O pai depositou o beijo singelo em seus cabelos antes de levantar e retirar a mala do chão. A pequena null acabara de completar seus dois anos, a única filha de null, sua pequena estrelinha, seu orgulho. null amava sua filha, mas precisava ir, ele tinha dê ir, não poderia magoá-las mais do que já havia feito.
- Papai?
- Durma minha princesa
- Para onde vai?
- Apenas durma. Eu a amo. Não se esqueça de mim, por favor. Devolveu o beijo ao rosto de seu pai o abraçando, como se soubesse que aquele seria seu último momento ao lado dele. O pai secou as lágrimas ardidas que corriam por seus olhos, suspirando profundamente, buscando a forma de transformar essa despedida em algo fácil. Mas aquilo nunca seria fácil para ele.
A pequena menina voltara a dormir quando o mais velho levantou-se para ir embora. Beijou os cabelos mais uma vez, aspirando o cheiro da pequena bebê, enquanto apreciava suas pequenas mãozinhas. Seria difícil não voltar para sua vida, não encontrar sua felicidade a cada vez que entrasse a porta logo após chegar do trabalho.
Ela nunca esquecera a forma em que seu pai se despedira, jamais esqueceria todos os dias comemorativos em que passou sozinha e o quanto sua mãe sofrera até encontrar um novo amor. A garota cresceu, tornara-se uma ótima professora de química, casou-se e acabara por guardar suas memórias infantis a sete chaves. A mãe casara de novo quatro anos após o pai tê-las abandonado, teve outro filho um ano após seu casamento. Mas o marido morrera quando o menino completou quinze anos. O padrasto de null a criara como filha, trazendo então, anos depois de seu abandono, amor de pai em seu pequeno e jovem coração. Ela sofrera com a morte de Peter, chorara abraçada ao irmão que continuava intacto em sua tristeza.Mas resolvera que precisava tomar as rédeas da casa, ser madura por sua família, teria de dar o melhor de si e assim amadurecera tanto. O irmão null ficava cada dia mais bonito, o que causava a ela algumas dores de cabeça.
- null?
- Mas já chegou da escola? Achei que teria aulas à tarde!
- Acabaram cancelando.
- Tem certeza que cancelaram? Você está sempre fugindo de estudar mais alguns, dois tempos, de física.
- Ah null, física não serve para mim. Eu a odeio! É a pior matéria que existe - Quando null volta da Austrália? - tornou a perguntar. null casara com null, o engenheiro que conhecera em tempos de universidade. O homem roubara seu coração com apenas um olhar. Tornaram-se amigos, namoraram e agora estavam casados há seis meses. Ambos eram felizes com suas situações atuais.
- Dia doze. Como está mamãe?
- Bem, mas cansada, como sempre... Ela não sossega por um minuto, sente necessidade de fazer tudo ao mesmo tempo. Você sabe como é.
- Sinto que deveria passar mais tempo com ela, temos que aproveitar enquanto ainda a temos conosco. Quem sabe uma viagem nas férias, algo do gênero.
- Não podemos, temos uma vida e perder com uma viagem boba não dará certo.
- É o que seu pai teria feito, querido. Ele adoraria a ideia de uma viagem em família e talvez você devesse gostar também, por Peter e por nossa mãe. A campainha da residência acabara por tocar distraindo os dois de suas breves falas. O irmão null levantara e fora a caminho de atender a quem chamava. Ele sabia que sua irmã detestava atender a porta, ainda mais nos momentos em que estava seriamente envolvida em sua conversa. Um homem adulto, de, talvez, cinquenta anos estava à porta e aparentava dúvida ao olhar para o garoto mais jovem. Percebeu e até pensou que poderia ter errado seu local de objetivo máximo. Mas resolvera que precisava encontrar sua filha, podendo, talvez, o garoto ajudá-lo.
- Boa tarde. Gostaria de saber se null é a proprietária desta casa?!
- Sim, senhor. O que deseja?
- É o filho dela?
- Irmão. Deus a livre de ter um filho tão adulto sendo tão jovem.
- Certo, é uma alívio grande saber disso. null está em casa? Eu poderia falar com ela por apenas alguns minutos? Prometo ser breve.
- Sim, senhor. Irei chamá-la. Pode entrar... Se quiser. null entrou no escritório chamando por sua irmã, a garota assustada levanta e tira seus óculos, olhando para o irmão que logo entra pela porta. O garoto eufórico chama por sua irmã avisando que há uma visita para ela.
- Tem certeza que é a null certa? - A garota pergunta ao irmão.
- Que outra null mora neste prédio?
- Pode ir até a sala comigo? Tenho medo de quem seja, sei lá... Um sequestrador? Os dois desceram as escadas do dúplex até a sala, foram conversando. null tinha o pressentimento de que ao mesmo tempo gostaria dessa visita e, também a odiaria. Milhares de pessoas passaram por sua mente, milhares de pessoas que jamais seriam aquele que estava ali parado, a sua frente. Seu pai. Depois de tantos anos.
null encarou estática e um tanto incrédula a figura de seu pai, que até então estava morto, mas agora na soleira de sua porta estava encostado a encarando. Múltiplos sentimentos invadiram-na fazendo com que a garota segurasse o corrimão de sua escada, sendo logo amparada por seu irmão mais novo, null. O senhor, que antes estava sob a porta, agora estava ao seu lado checando se algo havia acontecido com sua filha.
- O que pensa que está fazendo aqui? – null questiona, sentido suor escorrendo por sua testa. Ela estava nervosa.
- Quero conversar, null. É só isso.
- Mas eu não quero! Será que pode entender isso? Já passaram muitos anos para me procurar, não acha?
- Tive meus motivos, null, tente entender. Isso não muda o fato de que sempre estive procurando por você.
- Procurando por mim, null? Você cada vez mais surpreende. Foi um egoísta, um cachorro! Como pode nos deixar? Eu só tinha dois anos, null. null olhara para irmã descontrolada em busca de respostas, quem era aquele homem ao qual null gritava tantas desconexas palavras? null era seu nome, mas o que ele estaria fazendo naquela casa em hora tão inesperada? Então lembrou que null não era filha de seu, agora falecido, progenitor. Aquele, então, deveria ser seu pai.
Sentaram a menina ao sofá e null disponibilizou seu tempo para preparar um chá e deixar que os dois ficassem a sós. Resolveu, também, que deveria chamar sua mãe, ela com certeza saberia lidar com esta situação melhor que sua filha. O chá de hortelã foi recebido por ambos, que se puseram a agradecer e mais uma vez voltar ao confronto íntimo.
- E acha que posso perdoá-lo? Você nos abandonou, voltou e disse que contaria seus motivos. Onde estão os motivos?
- null, tudo bem, irá me tratar desse jeito? Sua mãe e eu mantivemos contato por algum tempo, é uma pena que não tenha contado a você. null, acha mesmo que fui embora sem deixar nada para vocês? Acha que seria tão egoísta a esse ponto?
- Então minha mãe compactuou com todo seu plano? Isso é patético.
- Sua mãe sabia que estava com alguns problemas, só não sabia que eu estava indo embora. Tanto que deixei uma quantia grande para que conseguissem uma vida agradável por pelo menos um ano. Consegui contato com sua mãe por alguns meses, ela chorava e pedia que voltasse para casa, mas não podia, não era seguro.
- E por que não era seguro? Só estou querendo entender isso, null. Na verdade, não desejo saber de nada. Só espero que vá embora – A campainha tocou enquanto null discorria – null vá atender a porta, por favor. A mãe permaneceu estática ao entrar pela porta, encontrando o então ex-marido ali parado a encarando. O estômago revirou em borboletas, borboletas que só sentira ao conhecer seu primeiro marido há bons anos atrás. null deslocou uma cadeira para que sua mãe senta-se ao centro de null e null. Logo depois indo até a cozinha preparar pipoca. Ele assistiria como “casos de família”, que tanto ria.
- null?
- null!
- Estou adorando participar desse reality show, quando saí o próximo capítulo? – null brincou tentando descontrair o clima.
- Mocinho, não são horas de brincadeiras – A mãe repreende – Podem me explicar que tipo de brincadeira é essa? Isso tudo está muito sem graça.
- Sinceramente, eu também não sei, não sei o que esse homem faz aqui após tantos anos.
- Não olhe para mim, eu só abri a porta – null ergueu suas mãos ao ar – Talvez, assim, só talvez mesmo, vocês devessem parar e escutar o que este senhor tem a dizer.
- null... Apenas explique. Crianças, saiam – A mãe pediu. A mãe tirou de sua bolsinha algumas notas de vinte, dando-as ao filho para que fosse comer em algum lugar e então deixá-los resolverem seus problemas. A garota, null, foi empurrada por seu irmão a contragosto, não estava gostando do fato de deixar sua mãe com o homem que as fizera sofrer por longos anos e sabia que sua mãe acabaria o perdoando, por ter coração mole.
Enquanto null e null caminhavam até um restaurante próximo, o pai e a mãe da garota na sala conversavam. null estava decidido a resolver sua vida de uma vez por todas, não aguentaria esperar mais alguns minutos, devia ser ali e agora. Arrependera-se por ter ido, mas não por tê-las deixado em segurança, foi um ato não tão pensado e que acarretou vários problemas para o homem, alguns anos depois quando descobrira que sua esposa acabara casando-se e tendo outro filho. Desde que fora embora, a culpa o corroía, pensava que deveria ter levado sua esposa e filha, eram uma família na alegria e na dor e ele não devia ter ido embora.
- Sinto muito por tudo que causei a vocês duas, essa nunca foi minha intenção.
- null, você está perdoado há anos, não precisava disso tudo – null suspirou com cansaço – Eu só não queria que tivesse ido, null poderia ser seu filho, mas não é. Nós seguimos com a vida, foi necessário.
- null, eu sei que passaram vinte e dois anos, mas não ousei casar por outra vez e seguir com minha vida. Aliás, minha vida continuou sendo null e você.
- Eu sinto muito por isso null, nossa meta não era prender você, nem causar o sentimento de culpa.
- null, muito mudou... Não é?
- O suficiente... Foram vinte e dois anos, null.
- Fui covarde o suficiente por ter ido embora, mas pensei acima de tudo em vocês. Você sabe... Íamos perder tudo e nossa filha precisava de conforto, era apenas um bebê, eu...
- null, eu entendo que estava com problemas os quais não davam para evitar, aconteceria de qualquer forma. Apenas pensei que passaríamos por tudo juntos, éramos uma equipe – null caminhou até cozinha em busca de água, não podia deixar-se levar por conversinhas, era uma mulher adulta, viúva e mãe de duas crianças. Ela devia ser madura, devia saber lidar com isso, mas como? Seu estômago revirou em borboletas no momento em que viu seu ex-marido ali sentado.
- Ela casou?
- Sim, há alguns meses. Mas o marido é ocupado, engenheiro, trabalho aqui e acolá.
- Ele é bom para ela?
- O melhor genro que já tive. É uma pena que não tenha visto-a casar, estava linda.
- Acha que um dia conseguirão me perdoar?
- Talvez... Dê tempo ao tempo. Logo estarão como verdadeiros pai-e-filha. Quando null e null voltaram para casa, null e null já não estavam e aquele ar de dúvida pairou sobre o ar. O garoto conseguira acalmar a irmã, levando-a ao local por onde fugiam quando crianças. A garota distribuiu suas dores para null que tentou tranquilizá-la.
- O que faremos agora? Mamãe irá perdoá-lo – null diz e suspira, deitando ao ombro do irmão.
- Não faremos nada, deixe que se resolvam. Às vezes coisas acontecem por um propósito, não tente atrapalhar, null. Talvez essa seja a chance de nossa mãe ser feliz outra vez, então, por que não?
- Porque ele já nos magoou uma vez, se isso acontecer outra vez será fatal, ela não aguentaria.
- Não tome um experimento de seu passado como lei para seu futuro, você deixa de viver por medo. Deixe que ela ame de novo, não dá para perder uma vida porque o passado foi assim. Ela se casou de novo, teve outro filho, ficou viúva por outra vez e que mal tem isto? São acasos naturais de uma vida humana.
- Eu tenho medo.
- Eu também, mas arriscar tudo é preciso. Além de que a vida não é sua – O garoto levantou e alisou seu jeans – Preciso de carona para casa, null.
- Você está velho para pedir carona, dezessete anos null! Compre um carro – A garota levantou e calçou seus sapatos, buscando a chave do carro que estava sob a bancada – Estou brincando, pirralho, você ainda é muito novo para dirigir. [...]
null entrou com null pela porta, aquela não era mais a casa que o homem conhecera. Tudo havia mudado, desde os tons nas paredes até os móveis agora modernos. Havia fotos de família por todo o lado, e, um homem ao lado deles, no lado que deveria ser dele, ele deveria estar ali por todo o tempo.
- Estarei preparando o quarto de hóspedes, null. Será que poderia esquentar a comida que está na geladeira? Logo null estará chegando e esse menino vive com fome!
- Acha que ele terá algum problema com minha presença por aqui? Eu juro que não demorarei a procurar algum lugar para morar.
- null é um menino de ouro, compreensivo com tudo, totalmente o contrário de null.
- Eu sinto muito por tudo, null.
- Não precisa sentir, está tudo bem. null ouviu de longe a porta se abrindo e logo fechando, os passos ao longo da escada tornam-se mais audíveis, ela sabia, então, que o filho estava em casa. Terminou de trocar roupas de cama e fechou a porta do quarto, descendo as escadas para encontrá-lo. null estava à cozinha de frente para null, o ex-marido, eles conversavam. null sentiu o alivio percorrer por seu coração. A cena de alguns minutos atrás trouxe para si a esperança, aquela que não sentia desde que seu segundo marido morrera.
- Oi, mãe! – null a chamou.
- Estava preparando o quarto de hóspedes. Tudo bem para você que ele fique um pouco conosco?
- Sim, eu não sou como null. Mas a entendo, ela estava despreparada para esse momento, talvez nunca estivesse pronta. Foi como um baque em seu autocontrole.
- Bom... Vamos comer? Foi um dia longo, preciso descansar – A mãe encerrou. A filha não conseguira dormir naquela noite, ela rodara da esquerda para a direita em busca de conforto. Estava nervosa, isso era fato confirmado, não estava conseguindo lidar com o “pai” que acabara voltando após vinte e dois anos.
A garota acabara de finalizar sua sessão de Skype com o marido, contando ao homem o que estava acontecendo em sua vida. Desde a visita de seu pai, passaram-se três dias e não teve mais notícias nem dele, de sua mãe e seu irmão, null. Pareciam ambos terem evaporado.
Os três dias que passaram serviram para que null pensasse, não só em si, mas em sua mãe e irmão. null precisava de uma figura masculina como exemplo, e o pai se fora cedo, quando o garoto completara quinze anos, quando era criança. Pensou que também precisava de um pai, e além de pai, um avô para seus filhos, um companheiro para sua mãe. Talvez o homem que as abandonara estivesse mudado e pudesse ser esse homem que ambos precisavam.
[...]
Terminara de aplicar a prova de química ao segundo ano, recolhendo-as e liberando os jovens. Colocou sobre o ombro a mochila, enquanto empilhava as provas feitas no dia e buscando ao bolso sua chave. O marido chegaria a poucas horas e null precisava estar pronta para buscá-lo.
Ao chegar a casa, correu em busca de algo que o marido apreciasse, logo depois correndo ao banheiro para um bom banho. Lembrou-se de que largara suas coisas ao sofá só quando dirigia a caminho do aeroporto. O dia estava um pouco chuvoso e rodovias cheias de carros, causando congestionamento, consequentemente atrasando null e seus afazeres. A garota ligou o rádio buscando algo que a acalmasse, tudo estava caindo sobre ela naqueles dias e mal conseguia suportar seus próprios problemas
O som se expandia e sua mente também, os carros passavam e o congestionamento se esvaía. null estacionou com pressa na primeira garagem que encontrou, correndo para entrar ao aeroporto e encontrar o marido. Estava com saudades do homem com quem casara há seis meses.
- null! – Viu o homem largar suas malas e abrir seus braços para que pudesse circundar a garota.
- null – Depositou o beijo singelo aos lábios do marido, tornando a abraçá-lo – Senti sua falta, foram dias longos, null. Obrigada por ter voltado.
- Vamos para casa? Lá poderemos conversar de verdade, com privacidade e conforto – O marido tomou a mão direita da esposa e foram caminhando ao estacionamento, agora, finalmente, juntos. [...]
- O que acha de começar me contando como foi encontrar seu pai? Em nossa chamada em vídeo você apenas contou ter o encontrado, queria saber de detalhes, vocês brigaram?
- Tivemos alguns desentendimentos, mas não houve gritos. Mas fiquei assustada com sua aparição aqui, não foi algo esperado, não estava preparada.
- Mas tem de estar algum dia, ele está por aqui, provavelmente não desistiu em tê-la de volta.
- Preferiria se não estivesse de volta, aprendi a viver sem ele e não o quero mais – A garota encostou ao ombro do marido, enquanto ele fazia carinho ao rosto dela. O homem conseguia acalmá-la com algumas palavras e toques singelos, ela o amava.
- Dê o perdão, garanto que será muito melhor do que viver com mágoa guardada, isso sufoca. Quero conhecê-lo – null alfinetou – Talvez seja um bom homem. Tenho certeza que sim,null, perdoe-o. Você precisa disso, precisa ser livre desse trauma.
null deitou em seu lado a cama pensando se realmente deveria abrir espaço para o perdão. null estava certo, sempre estava. Ele era o sábio daquele relacionamento. Ela devia perdoarnull para que pudesse ser livre de todas as dores. Dormiu determinada a mudar sua vida de uma vez por todas.
O lugar escuro passou a acender enquanto a garota andava. Correu os olhos à direita vendo a pequena garota chorando ao ver os amiguinhos a tratando mal por não ter um papai, logo depois sua mãe casando e tendo então um filho, em seguida null aceitava o homem como pai. Ela sorriu ao ver todas suas lembranças boas e até algumas ruins correndo por seu lado. Logo tudo escureceu, tendo apenas uma lâmpada, ela correu para lá em busca de luz aos olhos que viam apenas breu. Ao chegar perto à luz se expandiu e queimou seus olhos, os fazendo lacrimejar.
Os olhos claros a encaravam com gelo, o medo percorreu seu corpo, os neurônios congelando. null estava ali a sua frente, demonstrando a face arrependida, os olhos tristes, null sentia-se culpada com o que via. Lembrou que o marido havia dito para abrir-se ao perdão, era isso que a garota faria. Ficou próxima ao pai, proferindo baixinho “Eu o perdoo”.
A cena mais uma vez esvaiu-se, tornando tudo preto, sem lâmpadas dessa vez. Um breve tremor de terra a atingiu, fazendo com que a garota caísse. A luz piscou e longo expandiu-se aos horizontes, queimando os olhos da garota, e dali surgiu o pai, mas agora não sofria tinha o rosto em expressões zombeteiras. O olhar sarcástico que o pai deu a garota fez com que null quisesse o colo de sua mãe, pois aquele não era seu pai. O homem proferiu a frase “Me perdoar?” logo a imagem de seu irmão e mãe juntou ao lado do homem. A mãe sorria para null da mesma forma que o pai, o irmão não demonstrava expressões nítidas. A garota tentou levantar, mas forças a impulsionaram de volta ao chão. Quando caída visualizou as silhuetas indo embora. null acabara por levar sua família para longe da garota. O marido a acolhia aos braços enquanto chorava. Aquele sonho não devia ter acontecido, null não poderia estar se vingando dela. Ela sentia medo de que verdadeiramente pudesse perder sua pequena família ao homem que as abandonou. null dormia com calma até ouvir o som de sua esposa proferindo “Não” e algumas remexidas na cama, ele logo estava de pé para ajudá-la. A esposa estava sobrecarregada com a visita inesperada. null sabia que deveria compreender seu lado de conviver com aquilo, o abandono não deveria ser fácil. Mas continuava acreditando no perdão.
[...]
null e null levaram null ao cinema, para que pudessem conhecer uns aos outros, mas a mulher não daria esperanças de que o queria de volta, ela também tinha medo. null precisava do pai - que teve por apenas alguns dois anos. - null apenas queria que null tivesse uma figura masculina que fosse como exemplo.
- Olha... Eu não entendi nada! – null choramingou ao filho. Os três assistiram Star Wars.
- Não tem problema, mãe. Não faz seu estilo de filme.
- O que acham de comermos em algum lugar antes de irmos para casa? – null sugeriu.
- Darei uma passada à casa de null, mas podem ir. Encontro vocês em casa mais tarde – null beija a testa da mãe, aperta a mão de null e anda para longe deles. null andou ao lado de null sentindo-se como uma adolescente e o primeiro namorado. A barriga revirava de nervoso e as mãos gelavam, ela estava pirando ao lado dele, precisava permanecer longe. O homem – ao contrário de null, que precisava estar longe – estava cada vez mais próximo, tentando ao máximo ser o marido que ela tanto gostava há vinte e dois anos atrás.
- Continua gostando de rodízios de pizza ou a idade já não nos permite mais? – null ousou perguntar.
- A última vez que fui a um rodízio... – Ela parou e pensou – Quando null completou dezesseis anos.
- Gostaria de me acompanhar, senhorita, para um rodízio de pizza, em prol de relembrar os velhos tempos?
- Certo. Só não prometo comer tanto quanto antes. O homem fez questão de ser cavalheiro com null, e ela, claro, lembrava-se de sua juventude em que ele fazia o mesmo. Ela ficara nervosa por não saber o que dizer, estava um tanto intacta em seus próprios pensamentos, enquanto o homem tentava e som algum reproduzia. null pisava em ovos, sabia que se dissesse algo que a magoasse colocaria tudo a perder e não teria volta.
- Então... Como foi passar tanto tempo ao longe? – null ousou perguntar.
- A guerra foi complicada, fui mandado de volta por não estar em tão boas condições como antes. Eu envelheci o suficiente para sentir dores nas costas o tempo inteiro. Não era mais o mesmo soldado de antes.
- Eu sinto muito. Mas fico feliz que esteja de volta a casa.
- Sinto muito por seu marido, também, jamais desejaria o seu mal.
- Estamos superando, foi... Difícil. null sofreu com a perda, até mais do que eu e null – null olhou para o alto e continuou – Foram doze anos de casados, é um longo tempo.
- Sei que sim. Acabei por não me casar de novo, não haveria tempo de seguir em frente estando em uma guerra.
- É uma pena não ter seguido com sua vida, às vezes é necessário.
- Podemos deixar o passado para trás? Não estou pedindo que volte a ser minha esposa, mas gostaria que fosse uma amiga – O homem olhou aos olhos de null, ela sorriu e assentiu – Preciso de você para retomar meu relacionamento com null.
- Daremos um jeito – null entrelaçou a mão entre a de null, demonstrando compreensão.
- Um brinde a nosso jantar, que tudo ocorra como estamos a planejar – null levantou sua taça e encontrou com a de sua mulher. Brindaram então suas novas vidas, os novos começos. O caminho para casa fora calmo, o rádio soava baixo ao som de uma música que null gostava. Ele acabara por comprar um carro, para que sua locomoção acontecesse com mais facilidade. null fora com o homem ao comprar o carro, para que demonstrasse seus gostos e tivesse uma figura masculina a qual seguir. null gostava do fato de ter um homem que pudesse ajudá-la em alguns afazeres, que tirava tempo para null, que tentava ser um pai melhor para null. Ela sentia orgulho.
- Já estou procurando alguns lugares para morar – null esclareceu – Estou usando muito de sua hospitalidade.
- É bom ter alguém em casa, null sai cedo para estudar e volta tarde, desde que meu marido morreu esta casa tem sido tão silenciosa. É agradável ter sua companhia por aqui, null. null estacionou o carro a garagem, desligando o carro e dando a volta para abrir a porta de null, com um bom cavalheiro. Saíram os dois, esperando que a mulher pegasse a chave que abriria a porta. Deu dois passos para aproximar-se de null, que agora sentia a espinha gelar, ela estava nervosa. O estômago revirar em excitação para saber o que o homem faria.
- null, eu sei que isso seria abusado de minha parte, mas... Acho que não consigo mais esperar – null puxou a mulher para seus braços enquanto juntava seus lábios. A surpresa de null fez com que paralisasse por alguns segundos, logo correspondendo com fervor o que tanto esperava. Ela queria tanto quanto ele. O sentimento estava contido entrelinhas em cada toque, em cada movimento, eram como um só. O amor estava presente ali – null, ainda a amo.
- null, você precisa perdoar, precisa seguir em frente – null dizia – Não há mais o que fazer, nossos pais parecem estar felizes. E eu gosto dele, é um bom homem. Não há mais o que fazer para evitar.
- Não se se consigo – A garota gesticulou enquanto andava em círculos, como um cachorro e seu rabo – Olha o que null está fazendo com você, isso é uma lavagem cerebral. null, não dá para aguentar isso.
- null precisa ajeitar sua cabeça, pois desse jeito não dá para conviver, null. Aprenda que sua vontade não prevalecerá para sempre – O irmão saiu batendo as portas.
[...]
null sentou ao sofá sentindo-se injuriada com a negação de sua família ao entender o que a menina passava. O próprio marido defendia o pai de null, acreditando que o homem merecia seu perdão, aquilo fazia com que seu coração batesse mais fraco. Ela estava triste, cansada, com o coração dilacerado pela própria família.
O natal estava para chegar, batendo às portas, e sua animação cada vez mais diminuía de comemorar um momento tão bonito. Sentia falta de sua infância, de seu padrasto, de uma vida confortável e sem complicações. null faria de tudo para voltar ao passado, aos tempos que tinha paz. Ela sabia que precisava aceitar a volta de seu pai, sabia que a mãe e null estavam juntos de novo, sabia de tudo aquilo, mas parecia fácil fingir que nada disso era real, assim vivia em paz. null sentia-se uma senhora, sentia o peso de suas escolhas cada dia mais a sufocando.
- null, iremos visitar seus pais. Daqui a vinte minutos estaremos saindo – null avisou.
- Não estou em condições por agora. Posso encontrá-lo lá, null.
- Você irá comigo, null. Fim – null vestiu o suéter vinho e ajeitou as mangas – Vá colocar uma roupa. O caminho para casa da mãe havia sido turbulento. null estava indignada com o tom que o marido estava usando com ela, ele nunca o tivera feito. O pesadelo que tivera sobre o pai levar sua família para longe estava realmente tornando-se realidade; primeiro o irmão, depois a mãe e no fim seu marido. Ela conseguia ver claramente o sorriso de deboche que o pai usara enquanto null sonhava.
- null, eu sei que está chateada, quero pedir desculpas – null suspirou – Eu a amo e quero o seu bem. Sei que tenho agido como uma pessoa insensível, que não tem estado ao seu lado, mas precisa enxergar esta situação com outros olhos, null.
- E eu gostaria se parasse para entender o meu lado, já que meu pai está sempre corrompendo a visão de vocês.
- null pare e pense! O quê null tem de fazer para que o perdoe? Sua mãe fora casada com ele há vinte e dois anos, foi abandonada pelo marido, e mesmo assim o perdoou. Seu problema vai além de perdão, você tem ódio. Se continuar assim, acabará morrendo.
- Você fala que devo perdoar por não ter passado por tudo isso. Você não entende a dor que senti por todos esses anos, ele foi embora e do nada deseja voltar?! null, não dá, eu não consigo, a dor fala mais alto do que qualquer coisa boa que null possa ter feito.
- Então recomece, null. Nossos filhos precisam de uma figura paterna, além de mim, e já que não tenho meu pai, só pode ser o seu.
- Eu não quero recomeçar e não há como voltar aos dois anos de idade, quando ele nos abandonou. Quero esquecer que momentos como esse aconteceram, mas não consigo.
- Então trabalhe nisso. Não podemos deixar que a vida passe sem que possamos degustar. Tente ser libertar, null, isso é necessário para nós como um casal – O marido desligou o carro, dando a volta para abrir a porta de null – Seja agradável. null envolveu seu braço sob a cintura de null, demonstrando que ainda era o marido que a amava e que estava ali por ela. Os dois vinham tendo desavenças desde que o pai estava de volta, um dois motivos era o fato de null estar tentando resolver os problemas sem ao menos apoiá-la. A garota chorava por dias, estava sensível, quebrada por dentro.
null estava à porta esperando por seu genro e filha, a mulher sorria com alegria ao vê-los. null estava logo atrás com null, seu futuro padrasto. Os dois haviam criado afeição como se fossem pai e filho, a mãe acreditava nunca ter visto o filho com feições tão felizes quanto agora.
- null! – A mãe correra para enroscá-la em seus braços – É bom revê-la.
- Oi, mãe – A menina deu um sorriso torto. Não estava sentindo-se confortável ao ambiente.
- null, venha, entre – null puxou a mão deles, para que entrassem – null, espero que não se importe, mas seu pai está aí, tente ser educada, tudo bem?
- null irá comportar-se, tenho certeza que sim.
null avistou o irmão ao longe com seu pai, pareciam familiarizados um com o outro, ambos com copo a mão de frente para churrasqueira enquanto trocavam algumas palavras, rindo em seguida. Ela sentia inveja da pureza de null, era algo agradável aos olhos, mas ácido ao seu coração, tinha certeza de que não conseguiria ser como o irmão. Jamais trataria alguém com tanto carinho como seu irmão executava, ele era feliz em cada momento, mesmo com dores, com mau humor, com sono, ela gostaria de ser aquilo que ele era. null e a mãe vinham logo atrás gargalhando alto, enquanto a filha remoía-se por ser tão dura. Todos ao seu redor estavam em paz, menos a própria.
- null, oi! – O pai acenou para a menina, desculpava-se com null por não dar-lhe atenção enquanto caminhava para sua filha.
- Olá, null.
- É bom vê-la, criança – null sorriu. null aproximou-se para cumprimentar o sogro, trocando algumas palavras – null...
- null, é um prazer.
- Sentem-se, logo o churrasco estará pronto. [...]
null entrou em casa pensando em como perdoaria o pai, colocou a bolsa apoiada ao sofá, foi retirando suas peças de roupa e caminhando diretamente ao banheiro. Sentou-se a tampa da privada pensando o que poderia mudar sua cabeça tão dura, ela estava cada vez mais sentindo a vilã, isso nunca foi o que queria. Voltou a foco de tomar seu banho e relaxar, pois se pensasse em seu pai a toda hora perderia sua vida. Ao sair encontrou o marido deitado descansando, sentiu felicidade ao vê-lo ali após tantas noites sozinhas em que ele viajava. Vestiu seu pijama e deitou ao lado do marido, aproveitando para encostar sua cabeça ao peitoral dele.
- null, eu sinto muito por estar fazendo você passar por isso.
- Eu também peço desculpas por não tentar entender seu lado, mas, null, eu perdi meu pai, sei o que é ter uma infância sem meu companheiro para jogar bola ou aprender a andar de bicicleta ou até mesmo para ver um desenho. Você ainda tem chances de presenciar seu pai, tê-lo por perto, abraçar, mas está desperdiçando. Eu entendo seu lado, entendo de verdade, mas tem de deixar o passado para trás e viver o agora.
- Eu amo você, null.
- Eu também a amo, null. É tarde e você precisa descansar – Beijou-lhe a testa – Boa noite.
- Antes que vá dormir, podemos ir à casa de minha mãe amanhã? Quero tentar um recomeço, aos poucos.
- Claro que sim, iremos quantas vezes você quiser. null ficará feliz em vê-la por lá. null fora ao mercado logo ao acordar, deixando null dormindo. Ele sabia que ela andava muito cansada, preferia então deixá-la descansar ao máximo. Estava de férias por algum tempo já que trabalhara por anos seguidos em um projeto importante que dera certo. null sentia saudades e ele sabia muito bem, sabia que ela odiava ficar sozinha à noite, deitada a cama com um vazio ao lado.
[...]
A mãe ficara feliz em ver null e null chegando para o almoço, fazia tempo que a filha a visitava por conta própria o que deixava null chateada, já que criara sua filha sozinha após tantos anos. O almoço correu bem, o pai e null conversaram alguns assuntos, tentando familiarizar-se um com o outro. null e null sentaram para jogar e a mãe fora levar os restos à cozinha.
- null, vá ajudar sua mãe com a louça – null sugeriu – Assim teremos uma sala só para homens. null deixou escapar para a mãe, enquanto lavavam o que sobrara do almoço, que estava tentando perdoar o pai, explicando o porquê de estar ali. null sentira-se orgulhosa por ver o esforço que sua filha estava a fazer, abrindo seu coração para que o perdão fluísse como um córrego.
- Fico feliz que esteja realmente tentando, null. Seu pai e eu temos tentado também. É bom que converse com ele, esclareça o que aconteceu em todos esses anos, assim ficará ainda mais fácil de perdoar.
- Quais foram os motivos? Isso realmente tem sido uma barreira a qual preciso derrubar.
- Converse com seu pai – null olhou para a porta vendo null parado ao batente da porta, sorriu ao vê-lo aquela posição. Ele costumava encostar-se ao batente vendo sua esposa cozinhar, sorriu ao lembrar como adorava vê-la em mãos a obra – Entre, null, já estou de saída. null sorriu a null passando por entre seus braços até a saída, e empurrando o homem para dentro. null sentiu nervosismo ao estar sozinha com seu pai, então virou para qualquer canto em busca de algo que pudesse ocupar seus olhos de visualizarem o pai. null sorriu ao ver sua filha encabulada com sua presença, ele a amava mais que tudo e faria o impossível para tê-la de volta como sua.
- Sua mãe mostrou algumas fotos de seu casamento, estava muito bonita – null começou.
- Foi um dia incrível. null tem realmente feito minha felicidade, ele é ótimo em tudo, é um marido desejável.
- É uma pena que seu pai não estava aqui, eu sinto muito null. Poderia ter feito tanto por você, mas não o fiz – A mão de null cobriu suas mãos entrelaçadas, fazendo um tipo de carinho que nem ela entendia.
- Não sinta culpa, o passado já passou, temos de viver o que o futuro está a nos dar a cada dia. Foram anos difíceis, não posso mentir, sua presença fez falta, mas aguentamos as pontas, seguimos em frente. Minha mãe está alegre com sua volta, é bom para null também, já que perdeu o pai tão cedo.
- É quase como uma maldição dessa família...
- É... – null riu em desgosto – Espero que meu casamento não seja uma loucura como nossa família é.
- Você será feliz, tenho certeza de que irá.
- Obrigada por isso. Mas, por que você se foi? Todos aparentemente sabem e eu não, isso me atrapalha no processo de conceder perdão.
- Nosso país estava ajudando a combater uma guerra no oriente médio, eu fui alistado há alguns anos, colocado em lista de espera e continuei assim por vários anos. Mas a guerra passou a tomar muitos de nossos homens, tendo então que chamar até aqueles que estavam à reserva, pessoas que às vezes nem seguraram uma arma. Você tinha um ano e meio quando recebi aquela intimação, eu tive a chance de prolongar a lista de espera para que convivesse um pouco mais com você. Naquela época você estava com dificuldades para andar, então engatinhava, mas não era algo crônico, o médico nos disse que era preguiça.
- Certo, então o governo o intimou a servir nosso país? Mas o senhor sendo médico e tendo uma família não teria o direito de ser dispensado?
- Já ouviu falar na segunda guerra? Com certeza já, naquela época todos os homens que estivessem vivos e não fossem idosos serviam a seu país, tendo família ou emprego ou não tendo nada, foi o que aconteceu comigo. Estávamos como aliados de uma equipe boa, mas pequena, com poucas pessoas. A barra pesada foi toda para nós. Eu sei que é uma história difícil de entender, que parece mentira, que talvez você realmente não acredite, mas foi o que aconteceu.
- E, para que demorar vinte e dois anos?
- null, esta guerra não acabou, ela persiste. Mas seu pai já está velho, não há mais espaço para mim. Foram doze anos de guerra, até que tiveram cinco anos de paz, e logo mais cinco em guerra. Não tivemos férias, dormimos em lugares horríveis com muitas pessoas junto, projéteis perfuraram nosso corpo, mas estou aqui. O que mais posso fazer para que me perdoe?
- Preciso de tempo, uma semana, algo do tipo.
- Leve o tempo que precisar – O pai suspirou profundo sentindo-se cansado e impotente. Tudo o que dissera fora uma realidade. O fato de abandonar sua família o trouxe vários, longos anos em tristeza, sem ao menos poder escrever-lhes uma carta para que soubessem de suas condições. [...]
Naquela noite, null chorou sentindo-se a pior pessoa, chorou por ser tão ruim com seu próprio pai, sofreu ao colo de null que tentava acalmá-la de todas as formas. As frases que ouvira por aquela tarde ecoavam em sua mente, trazendo cada vez mais lágrimas a seus olhos. Ela deveria perdoá-lo ou morreria de infelicidade. Mas como? Como conseguiria perdoá-lo?
Faltavam, agora, nove dias para o natal. As ruas estavam movimentadas, lojas cheias, quase sem estoque. Naquele dia em especial era aniversário de null, os filhos resolveram fazer um piquenique para comemorarem, como ela fizera em todos os aniversários de seus filhos. null e null marcaram de buscar a mãe, o pai e null para que fossem a um lugar reservado e pudessem comemorar por mais tempo, afinal, não era todo dia que sua mãe passava por outra primavera.
Flashes da última vez em que null estivera naquele lugar dispararam. Fora ali onde null pedira sua mão em casamento.
Flashback null passara o mês inteiro viajando, agora que voltara não tratava a namorada como antes, parecia distante, mudado, null pressentia que algo estava errado, mas resolveu deixar para lá. Ele mandara mensagem na madrugada anterior avisando que gostaria de conversar, seria algo importante, ele frisou. Ali, naquelas três e vinte de uma madrugada normal ela chorou, por medo, por não saber o porquê de null estar tão afastado de si.
Ao amanhecer decretou que não deveria mais chorar, se o namorado não a queria mais então encontraria outro, teria de ser madura, já não possuía idades para imaturidade. Tomou um banho longo suspirando a cada segundo, depois vestiu roupas de ficar em casa, indo até a cozinha enquanto preparava algo pra seu desjejum. Ela estava conformada de que se null não a amava mais poderia seguir sua vida e encontrar outro a quem pudesse entregar seu coração. Enquanto terminava de escovar seus dentes, a campainha tocou.
- Troque de roupa, iremos sair em dez minutos – Foi tudo o que null disse, antes de voltar ao térreo, sem deixar que ela questionasse. null deu de ombros ignorando o mando de null, pôs alpargatas aos pés, calça capri, logo buscando sua bolsa. O namorado esperava a garota que demorava, as mãos suavam gelado, seu estômago revirava a cada segundo que passava, ele estava pirando. A menina desceu alguns minutos após o namorado, demonstrando tédio em cada passo, sentindo preguiça de olhar para o rosto daquele farsante.
- Vamos? Ou ficará olhando para o nada? – null reclamou com o garoto – Você já foi mais esperto, null, muito mais. [...]
Sorriu ao ver onde haviam parado, os cabelos chicoteavam forte com o vento que rondava o local, ela conhecia aquele lugar até de olhos vendados. O parque onde conhecera null, o lugar agora não possuía crianças por ser tão cedo e de local afastado, mas o verde permanecia intacto, incrivelmente bonito, trazendo lembranças boas para si. Além de conhecer o namorado, a mãe trazia null e null para piqueniques em todos seus aniversários.
- Gosto de lembrar que este lugar é importante para nós – null começou – Trouxe você aqui para comemorarmos minha volta com um piquenique, como fizemos em nosso segundo encontro. Você consegue lembrar? Eu lembro... Seus cabelos presos em rabo de cavalo, os olhos brilhantes... Eu sou muito sortudo em tê-la – Ele passou as mãos por seu cabelo – Sente na toalha, vamos comer, antes que possa continuar.
O olhar de null nunca saía dos seus, por mais que amasse tê-lo, aquilo estava a incomodando. Ela gostava de ter atenção, gostava de aparecer um pouquinho, de ser tratada como rainha, mas às vezes ter tantos olhares para si podem incomodar. Desistiu de comer, limpou as mãos em sua jeans, enquanto tomava os olhos dele para si. Ela queria ir direto ao assunto, sem comer, apenas conversar.
- Vamos direto ao ponto? Você sabe... Eu gosto de ser direta em nossos assuntos. Sem flashback de quando nos conhecemos, quando tivemos nosso segundo encontro, isto não me engana, aonde quer chegar? Você quer terminar? Estou disposta a aceitar, se isso o fizer feliz, eu realmente aceito.
- null, o quê?! Não é nada disso! – null exclamou com nervosismo – Eu vim aqui com um propósito, mas sua pressa tem atrapalhado minha perfeição.
- Seja direto, eu não consigo ir devagar.
- Certo, mas espere um pouco, por favor – Ele tateou os bolsos – Vou ao carro e logo volto. Ela não entendeu, mas preferiu esperar por ele. Voltou a sentar e esperou por cerca de dez minutos, esse era o problema em ir naquele parque, não havia estacionamentos. Tomou o suco que estava ali, e com óculos em seus olhos viu null se aproximando. O sorriu despendia de seu rosto contagiando null, a emburrada.
- Se eu pedir que você levante um pouquinho será pedir muito? – Ele pediu.
- Seria, mas o que não faço por você...
- Então, já que você apressou todo meu plano... Eu gostaria de dizer que todos esses anos foram ótimos com você, com seu irmão, sua mãe vocês são tudo o que eu precisava para tornar-me completo. O acolhimento e carinho que recebi de sua mãe tornaram minha vida diferente, eu me senti como um filho, como se null fosse minha mãe.
- Seja direto.
- A questão é que eu me sinto em casa com vocês, como minha família. Depois de ter passado o mês inteiro fora, viajando, com pessoas estranhas, eu percebi que preciso de você em todos os momentos. Dei um jeito de voltar mais cedo porque percebi que você é a mulher da minha vida, porque preciso de você comigo, do meu lado em todos os lugares em que eu for, porque eu a amo, null, e quero construir uma família contigo – null tomou as mãos de null enquanto ajoelhava – null, pequena null, aceita ser minha esposa?
A menina atônita com o que acabara de ouvir sibilou “sim” em voz baixa e quase inaudível. null em meio a tanta felicidade cobriu o dedo anelar esquerdo de null com o solitário que fora de sua mãe, levantando e rodopiando sua, agora, noiva.
Flashback
- O lugar em que estamos levando vocês guarda muitas de nossas memórias... – null exclamou após lembrar quando fora pedida em casamento.
- Já posso até imaginar... – A mãe sorriu. O que null não sabia era que null e null pagaram para que o parque fosse reservado para eles por um dia, o que fez a mãe sorrir e agradecer por longos minutos. Mas não era só aquilo de surpresas, mãe e filha tornaram a gargalhar ao ver que uma orquestra se formava perto de onde fariam seu piquenique. Desacreditadas com as músicas que ouviam sendo as mesmas que tocavam em seus respectivos casamentos. null puxou null para que dançassem a valsa de seu casamento, assim como null fizera com null, deixando apenas null parado e sem par, mas ele não se importava.
- Venha null, dancemos em trio – null chamou o irmão, mas ele negou, sentando em sua toalha, enquanto atendia um telefonema.
- Estou ocupado, depois danço com vocês – null respondeu.
- Sua ocupação tem a ver com a garota que está entrando pelos portões? – null parou sua dança para sentar ao lado do irmão. Mas logo quando null ouvira que sua garota estava chegando, levantou, limpou as mãos em sua bermuda e corou. Ela analisou a garota que chegava, medindo-a de cima a baixo, procurando algo que pudesse aplicar contra o relacionamento de seu irmão, mas tudo o que encontrou foi uma garota loira, usando óculos com aros grossos, calça jeans e blusa com alguma frase de livro adolescente. Não lhe parecia ser vulgar, estava mais para garota inteligente, ela já estava aprovando.
- Hanna! null foi até ela, dando um beijo singelo em sua bochecha que logo corou. Caminhou com a garota, de mãos dadas, para perto de sua família com o propósito de enfim apresentá-la como sua namorada. null e null sorriram cúmplices por saberem daquele relacionamento desde antes, quando o garoto era apenas um apaixonado. A mãe null sorriu grandemente ao ver como os olhos de seu filho brilhavam a cada passo, finalmente conheceria sua nora.
- null, null, mãe... Está é Hanna, temos aula de química juntos, e ela é minha namorada – A garota corada apertou a mão dos homens sendo puxada para os braços de dona null, a mãe orgulhosa – Hanna, esta é null, minha irmã e melhor professora de todos os tempos.
- É um prazer te conhecer, Matt falara muito sobre você! – Hanna contou.
- É bom conhecê-la também. Agora venha, juntem-se a nós em uma dança. Ao entardecer, null tomou a mão de sua esposa para que caminhassem até a próxima surpresa, os outros dois casais também os seguiam em busca de respostas. O lago não ficava tão distante quanto parecia, andaram poucos passos vendo o céu que agora tomava um tom rosado, e ventos cortantes chacoalhavam os cabelos. null fora primeira a avistar a tenda grande lotada de rostos conhecidos, ela sorriu para null em agradecimento. Mesmo que aquele grande dia não fosse dela, sentiu-se alegre por tantas surpresas para sua mãe que em meses atrás sofria sem companhia. null assustou-se com a quantidade de pessoas que proferiram “surpresa” e “parabéns” para ela que estava entretida em sua conversa. Aquele dia estava sendo realmente um dos melhores em tantos anos.
O jazz soava baixo naquele final de tarde, null rodava o local cumprimentando todos quem conhecia. null, Hanna, null e null sentaram em uma mesa afastada que dava diretamente ao lago por onde conseguiam ver vários patinhos. null fora cumprimentado por várias de suas conhecidas e até madrinhas de seu fatídico casamento, sentiu receio em conversar com aquelas tantas pessoas, mas acabara sendo abraçado como se nada ele houvesse feito.
- Há alguma outra surpresa? – null ousou perguntar. Viu que null e null trocaram olhares antes que um desses pudesse responder.
- Sim, mas esta você saberá apenas quando chegar a hora – null concluiu. O jantar fora servido e todos sentaram para saborearem tais pratos. null e null tornaram a juntar-se com os filhos para que pudessem conversar, ela sentia uma explosão de felicidade em sua vida, parecia ser uma adolescente de novo. A filha observou o quanto mãe parecia satisfeita em rever amigos, família e outros, mas o que realmente exalava sua felicidade era andar com null em seu encalço, ela percebera que null resplandecia com tal ato, e desejou que seu pai voltasse - de alguma forma - a trazer aquilo que sua mãe mais desejava... O amor.
- A comida está esplêndida. Obrigada a vocês três, tornaram meu dia especial. null, obrigada – A mãe depositou carinhos em todos que ali estavam a acompanhando – Hanna, querida, bem-vinda a nossa família, espero que não repare a bagunça, mas possuí muito amor.
- Vamos dançar? – null chamou a todos para que o acompanhassem ao som de Time After Time de Frank Sinatra - Poderia dar uma parada à música? – null andou até o pequeno palco formado. null e null mais uma vez trocaram olhares confidentes – Olá, boa noite. Eu gostaria de agradecer a presença de todos, e dizer que hoje é um dia especial tanto para mim quanto para null e nossa família, família a qual não via há vinte e dois anos. Um longo tempo. Não acham? Eu acho, e sofri muito por não ter visto o crescimento de minha filha, os anos que null completou, eu perdi grande parte de minha vida. Mas hoje eu tenho muito a agradecer, por está aqui principalmente, por conhecer pessoas maravilhosas como null e null, vocês são homens honrosos. Mas, acima de tudo, gostaria de agradecer essas semanas em que pude passar um tempo com null. Tudo soou como minha adolescência, quando nos conhecemos, foi o que eu senti. Meu estômago borbulhava só em vê-la de manhã enquanto fazia nosso café, meu coração parecia estar parando a cada sorriso enviado a mim. Por isso resolvi que viria até aqui em cima e... Vou ser direto, estou enrolando muito. null, você aceita casar de novo comigo?
null e null entravam em sincronia com null e Hanna, os dois pares de padrinhos daquele casamento. Fazia cerca de dez meses em que o pai de null havia sido perdoado, e ela sorria sempre ao se lembrar disso e além de que há dez meses a mãe e o pai estavam noivos. O flashback passou por sua mente e ela lembrou o aniversário de sua mãe, onde, finalmente conseguiu proferir as palavras que tanto a prendiam. Eu o perdoo.
Flashback
- null, você aceita casar de novo comigo? Os sons de aplausos tomaram toda aquela tenda, sendo iniciados por uma null emocionada. Ela sentira que agora, agora que estava confiante, deveria perdoá-lo de uma vez para que pudesse seguir com sua vida, sendo feliz. Tirou os sapatos de seu pé enquanto corria como uma criança para que alcançasse seus pais. O amontoado de pessoas em volta desejando breves felicitações impedia sua passagem, mas fora paciente, esperando que logo pudesse proferir as tais palavras que a sufocavam.
- Eu aceito. null abraçara a mãe quando tivera enfim sua oportunidade, caminhando quase sem preocupações até o pai, o abraçando, o abraço que gostaria de ter dado logo quando estava repousado em sua porta naquele dia tão breve. null rodou a filha em seus braços como se ainda fosse sua pequena menininha de dois anos, aquela por quem faria tudo. Mais aplausos ecoaram sobre a tenda, e logo a orquestra tornou a tocar. A menina resolveu que esta seria a hora adequada. Puxou o pai até a pista, como se fossem dançar a valsa dos quinze anos, então aproximou sua boca ao ouvido dele enfim proferindo a frase que tanto queria.
- Eu o perdoo, pai.
Flashback Sorriu grandemente ao ver a mãe entrando, sendo acompanhada por sua irmã Carmen, com um vestido em renda bege claro e seu buquê de tulipas brancas e rosas. Os olhos de seu pai brilharam em tamanha felicidade ao tê-la como um flashback entrando pelo tapete, agora branco. null sentia como se estivesse renovando os votos, como se nada ruim houvesse acontecido, ela realmente esquecera o passado, tudo o que sofrera escolhendo ser feliz. O pai também estava bonito com camisa social branca, gravata borboleta e calça social, sua aparência jovem contrastava muito bem com seu vestuário. Não havia pequenas damas ou decorações extravagantes, menos – para null e null – sempre fora mais.
- null, null é sempre bom vê-los – O padre saudou – Estamos aqui, mais uma vez, para celebramos o matrimônio de null e null. Se alguém há de ir contra esta união favor falar agora ou cale-se para sempre.
- Sejamos diretos, padre – null pediu – Já sabemos de todos os cuidados, de tudo o que deve haver neste matrimônio – Os convidados riram, e até mesmo o padre.
- Vamos aos votos. Quem irá primeiro?
- Eu o aceito como meu esposo, para amá-lo e perdoá-lo. Na saúde e na doença. Na felicidade e tristeza. Prometo ser a melhor esposa que possa desejar – Com isto ela colocou a aliança no anelar de null, depositando um beijo.
- Eu a aceito como minha esposa, para amar, cuidar e perdoar. Na saúde, na doença. Prometo amá-la até que a morte nos separe – Ele colocou a aliança dourada e miúda ao anelar de null. Tomando-a para seus braços, beijando-a. Ao fim da tarde, antes que os noivos, agora marido e mulher, partissem, lanternas foram acesas e soltadas ao ar. O sol que se punha clareava cada uma, tornando-as mais especiais. null depositou suas mãos entorno de null, os dois sorriram cúmplices. Aquela seria a hora certa para darem a nova notícia. null fora o primeiro a chamar a multidão. null e null olharam na direção, caminhando para perto com champanhes em cada mão. As ondas fraquejavam, mas não deixavam de jogar pingos de água para o ar, como uma chuva fina. A mão de null fora ao ar para que brindassem, junto de Hanna e seus pais.
- Gostaríamos de fazer um brinde aos noivos. Que toda a felicidade venha até ambos, e o amor torne-se cada vez mais forte, a desistência caía e as memórias boas sempre permaneçam em seus corações – null levantou a taça – Aos noivos!
- null e null vocês com certeza se tornaram a família que eu precisava, coisa que não tinha há tanto, mas agora tenho e sinto gratidão. Que nestes novos anos haja amor em dobro, triplo, que haja amor sempre. Que o respeito continue intacto. E a relação não se canse, que seja renovada a cada dia – null abraçou a esposa – Assim como a minha e de null é. Estamos grávidos.