Essa é minha vida: meu nome é e eu nasci com um assassinato tatuado no pescoço. Desde o dia em que nasci, sou símbolo de tristeza para a minha família e todos que me cercam e, em vários momentos da minha vida, desejei ardentemente que essas malditas tatuagens não existissem. Precisamos mesmo nascer sabendo como vamos morrer? Para muitos, assim como para mim, a tatuagem significa um fim trágico. Aos dez anos, em uma festa de aniversário, conheci uma garotinha. O nome dela era Megan. A tatuagem dela dizia que ela morreria dali a um ano de um câncer terminal. Os pais dela estavam determinados a ignorar a maldita tatuagem e fizeram de tudo para curá-la, mas, no ano seguinte, eu soube pela dona da tal festa que Megan tinha morrido mesmo. Agora, para outros, a tatuagem era uma felicidade sem limites. Imagine como não é um grande alívio saber que você vai morrer aos cem anos e ainda por cima dormindo? Depois que eu entrei na adolescência, tentei dar menos importância à marca que eu carregava na nuca. Nunca deixei meu cabelo curto e nunca comentava sobre ela com ninguém. Sempre evitei me envolver muito com qualquer garoto. Sempre achei que eles mereciam mais do que míseros dez anos de felicidade ao lado de qualquer garota e foi então, quando completei vinte anos, que eu percebi: dali a exatos oito anos, eu morreria assassinada, no dia 26 de junho de 2017, às 21:25. E foi então que notei que eu não podia perder tempo. Sim, minha existência no mundo não seria longa, mas eu existia, então decidi que viajaria o mundo, conheceria tudo que pudesse e faria cada dia valer a pena. É claro que minha mãe ralhou comigo. Ela odiava a ideia de eu passar meus últimos anos longe dela, mas é minha vida, afinal, não é? Essa é minha história...
Depois de uma insistência absurda da minha mãe, resolvi abandonar Paris e passar as festas em casa. Afinal, seria meu último ano novo, certo? Eu não consigo acreditar que nunca mais vou ver os fogos de artifício à meia-noite, nunca mais vou brindar ao ano novo. Vinte e sete anos é a idade que tenho agora e, por mais que seja duro, sei que me restam apenas alguns meses de vida. Eu aproveitei o que tinha que aproveitar e agora passarei esse tempo com minha família. Sinto-me uma doente terminal, mas, por mais que minha morte não vá ser por doença, é exatamente isso o que sou: uma doente terminal, que vagou pelo mundo apenas a espera de um tiro às 21:25 de uma segunda-feira.
Tomei mais um gole do meu champanhe, enquanto olhava os fogos da cobertura do apartamento da minha mãe. Ainda me lembro de quando eu vinha aqui quando criança e perguntava para minha mãe se veria os fogos no ano seguinte. Ela sempre sorria e dizia que sim. Agora, no entanto, eu sei que, se fizer essa mesma pergunta, a mulher vai desatar a chorar. Qualquer menção ao meu aniversário ou qualquer coisa assim já era o suficiente para destruir minha mãe. Nenhum pai deveria saber quando o filho vai morrer. Ela se sente péssima e eu também me sentiria no lugar dela.
Interrompo meus pensamentos quando sinto a mão dela apertando meu ombro. Ela se apoia no murinho e sorri para mim:
– Querida, não quer entrar? Vamos comer alguma coisa ou você vai terminar bêbada! – disse rindo. Ri com ela:
– Só bebi duas taças, mamãe, e quero ver os fogos mais um pouco. Estão tão bonitos esse ano... – falei, tomando outro gole do champanhe e me virando para o céu, vendo os últimos fogos explodirem em um colorido incrível. O sorriso de mamãe desaparece e a vejo fungar:
– Claro, querida. Quando sentir fome, desça. Está bem? – assinto e ela sai apressada, provavelmente para eu não ver as lágrimas que começaram a escorrer pelo rosto dela. Respiro fundo e tomo o resto do champanhe em um gole só. Sinto-me péssima. Como se não fosse o suficiente saber que vou morrer assassinada daqui a alguns meses, eu ainda tenho que causar tanta dor a quem amo...
Ouço passos atrás de mim, mas não me viro. Seja quem for, vai perceber que quero ficar sozinha e me deixar em paz. Acho que errei...
– Oi. Sinto muito interromper seu momento de silêncio, mas lá embaixo está um clima terrível – diz um rapaz parando ao meu lado, apontando para as escadas que levam ao apartamento da minha mãe. – Champanhe? – ele me oferece uma das taças que está na sua mão. Eu dou um sorriso e aceito:
– E quem é você? – pergunto cautelosa para não parecer grossa:
– Sou , ou apenas ou . Como preferir. Sou amigo do seu irmão – diz sorrindo. – Aposto que nem deve ter reparado que eu estava aqui. Desde que você chegou, está tão distante. Eu pensei em me apresentar, mas disse que era melhor eu deixar você em paz...
– Sou . Prazer em conhecer você, – digo. Gosto do apelido dele.
– Então é para você. O prazer é meu, . Posso saber quantos anos você tem? – pergunta, apoiando-se no murinho ao meu lado como mamãe fez minutos antes.
– Vinte e sete – digo com um suspiro. Eu tinha mesmo conseguido me esquecer do quesito morte enquanto conversava com ele. O rapaz ficou um pouco confuso com meu desânimo.
– Eu disse algo errado? – pergunta ele. Nego com a cabeça.
– E você, , quantos anos tem? – pergunto, sorrindo outra vez e tomando um gole da minha taça, e então reparo nele. O corte de cabelo é bonito e bagunçado, de um jeito que parece ter sido planejado. Tem olhos tão que preciso me segurar para não ficar tonta apenas de olhar e o sorriso...
– Vinte e nove. Achei que já tinha adivinhado, já que sou amigo de faculdade do seu irmão – diz ele rindo. Fico envergonhada. Se ele é amigo do meu irmão, o mais provável é que os dois tenham a mesma idade!
– Sou um pouco lenta... – digo, rindo um pouco.
– Esqueça isso. Agora, será que posso saber um pouco mais sobre a garota que vive no mundo da lua? – olho para ele confusa. Então me lembro de que ele disse que não notei a presença dele antes porque eu estava distante. Sorri.
– Sou . Tenho vinte e sete anos. Morava em Paris com meu gatinho Mick até semana passada, quando minha mãe me obrigou a voltar para San Francisco. Sou formada em Jornalismo e é... Isso é tudo – digo, é óbvio, ocultando o maior problema da minha vida. Ele sorri.
– Sou , ou , como você escolheu. Tenho vinte e nove anos, moro aqui desde sempre. Tenho um cachorro chamado Lobato e, sim, é uma homenagem ao escritor brasileiro. Conheci uma obra dele chamada “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e me encantei. Sou formado em Odontologia e montei uma clínica odontológica com seu irmão há dois anos. Então, se precisar de um reparo, é só me procurar, se bem que eu acho que seu sorriso já é pra lá de perfeito – disse e terminou com um sorris. Sorri de volta. Então ele é o famoso sócio do ... Fizeram tanta propaganda dele que eu até achei que quisessem juntar nós dois. E quer saber? Nem acho que seja má ideia...
– Gostou do jantar? – pergunto.
– Gostei ainda mais da companhia – diz , passando o braço pela minha cintura. A vida tem sido perfeita. Desde aquele dia no ano novo, eu e mantivemos contato e, quando ele me chamou para sair pela primeira vez, simplesmente não consegui negar. Minha mãe e meu irmão comemoraram. Até meu pai pareceu animado! Embora eu e estejamos felizes agora, de alguma forma sinto que estou o traindo. Ele deveria saber que a mulher por quem estar apaixonado está com os dias contados... – O que foi? Por que ficou tão calada de repente? – perguntou ele, olhando-me nos olhos. Mesmo agora, um mês depois de termos nos conhecido, esses olhos ainda são capazes de me tirar o chão e duvido que um dia não vão ser.
– Não é nada. Eu estava só pensando... – digo, soltando um suspiro. Ele destrava o carro dele e eu entro. O rapaz entra do lado do motorista em seguida.
– Um milhão pelos seus pensamentos – diz, virando-se e me olhando com um sorriso de morrer.
– Um milhão de quê? – pergunto com um sorriso provocador.
– Aceita o pagamento em beijos?
– À vista ou a prazo? – pergunto. Ele se aproxima de mim até que nossos rostos estejam tão próximos que sinto o nariz dele roçar no meu.
– A prazo, pelo resto da sua vida... – diz, beijando-me em seguida. Se ele soubesse que as prestações estão chegando ao fim...
Eu e estamos deitados no sofá, eu por cima dele, e me sinto imensamente feliz. De tanto ele insistir, acabei me mudando para o apartamento dele e, depois de um dia de idas e voltas até o apartamento da minha mãe, aqui estamos, cercados pelas minhas roupas e sapatos.
– Deus! Por que mulher tem tanta roupa? – pergunta ele cansado. O rapaz realmente deve estar cansado depois de carregar malas e mais malas do estacionamento até a cobertura do prédio onde mora.
– Sou jornalista! E, ainda por cima, sou a responsável pela coluna de entretenimento da revista em que trabalho, ou seja, estou sempre em eventos. Preciso de muitos vestidos e sapatos! – digo, dando-lhe um tapinha de leve no braço. Ele me abraça, apertando-me tanto que acho que vamos virar um só.
– Não me importo de passar o resto da minha vida carregando malas, contanto que você venha com elas – diz ele, dando-me um selinho. Toda vez que diz coisas assim, eu estremeço, sabendo que, mesmo que ele esteja disposto a fazer cada uma dessas coisas, eu não vou poder. Em três meses, eu vou estar morta.
E aqui estou eu, pensando nessa maldita data de novo! Hoje, uma das meninas da coluna de moda pediu demissão. A data dela é para daqui a uma semana. Quando eu soube e fui dar os pêsames a ela, pensei em minha própria data. Ela se aproximava cada dia mais. Agora falta pouco mais de dois meses para que ela chegue e eu não sei como dizer isso ao . Sei que ele vai me odiar por não ter dito desde o princípio, mas eu não pude. O rapaz se envolveria comigo mesmo sabendo da minha data? Envolveria? É claro que não. Sinto que ele precisa saber, mas ao mesmo tempo quero passar meus últimos dias feliz, com ele ao meu lado, e não em uma fossa, como sei que vou ficar se o rapaz me deixar. E, mais uma vez, eu só quero poder mudar essa data estúpida. Por quê? Por que diabos eu me deixei envolver por ele? Eu tinha um plano! Não me envolver com nenhum homem que eu pudesse magoar ou que me magoaria. Sei o quanto pareço cruel comigo mesma, mas alguém como eu não pode viver o amor! Sei o quanto ele vai ficar arrasado. É nítido nos olhos dele que o rapaz me ama tanto quanto eu o amo e, se eu estivesse no lugar dele, morreria junto. Não posso simplesmente deixar que ele se machuque. Se tivesse um jeito de acabar com essa porcaria de data!
Chego ao nosso apartamento e o encontro dormindo no sofá com o controle da TV na mão. Meu sorriso se abre ao vê-lo assim, tão lindo... Eu sou um monstro! Como pude fazer isso com ele?!
Chegou a hora. Falta exatamente um mês. Preciso contar a ele o que a minha data diz, não posso ser egoísta por mais tempo. Sei o quanto sou feliz ao lado dele, mas preciso dar a ele a escolha: ficar comigo até o último momento ou ir embora agora? O rapaz precisa escolher e eu preciso que ele escolha.
– Amor, você está bem? Está tão estranha desde que eu cheguei... Tem algo errado? – disse, pegando minha mão. Eu passei a tarde preparando todos os pratos preferidos dele. Então vesti o vestido que ele mais gosta e usei o salto que elogiou uma vez. Acho que, mesmo no inconsciente, eu quero que escolha estar comigo e daí vem tudo isso para agradá-lo.
– Eu só... Preciso lhe contar uma coisa – digo e solto um suspiro. Luto para não chorar. Eu preciso que ele saiba, mas dói tanto ter que contar para ele...
– Então diga, amor. O que tem de errado? – e então ele me olhou com aquele olhar. Da última vez que me olhou assim, foi quando fiz menção de terminar com ele mês passado. Aquele olhar que me doía mais que tudo.
– Eu... Ai, Deus! Eu amo tanto você! – as lágrimas escaparam e eu cobri o rosto com as mãos. Eu não consigo falar! Ele se levantou imediatamente e me levantou para poder me abraçar. Enterrei o rosto no peito dele e me deixei aproveitar. Talvez fosse a última vez que eu sentiria os braços dele à minha volta.
– Tem algo de muito errado, não tem? – disse ele. Senti a preocupação em sua voz. Apenas fiz que sim com a cabeça. – Então não me diga. Eu não quero saber. Deus, você está me traindo? Quer terminar comigo? Minha nossa! Não diga nada! Apenas me dê essa noite, por favor. Seja o que for, dê-me essa noite, fique comigo só hoje. Não diga nada, por favor! – disse ele, apertando-me nos braços. Desabei nesse momento. Meu Deus, o que eu fiz?!
– , eu... – ele me calou com um beijo.
– Shh! Por favor, eu preciso de pelo menos uma noite. Por favor... – disse e me beijou de novo. Como que automaticamente, minhas mãos foram parar nos cabelos dele, bagunçando-os como eu sempre fazia quando nos beijávamos desse jeito. Ele fez um movimento rápido e logo eu estava com as pernas ao redor de sua cintura. me levou para o quarto, sem interromper o beijo nenhuma vez.
– Por que você não me deixa falar de uma vez? – falei quando ele me deitou na cama. O rapaz olhou nos meus olhos com um olhar apaixonado, aquele olhar que faz a gente se sentir a pessoa mais importante do mundo.
– Eu amo tanto você... Seja lá qual for o problema, não quero saber. Você ainda vai estar comigo amanhã de manhã? – perguntou ele. Assenti. – Para mim, isso basta – disse novamente e, naquela noite, nos amamos exatamente como o que éramos: duas pessoas cujo amor superava tudo e eu espero que até a morte.
Dez dias. Dez dias! É isso o que falta para eu morrer. Sinto-me péssima. Já quase não durmo nem como. Estou seriamente pensando em pedir demissão da revista ainda essa semana e, para piorar tudo, toda vez que tento contar ao , ele simplesmente diz que não quer saber e que me ama. E isso basta. Isso está acabando comigo. Não quero que ele saiba da minha morte por outra pessoa. Os dias passam e cada vez eu me odeio mais por tê-lo colocado nessa. Ele não merece isso! É um cara incrível que merece uma vida incrível com uma mulher incrível! Eu não sou capaz de dar isso a ele. Sabia disso quando tudo começou e me envolvi mesmo assim somente porque sou egoísta! Eu não acredito que, além de arruinar a vida de todos na minha família, ainda consegui arruinar a do melhor amigo do meu irmão, o único homem que amei na vida! Como eu pude ser tão estúpida?! Como eu pude deixar que isso chegasse a esse ponto?!
– , amor, será que dá para parar de andar de um lado para o outro? Desse jeito, você vai gastar os saltos e ficar com uma tremenda dor nas pernas – disse , vindo da cozinha com duas xícaras de chá e me entregando uma. Quando fui pegá-la, ele me olhou de um jeito estranho, colocando as xícaras na mesinha da sala e pegando minha mão.
– Deus, sua mão está tremendo! – disse. Evitei olhá-lo nos olhos. Não quero que ele veja que estou quase chorando. – Aconteceu alguma coisa?
– Não... – digo, negando com a cabeça.
– Então por que você está assim? – o rapaz pergunta preocupado e, quando olho para ele, vejo que se preocupa mais ainda ao ver meu rosto coberto por lágrimas.
– Por que algo vai acontecer! – digo, puxando minha mão e pegando meu casaco, saindo em seguida. Ouço-o me chamar, mas não ligo. Pego o elevador e, quando chego ao térreo, apenas saio. Preciso sair daqui ou vou desmoronar.
Estou caminhando em direção ao apartamento da minha mãe quando ouço a voz dele. Faço que não escutei e continuo andando, um pouco mais rápido agora. Ele me alcança e me puxa pelo braço até me encostar a uma parede.
– Será que dá para explicar que merda é essa?! – pergunta ofegante. Viro o rosto para não olhar nos olhos dele, mas ele puxa meu queixo com delicadeza, obrigando-me a isso. Parece confuso.
– Você não entende, , mas precisa ficar longe de mim. Vai ser melhor. Você vai ver! – digo, deixando as lágrimas caírem. Ele me olha ainda mais confuso que segundos atrás.
– E por que diabos eu deveria ficar longe da mulher que amo? – pergunta, acariciando minha bochecha. Desvencilho-me dele e começo a andar de um lado para o outro como no apartamento.
– Droga, ! Por que você tinha que gostar de mim?! Logo de mim?! – pergunto, minha voz falhando pelo choro.
– Porra! Será que dá para me explicar que merda está acontecendo aqui?! – pergunta ele, segurando-me pelo braço. Sem dizer uma palavra, viro-me e tiro o cabelo da nuca para que ele possa ver a data. O rapaz dá alguns passos pra trás e eu me viro para ele outra vez.
– Entende agora? – perguntei, ouvindo a dor em minha própria voz. – No dia em que nos conhecemos, eu estava distraída porque sabia que aquele seria meu último ano novo! Fiquei triste quando perguntou minha idade porque eu sabia que nunca seria mais velha que isso. Estive estranha de uns tempos para cá porque eu sei que você não merece nada disso! Merece alguém para estar com você sempre e sei que nunca serei capaz disso. E eu me odeio por não ter lhe contado naquela noite. O problema é que eu sabia que você nunca se envolveria com alguém com tão pouco tempo de vida porque eu sei que ninguém merece passar por isso. E eu me odeio ainda mais porque, além de fazer a minha família passar por essa porra que está antecedendo a minha morte, eu fiz você passar por isso também! – gritei e então me senti tonta. Apoiei-me na parede de um prédio que estava ao meu lado e chorei. Chorei como nunca tinha chorado na vida.
– Que porcaria de homem você acha que eu sou? – foi só o que ele disse, a voz falhando.
– O homem mais incrível que já conheci. O homem que não merecia passar por isso... – falei, limpando minhas lágrimas e me recompondo.
– , eu... – disse ele, aproximando-se de mim. Desencostei-me da parede e me afastei dele.
– Você ainda não entendeu! Eu só tenho DEZ DIAS, CARAMBA! – gritei. Ele não se abalou e se aproximou ainda mais, segurando o meu rosto com as duas mãos.
– Então me deixe passá-los com você... – disse. Lágrimas também escorriam dos olhos dele e neles eu vi uma tristeza que nunca tinha visto em toda a minha vida. – Eu sei que você sentiu medo, mas quero que saiba que eu não sou o tipo de homem que abandona. Sou o tipo de homem que vai ficar com você até o fim, porque, para mim, mais vale perder um grande amor do que nunca ter tido um. Eu sei que você é o amor da minha vida e nada mais importa. Só me deixe ficar com você – disse ele. Eu estava hipnotizada pelos olhos dele. Ainda estavam tristes, mas neles também havia um brilho que me fez perceber que nada mais importava. Eu o amava e isso bastava.
– Quer mesmo ficar? – perguntei, colocando minhas mãos sobre as dele. Ele sorriu e me deu um beijinho.
– Eu preciso mesmo responder? – e então eu o abracei e, pela primeira vez na vida, não me importei com quantos dias faltava. Apenas aproveitei o calor do homem que eu tanto amo.
Vinte e cinco minutos. Vinte e cinco minutos...
Passei os últimos dias no apartamento da minha mãe com a minha família. e fizeram uma mudança temporária para ficar perto de mim o tempo todo e, embora eu tivesse insistido pelo contrário, eles fecharam a clínica também. Disseram apenas que estar comigo nesses últimos dias era mais importante que qualquer coisa. Todos estavam sempre à minha volta e eu amava muito tudo isso. Desde que contei ao , as coisas mudaram. Ele ficou ainda mais presente, como se perder um só segundo fosse fazê-lo se arrepender pelo resto da vida. Eu ainda me martirizo por ter o envolvido nisso, mas, sempre que digo isso, ele diz que não importa, que cada um dos dias que passou comigo valeu a pena e que não trocaria isso por nada no mundo. E eu me forcei a acreditar nele. Embora mamãe tenha insistido para fazer uma festa no apartamento, eu não quis. Disse que seria meu último aniversário e que não seria comemorado em casa. E, depois de muito insistir, resolvemos que iríamos todos jantar em um restaurante ali perto. Mamãe fez a reserva e até pediu que fizesse um bolo, que estava muito gostoso por sinal.
Já estamos quase acabando quando dois homens invadem o restaurante anunciando o assalto e, subitamente, eu sei que um deles será meu assassino.... , que está sentado ao meu lado, aperta minha mão e , que está do meu outro lado, me esconde atrás dele de um jeito protetor. Sorrio ao ver que meu irmão ainda tem esperança de que eu não morra esta noite. Vejo que lágrimas escorrem dos olhos de mamãe e que papai está pálido como papel. Os homens pedem para que fiquemos agachados no chão e nós obedecemos. continua tentando me esconder e faz o mesmo. De um jeito estranho, sinto-me protegida, mas ninguém escapou das datas antes. Por que eu seria diferente? E então ouço a frase que arrepia cada pelo do meu corpo:
– E você, morena? Por que está olhando tanto? Não mandei olhar para baixo? – diz um dos homens para mim. Sinto e ficarem tensos e só então noto: em todo esse tempo, eu encarei os dois homens...
– O que é?! Está pensando em denunciar, é? Atrevida! – disse um deles, vindo em minha direção. Tento me explicar, mas minha voz não sai. e apertam minhas mãos. Eles sabem que é a hora.
– Dê um jeito na enxerida e que ela sirva de exemplo! Todo mundo olhando para o chão! – o homem que falou primeiro vem na minha direção e me puxa pelo braço. Vejo minha mãe chorando agarrada ao meu pai. e tentam impedir o homem, mas o maldito atira na perna de e ele cai. o ajuda. O grito de agonia do meu irmão faz com que minhas próprias lágrimas escorram.
– Não os machuque... – consigo sussurrar. O homem me faz ficar de joelhos no chão e começa a falar com os outros clientes do restaurante, mas eu não escuto nada. Estou mais preocupada em encontrar . Olho para a minha mesa e vejo meus pais ajudando meu irmão, porém sumiu. Olho para os lados desesperada e, antes que eu o encontre, ouço o barulho do tiro e sinto a queimação nas costas. Fecho os olhos e as lágrimas escorrem. Quando encontro o chão, abro os olhos novamente e vejo e mais dois homens saindo na mão com os assaltantes. Quero manter meus olhos abertos, mas não consigo. Apenas sorrio. “Ele tentou me salvar”, penso. Eu não acredito...
Sinto alguém levantar meu corpo e reconheço o perfume do . Ele fica dizendo que vai ficar tudo bem. Nesse momento, sinto outra queimação, dessa vez no local onde fica minha data. Ninguém nunca me disse que ela queima quando é cumprida, mas, afinal, as únicas pessoas que sabiam disso não estão mais aqui para contar. Ainda ouço falando, porém a voz dele fica cada vez mais distante e distante...
Simplesmente não posso aceitar a ideia de perder a minha . Depois de me certificar de que está bem, saio enquanto os assaltantes não estão olhando. Consigo chegar até onde tem um segurança agachado e peço ajuda. Ele me diz que está desarmado, mas, depois de eu sugerir que tentemos pegá-los de surpresa, ele e outro homem que estava perto aceitam me ajudar. Olho o relógio: 21:25. Não vou perdê-la. Não hoje.
Aproveito que o assaltante que está apontando a arma para ela está discursando algo sobre não ficar olhando e não desobedecer, ou eles terão o mesmo destino que ela, e me aproximo por trás dele, pegando-o de surpresa. O homem atira e vejo que o tiro acertou nela de qualquer jeito. Olho para a família dela e todos estão no mais completo desespero. Consigo tirar a arma da mão do homem e a jogo longe. Os dois outros homens conseguiram render o segundo assaltante. Um deles pega a arma que eu joguei, enquanto o outro pega a do assaltante. As pessoas no restaurante comemoram, mas eu não tenho motivos para comemorar. Depois que um dos que me ajudaram veio e tomou conta do maldito que atirou em , vou até ela. Vejo que e a família conseguiram chegar até e que ele está com a irmã no colo, sussurrando que vai ficar tudo bem, enquanto as lágrimas descem. Não consigo segurar as minhas. Eu não consegui...
Encolhi-me perto de uma mesa e comecei a chorar, e então ouvi gritando meu nome. E, assim que olhei para , veio minha surpresa: disse que ela ainda tinha pulso. Aproximei-me mais e minha surpresa aumentou: a data dela estava mudando. De alguma maneira, os números e as letras estavam se reescrevendo. Foi a coisa mais estranha e incrível que já vi na minha vida. Na hora, disquei o número de uma ambulância. Eu mal podia acreditar! Ela estava viva!
Acordei sentindo uma dor forte nas costas. Abri os olhos e me deparei com um quarto branco e com minha família inteira dormindo em poltronas perto da cama onde estou. Estou em um quarto de hospital? Vejo que também está dormindo. A poltrona dele está do lado da minha cama e ele está com a cabeça apoiada na minha perna. Mexo um pouco nos cabelos dele e o rapaz acorda na mesma hora, olhando-me com um sorriso que enche meu coração de amor e felicidade.
– Oi, meu amor! – disse, pegando minha mão e a beijando.
– Que dia é hoje? – pergunto com medo da resposta.
– Dia 28 de junho de 2017 e são exatamente 22:33 – pisco algumas vezes, tentando saber se ouvi direito.
– Você disse 28? – pergunto, a voz falhando. Ele assente.
– De algum jeito naquela noite, depois que você levou o tiro, sua data mudou – de repente, lembrei-me de que, antes de apagar, senti uma queimação na nuca. – Os médicos disseram que nunca viram algo parecido, mas falaram também que, pelo fato de sua data ser um assassinato, talvez fosse possível mudar. Eles disseram que nunca viram. Não importa o quanto as pessoas tentassem mudar, nunca dava certo, mas você mudou e para mim é o que importa – disse ele, acariciando minha bochecha. Minha mão foi instintivamente à minha data e lágrimas de felicidade brotaram dos meus olhos. “Ela mudou. Eu não vou morrer agora”, era tudo em que eu conseguia pensar. Eu vou ficar!
Finalmente alta do hospital. Mal posso acreditar que estou de volta ao apartamento do , nosso apartamento. Depois de passar o dia no apartamento da minha mãe com a família inteira, aquilo parecia ainda mais surreal. Eu não acredito que minha data mudou! E tudo graças ao . Agora eu o amava ainda mais do que antes, se é que isso é possível. Agora ele não é somente o amor da minha vida. É o meu herói.
– Vai ficar aí sorrindo igual boba ou vai entrar? – disse ele, abraçando-me por trás. Só então notei que ainda estou na porta.
– Amor, não aperte muito que ainda dói... – digo, sentindo um leve desconforto no lugar onde levei o tiro. Na hora, ele se afastou.
_ Desculpe. É que eu ainda não acredito que você ainda está aqui! – diz ele, puxando-me pela mão para dentro do apartamento.
– Eu também não! – digo, jogando-me nos braços dele. O rapaz me afasta um pouco e se deita no sofá, puxando-me para deitar em cima dele.
– Minha teoria para a sua data ter mudado é que o mundo não poderia continuar sem uma pessoa incrível como você – disse ele, colocando as mãos na minha cintura e me dando um selinho. Meu sorriso se abre instintivamente.
– Minha teoria é outra – digo, passando a mão nos cabelos dele.
– E qual é? – diz , dando um beijo no meu pescoço.
– Que tinha um homem que me amava muito, muito mesmo, e me salvou. Daí a minha data foi obrigada a mudar. Meu herói! – ele ri.
– E quem é seu herói? – diz ele, roçando o nariz no meu.
– Você! – falei e então lhe dei outro selinho. Ele sorria como nunca. O sorriso mais lindo que já vi na vida. – Sabe algo que acabei de reparar? Ainda não sei sua data – falei. Ele ri.
– E quem disse que precisa? – pergunta, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – É só olhar a sua – olhei-o confusa.
– Como assim?
– Sua nova data é idêntica à minha – disse, dando-me outro selinho. Pisquei, sem acreditar,
– Você quer dizer que...?
– Sim. Vamos morrer daqui a setenta e cinco anos, dormindo juntinhos, no dia do nosso aniversário de noivado – sorri e então meu sorriso sumiu devido à surpresa.
– Espere aí. Fazendo as contas, minha data é para daqui a exatos setenta e cinco anos. Então, para ser no dia do nosso aniversário de noivado, teríamos que noivar hoje... – falo confusa.
– Exatamente – ele diz, tentando pegar algo no bolso. Fico estática quando vejo a caixinha de loja de joias na mão dele. – Quer casar comigo? – perguntou, apertando-me contra ele com a mão livre. Os meus olhos iam da caixinha aos dele sem parar. Eu não consigo acreditar. Meu coração se encheu com o amor e a ternura dos olhos dele e então eu sorri, o sorriso mais sincero que já dei na vida.
– Sim! – praticamente gritei e então o beijei. Eu não acredito! Vou viver até ficar velhinha! E o melhor: vou viver até ficar velhinha ao lado do homem que eu amo.
Fim
Nota da autora:Olá, amores! A ideia dessa web veio quando eu estava lendo outra que se chama “30 de janeiro de 2011, 9:38”. Essa fala de datas também, mas as datas seriam do dia em que conheceríamos o amor de nossa vida e então eu pensei: e se a gente já nascesse sabendo como e quando iríamos morrer? Pensei um pouco e consegui criar a história. Resolvi escrevê-la e aí deu isso. Espero que tenham gostado!