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Prólogo


Liverpool, Inglaterra. 2005

A floresta não parecia tão sombria aos olhos de Alastair Black. Todas as histórias que ouviu dos moradores pareciam exageradas demais. Mas no fundo, ele sabia que não era exagero e o motivo para tanto alvoroço era o mesmo pelo qual ele estava ali: Young. A pequena Young. Abandonada pelos pais no meio de um monte de mato e galhos. Ninguém sabia o paradeiro deles e algumas pessoas já tentaram tirar a garota de lá, mas era em vão. Ela sempre assustava todo mundo ou acabava machucando alguém. A procura pela garota já estava firme há mais de uma semana. Não era muito comparado ao tempo que eles demoraram para achar outros como ela, mas Alastair sabia que cada segundo daquilo valia a pena. Sabia que, no final das contas, ela seria importante como os outros, seria acolhida como os outros e, além de tudo, se sentiria em um lar, novamente.
O barulho de algo se movendo chamou atenção do homem e antes que ele pudesse procurar o lugar de origem do som, seu corpo foi atirado contra a árvore mais próxima e ele continuou no ar, sentindo uma falta imediata do chão em seus pés.
– Quem é você? – Uma voz baixa foi ouvida, feminina e fina, claramente de uma pessoa que não deveria ter mais de dez anos. Alastair virou o corpo para aonde o som vinha e reconheceu quem queria encontrar, fácil como tirar doce de um bebê.
Young? – perguntou, analisando os traços infantis e o maltrato do tempo vivido na floresta. Parecia um animal escondido entre as árvores e os galhos. As roupas rasgadas e a sujeira na pele ainda aumentavam essa impressão.
Quem é você? – Dessa vez, o tom não saíra tão baixo como da primeira, havia algo nos olhos dela que fez Alastair temer por alguns segundos, até o momento que ele lembrou que era, ninguém menos que, Alastair Black. Uma criança enraivada não poderia fazer mal algum para ele.
Os olhos dela cintilavam num vermelho vivo, parecendo o próprio fogo e representando algo estranho. O homem sabia que não deveria ter medo, mas ele não conseguia se sentir calmo ali. Alastair fechou os olhos e se concentrou, sentindo o corpo se arrastar pelo tronco da árvore até o momento que finalmente seus pés tocaram a terra fofa, trazendo um pouco de alivio consigo.
– Alastair Black. – Respondeu, sabendo que aquilo não diria nada, ela não devia o conhecer. – Sou como você.
E aí o brilho enfurecido nos olhos da criança sumiu. Ela devia se sentir daquele jeito por ter alguém invadindo a pouca coisa que ela tinha como seu espaço pessoal, afinal, aquela floresta estava sendo seu lar nos últimos meses.
– Vá embora, eu não quero te machucar – falou, sua voz estava assustada e o brilho avermelhado dos seus olhos parecia mais curioso do que enraivecido. Ela estava assustada também; não sabia o que aquele homem queria e nem porque estava dizendo aquelas coisas. Já tinha ouvido algumas pessoas falarem de uma equipe que iria vir até a floresta para estuda-la, mas não sabia como nem quando. Temia que esse dia chegasse.
, você não vai me machucar. – O homem insistiu, tombando a cabeça para analisar a menina com mais precisão. Ela não devia ter nem 1,50 de altura, vinte ou trinta centímetros a menos; tinha um rosto de boneca e podia enganar facilmente qualquer pessoa. Alastair soltou o ar longamente, fechando os olhos por alguns segundos e sorrindo ao ouvir um gritinho vindo da criança. – Vê? Sou como você. – Ao abrir os olhos, não só flutuava, mas também várias pedrinhas e alguns bichos pequenos, parecendo tão abismados quanto a própria.
Lentamente, todos voltaram ao chão.
– Se eu perguntar algo, você me responde com sinceridade? – assentiu com a cabeça ao ouvir a pergunta de Alastair. – Por que não aceitou ajuda dos outros?
– Meus pais não me deixam falar com estranhos. – A criança deu de ombros e olhou para baixo, parecendo arrependida por estar falando com um estranho. – Qual seu nome?
– Alastair Black. – Repetiu, rindo por dentro ao perceber a confusão da garota. Já havia respondido aquilo antes, não? – Onde estão seus pais?
– Eles saíram. Me pediram para esperar aqui.
– Isso faz quanto tempo, ? – Ela parou para contar e deu de ombros, corando em seguida. Não sabia porque as pessoas a achavam tão assustadora, era apenas uma criança apavorada. – Se eu disser que vou te levar para um lugar, com pessoas como nós dois, você vem?
deu dois passos para trás. Não sabia se devia ou não confiar no homem. E se tudo fosse uma mentira? E se ele quisesse estuda-la como os outros? E se ele a prendesse em algum lugar?
– O que vocês vão fazer comigo?
– Nós vamos ajudar você. A controlar tudo isso. Seus poderes, como usá-los, onde e quando. As pessoas não terão mais medo de você e você vai saber como não machucar ninguém. Seus pais não vão voltar, . Se você quiser mudar isso, vai ter que confiar em mim.
percebeu que não tinha muitas escolhas. Ela queria ser uma criança normal, brincar de boneca e ter uma cama para dormir à noite. Então, ela estendeu a mão até Alastair e assentiu com a cabeça. O homem sorriu de lado e quando abriu os olhos, o vermelho havia se dissipado.

Dublin, Irlanda. 2007

O garoto se escondeu entre alguns vendedores, observando os homens que o seguiam disfarçadamente. Eram péssimos em disfarçar algo, já que o garoto os conhecia sem nem olhar quem o seguia. Já sabia como eram seus passos, o som que eles faziam e o jeito que andavam tentando se esconder entre as pessoas.
Naquela cidade havia adotado o nome de Patrick, pela falta de criatividade e ao chegar no dia que comemoravam o St.Patrick’s Day. Não era como se ele tivesse uma identidade que pudesse ser usada para identificação. Não sabia falsificar um documento e não tinha dinheiro o bastante para isso. Sobrevivia de pequenos furtos. Se transportava para um lugar com dinheiro, roubava antes que alguém pudesse vê-lo e depois voltava para o lugar de início. Dormia em alguns motéis de estrada ou pequenas pensões. Era assim que sobrevivia desde os dez anos.
Não parecia que faziam dois anos que abandonara a casa dos pais. Não queria que eles tivessem que lidar com aquele tipo de esquisitice em casa, já bastava a condição extremamente precária que viviam, não podiam bancar uma criança com erro de fabricação.
Patrick olhou para trás só para conferir que os homens ainda o seguiam; não sabia o que tinha feito ou porquê eles estavam atrás dele, mas já fazia muito tempo desde a primeira vez que havia visto os homens atrás de si. Não era como se eles conseguissem chegar muito perto. Sempre fugia para outro lugar antes disso. Sempre achavam ele de alguma maneira.
China. França. Brasil. México. Canadá.
E agora ele finalmente tivera coragem o bastante para voltar ao país de origem. Sua terra natal. Não podia por em palavras como sentia falta daquele lugar.
O relógio em seu pulso marcava 23h52min. Ele tinha que correr, tinha que fugir antes que os homens chegassem até ele. Virou uma esquina e mentalizou o centro da cidade, sentindo o chão sumir em seus pés por alguns segundos antes de voltar ao lugar, e, quando abrira os olhos, não havia mais ninguém atrás dele. Patrick soltou um suspiro aliviado e começou a andar de forma aleatória até que avistou algo em alguns metros.
Dois dos homens que ele sempre via por trás, agora estavam em sua frente. Patrick virou o corpo, vendo os outros dois atrás dele. Estava encurralado.
Antes que pudesse usar seus poderes para sumir, seu braço fora segurado com força por alguém que ele não soube identificar. Tentou se soltar, mas eles eram mais fortes. Tinha apenas doze anos, quase treze. Mal comia e não tinha altura o bastante para conseguir bater neles. O número era maior e mesmo que ele tentasse usar os poderes, iria acabar levando-os consigo.
Endlich hunted mitternacht. – Um deles murmurou, fazendo Patrick franzir o cenho de maneira confusa, já que não havia entendido nada do que dissera.
– O quê? – O rapaz gritou, se remexendo e sentindo que os homens o seguravam com cada vez mais força.
Finalmente caçado a meia-noite. – Uma voz foi ouvida. Patrick procurou a origem da voz entre os homens que o seguravam, mas quem havia falado estava vindo em sua direção. Sorria de forma serena e andava descontraidamente, as mãos no bolso do blazer. – Estamos procurando você há tempo demais, aposto que eles vão ficar tão felizes quanto eu por essa vitória.
Hunter? – Ele falou para si, ainda tentando assimilar as coisas que o homem havia dito.
Hunted. É o alemão de caçado. Gosta da palavra?
– Gosto da pronuncia. – Patrick deu de ombros, sorrindo de forma irônica como quem não está conversando casualmente com alguém que provavelmente o caçaria.
– Então podemos apelida-lo assim. O que acha? Hunted Mitternacht. Ou só Hunter, como você disse.
– É um bom apelido. Hunter. – Murmurou para si, como se estivesse memorizando a palavra. – Gosto de Hunter. Mas você poderia me dizer o que estão fazendo comigo.
– Eu? Nada. Eles estão segurando você para que não fuja. É importante para nós.
– Se eu sou tão importante, então por que diabos estão me segurando como se eu fosse fugir?
– Simples. – Alastair deu de ombros, coçando a nuca e sorrindo de forma irônica. – Porque é isso que você faz. Você foge. E eu estou aqui para te mostrar que existem outras saídas além dessa. Posso te mostrar que existe um lugar que você vai gostar tanto, que nunca vai querer fugir... – Ao terminar a frase, Alastair viu de relance, um sorriso interessado no rosto do garoto. A malicia estava presente, claro que sim, mas o interesse era ainda maior. – Então, Hunter Mitternacht, soube que você além de fugir, gosta de viajar. Que tal irmos para a Alemanha?

Sonneberg, Alemanha. 2008

– Foi um acidente que repercutiu muito em rede nacional, metade do país está comovido com o caso dela. Afinal, o carro por pouco não explodiu, ela perdeu a família inteira e ainda por cima saiu sem ferimento algum. Provavelmente foi um milagre divino e...
– Os pais tinham algum documento para mostrar quem ficou como tutor de Lawinia? – Alastair perguntou, interrompendo a médica e tentando não parecer rude.
– O advogado ficou de chegar ainda hoje, na verdade, eu acho que ele chega dentro de alguns minutos. Você quer visitar a garota? – O homem assentiu com a cabeça, seguindo a médica até o quarto aonde ele já sabia que Lawinia Bedeckt estava internada. Estava acompanhando aquele caso de longe, não queria assustar a garota, afinal, nem ela sabia o que estava acontecendo. Os dois pararam em frente a um quarto e a mulher bateu na porta, ouvindo uma confirmação de alguém vindo de dentro. Provavelmente ela estava acordada. – Lawinia? Tem alguém aqui querendo te ver.
De início, a menina estranhou. Quem estava querendo vê-la? Ninguém da família estava vivo e ela não tinha notícia dos outros parentes desde sempre. Nos seus onze anos de vida, ela tivera apenas seus pais. Não era social na escola e não tinha amigos no bairro, todo mundo achava os pais da menina estranhos demais para deixar seus filhos brincarem com ela. Mas Alastair era diferente, assim que o homem entrou no campo de visão dela, ela arregalou os olhos e se afastou, sabia que conhecia aquele rosto de algumas fotografias que estavam espalhadas pela sua casa. Havia perguntado para a mãe quem era aquele homem que aparecia tantas vezes, mas mesmo assim nunca ouvira os pais falar sobre. "É um grande amigo." Fora a única coisa que Mylla respondera.
– Você pode nos deixar a sós? – Alastair arqueou a sobrancelha ao ouvir o pedido de Lawinia direcionado à médica. Esperava que a menina ficasse apenas assustada, essa era a reação de todos. A médica também tinha estranhado, mas a menina não estava brincando. Seu tom de voz era sério e assim seu pedido foi concedido. A mulher saiu dos aposentos e deixou os dois sozinhos. – Eu conheço você.
– Sim. Estudei com seus pais. Muito tempo atrás. – Alastair sorriu de orelha a orelha, não sabia de onde a menina lembrava de seu rosto – Você sabe por que eu estou aqui?
Lawinia negou com a cabeça. Estava assustada, o fato de conhecer o homem de algum lugar não trazia tanto conforto quanto ela achava que sim.
No momento que Alastair deu um passo em direção a menina, um vento adentrou o quarto pela janela, fazendo o homem arquear a sobrancelha. Não era como se ele não soubesse o que estava acontecendo, desde sempre estava esperando aquele dia chegar.
– Você percebeu que que desde o acidente, tudo ficou um pouco diferente? – A cada passo que o homem dava, o vento no quarto ficava mais forte, balançando não só a cortina, mas derrubando algumas coisas que estavam lá – Eu não vou te machucar, Lawinia.
– O que aconteceu comigo?
– Você renasceu. Só que a nova versão veio com algumas mudanças. – Ele sorriu de modo paterno. – Sua mãe tinha previsto isso já. Ela era assim como você, seu pai também. Assim como nós. Mylla fora a melhor vidente que um dia conheci, não errou uma previsão sequer. E ela já sabia que isso ia acontecer. Por isso você deve confiar em mim.
Lawinia franziu o cenho. Algo no jeito que o homem falava, acalmava ela. Não era mentira, ela conseguia decifrar muito bem quando alguém estava mentindo e Alastair não estava fazendo isso. No momento seguinte, o vento havia parado e a porta fora aberta pela médica. Ela estava acompanhada de um homem engravatado, com uma mala e alguns papéis na mão.
– Senhor Black? – Alastair sorriu, já sabendo o que aconteceria – Você é o tutor de Lawinia Bedeckt segundo o testamento de Mylla e Thomas.

Salvador, Brasil. 2008

Matthew atravessou a ladeira, cansado de tanto andar. Aquela cidade tinha tantas ladeiras como aquela que ele não sabia como as pessoas aguentavam. Lá, o chamavam de Matheus. Ele tinha que admitir que soava melhor que Matthew, então não corrigia ninguém por chama-lo daquele jeito. Algumas pessoas passaram por ele, carregavam tambores coloridos e outros instrumentos. Sabia que precisava de algo para comer, o dinheiro estava escasso e roubar não era exatamente sua praia, não gostava da palavra e nem do ato, por mais necessitado que fosse.
E ele sabia que aquelas pessoas ganhavam alguns trocados dos turistas que passavam por ali. Talvez se fosse um deles, conseguiria a comida de graça sem precisar tirar dinheiro dos forasteiros. Os seguiu por alguns segundos e quando percebeu que estavam distraídos o bastante numa conversa, materializou a cor da pele escura, o jeito dos cabelos, as tranças presentes neles, a roupa clara com um símbolo no meio e as havaianas nos pés. Não podia transformar nada num tambor, ele não era exatamente um profissional ou o melhor no uso dos poderes, sabia que as pessoas de seu planeta podiam transformar até uma caneta num celular.
– Tu pode ir... – Um dos homens parou ao analisar ele, como se não soubesse quem era. Olhou suas roupas e depois deu de ombros. – Tu pode ir na casa de dona Edna?
– Posso sim. – Matthew sorriu, gostando da voz daquele homem. – Mas aonde fica?
– Como alguém não sabe aonde é a casa de dona Edna? Menino, é Tia Ed... Por que tu não me disse antes? Deve ser o novato! Pedro, não é? Olha, tu sobe a ladeira até a terceira rua, pega a direita e vai ver uma casa rosa. Provavelmente ela vai saber quem você é. Disse que vai mandar algumas baganas pra gente comer e é só você trazer.
Matthew concordou com a cabeça. Fora fácil como roubar doce de criança. Num segundo ele estava se despedindo dos homens e no outro já atravessava a terceira rua, avistando a casa rosa de dona Edna.
Até que ele avistou um pequeno mercado, algo mais para um armazém, e seus olhos avistaram um pequeno pote transparente com uma massa pastosa e marrom por dentro. Seus pés e sua mente pareciam o trair, pois no segundo seguinte ele já estava mudando de percurso e com outra aparência. Ao menos sabia com o que parecia, se fosse mais poderoso usaria a aparência da própria Nutella para poder se comer.
Doce Nutella, aquele maldito doce terráqueo que parecia conter algum manjar dos deuses, como ele poderia resistir?
Ao adentrar o local, seus olhos pareciam querer enganá-lo, pois o que pareciam ser pequenos potes, se espalhavam pelo armazém inteiro. Matthew não havia visto apenas alguns? O que era aquilo? Um pedaço do paraíso?
Pegou um pote pequeno e o segurou com carinho entre os dedos. Matthew tinha certeza que já havia passeado por aquela parte da cidade e ainda tinha certeza que nunca tinha visto aquela loja de Nutella. Será que havia sido inaugurada há pouco?
Matthew abriu um dos potes e puxou o lacre de cima, o cheiro daquilo não era do creme de avelã. Arregalou os olhos levemente e os estreitou logo em seguida, concentrando seu olhar por cima de todos aqueles potes. Por ter a habilidade de camuflar e mudar as coisas, os metamorfos também conseguiam enxergar como as coisas eram de verdade quando não estavam em sua forma real.
E não eram potes de Nutella, não eram ao menos potes. Aquilo não era um armazém. Matthew jogou o objeto no chão e deu dois passos para trás, a luz de entrada havia sumido também e um cheiro de mofo – forte o bastante para o garoto pensar como não tinha sentido antes – pairava no ar.
– Nunca pensei que meu pai pudesse estar certo. – Uma voz desconhecida soou atrás do menino. Ninguém mais ninguém menos que Alastair Black. Só para variar. – Peixe morre pela boca. Sempre achei um ditado fulo e sem sentido. Olha só onde estamos...
Matthew já havia ouvido falar dele, como não ouvir? O homem era simplesmente o melhor telepata de todos os tempos, só a menção de seu nome fazia outros como ele tremerem. Reconhecia o rosto de fotos que já havia visto e o sotaque exageradamente britânico não enganava ninguém.
– Matthew. – O menino estendeu a mão. – Então, eu fui recrutado para sua escola lá?
– Não é uma escola, é um Instituto para você aprimorar seus dons. Você vai gostar de lá.
– Tem Nutella lá? De verdade?
A pergunta do menino fez Alastair gargalhar alto, amava lidar com aqueles adolescentes por isso: havia um quê inocente presente neles que o conquistava aos poucos. Alastair sabia que Matthew seria um dos que ele mais gostaria, desde que havia observado o garoto percorrer o Pelourinho brincando animadamente e usando suas habilidades para fazer palhaçadas, havia visto algo mais que especial nele.
Toda a Nutella que você quiser.
– Ótimo. Mas antes, eu tenho que ir na dona Edna pegar as baganas para o pessoal comer. Sabe como é... Sou uma pessoa ocupada.

Dijon, França. 2010

Sonne saiu do carro dos pais, sorrindo de orelha a orelha. Sua família não poderia estar mais orgulhosa da menina, pois dias atrás ela havia recebido uma ligação de Alastair Black, convidando-a para apurar suas habilidades no Instituto. Não havia orgulho maior que aquele. Estudar naquela instituição era como o mundo para pessoas como eles.
Lottie e Nicolau tentavam passar o máximo de recomendações de última hora possível logo após realizar o check-in. Sua Sonne nunca viajara para tão longe sozinha, apesar disso, para o casal, era o primeiro passo para um destino glorioso. Restou a garota apenas ouvir o que os pais tinham a dizer, mesmo quando eles se repetiam nos mesmos avisos, ela no fundo preferia que eles tomassem a palavra.
– Está enjoada? Nervosa? – Lottie segurou o rosto da menina entre as mãos, parecia um pouco pálida – Deveríamos ter comprado passagens para ir com você. – Concluiu, mas falando diretamente com o marido.
– Mãe, não precisa. Eu estou bem, juro. – O sorriso no rosto da garota conseguiu tornar-se maior, ela estava radiante, tal como o dia ensolarado que dera seu nome, aquele era o caminho que devia seguir. Desde que sua habilidade aflorara ela aguardou o momento de ser “descoberta”, apesar dos ensinamentos da família terem colaborado para o controle habilidoso de seus poderes, a chance de estar no Instituto estava acima de tudo – Vou ligar duas vezes na semana. E vou me alimentar direito. E eu vou ficar bem. E eu vou salvar o mundo. – Os três riram da última frase.
– Espero que esse final não seja necessário – Nicolau disse beijando-lhe a testa, no segundo seguinte a chamada para o voo soou pela sala de espera – Você tem de ir. – A abraçou forte, e Lottie se juntou ao abraço.
– Estamos orgulhosos de você – a mulher sussurrou para a filha e beijou seu rosto. – Ligue quando chegar.
– Eu sei, mãe – Sonne riu, e foi sufocada ainda mais no abraço paternal – Amo vocês.
– Também te amamos, querida – Nicolau foi o único que conseguiu falar, já que Lottie encontrava-se em lagrimas e faltou pouco para que a garota chorasse também, mas para o bem da mãe e de si mesma, conseguiu manter o sorriso no rosto.
Por fim a acompanharam até o portão de embarque, acenando até perderem sua Sonne de vista. Alguns passos depois, Sonne avistou um homem, algo nele parecia extremamente familiar e tudo foi confirmado quando ela viu a placa com seu nome escrito. Alastair Black. Seu corpo inteiro se arrepiou só de pensar que ela estava na presença dele. Era uma lenda entre todos eles, o maior telepata de todos.
– Srta. Mist, é realmente um prazer finalmente conhece-la. – Ele estendeu a mão como um ótimo cavalheiro e se curvou diante da menina. As bochechas de Sonne coraram e ela sorriu de lado – Sinto informar que hoje não utilizaremos os aviões deste aeroporto, devia ter avisado antes e informado a seus pais para não comprarem passagem. Prometo reembolsa-los.
– Como vamos? – Sonne franziu o cenho, percebendo o quão mal educada tinha soado – É um prazer conhece-lo, tenho ouvido falar do senhor durante toda minha vida.
– Não me chame de senhor, isso faz parecer que eu tenho oitenta anos. – Alastair falou com um jeito descontraído, mas ainda com aquele que irritantemente elegante – Ah, não avisei antes. Não estamos sozinhos. Sonne, quero que conheça Hunted.
Um rapaz, não parecia ser muito mais velho que ela, acenou e se aproximou. Tinha grandes olhos azuis e um cabelo desengonçado, com vários cachos separados e provavelmente embaraçados. Um sorriso malicioso pendia em seus lábios e ele estava com as mãos dentro de uma jaqueta de couro.
– Hunted não, parece que reclamam comigo. Hunter, é melhor assim. – E então sorriu para a garota, com todo aquele seu jeito galanteador e de imediato, Sonne sentiu as pernas fraquejarem – Espero que não fique enjoada fácil, a viagem dói um pouco a cabeça.
– Viagem? – Murmurou confusa.
– Ah, Alastair nunca me apresenta do jeito certo. Sou o meio de locomoção. Consigo me transportar, fácil, acaba aí. – Hunter respondeu de maneira curta, sem querer dar continuidade a aquilo – Agora, se me permite. Segure suas malas com força. – Ele segurou no braço da garota e a outra mão estava em Alastair. Hunter não se importava que as pessoas vissem o que ele estava fazendo, até gostava de assustá-las um pouco – Então, Sonne Mist, você está preparada para o Instituto?
E ela não respondeu. Não havia como, pois no segundo seguinte seu corpo estava sendo sugado e o chão havia sumido em seus pais. Aquela era a resposta para a pergunta de Hunter.
Ninguém nunca estava.

Alaska, Estados Unidos. 2015
Alguns meses haviam se passado desde o acidente que matara e seus pais. E agora que finalmente o garoto havia saído do coma, poderia tentar compreender o que estava acontecendo com sua vida. Os médicos não sabiam como ele estava vivo e para falar a verdade, nem ele sabia. Sua real vontade era de estar morto, sua família era mais que base, era tudo que o garoto tinha. Como seriam as coisas sem eles?
estava sentado na cama, estranhando o frio local, havia pedido para a enfermeira desligar o ar-condicionado, pois mesmo para ele que vivia no frio, aquilo era demais. Aliás, eles estavam no Alaska, por que diabos alguém ligaria algo que resfriasse o local?
Hospitais...
Batidas foram ouvidas do lado de fora do quarto e o rapaz estremeceu, odiava cada mísera visita das enfermeiras, odiava todos os remédios para dor que estava tomando, odiava os psicólogos que passavam por lá para conversar com ele sobre sua lamentável perda. Só ele sabia da dor que estava sentindo. Alguns médicos haviam pedido o mesmo exame várias vezes, algo como erro em muitos deles sobre os órgãos de . No final, ele sabia que seria erro das maquinas e dos médicos e ele iria ter se furado centenas de vezes por nada.
– Pode entrar. – Soou tão entediado que esperava alguma reação do tipo “Vamos te tirar daqui o mais rápido possível.”
Mas para surpresa e contradição a tudo o que pensava, não fora nenhuma das enfermeiras ou alguém do hospital, que adentrara o quarto. Era um homem, tinha certeza que nunca tinha o visto antes. Tinha uma elegância tão grande que chegava a ser irritante, os traços do rosto mostravam que já não era tão novo e o sorriso repuxado nos lábios fez se sentir estranhamente simpatizado com ele.
Rafaelli. Correto? – Alastair perguntou, tomando cuidado ao se aproximar do rapaz – Alastair Black, é um prazer conhece-lo.
– O prazer é todo meu, eu acho – respondeu, confuso. O que aquele homem estava fazendo e quem diabos ele era?
– Deve estar se perguntando quem eu sou... Isso pode soar confuso para você, mas sou diretor de um Instituto, na Alemanha. Lá, lidamos com pessoas especiais, como você, e eu acho que devido aos acontecimentos recentes, seria uma honra tê-lo lá.
– Desculpe, eu me perdi no pessoas especiais. Acho que o senhor se enganou, provavelmente trocou de quarto.
– Não, mas vamos conferir. Rafaelli, filho de Ella e Tom, nascido em 23 de maio de 1996, nasceu e viveu a vida inteira aqui com os pais, grandes pesquisadores, devo salientar. Passou os últimos meses em coma por causa de uma explosão no campo de pesquisa aonde trabalhava com seus pais, aliás, lamento pela sua perda.
tombou a cabeça e estreitou os olhos, como ele sabia tantas coisas sobre sua vida? Seria aquele mais algum repórter intrometido que havia aparecido para investigar sua vida e enfiar o nariz aonde não fora chamado? Pois como esses apareciam sempre, afinal, a explosão não era um assunto só nacional, tinha virado noticia em todos lugares com acesso a televisão ou internet.
– Sim, esse sou eu. Mas ainda não entendo a parte em que me chamou de especial. Eu sei que os exames e os médicos acham que existe algo errado em mim, mas posso alegar que estou perfeitamente normal. – Se defendeu.
– Normal? Tudo bem. – Alastair deu de ombros – Uh, está frio aqui, não?
– É, eu pedi para as enfermeiras desligarem o ar, mas acho que elas não o fizeram. – havia estranhado a mudança drástica de assunto, mas não ligou muito, ele estava detestando o frio de qualquer maneira.
– Mas ele está desligado. E estamos, estranhamente, num dos dias mais quentes do Alaska, a temperatura subiu um pouco nos últimos dias e dizem que você pode caminhar na rua com apenas dois casacos, um recorde, não acha? Mas esse hospital, em especial esse quarto, tem algo muito frio. Você sabe de onde vem?
– Não... – estreitou os olhos. Alastair era louco, era a única resposta plausível.
– Pois eu sei. Ele vem de você. – Alastair apontou para o coração do garoto e sentou ao seu lado – Desde que acordou, não tem sentido um frio descomunal? Daqueles que não era acostumado? – concordou com a cabeça – E isso acontecia antes da explosão? – E então, negou, estranhando o rumo da conversa – Segundo os médicos, sua temperatura sempre está baixa demais, você deveria estar morto. Seus órgãos são como gelo, todo seu organismo também. Estranho, não é?
E aí ligou tudo. Pessoas especiais. Não eram pessoas com deficiência ou algum problema mental. Eram pessoas com habilidades anormais, anomalias. Com toda certeza, Alastair Black era louco.
– Moço, eu acho que você está alucinando. Eu sei que está frio, deveria tomar um chocolate quente para esquentar e voltar a consciência. Essas coisas não existem, foi só uma explosão e serão só erros do hospital, eu estou perfeitamente normal. Conheço muito da vida para saber que coisas assim não existem.
– Odeio te dizer isso, mas tudo o que conhece da vida não passa de uma mentira. Você sabe que as coisas mudaram desde a explosão, você sente isso . Não está somente dentro de você, correndo pelo seu sangue, mas também está em sua mente. Seu caso é extremamente delicado, não só pelo adicional da sua família, como pela sua idade. Se acostumar com isso quando se tem uma maior realidade do mundo não é tão fácil quanto parece. A maioria das pessoas que acolhemos no Instituto fora para lá ainda criança ou entrando na adolescência, essas pessoas passaram parte da vida sabendo o que eram ou fantasiando com heróis de quadrinhos e com histórias para dormir. – Alastair suspirou longamente, olhando para com toda compreensão que tinha. – Não estou dizendo que você não é capaz de controlar o que tem em si, mas isso tudo é recente para você e seria melhor que você nos deixasse te ajudar. A decisão está em suas mãos, você pode ignorar todas essas coisas que eu disse e fingir que eu sou um lunático, esperar você receber alta e ver como vai seguir sua vida... – Ele mexeu no bolso do blazer e tirou de lá um pequeno cartão com as informações necessárias para que entrasse em contato com ele. – Mas caso mude de ideia e resolva dar uma chance, não só para mim, como para si mesmo e essa nova realidade, é só me ligar. Estarei sempre disponível para você e todos do Instituto vão te receber de braços abertos.
segurou o cartão entre os dedos, ainda processando todas as coisas que o homem havia falado. E se tudo fizesse sentido? E se não fossem erros médicos? E se o problema estivesse realmente dentro dele?
– De qualquer jeito, foi um prazer te conhecer, Rafaelli.
– Sr. Black... – chamou no exato momento que o homem abriu a maçaneta da porta, virando o rosto em sua direção com um sorriso no rosto. – Qual o nome? Desse Instituto?
– Instituto Gregori Black. Mas as pessoas costumam chama-lo de Nordisch.


Continua



Nota da autora: Sem nota.




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