É difícil aceitar quando é preciso tanto tempo para achar a pessoa certa. Foram anos de solidão, anos afogado naquele sentimento vazio que eu nutria pelos relacionamentos de uma noite que eu conquistava. Até que naquele dia, cruzando o bar, eu a avistei. Seus cabelos estavam soltos e se deixavam levar pelo vento que corria o salão. No meio de tantos rostos, aqueles olhos intensos se destacaram e aquela beleza exótica me arrebatou de súbito. Não era um encontro normal, eu tinha certeza. Uma luz cósmica traçava uma ponte entre nós dois. Meus olhos se fixaram sobre aquela mulher. E meu coração, de súbito, foi enjaulado. Mais difícil ainda é, agora, eu estar sentado aqui sozinho, sentindo que tudo o que eu havia conquistado em relação ao prazer de sentir, escorria entre meus dedos numa estranha sensação de câmera lenta. Era uma tortura observar-me perder absolutamente tudo e me sentir impotente e, novamente, vazio. Já era a quinta ou sexta vez naquela noite que eu colocava nossa música para tocar na jukebox do lugar em que nossas almas haviam se cruzado pela primeira vez (pelo menos nessa vida, eu poderia dizer). Não era uma questão de gosto musical peculiar, mas pelo momento a que me remetia e, principalmente, pelas palavras tão verossímeis em relação ao que habitava em mim. A descrição do vazio, a esperança quase sem força reluzindo uma luz muito fraca e, principalmente, o tom de desespero ao pedir que a pessoa amada não fosse embora. No meu caso, apesar de todos os esforços, ela se foi. Cruzou a porta sem piedade e nem olhou pra trás. Mesmo que me lançasse o olhar mais frio e vazio, já era algo a guardar em mim. Ela simplesmente foi. E hoje ela estava com outro cara, possivelmente muito melhor do que eu, em algum lugar muito melhor que meu quarto e sala. Então, num gesto inocente e completamente casual, olhei para o lado. O copo de cerveja sambou em minhas mãos e minha boca se abriu de uma única vez. Numa cena muito clichê dirigida pelo destino, vi aquela mesma mulher parada à porta, passando os olhos pelas pessoas, mas sem parecer procurar nada em especial. Algo nela me dizia que ela estava tensa. E, conhecendo-a como ninguém mais nesse mundo, sabia que ela estava atrás de seus cigarros. Distraída ela cruzou o espaço do bar e parou ao meu lado ainda sem me notar. Pelo menos ao que parecia. Ou ela podia estar mesmo me ignorando. Eu só saberia se arriscasse um contato e arrisquei. - Oi – minha voz soou rouca ao cumprimentá-la. Logo em seguida, tomei mais um gole da minha cerveja. - Você? – Ela riu de um jeito engraçado e pareceu relaxar. Pareceu. Logo sua expressão ganhou um tom de dúvida, de espanto e quase medo. - Tudo bem? – Eu sorri e estiquei a mão com a esperança que ela me tocasse, apertasse minha mão numa saudação amigável. - Tudo, eu acho. E você... Nossa, já faz algum tempo – ela suspirou pesadamente e encarou minha mão parada no ar. Sem saber como reagir, apenas recuei e dei de ombros sem que ela notasse. - Acho que estou mais magro. Mais que o normal, pelo menos. - É... Realmente parece. Então, foi minha vez de suspirar e encará-la quase que simultaneamente. Meus olhos marejaram, num ato sentimental falho, que mostrava muito além do que deveria. Sempre fui emotivo demais pro tamanho da minha barba. E por isso, eu a tirei. - Cara, você tá sem... – Ela apontou para o próprio rosto na altura do maxilar. - É... – Respirei fundo. – Não combinava tanto assim comigo, afinal. – Tentei sorrir, mas não consegui nada além de uma curva no canto da boca. – É bem estranho te encontrar assim, aqui... Ela ergueu as mãos e me mostrou os maços de cigarro. Bingo! - Certas coisas nunca mudam, né? – Ela sorriu. Seu melhor e mais sincero sorriso em muito tempo. – Bom, eu tenho que ir. Eu entrei numa espécie de transe quando aquelas palavras me atingiram. Quando ela disse que tinha que ir algo dentro de mim amargou. Uma onda de pânico me fez sentir como se eu estivesse morrendo afogado. Era angustiante tê-la ali tão perto e senti-la, mais uma vez, esvair-se dos nossos laços. Laços esses que eu ainda mantinha tão intactos e cuidados dentro de mim. - Tchau – Ela suspirou, encarando minha figura patética, emudecida e impotente. Depois apertou os lábios como costumava fazer em situação de desconforto. Assentiu num gesto de conformidade e se levantou, indo embora mais uma vez. Enquanto ela se afastava e sua imagem sumia em meio às pessoas que sorriam e brindavam, meu coração entrava em descompasso. Respirar não tinha graça se não fosse o mesmo ar que o dela. Num rompante, saltei da cadeira, joguei uma nota de cinquenta no balcão e fui me esgueirando da pequena multidão que tomava o espaço. As pernas dela eram rápidas! Mas a minha necessidade, a minha loucura, faria-me voar se preciso fosse. Cheguei à calçada parecendo mais desesperado do que nunca. Eu ofegava, suava frio e meus olhos, desesperados, buscavam-na incessantes. Meu pulso descompassou pela segunda vez: avistei-a atravessando a rua e corri, sem pensar duas vezes. Gritei seu nome, ela pareceu não me ouvir. Acelerei ainda mais até que, finalmente, consegui alcançá-la. Aquele tempo que residiu entre mim e ela me pareceu infinito. Mas não era, afinal. E percebi quando a toquei. Não pude resistir. - Eu não consigo... Não acho que tenha sido mera coincidência. E você? Os maços de cigarros, que ela carregava em um pequeno saquinho de papel pardo, foram ao chão. Nossos olhos se cruzaram e então eu pude ver, pude vê-la, pude enxergá-la. A boca dela estremeceu e quis falar, mas o ar pareceu faltar a ela. Eu não julgaria, em nenhuma hipótese. Mal sabia como havia conseguido falar antes. - Eu preciso de você – eu disse. Senti uma dose de calma me invadir. - Não faz isso comigo... – Ela sussurrou, suplicante. E antes que pudéssemos continuar aquele diálogo infame, nossos lábios, num movimento súbito e desesperado, tocaram-se. Nos invadimos, nos provamos... Depois de tanto tempo aquele gosto não poderia ser melhor. E a cada instante, tudo se tornava mais intenso, mais caloroso, mais apaixonado.
***
Na manhã seguinte, enquanto ele dormia, pude observar o sol tocar seu corpo e fazer emanar dele algo grandioso. Parecia que ele, daquela forma em que se encontrava, livre de qualquer pudor, podia trocar com a natureza, com o universo, toda a paz que parecia habitá-lo. Meus dedos não resistiram em tocá-lo. Resvalei por entre colcha, lençol e travesseiros e me aconcheguei à forma do corpo dele. Senti seus cachos pretos perfeitos entre meus dedos e sua barba por fazer quando toquei seu rosto. Era maravilhoso tê-lo ao meu lado. Ainda assim, apesar da onda de bons sentimentos que lentamente me invadia, o medo parecia estar somente adormecido. E aquela incerteza me fazia recear. A verdade é que a vida nos tratou de afastar gradativamente. Eu pensava no futuro enquanto ele se atava ao presente, eu pensava em responsabilidades enquanto ele em me beijar desmedidamente, eu queria aprender a cozinhar para me sentir independente e produtiva e ele só queria pedir pizza pelo telefone para o resto da vida. Será, então, que valeria a pena voltar atrás? Toda segurança, toda estabilidade, nada compensava aquela sensação de vazio. E nada, principalmente, fazia-me conseguir superar aquilo. Lentamente ele foi despertando. Os olhos verde-musgo preenchiam o rosto magro. Ainda eram acalentadores, apesar da tristeza que guardavam. Ele conseguiu sorrir depois de alguns segundos. Piscou algumas vezes e se espreguiçou me capturando com suas mãos que lentamente me percorriam. - Bom dia. - Oi – minha respiração foi se tornando, aos poucos, descompassada. - É maravilhoso estar aqui, sabia? Maravilhoso te sentir tão perto outra vez... - Senti seu nariz percorrer meu pescoço, tragando-me. - Nós somos opostos... Divergimos em tantas coisas, meu Deus... - Você me preenche. Nós nos preenchemos – ele me beijou o pescoço e percorreu o caminho até minha boca sem pressa - E eu não aguento mais viver longe de você... Uma parte de mim esteve morta quando ficamos distantes. - E se todas as brigas, todos os problemas se repetirem? – Fugi de seu abraço e me levantei da cama. - Eu sinceramente não me importo... Se der errado outras dez vezes, que seja ao seu lado. - Nós estamos envelhecendo, sabia? - A vida é o agora... - Essa sua filosofia maluca não pode durar pra sempre! - Gesticulei, alterando o tom de voz. - Ei! Calma, ok? – Ele se levantou e veio até mim. Abraçou-me pela cintura e me olhou profundamente nos olhos. – Eu não sou perfeito. Mas eu amo você. Amo cada segundo ao seu lado... Eu preciso de você, meu amor. - Eu nunca pedi que você fosse perfeito. Mas planejar não é pecado. Eu amo estar aqui com você, amo esquecer por algumas horas que existe um mundo lá fora. Mas é impossível viver assim o tempo todo... Hoje eu tenho mais segurança. - E tem amor? Aquela pergunta me fez estremecer. Será que era tão nítido assim? Talvez fosse. Então não precisamos mais falar nada. Mais uma vez, nossos corpos disseram por nós tudo o que pulsava em nossos peitos com intensidade desmedida. Éramos completos opostos. Mas éramos opostos perfeitos. Em nossa própria dimensão. No nosso infinito particular. A água fria lavou meu corpo e me arrastou para fora daquele mar quente em que ondas de sentimentalismo quebravam sobre minha cabeça afastando de mim a razão. Foi como um momento de choque. Arregalei os olhos e vi turvar a imagem dele do outro lado do vidro. Era como se estivéssemos nos despedindo de novo em minha mente. Se não fosse a voz dele dizendo que o café estava pronto, eu começaria novamente um choro compulsivo. Como aquele que chorei quando nos separamos. Saí com a toalha enrolada na cabeça e no rosto uma expressão de dúvida que era quase uma constante ultimamente. Ele me fitou os olhos, a boca... Pude acompanhar aquele verde tão particular me invadir e fazer meu peito acelerar. Essa reação era tão imatura. E eu estar ali com ele soava tão irresponsável... Me sentia inquieta, confusa e, ainda assim, plena. Faltava algo em mim quando eu não estava com ele. Essa era a maior das verdades. - Temos café preto, pão, leite, suco, biscoitos, queijo... - Isso tudo só porque eu estou aqui? - É. Se fosse só eu talvez nem tomasse café. Ou tomasse um uísque de café – ele deu de ombros e eu sorri de canto. - Eu tenho que ir – eu disse enquanto desenrolava a toalha da cabeça. – Preciso comprar meus cigarros e trabalhar. Os olhos dele me invadiram. Agora não me fitaram somente, mas me invadiram na esperança de que eu dissesse mais coisas. Eu, todavia, não sabia se devia, ou mesmo se podia, dizê-las. - Diz que você vai voltar, por favor – ele colocou a xícara de café sobre a pequena mesa e passou as mãos pelos cabelos. - Você sabe? Eu odeio não ter conseguido resistir a você. Eu não sei o que aconteceu. Ainda tô me sentindo perdida, confusa... Eu olho pra você e me dá uma angústia, me dá um medo e eu... Eu fico assim! Sem saber o que pensar ou como agir. Querendo largar tudo e voltar correndo pra você! Mas aí de repente tudo de ruim que aconteceu volta. Eram brigas intermináveis, discussões absurdas por coisas banais e eu simplesmente não tenho mais tempo pra isso! - Nós ainda temos tempo pra tentar fazer melhor! Pra ficarmos juntos! Quando eu pensei que te encontraria tão casualmente? Não foi coincidência! Não pode ter sido! Você mudou a minha vida. Você fez de mim alguém completo. Me tirou de uma sensação de vazio constante. Me preencheu e depois me deixou dilacerado... – Ele gesticulava enquanto falava. Seus olhos ganharam um brilho intenso. – Eu jamais senti por alguém o que eu sinto por você. Eu nunca tinha dito que amava alguém. - Eu preciso pensar... Preciso pensar. - Não vai embora. Você é mais que tudo que eu sonhei um dia. Mais do que eu pude imaginar que existia pra mim. Quando a gente se juntou eu me senti tão pleno. Acordar com você ao meu lado... Ver seu sorriso amanhecer pra mim – ele se aproximou. Suas mãos agora frias tocavam meu rosto. – Não vai. - Eu preciso pensar, ok? Preciso resolver as coisas de modo que eu não me arrependa depois. Eu também amo você. Mas eu tô com medo. Tô morrendo de medo disso tudo, desse encontro... Morrendo de medo de magoar mais pessoas... Não é justo. - Também não é justo que você se magoe. Toquei as mãos dele que ainda seguravam meu rosto e lentamente as tirei de mim. Olhei no fundo do verde dos olhos dele e evitei dizer mais coisas. Naquele momento, eu não fazia nenhum sentido. Estava trêmula. E precisava ir. Precisava pensar. Se a vida nos havia juntado na noite passada de maneira tão casual, podia nos juntar mais cem vezes e ainda com mais naturalidade. Eu, provavelmente, não precisaria de cem vezes para entender onde era de fato meu lugar. Peguei minha bolsa sobre o sofá e respirei fundo. Toquei seus lábios com ternura e fui amorosamente retribuída. Um sorriso triste dançou em meus lábios. Virei em direção a porta e caminhei. Antes de sair, todavia, eu olhei para trás. Dessa vez, eu olhei.
Fim.
Nota da autora:
olá! Se você chegou até aqui, já me sinto muitíssimo honrada, mesmo! Agradeço por dedicar um pouquinho do seu tempo pra leitura da minha short! Espero que tenha gostado e se envolvido de corpo, alma e coração com os pps, que são muito especiais, apesar de camuflados por poucas descrições físicas. Um grande beijo! Gratidão!
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