Postada em: 24/10/2020

Capítulo Único

Os olhos dela estavam fixos no longo horizonte anil, e sua face estava serena, em paz. Em silêncio, ela permanecia apoiada na amurada do navio. Sua figura era iluminada pelos últimos raios solares se fundindo ao longe no oceano. As lamparinas eram acesas pelos marujos, e, ainda assim, ela parecia imperturbável, perdida em seus pensamentos.
Gostaria de saber o que se passava pela aquela brilhante mente. Negra . Futura rainha da Itália, atual herdeira do trono; seu irmão havia abdicado o trono por amor e então a responsabilidade de comandar um país caíra sobre aquela jovem mulher.
Eu a observava de modo distante, às margens de sua vida. Ela me salvara uma vez, poderia não se recordar, porém as imagens eram vívidas em minha mente. Atualmente, estava à serviço do capitão Harrison, dono do navio e o mais próximo que eu tinha de um pai. Como imediato, era o segundo no comando daquela embarcação. No entanto, usufruía do privilégio de observar a figura feminina atentamente enquanto guiava o navio em direção ao País de Gales.
Acompanhava sua rotina diária, seus passeios ao longo de todo navio. era semelhante ao oceano: calma, às vezes; em outras, furiosa, como as águas quentes do Atlântico. Ela não temia o mar. Sua admiração e fascinação a impulsionavam a se aventurar em cada oportunidade que conseguia.
Balancei minha cabeça levemente, virando o leme a noventa graus estibordo. Boa parte da tripulação não sabia o que nos aguardava nas próximas horas. As águas em que navegávamos guardavam perigos que um inexperiente capitão perderia sua vida. Embora Harrison fosse um lobo do mar, ele temia o trajeto que seguíamos. Muitos havia perdido a vida por causa do Labirinto do Kraken, um conjunto de escarpas, que parecia a boca do animal mitológico.
Acompanhei a distância Margarete confrontar . A filha do maior comerciante do reino italiano possuía inveja da vida que a princesa levava e de como era tratada por todos. era amada pelo seu povo por ser uma governante realmente preocupada sobre as questões reais. Ela se envolvia, ouvia e interagia sem qualquer medo, pouco se importando com as regras que regiam como deveria se portar. Ela quebrava-as para estar onde precisavam dela. Vincent logo chegou, acalmando os ânimos. sabia dos reais sentimentos que seu melhor amigo nutria por ela, assim como detinha conhecimento da corte que ele prestava a Margarete. Vincent Went, comandante da cavalaria real e filho do chefe de segurança da família real italiana Giovane Went. Ele havia crescido com a princesa, e era questão de tempo até ele se apaixonar por ela. No entanto, o coração daquela dama era inatingível, talvez porque ele já fosse ocupado em amar os oceanos.
Enquanto acompanhava a cena à minha frente, me permiti voltar ao passado, ao momento exato em que a conheci. Com a brisa fria do oceano, fui invadido pouco a pouco pelas memórias.

15 anos atrás...

Branco
. Tudo à minha volta parecia um oceano sem fim de neve. Famílias passavam pela entrada do beco em que estava encolhido, alheios ao meu sofrimento. As lágrimas haviam secado na primeira leva de neve, e o frio entorpecia meus sentidos. As montanhas de lixo não ofereciam qualquer perspectiva de algo que pudesse usar para me aquecer. Os farrapos que envolviam meu corpo eram finos demais para suportar as baixas temperaturas. A fome havia desaparecido, ou assim tentava me convencer. Meus pais haviam partido tinham algumas semanas. O médico do vilarejo havia confirmado suas mortes, e a casa fora tomada pelo senhorio que controlava a pequena vila. Minha vida se tornara ainda mais difícil. No entanto, buscava acreditar que havia um Deus que cuidava de mim. Minha mama me contava histórias magníficas sobre o Papai do céu, de que havia sempre um anjinho da guarda cuidando de mim. Todas as horas, a cada minuto de cada mísero dia, implorava por uma solução, mesmo que ela fosse a de me juntar aos meus pais no céu.
Só não suportava permanecer sozinho, esquecido, com fome.
Quando estava quase pegando no sono, encolhido no canto mais escuro do beco, ouvi passos. Fortes e decidido. Tentei me esconder, encolhendo-me o máximo que podia. Guardas cruéis patrulhavam cada canto do pequeno vilarejo atrás de órfãos como eu. Temíamos mais eles do que a morte. O destino podia ser cruel.
— Majestade, vamos retornar ao castelo de Lorde Michèle Crispino.
— Não retornarei até encontrar Kiara.
Duas vozes femininas soaram próximas ao local em que estava. Ousei olhar sobre a pilha de lixo, avistando duas figuras, uma mulher coberta com vestes pesadas para se proteger do frio e uma garotinha, da minha idade, andando de um lado para o outro no beco, chamando por um nome. Provavelmente havia perdido seu animal de estimação.
— Vamos embora, majestade. Seus pais logo viram atrás de você. — A mais velha insistiu num pedido urgente.
— Kiara não sobreviverá se passar a noite fora do castelo. — A garotinha implorou por mais tempo, com os olhos marejados.
— Seus pais podem lhe dar outro filhote, minha princesa. — A mais velha insistiu.
— Eu não quero outra! — E, então, a princesa foi se embrenhando cada vez mais perto de onde estava até, é claro, me descobrir.
Seus olhos marejados exibiram um olhar bondoso. Ela se abaixou até estar na mesma altura de minha face. Suas roupas eram belamente costuradas. Ela estava protegida da neve por um manto quente, que cobria seus braços e a cabeça, e havia uma espécie de um capuz provindo do manto.
— O que está fazendo aí, princesa? — Uma voz masculina soou ao lado dela. Ambos voltamos nossos olhares para o guarda, que estava logo atrás dela.
— Precisamos ajudá-lo! — Ela falou num tom firme para uma criança. Desconfiei que todas as crianças pertencentes à nobreza fossem assim.
— Nós vamos, o levaremos para o orfanato. — O guarda garantiu a ela.
Per pieace, não! — Minha voz soou fraca e quase inaudível.
— Você terá um bom lar, bambino. — O guarda me ofereceu um sorriso, embora seu olhar dissesse o contrário, o que causou uma onda de frio maior do que a baixa temperatura me fazia sentir.
, meu nome é ! — Soltei a sentença num fiapo de voz.
— Lilian, vamos levá-lo para mio papa. — A princesa elevou seu olhar para o guarda com teimosia.
Mia bambina, o cavalheiro já disse que ele será bem cuidado no orfanato. — A mais velha se agachou à frente da princesa, limpando os flocos de neve do manto da pequena.
! — Uma voz grave retumbou por todo beco.
Mais que imediatamente, a garotinha correu até a figura masculina que a chamara. Era o rei . Mama suspirava por ele toda vez que íamos a Turim. Passeávamos na primavera pelos canais que levavam até à capital. O guarda me pegou em seu colo, já que eu mal conseguia me levantar, e a babá de permanecia com a cabeça baixa, envergonhada por ceder aos caprichos da jovem princesa. Um garoto mais velho que a princesa surgiu ao lado de outro. Ambos riam, porém calaram-se ao depararem-se com a estranha combinação de um guarda segurando um espectro de um garoto, a babá de cabeça baixa e o rei com sua filha no colo.
— O que aconteceu, minha bambina? — O rei questionou sua filha de modo carinhoso.
— O que foi que você aprontou dessa vez, sorella? — Príncipe indagou.
Papa, não quero que mio amico vá para o orfanato. — balbuciou, com os olhos marejados.
— Querida, ele vai encontrar uma famiglia que o amará. — O rei beijou a testa da princesa.
Amico? — Questionou o garoto ao lado do príncipe.
Papa, podemos levá-lo conosco? Ele vai ter uma famiglia se vier conosco para o castelo! — A jovem princesa tentou, no entanto, acabei perdendo a consciência por estar muito fraco.

Atualmente…

A jovem princesa conseguira convencer seu pai até o castelo de lorde Michèle. Escapara do orfanato após Capitão Harrison garantir que cuidaria de mim. Passei semanas na cama, desnutrido e doente. Fora uma tarefa árdua recuperar minhas forças. E, após recuperado, busquei agradecer àquela que me permitira ter uma vida decente. No mar, adquiri força e resistência. Harrison nem sempre era um marujo fácil de se lidar, principalmente quando havia rum em seu organismo. O tempo me trouxera lições valiosas.
Eu entendia meu lugar. Podia observar a princesa quando estávamos levando a família real para seus diversos destinos ou quando éramos convidados a permanecer hospedados na capital.
Jamais a teria ou poderia lhe dizer o que sentia. Porém, o simples fato de poder observar de longe era o suficiente. Minha doce lady, a garota que me salvara da morte certa. Meu anjo da guarda!
Com um sorriso amigável lançado em minha direção, senti que havia descoberto o mais precioso tesouro. De fato, o havia: o amor era algo dificilmente de ser achado.
Eu a amaria pelo resto de minha vida e ficaria feliz em vê-la comandar o país. Eu a admiraria nas sombras. A teria sempre por perto, em minhas lembranças...
É claro, se sobrevivesse às ondas furiosas que atingiam a embarcação. Os ventos da tempestade agitavam as ondas. Água e mais água invadia a proa.
O caos havia se instalado! Havíamos chegado às portas da Boca do Kraken…


Fim?



Nota da autora: A fiction foi completamente baseada no período romântico da literatura. No qual a amada está num pedestal. Quis trazer um pouco de sentimentalismo e sincretismo numa área que pouco costumamos explorar.
Obrigada a todos que leram!

Palavras italianas utilizadas:

  • Per piace: por favor.
  • Sorella: irmã.
  • Famiglia: família.
  • Amico: amigo.
  • Bambina/Bambino: pequeno, pequenino, garotinha (o).
  • Papa/Mama: pai e mãe.


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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