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My Heart is Open








One


Uma da manhã.

Meu corpo está totalmente arrepiado pelo frio que sinto, submerso pelas cobertas que não fariam a mínima diferença se não existissem. E só tem uma única coisa de que preciso para me fazer parar de tremer. Ele. Mas ele não está aqui e provavelmente não está pensando em mim.
Eu queria apenas sentir aqueles braços envoltos ao meu corpo me esquentando ou apenas olhar para o lado e ver aqueles lindos olhos brilhando no escuro. Porém, a única coisa que tenho é sua imagem em minha mente, o que não é o suficiente.
Eu preciso de mais do que isso, preciso de seus lábios macios suplicando pelos meus, de sua voz falando que me deseja, de seu corpo procurando o meu. Mas não é porque desejo isso que vai acontecer, pelo contrário, parece que quanto mais eu penso nele mais ele foge de mim.
Por que tive que me apaixonar por ele, justo por ele, com infinitos caras por aí? Por que tinha que ser ? Ele é simplesmente um cafajeste e eu sabia disso. Deveria ter me afastado desde a primeira vez que olhei em seus olhos, na primeira vez que encarei aquele sorriso torto, mas agora é tarde demais e tudo em mim pede por ele.
Eu fico me torturando, relembrando nossa única noite juntos, quando ele me deu esperanças, quando ele olhou em meus olhos com luxúria e amor. Talvez eu estivesse inventando tudo aquilo, mas sua expressão, seus gestos me mostravam que aquilo não era apenas sexo, era muito mais do que isso, era doce. Mas ele nem me deu a chance de saber, eu simplesmente acordei no outro dia sentindo a cama grande demais para meu corpo pequeno.
Não havia bilhete, nem uma lembrança de que ele havia passado pelo meu quarto, apenas as marcas que ele deixou em meu corpo e em meu coração.
Mas quando você ama pela primeira vez não é tão fácil de esquecer.
Eu me sinto horrível, estúpida, uma completa idiota por sentir a necessidade de tê-lo de novo ou pelo menos vê-lo, ouvir sua voz rouca, qualquer coisa, mas ele foge de mim. Certas coisas não devem mudar. Não deveria ter me apaixonado pelo meu melhor amigo.
Sim, é – ou era – meu melhor amigo, mas faz quase um mês que ele não fala comigo, me liga ou me manda uma mensagem. É como se ele nunca tivesse existido, pior, como se eu nunca tivesse existido.
Eu sei que ele não é assim com as outras, então por que ele tem que ser assim comigo?
Uma lágrima escorre por minha bochecha e eu, já cansada de me torturar com aquelas lembranças, me encolho, abraçando meus joelhos e caio em um sono profundo onde ninguém pode me machucar.

Xxx


Não fazia a mínima ideia de que horas era, só sabia que continuava a mesma escuridão e o mesmo frio, a única diferença agora era que o silêncio tinha sido substituído pela música R U Mine? do Arctic Monkeys, meu toque de celular. Eu, ainda de olhos fechados, direcionei minha mão para o criado mudo numa busca cega pelo aparelho, esbarrando em meu relógio e óculos antes de finalmente encontrá-lo. Abrindo apenas um pouco os olhos, consegui enxergar o botão para atender a chamada. Deslizei o dedo sobre a tela e logo o chiado do outro lado da linha invadiu meus ouvidos.
– Alô? – disse sonolenta enquanto esfregava meus olhos.
– Senhorita ? – uma mulher de voz doce disse do outro lado.
– Sim, sou eu – disse desconfiada. Eram apenas quatro horas da manhã, constatei ao focalizar minha visão no relógio, quem estaria me ligando a uma hora dessas?
– Aqui é do hospital, a senhorita conhece ? – ela perguntou calma e depois de entender o que ela havia falado senti meu coração acelerar e sentei em minha cama.
– Si... Si... Sim – gaguejei –, ele é meu melhor amigo – falei por força do hábito.
– A senhorita poderia vir até aqui? O senhor sofreu um acidente e precisa de alguém que possa ficar com ele para depois levá-lo para casa – a mulher falou como se fosse a coisa mais comum do mundo, mas a cada palavra que ela dizia eu ficava cada vez mais preocupada.
– Acidente? O que aconteceu? Ele está bem? Foi muito grave? – disparei em perguntas, andava de um lado para o outro, aflita por resposta e sem saber o que fazer.
– Apenas venha ao hospital, explicaremos tudo assim que chegar aqui.
– Ok – tive que respirar fundo para não fazer mais nenhuma pergunta e apenas anotar o endereço do hospital.
Assim que desliguei, corri para meu armário, peguei um sobretudo preto e o coloquei por cima da blusa de manga comprida gigante que eu usava como pijama junto com a calça de moletom rosa claro. Calcei um tênis, peguei a chave de meu carro e corri para fora de meu apartamento. Apertei várias vezes o botão que chamava o elevador na esperança de que assim ele chegasse mais rápido, mas parecia que ele não se mexia e tudo que eu poderia fazer era andar de um lado para o outro.
Parecia que aquele elevador tinha ficado mais lento e que os doze andares, distância do meu apartamento até a garagem, haviam virado trinta. Mas quando cheguei ao meu carro e saí do prédio dei graças à Deus por ser quatro horas da manhã e as ruas estarem praticamente vazias, deixando-as livres para eu ir a toda velocidade sem me preocupar na possibilidade de que outro acidente acontecesse.
Em poucos minutos já estava em frente ao hospital, meu coração mais acelerado do que nunca e eu cheguei a pensar que se eu ficasse mais um segundo sem saber se estava bem eu pararia de respirar e cairia dura no chão.
Estacionei o carro de qualquer jeito e saí em disparada para dentro do prédio. Assim que passei pela porta, eu parei. Fiquei estática encarando aquelas poucas pessoas com expressões cansadas rodeadas pelas paredes brancas e aquele cheiro de morte. O desespero tomou todo meu corpo. E se ele estivesse morto? E mais uma vez naquela madrugada derrubei uma lágrima por ele. Mas aquela era por medo de perdê-lo.
– Senhorita? – um homem disse depositando a mão sobre meu ombro, acordando-me do transe e fazendo com que eu virasse para encará-lo. – Você está bem? – o segurança perguntou preocupado e eu apenas balancei a cabeça encarando o chão incapaz de dizer algo.
Andei lentamente até a bancada onde as recepcionistas se encontravam. Uma delas me encarou esperando que eu dissesse algo, mas me faltava coragem para isso. Eu já podia ver sinais de impaciência em sua expressão.
– O que deseja? – ela disse com a voz um pouco áspera.
– Meu amigo. Ele sofreu um acidente – disse respirando fundo entre as frases.
– O nome dele? – ela perguntou, virando-se para o computador que havia ali.
– disse engolindo seco. Minhas mãos tremiam em agonia.
– Ah, sim. Ele está no quarto 216 – ela disse por fim, dando as costas para mim, deixando claro que nossa conversa havia acabado.
Eu olhei em volta à procura de alguma sinalização que pudesse me indicar a localização dos quartos, mas nada. Talvez eu devesse sentar numa daquelas cadeiras e apenas esperar, mas isso não daria certo, não conseguiria ficar quieta, muito menos em paz enquanto não soubesse do estado em que meu amigo se encontrava.
Foi então que eu vi uma possibilidade. A alguns metros de onde eu estava passava um médico, seus olhos emoldurados pelas olheiras estavam preocupados encarando o chão, seus cabelos estavam bagunçados, ele possuía feições conhecidas, mas por algum motivo eu não conseguia dar um nome àquele rosto.
Eu me aproximei dele, que agora estava com a mão fechada em um punho e seu antebraço e testa estavam encostados na parede. Ele parecia arrasado, talvez eu nem devesse tentar pedir alguma informação a ele, porém, quando ia dar meia volta, o homem virou e me encarou com os olhos marejados.
– ele sussurrou com a voz rouca. Eu não conseguia decidir se ele estava feliz ou surpreso em me ver.
? – pronunciei seu nome, finalmente percebendo quem era, ele havia mudado bastante desde a última vez que o vira. Logo depois disso, falei a primeira coisa que me veio em mente – Seu irmão...
– Eu sei – ele me cortou. – Fui eu que pedi para te chamarem.
– Ele está bem? – eu não acreditava que eu finalmente teria a minha resposta, só esperava que ela fosse positiva.
– Sim... E não – ele pronunciou as palavras e nada foi dito depois disso, eu não tinha coragem para perguntar.
Minha mente era uma confusão de pensamentos. O que diabos estava acontecendo? Por que ninguém podia me dar uma simples resposta? Era como se todos quisessem me torturar, me destruir. É difícil ficar bem quando alguém que você ama não está.
– Me acompanhe – disse e eu reprimi as lágrimas que queriam cair.
Ele estava na frente, me guiando por entre aqueles corredores brancos, que mais pareciam labirintos silenciosos onde se podia ouvir até os pensamentos alheios, mas a única coisa que eu ouvia era o meu coração batendo cada vez mais rápido.
Então, depois de subir escadas e passar por mais alguns corredores, ele finalmente parou em frente a uma porta toda branca que tinha uma pequena janela onde era possível ver o que havia por trás dela e em cima os números 2, 1 e 6 grandes, azuis e chamativos. Eu tinha medo de olhar por aquela janela, medo de abrir a porta, medo de me mover, mas nem por isso minhas mãos paravam de tremer.
– Ele está neste quarto – disse após um suspiro. – Pode entrar, talvez ele esteja acordado – ele deu as costas e deu alguns passos.
– chamei-o antes que ele fosse embora. – Me explique o que está acontecendo – fui firme em minhas palavras, mas por dentro eu estava desmoronando.
– Ele sofreu um acidente de carro – o homem foi direto.
– Como? – a pergunta saiu mais como um gemido de dor. Eu não sabia como processar essa informação, minha vontade era sair correndo dali e fingir que tudo era apenas um sonho, mas minhas pernas estavam fracas demais para isso, por isso apenas sentei na cadeira que havia no corredor não muito longe de onde estávamos.
sentou ao meu lado e logo prosseguiu.
– Ele está bem. Mas...
– Mas o quê? – eu falei um pouco mais alto sentindo o nó em minha garganta avisando que o choro estava quase escapando.
– Há algum tempo ele vem bebendo demais, se drogando, se metendo em várias brigas – ele disse com a voz baixa sem conseguir me encarar. Era extremamente visível que ele estava sofrendo e eu entendia aquilo porque a cada palavra que ele dizia era como se uma faca fosse enfiada em meu coração.
– Por quê? – foi tudo o que eu consegui sussurrar.
– Eu não sei... Achei que você pudesse me ajudar com isso, já que são tão amigos – e eu não consegui dizer mais nenhuma palavra. Talvez se nada tivesse acontecido entre nós e ainda fôssemos amigos nenhum acidente teria ocorrido. – Por isso te chamei aqui – disse depois de algum tempo, dessa vez ele me encarava.
– Nós... Nós não nos falamos há algum tempo – eu disse pausadamente, sofrendo absurdamente por dentro.
– Eu não sabia.
– Tudo bem – disse tentando cortá-lo e evitando uma conversa sobre o motivo pelo qual nos afastamos. – Posso entrar? – perguntei apontando com a cabeça para a porta branca. Ele apenas assentiu e eu levantei, indo em direção à porta, logo em seguida abrindo-a, sem dizer mais nenhuma palavra.
O quarto estava um pouco escuro por ser noite, mas, graças à claridade do corredor, consegui ver uma pessoa deitada na cama, seus cabelos extremamente bagunçados pelo travesseiro e eu sabia que seus olhos estavam fechados, porque se não fosse assim estariam brilhando e se destacando no escuro. Ele parecia estar tão bem, mas o medo de chegar perto e constatar o contrário me consumia.
– Ele só precisa tomar mais um pouco de soro para curar sua bebedeira e depois já pode ir embora. Só está aqui porque pedi – disse atrás de mim. – Fique tranquila – foram suas últimas palavras, acompanhadas por um aperto no ombro, antes que ele saísse.
Depois de algum tempo parada na porta, resolvi fechá-la e finalmente entrar no quarto, me entregando ao escuro e me permitindo esquecer o medo de ver o corpo de cheio de hematomas. Eu me aproximei dele, seus olhos estavam fechados e sua expressão era leve, como se não se preocupasse com nada a sua volta. Em sua sobrancelha haviam alguns pontos e o canto de sua boca estava machucada, como se tivesse levado um soco recentemente, mas fora aqueles dois hematomas não havia mais nada à mostra. Eu suspirei aliviada e segurei sua mão sentindo-a macia entre meus dedos.
– ele sussurrou, ainda de olhos fechados, acariciando a mão que estava entrelaçada com a sua.
– Estou aqui – falei passando minha mão livre por seus cabelos.
– É bom saber disso – ele se aproximou da beirada da cama, onde eu me encontrava e apertou mais minha mão. – Senti sua falta – sua voz estava fraca, poderia arriscar que ele estava chorando e, por isso, algumas lágrimas acabaram escorrendo pelo meu rosto.
– Eu também – disse com a voz meio chorosa. Ele levantou da cama, sentando-se nela e pousou sua mão sobre meu rosto.
– Ei, você está chorando? – ele passou o polegar pela minha bochecha, secando-a. Eu abaixei a cabeça, evitando seus olhos que, mesmo no escuro, eram impossíveis de não se enxergar – Olha pra mim – ele pediu e eu obedeci. Suas mãos se esconderam em meus cabelos negros e ele depositou um beijo demorado em um de meus olhos. – Não chore, pelo menos não por mim. Eu não mereço suas lágrimas – ele sussurrou, sua testa encostada à minha.
– Seu idiota – eu solucei jogando meus braços envolta de seu pescoço e enterrando meu rosto ali. – Por que você sumiu? – disse me entregando ao choro.
– Porque, como você disse, eu sou um idiota que não sabe como agir depois de ter dormido com a melhor amiga – ele respondeu me abraçando forte. – E, que ainda por cima, bebeu todas as noites porque não sabia o que fazer sem você – eu ri do que ele disse e ele me acompanhou. – E então – ele afastou seu rosto de mim, mas ainda estava perto o suficiente para que sua respiração batesse em meu rosto –, você me perdoa? – ele sussurrou em meio ao escuro, eu conseguia ouvir seu coração batendo, seu nariz roçava com o meu e eu sentia seu hálito indicando que sua boca estava entreaberta chamando pela minha. Eu senti meu coração acelerar, sua mão ainda estava em meus cabelos pronta para segurá-los com força e me beijar como eu havia sonhado durante muitas noites.
– É claro – minha resposta saiu como um gemido, uma súplica do meu corpo para que a distância acabasse, mas não foi o que aconteceu. Eu me afastei, com medo de que esse beijo pudesse afastá-lo de mim novamente, coisa que eu não suportaria que acontecesse – O que seria de sua vida sem mim? – disse em tom de humor de costas pra ele. Ele suspirou.
– É, o que seria? – ele falou de um jeito diferente, meio áspero talvez.
– Eu falei com seu irmão – mudei de assunto, encarando-o e vendo que ele já havia encostado suas costas na cabeceira da cama e olhava para suas mãos que estavam sobre seu colo. – Ele disse que você já pode voltar para casa, só mais alguns minutos no soro e...
– ele me encarou, vasculhando meu rosto com seus olhos hipnotizantes. Ficou um bom tempo em silêncio e, apesar de sermos melhores amigos e de eu conhecê-lo como ninguém, às vezes ele se tornava um verdadeiro mistério para mim.
– O que foi? – perguntei quando já não me continha mais de tanta curiosidade.
– Se quiser pode ir embora – finalmente falou, voltando seu olhar para suas mãos.
– Não – sentei-me na cama ao mesmo tempo que a palavra foi dita. – Eu só vou sair daqui quando seu irmão me expulsar e você ainda têm que ir comigo. Entendido? – disse a última palavra dando um leve empurrão em seu ombro. Ele apenas riu e balançou a cabeça.

Two


Meus olhos ainda estavam fechados quando ouvi algumas batidas na porta. Demorei um tempo para abri-los e me acostumar com a claridade, mas assim que o fiz, me deparei com um rosto em uma expressão angelical, seus olhos estavam fechados, sua respiração lenta e calma batia em meu rosto, por conta de nossa proximidade. parecia perfeito dormindo e a luz que passava pelas venezianas semiabertas deixava seu cabelo mais claro e ele ainda mais bonito.
Batidas foram ouvidas novamente, fazendo-me tirar os olhos de para direcioná-los à porta onde estava encostado com um sorriso nos lábios e a aparência bem melhor do que a da noite anterior. Levantei, fazendo o máximo de esforço para não acordar o homem ao meu lado e fui em direção à porta, passando por , esperando-o do lado de fora do quarto.
– Como passou a noite? – ele disse, um sorriso torto brincava em seus lábios na espera de uma resposta.
– Bem – minha voz saiu baixa e sonolenta.
– Ótimo, vejo que fizeram as pazes – falou, virando seu rosto para pequena janela que havia na porta e encarando seu irmão, que agora estava mais espalhado na cama, já que não precisava dividi-la comigo.
– Talvez – suspirei, estava exausta, devo ter dormido algumas horas. – Ele já pode sair? – perguntei assim que voltou a me encarar.
– Já – balançou a cabeça. – Vim aqui justamente para te dizer isso – ele terminou a frase e continuou me encarando. Seus olhos , um pouco mais escuros do que os do irmão, vasculhavam meu rosto, sua boca formava uma linha reta com seus lábios finos e rosados e eu simplesmente não conseguia decifrar sua expressão.
– Er... – olhei para o lado, incomodada com o jeito como ele me encarava. – Então... Já posso levá-lo?
– Já – ele respondeu alguns segundos depois, então me deu as costas e saiu.
Quando entrei no quarto novamente, já estava acordado, suas mãos cobriam seu rosto na tentativa de evitar que a luz irritasse seus olhos, acho. Parei na ponta da cama e esperei que notasse minha presença.
– Não conseguiu dormir ouvindo meu ronco? – perguntou brincalhão e uma risada involuntária saiu de minha boca.
– Claro que não – você parece um anjo dormindo, pensei. – Eu acabei de acordar, seu irmão queria falar comigo.
– Queria? – ele tirou as mãos dos olhos e me encarou, seu rosto não estava leve como sempre, agora estava um pouco mais sério.
– Ele queria avisar que você já pode ir embora – disse, sentando-me na cama.
– Hum – murmurou e segundos depois sua mão voltou a tampar sua visão.
– disse, meu tom pedia por atenção.
– O que foi? – perguntou, virando as costas para mim e enterrando seu rosto no travesseiro.
– Eu tenho duas horas para te levar para casa, voltar para a minha, me arrumar e ir para a faculdade, então levante – disse autoritária voltando a ficar de pé.
Ele retirou o rosto de onde estava, encarou-me mais uma vez e bufou, esfregando os olhos. Sentou-se na cama, olhos semiabertos encarando o chão. Agora, com ajuda da claridade, podia ver as pequenas coisas que haviam mudado no período de tempo em que não estivemos juntos. Ele, que nunca deixava a barba crescer, estava com uma camada de pelos cobrindo seu maxilar, algo que dava um charme a mais a ele. Seu cabelo estava bem mais longo do que me lembrava e agora extremamente bagunçado pelo travesseiro. Eram sinais de que ele estava se cuidando menos, mas nem por isso ele deixava de ficar irresistível.
Dei um leve suspiro ao olhar para seus braços paralelos ao seu corpo e suas mãos que estavam apoiadas na cama, lembrando do jeito que me tocaram na nossa única noite juntos, na noite que assombrava meus pensamentos algumas horas atrás. Desejei senti-lo daquele jeito de novo, mas sabia que isso não aconteceria, porque preferia não tê-lo do jeito que queria a não tê-lo de jeito algum.
Levantei meu olhar para seu rosto, meu corpo sentindo o peso de seu olhar antes mesmo de meus olhos poderem constatar isso. Abracei-me, sentindo algo me incomodar no jeito como ele me olhava, algo que eu não sabia explicar e nem queria. Nossos olhos se encararam por um longo tempo, era como se estivessem conectados e fosse impossível quebrar isso. Sentia meu corpo arder por dentro, não por desejo ou alguma coisa do tipo, era algo melhor, sentia como se minha alma pertencesse a sua e vice-versa. Era algo inexplicável, algo que queria acreditar que ele sentia. Mas não acreditava que isso fosse realmente acontecer.
Ele virou o rosto e eu me senti decepcionada, até mesmo envergonhada, talvez tivesse me olhando apenas para tentar descobrir o que se passava em minha cabeça para encará-lo debilmente. Com certeza era isso, não podia me fazer de tola.
levantou indo até a cadeira que havia no quarto onde algumas roupas estavam dobradas e logo em seguida foi em direção ao pequeno banheiro do quarto. Ele não disse uma palavra, nem olhou para mim novamente. Apertei meus braços contra meu corpo, era como se a falta dele me causasse frio.
Sentei-me na cama, um turbilhão de emoções e pensamentos se passavam pela minha cabeça e eu só queria sair daquele lugar e fingir que nada tinha acontecido, que ele nem mesmo existiu, mas negar não era a coisa certa porque eu apenas esconderia as lembranças e, no final, elas sempre acabariam me pegando novamente.
Precisava acabar com as minhas dúvidas, elas me deixavam louca e me faziam criar algum tipo de esperança. Talvez se ele soubesse, risse da minha cara, mas eu precisava de apenas um não para deixar de criá-las.
A porta do banheiro bateu, levei um leve susto com isso, mas foi o suficiente para me fazer sair de meus pensamentos.
– Vamos? – ele perguntou após infinitos segundos de silêncio. Não respondi, apenas fui em direção à porta, sabendo que ele me seguiria para a fora do quarto.
Percorremos o caminho até a entrada do hospital com apenas o barulho de nossos sapatos ecoando nos corredores brancos e foi assim até entramos no carro. Ele não fez nenhuma piadinha sobre eu ter estacionado meu carro atravessado, nem como com certeza eu teria sido muito xingada por alguém que queria estacionar. Talvez seu irmão estivesse errado, talvez não tenhamos feito as pazes ontem, talvez ele estivesse bêbado demais para se lembrar de alguma coisa que disse. Talvez.
Mas uma coisa eu tinha certeza, ele estava certo: ele era um idiota e eu era apaixonada por esse idiota.

Xxx


Estacionei, enterrando-me no banco do motorista e olhei para aquele prédio que me trazia muitas memórias, queria reviver esses momentos, reviver aquele tempo que, para nós, era tudo mais fácil. Eu queria ouvi-lo concordando comigo, queria ouvi-lo dizendo alguma coisa.
O caminho inteiro ficamos em silencio, a música tocando no rádio e seus dedos batucando irritantemente ao ritmo da música. Minha vontade era de desligar aquele rádio e obrigá-lo a dizer o que se passava em sua mente, dizer o que sentia sobre mim, dizer como seria dali para frente, mas não tive coragem. Não devemos fazer perguntas das quais temos medo da resposta.
– Você quer subir? – perguntou. Sua voz estava rouca por estar tanto tempo sem falar e insegura, parecia não ter certeza do que estava fazendo, o que me fez pensar em recusar, mas tinha medo de que essa pudesse ser a última vez que o veria.
Olhei para o relógio no painel do carro, ainda tinha algum tempo até que as aulas começassem.
– Por que não? – perguntei, tentando parecer o mais relaxada possível, dando um sorriso no final, que não saiu com tanto sucesso.
Saímos do carro, passando pela portaria, onde o porteiro nos cumprimentou como sempre, transparecendo um pouco de curiosidade ao ver o ferimento de e o modo como estava vestido, mas não se deu ao trabalho de perguntar o que houve. Seguimos em direção ao hall dos elevadores, onde não precisamos esperar, já que o elevador estava lá.
abriu a porta para mim e não me contive em arrumar meu cabelo assim que vi meu reflexo no espelho do elevador, um hábito que ele fazia piada porque eu sempre fazia o mesmo, mas dessa vez ele não disse nada. Por mais que eu tentasse fingir que tudo estava normal, ele não deixava.
As portas do cubículo de metal se abriram depois de algum tempo e o silêncio continuava pairando no ar. Ninguém deu um passo, nenhum dos dois disse nada, continuamos encostados às paredes frias do elevador, um ao lado do outro. Não o olhei e sabia que ele não havia me olhado, parecia entretido demais com seus pensamentos para me notar ou até mesmo notar que o elevador já havia chegado em seu andar, enquanto eu apenas pensava em qual seria seu próximo passo.
– fechei meus olhos quando ele disse meu nome, não meu apelido, mas sim meu nome.
– Você queria mesmo que eu subisse com você? – perguntei fraca, olhando para o chão. Ele apenas respirou fundo.
– Acho que você deveria ir para casa – tive que ficar alguns segundos processando aquela frase. Olhei para ele incrédula e, apesar de querer mascarar-me com raiva, sabia que meus olhos demonstravam a mágoa que estava sentindo. – Eu – ele deu um passo à frente, iria continuar, mas fiz um gesto com a mão para que parasse.
– Eu acho que nós deveríamos conversar – disse decidida e não esperei por sua resposta, apenas saí do elevador e fui em direção à porta de seu apartamento.
Ele não demorou muito para me seguir, sabia que eu estava certa e que ele me devia uma boa explicação, aquela que acabaria com a minha loucura e daria um rumo a nossa relação.
Entramos e assim que pisei naquele apartamento pude reparar em cada detalhe que havia mudado.
– Nossa... – suspirei – Como sua casa tá... Arrumada.
– É, eu contratei uma empregada – disse indiferente.
Ele me deixou sozinha na sala e foi até a cozinha, em outros momentos eu já teria me jogado no sofá como se fosse dona da casa, mas agora eu me sentia desconfortável, sentia como se nunca tivesse entrado ali, assim como sentia que não conhecia quem vivia ali.
Estava de costas para quando ele finalmente apareceu, escutei seus passos e me virei e não acreditei no que meus olhos viram. Fui até ele e arranquei a garrafa que estava em sua mão.
– Eu não acredito nisso! – esbravejei. – O dia mal começou, ! Você sofreu um acidente ontem porque estava bêbado!
– Virou minha mãe agora? – perguntou bravo, fiquei surpresa com a sua atitude, ele parecia cansado, mas não um cansaço físico, ele estava cansado de mim.
– Não, mas eu me preocupo com você – disse baixo, mas queria gritar com ele, xingá-lo por ser tão idiota, queria bater nele até que acordasse para a realidade.
– Mas não deveria – pegou de volta a cerveja que estava em minha mão e se jogou no sofá. – O que você tem pra falar? – o que tinha acontecido com ele? O que fizeram com o meu ? Balancei a cabeça incrédula.
– Por que você tá assim? Por que mudou tão de repente? Ontem você estava tão bem, achei que tínhamos nos resolvido e agora você muda drasticamente, parecendo outra pessoa – minha voz parecia quase um grunhido, um misto entre grito e voz de choro.
– Eu tive muito tempo para pensar durante a noite – nem me olhou, apenas continuou bebendo sua cerveja como se a parede fosse mais interessante que eu.
Eu tive de respirar fundo para continuar, para não desabar e começar a chorar.
– Então é isso? É assim que vai acabar? – olhei para o teto, tentando impedir as lágrimas de cair. – Você só precisa dizer um não, ! Um não e eu vou acreditar em você, apesar de tudo que meu coração me diz. Vou ignorá-lo e vou me afastar, nunca mais você vai me ver – mordi meu lábio ao sentir uma lágrima descer pela minha bochecha, a terceira do dia por ele –, mas você tem que olhar nos meus olhos e dizer que você não sente nada por mim.
– Vai embora, – disse, ainda na mesma posição, como se não tivesse me escutado. – Vai embora – eu podia perceber a raiva em sua voz, mas não queria acreditar, era difícil demais.
– Do que você tem tan... – ele levantou tão bruscamente do sofá que me assustou e me impediu de continuar. Andou até mim, suas narinas infladas de raiva, nunca tinha visto este e isso me fez dar alguns passos para trás.
– Vai embora! – ele gritou. – Esse é o meu não para você! Será que não percebe? Eu não te amo! Nunca te amei, nem mesmo como amigo! Sei que você me ama e eu me aproveitei disso para transar com você, porque desde o começo, , transar com você era tudo que eu queria! Então eu espero que você entenda e não volte a me procurar! – ele falou rápido, quase sem respirar, não mudou sua expressão ao ver as lágrimas escorrerem pelos meus olhos, que eu não pude conter mais, eram muitas. Tive de colocar uma mão em minha boca para reprimir os soluços, meu coração estava despedaçado e eu nunca imaginei que seria ele a fazer isso.
Dei as costas para ele e comecei a correr, correr para fora da casa dele, para longe dele. Quanto maior a distância melhor.
Assim que o elevador parou no térreo eu corri e só parei quando estava dentro de meu carro, ignorando o porteiro chamando por mim ou qualquer pessoa que tenha esbarrado, eu só queria fugir dali, sofrer tudo o que tinha para sofrer e depois esquecê-lo e junto com ele as coisas que ele me disse.
Mas eu não consegui nem ligar a porcaria do carro, apenas bati com minhas mãos no volante e senti as lágrimas descerem ainda mais. Eu queria descontar toda minha raiva em alguém, em algo, só que me sentia incapaz de fazer qualquer coisa. Então gritei, afundei minha cabeça no estofado e fiquei lá por um bom tempo, porém eu não estava realmente lá, minha mente estava na casa de , revivendo aquele momento. Ainda sentia sua raiva, lembrava de seus olhos vermelhos, suas narinas infladas, suas mãos fechadas em punhos, seu grito. Não conseguia lembrar-me dele como meu amigo de todas as horas, porque sempre vinham em minha mente as palavras “Nunca te amei, nem mesmo como amigo!”.
Fechei os olhos, tentando ser forte, respirando fundo. As lágrimas ainda desciam pelo meu rosto, mas eram poucas. Conseguia enxergar a rua, as pessoas, o porteiro de olhando-me preocupado, então decidi ir embora e, dessa vez, eu nunca mais voltaria.

Three


Um ano depois...

Estava em frente ao espelho que havia em meu quarto, tinha uma visão de meu corpo inteiro. Meus cabelos estavam presos em um coque que deixava apenas alguns fios soltos, usava um vestido azul que apertava meu corpo até a cintura e depois seu tecido leve descia até os meus pés. Estava realmente linda com ele, parecia algo digno de uma princesa e extremamente caro, nunca imaginei que usaria coisas assim, mas, desde que voltei a namorar com , isso mudou, às vezes achava que ele estava tentando se desculpar pelo nosso último termino e me fazer esquecer o que havia acontecido, mas esquecer uma coisa que fez uma marca no meu coração era impossível, principalmente quando toda vez que eu olhava em seus olhos a imagem dele com outra garota em sua cama voltava a me atormentar. Mas se fosse só isso que aqueles olhos me lembrassem...
Respirei fundo e olhei para o teto na tentativa de impedir as lágrimas de descerem. Fazia tanto tempo desde a última vez que olhei naqueles olhos , os olhos que eu realmente queria ver toda vez que olhava para os de . não tinha me ligado, nem mandado mensagens nesse último ano que se passara, era quase como se ele não tivesse existido e eu acreditaria nisso se toda vez que eu pensasse nele meu coração não batesse mais rápido. Perguntava-me repetidamente se um dia iria esquecê-lo e sempre recebia como resposta um não sussurrado no fundo da minha mente.
Uma lágrima escapou de meus olhos quando pisquei, mas logo a limpei, não poderia me permitir chorar, não agora, muito menos por ele. Aquele era um dia feliz, não poderia ser enevoado com as lembranças do passado. Respirei mais uma vez, me livrando de todas aquelas lembranças, peguei minha bolsa carteira e saí, com certeza já me esperava.

Xxx


Respire.
Inspire.


Tentava dizer isso a mim mesma, respirar e inspirar, mas não adiantava, eu continuava sentindo aquele turbilhão de emoções desde que nossos olhares se encontraram. Era realmente ele, um pouco mais velho, mas os mesmos olhos, o mesmo sorriso e eu ainda sentia minhas pernas tremerem, só de pensar.
Achei que havia superado, que havia enterrado meus sentimentos em relação a ele em algum lugar obscuro de meu coração, mas vê-lo ali trouxe tudo de volta, aquelas reações rindo de mim, mostrando-me que eu estava errada. Percebi que ele sentia o mesmo, seus olhos se arregalaram ao me ver, seus lábios esboçaram um sorriso triste, mas, ainda sim, era um sorriso.
– A quem você está querendo enganar, ? – sussurrei para mim mesma, encarando meu reflexo no espelho do banheiro em que estava me escondendo. – Ele disse que nunca sentiu nada por você, nem mesmo como amiga... Tudo foi sempre uma farsa... – junto com essas palavras uma lágrima deslizou pelo meu rosto e eu me senti uma completa idiota chorando por ele de novo. Respirei mais uma vez. – Ele não merece suas lágrimas – limpei com raiva a única gota em meu rosto. – Você é muito melhor que isso! – minha voz saiu confiante e eu senti uma força que não fazia ideia de que tinha, mas que estava lá agora e isso era tudo o que importava.
Dei uma última olhada para aquela nova eu, então respirei fundo pela milésima vez e abri a porta e, segundos depois, me arrependi.
Ele estava lá, paralisado, sua mão pairava no ar buscando pela maçaneta da porta, enquanto a minha ainda a segurava fortemente tentado estabilizar minhas pernas. Ele me encarava, seus olhos arregalados, seu rosto sem expressão e eu tinha quase certeza que meus olhos, assim como os dele, transbordavam de terror. O que viria a seguir?
– Er... – gaguejou, sua voz mais grossa do que me lembrava. – Eu não sabia que você estaria aqui hoje? – disse desviando o olhar e recolhendo seu braço para perto do corpo.
– Digo o mesmo sobre você – disse ríspida, odiando-o mais do que gostaria.
... – ele sussurrou, descarregando o ar que estava em seus pulmões, quase parecia que ele tirara um peso de suas costas ao pronunciar meu nome, quase. – Eu... – ele parou novamente, parecia atordoado. Senti minha raiva crescer, como ele ousava me chamar assim depois de tanto tempo? E o que viria depois? Um pedido estúpido de desculpas?
– ouviu-se de novo, dessa vez mais alto, de uma voz diferente e eu me senti relaxar ao perceber que estaria salva, – Até que enfim te achei! Te procurei por todo lugar – disse vindo até mim e pegando a minha mão, arrastando-me para longe de seu irmão. – Ah, ? – ele parou um pouco antes de descer as escadas e olhou para o irmão. – Venha também, quero que todos estejam presentes para o que ocorrerá a seguir – e voltou a me arrastar escada abaixo.
Minha cabeça girava, pensava em todas as coisas que poderia ter dito a , em como eu queria fazer com que ele sentisse a mesma dor que me causou, em como minha mão tremia de tanta vontade que tinha de estapeá-lo e de gritar com ele até que não me restassem forças. Mas ao invés de dizer o que sentia, fiquei lá parada, apenas encarando-o.
– Meu amor, está tudo bem? – dei um pulo ao ouvir a voz de sussurrada em meu ouvido, apenas balancei a cabeça afirmando sem saber se poderia confiar em minha voz.
Ele apenas sorriu e entrelaçou nossos dedos, pude perceber que sua mão estava suada, por que ele estava nervoso? Então ele olhou para frente e eu pude ver todas aquelas pessoas bem vestidas, as mulheres com vestidos finos e caros e coberta por joias maravilhosas, os homens com ternos feito sob medida, todos nos encaravam. Nunca pensei que poderia me sentir tão deslocada.
– Muito obrigado pela presença de todos vocês nessa noite tão especial – começou, falando num tom alto para que todos que estivessem ali pudessem ouvi-lo e, o pior, chamando ainda mais atenção para nós, senti vontade de me encolher. – Muitos de vocês já sabem por que estão aqui, mas uma das pessoas mais importantes pra mim nesta sala não sabe e eu queria dizer algumas palavras a ela – ele se virou para mim e segurou minhas duas mãos e pude perceber o quanto ele estava nervoso ao olhar nos meus olhos. – o que estava acontecendo? – Nesse último ano você se tornou uma das pessoas mais essenciais na minha vida, sei que em outros tempos eu traí sua confiança e isso me fez sentir a pessoa mais horrível do mundo, mas você me deu uma nova chance e eu prometo que vou honrá-la e, se você me der o prazer, vou fazer isso pelo resto da minha vida – se ajoelhou e todos meus músculos se enrijeceram, sem coragem alguma para se mover, finalmente entendi o que estava acontecendo. Eu não acreditava no que meus olhos viam, nem em um milhão de anos eu imaginaria essa cena. Nós nunca conversávamos sobre o futuro, nunca falamos em nos casar e agora ele me pediria em casamento na frente de um monte de gente, sem nem saber o que eu desejava para o meu futuro? Senti uma dor no peito, queria simplesmente fechar os olhos e sair daquele lugar, mas já era tarde demais. – , quer se casar comigo?
Eu, ainda paralisada, sem conseguir me mexer ou até mesmo respirar, senti meus lábios abrirem e as palavras saíram quase como um sopro.
Sim.
O cômodo todo explodiu em alegria, mas eu não me sentia assim, porque ele não era quem eu queria, apenas tinha os mesmos olhos.

Xxx


Eu encarava o céu, mas minha mente estava em qualquer outro lugar que não fosse naquele balanço do lado de fora da casa de , tinha perdido a conta de quantas pessoas desconhecidas me desejaram felicidades, assim como eu já tinha perdido a conta de quantas taças de champanhe eu já havia bebido, mas mesmo assim eu continuava sóbria o suficiente para continuar pensando no que havia acontecido, continuar sentindo todas aquelas emoções umas misturadas às outras.
O que foi tudo aquilo? Uma festa de noivado surpresa na qual nenhum dos meus parentes ou amigos estava? Tudo aquilo era tão diferente do que eu queria, mas mesmo assim eu havia dito sim. E eu me odiava tanto, porque só naquele momento eu percebi que ainda amava e que se fosse ele fazendo o pedido, não importaria se eu conhecia todas aquelas pessoas ou não, não importaria o lugar, ou a hora, eu diria sim sem nem pensar e diria aquilo verdadeiramente enquanto meu coração se enchia de felicidade sabendo que estaríamos juntos pelo resto de nossas vidas. E eu era uma completa idiota por pensar assim mesmo depois de todas aquelas coisas estúpidas que ele disse para mim.
Ainda o odiava, sabia disso, mas é preciso se importar demais com alguém para odiá-la como eu o odeio e é ainda mais difícil apagar da sua vida alguém que você se importa, porque você simplesmente se engana, diz para si mesma que tudo acabou, mas sempre está pensando nele e, quando você simplesmente ouve o nome dele e seu coração não bate mais rápido, você pensa que tudo acabou, que você superou, mas então você olha nos olhos dele e cada minuto bom da sua vida em que ele estava presente surge como num passe de mágica.
Encarei o céu escuro mais uma vez, na tentativa de impedir aquelas lágrimas estúpidas de cair. Tomei o resto de champanhe que ainda tinha na minha taça e depois desisti de tentar evitar, apenas encarei o gramado enquanto minhas lágrimas rolavam pelo meu rosto.
– Sabia que iria te encontrar aqui – não me virei para ver quem era, não precisava. se sentou no balanço ao meu lado. – Quer mais champanhe? – perguntou erguendo a garrafa. Apenas levantei minha taça, deixando que ele a enchesse, tomando todo o líquido em apenas um gole, após ele ter afastado a garrafa.
Fez-se silêncio, os minutos seguintes foram apenas ouvindo os rangidos que os balanços faziam enquanto íamos para frente e para trás. Lembrava que sempre ficávamos naqueles balanços quando me chamava para algum evento na casa dos pais que ele era obrigado a aparecer, mesmo odiando tudo aquilo.
? – ele me chamou, mas não quis responder, não queria conversar porque não queria me entender com ele, muito menos odiá-lo ainda mais. Ele tomou mais algumas goladas do champanhe e depois voltou a falar: – Você não pode casar com ele – nunca ouvira sua voz tão triste como naquele momento, então virei-me para encará-lo. Seus olhos estavam apreensivos.
Eu sei, queria dizer.
– Por quê? – disse com mais raiva do que pretendia.
– Porque... – ele respirou fundo, balançou a cabeça, querendo não me encarar. Senti medo do que ele iria dizer, parte de mim queria que ele dissesse que me amasse, mas a outra parte de mim dizia que isso era impossível. – Ele... Ele está te traindo de novo – ele falou baixo, quase como se tivesse medo de que eu o escutasse e depois me encarou, seus olhos aflitos procurando alguma resposta em minha expressão, mas nem eu mesma sabia o que eu sentia.
Levantei-me abruptamente, sentindo uma raiva repentina tomar conta de mim enquanto olhava para , era como se todas as coisas que eu senti e trancafiei durante um ano tivessem voltado à tona e tudo o que eu queria era gritar com ele.
– Então é isso o que você veio fazer aqui? – gritei, ele me olhou assustado. – Acabar com minha relação com ? Me fazer sofrer mais uma vez? É tudo o que você quer? Por que você não vai procurar algo para fazer da sua vida, ein? Pare de ser um garotinho que vive às custas dos pais e vá fazer algo da sua vida! – joguei a taça que estava em minha mão perto de seus pés e saí de lá o mais rápido que meus pés permitiram.
Ele não se levantou, não falou nada, nem mesmo tentou me impedir de sair de lá. Ele simplesmente ficou sentado naquele balanço me vendo ir embora. O pior de tudo isso era que eu queria que ele viesse atrás de mim, me pedisse desculpas, dissesse que o que eu disse não era verdade, que ele não fizera aquilo para me machucar, que só queria me proteger. Mas aquilo tudo não importava, já tinha feito minha escolha antes mesmo de sentar naquele balanço.

Four


Parei segundos antes de entrar pelo salão apenas para limpar as lágrimas que haviam caído e respirar fundo, tomando coragem para o que viria a seguir. Então eu entrei, havia algumas pessoas ali ainda, espalhadas conversando umas com as outras, ninguém pareceu notar minha presença enquanto eu vasculhava o local à procura de , mas, mesmo antes de terminar de procurá-lo pelo salão, eu já sabia que ele não estaria ali.
Fui em direção à enorme escadaria que havia no local, meu pensamento focado em apenas uma coisa, tão focado que não percebi a mãe de se aproximando, só notei sua presença quando ela segurou meu braço levemente, mas o suficiente para me parar.
– Está tudo bem, querida? – perguntou ela com sua voz doce e controlada de sempre e com o mesmo sorriso ensaiado estampado em seu rosto. Perguntava-me se ela sorria para mim ou para as outras pessoas que a observavam.
– Sim, está – disse tentando fazê-la soltar meu braço, mas ela continuou a me impedir que subisse as escadas.
– Onde você vai?
– Ao escritório, procurar – respondi, mas ela continuou a me segurar.
– Ah, meu anjo, ele está ocupado agora. Espere alguns minutinhos e ele já irá descer – ela continuava com aquele sorriso falso no rosto.
– Acho que posso ir ao banheiro enquanto espero, não? – perguntei, olhando para sua mão que segurava meu braço e depois olhando para ela com uma das sobrancelhas erguidas. Ela apenas riu, sem graça e soltou meu braço.
– Ah, claro – ela disse enquanto eu subia as escadas.
Assim que cheguei àquele extenso corredor que havia depois das escadas, já sabia onde deveria ir. Sentia a sensação de déjà vu, mas dessa vez eu não me surpreenderia, sabia pelo que estava esperando e quando o encontrasse saberia exatamente o que dizer, dessa vez eu não correria, muito menos choraria.
Antes mesmo de entrar no cômodo já conseguia ouvir suas vozes, não me importei em tentar entender o que diziam, não sabia se isso me faria dar meia volta e sair correndo daquele local. Dessa vez não respirei fundo, não precisava disso para ganhar coragem, a raiva que sentia dentro de mim era tudo o que eu precisava. Abri a porta abruptamente, pegando-os de surpresa, meus olhos não se surpreenderam com o que viram.
Havia uma garota em cima da escrivaninha, seus cabelos loiros caíam em cascata pelas costas, seu vestido longo havia subido até a metade de suas coxas, não conhecia seu rosto, nem queria. estava entre suas pernas, seu cabelo desgrenhado, alguns botões de sua camisa estavam abertos.
– Por quê isso não me surpreende? – disse com um sorriso amargo no rosto.
, eu... – ele tentou se ajeitar e sair de perto da garota, que não havia feito nada além de se encolher desde que adentrei o cômodo.
– Não – disse levantando minha mão em um movimento para que parasse. – Não se dê o trabalho – andei até a escrivaninha tirando o anel de noivado que ela havia me dado e o coloquei em cima da mesa. – Não quero ver você nunca mais na minha vida – disse séria, sem emoção alguma na voz. – Não pense que é por causa da sua traição, só percebi que seria uma tortura passar o resto da minha vida com um idiota igual a você – ele me encarou com raiva, não sabia se eram pelas minhas palavras ou se pelo simples fato de tê-los interrompido, mas não deixei que ele dissesse nada, não queria ouvir, não me importava, apenas saí daquele local, meus pés batendo firme contra o chão.
Assim que senti o vento bater em meu rosto, não senti vontade de chorar, de gritar, nem nada do tipo, apenas senti um alívio tomar meu corpo. Mas ainda tinha alguma coisa em mim, me incomodando, algo que precisava ser resolvido, sentimentos que deveriam ser externalizados.

Xxx


Sentia meu coração batendo contra meu peito tão rápido que eu poderia ouvi-lo, minhas mãos tremiam, suavam e estavam frias de tanto nervosismo. Mal tinha conseguido dormir à noite porque não conseguia fazer minha mente parar de pensar em todas as coisas que eu queria dizer a , todas as coisas que ele poderia me dizer e essas dúvidas me enlouqueciam. Por isso estava ali às oito horas da manhã de um domingo, cabelos presos de qualquer jeito, bolsas escuras envolta dos olhos, tentando reunir coragem para levantar o dedo e apertar um botão.
Você precisa fazer isso, você precisa saber. Disse a mim mesma, enquanto respirava fundo e apertava campainha, o barulho ecoou pelos meus ouvidos e tudo que se seguiu foi silêncio. Comecei a andar de um lado para o outro, talvez focar minha mente em outra coisa, mas ela não parava por sequer um segundo. Talvez ele nem estivesse lá, talvez nem quisesse me ver e eu aqui, no corredor, andando de um lado para o outro feito uma idiota. Talvez eu simplesmente devesse ir embora, começar uma vida nova, trancafiá-lo no fundo de minha mente e esquecer que algum dia ele existiu...
Então a porta se abriu e ele estava lá, escorado ao batente da porta, seus cabelos totalmente bagunçados, usava apenas uma calça de moletom cinza, seus pés estavam descalços, postura de quem havia acabado de acordar, esfregando os olhos com os dedos. Ele estava lindo e eu apenas o observava, abraçando-me enquanto toda a confusão de minha cabeça sumia e dava lugar a um completo vazio.
? – ele gaguejou quando finalmente abriu os olhos e me encarou, sua voz estava rouca, o que fez meus pêlos se arrepiarem.
– Oi – disse tão baixo que nem sabia se ele tinha ouvido.
Ele ficou me encarando por infinitos segundos como se não acreditasse que eu estivesse mesmo ali, como se tudo fosse apenas uma alucinação, enquanto eu o encarava de volta, tentando lembrar o que tinha ido fazer ali, tentando não me entregar ao impulso de ir até ele e abraçá-lo.
– Você... Você quer entrar? – ele disse lentamente, dando espaço para que eu passasse.
Passei por ele sem dizer nada, caminhando direto para o sofá e sentando-me. Fiquei um bom tempo encarando a parede, sabia que ele estava parado ao meu lado, braços cruzados, enquanto me encarava.
– Você tá bem? me disse que você rompeu o noivado... – apenas balancei a cabeça afirmando. – Ele também me acusou de ser o culpado disso... – ele disse mais baixo.
– Bom... Foi você que me disse que ele estava me traindo – falei, sem ainda o encarar, odiando-me quando ouvi minha voz vacilar.
– Foi exatamente o que ele disse, na verdade gritou – ele riu e ouvir aquela risada baixa fez com que um sorriso brotasse em meus lábios. – Fico feliz... – ele deixou essa frase no ar por alguns segundos, mas assim que eu o encarei sem entender ele logo completou – Por ter me ouvido.
– Por que fez aquilo? Por que disse que eu não deveria me casar com ele?
– Porque me importo com você – me encarou com tanta intensidade, que me encontrei em transe, sem conseguir fazer nada a não ser viajar por seus olhos, tentando desvendar as emoções que se encontravam nele. – Você merece alguém melhor do que ele, alguém melhor que eu.
Levantei-me abruptamente, aquelas palavras me fizeram despertar e o pânico se apossou do meu corpo. Tinha medo das intenções dele com aquelas palavras, medo de que aquilo fosse apenas um sonho e que logo fosse acordar em minha cama, sem ele novamente. Logo comecei a andar com o objetivo de sair daquele lugar, mas, a uma pequena distância da porta, senti sua mão envolver meu braço, fazendo-me parar.
, por favor, me escuta – eu não movi um músculo, continuei parada de costas para ele, sua mão ainda em meu braço. – Nunca quis te magoar... – ele começou e quando viu que eu não falaria nada, continuou: – Precisava te deixar livre pra que encontrasse alguém que te fizesse feliz – eu não sabia o que dizer, eu havia imaginado ele dizendo essas coisas pra mim tantas vezes, que agora tudo parecia irreal demais. – Olha pra mim, por favor – sua mão deslizou pelo meu braço, indo de encontro a minha mão e entrelaçando nossos dedos, olhei para baixo sentindo lágrimas caírem, querendo olhá-lo, mas sem conseguir. – Eu precisava fazer você me odiar, fazer você ficar longe de mim porque eu nunca aguentaria ter apenas sua amizade! Assim como eu nunca aguentaria te fazer sofrer! , você me conhece, mais do que eu mesmo, sabe que eu não tenho jeito com mulheres e me mataria saber que eu te magoei! – ele falava rápido, em sua voz havia desespero e cada vez mais ele apertava minha mão contra a sua. – Eu não aguentaria saber que eu magoei a única pessoa que eu já amei!
Meu ar se foi ao ouvir aquelas palavras e eu precisava olhá-lo para ter certeza que aquilo era real e senti mais lágrimas escorrerem pelo meu rosto ao ter a visão de um frágil, com seus olhos vermelhos, rosto molhado pelas lágrimas e olhar cheio de esperança e expectativa. Ele passou as costas de sua mão livre em meu rosto e eu pisquei lentamente, sentindo falta de seu toque.
– Eu não quero te perder de novo, ... Mesmo tendo se passado um ano, não teve um dia que eu não tenha pensado em você, que eu não tenha sentido sua falta.
Ele sussurrava, como se o que dissesse fosse um segredo que apenas nós dois pudéssemos saber. Ele segurou meu rosto com suas duas mãos, como se prendesse meu rosto para não desviar meu olhar do dele, mas não faria isso, mesmo se pudesse.
– Eu te amo, . E eu prometo que, se você deixar, eu vou fazer você a mulher mais feliz do mundo. Abra seu coração para mim, deixa eu tentar me redimir por todos os erros que eu cometi – ele encostou sua testa na minha e eu conseguia sentir sua respiração quente em meu rosto, suas mãos macias em minha pele, nada mais importava naquele momento, eu sabia o que eu sentia por ele e saber que era recíproco me dava esperanças de ter o final feliz que eu sempre quis. Não precisava mais me torturar, não precisava esquecê-lo, tudo o que eu precisava fazer era me entregar.
Meu rosto se inclinou em direção ao dele e nossos lábios se tocaram de uma forma simples e delicada, não conseguia me mover, nem mesmo respirar, não conseguiria fazer nenhuma dessas coisas até que ele fizesse algo. Então seus dedos se entrelaçaram em meus cabelos, puxando-os levemente para traz, aprofundando o beijo e eu me permiti respirar novamente, enlaçando seu pescoço com meus braços com força porque não aguentaria vê-lo partindo novamente.
Ele separou sua boca da minha e me encarou. Seus lábios estavam puxados em um sorriso e seus olhos me encaravam pedindo por uma resposta, uma confirmação para algo que ele já sabia, eles brilhavam, mas desta vez não era pelas lágrimas.
– Eu quero você! – disse, minha voz falha por causa do choro, mas ainda assim feliz. – Não posso passar mais nenhum minuto tentando te esquecer porque eu não consigo, eu não quero. Meu coração sempre esteve aberto para você, só você não viu.
Então voltei a beijá-lo, porque nenhuma palavra poderia descrever o que eu sentia naquele momento, nós só precisávamos sentir. Não importava o mundo lá fora ou o que aconteceria depois, porque, naquele momento, eu tinha ele e ele tinha a mim.

Fim



Nota da autora: sem nota. (26/10/2016)




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