgiu em mim uma vontade de dar um soco nele.
- Deixa de ser idiota, por favor, eu não tenho motivo pra isso.
- Não mesmo! Você não passou a noite na casa de sei lá quem? – a roupa de ontem me entregava.
- Passei sim, e foi incrível, caso você esteja curioso.
- Não estou, mas bom pra você...
- Obrigada – falei contorcendo a língua dentro da boca, pra não continuar aquela discussão sem fundamento – Dá pra largar a porta agora?
- Sim senhora. – ai que ódio!
A festa tinha sido longa e cansativa. Passei a noite inteira descartando cada homem que se aproximava da e, no final, não adiantou de nada. Acabei desistindo de ser empata foda e falei pra ela ficar com o último cara com quem estava conversando, mas quando eu estava quase na porta, parei pra pensar no desperdício que era estar em uma festa cheia de mulheres maravilhosas e sair de mãos abanando por causa de uma que, até aquela hora, eu tinha certeza que não queria nada comigo.
Dei mais uma volta pelo salão e encontrei Siena, uma modelo de vinte e dois anos que estava passando a semana na cidade para a inauguração de uma loja, de nada mais nada menos, do que da Victoria's Secret. Pareciam forças divinas me recompensando pela noite de merda que eu tive.
Obviamente eu não imaginava que acordaria no dia seguinte com a na minha porta, dando de cara com uma Siena usando minha camisa do dia anterior, mas aparentemente não foi tão ruim assim. Pelo menos, não pra mim.
- Me desculpa por isso – falei entrando de novo no apartamento.
- Relaxa... ex-namorada?
- Quem me dera, – brinquei – quer dizer, é uma amiga.
- Linda, – sentou no balcão da cozinha e mordeu uma maçã que estava dando sopa por ali – e não pareceu ter ficado muito feliz quando me viu.
- É, né? – não fui só eu que percebi – mas não importa, é só amizade mesmo.
- Sei... – falou pulando do balcão e foi em direção ao quarto – Bonito, obrigada por tudo, mas eu tenho que ir. – Foi bem estranho ouvir outra pessoa me chamando daquele jeito. "Gato" tudo bem, mas "bonito" virou quase uma exclusividade da . Mas ignorei a estranheza, adorava quando elas eram tão práticas quanto eu e iam embora rápido.
O resto do meu dia se resumiu a ficar jogado no sofá, pulando de canal em canal até achar algo que eu quisesse assistir. Também tentei continuar compondo alguma coisa, mas não deu muito certo. Na última epifania de criatividade que tive, parece que gastei todas as minhas ideias e agora demorava pra elas voltarem.
Mandei uma mensagem pra pra saber se estava tudo bem, e se já tinha mudado de ideia sobre conversar comigo, mas ela não respondeu. Eu estava achando graça na situação, ela jurava de pé junto que nada rolaria entre a gente, eu mesmo já tinha decorado e aceitado, mas bastou me ver com outra pessoa que ficou toda irritada. Não pode ter sido coincidência, mas eu não queria viajar sem falar com ela antes.
No dia seguinte a banda teria que ir pra Nova York gravar o programa do Jimmy Kimmel. Aproveitando a viagem, tínhamos agendado uma sessão de fotos para divulgação do novo single com um fotógrafo foda, além de encontros com produtores e uma galera da música que iria nos ajudar a fazer o álbum andar e terminá-lo, mas pra isso teríamos que ficar lá até sexta-feira.
Meu celular tocou e por alguns segundos eu tive a esperança que fosse ela, mas era o Ashton... como sempre
Fala
Tá fazendo o que?
To em casa e quero continuar aqui...
Ah tranquilo, eu to com a Julia, estamos indo pra casa dela. Ia perguntar se você queria ir, mas tudo bem...
Eu vou!
Você acabou de falar que...
Esquece, eu vou
Ta bom – falou rindo – quer carona? Passo aí em dez minutos
Pode ser
Chegamos no apartamento das meninas e Michael já estava lá, provavelmente tinha dormido com Helena, já que a Julia foi dormir na casa do Ashton. Mas não estava.
- Ela falou que não vem – Helena percebeu que eu esperava vê-la ali –, tá trabalhando.
- Eu vou falar com ela e já volto.
- Volta sim, com certeza – Ashton debochou. Talvez ele estivesse certo, o que eu ficaria fazendo ali com os dois casais? Atravessei o corredor e nem deu tempo de tocar a campainha.
- O que você está fazendo aqui? – me olhou surpresa, mas não mais do que eu vendo um homem deixando seu apartamento.
- Eu vim falar com você, mas parece que cheguei em péssima hora.
- Imagina, eu já estava de saída – ele deu um tapinha no meu ombro e um beijo no rosto dela e saiu descendo as escadas.
- Você é rápida, né? – entrei sem esperar o convite.
- Do que você está falando?
- Ontem saiu com um, hoje já está com outro...
- Oi?!
- Ele não é novo demais pra você, não? Você pediu a identidade? Essas coisas dão cadeia. – conclui e ela teve uma crise de riso.
- Quem está sentindo ciúmes agora, hein?
- Então você admite que sentiu ciúmes mais cedo?
- Claro que não, mas você nem precisa admitir nada.
- É muito convencida mesmo...
- Ele é o Jonny, meu estagiário – respondeu tentando conter a risada, sem muito sucesso.
- Estagiário?! Ele é uma criança! Suas chefes sabem disso?
- Deixa de ser bobo, ele só veio trazer umas pastas que eu tinha esquecido no escritório, e que preciso revisar para amanhã – segurou as pastas como prova e eu me senti bem ridículo quando me dei conta do papelão que estava fazendo.
- Aah, foi mal.
- Você precisa aprender a se controlar – falou pegando água na geladeira e bebendo direto da garrafa.
- Só eu, né? – tomei a garrafa da sua mão e dei um gole – Coisa linda, pensa que eu já esqueci do showzinho que você deu hoje?
- Que showzinho garoto, tá maluco?
- Não senhora, ficou se mordendo toda quando viu a Siena na minha porta
- Óbvio que não – riu tentando disfarçar o desconforto – eu só não sabia que você estava acompanhado, e resolvi ir embora pra não atrapalhar.
- Para de besteira , - me aproximei, fechando-a entre meus braços e o balcão da sua cozinha – Admite que você ficou com ciúmes, eu admito também... não gostei de pensar que você estava com esse garoto, da mesma forma que não queria que você tivesse saído da festa com ninguém ontem.
- Sabia! – gritou me empurrando para se afastar – Eu sabia que você não estava me ajudando coisíssima nenhuma, só estava tentando evitar que eu ficasse com alguém.
- Sabia, mas não fez nada. Podia muito bem ter ligado o "foda-se" pra minha opinião e ter saído de lá com o primeiro que passou, mas não fez.
- Não fiz por respeito à você que disse que queria me ajudar.
- Fala sério , conta outra. Você queria que eu vetasse todos os caras mesmo e no final, eu seria sua única opção.
- Depois eu é que sou convencida... olha o que você está falando.
- Por que é tão difícil pra você admitir que também já cansou dessa história de "somos só amigos".
- Nós somos só amigos!
- Eu sei disso, mas podia muito bem ser diferente...
- , presta atenção, – falou sério e cheguei a ficar tenso – eu não vou pra cama com você, só por que você não aguenta ouvir um "não", acha sempre que estão fazendo charme.
- Não tem nada a ver, não é essa a questão
- Ah não? Então qual é a questão? – perguntou cruzando os braços me desafiando.
- A questão, amor da minha vida – debochei tentando aliviar a tensão – é que você está procurando caras pra fazerem sexo casual, e eu estou aqui sempre à disposição, mas você sempre acha que alguma coisa vai dar errado.
- Você é muito cara de pau.
- Acompanha comigo... você não pode dizer que eu sou feio, pode me chamar de convencido, mas de feio não.
- Feio realmente não dá.
- E nem de chato, por que você já está me aguentando há muito tempo.
- To acompanhando – colocou o queixo na mão, fazendo cara de pensativa.
- E eu tenho um pinto.
- Não duvido – levantou as sobrancelhas, sem esperar que aquele seria o terceiro ponto.
- Então... esses são os pré-requisitos fundamentais para você transar com um cara.
- Quase, faltou um.
- Qual?
- Ele precisa ser dispensável... por que se tudo der errado e eu não quiser nunca mais olhar na cara dele, eu preciso saber que vou ficar bem – ela sabia bem como me deixar sem fala.
- Não tem nada pra dar errado aqui, coisa linda – falei passando minhas mãos pela sua cintura.
- Não tem como a gente saber, até dar errado – ela não se afastou.
- O Ashton e a Julia estão fazendo dar certo – apoiei minha testa na dela, e ficamos assim por alguns minutos.
- É diferente...
- Por que?
- A gente já sente ciúmes e nem temos nada, como você quer me convencer de que vai ser só sexo, sem compromisso ou sentimento?
- E se não for só sexo – perguntei e ela se afastou me encarando – Quer dizer... eu sei que você não quer nada sério, nem eu, mas se acontecer vai ser tão ruim assim?
- Você só pode estar brincando.
- Nem um pouco.
- Você está disposto a apostar o que temos hoje nisso?
- Por que a gente tem que escolher ou um ou outro? Por que as coisas não podem simplesmente dar certo, e a gente ficar bem?!
- Porque não! – ela gritou e eu me assustei – Essas coisas não existem! Não existe felizes para sempre, não dá certo.
- Que isso ?!
- Exatamente isso! Mais cedo ou mais tarde tudo implode.
- Nem sempre é assim, , às vezes dura...
- As pessoas se enganam, se acomodam, mas não existe isso de ser feliz pra sempre.
- E por isso você acha que tem que ser infeliz pra sempre? Não vale tentar ser feliz por um tempo?
- Feliz como ? Você não conseguiria levar um relacionamento a sério, nem que quisesse.
- Como você sabe? Eu nunca tentei pra valer.
- E de repente você está a fim de tentar? – Ela não conseguia baixar a guarda, estava com cinco pedras na mão.
- Eu não falei isso – ela me encarou esperando que eu continuasse –, mas por quê não?
- Porque eu não quero! – respondeu alto e claro e, mesmo assim, foi difícil de ouvir. Não era o que eu estava esperando quando decidi conversar com ela. Eu sempre soube que nossa amizade era preto no branco, mas ouvi-la falando daquela forma foi um soco no estômago.
Eu estava completamente atolada com as coisas do trabalho. Parecia que, de repente, as minhas chefes resolveram que seria uma boa ideia editar um milhão de livros de autores brasileiros, consequentemente, eu não tinha tempo nem de respirar. Cada vez que levantava da minha mesa pra ir ao banheiro ou pegar um café, sentia que estava perdendo minutos valiosos de trabalho. Ao mesmo tempo, não conseguia me concentrar direito em nada. A cada página traduzida que revisava, eu achava mil erros e tinha que basicamente refazer tudo, cheguei a confundir "arma"(gun) com "chiclete"(gum) em um texto e, obviamente, não fez nenhum sentido.
A conversa que tive com no domingo ainda passava em looping na minha cabeça e estava me deixando zonza. Para mim nunca foi uma dúvida se deveríamos sair da amizade e tentar algo a mais, por mais tentador que fosse, sempre soube que estávamos em uma zona segura. Logo que nos conhecemos e começamos a nos aproximar, ele sugeriu que podíamos sair em um encontro e eu logo disse que não ia rolar, seria só amizade e na hora ele pareceu ter entendido e aceitado muito bem. Mas antes de ontem, quando ele apareceu na minha porta e soltou tudo aquilo em cima de mim, eu mal sabia como responder. Eu não estava procurando me envolver com ninguém, na verdade, era precisamente o que eu estava evitando.
Eu já tinha perdido qualquer esperança no amor dos contos de fadas, onde a paixão dura, os casais não brigam nem se separam. Não podia dar oportunidade pra ser magoada e ficar devastada mais uma vez.
Eu não iria aguentar.
Como se a quantidade de trabalho e a confusão que estava na minha cabeça não fossem suficientes, Stella queria que tivéssemos umas "noite das mulheres" em sua casa, aproveitando que a banda estava em Nova Iorque. A minha cabeça não estava boa pra isso, mas não tinha como recusar o convite.
A Stella veio morar em Los Angeles há quatro anos por causa da carreira da Jungle Roots; ela e o Calum já estavam juntos há dois anos e ela não quis apostar em um relacionamento a distância. Por causa disso, se mudou para longe da família e dos amigos e, chegando aqui, não foi fácil fazer novas amizades. Mesmo depois de tanto tempo nos Estados Unidos, nós fomos o primeiro grupo de amigas com quem ela realmente conseguiu se identificar, e a identificação era mútua, não tinha como não gostar dela.
- Desculpa pelo atraso, eu já estava achando que não iria conseguir sair da editora nunca. – Stella abriu a porta da sua, nada simples, residência.
- Tudo bem, eu estou tentando convencê-las a parar de procurar as matérias sobre os meninos e ler os comentários do Twitter e do Instagram – Era esse tipo de coisa que eu queria evitar.
- Achei que você não viria mais – Ju tirou o olho do celular pra me cumprimentar.
- Foi mal, não deu pra sair antes.
- Tá tudo bem, amiga? – Lena perguntou vindo me dar um abraço – Você está com uma carinha...
- Tudo bem, só com muita coisa pra fazer.
- O contou pro Ashton sobre a conversa de vocês – Julia me encarou esperando que eu dissesse alguma coisa – Por que você não me contou nada?
- Não tem nada pra contar – me sentei em um poltrona enorme que tinha ali. Parecia que tudo naquela casa era maior do que o normal. – A gente só colocou alguns pingos nos "i"s, mas não quero falar disso.
- O Mike falou que o ficou meio mal depois da conversa – Helena me olhou com pena.
- Não adianta me olhar com essa cara, eu não fiz nada. Podemos mudar de assunto? O que você estão fazendo?
- Vendo o que eles estão aprontando em Nova York – Julia respondeu e eu revirei os olhos sem vontade de dar força pra isso – Eles foram pra uma festa hoje.
- O Calum me falou – Stella voltou da cozinha com uns aperitivos
- Puta merda!
- Que susto Ju! O que houve? – Lena perguntou e Julia me encarou.
- Nada, deve ser mentira.
- Lá vem... o que é?
- Com certeza é falso – tentou mas eu peguei o seu celular logo.
"Convidados da festa afirmam que vocalista da Jungle Roots e modelo passaram a noite grudados, e o clima era de romance"
"Fontes próximas ao casal confirmam que Ammel e Natalie Fox retomaram o namoro"
- Quem são "fontes próximas ao casal"?! Não dá pra confiar – Stella pegou o celular da minha mão e tentou justificar.
- Ele não faria isso, amiga – Lena falou querendo me consolar.
- Por que não? Ele pode fazer o que quiser. – tomei um gole da bebida que estava na mesinha de centro... rum.
- A Natalie é uma idiota... não faz nenhum sentido. – Julia continuou mexendo no celular
- Ele claramente ainda é apaixonado por ela, eles só não voltaram antes por que ela não queria, pode muito bem ter mudado de ideia agora.
- O não é apaixonado por ela, ele só tem uma dificuldade de desapegar. Mas duvido que ele queira voltar a namorar. – Stella falou revoltada
- Eles não devem ter voltado – Julia deixou o celular na mesinha se aproximou de mim, se ajoelhando na minha frente
- Com certeza não! – Helena apoiou a mão no meu ombro.
- Gente, para com isso! – me levantei em um impulso – eu não preciso que ninguém me console... ele é solteiro, faz o que quiser.
- Amiga, você pode ficar chateada, não precisa achar lindo.
- Eu não acho lindo, acho ridículo! Ela é uma imbecil que eu mal conheço e já percebi que é uma pessoa escrota pra caralho, mas se ele acha ela incrível e quer dar uma segunda chance para isso, o problema é dele.
- – Helena tentou se aproximar, mas eu a impedi.
- Se for pra gente ficar falando disso, eu vou embora agora.
- Não! Tudo bem, vamos fazer outra coisa... – Julia me apoiou – chega de falar de homem.
- Eu postei no twitter que estamos juntas e várias pessoas pediram pra fazermos uma live, o que acham? – Helena sugeriu e eu não me animei muito
- "Várias pessoas" são as fãs da banda? – perguntei
- A maioria...
- Será que é a melhor ideia pra agora? – Julia questionou
- A gente pode abrir a live e jogar um jogo.
- Verdade ou desafio – Stella falou animada.
- O que você acha ? Se você topar, eu topo – Julia se colocou do meu lado como quem se prepara pra batalha, e eu ri. Pelo menos eu sabia que teria sempre o apoio delas.
- Tudo bem..., mas aviso logo que se começarem a encher o saco com as perguntas eu vou parar.
- A gente escolhe as perguntas! Não vamos responder tudo... – Lena falou e logo abriu a live no Instagram.
Boa noite, gente! Vocês pediram uma live com todas nós, então aqui estamos.
A gente teve a ideia de jogar verdade ou desafio – Stella começou, mas foi interrompida por Julia
Com álcool pra dar uma animada!
Isso! Então vocês podem ir fazendo umas perguntas e sugerindo uns desafios pra gente.
Olha quem está aqui também! – Stella virou o celular para eu entrar no enquadramento da câmera, mas eu mal sabia como agir. Elas pareciam tão a vontade ali e o máximo que eu conseguia fazer, era dar um sorriso forçado.
Tem uma galera entrando olha, quase mil pessoas já! – Helena alertou e eu bebi mais um gole de rum pra ver se aquilo aliviava a tensão.
Vamos começar logo – Julia se empolgou – , você que está com mais vergonha... verdade ou desafio? – eu nem sabia o que seria pior.
Verdade…
Vamos ver aqui alguma coisa que queiram saber da – Helena se aproximou da tela pra ler as perguntas – Nossa, quem imaginava que perguntariam isso? Vai ser um choque aqui hein – começou sarcástica e todas já sabíamos o que era – Você e o estão namorando?
Eu nem aguento mais responder isso – seria trágico se não fosse não engraçado – Não! Eu e o somos somente amigos, nada além disso. Inclusive, ele está em Nova York, curtindo bastante a vida – talvez essa parte eu poderia ter deixado de fora, mas já estava começando a sofrer os efeitos do álcool.
Antes que me perguntem – Julia se meteu – eu e o Ashton também não estamos namorando. Ele está solteiro de verdade, ele não mente nas entrevistas, eu não estou o chantageando, torturando ou fazendo nada pra ele mentir.
Stella! Olha, estão falando pra você passar um trote pro Calum! – Helena gritou animada.
Iiish que tipo de trote? Eu sou péssima com essas coisas.
Fala que você não quer mais namorar com ele – Julia sugeriu
Ele não acreditar… terminar por telefone é muito cruel. - ela tinha razão, telefone, e-mail...
Fala que você acabou de descobrir que está grávida! – falei trocando o rum pela cerveja, pra tentar não acordar tão destruída no dia seguinte
As fãs adoraram a ideia.
A partir daí as coisas escalaram muito rápido. A Stella ligou pro Michael, mas só conseguiu enganá-lo por poucos minutos, quando ele começou a se animar e comemorar ela perdeu a coragem e contou do trote pra ele. Depois vieram mais perguntas, principalmente sobre a banda, e muita coisa sobre sexo
"Com que frequência você transa?", "Qual dos meninos tem o maior pinto?", "Já fez sexo à três?", "Qual a sua posição favorita?"
Foi bastante constrangedor mas respondemos tudo, sempre da forma menos explícita possível e enrolando bastante.
Sem falar nos desafios que mandaram... viramos shots, bebemos misturas nojentas que as pessoas sugeriram, tentamos aprender o hino nacional da Rússia, ranqueamos as músicas da banda e gravamos um vídeo dublando e dançando ao som de Good Girls Go Bad do Cobra Starship pagando o mico de nossas vidas.
Foi melhor do que eu imaginava. Quando paramos de beber e fechamos a live, já eram quase 2h da manhã, e eu mal conseguia andar em linha reta, então decidimos que seria melhor ficarmos por lá mesmo, fazendo nossa festa do pijama de última hora.
Graças a Deus, ressacas não faziam parte das minhas pós-bebedeiras, mas a dor de cabeça veio de outra forma, afinal, nada é tão ruim que não posso ficar ainda pior.
Capítulo 6
6
Eu ainda estava muito puto com a minha última conversa com . Eu sabia que não devia nem tinha direito de sentir raiva por ela deixar suas intenções, ou falta delas, bem claras, mas eu sou humano e ego ferido também machuca. Mais do que isso, quebra de expectativa machuca. Não é a toa que dizem que a expectativa é a mãe da merda.
Por isso, quando encontrei Natalie na festa, foi como um curativo em cima do machucado. Ela podia não ter uma personalidade muito simples, mas me fazia rir e me sentir querido, o que era mais do que eu podia dizer de outras pessoas ultimamente. Então, sem me importar com as pessoas que nos encaravam na festa, ou com os fotógrafos que esperavam do lado de fora da festa, saímos direto para o hotel.
Com o passar do tempo, depois que terminamos, eu e Natalie perdemos um pouco da nossa afinidade, as nossas conversas não eram tão fluídas e nem tão íntimas, o que era perfeitamente natural, em compensação, na cama continuávamos implacáveis, e era só dessa parte que eu estava precisando naquela noite. Não querendo parecer um animal, mas essa história de tentar se envolver emocionalmente e criar laços já tinha mostrado que não dava certo e estava me cansando.
- Bom dia – Natalie me olhou enquanto comia uns morangos que provavelmente ela tinha pedido para café da manhã paro meu quarto. Eu não ouvi ninguém bater na porta, da mesma forma que não ouvi meu despertador tocar, e já estava em cima da hora pra descer e encontrar a banda.
- Bom dia – rolei da cama e me sentei pra comer alguma coisa rápida. Normalmente eu não tinha tempo para fazer refeições demoradas, então aprendi a aproveitar cada minuto disponível e nunca desperdiçar um café da manhã de hotel.
- Vocês têm compromisso hoje? – perguntou enquanto mexia no celular
- Vamos encontrar o Eric Burton – falei tomando um gole de café – é um produtor e compositor. Ele vai nos ajudar com umas coisas.
- Eu volto pra L.A hoje, a gente podia se encontrar mais tarde, antes do meu voo.
- Não sei se vai dar, o dia vai ser apertado.
- Você nunca tem tempo para mim.
- Como não? Eu estou aqui com você agora.
- Isso não conta.
- Você é bem indecisa, né? Não quer mais namorar comigo, mas reclama que eu não te dou atenção.
- Você é muito cafajeste, não conseguiria ser fiel nem se tentasse
- Por que todo mundo fala isso? - perguntou tirando o olho do celular para me encarar.
- Ninguém, deixa pra lá.
- O fato da gente não namorar mais, não significa que não podemos nos divertir - ela levantou de onde estava e sentou no meu colo, me dando um beijo molhado que se encaminhou pra minha orelha e causou formigamento em outras extremidades do meu corpo.
- Eu tô atrasado... – falei apertando minha mão em sua coxa – preciso descer para encontrar os caras.
- É só sair – prolongou o beijo descendo sua mão do meu peito até o cós da minha boxer, mexendo em seu elástico.
- Uououo, agora não dá – segurei sua mão antes que chegasse ao destino final e levantei, entrando direto no banheiro. Tomei uma chuveirada de menos de cinco minutos e saí com a toalha enrolada na cintura, e Natalie já estava de roupa, sentada na cama rindo de alguma coisa que estava lendo no celular. – O que foi? – perguntei curioso.
- Nada... – guardou o celular – as pessoas são muito criativas, só isso. – Falou se colocando na frente do espelho para pentear o cabelo.
Se eu pudesse escolher, preferiria evitar que qualquer um visse que eu estava com a Natalie. Eu sabia muito bem os olhares de reprovação e julgamento que me aguardavam no hall, mas eu quando chegamos no térreo, Natalie fez questão de me dar um beijo, sem se importar com quem estava vendo, o que garantia que eu teria que ouvir um sermão conjunto da minha banda, que não se dava ao trabalho de esconder o descontentamento no meu relacionamento pós término.
- Você está de sacanagem, né? – Calum foi o primeiro a externar sua insatisfação comigo enquanto eu ainda caminhava em direção ao grupo sentado em poltronas em um dos salões da recepção.
- Não começa...
- Tanta mulher gata na festa e você tinha que sair logo com essa demônia? – Ashton sacaneou.
- Pega leve, cara.
- , não é possível! Você não aprendeu nada com a última vez? – Calum estava indignado.
- A gente não voltou, galera. Relaxa aí! – me sentei no sofá do lado de um Calum bastante mal humorado.
- Amém! Pelo menos isso – Ashton respirou aliviado.
- Eu não entendo porque você insiste nisso. - Michael falou.
- A gente se dá bem - respondi
- Isso que eu não entendo. - Ashton voltou a reclamar - Não me entenda mal, eu sou super a favor de qualquer mulher gata e, com todo respeito, a Natalie não falha nesse quesito, mas tirando isso, a mulher é um filhote de cruz credo com Deus me livre.
- Ashton, menos, por favor.
- A Natalie é um problema ambulante , só você não vê isso. - Calum falou sem paciência.
- É por isso que eu não insisto mais pra vocês se darem bem. Cada um no seu canto e todo mundo feliz.
- Todo mundo, mais ou menos. - Michael me corrigiu.
- Como assim?
- A .
- O que tem? Ela não tem nenhum direito de ficar chateada depois do toco que me deu.
- Ela tem qualquer direito, quando as suas palhaçadas a arrastam para confusão e ela vira protagonista de site de fofoca… mais uma vez.
- Do que você tá falando?
- Ele não viu ainda – Calum me passou o tablete que segurava, e começou a tentar me explicar a confusão que estava tomando conta da internet – Ontem à noite a Stella, a Helena, a Julia e a fizeram uma live no Instagram.
- A Helena tinha postado que iria encontrar as outras e pediram para ela fazer uma live. – Michael completou.
- E subiram a tag #namoradasJungleRoots, então enquanto a estava lá com as meninas, você estava saindo da festa com a Natalie. Obviamente, isso não soou nada bem.
O Twitter estava enlouquecido com as fofocas de que eu estaria traindo a . Fizeram montagens e vídeos que ironizavam como ela estava em casa enquanto eu aproveitava a "farra". O vídeo dela revirando os olhos dizendo que eu estava "curtindo a vida em Nova York" tinha mais dez mil retwittes e os comentários não paravam de aumentar com pessoas rindo dela ou falando um bando de merda. O pior é que estavam perdendo a noção nos xingamentos, tanto nos pra mim quanto pra ela, variavam entre eu ser um escroto, babaca, e ela ser uma aproveitadora que só queria chamar atenção. Eu acho que nem quando eu namorei e depois terminei com a Natalie as fãs fizeram todo esse estardalhaço, e se eu não sabia lidar com aquilo, não conseguia nem imaginar como estava a cabeça dela.
- Por que estão fazendo essa porra toda?! Eu já falei mil vezes que a não é minha namorada.
- Vocês vivem grudados – Michael justificou – é normal que as pessoas não acreditem... eu não acreditaria.
- Como eu ia saber que daria nisso?
- Como você não sabia que daria nisso, caralho?! – Ashton aumentou o tom de voz chamando atenção de várias pessoas que passavam pelo saguão do hotel – Era óbvio que todo mundo ficaria sabendo que você e a Natalie dormiram juntos.
- Mas a não tem nada a ver com isso!
- Cacete , todo mundo torce pra vocês ficarem juntos, as fãs da banda criam shipp, fanfiction e o caralho a quatro em cima disso, e você quer me convencer que nem imaginou que trariam ela pro meio dessa bagunça? – Era óbvio que eu sabia que ela ficaria sabendo e que ia causar revolta em algumas pessoas, só não pensei que seria assim. Achei que seria bom pra testar se ela realmente não se importaria de eu ficar com outras pessoas. Já percebi que foi uma péssima ideia.
O celular de Calum tocou interrompendo a conversa.
Oi amor... é, já vimos – ele falou me encarando.
Eles não voltaram.
Essa parte é verdade – a Stella devia estar querendo me matar.
A ainda está aí? – minha atenção se virou completamente para chamada do casal e Calum afastou o celular pra me explicar – As meninas dormiram lá em casa ontem e ainda não foram embora – colocou o telefone de volta na orelha pra continuar a conversa, e ficou ouvindo por um tempo antes de comentar de novo.
Cacete, amor! Quer que eu mande uma equipe de segurança aí?
- Equipe de segurança?! O que aconteceu? – perguntei nervoso, mas ele virou o rosto e continuou prestando atenção na namorada sem me responder.
Fala pra elas ficarem aí por um tempo.
- Bota no viva-voz! – pedi e novamente fui ignorado.
Tudo bem, se precisar me liga.
Também te amo.
- O que aconteceu? Pra que equipe de segurança? – Michael perguntou também preocupado.
- Calma, tá tudo bem. As meninas acabaram dormindo lá em casa depois da live, só que agora está cheio de paparazzi no portão e elas não conseguem sair.
- Puta que pariu – Michael pegou o celular pra ligar para Helena
- Pelo menos estão em casa e seguras – Ashton falou, mas isso não seria suficiente pra mim. Peguei o meu celular também e liguei pra , precisava pedir desculpas por mais uma confusão, e ouvir da boca dela que estava tudo bem. Tocou, tocou, tocou e nada. Tentei novamente e mais uma vez, mas ela não atendeu.
- Ela não está atendendo – me voltei pros caras.
- Surpreendendo um total de zero pessoas – Ashton debochou.
- O que você esperava, cara? – Calum perguntou se virando pra mim. Eu não sabia, talvez qualquer coisa, menos ser ignorado.
- Gente, – Samuel apareceu do nosso lado – eu já estou sabendo do que está acontecendo, mas infelizmente vocês não podem ficar nessa novela o dia inteiro. Vamos encontrar o Eric e o Ammir agora, depois temos sessão de fotos a tarde e vocês têm a festa da Zendaya hoje à noite – deu uma pausa me encarando – se eu fosse você, dispensaria a festa e viria direto para o hotel... sozinho!
Eu sabia que a culpa daquilo não era minha. Quer dizer, seria melhor sem a confusão, sem as pessoas acharem que eu voltei com a Natalie e sem a ser arrastada pro meio da bagunça, de novo. Mas essas coisas estavam fora do meu controle, não tinha nada que eu pudesse fazer. Pelo menos era disso que eu estava tentando me convencer enquanto tinha todas as minhas ligações ignoradas.
Helena e Julia conseguiram ir embora da casa de Stella logo cedo. Pegaram o carro e abriram espaço entre os paparazzi. Eu fiquei com medo de me seguirem e se aglomerarem na porta da editora, então acabei passando o dia lá mesmo. Liguei pro escritório, expliquei a situação e avisei que ficaria trabalhando de casa.
O certo seria eu ter focado todas as minhas energias nas minhas tarefas, mas não consegui me desligar completamente de tudo que estava acontecendo. Não era nada que conseguia me magoar profundamente, mas me deixava bastante irritada. Tentei manter sempre em mente que aquelas pessoas que tanto comentavam e especulavam sobre a minha vida, não me conheciam e se dedicavam aos rumores sem fundamento por falta de coisa melhor pra fazer, mas isso não tornava mais fácil ler os comentários. Algumas coisas eram tão absurdas que me faziam rir, como uma teoria que afirmava que havia me contratado para ser sua namorada, mas que o amor dele por Natalie fazia o seu plano falhar; ou que eu era uma fã maluca da banda e comecei a persegui-los diariamente até conseguir que eles me dessem atenção. Mas outros me faziam questionar tudo o que estava acontecendo e o quanto eu estava disposta a continuar com uma amizade que me deixava tão exposta. Afirmavam que eu fazia mal pra , que as nossas fofocas estavam se sobressaindo em relação à música da banda e que uma mulher que ficava bêbada como eu, só poderia ser prejudicial à imagem deles; alguns questionavam se realmente gostava de mim ou se eu era apenas sua "cota" de amizade não famosa, ou se a nossa amizade servia apenas para massagear o nosso ego, cada um à sua maneira.
Não posso ignorar que a maioria das pessoas eram muito amáveis com frases de apoio, pedindo que os outros me deixassem em paz, reconhecendo que eu e éramos apenas amigos e me incentivando a ignorar os haters, apesar disso, as ofensas e postagens negativas, infelizmente, tinham um peso muito maior.
Quando já eram quase oito da noite e eu já tinha abusado de toda a boa vontade da Stella, avisei às minhas chefes que estava encerrando o meu dia de trabalho, e juntei as minhas coisas pra voltar pra casa. Eu pediria um carro de aplicativo, mas Helena estava saindo da clínica e se ofereceu pra me buscar, então aceitei.
Olhei pela janela e pude ver que apesar da maioria dos fotógrafos já terem ido embora, por incrível que pareça, ainda havia alguns no portão, mas não tinha muito jeito, não dava pra ficar morando ali até eles desistirem. Considerando o tempo que eles ficaram ali, mal devem ter conseguido ir ao banheiro e comer, então o meu lado de otária falou mais alto e eu acabei pedindo comida eles. Eu estava faminta também, então não me custava nada aumentar o pedido - nada além de uns quarenta dólares, como eu disse, muito otária.
A comida chegou em pouco tempo e eu fui até o portão para entregá-la aos fotógrafos e, apesar de estar nervosa, foi bem engraçado. Eles não sabiam se me fotografavam ou se aceitavam a comida. Chegaram a perguntar se podiam aceitar a comida mesmo que tirassem fotos, e apesar de querer dizer não, não iria condicionar uma coisa à outra. Tentaram fazer perguntas, mas eu apenas sorri e ignorei fingindo estar distraída demais enfiando uma esfirra quase inteira na boca.
- Eei, entra aí - Lena buzinou parando o carro do outro lado da rua - Maluca, o que você estava fazendo ali no meio desses abutres?
- Eles só estão fazendo o trabalho deles, e passaram o dia inteiro sem comer direito...
- Aí você resolveu comprar comida pros caras que passaram o dia te stalkeando?
- Eu fiquei com pena
- Só você mesmo... – revirou os olhos rindo – e o ?
- O que tem ele? – foi a minha vez de revirar os olhos. Ele já tinha me ligado umas dez vezes, e mandou um monte de mensagens, mas eu não respondi nada. Não estava com ânimo para fingir que eu não me importava com as últimas notícias.
- O Ashton já ligou pra Ju perguntando de você, e o Calum ligou pra Stella umas vinte vezes... você não falou com ele ainda? – perguntou, mas não teve resposta. Meu celular tocou mais uma vez, era o próprio e eu continuei sem atender – Atende, garota!
- Agora não...
- Por que não?!
- Por que eu tô aqui com você – menti – nada a ver ficar falando no celular com outra pessoa.
- Deixa de fazer drama! – reclamou percebendo minha mentira - Desistiu da amizade de vocês? Vai fugir dele pra sempre?
- Não, claro que não! – respondi e pensei por alguns minutos. - Só estou me dando um tempo, um intervalo dessa fanfic. - Eu estava de saco cheio de tudo aquilo, mas não abriria mão de por causa disso, ele não tinha como controlar as fofocas, e era solteiro, podia ficar com quem quisesse, mesmo que quisesse a Cruella.
Enquanto eu me perdia nos meus pensamentos, tentando decidir se ligava de volta ou se me permitia adiar isso um pouco mais, foi a vez do celular de Helena tocar com o nome de Michael piscando na tela e ela atendeu no viva-voz do carro.
- Oi, gatinho.
Oi amor, tudo bem? Tá no trabalho?
- Tudo bem... não, estou no carro, indo pra casa
Ah legal – parou alguns segundos como se pensasse no que falar – Como foi o seu dia?
- Foi bom, amor, tranquilo.
Ah que bom – mais uma pausa – E... como está a ? – franzi a testa surpresa com o interesse.
- Depende... quem está perguntando? Você ou o ? – ela perguntou e eu olhei pro painel do carro esperando a resposta.
Helena, eu só quero saber se ela está bem – a voz de surgiu nas caixas de som do carro e eu prendi a respiração por alguns segundos - eu já liguei duzentas vezes, mas ela não me atende – Lena me encarou esperando que eu respondesse.
- Eu tô aqui – respirei fundo, mas ele não falou nada – eu estava trabalhando, não consegui atender.
Eu só queria saber como você está.
- Bem, estou bem – Helena arregalou os olhos na minha direção. Aquela conversa não estava indo como ela esperava
Eu sinto muito por mais essa confusão, de verdade – ele parecia nervoso e meio sem graça, não sabia o que dizer... eu também não.
- Não é sua culpa – falei e, novamente, se instaurou um silêncio, dessa vez mais longo e mais constrangedor.
Sobre as notícias, é mentira, eu não voltei com a…
- Você realmente não tem que me explicar nada
Mas eu quero...
- Mas eu não quero ouvir – falei nervosa e soltei o ar com calma para me acalmar antes de continuar – você está solteiro, pode ficar com quem quiser, mesmo que queira alguém que não vale nada, você não tem que me dar satisfação.
Eu sei, mas isso criou uma confusão pra você.
- Eu já falei que a culpa não é sua, está tudo bem.
Então, por que você passou o dia me evitando?
- Não estava te evitando, eu falei, estava trabalhando e não podia parar só pra te atender – menti mais uma vez.
...
- , a gente está chegando no prédio, vamos entrar na garagem e o sinal vai cair. Vou desligar, tchau – dei fim à chamada sem esperar que ele respondesse
- Por que você mentiu? – Helena parecia irritada
- Eu não menti – estávamos mesmo na porta da pequena garagem do nosso prédio, ficava um pouco abaixo do nível da rua, então em menos de cinco minutos o sinal poderia cair.
- Você disse que está tudo bem e que a culpa não é dele, isso não é mentira?!
- Não...
- Você acha que a culpa é sua, então?!
- Não tem isso de culpa...
- Claro que tem, foi ele quem te arrastou pra essa confusão!
- Claro que não, Lena!
- Como não?!
- Amiga, fui eu que aceitei essa amizade sabendo de tudo que viria no pacote, eu decidi que seríamos apenas amigos, eu falei que ele podia pegar quem quisesse, eu aceitei participar da live com vocês, eu quis beber durante a live, foram escolhas minhas, só minhas e eu não posso jogar a culpa nele só por que não gostei das consequências – falei enquanto esperávamos o elevador chegar no nosso andar. Eu não tinha tanta certeza do que eu estava falando, mas pareceu fazer sentido, e ela aceitou.
- Como você consegue ser tão prática?
- Assim é mais fácil, – dei de ombros sorrindo – não dá tempo de se lamentar nem ficar triste – falei abrindo a porta do meu apartamento e ela do dela. Ao tempo que fiquei sozinha, o sorriso, que estava no meu rosto segundos antes, sumiu.
Era mentira. Ser prática e racional naquela situação podia ser mais fácil, mas não impedia a tristeza. Por mais que eu quisesse acreditar que estava tudo bem, essa era a minha maior mentira, e eu fazia um esforço enorme para conseguir convencer a mim mesma de que era verdade. Mais do que qualquer coisa, ficar repetindo que e eu éramos apenas amigos, estava me deixando exausta. Eu não acreditava mais naquilo e estava cansada de tanto fingir, mas as notícias de que ele havia passado a noite com a Natalie, foram como uma balde de água fria na minha cabeça que começava a considerar qualquer mudança. Então, em casa e sozinha, me joguei no sofá de uma vez e chorei. Chorei mais do que eu esperava. Chorei pelo dia inteiro que eu quis chorar, mas me contive para não preocupar ninguém, nem ter que me explicar. Chorei lágrimas de tristeza, mas também de frustração e agonia. Chorei lágrimas de decepção e solidão, e lágrimas que eu nem sabia do que eram, mas estavam guardadas dentro de mim e precisavam sair. Chorei até cansar e cair no sono por não ter mais forças para continuar a chorar.
Acordei no dia seguinte com uma dor de cabeça daquelas que fazem você questionar se realmente precisa sair da cama pra trabalhar. Meus olhos estavam inchados e eu sentia que tinha sido atropelada por uma manada, tanto física quanto emocionalmente. Tomei dois comprimidos que eram meus melhores amigos nessas horas e entrei em um banho tão quente que chegou a sair fumaça e deixou minha pele avermelhada. Não era o recomendado por médicos, vulgo Helena, mas era o que me ajudaria naquele momento. Depois foi um café bem forte, duas torradas com mel, uma maçã na bolsa e rua. Não tinha problema ficar triste, mas minha vida não podia parar. Não mais uma vez.
Cheguei antes das oito na editora, então fui uma das primeiras. Nem minhas chefes, nem os estagiários estavam ali, o que significava que eu podia começar a trabalhar tranquila, sem ter que fazer favor ou ajudar ninguém, podendo focar nas minhas tarefas. Abri o meu computador e me concentrei em tudo o que tinha pela frente. Revisei os últimos trabalhos dos estagiários, entrei em contato com a gráfica que trabalhava com a gente, me dediquei ao site e às resenhas dos livros mais recentes que editamos, e os outros funcionários foram chegando aos poucos. Minhas chefes pararam na minha mesa pra conferir os meus prazos de entrega, ajudei o Jonny com um trabalho da faculdade e a Cris com as crônicas mexicanas. Mal deu tempo de almoçar, esquentei uma marmita que tinha levado de casa e comi ali mesmo, na mesa de trabalho.
Como sempre, os dias mais cansativos eram os melhores. Era quando eu focava cem por cento no trabalho e nada conseguia me tirar dali. Não tinham problemas externos me atrapalhando, eu nem lembrava da existência do meu celular e, assim, chegava no fim do dia sem perceber que o tempo tinha passado.
Já eram pouco mais de cinco da tarde, e eu tinha feito o meu dia render mais do que qualquer outro, mais alguns minutos ali, apenas pra encerrar o meu expediente, e eu poderia voltar para casa pra assistir um filme e me manter longe de qualquer coisa ou qualquer um que me desse a dor de cabeça dessa manhã. Uma pena que ele não me deu essa opção.
- O que você tá fazendo aqui?! – me levantei da minha cadeira vendo o dono dos olhos esverdeados mais bonitos que eu já tinha visto, porém exatamente os que eu estava tentando evitar.
- Eu precisava falar com você... – se aproximou até chegar à minha mesa.
- Não podia esperar eu chegar em casa? – Olhei em volta percebendo a atenção que ele já tinha atraído. Sentei novamente na minha cadeira, em uma tentativa de deixar aquela cena o mais natural possível. Não funcionou.
- Você desligou na minha cara ontem, eu te mandei várias mensagens e você não respondeu nenhuma, e te liguei umas cinco vezes hoje e você também não me atendeu...
- Isso não foi o suficiente pra você perceber que eu não queria falar com você?
- Ah, pelo menos você admite que não queria falar comigo, achei que ia inventar de novo que não teve tempo de ver o celular – deu uma risada sarcástica e sentou na beirada da minha mesa.
- Em primeiro lugar, você está agindo como um namorado possessivo e mimado, que tem que ter tudo na mão na hora que quer, o que é loucura, já que você não é possessivo, muito menos meu namorado – pausei e ele olhou pro chão envergonhado – em segundo lugar, isso aqui é o meu local de trabalho, então, a não ser que alguém esteja morrendo, você não tem nenhum direito de vir até aqui, muito menos pra me cobrar atenção.
- Eu sei... me desculpa – olhou novamente pra mim e se levantou – será que a gente pode conversar?
- Eu estou trabalhando – dava pra perceber o arrependimento no seu rosto, mas eu não iria ceder.
- Tudo bem, eu posso esperar – eu já queria conversar com ele antes, talvez fizesse isso no fim de semana, mas essa pirraça dele me fez mudar de ideia.
- Tudo bem por aqui? – Sara, minha chefe, se aproximou.
- Eu já estava de saída – falou se afastando.
- Você deve ser Ammel, não é? – ela perguntou impedindo que ele fosse embora tão rápido.
- Isso, sou eu – respondeu me encarando sem entender
- Eu achei bastante curioso como, de repente, as vendas dos meus livros subiram e, quando fui procurar o motivo, descobri que era , ou melhor, você. – me olhou de relance – Parece que as suas fãs são bastante curiosas, e resolveram conferir o trabalho da sua namorada.
- Ela não é minha namorada – ele corrigiu sem graça.
- Eu não gosto de me meter na vida pessoal dos meus funcionários, e devo confessar que o aumento das minhas vendas me deixou feliz, – ela falou e ele logo sorriu – mas quando a minha funcionária não consegue nem chegar no trabalho por causa de paparazzi, eu já não fico tão feliz assim.
- Sara, não é culpa dele – tentei ajudar.
- Eu sei que não, ninguém tem culpa, mas pra isso não se tornar rotina e esses paparazzi não fecharem a porta de entrada da minha editora, que tal evitar esses encontros por aqui? – terminou olhando pra mim e pra ele, e recebeu acenos de ambos.
- Me desculpa, mesmo. Eu não devia ter vindo – olhou pra mim arrependido e eu até senti pena.
- Não precisa se desculpar, só vamos evitar que isso vire um hábito e, se você precisar vir novamente, pode esperar na portaria.
- Sim senhora – falou dando meia volta e saindo do escritório.
- Me desculpa por isso Sara, não vai mais acontecer – me virei pra ela, morrendo de vergonha. Eu tinha uma boa relação com as minhas chefes, mas Sara não era, exatamente, "fofa". Não podia abusar da sua boa vontade e, considerando o meu último mês aqui, era bom eu andar na linha.
- Não tem problema , é normal o namorado querer buscar a namorada no trabalho, mas é bom evitar tumultos.
- Ele não é meu namorado.
- Ainda... – sorriu e começou a se afastar – termina logo as suas coisas, não vai querer deixar aquele gato dando sopa na portaria.
Eu sabia que poderia encerrar o meu expediente em poucos minutos, mas toda aquela situação me fez querer testar a paciência dele, então me voltei para o meu computador e comecei uma nova resenha de um livro brasileiro. O meu português estava um pouco enferrujado, então esses sempre demoravam mais. Quase duas horas, na verdade. As minhas chefes já tinham ido embora e Cris já tinha chamado a minha atenção várias vezes pra "crueldade" que era deixar Ammel me esperando por tanto tempo, mas a essa altura eu nem acreditava mais que ele estaria ali, provavelmente já devia ter desistido. Errado.
- Achei que você tinha decidido dormir aqui – falou se levantando de uma das poltronas na recepção e andou em minha direção.
- Trabalho é trabalho, não tem jeito.
- Mentirosa... sua chefe passou aqui há mais de uma hora e falou que você já estava acabando – empurrou o meu braço e eu quase desequilibrei – você que quis me dar um chá de cadeira.
- Talvez... não nego nem confirmo – sorri enquanto saímos do prédio da editora.
- Desculpa ter vindo aqui, foi sem noção mesmo.
- Foi, mas tudo bem – começamos a caminhar. Eu morava a cerca de trinta minutos do meu trabalho, normalmente eu ia de carro para evitar chegar suada e cansada, mas hoje achei que valia uma caminhada de manhã.
- Não queria que você pensasse que eu desvalorizo o seu trabalho, ou acho que posso aparecer assim sem avisar, ou...
- Eei, calma – ri do nervosismo dele. Tentava se explicar e acabava parecendo um adolescente se desculpando por alguma burrada – Eu entendi.
- Desculpa.
- Eu vou começar a carregar uma "jarra das desculpas" comigo, e toda vez que você pisar na bola e vir se desculpar vai ter que me pagar dez dólares.
- Dez?! Essas coisas funcionam com um dólar.
- Essas coisas funcionam para crianças, e os problemas que elas arranjam pros pais são bem menores do que os que você tem me arranjado.
- Justo – concordou olhando pro chão rindo. Continuamos andando tentando evitar a conversa que tinha o levado até ali. Alternamos momentos de silêncio com algumas conversas despretensiosas e sem muito fundamento.
Quanto tempo se leva pra cobrir uma calçada com pedras portuguesas?
Como surgiram os diferentes idiomas?
Como que decidiram os nomes das coisas? Tipo garfo, ou almofada, ou cerebelo...
Será que várias pessoas passaram mal provando queijos estragados até descobrirem que tudo bem comer gorgonzola?
Se você percebe que não quer casar minutos antes da cerimônia, você conta pro noivo(a) ou você se casa e pede o divórcio depois?
- Eu conto – falei rapidamente, sem qualquer dúvida.
- Você desiste minutos antes?! Como assim? Vai deixar todo mundo esperando e obriga o seu ex futuro marido à contar pra todos os convidados? – Ele ficou muito surpreso com a minha resposta.
- Óbvio! Melhor do que casar com uma pessoa que você não ama, e pedir o divórcio uma semana depois.
- Mas você ficou tanto tempo com a pessoa... como sabe que não é nervosismo? De repente as coisas melhoram.
- Minha mãe sempre me disse que se começa ruim, depois só piora. É melhor desistir logo, arrancar o curativo dói, mas cura mais rápido.
- Acho que a Helena discordaria de você.
- Com certeza.
- Mas então você concorda com o que o seu ex-noivo fez? – eu não estava esperando por aquilo, mas me fez pensar. – Desculpa, não devia ter perguntado isso.
- Mais dez dólares – sorri tentando descontrair – Se ele não acreditava mais na gente, acho que ele fez certo em desistir, o problema foi como ele escolheu fazer isso. Mas com certeza eu prefiro isso à casar, passar por toda experiência e nervosismo do casório, reunir família, amigos, receber presentes, e uma semana depois ter que falar pra todo mundo que acabou. E imagina... toda vez que você fosse preencher um formulário, teria que marcar seu estado civil como "divorciado" e lembraria de tudo de novo...
- Pode ser... mas casamento é tão caro, podia pelo menos aproveitar a festa – esse era um bom ponto, mas não compensaria.
Uma semana sem conversar com e sentia que o meu estômago estava se contorcendo dentro de mim. Parecia ridículo, mas ela fazia muita falta na minha rotina, e ficar sem receber nenhuma mensagem dela por muito tempo era muito estranho, quase como se ficasse faltando uma parte do meu dia.
Eu sei que errei em invadir o trabalho dela daquela maneira, mas eu sabia que se não fosse assim ela continuaria arranjando outras maneiras de me evitar, mesmo dizendo que não estava brava. Então resolvi correr o risco e parece ter funcionado porque fomos conversando até o apartamento dela, falando sobre as coisas mais aleatórias possíveis e demos as risadas que eu sentia tanta a falta. Mas parecia que ela estava apenas preparando o terreno para o motivo que nos levou até ali.
Alguns minutos depois de entrarmos em sua casa o assunto acabou e ela me encarou séria. Aquele olhar me cortava por inteiro, e me fazia sentir completamente nu. Engoli à seco e lutei contra a vontade de dar meia volta e ir embora.
- O que? – perguntei disfarçando a tensão que estava tomando conta de mim
- Eu que pergunto... – se sentou nas almofadas da janela cruzando as pernas – Você não foi até o meu trabalho pra pedir conselhos matrimoniais, muito menos pra discutir o processo de criação do queijo gorgonzola, então o que é?
- Você sabe mesmo como fazer o clima pesar... – sorri sem graça e me sentei na mesinha de centro na sua frente, e ela retribuiu o sorriso ainda esperando que eu começasse a conversa – Primeiro eu queria pedir desculpa, mais uma vez, pelas coisas do twitter – falei sério, abaixando o olhar.
- Eu já disse que não precisa...
- Preciso sim, - interrompi sabendo o que ela diria – pode não ser minha culpa exatamente, mas é por minha causa que você está no meio dessa confusão – era difícil admitir aquilo, mas eu sabia que estar comigo era difícil e vinha em um combo de complicações, principalmente com a torcida que criaram pra ficarmos juntos.
- Eu aceitei entrar nessa confusão no dia em que subi sete andares de escada só pra ajudar vocês – ela riu lembrando da situação. Que bom que pelo menos um de nós conseguia ver graça naquela bagunça.
- Eu sabia que sair com a Natalie seria um prato cheio pros tabloides, e sabia que poderiam te arrastar pro meio disso, mas não me importei – falei olhando pra , esperando alguma reação, mas ela não moveu um músculo sequer – Eu não esperava que as fãs reagiriam daquela forma, nunca tinha passado por uma coisa assim, não nesse nível, e eu não tomei o cuidado pra te preservar – mais silêncio – Eu sinto muito, mesmo, prometo que vou tomar mais cuidado, e vou pedir pras fãs pegarem leve.
- É melhor não mexer mais nisso... – falou respirando fundo – se você tentar me defender pedindo pra pegarem leve, aí mesmo que vão vir atrás de mim achando que eu estou te manipulando.
- Isso é ridículo!
- Mas é verdade... – a cara dela murchou um pouco. Eram pouquíssimos os comentários negativos, mas pareciam ser sempre os que faziam mais barulho.
- Mais uma coisa... – a parte fácil tinha passado, agora sim era a conversa que estava me deixando tenso – a Natalie...
- Eu não preciso saber dessa parte – me interrompeu e se levantou indo em direção à ilha da cozinha.
- Eu só queria deixar as coisas claras – me levantei também e ela me encarou com uma sobrancelha levantada como se me desafiasse a continuar – Eu não voltei a namorar com ela...
- Bom pra você.
- Mas a gente dormiu junto.
- Sinto muito pelo seu mau gosto – já tinha percebido que o deboche era a forma com que ela lidava com o descontentamento, e eu teria que aceitar isso.
- E não foi coisa de uma noite só...
- Quer uma medalha?
- Não... – revirei os olhos quase desistindo de me explicar.
- Ótimo, eu não daria. Você deveria saber que essa garota não presta, saber melhor do que eu inclusive, mas mesmo assim quer continuar com ela...
- Não exagera... – falei e ela revirou os olhos, como sempre – ela pode não ser nenhuma santa, mas não é esse monstro que todo mundo acha.
- Pelo menos não sou só eu que acho, né?
- A questão é, que a gente tem uma história, e não é fácil mudar isso.
- Você é apaixonado por ela, eu sei disso - ela falou e eu não pude deixar de ficar surpreso com a minha vontade de contestá-la. Eu não era apaixonado pela Natalie, não mais.
- Não é isso. É complicado, nós somos muito ligados. Eu não sei explicar o que é, as coisas mudaram… estão mudando, mas não quero que isso atrapalhe a nossa amizade, então se isso for uma coisa que vai deixar um clima estranho aqui...
- Eu não vou frequentar os mesmos lugares que ela, a rejeição é recíproca, então tenho certeza que isso não vai ser um problema. Mas eu não vou fazer você escolher, nem vou me afastar de você por causa dela, até por que é isso que ela gostaria, e esse gostinho eu não dou a ela – concluiu e eu só conseguia rir. A conseguia me surpreender a cada segundo, definitivamente não era a resposta que eu estava esperando.
- Bom saber... – sem deixar ela me impedir, a abracei forte e ela não se afastou. Estávamos nos evitando desde o último fim de semana e esse abraço parecia o colo que tanto queríamos, pelo menos eu queria. Eu podia não saber explicar o que aquela garota tinha feito pra ocupar um lugar tão grande e importante dentro de mim, mas eu sabia que eu ocupava o mesmo lugar pra ela, e era disso que eu precisava. Depois de alguns segundos, talvez minutos ali, começamos a nos soltar do abraço e nossos rostos estavam tão próximos que tudo me tentava e me empurrava pra beija-la. Meu coração parecia bater em cada pedaço do meu corpo, e eu podia jurar que eu conseguia ouvir o dela também. Nenhum dos dois parecia querer afastar o rosto, e ficamos naquela preliminar de um beijo por segundos que pareciam uma eternidade, e mereciam até uma trilha sonora. Os lábios quase se encostaram, as piscadas duravam mais do que o normal, e nossos braços continuavam segurando um ao outro.
Mesmo assim, eu não podia dar continuidade àquilo. Ela foi bem clara sobre seus sentimentos, e as suas intenções comigo eram de amizade, e apenas amizade. Se ela quisesse um beijo, teria que tomar iniciativa. Então dei um passo pra trás me afastando do seu corpo, e ficamos nos olhando tentando desvendar no olhar do outro o que tinha acontecido ali, se a vontade que eu senti era recíproca e se eu havia perdido uma oportunidade de fazer tudo diferente.
- Você tem razão – falei ainda mirando no fundo dos seus olhos – A nossa amizade é mais importante do que qualquer outra coisa. – O olhar que recebi foi uma mistura de confusão e decepção, mas ela acenou com a cabeça como se concordasse comigo. – Misturar as coisas só estragaria tudo, então vamos esquecer do que eu falei antes de viajar, e vamos continuar só como amigos... pode ser? – falei sem nenhuma certeza daquilo mas alguma coisa no seu olhar mudou radicalmente e ela abriu um sorriso, vindo em minha direção e envolvendo meu pescoço.
- Não.
Eu ainda estava muito puto com a minha última conversa com . Eu sabia que não devia nem tinha direito de sentir raiva por ela deixar suas intenções, ou falta delas, bem claras, mas eu sou humano e ego ferido também machuca. Mais do que isso, quebra de expectativa machuca. Não é a toa que dizem que a expectativa é a mãe da merda.
Por isso, quando encontrei Natalie na festa, foi como um curativo em cima do machucado. Ela podia não ter uma personalidade muito simples, mas me fazia rir e me sentir querido, o que era mais do que eu podia dizer de outras pessoas ultimamente. Então, sem me importar com as pessoas que nos encaravam na festa, ou com os fotógrafos que esperavam do lado de fora da festa, saímos direto para o hotel.
Com o passar do tempo, depois que terminamos, eu e Natalie perdemos um pouco da nossa afinidade, as nossas conversas não eram tão fluídas e nem tão íntimas, o que era perfeitamente natural, em compensação, na cama continuávamos implacáveis, e era só dessa parte que eu estava precisando naquela noite. Não querendo parecer um animal, mas essa história de tentar se envolver emocionalmente e criar laços já tinha mostrado que não dava certo e estava me cansando.
- Bom dia – Natalie me olhou enquanto comia uns morangos que provavelmente ela tinha pedido para café da manhã paro meu quarto. Eu não ouvi ninguém bater na porta, da mesma forma que não ouvi meu despertador tocar, e já estava em cima da hora pra descer e encontrar a banda.
- Bom dia – rolei da cama e me sentei pra comer alguma coisa rápida. Normalmente eu não tinha tempo para fazer refeições demoradas, então aprendi a aproveitar cada minuto disponível e nunca desperdiçar um café da manhã de hotel.
- Vocês têm compromisso hoje? – perguntou enquanto mexia no celular
- Vamos encontrar o Eric Burton – falei tomando um gole de café – é um produtor e compositor. Ele vai nos ajudar com umas coisas.
- Eu volto pra L.A hoje, a gente podia se encontrar mais tarde, antes do meu voo.
- Não sei se vai dar, o dia vai ser apertado.
- Você nunca tem tempo para mim.
- Como não? Eu estou aqui com você agora.
- Isso não conta.
- Você é bem indecisa, né? Não quer mais namorar comigo, mas reclama que eu não te dou atenção.
- Você é muito cafajeste, não conseguiria ser fiel nem se tentasse
- Por que todo mundo fala isso? - perguntou tirando o olho do celular para me encarar.
- Ninguém, deixa pra lá.
- O fato da gente não namorar mais, não significa que não podemos nos divertir - ela levantou de onde estava e sentou no meu colo, me dando um beijo molhado que se encaminhou pra minha orelha e causou formigamento em outras extremidades do meu corpo.
- Eu tô atrasado... – falei apertando minha mão em sua coxa – preciso descer para encontrar os caras.
- É só sair – prolongou o beijo descendo sua mão do meu peito até o cós da minha boxer, mexendo em seu elástico.
- Uououo, agora não dá – segurei sua mão antes que chegasse ao destino final e levantei, entrando direto no banheiro. Tomei uma chuveirada de menos de cinco minutos e saí com a toalha enrolada na cintura, e Natalie já estava de roupa, sentada na cama rindo de alguma coisa que estava lendo no celular. – O que foi? – perguntei curioso.
- Nada... – guardou o celular – as pessoas são muito criativas, só isso. – Falou se colocando na frente do espelho para pentear o cabelo.
Se eu pudesse escolher, preferiria evitar que qualquer um visse que eu estava com a Natalie. Eu sabia muito bem os olhares de reprovação e julgamento que me aguardavam no hall, mas eu quando chegamos no térreo, Natalie fez questão de me dar um beijo, sem se importar com quem estava vendo, o que garantia que eu teria que ouvir um sermão conjunto da minha banda, que não se dava ao trabalho de esconder o descontentamento no meu relacionamento pós término.
- Você está de sacanagem, né? – Calum foi o primeiro a externar sua insatisfação comigo enquanto eu ainda caminhava em direção ao grupo sentado em poltronas em um dos salões da recepção.
- Não começa...
- Tanta mulher gata na festa e você tinha que sair logo com essa demônia? – Ashton sacaneou.
- Pega leve, cara.
- , não é possível! Você não aprendeu nada com a última vez? – Calum estava indignado.
- A gente não voltou, galera. Relaxa aí! – me sentei no sofá do lado de um Calum bastante mal humorado.
- Amém! Pelo menos isso – Ashton respirou aliviado.
- Eu não entendo porque você insiste nisso. - Michael falou.
- A gente se dá bem - respondi
- Isso que eu não entendo. - Ashton voltou a reclamar - Não me entenda mal, eu sou super a favor de qualquer mulher gata e, com todo respeito, a Natalie não falha nesse quesito, mas tirando isso, a mulher é um filhote de cruz credo com Deus me livre.
- Ashton, menos, por favor.
- A Natalie é um problema ambulante , só você não vê isso. - Calum falou sem paciência.
- É por isso que eu não insisto mais pra vocês se darem bem. Cada um no seu canto e todo mundo feliz.
- Todo mundo, mais ou menos. - Michael me corrigiu.
- Como assim?
- A .
- O que tem? Ela não tem nenhum direito de ficar chateada depois do toco que me deu.
- Ela tem qualquer direito, quando as suas palhaçadas a arrastam para confusão e ela vira protagonista de site de fofoca… mais uma vez.
- Do que você tá falando?
- Ele não viu ainda – Calum me passou o tablete que segurava, e começou a tentar me explicar a confusão que estava tomando conta da internet – Ontem à noite a Stella, a Helena, a Julia e a fizeram uma live no Instagram.
- A Helena tinha postado que iria encontrar as outras e pediram para ela fazer uma live. – Michael completou.
- E subiram a tag #namoradasJungleRoots, então enquanto a estava lá com as meninas, você estava saindo da festa com a Natalie. Obviamente, isso não soou nada bem.
O Twitter estava enlouquecido com as fofocas de que eu estaria traindo a . Fizeram montagens e vídeos que ironizavam como ela estava em casa enquanto eu aproveitava a "farra". O vídeo dela revirando os olhos dizendo que eu estava "curtindo a vida em Nova York" tinha mais dez mil retwittes e os comentários não paravam de aumentar com pessoas rindo dela ou falando um bando de merda. O pior é que estavam perdendo a noção nos xingamentos, tanto nos pra mim quanto pra ela, variavam entre eu ser um escroto, babaca, e ela ser uma aproveitadora que só queria chamar atenção. Eu acho que nem quando eu namorei e depois terminei com a Natalie as fãs fizeram todo esse estardalhaço, e se eu não sabia lidar com aquilo, não conseguia nem imaginar como estava a cabeça dela.
- Por que estão fazendo essa porra toda?! Eu já falei mil vezes que a não é minha namorada.
- Vocês vivem grudados – Michael justificou – é normal que as pessoas não acreditem... eu não acreditaria.
- Como eu ia saber que daria nisso?
- Como você não sabia que daria nisso, caralho?! – Ashton aumentou o tom de voz chamando atenção de várias pessoas que passavam pelo saguão do hotel – Era óbvio que todo mundo ficaria sabendo que você e a Natalie dormiram juntos.
- Mas a não tem nada a ver com isso!
- Cacete , todo mundo torce pra vocês ficarem juntos, as fãs da banda criam shipp, fanfiction e o caralho a quatro em cima disso, e você quer me convencer que nem imaginou que trariam ela pro meio dessa bagunça? – Era óbvio que eu sabia que ela ficaria sabendo e que ia causar revolta em algumas pessoas, só não pensei que seria assim. Achei que seria bom pra testar se ela realmente não se importaria de eu ficar com outras pessoas. Já percebi que foi uma péssima ideia.
O celular de Calum tocou interrompendo a conversa.
Oi amor... é, já vimos – ele falou me encarando.
Eles não voltaram.
Essa parte é verdade – a Stella devia estar querendo me matar.
A ainda está aí? – minha atenção se virou completamente para chamada do casal e Calum afastou o celular pra me explicar – As meninas dormiram lá em casa ontem e ainda não foram embora – colocou o telefone de volta na orelha pra continuar a conversa, e ficou ouvindo por um tempo antes de comentar de novo.
Cacete, amor! Quer que eu mande uma equipe de segurança aí?
- Equipe de segurança?! O que aconteceu? – perguntei nervoso, mas ele virou o rosto e continuou prestando atenção na namorada sem me responder.
Fala pra elas ficarem aí por um tempo.
- Bota no viva-voz! – pedi e novamente fui ignorado.
Tudo bem, se precisar me liga.
Também te amo.
- O que aconteceu? Pra que equipe de segurança? – Michael perguntou também preocupado.
- Calma, tá tudo bem. As meninas acabaram dormindo lá em casa depois da live, só que agora está cheio de paparazzi no portão e elas não conseguem sair.
- Puta que pariu – Michael pegou o celular pra ligar para Helena
- Pelo menos estão em casa e seguras – Ashton falou, mas isso não seria suficiente pra mim. Peguei o meu celular também e liguei pra , precisava pedir desculpas por mais uma confusão, e ouvir da boca dela que estava tudo bem. Tocou, tocou, tocou e nada. Tentei novamente e mais uma vez, mas ela não atendeu.
- Ela não está atendendo – me voltei pros caras.
- Surpreendendo um total de zero pessoas – Ashton debochou.
- O que você esperava, cara? – Calum perguntou se virando pra mim. Eu não sabia, talvez qualquer coisa, menos ser ignorado.
- Gente, – Samuel apareceu do nosso lado – eu já estou sabendo do que está acontecendo, mas infelizmente vocês não podem ficar nessa novela o dia inteiro. Vamos encontrar o Eric e o Ammir agora, depois temos sessão de fotos a tarde e vocês têm a festa da Zendaya hoje à noite – deu uma pausa me encarando – se eu fosse você, dispensaria a festa e viria direto para o hotel... sozinho!
Eu sabia que a culpa daquilo não era minha. Quer dizer, seria melhor sem a confusão, sem as pessoas acharem que eu voltei com a Natalie e sem a ser arrastada pro meio da bagunça, de novo. Mas essas coisas estavam fora do meu controle, não tinha nada que eu pudesse fazer. Pelo menos era disso que eu estava tentando me convencer enquanto tinha todas as minhas ligações ignoradas.
Helena e Julia conseguiram ir embora da casa de Stella logo cedo. Pegaram o carro e abriram espaço entre os paparazzi. Eu fiquei com medo de me seguirem e se aglomerarem na porta da editora, então acabei passando o dia lá mesmo. Liguei pro escritório, expliquei a situação e avisei que ficaria trabalhando de casa.
O certo seria eu ter focado todas as minhas energias nas minhas tarefas, mas não consegui me desligar completamente de tudo que estava acontecendo. Não era nada que conseguia me magoar profundamente, mas me deixava bastante irritada. Tentei manter sempre em mente que aquelas pessoas que tanto comentavam e especulavam sobre a minha vida, não me conheciam e se dedicavam aos rumores sem fundamento por falta de coisa melhor pra fazer, mas isso não tornava mais fácil ler os comentários. Algumas coisas eram tão absurdas que me faziam rir, como uma teoria que afirmava que havia me contratado para ser sua namorada, mas que o amor dele por Natalie fazia o seu plano falhar; ou que eu era uma fã maluca da banda e comecei a persegui-los diariamente até conseguir que eles me dessem atenção. Mas outros me faziam questionar tudo o que estava acontecendo e o quanto eu estava disposta a continuar com uma amizade que me deixava tão exposta. Afirmavam que eu fazia mal pra , que as nossas fofocas estavam se sobressaindo em relação à música da banda e que uma mulher que ficava bêbada como eu, só poderia ser prejudicial à imagem deles; alguns questionavam se realmente gostava de mim ou se eu era apenas sua "cota" de amizade não famosa, ou se a nossa amizade servia apenas para massagear o nosso ego, cada um à sua maneira.
Não posso ignorar que a maioria das pessoas eram muito amáveis com frases de apoio, pedindo que os outros me deixassem em paz, reconhecendo que eu e éramos apenas amigos e me incentivando a ignorar os haters, apesar disso, as ofensas e postagens negativas, infelizmente, tinham um peso muito maior.
Quando já eram quase oito da noite e eu já tinha abusado de toda a boa vontade da Stella, avisei às minhas chefes que estava encerrando o meu dia de trabalho, e juntei as minhas coisas pra voltar pra casa. Eu pediria um carro de aplicativo, mas Helena estava saindo da clínica e se ofereceu pra me buscar, então aceitei.
Olhei pela janela e pude ver que apesar da maioria dos fotógrafos já terem ido embora, por incrível que pareça, ainda havia alguns no portão, mas não tinha muito jeito, não dava pra ficar morando ali até eles desistirem. Considerando o tempo que eles ficaram ali, mal devem ter conseguido ir ao banheiro e comer, então o meu lado de otária falou mais alto e eu acabei pedindo comida eles. Eu estava faminta também, então não me custava nada aumentar o pedido - nada além de uns quarenta dólares, como eu disse, muito otária.
A comida chegou em pouco tempo e eu fui até o portão para entregá-la aos fotógrafos e, apesar de estar nervosa, foi bem engraçado. Eles não sabiam se me fotografavam ou se aceitavam a comida. Chegaram a perguntar se podiam aceitar a comida mesmo que tirassem fotos, e apesar de querer dizer não, não iria condicionar uma coisa à outra. Tentaram fazer perguntas, mas eu apenas sorri e ignorei fingindo estar distraída demais enfiando uma esfirra quase inteira na boca.
- Eei, entra aí - Lena buzinou parando o carro do outro lado da rua - Maluca, o que você estava fazendo ali no meio desses abutres?
- Eles só estão fazendo o trabalho deles, e passaram o dia inteiro sem comer direito...
- Aí você resolveu comprar comida pros caras que passaram o dia te stalkeando?
- Eu fiquei com pena
- Só você mesmo... – revirou os olhos rindo – e o ?
- O que tem ele? – foi a minha vez de revirar os olhos. Ele já tinha me ligado umas dez vezes, e mandou um monte de mensagens, mas eu não respondi nada. Não estava com ânimo para fingir que eu não me importava com as últimas notícias.
- O Ashton já ligou pra Ju perguntando de você, e o Calum ligou pra Stella umas vinte vezes... você não falou com ele ainda? – perguntou, mas não teve resposta. Meu celular tocou mais uma vez, era o próprio e eu continuei sem atender – Atende, garota!
- Agora não...
- Por que não?!
- Por que eu tô aqui com você – menti – nada a ver ficar falando no celular com outra pessoa.
- Deixa de fazer drama! – reclamou percebendo minha mentira - Desistiu da amizade de vocês? Vai fugir dele pra sempre?
- Não, claro que não! – respondi e pensei por alguns minutos. - Só estou me dando um tempo, um intervalo dessa fanfic. - Eu estava de saco cheio de tudo aquilo, mas não abriria mão de por causa disso, ele não tinha como controlar as fofocas, e era solteiro, podia ficar com quem quisesse, mesmo que quisesse a Cruella.
Enquanto eu me perdia nos meus pensamentos, tentando decidir se ligava de volta ou se me permitia adiar isso um pouco mais, foi a vez do celular de Helena tocar com o nome de Michael piscando na tela e ela atendeu no viva-voz do carro.
- Oi, gatinho.
Oi amor, tudo bem? Tá no trabalho?
- Tudo bem... não, estou no carro, indo pra casa
Ah legal – parou alguns segundos como se pensasse no que falar – Como foi o seu dia?
- Foi bom, amor, tranquilo.
Ah que bom – mais uma pausa – E... como está a ? – franzi a testa surpresa com o interesse.
- Depende... quem está perguntando? Você ou o ? – ela perguntou e eu olhei pro painel do carro esperando a resposta.
Helena, eu só quero saber se ela está bem – a voz de surgiu nas caixas de som do carro e eu prendi a respiração por alguns segundos - eu já liguei duzentas vezes, mas ela não me atende – Lena me encarou esperando que eu respondesse.
- Eu tô aqui – respirei fundo, mas ele não falou nada – eu estava trabalhando, não consegui atender.
Eu só queria saber como você está.
- Bem, estou bem – Helena arregalou os olhos na minha direção. Aquela conversa não estava indo como ela esperava
Eu sinto muito por mais essa confusão, de verdade – ele parecia nervoso e meio sem graça, não sabia o que dizer... eu também não.
- Não é sua culpa – falei e, novamente, se instaurou um silêncio, dessa vez mais longo e mais constrangedor.
Sobre as notícias, é mentira, eu não voltei com a…
- Você realmente não tem que me explicar nada
Mas eu quero...
- Mas eu não quero ouvir – falei nervosa e soltei o ar com calma para me acalmar antes de continuar – você está solteiro, pode ficar com quem quiser, mesmo que queira alguém que não vale nada, você não tem que me dar satisfação.
Eu sei, mas isso criou uma confusão pra você.
- Eu já falei que a culpa não é sua, está tudo bem.
Então, por que você passou o dia me evitando?
- Não estava te evitando, eu falei, estava trabalhando e não podia parar só pra te atender – menti mais uma vez.
...
- , a gente está chegando no prédio, vamos entrar na garagem e o sinal vai cair. Vou desligar, tchau – dei fim à chamada sem esperar que ele respondesse
- Por que você mentiu? – Helena parecia irritada
- Eu não menti – estávamos mesmo na porta da pequena garagem do nosso prédio, ficava um pouco abaixo do nível da rua, então em menos de cinco minutos o sinal poderia cair.
- Você disse que está tudo bem e que a culpa não é dele, isso não é mentira?!
- Não...
- Você acha que a culpa é sua, então?!
- Não tem isso de culpa...
- Claro que tem, foi ele quem te arrastou pra essa confusão!
- Claro que não, Lena!
- Como não?!
- Amiga, fui eu que aceitei essa amizade sabendo de tudo que viria no pacote, eu decidi que seríamos apenas amigos, eu falei que ele podia pegar quem quisesse, eu aceitei participar da live com vocês, eu quis beber durante a live, foram escolhas minhas, só minhas e eu não posso jogar a culpa nele só por que não gostei das consequências – falei enquanto esperávamos o elevador chegar no nosso andar. Eu não tinha tanta certeza do que eu estava falando, mas pareceu fazer sentido, e ela aceitou.
- Como você consegue ser tão prática?
- Assim é mais fácil, – dei de ombros sorrindo – não dá tempo de se lamentar nem ficar triste – falei abrindo a porta do meu apartamento e ela do dela. Ao tempo que fiquei sozinha, o sorriso, que estava no meu rosto segundos antes, sumiu.
Era mentira. Ser prática e racional naquela situação podia ser mais fácil, mas não impedia a tristeza. Por mais que eu quisesse acreditar que estava tudo bem, essa era a minha maior mentira, e eu fazia um esforço enorme para conseguir convencer a mim mesma de que era verdade. Mais do que qualquer coisa, ficar repetindo que e eu éramos apenas amigos, estava me deixando exausta. Eu não acreditava mais naquilo e estava cansada de tanto fingir, mas as notícias de que ele havia passado a noite com a Natalie, foram como uma balde de água fria na minha cabeça que começava a considerar qualquer mudança. Então, em casa e sozinha, me joguei no sofá de uma vez e chorei. Chorei mais do que eu esperava. Chorei pelo dia inteiro que eu quis chorar, mas me contive para não preocupar ninguém, nem ter que me explicar. Chorei lágrimas de tristeza, mas também de frustração e agonia. Chorei lágrimas de decepção e solidão, e lágrimas que eu nem sabia do que eram, mas estavam guardadas dentro de mim e precisavam sair. Chorei até cansar e cair no sono por não ter mais forças para continuar a chorar.
Acordei no dia seguinte com uma dor de cabeça daquelas que fazem você questionar se realmente precisa sair da cama pra trabalhar. Meus olhos estavam inchados e eu sentia que tinha sido atropelada por uma manada, tanto física quanto emocionalmente. Tomei dois comprimidos que eram meus melhores amigos nessas horas e entrei em um banho tão quente que chegou a sair fumaça e deixou minha pele avermelhada. Não era o recomendado por médicos, vulgo Helena, mas era o que me ajudaria naquele momento. Depois foi um café bem forte, duas torradas com mel, uma maçã na bolsa e rua. Não tinha problema ficar triste, mas minha vida não podia parar. Não mais uma vez.
Cheguei antes das oito na editora, então fui uma das primeiras. Nem minhas chefes, nem os estagiários estavam ali, o que significava que eu podia começar a trabalhar tranquila, sem ter que fazer favor ou ajudar ninguém, podendo focar nas minhas tarefas. Abri o meu computador e me concentrei em tudo o que tinha pela frente. Revisei os últimos trabalhos dos estagiários, entrei em contato com a gráfica que trabalhava com a gente, me dediquei ao site e às resenhas dos livros mais recentes que editamos, e os outros funcionários foram chegando aos poucos. Minhas chefes pararam na minha mesa pra conferir os meus prazos de entrega, ajudei o Jonny com um trabalho da faculdade e a Cris com as crônicas mexicanas. Mal deu tempo de almoçar, esquentei uma marmita que tinha levado de casa e comi ali mesmo, na mesa de trabalho.
Como sempre, os dias mais cansativos eram os melhores. Era quando eu focava cem por cento no trabalho e nada conseguia me tirar dali. Não tinham problemas externos me atrapalhando, eu nem lembrava da existência do meu celular e, assim, chegava no fim do dia sem perceber que o tempo tinha passado.
Já eram pouco mais de cinco da tarde, e eu tinha feito o meu dia render mais do que qualquer outro, mais alguns minutos ali, apenas pra encerrar o meu expediente, e eu poderia voltar para casa pra assistir um filme e me manter longe de qualquer coisa ou qualquer um que me desse a dor de cabeça dessa manhã. Uma pena que ele não me deu essa opção.
- O que você tá fazendo aqui?! – me levantei da minha cadeira vendo o dono dos olhos esverdeados mais bonitos que eu já tinha visto, porém exatamente os que eu estava tentando evitar.
- Eu precisava falar com você... – se aproximou até chegar à minha mesa.
- Não podia esperar eu chegar em casa? – Olhei em volta percebendo a atenção que ele já tinha atraído. Sentei novamente na minha cadeira, em uma tentativa de deixar aquela cena o mais natural possível. Não funcionou.
- Você desligou na minha cara ontem, eu te mandei várias mensagens e você não respondeu nenhuma, e te liguei umas cinco vezes hoje e você também não me atendeu...
- Isso não foi o suficiente pra você perceber que eu não queria falar com você?
- Ah, pelo menos você admite que não queria falar comigo, achei que ia inventar de novo que não teve tempo de ver o celular – deu uma risada sarcástica e sentou na beirada da minha mesa.
- Em primeiro lugar, você está agindo como um namorado possessivo e mimado, que tem que ter tudo na mão na hora que quer, o que é loucura, já que você não é possessivo, muito menos meu namorado – pausei e ele olhou pro chão envergonhado – em segundo lugar, isso aqui é o meu local de trabalho, então, a não ser que alguém esteja morrendo, você não tem nenhum direito de vir até aqui, muito menos pra me cobrar atenção.
- Eu sei... me desculpa – olhou novamente pra mim e se levantou – será que a gente pode conversar?
- Eu estou trabalhando – dava pra perceber o arrependimento no seu rosto, mas eu não iria ceder.
- Tudo bem, eu posso esperar – eu já queria conversar com ele antes, talvez fizesse isso no fim de semana, mas essa pirraça dele me fez mudar de ideia.
- Tudo bem por aqui? – Sara, minha chefe, se aproximou.
- Eu já estava de saída – falou se afastando.
- Você deve ser Ammel, não é? – ela perguntou impedindo que ele fosse embora tão rápido.
- Isso, sou eu – respondeu me encarando sem entender
- Eu achei bastante curioso como, de repente, as vendas dos meus livros subiram e, quando fui procurar o motivo, descobri que era , ou melhor, você. – me olhou de relance – Parece que as suas fãs são bastante curiosas, e resolveram conferir o trabalho da sua namorada.
- Ela não é minha namorada – ele corrigiu sem graça.
- Eu não gosto de me meter na vida pessoal dos meus funcionários, e devo confessar que o aumento das minhas vendas me deixou feliz, – ela falou e ele logo sorriu – mas quando a minha funcionária não consegue nem chegar no trabalho por causa de paparazzi, eu já não fico tão feliz assim.
- Sara, não é culpa dele – tentei ajudar.
- Eu sei que não, ninguém tem culpa, mas pra isso não se tornar rotina e esses paparazzi não fecharem a porta de entrada da minha editora, que tal evitar esses encontros por aqui? – terminou olhando pra mim e pra ele, e recebeu acenos de ambos.
- Me desculpa, mesmo. Eu não devia ter vindo – olhou pra mim arrependido e eu até senti pena.
- Não precisa se desculpar, só vamos evitar que isso vire um hábito e, se você precisar vir novamente, pode esperar na portaria.
- Sim senhora – falou dando meia volta e saindo do escritório.
- Me desculpa por isso Sara, não vai mais acontecer – me virei pra ela, morrendo de vergonha. Eu tinha uma boa relação com as minhas chefes, mas Sara não era, exatamente, "fofa". Não podia abusar da sua boa vontade e, considerando o meu último mês aqui, era bom eu andar na linha.
- Não tem problema , é normal o namorado querer buscar a namorada no trabalho, mas é bom evitar tumultos.
- Ele não é meu namorado.
- Ainda... – sorriu e começou a se afastar – termina logo as suas coisas, não vai querer deixar aquele gato dando sopa na portaria.
Eu sabia que poderia encerrar o meu expediente em poucos minutos, mas toda aquela situação me fez querer testar a paciência dele, então me voltei para o meu computador e comecei uma nova resenha de um livro brasileiro. O meu português estava um pouco enferrujado, então esses sempre demoravam mais. Quase duas horas, na verdade. As minhas chefes já tinham ido embora e Cris já tinha chamado a minha atenção várias vezes pra "crueldade" que era deixar Ammel me esperando por tanto tempo, mas a essa altura eu nem acreditava mais que ele estaria ali, provavelmente já devia ter desistido. Errado.
- Achei que você tinha decidido dormir aqui – falou se levantando de uma das poltronas na recepção e andou em minha direção.
- Trabalho é trabalho, não tem jeito.
- Mentirosa... sua chefe passou aqui há mais de uma hora e falou que você já estava acabando – empurrou o meu braço e eu quase desequilibrei – você que quis me dar um chá de cadeira.
- Talvez... não nego nem confirmo – sorri enquanto saímos do prédio da editora.
- Desculpa ter vindo aqui, foi sem noção mesmo.
- Foi, mas tudo bem – começamos a caminhar. Eu morava a cerca de trinta minutos do meu trabalho, normalmente eu ia de carro para evitar chegar suada e cansada, mas hoje achei que valia uma caminhada de manhã.
- Não queria que você pensasse que eu desvalorizo o seu trabalho, ou acho que posso aparecer assim sem avisar, ou...
- Eei, calma – ri do nervosismo dele. Tentava se explicar e acabava parecendo um adolescente se desculpando por alguma burrada – Eu entendi.
- Desculpa.
- Eu vou começar a carregar uma "jarra das desculpas" comigo, e toda vez que você pisar na bola e vir se desculpar vai ter que me pagar dez dólares.
- Dez?! Essas coisas funcionam com um dólar.
- Essas coisas funcionam para crianças, e os problemas que elas arranjam pros pais são bem menores do que os que você tem me arranjado.
- Justo – concordou olhando pro chão rindo. Continuamos andando tentando evitar a conversa que tinha o levado até ali. Alternamos momentos de silêncio com algumas conversas despretensiosas e sem muito fundamento.
Como surgiram os diferentes idiomas?
Como que decidiram os nomes das coisas? Tipo garfo, ou almofada, ou cerebelo...
Será que várias pessoas passaram mal provando queijos estragados até descobrirem que tudo bem comer gorgonzola?
Se você percebe que não quer casar minutos antes da cerimônia, você conta pro noivo(a) ou você se casa e pede o divórcio depois?
- Você desiste minutos antes?! Como assim? Vai deixar todo mundo esperando e obriga o seu ex futuro marido à contar pra todos os convidados? – Ele ficou muito surpreso com a minha resposta.
- Óbvio! Melhor do que casar com uma pessoa que você não ama, e pedir o divórcio uma semana depois.
- Mas você ficou tanto tempo com a pessoa... como sabe que não é nervosismo? De repente as coisas melhoram.
- Minha mãe sempre me disse que se começa ruim, depois só piora. É melhor desistir logo, arrancar o curativo dói, mas cura mais rápido.
- Acho que a Helena discordaria de você.
- Com certeza.
- Mas então você concorda com o que o seu ex-noivo fez? – eu não estava esperando por aquilo, mas me fez pensar. – Desculpa, não devia ter perguntado isso.
- Mais dez dólares – sorri tentando descontrair – Se ele não acreditava mais na gente, acho que ele fez certo em desistir, o problema foi como ele escolheu fazer isso. Mas com certeza eu prefiro isso à casar, passar por toda experiência e nervosismo do casório, reunir família, amigos, receber presentes, e uma semana depois ter que falar pra todo mundo que acabou. E imagina... toda vez que você fosse preencher um formulário, teria que marcar seu estado civil como "divorciado" e lembraria de tudo de novo...
- Pode ser... mas casamento é tão caro, podia pelo menos aproveitar a festa – esse era um bom ponto, mas não compensaria.
Uma semana sem conversar com e sentia que o meu estômago estava se contorcendo dentro de mim. Parecia ridículo, mas ela fazia muita falta na minha rotina, e ficar sem receber nenhuma mensagem dela por muito tempo era muito estranho, quase como se ficasse faltando uma parte do meu dia.
Eu sei que errei em invadir o trabalho dela daquela maneira, mas eu sabia que se não fosse assim ela continuaria arranjando outras maneiras de me evitar, mesmo dizendo que não estava brava. Então resolvi correr o risco e parece ter funcionado porque fomos conversando até o apartamento dela, falando sobre as coisas mais aleatórias possíveis e demos as risadas que eu sentia tanta a falta. Mas parecia que ela estava apenas preparando o terreno para o motivo que nos levou até ali.
Alguns minutos depois de entrarmos em sua casa o assunto acabou e ela me encarou séria. Aquele olhar me cortava por inteiro, e me fazia sentir completamente nu. Engoli à seco e lutei contra a vontade de dar meia volta e ir embora.
- O que? – perguntei disfarçando a tensão que estava tomando conta de mim
- Eu que pergunto... – se sentou nas almofadas da janela cruzando as pernas – Você não foi até o meu trabalho pra pedir conselhos matrimoniais, muito menos pra discutir o processo de criação do queijo gorgonzola, então o que é?
- Você sabe mesmo como fazer o clima pesar... – sorri sem graça e me sentei na mesinha de centro na sua frente, e ela retribuiu o sorriso ainda esperando que eu começasse a conversa – Primeiro eu queria pedir desculpa, mais uma vez, pelas coisas do twitter – falei sério, abaixando o olhar.
- Eu já disse que não precisa...
- Preciso sim, - interrompi sabendo o que ela diria – pode não ser minha culpa exatamente, mas é por minha causa que você está no meio dessa confusão – era difícil admitir aquilo, mas eu sabia que estar comigo era difícil e vinha em um combo de complicações, principalmente com a torcida que criaram pra ficarmos juntos.
- Eu aceitei entrar nessa confusão no dia em que subi sete andares de escada só pra ajudar vocês – ela riu lembrando da situação. Que bom que pelo menos um de nós conseguia ver graça naquela bagunça.
- Eu sabia que sair com a Natalie seria um prato cheio pros tabloides, e sabia que poderiam te arrastar pro meio disso, mas não me importei – falei olhando pra , esperando alguma reação, mas ela não moveu um músculo sequer – Eu não esperava que as fãs reagiriam daquela forma, nunca tinha passado por uma coisa assim, não nesse nível, e eu não tomei o cuidado pra te preservar – mais silêncio – Eu sinto muito, mesmo, prometo que vou tomar mais cuidado, e vou pedir pras fãs pegarem leve.
- É melhor não mexer mais nisso... – falou respirando fundo – se você tentar me defender pedindo pra pegarem leve, aí mesmo que vão vir atrás de mim achando que eu estou te manipulando.
- Isso é ridículo!
- Mas é verdade... – a cara dela murchou um pouco. Eram pouquíssimos os comentários negativos, mas pareciam ser sempre os que faziam mais barulho.
- Mais uma coisa... – a parte fácil tinha passado, agora sim era a conversa que estava me deixando tenso – a Natalie...
- Eu não preciso saber dessa parte – me interrompeu e se levantou indo em direção à ilha da cozinha.
- Eu só queria deixar as coisas claras – me levantei também e ela me encarou com uma sobrancelha levantada como se me desafiasse a continuar – Eu não voltei a namorar com ela...
- Bom pra você.
- Mas a gente dormiu junto.
- Sinto muito pelo seu mau gosto – já tinha percebido que o deboche era a forma com que ela lidava com o descontentamento, e eu teria que aceitar isso.
- E não foi coisa de uma noite só...
- Quer uma medalha?
- Não... – revirei os olhos quase desistindo de me explicar.
- Ótimo, eu não daria. Você deveria saber que essa garota não presta, saber melhor do que eu inclusive, mas mesmo assim quer continuar com ela...
- Não exagera... – falei e ela revirou os olhos, como sempre – ela pode não ser nenhuma santa, mas não é esse monstro que todo mundo acha.
- Pelo menos não sou só eu que acho, né?
- A questão é, que a gente tem uma história, e não é fácil mudar isso.
- Você é apaixonado por ela, eu sei disso - ela falou e eu não pude deixar de ficar surpreso com a minha vontade de contestá-la. Eu não era apaixonado pela Natalie, não mais.
- Não é isso. É complicado, nós somos muito ligados. Eu não sei explicar o que é, as coisas mudaram… estão mudando, mas não quero que isso atrapalhe a nossa amizade, então se isso for uma coisa que vai deixar um clima estranho aqui...
- Eu não vou frequentar os mesmos lugares que ela, a rejeição é recíproca, então tenho certeza que isso não vai ser um problema. Mas eu não vou fazer você escolher, nem vou me afastar de você por causa dela, até por que é isso que ela gostaria, e esse gostinho eu não dou a ela – concluiu e eu só conseguia rir. A conseguia me surpreender a cada segundo, definitivamente não era a resposta que eu estava esperando.
- Bom saber... – sem deixar ela me impedir, a abracei forte e ela não se afastou. Estávamos nos evitando desde o último fim de semana e esse abraço parecia o colo que tanto queríamos, pelo menos eu queria. Eu podia não saber explicar o que aquela garota tinha feito pra ocupar um lugar tão grande e importante dentro de mim, mas eu sabia que eu ocupava o mesmo lugar pra ela, e era disso que eu precisava. Depois de alguns segundos, talvez minutos ali, começamos a nos soltar do abraço e nossos rostos estavam tão próximos que tudo me tentava e me empurrava pra beija-la. Meu coração parecia bater em cada pedaço do meu corpo, e eu podia jurar que eu conseguia ouvir o dela também. Nenhum dos dois parecia querer afastar o rosto, e ficamos naquela preliminar de um beijo por segundos que pareciam uma eternidade, e mereciam até uma trilha sonora. Os lábios quase se encostaram, as piscadas duravam mais do que o normal, e nossos braços continuavam segurando um ao outro.
Mesmo assim, eu não podia dar continuidade àquilo. Ela foi bem clara sobre seus sentimentos, e as suas intenções comigo eram de amizade, e apenas amizade. Se ela quisesse um beijo, teria que tomar iniciativa. Então dei um passo pra trás me afastando do seu corpo, e ficamos nos olhando tentando desvendar no olhar do outro o que tinha acontecido ali, se a vontade que eu senti era recíproca e se eu havia perdido uma oportunidade de fazer tudo diferente.
- Você tem razão – falei ainda mirando no fundo dos seus olhos – A nossa amizade é mais importante do que qualquer outra coisa. – O olhar que recebi foi uma mistura de confusão e decepção, mas ela acenou com a cabeça como se concordasse comigo. – Misturar as coisas só estragaria tudo, então vamos esquecer do que eu falei antes de viajar, e vamos continuar só como amigos... pode ser? – falei sem nenhuma certeza daquilo mas alguma coisa no seu olhar mudou radicalmente e ela abriu um sorriso, vindo em minha direção e envolvendo meu pescoço.
- Não.
Capítulo 7
7
Nem que quisesse eu saberia explicar o que passou pela minha cabeça para ignorar todo o plano que eu havia meticulosamente traçado para manter meu relacionamento com o estritamente fraterno, e longe de qualquer coisa física. Desde que nos conhecemos e surgiu a possibilidade dessa relação evoluir para qualquer coisa além da amizade, sempre neguei e deixei claro que, por mil motivos muito bem fundamentados na minha cabeça, isso não aconteceria. Mesmo assim, vê-lo concordando comigo e tirando de mim qualquer chance de mudar de ideia, foi um choque de realidade e um alerta de que aquilo era o meu aviso, minha última chance, então não me contive.
Sem pensar duas vezes, me joguei em sua direção e colei nossos lábios puxando-o para um beijo. Beijo esse que começou um tanto sem jeito e desesperado, com susto de ambas as partes, mas que logo cedeu à vontade e naturalmente criou seu ritmo. Variávamos entre momentos de maior delicadeza e calmaria, e momentos de quase selvageria, com intensidade, paixão e curiosidade, como se explorássemos territórios ainda desconhecidos. Era óbvio que aquele era um momento que os dois ansiavam, e não iríamos deixá-lo passar sem tirar o máximo de proveito. O espaço entre nós era nulo e mesmo assim não parecia ser o suficiente, a cada segundo aprofundávamos o contato e nos apertávamos para preencher qualquer vazio que viesse a existir entre nós. Suas mãos calejadas da guitarra passeavam pelo meu corpo e ao entrarem em contato com a minha pele por debaixo da roupa, arrepiavam cada pelo existente. Era um toque bruto ao mesmo tempo que suave e encorajador.
Em alguns momentos ele diminuía a velocidade e me olhava com cautela como quem pede autorização para continuar, mas, àquela altura, eu não tinha mais condições de avaliar e recusar nada. Seus lábios completavam os meus, e todo o seu corpo exalava o calor que me trazia o conforto que eu não sabia que tanto precisava e do qual não queria me afastar tão cedo. Sem muito decoro ou qualquer restrição, nossas peças de roupas foram caindo, traçando um caminho da sala até meu quarto.
As palavras foram dispensadas e nossos corpos concordaram que já havíamos perdido tempo demais e não estávamos dispostos a perder mais.
- Tá pensando em que, coisa linda? – depois de algumas rodadas, camisinhas e muito suor, fazia massagem nos meus pés enquanto eu, deitada com a cabeça na base da cama, me perdia em meus pensamentos.
- Nada... – tentei desconversar, mas, não satisfeito, ele puxou minhas pernas, me fazendo sentar em seu colo com uma perna de cada lado do seu corpo.
- Arrependida? – perguntou deixando transparecer a preocupação.
- Não, arrependida não.
- Mas...
- Mas... o que acontece a partir de agora? – o meu plano já tinha sido desfeito, agora eu não tinha mais ideia do que aconteceria. Seria útil se, pelo menos ele tivesse alguma opinião sobre isso.
- O que você quer que aconteça?
- Não sei... só sei que não quero que as coisas mudem – respondi e ele jogou a cabeça para trás batendo na cabeceira impaciente.
- Vai voltar com aquela história de "apenas amigos"? – Nós tínhamos passado as últimas horas na minha cama e agora eu estava seminua sentada em seu colo, querer me convencer de que aquilo era só uma amizade seria o cúmulo da ingenuidade.
- Não, mas eu falei sério sobre não querer nenhum relacionamento sério.
- Eu também não quero.
- Então...
- Então, podemos continuar amigos. Amigos que podem contar um com o outro para tudo e, agora o nosso "tudo" abrange umas coisinhas a mais – concluiu me dando um selinho com um sorriso safado.
- Não sei se isso vai dar certo.
- Não tem como saber sem tentar. Confia em mim.
- Tudo bem, mas acho que podemos deixar isso só entre a gente.
- "Entre a gente": sem mídia, ou "entre a gente": sem ninguém?
- Acho que sem ninguém.
- Você não contaria nem para as suas amigas?
- Acho que, por enquanto, é melhor não. Quando todo mundo fica sabendo, fica mais complicado. Vamos descobrir primeiro como isso vai funcionar, depois a gente conta.
- Tudo bem, você quem sabe...
- Em segundo, esse negócio de ciúmes vai ter que ser controlado. Eu posso ficar com quem eu quiser e você também.
- Essa eu quero ver…
- Eu to falando sério. A gente não está namorando, continuamos como antes, então sem cobrança e sem ciúmes.
- Concordo, pelo menos na teoria, né?
- E temos que ser muito sinceros sobre tudo. Se um achar que não está mais dando certo, ou começar a confundir as coisas, a gente para. A amizade continua em primeiro lugar.
- Confundir as coisas?
- Vai que você se apaixona por mim... eu não quero ter que te decepcionar e ser responsável por quebrar o seu coraçãozinho – falei o fazendo rir.
- Coisa linda, eu acho mais fácil você se apaixonar por mim e eu acabar quebrando o seu coraçãozinho – ele rebateu e foi a minha vez de gargalhar.
- Com isso você pode ficar tranquilo Bonito, o meu coraçãozinho está vacinado contra qualquer paixonite.
As nossas intenções sempre estiveram muito claras e parecíamos concordar em tudo, então não tinha muito o que dar errado, e isso me acalmava.
RODRIGO
Eu ainda estava com dificuldade de acreditar que aquilo estava acontecendo. Depois de tantos "nãos", as coisas pareciam começar a dar certo, e nem partiu de mim.
Confesso que mesmo depois da transa, quando a observei olhando para o teto e viajando nos seus pensamentos, achei que voltaríamos à estaca zero, onde ela ainda tentaria me convencer, e a si mesma, de que aquilo não poderia se repetir e teríamos que voltar ao que éramos antes mas, para minha surpresa, ela concordou que isso seria difícil. Nós estávamos na mesma página no que se tratava ao que era a nossa relação e até onde queríamos ou não ir. Isso era incrível!
Eu tinha ali uma mulher incrível, que me divertia, era gata pra caralho, queria transar comigo, e ainda enfatizava que não queria sentimentos românticos envolvidos, apenas sexo... dava pra ser mais perfeito?!
A melhor parte em ter uma amizade colorida, é que não existe aquele momento desconcertante pós-foda, em que eu precisaria deixar claro as minhas intenções ou pedir para pessoa ir embora. Acabava a transa e continuava a amiga, e eu não tinha nenhuma vontade de sair dali. Ficamos conversando por horas. Passamos por todos os assuntos possíveis e imagináveis e antes da duas da manhã já tínhamos acabado com três garrafas de vinho.
Contei à ela sobre toda a história da banda, como nos conhecemos e viemos morar em Los Angeles. Ela me falou do relacionamento dos pais dela, e como tudo começou a dar errado. Eu contei sobre o meu namoro com a Natalie e como era a nossa relação atualmente, e ela me contou sobre o relacionamento dela com o tal do Derek. Eu acho que ela ainda não tinha percebido como aquele relacionamento era ruim pra ela. O cara era meio babaca, estabeleceu várias regras pra ela. Eu não sou nenhum especialista, mas ouvindo aquilo, eu diria se tratar de um relacionamento abusivo, e um tão bem feito, que ela nem se tocava do quão absurdo era. Choramos um pouco até um achar graça no drama do outro e começarmos a rir. Era aquela típica história de "seria engraçado se não fosse trágico" ou ao contrário.
Fizemos listas de filmes clássicos que não tínhamos assistido ainda, mas deveríamos ver em breve; falamos sobre basquete e sua péssima escolha de torcer para o Golden States quando poderia vibrar pelos Lakers. Quem era Stephen Curry perto de um LeBron James?!
Ela me fez ouvir toda a discografia do Leon Bridges, e eu a obriguei a ouvir todas as músicas da Jungle Roots e quando eu queria pular alguma, ela mesma fazia questão de voltar. Ouviu nossos orgulhos e nossas vergonhas, e o álcool nos fez dançar ao som das mais variadas trilhas sonoras em plenas quatro horas da manhã. Cantamos a plenos pulmões e dançamos desde Beyonce e Lady Gaga, até The Killers e Lynyrd Skynyrd.
O cansaço chegou e lutando contra a vontade de fechar os olhos, vimos o dia clarear enquanto os raios do sol entravam pelas janelas do apartamento, e caímos no sono jogados no chão da sala, sem forças pra voltar para o quarto.
Algumas horas depois, provavelmente perto de meio dia, eu acordei ainda um pouco zonzo e sem saber o que fazer, o que eu podia fazer. A ainda estava dormindo e eu não quis correr o risco de acordá-la em uma tentativa de a levar para cama, então apenas joguei uma coberta por cima dela. Será que eu deveria ir embora? Deixar um bilhete? Eu não queria ir. Preparar um café da manhã? Talvez um brunch? Sentar no sofá e esperar que ela não demorasse muito a despertar?
Olhando em volta e procurando uma ideia pra me ocupar, achei um violão em cima de uma pilha de revistas e papéis, apoiado em uma parede. Como eu não tinha nada melhor pra fazer, achei que ela não se importaria de me emprestar o instrumento... dedilhar um pouco e tentar compor sempre eram uma boa distração, escrever conseguia me entreter por horas e inspirações não me faltariam depois daquela noite. Quando levantei o violão percebi o caderno que estava embaixo dele. "Músicas e Pensamentos". O caderno de músicas dela, que eu tanto queria que ela me mostrasse. Era uma decisão dela. Obviamente eu não deveria abrir, muito menos ler, era uma invasão de privacidade e eu sabia disso, mas não consegui evitar. Desde que descobri que a Ali compunha, eu pedia pra ela me mostrar as suas músicas mas ela tinha vergonha, achava que não eram boas o suficiente, e aquele caderno ali, exposto, quase que posando pra mim, parecia coisa do destino, me implorando pra ser aberto. Tomei todo o cuidado pra tirá-lo dali sem fazer nenhum barulho, me concentrei para não deixar escapar nenhum tipo de ruído, mas até o som da minha respiração parecia ser alto demais.
- Se você abrir isso, eu juro que arranco a sua mão – o susto que eu levei fez o meu coração ir parar no saco.
- Puta que pariu, , que susto! Achei que você estava dormindo.
- E aproveitou para mexer nas minhas coisas?
- Eu só ia pegar o vilão... achei que você não ia se importar.
- O violão você pode pegar, o caderno não – ela levantou do chão, pegando o objeto da minha mão.
- Coisa linda, eu só queria ver as suas músicas...
- Eu já te falei que não vai rolar, esquece – eu claramente tinha entrado em um território sensível e não queria abusar, então levantei as mãos em rendição.
- Tudo bem, não insisto mais – me sentei no sofá, posicionando o violão no colo e começando a dedilhar, tirando alguns acordes. – Você podia cantar alguma coisa sua pra mim.
- Eu já falei que não.
- Qualquer uma, você que escolhe, só um pedacinho.
- Cacete, que cara chato. Você é muito teimoso.
- Quando eu acho que vale à pena, sou sim.
- Mas eu sou mais. Não vai rolar.
- Então me ajuda a compor uma nova pra banda.
- Bonito, eu já falei que as minhas músicas são amadoras, não servem pra vocês. A Julia te falou que eu componho e você tá achando que eu sou profissional. Eu fazia isso de brincadeira, não é nada demais.
- Tudo bem coisa linda, se ficar ruim a gente joga fora. Eu escrevo música quase todo dia, e muito raramente ficam boas, a grande maioria é descartada e não tem problema – falei tentando a convencer. Pelo menos essa seria uma forma de eu conhecer esse lado compositora dela, e ela ponderou por um tempo até se dar por vencida.
- Ok, ok – falou se jogando no sofá do meu lado – mas eu não prometo nada, então sem muitas expectativas, por favor.
O processo de escrever música é muito singular, cada pessoa faz de uma forma, têm suas táticas e demora um tempo diferente. Tentamos dividir por letra e melodia, não deu certo, pensar em temas também não funcionou, nem revezar no violão. Ficamos muito tempo tentando fazer alguma coisa surgir do nada, mas o sol se pôs, a noite chegou e ainda nem sabíamos sobre o que iríamos falar. Não queríamos cair no clichê de músicas românticas ultra melosas, nem escrever algo sobre amizade que já fosse batida, e ficaria brega.
Em algum momento da noite, cercados de embalagens de comida japonesa, desistimos de quebrar a cabeça com aquilo. Eu já estava mexendo no meu Instagram, descendo o meu feed e vendo os vídeos de comida, e ela se olhava em um espelho apoiado em um móvel, tentando fazer um penteado, com uma trança meio doida que eu não conseguia nem entender como funcionava. Depois de um tempo ela largou o cabelo e pegou o violão em uma tentativa de lembrar como se tocava, e a memória muscular não falhou. Deitou no chão e alguns minutos dedilhando, acorde vai, acorde vem, e as ideias chegaram juntas. Alguma coisa naquelas notas funcionou como um interruptor pra mim. Ela tocou, eu escrevi, eu toquei e ela escreveu e em menos de vinte minutos, tínhamos a nossa música. Simples assim, horas quebrando a cabeça, e bastaram alguns minutos despretensiosos para tudo vir à tona.
E não ficou nada ruim, muito pelo contrário, a música implorava por uma gravação.
A me deu carta branca pra gravar e lançar com a Jungle Roots, mas aquilo não parecia certo, não parecia completo. Faltava um pedaço.
Eu acabei passando também o domingo na casa dela, e não quis enviar a música por mensagem ou áudio pros caras, então esperei terça-feira chegar e a gente se encontrar na gravadora pra mostrar ao vivo. Eles ficaram um tanto curiosos sobre o processo de criação e por que não chamamos todos para participar, mas a verdade exigiria que eu contasse do nosso novo arranjo de amizade, então eu dei uma enrolada e mudei de assunto pra focar no resultado final.
Eles ficaram muito surpresos e empolgados com o que fizemos, mas concordaram que o ideal seria se tivesse uma parceria, alguém pra colaborar na gravação. O único problema é que a nunca toparia gravar. Já foi um parto só para convencê-la a escrever a música, seria impossível colocá-la dentro de um estúdio.
- Então vamos chamar outra pessoa – Michael sugeriu.
- Não, de jeito nenhum. Eu escrevi com a , não vou colocar outra pessoa pra cantar no lugar dela.
- Mas ela não quer fazer...
- Então a gente faz sem colaboração, só a Jungle Roots – Ashton falou.
- Não, – Calum retrucou – nem faz sentido. Essa música foi claramente escrita para duas pessoas.
- Então convence a a cantar, – Ashton falou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Você sabe que a gente está falando da , né? Como que você espera que eu a convença a entrar em um estúdio e grave uma música com a banda para ser divulgada em todas as plataformas digitais e escutada por milhões de pessoas, se ela não gosta nem de cantar na frente dos amigos dela?
- Ainda mais uma música dessas, né? – Calum falou em tom provocativo.
- Como assim?
- Vai se fazer de bobo agora? A música é a definição desse relacionamento quase romântico de vocês!
- Óbvio que não!
- Óbvio que sim!
- Eu não sei como vocês ainda não se pegaram – Ashton se intrometeu e eu quase engasguei com o comentário – Ficam nessa palhaçada de amiguinhos.
- Para de besteira, é só uma música!
- Aham... você quer me convencer de que enquanto vocês estavam juntos e sozinhos compondo, um do ladinho do outro, nem passou pela sua cabeça tascar um beijão na ? – Michael se aproximou querendo exemplificar a nossa falta de distância. Era óbvio que eu quis beijar a , inclusive foi o que eu fiz muitas vezes, mas eles não podiam saber disso.
- Eu desisto de explicar nossa amizade pra vocês.
- Ok, já que não tem nada demais, dá um jeito de convencê-la.
- Como?!
- Sei lá cara, pede com jeitinho – Michael levantou nervoso. – Essa música é boa, a gente não pode jogar fora, e como precisamos de uma colaboração e você não quer outra pessoa, a única opção é a convencer.
- Que bom que é simples assim, né? – falei carregado na ironia – Quer saber? Tudo bem, mas vocês vão me ajudar. Eu vou mandar uma mensagem pedindo pra ela encontrar com a gente na casa do Ash mais tarde, e vocês vão tentar convencer a fera.
Eu sabia que não seria fácil, na verdade eu já estava convencido de que aquilo tudo seria inútil. No fim das contas, eu teria que dar o braço a torcer e aceitar uma outra cantora como colaboração, mas, antes disso, tínhamos que esgotar todas as nossas opções e fazer o impossível para aquela música ser lançada da melhor forma possível.
Nos últimos dias começamos a ensaiar as sketchs e a apresentação do SNL que aconteceria em três semanas, estávamos muito empolgados então o tempo costumava correr, mas naquele dia especificamente estava sendo diferente, cada minuto parecia levar um ano pra passar. Provavelmente por que queríamos que o fim do dia chegasse logo, parecia que o relógio tinha parado.
Eu realmente não acreditava que a aceitaria cantar, então joguei a responsabilidade para cima dos outros. Ao mesmo tempo, eu ainda queria ter esperança de que daria certo, e isso estava me deixando ainda mais ansioso.
Depois de um século, o fim do dia chegou e fomos pra casa do Ashton esperar pela . Era dia de semana, e ela estava super atolada com o trabalho, então não tínhamos como saber a hora que ela chegaria exatamente, e isso ia aquecendo os nossos ânimos. Antes dela chegar, tocamos a música uma vez, só com violão e cajon pra ver como soava, e até que ficou boa, mas claramente faltava alguma coisa, ou melhor, alguém.
- Você tem certeza que falou que queríamos falar com ela hoje? – Michael perguntou quase caindo no sono.
- Tenho – respondi – ela já me mandou mensagem falando que estava vindo – Estávamos todos cansados e, se não fosse uma coisa importante, que chegava a nos angustiar, teríamos deixado para outro dia, pra podermos dormir.
Ela não demorou muito mais, poucos minutos depois a campainha tocou soando como um choque de adrenalina. Todos ficamos em pé, como adolescentes que esperam levar uma bronca dos pais, enquanto Ashton foi abrir a porta.
- Boa noite gente, desculpem a demora – entrou na sala cumprimentando todos com um beijo na bochecha. – As meninas não chegaram?
- Não, na verdade, somos só nós mesmo – Calum respondeu – O nosso assunto é profissional – concluiu recebendo um olhar confuso de .
- Eu mostrei a nossa música e eles queriam conversar com você – falei rapidamente tirando o meu da reta.
- Covarde – Ashton cochichou sem ela perceber.
- Ah legal. O que acharam? – perguntou insegura.
- Ficou incrível!
- Muito boa mesmo – Michael elogiou
- Mandaram muito bem – Calum completou.
- Que bom! – falou me olhando com um sorriso largo de orgulho e alívio no rosto – Eu estava bem nervosa, na verdade. Fiquei com medo de vocês não curtirem.
- Eu falei que eles iam adorar, ficou realmente boa – falei a abraçando de lado. Era um pouco estranho depois do fim de semana que passamos, voltar ao papel de "amigo", mas era só questão de tempo até eu me acostumar.
- Então qual é o problema?
- Não tem nenhum problema – Calum começou – É que, ouvindo a música, dá para perceber que ela foi feita para duas pessoas cantarem.
- Até demos uma passada nela e ficou legal, mas o ideal seria ter uma parceria – Michael tentou embasar o que Calum estava falando.
- Ok, acho que faz sentido.
- Faz todo sentido! – tentei demonstrar entusiasmo. Estávamos nervosos, então todo esforço parecia pouco.
- E vocês pensaram em alguém?
- Pensamos sim – Calum falou, mas parou por aí. Estávamos esperando um grande "não", então ninguém queria fazer a pergunta.
- Seria a pessoa perfeita, na verdade – Ashton endossou a oferta.
- Acho que ninguém se encaixaria melhor – Michael continuou.
- Que ótimo então – ficou nos olhando esperando que alguém concluísse aquela enrolação – Vocês vão me dizer quem é ou vamos ficar nesse mistério todo?
- Você! – Ashton gritou animado, e depois de alguns segundos de silêncio recebeu uma gargalhada como resposta. Ela não estava esperando por aquilo.
- Essa foi boa Ash – falou se recuperando – mas sem brincadeira, quem seria a cantora? – perguntou de novo, mas ninguém falou nada, mudando para uma expressão de choque – Calma aí, vocês estão falando sério?
- A música é sua, quem melhor do que você pra gravar? – Michael falou nos despertando de volta pra nossa missão ali.
- Vocês só podem estar malucos.
- Malucos por quê?! Você canta bem pra caramba, o mostrou pra gente o áudio de vocês.
- Eu não sou cantora!
- Mas podia ser, a sua voz é ótima – Ashton falou. Às vezes, bajulação é um ótimo método de convencimento. Não dessa vez.
- Esquece, não vai rolar – respondeu como um ponto final deixando a sala com o clima de decepção. Eu já esperava por aquilo, mas ainda tinha um fiozinho de esperança, e ela acabara de o cortar.
- , vem cá – Ashton se aproximou dela, a puxando pela mão e a guiando para o sofá – Senta aí – falou se sentando na mesinha de centro em frente a ela – A música é boa, sua voz também, você estaria com a gente te dando todo o apoio do mundo, então qual é o problema? Por que você não quer fazer?
- Sei lá... – falou dando uma pausa e soltando o ar de uma respiração profunda – A minha voz é boa, mas eu não sou cantora, nem quero ser. Tem gente que passa a vida toda esperando por uma oportunidade de conseguir entrar em um estúdio e gravar alguma coisa, aí eu, que nunca nem pensei nisso, vou chegar lá e fazer?
- Você sente que estaria furando a fila...
- Tipo isso, não me parece justo. Eu gosto de cantar, mas não sou profissional. Pode ser bobeira, mas eu não me sentiria bem.
- Não é bobeira – me aproximei para sentar ao seu lado no sofá – muito pelo contrário. Seria mais fácil se você dissesse qualquer outra coisa, aí a gente poderia tentar te convencer.
- Eu tenho a solução! – Ashton gritou na nossa frente – E se a gente não fosse pro estúdio?
- Você quer descartar a música?! – perguntei sem entender nada. A faixa era boa, não queria desistir dela assim.
- Não, claro que não! Só que a gente não precisa gravar em um estúdio para lançá-la.
- Desenvolve, por favor – Calum falou já sem muita paciência.
- Se a ideia é só liberar a música pro público por que ela é boa e não vale a pena colocar na gaveta, a gente pode gravar aqui.
- Você tem um estúdio aqui? – perguntei surpreso.
- Não, caralho! Quer dizer, tenho, mas não é disso que estou falando. A gente ensaia, grava um vídeo e posta, simples assim. Não precisa de nada muito profissional. Quando montamos a banda, era a Stella que gravava nossos vídeos, podemos pedir pra ela nos ajudar a gravar essa também, alguém dá uma editada básica, sem muita frescura, e postamos no canal da banda ou no nosso Instagram.
- É uma boa – Michael falou se animando com a alternativa.
- É mesmo... qualquer um pode escrever uma música e publicar, não seria nada muito elaborado. – Calum completou.
- O que você acha? – continuava quieta do meu lado.
- Vocês têm certeza que não preferem chamar alguma cantora de verdade?
- Absoluta - confirmei segurando sua mão. - E aí, topa?
- Seja o que Deus quiser... eu topo!
A animação foi grande, mas a preocupação em ela desistir era maior ainda. Em algumas horas ligamos pra Stella, arrumamos todos os instrumentos, posicionamos câmeras e uns equipamentos de som e iluminação que o Ashton tinha guardados e ensaiamos algumas vezes. Já estava bem tarde, devia ser quase meia noite e a ainda fez questão de chamar a Julia e a Helena para garantir que elas não iriam surtar quando descobrissem o que estávamos fazendo sem avisá-las.
Estávamos uma pilha de nervos. No caso, eu e a só, por que os caras estavam bem tranquilos, seria só mais uma música. Para mim era um pouco diferente por ser com ela, uma música que tínhamos escrito juntos, e por mais que eu tenha gostado, não dava pra prever a reação dos fãs. Se detonassem o vídeo e o inundassem com comentários negativos, ela ficaria arrasada e eu me sentiria um lixo. Não queria colocá-la nessa situação, mas já não tinha como voltar à trás.
Tomamos alguns shots de gengibre para aquecer as cordas vocais, ela me obrigou a fazer quinze mil exercícios de voz e os caras a checar a afinação dos instrumentos umas vinte vezes. As meninas fizeram alguns discursos inspiracionais, a fazendo morrer de rir e conseguiram descontrair um pouco aquele clima. Todos queriam apoia-la e queríamos que desse tudo certo.
Mas não tinha mais o que fazer pra enrolar. Estava tudo pronto. Ela não queria acreditar, mas estávamos todos prontos. Então, sem mais delongas, a Stella começou a gravar e o Ash bateu as baquetas.
- 5, 6, 7, 8
[https://www.youtube.com/watch?v=gu4Fkyv7TA8]
Eu realmente estava muito mudada... quando, em milhões de anos, eu pensaria em postar um vídeo cantando com a Jungle Roots? Nunca na minha vida, de jeito nenhum. Mesmo assim, ali estava eu, sentada no meu sofá com os nervos à flor da pele, sem conseguir dormir por que tínhamos acabado de gravar a música que eu tinha feito com , e agora tínhamos que esperar que fosse editado. A Stella garantiu que seria rápido, tentaria terminar até o fim do dia seguinte, mas a ansiedade era enorme. Mais do que isso, eu estava morrendo de medo de dar errado, dos fãs não gostarem, eu decepcionar a banda, e acabar os prejudicando.
- Eu não acredito que você ainda está acordada – chegou na sala com cara de sono e sentou do meu lado. Quando terminamos de gravar, eu entrei em um misto de excitação e desespero, querendo publicar logo ou apagar o vídeo e desistir daquela ideia maluca, então, em uma tentativa de me acalmar, ele voltou para o meu apartamento comigo. Tivemos que dar uma disfarçada, e ele fingiu que foi pra casa dele, esperou que a Julia e a Helena entrassem em casa, e subiu. Dava um pouquinho de trabalho esconder nossa nova dinâmica, principalmente por causa das minhas vizinhas, mas valia a pena. Meio ombro amigo, meio pinto amigo, e assim eu tinha a pessoa perfeita pra aliviar meu estresse. Ter ele por perto me acalmava.
- Eu que não sei como você consegue dormir tão fácil. Você tem noção que eu posso acabar com a carreira de vocês? Os seus fãs podem não gostar de terem me chamado pra cantar, podem não gostar da música, podem simplesmente não gostar que eu estou na música e descontar em vocês!
- Deixa de ser exagerada! – falou rindo do meu nervosismo – Isso não vai acontecer, coisa linda. Eles gostam de você e mesmo os que não gostam, vão ter que admitir que a música é boa. Sempre vai ter gente criticando, não tem jeito, mas temos que focar em quem nos apoia. Eu tenho certeza que a maioria vai curtir.
- Como? Como tem tanta certeza?
- Por que eu confio no meu gosto musical, e nos meus fãs também.
- São seus fãs, não meus.
- Tudo bem. Mas se eles gostam de mim como falam, eles vão perceber como você me faz bem, e vão gostar de você também – concluiu dando um beijo na minha testa.
- Tomara...
- Vem, vamos dormir – levantou segurando a minha mão pra me tirar do sofá – já são três da manhã, e eu não quero levar mais uma bronca da sua chefe por fazer você faltar ao trabalho.
Ele tinha razão, eu sabia disso, mas era difícil desligar a cabeça e parar de pensar que, em algumas horas, milhões de pessoas teriam acesso a um vídeo meu cantando uma música que eu escrevi, e poderiam julgar e comentar da forma que quisessem. Sem contar que a letra da música era bem particular, então as pessoas interpretariam como bem entendessem e provavelmente iriam jorrar comentários sobre e eu sermos um casal, estarmos mentindo sobre a nossa relação, ou qualquer coisa do tipo. E, dessa vez, nem seria completamente mentira, e eu não estava preparada para lidar com isso.
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Em pouco tempo a equipe da Jungle Roots fez uma divulgação pesada da música. Onde quer que olhasse teria uma publicação de "8pm ATENTOS". As fãs ficaram loucas, ninguém sabia do que se tratava, muita gente apostou que seria o álbum novo, e eu só conseguia pensar na decepção que teriam quando vissem o que realmente era.
Como sempre, tentei me afogar em trabalho pra ocupar a cabeça e não passar o dia aflita. Dessa vez não deu tão certo. De dez em dez minutos eu olhava para o relógio do escritório esperando dar oito da noite. Não adiantava, o tempo não estava ao meu favor. passou o dia inteiro me mandando mensagens com memes e figurinhas engraçadas pra tentar aliviar o meu estresse, mas nada adiantava.
Quando o relógio marcou sete horas eu fechei tudo e fui pra casa. A Julia já estava lá me esperando, no meu apartamento inclusive, e a Helena não demorou muito a chegar também.
Os meninos da banda estavam em uma reunião em Santa Bárbara então combinamos de nos falar por vídeo chamada quando desse a hora.
- , você está acabando com as suas unhas – Julia reclamou batendo na minha mão – Para com isso!
- Eu não consigo, amiga.
- Toma isso aqui – Helena falou me entregando um copo com um líquido amarelado dentro. Antes de beber eu cheirei o conteúdo e minhas narinas queimaram com o odor do álcool.
- Que isso Lena? Tá maluca?
- Um shot de vodka de laranja... só pra acalmar os nervos – ela explicou. Eu não estava a fim de beber, até por que o nervosismo era suficiente pra eu vomitar. Mas sem pensar muito virei o copo na boca e senti a bebida descer aquecendo todo o meu corpo.
- Achei muito vacilo eles viajarem e te deixarem aqui sozinha – Julia reclamou enquanto mexia no celular.
- Eles estão trabalhando Ju, não foram passear.
- E não a deixaram sozinha, por acaso, nós duas estamos aqui também - Lena falou os defendendo.
- Não é a mesma coisa. A música é deles, eles insistiram pra ela gravar... deveriam estar aqui pra dar apoio.
- Obrigada pela preocupação, amiga, mas eu estou muito bem só com vocês duas. Não faria sentido eles cancelarem um compromisso de trabalho só pra ficar aqui segurando a minha mão.
Já eram sete e cinquenta quando o meu celular tocou com a solicitação de Ashton para a vídeo chamada.
Oi gatinha!
- Oi Ash, tudo bem por aí?
Por aqui tudo certo, e aí? Nervosa?
- Nervosa é pouco, estou quase infartando.
Oi coisa linda! – apareceu do lado de Ashton – Fica tranquila, vai dar certo.
- A gente já falou isso pra ela umas duzentas vezes , não adianta. – Helena entrou no enquadramento no celular pra participar também – Ela tem certeza que vai estragar a carreira de vocês.
Quanto drama – Calum falou se aproximando junto de Michael – Se você fosse ruim, ou qualquer coisa não estivesse boa, a gente não teria topado liberar a música.
Muito menos estaríamos divulgando como estamos – falou
- Pois é, vocês falaram que não seria nada profissional, só um vídeo simples... Já estão fazendo o maior auê. O meu Twitter tá abarrotado com as suas fãs me perguntando se eu sei qual é a surpresa.
Que bom que elas estão falando com você então, mais um motivo para elas curtirem – Ashton falou
- Vocês estão muito confiantes.
Você devia estar também – disse para me encorajar.
Estão me ligando aqui – Calum falou pegando o celular – Vão postar agora.
- Puta que pariu! Gente ainda dá tempo de desistir... cancela isso
De jeito nenhum – Ashton disse rindo.
– chamou minha atenção – Respira fundo e confia que vai dar certo. E se não der, se ninguém gostar, tudo bem também. A gente está com você, estamos juntos nessa, fica calma.
Mas vai dar certo... vai ser sucesso – Ashton disse atualizando o canal da banda no Youtube.
- E aí? Já publicaram? – Julia perguntou atrás de mim.
- Acho que não – respondi
Publicaram! Já entrou – Michael gritou do outro lado.
Eu nem consegui me mexer, as meninas logo abriram pra assistir, e as visualizações aumentavam exponencialmente, mas eu me sentia anestesiada. Afundei a cabeça na almofada do sofá, e ouvi enquanto elas tocavam a música na caixa de som.
Eu estava em pânico... mas, por enquanto, era um pânico bom.
Nem que quisesse eu saberia explicar o que passou pela minha cabeça para ignorar todo o plano que eu havia meticulosamente traçado para manter meu relacionamento com o estritamente fraterno, e longe de qualquer coisa física. Desde que nos conhecemos e surgiu a possibilidade dessa relação evoluir para qualquer coisa além da amizade, sempre neguei e deixei claro que, por mil motivos muito bem fundamentados na minha cabeça, isso não aconteceria. Mesmo assim, vê-lo concordando comigo e tirando de mim qualquer chance de mudar de ideia, foi um choque de realidade e um alerta de que aquilo era o meu aviso, minha última chance, então não me contive.
Sem pensar duas vezes, me joguei em sua direção e colei nossos lábios puxando-o para um beijo. Beijo esse que começou um tanto sem jeito e desesperado, com susto de ambas as partes, mas que logo cedeu à vontade e naturalmente criou seu ritmo. Variávamos entre momentos de maior delicadeza e calmaria, e momentos de quase selvageria, com intensidade, paixão e curiosidade, como se explorássemos territórios ainda desconhecidos. Era óbvio que aquele era um momento que os dois ansiavam, e não iríamos deixá-lo passar sem tirar o máximo de proveito. O espaço entre nós era nulo e mesmo assim não parecia ser o suficiente, a cada segundo aprofundávamos o contato e nos apertávamos para preencher qualquer vazio que viesse a existir entre nós. Suas mãos calejadas da guitarra passeavam pelo meu corpo e ao entrarem em contato com a minha pele por debaixo da roupa, arrepiavam cada pelo existente. Era um toque bruto ao mesmo tempo que suave e encorajador.
Em alguns momentos ele diminuía a velocidade e me olhava com cautela como quem pede autorização para continuar, mas, àquela altura, eu não tinha mais condições de avaliar e recusar nada. Seus lábios completavam os meus, e todo o seu corpo exalava o calor que me trazia o conforto que eu não sabia que tanto precisava e do qual não queria me afastar tão cedo. Sem muito decoro ou qualquer restrição, nossas peças de roupas foram caindo, traçando um caminho da sala até meu quarto.
As palavras foram dispensadas e nossos corpos concordaram que já havíamos perdido tempo demais e não estávamos dispostos a perder mais.
- Tá pensando em que, coisa linda? – depois de algumas rodadas, camisinhas e muito suor, fazia massagem nos meus pés enquanto eu, deitada com a cabeça na base da cama, me perdia em meus pensamentos.
- Nada... – tentei desconversar, mas, não satisfeito, ele puxou minhas pernas, me fazendo sentar em seu colo com uma perna de cada lado do seu corpo.
- Arrependida? – perguntou deixando transparecer a preocupação.
- Não, arrependida não.
- Mas...
- Mas... o que acontece a partir de agora? – o meu plano já tinha sido desfeito, agora eu não tinha mais ideia do que aconteceria. Seria útil se, pelo menos ele tivesse alguma opinião sobre isso.
- O que você quer que aconteça?
- Não sei... só sei que não quero que as coisas mudem – respondi e ele jogou a cabeça para trás batendo na cabeceira impaciente.
- Vai voltar com aquela história de "apenas amigos"? – Nós tínhamos passado as últimas horas na minha cama e agora eu estava seminua sentada em seu colo, querer me convencer de que aquilo era só uma amizade seria o cúmulo da ingenuidade.
- Não, mas eu falei sério sobre não querer nenhum relacionamento sério.
- Eu também não quero.
- Então...
- Então, podemos continuar amigos. Amigos que podem contar um com o outro para tudo e, agora o nosso "tudo" abrange umas coisinhas a mais – concluiu me dando um selinho com um sorriso safado.
- Não sei se isso vai dar certo.
- Não tem como saber sem tentar. Confia em mim.
- Tudo bem, mas acho que podemos deixar isso só entre a gente.
- "Entre a gente": sem mídia, ou "entre a gente": sem ninguém?
- Acho que sem ninguém.
- Você não contaria nem para as suas amigas?
- Acho que, por enquanto, é melhor não. Quando todo mundo fica sabendo, fica mais complicado. Vamos descobrir primeiro como isso vai funcionar, depois a gente conta.
- Tudo bem, você quem sabe...
- Em segundo, esse negócio de ciúmes vai ter que ser controlado. Eu posso ficar com quem eu quiser e você também.
- Essa eu quero ver…
- Eu to falando sério. A gente não está namorando, continuamos como antes, então sem cobrança e sem ciúmes.
- Concordo, pelo menos na teoria, né?
- E temos que ser muito sinceros sobre tudo. Se um achar que não está mais dando certo, ou começar a confundir as coisas, a gente para. A amizade continua em primeiro lugar.
- Confundir as coisas?
- Vai que você se apaixona por mim... eu não quero ter que te decepcionar e ser responsável por quebrar o seu coraçãozinho – falei o fazendo rir.
- Coisa linda, eu acho mais fácil você se apaixonar por mim e eu acabar quebrando o seu coraçãozinho – ele rebateu e foi a minha vez de gargalhar.
- Com isso você pode ficar tranquilo Bonito, o meu coraçãozinho está vacinado contra qualquer paixonite.
As nossas intenções sempre estiveram muito claras e parecíamos concordar em tudo, então não tinha muito o que dar errado, e isso me acalmava.
RODRIGO
Eu ainda estava com dificuldade de acreditar que aquilo estava acontecendo. Depois de tantos "nãos", as coisas pareciam começar a dar certo, e nem partiu de mim.
Confesso que mesmo depois da transa, quando a observei olhando para o teto e viajando nos seus pensamentos, achei que voltaríamos à estaca zero, onde ela ainda tentaria me convencer, e a si mesma, de que aquilo não poderia se repetir e teríamos que voltar ao que éramos antes mas, para minha surpresa, ela concordou que isso seria difícil. Nós estávamos na mesma página no que se tratava ao que era a nossa relação e até onde queríamos ou não ir. Isso era incrível!
Eu tinha ali uma mulher incrível, que me divertia, era gata pra caralho, queria transar comigo, e ainda enfatizava que não queria sentimentos românticos envolvidos, apenas sexo... dava pra ser mais perfeito?!
A melhor parte em ter uma amizade colorida, é que não existe aquele momento desconcertante pós-foda, em que eu precisaria deixar claro as minhas intenções ou pedir para pessoa ir embora. Acabava a transa e continuava a amiga, e eu não tinha nenhuma vontade de sair dali. Ficamos conversando por horas. Passamos por todos os assuntos possíveis e imagináveis e antes da duas da manhã já tínhamos acabado com três garrafas de vinho.
Contei à ela sobre toda a história da banda, como nos conhecemos e viemos morar em Los Angeles. Ela me falou do relacionamento dos pais dela, e como tudo começou a dar errado. Eu contei sobre o meu namoro com a Natalie e como era a nossa relação atualmente, e ela me contou sobre o relacionamento dela com o tal do Derek. Eu acho que ela ainda não tinha percebido como aquele relacionamento era ruim pra ela. O cara era meio babaca, estabeleceu várias regras pra ela. Eu não sou nenhum especialista, mas ouvindo aquilo, eu diria se tratar de um relacionamento abusivo, e um tão bem feito, que ela nem se tocava do quão absurdo era. Choramos um pouco até um achar graça no drama do outro e começarmos a rir. Era aquela típica história de "seria engraçado se não fosse trágico" ou ao contrário.
Fizemos listas de filmes clássicos que não tínhamos assistido ainda, mas deveríamos ver em breve; falamos sobre basquete e sua péssima escolha de torcer para o Golden States quando poderia vibrar pelos Lakers. Quem era Stephen Curry perto de um LeBron James?!
Ela me fez ouvir toda a discografia do Leon Bridges, e eu a obriguei a ouvir todas as músicas da Jungle Roots e quando eu queria pular alguma, ela mesma fazia questão de voltar. Ouviu nossos orgulhos e nossas vergonhas, e o álcool nos fez dançar ao som das mais variadas trilhas sonoras em plenas quatro horas da manhã. Cantamos a plenos pulmões e dançamos desde Beyonce e Lady Gaga, até The Killers e Lynyrd Skynyrd.
O cansaço chegou e lutando contra a vontade de fechar os olhos, vimos o dia clarear enquanto os raios do sol entravam pelas janelas do apartamento, e caímos no sono jogados no chão da sala, sem forças pra voltar para o quarto.
Algumas horas depois, provavelmente perto de meio dia, eu acordei ainda um pouco zonzo e sem saber o que fazer, o que eu podia fazer. A ainda estava dormindo e eu não quis correr o risco de acordá-la em uma tentativa de a levar para cama, então apenas joguei uma coberta por cima dela. Será que eu deveria ir embora? Deixar um bilhete? Eu não queria ir. Preparar um café da manhã? Talvez um brunch? Sentar no sofá e esperar que ela não demorasse muito a despertar?
Olhando em volta e procurando uma ideia pra me ocupar, achei um violão em cima de uma pilha de revistas e papéis, apoiado em uma parede. Como eu não tinha nada melhor pra fazer, achei que ela não se importaria de me emprestar o instrumento... dedilhar um pouco e tentar compor sempre eram uma boa distração, escrever conseguia me entreter por horas e inspirações não me faltariam depois daquela noite. Quando levantei o violão percebi o caderno que estava embaixo dele. "Músicas e Pensamentos". O caderno de músicas dela, que eu tanto queria que ela me mostrasse. Era uma decisão dela. Obviamente eu não deveria abrir, muito menos ler, era uma invasão de privacidade e eu sabia disso, mas não consegui evitar. Desde que descobri que a Ali compunha, eu pedia pra ela me mostrar as suas músicas mas ela tinha vergonha, achava que não eram boas o suficiente, e aquele caderno ali, exposto, quase que posando pra mim, parecia coisa do destino, me implorando pra ser aberto. Tomei todo o cuidado pra tirá-lo dali sem fazer nenhum barulho, me concentrei para não deixar escapar nenhum tipo de ruído, mas até o som da minha respiração parecia ser alto demais.
- Se você abrir isso, eu juro que arranco a sua mão – o susto que eu levei fez o meu coração ir parar no saco.
- Puta que pariu, , que susto! Achei que você estava dormindo.
- E aproveitou para mexer nas minhas coisas?
- Eu só ia pegar o vilão... achei que você não ia se importar.
- O violão você pode pegar, o caderno não – ela levantou do chão, pegando o objeto da minha mão.
- Coisa linda, eu só queria ver as suas músicas...
- Eu já te falei que não vai rolar, esquece – eu claramente tinha entrado em um território sensível e não queria abusar, então levantei as mãos em rendição.
- Tudo bem, não insisto mais – me sentei no sofá, posicionando o violão no colo e começando a dedilhar, tirando alguns acordes. – Você podia cantar alguma coisa sua pra mim.
- Eu já falei que não.
- Qualquer uma, você que escolhe, só um pedacinho.
- Cacete, que cara chato. Você é muito teimoso.
- Quando eu acho que vale à pena, sou sim.
- Mas eu sou mais. Não vai rolar.
- Então me ajuda a compor uma nova pra banda.
- Bonito, eu já falei que as minhas músicas são amadoras, não servem pra vocês. A Julia te falou que eu componho e você tá achando que eu sou profissional. Eu fazia isso de brincadeira, não é nada demais.
- Tudo bem coisa linda, se ficar ruim a gente joga fora. Eu escrevo música quase todo dia, e muito raramente ficam boas, a grande maioria é descartada e não tem problema – falei tentando a convencer. Pelo menos essa seria uma forma de eu conhecer esse lado compositora dela, e ela ponderou por um tempo até se dar por vencida.
- Ok, ok – falou se jogando no sofá do meu lado – mas eu não prometo nada, então sem muitas expectativas, por favor.
O processo de escrever música é muito singular, cada pessoa faz de uma forma, têm suas táticas e demora um tempo diferente. Tentamos dividir por letra e melodia, não deu certo, pensar em temas também não funcionou, nem revezar no violão. Ficamos muito tempo tentando fazer alguma coisa surgir do nada, mas o sol se pôs, a noite chegou e ainda nem sabíamos sobre o que iríamos falar. Não queríamos cair no clichê de músicas românticas ultra melosas, nem escrever algo sobre amizade que já fosse batida, e ficaria brega.
Em algum momento da noite, cercados de embalagens de comida japonesa, desistimos de quebrar a cabeça com aquilo. Eu já estava mexendo no meu Instagram, descendo o meu feed e vendo os vídeos de comida, e ela se olhava em um espelho apoiado em um móvel, tentando fazer um penteado, com uma trança meio doida que eu não conseguia nem entender como funcionava. Depois de um tempo ela largou o cabelo e pegou o violão em uma tentativa de lembrar como se tocava, e a memória muscular não falhou. Deitou no chão e alguns minutos dedilhando, acorde vai, acorde vem, e as ideias chegaram juntas. Alguma coisa naquelas notas funcionou como um interruptor pra mim. Ela tocou, eu escrevi, eu toquei e ela escreveu e em menos de vinte minutos, tínhamos a nossa música. Simples assim, horas quebrando a cabeça, e bastaram alguns minutos despretensiosos para tudo vir à tona.
E não ficou nada ruim, muito pelo contrário, a música implorava por uma gravação.
A me deu carta branca pra gravar e lançar com a Jungle Roots, mas aquilo não parecia certo, não parecia completo. Faltava um pedaço.
Eu acabei passando também o domingo na casa dela, e não quis enviar a música por mensagem ou áudio pros caras, então esperei terça-feira chegar e a gente se encontrar na gravadora pra mostrar ao vivo. Eles ficaram um tanto curiosos sobre o processo de criação e por que não chamamos todos para participar, mas a verdade exigiria que eu contasse do nosso novo arranjo de amizade, então eu dei uma enrolada e mudei de assunto pra focar no resultado final.
Eles ficaram muito surpresos e empolgados com o que fizemos, mas concordaram que o ideal seria se tivesse uma parceria, alguém pra colaborar na gravação. O único problema é que a nunca toparia gravar. Já foi um parto só para convencê-la a escrever a música, seria impossível colocá-la dentro de um estúdio.
- Então vamos chamar outra pessoa – Michael sugeriu.
- Não, de jeito nenhum. Eu escrevi com a , não vou colocar outra pessoa pra cantar no lugar dela.
- Mas ela não quer fazer...
- Então a gente faz sem colaboração, só a Jungle Roots – Ashton falou.
- Não, – Calum retrucou – nem faz sentido. Essa música foi claramente escrita para duas pessoas.
- Então convence a a cantar, – Ashton falou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Você sabe que a gente está falando da , né? Como que você espera que eu a convença a entrar em um estúdio e grave uma música com a banda para ser divulgada em todas as plataformas digitais e escutada por milhões de pessoas, se ela não gosta nem de cantar na frente dos amigos dela?
- Ainda mais uma música dessas, né? – Calum falou em tom provocativo.
- Como assim?
- Vai se fazer de bobo agora? A música é a definição desse relacionamento quase romântico de vocês!
- Óbvio que não!
- Óbvio que sim!
- Eu não sei como vocês ainda não se pegaram – Ashton se intrometeu e eu quase engasguei com o comentário – Ficam nessa palhaçada de amiguinhos.
- Para de besteira, é só uma música!
- Aham... você quer me convencer de que enquanto vocês estavam juntos e sozinhos compondo, um do ladinho do outro, nem passou pela sua cabeça tascar um beijão na ? – Michael se aproximou querendo exemplificar a nossa falta de distância. Era óbvio que eu quis beijar a , inclusive foi o que eu fiz muitas vezes, mas eles não podiam saber disso.
- Eu desisto de explicar nossa amizade pra vocês.
- Ok, já que não tem nada demais, dá um jeito de convencê-la.
- Como?!
- Sei lá cara, pede com jeitinho – Michael levantou nervoso. – Essa música é boa, a gente não pode jogar fora, e como precisamos de uma colaboração e você não quer outra pessoa, a única opção é a convencer.
- Que bom que é simples assim, né? – falei carregado na ironia – Quer saber? Tudo bem, mas vocês vão me ajudar. Eu vou mandar uma mensagem pedindo pra ela encontrar com a gente na casa do Ash mais tarde, e vocês vão tentar convencer a fera.
Eu sabia que não seria fácil, na verdade eu já estava convencido de que aquilo tudo seria inútil. No fim das contas, eu teria que dar o braço a torcer e aceitar uma outra cantora como colaboração, mas, antes disso, tínhamos que esgotar todas as nossas opções e fazer o impossível para aquela música ser lançada da melhor forma possível.
Nos últimos dias começamos a ensaiar as sketchs e a apresentação do SNL que aconteceria em três semanas, estávamos muito empolgados então o tempo costumava correr, mas naquele dia especificamente estava sendo diferente, cada minuto parecia levar um ano pra passar. Provavelmente por que queríamos que o fim do dia chegasse logo, parecia que o relógio tinha parado.
Eu realmente não acreditava que a aceitaria cantar, então joguei a responsabilidade para cima dos outros. Ao mesmo tempo, eu ainda queria ter esperança de que daria certo, e isso estava me deixando ainda mais ansioso.
Depois de um século, o fim do dia chegou e fomos pra casa do Ashton esperar pela . Era dia de semana, e ela estava super atolada com o trabalho, então não tínhamos como saber a hora que ela chegaria exatamente, e isso ia aquecendo os nossos ânimos. Antes dela chegar, tocamos a música uma vez, só com violão e cajon pra ver como soava, e até que ficou boa, mas claramente faltava alguma coisa, ou melhor, alguém.
- Você tem certeza que falou que queríamos falar com ela hoje? – Michael perguntou quase caindo no sono.
- Tenho – respondi – ela já me mandou mensagem falando que estava vindo – Estávamos todos cansados e, se não fosse uma coisa importante, que chegava a nos angustiar, teríamos deixado para outro dia, pra podermos dormir.
Ela não demorou muito mais, poucos minutos depois a campainha tocou soando como um choque de adrenalina. Todos ficamos em pé, como adolescentes que esperam levar uma bronca dos pais, enquanto Ashton foi abrir a porta.
- Boa noite gente, desculpem a demora – entrou na sala cumprimentando todos com um beijo na bochecha. – As meninas não chegaram?
- Não, na verdade, somos só nós mesmo – Calum respondeu – O nosso assunto é profissional – concluiu recebendo um olhar confuso de .
- Eu mostrei a nossa música e eles queriam conversar com você – falei rapidamente tirando o meu da reta.
- Covarde – Ashton cochichou sem ela perceber.
- Ah legal. O que acharam? – perguntou insegura.
- Ficou incrível!
- Muito boa mesmo – Michael elogiou
- Mandaram muito bem – Calum completou.
- Que bom! – falou me olhando com um sorriso largo de orgulho e alívio no rosto – Eu estava bem nervosa, na verdade. Fiquei com medo de vocês não curtirem.
- Eu falei que eles iam adorar, ficou realmente boa – falei a abraçando de lado. Era um pouco estranho depois do fim de semana que passamos, voltar ao papel de "amigo", mas era só questão de tempo até eu me acostumar.
- Então qual é o problema?
- Não tem nenhum problema – Calum começou – É que, ouvindo a música, dá para perceber que ela foi feita para duas pessoas cantarem.
- Até demos uma passada nela e ficou legal, mas o ideal seria ter uma parceria – Michael tentou embasar o que Calum estava falando.
- Ok, acho que faz sentido.
- Faz todo sentido! – tentei demonstrar entusiasmo. Estávamos nervosos, então todo esforço parecia pouco.
- E vocês pensaram em alguém?
- Pensamos sim – Calum falou, mas parou por aí. Estávamos esperando um grande "não", então ninguém queria fazer a pergunta.
- Seria a pessoa perfeita, na verdade – Ashton endossou a oferta.
- Acho que ninguém se encaixaria melhor – Michael continuou.
- Que ótimo então – ficou nos olhando esperando que alguém concluísse aquela enrolação – Vocês vão me dizer quem é ou vamos ficar nesse mistério todo?
- Você! – Ashton gritou animado, e depois de alguns segundos de silêncio recebeu uma gargalhada como resposta. Ela não estava esperando por aquilo.
- Essa foi boa Ash – falou se recuperando – mas sem brincadeira, quem seria a cantora? – perguntou de novo, mas ninguém falou nada, mudando para uma expressão de choque – Calma aí, vocês estão falando sério?
- A música é sua, quem melhor do que você pra gravar? – Michael falou nos despertando de volta pra nossa missão ali.
- Vocês só podem estar malucos.
- Malucos por quê?! Você canta bem pra caramba, o mostrou pra gente o áudio de vocês.
- Eu não sou cantora!
- Mas podia ser, a sua voz é ótima – Ashton falou. Às vezes, bajulação é um ótimo método de convencimento. Não dessa vez.
- Esquece, não vai rolar – respondeu como um ponto final deixando a sala com o clima de decepção. Eu já esperava por aquilo, mas ainda tinha um fiozinho de esperança, e ela acabara de o cortar.
- , vem cá – Ashton se aproximou dela, a puxando pela mão e a guiando para o sofá – Senta aí – falou se sentando na mesinha de centro em frente a ela – A música é boa, sua voz também, você estaria com a gente te dando todo o apoio do mundo, então qual é o problema? Por que você não quer fazer?
- Sei lá... – falou dando uma pausa e soltando o ar de uma respiração profunda – A minha voz é boa, mas eu não sou cantora, nem quero ser. Tem gente que passa a vida toda esperando por uma oportunidade de conseguir entrar em um estúdio e gravar alguma coisa, aí eu, que nunca nem pensei nisso, vou chegar lá e fazer?
- Você sente que estaria furando a fila...
- Tipo isso, não me parece justo. Eu gosto de cantar, mas não sou profissional. Pode ser bobeira, mas eu não me sentiria bem.
- Não é bobeira – me aproximei para sentar ao seu lado no sofá – muito pelo contrário. Seria mais fácil se você dissesse qualquer outra coisa, aí a gente poderia tentar te convencer.
- Eu tenho a solução! – Ashton gritou na nossa frente – E se a gente não fosse pro estúdio?
- Você quer descartar a música?! – perguntei sem entender nada. A faixa era boa, não queria desistir dela assim.
- Não, claro que não! Só que a gente não precisa gravar em um estúdio para lançá-la.
- Desenvolve, por favor – Calum falou já sem muita paciência.
- Se a ideia é só liberar a música pro público por que ela é boa e não vale a pena colocar na gaveta, a gente pode gravar aqui.
- Você tem um estúdio aqui? – perguntei surpreso.
- Não, caralho! Quer dizer, tenho, mas não é disso que estou falando. A gente ensaia, grava um vídeo e posta, simples assim. Não precisa de nada muito profissional. Quando montamos a banda, era a Stella que gravava nossos vídeos, podemos pedir pra ela nos ajudar a gravar essa também, alguém dá uma editada básica, sem muita frescura, e postamos no canal da banda ou no nosso Instagram.
- É uma boa – Michael falou se animando com a alternativa.
- É mesmo... qualquer um pode escrever uma música e publicar, não seria nada muito elaborado. – Calum completou.
- O que você acha? – continuava quieta do meu lado.
- Vocês têm certeza que não preferem chamar alguma cantora de verdade?
- Absoluta - confirmei segurando sua mão. - E aí, topa?
- Seja o que Deus quiser... eu topo!
A animação foi grande, mas a preocupação em ela desistir era maior ainda. Em algumas horas ligamos pra Stella, arrumamos todos os instrumentos, posicionamos câmeras e uns equipamentos de som e iluminação que o Ashton tinha guardados e ensaiamos algumas vezes. Já estava bem tarde, devia ser quase meia noite e a ainda fez questão de chamar a Julia e a Helena para garantir que elas não iriam surtar quando descobrissem o que estávamos fazendo sem avisá-las.
Estávamos uma pilha de nervos. No caso, eu e a só, por que os caras estavam bem tranquilos, seria só mais uma música. Para mim era um pouco diferente por ser com ela, uma música que tínhamos escrito juntos, e por mais que eu tenha gostado, não dava pra prever a reação dos fãs. Se detonassem o vídeo e o inundassem com comentários negativos, ela ficaria arrasada e eu me sentiria um lixo. Não queria colocá-la nessa situação, mas já não tinha como voltar à trás.
Tomamos alguns shots de gengibre para aquecer as cordas vocais, ela me obrigou a fazer quinze mil exercícios de voz e os caras a checar a afinação dos instrumentos umas vinte vezes. As meninas fizeram alguns discursos inspiracionais, a fazendo morrer de rir e conseguiram descontrair um pouco aquele clima. Todos queriam apoia-la e queríamos que desse tudo certo.
Mas não tinha mais o que fazer pra enrolar. Estava tudo pronto. Ela não queria acreditar, mas estávamos todos prontos. Então, sem mais delongas, a Stella começou a gravar e o Ash bateu as baquetas.
- 5, 6, 7, 8
[https://www.youtube.com/watch?v=gu4Fkyv7TA8]
You touch me and it's almost like we knew
Você me toca e é quase como se soubéssemos
That there will be history between us two
Que haveria história entre nós dois
We knew someday that we would have regrets
Sabíamos um dia que teríamos arrependimentos
But we just ignored them the night we met
Mas nós apenas os ignoramos na noite em que nos conhecemos
We just dance backwards into each other
Nós apenas dançamos de costas um para o outro
Trying to keep our feelings secretly covered
Tentando manter nossos sentimentos secretamente cobertos
You touch me and it's almost like we knew
Você me toca e é quase como se soubéssemos
That there will be history
Que haveria história
There's no way that it's not going there
Mas não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
There's no way that it's not going there
Não tem como não chegarmos lá
Every second with you I want another
Cada segundo com você, eu quero outro
But maybe we can hold off one sec
Mas talvez possamos esperar por um segundo
So we can keep this tension in check
Então poderíamos manter essa tensão sob controle
But there's no way that it's not going there
Não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
I wish I could make the time stop
Eu queria poder fazer o tempo parar
So we could forget everything and everyone
Então poderíamos esquecer tudo e todos
I wish that the time would line up
Eu queria que o tempo se alinhasse
So we could just give in to what we want
Então poderíamos apenas ceder ao que queremos
'Cause when I got somebody, you don't
Porque quando eu estou com alguém, você não está
And when you got somebody, I don't
E quando você está com alguém, eu não estou
I wish that the time would line up
Eu queria que o tempo se alinhasse
So we could just give in
Então nós poderíamos simplesmente ceder
But there's no way that it's not going there
Mas não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
There's no way that it's not going there
Não tem como não chegarmos lá
Every second with you I want another
Cada segundo com você, eu quero outro
But maybe we can hold off one sec
Mas talvez possamos esperar por um segundo
So we can keep this tension in check
Então poderíamos manter essa tensão sob controle
But there's no way that it's not going there
Mas não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
We just dance backwards into each other
Nós apenas dançamos de costas um para o outro
Trying to keep our feelings secretly covered
Tentando manter nossos sentimentos secretamente cobertos
We just dance backwards into each other
Nós apenas dançamos de costas um para o outro
Trying to keep our feelings secretly covered
Tentando manter nossos sentimentos secretamente
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Você me toca e é quase como se soubéssemos
That there would be history
Que haveria história
There's no way that it's not going there
Mas não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
There's no way that it's not going there
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Cada segundo com você, eu quero outro
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Nós apenas continuamos dançando
Right into each other
Direto um para o outro
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Nós apenas continuamos dançando
Right into each other
Direto um para o outro
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Mas nós apenas os ignoramos na noite em que nos conhecemos
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Então poderíamos apenas ceder ao que queremos
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Porque quando eu estou com alguém, você não está
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E quando você está com alguém, eu não estou
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Eu queria que o tempo se alinhasse
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Então nós poderíamos simplesmente ceder
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Tentando manter nossos sentimentos secretamente
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That there would be history
Que haveria história
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Mas não tem como não chegarmos lá
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Com o jeito que estamos olhando um para o outro
There's no way that it's not going there
Não tem como não chegarmos lá
Every second with you I want another
Cada segundo com você, eu quero outro
But maybe we can hold off one sec
Mas talvez possamos esperar por um segundo
So we can keep this tension in check
Então poderíamos manter essa tensão sob controle
But there's no way that it's not going there
Não tem como não chegarmos lá
With the way that we're looking at each other
Com o jeito que estamos olhando um para o outro
We just keep on dancing
Nós apenas continuamos dançando
Right into each other
Direto um para o outro
We just keep on dancing
Nós apenas continuamos dançando
Right into each other
Direto um para o outro
Eu realmente estava muito mudada... quando, em milhões de anos, eu pensaria em postar um vídeo cantando com a Jungle Roots? Nunca na minha vida, de jeito nenhum. Mesmo assim, ali estava eu, sentada no meu sofá com os nervos à flor da pele, sem conseguir dormir por que tínhamos acabado de gravar a música que eu tinha feito com , e agora tínhamos que esperar que fosse editado. A Stella garantiu que seria rápido, tentaria terminar até o fim do dia seguinte, mas a ansiedade era enorme. Mais do que isso, eu estava morrendo de medo de dar errado, dos fãs não gostarem, eu decepcionar a banda, e acabar os prejudicando.
- Eu não acredito que você ainda está acordada – chegou na sala com cara de sono e sentou do meu lado. Quando terminamos de gravar, eu entrei em um misto de excitação e desespero, querendo publicar logo ou apagar o vídeo e desistir daquela ideia maluca, então, em uma tentativa de me acalmar, ele voltou para o meu apartamento comigo. Tivemos que dar uma disfarçada, e ele fingiu que foi pra casa dele, esperou que a Julia e a Helena entrassem em casa, e subiu. Dava um pouquinho de trabalho esconder nossa nova dinâmica, principalmente por causa das minhas vizinhas, mas valia a pena. Meio ombro amigo, meio pinto amigo, e assim eu tinha a pessoa perfeita pra aliviar meu estresse. Ter ele por perto me acalmava.
- Eu que não sei como você consegue dormir tão fácil. Você tem noção que eu posso acabar com a carreira de vocês? Os seus fãs podem não gostar de terem me chamado pra cantar, podem não gostar da música, podem simplesmente não gostar que eu estou na música e descontar em vocês!
- Deixa de ser exagerada! – falou rindo do meu nervosismo – Isso não vai acontecer, coisa linda. Eles gostam de você e mesmo os que não gostam, vão ter que admitir que a música é boa. Sempre vai ter gente criticando, não tem jeito, mas temos que focar em quem nos apoia. Eu tenho certeza que a maioria vai curtir.
- Como? Como tem tanta certeza?
- Por que eu confio no meu gosto musical, e nos meus fãs também.
- São seus fãs, não meus.
- Tudo bem. Mas se eles gostam de mim como falam, eles vão perceber como você me faz bem, e vão gostar de você também – concluiu dando um beijo na minha testa.
- Tomara...
- Vem, vamos dormir – levantou segurando a minha mão pra me tirar do sofá – já são três da manhã, e eu não quero levar mais uma bronca da sua chefe por fazer você faltar ao trabalho.
Ele tinha razão, eu sabia disso, mas era difícil desligar a cabeça e parar de pensar que, em algumas horas, milhões de pessoas teriam acesso a um vídeo meu cantando uma música que eu escrevi, e poderiam julgar e comentar da forma que quisessem. Sem contar que a letra da música era bem particular, então as pessoas interpretariam como bem entendessem e provavelmente iriam jorrar comentários sobre e eu sermos um casal, estarmos mentindo sobre a nossa relação, ou qualquer coisa do tipo. E, dessa vez, nem seria completamente mentira, e eu não estava preparada para lidar com isso.
Em pouco tempo a equipe da Jungle Roots fez uma divulgação pesada da música. Onde quer que olhasse teria uma publicação de "8pm ATENTOS". As fãs ficaram loucas, ninguém sabia do que se tratava, muita gente apostou que seria o álbum novo, e eu só conseguia pensar na decepção que teriam quando vissem o que realmente era.
Como sempre, tentei me afogar em trabalho pra ocupar a cabeça e não passar o dia aflita. Dessa vez não deu tão certo. De dez em dez minutos eu olhava para o relógio do escritório esperando dar oito da noite. Não adiantava, o tempo não estava ao meu favor. passou o dia inteiro me mandando mensagens com memes e figurinhas engraçadas pra tentar aliviar o meu estresse, mas nada adiantava.
Quando o relógio marcou sete horas eu fechei tudo e fui pra casa. A Julia já estava lá me esperando, no meu apartamento inclusive, e a Helena não demorou muito a chegar também.
Os meninos da banda estavam em uma reunião em Santa Bárbara então combinamos de nos falar por vídeo chamada quando desse a hora.
- , você está acabando com as suas unhas – Julia reclamou batendo na minha mão – Para com isso!
- Eu não consigo, amiga.
- Toma isso aqui – Helena falou me entregando um copo com um líquido amarelado dentro. Antes de beber eu cheirei o conteúdo e minhas narinas queimaram com o odor do álcool.
- Que isso Lena? Tá maluca?
- Um shot de vodka de laranja... só pra acalmar os nervos – ela explicou. Eu não estava a fim de beber, até por que o nervosismo era suficiente pra eu vomitar. Mas sem pensar muito virei o copo na boca e senti a bebida descer aquecendo todo o meu corpo.
- Achei muito vacilo eles viajarem e te deixarem aqui sozinha – Julia reclamou enquanto mexia no celular.
- Eles estão trabalhando Ju, não foram passear.
- E não a deixaram sozinha, por acaso, nós duas estamos aqui também - Lena falou os defendendo.
- Não é a mesma coisa. A música é deles, eles insistiram pra ela gravar... deveriam estar aqui pra dar apoio.
- Obrigada pela preocupação, amiga, mas eu estou muito bem só com vocês duas. Não faria sentido eles cancelarem um compromisso de trabalho só pra ficar aqui segurando a minha mão.
Já eram sete e cinquenta quando o meu celular tocou com a solicitação de Ashton para a vídeo chamada.
Oi gatinha!
- Oi Ash, tudo bem por aí?
Por aqui tudo certo, e aí? Nervosa?
- Nervosa é pouco, estou quase infartando.
Oi coisa linda! – apareceu do lado de Ashton – Fica tranquila, vai dar certo.
- A gente já falou isso pra ela umas duzentas vezes , não adianta. – Helena entrou no enquadramento no celular pra participar também – Ela tem certeza que vai estragar a carreira de vocês.
Quanto drama – Calum falou se aproximando junto de Michael – Se você fosse ruim, ou qualquer coisa não estivesse boa, a gente não teria topado liberar a música.
Muito menos estaríamos divulgando como estamos – falou
- Pois é, vocês falaram que não seria nada profissional, só um vídeo simples... Já estão fazendo o maior auê. O meu Twitter tá abarrotado com as suas fãs me perguntando se eu sei qual é a surpresa.
Que bom que elas estão falando com você então, mais um motivo para elas curtirem – Ashton falou
- Vocês estão muito confiantes.
Você devia estar também – disse para me encorajar.
Estão me ligando aqui – Calum falou pegando o celular – Vão postar agora.
- Puta que pariu! Gente ainda dá tempo de desistir... cancela isso
De jeito nenhum – Ashton disse rindo.
– chamou minha atenção – Respira fundo e confia que vai dar certo. E se não der, se ninguém gostar, tudo bem também. A gente está com você, estamos juntos nessa, fica calma.
Mas vai dar certo... vai ser sucesso – Ashton disse atualizando o canal da banda no Youtube.
- E aí? Já publicaram? – Julia perguntou atrás de mim.
- Acho que não – respondi
Publicaram! Já entrou – Michael gritou do outro lado.
Eu nem consegui me mexer, as meninas logo abriram pra assistir, e as visualizações aumentavam exponencialmente, mas eu me sentia anestesiada. Afundei a cabeça na almofada do sofá, e ouvi enquanto elas tocavam a música na caixa de som.
Eu estava em pânico... mas, por enquanto, era um pânico bom.
Capítulo 8
8
Ter aceitado postar um vídeo com a Jungle Roots foi, sem sombra de dúvida, uma das coisas mais absurdas e inconsequentes que eu fiz em toda a minha vida. Com toda a rapidez e excitação em que tudo foi feito, eu não parei em nenhum momento pra pensar em como aquilo era absurdo e, possivelmente, irresponsável da minha parte.
Foi a melhor coisa que eu podia ter feito, caso contrário eu teria desistido.
As últimas semanas foram uma grande loucura. O nosso vídeo teve uma repercussão muito maior do que qualquer um esperava, as visualizações não paravam de aumentar e em três semanas já tinha sido assistido quase 8 milhões de vezes. Isso era completamente bizarro! As pessoas realmente estavam gostando de uma música que eu escrevi e estavam comentando e compartilhando e pedindo mais. O Samuel, empresário da banda, chegou a me ligar, pedindo que eu gravasse uma versão oficial da música, mas eu logo descartei essa possibilidade e, contra tudo que eu pensava sobre profissionais da indústria da música, ele foi bem gentil e entendeu o meu lado. Até me sugeriu mandar uma demo pra ele, caso eu tivesse outras músicas e quisesse vendê-las, mas também não era o caso.
- , larga esse celular, pelo amor de Deus! - Stella pediu já arrancando-o da minha mão.
Depois de tanto tempo de ansiedade, entusiasmo e inquietação, enfim havia chegado a semana do Saturday Night Live, e como a gravação era em Nova Iorque, era lá que os meninos estavam desde de terça feira e, para evitar que minhas amigas tivessem uma crise de abstinência, as chamei pra ficar em casa batendo papo e bebendo vinho, mas dessa vez, sem live e verdade ou consequência.
- Vocês que encheram meu saco pra abrir minha conta no Instagram e socializar mais.
- Socializa com a gente, depois você volta pros seus fãs - Lena falou enchendo as taças.
- Até parece, os fãs são da banda, eu sou, no máximo, um meio mais rápido de chegar a eles.
- E o que você tá achando? - Stella perguntou - Dessa atenção toda, quero dizer.
- Sei lá, tem o lado bom e o lado ruim, acho que pra todo mundo é assim. A maioria das pessoas é bem legal, fazem elogios à música, ou querem me conhecer e pedem para eu aparecer mais vezes, então eu tento responder o máximo de comentários, e a gente conversa minimamente, e isso é ótimo.
- Mas… - Julia falou se aproximando pra sentar nas almofadas da janela.
- Mas… nem todo mundo é tão legal assim.
- Tô ligada - Stella afirmou, sabendo bem do que eu estou falando - A minha sorte é que eu já namorava o Ca antes da banda fazer sucesso, então as fãs pegaram mais leve, eu acho. Mesmo assim, tinham umas que, puta que pariu, era difícil de acreditar.
- Eu não entendo essas coisas - Lena falou meio cabisbaixa - eu sou tão legal com elas, sou super educada e fofa, nunca fiz nada pra irritar ninguém, por que algumas insistem em serem grosseiras e até más?
- Porque elas são surtadas, Lena - Ju explicou sem paciência. - Criam uma fanfic na cabeça de que nós somos o único motivo pra elas não serem as namoradas dos meninos. É um grande delírio coletivo de que elas têm qualquer chance com eles.
- Isso seria uma boa explicação pro caso de vocês, mas o tá solteiro, eu não tenho nada a ver com a desilusão amorosa delas.
- É sério isso? - Julia falou me encarando - Até quando vocês vão ficar nessa palhaçada, fingindo que não está acontecendo nada?
- Eu já falei que…
- , todo mundo sabe que vocês estão se pegando.
- O que? Como assim? Óbvio que não.
- , a gente te conhece - Lena falou sem conseguir conter o sorriso que surgia no canto da boca.
- E eu conheço o - Stella afirmou. - Eu nem lembro a última vez que ele ficou uma semana inteira sem pegar ninguém. Agora, desde que ele voltou da última vez de Nova Iorque, vocês não se desgrudam, é abracinho aqui, piadinhas internas, cochicho por todo canto...
- Vocês são doidas - falei rindo de nervoso. Nossa farsa estava indo de mal a pior. - Não é nada disso.
- , esquece - Julia falou rindo também - Eu até imagino que tenha sido sua ideia manter segredo, mas não rolou, vocês fingem muito mal.
- Vocês que são muito enxeridas - falei já desistindo da mentira.
- Sabia! - Lena gritou animada com a minha confirmação - Mas pra que esconder?
- A gente só não queria que ninguém se metesse, ou que achassem que agora somos um casal.
- E não são?
- Não! É tipo uma amizade colorida, mas sem compromisso. Ele pode ficar com quem quiser, e eu também.
- Podem, mas não ficam - Julia falou debochando.
- Olha quem tá falando! E você e o Ash? Falam que é só sexo, mas vive um enfurnado na casa do outro, se falam todo dia, e são um grude quando se encontram.
- A gente terminou - ela falou curta e grossa.
- Oi?! Como assim?
- Então tinha alguma coisa pra terminar? - Stella perguntou confusa.
- Eu o pedi em namoro.
- O que?! - Falamos em uníssono.
- Mas ele é uma criança, ficou todo nervoso, parecia que eu tinha pedido em casamento.
- Pra ele é quase a mesma coisa - Stella falou tentando defender.
- Ele disse não? - perguntei.
- Não, falou que precisava pensar, que não sabia se conseguia, que estava se sentindo pressionado. Então eu mandei ele ir à merda.
- Julia!
- O que? O cara tem 27 anos na cara e ainda se comporta como uma criança. Falei que queria namorar, que tinha cansado da zoação e ele ficou todo bobo, não conseguia me levar a sério. Não vou obrigá-lo a ficar comigo, mas se ele não quer, com certeza tem quem queira.
- Eu estou chocada de você querer, na verdade - Helena falou expressando a surpresa que eu também estava sentindo.
- Sei lá, eu cansei de ficar com pessoas aleatórias. Já experimentei de tudo, me diverti bastante, e agora não quero mais.
- Por essa eu não esperava, mesmo - falei atônita.
- E você está bem? - Lena perguntou preocupada.
- Estou - falou sem passar muita confiança.
- Amiga, eu sei que é difícil, e eu amo o Ashton, mas você merece alguém que te queira de verdade, e que esteja na mesma página que você. O Ash tá uns capítulos atrasados - falei tentando consolá-la.
- Eu sei, só cansei de esperar que ele me alcance. Não era pra ser.
- Eu sinto muito.
- Ai gente, o clima ficou pesadíssimo - ela falou pegando a garrafa de vinho para servir mais uma taça. - Vamos mudar de assunto, por favor, falar de algo mais animado. A turnê da banda vai começar em algumas semanas e eu queria ir em algum show. O que vocês acham? - ela falou e ficamos um tanto impressionadas com sua capacidade de compartimentação. Ela não queria falar do Ashton, mas da banda tudo bem, inclusive queria ir a um show.
- Acho ótimo - Stella falou quebrando o silêncio.
- Quando começa mesmo? - perguntei
- Acho que dia 14 ou 15 é o primeiro show em Boston.
- Mas podemos ir mais pro final da turnê, quando os shows forem aqui na costa oeste - Helena falou.
- Ou podemos aproveitar pra conhecer algum lugar diferente - Julia sugeriu empolgada. - Nashville, Chicago, Nova Orleans.
- Nova Orleans foi onde tudo começou - Stella falou. - A banda, eu quero dizer. Além de ser a minha cidade, eu posso mostrar tudo pra vocês.
- Eu posso aproveitar e finalmente conhecer meus sogros pessoalmente. - Helena confirmou empolgada. - Você também, , o Michael falou que as mães do já te chamam de nora.
- Ha-ha-ha, muito engraçado, mas elas nem moram mais lá, moram em San Diego.
- E… - Stella falou esperando que eu continuasse.
- E o que? - perguntei sem entender.
- E que você já vai conhecê-las neste fim de semana.
- Como é que é? - Julia perguntou quase pulando do sofá, e a Helena ficou me encarando com os olhos arregalados, esperando uma explicação. - Você vai conhecer a família do e não contou nada pra gente?
- Calma Ju, não tem nada demais. No domingo elas vão comemorar o aniversário de casamento e o me chamou, só isso.
- Vai conhecer os sogros, que chique - Helena falou implicando.
- Vocês são muito bobas.
- Mas falando sério, porque essa aversão toda a um relacionamento sério? - Stella perguntou e eu, involuntariamente, me ajeitei no sofá, demonstrando desconforto.
- O meu último relacionamento acabou há menos de quatro meses e foi meio traumático, então não quero começar outro agora.
- O Calum me contou meio por alto o que aconteceu - ela falou e eu nem fiquei surpresa. Pessoas o suficiente já sabiam de tudo, então a tendência era espalhar ainda mais, e não era como se fosse um segredo, não tinha problema se o ou até minhas amigas tivessem contado, então só dei de ombros.
- Pois é, eu não quero dar mais chance pro azar.
- E ficar com um cara super legal e que claramente te adora é dar sorte pro azar?
- O não tem vontade de ter um relacionamento sério. Ele é muito feliz dormindo com uma garota diferente cada semana, não acho que ele queira mudar isso.
- Mas ele não sai com ninguém desde que vocês começaram a ficar.
- Mesmo assim, agora ele está em Nova Iorque e já me contou que a Natalie também está lá e eles se encontraram.
- Essa garota atravessou o país atrás dele? Puta que pariu, isso que é determinação - Julia falou indignada.
- Ela é modelo, Ju, deve estar trabalhando.
- Mas ele falou que eles dormiram juntos? - Helena perguntou
- Não, ele falou que eles se esbarraram em uma agência onde a banda ia fazer uma sessão de fotos.
- Ah, então não significa nada.
- Mas eu aposto que eles vão se encontrar de novo e a história vai ser outra.
- Duvido - Stella afirmou - O não é burro, já cometeu esse erro uma vez, não vai fazer de novo.
- Só que ele não acha que é um erro, ele é apaixonado por ela. Você mesma já falou que ele tem síndrome de Estocolmo quando se trata dela.
- Mas algo me diz que, para isso, ele já encontrou a cura.
A colaboração da com a Jungle Roots ainda estava dando o que falar e, graças a Deus, de uma forma positiva. Nossas redes sociais estavam lotadas de comentários e críticas positivas, pedindo a gravação oficial, que colocássemos a faixa no próximo álbum e que fizéssemos mais colaborações com ela. Ou seja, só sucesso. O que era um grande alívio considerando o medo que eu estava de o público não reagir bem, o que acabaria fazendo com que se sentisse mal e frustrada. Ao contrário disso, ela estava maravilhada. Eu e Júlia a convencemos a tornar pública sua conta no Instagram para interagir diretamente com o público, ao invés de nós servirmos de ponte entre os dois lados e, como resultado, ela ganhou quase 150 mil seguidores, com quem se divertia percebendo que não era odiada como pensava.
As últimas semanas foram uma correria absurda. Se não bastassem os nossos compromissos e reuniões rotineiras, tínhamos acabado de finalizar o álbum, estávamos afogados em um cronograma de divulgação da pré-venda e do lançamento, sem falar na preparação para a turnê e ainda tivemos os ensaios finais para o Saturday Night Live que acontece hoje. Eu estava exausto.
- Meninos, fiquem paradinhos, por favor - Joan, nossa estilista, pediu enquanto sua equipe tirava nossas medidas.
- Vocês já fizeram isso antes - Ashton reclamou enquanto uma senhora de provavelmente uns 60 anos o abraçava com a fita métrica - precisa mesmo disso tudo?
- Por causa da rotina doida de vocês, as suas medidas mudam rápido - Joan explicou. - Vocês passam semanas fazendo musculação, depois param, emagrecem, engordam, etc, e se vocês não quiserem que uma calça rasgue ou caia no meio do palco, precisamos disso.
- Eu já acabei com as medidas - Calum falou - falta alguma coisa?
- Ca, meu amor, nós acabamos de começar, eu tenho um cabideiro inteiro pra vocês experimentarem e me dizerem o que querem - ela explicou e eu lembrei como eu odeio prova de figurino.
Costumávamos passar horas vestindo roupas com diferentes combinações e acessórios, e nossos figurinos sempre tinham que combinar entre si, então nunca era uma tarefa fácil. Chegamos antes das nove da manhã no ateliê de Joan para garantir que teríamos tempo de fazer tudo com calma, e que conseguiríamos descansar antes da gravação. Mas, surpreendentemente, dessa vez nós concordamos mais facilmente com a escolha das peças, então o processo não demorou tanto quanto imaginávamos.
- Ashton, está tudo bem? - Michael perguntou, e eu percebi o motivo da rapidez na escolha do figurino. Ash estava estranhamente calado.
- Aham - o Ash que eu conheço jamais responde qualquer coisa com apenas uma palavra. Independente da simplicidade da pergunta.
- O que foi, cara? - perguntei.
- Nada. Só tô pensando em uma história aí…
- Que história?
- Aconteceu uma coisa que eu não estava esperando.
- Pelo amor de Deus, não me diz que você engravidou alguém - Calum pediu nervoso baseando-se no passado do nosso amigo.
- O que? Não, nada a ver - ele respondeu e nós respiramos aliviados.
- O que foi então? – Michael perguntou e ele nos encarou por um minuto pensando se devia contar.
- A Julia me pediu em namoro - falou em um suspiro e se instaurou um silêncio profundo no ateliê. Ninguém estava esperando por aquilo.
- A Julia te pediu em namoro? Tem certeza que você não entendeu errado? - perguntei.
- Ela falou "quer namorar comigo?", não deixou muito espaço para interpretações.
- E o que você respondeu?
- Nada. Quer dizer, eu falei que não sabia, que precisava pensar, mas ela ficou puta e foi embora.
- Ela te pediu em namoro, Ashton, você pedir pra pensar não é uma boa resposta - Calum tentou explicar.
- E o que eu deveria ter feito? Eu não curto esse negócio de coleira.
- Deixa de ser idiota, não tem nada de coleira - respondi dando um tapa no topo da cabeça dele - Você não gosta dela?
- Gosto.
- Então qual é o problema?
- Sei lá, não tem problema, mas eu fiquei nervoso. De onde ela tirou essa ideia? A gente estava tão bem sem compromisso.
- Se ela teve essa ideia, é por que ela não estava tão bem quanto você achava - Michael justificou.
- Posso dar uma opinião? - Joan pediu se aproximando.
- Por favor - Ash respondeu.
- Conversa com ela. Vocês homens tem essa mania irritante de ficar criando suposições sobre o que a gente pensa ou deixa de pensar, e tiram suas próprias conclusões antes de falar com a gente.
- Ela foi embora, puta da vida, antes de eu conseguir falar qualquer coisa.
- Ashton, eu te conheço. Você tem a idade emocional de um pré-adolescente, deve ter ficado todo bobo, tentando fazer alguma piada com a situação e ela ficou irritada. Tudo bem se você não quiser namorar, mas mantenha em mente que se você não quiser, ela vai achar alguém que queira.
O conselho foi para o Ashton mas ficou rodeando a minha cabeça durante o dia todo. O que ela quis dizer com "Vocês homens"? Eu não era assim. Minha relação com a estava muito definida e, o que não faltava pra gente era conversa, estava tudo transparente. Ela deixou seus desejos e suas intenções bem claras e eu também, não tinha espaço para dúvidas. Mesmo assim, eu não conseguia pensar em outra coisa.
Ela já cansou de me falar sobre a vontade dela de ficar solteira e sua descrença em relacionamentos sérios, mas nós não tínhamos parados pra esclarecer como ela chegou a esse ponto, ou se ela realmente pretendia nunca mais se envolver emocionalmente com alguém. Será que o seu quase casamento tinha lhe causado um dano tão grande ao ponto de fazê-la desistir do que era um dos seus maiores sonhos? Será que no fundo no fundo ela não mantinha essa vontade intacta, apenas guardada para uma ocasião especial, uma pessoa especial?
Relacionamentos tendem a deixar marcas nas pessoas. Não apenas os românticos, mas também os familiares e as amizades que passam pelas nossas vidas. A partir deles nós nos tornamos quem somos, construindo barreiras a partir de traumas e sonhos a partir de êxitos e motivações. Naturalmente, todos carregamos cicatrizes e frustrações, mas eu sempre achei importante conseguir separar as coisas e garantir que, qualquer experiência passada não seja decisiva para me impedir de continuar tentando atingir meus objetivos.
Só Deus sabe a quantidade de relacionamentos merdas eu já tive, e nada disso me impediu de continuar tentando, nunca se sabe o que acharemos depois da próxima curva. A própria foi uma surpresa que eu nunca esperei. Amizades femininas não eram o meu forte, nunca tive grandes crenças sobre isso, mesmo assim, aqui estamos, firmes e fortes e cada vez mais próximos.
Falando nela…
- Oi, coisa linda - falei atendendo a chamada de vídeo.
Oi, bonito! Onde você está?
- Acabamos de chegar nos estúdios do Rockefeller Center.
Que chique! Mas não está muito cedo pra isso? Ainda são seis horas.
- Aqui já são nove. Temos que fazer a checagem de som, além da parte de maquiagem e figurino, e isso demora um pouquinho.
Verdade, e como você está?
- Uma pilha de nervos. Todos estamos.
Imagino, mas vai dar tudo certo. Só liguei pra desejar boa sorte e dizer que nós vamos assistir daqui, e que eu tenho certeza que vai ser incrível.
- Sabia que você é maravilhosa?
Eu sei - ela falou rindo.
- Quem é? - Ashton perguntou se aproximando e pegando o celular da minha mão. - Oi , tudo bem por aí?
Tudo ótimo.
- Ah, que bom - ele falou e deu uma pausa sem saber como continuar.
- Ele quer saber como a Julia está - falei pegando o meu celular de volta, mas ele se espremeu do meu lado pra se manter no enquadramento.
- Eu não falei isso!
Ela está bem, Ash - respondeu rindo, pro alívio do meu baterista. - Mais tarde ela vem aqui pra casa e vamos assistir ao programa juntas.
- Ela ainda está muito brava?
Acho que "brava" não é a palavra - ela respondeu - Por que você não liga pra ela? Acho que ela iria gostar.
- Será?
Você só vai saber se tentar… - ela respondeu e ele saiu revirando os olhos - Eu acho melhor a gente desligar pra você não se atrasar.
- Sim, senhora. O meu voo amanhã é às 9h da manhã daqui, então eu devo chegar aí umas 11h30 daí. Eu vou passar em casa pra pegar as minhas coisas, e depois passo aí pra te buscar.
- A Jane deixou as suas coisas aqui já.
- A Jane? Como ela sabe o seu endereço?
Eu não sei se você já ouvir falar nessa tecnologia nova chamada celular.
- Engraçadinha, eu não sabia que as madames tinham trocado contatos e se falavam sem a minha presença.
Você não sabe de nada, bobo.
- Estou percebendo.
Beijo e boa sorte hoje aí.
Os bastidores do Saturday Night Live eram completamente diferentes de qualquer coisa que eu já tinha vivenciado. Nos nossos videoclipes, a banda é a estrela, o prato principal, então tudo acontece no nosso tempo, depende da gente e da nossa vontade. Aqui não. As coisas funcionam como uma grande fábrica, que está em constante movimento e é composta de diversos segmentos e peças que precisam estar em perfeita sincronia para tudo acontecer perfeitamente. No caminho até o estúdio, percebi uma quantidade enorme de pessoas que trabalham para o show ir ao ar e, como isso é um prédio, as pessoas que eu vi são apenas uma pequena parcela do todo.
Tudo funciona como uma espécie de caos organizado fundamentado a partir de barulhos e gritarias e uma movimentação intensa da equipe e dos seus equipamentos, mas, parando para observar por alguns minutos, percebo que até na bagunça, eles têm uma ordem e caminham em um ritmo quase ensaiado, garantindo que tudo se encaixe no seu tempo e no seu lugar. Agora, eu e a banda nos juntamos a eles como mais uma engrenagem que vai fazer essa fábrica entregar o seu produto final. Isso poderia me acalmar, mas só me estressa ainda mais. Basta um errinho e jogamos o esforço dessa galera toda no lixo.
Chegamos duas horas e meia antes do show começar, mas o tempo passou absurdamente rápido e em quase um piscar de olhos eles avisaram que a plateia do ao vivo já estava entrando, o que significava que agora faltavam apenas trinta minutos pra tudo começar.
John Krasinski era o apresentador da noite. Ele passou no nosso camarim para nos cumprimentar e eu confesso que quase mijei nas calças. Eu era muito fã de The Office, e ele era sensacional. Sem contar que é marido da Emily Blunt. Meta da minha vida.
- Todo mundo bem? Todo mundo tranquilo? - Samuel entrou no camarim para falar com a gente antes de tudo começar.
- Tranquilo acho que é impossível - Ashton respondeu. - Ninguém vomitou, o que eu acho uma vitória.
- Ótimo. Fiquem calmos, vocês ensaiaram pra caramba, então vai dar tudo certo. Vocês já fizeram isso antes, é só mais um programa de TV.
- Não exagera - respondi terminando minha segunda garrafa d'água.
- Credo, gente, parece que vocês estão indo pra forca. Achei que estariam mais empolgados.
- E estamos! Muito! Mas isso daqui não é brincadeira - Michael falou já suando de nervoso. - São três quadros com papéis completamente diferentes, mudança de figurinos, atores de verdade e ainda vamos ter que nos apresentar. Eu tô quase passando mal.
- Se controla Mike, pelo amor - Calum falou respirando fundo.
- Fiquem calmos - Samuca pediu rindo do nosso nervosismo - Depois eu ainda organizei uma festinha pra vocês comemorarem. Vai valer a pena.
- O Samuca tá certo. É óbvio que isso é diferente e a pressão é grande, mas a gente ensaiou pra cacete, vai dar tudo certo. Eu acredito na gente, vai dar certo - Calum completou.
Dito e feito.
Os três sinais tocaram, as cortinas se abriram, a música de abertura tocou e o show começou. Nosso nervosismo se juntou ao dos outros artistas que também participaram do programa, e funcionou com um combustível para que a nossa energia se unisse na mesma frequência e desse vida ao espetáculo. Mesmo depois de todos os ensaios, ainda era engraçado olhar para o lado e ver a Rebel Wilson ou o Kenan Thompson. Eram pessoa que eu sempre admirei e me divertia com os seus trabalhos e agora estávamos juntos no palco arrancando gargalhadas da plateia. Em todo o momento eu tinha vontade de rir dos textos ou das minhas próprias piadas e tinha que me segurar.
As trocas de figurino eram tão rápidas quanto um pit stop de fórmula 1. Os movimentos dos assistentes já eram ensaiados e coordenados para nos ajudar a sair de uma roupa e entrar em outra. Ao mesmo tempo, se aproximavam cabeleireiros e maquiadores para nos arrumar para o próximo segmento e, em alguns minutos, éramos jogados no cenário seguinte para mais uma apresentação.
Foi a maior loucura de toda a minha vida. E no final, a sensação de olhar pros meus amigos e ver a satisfação, o orgulho e os sorrisos arregaçados de orelha a orelha, foi incomparável a qualquer coisa que eu já tenha sentido.
- Um brinde à gente - Ashton falou entregando um copo de shot para cada um. Tequila.
- Arriba, abajo, al centro y adentro! - falamos juntos antes de virarmos. A graça da tequila era o efeito mesmo, por que o gosto... puta que pariu, muito ruim.
- Mais um! - Ele gritou empolgado.
- Calma, Ash. Um tá bom pra começar, mais tarde tomamos outro - Michael falou tentando acalmar nosso amigo. - Não vai dar vexame, hein.
- Dessa vez não tem nenhuma pra te salva – falei rindo.
- Não tem , mas tem eu - Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar, mas não estava a esperando aqui. Natalie parou atrás de mim e me envolveu com os braços.
- Ai, não acredito. Quem foi que te chamou? - Ashton perguntou sem nenhum pudor, e os outros deixaram escapar o riso.
- Pode ficar tranquilo que eu não vim por você - Natalie falou segurando meu rosto para me dar um beijo. Eu não recusei nem me afastei, mas também não tive vontade de retribuir.
- Eu não sabia que você vinha - falei sem graça, e meus amigos se afastaram um pouco para nos deixar sozinhos.
- Eu quis fazer uma surpresa. Fiquei sabendo que você estava aqui em Nova Iorque e que ia rolar uma festinha hoje. Só não entendi o que aconteceu com o meu convite.
- Eu nem sabia que ia rolar festa, na verdade. Depois do SNL de hoje, o Samuel achou que merecíamos uma comemoração.
- E quando vai ao ar?
- Foi hoje, é ao vivo. Eu já tinha falado sobre isso com você, você não assistiu?
- Desculpa, gato, eu tenho estado completamente atolada com as minhas últimas campanhas, esqueci completamente - ela falou e eu não fiquei surpreso, mas talvez um pouco decepcionado. - Mas eu estou aqui pra comemorar com você, podemos comemorar a noite toda - completou beijando o meu pescoço.
- Não vai dar - falei me afastando de leve - o meu voo de volta pra Los Angeles é amanhã cedo, não vou poder ficar muito.
- Você vai recusar uma festa? - ela perguntou mostrando estar ofendida - Troca o horário do voo. Eu pensei que podíamos passar o dia juntos amanhã.
- Não posso. Eu tenho compromisso.
- Amanhã é domingo e vocês estão dando uma festa hoje. Que tipo de compromisso inadiável é esse? - a Natalie tinha um jeito de se colocar como prioridade na minha vida a todo tempo, então ser dispensada era algo completamente fora do habitual, e ela não aceitava bem.
- Amanhã é o aniversário de casamento das minhas mães e vai ter uma festa. Eu vou pra San Diego.
- Eu nem sabia que elas eram casadas.
- Não oficialmente, no papel, até porque o casamento gay não era legalizado, mas elas comemoram a data que elas foram morar juntas
. - Aah, então não conta.
- Como assim "não conta"? - perguntei a encarando incrédulo - É claro que conta.
- Elas não são casadas de verdade, não são bodas, não precisava de festa.
- Natalie, quando a gente namorava, você gostava de comemorar cada mês, mas as minhas mães, que estão juntas há 30 anos, você acha que não precisam comemorar?
- Elas podem comemorar, mas fazer uma festa é meio exagero, não acha?
- Não, definitivamente não acho - Dentre todos os assuntos dos quais podíamos conversar, esse era um que eu não gostaria que estivesse na lista. Natalie tinha esse preconceito incubado em que garantia que não era preconceituosa, mas… Esse "mas" matava.
- Tudo bem, eu sei que esse é um assunto delicado pra você.
- Não é delicado, só não gosto quando alguém acha que o amor delas ou o direito delas de celebrarem essa união é desnecessário. É extremamente necessário.
- Já entendi - eu sabia que ela não tinha entendido porra nenhuma. - E se eu fosse com você?
- Pra San Diego? - quase engasguei com a minha bebida.
- Exatamente.
- Por quê?
- Pra eu ver as suas mães, ué. Dar os meus parabéns, posso até comprar um presente - ela só podia estar brincando.
- Acho melhor não, vocês nunca se deram muito bem.
- A Olívia nunca me deu abertura, eu sei que ela não gosta de mim.
- Ela tinha os motivos dela.
- Mas essa seria a oportunidade perfeita pra isso mudar.
- A gente nem namora mais, Nat. Não precisa.
- Você sempre falou que elas querem conhecer mais as pessoas que fazem parte da sua vida. Essa seria uma boa chance para elas me conhecerem melhor.
- Não vai dar.
- Por que não? - eu contei até um milhão, respirei fundo e pensei bem antes de abrir a boca, mas não tinha como fugir da resposta. Cheguei a olhar para os lados procurando meus amigos para me salvarem, mas eles, como bons telespectadores, só queriam observar a tragédia, sem interferir.
- A vai comigo.
- Como é que é?! - ela bateu com a taça que segurava na mesa deixando o líquido respingar pra todo lado e, a conversa que acontecia de forma tão civilizada, começou a ir por água abaixo
- A vai comigo - repeti com calma, tentando manter o tom de voz baixo.
- Eu ouvi da primeira vez, só não estou acreditando nessa palhaçada. Vocês estão namorando?!
- Não, eu já te falei que não.
- Então por que você ela vai com você no aniversário de casamento das suas mães?
- As minhas mães que a convidaram, elas querem conhecê-la.
- Aah, isso fica cada vez melhor.
- Natalie, não tem nada demais.
- É claro que tem! É um aniversário de casamento, é uma data importante, onde pessoas importantes vão estar reunidas.
- Você acabou de falar que é um exagero.
- Você não pode levar essa interesseira!
- Desculpa Nat, mas ela vai comigo.
- Você está escolhendo ela à mim?
- Não tem "escolha", nós não estamos mais juntos e você nunca teve uma boa relação com a minha mãe, eu não tinha motivo pra te chamar.
- Mas agora eu estou falando que quero ir, então avisa pra essa que a vaga do banco do carona não está mais disponível.
- A vaga do banco do carona nunca esteve disponível. A vai comigo.
- Então você está escolhendo e essa escolha vai ser definitiva. Eu não vou ficar disputando você com ninguém. É ela ou eu.
- Como eu disse, não tem "escolha". - Falei calmamente e os olhos dela se arregalaram ainda mais ao se dar conta do que tinha acabado de acontecer.
- O que foi isso que eu acabei de presenciar? - Michael perguntou se aproximando novamente enquanto Natalie batia os pés ao se afastar.
- Nem eu sei.
- Mas eu sei - Ashton falou fazendo um coração com a mão - se chama "efeito ".
- Lá vem… não pira, Ashton, não tem nada a ver.
- Eu sou obrigado a concordar com o Ash - Calum falou se juntando a nós. - Dessa você não consegue escapar, cara.
- A gente já sabe que vocês estão se pegando - Ashton afirmou.
- Que? De onde você tirou isso? - falei forçando a maior surpresa possível.
- A Julia e a Helena são vizinhas da , vocês realmente acharam que elas nunca viram você chegando à noite ou indo embora de manhã? - Michael falou rindo do meu fracasso.
- Acho que elas estão vendo coisa onde não tem - última tentativa.
- , esquece, a gente já sabe. Vocês não disfarçam nada bem - Calum falou e eu joguei a cabeça pra trás em desistência.
- E esse pé na bunda que você deu na Natalie, só confirmou - Ashton completou.
- Não foi um pé na bunda.
- Aah, foi sim. E belíssimo por sinal, gostei de ver.
- Eu acho que só estava insistindo em uma coisa torta, que não tinha mais pra onde ir.
- Você acha? - Michael perguntou rindo. - A gente te fala isso há anos e você nunca deu ouvidos.
- Mas bastou uma nova paixão bater na porta, que tudo ficou mais claro - Calum falou debochando.
- Já começaram a viajar. Não tem nada de paixão.
- Aham, continua repetindo isso até você acreditar.
Ele estava certo, mas eu ia continuar repetindo.
O programa foi um sucesso. Muito divertido, muito engraçados, os convidados da semana foram incríveis e a Jungle Roots arrasou em tudo que fez. Eles mandaram muito bem, e nós morremos de rir.
- Eu estou realmente impressionada - falei pra Helena e Julia - eu não estava esperando que fosse ser tão bom.
- Nem eu - Lena concordou.
- Pois é, dizem que comédia é uma das coisas mais difícil de fazer, mas eles se saíram muito bem. Ainda tinha plateia ao vivo.
- Eu falei com o antes do programa, ele estava muito nervoso. Que bom que deu tudo certo.
- Sim, o Michael também estava uma pilha de nervos. Todos deviam estar.
- E você, Ju? Falou com o Ashton? - perguntei tentando ser o menos invasiva possível.
- Ele me ligou.
- E…
- Ele pediu desculpas pelo nosso fracasso de conversa, e pediu pra gente conversar quando ele voltar.
- Que bom, então - Helena falou, mas a cara da Julia não parecia concordar. - Não é bom?
- Sei lá. Eu quero conversar com ele, mas não sei mais se essa história de namoro é uma boa.
- Como assim, doida? Você estava falando ontem mesmo que tinha cansado da farra, mudou de ideia rápido assim? - perguntei.
- Não. Mas eu não sei se o Ash é a melhor pessoa pra isso.
- Ju, você gosta dele.
- Gosto, mas isso não é o suficiente. Eu não acho que ele queira um relacionamento sério, e fico com medo de forçar a barra e estragar tudo. De repente é melhor sermos só amigos mesmo.
- Não sei se funciona assim - Helena opinou.
- Eu também não, mas vamos esperar ele voltar pra descobrir - ela respondeu meio desanimada.
- Mas e você, Ali… animada pra conhecer seus sogros?
- Sogras, né? - Julia corrigiu - O tem duas mães.
- Sim, mas não são minhas sogras e eu acho que o pai dele também vai estar lá.
- Reunião de família é coisa séria - a Julia estava louca para implicar comigo.
- Vocês estão dando mais importância a esse encontro do que a gente.
- Me explica mais uma vez por que você e o não assumem esse relacionamento de uma vez - Helena pediu.
- Porque não tem relacionamento pra assumir. Nós somos amigos independente dos parênteses. Estamos bem assim.
- Posso te perguntar uma coisa? - Julia começou e eu assenti - Não fica chateada, mas você ainda gosta do Derek? Ainda o ama? - a pergunta me pegou completamente desprevenida e eu nem sabia o que responder.
- Não sei - respondi tentando ser o mais sincera possível, tanto com elas, quanto comigo.- Eu ainda penso nele de vez em quando, é meio inevitável.
- E o que você sente? - Helena perguntou.
- Raiva?
- Um pouco, mas é mais tristeza, decepção. De vez em quando eu sinto saudade. A nossa história foi muito maior do que o jeito que ela acabou. Foi o meu maior sonho. O Derek era o meu sonho.
- E o ? - Julia perguntou curiosa e eu não pude deixar de sorrir.
- O com certeza não foi um sonho, foi mais uma lambança de cerveja no meu vestido favorito - falei rindo.
- E o que você sente por ele? - Helena perguntou me fazendo revirar os olhos. - Falando sério. Ele pode não ser o príncipe encantado dos seus sonhos, mas é quem está sempre com você.
era uma pessoa muito complexa pra ser explicada em palavras.
Se os meus sentimentos por Derek surgiram dos meus sonhos, o que sinto por surgiu de suas ações. Ele nunca foi exatamente um príncipe, mas do seu jeitinho pouco convencional e sem muitos filtros, me tratava como uma princesa, me apoiou a cada momento que precisei e respeitou meus limites ao mesmo tempo que os desafiava e me forçava a fazer o mesmo.
Não nego os meus sentimentos por ele, mas no momento eu preciso de estabilidade e, por mais que todos quisessem me convencer do contrário, eu não acreditava que queria o mesmo. Quem queríamos enganar? Eu podia dizer quantas vezes fosse que nunca mais me envolveria com ninguém, e que eu queria viver a vida de solteira, cair da farra e não me apaixonar mais, mas essa não era a minha realidade. No fundo, no fundo, eu sabia disso. Da mesma forma que podia dizer que conseguiria ter um relacionamento sério, se comprometer e ser fiel e que, só não aconteceu antes, por que ele não encontrou a pessoa certa, mas essa não era a realidade dele. No fundo, no fundo, ele sabia disso.
- Amores, eu combinei de encontrar um cliente amanhã cedo, então acho melhor eu ir dormir - Julia falou já se levantando.
- Amanhã é domingo! - reclamei.
- É, mas ele viaja muito durante a semana, e a esposa dele trabalha aos sábados, então amanhã era o único dia que os dois podiam me encontrar pra ver o projeto.
- Eu também vou indo - Helena falou enquanto deixava nossas taças na pia da cozinha.
- Sério isso?
- Eu estou cansada amiga, tô trabalhando feito uma corna, preciso dormir.
- Isso tudo é desculpa pra eu lavar a louça sozinha.
- Eu lavo, coisa chata - Julia falou se arrastando em direção a pia, e eu não me opus.
- Vou ligar a água da banheira, então. Aproveitar que vocês estão me abandonando, e tomar um banho bem relaxante - falei as deixando pra trás enquanto riam do meu drama.
Foram menos de cinco minutos do momento que eu saí da sala até voltar, mas o ambiente estava completamente diferente. A campainha tinha tocado e Julia atendeu. Minhas amigas encaravam a pessoa no corredor com incredulidade.
- Quem é? - perguntei, mas as duas continuaram em silêncio. Então, a voz no corredor se aproximou da porta me encarando.
- Posso entrar?
Ter aceitado postar um vídeo com a Jungle Roots foi, sem sombra de dúvida, uma das coisas mais absurdas e inconsequentes que eu fiz em toda a minha vida. Com toda a rapidez e excitação em que tudo foi feito, eu não parei em nenhum momento pra pensar em como aquilo era absurdo e, possivelmente, irresponsável da minha parte.
Foi a melhor coisa que eu podia ter feito, caso contrário eu teria desistido.
As últimas semanas foram uma grande loucura. O nosso vídeo teve uma repercussão muito maior do que qualquer um esperava, as visualizações não paravam de aumentar e em três semanas já tinha sido assistido quase 8 milhões de vezes. Isso era completamente bizarro! As pessoas realmente estavam gostando de uma música que eu escrevi e estavam comentando e compartilhando e pedindo mais. O Samuel, empresário da banda, chegou a me ligar, pedindo que eu gravasse uma versão oficial da música, mas eu logo descartei essa possibilidade e, contra tudo que eu pensava sobre profissionais da indústria da música, ele foi bem gentil e entendeu o meu lado. Até me sugeriu mandar uma demo pra ele, caso eu tivesse outras músicas e quisesse vendê-las, mas também não era o caso.
- , larga esse celular, pelo amor de Deus! - Stella pediu já arrancando-o da minha mão.
Depois de tanto tempo de ansiedade, entusiasmo e inquietação, enfim havia chegado a semana do Saturday Night Live, e como a gravação era em Nova Iorque, era lá que os meninos estavam desde de terça feira e, para evitar que minhas amigas tivessem uma crise de abstinência, as chamei pra ficar em casa batendo papo e bebendo vinho, mas dessa vez, sem live e verdade ou consequência.
- Vocês que encheram meu saco pra abrir minha conta no Instagram e socializar mais.
- Socializa com a gente, depois você volta pros seus fãs - Lena falou enchendo as taças.
- Até parece, os fãs são da banda, eu sou, no máximo, um meio mais rápido de chegar a eles.
- E o que você tá achando? - Stella perguntou - Dessa atenção toda, quero dizer.
- Sei lá, tem o lado bom e o lado ruim, acho que pra todo mundo é assim. A maioria das pessoas é bem legal, fazem elogios à música, ou querem me conhecer e pedem para eu aparecer mais vezes, então eu tento responder o máximo de comentários, e a gente conversa minimamente, e isso é ótimo.
- Mas… - Julia falou se aproximando pra sentar nas almofadas da janela.
- Mas… nem todo mundo é tão legal assim.
- Tô ligada - Stella afirmou, sabendo bem do que eu estou falando - A minha sorte é que eu já namorava o Ca antes da banda fazer sucesso, então as fãs pegaram mais leve, eu acho. Mesmo assim, tinham umas que, puta que pariu, era difícil de acreditar.
- Eu não entendo essas coisas - Lena falou meio cabisbaixa - eu sou tão legal com elas, sou super educada e fofa, nunca fiz nada pra irritar ninguém, por que algumas insistem em serem grosseiras e até más?
- Porque elas são surtadas, Lena - Ju explicou sem paciência. - Criam uma fanfic na cabeça de que nós somos o único motivo pra elas não serem as namoradas dos meninos. É um grande delírio coletivo de que elas têm qualquer chance com eles.
- Isso seria uma boa explicação pro caso de vocês, mas o tá solteiro, eu não tenho nada a ver com a desilusão amorosa delas.
- É sério isso? - Julia falou me encarando - Até quando vocês vão ficar nessa palhaçada, fingindo que não está acontecendo nada?
- Eu já falei que…
- , todo mundo sabe que vocês estão se pegando.
- O que? Como assim? Óbvio que não.
- , a gente te conhece - Lena falou sem conseguir conter o sorriso que surgia no canto da boca.
- E eu conheço o - Stella afirmou. - Eu nem lembro a última vez que ele ficou uma semana inteira sem pegar ninguém. Agora, desde que ele voltou da última vez de Nova Iorque, vocês não se desgrudam, é abracinho aqui, piadinhas internas, cochicho por todo canto...
- Vocês são doidas - falei rindo de nervoso. Nossa farsa estava indo de mal a pior. - Não é nada disso.
- , esquece - Julia falou rindo também - Eu até imagino que tenha sido sua ideia manter segredo, mas não rolou, vocês fingem muito mal.
- Vocês que são muito enxeridas - falei já desistindo da mentira.
- Sabia! - Lena gritou animada com a minha confirmação - Mas pra que esconder?
- A gente só não queria que ninguém se metesse, ou que achassem que agora somos um casal.
- E não são?
- Não! É tipo uma amizade colorida, mas sem compromisso. Ele pode ficar com quem quiser, e eu também.
- Podem, mas não ficam - Julia falou debochando.
- Olha quem tá falando! E você e o Ash? Falam que é só sexo, mas vive um enfurnado na casa do outro, se falam todo dia, e são um grude quando se encontram.
- A gente terminou - ela falou curta e grossa.
- Oi?! Como assim?
- Então tinha alguma coisa pra terminar? - Stella perguntou confusa.
- Eu o pedi em namoro.
- O que?! - Falamos em uníssono.
- Mas ele é uma criança, ficou todo nervoso, parecia que eu tinha pedido em casamento.
- Pra ele é quase a mesma coisa - Stella falou tentando defender.
- Ele disse não? - perguntei.
- Não, falou que precisava pensar, que não sabia se conseguia, que estava se sentindo pressionado. Então eu mandei ele ir à merda.
- Julia!
- O que? O cara tem 27 anos na cara e ainda se comporta como uma criança. Falei que queria namorar, que tinha cansado da zoação e ele ficou todo bobo, não conseguia me levar a sério. Não vou obrigá-lo a ficar comigo, mas se ele não quer, com certeza tem quem queira.
- Eu estou chocada de você querer, na verdade - Helena falou expressando a surpresa que eu também estava sentindo.
- Sei lá, eu cansei de ficar com pessoas aleatórias. Já experimentei de tudo, me diverti bastante, e agora não quero mais.
- Por essa eu não esperava, mesmo - falei atônita.
- E você está bem? - Lena perguntou preocupada.
- Estou - falou sem passar muita confiança.
- Amiga, eu sei que é difícil, e eu amo o Ashton, mas você merece alguém que te queira de verdade, e que esteja na mesma página que você. O Ash tá uns capítulos atrasados - falei tentando consolá-la.
- Eu sei, só cansei de esperar que ele me alcance. Não era pra ser.
- Eu sinto muito.
- Ai gente, o clima ficou pesadíssimo - ela falou pegando a garrafa de vinho para servir mais uma taça. - Vamos mudar de assunto, por favor, falar de algo mais animado. A turnê da banda vai começar em algumas semanas e eu queria ir em algum show. O que vocês acham? - ela falou e ficamos um tanto impressionadas com sua capacidade de compartimentação. Ela não queria falar do Ashton, mas da banda tudo bem, inclusive queria ir a um show.
- Acho ótimo - Stella falou quebrando o silêncio.
- Quando começa mesmo? - perguntei
- Acho que dia 14 ou 15 é o primeiro show em Boston.
- Mas podemos ir mais pro final da turnê, quando os shows forem aqui na costa oeste - Helena falou.
- Ou podemos aproveitar pra conhecer algum lugar diferente - Julia sugeriu empolgada. - Nashville, Chicago, Nova Orleans.
- Nova Orleans foi onde tudo começou - Stella falou. - A banda, eu quero dizer. Além de ser a minha cidade, eu posso mostrar tudo pra vocês.
- Eu posso aproveitar e finalmente conhecer meus sogros pessoalmente. - Helena confirmou empolgada. - Você também, , o Michael falou que as mães do já te chamam de nora.
- Ha-ha-ha, muito engraçado, mas elas nem moram mais lá, moram em San Diego.
- E… - Stella falou esperando que eu continuasse.
- E o que? - perguntei sem entender.
- E que você já vai conhecê-las neste fim de semana.
- Como é que é? - Julia perguntou quase pulando do sofá, e a Helena ficou me encarando com os olhos arregalados, esperando uma explicação. - Você vai conhecer a família do e não contou nada pra gente?
- Calma Ju, não tem nada demais. No domingo elas vão comemorar o aniversário de casamento e o me chamou, só isso.
- Vai conhecer os sogros, que chique - Helena falou implicando.
- Vocês são muito bobas.
- Mas falando sério, porque essa aversão toda a um relacionamento sério? - Stella perguntou e eu, involuntariamente, me ajeitei no sofá, demonstrando desconforto.
- O meu último relacionamento acabou há menos de quatro meses e foi meio traumático, então não quero começar outro agora.
- O Calum me contou meio por alto o que aconteceu - ela falou e eu nem fiquei surpresa. Pessoas o suficiente já sabiam de tudo, então a tendência era espalhar ainda mais, e não era como se fosse um segredo, não tinha problema se o ou até minhas amigas tivessem contado, então só dei de ombros.
- Pois é, eu não quero dar mais chance pro azar.
- E ficar com um cara super legal e que claramente te adora é dar sorte pro azar?
- O não tem vontade de ter um relacionamento sério. Ele é muito feliz dormindo com uma garota diferente cada semana, não acho que ele queira mudar isso.
- Mas ele não sai com ninguém desde que vocês começaram a ficar.
- Mesmo assim, agora ele está em Nova Iorque e já me contou que a Natalie também está lá e eles se encontraram.
- Essa garota atravessou o país atrás dele? Puta que pariu, isso que é determinação - Julia falou indignada.
- Ela é modelo, Ju, deve estar trabalhando.
- Mas ele falou que eles dormiram juntos? - Helena perguntou
- Não, ele falou que eles se esbarraram em uma agência onde a banda ia fazer uma sessão de fotos.
- Ah, então não significa nada.
- Mas eu aposto que eles vão se encontrar de novo e a história vai ser outra.
- Duvido - Stella afirmou - O não é burro, já cometeu esse erro uma vez, não vai fazer de novo.
- Só que ele não acha que é um erro, ele é apaixonado por ela. Você mesma já falou que ele tem síndrome de Estocolmo quando se trata dela.
- Mas algo me diz que, para isso, ele já encontrou a cura.
A colaboração da com a Jungle Roots ainda estava dando o que falar e, graças a Deus, de uma forma positiva. Nossas redes sociais estavam lotadas de comentários e críticas positivas, pedindo a gravação oficial, que colocássemos a faixa no próximo álbum e que fizéssemos mais colaborações com ela. Ou seja, só sucesso. O que era um grande alívio considerando o medo que eu estava de o público não reagir bem, o que acabaria fazendo com que se sentisse mal e frustrada. Ao contrário disso, ela estava maravilhada. Eu e Júlia a convencemos a tornar pública sua conta no Instagram para interagir diretamente com o público, ao invés de nós servirmos de ponte entre os dois lados e, como resultado, ela ganhou quase 150 mil seguidores, com quem se divertia percebendo que não era odiada como pensava.
As últimas semanas foram uma correria absurda. Se não bastassem os nossos compromissos e reuniões rotineiras, tínhamos acabado de finalizar o álbum, estávamos afogados em um cronograma de divulgação da pré-venda e do lançamento, sem falar na preparação para a turnê e ainda tivemos os ensaios finais para o Saturday Night Live que acontece hoje. Eu estava exausto.
- Meninos, fiquem paradinhos, por favor - Joan, nossa estilista, pediu enquanto sua equipe tirava nossas medidas.
- Vocês já fizeram isso antes - Ashton reclamou enquanto uma senhora de provavelmente uns 60 anos o abraçava com a fita métrica - precisa mesmo disso tudo?
- Por causa da rotina doida de vocês, as suas medidas mudam rápido - Joan explicou. - Vocês passam semanas fazendo musculação, depois param, emagrecem, engordam, etc, e se vocês não quiserem que uma calça rasgue ou caia no meio do palco, precisamos disso.
- Eu já acabei com as medidas - Calum falou - falta alguma coisa?
- Ca, meu amor, nós acabamos de começar, eu tenho um cabideiro inteiro pra vocês experimentarem e me dizerem o que querem - ela explicou e eu lembrei como eu odeio prova de figurino.
Costumávamos passar horas vestindo roupas com diferentes combinações e acessórios, e nossos figurinos sempre tinham que combinar entre si, então nunca era uma tarefa fácil. Chegamos antes das nove da manhã no ateliê de Joan para garantir que teríamos tempo de fazer tudo com calma, e que conseguiríamos descansar antes da gravação. Mas, surpreendentemente, dessa vez nós concordamos mais facilmente com a escolha das peças, então o processo não demorou tanto quanto imaginávamos.
- Ashton, está tudo bem? - Michael perguntou, e eu percebi o motivo da rapidez na escolha do figurino. Ash estava estranhamente calado.
- Aham - o Ash que eu conheço jamais responde qualquer coisa com apenas uma palavra. Independente da simplicidade da pergunta.
- O que foi, cara? - perguntei.
- Nada. Só tô pensando em uma história aí…
- Que história?
- Aconteceu uma coisa que eu não estava esperando.
- Pelo amor de Deus, não me diz que você engravidou alguém - Calum pediu nervoso baseando-se no passado do nosso amigo.
- O que? Não, nada a ver - ele respondeu e nós respiramos aliviados.
- O que foi então? – Michael perguntou e ele nos encarou por um minuto pensando se devia contar.
- A Julia me pediu em namoro - falou em um suspiro e se instaurou um silêncio profundo no ateliê. Ninguém estava esperando por aquilo.
- A Julia te pediu em namoro? Tem certeza que você não entendeu errado? - perguntei.
- Ela falou "quer namorar comigo?", não deixou muito espaço para interpretações.
- E o que você respondeu?
- Nada. Quer dizer, eu falei que não sabia, que precisava pensar, mas ela ficou puta e foi embora.
- Ela te pediu em namoro, Ashton, você pedir pra pensar não é uma boa resposta - Calum tentou explicar.
- E o que eu deveria ter feito? Eu não curto esse negócio de coleira.
- Deixa de ser idiota, não tem nada de coleira - respondi dando um tapa no topo da cabeça dele - Você não gosta dela?
- Gosto.
- Então qual é o problema?
- Sei lá, não tem problema, mas eu fiquei nervoso. De onde ela tirou essa ideia? A gente estava tão bem sem compromisso.
- Se ela teve essa ideia, é por que ela não estava tão bem quanto você achava - Michael justificou.
- Posso dar uma opinião? - Joan pediu se aproximando.
- Por favor - Ash respondeu.
- Conversa com ela. Vocês homens tem essa mania irritante de ficar criando suposições sobre o que a gente pensa ou deixa de pensar, e tiram suas próprias conclusões antes de falar com a gente.
- Ela foi embora, puta da vida, antes de eu conseguir falar qualquer coisa.
- Ashton, eu te conheço. Você tem a idade emocional de um pré-adolescente, deve ter ficado todo bobo, tentando fazer alguma piada com a situação e ela ficou irritada. Tudo bem se você não quiser namorar, mas mantenha em mente que se você não quiser, ela vai achar alguém que queira.
O conselho foi para o Ashton mas ficou rodeando a minha cabeça durante o dia todo. O que ela quis dizer com "Vocês homens"? Eu não era assim. Minha relação com a estava muito definida e, o que não faltava pra gente era conversa, estava tudo transparente. Ela deixou seus desejos e suas intenções bem claras e eu também, não tinha espaço para dúvidas. Mesmo assim, eu não conseguia pensar em outra coisa.
Ela já cansou de me falar sobre a vontade dela de ficar solteira e sua descrença em relacionamentos sérios, mas nós não tínhamos parados pra esclarecer como ela chegou a esse ponto, ou se ela realmente pretendia nunca mais se envolver emocionalmente com alguém. Será que o seu quase casamento tinha lhe causado um dano tão grande ao ponto de fazê-la desistir do que era um dos seus maiores sonhos? Será que no fundo no fundo ela não mantinha essa vontade intacta, apenas guardada para uma ocasião especial, uma pessoa especial?
Relacionamentos tendem a deixar marcas nas pessoas. Não apenas os românticos, mas também os familiares e as amizades que passam pelas nossas vidas. A partir deles nós nos tornamos quem somos, construindo barreiras a partir de traumas e sonhos a partir de êxitos e motivações. Naturalmente, todos carregamos cicatrizes e frustrações, mas eu sempre achei importante conseguir separar as coisas e garantir que, qualquer experiência passada não seja decisiva para me impedir de continuar tentando atingir meus objetivos.
Só Deus sabe a quantidade de relacionamentos merdas eu já tive, e nada disso me impediu de continuar tentando, nunca se sabe o que acharemos depois da próxima curva. A própria foi uma surpresa que eu nunca esperei. Amizades femininas não eram o meu forte, nunca tive grandes crenças sobre isso, mesmo assim, aqui estamos, firmes e fortes e cada vez mais próximos.
Falando nela…
- Oi, coisa linda - falei atendendo a chamada de vídeo.
Oi, bonito! Onde você está?
- Acabamos de chegar nos estúdios do Rockefeller Center.
Que chique! Mas não está muito cedo pra isso? Ainda são seis horas.
- Aqui já são nove. Temos que fazer a checagem de som, além da parte de maquiagem e figurino, e isso demora um pouquinho.
Verdade, e como você está?
- Uma pilha de nervos. Todos estamos.
Imagino, mas vai dar tudo certo. Só liguei pra desejar boa sorte e dizer que nós vamos assistir daqui, e que eu tenho certeza que vai ser incrível.
- Sabia que você é maravilhosa?
Eu sei - ela falou rindo.
- Quem é? - Ashton perguntou se aproximando e pegando o celular da minha mão. - Oi , tudo bem por aí?
Tudo ótimo.
- Ah, que bom - ele falou e deu uma pausa sem saber como continuar.
- Ele quer saber como a Julia está - falei pegando o meu celular de volta, mas ele se espremeu do meu lado pra se manter no enquadramento.
- Eu não falei isso!
Ela está bem, Ash - respondeu rindo, pro alívio do meu baterista. - Mais tarde ela vem aqui pra casa e vamos assistir ao programa juntas.
- Ela ainda está muito brava?
Acho que "brava" não é a palavra - ela respondeu - Por que você não liga pra ela? Acho que ela iria gostar.
- Será?
Você só vai saber se tentar… - ela respondeu e ele saiu revirando os olhos - Eu acho melhor a gente desligar pra você não se atrasar.
- Sim, senhora. O meu voo amanhã é às 9h da manhã daqui, então eu devo chegar aí umas 11h30 daí. Eu vou passar em casa pra pegar as minhas coisas, e depois passo aí pra te buscar.
- A Jane deixou as suas coisas aqui já.
- A Jane? Como ela sabe o seu endereço?
Eu não sei se você já ouvir falar nessa tecnologia nova chamada celular.
- Engraçadinha, eu não sabia que as madames tinham trocado contatos e se falavam sem a minha presença.
Você não sabe de nada, bobo.
- Estou percebendo.
Beijo e boa sorte hoje aí.
Os bastidores do Saturday Night Live eram completamente diferentes de qualquer coisa que eu já tinha vivenciado. Nos nossos videoclipes, a banda é a estrela, o prato principal, então tudo acontece no nosso tempo, depende da gente e da nossa vontade. Aqui não. As coisas funcionam como uma grande fábrica, que está em constante movimento e é composta de diversos segmentos e peças que precisam estar em perfeita sincronia para tudo acontecer perfeitamente. No caminho até o estúdio, percebi uma quantidade enorme de pessoas que trabalham para o show ir ao ar e, como isso é um prédio, as pessoas que eu vi são apenas uma pequena parcela do todo.
Tudo funciona como uma espécie de caos organizado fundamentado a partir de barulhos e gritarias e uma movimentação intensa da equipe e dos seus equipamentos, mas, parando para observar por alguns minutos, percebo que até na bagunça, eles têm uma ordem e caminham em um ritmo quase ensaiado, garantindo que tudo se encaixe no seu tempo e no seu lugar. Agora, eu e a banda nos juntamos a eles como mais uma engrenagem que vai fazer essa fábrica entregar o seu produto final. Isso poderia me acalmar, mas só me estressa ainda mais. Basta um errinho e jogamos o esforço dessa galera toda no lixo.
Chegamos duas horas e meia antes do show começar, mas o tempo passou absurdamente rápido e em quase um piscar de olhos eles avisaram que a plateia do ao vivo já estava entrando, o que significava que agora faltavam apenas trinta minutos pra tudo começar.
John Krasinski era o apresentador da noite. Ele passou no nosso camarim para nos cumprimentar e eu confesso que quase mijei nas calças. Eu era muito fã de The Office, e ele era sensacional. Sem contar que é marido da Emily Blunt. Meta da minha vida.
- Todo mundo bem? Todo mundo tranquilo? - Samuel entrou no camarim para falar com a gente antes de tudo começar.
- Tranquilo acho que é impossível - Ashton respondeu. - Ninguém vomitou, o que eu acho uma vitória.
- Ótimo. Fiquem calmos, vocês ensaiaram pra caramba, então vai dar tudo certo. Vocês já fizeram isso antes, é só mais um programa de TV.
- Não exagera - respondi terminando minha segunda garrafa d'água.
- Credo, gente, parece que vocês estão indo pra forca. Achei que estariam mais empolgados.
- E estamos! Muito! Mas isso daqui não é brincadeira - Michael falou já suando de nervoso. - São três quadros com papéis completamente diferentes, mudança de figurinos, atores de verdade e ainda vamos ter que nos apresentar. Eu tô quase passando mal.
- Se controla Mike, pelo amor - Calum falou respirando fundo.
- Fiquem calmos - Samuca pediu rindo do nosso nervosismo - Depois eu ainda organizei uma festinha pra vocês comemorarem. Vai valer a pena.
- O Samuca tá certo. É óbvio que isso é diferente e a pressão é grande, mas a gente ensaiou pra cacete, vai dar tudo certo. Eu acredito na gente, vai dar certo - Calum completou.
Dito e feito.
Os três sinais tocaram, as cortinas se abriram, a música de abertura tocou e o show começou. Nosso nervosismo se juntou ao dos outros artistas que também participaram do programa, e funcionou com um combustível para que a nossa energia se unisse na mesma frequência e desse vida ao espetáculo. Mesmo depois de todos os ensaios, ainda era engraçado olhar para o lado e ver a Rebel Wilson ou o Kenan Thompson. Eram pessoa que eu sempre admirei e me divertia com os seus trabalhos e agora estávamos juntos no palco arrancando gargalhadas da plateia. Em todo o momento eu tinha vontade de rir dos textos ou das minhas próprias piadas e tinha que me segurar.
As trocas de figurino eram tão rápidas quanto um pit stop de fórmula 1. Os movimentos dos assistentes já eram ensaiados e coordenados para nos ajudar a sair de uma roupa e entrar em outra. Ao mesmo tempo, se aproximavam cabeleireiros e maquiadores para nos arrumar para o próximo segmento e, em alguns minutos, éramos jogados no cenário seguinte para mais uma apresentação.
Foi a maior loucura de toda a minha vida. E no final, a sensação de olhar pros meus amigos e ver a satisfação, o orgulho e os sorrisos arregaçados de orelha a orelha, foi incomparável a qualquer coisa que eu já tenha sentido.
- Um brinde à gente - Ashton falou entregando um copo de shot para cada um. Tequila.
- Arriba, abajo, al centro y adentro! - falamos juntos antes de virarmos. A graça da tequila era o efeito mesmo, por que o gosto... puta que pariu, muito ruim.
- Mais um! - Ele gritou empolgado.
- Calma, Ash. Um tá bom pra começar, mais tarde tomamos outro - Michael falou tentando acalmar nosso amigo. - Não vai dar vexame, hein.
- Dessa vez não tem nenhuma pra te salva – falei rindo.
- Não tem , mas tem eu - Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar, mas não estava a esperando aqui. Natalie parou atrás de mim e me envolveu com os braços.
- Ai, não acredito. Quem foi que te chamou? - Ashton perguntou sem nenhum pudor, e os outros deixaram escapar o riso.
- Pode ficar tranquilo que eu não vim por você - Natalie falou segurando meu rosto para me dar um beijo. Eu não recusei nem me afastei, mas também não tive vontade de retribuir.
- Eu não sabia que você vinha - falei sem graça, e meus amigos se afastaram um pouco para nos deixar sozinhos.
- Eu quis fazer uma surpresa. Fiquei sabendo que você estava aqui em Nova Iorque e que ia rolar uma festinha hoje. Só não entendi o que aconteceu com o meu convite.
- Eu nem sabia que ia rolar festa, na verdade. Depois do SNL de hoje, o Samuel achou que merecíamos uma comemoração.
- E quando vai ao ar?
- Foi hoje, é ao vivo. Eu já tinha falado sobre isso com você, você não assistiu?
- Desculpa, gato, eu tenho estado completamente atolada com as minhas últimas campanhas, esqueci completamente - ela falou e eu não fiquei surpreso, mas talvez um pouco decepcionado. - Mas eu estou aqui pra comemorar com você, podemos comemorar a noite toda - completou beijando o meu pescoço.
- Não vai dar - falei me afastando de leve - o meu voo de volta pra Los Angeles é amanhã cedo, não vou poder ficar muito.
- Você vai recusar uma festa? - ela perguntou mostrando estar ofendida - Troca o horário do voo. Eu pensei que podíamos passar o dia juntos amanhã.
- Não posso. Eu tenho compromisso.
- Amanhã é domingo e vocês estão dando uma festa hoje. Que tipo de compromisso inadiável é esse? - a Natalie tinha um jeito de se colocar como prioridade na minha vida a todo tempo, então ser dispensada era algo completamente fora do habitual, e ela não aceitava bem.
- Amanhã é o aniversário de casamento das minhas mães e vai ter uma festa. Eu vou pra San Diego.
- Eu nem sabia que elas eram casadas.
- Não oficialmente, no papel, até porque o casamento gay não era legalizado, mas elas comemoram a data que elas foram morar juntas
. - Aah, então não conta.
- Como assim "não conta"? - perguntei a encarando incrédulo - É claro que conta.
- Elas não são casadas de verdade, não são bodas, não precisava de festa.
- Natalie, quando a gente namorava, você gostava de comemorar cada mês, mas as minhas mães, que estão juntas há 30 anos, você acha que não precisam comemorar?
- Elas podem comemorar, mas fazer uma festa é meio exagero, não acha?
- Não, definitivamente não acho - Dentre todos os assuntos dos quais podíamos conversar, esse era um que eu não gostaria que estivesse na lista. Natalie tinha esse preconceito incubado em que garantia que não era preconceituosa, mas… Esse "mas" matava.
- Tudo bem, eu sei que esse é um assunto delicado pra você.
- Não é delicado, só não gosto quando alguém acha que o amor delas ou o direito delas de celebrarem essa união é desnecessário. É extremamente necessário.
- Já entendi - eu sabia que ela não tinha entendido porra nenhuma. - E se eu fosse com você?
- Pra San Diego? - quase engasguei com a minha bebida.
- Exatamente.
- Por quê?
- Pra eu ver as suas mães, ué. Dar os meus parabéns, posso até comprar um presente - ela só podia estar brincando.
- Acho melhor não, vocês nunca se deram muito bem.
- A Olívia nunca me deu abertura, eu sei que ela não gosta de mim.
- Ela tinha os motivos dela.
- Mas essa seria a oportunidade perfeita pra isso mudar.
- A gente nem namora mais, Nat. Não precisa.
- Você sempre falou que elas querem conhecer mais as pessoas que fazem parte da sua vida. Essa seria uma boa chance para elas me conhecerem melhor.
- Não vai dar.
- Por que não? - eu contei até um milhão, respirei fundo e pensei bem antes de abrir a boca, mas não tinha como fugir da resposta. Cheguei a olhar para os lados procurando meus amigos para me salvarem, mas eles, como bons telespectadores, só queriam observar a tragédia, sem interferir.
- A vai comigo.
- Como é que é?! - ela bateu com a taça que segurava na mesa deixando o líquido respingar pra todo lado e, a conversa que acontecia de forma tão civilizada, começou a ir por água abaixo
- A vai comigo - repeti com calma, tentando manter o tom de voz baixo.
- Eu ouvi da primeira vez, só não estou acreditando nessa palhaçada. Vocês estão namorando?!
- Não, eu já te falei que não.
- Então por que você ela vai com você no aniversário de casamento das suas mães?
- As minhas mães que a convidaram, elas querem conhecê-la.
- Aah, isso fica cada vez melhor.
- Natalie, não tem nada demais.
- É claro que tem! É um aniversário de casamento, é uma data importante, onde pessoas importantes vão estar reunidas.
- Você acabou de falar que é um exagero.
- Você não pode levar essa interesseira!
- Desculpa Nat, mas ela vai comigo.
- Você está escolhendo ela à mim?
- Não tem "escolha", nós não estamos mais juntos e você nunca teve uma boa relação com a minha mãe, eu não tinha motivo pra te chamar.
- Mas agora eu estou falando que quero ir, então avisa pra essa que a vaga do banco do carona não está mais disponível.
- A vaga do banco do carona nunca esteve disponível. A vai comigo.
- Então você está escolhendo e essa escolha vai ser definitiva. Eu não vou ficar disputando você com ninguém. É ela ou eu.
- Como eu disse, não tem "escolha". - Falei calmamente e os olhos dela se arregalaram ainda mais ao se dar conta do que tinha acabado de acontecer.
- O que foi isso que eu acabei de presenciar? - Michael perguntou se aproximando novamente enquanto Natalie batia os pés ao se afastar.
- Nem eu sei.
- Mas eu sei - Ashton falou fazendo um coração com a mão - se chama "efeito ".
- Lá vem… não pira, Ashton, não tem nada a ver.
- Eu sou obrigado a concordar com o Ash - Calum falou se juntando a nós. - Dessa você não consegue escapar, cara.
- A gente já sabe que vocês estão se pegando - Ashton afirmou.
- Que? De onde você tirou isso? - falei forçando a maior surpresa possível.
- A Julia e a Helena são vizinhas da , vocês realmente acharam que elas nunca viram você chegando à noite ou indo embora de manhã? - Michael falou rindo do meu fracasso.
- Acho que elas estão vendo coisa onde não tem - última tentativa.
- , esquece, a gente já sabe. Vocês não disfarçam nada bem - Calum falou e eu joguei a cabeça pra trás em desistência.
- E esse pé na bunda que você deu na Natalie, só confirmou - Ashton completou.
- Não foi um pé na bunda.
- Aah, foi sim. E belíssimo por sinal, gostei de ver.
- Eu acho que só estava insistindo em uma coisa torta, que não tinha mais pra onde ir.
- Você acha? - Michael perguntou rindo. - A gente te fala isso há anos e você nunca deu ouvidos.
- Mas bastou uma nova paixão bater na porta, que tudo ficou mais claro - Calum falou debochando.
- Já começaram a viajar. Não tem nada de paixão.
- Aham, continua repetindo isso até você acreditar.
Ele estava certo, mas eu ia continuar repetindo.
O programa foi um sucesso. Muito divertido, muito engraçados, os convidados da semana foram incríveis e a Jungle Roots arrasou em tudo que fez. Eles mandaram muito bem, e nós morremos de rir.
- Eu estou realmente impressionada - falei pra Helena e Julia - eu não estava esperando que fosse ser tão bom.
- Nem eu - Lena concordou.
- Pois é, dizem que comédia é uma das coisas mais difícil de fazer, mas eles se saíram muito bem. Ainda tinha plateia ao vivo.
- Eu falei com o antes do programa, ele estava muito nervoso. Que bom que deu tudo certo.
- Sim, o Michael também estava uma pilha de nervos. Todos deviam estar.
- E você, Ju? Falou com o Ashton? - perguntei tentando ser o menos invasiva possível.
- Ele me ligou.
- E…
- Ele pediu desculpas pelo nosso fracasso de conversa, e pediu pra gente conversar quando ele voltar.
- Que bom, então - Helena falou, mas a cara da Julia não parecia concordar. - Não é bom?
- Sei lá. Eu quero conversar com ele, mas não sei mais se essa história de namoro é uma boa.
- Como assim, doida? Você estava falando ontem mesmo que tinha cansado da farra, mudou de ideia rápido assim? - perguntei.
- Não. Mas eu não sei se o Ash é a melhor pessoa pra isso.
- Ju, você gosta dele.
- Gosto, mas isso não é o suficiente. Eu não acho que ele queira um relacionamento sério, e fico com medo de forçar a barra e estragar tudo. De repente é melhor sermos só amigos mesmo.
- Não sei se funciona assim - Helena opinou.
- Eu também não, mas vamos esperar ele voltar pra descobrir - ela respondeu meio desanimada.
- Mas e você, Ali… animada pra conhecer seus sogros?
- Sogras, né? - Julia corrigiu - O tem duas mães.
- Sim, mas não são minhas sogras e eu acho que o pai dele também vai estar lá.
- Reunião de família é coisa séria - a Julia estava louca para implicar comigo.
- Vocês estão dando mais importância a esse encontro do que a gente.
- Me explica mais uma vez por que você e o não assumem esse relacionamento de uma vez - Helena pediu.
- Porque não tem relacionamento pra assumir. Nós somos amigos independente dos parênteses. Estamos bem assim.
- Posso te perguntar uma coisa? - Julia começou e eu assenti - Não fica chateada, mas você ainda gosta do Derek? Ainda o ama? - a pergunta me pegou completamente desprevenida e eu nem sabia o que responder.
- Não sei - respondi tentando ser o mais sincera possível, tanto com elas, quanto comigo.- Eu ainda penso nele de vez em quando, é meio inevitável.
- E o que você sente? - Helena perguntou.
- Raiva?
- Um pouco, mas é mais tristeza, decepção. De vez em quando eu sinto saudade. A nossa história foi muito maior do que o jeito que ela acabou. Foi o meu maior sonho. O Derek era o meu sonho.
- E o ? - Julia perguntou curiosa e eu não pude deixar de sorrir.
- O com certeza não foi um sonho, foi mais uma lambança de cerveja no meu vestido favorito - falei rindo.
- E o que você sente por ele? - Helena perguntou me fazendo revirar os olhos. - Falando sério. Ele pode não ser o príncipe encantado dos seus sonhos, mas é quem está sempre com você.
era uma pessoa muito complexa pra ser explicada em palavras.
Se os meus sentimentos por Derek surgiram dos meus sonhos, o que sinto por surgiu de suas ações. Ele nunca foi exatamente um príncipe, mas do seu jeitinho pouco convencional e sem muitos filtros, me tratava como uma princesa, me apoiou a cada momento que precisei e respeitou meus limites ao mesmo tempo que os desafiava e me forçava a fazer o mesmo.
Não nego os meus sentimentos por ele, mas no momento eu preciso de estabilidade e, por mais que todos quisessem me convencer do contrário, eu não acreditava que queria o mesmo. Quem queríamos enganar? Eu podia dizer quantas vezes fosse que nunca mais me envolveria com ninguém, e que eu queria viver a vida de solteira, cair da farra e não me apaixonar mais, mas essa não era a minha realidade. No fundo, no fundo, eu sabia disso. Da mesma forma que podia dizer que conseguiria ter um relacionamento sério, se comprometer e ser fiel e que, só não aconteceu antes, por que ele não encontrou a pessoa certa, mas essa não era a realidade dele. No fundo, no fundo, ele sabia disso.
- Amores, eu combinei de encontrar um cliente amanhã cedo, então acho melhor eu ir dormir - Julia falou já se levantando.
- Amanhã é domingo! - reclamei.
- É, mas ele viaja muito durante a semana, e a esposa dele trabalha aos sábados, então amanhã era o único dia que os dois podiam me encontrar pra ver o projeto.
- Eu também vou indo - Helena falou enquanto deixava nossas taças na pia da cozinha.
- Sério isso?
- Eu estou cansada amiga, tô trabalhando feito uma corna, preciso dormir.
- Isso tudo é desculpa pra eu lavar a louça sozinha.
- Eu lavo, coisa chata - Julia falou se arrastando em direção a pia, e eu não me opus.
- Vou ligar a água da banheira, então. Aproveitar que vocês estão me abandonando, e tomar um banho bem relaxante - falei as deixando pra trás enquanto riam do meu drama.
Foram menos de cinco minutos do momento que eu saí da sala até voltar, mas o ambiente estava completamente diferente. A campainha tinha tocado e Julia atendeu. Minhas amigas encaravam a pessoa no corredor com incredulidade.
- Quem é? - perguntei, mas as duas continuaram em silêncio. Então, a voz no corredor se aproximou da porta me encarando.
- Posso entrar?
Capítulo 9
9
Já eram 10h50 da manhã e eu tinha combinado de passar para buscar a às 11h. Apesar disso, ela não estava atendendo nenhuma das minhas ligações, nem mesmo visualizou as mensagens que eu mandei. Eu já estava ficando estressado sem saber se ela ainda estava dormindo, se havia esquecido do nosso compromisso, ou se alguma outra coisa tinha acontecido. Fosse o que fosse, seria bom se ela desse sinal de vida. Eu tinha voltado pro meu prédio para buscar meu carro e só estava esperando sua resposta para sair da garagem e ir buscá-la Fiquei sentado no escuro pelo que pareceu uma eternidade. Cheguei a cair no sono, mas fui despertado 11h20 pelas mensagens que apitaram no meu celular.
Eu vou sim
Quase pronta
Me avise quando estiver chegando
Pelas mensagens não dava pra saber se tinha ocorrido ao de errado, mas não quis tirar conclusões precipitadas, provavelmente ela só tinha dormido demais. Esperei alguns minutos antes de dar a partida no carro, apenas para garantir que daria tempo dela terminar de se arrumar.
Mandei uma mensagem, como ela pediu, e fiquei esperando na frente do seu prédio.
Demorou um pouquinho, mas ela apareceu.
- Bom dia, coisa linda – falei dando um sorriso animado, mas não recebi outro em resposta.
- Bom dia. Desculpa não ter atendido, eu não dormi muito bem.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não - ela respondeu, mas olhava para frente evitando olhar para mim. Dava pra ver que seus olhos estavam inchados. Ela tinha chorado. - Só tive um pesadelo.
- Eu te conheço. O que aconteceu?
- Nada demais.
- Me fala.
- Hoje é um dia importante pra você e pra sua família. Será que podemos não falar disso agora? Depois eu te conto.
- Eu não vou conseguir aproveitar o dia sabendo que tem algo te deixando mal.
- Eu to bem, de verdade - pediu se esforçando para me olhar nos olhos - Depois eu te conto.
- Tem certeza?
- Absoluta – Algumas lágrimas se formaram nos seus olhos, mas ela limpou antes de terem tempo para escorrer e, por mais que eu quisesse muito saber o que tinha acontecido, respeitei sua escolha de não me contar naquele momento.
- Minhas mães estão muito ansiosas para te conhecer - falei para mudar de assunto.
- Eu também estou – ela respondeu abrindo um sorriso tímido. - Me fala um pouco delas.
- O que você quer saber?
- Tudo, da história delas. Eu estou indo para as bodas de casamento das duas, mas não sei quase nada sobre elas.
Essa era uma história longa, ocuparia uma boa parte da nossa viagem. Seriam quase três horas até San Diego e, como não estava muito para conversa, eu estava preparado para começar um grande monólogo.
Minhas mães se conheceram quando tinham mais ou menos 25 anos e as duas estavam concorrendo a uma vaga de emprego para um escritório enorme de advocacia em Nova Orleans. Na época as duas nunca tinham se relacionado com outras mulheres, mas desenvolveram uma amizade muito forte e, entre frustrações amorosas e um sentimento profundo que nascia ali, elas acabaram se beijando depois de uma noite de muita bebedeira. Depois disso, elas perceberam que a amizade delas ia além disso e o que sentiam uma pela outra era algo diferente de qualquer coisa que já haviam sentido em qualquer outro relacionamento. Na época, a aceitação para relacionamentos homoafetivos era ainda pior do que hoje, então não foi fácil elas se assumirem. Por muito tempo mantiveram o namoro em segredo, se apresentavam como amigas, e evitavam qualquer tipo de demonstração de afeto em público. Devia ser muito difícil, mas alguns anos depois, quando foram morar juntas, decidiram que não queriam mais se esconder. Quando elas se assumiram para os mais próximos, acabaram perdendo muitos "amigos" e até familiares se afastaram. O pai da Olívia a rejeitou e os pais da ngela também cortaram qualquer tipo de relação, e eu nunca nem cheguei a conhecê-los.
Por causa disso, as duas passaram por muitos estresses e começaram a brigar muito. A Olívia fazia questão de tentar manter uma relação com os familiares e tentar se reaproximar a qualquer custo daqueles que tinham se afastado; enquanto a ngela não tinha paciência para lidar com quem as rejeitavam. Essa discordância acabou criando diversos atritos que as fizeram se afastar e elas resolveram que seria melhor terminar. Mas não durou muito. Elas ficaram uns cinco meses separadas, mas foi o suficiente para ngela engravidar de mim - eu fui o resultado de um caso de apenas uma noite com um dos seus melhores amigos, Charles, vulgo, meu pai. Foi uma baita surpresa e quando a Olívia descobriu, ficou devastada, sentiu-se traída, mas sabendo das dificuldades que vinham junto a uma gravidez inesperada, ainda mais considerando que minha mãe e o meu pai não estavam em um relacionamento e ela não teria ajuda dos seus pais, elas voltaram a se aproximar e entre enjoos matinais e desejos malucos, elas voltaram a morar juntas.
Meu pai sempre foi muito presente. Chegou a morar com as minhas mães nos primeiros meses depois que eu nasci, e depois se mudou e virou nosso vizinho. Os três continuaram muito amigos, então, de certa forma, era como se nós quatro morássemos juntos. Nós e Jane. Ela começou fazendo faxina lá em casa a cada quinze dias quando eu tinha uns 9 anos, mas ela teve uns problemas com o ex-marido dela - ele batia nela - e quando resolveu se divorciar, não tinha para onde ir, então foi morar com a gente. Era para ser uma situação temporária, mas ela virou da família e acabou ficando...
Quando eu tinha quinze anos, a Olívia recebeu uma proposta para ser representante da firma onde trabalhava na nova filial em San Diego então, ela e a ngela se mudaram e eu passei a morar oficialmente com o meu pai. O que foi um pouco estranho, nós dois tínhamos uma relação mais de amigos do que de pai e filho, mas, no fim das contas, deu bastante certo; a Jane botava ordem na casa. Minhas mães voltavam para me visitar mês sim mês não, e eu ia para San Diego mês sim mês não para vê-las.
Isso até eu me mudar para Los Angeles há uns anos. Quando a banda começou a conquistar um público na internet com os vídeos que postava e a aumentar o públicos nos shows, o Samuel nos "descobriu" e, depois de uns três anos aquecendo e construindo uma carreira que já ultrapassava as fronteiras de Louisiana, sugeriu que a Califórnia nos daria novas oportunidades de crescimento. Então, eu saí de Nova Orleans e vim morar em Los Angeles, e a distância das minhas mães que, antes era de quase 3000 km, passou a ser 217 km e, por incrível que pareça, desde então, eu as vejo cada vez menos. O que era mais um motivo para elas reclamarem tanto de eu não as visitá-las.
- Você não encontra com elas há quanto tempo? - perguntou depois de mais de uma hora em silêncio.
- Acho que há uns quatro meses, talvez seis. A gente se fala bastante por telefone, e elas me ligam por vídeo chamada quase toda semana, mas pessoalmente, já tem um bom tempo.
- E o seu pai?
- Também uns quatro meses. Da última vez que eu fui para San Diego, o meu pai foi também. Normalmente, quando tem uma data importante da família, todo mundo se junta. Da última vez, foi aniversário da Jane.
- Ela mora com as suas mães?
- Não. Quando eu fui pra Los Angeles ela foi junto. Ela tinha conseguido um emprego como secretária de uma agência imobiliária. No início ela não queria aceitar, mas como eu ia me mudar ela resolveu aproveitar a oportunidade. Um ano depois ela se casou com um mestre de obras. Eles moram em Pasadena, por isso ela está sempre lá em casa.
Um sorriso e mais silêncio foi o que eu recebi. Tentei puxar assunto em vários momentos e a até tentou responder, dar continuidade a uma conversa, mas claramente era um esforço, ela não estava confortável. Eu não queria forçá-la a me contar qualquer coisa, mas também não estava aguentando vê-la assim.
- Tem certeza que está bem para ir nessa festa? - perguntei e ela me encarou.
- Você não quer que eu vá?
- Não. Quer dizer, claro que quero, mas você claramente não está com cabeça pra isso. Não quero que você sinta que tem que ir. Elas vão entender.
- Já estamos na metade do caminho.
- Não tem problema. Eu posso voltar.
- Não quero voltar, eu quero ir. - respondeu baixando a cabeça e percebi uma lágrima escorrendo por seu rosto.
Eu não sabia o que fazer. Parei em uma loja de conveniência mais à frente e a abracei. Eu a abracei desejando poder tirar dela qualquer que fosse a dor que estava a deixando assim, mas por maior que fosse minha vontade, isso não era possível, então continuei a abraçando esperando que pudesse pelo menos confortá-la de alguma forma.
Ficamos estacionados ali por uns vinte minutos, eu passei o braço em volta dela e com o outro fazia cafuné na sua cabeça. Às vezes seus ombros paravam de tremer, dando a entender que ela tinha parado de chorar, mas eu continuava sentindo suas lágrimas caindo e molhando minha blusa.
- Me desculpa por isso - ela falou secando as lágrimas e se ajeitando no banco do carona quando se acalmou.
- Não precisa se desculpar, mas eu realmente estou ficando preocupado. Tem certeza que não quer voltar?
- Se eu voltar vai ser pior, preciso me distrair de alguma forma.
- Então pelo menos me conta o que está acontecendo.
- Esquece isso, por favor.
- Esquece como, ?
- Alguma coisa aconteceu e você não está bem, não tenho como fingir que está tudo bem.
- Deixa a festa passar, depois eu te conto.
- Eu já não vou conseguir aproveitar a festa, não vai fazer diferença.
- Não fala isso, por favor. É um dia importante pra sua família, eu nunca vou me perdoar se eu estragar isso.
- Tem certeza disso? A gente pode dar meio volta agora, elas vão entender.
- De jeito nenhum, eu já estou ótima – falou forçando um largo sorriso.
- ...
- Bonito, eu vou ficar bem, prometo - falou e se aproximou me dando um selinho - Vamos lá, não podemos nos atrasar.
- Se você mudar de ideia...
- Não vou mudar de ideia.
- Se mudar de ideia e quiser voltar, me avisa. Uma palavra e a gente sai de lá na hora. Ok?
- Você é incrível, sabia?
- Sabia – respondi debochado – por isso sou tão cobiçado pela mulherada.
- Que metido...
- Você que falou que eu sou incrível. Mas pode ficar tranquila que eu só tenho olhos pra você, coisa linda – falei a puxando para mais um beijo.
O resto do caminho foi menos silencioso. queria me provar que estava bem e começou a contar histórias da sua família, o que ela lembrava do Brasil, como foi a mudança e o divórcio dos seus pais. Era claramente um esforço para não cairmos no silêncio e eu voltar a fazer perguntas, mas como isso parecia a distrair, aceitei. Mais quase duas horas de estrada e chegamos.
- Só mais uma coisa - falei assim que parei o carro na frente da casa - as minhas mães têm uma impressão distorcida da nossa amizade…
- Elas acham que a gente namora?
- Não exatamente… elas acham que nós deveríamos namorar.
- Ah, que ótimo.
- Eu já deixei claro que não é o caso, mas caso elas comecem a dar aquelas indiretas bem diretas, só ignora.
- Tudo bem - concordou rindo. Pelo menos essas situações constrangedoras com a minha família poderiam fazer a rir.
Entramos pela porta da frente e a casa estava vazia, com exceção da equipe do buffet. Em compensação, dava para observar, através das janelas, que o jardim dos fundos já estava cheio de convidados. Reparei que meu celular mostrava duas chamadas perdidas da minha mãe e de Jane, provavelmente querendo saber onde estávamos.
Com a festa já acontecendo, subimos direto para o meu quarto para nos arrumarmos rapidamente, antes de darmos de cara com pessoas arrumadas enquanto usávamos jeans e chinelo. Minha mãe ngela não ligava muito para roupas, se dependesse dela eu poderia aparecer de bermuda de praia e regata, mas com Olívia era outra história. Ela fez questão de me ligar antes para conversar sobre o meu traje e o que era ou não aceitável. Me forcei a usar uma blusa social, um terno e uma calça arrumadinha, mas dispensei a gravata e o sapato pomposo.
estava perfeita. Escolheu um vestido creme esvoaçante com algumas flores na parte saia. Poucas vezes eu a vi de salto alto, mas complementava sua escolha de figurino e valorizava suas pernas, deixando-a simplesmente maravilhosa. Que vontade de ignorar essa festa e arrancar essa roupa dela.
- Você está linda - falei dando um beijo em sua testa antes de sairmos para o jardim.
- Você também - respondeu segurando minha mão, mas logo soltou ao ver minhas mães se aproximando com sorrisos quase assustadores de tão grandes.
- Até que enfim!
- Já estávamos achando que vocês não viriam mais.
- Que exageradas - falei revirando os olhos e abraçando as duas de uma vez.
- O importante é que vocês chegaram - Olívia falou se afastando para olhar .
- Dona ngela e Dona Olívia, essa é a que vocês requisitaram tanto a presença - apresentei e percebi seu rosto ficando vermelho de vergonha.
- É claro. As revistas de fofoca só falam dela, você também, ainda lançaram uma música juntos. Eu queria conhecê-la - ngela justificou.
- É um prazer conhecê-las, de verdade. Muito obrigada pelo convite - falou pela primeira vez desde que chegamos na casa e foi respondida com um abraço de Olívia - Eu trouxe uma lembrancinha, espero que vocês gostem. - Completou entregando um embrulho que eu nem tinha percebido que estava em suas mãos.
- Obrigada você, querida. É muito bom finalmente conhecê-la – Olívia respondeu segurando o presente, mas mantendo um olhar fixo em .
Assim como Jane, minhas mães, especialmente a Olívia, tinham grandes restrições no quesito "mulheres na minha vida". Elas não costumavam aceita-las muito bem. Mas, dado esse primeiro encontro, era certo afirmar que seria facilmente aprovada.
Quando meus pais se separaram, não demorou muito para minha mãe decidir voltar para o Brasil, então era muito raro a gente conseguir se encontrar. Em treze anos, nos encontramos três vezes, fora isso, nos falamos por telefone em ligações quase cronometradas, como se estivéssemos batendo ponto. Já o meu pai, eu morei com ele até me mudar para Los Angeles, mas, mesmo enquanto dividíamos um apartamento, não éramos muitos unidos, sempre houve uma falha na nossa comunicação que impedia que nos entendêssemos completamente. Ele era extremamente conservador e tinha esse ideal de filha que "cuidaria" do pai fazendo todo o trabalho de casa e essa não era eu, então brigávamos muito, o que me fazia entender cada vez mais a parte da minha mãe no divórcio. Depois que me mudei, praticamente paramos nos falar, com exceção dos nossos aniversários e do natal, quando nos ligávamos por mera formalidade.
Eu acho que nunca tinha percebido o quanto eu sentia falta de uma família unida até chegar naquela festa. Apesar de tudo, eu amava muito os meus pais e era inevitável sentir saudade e desejar que as coisas fossem diferentes. Mesmo separados, eles podiam ainda se dar bem, se falar, poderíamos nos reunir pelo menos uma vez por ano. Qualquer coisa seria melhor do que a relação que temos hoje.
- Oi, meu amor - Jane se aproximou pra me cumprimentar.
- Oi, Jane - retribui com um abraço.
- Tudo bem?
- Tudo.
- Tem certeza? - perguntou inclinando a cabeça pra me observar.
- O pediu pra você me vigiar?
- Vigiar não. Só pra fazer companhia.
- Não precisa, eu estou bem.
- Ele não acredita muito nisso, está preocupado com você. Vocês brigaram?
- Eu e ? Não. Está tudo bem, eu só estou cansada, não dormi bem - isso não era uma completa mentira.
- Não vou insistir, mas ele me pediu para não te deixar sozinha, então é isso que vou fazer.
- Ele é exagerado, não precisa disso.
- Ele se importa com você. Então vamos tratar de tirar essa cara de enterro, hoje é dia de festa.
- Combinadíssimo - eu queria muito que tivesse um botão que eu pudesse apertar e ficar realmente bem. Por hora, me restava fingir um pouquinho. Pra isso, dei o sorriso mais verdadeiro que eu pude, talvez eu começasse a acreditar nele - A festa está lindíssima, né?
- Está mesmo, mas também, elas não pensam em outra coisa há muito tempo. Estão planejando desde o início do ano.
- Imagino, está incrível - o jardim estava todo decorado com pergolados e plantas trepadeiras com muitas flores, além de gazebos que criavam espaços mais intimistas ao mesmo tempo que davam um ar mais elegante à festa. As hastes e vigas das estruturas eram circundadas por luzes pisca-pisca, e a iluminação pendente acima do jardim daria um efeito de céu estrelado assim que escurecesse. Estava tudo perfeito.
Infelizmente, não tinha como não pensar na decoração que eu tanto tinha planejado para o meu casamento. Eu já tinha alugado uma casa em Malibu. Seria uma cerimônia simples, mas de frente para o mar, durante o pôr do sol e com as nossas famílias unidas. Era o meu casamento dos sonhos, mas como um castelinho de areia, em um piscar de olhos ele desmoronou.
- Eu fico feliz por elas - Jane falou observando as duas conversando animadas com . - Elas passaram por tanta coisa, lutaram tanto para serem aceitas. É lindo ver que elas não desistiram e apesar dos obstáculos não deixaram que ninguém fosse responsável pela felicidade delas, tomaram as rédeas de suas vidas e continuaram em frente. - ela virou para mesa olhando no fundo dos meus olhos, e de repente percebi que aquilo poderia se aplicar a mim também - Sabe, as pessoas têm o péssimo hábito de depositar a felicidade nas mãos dos outros, e acham que só existe um amor de verdade, aquela "alma gêmea" e quando não dá certo acham que é isso. Como se só tivessem uma chance e não podem mais ser felizes ou encontrar alguém que valha a pena. Não é verdade. Ao contrário do que dizem os contos de fada, existem muitos amores pra todo mundo, o problema é que, ou as pessoas vivem a procura do par perfeito e que não existe, ou se fecham pra qualquer possibilidade, por medo de se machucar, e acabam não percebendo quando o amor está bem na sua frente.
- Eu não sei se acredito nisso.
- Eu sei que não. Você foi muito magoada pelo seu ex-noivo e agora se fechou completamente para qualquer chance de achar alguém legal, e não consegue perceber que esse "alguém" pode ser só à alguns passos de distância.
- Não começa com isso Jane - falei achando graça. Indiretas diretas, entendi.
- Não falei nomes, você concluiu sozinha.
- Sei…
- Eu já sei que vocês estão juntos, não precisa mais ficar tentando me enrolar - ela falou e eu não consegui deixar de arregalar os olhos na sua direção. Será que o mundo todo sabia?
- Não estamos, não - falei rindo, sem conseguir disfarçar. - De onde você tirou isso?
- Eu conheço o como poucos, não adianta tentar me enganar. Ele está diferente, todo babão, preocupado...
- Isso é coisa de amigos - tentei pela última vez, mas era óbvio que ela já sabia.
- Chamem como quiserem - falou revirando os olhos - eu fico muito feliz. Eu percebo como você faz bem a ele e, por mais que não queira admitir, eu sei que ele também faz muito bem a você. Não estou dizendo que vocês precisam estampar a vida de vocês nas capas das revistas, mas ficar fingindo pra vocês mesmos que não tem nada acontecendo, não vai ajudar. Vocês dois são adultos e pessoas incríveis e estão perdendo tempo.
- Obrigada - falei sorrindo. Eu sabia que Jane estava imaginando que eu e tínhamos um relacionamento bem mais tradicional do que realmente tínhamos, mas era fofo vê-la falando daquela forma. Não posso mentir que eu não gostaria de ter aquilo de novo, alguém que estivesse sempre comigo. Mas agora não era o momento de pensar nisso, o meu passado, que eu estava começando a superar, estava mais perto do que eu gostaria, e isso tinha que ser resolvido antes de pensar no futuro.
- Charles, vem aqui! - Jane falou segurando o pulso de um homem que passava por nós e, antes mesmo que ela nos apresentasse, eu sabia que era o pai de . Mesmos olhos esverdeados, mesma forma de andar, mesmo sorriso, era uma versão mais velha do . Era um senhor muito bonito, com cabelos levemente grisalhos que lhe davam um toque interessante. Eu particularmente nunca me interessei por homens muito mais velhos, mas ele me parecia um ótimo partido, tirando o fato de ser pai do cara que dormia comigo. - Deixe-me te apresentar, essa é a .
- , minha nora? - ele perguntou e automaticamente eu senti minhas bochechas esquentarem. Nora? Que história era aquela?
- Quase - Jane respondeu rindo e eu soube imediatamente que era coisa dela.
- Quase nada! - me defendi rindo - Eu sou amiga do , só amiga.
- Eu sei, gatinha - aparentemente ele também gostava de apelidos - É uma brincadeira nossa, mais para implicar com o meu filho, mesmo. É ótimo te conhecer.
- Digo o mesmo, senhor.
- Senhor não, pelo amor de Deus. Eu tento me convencer que ainda sou jovem e esse "senhor" só atrapalha - concluiu me observando de cima a baixo e eu não posso negar que fiquei um pouco desconcertada. - Meu filho tem muito bom gosto, você é uma menina muito bonita.
- Obrigada - respondi completamente sem graça.
- Só tem um defeito - ele falou e eu cheguei a ajeitar a minha postura com o nervosismo. - Ele me falou que você é torcedora do Golden State Warriors, como assim? - concluiu e eu não contive a gargalhada.
- Mas é óbvio. Pra quem mais eu torceria?
- Eu, particularmente, acho os Pelicanos uma boa opção.
- Mas aí fica difícil… Nova Orleans é muito longe, quando eu conseguiria assistir a um jogo?
- Mas o Golden State é de São Francisco. Por que não os Lakers? São muito melhores e ainda são da sua cidade.
- Melhores nada, o time melhorou nas últimas temporadas com a entrada do LeBron, que é um vira-casaca.
- Vira-casaca? O LeBron ter ido pro Lakers foi a melhor transferência da NBA.
- O lugar dele era com os Cavaliers, ele foi pro Los Angeles Lakers por uma questão de holofote, perdeu meu respeito.
- Todo mundo gosta de um holofote, não tem jeito.
- Holofote é bom, mas não justifica trocar a casa que fez o cara chegar no estrelato.
- Tá certo, tá certo - falou dando o braço a torcer. – Você é fiel, gosto disso. Mas ele é um puta jogador, não tem como negar.
- Nunca, não sou maluca. Ele é incrível, mas eu vou continuar beijando o chão que o Curry pisa - completei o fazendo rir.
- E aí, pai - falou parando atrás de mim me envolvendo com os braços. - Tudo certo?
- Certíssimo. Essa daqui é pra guardar, hein - falou apontando pra mim.
- Você já a convenceu a torcer pros Pelicanos? - perguntou rindo.
- Não consegui, mas ela quase me convenceu a torcer pros Warriors.
- O que?! - gritou incrédulo, quase me deixando surda.
- Pelo menos na costa leste. Do meu lado, vou continuar com os meus Pelicanos.
- Justo – falei. - Se um dia eu for pra lá, prometo que até visto uma camisa do Lonzo.
- Eu não estou acreditando nisso. Meu pai e minha namorada contra mim. Isso é um absurdo.
- Sua o que? - Jane perguntou se levantando chocada da cadeira onde estava. Só não mais chocada que eu.
- Foi modo de dizer, Jane. Se acalma. - justificou rindo de nervoso, e eu tentei disfarçar o coração que pulava da minha boca.
- Namorada ou não, essa daqui é pra se manter por perto - Charles falou segurando minha mão - Uma gata dessas, inteligente e que acompanha os jogos da NBA com você, não pode se jogar fora.
- Jamais - confirmou depositando um beijo na minha bochecha sob os olhares atentos de Jane e, pela primeira vez, eu senti um frio na barriga que já não sentia há muito tempo.
No decorrer da festa era engraçado perceber como as pessoas se interessavam pela vida de . Não pela carreira, ou pela fama, mas porque ele era o filho das anfitriãs. estavam familiares e colegas de trabalha tanto da ngela como da Olívia, mas que tinham pouquíssimo contato com o filho delas, e isso gerava interesse nas pessoas, como se descobrissem algo novo. Automaticamente, eu também virei alvo de interesse. A parte boa era que sabíamos que ninguém ali estava interessado em vender qualquer fofoca, ou tirar fotos nossas, então as conversas aconteciam de forma descontraída e sem constrangimento.
Com o passar do tempo, percebemos que alguém, muito provavelmente Jane, já tinha falado para metade dos convidados que nós estávamos namorando e, depois de algumas tentativas, desistimos de convencê-los do contrário. Não confirmávamos nem negávamos nada. As pessoas falavam que éramos um casal lindo: "obrigada". "A música de vocês é muito romântica": "obrigada". "Ficamos muito felizes de ver o com uma garota tão legal": "obrigada". "Espero que o namoro dê certo": "obrigada"
Não tinha muita opção, gastávamos muito tempo tentando convencer as pessoas de uma coisa que nós mesmos não parecíamos ter total certeza, e ninguém realmente acreditava. Só aceitamos que ali, para aquelas pessoas, nós éramos um casal. E foi bom assim.
ficou do meu lado a noite inteira. Parecia achar que se eu ficasse sozinha por meio minuto, iria desabar e começar a chorar, então se dedicou a me manter ocupada me apresentando a cada um dos convidados, fez um tour detalhadíssimo pela casa, e insistiu para que eu experimentasse basicamente tudo que os garçons serviam. Em algum momento, acho que ele percebeu que aquele clima casamenteiro estava despertando memórias dolorosas em mim, o que foi mais um motivo para ele firmar seu posto como meu cão de guarda.
- Atenção, atenção - Olívia pediu de cima de um pequeno palco posicionado próximo a um muro do jardim. - Eu sei que a minha Angel odeia essas coisas, mas eu adoro, e não seria uma boda se, pelo menos uma de nós, não passasse vergonha com um discurso. Eu prometo que não vou me prolongar muito, para ninguém dormir em pé ou ir embora.
- Se ela demorar muito, quem vai sair correndo é a dona ngela - falou no meu ouvido me fazendo rir.
- Primeiramente, eu queria agradecer a presença de todos aqui. Do fundo do meu coração, eu não sei o que seria das nossas vidas sem cada um de vocês, do apoio e do carinho de vocês. Acho que a essa altura, não é surpresa para ninguém como é difícil se assumir lésbica, gay, trans, ou seja o que for. Não era fácil há 30 anos e ainda não é fácil hoje, por isso, amigos que estão sempre com a gente, que seguram nossa mão e viraram nossa família, são indispensáveis - falou dando um pequena pausa. - ngela, meu amor, nossa família são essas pessoas aqui, você me ensinou isso. Me ensinou a valorizar quem nos valoriza e a enaltecer aqueles que nos querem por perto. Você me ensinou a comemorar os pequenos momentos, a agradecer cada nascer do sol e vibrar com cada receita de brownie que dá certo. Só Deus sabe o quanto foi difícil chegar onde chegamos. Com você eu aprendi que o amor não é um pacotinho que vem pronto, nós temos que construí-lo diariamente, tijolinho por tijolinho, e nós construímos o nosso. Você chegou de mansinho na minha vida, se instalou como uma amiga querida e, quando eu menos esperava, eu já não conseguia me imaginar sem você. O que seria de mim sem as suas risadas escandalosas, sem as suas gritarias por causa de um jogo dos Pelicanos, ou sem as nossas conversas sem sentido antes de pegarmos no sono? Da nossa forma meio torta e atrapalhada, criamos uma família linda e nada convencional, mas que é o meu maior orgulho e eu não poderia ter desejado nada melhor. Você é a minha princesa no cavalo branco que eu tanto pedi à Deus quando eu era criança. Na época eu podia não saber que era isso que eu queria, mas Ele sabia e me deu, por isso, eu só tenho a agradecer e pedir que, com todas as dificuldades que ainda vão surgir, a bagunça no banheiro e os filmes de comédia romântica hiper melosos, você me ature por mais trinta anos.
Era isso que eu queria pra mim, será que era pedir demais?
- Ei, coisa linda, não chora - pediu limpando uma lágrima que já escorria pelo meu rosto e dando um beijo na ponta do meu nariz.
- Eu só estou emocionada - meia verdade - Sua família é perfeita.
- Não, não é - falou . - Ela tem todos os defeitos que qualquer outra tem, só que a minha mãe não ia incluir isso no discurso dela.
- Elas parecem muito felizes - falei às observando enquanto se abraçavam e cochichavam uma no ouvido da outra.
- Isso elas são mesmo, muito.
- Era isso que eu queria. - falei ainda sem tirar os olhos das duas, mas senti os olhos de em mim, tentei ignorar, mas em algum momento não foi mais possível. - O que? - Antes que eu tivesse minha resposta, a banda começou a tocar uma música que devia ser destinada ao casal e ele logo me puxou para a pista.
Ele me envolveu com um braço e me segurou bem próximo ao seu corpo. Ainda com vontade de chorar, encaixei minha cabeça em seu pescoço e, ao som de Conversations in the dark do John Legend, ficamos ali abraçados, nos movimentando o mínimo possível, mas o suficiente para chamar de dança. Eu quase conseguia sentir seu coração batendo, e apesar de cafona, não seria mentira dizer que o meu batia no mesmo ritmo. A tristeza e o medo de mais cedo, estavam dando lugar a calma e ao acalento que me trazia.
Ele podia não ser meu noivo ou mesmo meu namorado de verdade, mas naquele momento a presença de parecia ser o curativo para as minhas feridas. Ele me fazia sentir segura e amada, e era tudo o que eu queria.
Por mais feliz que aquele momento fosse para a minha família, estava claramente mexendo com a cabeça de . Eu não sei até onde os meus esforços para distraí-la durante o dia inteiro, foram bem sucedidos, ela parecia estar sempre à beira de desabar. Quando eu a convidei para vir comigo, eu quis acreditar que ela já tinha superado o ex e tudo que rodeava seu término com ele, mas chegando aqui percebi que não era a realidade. Era egoísmo da minha parte, mas eu fiquei frustrado ao perceber isso. Mesmo assim, de certa forma, a festa também estava mexendo comigo.
- Eu também quero.
- Também quer o que?
- Isso que elas têm - falei e me encarou incrédula.
- Ammel falando que quer casar e construir uma família? Você está doente? - sacaneou tocando na minha testa.
- Não estou dizendo que quero hoje, mas quem sabe um dia?
- Já até imagino com quem seria - ela falou revirando os olhos emburrada.
- Imagina?
- Aquela sua modelete nojenta - ela respondeu e eu não contive o riso. Em nenhum momento ela tinha sequer passado pela minha cabeça.
- Não, eu não tenho nenhuma intenção de casar com a Natalie. Essa história já deu o que tinha que dar - afirmei e recebi um olhar desconfiado dela.
- Você já falou isso pra ela?
- Na verdade, eu falei ontem - respondi e ela deixou o queixo cair em surpresa.
- Mentira. Como foi isso?
- Ela é meio doida, né…
- Essa parte eu já sabia.
- Mas nós não tínhamos nada a ver há muito tempo, não fazia mais sentido. Eu só não tinha aceitado antes.
- E o que mudou? - perguntou curiosa - O que, de repente, fez você aceitar?
- Ela me pediu algo que eu não conseguiria fazer.
- O que?
- Nada, besteira.
- Ela queria tentar uma vibe dominatrix, sadomasoquista... – ela chutou arrancando de mim uma gargalhada que atraiu a atenção de todos em volta.
- Só você mesmo pra imaginar isso... Não foi nada sexual, não.
- Então o que? Não me diz que ela pediu pra você largar a banda.
- Não, não isso - respondi pensando se eu dava a resposta inteira, enquanto continuava me encarando, esperando que eu concluísse. - Ela queria que eu me afastasse de você. Falou que eu tinha que escolher, ou você ou ela - falei e por um minuto ela parou de dançar para me encarar séria.
- O que você respondeu?
- Eu estou aqui com você, não estou? - respondi e vi seu rosto se iluminar e, seu olho voltou a lacrimejar - Eu já te falei, você é importante demais pra mim, eu já nem sei mais o que seria de mim sem a minha coisa linda. - Nesse momento, dançando abraçados e sem ninguém interferindo nos meus pensamentos, eu percebi que o discurso da minha mãe se aplicava a nós. não chegou exatamente de mansinho, foi mais um pé na porta, roubando a minha camisa preferida e me salvando de uma furada, mas ela apareceu como amiga, e as conversas de fim de semana viraram diárias, os jogos de basquete viraram tradição e eu já não conseguiria mais viver sem.
Há alguns meses, se alguém me dissesse que eu dispensaria a Natalie por qualquer outra pessoa, eu não conseguiria acreditar. Mesmo assim, foi a decisão mais fácil que já tomei. Talvez isso quisesse dizer que os meus sentimentos por estavam maiores do que eu percebia, mas eu não poderia agir sobre isso, não poderia nem contar a ela. Eu sabia que ela iria ficar assustada, iria surtar e se afastar de mim e isso, definitivamente, não era uma opção. O ideal seria ir com calma, mas calma nunca foi o meu forte e tê-la junto a mim, dançando lentamente ao som de baladas românticas, não estava me ajudando. Ignorei todas as pessoas que estavam em volta e, sem pressa ou afobação, juntei nossos lábios. Ela não me afastou nem saiu correndo. Aceitou meu beijo, envolveu meu pescoço em suas mãos e fez cada cabelinho da minha nuca se arrepiar...
- Eu achei que tínhamos combinado de manter segredo - ela falou, interrompendo o beijo depois de um tempo.
- Eu acho que não somos muito bons em manter segredo.
- Suas mães estão encarando a gente - falou enterrando o rosto no meu pescoço ao ver minhas mães nos observando ao lado de Jane.
- Elas estão felizes, querem ver o filho casado com uma mulher legal. Sinta-se honrada, elas são bastante exigentes.
- Eu me sinto, mas acho que é uma boa hora para você avisá-las que eu não vou casar.
- Eu não quero casar hoje.
- Eu não quero casar nunca - falou olhando no fundo dos meus olhos.
- Tudo bem, temos bastante tempo para eu fazer você mudar de ideia - falei e ela riu achando graça e foi quando eu percebi que eu estava falando sério.
Eu me casaria com naquele dia mesmo se ela aceitasse, mas um passo de cada vez.
A festa não durou muito mais depois do discurso. Eu já tinha esquecido como evento de gente velha acabava cedo, então quando os convidados começaram a se aproximar para se despedir fiquei impressionado. Não eram nem dez da noite.
O nosso plano inicial era voltar pra Los Angeles ainda no domingo, mas as minhas mães não ficaram nada felizes com a ideia de pegarmos estrada à noite, então, para evitar discussões, concordamos em dormir por lá e acordar cedo para ir embora.
- A gente não pode se atrasar amanhã - falou saindo do banheiro de cabelo molhado e vestindo uma blusa que eu tinha esquecido lá há muito tempo.
- Podemos sair às seis. Não deve ter trânsito, então chegamos em pouco mais de duas horas.
- Se eu me atrasar, minhas chefes vão refazer meu contrato com uma cláusula me proibindo de te ver.
- Você não aceitaria.
- Bonito, eu amo o meu emprego, é óbvio que eu aceitaria.
- Bom saber - falei me arrumando na cama. Agora que a minha família já sabia que estávamos juntos, não sentimos a necessidade de fingir que não e dormir em quartos separados.
Peguei o celular que eu ignorei durante todo o dia e senti um grande desânimo ao ver as trocentas mensagens. Metade era do Ashton, o que não me surpreendia nem um pouco. A maioria era sobre coisas da banda e da setlist da turnê, dos ajustes que ainda precisávamos arrumar, etc, nada que não podia esperar um dia para conversarmos pessoalmente, mas a afobação dele o obrigava a lotar as minhas notificações. Além de todas as besteiras, com vídeos de animais, áudios sem sentido e memes chulos. Passei os olhos rapidamente por tudo, mas a última mensagem me pegou completamente desprevenido e prendeu minha atenção, me fazendo parar de respirar como se alguém tivesse me dado um soco no estômago, ou uma facada nas costas.
- Era isso que você não queria me contar? - falei jogando o celular para .
A Julia me contou que o noivo da voltou. Como estão as coisas aí?
Ela leu a mensagem e, nervosa, desviava o olhar de mim para o celular em sua mão repetidas vezes, como se procurasse o que responder. Deu pra perceber que por um tempo ela conseguiu esquecer daquilo que a perturbava, mas a realidade a alcançou facilmente.
- Era, mas eu ia te contar depois - ela falou sentando na cama ao passo que eu afastei os cobertores e me pus em pé.
- Depois de que? De vocês re-agendarem a data do casamento?
- Claro que não! - ela respondeu jogando o celular de volta pra mim - Eu falei que tinha algo acontecendo, mas que eu só falaria depois da festa, pra não estragar o dia.
- Fala sério, . A gente passou o dia todo nesse faz de conta ridículo de casalzinho, enquanto você estava escondendo que seu noivo voltou.
- Ex-noivo!
- Tem certeza que é ex? Vai continuar sendo ex?
- Por que você está falando isso? - ela perguntou abaixando o tom de voz e fazendo o meu peito se contorcer, mas eu estava puto da vida. E com razão.
- Se você estivesse tão certa de que vocês não vão voltar, que não existe nenhuma possibilidade de que isso aconteça, você teria me falado logo que esse filho da puta voltou. Em vez disso, você me fez passar o dia secando as lágrimas que eram pra ele!
- Meu ex voltou, e daí? Por que você tá tratando disso como se fosse sobre você?
- E daí, que se você tivesse superado e fosse tudo tão simples, você não teria passado o dia todo segurando o choro.
- Ele não foi um namoradinho qualquer que não deu certo. A gente ia se casar! Acho que isso me dá o direito de ficar um pouco chateada.
- O cara foi embora, . Ele te abandonou. Você tem que mandá-lo pra puta que pariu e seguir com sua vida.
- O cara era meu noivo! A gente ficou junto por cinco anos. Ele foi embora, me abandonou, mas isso não apaga tudo que vivemos juntos.
- Patético.
- Como é que é?
- Ele é um babaca.
- Você nem o conhece! – era só o que me faltava.
- Você vai defender o namoradinho? É sério isso?
- Para com isso! Eu não to defendendo ninguém, mas você está sendo um idiota.
- Me responde, então. Você está pensando em voltar com ele? – perguntei nervoso, quase gritando e me contendo para não a segurar pelos ombros e obriga-la a me dizer que não, mas ela continuou em silêncio e isso só me deixou mais irritado. Ou ela não tinha resposta ou não queria me contar e nenhuma das opções eram boas. – Me fala! Ele ainda é seu noivo?
- Não é simples assim - ela falou já soluçando entre lágrimas, mas eu perdi toda e qualquer paciência pra me compadecer. Era uma pergunta simples.
- Eu acho que essa é a minha resposta, então - Só não era a que eu queria.
Já eram 10h50 da manhã e eu tinha combinado de passar para buscar a às 11h. Apesar disso, ela não estava atendendo nenhuma das minhas ligações, nem mesmo visualizou as mensagens que eu mandei. Eu já estava ficando estressado sem saber se ela ainda estava dormindo, se havia esquecido do nosso compromisso, ou se alguma outra coisa tinha acontecido. Fosse o que fosse, seria bom se ela desse sinal de vida. Eu tinha voltado pro meu prédio para buscar meu carro e só estava esperando sua resposta para sair da garagem e ir buscá-la Fiquei sentado no escuro pelo que pareceu uma eternidade. Cheguei a cair no sono, mas fui despertado 11h20 pelas mensagens que apitaram no meu celular.
Eu vou sim
Quase pronta
Me avise quando estiver chegando
Pelas mensagens não dava pra saber se tinha ocorrido ao de errado, mas não quis tirar conclusões precipitadas, provavelmente ela só tinha dormido demais. Esperei alguns minutos antes de dar a partida no carro, apenas para garantir que daria tempo dela terminar de se arrumar.
Mandei uma mensagem, como ela pediu, e fiquei esperando na frente do seu prédio.
Demorou um pouquinho, mas ela apareceu.
- Bom dia, coisa linda – falei dando um sorriso animado, mas não recebi outro em resposta.
- Bom dia. Desculpa não ter atendido, eu não dormi muito bem.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não - ela respondeu, mas olhava para frente evitando olhar para mim. Dava pra ver que seus olhos estavam inchados. Ela tinha chorado. - Só tive um pesadelo.
- Eu te conheço. O que aconteceu?
- Nada demais.
- Me fala.
- Hoje é um dia importante pra você e pra sua família. Será que podemos não falar disso agora? Depois eu te conto.
- Eu não vou conseguir aproveitar o dia sabendo que tem algo te deixando mal.
- Eu to bem, de verdade - pediu se esforçando para me olhar nos olhos - Depois eu te conto.
- Tem certeza?
- Absoluta – Algumas lágrimas se formaram nos seus olhos, mas ela limpou antes de terem tempo para escorrer e, por mais que eu quisesse muito saber o que tinha acontecido, respeitei sua escolha de não me contar naquele momento.
- Minhas mães estão muito ansiosas para te conhecer - falei para mudar de assunto.
- Eu também estou – ela respondeu abrindo um sorriso tímido. - Me fala um pouco delas.
- O que você quer saber?
- Tudo, da história delas. Eu estou indo para as bodas de casamento das duas, mas não sei quase nada sobre elas.
Essa era uma história longa, ocuparia uma boa parte da nossa viagem. Seriam quase três horas até San Diego e, como não estava muito para conversa, eu estava preparado para começar um grande monólogo.
Minhas mães se conheceram quando tinham mais ou menos 25 anos e as duas estavam concorrendo a uma vaga de emprego para um escritório enorme de advocacia em Nova Orleans. Na época as duas nunca tinham se relacionado com outras mulheres, mas desenvolveram uma amizade muito forte e, entre frustrações amorosas e um sentimento profundo que nascia ali, elas acabaram se beijando depois de uma noite de muita bebedeira. Depois disso, elas perceberam que a amizade delas ia além disso e o que sentiam uma pela outra era algo diferente de qualquer coisa que já haviam sentido em qualquer outro relacionamento. Na época, a aceitação para relacionamentos homoafetivos era ainda pior do que hoje, então não foi fácil elas se assumirem. Por muito tempo mantiveram o namoro em segredo, se apresentavam como amigas, e evitavam qualquer tipo de demonstração de afeto em público. Devia ser muito difícil, mas alguns anos depois, quando foram morar juntas, decidiram que não queriam mais se esconder. Quando elas se assumiram para os mais próximos, acabaram perdendo muitos "amigos" e até familiares se afastaram. O pai da Olívia a rejeitou e os pais da ngela também cortaram qualquer tipo de relação, e eu nunca nem cheguei a conhecê-los.
Por causa disso, as duas passaram por muitos estresses e começaram a brigar muito. A Olívia fazia questão de tentar manter uma relação com os familiares e tentar se reaproximar a qualquer custo daqueles que tinham se afastado; enquanto a ngela não tinha paciência para lidar com quem as rejeitavam. Essa discordância acabou criando diversos atritos que as fizeram se afastar e elas resolveram que seria melhor terminar. Mas não durou muito. Elas ficaram uns cinco meses separadas, mas foi o suficiente para ngela engravidar de mim - eu fui o resultado de um caso de apenas uma noite com um dos seus melhores amigos, Charles, vulgo, meu pai. Foi uma baita surpresa e quando a Olívia descobriu, ficou devastada, sentiu-se traída, mas sabendo das dificuldades que vinham junto a uma gravidez inesperada, ainda mais considerando que minha mãe e o meu pai não estavam em um relacionamento e ela não teria ajuda dos seus pais, elas voltaram a se aproximar e entre enjoos matinais e desejos malucos, elas voltaram a morar juntas.
Meu pai sempre foi muito presente. Chegou a morar com as minhas mães nos primeiros meses depois que eu nasci, e depois se mudou e virou nosso vizinho. Os três continuaram muito amigos, então, de certa forma, era como se nós quatro morássemos juntos. Nós e Jane. Ela começou fazendo faxina lá em casa a cada quinze dias quando eu tinha uns 9 anos, mas ela teve uns problemas com o ex-marido dela - ele batia nela - e quando resolveu se divorciar, não tinha para onde ir, então foi morar com a gente. Era para ser uma situação temporária, mas ela virou da família e acabou ficando...
Quando eu tinha quinze anos, a Olívia recebeu uma proposta para ser representante da firma onde trabalhava na nova filial em San Diego então, ela e a ngela se mudaram e eu passei a morar oficialmente com o meu pai. O que foi um pouco estranho, nós dois tínhamos uma relação mais de amigos do que de pai e filho, mas, no fim das contas, deu bastante certo; a Jane botava ordem na casa. Minhas mães voltavam para me visitar mês sim mês não, e eu ia para San Diego mês sim mês não para vê-las.
Isso até eu me mudar para Los Angeles há uns anos. Quando a banda começou a conquistar um público na internet com os vídeos que postava e a aumentar o públicos nos shows, o Samuel nos "descobriu" e, depois de uns três anos aquecendo e construindo uma carreira que já ultrapassava as fronteiras de Louisiana, sugeriu que a Califórnia nos daria novas oportunidades de crescimento. Então, eu saí de Nova Orleans e vim morar em Los Angeles, e a distância das minhas mães que, antes era de quase 3000 km, passou a ser 217 km e, por incrível que pareça, desde então, eu as vejo cada vez menos. O que era mais um motivo para elas reclamarem tanto de eu não as visitá-las.
- Você não encontra com elas há quanto tempo? - perguntou depois de mais de uma hora em silêncio.
- Acho que há uns quatro meses, talvez seis. A gente se fala bastante por telefone, e elas me ligam por vídeo chamada quase toda semana, mas pessoalmente, já tem um bom tempo.
- E o seu pai?
- Também uns quatro meses. Da última vez que eu fui para San Diego, o meu pai foi também. Normalmente, quando tem uma data importante da família, todo mundo se junta. Da última vez, foi aniversário da Jane.
- Ela mora com as suas mães?
- Não. Quando eu fui pra Los Angeles ela foi junto. Ela tinha conseguido um emprego como secretária de uma agência imobiliária. No início ela não queria aceitar, mas como eu ia me mudar ela resolveu aproveitar a oportunidade. Um ano depois ela se casou com um mestre de obras. Eles moram em Pasadena, por isso ela está sempre lá em casa.
Um sorriso e mais silêncio foi o que eu recebi. Tentei puxar assunto em vários momentos e a até tentou responder, dar continuidade a uma conversa, mas claramente era um esforço, ela não estava confortável. Eu não queria forçá-la a me contar qualquer coisa, mas também não estava aguentando vê-la assim.
- Tem certeza que está bem para ir nessa festa? - perguntei e ela me encarou.
- Você não quer que eu vá?
- Não. Quer dizer, claro que quero, mas você claramente não está com cabeça pra isso. Não quero que você sinta que tem que ir. Elas vão entender.
- Já estamos na metade do caminho.
- Não tem problema. Eu posso voltar.
- Não quero voltar, eu quero ir. - respondeu baixando a cabeça e percebi uma lágrima escorrendo por seu rosto.
Eu não sabia o que fazer. Parei em uma loja de conveniência mais à frente e a abracei. Eu a abracei desejando poder tirar dela qualquer que fosse a dor que estava a deixando assim, mas por maior que fosse minha vontade, isso não era possível, então continuei a abraçando esperando que pudesse pelo menos confortá-la de alguma forma.
Ficamos estacionados ali por uns vinte minutos, eu passei o braço em volta dela e com o outro fazia cafuné na sua cabeça. Às vezes seus ombros paravam de tremer, dando a entender que ela tinha parado de chorar, mas eu continuava sentindo suas lágrimas caindo e molhando minha blusa.
- Me desculpa por isso - ela falou secando as lágrimas e se ajeitando no banco do carona quando se acalmou.
- Não precisa se desculpar, mas eu realmente estou ficando preocupado. Tem certeza que não quer voltar?
- Se eu voltar vai ser pior, preciso me distrair de alguma forma.
- Então pelo menos me conta o que está acontecendo.
- Esquece isso, por favor.
- Esquece como, ?
- Alguma coisa aconteceu e você não está bem, não tenho como fingir que está tudo bem.
- Deixa a festa passar, depois eu te conto.
- Eu já não vou conseguir aproveitar a festa, não vai fazer diferença.
- Não fala isso, por favor. É um dia importante pra sua família, eu nunca vou me perdoar se eu estragar isso.
- Tem certeza disso? A gente pode dar meio volta agora, elas vão entender.
- De jeito nenhum, eu já estou ótima – falou forçando um largo sorriso.
- ...
- Bonito, eu vou ficar bem, prometo - falou e se aproximou me dando um selinho - Vamos lá, não podemos nos atrasar.
- Se você mudar de ideia...
- Não vou mudar de ideia.
- Se mudar de ideia e quiser voltar, me avisa. Uma palavra e a gente sai de lá na hora. Ok?
- Você é incrível, sabia?
- Sabia – respondi debochado – por isso sou tão cobiçado pela mulherada.
- Que metido...
- Você que falou que eu sou incrível. Mas pode ficar tranquila que eu só tenho olhos pra você, coisa linda – falei a puxando para mais um beijo.
O resto do caminho foi menos silencioso. queria me provar que estava bem e começou a contar histórias da sua família, o que ela lembrava do Brasil, como foi a mudança e o divórcio dos seus pais. Era claramente um esforço para não cairmos no silêncio e eu voltar a fazer perguntas, mas como isso parecia a distrair, aceitei. Mais quase duas horas de estrada e chegamos.
- Só mais uma coisa - falei assim que parei o carro na frente da casa - as minhas mães têm uma impressão distorcida da nossa amizade…
- Elas acham que a gente namora?
- Não exatamente… elas acham que nós deveríamos namorar.
- Ah, que ótimo.
- Eu já deixei claro que não é o caso, mas caso elas comecem a dar aquelas indiretas bem diretas, só ignora.
- Tudo bem - concordou rindo. Pelo menos essas situações constrangedoras com a minha família poderiam fazer a rir.
Entramos pela porta da frente e a casa estava vazia, com exceção da equipe do buffet. Em compensação, dava para observar, através das janelas, que o jardim dos fundos já estava cheio de convidados. Reparei que meu celular mostrava duas chamadas perdidas da minha mãe e de Jane, provavelmente querendo saber onde estávamos.
Com a festa já acontecendo, subimos direto para o meu quarto para nos arrumarmos rapidamente, antes de darmos de cara com pessoas arrumadas enquanto usávamos jeans e chinelo. Minha mãe ngela não ligava muito para roupas, se dependesse dela eu poderia aparecer de bermuda de praia e regata, mas com Olívia era outra história. Ela fez questão de me ligar antes para conversar sobre o meu traje e o que era ou não aceitável. Me forcei a usar uma blusa social, um terno e uma calça arrumadinha, mas dispensei a gravata e o sapato pomposo.
estava perfeita. Escolheu um vestido creme esvoaçante com algumas flores na parte saia. Poucas vezes eu a vi de salto alto, mas complementava sua escolha de figurino e valorizava suas pernas, deixando-a simplesmente maravilhosa. Que vontade de ignorar essa festa e arrancar essa roupa dela.
- Você está linda - falei dando um beijo em sua testa antes de sairmos para o jardim.
- Você também - respondeu segurando minha mão, mas logo soltou ao ver minhas mães se aproximando com sorrisos quase assustadores de tão grandes.
- Até que enfim!
- Já estávamos achando que vocês não viriam mais.
- Que exageradas - falei revirando os olhos e abraçando as duas de uma vez.
- O importante é que vocês chegaram - Olívia falou se afastando para olhar .
- Dona ngela e Dona Olívia, essa é a que vocês requisitaram tanto a presença - apresentei e percebi seu rosto ficando vermelho de vergonha.
- É claro. As revistas de fofoca só falam dela, você também, ainda lançaram uma música juntos. Eu queria conhecê-la - ngela justificou.
- É um prazer conhecê-las, de verdade. Muito obrigada pelo convite - falou pela primeira vez desde que chegamos na casa e foi respondida com um abraço de Olívia - Eu trouxe uma lembrancinha, espero que vocês gostem. - Completou entregando um embrulho que eu nem tinha percebido que estava em suas mãos.
- Obrigada você, querida. É muito bom finalmente conhecê-la – Olívia respondeu segurando o presente, mas mantendo um olhar fixo em .
Assim como Jane, minhas mães, especialmente a Olívia, tinham grandes restrições no quesito "mulheres na minha vida". Elas não costumavam aceita-las muito bem. Mas, dado esse primeiro encontro, era certo afirmar que seria facilmente aprovada.
Quando meus pais se separaram, não demorou muito para minha mãe decidir voltar para o Brasil, então era muito raro a gente conseguir se encontrar. Em treze anos, nos encontramos três vezes, fora isso, nos falamos por telefone em ligações quase cronometradas, como se estivéssemos batendo ponto. Já o meu pai, eu morei com ele até me mudar para Los Angeles, mas, mesmo enquanto dividíamos um apartamento, não éramos muitos unidos, sempre houve uma falha na nossa comunicação que impedia que nos entendêssemos completamente. Ele era extremamente conservador e tinha esse ideal de filha que "cuidaria" do pai fazendo todo o trabalho de casa e essa não era eu, então brigávamos muito, o que me fazia entender cada vez mais a parte da minha mãe no divórcio. Depois que me mudei, praticamente paramos nos falar, com exceção dos nossos aniversários e do natal, quando nos ligávamos por mera formalidade.
Eu acho que nunca tinha percebido o quanto eu sentia falta de uma família unida até chegar naquela festa. Apesar de tudo, eu amava muito os meus pais e era inevitável sentir saudade e desejar que as coisas fossem diferentes. Mesmo separados, eles podiam ainda se dar bem, se falar, poderíamos nos reunir pelo menos uma vez por ano. Qualquer coisa seria melhor do que a relação que temos hoje.
- Oi, meu amor - Jane se aproximou pra me cumprimentar.
- Oi, Jane - retribui com um abraço.
- Tudo bem?
- Tudo.
- Tem certeza? - perguntou inclinando a cabeça pra me observar.
- O pediu pra você me vigiar?
- Vigiar não. Só pra fazer companhia.
- Não precisa, eu estou bem.
- Ele não acredita muito nisso, está preocupado com você. Vocês brigaram?
- Eu e ? Não. Está tudo bem, eu só estou cansada, não dormi bem - isso não era uma completa mentira.
- Não vou insistir, mas ele me pediu para não te deixar sozinha, então é isso que vou fazer.
- Ele é exagerado, não precisa disso.
- Ele se importa com você. Então vamos tratar de tirar essa cara de enterro, hoje é dia de festa.
- Combinadíssimo - eu queria muito que tivesse um botão que eu pudesse apertar e ficar realmente bem. Por hora, me restava fingir um pouquinho. Pra isso, dei o sorriso mais verdadeiro que eu pude, talvez eu começasse a acreditar nele - A festa está lindíssima, né?
- Está mesmo, mas também, elas não pensam em outra coisa há muito tempo. Estão planejando desde o início do ano.
- Imagino, está incrível - o jardim estava todo decorado com pergolados e plantas trepadeiras com muitas flores, além de gazebos que criavam espaços mais intimistas ao mesmo tempo que davam um ar mais elegante à festa. As hastes e vigas das estruturas eram circundadas por luzes pisca-pisca, e a iluminação pendente acima do jardim daria um efeito de céu estrelado assim que escurecesse. Estava tudo perfeito.
Infelizmente, não tinha como não pensar na decoração que eu tanto tinha planejado para o meu casamento. Eu já tinha alugado uma casa em Malibu. Seria uma cerimônia simples, mas de frente para o mar, durante o pôr do sol e com as nossas famílias unidas. Era o meu casamento dos sonhos, mas como um castelinho de areia, em um piscar de olhos ele desmoronou.
- Eu fico feliz por elas - Jane falou observando as duas conversando animadas com . - Elas passaram por tanta coisa, lutaram tanto para serem aceitas. É lindo ver que elas não desistiram e apesar dos obstáculos não deixaram que ninguém fosse responsável pela felicidade delas, tomaram as rédeas de suas vidas e continuaram em frente. - ela virou para mesa olhando no fundo dos meus olhos, e de repente percebi que aquilo poderia se aplicar a mim também - Sabe, as pessoas têm o péssimo hábito de depositar a felicidade nas mãos dos outros, e acham que só existe um amor de verdade, aquela "alma gêmea" e quando não dá certo acham que é isso. Como se só tivessem uma chance e não podem mais ser felizes ou encontrar alguém que valha a pena. Não é verdade. Ao contrário do que dizem os contos de fada, existem muitos amores pra todo mundo, o problema é que, ou as pessoas vivem a procura do par perfeito e que não existe, ou se fecham pra qualquer possibilidade, por medo de se machucar, e acabam não percebendo quando o amor está bem na sua frente.
- Eu não sei se acredito nisso.
- Eu sei que não. Você foi muito magoada pelo seu ex-noivo e agora se fechou completamente para qualquer chance de achar alguém legal, e não consegue perceber que esse "alguém" pode ser só à alguns passos de distância.
- Não começa com isso Jane - falei achando graça. Indiretas diretas, entendi.
- Não falei nomes, você concluiu sozinha.
- Sei…
- Eu já sei que vocês estão juntos, não precisa mais ficar tentando me enrolar - ela falou e eu não consegui deixar de arregalar os olhos na sua direção. Será que o mundo todo sabia?
- Não estamos, não - falei rindo, sem conseguir disfarçar. - De onde você tirou isso?
- Eu conheço o como poucos, não adianta tentar me enganar. Ele está diferente, todo babão, preocupado...
- Isso é coisa de amigos - tentei pela última vez, mas era óbvio que ela já sabia.
- Chamem como quiserem - falou revirando os olhos - eu fico muito feliz. Eu percebo como você faz bem a ele e, por mais que não queira admitir, eu sei que ele também faz muito bem a você. Não estou dizendo que vocês precisam estampar a vida de vocês nas capas das revistas, mas ficar fingindo pra vocês mesmos que não tem nada acontecendo, não vai ajudar. Vocês dois são adultos e pessoas incríveis e estão perdendo tempo.
- Obrigada - falei sorrindo. Eu sabia que Jane estava imaginando que eu e tínhamos um relacionamento bem mais tradicional do que realmente tínhamos, mas era fofo vê-la falando daquela forma. Não posso mentir que eu não gostaria de ter aquilo de novo, alguém que estivesse sempre comigo. Mas agora não era o momento de pensar nisso, o meu passado, que eu estava começando a superar, estava mais perto do que eu gostaria, e isso tinha que ser resolvido antes de pensar no futuro.
- Charles, vem aqui! - Jane falou segurando o pulso de um homem que passava por nós e, antes mesmo que ela nos apresentasse, eu sabia que era o pai de . Mesmos olhos esverdeados, mesma forma de andar, mesmo sorriso, era uma versão mais velha do . Era um senhor muito bonito, com cabelos levemente grisalhos que lhe davam um toque interessante. Eu particularmente nunca me interessei por homens muito mais velhos, mas ele me parecia um ótimo partido, tirando o fato de ser pai do cara que dormia comigo. - Deixe-me te apresentar, essa é a .
- , minha nora? - ele perguntou e automaticamente eu senti minhas bochechas esquentarem. Nora? Que história era aquela?
- Quase - Jane respondeu rindo e eu soube imediatamente que era coisa dela.
- Quase nada! - me defendi rindo - Eu sou amiga do , só amiga.
- Eu sei, gatinha - aparentemente ele também gostava de apelidos - É uma brincadeira nossa, mais para implicar com o meu filho, mesmo. É ótimo te conhecer.
- Digo o mesmo, senhor.
- Senhor não, pelo amor de Deus. Eu tento me convencer que ainda sou jovem e esse "senhor" só atrapalha - concluiu me observando de cima a baixo e eu não posso negar que fiquei um pouco desconcertada. - Meu filho tem muito bom gosto, você é uma menina muito bonita.
- Obrigada - respondi completamente sem graça.
- Só tem um defeito - ele falou e eu cheguei a ajeitar a minha postura com o nervosismo. - Ele me falou que você é torcedora do Golden State Warriors, como assim? - concluiu e eu não contive a gargalhada.
- Mas é óbvio. Pra quem mais eu torceria?
- Eu, particularmente, acho os Pelicanos uma boa opção.
- Mas aí fica difícil… Nova Orleans é muito longe, quando eu conseguiria assistir a um jogo?
- Mas o Golden State é de São Francisco. Por que não os Lakers? São muito melhores e ainda são da sua cidade.
- Melhores nada, o time melhorou nas últimas temporadas com a entrada do LeBron, que é um vira-casaca.
- Vira-casaca? O LeBron ter ido pro Lakers foi a melhor transferência da NBA.
- O lugar dele era com os Cavaliers, ele foi pro Los Angeles Lakers por uma questão de holofote, perdeu meu respeito.
- Todo mundo gosta de um holofote, não tem jeito.
- Holofote é bom, mas não justifica trocar a casa que fez o cara chegar no estrelato.
- Tá certo, tá certo - falou dando o braço a torcer. – Você é fiel, gosto disso. Mas ele é um puta jogador, não tem como negar.
- Nunca, não sou maluca. Ele é incrível, mas eu vou continuar beijando o chão que o Curry pisa - completei o fazendo rir.
- E aí, pai - falou parando atrás de mim me envolvendo com os braços. - Tudo certo?
- Certíssimo. Essa daqui é pra guardar, hein - falou apontando pra mim.
- Você já a convenceu a torcer pros Pelicanos? - perguntou rindo.
- Não consegui, mas ela quase me convenceu a torcer pros Warriors.
- O que?! - gritou incrédulo, quase me deixando surda.
- Pelo menos na costa leste. Do meu lado, vou continuar com os meus Pelicanos.
- Justo – falei. - Se um dia eu for pra lá, prometo que até visto uma camisa do Lonzo.
- Eu não estou acreditando nisso. Meu pai e minha namorada contra mim. Isso é um absurdo.
- Sua o que? - Jane perguntou se levantando chocada da cadeira onde estava. Só não mais chocada que eu.
- Foi modo de dizer, Jane. Se acalma. - justificou rindo de nervoso, e eu tentei disfarçar o coração que pulava da minha boca.
- Namorada ou não, essa daqui é pra se manter por perto - Charles falou segurando minha mão - Uma gata dessas, inteligente e que acompanha os jogos da NBA com você, não pode se jogar fora.
- Jamais - confirmou depositando um beijo na minha bochecha sob os olhares atentos de Jane e, pela primeira vez, eu senti um frio na barriga que já não sentia há muito tempo.
No decorrer da festa era engraçado perceber como as pessoas se interessavam pela vida de . Não pela carreira, ou pela fama, mas porque ele era o filho das anfitriãs. estavam familiares e colegas de trabalha tanto da ngela como da Olívia, mas que tinham pouquíssimo contato com o filho delas, e isso gerava interesse nas pessoas, como se descobrissem algo novo. Automaticamente, eu também virei alvo de interesse. A parte boa era que sabíamos que ninguém ali estava interessado em vender qualquer fofoca, ou tirar fotos nossas, então as conversas aconteciam de forma descontraída e sem constrangimento.
Com o passar do tempo, percebemos que alguém, muito provavelmente Jane, já tinha falado para metade dos convidados que nós estávamos namorando e, depois de algumas tentativas, desistimos de convencê-los do contrário. Não confirmávamos nem negávamos nada. As pessoas falavam que éramos um casal lindo: "obrigada". "A música de vocês é muito romântica": "obrigada". "Ficamos muito felizes de ver o com uma garota tão legal": "obrigada". "Espero que o namoro dê certo": "obrigada"
Não tinha muita opção, gastávamos muito tempo tentando convencer as pessoas de uma coisa que nós mesmos não parecíamos ter total certeza, e ninguém realmente acreditava. Só aceitamos que ali, para aquelas pessoas, nós éramos um casal. E foi bom assim.
ficou do meu lado a noite inteira. Parecia achar que se eu ficasse sozinha por meio minuto, iria desabar e começar a chorar, então se dedicou a me manter ocupada me apresentando a cada um dos convidados, fez um tour detalhadíssimo pela casa, e insistiu para que eu experimentasse basicamente tudo que os garçons serviam. Em algum momento, acho que ele percebeu que aquele clima casamenteiro estava despertando memórias dolorosas em mim, o que foi mais um motivo para ele firmar seu posto como meu cão de guarda.
- Atenção, atenção - Olívia pediu de cima de um pequeno palco posicionado próximo a um muro do jardim. - Eu sei que a minha Angel odeia essas coisas, mas eu adoro, e não seria uma boda se, pelo menos uma de nós, não passasse vergonha com um discurso. Eu prometo que não vou me prolongar muito, para ninguém dormir em pé ou ir embora.
- Se ela demorar muito, quem vai sair correndo é a dona ngela - falou no meu ouvido me fazendo rir.
- Primeiramente, eu queria agradecer a presença de todos aqui. Do fundo do meu coração, eu não sei o que seria das nossas vidas sem cada um de vocês, do apoio e do carinho de vocês. Acho que a essa altura, não é surpresa para ninguém como é difícil se assumir lésbica, gay, trans, ou seja o que for. Não era fácil há 30 anos e ainda não é fácil hoje, por isso, amigos que estão sempre com a gente, que seguram nossa mão e viraram nossa família, são indispensáveis - falou dando um pequena pausa. - ngela, meu amor, nossa família são essas pessoas aqui, você me ensinou isso. Me ensinou a valorizar quem nos valoriza e a enaltecer aqueles que nos querem por perto. Você me ensinou a comemorar os pequenos momentos, a agradecer cada nascer do sol e vibrar com cada receita de brownie que dá certo. Só Deus sabe o quanto foi difícil chegar onde chegamos. Com você eu aprendi que o amor não é um pacotinho que vem pronto, nós temos que construí-lo diariamente, tijolinho por tijolinho, e nós construímos o nosso. Você chegou de mansinho na minha vida, se instalou como uma amiga querida e, quando eu menos esperava, eu já não conseguia me imaginar sem você. O que seria de mim sem as suas risadas escandalosas, sem as suas gritarias por causa de um jogo dos Pelicanos, ou sem as nossas conversas sem sentido antes de pegarmos no sono? Da nossa forma meio torta e atrapalhada, criamos uma família linda e nada convencional, mas que é o meu maior orgulho e eu não poderia ter desejado nada melhor. Você é a minha princesa no cavalo branco que eu tanto pedi à Deus quando eu era criança. Na época eu podia não saber que era isso que eu queria, mas Ele sabia e me deu, por isso, eu só tenho a agradecer e pedir que, com todas as dificuldades que ainda vão surgir, a bagunça no banheiro e os filmes de comédia romântica hiper melosos, você me ature por mais trinta anos.
Era isso que eu queria pra mim, será que era pedir demais?
- Ei, coisa linda, não chora - pediu limpando uma lágrima que já escorria pelo meu rosto e dando um beijo na ponta do meu nariz.
- Eu só estou emocionada - meia verdade - Sua família é perfeita.
- Não, não é - falou . - Ela tem todos os defeitos que qualquer outra tem, só que a minha mãe não ia incluir isso no discurso dela.
- Elas parecem muito felizes - falei às observando enquanto se abraçavam e cochichavam uma no ouvido da outra.
- Isso elas são mesmo, muito.
- Era isso que eu queria. - falei ainda sem tirar os olhos das duas, mas senti os olhos de em mim, tentei ignorar, mas em algum momento não foi mais possível. - O que? - Antes que eu tivesse minha resposta, a banda começou a tocar uma música que devia ser destinada ao casal e ele logo me puxou para a pista.
Ele me envolveu com um braço e me segurou bem próximo ao seu corpo. Ainda com vontade de chorar, encaixei minha cabeça em seu pescoço e, ao som de Conversations in the dark do John Legend, ficamos ali abraçados, nos movimentando o mínimo possível, mas o suficiente para chamar de dança. Eu quase conseguia sentir seu coração batendo, e apesar de cafona, não seria mentira dizer que o meu batia no mesmo ritmo. A tristeza e o medo de mais cedo, estavam dando lugar a calma e ao acalento que me trazia.
Ele podia não ser meu noivo ou mesmo meu namorado de verdade, mas naquele momento a presença de parecia ser o curativo para as minhas feridas. Ele me fazia sentir segura e amada, e era tudo o que eu queria.
Por mais feliz que aquele momento fosse para a minha família, estava claramente mexendo com a cabeça de . Eu não sei até onde os meus esforços para distraí-la durante o dia inteiro, foram bem sucedidos, ela parecia estar sempre à beira de desabar. Quando eu a convidei para vir comigo, eu quis acreditar que ela já tinha superado o ex e tudo que rodeava seu término com ele, mas chegando aqui percebi que não era a realidade. Era egoísmo da minha parte, mas eu fiquei frustrado ao perceber isso. Mesmo assim, de certa forma, a festa também estava mexendo comigo.
- Eu também quero.
- Também quer o que?
- Isso que elas têm - falei e me encarou incrédula.
- Ammel falando que quer casar e construir uma família? Você está doente? - sacaneou tocando na minha testa.
- Não estou dizendo que quero hoje, mas quem sabe um dia?
- Já até imagino com quem seria - ela falou revirando os olhos emburrada.
- Imagina?
- Aquela sua modelete nojenta - ela respondeu e eu não contive o riso. Em nenhum momento ela tinha sequer passado pela minha cabeça.
- Não, eu não tenho nenhuma intenção de casar com a Natalie. Essa história já deu o que tinha que dar - afirmei e recebi um olhar desconfiado dela.
- Você já falou isso pra ela?
- Na verdade, eu falei ontem - respondi e ela deixou o queixo cair em surpresa.
- Mentira. Como foi isso?
- Ela é meio doida, né…
- Essa parte eu já sabia.
- Mas nós não tínhamos nada a ver há muito tempo, não fazia mais sentido. Eu só não tinha aceitado antes.
- E o que mudou? - perguntou curiosa - O que, de repente, fez você aceitar?
- Ela me pediu algo que eu não conseguiria fazer.
- O que?
- Nada, besteira.
- Ela queria tentar uma vibe dominatrix, sadomasoquista... – ela chutou arrancando de mim uma gargalhada que atraiu a atenção de todos em volta.
- Só você mesmo pra imaginar isso... Não foi nada sexual, não.
- Então o que? Não me diz que ela pediu pra você largar a banda.
- Não, não isso - respondi pensando se eu dava a resposta inteira, enquanto continuava me encarando, esperando que eu concluísse. - Ela queria que eu me afastasse de você. Falou que eu tinha que escolher, ou você ou ela - falei e por um minuto ela parou de dançar para me encarar séria.
- O que você respondeu?
- Eu estou aqui com você, não estou? - respondi e vi seu rosto se iluminar e, seu olho voltou a lacrimejar - Eu já te falei, você é importante demais pra mim, eu já nem sei mais o que seria de mim sem a minha coisa linda. - Nesse momento, dançando abraçados e sem ninguém interferindo nos meus pensamentos, eu percebi que o discurso da minha mãe se aplicava a nós. não chegou exatamente de mansinho, foi mais um pé na porta, roubando a minha camisa preferida e me salvando de uma furada, mas ela apareceu como amiga, e as conversas de fim de semana viraram diárias, os jogos de basquete viraram tradição e eu já não conseguiria mais viver sem.
Há alguns meses, se alguém me dissesse que eu dispensaria a Natalie por qualquer outra pessoa, eu não conseguiria acreditar. Mesmo assim, foi a decisão mais fácil que já tomei. Talvez isso quisesse dizer que os meus sentimentos por estavam maiores do que eu percebia, mas eu não poderia agir sobre isso, não poderia nem contar a ela. Eu sabia que ela iria ficar assustada, iria surtar e se afastar de mim e isso, definitivamente, não era uma opção. O ideal seria ir com calma, mas calma nunca foi o meu forte e tê-la junto a mim, dançando lentamente ao som de baladas românticas, não estava me ajudando. Ignorei todas as pessoas que estavam em volta e, sem pressa ou afobação, juntei nossos lábios. Ela não me afastou nem saiu correndo. Aceitou meu beijo, envolveu meu pescoço em suas mãos e fez cada cabelinho da minha nuca se arrepiar...
- Eu achei que tínhamos combinado de manter segredo - ela falou, interrompendo o beijo depois de um tempo.
- Eu acho que não somos muito bons em manter segredo.
- Suas mães estão encarando a gente - falou enterrando o rosto no meu pescoço ao ver minhas mães nos observando ao lado de Jane.
- Elas estão felizes, querem ver o filho casado com uma mulher legal. Sinta-se honrada, elas são bastante exigentes.
- Eu me sinto, mas acho que é uma boa hora para você avisá-las que eu não vou casar.
- Eu não quero casar hoje.
- Eu não quero casar nunca - falou olhando no fundo dos meus olhos.
- Tudo bem, temos bastante tempo para eu fazer você mudar de ideia - falei e ela riu achando graça e foi quando eu percebi que eu estava falando sério.
Eu me casaria com naquele dia mesmo se ela aceitasse, mas um passo de cada vez.
A festa não durou muito mais depois do discurso. Eu já tinha esquecido como evento de gente velha acabava cedo, então quando os convidados começaram a se aproximar para se despedir fiquei impressionado. Não eram nem dez da noite.
O nosso plano inicial era voltar pra Los Angeles ainda no domingo, mas as minhas mães não ficaram nada felizes com a ideia de pegarmos estrada à noite, então, para evitar discussões, concordamos em dormir por lá e acordar cedo para ir embora.
- A gente não pode se atrasar amanhã - falou saindo do banheiro de cabelo molhado e vestindo uma blusa que eu tinha esquecido lá há muito tempo.
- Podemos sair às seis. Não deve ter trânsito, então chegamos em pouco mais de duas horas.
- Se eu me atrasar, minhas chefes vão refazer meu contrato com uma cláusula me proibindo de te ver.
- Você não aceitaria.
- Bonito, eu amo o meu emprego, é óbvio que eu aceitaria.
- Bom saber - falei me arrumando na cama. Agora que a minha família já sabia que estávamos juntos, não sentimos a necessidade de fingir que não e dormir em quartos separados.
Peguei o celular que eu ignorei durante todo o dia e senti um grande desânimo ao ver as trocentas mensagens. Metade era do Ashton, o que não me surpreendia nem um pouco. A maioria era sobre coisas da banda e da setlist da turnê, dos ajustes que ainda precisávamos arrumar, etc, nada que não podia esperar um dia para conversarmos pessoalmente, mas a afobação dele o obrigava a lotar as minhas notificações. Além de todas as besteiras, com vídeos de animais, áudios sem sentido e memes chulos. Passei os olhos rapidamente por tudo, mas a última mensagem me pegou completamente desprevenido e prendeu minha atenção, me fazendo parar de respirar como se alguém tivesse me dado um soco no estômago, ou uma facada nas costas.
- Era isso que você não queria me contar? - falei jogando o celular para .
A Julia me contou que o noivo da voltou. Como estão as coisas aí?
Ela leu a mensagem e, nervosa, desviava o olhar de mim para o celular em sua mão repetidas vezes, como se procurasse o que responder. Deu pra perceber que por um tempo ela conseguiu esquecer daquilo que a perturbava, mas a realidade a alcançou facilmente.
- Era, mas eu ia te contar depois - ela falou sentando na cama ao passo que eu afastei os cobertores e me pus em pé.
- Depois de que? De vocês re-agendarem a data do casamento?
- Claro que não! - ela respondeu jogando o celular de volta pra mim - Eu falei que tinha algo acontecendo, mas que eu só falaria depois da festa, pra não estragar o dia.
- Fala sério, . A gente passou o dia todo nesse faz de conta ridículo de casalzinho, enquanto você estava escondendo que seu noivo voltou.
- Ex-noivo!
- Tem certeza que é ex? Vai continuar sendo ex?
- Por que você está falando isso? - ela perguntou abaixando o tom de voz e fazendo o meu peito se contorcer, mas eu estava puto da vida. E com razão.
- Se você estivesse tão certa de que vocês não vão voltar, que não existe nenhuma possibilidade de que isso aconteça, você teria me falado logo que esse filho da puta voltou. Em vez disso, você me fez passar o dia secando as lágrimas que eram pra ele!
- Meu ex voltou, e daí? Por que você tá tratando disso como se fosse sobre você?
- E daí, que se você tivesse superado e fosse tudo tão simples, você não teria passado o dia todo segurando o choro.
- Ele não foi um namoradinho qualquer que não deu certo. A gente ia se casar! Acho que isso me dá o direito de ficar um pouco chateada.
- O cara foi embora, . Ele te abandonou. Você tem que mandá-lo pra puta que pariu e seguir com sua vida.
- O cara era meu noivo! A gente ficou junto por cinco anos. Ele foi embora, me abandonou, mas isso não apaga tudo que vivemos juntos.
- Patético.
- Como é que é?
- Ele é um babaca.
- Você nem o conhece! – era só o que me faltava.
- Você vai defender o namoradinho? É sério isso?
- Para com isso! Eu não to defendendo ninguém, mas você está sendo um idiota.
- Me responde, então. Você está pensando em voltar com ele? – perguntei nervoso, quase gritando e me contendo para não a segurar pelos ombros e obriga-la a me dizer que não, mas ela continuou em silêncio e isso só me deixou mais irritado. Ou ela não tinha resposta ou não queria me contar e nenhuma das opções eram boas. – Me fala! Ele ainda é seu noivo?
- Não é simples assim - ela falou já soluçando entre lágrimas, mas eu perdi toda e qualquer paciência pra me compadecer. Era uma pergunta simples.
- Eu acho que essa é a minha resposta, então - Só não era a que eu queria.
Capítulo 10
10
A reunião da banda com a nossa produção já devia estar em sua segunda ou terceira hora de duração e eu não fazia a menor ideia do que estavam falando. Provavelmente ainda era algo sobre nossos shows que voltariam nas próximas semanas e, com certeza eram coisas importantes e que mereciam toda a minha atenção, mas a minha cabeça estava em um lugar completamente diferente.
A inesperada e indesejada volta do tal Derek estava mexendo com o meu psicológico de uma forma que eu não esperava, e a reação da em relação a isso estava me torturando.
Quando tudo estourou, depois que descobri sobre a volta dele por uma mensagem de Ashton, eu não reagi muito bem e saí do quarto para tentar esfriar a cabeça. Nada adiantou. Eu mal conseguia olhar pra , não queria conversar com ela, que dirá ficar trancado dentro de um carro por quase três horas. Nossa volta foi extremamente silenciosa e desde então não tínhamos conversado. Já tinham se passado duas semanas e eu não sabia se ela estava esperando que eu fosse atrás dela, mas eu não daria o braço a torcer.
Ela errou ao me esconder sobre a volta do Derek.
Tínhamos passado uma tarde tão boa. Esquecemos de qualquer problema externo, de qualquer coisa que estivesse além daquele jardim e, por algumas horas, nós fomos um casal de verdade. Sem segredos. Pelo menos pra mim foi assim. Por que enquanto eu estava agindo feito um idiota apaixonado, ela estava pensando no noivinho dela que ressurgiu das cinzas.
- , tá dormindo? - Calum me cutucou quase me fazendo cair da cadeira.
- Você prestou atenção em alguma coisa que falaram aqui? - Michael perguntou, mas eu o ignorei - Cara, eu sei que toda a situação da está mexendo com você, mas faltam menos de duas semanas pra turnê. Nós vamos lançar um álbum depois de amanhã. Seria bom você se ligar no que está acontecendo.
- Eu realmente estou sem cabeça pra isso - falei sem paciência. - Sem cabeça pra horas de reunião e muito menos pra sermão.
- Não é sermão, . Você não quer resolver a sua história com a , mas também não consegue se concentrar no trabalho. Assim fica difícil.
- Conversa com ela de uma vez - Ashton falou sentando na cadeira do meu lado.
- Conversar sobre o que? O noivo dela voltou, ela tá ocupada o suficiente com ele, não precisa mais de mim.
- Deixa de ser idiota.
- Eu to falando sério. Foi ela quem pisou na bola e se quisesse conversar já teria vindo me procurar. Sou sempre eu quem vai atrás, está na hora dela se esforçar um pouquinho também.
- Você não acha que tá sendo um pouquinho egoísta? - Calum perguntou e eu bati com o punho na mesa de raiva.
- Egoísta? Você está de sacanagem? Eu fiquei do lado dela todos esses meses. Fiz de tudo, desde secar as lágrimas até arranjar uma transa pra ela, e a gente estava indo bem, nos entendemos, avançamos na nossa relação e agora que esse cara voltou, ela sumiu. Nem se deu ao trabalho de ligar ou mandar uma mensagem - falei cansado e desacreditado.
- Não é assim, cara. Você está agindo como se tudo fosse sobre você. Já parou pra pensar como a está no meio disso tudo? - Calum perguntou tentando me acalmar.
- Considerando o sumiço, ela deve estar bem entretida.
- É bem isso que o cara lá quer que você pense - Michael esbravejou. - A já falou que não vai voltar com ele, mas enquanto você está aqui chupando o dedo, ele manda presentinho e flores pra ela todos os dias.
- Nem fala - Ashton falou puxando uma caixa de chocolates da mochila - Vocês já comeram esses aqui? Ele deixou lá ontem e são incríveis… eu casava com ele.
- Cala a boca, Ashton - Calum pediu em uma tentativa de repreender a falta de noção do outro.
- O que? A falou que eu podia pegar.
- Espero que morra engasgado - falei sem paciência.
- Não adianta descontar em mim, não. Enquanto você está aqui todo orgulhoso, sem querer procurar a , ele tá lá, dando a vida pra conseguir voltar com ela. E ela pode ter dito que não vai acontecer, mas o cara está empenhado, aproveitando cada minuto que você tá jogando fora.
- Ele tem ido muito lá?
- Eu só esbarrei com ele uma vez, mas a Julia falou que ele tem ido quase todo dia - Ashton respondeu.
- Você encontrou com ele? Como ele é?
- Um gato - respondeu debochado. - Sei lá, cara. É normal, eu acho. Fez uma cara feia quando me viu, mas relaxou quando a me apresentou como namorado da Ju.
- Você e a Julia estão namorando? - Michael perguntou sem entender.
- Não - Ash falou parecendo desanimado - foi só uma desculpa, eu acho.
- Mas a apresentou vocês dois, né? Então a coisa tá evoluindo? Bom saber…
- Não tem nada evoluindo, idiota. Ele tinha ido buscar uma poltrona dele, mas a tinha jogado fora - respondeu rindo.
- Eu lembro - falei recordando a primeira vez que fui na casa dela e ela estava se desfazendo das coisas dele. Eu ajudei.
- Eu realmente acho que você deveria ligar pra ela - Michael sugeriu. - Já se passaram duas semanas. Isso está indo longe demais.
- Eu acabei de dizer que sou sempre eu quem vai atrás dela. Se eu fosse atrás mais uma vez, o que isso diria sobre mim?
- Que você se importa?
- Que você entende que é uma situação difícil pra ela? - Calum sugeriu depois
- Eu perguntei pra ela se ele iria continuar sendo seu ex e ela falou que "não é simples assim" - falei enfatizando as aspas. - Ela pode ter dito pra vocês que não vai voltar com ele, mas ela ainda está se decidindo. Ela ainda considera dar uma segunda chance pro babaca.
- Como você sabe se não conversa com ela?!
- Eu conheço a . Se ela estivesse decidida, já teria vindo falar comigo.
- Aí pra facilitar a decisão dela, você resolveu ficar bem longe. Muito esperto. - Ashton falou dando uma tapa na minha cabeça.
- Ela também tem celular, pode me ligar a hora que quiser.
- Eu espero que você saiba o que está fazendo - Calum falou saindo da sala.
- Eu também - Michael continuou. - Até porque, como namorado da Helena, eu vou ser obrigado a ir ao casamento da , independente de quem esteja esperando no altar.
Quem disse que notícia ruim chega rápido não conheceu meu ex-noivo. Ele preferiu esperar que eu me restabelecesse sem ele, seguisse com a minha vida e me envolvesse com outra pessoa, para aparecer na minha porta e me desestabilizar completamente. Mais uma vez.
Eu achei que tinha aprendido a compartimentar os meus problemas e focar 100% da minha atenção no meu trabalho, ignorando tudo de ruim que acontecia na minha vida. Mas isso não estava funcionando. Esse era o poder que ele tinha sobre mim, me fazer arruinar meu trabalho. Mais uma vez.
Derek estava se empenhando diariamente em me fazer conversar com ele e tentar me mostrar que ainda podíamos ser o que fomos antes. Pra isso, tocava minha campainha com uma desculpa de que cada dia precisava de alguma coisa dele que estava lá em casa e aproveitava para deixar flores ou chocolates. Eu já tinha falado que não pretendia voltar com ele, e que também não estava pronta para ter um conversa séria e definitiva sobre tudo o que aconteceu, mas ao invés de respeitar isso, ele preferia continuar aparecendo sem ser convidado e insistia em estabelecer conversas sobre assuntos cotidianos, como o tempo ou algum filme que ele queria assistir, como se aquilo tudo fosse muito natural.
Em uma tentativa desesperada de evitar mais desses encontros, eu comecei a sair de casa antes das oito da manhã e voltava depois das nove da noite. Apesar disso, passava o dia inteiro sem conseguir me concentrar no meu trabalho, pensando em toda a bagunça que tinha voltado a invadir a minha vida.
Consequentemente, o meu trabalho estava indo de mal a pior. Eu fazia tudo errado, não conseguia me organizar para nada, misturei todos os prazos, atrasei entregas e as minhas tarefas estavam ficando incompletas e mal feitas. Por isso, quando a minha chefe me chamou na sua sala, não fiquei muito surpresa, eu sabia que iria levar um esporro daqueles.
- Boa tarde, Sara, tudo bem? Precisa de alguma coisa? - entrei em sua sala tentando me manter o mais calma possível.
- Pode se sentar, por favor - merda, merda, merda - , eu estive conversando com a Mikaela, e nós temos prestado atenção em você e no seu trabalho…
- Eu sei que a minha cabeça não tem estado no lugar e eu tenho deixado a desejar em alguns quesitos, mas eu vou me monitorar para isso não voltar a acontecer.
- Nós entendemos que a sua vida mudou muito nos últimos meses, e você está se ajustando às mudanças e que isso pode ser difícil, mas isso tem afetado demais o seu desempenho.
- Eu sinto muito, mesmo.
- Eu também sinto, , mas vamos ter que deixar você ir - ela falou e eu entrei em estado de choque. Tudo bem que eu não tenho sido exemplo de funcionária nas últimas semanas, talvez meses, mas e os outros quatro anos?!
- Por favor, Sara, isso não vai se repetir. Essas últimas semanas foram muito complicadas, mas eu estou me esforçando.
- , o problema não foram só nas últimas semanas, já tem meses que você está distraída, ficou semanas trabalhando de casa usando uma virose como desculpa e, mesmo a gente sabendo que não era verdade, achamos que você merecia aquele tempo para lidar com o que tinha acontecido, mas desde então as coisas não voltaram aos eixos. Começaram os problemas com a imprensa que, querendo ou não, afetam a imagem da editora e, em cima disso tudo, o seu trabalho em si tem estado muito desleixado.
- Eu sinto muito Sara, mesmo, mas eu preciso desse emprego, eu amo trabalhar aqui. Eu vou me esforçar mais, eu vou…
- Eu também sinto muito, mas a decisão já está tomada - ela afirmou e eu deixei escapar uma lágrima. A última coisa que eu queria era cair no berreiro e me humilhar para ela, mas não conseguir conter. - Você é uma ótima garota, ainda jovem e com muito talento, mas está passando por uma fase difícil, talvez um tempo em casa seja exatamente o que você está precisando.
Um tempo em casa seria ótimo, uma pena que desemprego não pagaria as minhas contas. Como se eu já não tivesse dor de cabeça o suficiente, agora teria que descobrir como me sustentar sem ganhar um salário.
Além disso, a minha casa não tem sido o melhor lugar do mundo. Enquanto eu não reunisse forças para tomar uma decisão definitiva e conversar com Derek sobre o que eu queria, ele continuaria aparecendo lá, tentando fazer o papel de homem arrependido, e eu não teria paz.
Para evitar mais um desses episódios, minha caminhada para longe do escritório se prolongou e fiquei vagando pelas ruas e vielas até tomar um rumo natural para o lugar em que eu sabia que seria acolhida e receberia o colo que eu tanto precisava.
- , minha filha, que surpresa boa! - Seu Osmar falou de trás da caixa registradora me observando passar pela porta e me aproximar. Já era fim de tarde e como toda quinta-feira, aquele seria um dia cheio no bar. Quase não havia mais mesas vazias.
- ! - Marcondes veio me abraçar tirando meus pés do chão, como sempre, quase me fazendo esbarrar em um grupo de clientes parado perto de mim.
- Oi, gente, estava com saudade e resolvi dar uma passada para ver vocês - falei dando a volta no balcão para cumprimentar o dono do bar.
- Você está com uma carinha… O que aconteceu?
- Não é nada, está tudo bem. Só precisava ver vocês mesmo - falei tentando disfarçar a tristeza.
- Eu te conheço, menina - falou puxando um banquinho para que eu me sentasse ao seu lado. - Me conta, o que está te perturbando?
- Tanta coisa que eu nem sei por onde começar - falei suspirando e deixando meu corpo relaxar ao me sentar. - O Derek voltou.
- Não acredito! Quando foi isso?
- Há umas duas semanas.
- E aí? O que ele falou? - perguntou em uma mistura de preocupação e curiosidade.
- Não muito. Ele pediu desculpas por ter ido embora sem falar nada, falou que se arrepende e que quer tentar de novo.
- E você?
- Eu não quis conversar com ele ainda. Foi tudo muito rápido, eu levei um susto.
- Eu imagino, mas você ainda gosta dele? Quer retomar o noivado.
- Não - afirmei com toda a certeza que tinha no meu ser, mas recuei - não sei.
- Não sabe se ainda gosta dele ou se quer retomar o noivado?
- Nenhum dos dois. Eu mudei muito, não sou mais como era há três meses. Tudo mudou, na verdade - falei pensando em tudo que tinha acontecido nesse tempo. A minha vida virou de cabeça pra baixo e tinham coisas que eu não queria que mudassem por causa da volta do Derek.
- E aquele rapaz da banda? - Seu Osmar falou me observando e abriu um sorriso de lado quando viu minha expressão de confusão - Eu sou velho, mas ainda sei das coisas. Eu lembro que vocês se conheceram aqui e já vi vocês aparecerem juntos na internet e nas revistas também.
- O - confirmei e ele continuou em silêncio me olhando.
- Então é dele que você gosta?
- Não, nada a ver - afirmei o fazendo rir alto.
- Eu já falei que te conheço, dona .
- É complicado, seu Osmar. Eu gosto dele e nós estávamos meio que juntos, nada sério, mas da nossa forma estávamos bem. Mas o Derek voltou e estragou tudo. O ficou puto porque ele descobriu por um amigo.
- Você não contou pra ele?
- Não deu tempo. A gente estava indo pra uma festa, eu não queria estragar tudo.
- Você não queria estragar a festa ou o namoro de vocês?
- Os dois - falei triste sentindo meu coração apertar. - Mas não adiantou nada. Ele descobriu por outra pessoa e agora não fala mais comigo.
- Você já o procurou ou ligou pra ele? Vocês, jovens, adoram a tecnologia, mas não usam quando é mais importante.
- Foi ele que saiu batendo porta feito uma criança mal criada. Ele não quis me ouvir quando eu tentei explicar. Eu estou esperando que ele me procure quando se acalmar.
- Minha filha, tenta entender o lado dele…
- É ele quem tem que entender o meu lado! - falei extravasando o ódio que eu sentia de por estar longe. - O meu ex voltou do além, minha cabeça está uma bagunça e ele está agindo como se fosse o protagonista de uma novela adolescente. Um mimado, egoísta que assim que as coisas se complicam ou não saem exatamente como ele quer, vira as coisas e vai embora.
- Eu não conheço a história de vocês, não sei o que combinaram, mas se vocês estavam tão envolvidos como parece, me parece que você está sendo um pouco injusta. É claro que é complicado e você tem direito de estar atordoada, mas ele também tem esse direito.
- Ele nem quis falar comigo - falei deixando uma lágrima escapar. - Ficamos três horas em um carro e ele nem olhou na minha cara.
- Não estou falando que ele está certo, meu amor, nem acho que tenha lado certo ou errado, mas cada um está lidando da melhor forma que consegue. Talvez ele esteja esperando você procurá-lo.
- Eu não vou fazer isso. Não posso. Pelo menos não antes de acertar tudo com o Derek.
- E o que está faltando pra isso acontecer?
- Saber o que isso significa.
- É uma situação complicada, ao mesmo tempo que eu entendo como é difícil você perdoar o Derek depois do que ele fez, eu sei como é difícil colocar um ponto final e aceitar que acabou.
- Mas então o que eu faço?
- Essa é uma decisão só sua, mas eu acho que você já sabe a resposta. Pode estar confusa, atordoada, zonza até, mas no fundo no fundo você sabe exatamente o que quer. Você não é boba, sabe quem te faz bem, quem instiga o seu melhor e quem você realmente quer por perto.
- Eu achei que sabia, mas a resposta pra isso muda a cada minuto.
- Tenha paciência, querida. Dê tempo ao tempo, sem pressão, se dedique ao seu trabalho… uma hora a resposta vem.
- Que trabalho, Seu Osmar? Eu acabei de ser despedida - falei rindo de nervoso.
- Ah, minha filha, que chato - fez um carinho nas minhas costas para me consolar - Eu sei como você gostava de trabalhar lá, eu sinto muito.
- Eu também.
- E você já sabe o que vai fazer? Vai procurar outra editora?
- Não sei. Eu adorava o meu trabalho, mas não quero ir pra outro lugar pra continuar fazendo exatamente a mesma coisa, queria tentar algo diferente, só não sei o que.
- Nesse caso, me ajuda aqui no bar hoje. Você está muito indecisa, e um pouco de trabalho braçal e álcool, sempre ajudam a clarear as ideias.
O Seu Osmar era a minha versão da Jane. Sempre tinha razão.
Eu tinha esquecido como o tempo passava rápido quando trabalhava no bar.
Obviamente, era muito cansativo, tinham clientes babacas e o salário não era o melhor dos dois mundos, mas eu gostava. A equipe era divertida, fazer aqueles drinks diferentes tentando improvisar no malabarismo, sem falar nas histórias que ouvíamos daqueles que já tinham tomado algumas doses a mais do que o recomendado.
Eu e Marcondes tínhamos um jogo de quem conseguia mais números de telefones dos solteiros que passavam por ali. Marcondes era casado e eu não estava interessada em sair com ninguém, mesmo assim, o jogo era muito divertido. Normalmente eu era mais tímida e a minha conta acabava em dois ou três, mas dessa vez eu ultrapassei seu recorde de oito telefones, com um total de onze novos contatos de desconhecidos no meu celular. Eu não pretendia ligar pra nenhum, mas era engraçado ver como a postura e autoconfiança faziam toda a diferença nessas horas.
No decorrer da noite, seu Osmar me liberou para tomar alguns shots, considerando que eu estava trabalhando de graça e precisando de qualquer coisa que ajudasse a me distrair. Já passava de duas da madrugada, o bar estava fechando e eu estava existindo a base das gargalhadas que o álcool me proporcionava quando a porta se abriu.
- Foi mal, cara, já estamos fechando - Marcondes avisou.
- Tudo bem, eu estava procurando por ela.
Pela primeira vez em muito tempo, eu respeitei as recomendações dos meus amigos e do meu empresário e decidi que seria uma boa ideia dormir cedo. Pelo menos, o mais cedo que eu conseguia. Tomei banho, coloquei pijama e esquentei uma marmita congelada para comer enquanto assistia a qualquer coisa que estivesse passando na televisão. O plano era simples e eficaz para me fazer descansar. Mas logo que eu peguei mo sono, antes de sequer conseguir sonhar, meu celular tocou me acordando. Já era mais de uma da manhã, então ignorei. Mas voltou a tocar, e de novo e de novo.
- Alô - respondi impaciente, depois de desligar as últimas três chamadas.
Oi, , é a Helena.
- Oi, Lena. Tudo bem? - perguntei abrindo os olhos com dificuldade. A Helena nunca me ligava, muito menos de madrugada.
Tudo - respondeu receosa. - A tá aí?
- Aqui em casa? Não. Porque? Aconteceu alguma coisa?
Não, nada. É só que ela não voltou pra casa e não avisou nada, então estamos um pouco preocupadas, mas não deve ser nada demais.
- Ela deve estar com o noivo dela - falei apertando o celular e travando o maxilar ao chegar a essa conclusão.
Ex-noivo, - ela corrigiu - e não está, já liguei pra ele.
- Ela não pode estar na casa de outro amigo, ou qualquer coisa do tipo?
Mandamos mensagem pra todo mundo que conhecemos e a estagiária dela falou que acha que ela foi mandada embora.
- Caralho!
Pois é - ela respondeu e ficou um silêncio na chamada por um tempo. - O Michael e a Julia estão comigo, vamos sair para procurá-la, qualquer coisa eu te aviso.
- Eu vou também! - falei antes que ela desligasse - A gente vai se falando por mensagem.
A tinha vinte e quatro anos. Era grandinha o suficiente pra saber se cuidar e chegar em casa a hora que bem entendesse ou mesmo dormir fora quando quisesse, eu sabia. Mas nada disso me tranquilizava, muito menos me impediria de sair correndo pra procurá-la.
Tirei o carro da garagem e tentei pensar onde ela poderia estar. Qualquer lugar que ela já tivesse me dito que gostava ou que já havíamos ido, mas nada me parecia razoável para ela estar no meio da noite.
Dirigindo pela cidade, eu tentava lembrar de qualquer coisa que me desse a resposta para a minha saga, mas o nervosismo me impedia de sequer ver claramente as avenidas na minha frente. Eu só conseguia pensar em fins trágicos para aquela noite e desfechos traumáticos para uma briga que começou há duas semanas e que eu ainda não tinha tido a coragem de terminar. Eu necessitava que ela estivesse bem. Com todo o meu ser, os meus músculos, meus ossos e cada gota do meu sangue, eu supliquei para que ela estivesse sã e salva em algum lugar dessa cidade. Algum lugar em que ela não viu a hora passar e apenas esqueceu de dar notícias. Por Deus, eu ficaria feliz mesmo que a encontrasse bêbada, se atracando com um desconhecido ou dançando em cima de uma mesa de bar, desde que estivesse segura.
Esse pensamento me acordou do meu devaneio e eu virei o volante de forma drástica para fazer o retorno e me dirigir ao que eu acreditava ser o seu porto seguro. Onde tudo começou, tanto pra ela, quanto pra gente.
Estacionei o carro do outro lado da calçada e o desânimo me invadiu ao perceber que o bar estava fechado, com as portas de metal já estavam abaixadas. Corri o olho novamente pela fachada do estabelecimento e percebi que ainda havia uma porta levantada e, do vidro que fechava a entrada pude perceber umas poucas luzes ainda acesas e até uma pequena movimentação lá dentro.
- Foi mal, cara, já estamos fechando - o armário que eu já conhecia me avisou assim que passei pela porta. Antes de precisar perguntar qualquer coisa, ou mesmo de olhar em volta a procura de , ouvi sua gargalhada e o som instantaneamente atraiu minha atenção.
- Tudo bem, eu estava procurando por ela - falei e ela imediatamente se virou para me encarar.
- O que você quer? - perguntou com raiva.
- Suas amigas estão preocupadas atrás de você. Te ligaram mil vezes e você não atendeu.
- Eu estou muito bem, obrigada - falou cambaleando e eu deixei escapar um suspiro de alívio junto à uma risada. - Tá rindo de que?
- Nada, coisa linda, só estou feliz que você está bem.
- Não me chame assim, você perdeu esse direito.
- , com calma. - Seu Osmar pediu dando um beijo em sua testa e apagou as luzes dos fundos, nos deixando apenas com a iluminação da rua. - Você a leva pra casa? - perguntou pra mim.
- Sim, senhor.
- Eu posso ir sozinha, não preciso de babá - ela resmungou esbarrando em mim em direção à saída.
- Ótimo, não tenho vocação para trocar fraldas. Agora, entra no carro, vem.
- Já disse que não. Eu vou andando - falou caminhando pra longe e me obrigando a ir atrás dela.
- Deixa de ser teimosa. Eu estou de carro, te dou uma carona.
- Não precisa. Não quero te obrigar a ficar mais um minuto na minha presença - ela falou cuspindo rancor. - Pode ir pra casa.
- Eu estava em casa, mas saí desesperado porque falaram que você tinha sumido, então eu vim até aqui só pra te procurar. Eu não vou deixar você ir embora sozinha, essa hora.
- Por quê? - perguntou parando abruptamente se virando para me encarar e quase me fazendo cair por cima dela.
- É perigoso, . Eu sei que você sabe se cuidar, mas mesmo assim.
- Não, não isso. Por que você saiu pra me procurar?
- Me falaram que você tinha sumido, o que mais eu podia fazer?
- Então agora você se importa? Se importa com como eu estou?
- É óbvio que eu me importo - falei baixando a cabeça, finalmente entendendo a pergunta. - Nunca deixei de me importa.
- Então onde você estava? Onde passou as últimas semanas que nem podia se dar ao trabalho de me mandar uma mensagem ou ligar. Todos os seus amigos foram me ver pra saber como eu estava, e você não.
- O seu noivo voltou - afirmei sério, mas recebi uma risada de escárnio em retribuição.
- Eu sabia - falou voltando a andar e se distanciar. - Eu sou muito idiota mesmo, muito idiota – continuou falando sozinha e me deixando sem entender nada. - Como eu fui cair nisso? Era óbvio, estava na cara...
- Do que você tá falando? O que era óbvio?
- A sua historinha de amizade colorida. Você não queria amizade porra nenhuma, eu era só mais uma foda pra você - ela acusou e foi a minha vez de parar abruptamente com a acusação.
- Você tá brincando, né? Ou está mais bêbada do que eu achava.
- Muito pelo contrário. Você deixou bem claro com o que se importa de verdade.
- Hey! - falei puxando seu braço e a obrigando a parar com o rosto a poucos centímetros do meu. - Você sabe que isso não é verdade. Me diz que você sabe - pedi baixando o tom de voz e afrouxando o seu braço, apenas o suficiente para segurar sua mão. – Eu te amo...
- Para! – gritou me afastando e socando meu peito - Você foi embora! Chamou o Derek de babaca, mas fez o mesmo que ele - ela falou deixando a raiva dar lugar à tristeza e a decepção, e era bem pior.
- Eu não… eu só queria… - tentei falar mas as palavras não chegaram.
- Você queria que tudo continuasse exatamente como foi naquele dia - ela completou - que continuássemos como estávamos na festa das suas mães. Eu também queria, muito, mas a gente acordou do sonho e essa daqui é a vida real.
- O que isso quer dizer?
- Nós combinamos que manteríamos qualquer sentimento romântico longe e que, se as coisas começassem a se misturar, iríamos parar…
- , por favor - pedi.
- Eu acho que não está mais dando certo pra mim.
- …
- Era pra ser simples e não é mais.
- Não faz isso, por favor - supliquei com a voz embargada e toquei seu rosto me aproximando mais uma vez, mas ela deu um passo para trás rompendo nosso contato.
- Eu não consigo mais - sua voz também estava embargada e seu olhos cheios d'água.
- Você vai voltar com ele? - perguntei endurecendo a voz e tentando segurar uma lágrima que tentava cair.
- Você vai se afastar se não for mais pra gente dormir junto?
- Você não me respondeu.
- Nem você.
Eu queria responder, queria falar que independente de qualquer coisa eu continuaria por perto, mas eu não sabia se conseguiria ficar e vê-la com outro.
Meu celular tocou nos despertando do transe. Era o Ashton pedindo notícias.
O caminho até seu prédio foi completamente silencioso. Ela sentou no banco do carona, se virou pra janela e eu não me atrevi a tentar falar qualquer coisa que fosse.
Quando chegamos, seu apartamento estava mais cheio do que ela esperava e queria. Helena, Michael, Julia e até Ashton estavam à sua espera com caras preocupadas. Além deles, um outro cara que eu nunca tinha visto, se levantou do sofá assim que entramos.
- Onde você estava, maluca? - Julia perguntou segurando pelo ombro.
- Gente, relaxem, eu só quis espairecer um pouco - ela respondeu desanimada.
- Você sumiu, . Não visualizou as nossas mensagens, não atendeu a ligação de ninguém. - Helena respondeu em tom de bronca.
- Desculpem, não foi minha intenção.
- O importante é que você está bem, meu amor - o desconhecido se aproximou a abraçando, e eu lembrei de vê-lo em algum porta retrato que ficava ali na sala. Derek. - Eu já estava desesperado.
- Não precisava - falou se afastando tímida.
- Obrigada por a trazer de volta, cara - falou dando um tapinha no braço que eu tive vontade de retribuir com um soco.
- Não tem que agradecer. Eu fiz por ela - afirmei sem tirar os olhos dele.
- , não é? - ele perguntou estendendo a mão para mim e eu me forcei a retribuir o gesto - Derek. Eu ouvi falar bastante de você, e confesso que fiquei bastante surpreso com essa amizade - falou rindo.
- Não mais surpreso que eu, acredite - falei forçando simpatia.
continuava a olhar para o chão, mas eu sabia que era a mim que ela evitava.
- Apesar de ter feito tudo errado, eu fiquei feliz em saber que a tinha amigos cuidando dela.
- "Tinha" não, ainda tem. - Ashton falou passando o braço por trás do meu pescoço pra me incentivar a entrar na briga, mas eu não tinha ânimo. - Não pretendemos ir a lugar nenhum, né?
- Eu ouvi falar que a sua banda ia entrar em turnê. Isso mudou? - Derek perguntou e eu travei o maxilar deixando transparecer a raiva. Ele tava de gozação com a minha cara?
- Não, mas ainda vamos estar por perto, não é como se fôssemos simplesmente sumir por meses - Ashton acrescentou sem esconder a cutucada e ele riu em retribuição.
- Não, claro que não e, dessa vez, enquanto vocês estiverem viajando, eu mesmo vou estar tomando conta dela - completou passando o braço em volta da cintura de , mas sem deixar de me encarar. Ele estava me dando um recado e eu entendi muito bem.
- Eu posso me cuidar sozinha, obrigada - ela respondeu se afastando dele. - Agora, vocês podem sair, por favor? Obrigada pela preocupação, mas eu estou cansada.
- Meu amor, eu pensei em ficar aqui - Derek sugeriu me fazendo segurar a vontade de vomitar ao ouvir chamá-la daquela forma. - Eu posso cozinhar alguma coisa e…
- Eu não estou com fome - enquanto ele não conseguiu esconder a decepção, a minha vontade era rir do fora, mas nem isso eu consegui.
- Tudo bem - falou abaixando o rosto para lhe dar um beijo, mas ela virou a tempo de atingir sua bochecha. - Amanhã eu te ligo, boa noite - falou acenando para todos e saindo pela porta.
- A gente vai indo também - Julia falou.
- Na verdade, eu queria que vocês ficassem - pediu, olhando para ela e Helena - Será que eu posso roubar minhas amigas, essa noite? - perguntou brincando para Michael e Ashton.
- Sim, senhora. Hoje você pode tudo - Mike respondeu dando um beijo em sua testa e depois na namorada.
- Obrigada por ter me trazido - ela falou e nossos olhares se cruzaram por uma fração de segundo, mas ela logo saiu correndo em direção ao banheiro. Ouvimos o som do álcool fazendo efeito e passando mal e eu tive um ímpeto de ir atrás dela, mas fui parado por Helena.
- Pode deixar, a gente cuida dela.
Eu não queria ir embora.
A sensação era de que ao passar por aquela porta, nada nunca mais seria igual.
A reunião da banda com a nossa produção já devia estar em sua segunda ou terceira hora de duração e eu não fazia a menor ideia do que estavam falando. Provavelmente ainda era algo sobre nossos shows que voltariam nas próximas semanas e, com certeza eram coisas importantes e que mereciam toda a minha atenção, mas a minha cabeça estava em um lugar completamente diferente.
A inesperada e indesejada volta do tal Derek estava mexendo com o meu psicológico de uma forma que eu não esperava, e a reação da em relação a isso estava me torturando.
Quando tudo estourou, depois que descobri sobre a volta dele por uma mensagem de Ashton, eu não reagi muito bem e saí do quarto para tentar esfriar a cabeça. Nada adiantou. Eu mal conseguia olhar pra , não queria conversar com ela, que dirá ficar trancado dentro de um carro por quase três horas. Nossa volta foi extremamente silenciosa e desde então não tínhamos conversado. Já tinham se passado duas semanas e eu não sabia se ela estava esperando que eu fosse atrás dela, mas eu não daria o braço a torcer.
Ela errou ao me esconder sobre a volta do Derek.
Tínhamos passado uma tarde tão boa. Esquecemos de qualquer problema externo, de qualquer coisa que estivesse além daquele jardim e, por algumas horas, nós fomos um casal de verdade. Sem segredos. Pelo menos pra mim foi assim. Por que enquanto eu estava agindo feito um idiota apaixonado, ela estava pensando no noivinho dela que ressurgiu das cinzas.
- , tá dormindo? - Calum me cutucou quase me fazendo cair da cadeira.
- Você prestou atenção em alguma coisa que falaram aqui? - Michael perguntou, mas eu o ignorei - Cara, eu sei que toda a situação da está mexendo com você, mas faltam menos de duas semanas pra turnê. Nós vamos lançar um álbum depois de amanhã. Seria bom você se ligar no que está acontecendo.
- Eu realmente estou sem cabeça pra isso - falei sem paciência. - Sem cabeça pra horas de reunião e muito menos pra sermão.
- Não é sermão, . Você não quer resolver a sua história com a , mas também não consegue se concentrar no trabalho. Assim fica difícil.
- Conversa com ela de uma vez - Ashton falou sentando na cadeira do meu lado.
- Conversar sobre o que? O noivo dela voltou, ela tá ocupada o suficiente com ele, não precisa mais de mim.
- Deixa de ser idiota.
- Eu to falando sério. Foi ela quem pisou na bola e se quisesse conversar já teria vindo me procurar. Sou sempre eu quem vai atrás, está na hora dela se esforçar um pouquinho também.
- Você não acha que tá sendo um pouquinho egoísta? - Calum perguntou e eu bati com o punho na mesa de raiva.
- Egoísta? Você está de sacanagem? Eu fiquei do lado dela todos esses meses. Fiz de tudo, desde secar as lágrimas até arranjar uma transa pra ela, e a gente estava indo bem, nos entendemos, avançamos na nossa relação e agora que esse cara voltou, ela sumiu. Nem se deu ao trabalho de ligar ou mandar uma mensagem - falei cansado e desacreditado.
- Não é assim, cara. Você está agindo como se tudo fosse sobre você. Já parou pra pensar como a está no meio disso tudo? - Calum perguntou tentando me acalmar.
- Considerando o sumiço, ela deve estar bem entretida.
- É bem isso que o cara lá quer que você pense - Michael esbravejou. - A já falou que não vai voltar com ele, mas enquanto você está aqui chupando o dedo, ele manda presentinho e flores pra ela todos os dias.
- Nem fala - Ashton falou puxando uma caixa de chocolates da mochila - Vocês já comeram esses aqui? Ele deixou lá ontem e são incríveis… eu casava com ele.
- Cala a boca, Ashton - Calum pediu em uma tentativa de repreender a falta de noção do outro.
- O que? A falou que eu podia pegar.
- Espero que morra engasgado - falei sem paciência.
- Não adianta descontar em mim, não. Enquanto você está aqui todo orgulhoso, sem querer procurar a , ele tá lá, dando a vida pra conseguir voltar com ela. E ela pode ter dito que não vai acontecer, mas o cara está empenhado, aproveitando cada minuto que você tá jogando fora.
- Ele tem ido muito lá?
- Eu só esbarrei com ele uma vez, mas a Julia falou que ele tem ido quase todo dia - Ashton respondeu.
- Você encontrou com ele? Como ele é?
- Um gato - respondeu debochado. - Sei lá, cara. É normal, eu acho. Fez uma cara feia quando me viu, mas relaxou quando a me apresentou como namorado da Ju.
- Você e a Julia estão namorando? - Michael perguntou sem entender.
- Não - Ash falou parecendo desanimado - foi só uma desculpa, eu acho.
- Mas a apresentou vocês dois, né? Então a coisa tá evoluindo? Bom saber…
- Não tem nada evoluindo, idiota. Ele tinha ido buscar uma poltrona dele, mas a tinha jogado fora - respondeu rindo.
- Eu lembro - falei recordando a primeira vez que fui na casa dela e ela estava se desfazendo das coisas dele. Eu ajudei.
- Eu realmente acho que você deveria ligar pra ela - Michael sugeriu. - Já se passaram duas semanas. Isso está indo longe demais.
- Eu acabei de dizer que sou sempre eu quem vai atrás dela. Se eu fosse atrás mais uma vez, o que isso diria sobre mim?
- Que você se importa?
- Que você entende que é uma situação difícil pra ela? - Calum sugeriu depois
- Eu perguntei pra ela se ele iria continuar sendo seu ex e ela falou que "não é simples assim" - falei enfatizando as aspas. - Ela pode ter dito pra vocês que não vai voltar com ele, mas ela ainda está se decidindo. Ela ainda considera dar uma segunda chance pro babaca.
- Como você sabe se não conversa com ela?!
- Eu conheço a . Se ela estivesse decidida, já teria vindo falar comigo.
- Aí pra facilitar a decisão dela, você resolveu ficar bem longe. Muito esperto. - Ashton falou dando uma tapa na minha cabeça.
- Ela também tem celular, pode me ligar a hora que quiser.
- Eu espero que você saiba o que está fazendo - Calum falou saindo da sala.
- Eu também - Michael continuou. - Até porque, como namorado da Helena, eu vou ser obrigado a ir ao casamento da , independente de quem esteja esperando no altar.
Quem disse que notícia ruim chega rápido não conheceu meu ex-noivo. Ele preferiu esperar que eu me restabelecesse sem ele, seguisse com a minha vida e me envolvesse com outra pessoa, para aparecer na minha porta e me desestabilizar completamente. Mais uma vez.
Eu achei que tinha aprendido a compartimentar os meus problemas e focar 100% da minha atenção no meu trabalho, ignorando tudo de ruim que acontecia na minha vida. Mas isso não estava funcionando. Esse era o poder que ele tinha sobre mim, me fazer arruinar meu trabalho. Mais uma vez.
Derek estava se empenhando diariamente em me fazer conversar com ele e tentar me mostrar que ainda podíamos ser o que fomos antes. Pra isso, tocava minha campainha com uma desculpa de que cada dia precisava de alguma coisa dele que estava lá em casa e aproveitava para deixar flores ou chocolates. Eu já tinha falado que não pretendia voltar com ele, e que também não estava pronta para ter um conversa séria e definitiva sobre tudo o que aconteceu, mas ao invés de respeitar isso, ele preferia continuar aparecendo sem ser convidado e insistia em estabelecer conversas sobre assuntos cotidianos, como o tempo ou algum filme que ele queria assistir, como se aquilo tudo fosse muito natural.
Em uma tentativa desesperada de evitar mais desses encontros, eu comecei a sair de casa antes das oito da manhã e voltava depois das nove da noite. Apesar disso, passava o dia inteiro sem conseguir me concentrar no meu trabalho, pensando em toda a bagunça que tinha voltado a invadir a minha vida.
Consequentemente, o meu trabalho estava indo de mal a pior. Eu fazia tudo errado, não conseguia me organizar para nada, misturei todos os prazos, atrasei entregas e as minhas tarefas estavam ficando incompletas e mal feitas. Por isso, quando a minha chefe me chamou na sua sala, não fiquei muito surpresa, eu sabia que iria levar um esporro daqueles.
- Boa tarde, Sara, tudo bem? Precisa de alguma coisa? - entrei em sua sala tentando me manter o mais calma possível.
- Pode se sentar, por favor - merda, merda, merda - , eu estive conversando com a Mikaela, e nós temos prestado atenção em você e no seu trabalho…
- Eu sei que a minha cabeça não tem estado no lugar e eu tenho deixado a desejar em alguns quesitos, mas eu vou me monitorar para isso não voltar a acontecer.
- Nós entendemos que a sua vida mudou muito nos últimos meses, e você está se ajustando às mudanças e que isso pode ser difícil, mas isso tem afetado demais o seu desempenho.
- Eu sinto muito, mesmo.
- Eu também sinto, , mas vamos ter que deixar você ir - ela falou e eu entrei em estado de choque. Tudo bem que eu não tenho sido exemplo de funcionária nas últimas semanas, talvez meses, mas e os outros quatro anos?!
- Por favor, Sara, isso não vai se repetir. Essas últimas semanas foram muito complicadas, mas eu estou me esforçando.
- , o problema não foram só nas últimas semanas, já tem meses que você está distraída, ficou semanas trabalhando de casa usando uma virose como desculpa e, mesmo a gente sabendo que não era verdade, achamos que você merecia aquele tempo para lidar com o que tinha acontecido, mas desde então as coisas não voltaram aos eixos. Começaram os problemas com a imprensa que, querendo ou não, afetam a imagem da editora e, em cima disso tudo, o seu trabalho em si tem estado muito desleixado.
- Eu sinto muito Sara, mesmo, mas eu preciso desse emprego, eu amo trabalhar aqui. Eu vou me esforçar mais, eu vou…
- Eu também sinto muito, mas a decisão já está tomada - ela afirmou e eu deixei escapar uma lágrima. A última coisa que eu queria era cair no berreiro e me humilhar para ela, mas não conseguir conter. - Você é uma ótima garota, ainda jovem e com muito talento, mas está passando por uma fase difícil, talvez um tempo em casa seja exatamente o que você está precisando.
Um tempo em casa seria ótimo, uma pena que desemprego não pagaria as minhas contas. Como se eu já não tivesse dor de cabeça o suficiente, agora teria que descobrir como me sustentar sem ganhar um salário.
Além disso, a minha casa não tem sido o melhor lugar do mundo. Enquanto eu não reunisse forças para tomar uma decisão definitiva e conversar com Derek sobre o que eu queria, ele continuaria aparecendo lá, tentando fazer o papel de homem arrependido, e eu não teria paz.
Para evitar mais um desses episódios, minha caminhada para longe do escritório se prolongou e fiquei vagando pelas ruas e vielas até tomar um rumo natural para o lugar em que eu sabia que seria acolhida e receberia o colo que eu tanto precisava.
- , minha filha, que surpresa boa! - Seu Osmar falou de trás da caixa registradora me observando passar pela porta e me aproximar. Já era fim de tarde e como toda quinta-feira, aquele seria um dia cheio no bar. Quase não havia mais mesas vazias.
- ! - Marcondes veio me abraçar tirando meus pés do chão, como sempre, quase me fazendo esbarrar em um grupo de clientes parado perto de mim.
- Oi, gente, estava com saudade e resolvi dar uma passada para ver vocês - falei dando a volta no balcão para cumprimentar o dono do bar.
- Você está com uma carinha… O que aconteceu?
- Não é nada, está tudo bem. Só precisava ver vocês mesmo - falei tentando disfarçar a tristeza.
- Eu te conheço, menina - falou puxando um banquinho para que eu me sentasse ao seu lado. - Me conta, o que está te perturbando?
- Tanta coisa que eu nem sei por onde começar - falei suspirando e deixando meu corpo relaxar ao me sentar. - O Derek voltou.
- Não acredito! Quando foi isso?
- Há umas duas semanas.
- E aí? O que ele falou? - perguntou em uma mistura de preocupação e curiosidade.
- Não muito. Ele pediu desculpas por ter ido embora sem falar nada, falou que se arrepende e que quer tentar de novo.
- E você?
- Eu não quis conversar com ele ainda. Foi tudo muito rápido, eu levei um susto.
- Eu imagino, mas você ainda gosta dele? Quer retomar o noivado.
- Não - afirmei com toda a certeza que tinha no meu ser, mas recuei - não sei.
- Não sabe se ainda gosta dele ou se quer retomar o noivado?
- Nenhum dos dois. Eu mudei muito, não sou mais como era há três meses. Tudo mudou, na verdade - falei pensando em tudo que tinha acontecido nesse tempo. A minha vida virou de cabeça pra baixo e tinham coisas que eu não queria que mudassem por causa da volta do Derek.
- E aquele rapaz da banda? - Seu Osmar falou me observando e abriu um sorriso de lado quando viu minha expressão de confusão - Eu sou velho, mas ainda sei das coisas. Eu lembro que vocês se conheceram aqui e já vi vocês aparecerem juntos na internet e nas revistas também.
- O - confirmei e ele continuou em silêncio me olhando.
- Então é dele que você gosta?
- Não, nada a ver - afirmei o fazendo rir alto.
- Eu já falei que te conheço, dona .
- É complicado, seu Osmar. Eu gosto dele e nós estávamos meio que juntos, nada sério, mas da nossa forma estávamos bem. Mas o Derek voltou e estragou tudo. O ficou puto porque ele descobriu por um amigo.
- Você não contou pra ele?
- Não deu tempo. A gente estava indo pra uma festa, eu não queria estragar tudo.
- Você não queria estragar a festa ou o namoro de vocês?
- Os dois - falei triste sentindo meu coração apertar. - Mas não adiantou nada. Ele descobriu por outra pessoa e agora não fala mais comigo.
- Você já o procurou ou ligou pra ele? Vocês, jovens, adoram a tecnologia, mas não usam quando é mais importante.
- Foi ele que saiu batendo porta feito uma criança mal criada. Ele não quis me ouvir quando eu tentei explicar. Eu estou esperando que ele me procure quando se acalmar.
- Minha filha, tenta entender o lado dele…
- É ele quem tem que entender o meu lado! - falei extravasando o ódio que eu sentia de por estar longe. - O meu ex voltou do além, minha cabeça está uma bagunça e ele está agindo como se fosse o protagonista de uma novela adolescente. Um mimado, egoísta que assim que as coisas se complicam ou não saem exatamente como ele quer, vira as coisas e vai embora.
- Eu não conheço a história de vocês, não sei o que combinaram, mas se vocês estavam tão envolvidos como parece, me parece que você está sendo um pouco injusta. É claro que é complicado e você tem direito de estar atordoada, mas ele também tem esse direito.
- Ele nem quis falar comigo - falei deixando uma lágrima escapar. - Ficamos três horas em um carro e ele nem olhou na minha cara.
- Não estou falando que ele está certo, meu amor, nem acho que tenha lado certo ou errado, mas cada um está lidando da melhor forma que consegue. Talvez ele esteja esperando você procurá-lo.
- Eu não vou fazer isso. Não posso. Pelo menos não antes de acertar tudo com o Derek.
- E o que está faltando pra isso acontecer?
- Saber o que isso significa.
- É uma situação complicada, ao mesmo tempo que eu entendo como é difícil você perdoar o Derek depois do que ele fez, eu sei como é difícil colocar um ponto final e aceitar que acabou.
- Mas então o que eu faço?
- Essa é uma decisão só sua, mas eu acho que você já sabe a resposta. Pode estar confusa, atordoada, zonza até, mas no fundo no fundo você sabe exatamente o que quer. Você não é boba, sabe quem te faz bem, quem instiga o seu melhor e quem você realmente quer por perto.
- Eu achei que sabia, mas a resposta pra isso muda a cada minuto.
- Tenha paciência, querida. Dê tempo ao tempo, sem pressão, se dedique ao seu trabalho… uma hora a resposta vem.
- Que trabalho, Seu Osmar? Eu acabei de ser despedida - falei rindo de nervoso.
- Ah, minha filha, que chato - fez um carinho nas minhas costas para me consolar - Eu sei como você gostava de trabalhar lá, eu sinto muito.
- Eu também.
- E você já sabe o que vai fazer? Vai procurar outra editora?
- Não sei. Eu adorava o meu trabalho, mas não quero ir pra outro lugar pra continuar fazendo exatamente a mesma coisa, queria tentar algo diferente, só não sei o que.
- Nesse caso, me ajuda aqui no bar hoje. Você está muito indecisa, e um pouco de trabalho braçal e álcool, sempre ajudam a clarear as ideias.
O Seu Osmar era a minha versão da Jane. Sempre tinha razão.
Eu tinha esquecido como o tempo passava rápido quando trabalhava no bar.
Obviamente, era muito cansativo, tinham clientes babacas e o salário não era o melhor dos dois mundos, mas eu gostava. A equipe era divertida, fazer aqueles drinks diferentes tentando improvisar no malabarismo, sem falar nas histórias que ouvíamos daqueles que já tinham tomado algumas doses a mais do que o recomendado.
Eu e Marcondes tínhamos um jogo de quem conseguia mais números de telefones dos solteiros que passavam por ali. Marcondes era casado e eu não estava interessada em sair com ninguém, mesmo assim, o jogo era muito divertido. Normalmente eu era mais tímida e a minha conta acabava em dois ou três, mas dessa vez eu ultrapassei seu recorde de oito telefones, com um total de onze novos contatos de desconhecidos no meu celular. Eu não pretendia ligar pra nenhum, mas era engraçado ver como a postura e autoconfiança faziam toda a diferença nessas horas.
No decorrer da noite, seu Osmar me liberou para tomar alguns shots, considerando que eu estava trabalhando de graça e precisando de qualquer coisa que ajudasse a me distrair. Já passava de duas da madrugada, o bar estava fechando e eu estava existindo a base das gargalhadas que o álcool me proporcionava quando a porta se abriu.
- Foi mal, cara, já estamos fechando - Marcondes avisou.
- Tudo bem, eu estava procurando por ela.
Pela primeira vez em muito tempo, eu respeitei as recomendações dos meus amigos e do meu empresário e decidi que seria uma boa ideia dormir cedo. Pelo menos, o mais cedo que eu conseguia. Tomei banho, coloquei pijama e esquentei uma marmita congelada para comer enquanto assistia a qualquer coisa que estivesse passando na televisão. O plano era simples e eficaz para me fazer descansar. Mas logo que eu peguei mo sono, antes de sequer conseguir sonhar, meu celular tocou me acordando. Já era mais de uma da manhã, então ignorei. Mas voltou a tocar, e de novo e de novo.
- Alô - respondi impaciente, depois de desligar as últimas três chamadas.
Oi, , é a Helena.
- Oi, Lena. Tudo bem? - perguntei abrindo os olhos com dificuldade. A Helena nunca me ligava, muito menos de madrugada.
Tudo - respondeu receosa. - A tá aí?
- Aqui em casa? Não. Porque? Aconteceu alguma coisa?
Não, nada. É só que ela não voltou pra casa e não avisou nada, então estamos um pouco preocupadas, mas não deve ser nada demais.
- Ela deve estar com o noivo dela - falei apertando o celular e travando o maxilar ao chegar a essa conclusão.
Ex-noivo, - ela corrigiu - e não está, já liguei pra ele.
- Ela não pode estar na casa de outro amigo, ou qualquer coisa do tipo?
Mandamos mensagem pra todo mundo que conhecemos e a estagiária dela falou que acha que ela foi mandada embora.
- Caralho!
Pois é - ela respondeu e ficou um silêncio na chamada por um tempo. - O Michael e a Julia estão comigo, vamos sair para procurá-la, qualquer coisa eu te aviso.
- Eu vou também! - falei antes que ela desligasse - A gente vai se falando por mensagem.
A tinha vinte e quatro anos. Era grandinha o suficiente pra saber se cuidar e chegar em casa a hora que bem entendesse ou mesmo dormir fora quando quisesse, eu sabia. Mas nada disso me tranquilizava, muito menos me impediria de sair correndo pra procurá-la.
Tirei o carro da garagem e tentei pensar onde ela poderia estar. Qualquer lugar que ela já tivesse me dito que gostava ou que já havíamos ido, mas nada me parecia razoável para ela estar no meio da noite.
Dirigindo pela cidade, eu tentava lembrar de qualquer coisa que me desse a resposta para a minha saga, mas o nervosismo me impedia de sequer ver claramente as avenidas na minha frente. Eu só conseguia pensar em fins trágicos para aquela noite e desfechos traumáticos para uma briga que começou há duas semanas e que eu ainda não tinha tido a coragem de terminar. Eu necessitava que ela estivesse bem. Com todo o meu ser, os meus músculos, meus ossos e cada gota do meu sangue, eu supliquei para que ela estivesse sã e salva em algum lugar dessa cidade. Algum lugar em que ela não viu a hora passar e apenas esqueceu de dar notícias. Por Deus, eu ficaria feliz mesmo que a encontrasse bêbada, se atracando com um desconhecido ou dançando em cima de uma mesa de bar, desde que estivesse segura.
Esse pensamento me acordou do meu devaneio e eu virei o volante de forma drástica para fazer o retorno e me dirigir ao que eu acreditava ser o seu porto seguro. Onde tudo começou, tanto pra ela, quanto pra gente.
Estacionei o carro do outro lado da calçada e o desânimo me invadiu ao perceber que o bar estava fechado, com as portas de metal já estavam abaixadas. Corri o olho novamente pela fachada do estabelecimento e percebi que ainda havia uma porta levantada e, do vidro que fechava a entrada pude perceber umas poucas luzes ainda acesas e até uma pequena movimentação lá dentro.
- Foi mal, cara, já estamos fechando - o armário que eu já conhecia me avisou assim que passei pela porta. Antes de precisar perguntar qualquer coisa, ou mesmo de olhar em volta a procura de , ouvi sua gargalhada e o som instantaneamente atraiu minha atenção.
- Tudo bem, eu estava procurando por ela - falei e ela imediatamente se virou para me encarar.
- O que você quer? - perguntou com raiva.
- Suas amigas estão preocupadas atrás de você. Te ligaram mil vezes e você não atendeu.
- Eu estou muito bem, obrigada - falou cambaleando e eu deixei escapar um suspiro de alívio junto à uma risada. - Tá rindo de que?
- Nada, coisa linda, só estou feliz que você está bem.
- Não me chame assim, você perdeu esse direito.
- , com calma. - Seu Osmar pediu dando um beijo em sua testa e apagou as luzes dos fundos, nos deixando apenas com a iluminação da rua. - Você a leva pra casa? - perguntou pra mim.
- Sim, senhor.
- Eu posso ir sozinha, não preciso de babá - ela resmungou esbarrando em mim em direção à saída.
- Ótimo, não tenho vocação para trocar fraldas. Agora, entra no carro, vem.
- Já disse que não. Eu vou andando - falou caminhando pra longe e me obrigando a ir atrás dela.
- Deixa de ser teimosa. Eu estou de carro, te dou uma carona.
- Não precisa. Não quero te obrigar a ficar mais um minuto na minha presença - ela falou cuspindo rancor. - Pode ir pra casa.
- Eu estava em casa, mas saí desesperado porque falaram que você tinha sumido, então eu vim até aqui só pra te procurar. Eu não vou deixar você ir embora sozinha, essa hora.
- Por quê? - perguntou parando abruptamente se virando para me encarar e quase me fazendo cair por cima dela.
- É perigoso, . Eu sei que você sabe se cuidar, mas mesmo assim.
- Não, não isso. Por que você saiu pra me procurar?
- Me falaram que você tinha sumido, o que mais eu podia fazer?
- Então agora você se importa? Se importa com como eu estou?
- É óbvio que eu me importo - falei baixando a cabeça, finalmente entendendo a pergunta. - Nunca deixei de me importa.
- Então onde você estava? Onde passou as últimas semanas que nem podia se dar ao trabalho de me mandar uma mensagem ou ligar. Todos os seus amigos foram me ver pra saber como eu estava, e você não.
- O seu noivo voltou - afirmei sério, mas recebi uma risada de escárnio em retribuição.
- Eu sabia - falou voltando a andar e se distanciar. - Eu sou muito idiota mesmo, muito idiota – continuou falando sozinha e me deixando sem entender nada. - Como eu fui cair nisso? Era óbvio, estava na cara...
- Do que você tá falando? O que era óbvio?
- A sua historinha de amizade colorida. Você não queria amizade porra nenhuma, eu era só mais uma foda pra você - ela acusou e foi a minha vez de parar abruptamente com a acusação.
- Você tá brincando, né? Ou está mais bêbada do que eu achava.
- Muito pelo contrário. Você deixou bem claro com o que se importa de verdade.
- Hey! - falei puxando seu braço e a obrigando a parar com o rosto a poucos centímetros do meu. - Você sabe que isso não é verdade. Me diz que você sabe - pedi baixando o tom de voz e afrouxando o seu braço, apenas o suficiente para segurar sua mão. – Eu te amo...
- Para! – gritou me afastando e socando meu peito - Você foi embora! Chamou o Derek de babaca, mas fez o mesmo que ele - ela falou deixando a raiva dar lugar à tristeza e a decepção, e era bem pior.
- Eu não… eu só queria… - tentei falar mas as palavras não chegaram.
- Você queria que tudo continuasse exatamente como foi naquele dia - ela completou - que continuássemos como estávamos na festa das suas mães. Eu também queria, muito, mas a gente acordou do sonho e essa daqui é a vida real.
- O que isso quer dizer?
- Nós combinamos que manteríamos qualquer sentimento romântico longe e que, se as coisas começassem a se misturar, iríamos parar…
- , por favor - pedi.
- Eu acho que não está mais dando certo pra mim.
- …
- Era pra ser simples e não é mais.
- Não faz isso, por favor - supliquei com a voz embargada e toquei seu rosto me aproximando mais uma vez, mas ela deu um passo para trás rompendo nosso contato.
- Eu não consigo mais - sua voz também estava embargada e seu olhos cheios d'água.
- Você vai voltar com ele? - perguntei endurecendo a voz e tentando segurar uma lágrima que tentava cair.
- Você vai se afastar se não for mais pra gente dormir junto?
- Você não me respondeu.
- Nem você.
Eu queria responder, queria falar que independente de qualquer coisa eu continuaria por perto, mas eu não sabia se conseguiria ficar e vê-la com outro.
Meu celular tocou nos despertando do transe. Era o Ashton pedindo notícias.
O caminho até seu prédio foi completamente silencioso. Ela sentou no banco do carona, se virou pra janela e eu não me atrevi a tentar falar qualquer coisa que fosse.
Quando chegamos, seu apartamento estava mais cheio do que ela esperava e queria. Helena, Michael, Julia e até Ashton estavam à sua espera com caras preocupadas. Além deles, um outro cara que eu nunca tinha visto, se levantou do sofá assim que entramos.
- Onde você estava, maluca? - Julia perguntou segurando pelo ombro.
- Gente, relaxem, eu só quis espairecer um pouco - ela respondeu desanimada.
- Você sumiu, . Não visualizou as nossas mensagens, não atendeu a ligação de ninguém. - Helena respondeu em tom de bronca.
- Desculpem, não foi minha intenção.
- O importante é que você está bem, meu amor - o desconhecido se aproximou a abraçando, e eu lembrei de vê-lo em algum porta retrato que ficava ali na sala. Derek. - Eu já estava desesperado.
- Não precisava - falou se afastando tímida.
- Obrigada por a trazer de volta, cara - falou dando um tapinha no braço que eu tive vontade de retribuir com um soco.
- Não tem que agradecer. Eu fiz por ela - afirmei sem tirar os olhos dele.
- , não é? - ele perguntou estendendo a mão para mim e eu me forcei a retribuir o gesto - Derek. Eu ouvi falar bastante de você, e confesso que fiquei bastante surpreso com essa amizade - falou rindo.
- Não mais surpreso que eu, acredite - falei forçando simpatia.
continuava a olhar para o chão, mas eu sabia que era a mim que ela evitava.
- Apesar de ter feito tudo errado, eu fiquei feliz em saber que a tinha amigos cuidando dela.
- "Tinha" não, ainda tem. - Ashton falou passando o braço por trás do meu pescoço pra me incentivar a entrar na briga, mas eu não tinha ânimo. - Não pretendemos ir a lugar nenhum, né?
- Eu ouvi falar que a sua banda ia entrar em turnê. Isso mudou? - Derek perguntou e eu travei o maxilar deixando transparecer a raiva. Ele tava de gozação com a minha cara?
- Não, mas ainda vamos estar por perto, não é como se fôssemos simplesmente sumir por meses - Ashton acrescentou sem esconder a cutucada e ele riu em retribuição.
- Não, claro que não e, dessa vez, enquanto vocês estiverem viajando, eu mesmo vou estar tomando conta dela - completou passando o braço em volta da cintura de , mas sem deixar de me encarar. Ele estava me dando um recado e eu entendi muito bem.
- Eu posso me cuidar sozinha, obrigada - ela respondeu se afastando dele. - Agora, vocês podem sair, por favor? Obrigada pela preocupação, mas eu estou cansada.
- Meu amor, eu pensei em ficar aqui - Derek sugeriu me fazendo segurar a vontade de vomitar ao ouvir chamá-la daquela forma. - Eu posso cozinhar alguma coisa e…
- Eu não estou com fome - enquanto ele não conseguiu esconder a decepção, a minha vontade era rir do fora, mas nem isso eu consegui.
- Tudo bem - falou abaixando o rosto para lhe dar um beijo, mas ela virou a tempo de atingir sua bochecha. - Amanhã eu te ligo, boa noite - falou acenando para todos e saindo pela porta.
- A gente vai indo também - Julia falou.
- Na verdade, eu queria que vocês ficassem - pediu, olhando para ela e Helena - Será que eu posso roubar minhas amigas, essa noite? - perguntou brincando para Michael e Ashton.
- Sim, senhora. Hoje você pode tudo - Mike respondeu dando um beijo em sua testa e depois na namorada.
- Obrigada por ter me trazido - ela falou e nossos olhares se cruzaram por uma fração de segundo, mas ela logo saiu correndo em direção ao banheiro. Ouvimos o som do álcool fazendo efeito e passando mal e eu tive um ímpeto de ir atrás dela, mas fui parado por Helena.
- Pode deixar, a gente cuida dela.
Eu não queria ir embora.
A sensação era de que ao passar por aquela porta, nada nunca mais seria igual.
Capítulo 11
11
Estar desempregada significa que, além de não ter uma fonte de renda, você tem uma eternidade de tempo livre para não fazer nada e pensar em absolutamente todos os detalhes da sua vida que já passaram e nos que ainda vêm e precisam ser resolvidos.
Depois de uma longa noite apenas pensando, sem nem conseguir pregar o olho, percebi que tempo não era o meu problema. Não tinha mais em que pensar.
Sem querer perder mais tempo, ou perder a coragem de concretizar o que eu gastei o tempo pensando, só me restava tomar a atitude e, por mais que a decisão já estivesse formada na minha cabeça, aqueles quinze minutos esperando por Derek no restaurante, já estavam parecendo dias.
Os garçons iam e viam com pratos cheirosos e bebidas coloridas, as mesas enchiam e esvaziavam, os clientes rotacionavam, e naqueles minutos de agonia, tentando me distrair com a vida alheia, eu percebi a quantidade de histórias que passavam diante de mim. Quantos casais sentaram-se naquelas cadeiras? Quantos divorciados? Provavelmente muito arrependidos e mais ainda realizados. Muitos em dúvida, muitos com toda a certeza, mas sem nenhuma coragem. Quantos grávidos e quantos abandonados? Quantos com o emprego dos sonhos, e quantos ainda em trabalhos banais, esperando a vez dos sonhos. Um único restaurante e milhares de argumentos para me fazer tomar as mais variadas decisões e traçar caminhos completamente opostos a partir dali.
Aquele era um dos nossos restaurantes favoritos. Meu e do Derek. Nós almoçávamos aqui pelo menos uma vez por semana. Sempre que conseguíamos tirar um tempinho a mais, dizíamos que deveríamos escolher um lugar diferente, experimentar, ir a algum lugar novo, mas sempre acabávamos aqui.
Tudo mudou tanto. Tinham quase quatro meses que eu não conseguia passar da porta e, depois de tanto tempo, ele voltou e quase parece que tudo está como era antes, eu o esperando ser liberado do trabalho.
É só um almoço. É só um almoço. Repetia isso a cada vez que alguém passava pela porta.
Eu estava mentindo pra mim mesma e sabia disso, mas desde que a mentira me ajudasse a continuar sentada ali, esperando, eu continuaria a repetindo.
- Desculpe o atraso - Derek falou se aproximando para me cumprimentar e eu botei a mão no peito, contendo o susto - acabaram me segurando no escritório.
- Tudo bem, eu entendo.
- Já pediu alguma coisa?
- Ainda não - eu mal conseguia o encarar. Era uma mistura de sentimentos e eu não sabia se estava focando nos corretos. Ele fez um sinal com mão para o garçom que assentiu com a cabeça e logo veio em nossa direção.
- Boa tarde, meu nome é Damien e eu vou atendê-los hoje - falou animado e foi impossível não retribuir o sorriso, mesmo que mais discreto - Já sabem o que vão pedir?
- Eu vou querer um filé à parmegiana com legumes e purê, e ela um fettuccine à carbonara - Derek respondeu rapidamente e, apesar de ele ter acertado o meu pedido, isso me causou uma estranheza.
- Na verdade, eu queria as vieiras com o suflê de couve-flor - falei para o rapaz que riscou o pedido que Derek tinha feito.
- Vieiras? - Derek perguntou assim que o garçom se afastou.
- Vieiras - respondi e ele ficou me encarando e tentando descobrir o que mais tinha mudado.
- Eu vou querer saber o motivo de você ter marcado esse encontro, ou é melhor comer primeiro? Só pra garantir que a pressão não vai baixar e eu vou cair duro aqui.
- Bobo - respondi rindo. Ele parecia continuar exatamente a mesma pessoa de três meses atrás.
- Quando eu vi a sua mensagem, confesso que pensei até em fingir que estava passando mal, ou coisa do tipo.
- Por que? Você está insistindo nessa conversa desde que voltou.
- É, mas é diferente. O famoso "precisamos conversar" nunca é seguido de boas notícias.
- Não é verdade. Da última vez que eu falei pra gente conversar, era pra te avisar que tinha comprado a televisão nova lá de casa.
- Que você parcelou no meu cartão.
- Você assistia muito mais televisão do que eu.
- Justo - concordou rindo. - Então eu posso voltar a assistir televisão lá? - ele perguntou em uma tentativa de fazer uma transição sutil ao assunto que tinha nos levado até ali.
- Derek, eu acho que você não consegue mensurar o que você fez - comecei tentando manter a calma. - Você foi embora e voltou pedindo que eu te dê uma segunda chance, como se você tivesse só me pedido um tempo e, depois de alguns dias, se arrependido.
- Eu sei que o que eu fiz foi…
- Não, Derek, você não sabe. Se você soubesse, se você tivesse uma mínima ideia, você teria me ligado assim que percebeu a merda que fez.
- Eu tentei, eu juro que eu tentei, mas eu não tive coragem. Eu estava morrendo de vergonha. Nunca quis te magoar - ele falou segurando minha mão em cima da mesa e eu senti um arrepio percorrendo a minha coluna.
- Porque você só não falou comigo? Porque você não terminou tudo cara a cara?
- Eu sei que pode parecer absurdo, mas hoje eu percebo que eu nunca quis terminar. Eu te amo, mas eu estava com medo, você tinha toda uma expectativa em cima do nosso casamento, e eu não sabia se conseguiria ser o homem perfeito que você queria.
- Eu nunca quis o homem perfeito. Eu queria você, do jeitinho que você era. Eu te amava por completo, com todos os seus defeitos e você foi embora e me deixou pra desmontar todo o casamento sozinha, sem nem me olhar no olho. Eu tive que ligar pra cada convidado, para as nossas famílias e pros seus amigos para cancelar a cerimônia e, quando me perguntavam o motivo, nem eu sabia explicar.
- Meu amor…
- Não me chama assim, por favor - pedi suspirando com calma.
- Chamo por que você é o amor da minha vida, nada vai mudar isso - ele falou e eu comecei a sentir as lágrimas se formando nos meus olhos. - Eu nunca, independente do que fizer, vou conseguir me redimir pelo que eu fiz, foi a maior burrada da minha vida, e eu me odeio por isso. O que eu estou te pedindo é uma chance, não de apagar o que aconteceu, mas de não deixar que esse meu erro fale mais alto do que tudo que a gente viveu. A nossa história é linda, foram cinco anos incríveis e que são só o começo de tudo que ainda podemos viver.
- Foram cinco anos incríveis, mas que não foram o suficiente pra você ficar. Não foram suficientes nem pra você me falar pessoalmente que não queria mais - falei e ele abaixou a cabeça sem tentar argumentar ou se defender. - Foi horrível você ter desistido de tudo, mas foi pior ainda a sensação de insignificância que eu devia ter pra você. Pensar que um relacionamento que significava tanto pra mim, significava tão pouco pra você, ao ponto de você não se dar ao trabalho, não achar que eu merecia uma explicação.
- Não foi isso que aconteceu.
- Mas foi nisso que eu acreditei, você não explicou nada, não tinha como eu saber o que estava acontecendo. Você me bloqueou até das suas redes sociais. Eu pensei em dez mil motivos que podiam ter te levado a fazer aquilo.
- Foi medo. Medo e covardia - ele falou e deixou que se instaurasse um silêncio ali.
- Eu acredito, não sei por que, mas acredito - falei e vi seu rosto se iluminar completamente - E é por isso que eu não posso fingir que está tudo bem e tentar de novo.
- , eu…
- Nós ficamos juntos por cinco anos e eu percebi que não te conheço direito.
- É claro que conhece.
- Não, não conheço. Nem você me conhece, pelo menos, não mais. O meu sonho de me casar e não repetir o erro dos meus pais era tão grande, que eu ignorei todos os sinais de que não daríamos certo.
- Eu te amo. Eu te amo mais que tudo.
- Eu também te amo, Derek, mas isso não é suficiente. Se engana quem acredita que quem tem amor tem tudo, isso não é verdade. Eu me apaixonei por você por que achei que você me daria o meu sonho e não me importei, ou talvez nem tenha percebido todo o resto que eu estava perdendo. Eu fui me podando pra me encaixar dentro dos limites que você criou pra mim e, foi por essa mulher, completamente podada, que você se apaixonou. Eu não sou mais aquela mulher.
- Isso não é verdade.
- Eu gosto de sair com os meus amigos, mesmo que você não vá. Gosto de beber e às vezes ficar bêbada. Gosto de assistir aos jogos da WNBA e poder xingar uma jogadora se achar necessário. Eu gosto de transar e depois continuar acordada ouvindo música e dançando. Gosto de cantar e escrever minhas músicas, mesmo que elas não tenham nada de especial. E gosto de me sentir livre pra fazer tudo isso, sem me preocupar em te magoar ou em você dizer que é perda de tempo.
- E eu tenho que fingir que também gosto de tudo isso?
- Não, claro que não. A gente não precisava gostar sempre das mesmas coisas, mas eu tinha que ter o direito de fazer mesmo sem você. E esse era o problema, o meu medo de te perder era tão grande, que eu deixei de fazer qualquer coisa que pudesse incomodar.
- Relacionamentos são feitos de concessões. Cada um precisa abrir mão de determinadas coisas pra fazer dar certo.
- Relacionamentos são feitos de somas. Cada um acrescentando ao outro coisas novas. Tudo bem que às vezes se abre mão de uma coisa ou outra, mas isso não é sempre, não pode ser o normal. Ninguém deveria ter que sempre deixar de fazer o que gosta pra agradar ao outro.
- Eu não acredito que você realmente vai jogar tudo fora.
- Foi você quem jogou fora, eu só não quero de volta - falei e ele deu um soco na mesa atraindo olhares de quem estava a nossa volta.
- Caralho, , eu estou tentando consertar as coisas!
- Se você for dar um show, eu vou embora. Você pediu pra gente conversar e é isso que estamos fazendo.
- Não era a conversa que eu queria.
- É a única conversa possível agora.
- Você tem certeza disso? Certeza absoluta?
- Absoluta. Não daria certo de outra forma - falei suspirando de alívio por ter conseguido falar tudo que eu queria.
- E agora?
- E agora o que?
- Eu tô com fome e vou ter que ficar esperando meu filé sem poder te dar um beijo? - perguntou me arrancando uma gargalhada.
- Exatamente. De repente, a gente dê mais certo como amigos. Mais fácil, com certeza é.
Apesar de tudo, eu tive meus motivos para me apaixonar por Derek. Ele era um cara legal. Não era perfeito, nem de longe, mas era uma boa pessoa, divertido e amoroso. Ele me fazia rir e eu sabia que ele se importava comigo. Esse foi o motivo de ser tão difícil admitir que, mesmo ele tendo errado, mesmo ele estando de volta, eu não podia mais ser sua noiva.
Por outro lado, os mesmos motivos que me fizeram me apaixonar por Derek, me fizeram desejar, quase que instantaneamente, que ele fosse o homem da minha vida e, no meio do caminho eu já nem me importava mais em o que eu tinha que fazer para mantê-lo nesse posto. Em algum momento dos nossos cinco anos juntos, a minha falta de amor próprio e a minha insegurança tomaram conta de cada gota do meu ser, mas, de alguma forma, isso estava começando a mudar. Eu gostava do que eu gostava, e eu gostava de mim. Esse foi o motivo de ser tão fácil aceitar que, mesmo admitindo seus erros e sendo um cara legal, eu não podia mais ser sua noiva.
Então, depois de virar oficialmente essa página e colocar o ponto final desse capítulo da minha vida, eu precisei usar meu impulso de coragem pra partir para a próxima batalha.
Peguei o celular para ligar para a única pessoa que eu pensei que poderia me ajudar e vi a notificação do Spotify:
Ouça agora "Into the Jungle" novo álbum da Jungle Roots
Coloquei o fone para ir ouvindo no caminho de casa. Mas antes...
- Oi, é a , tudo bem? Preciso de um favor.
Depois de quase dois anos de dedicação e frustrações e tentativas falhas e inspirações repentinas, finalmente lançamos nosso álbum.
É comum que artistas lancem novos álbuns todo ano, ou singles distribuídos que vão alimentar os fãs e mantê-los na mídia sem que precisem fechar um CD inteiro. Nós fizemos isso uma vez e não gostamos. O processo acaba sendo muito corrido e se mistura com os shows e batida de imprensa, então dessa vez decidimos tirar o nosso tempo. Foram vinte e nove meses de espera, ouvindo que estávamos fadados ao fracasso e que se não lançássemos algo rapidamente nossos fãs desistiriam da gente e perderíamos nosso lugar pra qualquer banda ou grupo que estava começando.
Nosso álbum estreou em segundo lugar na Billboard, atrás apenas do novo da Ariana Grande, então acho que provamos que estavam errados.
Tiramos esse tempo não pra fazer suspense ou matar os fãs de ódio e ansiedade, mas porque precisávamos ter certeza que qualquer coisa que lançaríamos seria o nosso melhor, e refletiria um processo de estudo e amadurecimento da banda. Mesmo assim, o tanto que demoramos pra conseguir fechar o álbum nos assustou e por pouco não desistimos e liberamos qualquer coisa que já estava pronta. A inspiração chegou quando menos esperávamos, e nos últimos três meses escrevemos mais e melhor do que nos últimos dois anos e meio.
- A minha favorita é "Mind Over Matter" - Ashton falou. Como faltava apenas uma semana para o início da turnê, combinamos com Samuel que iríamos nos comportar e evitar festas ou qualquer coisa que poderia nos colocar nos tabloides. Então achamos que pra não passar em branco, uma Live contando sobre o álbum e respondendo algumas perguntas dos fãs, seria uma boa opção.
- Eu também gosto muito dessa, foi muito divertido gravar - Michael falou.
- Eu e o Ash escrevemos "Mind Over Matter" há muito tempo, foi uma das primeiras músicas do álbum e, mesmo tendo passado um tempão, tínhamos certeza que ela ia entrar - Calum explicou.
- Qual foi a música mais rápida e qual a que mais demorou pra terminar? - Michael perguntou lendo o chat dos fãs.
- "Lover of Mine" com certeza foi a que mais demorou - Calum falou lembrando do custo que foi gravá-la. - Eu e o Michael levamos a primeira ideia dela pro estúdio no início do ano passado, mas não achamos muito boa, então ela foi descartada, recuperada e reescrita várias vezes, até que decidimos colocá-la no final.
- Deve ter demorado quase um ano pra acertarmos tudo e chegar na versão que vocês ouviram - Michael completou confirmando.
- A mais rápida eu acho que foi "Permission" - Ashton falou. - Eu e o escrevemos em algumas horas.
- "Why" eu escrevi em menos de uma hora, acho que em uns trinta minutos - falei - e gravamos no dia seguinte. Foi a última música a entrar.
- Verdade. Acho que foi seu recorde… estava inspirado.
- As músicas desse álbum falam muito sobre relacionamentos e sobre estar apaixonado - Calum leu mais um comentário - vocês acham que é possível escrever uma boa música romântica sem estar apaixonado?
- Essa é uma boa pergunta - Ashton falou. - Eu, particularmente, acho que é possível, você não precisa viver todas as experiências pra escrever sobre, pode pegar referências de filmes, livros, outras músicas. O que vocês acham? ? - ele perguntou olhando pra mim e eu pude ver o sorriso malicioso no canto da sua boca.
- Eu sempre acho mais fácil escrever sobre o que você conhece e vive, mas não necessariamente precisa ser uma experiência própria. Pode ser que algum amigo esteja vivendo aquilo, ou alguém próximo e você artisticamente se apropria daquilo e coloca em uma música.
- Eu acho que quando a experiência é sua, tem um sentimento, tem detalhes específicos que não dá pra inventar, só quem passou por aquilo conseguiria escrever sobre - Calum completou - independente das referências, nada se compara a quando você está sentindo tudo e consegue colocar no papel.
- "Love Again" é com certeza a minha música preferida - Michael falou lendo mais um - de onde surgiu a inspiração pra ela?
- O Mike começou a escrever "Love Again" há um tempo, mas acabou largando, né? - falei
- Isso, não estava parecendo certa, eu não gostei de como estava ficando, então descartei.
- Pois é, mas eu acabei esbarrando nela depois - continuei. - A gente mantém uma pasta com todas as nossas músicas, mesmo as descartadas, as incompletas… aí eu estava olhando essa pasta e acabei ficando presa em "Love Again" e achei que valia a pena tentar trabalhar nela.
- Como eu disse, estava muito inspirado - Ashton falou rindo e eu quase taquei uma almofada nele, mas a campainha tocou. - Salvo pelo gongo.
- Você está esperando alguém? - perguntei.
- Tô, atende lá pra mim - não foi uma pergunta.
- A casa é sua, atende você.
- Não posso. Se eu sair daqui todas vão chorar, já de você, ninguém vai sentir falta - falou e eu pude ver as risadas escandalosas no chat da Live, mas revirei os olhos e levantei pra atender.
Além de folgado pra caralho, Ashton era idiota de chamar seja lá quem fosse pra aparecer no meio de uma Live.
Fui andando me arrastando para a porta, esperando encontrar um entregador de pizza ou japonês, mas quem estava ali era bem diferente.
- Oi - falei atônito e ficou me encarando surpresa. Ela também não estava esperando me ver.
- O que você tá fazendo aqui? Quer dizer… - ela falou piscando rapidamente e tentando se recompor - O Ashton tá aqui?
- Tá sim. Estamos fazendo uma Live com os fãs, sobre o álbum.
- Ah, foi mal, eu posso falar com ele depois - falou já se virando pra sair.
- Não precisa, já vamos terminar. Entra aí - falei abrindo caminho para que passasse e ela hesitou por um momento, mas aceitou e entrou.
Era a primeira que eu estava a encontrando desde a festa das minhas mães. Pelo menos, a primeira em que não estávamos os dois com os nervos à flor da pele, ela sóbria e eu sem estar desesperado querendo levá-la pra casa.
Eu teria que aproveitar a oportunidade pra pedir desculpas e aceitar que ela tinha escolhido voltar com noivo, e nós seríamos apenas amigos. Fui repetindo isso na minha cabeça, me obrigando a decorar e a fazer as pazes com os hematomas no meu peito.
- Olha só quem apareceu! - Ashton gritou virando o celular para . - , dá um oi pro pessoal.
- Oi, pessoal! - ela respondeu tímida. - Você é doido, Ash? - perguntou rindo - Porque me chamou pra vir pra cá, se vocês estão trabalhando?
- Relaxa, . - Michael falou - Já vamos encerrar, estamos aqui há quase duas horas.
- Chega aí - Ash chamou - você já ouviu o álbum?
- Ouvi agora, vindo pra cá.
- O que você achou?
- Muito bom, sério, achei incrível - falou e apesar da câmera e dos dezesseis mil fãs a avaliando, ela pareceu sincera.
- Tão perguntando qual é a sua música favorita.
- Nossa, que difícil. Não faço ideia.
- Pode sincera, todo mundo sabe que as que eu escrevo são as melhores.
- Até parece - falei voltando a me sentar com eles tentando não parecer me importar com o que ela responderia.
- Perguntaram também se tem alguma música sobre você - Michael falou olhando pra ela, mas logo percebeu que era melhor ter ficado calado.
- Isso eu não sei responder, não fui eu quem escrevi - falou com a rosto ficando vermelho de vergonha.
- Uma pergunta de cada vez - Calum se meteu para salvá-la. - Não precisa ser a sua preferida, pode ser alguma que você gostou muito.
- Eu realmente amei o álbum, todas são boas…, mas gostei muito de "Wildflower" e "Permission".
- Muito boas, eu escrevi as duas - Ashton falou e eu tossi para lembrá-lo que ele não fez sozinho - o me ajudou, também.
- "Hurts Good" é muito boa também e "Cross your mind" é incrível.
- E "Why"? - Ashton perguntou olhando de mim pra , e ela engoliu seco. Não precisava ser nenhum gênio para saber que aquela música era sobre ela e isso a deixou nervosa.
- É linda - respondeu e nossos olhares se encontraram fazendo meu estômago se contorcer.
- Ok, então - Michael falou virando a câmera pra si. - Vocês conseguiram suas respostas e acho que por hoje tá suficiente.
Nos despedimos aos poucos, fazendo todos os agradecimentos e relembrando todo mundo sobre os locais da turnê que ainda tinham ingresso disponível. Não eram muitos.
Ashton fechou a Live e deixou o celular de lado para encarar sua convidada que continuava em pé, sem saber exatamente o que devia fazer.
- Então, dona , o que de tão urgente você precisava falar comigo?
Puta que pariu! Era tudo o que eu queria falar.
Eu estava super nervosa, pensei mil vezes antes de tomar aquela decisão e mais mil vezes antes de pedir ajuda. Então, quando eu decidi finalmente ligar pro Ashton e fazer as coisas andarem, ele me apronta uma dessas e me obriga a falar na frente dos outros.
Eles iam ficar sabendo mais cedo ou mais tarde, mas eu ainda preferia que eles descobrissem depois de tudo feito. Principalmente .
- Qual a chance de eu falar com você a sós?
- Nenhuma - Ash respondeu rindo. - Eu sei que as coisas estão estranhas entre vocês dois, mas pra evitar segredos e qualquer climão, é melhor você falar logo na frente dele - concluiu virando-se para e eu segui seu olhar. Aqueles olhos esverdeados estavam iluminados pela luz do sol que entrava pela parede de vidro, e me fitavam quase sem piscar, mas eu não desviei.
- Eu liguei pro Samuel - comecei.
- Samuel, nosso empresário? - perguntou franzindo a testa sem entender.
- O próprio. Ele me ligou na época que lançamos "There's No Way" e falou que se eu tivesse outras músicas e pensasse em vendê-las, era pra eu falar com ele.
- Você vai vender as suas músicas? - perguntou chocado, mas o sorriso que ele abriu com a possibilidade me encorajou.
- Talvez. Eu queria tentar. Você acha ruim?
- Não, claro que não! Acho incrível - respondeu se levantando do sofá. - Só estou surpreso por você deixar que outras pessoas ouçam o que você escreve. Eu nunca nem pude chegar perto do seu caderno de letras.
- Pois é. Mas é uma coisa que eu adoro fazer e, como eu estou desempregada, se der certo, seria uma forma de ganhar uma graninha.
- Que bom, Ali - Calum falou me incentivando - Se forem tão boas quanto a que vocês escreveram juntos, acho que você tem futuro na indústria.
- Mas onde eu entro nisso? - Ashton perguntou confuso.
- Eu precisava gravar uma demo, mas não tenho como pagar as horas de estúdio nem nada disso e, como você falou que tinha um estúdio aqui, eu queria saber se rola de eu usá-lo?
- Óbvio que rola, gatinha - respondeu passando o braço em volta do meu pescoço - Mi casa es su casa.
- Valeu, Ash. Eu realmente não quero atrapalhar, mas se você puder só me mostrar como funciona, eu agradeço.
- A gente pode te ajudar - ofereceu.
- Não precisa, vocês devem ter coisa melhor pra fazer…
- Que nada, o Samuca quer que a gente descanse para turnê - Ash falou se afastando para ir em direção do que devia ser o estúdio. - Estamos de bobeira.
- Aproveita que você tem a sorte de ter a banda mais badalada do momento, todinha a sua disposição - Michael falou indo atrás do amigo.
- Gente, não precisa, eu me viro.
- Não precisa "se virar", a gente te ajuda - Calum falou indo na mesma direção dos outros e quando eu dei um primeiro passo para segui-los, uma mão segurou a minha me fazendo parar.
- Será que dá pra tudo voltar ao que era antes, e a gente não ficar nesse climão horrível? - perguntou quase sussurrando para que os outros não escutassem.
- As coisas não vão voltar ao que eram. Se você aceitar isso, não vai ter climão nenhum.
- Você vai decidir isso sozinha e eu nem posso opinar?
- Exatamente.
- Não me parece muito justo.
- Eu não quero mais, já me decidi, mas não estou aqui pra discutir isso com você.
- Você nem ia me contar? Ligou pro Ashton pra pedir ajuda e nem ia me falar nada? - perguntou me encarando no fundo dos olhos e parecia enxergar a minha alma, mas tudo que eu via era mágoa.
- Podemos não fazer isso agora? São três horas da tarde e o meu dia já foi desgastante o suficiente.
- Brigou com o namoradinho?
Esse tipo de discussão e deboche era exatamente o que eu estava evitando, era por esse tipo de coisa que eu não tinha o procurado antes. Minha paciência com afrontos e pessoas querendo satisfação de mim já tinha se esgotado, e ver nesse papel era ainda mais difícil de aceitar, então só revirei os olhos e virei as costas para me juntar aos outros. Achei que ele iria embora e me deixaria em paz para gravar minhas músicas sem precisar ficar o encarando, mas fui decepcionada ao ouvir seus passos atrás de mim.
Subi as escadas da casa até o estúdio e, ao contrário do que eu estava esperando, era um espaço completamente profissional, todo equipado com revestimento acústico, mesa de som e uma dezena de instrumentos, sem falar na decoração com tapeçaria e sofás. Ash tinha um talento especial para gastar o dinheiro dele com coisas inúteis, mas esse não era o caso.
Os meninos me mostraram tudo, explicando como funcionava a gravação, os botões, as mudanças e os ajustes que eles podiam fazer acrescentando instrumentos externos e fazendo mixagens na minha voz, mas como seria apenas uma demo para expor as minhas músicas e apresentá-las aos artistas, não precisava daquilo tudo.
Me ensinaram sobre os microfones, as cabines e as diferentes barreiras acústicas que eu podia usar. Me instruíram sobre truques de voz, postura e sobre a respiração e os seus intervalos durante a música.
- Agora é a sua vez - Ashton falou se jogando no sofá.
- Minha vez de que?
- A gente te mostrou tudo que dava sobre o estúdio e a gravação, só falta a parte mais importante. A música.
Por um momento eu tinha esquecido completamente daquela parte. Não bastava eu ter conseguido chegar até ali e contato sobre a minha decisão, agora eu teria que mostrar minhas músicas, eu teria que cantá-las e isso me paralisou. Eu parei de respirar e não conseguia sentir o ar chegando aos meus pulmões.
- Hey, relaxa - falou segurando meus braços com cuidado e fazendo com que eu me virasse para ele. - Você está entre amigos, ninguém vai te julgar.
- E se elas foram uma merda é melhor você ficar sabendo pela gente - Ashton falou mostrando mais uma vez sua falta de noção e me fazendo rir.
- Qualquer coisa, podemos te ajudar nisso também - Calum sugeriu. - Se a gente achar que precisa de qualquer mudança, podemos fazer com você.
Eles estavam sendo perfeitos, muito queridos, mas o problema não era minha insegurança com as músicas, mas sim as letras em si. Minhas músicas eram, de certa forma, meu diário e eu teria que mostrar tudo para eles. Eu teria que mostrar pra .
Respirei fundo umas quinze vezes pensando em apenas sair correndo, mas eu já tinha chegado até ali.
Peguei os cadernos na minha bolsa e me dirigi a cabine sem falar uma palavra ou olhar pra trás. Coloquei um banco alto na frente do microfone que estava no meio da sala, coloquei meus cadernos na estante de partituras, posicionei um teclado perto de mim e peguei um dos violões que ficavam pendurados em uma parede e o posicionei no meu colo.
Calum ficou responsável por mexer na mesa de som e assim que a arrumou e garantiu que a gravação podia começar, fez um sinal de positivo levantando o polegar pra mim.
Contei mentalmente até dez e comecei a tocar tentando ignorar a presença deles.
Nos meus cadernos tinham umas 200 músicas. Dessas, aproximadamente 170 eu tinha escrito antes dos meus quinze anos e falavam sobre os meus passeios de ônibus por Fort Lauderdale e as minhas paixões platônicas por basicamente qualquer garoto que era simpático comigo. Essas eu descartei. Depois disso, as músicas começaram a ser um apanhado de melodrama sobre meus primeiros relacionamentos de verdade, que eu sempre acreditava que seriam para sempre e então eu quebrava a cara. Também descartadas. Então eu comecei a compor sobre o que eu tinha certeza, o casamento fracassado dos meus pais. Essas eu nem tirei de casa. Então sobraram pouquíssimas. Essas pouquíssimas que eram meu problema.
Eu não esperava ter que cantar na frente deles. Nem pretendia que ouvisse as músicas, então eu escolhi justamente as seis que eu achava serem as melhores, mas que eram as mais íntimas pra mim, referenciando principalmente minha relação com Derek, como começou e terminou e como eu me senti depois. Mas tinham as mais recentes, essas seriam quase que uma serenata ao vivo e a cores.
- Muito bom, Ali - Calum falou do outro lado do vidro - São só essas cinco?
- Não - falei hesitante - falta uma.
- Ok. Quando estiver pronta…
Não existia "estar pronta" para aquele momento. Na verdade, considerando tudo que estava acontecendo, essa era a música que eu devia ter deixado em casa, mas mais uma vez, eu ignorei todos os meus alarmes e, me concentrando em não desmaiar, comecei.
[Lauren Aquilina - Fools (Lyrics)]
Silêncio e mais silêncio circundava todo o estúdio.
Por aqueles minutos, eu fiquei tão absorta que não tinha percebido o quanto eu e nos encaramos durante toda a última música. Percebi meu rosto molhado por um caminho de lágrimas e me despertei daquele transe me obrigando a secá-las.
Saí da cabine para me juntar aos quatro que me esperavam do outro lado do vidro e evitei a todo custo voltar a encontrar aqueles olhos esverdeados que eu conseguia sentir me engolindo.
- Caralho, . Você escreve muito! - Ashton falou quebrando o silêncio constrangedor.
- Obrigada - agradeci simulando um sorriso. Meu corpo estava tenso e minha vontade era de cavar um buraco no chão para me esconder, enquanto os outros dividiam os olhares entre mim e . - Deu tudo certo aqui?
- Tudo perfeito - Calum respondeu me entregando um pendrive com as minhas músicas recém gravadas. - Acho que, como é só uma demo, não precisa de mixagem, elas podem ser cruas.
- Ótimo. Vocês acham que precisa mudar alguma coisa? Nas músicas, eu quero dizer.
- Não, tá doida. Suas letras são fodas, de onde você tirou que eram ruins?! - Ashton perguntou ainda super empolgado.
- Eu tenho um palpite - respondeu quase sussurrando, mas eu continuei sem encará-lo.
- Só por curiosidade - Michael falou me observando com cuidado - seu noivo sabe que você vai liberar essas músicas?
- Eu não tenho noivo - respondi e senti a movimentação do cômodo mudar - Mas não, o Derek não sabe. Nem tem porque saber, não é como se eu fosse entregar uma dedicatória junto com a música.
- Você não tem noivo - falou me avaliando e eu olhei para ele pela primeira vez.
- Não. Eu preciso de paz agora, estou dispensando qualquer complicação.
- Nesse caso, eu me voluntario - Ashton falou me abraçando de lado - Você não vai achar ninguém mais fácil que eu.
- Aé? Você já resolveu tudo com a Julia?
- Já - falou dando de ombros. - Ela não quer mais nada comigo.
- E você quer alguma coisa com ela? Alguma coisa de verdade?
- Não faz mais diferença, ela já tomou a decisão dela.
- Óbvio que faz diferença. Ela tomou a decisão, se baseando no que você mostrou pra ela, que era total desinteresse. Se isso mudou, ela tem que saber.
- Eu estou bem solteiro, gatinha. Não sirvo pra esse negócio de namoro.
- Desiste, . O Ashton é idiota - Calum falou. - Fica negando o que sente e quando resolver admitir, vai ser tarde demais e vai ficar chupando o dedo.
- Ele não vai ser o único - Michael completou olhando pra e, como um reflexo, segui seu olhar.
Aquilo não ia dar certo, eu precisava sair dali.
- Meninos, obrigada por tudo, mesmo - falei rompendo o clima que cismava em surgir sempre que estávamos próximos demais. - Já está tarde, então eu vou indo.
- Eu te levo - ofereceu.
- Não precisa, eu vim dirigindo. Obrigada por tudo - agradeci mais uma vez e saí da sala o mais rápido que consegui, sem me importar em esperar que alguém me acompanhasse até a saída.
Desci apressada pelas escadas e corri passando pelos corredores sentindo que as paredes estavam se fechando em mim, prontas para me encurralar. Aquele sentimento estava me sufocando. Não falar sobre ele estava me sufocando. Esconder e fingir que ele não existia, apesar de eu ter me convencido de que era o melhor a se fazer, estava me sufocando.
Abri a porta que dava para fora sentindo finalmente o ar fresco entrando e circulando pelo meu corpo, me permitindo respirar aliviada. Um passo de cada vez, eu me afastei da casa. Ficaria tudo bem. Eu estava bem, estava certa, precisava de paz, precisava me manter longe de complicações. Precisava me manter longe de . Pelo menos até eu aprender a domar meus sentimentos por ele e aceitar que eu precisava ficar sozinha.
- Hey, espera aí! - gritou da porta da casa e correu até mim acabando com todo o espaço que eu propositalmente tinha criado entre nós. Me apoiei no capô para não sair correndo mais uma vez. - Será que dá pra gente conversar?
- Eu estou cansada, . O meu dia foi longo e difícil e eu não vou aguentar ter que discutir mais uma vez com você.
- Eu não quero discutir.
- Não quer, mas ultimamente a gente não consegue mais conversar de outro jeito.
- Então a sua ideia é a gente não se falar mais? Nunca?
- A minha ideia é conseguir organizar a minha cabeça e você não ajuda nisso, então eu prefiro evitar isso agora. Vamos deixar essa conversa pra outro dia, por favor - falei puxando a porta do carro, mas ele a empurrou e se apoiou na lateral impedindo que eu tentasse abrir de novo.
- Tudo bem, a conversa pode ficar pra outro dia - falou me puxando para ainda mais próximo dele, segurando minhas costas com uma mão firme e, com a outra aproximou nossos rostos e grudou nossos lábios. Eu quis empurrá-lo. Quis dizer que ele não tinha direito de fazer aquilo. Quis, mas não fiz. Minha força de vontade saiu pelos ares, meus joelhos fraquejaram e eu me agarrei aquele beijo como se a minha vida dependesse dele.
JUNGLE ROOTS
5SOS - IF WALLS COULD TALK - Calum e
5SOS - WILDFLOWER - Ashton e
ANTHONY RAMOS - MIND OVER MATTER - Ashton e Calum
NEW HOPE CLUB - LOVE AGAIN - e Michael
NEW HOPE CLUB - PERMISSION - Ashton e Michael
NIALL HORRAN - CROSS YOUR MIND - Calum e Michael
R5 - HURTS GOOD - Ashton e Calum
RHYS LEWIS - BE YOUR MAN - Ashton e
SHAWN MENDES - WHY -
YOURS - ELLA HENDERSON
CONSEQUENCES - CAMILA CABELLO
I LOVE YOUS - HAILEE STAINFIELD
FRAGILE - COOPER AND GATLIN
TELL EM – SABRINA CARPENTER
FOOLS - LAUREN AQUILINA
Estar desempregada significa que, além de não ter uma fonte de renda, você tem uma eternidade de tempo livre para não fazer nada e pensar em absolutamente todos os detalhes da sua vida que já passaram e nos que ainda vêm e precisam ser resolvidos.
Depois de uma longa noite apenas pensando, sem nem conseguir pregar o olho, percebi que tempo não era o meu problema. Não tinha mais em que pensar.
Sem querer perder mais tempo, ou perder a coragem de concretizar o que eu gastei o tempo pensando, só me restava tomar a atitude e, por mais que a decisão já estivesse formada na minha cabeça, aqueles quinze minutos esperando por Derek no restaurante, já estavam parecendo dias.
Os garçons iam e viam com pratos cheirosos e bebidas coloridas, as mesas enchiam e esvaziavam, os clientes rotacionavam, e naqueles minutos de agonia, tentando me distrair com a vida alheia, eu percebi a quantidade de histórias que passavam diante de mim. Quantos casais sentaram-se naquelas cadeiras? Quantos divorciados? Provavelmente muito arrependidos e mais ainda realizados. Muitos em dúvida, muitos com toda a certeza, mas sem nenhuma coragem. Quantos grávidos e quantos abandonados? Quantos com o emprego dos sonhos, e quantos ainda em trabalhos banais, esperando a vez dos sonhos. Um único restaurante e milhares de argumentos para me fazer tomar as mais variadas decisões e traçar caminhos completamente opostos a partir dali.
Aquele era um dos nossos restaurantes favoritos. Meu e do Derek. Nós almoçávamos aqui pelo menos uma vez por semana. Sempre que conseguíamos tirar um tempinho a mais, dizíamos que deveríamos escolher um lugar diferente, experimentar, ir a algum lugar novo, mas sempre acabávamos aqui.
Tudo mudou tanto. Tinham quase quatro meses que eu não conseguia passar da porta e, depois de tanto tempo, ele voltou e quase parece que tudo está como era antes, eu o esperando ser liberado do trabalho.
É só um almoço. É só um almoço. Repetia isso a cada vez que alguém passava pela porta.
Eu estava mentindo pra mim mesma e sabia disso, mas desde que a mentira me ajudasse a continuar sentada ali, esperando, eu continuaria a repetindo.
- Desculpe o atraso - Derek falou se aproximando para me cumprimentar e eu botei a mão no peito, contendo o susto - acabaram me segurando no escritório.
- Tudo bem, eu entendo.
- Já pediu alguma coisa?
- Ainda não - eu mal conseguia o encarar. Era uma mistura de sentimentos e eu não sabia se estava focando nos corretos. Ele fez um sinal com mão para o garçom que assentiu com a cabeça e logo veio em nossa direção.
- Boa tarde, meu nome é Damien e eu vou atendê-los hoje - falou animado e foi impossível não retribuir o sorriso, mesmo que mais discreto - Já sabem o que vão pedir?
- Eu vou querer um filé à parmegiana com legumes e purê, e ela um fettuccine à carbonara - Derek respondeu rapidamente e, apesar de ele ter acertado o meu pedido, isso me causou uma estranheza.
- Na verdade, eu queria as vieiras com o suflê de couve-flor - falei para o rapaz que riscou o pedido que Derek tinha feito.
- Vieiras? - Derek perguntou assim que o garçom se afastou.
- Vieiras - respondi e ele ficou me encarando e tentando descobrir o que mais tinha mudado.
- Eu vou querer saber o motivo de você ter marcado esse encontro, ou é melhor comer primeiro? Só pra garantir que a pressão não vai baixar e eu vou cair duro aqui.
- Bobo - respondi rindo. Ele parecia continuar exatamente a mesma pessoa de três meses atrás.
- Quando eu vi a sua mensagem, confesso que pensei até em fingir que estava passando mal, ou coisa do tipo.
- Por que? Você está insistindo nessa conversa desde que voltou.
- É, mas é diferente. O famoso "precisamos conversar" nunca é seguido de boas notícias.
- Não é verdade. Da última vez que eu falei pra gente conversar, era pra te avisar que tinha comprado a televisão nova lá de casa.
- Que você parcelou no meu cartão.
- Você assistia muito mais televisão do que eu.
- Justo - concordou rindo. - Então eu posso voltar a assistir televisão lá? - ele perguntou em uma tentativa de fazer uma transição sutil ao assunto que tinha nos levado até ali.
- Derek, eu acho que você não consegue mensurar o que você fez - comecei tentando manter a calma. - Você foi embora e voltou pedindo que eu te dê uma segunda chance, como se você tivesse só me pedido um tempo e, depois de alguns dias, se arrependido.
- Eu sei que o que eu fiz foi…
- Não, Derek, você não sabe. Se você soubesse, se você tivesse uma mínima ideia, você teria me ligado assim que percebeu a merda que fez.
- Eu tentei, eu juro que eu tentei, mas eu não tive coragem. Eu estava morrendo de vergonha. Nunca quis te magoar - ele falou segurando minha mão em cima da mesa e eu senti um arrepio percorrendo a minha coluna.
- Porque você só não falou comigo? Porque você não terminou tudo cara a cara?
- Eu sei que pode parecer absurdo, mas hoje eu percebo que eu nunca quis terminar. Eu te amo, mas eu estava com medo, você tinha toda uma expectativa em cima do nosso casamento, e eu não sabia se conseguiria ser o homem perfeito que você queria.
- Eu nunca quis o homem perfeito. Eu queria você, do jeitinho que você era. Eu te amava por completo, com todos os seus defeitos e você foi embora e me deixou pra desmontar todo o casamento sozinha, sem nem me olhar no olho. Eu tive que ligar pra cada convidado, para as nossas famílias e pros seus amigos para cancelar a cerimônia e, quando me perguntavam o motivo, nem eu sabia explicar.
- Meu amor…
- Não me chama assim, por favor - pedi suspirando com calma.
- Chamo por que você é o amor da minha vida, nada vai mudar isso - ele falou e eu comecei a sentir as lágrimas se formando nos meus olhos. - Eu nunca, independente do que fizer, vou conseguir me redimir pelo que eu fiz, foi a maior burrada da minha vida, e eu me odeio por isso. O que eu estou te pedindo é uma chance, não de apagar o que aconteceu, mas de não deixar que esse meu erro fale mais alto do que tudo que a gente viveu. A nossa história é linda, foram cinco anos incríveis e que são só o começo de tudo que ainda podemos viver.
- Foram cinco anos incríveis, mas que não foram o suficiente pra você ficar. Não foram suficientes nem pra você me falar pessoalmente que não queria mais - falei e ele abaixou a cabeça sem tentar argumentar ou se defender. - Foi horrível você ter desistido de tudo, mas foi pior ainda a sensação de insignificância que eu devia ter pra você. Pensar que um relacionamento que significava tanto pra mim, significava tão pouco pra você, ao ponto de você não se dar ao trabalho, não achar que eu merecia uma explicação.
- Não foi isso que aconteceu.
- Mas foi nisso que eu acreditei, você não explicou nada, não tinha como eu saber o que estava acontecendo. Você me bloqueou até das suas redes sociais. Eu pensei em dez mil motivos que podiam ter te levado a fazer aquilo.
- Foi medo. Medo e covardia - ele falou e deixou que se instaurasse um silêncio ali.
- Eu acredito, não sei por que, mas acredito - falei e vi seu rosto se iluminar completamente - E é por isso que eu não posso fingir que está tudo bem e tentar de novo.
- , eu…
- Nós ficamos juntos por cinco anos e eu percebi que não te conheço direito.
- É claro que conhece.
- Não, não conheço. Nem você me conhece, pelo menos, não mais. O meu sonho de me casar e não repetir o erro dos meus pais era tão grande, que eu ignorei todos os sinais de que não daríamos certo.
- Eu te amo. Eu te amo mais que tudo.
- Eu também te amo, Derek, mas isso não é suficiente. Se engana quem acredita que quem tem amor tem tudo, isso não é verdade. Eu me apaixonei por você por que achei que você me daria o meu sonho e não me importei, ou talvez nem tenha percebido todo o resto que eu estava perdendo. Eu fui me podando pra me encaixar dentro dos limites que você criou pra mim e, foi por essa mulher, completamente podada, que você se apaixonou. Eu não sou mais aquela mulher.
- Isso não é verdade.
- Eu gosto de sair com os meus amigos, mesmo que você não vá. Gosto de beber e às vezes ficar bêbada. Gosto de assistir aos jogos da WNBA e poder xingar uma jogadora se achar necessário. Eu gosto de transar e depois continuar acordada ouvindo música e dançando. Gosto de cantar e escrever minhas músicas, mesmo que elas não tenham nada de especial. E gosto de me sentir livre pra fazer tudo isso, sem me preocupar em te magoar ou em você dizer que é perda de tempo.
- E eu tenho que fingir que também gosto de tudo isso?
- Não, claro que não. A gente não precisava gostar sempre das mesmas coisas, mas eu tinha que ter o direito de fazer mesmo sem você. E esse era o problema, o meu medo de te perder era tão grande, que eu deixei de fazer qualquer coisa que pudesse incomodar.
- Relacionamentos são feitos de concessões. Cada um precisa abrir mão de determinadas coisas pra fazer dar certo.
- Relacionamentos são feitos de somas. Cada um acrescentando ao outro coisas novas. Tudo bem que às vezes se abre mão de uma coisa ou outra, mas isso não é sempre, não pode ser o normal. Ninguém deveria ter que sempre deixar de fazer o que gosta pra agradar ao outro.
- Eu não acredito que você realmente vai jogar tudo fora.
- Foi você quem jogou fora, eu só não quero de volta - falei e ele deu um soco na mesa atraindo olhares de quem estava a nossa volta.
- Caralho, , eu estou tentando consertar as coisas!
- Se você for dar um show, eu vou embora. Você pediu pra gente conversar e é isso que estamos fazendo.
- Não era a conversa que eu queria.
- É a única conversa possível agora.
- Você tem certeza disso? Certeza absoluta?
- Absoluta. Não daria certo de outra forma - falei suspirando de alívio por ter conseguido falar tudo que eu queria.
- E agora?
- E agora o que?
- Eu tô com fome e vou ter que ficar esperando meu filé sem poder te dar um beijo? - perguntou me arrancando uma gargalhada.
- Exatamente. De repente, a gente dê mais certo como amigos. Mais fácil, com certeza é.
Apesar de tudo, eu tive meus motivos para me apaixonar por Derek. Ele era um cara legal. Não era perfeito, nem de longe, mas era uma boa pessoa, divertido e amoroso. Ele me fazia rir e eu sabia que ele se importava comigo. Esse foi o motivo de ser tão difícil admitir que, mesmo ele tendo errado, mesmo ele estando de volta, eu não podia mais ser sua noiva.
Por outro lado, os mesmos motivos que me fizeram me apaixonar por Derek, me fizeram desejar, quase que instantaneamente, que ele fosse o homem da minha vida e, no meio do caminho eu já nem me importava mais em o que eu tinha que fazer para mantê-lo nesse posto. Em algum momento dos nossos cinco anos juntos, a minha falta de amor próprio e a minha insegurança tomaram conta de cada gota do meu ser, mas, de alguma forma, isso estava começando a mudar. Eu gostava do que eu gostava, e eu gostava de mim. Esse foi o motivo de ser tão fácil aceitar que, mesmo admitindo seus erros e sendo um cara legal, eu não podia mais ser sua noiva.
Então, depois de virar oficialmente essa página e colocar o ponto final desse capítulo da minha vida, eu precisei usar meu impulso de coragem pra partir para a próxima batalha.
Peguei o celular para ligar para a única pessoa que eu pensei que poderia me ajudar e vi a notificação do Spotify:
Ouça agora "Into the Jungle" novo álbum da Jungle Roots
Coloquei o fone para ir ouvindo no caminho de casa. Mas antes...
- Oi, é a , tudo bem? Preciso de um favor.
Depois de quase dois anos de dedicação e frustrações e tentativas falhas e inspirações repentinas, finalmente lançamos nosso álbum.
É comum que artistas lancem novos álbuns todo ano, ou singles distribuídos que vão alimentar os fãs e mantê-los na mídia sem que precisem fechar um CD inteiro. Nós fizemos isso uma vez e não gostamos. O processo acaba sendo muito corrido e se mistura com os shows e batida de imprensa, então dessa vez decidimos tirar o nosso tempo. Foram vinte e nove meses de espera, ouvindo que estávamos fadados ao fracasso e que se não lançássemos algo rapidamente nossos fãs desistiriam da gente e perderíamos nosso lugar pra qualquer banda ou grupo que estava começando.
Nosso álbum estreou em segundo lugar na Billboard, atrás apenas do novo da Ariana Grande, então acho que provamos que estavam errados.
Tiramos esse tempo não pra fazer suspense ou matar os fãs de ódio e ansiedade, mas porque precisávamos ter certeza que qualquer coisa que lançaríamos seria o nosso melhor, e refletiria um processo de estudo e amadurecimento da banda. Mesmo assim, o tanto que demoramos pra conseguir fechar o álbum nos assustou e por pouco não desistimos e liberamos qualquer coisa que já estava pronta. A inspiração chegou quando menos esperávamos, e nos últimos três meses escrevemos mais e melhor do que nos últimos dois anos e meio.
- A minha favorita é "Mind Over Matter" - Ashton falou. Como faltava apenas uma semana para o início da turnê, combinamos com Samuel que iríamos nos comportar e evitar festas ou qualquer coisa que poderia nos colocar nos tabloides. Então achamos que pra não passar em branco, uma Live contando sobre o álbum e respondendo algumas perguntas dos fãs, seria uma boa opção.
- Eu também gosto muito dessa, foi muito divertido gravar - Michael falou.
- Eu e o Ash escrevemos "Mind Over Matter" há muito tempo, foi uma das primeiras músicas do álbum e, mesmo tendo passado um tempão, tínhamos certeza que ela ia entrar - Calum explicou.
- Qual foi a música mais rápida e qual a que mais demorou pra terminar? - Michael perguntou lendo o chat dos fãs.
- "Lover of Mine" com certeza foi a que mais demorou - Calum falou lembrando do custo que foi gravá-la. - Eu e o Michael levamos a primeira ideia dela pro estúdio no início do ano passado, mas não achamos muito boa, então ela foi descartada, recuperada e reescrita várias vezes, até que decidimos colocá-la no final.
- Deve ter demorado quase um ano pra acertarmos tudo e chegar na versão que vocês ouviram - Michael completou confirmando.
- A mais rápida eu acho que foi "Permission" - Ashton falou. - Eu e o escrevemos em algumas horas.
- "Why" eu escrevi em menos de uma hora, acho que em uns trinta minutos - falei - e gravamos no dia seguinte. Foi a última música a entrar.
- Verdade. Acho que foi seu recorde… estava inspirado.
- As músicas desse álbum falam muito sobre relacionamentos e sobre estar apaixonado - Calum leu mais um comentário - vocês acham que é possível escrever uma boa música romântica sem estar apaixonado?
- Essa é uma boa pergunta - Ashton falou. - Eu, particularmente, acho que é possível, você não precisa viver todas as experiências pra escrever sobre, pode pegar referências de filmes, livros, outras músicas. O que vocês acham? ? - ele perguntou olhando pra mim e eu pude ver o sorriso malicioso no canto da sua boca.
- Eu sempre acho mais fácil escrever sobre o que você conhece e vive, mas não necessariamente precisa ser uma experiência própria. Pode ser que algum amigo esteja vivendo aquilo, ou alguém próximo e você artisticamente se apropria daquilo e coloca em uma música.
- Eu acho que quando a experiência é sua, tem um sentimento, tem detalhes específicos que não dá pra inventar, só quem passou por aquilo conseguiria escrever sobre - Calum completou - independente das referências, nada se compara a quando você está sentindo tudo e consegue colocar no papel.
- "Love Again" é com certeza a minha música preferida - Michael falou lendo mais um - de onde surgiu a inspiração pra ela?
- O Mike começou a escrever "Love Again" há um tempo, mas acabou largando, né? - falei
- Isso, não estava parecendo certa, eu não gostei de como estava ficando, então descartei.
- Pois é, mas eu acabei esbarrando nela depois - continuei. - A gente mantém uma pasta com todas as nossas músicas, mesmo as descartadas, as incompletas… aí eu estava olhando essa pasta e acabei ficando presa em "Love Again" e achei que valia a pena tentar trabalhar nela.
- Como eu disse, estava muito inspirado - Ashton falou rindo e eu quase taquei uma almofada nele, mas a campainha tocou. - Salvo pelo gongo.
- Você está esperando alguém? - perguntei.
- Tô, atende lá pra mim - não foi uma pergunta.
- A casa é sua, atende você.
- Não posso. Se eu sair daqui todas vão chorar, já de você, ninguém vai sentir falta - falou e eu pude ver as risadas escandalosas no chat da Live, mas revirei os olhos e levantei pra atender.
Além de folgado pra caralho, Ashton era idiota de chamar seja lá quem fosse pra aparecer no meio de uma Live.
Fui andando me arrastando para a porta, esperando encontrar um entregador de pizza ou japonês, mas quem estava ali era bem diferente.
- Oi - falei atônito e ficou me encarando surpresa. Ela também não estava esperando me ver.
- O que você tá fazendo aqui? Quer dizer… - ela falou piscando rapidamente e tentando se recompor - O Ashton tá aqui?
- Tá sim. Estamos fazendo uma Live com os fãs, sobre o álbum.
- Ah, foi mal, eu posso falar com ele depois - falou já se virando pra sair.
- Não precisa, já vamos terminar. Entra aí - falei abrindo caminho para que passasse e ela hesitou por um momento, mas aceitou e entrou.
Era a primeira que eu estava a encontrando desde a festa das minhas mães. Pelo menos, a primeira em que não estávamos os dois com os nervos à flor da pele, ela sóbria e eu sem estar desesperado querendo levá-la pra casa.
Eu teria que aproveitar a oportunidade pra pedir desculpas e aceitar que ela tinha escolhido voltar com noivo, e nós seríamos apenas amigos. Fui repetindo isso na minha cabeça, me obrigando a decorar e a fazer as pazes com os hematomas no meu peito.
- Olha só quem apareceu! - Ashton gritou virando o celular para . - , dá um oi pro pessoal.
- Oi, pessoal! - ela respondeu tímida. - Você é doido, Ash? - perguntou rindo - Porque me chamou pra vir pra cá, se vocês estão trabalhando?
- Relaxa, . - Michael falou - Já vamos encerrar, estamos aqui há quase duas horas.
- Chega aí - Ash chamou - você já ouviu o álbum?
- Ouvi agora, vindo pra cá.
- O que você achou?
- Muito bom, sério, achei incrível - falou e apesar da câmera e dos dezesseis mil fãs a avaliando, ela pareceu sincera.
- Tão perguntando qual é a sua música favorita.
- Nossa, que difícil. Não faço ideia.
- Pode sincera, todo mundo sabe que as que eu escrevo são as melhores.
- Até parece - falei voltando a me sentar com eles tentando não parecer me importar com o que ela responderia.
- Perguntaram também se tem alguma música sobre você - Michael falou olhando pra ela, mas logo percebeu que era melhor ter ficado calado.
- Isso eu não sei responder, não fui eu quem escrevi - falou com a rosto ficando vermelho de vergonha.
- Uma pergunta de cada vez - Calum se meteu para salvá-la. - Não precisa ser a sua preferida, pode ser alguma que você gostou muito.
- Eu realmente amei o álbum, todas são boas…, mas gostei muito de "Wildflower" e "Permission".
- Muito boas, eu escrevi as duas - Ashton falou e eu tossi para lembrá-lo que ele não fez sozinho - o me ajudou, também.
- "Hurts Good" é muito boa também e "Cross your mind" é incrível.
- E "Why"? - Ashton perguntou olhando de mim pra , e ela engoliu seco. Não precisava ser nenhum gênio para saber que aquela música era sobre ela e isso a deixou nervosa.
- É linda - respondeu e nossos olhares se encontraram fazendo meu estômago se contorcer.
- Ok, então - Michael falou virando a câmera pra si. - Vocês conseguiram suas respostas e acho que por hoje tá suficiente.
Nos despedimos aos poucos, fazendo todos os agradecimentos e relembrando todo mundo sobre os locais da turnê que ainda tinham ingresso disponível. Não eram muitos.
Ashton fechou a Live e deixou o celular de lado para encarar sua convidada que continuava em pé, sem saber exatamente o que devia fazer.
- Então, dona , o que de tão urgente você precisava falar comigo?
Puta que pariu! Era tudo o que eu queria falar.
Eu estava super nervosa, pensei mil vezes antes de tomar aquela decisão e mais mil vezes antes de pedir ajuda. Então, quando eu decidi finalmente ligar pro Ashton e fazer as coisas andarem, ele me apronta uma dessas e me obriga a falar na frente dos outros.
Eles iam ficar sabendo mais cedo ou mais tarde, mas eu ainda preferia que eles descobrissem depois de tudo feito. Principalmente .
- Qual a chance de eu falar com você a sós?
- Nenhuma - Ash respondeu rindo. - Eu sei que as coisas estão estranhas entre vocês dois, mas pra evitar segredos e qualquer climão, é melhor você falar logo na frente dele - concluiu virando-se para e eu segui seu olhar. Aqueles olhos esverdeados estavam iluminados pela luz do sol que entrava pela parede de vidro, e me fitavam quase sem piscar, mas eu não desviei.
- Eu liguei pro Samuel - comecei.
- Samuel, nosso empresário? - perguntou franzindo a testa sem entender.
- O próprio. Ele me ligou na época que lançamos "There's No Way" e falou que se eu tivesse outras músicas e pensasse em vendê-las, era pra eu falar com ele.
- Você vai vender as suas músicas? - perguntou chocado, mas o sorriso que ele abriu com a possibilidade me encorajou.
- Talvez. Eu queria tentar. Você acha ruim?
- Não, claro que não! Acho incrível - respondeu se levantando do sofá. - Só estou surpreso por você deixar que outras pessoas ouçam o que você escreve. Eu nunca nem pude chegar perto do seu caderno de letras.
- Pois é. Mas é uma coisa que eu adoro fazer e, como eu estou desempregada, se der certo, seria uma forma de ganhar uma graninha.
- Que bom, Ali - Calum falou me incentivando - Se forem tão boas quanto a que vocês escreveram juntos, acho que você tem futuro na indústria.
- Mas onde eu entro nisso? - Ashton perguntou confuso.
- Eu precisava gravar uma demo, mas não tenho como pagar as horas de estúdio nem nada disso e, como você falou que tinha um estúdio aqui, eu queria saber se rola de eu usá-lo?
- Óbvio que rola, gatinha - respondeu passando o braço em volta do meu pescoço - Mi casa es su casa.
- Valeu, Ash. Eu realmente não quero atrapalhar, mas se você puder só me mostrar como funciona, eu agradeço.
- A gente pode te ajudar - ofereceu.
- Não precisa, vocês devem ter coisa melhor pra fazer…
- Que nada, o Samuca quer que a gente descanse para turnê - Ash falou se afastando para ir em direção do que devia ser o estúdio. - Estamos de bobeira.
- Aproveita que você tem a sorte de ter a banda mais badalada do momento, todinha a sua disposição - Michael falou indo atrás do amigo.
- Gente, não precisa, eu me viro.
- Não precisa "se virar", a gente te ajuda - Calum falou indo na mesma direção dos outros e quando eu dei um primeiro passo para segui-los, uma mão segurou a minha me fazendo parar.
- Será que dá pra tudo voltar ao que era antes, e a gente não ficar nesse climão horrível? - perguntou quase sussurrando para que os outros não escutassem.
- As coisas não vão voltar ao que eram. Se você aceitar isso, não vai ter climão nenhum.
- Você vai decidir isso sozinha e eu nem posso opinar?
- Exatamente.
- Não me parece muito justo.
- Eu não quero mais, já me decidi, mas não estou aqui pra discutir isso com você.
- Você nem ia me contar? Ligou pro Ashton pra pedir ajuda e nem ia me falar nada? - perguntou me encarando no fundo dos olhos e parecia enxergar a minha alma, mas tudo que eu via era mágoa.
- Podemos não fazer isso agora? São três horas da tarde e o meu dia já foi desgastante o suficiente.
- Brigou com o namoradinho?
Esse tipo de discussão e deboche era exatamente o que eu estava evitando, era por esse tipo de coisa que eu não tinha o procurado antes. Minha paciência com afrontos e pessoas querendo satisfação de mim já tinha se esgotado, e ver nesse papel era ainda mais difícil de aceitar, então só revirei os olhos e virei as costas para me juntar aos outros. Achei que ele iria embora e me deixaria em paz para gravar minhas músicas sem precisar ficar o encarando, mas fui decepcionada ao ouvir seus passos atrás de mim.
Subi as escadas da casa até o estúdio e, ao contrário do que eu estava esperando, era um espaço completamente profissional, todo equipado com revestimento acústico, mesa de som e uma dezena de instrumentos, sem falar na decoração com tapeçaria e sofás. Ash tinha um talento especial para gastar o dinheiro dele com coisas inúteis, mas esse não era o caso.
Os meninos me mostraram tudo, explicando como funcionava a gravação, os botões, as mudanças e os ajustes que eles podiam fazer acrescentando instrumentos externos e fazendo mixagens na minha voz, mas como seria apenas uma demo para expor as minhas músicas e apresentá-las aos artistas, não precisava daquilo tudo.
Me ensinaram sobre os microfones, as cabines e as diferentes barreiras acústicas que eu podia usar. Me instruíram sobre truques de voz, postura e sobre a respiração e os seus intervalos durante a música.
- Agora é a sua vez - Ashton falou se jogando no sofá.
- Minha vez de que?
- A gente te mostrou tudo que dava sobre o estúdio e a gravação, só falta a parte mais importante. A música.
Por um momento eu tinha esquecido completamente daquela parte. Não bastava eu ter conseguido chegar até ali e contato sobre a minha decisão, agora eu teria que mostrar minhas músicas, eu teria que cantá-las e isso me paralisou. Eu parei de respirar e não conseguia sentir o ar chegando aos meus pulmões.
- Hey, relaxa - falou segurando meus braços com cuidado e fazendo com que eu me virasse para ele. - Você está entre amigos, ninguém vai te julgar.
- E se elas foram uma merda é melhor você ficar sabendo pela gente - Ashton falou mostrando mais uma vez sua falta de noção e me fazendo rir.
- Qualquer coisa, podemos te ajudar nisso também - Calum sugeriu. - Se a gente achar que precisa de qualquer mudança, podemos fazer com você.
Eles estavam sendo perfeitos, muito queridos, mas o problema não era minha insegurança com as músicas, mas sim as letras em si. Minhas músicas eram, de certa forma, meu diário e eu teria que mostrar tudo para eles. Eu teria que mostrar pra .
Respirei fundo umas quinze vezes pensando em apenas sair correndo, mas eu já tinha chegado até ali.
Peguei os cadernos na minha bolsa e me dirigi a cabine sem falar uma palavra ou olhar pra trás. Coloquei um banco alto na frente do microfone que estava no meio da sala, coloquei meus cadernos na estante de partituras, posicionei um teclado perto de mim e peguei um dos violões que ficavam pendurados em uma parede e o posicionei no meu colo.
Calum ficou responsável por mexer na mesa de som e assim que a arrumou e garantiu que a gravação podia começar, fez um sinal de positivo levantando o polegar pra mim.
Contei mentalmente até dez e comecei a tocar tentando ignorar a presença deles.
Nos meus cadernos tinham umas 200 músicas. Dessas, aproximadamente 170 eu tinha escrito antes dos meus quinze anos e falavam sobre os meus passeios de ônibus por Fort Lauderdale e as minhas paixões platônicas por basicamente qualquer garoto que era simpático comigo. Essas eu descartei. Depois disso, as músicas começaram a ser um apanhado de melodrama sobre meus primeiros relacionamentos de verdade, que eu sempre acreditava que seriam para sempre e então eu quebrava a cara. Também descartadas. Então eu comecei a compor sobre o que eu tinha certeza, o casamento fracassado dos meus pais. Essas eu nem tirei de casa. Então sobraram pouquíssimas. Essas pouquíssimas que eram meu problema.
Eu não esperava ter que cantar na frente deles. Nem pretendia que ouvisse as músicas, então eu escolhi justamente as seis que eu achava serem as melhores, mas que eram as mais íntimas pra mim, referenciando principalmente minha relação com Derek, como começou e terminou e como eu me senti depois. Mas tinham as mais recentes, essas seriam quase que uma serenata ao vivo e a cores.
- Muito bom, Ali - Calum falou do outro lado do vidro - São só essas cinco?
- Não - falei hesitante - falta uma.
- Ok. Quando estiver pronta…
Não existia "estar pronta" para aquele momento. Na verdade, considerando tudo que estava acontecendo, essa era a música que eu devia ter deixado em casa, mas mais uma vez, eu ignorei todos os meus alarmes e, me concentrando em não desmaiar, comecei.
[Lauren Aquilina - Fools (Lyrics)]
Those hardest to love need it most
Aqueles mais difíceis de serem amados são os que mais precisam
I watched our bodies turn to ghosts
Eu assisti os nossos corpos virarem fantasmas
Such good friends, it has to end it always does
Tão amigos, isso tem que acabar, isso sempre acaba
That's the way life is
A vida é assim
Do we take that risk?
Nós arriscamos isso?
And so it all boils down to this
E então tudo se resume a isso
We've got our aim but we might miss
Nós temos nosso alvo mas podemos errá-lo
We are too fragile just to guess
Estamos muito frágeis para apenas adivinhar
And I've been in this place before
E eu já estive nessa posição antes
Fine as we are but we want more
Bem como estamos, mas queremos mais
That's human nature at its best
Essa é a natureza humana em seu melhor
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what we choose
Então me diga o que escolhemos.
Friends, I watched us as we changed
Amigos, eu nos observei enquanto mudamos
The feelings in my headspace rearranged
Esses sentimentos em minha mente se reorganizaram
I want you more than I've wanted anyone
Eu te quero mais do que já quis qualquer um
Isn't that dangerous?
Isso não é perigoso?
The anticipation before the kiss
A ansiedade antes do beijo
Mirrored in my shaking lips
Refletida nos meus lábios trêmulos
Oh God I feel so unprepared
Oh Deus, eu me sinto tão despreparada
The two of us so out of place
Nós dois tão fora do lugar
My feelings written on my face
Meus sentimentos escritos no meu rosto
Got what I want but now I'm scared
Tenho o que eu quero mas agora estou assustada
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what
Então me diga o que
Tell me what we choose
Me diga o que escolhemos
What we choose
O que escolhemos
What we choose
O que escolhemos
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what
Então me diga o que
Tell me what
Me diga o que
Tell me what we choose
Me diga o que escolhemos
Aqueles mais difíceis de serem amados são os que mais precisam
I watched our bodies turn to ghosts
Eu assisti os nossos corpos virarem fantasmas
Such good friends, it has to end it always does
Tão amigos, isso tem que acabar, isso sempre acaba
That's the way life is
A vida é assim
Do we take that risk?
Nós arriscamos isso?
And so it all boils down to this
E então tudo se resume a isso
We've got our aim but we might miss
Nós temos nosso alvo mas podemos errá-lo
We are too fragile just to guess
Estamos muito frágeis para apenas adivinhar
And I've been in this place before
E eu já estive nessa posição antes
Fine as we are but we want more
Bem como estamos, mas queremos mais
That's human nature at its best
Essa é a natureza humana em seu melhor
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what we choose
Então me diga o que escolhemos.
Friends, I watched us as we changed
Amigos, eu nos observei enquanto mudamos
The feelings in my headspace rearranged
Esses sentimentos em minha mente se reorganizaram
I want you more than I've wanted anyone
Eu te quero mais do que já quis qualquer um
Isn't that dangerous?
Isso não é perigoso?
The anticipation before the kiss
A ansiedade antes do beijo
Mirrored in my shaking lips
Refletida nos meus lábios trêmulos
Oh God I feel so unprepared
Oh Deus, eu me sinto tão despreparada
The two of us so out of place
Nós dois tão fora do lugar
My feelings written on my face
Meus sentimentos escritos no meu rosto
Got what I want but now I'm scared
Tenho o que eu quero mas agora estou assustada
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what
Então me diga o que
Tell me what we choose
Me diga o que escolhemos
What we choose
O que escolhemos
What we choose
O que escolhemos
What if we ruin it all and we love like fools?
E se estragarmos tudo e amarmos como tolos?
And all we have we lose?
E tudo que temos nós perdemos?
And I don't want you to go but I want you so
E eu não quero que você vá, mas te quero tanto
So tell me what
Então me diga o que
Tell me what
Me diga o que
Tell me what we choose
Me diga o que escolhemos
Silêncio e mais silêncio circundava todo o estúdio.
Por aqueles minutos, eu fiquei tão absorta que não tinha percebido o quanto eu e nos encaramos durante toda a última música. Percebi meu rosto molhado por um caminho de lágrimas e me despertei daquele transe me obrigando a secá-las.
Saí da cabine para me juntar aos quatro que me esperavam do outro lado do vidro e evitei a todo custo voltar a encontrar aqueles olhos esverdeados que eu conseguia sentir me engolindo.
- Caralho, . Você escreve muito! - Ashton falou quebrando o silêncio constrangedor.
- Obrigada - agradeci simulando um sorriso. Meu corpo estava tenso e minha vontade era de cavar um buraco no chão para me esconder, enquanto os outros dividiam os olhares entre mim e . - Deu tudo certo aqui?
- Tudo perfeito - Calum respondeu me entregando um pendrive com as minhas músicas recém gravadas. - Acho que, como é só uma demo, não precisa de mixagem, elas podem ser cruas.
- Ótimo. Vocês acham que precisa mudar alguma coisa? Nas músicas, eu quero dizer.
- Não, tá doida. Suas letras são fodas, de onde você tirou que eram ruins?! - Ashton perguntou ainda super empolgado.
- Eu tenho um palpite - respondeu quase sussurrando, mas eu continuei sem encará-lo.
- Só por curiosidade - Michael falou me observando com cuidado - seu noivo sabe que você vai liberar essas músicas?
- Eu não tenho noivo - respondi e senti a movimentação do cômodo mudar - Mas não, o Derek não sabe. Nem tem porque saber, não é como se eu fosse entregar uma dedicatória junto com a música.
- Você não tem noivo - falou me avaliando e eu olhei para ele pela primeira vez.
- Não. Eu preciso de paz agora, estou dispensando qualquer complicação.
- Nesse caso, eu me voluntario - Ashton falou me abraçando de lado - Você não vai achar ninguém mais fácil que eu.
- Aé? Você já resolveu tudo com a Julia?
- Já - falou dando de ombros. - Ela não quer mais nada comigo.
- E você quer alguma coisa com ela? Alguma coisa de verdade?
- Não faz mais diferença, ela já tomou a decisão dela.
- Óbvio que faz diferença. Ela tomou a decisão, se baseando no que você mostrou pra ela, que era total desinteresse. Se isso mudou, ela tem que saber.
- Eu estou bem solteiro, gatinha. Não sirvo pra esse negócio de namoro.
- Desiste, . O Ashton é idiota - Calum falou. - Fica negando o que sente e quando resolver admitir, vai ser tarde demais e vai ficar chupando o dedo.
- Ele não vai ser o único - Michael completou olhando pra e, como um reflexo, segui seu olhar.
Aquilo não ia dar certo, eu precisava sair dali.
- Meninos, obrigada por tudo, mesmo - falei rompendo o clima que cismava em surgir sempre que estávamos próximos demais. - Já está tarde, então eu vou indo.
- Eu te levo - ofereceu.
- Não precisa, eu vim dirigindo. Obrigada por tudo - agradeci mais uma vez e saí da sala o mais rápido que consegui, sem me importar em esperar que alguém me acompanhasse até a saída.
Desci apressada pelas escadas e corri passando pelos corredores sentindo que as paredes estavam se fechando em mim, prontas para me encurralar. Aquele sentimento estava me sufocando. Não falar sobre ele estava me sufocando. Esconder e fingir que ele não existia, apesar de eu ter me convencido de que era o melhor a se fazer, estava me sufocando.
Abri a porta que dava para fora sentindo finalmente o ar fresco entrando e circulando pelo meu corpo, me permitindo respirar aliviada. Um passo de cada vez, eu me afastei da casa. Ficaria tudo bem. Eu estava bem, estava certa, precisava de paz, precisava me manter longe de complicações. Precisava me manter longe de . Pelo menos até eu aprender a domar meus sentimentos por ele e aceitar que eu precisava ficar sozinha.
- Hey, espera aí! - gritou da porta da casa e correu até mim acabando com todo o espaço que eu propositalmente tinha criado entre nós. Me apoiei no capô para não sair correndo mais uma vez. - Será que dá pra gente conversar?
- Eu estou cansada, . O meu dia foi longo e difícil e eu não vou aguentar ter que discutir mais uma vez com você.
- Eu não quero discutir.
- Não quer, mas ultimamente a gente não consegue mais conversar de outro jeito.
- Então a sua ideia é a gente não se falar mais? Nunca?
- A minha ideia é conseguir organizar a minha cabeça e você não ajuda nisso, então eu prefiro evitar isso agora. Vamos deixar essa conversa pra outro dia, por favor - falei puxando a porta do carro, mas ele a empurrou e se apoiou na lateral impedindo que eu tentasse abrir de novo.
- Tudo bem, a conversa pode ficar pra outro dia - falou me puxando para ainda mais próximo dele, segurando minhas costas com uma mão firme e, com a outra aproximou nossos rostos e grudou nossos lábios. Eu quis empurrá-lo. Quis dizer que ele não tinha direito de fazer aquilo. Quis, mas não fiz. Minha força de vontade saiu pelos ares, meus joelhos fraquejaram e eu me agarrei aquele beijo como se a minha vida dependesse dele.
JUNGLE ROOTS
5SOS - IF WALLS COULD TALK - Calum e
5SOS - WILDFLOWER - Ashton e
ANTHONY RAMOS - MIND OVER MATTER - Ashton e Calum
NEW HOPE CLUB - LOVE AGAIN - e Michael
NEW HOPE CLUB - PERMISSION - Ashton e Michael
NIALL HORRAN - CROSS YOUR MIND - Calum e Michael
R5 - HURTS GOOD - Ashton e Calum
RHYS LEWIS - BE YOUR MAN - Ashton e
SHAWN MENDES - WHY -
YOURS - ELLA HENDERSON
CONSEQUENCES - CAMILA CABELLO
I LOVE YOUS - HAILEE STAINFIELD
FRAGILE - COOPER AND GATLIN
TELL EM – SABRINA CARPENTER
FOOLS - LAUREN AQUILINA
Capítulo 12
12
Nos últimos anos eu aprendi a prestar atenção a todos os sinais que o universo me mandava, dissecar os enigmas que surgiam no meio do caminho, e aproveitar todas as oportunidades.
Eu me acostumei a falar todo o dia com a . Pelo menos uma mísera mensagem por dia era necessária pro meu relógio girar por completo. Então duas semanas sem vê-la, sem ouvir sua voz ou receber um emoji sequer no celular estava me massacrando. Eu não estava feliz com a situação, mas também não pretendia dar o braço a torcer, ou ir atrás dela.
Eis que ela aparece na minha porta. Não exatamente na minha porta, mas eu que estava do outro lado e era isso que importava. Além disso, ela tinha terminado com o namorado, oficialmente terminado, sem segundas chances, sem novas tentativas. Game over pra ele. Isso sem contar que ela tinha escrito uma música pra mim. Uma não, pelo menos duas ou três das músicas que ela tinha cantado ali tinham o meu nome carimbado por toda a parte. Não tinha meu nome literalmente, mas era claro que era pra mim e não adiantava ela tentar esconder ou sair correndo.
Eu tinha todos os sinais na minha frente. Ela me queria da mesma forma que eu a queria, sendo assim, só faltava um dos dois dar o primeiro passo pro felizes para sempre e foi isso que eu fiz. Fui correndo atrás da minha donzela, impedindo que ela fugisse dos meus braços e a puxei para um beijo e, como ela não me deu um tapa na cara ou passou por cima de mim com o seu carro, eu entendi que eu estava certo.
Bem... eu entendi tudo errado.
- Por que você fez isso?! - ela perguntou se afastando de mim.
- Como assim "por que"? Porque eu tava a fim.
- Ah, então sempre que você tá a fim de beijar alguém, você só beija? Foda-se se a pessoa quer ou não.
- Claro que não, mas eu sei que você também queria.
- Que engraçado - ela riu, mas era óbvio que não estava se divertindo nem um pouco - e você chegou a essa conclusão brilhante antes ou depois de eu deixar bem claro que não queria mais ficar com você?
- Você não estava falando sério - foi uma tentativa de me convencer que eu não estava errado, mas assim que eu falei percebi que deveria ter ficado quieto.
- É sério que a essa altura do campeonato eu vou ter que te ensinar que "não" é "não"? - seu olhar de reprovação fez com que eu me sentisse como uma criança levando bronca da mãe.
- Não, foi mal - fui sincero no meu pedido de desculpas, mas isso não me deixava menos confuso. - Desculpa, mas eu não te entendo. Você falou que não tá mais com o Derek e aquela música…
- Não era pra você ter escutado - ela me interrompeu. - Eu não achei que você estaria aqui.
- Mas eu estou e escutei e eu sei que foi pra mim.
- Quem disse? - ela perguntou semicerrando os olhos e deixando transparecer um sorriso no canto da boca.
- Eu disse. Eu te conheço.
- Você tá achando que sabe demais, mas não sabe de nada.
- Então me conta, me fala por que você não quer mais, por que você está desistindo assim.
- Você não consegue aceitar um simples não, né? Tem sempre que ter uma baita explicação.
- Nem sempre, só quando é uma coisa que eu quero muito - falei e ela pareceu ser pega de surpresa. Ficou me encarando por segundos que pareceram horas e me faziam desejar com todas as minhas forças voltar à minutos atrás, quando seu corpo estava colado no meu e nós quase nos engolíamos com a urgência e o desespero depositados naquele beijo.
- Eu já te falei, eu quero o simples agora, sem complicações.
- E o que pode ser mais simples do que duas pessoas que se gostam, ficarem juntas?
- ...
- , para de fugir, eu não sou o Derek.
- Não, você é Ammel e isso por si só já é complicação suficiente.
- Talvez, mas isso eu não tenho como mudar - se o problema era eu ser eu, não tinha o que fazer, ela simplesmente não me queria e aquilo era pior do que qualquer outra justificativa que ela poderia ter me dado.
- Eu não quero que você mude - ela falou e passou a mão pelo meu rosto, me fazendo encará-la ao tempo que tentava aproveitar ao máximo aquele carinho.
- Por favor, não me fala que o problema não sou eu é você - pedi e jogou a cabeça pra trás rindo.
- Pior que é tipo isso. Tenta entender, por favor. Eu namoro desde os meus quinze anos, acho que nunca fiquei nem um ano inteiro solteira. Desde que cheguei em Los Angeles eu estou em um relacionamento super sério e já deixei de fazer muita coisa… preciso de um tempo sozinha.
- Quanto tempo? - perguntei e ela abriu um sorriso achando graça do meu desespero.
- Não sei, só vou saber quando chegar lá. Eu preciso me entender comigo mesma, crescer, descobrir do que eu gosto quando não tem mais ninguém perto, mudar um pouco, cometer umas loucuras. Fazer tudo que eu já devia ter feito, mas nunca consegui.
- E você acha que eu vou te impedir? Eu adoro loucuras!
- Não de propósito - mesmo sorrindo, eu ainda conseguia ver tristeza nos olhos dela e os meus não deviam estar diferentes.
- Então como a gente fica? - Eu não sabia que era possível querer tanto uma pessoa e, perceber que eu não podia tê-la, que ela não me queria de volta, era dilacerante.
- Você vai pra sua turnê, enlouquece seus fãs e faz tudo que eu sei se você sabe fazer - ela respondeu passando os braços pela minha cintura e me abraçando, apoiou a cabeça no meu peito e continuou. - Eu vou ficar aqui, vou escrever mais músicas, tentar fazer contatos e aprender como essa tal indústria da música funciona.
- Eu podia te ajudar com isso - falei a segurando firme contra o meu corpo.
- Podia, mas não vai. A gente precisa de uma desintoxicação um do outro, estamos muito mal acostumados.
- Desintoxicação? - segurei seus ombros a afastando para encará-la, deixando transparecer minha expressão de choque. Ela estava falando que a nossa relação era tóxica?
- No bom sentido. Tipo umas férias.
- Eu costumo me divertir nas minhas férias, e isso não parece nada divertido.
- É só por um tempo - seu rosto estava tão sereno que quase me convencia. Ela estava determinada a ser feliz e isso era tudo que eu mais queria pra ela.
- E a gente não pode se falar durante essas "férias"?
- Claro que podemos! - ela falou segurando as minhas mãos e eu nunca me senti tanto na friendzone. - Duas semanas longe foram sofrimento o suficiente, dois meses eu não vou aguentar.
- Bom saber que é recíproco - respondi a puxando novamente para o abraço que eu senti tanta falta. Ficamos ali na rua, escorados no carro e agarrados um ao outro por alguns minutos. Aqueles braços me fariam muita falta nos próximos meses. A vontade de não sair dali nunca mais e impedir que fosse embora, apertou o meu peito e fez uma lágrima escorrer do meu olho - Eu te amo, coisa linda.
- Eu te amo, bonito… demais.
Foi difícil no início, mas o planeta continuou girando, os pássaros continuaram cantando e eu continuei respirando.
Um dia a Jane me falou: "as pessoas têm o péssimo hábito de depositar a sua felicidade nas mãos dos outros". Eu tinha esse hábito e era um esforço diário me lembrar de que eu era responsável pela minha própria felicidade.
Já fazia um mês desde que os meninos tinham partido em turnê, eu e estávamos de férias da nossa confusa relação, seja lá o que ela fosse, e eu estava mergulhando de cabeça na história de virar compositora profissional.
As músicas que eu tinha gravado na demo e mandado para a gravadora foram uma ótima estreia e já tinham sido compradas e estavam em processo de serem regravadas por outros artistas. No fim das contas, eu acabei desistindo de submeter a música do , pelo menos a última. Era muito recente e parecia estranho ver outra pessoa cantando, mas as outras foram todas vendidas e eu já tinha novas "encomendas". Assinei um contrato com a Interscope Records, o Samuel estava me ajudando muito, meu nome começou a se espalhar, e a curiosidade das pessoas sobre quem era a nova compositora dali estava sendo aguçada.
- Tem um projeto novo surgindo que eu queria discutir com você - Samuca falou sentando do meu lado no sofá do estúdio.
Ele se afastou da turnê da Jungle Roots por alguns dias para resolver algumas coisas em Los Angeles e aproveitou para me apresentar a diferentes produtores e compositores mais experientes que tentavam me ensinar um pouquinho do que eles sabiam. Eu não tinha dinheiro pra pagar horas de estúdio para fazer as minhas demos, então o Samuca me infiltrou nas sessões alheias e quando eu tinha sorte, sobrava algum tempo alugado do artista e eu gravava o que dava. Eu também fiquei com a chave da casa do Ash e usava seu estúdio para ensaiar e experimentar algumas coisas, mas as gravações mesmo eu preferia fazer com a ajuda de outras pessoas.
- Já ouviu falar no Bill Condon? - Samuel perguntou sem tirar o olho do celular.
- Bill Condon de Dreamgirls, A Bela e a Fera, Chicago e sei lá mais o que? Óbvio - o cara era um dos maiores cineastas dos Estados Unidos. Ele era o Deus dos meus musicais favoritos e era foda.
- Ótimo. Ele e o Michael Gracey estão trabalhando em um novo projeto, um musical, e estão procurando novos talentos. - A mania desses executivos de conversarem sem olhar no olho me dava nos nervos, mas convivendo com Samuel eu estava começando a me acostumar - O Michael é um diretor novo, que está começando a aparecer agora, mas é muito bom e quer uma equipe jovem, uma galera nova, entrando agora na indústria, e isso inclui os compositores da trilha sonora.
- Não brinca comigo, Samuel - falei colocando a mão no peito em uma tentativa de acalmar meus batimentos cardíacos e ele me encarou achando graça na minha reação de novata.
- Eu falei de você pra eles, mostrei suas músicas, deixei claro que você está começando e o Bill quer te conhecer.
- Mentira - tinha que ser mentira. Como assim a porra do Bill Condon estava me considerando pra integrar a equipe dele? O cara era fera e o meu currículo não tinha nada.
- Verdade, mas se acalma. Ele está começando a reunir uma equipe, então ainda está conhecendo todas as possibilidades dele, não tem nada garantido, mas se você quiser tentar, acho que seria uma grande oportunidade. Ele pediu pra vocês se reunirem até o dia 17. O que acha?
- Você tá brincando? É óbvio que eu quero tentar. Só de poder conhecer o cara eu já tô nas nuvens.
- Que bom, mas vamos mirar mais alto, você tem que impressionar ele, levar tudo que você já escreveu. Assiste a todos os filmes do cara e escreve o máximo que você conseguir. Vai ter uma fila de gente talentosa pra caralho querendo estar nesse time e você tem que mostrar que é melhor que eles.
- Mas eu não sou - falei já desanimada.
- Você não sabe disso. Acabou de começar.
- Exatamente, eu não sei de nada.
- , o cara quer novidade, você é novidade. Você só tem que mostrar que você é a novidade que ele quer. Então faz o seu dever de casa que eu me encarrego do resto.
- Sim, senhor - falei tentando fingir segurança. Eu nunca fui boa de controlar minhas expectativas e, no momento, elas já estavam nas alturas.
- Você vai como compositora da gravadora, nossa representante. Eu vou comprar a sua passagem e reservar um quarto pra você e, se tudo der certo, a gente pensa em alugar um apartamento pra você ou um Airbnb. Eu vou voltar pra turnê amanhã, mas vou ver se consigo te encontrar lá, pelo menos pra fazer as primeiras apresentações e...
- Uououou, passagens? Alugar apartamento? Como assim? Pra onde eu vou? - aparentemente ele tinha esquecido uma parte fundamental das informações.
- Vancouver.
- Vancouver, Canadá?!
- Tem outra?
- Não, eu só achei que seria em Los Angeles… ou pelo menos, nos Estados Unidos.
- Isso vai ser um problema? - ele perguntou e eu fiquei atônita alguns segundos sem responder.
- Não, não vai - falei meio insegura. - Quanto tempo eu teria que ficar lá?
- Isso depende muito de como as coisas vão andar. Se der tudo certo e você conseguir o trabalho, vai demorar mais com certeza. Ele está escrevendo o filme e as músicas vão se juntar no processo, então depende de como essa parceria vai acontecer, do quanto vai demorar pra tudo estar finalizado. Podem ser alguns meses ou alguns anos.
- Anos?! Tudo isso?
- Escrever um filme demora… um musical demora ainda mais. Ainda mais com o Bill, não é a toa que ele é bom, perfeição leva tempo.
- Imagino… - concordei tentando assimilar tudo aquilo.
- Algum problema?
- Não, nada demais, eu só não sou muito fã de frio - menti, nem eu estava me entendendo. - O Canadá estava longe dos meus planos.
- É questão de costume - ele falou rindo.
Questão de costume. Questão de costume. Eu ia me acostumar com o frio, com o Canadá, em estar longe das minhas amigas, em estar longe de todo mundo. Anos longe. Não duas semanas, não dois meses. Anos.
- Vocês decidiram que precisavam tirar férias um do outro, não é? - ele falou como se lesse os meus pensamentos e eu apenas o encarei sem querer confirmar qualquer coisa. - Esse tempo vai fazer bem à vocês dois, acredite. E independente disso, essa oportunidade vai fazer bem à você. O tem a carreira dele, já anda com as próprias pernas, você precisa construir a sua - ele completou e eu continuei quieta.
O Samuel tinha razão, eu sabia disso, minha cabeça sabia disso, mas meu coração estava se contorcendo no meu peito, era ele que não estava convencido.
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Eu nunca fui boa em equilíbrio. Se era pra me dedicar, eu me afogava no comprometimento.
Eu estava jogada no chão da sala há dias sem conseguir dormir, ansiosa demais pra sequer conseguir comer. Julia e Helena se revezavam para me levar comida e me obrigar a tomar banho e dormir o mínimo possível. O meu foco estava duzentos por cento nas minhas letras e nos filmes do senhor Condon. Eu estava determinada a fazer o impossível para impressioná-lo.
- Maluca, pelo menos senta direito - Helena falou me observando enquanto esquentava o nosso jantar.
- Se eu for me concentrar na minha postura, não consigo escrever tudo que preciso.
- Você precisa relaxar um pouquinho, amiga. Tá ficando meio assustador - Julia falou tirando a cara do computador pra me encarar.
- Eu vou conhecer o Bill Condon em oito dias. Oito dias! E ainda tem a nossa viagem no meio. Não tem como parar pra relaxar. Eu tenho muita coisa pra fazer. - falei estalando minha coluna, mas ainda sem me levantar.
- Você já fez as suas malas?
- Ainda não. O Samuel falou que eu posso levar pouca coisa, qualquer coisa eles mandam o restante depois.
- E você já sabe onde vai ficar lá?
- Ainda não. Acho que em um hotel, qualquer coisa eu vou pra outro lugar depois.
- Acho que você está jogando muita coisa pra frente - Helena falou se aproximando com um prato de comida. Lasanha, graças a Deus. - Você, possivelmente vai se mudar, não deveria pelo menos ter visto algum apartamento lá?
- Eu não sei se vai dar certo, pode ser que eu volte em duas semanas.
- Pode ser que você volte em dois anos! - Julia falou nervosa e eu enfiei uma garfada cheia de massa na boca me impedindo de responder. O que elas queriam que eu fizesse? Um passo de cada vez. Eu não ia me preparar toda pra ir embora sabendo que eu poderia muito bem ficar em Los Angeles.
- Me deixem focar aqui, por favor - pedi, mas antes que eu conseguisse terminar de comer e voltar ao meu estágio de foco, meu celular tocou.
Chamada de vídeo do .
Com ele em turnê, nós não conseguíamos nos falar com tanta frequência, mas sempre que tinha um tempinho, pelo menos uma vez por semana, ele me ligava pra gente se atualizar sobre a vida um do outro. Nos últimos dias eu não estava tão ansiosa pra isso.
- Oi, bonito - falei abrindo a câmera.
Oi, coisa linda. Como estão as coisas por aí?
- Tudo normal, nada demais - falei e percebi os olhos das minhas amigas se arregalando. - Como estão as coisas aí? Onde vocês estão?
Estamos em Nashville. Tivemos show ontem, daqui a pouco partimos para Detroit.
- E como está indo? Cansados? Animados?
Um pouco cansados, muito animados.
! - Ashton apareceu na tela - Gatinha, que saudade de você.
- Também tô com saudade, Ash. Como você está? Se comportando? - perguntei olhando de canto pra uma Julia que fingia não prestar atenção na conversa.
Meu sobrenome é bom comportamento, - ele respondeu me obrigando a rir.
Oh, comportadíssimo - confirmou ironicamente.
- Olá meninos! - Helena se aproximou para cumprimentá-los.
Oi, Lena. Tá rolando festinha aí, é? - perguntou reparando na taça de vinho na mão da minha amiga
- Bem que eu queria, mas a tá vidrada demais no tal de Bill pra deixar a gente se divertir um pouquinho - ela falou e logo me virei a repreendendo com o olhar.
Quem é Bill? - perguntou curioso.
- Ninguém - respondi no automático. - Quer dizer, eu to tentando conseguir um trabalho na trilha sonora de um filme. Bill é quem vai decidir se eu vou conseguir ou não.
Ah, irado. O Samuca tá te ajudando?
- Muito, ele tá sendo incrível.
Que bom. Ele conhece das coisas, escuta os conselhos dele que o sucesso é certo.
- Pode deixar. - falei com um sorriso amarelo. Aparentemente o Samuel não tinha compartilhado com os conselhos que tinha me dado.
Quando vocês vêm pro show mesmo? - Ashton perguntou empurrando para aparecer de novo.
- Viajamos pra Nova Orleans depois de amanhã, mas eu acho que vocês ainda não vão estar lá, né?
Ainda não, só chegamos lá dia 14, mas conseguimos ficar até o dia 16 pra tentar aproveitar um pouquinho com vocês - respondeu sorrindo.
- Eba! - comemoramos juntas - Tô muito ansiosa pra ver vocês tocando.
Eu também.
- O Mike tá aí? - Lena perguntou.
Não. Ele e o Calum saíram pra comprar alguma coisa pra comer.
- Tudo bem.
Eu ia perguntar se vocês vão querer ingressos pro show de Los Angeles também?
- Quando vai ser? - perguntei.
Acho que dia 06 e 07 do próximo mês.
- Eu quero! - Helena perguntou pulando do meu lado. - Você quer Ju?
- Pode ser - Julia respondeu querendo demonstrar o máximo de indiferença. Ela e Ashton tinham oficialmente parado de ficar. Ele já tinha até se arrependido, tentava agradá-la de todas as formas, mas ela estava determinada a fazê-lo sofrer e, pra isso, ficava se fazendo de difícil.
- A Julia também quer.
E você, ? - perguntou e o meu sorriso logo murchou. Se tudo desse certo, eu não estaria mais aqui.
- Acho que não vou poder.
Por que? - perguntou também desanimado.
- Esse trabalho que eu tô tentando. Eu vou precisar viajar pra encontrar com o cara, talvez não esteja aqui nos shows de LA - falei e mais uma vez recebi os olhares confusos das minhas amigas.
Ah, tudo bem, é por um bom motivo. Quando você voltar pode tentar ir em mais algum.
- Pode ser… - normalmente as minhas conversas com o eram bem mais animadas, dessa vez eu só queria desligar.
Hey, tá tudo bem mesmo? - ele perguntou chamando minha atenção, e eu suspirei fundo contando mentalmente até dez. Tanto Helena quanto Ashton se afastaram e ficamos só nós dois. Eu tinha que falar pra ele sobre a minha possível mudança. Ele tinha que saber.
- Tudo bem - não tive coragem - só estou cansada. Eu estou dando a vida nesse projeto, quero muito que dê certo.
Vai dar, tenho certeza - me encorajou com um sorriso. - Mas descansa, não fica trabalhando feito uma louca.
- Olha quem fala…
Pois é, eu faço e sei o quanto é ruim. Inclusive, eu preciso dormir um pouco agora. Tô morto e daqui a pouco caímos na estrada de novo e é mais difícil de dormir.
- Vai lá, bonito. Se cuida que jajá a gente se encontra.
Você também.
Logo que desliguei a chamada, me dei por vencida. Eu estava realmente exausta, precisava dormir por algumas horas, pelo menos. Mas não antes de ouvir o sermão das minhas amigas.
- Por que você não contou pra ele? - Julia começou.
- Sobre? - me fiz de desentendida tentando adiar o que vinha pela frente.
- Não sei… talvez sobre o fato de você estar indo embora? Sobre ir morar no Canadá?
- Eu não sei se isso vai acontecer.
- !
- O que?! Eu vou tentar uma vaga de emprego. Tentar, significa que não tem nada garantido.
- Então você não vai contar nada pra ele?! - Helena perguntou em um misto de choque e revolta. - Nem sobre a possibilidade de ir embora?
- Vou contar no momento certo.
- Ele perguntou sobre o show de Los Angeles. Esse era o momento certo.
- Pois é, não precisava ter mentido - Julia concordou.
- Eu não menti!
- Você falou que quando voltasse de viagem ia em mais um show!
- Nunca se sabe… eu posso ir.
- Só esqueceu de mencionar que isso pode ser daqui a anos!
- Ou não, não tem como saber o que vai acontecer.
- Do jeito que você fala, nem parece que quer esse trabalho - Helena falou mudando o tom de voz. Ela já tinha me entendido. Eu queria o trabalho, muito… só não queria ter que ir embora.
- Eu quero.
- Não dá pra ter tudo, amiga. Pelo menos não de uma vez só.
- Eu sei, por isso que eu precisava das férias.
- Férias? - Julia perguntou sem entender - Você não quer o trabalho então?
- Quero, são férias de outra coisa. Eu preciso desse trabalho e, por mais que eu tenha motivos pra ficar, eu não vou deixar essa oportunidade passar por nada.
- Nem por ninguém - ela acrescentou.
- Isso… nem por ninguém.
Dois anos sem turnê, fazendo shows apenas esporadicamente e sem estar constantemente na estrada. Eu tinha esquecido como era cansativo. Incrível, muito gratificante e animador, porém extremamente cansativo.
Em cima do palco, quando estou afogado em adrenalina e tentando retribuir igualmente a energia que eu recebo do público, o cansaço não aparece, pelo menos não o de verdade. Mas depois, ao chegar nos camarins, voltar pro hotel ou subir no nosso ônibus, aí sim eu me vejo sugado pela exaustão. Cada parte do meu corpo estremece, sinto meus músculos latejarem, meus dedos calejados, minhas pernas mal me sustentam em pé e minha cabeça leva horas para se desligar da vibração das caixas de som e da gritaria. E quando eu consigo pegar no sono e sentir que vou começar a descansar de verdade, já está na hora de acordar.
- Cara, levanta aí - Calum abriu a cortina do meu bunker e me sacudiu sem cerimônia.
- Ah, não. Eu acabei de conseguir dormir cara, me deixa aqui.
- Levanta, vai. Se a gente atrasar não conseguimos encontrar as meninas antes do show.
Eu amava as meninas, elas eram demais e eu estava morrendo de saudades da , mas eu queria muito poder continuar deitado. Mais uma horinha que fosse.
- Levanta, caralho! - Ashton gritou passando por mim.
Levantei completamente contra a minha vontade e mal conseguia abrir os olhos. Desci da pequena cama e segui para a saída do ônibus tropeçando e chutando tudo que estava largado no chão à minha frente.
O dia estava claro apesar das nuvens, devia ser perto das duas da tarde e já se podia ouvir a gritaria dos fãs em algum lugar perto da arena. Os portões ainda demorariam três horas para a abrir e o show seria apenas às oito da noite. Eu ainda ficava impressionado com a resistência e a persistência daquelas meninas, seria assustador se não fosse lisonjeiro.
O show em si aconteceria em Baton Rouge, uma cidade vizinha a Nova Orleans. O que significava que só iríamos pro hotel depois da apresentação. Até lá, eu teria que me contentar com os sofás do camarim e a comida requentada da nossa equipe. Minha vida de estrela do rock estava longe de ser tão glamurosa quanto todos pensavam.
A parte boa de se ter muita coisa pra fazer na prévia do show, era que não dava tempo de ter sono ou sentir o cansaço. Fizemos a passagem de som, comemos, tomamos banho, fizemos o meet and greet e já faltava menos de uma hora e meia para o show.
- É daqui que pediram quatro mulheres super gostosas? - Julia abriu a porta em um solavanco entrando no camarim seguida por Stella, Helena e .
Tirando Stella, as outras três nunca tinham ido em um show nosso, nunca entraram no camarim, nunca tinham visto como funcionavam as coisas por trás dos palcos e pareciam muito animadas por descobrir. Eu sei que eu estava.
- Opa, mulheres gostosas são sempre bem vindas - Ashton gritou em resposta levantando pra cumprimentá-la, mas recebeu apenas um tapinha nas costas. Julia ainda estava dando um gelo nele e era engraçado vê-lo correndo atrás e se esforçando por alguém, pelo menos uma vez na vida. Quem mandou dizer que não queria usar coleira? Agora estava doidinho, abanando o rabo e dando a patinha sem ela nem precisar pedir.
- Esse lugar é enorme - comentou impressionada. - Ainda bem que eu vim de tênis, essas daí são malucas de colocar salto alto pra assistir um show - completou desdenhando das amigas e vindo nos cumprimentar.
- Não é qualquer show, a gente tem que estar mais arrumadinhas, não desleixada desse jeito - Helena explicou a fazendo revirar os olhos… como sempre.
- Meu amor, desleixada ou não, eu estou confortável e continuo gostosa pra caralho - ela falou dando uma voltinha debochada. Ela estava usando a minha camisa jeans como um vestido, exatamente como no dia em que nos conhecemos.
- Contra fatos não há argumentos - falei me aproximando e a envolvi em um abraço. Eu ainda estava em processo de aceitação por voltar à estaca zero, mas era uma decisão dela e por mais que a minha vontade fosse de imprensá-la na parede e grudar a minha boca na dela até perder o fôlego, eu teria que me contentar com um simples abraço.
- Como vocês estão? - Stella perguntou chamando a atenção de todos que tinham a atenção presa em nós dois, tentando decifrar como funcionava nosso arranjo na prática.
- Tudo tranquilo. Começando a sentir o cansaço da rotina, mas bem. - Michael falou enquanto puxava Helena pro seu colo.
Se os casais fossem começar a se pegar ali, eu iria embora. Não ia ficar assistindo à putaria alheia, sem poder dar a minha contribuição.
- Foi fácil chegar aqui? - Calum perguntou dedilhando o baixo. Aquele instrumento era seu verdadeiro amor e até Stella já tinha aceitado essa realidade.
- Tranquilo também. A produção mandou uma van pro hotel, então chegamos rapidinho.
- Achei que vocês chegariam mais cedo… antes do meet and greet - Ashton falou.
- Vocês não sabem de nada - Samuel entrou no camarim. Ele também parecia cansado. - Essas meninas tiveram o próprio meet and greet delas ali fora, deram mais trabalho para a equipe de segurança do que vocês.
- Deixa de ser exagerado Samuca - falou abraçando o empresário.
- A culpa não foi nossa - Stella se defendeu. - A gente tinha que sair do carro!
- E seria uma falta de educação não parar pra falar com os fãs - Julia completou. - Vários não conseguiram ingresso pro show e vieram até aqui só para ver a gente.
- "A gente" quem, maluca? - perguntou rindo. - Estão aqui para ver a banda.
- Não foi o que pareceu - Samuel falou enquanto namorava os donuts do buffet. - Coitados dos seguranças dos portões de trás, estavam tranquilinhos achando que o trabalho pesado tinha acabado por que a banda já tinha chegado, e foram esmagados quando vocês apareceram.
- Me pediram pra entregar isso aqui pra vocês - tirou um bolo de cartas da bolsa e jogou sobre a mesa.
- Depois você pergunta por que elas gostam de você… - falei encarando o montante de coisa que ela tinha levado.
- Elas estavam se esmagando contra as grades, não custava nada pegar as cartas.
- Fala isso pra equipe de segurança que levou um susto com quatro mulheres que eles nunca viram na vida chamando aquela atenção toda - eu não sabia dizer se ele estava puto ou achando graça.
Ficamos ali conversando e rindo, e em um piscar de olhos precisamos começar os aquecimentos vocais. As meninas continuaram com a gente e até nos acompanharam nos exercícios de voz, mas não sem cair na gargalhada algumas centenas de vezes.
Diferente de outros lugares, Baton Rouge era o nosso único show do estado, então talvez por ser a única chance dos fãs de Louisiana assistirem à Jungle Roots, foi um dos shows que os ingressos esgotaram mais rápido, talvez em menos de quinze minutos. E essa vontade e empolgação era visível na plateia daquela noite. Estavam todos enlouquecidos e nós nos espelhamos neles e devolvemos aquela mesma energia. Sem contar com o fato de ser a primeira vez apresentando com , Julia e Helena na nossa frente. Fizemos questão de dar a elas o melhor show de suas vidas.
Elas também não decepcionaram. Apesar da área VIP logo à frente do palco ter cadeiras e sofás, elas não saíram da grade por um minuto sequer, muito menos se sentaram. Passaram o concerto inteiro pulando e se esgoelando com as nossas letras. Deviam ter feito algum tipo de maratona da nossa playlist, por que até as mais antigas elas cantaram inteiras. Eu as observei a todo momento, preocupado se elas estavam se divertindo, mas isso não pareceu ser uma questão.
O setlist já estava chegando ao fim, faltavam apenas duas músicas, as mais animadas e que fechariam a noite com chave de ouro. Eu estava completamente ensopado de suor e observando meus amigos, eu não era o único. Ashton, sentado atrás da bateria já tinha até se livrado da sua blusa - isso sempre era o terror das nossas figurinistas e o sonho realizado das fãs.
Foi sem sombra de dúvidas uma das nossas melhores apresentações. Pequenas cidades não deixavam a desejar no quesito animação, e eu queria aproveitar isso e nossas convidadas especiais para dar um toque extra à noite. Então, completamente fora dos planos e recebendo olhares curiosos do resto da banda, troquei a guitarra elétrica por um violão.
- Essa noite está perfeita! - falei hiperventilando entre os gritos do público - Vocês são realmente incríveis e eu queria aproveitar toda essa atmosfera de estar de volta à Louisiana e vocês me fazendo sentir em casa, para sair um pouquinho do nosso roteiro se vocês me permitirem - completei recebendo gritos enlouquecidos e um aceno cauteloso dos meus amigos. Por outro lado, eu podia ver Samuel quase infartando no canto do palco. Ele odiava improvisos… eram imprevisíveis. - Eu escrevi essa música nas últimas semanas, depois de uma conversa que eu tive com uma pessoa muito especial, e eu ia guardar pra mim, mas acho que vale a pena compartilhar com vocês. Quem sabe não tem alguém aqui que se identifique.
[Grow as we go - Ben Platt (Lyrics)]
Logo nos primeiros acordes meus olhos seguiram um rumo natural até encontrar . Helena segurava sua mão enquanto ela prestava atenção em cada detalhe e em cada palavra que saia da minha boca. Talvez eu devesse tentar disfarçar, mas não me importei com o resto do mundo e prendi nossos olhares juntos e logo notei suas lágrimas começando a cair.
Enquanto eu tocava a plateia ficou em completo silêncio, eu quase poderia acreditar que estava sozinho com . Todos pareciam até controlar o volume de suas respirações e não se ouvia um único sussurro. Mas isso rapidamente mudou ao final da música. De uma só vez a arena inteira voltou a vida, gritando e aplaudindo. Todos juntos pareciam em êxtase. Todos menos uma. Voltei meu olhar para a área vip onde ela estava segundos antes, mas não mais. A confusão deve ter sido aparente na minha face, já que Michael prontamente se aproximou do microfone para dar continuidade ao show.
- Nosso tá muito sentimental esses dias. A gente tá amando essa fase, e vocês?! - perguntou e recebeu mais gritos em resposta. - Bora terminar essa noite em grande estilo, então. Quero ver quem sabe as próximas. Vamos lá!
Eu não sei dizer o que aconteceu naqueles últimos oito minutos. Liguei o automático, toquei e cantei e vibrei, me despedi de todos, agradeci como sempre… "amo vocês! obrigada por tudo, mal posso esperar pra voltar aqui", e saí correndo.
Entreguei a guitarra pra primeira pessoa que apareceu na minha frente, ignorei Samuel ou qualquer outra pessoa que gritou o meu nome no caminho e continuei andando e vasculhando o lugar. Onde caralhos ela tinha se metido? Por que tinha saído daquele jeito?
O lugar era realmente enorme e eu não conhecia nada, não fazia ideia de por onde estava andando ou onde eu queria chegar. Entrei em algumas portas erradas, dei algumas voltas e passei pelo mesmo lugar repetidas vezes, mas chegou um momento que o universo conspirou a meu favor e eu achei quem estava procurando.
estava dentro de uma das salas entulhadas com cadeiras, sentada no beiral de uma janela com os cotovelos apoiados nos joelhos. Julia estava com ela e foi a primeira a me notar. Parei sem saber se deveria me aproximar, mas Julia se afastou me dando a deixa para chegar mais perto.
- Você está bem? - perguntei me sentando ao seu lado e ela levantou a cabeça no susto percebendo pela primeira vez que eu estava ali. - Eu achei que você ia gostar da música, desculpa, eu...
- Não, não é isso. Eu gostei, juro - seu rosto ainda estava vermelho, mas as lágrimas que claramente tinham caído, já estavam secas.
- Então o que aconteceu? Por que saiu daquele jeito?
- Porque está errado, . Não devia ser assim.
- O que não devia ser assim?
- Era pra ser fácil. Eu devia estar ansiosa e animada. Por que você tinha que me mostrar essa música logo agora?
- , eu não estou entendendo nada. Ansiosa pra que? - ela não estava falando nada com nada - O que tem agora?
- O trabalho que eu estou tentando na trilha sonora do filme…
- O que tem?
- É em Vancouver, . Se tudo der certo eu vou ter que ficar lá - ela deu um suspiro e seu olho voltou a se encher com lágrimas.
- Coisa linda, é uma oportunidade ótima pra você, e Vancouver é legal…
- Por anos, .
- O que?
- Não tem um prazo pro final do trabalho, mas o Samuel falou que pode levar anos - senti uma pedra batendo no fundo do meu estômago. Eu imaginava algumas semanas, talvez meses… definitivamente não anos. - Eu vou depois de amanhã, nem volto pra Califórnia.
O choque tomou conta do meu corpo e parecia que qualquer coisa que eu tentasse falar, ficava presa na minha garganta.
- Fala alguma coisa, por favor. - Ela pediu encarando o chão e eu respirei fundo.
- Você sabe que essa é uma oportunidade incrível e…
- Não tem nada garantido, talvez eu nem consiga.
- Eu quero que você consiga - falei e ela se virou pra mim sem entender. Eu quero que você consiga tudo. Você merece.
- Eu não tenho nenhuma experiência. Com certeza vai ter gente muito melhor.
- Talvez, mas ele seria louco de não ver o seu potencial – ponderei e ela pensou mais um pouco.
- Eu nem sei mais se eu quero ir.
- É óbvio que você quer, seria loucura não querer. Vai ser uma porta de entrada incrível pro que você quer fazer.
- Eu não quero ir embora - suas lágrimas voltaram a escorrer e eu a passei meu braço sobre seus ombros para abraça-la. A intenção era confortá-la, mas os meus olhos começaram a transbordar e eu senti que não conseguia mais respirar e que a qualquer momento poderia desmaiar ali.
- Vai ser bom pra você, vai valer a pena - falei tentando me convencer daquilo.
- Você não está bravo? - ela perguntou receosa e eu a afastei do meu pescoço, apenas o suficiente para a olhar nos olhos.
- Bravo? Claro que não! Você mesma falou que precisava crescer, mudar e se redescobrir, e é verdade, eu só lamento não poder estar do seu lado pra isso.
- Quando eu falei que precisávamos de férias, não estava esperando que fossem ser tão longas - ela falou me puxando pra um abraço desajeitado. - Eu vou sentir sua falta.
- Eu vou sentir sua falta também - afundei meu rosto no seu pescoço memorizando seu cheiro - mais do que eu gostaria de admitir.
- Promete que não vai esquecer de mim?
- Mesmo que eu tentasse, eu nunca conseguiria - canela era o cheiro dela. - E a gente não precisa deixar de se falar… a tecnologia está aí pra isso.
- Não é a mesma coisa.
- Não, com certeza não é.
- Eu te amo, - ela se afastou para me encarar com toda a seriedade do mundo. - Eu não queria, mas eu te amo.
- A gente sempre pode tentar um namoro à distância, uns nudes, umas safadezas por Skype - sugeri a fazendo rir. Era brincadeira, mas se ela topasse eu não diria não.
- Não acho que vai dar certo. Eu prefiro ao vivo – falou me puxando para um beijo. Ela estava confusa e com medo e, por mais que aquele beijo fosse tudo que eu queria, foi curto e eu logo a afastei.
- Isso não vai ajudar.
- Não, mas eu vou embora de um jeito ou de outro e talvez a gente não faça mais isso por anos. - falou se sentando no meu colo e entrelaçando as pernas em volta de mim. Essa garota me perturbava de um jeito que eu nem conseguia pensar direito. Como ficar sem isso? – É agora ou nunca. E aí? O que vai ser? - Agora, com certeza agora - respondi a devorando do jeito que eu tanto gostava de fazer e os gemidos que ela soltou, me confirmaram que o sentimento era recíproco.
Nos últimos anos eu aprendi a prestar atenção a todos os sinais que o universo me mandava, dissecar os enigmas que surgiam no meio do caminho, e aproveitar todas as oportunidades.
Eu me acostumei a falar todo o dia com a . Pelo menos uma mísera mensagem por dia era necessária pro meu relógio girar por completo. Então duas semanas sem vê-la, sem ouvir sua voz ou receber um emoji sequer no celular estava me massacrando. Eu não estava feliz com a situação, mas também não pretendia dar o braço a torcer, ou ir atrás dela.
Eis que ela aparece na minha porta. Não exatamente na minha porta, mas eu que estava do outro lado e era isso que importava. Além disso, ela tinha terminado com o namorado, oficialmente terminado, sem segundas chances, sem novas tentativas. Game over pra ele. Isso sem contar que ela tinha escrito uma música pra mim. Uma não, pelo menos duas ou três das músicas que ela tinha cantado ali tinham o meu nome carimbado por toda a parte. Não tinha meu nome literalmente, mas era claro que era pra mim e não adiantava ela tentar esconder ou sair correndo.
Eu tinha todos os sinais na minha frente. Ela me queria da mesma forma que eu a queria, sendo assim, só faltava um dos dois dar o primeiro passo pro felizes para sempre e foi isso que eu fiz. Fui correndo atrás da minha donzela, impedindo que ela fugisse dos meus braços e a puxei para um beijo e, como ela não me deu um tapa na cara ou passou por cima de mim com o seu carro, eu entendi que eu estava certo.
Bem... eu entendi tudo errado.
- Por que você fez isso?! - ela perguntou se afastando de mim.
- Como assim "por que"? Porque eu tava a fim.
- Ah, então sempre que você tá a fim de beijar alguém, você só beija? Foda-se se a pessoa quer ou não.
- Claro que não, mas eu sei que você também queria.
- Que engraçado - ela riu, mas era óbvio que não estava se divertindo nem um pouco - e você chegou a essa conclusão brilhante antes ou depois de eu deixar bem claro que não queria mais ficar com você?
- Você não estava falando sério - foi uma tentativa de me convencer que eu não estava errado, mas assim que eu falei percebi que deveria ter ficado quieto.
- É sério que a essa altura do campeonato eu vou ter que te ensinar que "não" é "não"? - seu olhar de reprovação fez com que eu me sentisse como uma criança levando bronca da mãe.
- Não, foi mal - fui sincero no meu pedido de desculpas, mas isso não me deixava menos confuso. - Desculpa, mas eu não te entendo. Você falou que não tá mais com o Derek e aquela música…
- Não era pra você ter escutado - ela me interrompeu. - Eu não achei que você estaria aqui.
- Mas eu estou e escutei e eu sei que foi pra mim.
- Quem disse? - ela perguntou semicerrando os olhos e deixando transparecer um sorriso no canto da boca.
- Eu disse. Eu te conheço.
- Você tá achando que sabe demais, mas não sabe de nada.
- Então me conta, me fala por que você não quer mais, por que você está desistindo assim.
- Você não consegue aceitar um simples não, né? Tem sempre que ter uma baita explicação.
- Nem sempre, só quando é uma coisa que eu quero muito - falei e ela pareceu ser pega de surpresa. Ficou me encarando por segundos que pareceram horas e me faziam desejar com todas as minhas forças voltar à minutos atrás, quando seu corpo estava colado no meu e nós quase nos engolíamos com a urgência e o desespero depositados naquele beijo.
- Eu já te falei, eu quero o simples agora, sem complicações.
- E o que pode ser mais simples do que duas pessoas que se gostam, ficarem juntas?
- ...
- , para de fugir, eu não sou o Derek.
- Não, você é Ammel e isso por si só já é complicação suficiente.
- Talvez, mas isso eu não tenho como mudar - se o problema era eu ser eu, não tinha o que fazer, ela simplesmente não me queria e aquilo era pior do que qualquer outra justificativa que ela poderia ter me dado.
- Eu não quero que você mude - ela falou e passou a mão pelo meu rosto, me fazendo encará-la ao tempo que tentava aproveitar ao máximo aquele carinho.
- Por favor, não me fala que o problema não sou eu é você - pedi e jogou a cabeça pra trás rindo.
- Pior que é tipo isso. Tenta entender, por favor. Eu namoro desde os meus quinze anos, acho que nunca fiquei nem um ano inteiro solteira. Desde que cheguei em Los Angeles eu estou em um relacionamento super sério e já deixei de fazer muita coisa… preciso de um tempo sozinha.
- Quanto tempo? - perguntei e ela abriu um sorriso achando graça do meu desespero.
- Não sei, só vou saber quando chegar lá. Eu preciso me entender comigo mesma, crescer, descobrir do que eu gosto quando não tem mais ninguém perto, mudar um pouco, cometer umas loucuras. Fazer tudo que eu já devia ter feito, mas nunca consegui.
- E você acha que eu vou te impedir? Eu adoro loucuras!
- Não de propósito - mesmo sorrindo, eu ainda conseguia ver tristeza nos olhos dela e os meus não deviam estar diferentes.
- Então como a gente fica? - Eu não sabia que era possível querer tanto uma pessoa e, perceber que eu não podia tê-la, que ela não me queria de volta, era dilacerante.
- Você vai pra sua turnê, enlouquece seus fãs e faz tudo que eu sei se você sabe fazer - ela respondeu passando os braços pela minha cintura e me abraçando, apoiou a cabeça no meu peito e continuou. - Eu vou ficar aqui, vou escrever mais músicas, tentar fazer contatos e aprender como essa tal indústria da música funciona.
- Eu podia te ajudar com isso - falei a segurando firme contra o meu corpo.
- Podia, mas não vai. A gente precisa de uma desintoxicação um do outro, estamos muito mal acostumados.
- Desintoxicação? - segurei seus ombros a afastando para encará-la, deixando transparecer minha expressão de choque. Ela estava falando que a nossa relação era tóxica?
- No bom sentido. Tipo umas férias.
- Eu costumo me divertir nas minhas férias, e isso não parece nada divertido.
- É só por um tempo - seu rosto estava tão sereno que quase me convencia. Ela estava determinada a ser feliz e isso era tudo que eu mais queria pra ela.
- E a gente não pode se falar durante essas "férias"?
- Claro que podemos! - ela falou segurando as minhas mãos e eu nunca me senti tanto na friendzone. - Duas semanas longe foram sofrimento o suficiente, dois meses eu não vou aguentar.
- Bom saber que é recíproco - respondi a puxando novamente para o abraço que eu senti tanta falta. Ficamos ali na rua, escorados no carro e agarrados um ao outro por alguns minutos. Aqueles braços me fariam muita falta nos próximos meses. A vontade de não sair dali nunca mais e impedir que fosse embora, apertou o meu peito e fez uma lágrima escorrer do meu olho - Eu te amo, coisa linda.
- Eu te amo, bonito… demais.
Foi difícil no início, mas o planeta continuou girando, os pássaros continuaram cantando e eu continuei respirando.
Um dia a Jane me falou: "as pessoas têm o péssimo hábito de depositar a sua felicidade nas mãos dos outros". Eu tinha esse hábito e era um esforço diário me lembrar de que eu era responsável pela minha própria felicidade.
Já fazia um mês desde que os meninos tinham partido em turnê, eu e estávamos de férias da nossa confusa relação, seja lá o que ela fosse, e eu estava mergulhando de cabeça na história de virar compositora profissional.
As músicas que eu tinha gravado na demo e mandado para a gravadora foram uma ótima estreia e já tinham sido compradas e estavam em processo de serem regravadas por outros artistas. No fim das contas, eu acabei desistindo de submeter a música do , pelo menos a última. Era muito recente e parecia estranho ver outra pessoa cantando, mas as outras foram todas vendidas e eu já tinha novas "encomendas". Assinei um contrato com a Interscope Records, o Samuel estava me ajudando muito, meu nome começou a se espalhar, e a curiosidade das pessoas sobre quem era a nova compositora dali estava sendo aguçada.
- Tem um projeto novo surgindo que eu queria discutir com você - Samuca falou sentando do meu lado no sofá do estúdio.
Ele se afastou da turnê da Jungle Roots por alguns dias para resolver algumas coisas em Los Angeles e aproveitou para me apresentar a diferentes produtores e compositores mais experientes que tentavam me ensinar um pouquinho do que eles sabiam. Eu não tinha dinheiro pra pagar horas de estúdio para fazer as minhas demos, então o Samuca me infiltrou nas sessões alheias e quando eu tinha sorte, sobrava algum tempo alugado do artista e eu gravava o que dava. Eu também fiquei com a chave da casa do Ash e usava seu estúdio para ensaiar e experimentar algumas coisas, mas as gravações mesmo eu preferia fazer com a ajuda de outras pessoas.
- Já ouviu falar no Bill Condon? - Samuel perguntou sem tirar o olho do celular.
- Bill Condon de Dreamgirls, A Bela e a Fera, Chicago e sei lá mais o que? Óbvio - o cara era um dos maiores cineastas dos Estados Unidos. Ele era o Deus dos meus musicais favoritos e era foda.
- Ótimo. Ele e o Michael Gracey estão trabalhando em um novo projeto, um musical, e estão procurando novos talentos. - A mania desses executivos de conversarem sem olhar no olho me dava nos nervos, mas convivendo com Samuel eu estava começando a me acostumar - O Michael é um diretor novo, que está começando a aparecer agora, mas é muito bom e quer uma equipe jovem, uma galera nova, entrando agora na indústria, e isso inclui os compositores da trilha sonora.
- Não brinca comigo, Samuel - falei colocando a mão no peito em uma tentativa de acalmar meus batimentos cardíacos e ele me encarou achando graça na minha reação de novata.
- Eu falei de você pra eles, mostrei suas músicas, deixei claro que você está começando e o Bill quer te conhecer.
- Mentira - tinha que ser mentira. Como assim a porra do Bill Condon estava me considerando pra integrar a equipe dele? O cara era fera e o meu currículo não tinha nada.
- Verdade, mas se acalma. Ele está começando a reunir uma equipe, então ainda está conhecendo todas as possibilidades dele, não tem nada garantido, mas se você quiser tentar, acho que seria uma grande oportunidade. Ele pediu pra vocês se reunirem até o dia 17. O que acha?
- Você tá brincando? É óbvio que eu quero tentar. Só de poder conhecer o cara eu já tô nas nuvens.
- Que bom, mas vamos mirar mais alto, você tem que impressionar ele, levar tudo que você já escreveu. Assiste a todos os filmes do cara e escreve o máximo que você conseguir. Vai ter uma fila de gente talentosa pra caralho querendo estar nesse time e você tem que mostrar que é melhor que eles.
- Mas eu não sou - falei já desanimada.
- Você não sabe disso. Acabou de começar.
- Exatamente, eu não sei de nada.
- , o cara quer novidade, você é novidade. Você só tem que mostrar que você é a novidade que ele quer. Então faz o seu dever de casa que eu me encarrego do resto.
- Sim, senhor - falei tentando fingir segurança. Eu nunca fui boa de controlar minhas expectativas e, no momento, elas já estavam nas alturas.
- Você vai como compositora da gravadora, nossa representante. Eu vou comprar a sua passagem e reservar um quarto pra você e, se tudo der certo, a gente pensa em alugar um apartamento pra você ou um Airbnb. Eu vou voltar pra turnê amanhã, mas vou ver se consigo te encontrar lá, pelo menos pra fazer as primeiras apresentações e...
- Uououou, passagens? Alugar apartamento? Como assim? Pra onde eu vou? - aparentemente ele tinha esquecido uma parte fundamental das informações.
- Vancouver.
- Vancouver, Canadá?!
- Tem outra?
- Não, eu só achei que seria em Los Angeles… ou pelo menos, nos Estados Unidos.
- Isso vai ser um problema? - ele perguntou e eu fiquei atônita alguns segundos sem responder.
- Não, não vai - falei meio insegura. - Quanto tempo eu teria que ficar lá?
- Isso depende muito de como as coisas vão andar. Se der tudo certo e você conseguir o trabalho, vai demorar mais com certeza. Ele está escrevendo o filme e as músicas vão se juntar no processo, então depende de como essa parceria vai acontecer, do quanto vai demorar pra tudo estar finalizado. Podem ser alguns meses ou alguns anos.
- Anos?! Tudo isso?
- Escrever um filme demora… um musical demora ainda mais. Ainda mais com o Bill, não é a toa que ele é bom, perfeição leva tempo.
- Imagino… - concordei tentando assimilar tudo aquilo.
- Algum problema?
- Não, nada demais, eu só não sou muito fã de frio - menti, nem eu estava me entendendo. - O Canadá estava longe dos meus planos.
- É questão de costume - ele falou rindo.
Questão de costume. Questão de costume. Eu ia me acostumar com o frio, com o Canadá, em estar longe das minhas amigas, em estar longe de todo mundo. Anos longe. Não duas semanas, não dois meses. Anos.
- Vocês decidiram que precisavam tirar férias um do outro, não é? - ele falou como se lesse os meus pensamentos e eu apenas o encarei sem querer confirmar qualquer coisa. - Esse tempo vai fazer bem à vocês dois, acredite. E independente disso, essa oportunidade vai fazer bem à você. O tem a carreira dele, já anda com as próprias pernas, você precisa construir a sua - ele completou e eu continuei quieta.
O Samuel tinha razão, eu sabia disso, minha cabeça sabia disso, mas meu coração estava se contorcendo no meu peito, era ele que não estava convencido.
Eu nunca fui boa em equilíbrio. Se era pra me dedicar, eu me afogava no comprometimento.
Eu estava jogada no chão da sala há dias sem conseguir dormir, ansiosa demais pra sequer conseguir comer. Julia e Helena se revezavam para me levar comida e me obrigar a tomar banho e dormir o mínimo possível. O meu foco estava duzentos por cento nas minhas letras e nos filmes do senhor Condon. Eu estava determinada a fazer o impossível para impressioná-lo.
- Maluca, pelo menos senta direito - Helena falou me observando enquanto esquentava o nosso jantar.
- Se eu for me concentrar na minha postura, não consigo escrever tudo que preciso.
- Você precisa relaxar um pouquinho, amiga. Tá ficando meio assustador - Julia falou tirando a cara do computador pra me encarar.
- Eu vou conhecer o Bill Condon em oito dias. Oito dias! E ainda tem a nossa viagem no meio. Não tem como parar pra relaxar. Eu tenho muita coisa pra fazer. - falei estalando minha coluna, mas ainda sem me levantar.
- Você já fez as suas malas?
- Ainda não. O Samuel falou que eu posso levar pouca coisa, qualquer coisa eles mandam o restante depois.
- E você já sabe onde vai ficar lá?
- Ainda não. Acho que em um hotel, qualquer coisa eu vou pra outro lugar depois.
- Acho que você está jogando muita coisa pra frente - Helena falou se aproximando com um prato de comida. Lasanha, graças a Deus. - Você, possivelmente vai se mudar, não deveria pelo menos ter visto algum apartamento lá?
- Eu não sei se vai dar certo, pode ser que eu volte em duas semanas.
- Pode ser que você volte em dois anos! - Julia falou nervosa e eu enfiei uma garfada cheia de massa na boca me impedindo de responder. O que elas queriam que eu fizesse? Um passo de cada vez. Eu não ia me preparar toda pra ir embora sabendo que eu poderia muito bem ficar em Los Angeles.
- Me deixem focar aqui, por favor - pedi, mas antes que eu conseguisse terminar de comer e voltar ao meu estágio de foco, meu celular tocou.
Chamada de vídeo do .
Com ele em turnê, nós não conseguíamos nos falar com tanta frequência, mas sempre que tinha um tempinho, pelo menos uma vez por semana, ele me ligava pra gente se atualizar sobre a vida um do outro. Nos últimos dias eu não estava tão ansiosa pra isso.
- Oi, bonito - falei abrindo a câmera.
Oi, coisa linda. Como estão as coisas por aí?
- Tudo normal, nada demais - falei e percebi os olhos das minhas amigas se arregalando. - Como estão as coisas aí? Onde vocês estão?
Estamos em Nashville. Tivemos show ontem, daqui a pouco partimos para Detroit.
- E como está indo? Cansados? Animados?
Um pouco cansados, muito animados.
! - Ashton apareceu na tela - Gatinha, que saudade de você.
- Também tô com saudade, Ash. Como você está? Se comportando? - perguntei olhando de canto pra uma Julia que fingia não prestar atenção na conversa.
Meu sobrenome é bom comportamento, - ele respondeu me obrigando a rir.
Oh, comportadíssimo - confirmou ironicamente.
- Olá meninos! - Helena se aproximou para cumprimentá-los.
Oi, Lena. Tá rolando festinha aí, é? - perguntou reparando na taça de vinho na mão da minha amiga
- Bem que eu queria, mas a tá vidrada demais no tal de Bill pra deixar a gente se divertir um pouquinho - ela falou e logo me virei a repreendendo com o olhar.
Quem é Bill? - perguntou curioso.
- Ninguém - respondi no automático. - Quer dizer, eu to tentando conseguir um trabalho na trilha sonora de um filme. Bill é quem vai decidir se eu vou conseguir ou não.
Ah, irado. O Samuca tá te ajudando?
- Muito, ele tá sendo incrível.
Que bom. Ele conhece das coisas, escuta os conselhos dele que o sucesso é certo.
- Pode deixar. - falei com um sorriso amarelo. Aparentemente o Samuel não tinha compartilhado com os conselhos que tinha me dado.
Quando vocês vêm pro show mesmo? - Ashton perguntou empurrando para aparecer de novo.
- Viajamos pra Nova Orleans depois de amanhã, mas eu acho que vocês ainda não vão estar lá, né?
Ainda não, só chegamos lá dia 14, mas conseguimos ficar até o dia 16 pra tentar aproveitar um pouquinho com vocês - respondeu sorrindo.
- Eba! - comemoramos juntas - Tô muito ansiosa pra ver vocês tocando.
Eu também.
- O Mike tá aí? - Lena perguntou.
Não. Ele e o Calum saíram pra comprar alguma coisa pra comer.
- Tudo bem.
Eu ia perguntar se vocês vão querer ingressos pro show de Los Angeles também?
- Quando vai ser? - perguntei.
Acho que dia 06 e 07 do próximo mês.
- Eu quero! - Helena perguntou pulando do meu lado. - Você quer Ju?
- Pode ser - Julia respondeu querendo demonstrar o máximo de indiferença. Ela e Ashton tinham oficialmente parado de ficar. Ele já tinha até se arrependido, tentava agradá-la de todas as formas, mas ela estava determinada a fazê-lo sofrer e, pra isso, ficava se fazendo de difícil.
- A Julia também quer.
E você, ? - perguntou e o meu sorriso logo murchou. Se tudo desse certo, eu não estaria mais aqui.
- Acho que não vou poder.
Por que? - perguntou também desanimado.
- Esse trabalho que eu tô tentando. Eu vou precisar viajar pra encontrar com o cara, talvez não esteja aqui nos shows de LA - falei e mais uma vez recebi os olhares confusos das minhas amigas.
Ah, tudo bem, é por um bom motivo. Quando você voltar pode tentar ir em mais algum.
- Pode ser… - normalmente as minhas conversas com o eram bem mais animadas, dessa vez eu só queria desligar.
Hey, tá tudo bem mesmo? - ele perguntou chamando minha atenção, e eu suspirei fundo contando mentalmente até dez. Tanto Helena quanto Ashton se afastaram e ficamos só nós dois. Eu tinha que falar pra ele sobre a minha possível mudança. Ele tinha que saber.
- Tudo bem - não tive coragem - só estou cansada. Eu estou dando a vida nesse projeto, quero muito que dê certo.
Vai dar, tenho certeza - me encorajou com um sorriso. - Mas descansa, não fica trabalhando feito uma louca.
- Olha quem fala…
Pois é, eu faço e sei o quanto é ruim. Inclusive, eu preciso dormir um pouco agora. Tô morto e daqui a pouco caímos na estrada de novo e é mais difícil de dormir.
- Vai lá, bonito. Se cuida que jajá a gente se encontra.
Você também.
Logo que desliguei a chamada, me dei por vencida. Eu estava realmente exausta, precisava dormir por algumas horas, pelo menos. Mas não antes de ouvir o sermão das minhas amigas.
- Por que você não contou pra ele? - Julia começou.
- Sobre? - me fiz de desentendida tentando adiar o que vinha pela frente.
- Não sei… talvez sobre o fato de você estar indo embora? Sobre ir morar no Canadá?
- Eu não sei se isso vai acontecer.
- !
- O que?! Eu vou tentar uma vaga de emprego. Tentar, significa que não tem nada garantido.
- Então você não vai contar nada pra ele?! - Helena perguntou em um misto de choque e revolta. - Nem sobre a possibilidade de ir embora?
- Vou contar no momento certo.
- Ele perguntou sobre o show de Los Angeles. Esse era o momento certo.
- Pois é, não precisava ter mentido - Julia concordou.
- Eu não menti!
- Você falou que quando voltasse de viagem ia em mais um show!
- Nunca se sabe… eu posso ir.
- Só esqueceu de mencionar que isso pode ser daqui a anos!
- Ou não, não tem como saber o que vai acontecer.
- Do jeito que você fala, nem parece que quer esse trabalho - Helena falou mudando o tom de voz. Ela já tinha me entendido. Eu queria o trabalho, muito… só não queria ter que ir embora.
- Eu quero.
- Não dá pra ter tudo, amiga. Pelo menos não de uma vez só.
- Eu sei, por isso que eu precisava das férias.
- Férias? - Julia perguntou sem entender - Você não quer o trabalho então?
- Quero, são férias de outra coisa. Eu preciso desse trabalho e, por mais que eu tenha motivos pra ficar, eu não vou deixar essa oportunidade passar por nada.
- Nem por ninguém - ela acrescentou.
- Isso… nem por ninguém.
Dois anos sem turnê, fazendo shows apenas esporadicamente e sem estar constantemente na estrada. Eu tinha esquecido como era cansativo. Incrível, muito gratificante e animador, porém extremamente cansativo.
Em cima do palco, quando estou afogado em adrenalina e tentando retribuir igualmente a energia que eu recebo do público, o cansaço não aparece, pelo menos não o de verdade. Mas depois, ao chegar nos camarins, voltar pro hotel ou subir no nosso ônibus, aí sim eu me vejo sugado pela exaustão. Cada parte do meu corpo estremece, sinto meus músculos latejarem, meus dedos calejados, minhas pernas mal me sustentam em pé e minha cabeça leva horas para se desligar da vibração das caixas de som e da gritaria. E quando eu consigo pegar no sono e sentir que vou começar a descansar de verdade, já está na hora de acordar.
- Cara, levanta aí - Calum abriu a cortina do meu bunker e me sacudiu sem cerimônia.
- Ah, não. Eu acabei de conseguir dormir cara, me deixa aqui.
- Levanta, vai. Se a gente atrasar não conseguimos encontrar as meninas antes do show.
Eu amava as meninas, elas eram demais e eu estava morrendo de saudades da , mas eu queria muito poder continuar deitado. Mais uma horinha que fosse.
- Levanta, caralho! - Ashton gritou passando por mim.
Levantei completamente contra a minha vontade e mal conseguia abrir os olhos. Desci da pequena cama e segui para a saída do ônibus tropeçando e chutando tudo que estava largado no chão à minha frente.
O dia estava claro apesar das nuvens, devia ser perto das duas da tarde e já se podia ouvir a gritaria dos fãs em algum lugar perto da arena. Os portões ainda demorariam três horas para a abrir e o show seria apenas às oito da noite. Eu ainda ficava impressionado com a resistência e a persistência daquelas meninas, seria assustador se não fosse lisonjeiro.
O show em si aconteceria em Baton Rouge, uma cidade vizinha a Nova Orleans. O que significava que só iríamos pro hotel depois da apresentação. Até lá, eu teria que me contentar com os sofás do camarim e a comida requentada da nossa equipe. Minha vida de estrela do rock estava longe de ser tão glamurosa quanto todos pensavam.
A parte boa de se ter muita coisa pra fazer na prévia do show, era que não dava tempo de ter sono ou sentir o cansaço. Fizemos a passagem de som, comemos, tomamos banho, fizemos o meet and greet e já faltava menos de uma hora e meia para o show.
- É daqui que pediram quatro mulheres super gostosas? - Julia abriu a porta em um solavanco entrando no camarim seguida por Stella, Helena e .
Tirando Stella, as outras três nunca tinham ido em um show nosso, nunca entraram no camarim, nunca tinham visto como funcionavam as coisas por trás dos palcos e pareciam muito animadas por descobrir. Eu sei que eu estava.
- Opa, mulheres gostosas são sempre bem vindas - Ashton gritou em resposta levantando pra cumprimentá-la, mas recebeu apenas um tapinha nas costas. Julia ainda estava dando um gelo nele e era engraçado vê-lo correndo atrás e se esforçando por alguém, pelo menos uma vez na vida. Quem mandou dizer que não queria usar coleira? Agora estava doidinho, abanando o rabo e dando a patinha sem ela nem precisar pedir.
- Esse lugar é enorme - comentou impressionada. - Ainda bem que eu vim de tênis, essas daí são malucas de colocar salto alto pra assistir um show - completou desdenhando das amigas e vindo nos cumprimentar.
- Não é qualquer show, a gente tem que estar mais arrumadinhas, não desleixada desse jeito - Helena explicou a fazendo revirar os olhos… como sempre.
- Meu amor, desleixada ou não, eu estou confortável e continuo gostosa pra caralho - ela falou dando uma voltinha debochada. Ela estava usando a minha camisa jeans como um vestido, exatamente como no dia em que nos conhecemos.
- Contra fatos não há argumentos - falei me aproximando e a envolvi em um abraço. Eu ainda estava em processo de aceitação por voltar à estaca zero, mas era uma decisão dela e por mais que a minha vontade fosse de imprensá-la na parede e grudar a minha boca na dela até perder o fôlego, eu teria que me contentar com um simples abraço.
- Como vocês estão? - Stella perguntou chamando a atenção de todos que tinham a atenção presa em nós dois, tentando decifrar como funcionava nosso arranjo na prática.
- Tudo tranquilo. Começando a sentir o cansaço da rotina, mas bem. - Michael falou enquanto puxava Helena pro seu colo.
Se os casais fossem começar a se pegar ali, eu iria embora. Não ia ficar assistindo à putaria alheia, sem poder dar a minha contribuição.
- Foi fácil chegar aqui? - Calum perguntou dedilhando o baixo. Aquele instrumento era seu verdadeiro amor e até Stella já tinha aceitado essa realidade.
- Tranquilo também. A produção mandou uma van pro hotel, então chegamos rapidinho.
- Achei que vocês chegariam mais cedo… antes do meet and greet - Ashton falou.
- Vocês não sabem de nada - Samuel entrou no camarim. Ele também parecia cansado. - Essas meninas tiveram o próprio meet and greet delas ali fora, deram mais trabalho para a equipe de segurança do que vocês.
- Deixa de ser exagerado Samuca - falou abraçando o empresário.
- A culpa não foi nossa - Stella se defendeu. - A gente tinha que sair do carro!
- E seria uma falta de educação não parar pra falar com os fãs - Julia completou. - Vários não conseguiram ingresso pro show e vieram até aqui só para ver a gente.
- "A gente" quem, maluca? - perguntou rindo. - Estão aqui para ver a banda.
- Não foi o que pareceu - Samuel falou enquanto namorava os donuts do buffet. - Coitados dos seguranças dos portões de trás, estavam tranquilinhos achando que o trabalho pesado tinha acabado por que a banda já tinha chegado, e foram esmagados quando vocês apareceram.
- Me pediram pra entregar isso aqui pra vocês - tirou um bolo de cartas da bolsa e jogou sobre a mesa.
- Depois você pergunta por que elas gostam de você… - falei encarando o montante de coisa que ela tinha levado.
- Elas estavam se esmagando contra as grades, não custava nada pegar as cartas.
- Fala isso pra equipe de segurança que levou um susto com quatro mulheres que eles nunca viram na vida chamando aquela atenção toda - eu não sabia dizer se ele estava puto ou achando graça.
Ficamos ali conversando e rindo, e em um piscar de olhos precisamos começar os aquecimentos vocais. As meninas continuaram com a gente e até nos acompanharam nos exercícios de voz, mas não sem cair na gargalhada algumas centenas de vezes.
Diferente de outros lugares, Baton Rouge era o nosso único show do estado, então talvez por ser a única chance dos fãs de Louisiana assistirem à Jungle Roots, foi um dos shows que os ingressos esgotaram mais rápido, talvez em menos de quinze minutos. E essa vontade e empolgação era visível na plateia daquela noite. Estavam todos enlouquecidos e nós nos espelhamos neles e devolvemos aquela mesma energia. Sem contar com o fato de ser a primeira vez apresentando com , Julia e Helena na nossa frente. Fizemos questão de dar a elas o melhor show de suas vidas.
Elas também não decepcionaram. Apesar da área VIP logo à frente do palco ter cadeiras e sofás, elas não saíram da grade por um minuto sequer, muito menos se sentaram. Passaram o concerto inteiro pulando e se esgoelando com as nossas letras. Deviam ter feito algum tipo de maratona da nossa playlist, por que até as mais antigas elas cantaram inteiras. Eu as observei a todo momento, preocupado se elas estavam se divertindo, mas isso não pareceu ser uma questão.
O setlist já estava chegando ao fim, faltavam apenas duas músicas, as mais animadas e que fechariam a noite com chave de ouro. Eu estava completamente ensopado de suor e observando meus amigos, eu não era o único. Ashton, sentado atrás da bateria já tinha até se livrado da sua blusa - isso sempre era o terror das nossas figurinistas e o sonho realizado das fãs.
Foi sem sombra de dúvidas uma das nossas melhores apresentações. Pequenas cidades não deixavam a desejar no quesito animação, e eu queria aproveitar isso e nossas convidadas especiais para dar um toque extra à noite. Então, completamente fora dos planos e recebendo olhares curiosos do resto da banda, troquei a guitarra elétrica por um violão.
- Essa noite está perfeita! - falei hiperventilando entre os gritos do público - Vocês são realmente incríveis e eu queria aproveitar toda essa atmosfera de estar de volta à Louisiana e vocês me fazendo sentir em casa, para sair um pouquinho do nosso roteiro se vocês me permitirem - completei recebendo gritos enlouquecidos e um aceno cauteloso dos meus amigos. Por outro lado, eu podia ver Samuel quase infartando no canto do palco. Ele odiava improvisos… eram imprevisíveis. - Eu escrevi essa música nas últimas semanas, depois de uma conversa que eu tive com uma pessoa muito especial, e eu ia guardar pra mim, mas acho que vale a pena compartilhar com vocês. Quem sabe não tem alguém aqui que se identifique.
[Grow as we go - Ben Platt (Lyrics)]
You say there's so much you don't know
Você diz que há tanta coisa que você não sabe
You need to go and find yourself
Você precisa ir e se encontrar
You say you'd rather be alone
Você diz que prefere ficar sozinha
'Cause you think you won't find it tied to someone else
Porque você acha que não vai encontrar amarrada a outra pessoa
Ooh, who said it's true
Ooh, quem disse que isso é verdade?
That the growing only happens on your own?
Que o crescimento só acontece sozinho
They don't know me and you
Eles não me conhecem e você
I don't think you have to leave
Eu não acho que você tem que partir
If to change is what you need
Se mudar é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem do meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Você diz que há tanta coisa que você não sabe
You need to go and find yourself
Você precisa ir e se encontrar
You say you'd rather be alone
Você diz que prefere ficar sozinha
'Cause you think you won't find it tied to someone else
Porque você acha que não vai encontrar amarrada a outra pessoa
Ooh, who said it's true
Ooh, quem disse que isso é verdade?
That the growing only happens on your own?
Que o crescimento só acontece sozinho
They don't know me and you
Eles não me conhecem e você
I don't think you have to leave
Eu não acho que você tem que partir
If to change is what you need
Se mudar é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem do meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Logo nos primeiros acordes meus olhos seguiram um rumo natural até encontrar . Helena segurava sua mão enquanto ela prestava atenção em cada detalhe e em cada palavra que saia da minha boca. Talvez eu devesse tentar disfarçar, mas não me importei com o resto do mundo e prendi nossos olhares juntos e logo notei suas lágrimas começando a cair.
You won't be the only one
Você não será a única
I am unfinished, I've got so much left to learn
Eu estou inacabado, tenho muito o que aprender
I don't know how this river runs
Não sei como esse rio corre
But I'd like the company through every twist and turn
Mas gostaria da companhia em cada volta e curva
Ooh, who said it's true
Ooh, quem disse que isso é verdade?
That the growing only happens on your own?
Que o crescimento só acontece sozinho
They don't know me and you
Eles não me conhecem e você
You don’t ever have to leave
Você nunca precisa partir
If to change is what you need
Se mudar é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem ao meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
I don't know who we'll become
Não sei quem nos tornaremos
I can't promise
Não posso prometer
it's not written in the stars
Não está escrito nas estrelas
But I believe that when it's done
Mas acredito que quando acabar
We're gonna see that it was better
Vamos perceber que foi melhor
That we grew up together
Que nós crescemos juntos
Tell me you don't wanna leave
Me diz que você não quer partir
'Cause if change is what you need
Porque se mudança é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem ao meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos.
Você não será a única
I am unfinished, I've got so much left to learn
Eu estou inacabado, tenho muito o que aprender
I don't know how this river runs
Não sei como esse rio corre
But I'd like the company through every twist and turn
Mas gostaria da companhia em cada volta e curva
Ooh, who said it's true
Ooh, quem disse que isso é verdade?
That the growing only happens on your own?
Que o crescimento só acontece sozinho
They don't know me and you
Eles não me conhecem e você
You don’t ever have to leave
Você nunca precisa partir
If to change is what you need
Se mudar é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem ao meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
I don't know who we'll become
Não sei quem nos tornaremos
I can't promise
Não posso prometer
it's not written in the stars
Não está escrito nas estrelas
But I believe that when it's done
Mas acredito que quando acabar
We're gonna see that it was better
Vamos perceber que foi melhor
That we grew up together
Que nós crescemos juntos
Tell me you don't wanna leave
Me diz que você não quer partir
'Cause if change is what you need
Porque se mudança é o que você precisa
You can change right next to me
Você pode mudar bem ao meu lado
When you're high, I'll take the lows
Quando você estiver no alto, eu aguentarei os baixos
You can ebb and I can flow
Você pode retroceder e eu posso fluir
And we'll take it slow
E vamos devagar
And grow as we go
E crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos
Grow as we go
Crescemos à medida que avançamos.
Enquanto eu tocava a plateia ficou em completo silêncio, eu quase poderia acreditar que estava sozinho com . Todos pareciam até controlar o volume de suas respirações e não se ouvia um único sussurro. Mas isso rapidamente mudou ao final da música. De uma só vez a arena inteira voltou a vida, gritando e aplaudindo. Todos juntos pareciam em êxtase. Todos menos uma. Voltei meu olhar para a área vip onde ela estava segundos antes, mas não mais. A confusão deve ter sido aparente na minha face, já que Michael prontamente se aproximou do microfone para dar continuidade ao show.
- Nosso tá muito sentimental esses dias. A gente tá amando essa fase, e vocês?! - perguntou e recebeu mais gritos em resposta. - Bora terminar essa noite em grande estilo, então. Quero ver quem sabe as próximas. Vamos lá!
Eu não sei dizer o que aconteceu naqueles últimos oito minutos. Liguei o automático, toquei e cantei e vibrei, me despedi de todos, agradeci como sempre… "amo vocês! obrigada por tudo, mal posso esperar pra voltar aqui", e saí correndo.
Entreguei a guitarra pra primeira pessoa que apareceu na minha frente, ignorei Samuel ou qualquer outra pessoa que gritou o meu nome no caminho e continuei andando e vasculhando o lugar. Onde caralhos ela tinha se metido? Por que tinha saído daquele jeito?
O lugar era realmente enorme e eu não conhecia nada, não fazia ideia de por onde estava andando ou onde eu queria chegar. Entrei em algumas portas erradas, dei algumas voltas e passei pelo mesmo lugar repetidas vezes, mas chegou um momento que o universo conspirou a meu favor e eu achei quem estava procurando.
estava dentro de uma das salas entulhadas com cadeiras, sentada no beiral de uma janela com os cotovelos apoiados nos joelhos. Julia estava com ela e foi a primeira a me notar. Parei sem saber se deveria me aproximar, mas Julia se afastou me dando a deixa para chegar mais perto.
- Você está bem? - perguntei me sentando ao seu lado e ela levantou a cabeça no susto percebendo pela primeira vez que eu estava ali. - Eu achei que você ia gostar da música, desculpa, eu...
- Não, não é isso. Eu gostei, juro - seu rosto ainda estava vermelho, mas as lágrimas que claramente tinham caído, já estavam secas.
- Então o que aconteceu? Por que saiu daquele jeito?
- Porque está errado, . Não devia ser assim.
- O que não devia ser assim?
- Era pra ser fácil. Eu devia estar ansiosa e animada. Por que você tinha que me mostrar essa música logo agora?
- , eu não estou entendendo nada. Ansiosa pra que? - ela não estava falando nada com nada - O que tem agora?
- O trabalho que eu estou tentando na trilha sonora do filme…
- O que tem?
- É em Vancouver, . Se tudo der certo eu vou ter que ficar lá - ela deu um suspiro e seu olho voltou a se encher com lágrimas.
- Coisa linda, é uma oportunidade ótima pra você, e Vancouver é legal…
- Por anos, .
- O que?
- Não tem um prazo pro final do trabalho, mas o Samuel falou que pode levar anos - senti uma pedra batendo no fundo do meu estômago. Eu imaginava algumas semanas, talvez meses… definitivamente não anos. - Eu vou depois de amanhã, nem volto pra Califórnia.
O choque tomou conta do meu corpo e parecia que qualquer coisa que eu tentasse falar, ficava presa na minha garganta.
- Fala alguma coisa, por favor. - Ela pediu encarando o chão e eu respirei fundo.
- Você sabe que essa é uma oportunidade incrível e…
- Não tem nada garantido, talvez eu nem consiga.
- Eu quero que você consiga - falei e ela se virou pra mim sem entender. Eu quero que você consiga tudo. Você merece.
- Eu não tenho nenhuma experiência. Com certeza vai ter gente muito melhor.
- Talvez, mas ele seria louco de não ver o seu potencial – ponderei e ela pensou mais um pouco.
- Eu nem sei mais se eu quero ir.
- É óbvio que você quer, seria loucura não querer. Vai ser uma porta de entrada incrível pro que você quer fazer.
- Eu não quero ir embora - suas lágrimas voltaram a escorrer e eu a passei meu braço sobre seus ombros para abraça-la. A intenção era confortá-la, mas os meus olhos começaram a transbordar e eu senti que não conseguia mais respirar e que a qualquer momento poderia desmaiar ali.
- Vai ser bom pra você, vai valer a pena - falei tentando me convencer daquilo.
- Você não está bravo? - ela perguntou receosa e eu a afastei do meu pescoço, apenas o suficiente para a olhar nos olhos.
- Bravo? Claro que não! Você mesma falou que precisava crescer, mudar e se redescobrir, e é verdade, eu só lamento não poder estar do seu lado pra isso.
- Quando eu falei que precisávamos de férias, não estava esperando que fossem ser tão longas - ela falou me puxando pra um abraço desajeitado. - Eu vou sentir sua falta.
- Eu vou sentir sua falta também - afundei meu rosto no seu pescoço memorizando seu cheiro - mais do que eu gostaria de admitir.
- Promete que não vai esquecer de mim?
- Mesmo que eu tentasse, eu nunca conseguiria - canela era o cheiro dela. - E a gente não precisa deixar de se falar… a tecnologia está aí pra isso.
- Não é a mesma coisa.
- Não, com certeza não é.
- Eu te amo, - ela se afastou para me encarar com toda a seriedade do mundo. - Eu não queria, mas eu te amo.
- A gente sempre pode tentar um namoro à distância, uns nudes, umas safadezas por Skype - sugeri a fazendo rir. Era brincadeira, mas se ela topasse eu não diria não.
- Não acho que vai dar certo. Eu prefiro ao vivo – falou me puxando para um beijo. Ela estava confusa e com medo e, por mais que aquele beijo fosse tudo que eu queria, foi curto e eu logo a afastei.
- Isso não vai ajudar.
- Não, mas eu vou embora de um jeito ou de outro e talvez a gente não faça mais isso por anos. - falou se sentando no meu colo e entrelaçando as pernas em volta de mim. Essa garota me perturbava de um jeito que eu nem conseguia pensar direito. Como ficar sem isso? – É agora ou nunca. E aí? O que vai ser? - Agora, com certeza agora - respondi a devorando do jeito que eu tanto gostava de fazer e os gemidos que ela soltou, me confirmaram que o sentimento era recíproco.
Capítulo 13
13
Minha cabeça está explodindo, mal consigo abrir os olhos de cansaço, tudo o que eu queria era ir pra casa, tomar um banho de banheira cair na cama sem hora pra acordar. Infelizmente, eu não tenho banheira e meus amigos não querem me deixar ir pra casa por causa da maldita festa de aniversário que estão fazendo pra mim. Só a Jane para me convencer a dar uma festa no dia que eu volto de uma turnê mundial. Só de pensar em ter que me arrumar e cumprimentar uma dezena de pessoas, ser simpático e me manter acordado, pular de uma ponte nunca me pareceu tão atraente. Eu ainda estava no aeroporto e só conseguia pensar em dormir por uma semana, mas em vez disso, eu teria que me arrumar e socializar. Será que se eu falasse que perdi meu voo e ainda estava na África do Sul acreditariam? Provavelmente não.
- Deixa de ser chato, cara. Vai ser irado!! - Ashton gritou sacudindo meus ombros, o que só aumentou meu mau humor e me fez querer dar um soco nele.
- Ashton, como você tá animado desse jeito? A gente acabou de passar vinte horas dentro de um avião!
- Exatamente. Pela primeira vez em quatro meses, eu dormi por mais de seis horas. Eu estou eufórico, isso sim.
- Você é doente.
- Fala sério, , as meninas fizeram o maior esforço pra organizar tudo. Vai ser maneiro - Calum tentou me animar, mas não ia dar certo, eu estava decidido a reclamar de tudo.
- Eu to fazendo 30 anos, nada mais me deixa animado.
- Espera só até você ver o que te espera… - Ashton falou com um sorriso de lado
- Como assim?
- Um bolo! - Michael gritou parecendo ainda mais empolgado que Ashton - A Jane conseguiu um bolo incrível, deu um trabalhão pra conseguir.
- Trabalhão? - De repente parecia que os dois estavam sob efeito de álcool e eu não estava entendendo nada. - Que porra de bolo é esse?
- Um muito difícil de achar, isso com certeza. Ainda mais difícil de conseguir levar pra sua festa.
- A Jane sofreu, coitada - Aquela conversa estava indo ladeira abaixo pra mim.
- Sofreu pra conseguir um bolo? Porque ela mesma não fez? Adoro os bolos da Jane.
- Esse é diferente – Ashton falou se divertindo com a minha confusão – não tinha como a Jane fazer.
- Relaxa, que você vai gostar - Calum falou cortando os outros dois.
- Eu só sei que é gostoso, pra caralho - Ashton acrescentou, mas levou um soco de Michael. - Quer dizer, saber não sei, nunca comi.
- Ashton, cala a boca, por favor.
- Qual é o problema de vocês? Eu realmente preferia comemorar só com a gente, com pizza e cerveja. Não precisava desse show todo.
- Até parece que as suas mães iam deixar isso.
- Eu já não gosto de comemorar aniversário, porque, justamente nos meus 30 anos vocês foram montar esse circo? - eu podia sentir a paciência se esvaindo pelo meu corpo.
- Credo! Nós três já passamos dessa fase, só faltava você - Michael completou.
- Se vocês estão tão empolgados, fiquem à vontade pra aproveitar a festa sem mim, eu vou dormir.
- Ah, mas você não vai mesmo - Calum levantou a voz e eu até levei um susto - A Jane vai comer o meu cu se eu aparecer lá sem você depois do trabalho que ela teve.
- A Jane nunca faria uma coisa dessas - respondi tentando não visualizar a cena.
- Olha, já está fazendo piadinha… que bom. Agora vamos logo.
Sem querer correr o risco de eu acabar pegando no sono e perder aquela festança que estavam preparando, Calum me obrigou a me arrumar na casa dele. Stella, assim como todo mundo, estava mais empolgada que eu. Seu barrigão de quase oito meses de gravidez parecia a ponto de estourar, mesmo assim ela parecia pronta para uma festa de gala, com um vestido todo brilhoso e um salto alto demais para alguém carregando dois mini seres humanos na barriga. Nunca notei muito a mudança em grávidas, mas olhando para Stella, entendi por que diziam que elas ficam diferentes e iluminadas. Minha comadre estava radiante, lindíssima, super maquiada e com joias que pagariam todas as minhas contas por alguns meses. Eu achei tudo muito exagerado e piorou quando vi a roupa que ela tinha separado pra mim.
- Que porra é essa? - perguntei saindo do quarto segurando o cabide com o terno e a calça. - Pra que essa roupa?
- Como assim, pra que? Pra sua festa.
- Eu não vou usar isso. Prefiro ir com essa roupa mesmo - apontei pro que eu estava usando. Calça jeans, uma camiseta e um tênis rasgado que já estava pedindo arrego.
- Mas não vai mesmo! Você pediu uma festa pequena, então nós tomamos a liberdade de organizar uma coisa com mais classe.
- Eu pedi uma festa pequena e simples, com ênfase no simples!
- Bem, você não estava aqui pra ajudar, então vai ter que se contentar com o que fizemos.
- Stella…
- , não adianta discutir. São seus 30 anos, uma festinha um pouco menos esculhambada como as que vocês estão acostumados não vai fazer mal a ninguém.
- Eu gosto das nossas festas esculhambadas.
- Tudo bem, você pode organizar uma qualquer outra hora. Agora tem uma festa linda, prontinha e, para sua informação, tanto a Jane quanto às suas mães adoraram.
- Óbvio, elas têm 60 anos!
- , eu estou a ponto de parir e estou toda empaquetada para essa festa, você não quer discutir comigo - falou irritada e virou as costas antes que eu conseguisse responder. Eu me sentia fantasiado dentro daquela roupa, mas aceitei, não tive outra opção.
No fim das contas, Stella tinha razão, eram meus 30 anos e elas tinham se esforçado para organizar uma festa pra mim e eu não podia reclamar.
Quando chegamos, a casa alugada para a festa já estava cheia. O lugar era incrível. As pilastras formavam um pilotis sustentando a estrutura e se misturando ao gramado e a área da piscina, e a arquitetura aberta permitia que os convidados observassem a vista de Los Angeles de qualquer lugar do terreno. E que vista…
Junto a todas as pessoas eu não me sentia mais tão ridículo, todos estavam igualmente arrumados. A festa não era tão pequena quanto Stella tinha dado a entender, deviam ter pelo menos umas 60 pessoas ali, e todas fizeram questão de vir me cumprimentar, parabenizar, fazer piadinhas sobre a chegada dos 30, etc.
- Meu amor, você está tão lindo - minhas mães chegaram e Olívia logo depositou um beijo no meu rosto, daqueles que deixam uma grande marca de batom. E não deu outra, ela se afastou apenas pra limpar a marca vermelha da minha bochecha. - Eu estava com tanta saudade, meu filho.
- Feliz aniversário, filho. - foi a vez de Ângela me manchar de batom - Meu bebê está com 30 anos! Eu nem consigo acreditar.
- Nem eu - respondi as fazendo rir.
- Continua um gato - Jane se juntou a nós me abraçando. - E aí, está feliz? Gostou da festa?
- Amei - não era mentira exatamente, talvez um exagero - Está tudo lindo, vocês mandaram muito bem.
- Eu ajudei um pouquinho, mas o trabalho pesado ficou com a Stella e a Julia. Aquelas duas são muito empolgadas.
- Disso eu não tenho dúvidas.
- Mas me diz uma coisa - Ângela falou se aproximando do meu ouvido quase sussurrando - É verdade mesmo que o Ashton vai casar?
- Por incrível que pareça, é verdade.
- Quando a Julia me mostrou o anel, eu quase não acreditei.
- Então somos dois - falei rindo - mas ele está muito animado. Só fala nesse bendito casamento.
- E você? - perguntou casualmente.
- O que tem eu?
- Rodou o mundo todo e não conheceu ninguém especial?
- Eu conheci muita gente especial, aliás, foi a senhora que me ensinou que todo mundo é especial à sua maneira - falei debochado.
- Que engraçadinho, mas não é disso…
- Eu sei, eu sei. Mas eu não estou namorando, nem noivo, muito menos pretendo me casar.
- É uma pena, eu estou ansiosíssima pelos meus netos - Olívia se lamentou sem perder o humor.
- Boa piada, mãe, mas essa parte ainda vai demorar muito. Eu não estou pretendendo… - minha fala foi interrompida por alguém que fez o favor de derramar algum drink colorido na minha roupa. Um favor de verdade. Eu queria uma desculpa para tirar aquele terno desde que saímos de casa, mas o choque que tomou conta de mim me impediu de falar qualquer coisa.
Por um minuto eu não acreditei no que estava vendo e achei que meus olhos estavam me pregando uma peça, mas o cheiro de canela me convenceu que era real.
Eu e tínhamos combinado de nos falar regularmente e de nos visitarmos sempre que possível, mas o universo não ajudou e nunca foi possível. Nossas conversas por vídeo chamada foram ficando cada vez mais raras e mais corridas. Ele começou a viajar muito, eu comecei a trabalhar demais e os horários não batiam. Em um ano, nossas conversas viraram apenas breves planos para conversar. “Quando puder me liga”, “mais tarde a gente conversa melhor”, “vamos marcar uma vídeo-chamada”. Marcamos muito, mas as chamadas pararam de acontecer. Não foi culpa de ninguém, só aconteceu.
Meus trabalhos no Canadá foram aumentando, um emendou no outro e eu fui ficando por lá. Fazendo novos contatos, aprendendo sobre a indústria e ganhando bagagem profissional em um ambiente diferente da fábrica musical que é a Califórnia. Isso até três semanas atrás.
Eu tinha acabado de finalizar um contrato, entreguei toda uma mixagem de som para um álbum vitrine de um cantor novo de lá, e depois de quatro anos em uma maré de novas oportunidades, eu estava prestes a me ver sem nenhum projeto à frente. Isso até meu telefone tocar com o nome do Samuel brilhando na tela. Eu estava gostando da minha vida no Canadá, mas trabalho era uma coisa que eu não podia recusar, então lá fui eu, fazer minhas malas de novo. De volta a Los Angeles...
A minha vontade era óbvia. Eu queria voltar para aquele mesmo apartamento, ligar pras meninas, sentar no chão com meia dúzia de garrafas de vinho e colocar pra fora tudo que cancelaria os últimos anos longe, e foi exatamente isso que aconteceu, tirando o fato de que meu apartamento não era mais meu, demorou uma semana até que todas pudessem se reunir, a Stella não pode beber e eu percebi que no meu tempo longe, eu perdi mais coisas do que esperava.
- Você vai casar?! - perguntei assustada olhando aquele anel enorme.
- Não é incrível? - Julia falou empolgadíssima sacudindo o diamante no dedo.
- Com toda certeza. E todo aquele papo sobre não acreditar em casamento, ser tudo uma invenção da igreja, felicidade não se acha no cartório, etc, etc?
- Eu era sincera quando falava isso, mas mudei. É proibido?
- Claro que não! Se estamos vivas é pra mudar e evoluir - falei segurando sua mão pra poder examinar a joia mais de perto.
- E você, ? - Stella perguntou sentando-se do meu lado, acompanhada por aquele barrigão - Como anda seu coração?
- Calmo, alguns passageiros, mas ninguém estacionado - falei rindo. Eu sabia muito bem onde ela queria chegar.
- Você tem falado com o ?
- Não - falei baixando a cabeça. Eu já tinha superado essa história, mas ainda era difícil perceber como deixamos tudo acabar. De certa forma eu me sentia mais responsável por isso.
Chegou um momento em que eu sentia que estava sendo injusta com ele. Eu não podia estar perto, não conseguíamos ficar juntos, mas ele também não ficava com nenhuma outra pessoa. As notícias nos Instagrams de fofoca diziam que ele saia cedo dos bares, não era visto com nenhuma mulher e evitava ir às festas. Não que isso me desagradasse, parecia ótimo que ele estava me esperando, mas eu não sabia por quanto tempo aquilo iria durar. Então, depois de um tempo eu comecei a me afastar.
A ideia era manter apenas a amizade, eu não queria realmente cortá-lo da minha vida e perder contato, mas não deu certo.
- Semana que vem tem a festa dele - Helena falou. - Você vai, né?
- Não sei. A Jane me mandou o convite e umas vinte mensagens perguntando se eu iria, mas acho que não.
- Porque não?! - as três perguntaram em uníssono.
- Por que sim? A gente não se fala há anos, não seria meio estranho eu aparecer do nada na festa de aniversário dele?
- Óbvio que não! - Julia falou quase pulando no meu pescoço.
- Amiga, você tem que ir! - Stella parecia a ponto de parir na minha frente. - É o momento perfeito pra vocês se reencontrarem.
- Ele sabe que eu voltei? Que eu fui convidada pra essa festa?
- Claro que sim! - Julia respondeu, mas eu sabia que não podia confiar.
- Gente, essas surpresas nunca dão certo. Se ele não souber, eu não vou!
- Ele sabe! - foi a vez da Stella tentar me convencer, mas eu ainda precisava da confirmação da Helena, então fiquei a encarando até que ela me respondesse.
- Vai, . Não vai dar errado, juro.
A minha cabeça continuou girando em torno disso até o dia da festa e a própria Jane foi bater na minha porta pra garantir que eu não mudaria de ideia. Mesmo assim, chegando lá e vendo toda aquela gente arrumada naquela casa enorme, meu primeiro ímpeto foi dar meia volta.
- Você não é nem maluca de sair daqui sem falar com o aniversariante antes - Julia segurou meu pulso e me entregou um copo com um líquido azul claro dentro, enquanto me puxava para dentro da festa.
- Ju, eu acho que isso não foi uma boa ideia, a gente não se fala há muito tempo.
- Nada comparado ao resto da vida - continuou me arrastando para o meio do gramado. Eu estava usando um vestido esmeralda curto com um tecido meio brilhoso e mais apertado do que eu estava acostumada, mesmo assim, era bastante confortável, o que atrapalhava mesmo era o salto alto, que insistia em afundar na grama… eu ia acabar perdendo um dos pés.
- Julia, não inventa, me deixa ir, por favor.
- De jeito nenhum. A Jane come o meu cu se souber que eu deixei você fugir.
- A Jane nunca faria uma coisa dessas - falei achando graça da minha própria piada, mas ela não achou tão engraçado assim e fez o favor de me empurrar e, o movimento que deveria ser leve e inofensivo, se juntou ao meu desequilíbrio causado pelos calçados perigosos e me fez fazer a maior lambança derramando bebida no cara do meu lado.
A minha vontade de ir embora quadruplicou e tudo que eu queria fazer era cavar um buraco para me enterrar e fugir daquela vergonha, mas quando levantei a cabeça para examinar o estrago e pedir desculpas, percebi que não era um cara qualquer ali. Eu estava tão nervosa querendo fugir que nem percebi de quem me aproximava. Vê-lo ali foi uma mistura de pânico com euforia. Eu não sabia nem como reagir.
- Essa foi a vingança pelo seu vestido? - perguntou me encarando com aqueles olhos esverdeados que me fizeram tanta falta e que deixavam minhas pernas ainda mais bambas.
- Seria uma vingança muito injusta. O meu vestido não devia custar nem um terço do que custa esse seu terno.
- Naquela noite você me obrigou a te dar a minha camisa, eu devia te obrigar a me dar esse seu vestido agora - falou com um sorriso sacana de lado.
- Você não perde uma oportunidade mesmo, né?
- Nunca.
Ele me puxou para um abraço que teria me derrubado no chão se não fosse por seus braços me segurando. Eu ainda não acreditava que estava ali. Depois de quatro anos eu finalmente estava sentindo o calor de de novo. Segurei minha tendência a passar vergonha e me controlei para não deixar nenhuma lágrima cair. Estavam todos nos olhando.
Parecia aquele reencontro de filmes de comédia romântica onde todas as pessoas na rua param para observar e aplaudir o casal que ficou junto no final. Pra minha sorte os convidados se controlaram, ninguém aplaudiu e logo trataram de fingir que não prestavam mais atenção. Por incrível que fosse, até a Jane desviou o olhar e Julia se juntou a ela para esconder a curiosidade.
Senti meu rosto esquentar pela atenção e devo ter ficado vermelha já que logo segurou minha mão me levando para longe do epicentro da festa.
Sentamos em um banco afastado de todos e por alguns minutos não falamos nada. O encontro pegou os dois de surpresa e precisamos de um tempo para assimilar o que estava acontecendo. Um minuto, talvez dois de silêncio e depois nunca mais. De uma vez só nós colocamos os quatro anos na nossa frente e nos atualizamos sobre tudo. Eu falei sobre o meu trabalho, sobre as pessoas que conheci e como eu aprendi sobre tanta coisa diferente. Falei sobre o filme, sobre as músicas e os atores que participaram.
- O Hugh Jackman e o Zac Efron são os protagonistas, eles são demais. E a Zendaya é uma fofa, ela canta muito bem. A Michelle Williams também, eu nem sabia que ela cantava, mas é ótima.
Falei sobre como foi o processo do Bill Condon, e como a equipe era incrível e me ensinou tanto, e ele nem piscou prestando atenção.
Às vezes algumas pessoas se aproximavam para cumprimentá-lo ou para servir alguma comida ou bebida, e mais tarde para parabenizar pela festa e se despedir, mas nós não levantamos em nenhum momento. Se cantar parabéns estava no cronograma da festa, Julia e Stella abriram mão disso e nem ousaram nos interromper.
Ele me contou sobre a nova gravadora e como estava sendo diferente trabalhar com novos produtores. O Samuel acabou se desentendendo com algumas pessoas da diretoria, e como eles não queriam mudar de empresário, mudaram de gravadora e estavam muito contentes e satisfeitos com a novidade. Sem contar que a banda crescia exponencialmente. Suas músicas vendiam que nem água, e agora eles eram genuinamente conhecidos no mundo inteiro.
Eles estavam se aprofundando nas letras e até escrevendo para outros cantores. Estavam cheios de colaborações e uma fila de artistas querendo fazer músicas com eles. Eu sabia que a Jungle Roots era sensacional, mesmo de longe continuei acompanhando tudo, mas o que ele estava me contando chegava em outro nível. Era impressionante.
- A gente conheceu o Jay-Z e a Beyoncé. A Blue é fã da banda.
Eles estavam em outro patamar. Se apresentaram no Grammy, compuseram junto com o Chris Martin e iam lançar uma parceria com o Leon Bridges. Essa informação quase me fez cair pra trás e ele morreu de rir.
Os quatro anos já tinham se resumido a pó. A saudade deu lugar a empolgação e a estranheza deu lugar a certeza e a cumplicidade. 26 ou 30 anos, tanto faz, ele era o mesmo de sempre.
- Eu senti sua falta, coisa linda - ele falou se inclinando para trás quando deitei a cabeça em seu colo. O dia começava a clarear, o sol dava os primeiros sinais que que ia sair e o céu estava começando a ser dominado por tons de rosa e laranja.
- Eu também senti sua falta, bonito.
- E agora?
- O que tem agora? - perguntei deixando escapar um sorriso.
- Acabaram as férias? - ele perguntou relutante, com um pouco de medo no olhar.
Aquele frio na barriga era tão bom quando causado por ele, eu quase tinha me esquecido, mas não consegui. Eu fiquei sozinha, cresci, mudei, me redescobri, me reinventei e agora estava de volta e, aqueles olhos e o sorriso safado surgindo no canto da boca continuavam tentadores e extremamente convidativos. Não tinha como escapar, eu não queria escapar. Nunca mais.
- Definitivamente - me sentei virada pra ele e foi a minha vez de beijá-lo como se não houvesse amanhã, mas para minha alegria e felicidade geral da nação, eu tinha certeza de que o nosso futuro estava só começando.
4 anos depois…
Minha cabeça está explodindo, mal consigo abrir os olhos de cansaço, tudo o que eu queria era ir pra casa, tomar um banho de banheira cair na cama sem hora pra acordar. Infelizmente, eu não tenho banheira e meus amigos não querem me deixar ir pra casa por causa da maldita festa de aniversário que estão fazendo pra mim. Só a Jane para me convencer a dar uma festa no dia que eu volto de uma turnê mundial. Só de pensar em ter que me arrumar e cumprimentar uma dezena de pessoas, ser simpático e me manter acordado, pular de uma ponte nunca me pareceu tão atraente. Eu ainda estava no aeroporto e só conseguia pensar em dormir por uma semana, mas em vez disso, eu teria que me arrumar e socializar. Será que se eu falasse que perdi meu voo e ainda estava na África do Sul acreditariam? Provavelmente não.
- Deixa de ser chato, cara. Vai ser irado!! - Ashton gritou sacudindo meus ombros, o que só aumentou meu mau humor e me fez querer dar um soco nele.
- Ashton, como você tá animado desse jeito? A gente acabou de passar vinte horas dentro de um avião!
- Exatamente. Pela primeira vez em quatro meses, eu dormi por mais de seis horas. Eu estou eufórico, isso sim.
- Você é doente.
- Fala sério, , as meninas fizeram o maior esforço pra organizar tudo. Vai ser maneiro - Calum tentou me animar, mas não ia dar certo, eu estava decidido a reclamar de tudo.
- Eu to fazendo 30 anos, nada mais me deixa animado.
- Espera só até você ver o que te espera… - Ashton falou com um sorriso de lado
- Como assim?
- Um bolo! - Michael gritou parecendo ainda mais empolgado que Ashton - A Jane conseguiu um bolo incrível, deu um trabalhão pra conseguir.
- Trabalhão? - De repente parecia que os dois estavam sob efeito de álcool e eu não estava entendendo nada. - Que porra de bolo é esse?
- Um muito difícil de achar, isso com certeza. Ainda mais difícil de conseguir levar pra sua festa.
- A Jane sofreu, coitada - Aquela conversa estava indo ladeira abaixo pra mim.
- Sofreu pra conseguir um bolo? Porque ela mesma não fez? Adoro os bolos da Jane.
- Esse é diferente – Ashton falou se divertindo com a minha confusão – não tinha como a Jane fazer.
- Relaxa, que você vai gostar - Calum falou cortando os outros dois.
- Eu só sei que é gostoso, pra caralho - Ashton acrescentou, mas levou um soco de Michael. - Quer dizer, saber não sei, nunca comi.
- Ashton, cala a boca, por favor.
- Qual é o problema de vocês? Eu realmente preferia comemorar só com a gente, com pizza e cerveja. Não precisava desse show todo.
- Até parece que as suas mães iam deixar isso.
- Eu já não gosto de comemorar aniversário, porque, justamente nos meus 30 anos vocês foram montar esse circo? - eu podia sentir a paciência se esvaindo pelo meu corpo.
- Credo! Nós três já passamos dessa fase, só faltava você - Michael completou.
- Se vocês estão tão empolgados, fiquem à vontade pra aproveitar a festa sem mim, eu vou dormir.
- Ah, mas você não vai mesmo - Calum levantou a voz e eu até levei um susto - A Jane vai comer o meu cu se eu aparecer lá sem você depois do trabalho que ela teve.
- A Jane nunca faria uma coisa dessas - respondi tentando não visualizar a cena.
- Olha, já está fazendo piadinha… que bom. Agora vamos logo.
Sem querer correr o risco de eu acabar pegando no sono e perder aquela festança que estavam preparando, Calum me obrigou a me arrumar na casa dele. Stella, assim como todo mundo, estava mais empolgada que eu. Seu barrigão de quase oito meses de gravidez parecia a ponto de estourar, mesmo assim ela parecia pronta para uma festa de gala, com um vestido todo brilhoso e um salto alto demais para alguém carregando dois mini seres humanos na barriga. Nunca notei muito a mudança em grávidas, mas olhando para Stella, entendi por que diziam que elas ficam diferentes e iluminadas. Minha comadre estava radiante, lindíssima, super maquiada e com joias que pagariam todas as minhas contas por alguns meses. Eu achei tudo muito exagerado e piorou quando vi a roupa que ela tinha separado pra mim.
- Que porra é essa? - perguntei saindo do quarto segurando o cabide com o terno e a calça. - Pra que essa roupa?
- Como assim, pra que? Pra sua festa.
- Eu não vou usar isso. Prefiro ir com essa roupa mesmo - apontei pro que eu estava usando. Calça jeans, uma camiseta e um tênis rasgado que já estava pedindo arrego.
- Mas não vai mesmo! Você pediu uma festa pequena, então nós tomamos a liberdade de organizar uma coisa com mais classe.
- Eu pedi uma festa pequena e simples, com ênfase no simples!
- Bem, você não estava aqui pra ajudar, então vai ter que se contentar com o que fizemos.
- Stella…
- , não adianta discutir. São seus 30 anos, uma festinha um pouco menos esculhambada como as que vocês estão acostumados não vai fazer mal a ninguém.
- Eu gosto das nossas festas esculhambadas.
- Tudo bem, você pode organizar uma qualquer outra hora. Agora tem uma festa linda, prontinha e, para sua informação, tanto a Jane quanto às suas mães adoraram.
- Óbvio, elas têm 60 anos!
- , eu estou a ponto de parir e estou toda empaquetada para essa festa, você não quer discutir comigo - falou irritada e virou as costas antes que eu conseguisse responder. Eu me sentia fantasiado dentro daquela roupa, mas aceitei, não tive outra opção.
No fim das contas, Stella tinha razão, eram meus 30 anos e elas tinham se esforçado para organizar uma festa pra mim e eu não podia reclamar.
Quando chegamos, a casa alugada para a festa já estava cheia. O lugar era incrível. As pilastras formavam um pilotis sustentando a estrutura e se misturando ao gramado e a área da piscina, e a arquitetura aberta permitia que os convidados observassem a vista de Los Angeles de qualquer lugar do terreno. E que vista…
Junto a todas as pessoas eu não me sentia mais tão ridículo, todos estavam igualmente arrumados. A festa não era tão pequena quanto Stella tinha dado a entender, deviam ter pelo menos umas 60 pessoas ali, e todas fizeram questão de vir me cumprimentar, parabenizar, fazer piadinhas sobre a chegada dos 30, etc.
- Meu amor, você está tão lindo - minhas mães chegaram e Olívia logo depositou um beijo no meu rosto, daqueles que deixam uma grande marca de batom. E não deu outra, ela se afastou apenas pra limpar a marca vermelha da minha bochecha. - Eu estava com tanta saudade, meu filho.
- Feliz aniversário, filho. - foi a vez de Ângela me manchar de batom - Meu bebê está com 30 anos! Eu nem consigo acreditar.
- Nem eu - respondi as fazendo rir.
- Continua um gato - Jane se juntou a nós me abraçando. - E aí, está feliz? Gostou da festa?
- Amei - não era mentira exatamente, talvez um exagero - Está tudo lindo, vocês mandaram muito bem.
- Eu ajudei um pouquinho, mas o trabalho pesado ficou com a Stella e a Julia. Aquelas duas são muito empolgadas.
- Disso eu não tenho dúvidas.
- Mas me diz uma coisa - Ângela falou se aproximando do meu ouvido quase sussurrando - É verdade mesmo que o Ashton vai casar?
- Por incrível que pareça, é verdade.
- Quando a Julia me mostrou o anel, eu quase não acreditei.
- Então somos dois - falei rindo - mas ele está muito animado. Só fala nesse bendito casamento.
- E você? - perguntou casualmente.
- O que tem eu?
- Rodou o mundo todo e não conheceu ninguém especial?
- Eu conheci muita gente especial, aliás, foi a senhora que me ensinou que todo mundo é especial à sua maneira - falei debochado.
- Que engraçadinho, mas não é disso…
- Eu sei, eu sei. Mas eu não estou namorando, nem noivo, muito menos pretendo me casar.
- É uma pena, eu estou ansiosíssima pelos meus netos - Olívia se lamentou sem perder o humor.
- Boa piada, mãe, mas essa parte ainda vai demorar muito. Eu não estou pretendendo… - minha fala foi interrompida por alguém que fez o favor de derramar algum drink colorido na minha roupa. Um favor de verdade. Eu queria uma desculpa para tirar aquele terno desde que saímos de casa, mas o choque que tomou conta de mim me impediu de falar qualquer coisa.
Por um minuto eu não acreditei no que estava vendo e achei que meus olhos estavam me pregando uma peça, mas o cheiro de canela me convenceu que era real.
Eu e tínhamos combinado de nos falar regularmente e de nos visitarmos sempre que possível, mas o universo não ajudou e nunca foi possível. Nossas conversas por vídeo chamada foram ficando cada vez mais raras e mais corridas. Ele começou a viajar muito, eu comecei a trabalhar demais e os horários não batiam. Em um ano, nossas conversas viraram apenas breves planos para conversar. “Quando puder me liga”, “mais tarde a gente conversa melhor”, “vamos marcar uma vídeo-chamada”. Marcamos muito, mas as chamadas pararam de acontecer. Não foi culpa de ninguém, só aconteceu.
Meus trabalhos no Canadá foram aumentando, um emendou no outro e eu fui ficando por lá. Fazendo novos contatos, aprendendo sobre a indústria e ganhando bagagem profissional em um ambiente diferente da fábrica musical que é a Califórnia. Isso até três semanas atrás.
Eu tinha acabado de finalizar um contrato, entreguei toda uma mixagem de som para um álbum vitrine de um cantor novo de lá, e depois de quatro anos em uma maré de novas oportunidades, eu estava prestes a me ver sem nenhum projeto à frente. Isso até meu telefone tocar com o nome do Samuel brilhando na tela. Eu estava gostando da minha vida no Canadá, mas trabalho era uma coisa que eu não podia recusar, então lá fui eu, fazer minhas malas de novo. De volta a Los Angeles...
A minha vontade era óbvia. Eu queria voltar para aquele mesmo apartamento, ligar pras meninas, sentar no chão com meia dúzia de garrafas de vinho e colocar pra fora tudo que cancelaria os últimos anos longe, e foi exatamente isso que aconteceu, tirando o fato de que meu apartamento não era mais meu, demorou uma semana até que todas pudessem se reunir, a Stella não pode beber e eu percebi que no meu tempo longe, eu perdi mais coisas do que esperava.
- Você vai casar?! - perguntei assustada olhando aquele anel enorme.
- Não é incrível? - Julia falou empolgadíssima sacudindo o diamante no dedo.
- Com toda certeza. E todo aquele papo sobre não acreditar em casamento, ser tudo uma invenção da igreja, felicidade não se acha no cartório, etc, etc?
- Eu era sincera quando falava isso, mas mudei. É proibido?
- Claro que não! Se estamos vivas é pra mudar e evoluir - falei segurando sua mão pra poder examinar a joia mais de perto.
- E você, ? - Stella perguntou sentando-se do meu lado, acompanhada por aquele barrigão - Como anda seu coração?
- Calmo, alguns passageiros, mas ninguém estacionado - falei rindo. Eu sabia muito bem onde ela queria chegar.
- Você tem falado com o ?
- Não - falei baixando a cabeça. Eu já tinha superado essa história, mas ainda era difícil perceber como deixamos tudo acabar. De certa forma eu me sentia mais responsável por isso.
Chegou um momento em que eu sentia que estava sendo injusta com ele. Eu não podia estar perto, não conseguíamos ficar juntos, mas ele também não ficava com nenhuma outra pessoa. As notícias nos Instagrams de fofoca diziam que ele saia cedo dos bares, não era visto com nenhuma mulher e evitava ir às festas. Não que isso me desagradasse, parecia ótimo que ele estava me esperando, mas eu não sabia por quanto tempo aquilo iria durar. Então, depois de um tempo eu comecei a me afastar.
A ideia era manter apenas a amizade, eu não queria realmente cortá-lo da minha vida e perder contato, mas não deu certo.
- Semana que vem tem a festa dele - Helena falou. - Você vai, né?
- Não sei. A Jane me mandou o convite e umas vinte mensagens perguntando se eu iria, mas acho que não.
- Porque não?! - as três perguntaram em uníssono.
- Por que sim? A gente não se fala há anos, não seria meio estranho eu aparecer do nada na festa de aniversário dele?
- Óbvio que não! - Julia falou quase pulando no meu pescoço.
- Amiga, você tem que ir! - Stella parecia a ponto de parir na minha frente. - É o momento perfeito pra vocês se reencontrarem.
- Ele sabe que eu voltei? Que eu fui convidada pra essa festa?
- Claro que sim! - Julia respondeu, mas eu sabia que não podia confiar.
- Gente, essas surpresas nunca dão certo. Se ele não souber, eu não vou!
- Ele sabe! - foi a vez da Stella tentar me convencer, mas eu ainda precisava da confirmação da Helena, então fiquei a encarando até que ela me respondesse.
- Vai, . Não vai dar errado, juro.
A minha cabeça continuou girando em torno disso até o dia da festa e a própria Jane foi bater na minha porta pra garantir que eu não mudaria de ideia. Mesmo assim, chegando lá e vendo toda aquela gente arrumada naquela casa enorme, meu primeiro ímpeto foi dar meia volta.
- Você não é nem maluca de sair daqui sem falar com o aniversariante antes - Julia segurou meu pulso e me entregou um copo com um líquido azul claro dentro, enquanto me puxava para dentro da festa.
- Ju, eu acho que isso não foi uma boa ideia, a gente não se fala há muito tempo.
- Nada comparado ao resto da vida - continuou me arrastando para o meio do gramado. Eu estava usando um vestido esmeralda curto com um tecido meio brilhoso e mais apertado do que eu estava acostumada, mesmo assim, era bastante confortável, o que atrapalhava mesmo era o salto alto, que insistia em afundar na grama… eu ia acabar perdendo um dos pés.
- Julia, não inventa, me deixa ir, por favor.
- De jeito nenhum. A Jane come o meu cu se souber que eu deixei você fugir.
- A Jane nunca faria uma coisa dessas - falei achando graça da minha própria piada, mas ela não achou tão engraçado assim e fez o favor de me empurrar e, o movimento que deveria ser leve e inofensivo, se juntou ao meu desequilíbrio causado pelos calçados perigosos e me fez fazer a maior lambança derramando bebida no cara do meu lado.
A minha vontade de ir embora quadruplicou e tudo que eu queria fazer era cavar um buraco para me enterrar e fugir daquela vergonha, mas quando levantei a cabeça para examinar o estrago e pedir desculpas, percebi que não era um cara qualquer ali. Eu estava tão nervosa querendo fugir que nem percebi de quem me aproximava. Vê-lo ali foi uma mistura de pânico com euforia. Eu não sabia nem como reagir.
- Essa foi a vingança pelo seu vestido? - perguntou me encarando com aqueles olhos esverdeados que me fizeram tanta falta e que deixavam minhas pernas ainda mais bambas.
- Seria uma vingança muito injusta. O meu vestido não devia custar nem um terço do que custa esse seu terno.
- Naquela noite você me obrigou a te dar a minha camisa, eu devia te obrigar a me dar esse seu vestido agora - falou com um sorriso sacana de lado.
- Você não perde uma oportunidade mesmo, né?
- Nunca.
Ele me puxou para um abraço que teria me derrubado no chão se não fosse por seus braços me segurando. Eu ainda não acreditava que estava ali. Depois de quatro anos eu finalmente estava sentindo o calor de de novo. Segurei minha tendência a passar vergonha e me controlei para não deixar nenhuma lágrima cair. Estavam todos nos olhando.
Parecia aquele reencontro de filmes de comédia romântica onde todas as pessoas na rua param para observar e aplaudir o casal que ficou junto no final. Pra minha sorte os convidados se controlaram, ninguém aplaudiu e logo trataram de fingir que não prestavam mais atenção. Por incrível que fosse, até a Jane desviou o olhar e Julia se juntou a ela para esconder a curiosidade.
Senti meu rosto esquentar pela atenção e devo ter ficado vermelha já que logo segurou minha mão me levando para longe do epicentro da festa.
Sentamos em um banco afastado de todos e por alguns minutos não falamos nada. O encontro pegou os dois de surpresa e precisamos de um tempo para assimilar o que estava acontecendo. Um minuto, talvez dois de silêncio e depois nunca mais. De uma vez só nós colocamos os quatro anos na nossa frente e nos atualizamos sobre tudo. Eu falei sobre o meu trabalho, sobre as pessoas que conheci e como eu aprendi sobre tanta coisa diferente. Falei sobre o filme, sobre as músicas e os atores que participaram.
- O Hugh Jackman e o Zac Efron são os protagonistas, eles são demais. E a Zendaya é uma fofa, ela canta muito bem. A Michelle Williams também, eu nem sabia que ela cantava, mas é ótima.
Falei sobre como foi o processo do Bill Condon, e como a equipe era incrível e me ensinou tanto, e ele nem piscou prestando atenção.
Às vezes algumas pessoas se aproximavam para cumprimentá-lo ou para servir alguma comida ou bebida, e mais tarde para parabenizar pela festa e se despedir, mas nós não levantamos em nenhum momento. Se cantar parabéns estava no cronograma da festa, Julia e Stella abriram mão disso e nem ousaram nos interromper.
Ele me contou sobre a nova gravadora e como estava sendo diferente trabalhar com novos produtores. O Samuel acabou se desentendendo com algumas pessoas da diretoria, e como eles não queriam mudar de empresário, mudaram de gravadora e estavam muito contentes e satisfeitos com a novidade. Sem contar que a banda crescia exponencialmente. Suas músicas vendiam que nem água, e agora eles eram genuinamente conhecidos no mundo inteiro.
Eles estavam se aprofundando nas letras e até escrevendo para outros cantores. Estavam cheios de colaborações e uma fila de artistas querendo fazer músicas com eles. Eu sabia que a Jungle Roots era sensacional, mesmo de longe continuei acompanhando tudo, mas o que ele estava me contando chegava em outro nível. Era impressionante.
- A gente conheceu o Jay-Z e a Beyoncé. A Blue é fã da banda.
Eles estavam em outro patamar. Se apresentaram no Grammy, compuseram junto com o Chris Martin e iam lançar uma parceria com o Leon Bridges. Essa informação quase me fez cair pra trás e ele morreu de rir.
Os quatro anos já tinham se resumido a pó. A saudade deu lugar a empolgação e a estranheza deu lugar a certeza e a cumplicidade. 26 ou 30 anos, tanto faz, ele era o mesmo de sempre.
- Eu senti sua falta, coisa linda - ele falou se inclinando para trás quando deitei a cabeça em seu colo. O dia começava a clarear, o sol dava os primeiros sinais que que ia sair e o céu estava começando a ser dominado por tons de rosa e laranja.
- Eu também senti sua falta, bonito.
- E agora?
- O que tem agora? - perguntei deixando escapar um sorriso.
- Acabaram as férias? - ele perguntou relutante, com um pouco de medo no olhar.
Aquele frio na barriga era tão bom quando causado por ele, eu quase tinha me esquecido, mas não consegui. Eu fiquei sozinha, cresci, mudei, me redescobri, me reinventei e agora estava de volta e, aqueles olhos e o sorriso safado surgindo no canto da boca continuavam tentadores e extremamente convidativos. Não tinha como escapar, eu não queria escapar. Nunca mais.
- Definitivamente - me sentei virada pra ele e foi a minha vez de beijá-lo como se não houvesse amanhã, mas para minha alegria e felicidade geral da nação, eu tinha certeza de que o nosso futuro estava só começando.
Fim
Nota da autora: Oii, chuchus, depois de tanto tempo, estamos de volta. Me desculpem pela demora, a vida do lado de cá estava meio enrolada, mas eu quis pelo menos trazer um último capítulo e despedida dessa nossa jornada. Muito muito muito obrigada a quem acompanhou. Essa foi a minha primeiro fic e vai ser guardada com muito amor. Comentem por favor o que acharam, e se quiserem, sugestões para histórias futuras, o que vocês gostam de ler, etc, etc.
Obrigada por tudo coisas lindas ;)
Caixinha de comentários:O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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