Fanfic baseada na música “A Daydream Away”. Ouça enquanto lê!
Fazia anos desde que tocara para um público fechado pela última vez. E, depois dos anos de experiência tocando para milhares de pessoas nos shows de sua banda, ele não se sentia mais tão à vontade tocando para poucas pessoas. Era como se, ali, com menos gente o encarando, ele pudesse perceber o olhar de cada uma das pessoas presentes de forma individual, fazendo com que ficasse um tanto nervoso. O que era estranho já que, no começo da carreira, o nervosismo aumentava conforme o número de olhos voltados pra ele crescia.
Na verdade, só aceitara a proposta de tocar naquela festa porque era a festa de aniversário de um de seus companheiros de banda. E também porque ele tinha certeza de que
ela estaria lá. Exatamente a garota pra quem ele tinha escrito a mais nova música de sua banda, a garota que sempre voltava das partes mais inesperadas de seu passado e atrapalhava seu presente – e que continuaria a fazer isso, ele imaginava, por muito tempo ainda.
Porque a verdade é que a garota era exatamente aquela determinada pessoa que todas as outras pessoas têm. Aquela que não importa em que parte da sua vida apareça ou reapareça, sempre vai ter um poder esquisito de controlar e fazer renascer todos os sentimentos que um dia foi capaz de fazer brotar em você.
E ela era aquela pessoa dele. Ele, o grande potencial "essa pessoa" dela, e não queria admitir, mas grande parte de seu nervosismo se devia exatamente ao fato de que a veria. E teria a oportunidade de cantar pra ela a única música que ele podia dizer, com todas as palavras, ter sido feita inteiramente pra ela.
Os outros integrantes de sua banda chegaram mais cedo que ele ao local, pois sempre acabava sendo o que chegava atrasado e isso não mudaria tão cedo.
Por isso que, quando chegou, a única coisa que teve tempo de fazer antes de subir ao pequeno palco improvisado em frente às mesas onde os convidados estavam foi tomar uma água e afinar seu violão. Logo depois disso, já tinha um de seus amigos o apressando pra que começassem logo e ele suspirou, um tanto derrotado.
Assim que subiu ao palco, aquele nervosismo característico apareceu na boca de seu estômago, acompanhado de mais alguma coisa: o frio na barriga que somente a presença
dela o fazia sentir. Sempre que voltava pra sua vida, era a mesmíssima coisa.
Ele não fazia ideia de como, depois de tantos anos, as coisas continuavam sendo dessa maneira.
Logo que se apresentou aos convidados, uma mania que na verdade não era necessária no meio daquela gente que ele conhecia desde sempre, começaram a tocar e os olhos de só foram encontrar os dela quando estavam lá pela terceira ou quarta música, e depois disso ele não conseguia ver mais ninguém.
Imagens de seu passado voltavam à sua mente, como de costume. Conversas na madrugada sobre o futuro, brincadeiras que nenhum dos dois saberia dizer se continham segundas intenções ou receios. Bilhetes e mais bilhetes trocados, bem como abraços e tudo o que pudessem fazer pra que mantivessem aquele contato do qual precisavam. Porque chegou uma hora na relação dos dois que não bastava que parecessem se completar em conversas ou em formas de pensar. Precisam
tocar um ao outro, como se pra ter certeza que era sim possível existir aquele tipo de conexão estranha e incomum que compartilhavam.
Em certo momento, dirigiu-lhe aquele sorriso que ela sempre tivera. O mesmo que fizera se apaixonar diversas vezes, sem conseguir se controlar, mesmo sabendo que, no fim, aquele sorriso nunca poderia ser dele da forma como queria. Mas quem ligava, afinal? Todas as vezes que ela reaparecia em sua vida e sorria daquele jeito, a vida ficava mais bonita.
E os sentimentos que ele cultivara meses antes voltavam com toda a força, somente pra sofrerem o mesmo ciclo de sempre: voltar com aquela intensidade absurda de sempre e serem obrigados a se esconder em algum lugar dentro de seu peito depois que ele entendia que, assim como da vez anterior, sorriso nenhum levaria os dois ao que quer que fosse.
Porque essa era a verdade sobre os dois. Pareciam estar destinados a se apaixonar todas as vezes que entravam na vida um do outro, mas não foram feitos pra darem certo juntos, coisa que já ficara comprovada há muito tempo.
Mas isso não significava que era fácil de aceitar.
Por que a vida tinha que brincar com ele daquele jeito, se perguntava, trazendo-a sempre de volta quando estava mais vulnerável?
Ele errou alguns acordes quando a encontrou entre os convidados e outro membro da banda teve que assumir seu lugar cantando em determinado ponto porque ele, simples assim, esqueceu a letra da própria música.
Mas quando chegou a hora, ele não hesitou em dizer as palavras que escolhera pra anunciar exatamente o que ele queria à :
- Essa música – se pronunciou – é uma das mais novas da banda e eu escrevi pensando em uma pessoa que está aqui hoje. – Sem conseguir se conter, acabou dirigindo um sorriso triste à , que apenas continuou a fitá-lo como se não pudesse desviar o olhar. – É exatamente assim que eu me sinto sobre você, garota – afirmou, um pouco mais baixo que antes, mas todos ouviram de qualquer forma já que disse ao microfone.
Fez a contagem antes de começarem a música e, só de olhá-la durante os primeiros acordes, soube que ela já conhecia aquela música e que provavelmente entendia o significado que ele quisera dar à canção quando a escreveu pensando nela.
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I wish you could see your face right now, ‘cause you’re grinning like a fool, and we’re sitting on your kitchen floor, on a Tuesday afternoon…
Sentados no chão da cozinha dela. Ah, sim, ele se lembrava tão bem disso como se fosse ontem.
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Doesn’t matter when we get back to doing what we do, ‘cause right now could last forever, just as long as I’m with you…
Não poderia haver uma frase que explicasse melhor os momentos passados ao lado dela. Até mesmo aquele, com vários metros de distância entre os dois e pessoas que não tinham absolutamente nada a ver com eles, não se importaria que durasse pra sempre. O importante é que, como há muito tempo não fazia, estava
ali, no mesmo lugar que ele. Olhando em seus olhos e entendendo o que mais ninguém entendia: que eles poderiam ter sido feitos um para o outro, mas por um errinho de cálculo de quem quer que seja que tenha cruzado seus caminhos pela primeira vez, aquilo nunca seria possível.
- You’re just a daydream away, I wouldn’t know what to say if I had you… And I’ll keep you a daydream away, just watch from a safe place, so I’ll never have to lose.
Era isso que ela era. Era seu
sonho distante, que ele poderia sempre assistir de longe quando voltasse a tê-la por perto, porque tê-la perto demais, como realmente queria, estava fora de seu alcance. Fora de
seus alcances.
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We would go out on the weekends to scape our busy lives. And we’d laugh at all the douche-bag guys chasing down their desperate wives.
Ele lembrava como se tivessem acabado de viver os momentos em que se encontravam nos fins de semana, depois de meses sem se ver, apenas tentando atualizar um ao outro sobre suas vidas corridas demais pra que encaixassem também um amor impossível no meio delas. E de como riam por qualquer idiotice que vissem na rua, como falavam mal de quem passasse por eles e como, mesmo com a correria do dia a dia, tentavam colocar um ao outro no centro das atenções, pra que, pelo menos uma vez, pudessem ter aquela doce, realmente doce ilusão de que algum dia aquele sentimento esquisito no peito se tornaria mais que isso.
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I would drink a little too much, you’d offer me a ride. I would offer you a T-shirt, and you would stay another night…
Sempre acabavam dessa forma. Conseguiam sentir o fim chegando, lento e doloroso para os dois, e protelavam ao máximo pra que ele chegasse de fato.
“Acho que estou bêbado demais pra te levar em casa”, era o que ele costumava dizer mais vezes nas noites de domingo e ela apenas sorria, dando de ombros e procurando no meio das coisas dele qualquer camisa que fosse mais confortável pra passar a noite ali, até que a segunda-feira chegasse novamente e, como de costume, arruinasse tudo.
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But you’re just a daydream away, I wouldn’t know what to say if I had you. And I’ll keep you a daydream away, just watch from a safe place so I’ll never have to lose.
E ambos sabiam que era melhor assim. Era melhor que a segunda-feira chegasse e arruinasse os planos que tinham sido recém-formados em suas cabeças, simplesmente porque sempre que um voltava para a vida do outro, na próxima semana ou somente no próximo ano, as coisas sempre terminavam do mesmo jeito e não fazia sentido tentar mudar aquilo, porque pra , era melhor tê-la como a garota que sempre voltaria pra sua vida e bagunçaria tudo a não tê-la de forma alguma.
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We never stood a chance out there, shooting love in real time. So we’ll take it over ice tonight, with a little salt and a little lime.
Eles nunca realmente teriam aquela chance que pessoas normais que se apaixonam têm na vida real. Porque suas vidas reais não tinham espaço pra um amor daquele tipo, tão distante, tão confuso.
Tinha espaço apenas para as lembranças que deixava ou as esperanças estragadas e, de certa forma, inúteis, que ambos alimentavam e depois jogavam no fundo de uma gaveta, esperando a volta do outro pra que pudessem desenterrar aquilo tudo e começar de novo.
Então eles apenas se olhavam, sorriam, se encantavam e acabavam colocando aquilo tudo em um copo de bebida e entornando de uma vez só. Porque era boa a sensação de beber aquele sentimento, já que não podiam vivê-lo.
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You’re just a daydream away, I wouldn’t know what to say if I had you. So I’ll keep you a daydream away, just watch from a safe place so I’ll never have to lose…
E então tudo ia embora, como o último acorde da última música mais doce que lhes restava. Porque eles eram um sonho distante e nenhum dos dois saberia o que dizer se tivessem um ao outro.
Por isso, quando terminou aquela música, trocou um breve olhar com o mais distante de seus sonhos e acabou ali. Se encarariam por muito tempo ainda aquela noite e se observariam e assistiriam um ao outro de um lugar seguro. Então o fim chegaria, daquela forma lenta e dolorosa que sempre chegava.
Até que, um dia, a vida cruzasse seus caminhos novamente e tudo começasse como sempre começava para os dois: um sonho distante, querendo se tornar realidade, mas que ambos sabiam ser melhor assistir de longe, pra que nenhum deles pudesse perder.