CAPÍTULOS: [Capítulo Único]





My Biggest Desire






Capítulo Único


Eu não podia mais me olhar no espelho sem que as inúmeras vozes da minha cabeça aparecessem. "Assassino". Era isso que diziam; não importa se aos sussurros ou berros, elas não paravam de repetir. Minha sanidade era perdida a cada acusação lançada a mim, como um tiro à queima roupa. Queria que elas parassem, mas não tinha forças para protestar, sendo que eu sabia que todas estavam certas. Eu a matei. Eu fui o culpado de tudo o que aconteceu e o pior, tudo poderia ter tido um desfecho diferente. Mas, foi por minha causa, minhas atitudes egoístas e tão impensadas, que tudo terminou naquela noite. Fiz tudo errado e foi justamente com a pessoa que eu mais amei. Talvez fosse a única porque as dimensões do que eu sinto só aumentaram desde sua partida. Não sabia como, já que ela nem mais aqui estava.
Porém, eu finalmente entendi quando me disseram o motivo de os mortos ganharem mais flores que os vivos. "O arrependimento é maior que a gratidão". O meu “eu” idiota não entendia o que acontecia, mas agora, a clareza dessas sete palavras é quase dolorosa. Quem melhor do que eu sabia disso? Eu tinha tudo e nunca percebi. Engraçado como os clichês que eu sempre odiei estão sempre certos. Só damos valor ao que temos quando perdemos. Mas no meu caso, nem uma segunda chance seria possível. Não havia uma única chance para recuperá-la. Eu não podia tentar reconquistá-la, não podia mandar flores e um cartão de desculpas, não podia esperá-la do lado de fora do hotel que ela escolheria ficar até resolver todas as pendências em relação a mim, e implorar para que ela me ouvisse e me desse uma segunda chance nem que meus dedos congelassem dentro dos bolsos do casaco.
Na verdade, ela não deixaria chegar a esse ponto. Mesmo magoada, ou melhor, com o coração ainda estilhaçado, ela era boa demais para deixar alguém sofrer. Mesmo que esse alguém mereça e, bom, seja eu, o causador de seu sofrimento. Eu a conhecia e sabia o quão gentil ela era, sendo praticamente um anjo. Era isso que ela sempre foi, desde o primeiro dia que a conheci. À contragosto, ou me deixaria entrar, ou me entregaria uma xícara de chá quente para que eu não morresse de frio. Mesmo com todos os anos de convivência, descobri que não sabia cada detalhe de seu ser como eu agora me continha em imaginar. Por que ela era assim, tão altruísta? Podia saber todos seus trejeitos, manias e comportamentos, mas o que eu realmente sabia sobre ela? Sobre seu passado que ela odiava contar?
sempre dizia que seu passado não importava e que o melhor era se prender ao agora, coisa que eu era incapaz de fazer. Como ficar num presente onde ela não existe? Como eu não poderia me prender às lembranças tão estupidamente brilhantes em que ela estava? Eu preferiria morrer ao esquecer tudo isso e abrir mão do único elo que me resta. Não conseguia esquecer seus sorrisos que acabavam com um pouquinho do mar de dor em que me perdia. Eu revivia momentos nossos em minhas memórias; das vezes que ela simplesmente achava que o dia estava frio demais e me preparava uma xícara de chocolate quente, ou quando cuidava de cãezinhos perdidos até que o dono viesse. Eu não era o maior fã de cachorros, mas acabava por aceitar ao ver seu carinho imenso por um ser tão frágil. Tinha tanta coisa que ela fazia por outros, mas pouca gente retribuía. O mais estranho era que ela não se importava. Nem quando a melhor amiga ligava chorando no meio da madrugada porque não conseguia sair do bar em que bebera até não conseguir se mexer. Ela era esse tipo de gente com o coração gigante que mereceria viver para sempre.
Mas ela não poderia fazer nada disso.
Por minha culpa.
não podia fazer nada disso porque estava morta. Porque eu a matei. A culpa era inteiramente minha e seu peso estava me deixando maluco. Ela merecia tanto viver... tão mais do que eu! Por isso não entendo como isso pôde acontecer. Se Deus ou o universo precisasse tirar uma alma do mundo, por que justo a dela? Por que justo naquele momento? Por que não os criminosos que aterrorizam as cidades? Por que não... eu? Eu era o idiota que jogara tudo para o alto, o insensível que a magoou, aquele que causara, de forma indireta, sua ida prematura ao céu (porque era o mínimo que ela merecia). Se eu morresse agora, iria ser mandado para o fundo do inferno? Porque eu merecia. Com a carga de pecados que eu cometi, antes e depois dela, penso que seria castigado pelos demônios sem dó. Mas eu não reclamaria nem uma vez se eu pudesse vê-la somente por cinco minutos e implorar por seu perdão que eu não era digno.
Sabe, não era muito de dar segundas chances. Ela perdoava você facilmente se fosse sincero, mas sempre por coisas como contar mentiras leves, dar mancadas no dia-a-dia (esquecer seu aniversário, por exemplo, o que fiz uma vez) ou sei lá, quebrar seu enfeite favorito. Poderia até se zangar, mas não demoraria até ela suspirar e nos consolar com um pequeno sorriso após uma bronca explosiva que ela odiava dar. No entanto, sabia que ela não era a trouxa que todo mundo (e eu, inclusive) pensava ser. São poucas as coisas que estão na lista de imperdoáveis dela, e apostava que traição ocupava o primeiro lugar. Ela nunca chegou a dizer, mas quando um cara traiu a amiga dela, passou a odiá-lo por completo. Lembro-me dela estranhamente séria quando proibiu a amiga de correr atrás dele, pois dizia que quem trai uma vez não vê problema nas outras e além disso, ele nunca tinha conseguido amá-la de verdade. Seu olhar estava tão diferente, tão frio que eu não a reconhecia. Por um segundo, pude ver as cicatrizes que ainda doíam em seu peito, mas assim que a mulher saiu de seu lado, ofereceu-me um pequeno sorriso e nada disse, escondendo a reação que ela não queria ninguém visse. Admito não saber tudo sobre ela porque não gostava de contar coisas ruins, mas já desconfiava qual foi o gatilho para sua reação.
Ela já tinha passado por isso e era esse o motivo de tanta dor. Devia ser alguém especial. Então, durante poucos segundos, senti um resquício de ciúme querer se manifestar, mas minha consciência devastada me repreendera por pensar de tal forma. O que eu, um homem tão ou mais culpado quanto este do passado dela e que ainda por cima cometera o maior dos crimes, poderia dizer? Que direito eu tinha? Eu, que tirei sua vida, devia ficar calado, portanto, só deixei minha mente continuar com o discurso, presa em fragmentos de memórias e deduções sobre seu passado em busca de respostas.
Porém, ela estava errada no meu caso. Se as coisas tivessem sido diferentes, imploraria por seu perdão quantas vezes fossem necessárias – sem nunca ligar para o nosso tão conhecido inimigo, o orgulho – e se, por um milagre, ela me perdoasse, teria certeza de nunca mais decepcioná-la. Eu a amava. No começo, era verdade que eu só gostava dela como outra pessoa qualquer e não imaginava que teria algo sério. Achava que as coisas não iriam durar muito, que eu a via como o passatempo momentâneo e que logo me cansaria dela, mas ela me provou o contrário. Com o passar dos dias, meses e anos, ela havia simplesmente se tornado algo que eu havia me acostumado a ter por perto. Era fácil conviver com e sua natureza amável. Era impossível não amá-la por seus pequenos e, para os outros, insignificantes gestos.
O pior que eu, antes de mais nada, nunca percebi enquanto a tive comigo.
Hoje, longe de sua presença morna, largado num inverno congelante e sem fim, podia amargamente ver tudo o que ela fazia por mim e eu nunca ligava. Como eu tenho vontade de voltar ao passado e berrar para mim mesmo o quão imbecil, imprestável e egoísta eu era. Se eu tivesse percebido e dado o devido valor a tudo, o desfecho da nossa história poderia ser diferente. Desde os meus pratos favoritos que ela gostava de preparar aos sábados (porque domingo era o dia dela), dos lanchinhos que ela deixava prontos na geladeira, de quando ela acariciava meu cabelo quando eu via qualquer merda na TV, quando ela tirava um tempinho só para me ouvir, mesmo que eu não a ouvisse tão atentamente quando ela raramente desatava a falar sem parar. Ela também sempre esteve do meu lado, mesmo quando tentava ser mais justa, sempre tinha uma inclinação para mim, sempre tinha um sorriso guardado e palavras gentis em qualquer situação. Era independente em todos os sentidos, mas nunca se mostrou mesquinha ou metida. Só agora eu podia ver todas as pequenas ações que iluminaram o dia de qualquer um.
Minha mente culpada não me deixava sonhar com ela sem que eu a visse chorando ou coberta de sangue, olhando-me com horror, medo ou chorando em pânico. Dormir era uma tarefa quase impossível, visto que os pesadelos sempre eram tão vívidos e reais. Sempre que eu tinha um deles, as lágrimas pulavam de meus olhos enquanto a dor crescia mais, então eu me pegava sonhando acordado com memórias dolorosamente agradáveis e vivendo de pequenos cochilos. Eu, ironicamente, estava a cara da morte, literalmente. As olheiras fundas e roxas assustariam qualquer um. Comer também não era minha atividade favorita. Havia perdido uns bons quilos e tinha o rosto meio esquelético, com maçãs do rosto anormalmente fundas, mas no fundo eu não me importava com nada disso. Tudo que eu comia tinha gosto de... nada. Não tinha fome e torcia o nariz ao tentar botar algo dentro do estômago. Se eu me forçasse demais, sabia eu não tardaria a vomitar. No entanto, o que parecia ainda mais morto que o mundo acinzentado era eu. Meus olhos mostravam isso melhor que tudo.
O mundo acinzentado que eu via era da mesma cor que meus malditos olhos. Tão cinza e morto quanto tudo ao meu redor. dizia que eu parecia pensativo e era meu maior charme. Olhos poeticamente enigmáticos, era assim que gostava de descrevê-los. Ela sempre gostou de observá-los e dizer que queria ter um par igual, menosprezando o par quente de castanho-claro que adornava seu delicado rosto. Olhos sombrios que a fizeram se aproximar, colorindo-os com tons sufocantes e, sem que eu percebesse, a levando à ruína. Se eu não tivesse esses malditos olhos, ela ainda estaria viva? Se eu não a tivesse atraído como o bom predador que fui, estaria ela ainda neste mundo, fazendo a vida desse alguém melhor? Estaria ela sendo amada do jeito que eu não fui capaz de fazer direito?
Eu trocaria tudo para que ela ainda estivesse aqui; abriria mão de qualquer coisa, qualquer coisa... eu só queria fazer as coisas direito dessa vez. Uma única vez, eu faria a coisa certa. Daria a minha vida em troca desse desejo porque eu tinha certeza de que, se fosse ela, nunca hesitaria. Ah... ela amava ajudar as pessoas e eu nunca entendia o porquê. Sempre que eu perguntava, ela sorria e tocava meu rosto com delicadeza, sussurrando: "As pessoas são naturalmente boas, só faço a minha parte". Ó, Deus, ela era tão boba. “As pessoas não são boas, meu amor”, murmurei.
Eu não era bom.
Mas ela sempre me dizia que eu era, acarinhando meu rosto com toques suaves e calmantes. Aos sussurros, dizia que era feliz por estar comigo, que eu deveria ver as coisas que ela via. Seus olhos castanhos reluziam em sinceridade, incitando-me a crer em suas palavras. Todas as manhãs, recebia-me com aquele sorriso sincero que parecia dizer "eu te amo". Tudo nela tinha essa aura gentil e amável que raramente a deixava. Apesar de eu descrever sua pessoa como um anjo inatingível e perfeito, sabia que ela tinha defeitos assim como todos nós. Era raro perceber isso se você não convivesse tanto com . As pessoas tendiam a ignorar a parte difícil da vida dos outros quando essa parecia perfeita.
era insegura, apesar de nunca ter dado ataque de ciúmes nem nada do tipo, sempre tinha um olhar incerto sobre si mesma, como se criticasse cada pedaço de seu ser. Raramente conseguia dizer não, era uma atriz quase perfeita para esconder seu estado de espírito, era teimosa e cabeça dura como ninguém. Perdia a paciência facilmente, mesmo que segundos depois risse de si mesma e, ela tendia a tentar se fazer de forte, passando por cima do que sentia na maioria das vezes. Mas, não me importava com nada disso porque o que seria classificado como um defeito para os outros, seria uma característica que a faria ser a minha .
Eu queria consertar as coisas e nunca ter agido como um babaca. Voltar no tempo e amá-la com todas as minhas forças e nunca me zangar por coisas bobas. Não me irritaria mais se ela roubasse as cobertas só para ela numa noite fria ou desse um jeito de quase me derrubar da cama com seus chutes fortes mesmo sendo bem menor e fraca que eu. Nem se ela esquecesse as chaves de casa e termos que dar um jeito de entrar pulando o muro, ou se a bagunça dela quase engolisse a casa. Tudo porque ficar naquele inverno sem fim era demais para mim e eu sentia falta de cada pequena partícula dos raios solares que me acompanharam até agora. Meus amigos não entendiam o que acontecia comigo, já que estaria prestes a completar um mês de sua morte. Pensavam que era só luto e que eu superaria logo, assim como eles fizeram. Só se passara uma merda de mês, caramba! Trinta dias! Somente isso! Não entendia como eles superavam assim tão fácil. O que me lembra da melhor amiga dela, Alice, que começara a sair de casa e com os amigos uns dias atrás. Como eles puderam, sendo que fizera tanto por eles? Eles eram capazes de abraçar um mundo frio e dar as costas ao resto? Eles me diziam para sair e mudar de casa, pois me sentiria melhor e superaria. O fato é que eu não queria superar e eu estou aqui exatamente para dizer que não é "só luto por uma garota". Porque com ela, as cores e o desejo de seguir em frente se foram. Tudo o que restou foi a culpa e o ódio. Ódio de mim mesmo. Por ter feito o que fiz, por ser o culpado.
O que eu não daria para que as memórias desse dia fossem excluídas de minha mente...

Flashback on
Era seu aniversário.
No dia 24 de dezembro ela faria 27 anos e por isso, eu quis fazer tudo do jeito certo. Acho que era por causa do Natal. Ele sempre deixava as pessoas mais românticas, acho eu. Comigo, bem, não era diferente. Estava longe de ser o príncipe encantado montado no cavalo branco, mas tinha conseguido umas dicas com alguns amigos mais melosos e já estava tudo pronto. O presente já havia sido comprado pouco tempo atrás e eu tinha me assegurado de que ela não o encontraria, enfiando a caixinha do colar no meio da gaveta de cuecas. não gostava muito de fuçar as coisas dos outros e eu tinha certeza que ela jamais ficaria futricando por lá. Havia acordado mais cedo que ela graças ao meu bom e fiel despertador e tinha preparado o café da manhã.
Seria o dia perfeito.
Se nós não tivéssemos brigado por volta do almoço.
O motivo foi totalmente idiota. Começou com um impossível acesso de ciúmes que ela deixou escapar. Quando percebi, estávamos aos berros, ofendendo um ao outro da pior maneira possível. Ela sabia ser rude quando queria e afiar as palavras como navalhas antes de lançá-las, mas eu tinha mais prática e quando estava fora de controle, não havia limites para as merdas que saíam da minha boca. Só percebi que havia extrapolado quando ela torceu as feições numa careta e mordeu o lábio. Era a feição que eu mais detestava nela. A de choro. Ou melhor, a que ela fazia quando queria evitar chorar a todo custo. engoliu em seco, proibindo que as lágrimas saíssem por achar que eram sinônimo de fraqueza.
Merda. Era difícil vê-la chorar e eu odiava ser a causa. Entretanto, seu rosto pálido adquiriu uma vermelhidão incomum e ela berrou mais algumas ofensas que me fizeram esquecer aquela dor aguda no peito o vê-la frágil e a aticei até o ponto que o motivo da briga apareceu na conversa.
— Pelo menos ela não tem medo de uma merda que ficou no passado e se nega a contar as coisas para o próprio noivo! — gritei. — Você não acha que eu deveria desconfiar de você? Das vezes que você chega quieta e muda de assunto caso eu pergunte? Que direito você tem? — apontei o dedo para seu rosto, sabendo eu ela odiava isso. — Talvez fosse melhor ficar com uma pessoa que confie em mim.
— Fique, então. — miou, ferida. Seus olhos estavam escuros, presos à um passado desconhecido. Quando ela olhou nos meus olhos, quase senti a dor passando para mim, de tão intenso e pesado que era aquele poço escuro. — Se é o que deseja...
... Eu-
— Você quis, sim. — cortou-me, fria. Ela não era a minha . Era alguém que eu não conhecia.
Girando os calcanhares, dirigiu-se para a porta e a bateu sem o menor pingo de delicadeza, ignorando minhas perguntas quanto ao seu destino. Só lembro de ter xingado por alguns minutos até que comecei a elaborar perguntas e teorias conspiratórias dignas de reportagem sobre o que ela estaria fazendo. Apoderei-me das bebidas que possuíamos e esvaziei duas garrafas de vinho. Já não pensava coisa com coisa e, por isso, fui até o pub que costumávamos frequentar com nossos amigos. Primeiramente, desejava saber de seu paradeiro, mas após olhar para a variedade de bebidas alcoólicas no local, não demorei a pedir copos e mais copos enquanto olhava para a janela perto da porta.
Nesse dia, o tempo horrivelmente nublado londrino parecia ser o prelúdio de uma tragédia.
As coisas não faziam mais sentido. Havia pago umas notas para o barman porque aparecera do nada. Ela não estava mais zangada e oferecia sorrisos e toques sensuais. Estranhamente, seu cabelo parecia um pouco mais claro, mas julgava ser a iluminação do local, afinal, eu estava bêbado, não diferenciava muito bem as coisas com aquela luz na minha cara. E, além disso, o cheiro estava um pouco mais doce que o normal. Mas, mesmo que as coisas pareciam estranhas, o sorriso que ela deu me pareceu com o da minha e, sem mais delongas, voltamos para casa rindo sobre alguma coisa que eu disse.

...

? — chamou, alto. As coisas ainda giravam e eu não entendia bem o que estava acontecendo. Merda. Condenei-me por ter bebido tanto. Será que eu vomitei no caminho? Franzindo a testa, olhei para o lado, onde pensei que estava, mas meus olhos se arregalaram e minha boca secou. Puta que o pariu. Uma sequência infinita de palavrões cruzou minha mente e as coisas fizeram sentido. Não era ela.? Você está em casa? — tentou mais uma vez, enquanto eu quase não a ouvia e puxava os fios de cabelo feito louco. Minha cabeça girava e eu queria me dar um tiro na testa.
Eu engoli em seco. Meu Deus, o que eu tinha feito? Só de pensar nisso, meu estômago embrulhava, fazendo com que eu sentisse uma perigosa vontade de vomitar mesclada à culpa intensa que invadia cada poro do meu corpo. Meus dedos arrancavam alguns fios negros do meu couro cabeludo, tentando me acordar de um possível pesadelo. Sentia vontade de bater minha cabeça na parede e provar que nada era real. Isso definitivamente não podia ter acontecido. Não podia! Mas, enquanto me culpava em silêncio, não ouvi os passos rápidos se aproximarem e a porta ser empurrada sem muita força.
— E-? — sua voz soou trêmula. Instintivamente, olhei para cima, encontrando seus olhos. Como eu queria não ter feito isso. Os glóbulos castanhos, sempre tão quentes, perdiam o foco aos poucos, esfriando, abandonando a cor quando se arregalaram em surpresa. A linha do maxilar tremulou algumas vezes para então enrijecer e os olhos ficaram ainda mais escuros que na discussão anterior. Ela engoliu em seco e, por cerca de dois segundos, suas mãos tremeram fortemente. Foi o tempo de eu engolir em seco e dar um passo para trás.
, n-não é... quer dizer, eu não... e-eu não queria... — balbuciei, mal entendendo o que eu dizia. Tentei me levantar, mas a tontura que senti me obrigou a tentar me firmar na cabeceira da cama. O contraste do metal gélido e a palma quente me fizeram perceber que não era o pior pesadelo da minha vida. Não tirava os olhos dela e a reação seguinte foi pior do que se ela tivesse gritado e atirado coisas em mim. Porque aquilo cravou uma faca em meu peito e a girou até dilacerá-lo por completo. Ela sorriu. Um sorriso sofrido, escancaradamente falso e dolorido que eu nunca havia imaginado que ela poderia dar. Um sorriso que tentava a todos os custos esconder a dor refletida em seu olhar e em todo seu corpo, que gritava em agonia muda.
— Tudo bem... e-eu... desculpe. — e saiu correndo, não sem antes eu ver as lágrimas que escorriam por seu rosto fino. Em pânico, levantei-me, deixando meu estômago largado com o outro maldito corpo que jazia na cama. Vesti a boxer caída aos pés da cama e corri até ela, alcançando-a quando tocava atravessava a porta e segurei seu pulso com firmeza, impedindo-a de ir.
— Espera, !
— Por favor, não toque em mim. — como eu não soltei, ela virou para trás e meu coração sangrou mais uma vez. As lágrimas escorriam com rapidez, inchando a pele pálida e lisa de seu rosto. Os olhos brilhavam em dor, vermelhos pelas lágrimas salgadas e quentes que os inundavam e a boca pequena tremia. Doía. Aquilo doía. O choque da dor me fez soltá-la. O olhar tão ferido e exposto que me assustou. Eu me via refletido em seus olhos, opacos, sem brilho, pois era assim que a íris estava. Ficamos uns segundos que pareceram horas encarando um ao outro. Ergui minha mão para tocar seu rosto, mas ela a afastou com um tapa. — Não toque em mim! — gritou, assuntando-me. E, mordendo a boca com toda a força que tinha, lançou-se numa corrida para o mais longe de mim.
Fiquei parado por cerca de um minuto, até que recuperei o controle do meu corpo. Eu precisava ir atrás dela. Voltei correndo para o quarto e expulsei a vadia de lá, aos berros recheados de palavrões para descontar minha raiva e frustração nela para só então começar a me trocar. Simplesmente precisava ir atrás dela. Botei uma calça e a primeira camiseta que vi pela frente, uma regata que eu geralmente usava de pijama, e enfiei os pés num sapato qualquer. Pelas minhas contas, ela não deveria estar muito longe. Com sorte, ainda estaria no térreo do prédio, pois provavelmente pegara o lento elevador que demorava trinta anos só para descer. Optei pelas escadas e desci oito andares correndo o mais rápido que pude, sentindo a sobriedade me invadir, lutando contra os efeitos recentes da bebida. Mais tarde vomitaria até minhas tripas, mas não antes de achá-la.
Na frente do prédio, olhando para os lados como um lunático, não conseguia deduzir que direção ela tomara, então perguntei ao mendigo que murmurava alguma coisa para uma senhora de idade, provavelmente pedindo dinheiro. Descrevi . Cabelos curtos e repicados de coloração loira, olhos castanho-claros, altura mediana com um longo sobretudo bege e botas pretas. Primeiramente o homem pareceu confuso, mas quando perguntou se a garota chorava, respondi desesperadamente que sim. Lentamente, ou para mim pareceu que sim, apontou para o lado direito e eu o agradeci com uma nota de 20 libras, fazendo seus olhos quase saltarem das órbitas e me agradecer várias vezes. Corri em disparada, passeando os olhos pelas pessoas lentas que caminhavam em plena véspera de Natal.
Várias delas me lançavam olhares surpresos e intrigados porque eu estava de regata e a temperatura devia estar perto dos 3°C. Ainda havia um restinho de neve no chão, pois havia nevado um pouco antes de ontem e o frio deveria ser capaz de me congelar. No entanto, eu nem me importava com a temperatura, sendo que meu maior problema estava desaparecido. Meu coração acelerado bombeava sangue rápido demais por causa de toda minha confusão interna. Amaldiçoei os lerdos transeuntes das ruas que deixavam para comprar as merdas dos presentes para última hora e trombei com vários tentando passar. Vezes ou outra, murmurava pedidos de desculpa e avançava mais uma vez, embora na maioria das vezes só forçava minha passagem.
Chamava por seu nome, sem, é claro, obter resposta. Muitos me olharam com uma mistura de medo e piedade por provavelmente achar que eu tinha problemas mentais, mas tudo o que me forçava a fazer era gritar seu nome com todas as minhas forças. Uma sensação ruim apertava meu peito e eu tinha o pressentimento de que algo aconteceria. Eu teria que evitar isso a todo o custo. Todas as coisas pareciam me indicar isso, mas antes de tudo, meu dever era encontrá-la. Foi com essa determinação que continuei a seguir em frente, até que a vi. Correndo desajeitadamente enquanto enxugava as lágrimas e era olhada com pena e curiosidade por muitos, tremia levemente ao dar tudo de si para se afastar. Minimamente aliviado, suspirei. Só que a situação se complicou um milhão de vezes quando eu, estupidamente, chamei por ela. Seus olhos demonstraram pânico e até um bocado de aversão quando os olhares se encontraram e ela tentou fugir de novo.
E a partir daí, foi tudo rápido demais.
Ela não olhava para frente, então não viu que o sinal estava verde. Só foi o tempo de ela olhar para o lado e ver o carro se aproximar. A colisão foi inevitável e eu só pude assistir seu corpo bater no vidro e rolar por cima do carro feito cena de filme. Naquele segundo, quase pude ouvir algo se quebrar dentro de mim e consegui correr desembestado até seu corpo. Uma pequena multidão havia se formado e, por sorte, vi duas ou três garotas ligarem para a ambulância, balbuciando palavras rápidas que nem prestei atenção. Empurrei os que estavam na minha frente sem um pingo de delicadeza e deixei meus joelhos encontrarem o chão com força.
A respiração dela estava errática e cada vez que ela respirava, a dor enchia seus olhos já avermelhados. Seu corpo tinha marcas vermelhas do impacto e sua testa tinha um corte razoavelmente grande, que empapou parte de seu cabelo e a gola do sobretudo com seu sangue rubro. Hesitantemente, toquei seu corpo com leveza, com medo de machucá-la ainda mais e também, de que ela rejeitasse meu toque mesmo nessas condições. Se ela tentasse fugir de mim mais uma vez, eu não aguentaria. Meus dedos frios e trêmulos contrastavam intensamente com a pele quente que perderia seu calor logo se eu não fizesse alguma coisa. Um homem disse que a ambulância estava chegando e que todos deveriam dar espaço para a garota respirar.
Só de olhar, sabia que o braço de estava quebrado, estava torto e molenga, os dedos da mão não mexiam. Não tive coragem de tocá-lo e causar-lhe mais dor, então a puxei pela cintura com toda a delicadeza que pude reunir, vendo-a franzir a testa e morder o lábio, agonizante. Aninhei-a em meus braços e sussurrei que ficaria tudo bem. Os olhos antes tão encantadores pareciam perder o brilho na medida que também perdia o foco das coisas. Meu coração batia fraco, em dor, por vê-la dessa forma. Tirei o cabelo de seu rosto e vi minha mão ficar manchada de vermelho. Os meus dedos trépidos mancharam mais seus cabelos claros quando tentei ajeitá-los. Engoli em seco, afastando os pensamentos ruins e observando em silêncio as nuvens de vapor que sua fraca respiração produzia. Ela não podia morrer hoje... justamente hoje... e não nessa situação.
Por Deus, era o aniversário dela!
— Por favor, por tudo que é mais sagrado, abra os olhos. , só abra os olhos. — supliquei, beirando o desespero. Droga, eu precisava me controlar agora e tranquilizá-la. Bem devagar, olhou para cima e deslocou as orbes castanhas em minha direção. Abri um sorriso mínimo e ela nada fez. Sua indiferença me feria, mas o que eu poderia fazer? Sem forças, tentou se mexer, o que resultou num gemido fraco. Os olhos não queriam focar em mim de verdade. — Por favor, não se mexa. A ambulância já vai chegar e vai ficar tudo bem, eu...
— N-não — soprou, atraído minha atenção. — me... toque. — finalizou, atingindo-me em cheio. Foi como se ela tivesse me apunhalado no peito e acertado em cheio meu coração. Mas, como não podia fraquejar, suspirei e assenti.
— Eu não vou mais, só que agora, você precisa aguentar. É só mais um pouco. — murmurei. O barulho da ambulância me alertou e a ergui nos braços com toda a delicadeza do mundo. O cerco humano se afastou, dando passagem aos paramédicos que invadiram a rua. O carro que a atropelou estava parado no meio da rua e a motorista chorava rios de lágrimas, se desculpando. A culpa não era dela, por mais que ela havia atropelado . Fora ela que não olhara para a rua porque sua atenção estava em mim, porém, naquele momento, abandonei a lógica e culpei a mulher também. Deitei na maca com cuidado. Os dois homens empurravam a estrutura de volta para o veículo quando eu segurei o braço de um e, sem hesitar, disse:
— Eu vou junto.
— O que você é dela? — perguntou um cara negro e forte, inquisitivo.
— Noivo.
— Tudo bem. — interferiu um outro cara, um tanto mais baixo e magrelo do cabelo ondulado.
Ela ficou inconsciente assim que a viagem começou. A respiração era baixa e eu mal podia ouvi-la por conta da sirene aguda da ambulância. Eu não conseguia me concentrar em nada enquanto ela estivesse daquele jeito, então me deixei em estado quase dormente até chegarmos ao hospital. Fora uma correria só, praticamente vi borrões. Gente gritando “atropelamento.” e “Chamem a doutora Connor!”, enfermeiras correndo juntamente com os homens que me acompanharam até a sala de cirurgia. Mesmo assim, não parecia real, que estava acontecendo de verdade. Tudo parecia meio enevoado e eu me sentia num mundo alheio.
— Vai ficar tudo bem, . — disse, embora ela não parecesse prestar atenção. — Eu preciso de você. Por favor, não morra. — implorei. Lentamente, os olhos se abriram com dificuldade. — Eu...
... — chamou, com a voz baixa e rouca.
— O que foi, anjo? — perguntei, a voz falha. Coloquei um sorriso encorajador e frágil, nada convincente no rosto e a estimulei a continuar.
— Eu... — arfou e fez uma careta de dor. Pelo visto, tinha acontecido algo no pulmão. — Eu... e-estou com... medo. Não q-quero... T-tá frio. D-dói.
— Ei, não precisa ter medo porque vai correr tudo bem, ok? — ela assentiu e entrou na sala. Eu fui barrado e fui recebi ordens de esperar do lado de fora. Tentei entrar, mas vários homens me seguraram e me obrigaram a ficar do lado de fora— Eu te amo, . Por favor, fique bem. — murmurei, antes de me sentar num dos bancos e lentamente sentir tudo escurecer.

...

Acordei com uma enfermeira baixinha sacudindo meus ombros com delicadeza. A sua voz calma e cansada foi a primeira coisa que ouvi e, apesar de minhas pálpebras pesadas parecerem coladas, forcei meus olhos a abrirem. A primeira coisa que pensei ao abrir os olhos era que tudo fora coisa da minha cabeça, mas assim que olhei em volta e focalizei minha mão direita, que ainda tinha o sangue de berrando ao meu cérebro o que tinha acontecido, percebi que meu pesadelo não era nada menos do que a própria realidade. A dura e cruel realidade. Ela me dizia que tudo fora real; a briga, as bebidas, a traição e... o acidente. Não fora coisa a minha cabeça perturbada. Não fora um pesadelo – o pior e mais vívido de todos – que eu poderia esquecer após acordar pela manhã e virar o corpo em direção ao do dela e tocar sua pele naturalmente quente. Ou ao me levantar da cama e ir para a cozinha, encontrá-la bebericando um copo de suco natural. Ou trocando presentes de Natal acompanhados de pequenos beijos carinhosos espalhados por seu rosto sorridente.
Hoje era Natal.
Deus! Tudo o que eu pediria seria esse milagre. Nunca mais cogitaria a ideia de querer algo além disso. Só o bem-estar dela estava bom para mim. só precisava estar viva que eu daria um jeito no resto. Eu preciso apenas que o coração dela continue a bater. Eu precisava disso para viver. Seria meu único e maior desejo: que ela estivesse viva, que ela se recuperasse. Eu não era egoísta a ponto de desejar que ela me dê seu perdão. Não. Eu sabia que não merecia. Sabia que não a merecia. Mas eu faria de tudo para consegui-lo. Qualquer coisa eu daria para que ela ficasse bem.
Perdido em pensamentos, mal notei que a mulher falava algo. Corei levemente, constrangido por deixar a senhora falar sozinha, mas eu estava ansioso demais. Queria ver logo, mesmo que só para observar suas feições num sono plácido. Assenti sem realmente entender o que a senhora falava – julgo ser algo sobre eu precisar me alimentar ou ir para casa tomar um banho. É, algo do tipo – e esperei com inquietação ela parar de falar e lhe perguntar onde estava o médico, mas nada disso foi necessário. O homem que achei já ter visto ontem apareceu no corredor com aparência cansada e abatida, andando de maneira lenta e quase arrastada.
Despedi-me da senhorinha e corri atrás do homem de Jaleco. Parei em frente a ele e assim, o obriguei a olhar para mim. Mais vagarosamente que eu esperava (provavelmente era impressão), o senhor analisou-me rapidamente e seus olhos ficaram ainda mais sóbrios, sérios. Ele suspirou, reconhecendo-me como o acompanhante de , julgo eu. Como ele nada havia dito, apressei-me em cuspir as palavras que tanto me afligiam.
— Como ela está? — perguntei, com a voz rouca e baixa.
— Sr. , eu sinto muito. Ela não sobreviveu à cirurgia. Tivemos muitas complicações por causa da perda de sangue. Srta. Campbell fraturou o braço e três costelas, além de ter tido hemorragia interna e... — eu sabia que o médico estava falando, mas não conseguia entender. Na verdade, nem ouvir eu conseguia. A sala, lentamente, começou a perder o foco; a voz do médico se tornou um zunido incompreensível, os objetos ficavam embaçados aos poucos e as demais vozes se distanciavam gradativamente, até que a escuridão fez meu corpo ceder.
Quando acordei, muitas horas depois, numa cama de hospital e com um soro ligado ao braço, fiquei confuso no começo. Contudo, as memórias foram retornando como uma enxurrada torturante e acabaram por me desnortear. O ar escapou de meus pulmões num golpe de dor. O aparelho incrivelmente desnecessário acompanhava meus batimentos em ritmo frenético. O barulho estava me irritando, mas eu só conseguia pensar em . Tudo que via era ela. Todas as memórias que eu criei ao seu lado, escapando de mim como areia da praia por entre os vãos de meus dedos.
— Senhor? — a porta foi escancarada por uma enfermeira, que correu até a cama e olhou para o monitor cardíaco. — Chamem um médico! — berrou, mirando alguma pessoa perto da porta.
Não. Não. Não. Não! Isso não está acontecendo. Não aconteceu. Foi um sonho ruim. Tem que ter sido um pesadelo. Isso não ia acontecer. Não com ela, não por minha casa, não no aniversário dela! Ela não morreu. não morreu. Está viva e preocupada porque eu não estava em casa em pleno Natal, não é? Ou brava pelo mesmo motivo. poderia estar com o humor que quisesse desde que estivesse viva respirando e com todas as gotas de sangue no corpo. Ela não estava morta. Não estava, não é? Isso tinha que ser o pesadelo mais louco e sem noção que já tive.
Tinha que ser.
Porque se não fosse...
— O que aconteceu? — uma voz mais madura se pronunciou, calando por um segundo a enfermeira que ainda devia estar do meu lado.
— Os batimentos estão subindo muito!
— O que estão esperando? Apliquem sedativo agora! — ordenou a médica.
Aparentemente eu estava murmurando coisas sem sentido e isso fazia a enfermeira hesitar em se aproximar. Eles deviam estar me achando louco. Merda. A enfermeira, que eu percebi ser uma mulher de ossos largos e um tanto rechonchuda lançava-me um olhar de pena quando injetou a agulha em mim. O alívio foi imediato. O quão potente é essa merda? O suspiro da médica me fez olhar para o lado e ver seu olhar de piedade. Pisquei os olhos mais algumas míseras vezes e cai na tão familiar escuridão, querendo nunca mais sair de seus braços.

Flashback off
Passei mais um dia no hospital por recomendação da médica. Não consegui comer nada durante o período em que lá fiquei. Primeiro, porque comida de hospital era uma droga e segundo, não conseguia olhar para uma refeição sem querer vomitar. Além de que, minha indisposição para viver estava superando os limites da racionalidade. Depois de muito insistir, a enfermeira que estava encarregada de mim desistiu de me obrigar a comer algo. Troquei-me, colocando as roupas que um amigo trouxera e andei a passos exageradamente lentos até fora do grande e inútil prédio.
Sem rumo, caminhei pelas ruas até parar na frente de um pub. Ignorando o aperto no peito por eu entrar novamente num lugar praticamente idêntico que me fez foder tudo, empurrei a porta sem muita vontade. Não tive a mínima decência de cumprimentar o homem de meia idade que trabalhava como barman, esquecendo-me de ser um cortês e educado cavalheiro inglês que minha família custou a lapidar. Tampouco observei o ambiente que me cercava, já tendo certeza de que havia atraído dos poucos seres que estavam neste local tão cedo. Se eu não me engano, era pouco depois do meio-dia.
Enfim, dizer que me afoguei em álcool era pegar leve. Gastei todo o dinheiro de minha carteira e Henry, o mesmo amigo que me levara as roupas do hospital, viera me buscar de carro já que tinha libras o suficiente para uma corrida de táxi. Acho que ele conseguiu entender o desespero que eu me encontrava, pois nada disse. E olha que ele era do tipo de cara que dá sermões intermináveis sobre as minhas bebedeiras que lhe remetiam aos tempos de farra. Stanford apenas suspirou e me ajudou a ir para o banco do carona, lançando-me olhares de pena enquanto prestava atenção ao trânsito.
Os dias que se passaram não foram muito diferentes. Eu bebia até acordar no chão do banheiro ou com vômito ao meu redor. Vários amigos meus vieram tentar me animar e me afastaram da bebida. Como se isso fosse me ajudar. Eu só queria ficar sem essa dor dilacerante. E foi só com muito álcool nas veias que eu conseguia uns minutos de paz. Henry gritara comigo algumas vezes, tentando botar juízo na minha cabeça oca, mas foi em vão. Não queria vê-lo e muito menos ouvir as medas que ele insistia em repetir todo santo dia que nos víssemos.
Quando percebi, se passara um mês e todos à minha volta pareciam se reerguer aos poucos e eu não podia aceitar isso. Tudo o que podia pensar era: superá-la foi tão fácil assim? Que tipo de monstros eles são? E, após ora murmurar xingamentos e ora berrar aos quatro ventos tudo o que se passava na minha mente, virei o conteúdo restante da garrafa de whisky e tomei minha decisão final.

...

Eu queria vê-la e nada nesse mundo me impediria.
Foi por causa do meu desejo insano que decidi fazer isso. Era praticamente uma necessidade. Havia trancado a garagem e fechara todas as saídas de ar. Suspirando, entrei no carro, deixando a porta aberta. Não precisava pensar em mais nada, pois não havia um pingo de hesitação em mim. Liguei o automóvel, deixando o motor aquecer e a fumaça se espalhar. Teria uns poucos minutos até a garagem estar inteira repleta de gás carbônico e finalmente me tirar dessa tortura. Por isso deixei meus pensamentos vagarem para o que me aguardava: a morte.
Eu não tinha medo de morrer. Era esse meu maior desejo desde que ela se foi. Não havia mundo para mim sem e eu não conseguiria fingir para todos que aos poucos eu melhorava. Eu só conseguia deteriorar meu estado físico e mental a cada dia que se arrastava! Eu não aguentava mais! Eu aceitaria qualquer coisa que permitisse minha aproximação... nem que essa coisa seja a morte. Se fosse isso que me ligaria a ela, não me importaria em ir embora desse mundo.
Comecei a sentir sonolência, um dos sintomas de que estava começando a ser intoxicado pelo gás carbônico. Uma morte indolor, pacífica e quase imperceptível. Não queria chamar atenção para mim, então me assegurei que nada desse errado e que meu testamento, onde deixava a casa e o carro (ou o dinheiro caso vendessem) para minha família e o dinheiro da conta bancária seria doado à uma instituição infantil. preferiria assim, afinal, ela amava crianças. Nesse estado semiconsciente, não pude evitar relembrar todos os meus melhores momentos com . Claro que os piores apareceram para me assombrar, mas a única reação que causou em meu rosto inexpressivo foi um leve suspiro cansado. Eu estava exausto demais para deixar mais coisa siar. Já tinha chorado mais do que gostaria de admitir e escondido esse fato de todos os que me conheciam.
A verdade era que, pensar em estranhamente me acalmava ao mesmo tempo que me matava. Não conseguia entender esse efeito contraditório que ela ainda tinha sobre mim. Entretanto, poderia pensar nisso depois, agora, tudo o que eu tinha que fazer era limpar a mente. Fechei os olhos e encostei a cabeça no banco do carro, preparando-me para o que viria a seguir. Estaria eu perto de finalmente revê-la? Eu esperava que sim. Por favor, Deus, se você a tirou de mim, me faça vê-la só mais esta vez, supliquei ao nada.
Eu demorei tempo demais para perceber sua importância, mas iria refazer tudo se fosse necessário. Meu maior desejo era consertar tudo, mas era o tipo de coisa que nunca se realizaria. Talvez se eu a reencontrasse numa próxima vida, se me permitirem mais uma vez, tê-la só para mim, não ousaria desperdiçar essa chance. Eu só torcia para que, de alguma forma, ela soubesse tudo o que eu sinto por ela, o quanto me arrependo e o quão disposto estou para recomeçar tudo ao seu lado mais uma vez.
Eu a perdi, era verdade, e, com a ajuda de um milagre e a promessa de concertar tudo, talvez eu pudesse ter seu amor mais uma vez. Se eu a visse depois de me matar, sei que ela ficaria zangada. Nunca que aprovaria esse meu ato muito mais corajoso que as pessoas costumam pensar, só que, no fim, espero que possa me aceitar de volta. Nem que eu tenha que gastar toda a eternidade para me desculpar. Valeria a pena se depois de tudo, ela me desse o abraço que eu mais senti falta em toda minha vida e me olhasse tão sinceramente como sempre o fez... Só queria que ela dissesse que estava tudo bem como costumava quando eu tinha um problema ou tocasse seus lábios doces nos meus mais uma vez.
E foi com a imagem mental de um sorriso dela que eu finalmente fechei os olhos e torci para um dia ver meu único desejo se realizar.


Continua...



Nota da autora: (05.07.16) Hey! O que acharam desse gênero? Escrevi esse pequeno conto por causa de uma amiga e explorei áreas que eu geralmente amo, mas nunca achei que levo jeito. A verdade é que eu adoro um drama! Sou meio gótica para amor também, então tragédias românticas têm sempre aquele ar triste e melancólico com um tanto de esperança hahaha. Se você tiver curiosidade (e tempo), não deixe de checar minha outra fanfic, “Adicttion”, que fala sobre um coreano e uma americana. Gosto de misturas, então se tudo der certo, continuarei a postar mais casais não tão convencionais. Por favor, comente e me diga o que achou (elogios, sugestões e críticas, incluindo erros de português).
Até a próxima!




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