No silêncio sólido do seu quarto, tudo o que a garota fazia era contemplar a solidão que tanto temia enquanto revivia doces lembranças quais não conseguia deixar para trás. Em meio a lágrimas dolorosas e pensamentos nebulosos que obscureciam sua mente desgastada, ela desejava poder corrigir seus erros. Desejava ter uma última oportunidade.
Mas era ali, quebrada e desolada, que finalmente entendia na pele o significado daquele tão antigo e cruel ditado: só se dá valor a algo depois que o perde.
E, infelizmente, tudo o que lhe restava a fazer era pedir que ele não a deixasse.
encarou o teto do seu quarto e desejou que o mesmo fosse feito de vidro, completamente transparente, assim ela poderia encarar as estrelas ou mesmo ver as gotas de chuva caírem incessantemente contra ele, qualquer coisa que a distraísse, o que viesse primeiro. Entretanto tudo o que via era a pintura velha e manchada, o lustre empoeirado acima de si.
Deitada na cama do seu quarto escuro e sem vida, a única claridade existente vinha da janela fechada na parede oposta, coberta por grossas cortinas pretas. Só sabia que era noite, pois o breu se intensificava cada vez mais. Devia estar naquela mesma posição há horas e não tinha sequer se dado conta.
Sentia falta de mais do que nunca. Seu coração se apertava contra o peito de maneira excessiva, como se uma parte de si tivesse sido levada embora quando ele a deixou pela última vez a mais tempo do que queria acreditar. E sentia medo dessa sensação, do que ela podia causar e do que aconteceria em seguida.
Acabou rindo consigo mesma após tal pensamento. Um riso seco e sem emoção, vazio de qualquer alegria. Algumas pessoas costumavam ter medo do escuro, medo de insetos, animais peçonhentos, hospitais ou até mesmo palhaços. Mas não. Ela sentia medo de ficar só. Não no sentido literal da palavra, de ficar sem companhia ou alguém por perto, mas sim na sensação de solidão que a consumia como o fogo consome o oxigênio dentro do ambiente onde queima. Tinha um palpite de que se permitisse, essa sensação poderia extingui-la de uma vez.
Era um gesto egoísta, um defeito que carregava dia após dia. Contudo, ainda era um medo. Um medo que ela não conseguia enfrentar. O mesmo que provavelmente não havia suportado.
não havia percebido o quanto era paranoica com tudo relacionado ao seu namoro e como agia em função a tal medo até tudo se desenrolar nesse fim. Percebeu, talvez tarde demais, que havia construído uma estrutura fraca para suportar o que ela mais desejava manter. E agora, depois que tudo havia desmoronado, não conseguia sair do meio das ruínas.
Ela pedia internamente, implorava que tudo aquilo se desfizesse em sombras como acontecia com todos seus piores pesadelos. Mas querer isso era impossível, não era como uma ilusão criada por sua mente. Era real e a realidade doía, machucava e criava feridas. sabia bem disso.
Jogou a cabeça para trás e seus cabelos caíram para fora do colchão. Levou o cigarro já aceso em seus dedos até sua boca e puxou o fumo do mesmo, esperando a sensação de calmaria lhe tomar dos pés a cabeça. Soltou a fumaça, lentamente por entre os lábios, formando uma névoa que turvou sua visão já obscurecida. Então fechou os olhos e deixou que a primeira lembrança dele invadisse sua mente e a levasse para longe do sofrimento.
Era verão. Um dia ensolarado e quente na cidade onde viviam. Nenhum dos dois gostava muito do calor, mas estavam se divertindo naquela tarde como há muito não se divertiam.
e caminhavam aos risos pela rua, hora ou outra se apoiando um no outro tentando controlar o surto das risadas que faziam todos os músculos de seus rostos doerem. Conversavam atrocidades e diziam coisas aleatórias que não faziam assim tanto sentido, mas que os mantinham entretidos um no outro. Por aquele momento, era o que importava.
Então parou de súbito, sério, e segurou a mão de .
- O que foi? – A garota perguntou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha e se virando de frente para ele, um grande sorriso aberto em seu roto. – Por que paramos?
abriu e fechou a boca várias vezes. Olhou para as mãos juntas e entrelaçou seus dedos com os dela. O olhar de abaixou para observar o pequeno gesto e então subiu novamente para o rosto sereno do garoto a poucos centímetros do seu. Desmanchou a expressão anterior e o encarou sem entender.
- ? – Ela o chamou, inquirindo uma resposta.
Ele respirou fundo, nervosamente, e então deixou as palavras fluírem:
- Não consigo ficar longe de você, . – Respondeu roucamente, não querendo ser ouvido por mais ninguém, a confissão de um segredo que há muito vinha guardando. – Quanto mais me aproximo de ti, mais perto quero ficar. Não consigo mais reprimir esse sentimento que cresce a cada vez que te vejo. Eu não quero reprimi-lo.
Demorou um pouco para que ela compreendesse de fato as palavras dele, o que estava dizendo para ela. Seu coração acelerou e ela achou ter esquecido de respirar.
O garoto levou sua mão até o rosto dela e o acariciou levemente, talvez pensando que ela fosse sair correndo a qualquer instante para longe dele. Mas ela não se moveu sequer um milímetro.
- Você... gosta de mim? – perguntou bobamente, se sentindo como uma criança tentando entender uma simples frase.
sorriu para ela, divertido pela reação que teve. E como se para confirmar a pergunta da garota, ele deu outro passo à frente, olhando fundo nos olhos de com sinceridade e carinho que não cabiam dentro de si.
- Sim, . – Sussurrou por fim. – Eu quero você.
abriu os olhos de súbito, esperando ser tomada pela mesma sensação quente e gostosa que tivera naquele dia quando suas bocas se encontraram. Porém tudo o que conseguiu fazer foi engolir um soluço dolorosamente pela garganta seca.
Até hoje ela não conseguia se lembrar quem dera o primeiro passo, se tinha sido ele ou ela. Só recordava que haviam se beijado ali mesmo, no meio da calçada, rodeados por vitrines de lojas e sem sequer se importarem com as pessoas que passavam por eles.
Em sua memória, os lábios dele contra os dela eram macios e suaves, tinham gosto de sorvete de chocolate que tinham divido pouco antes do ocorrido. Ele a segurava como se fosse feita de cristal. E ela queria ficar daquele jeito para sempre.
Uma lágrima desceu por seu rosto. nem ao menos tinha percebido que estava chorando ou tremendo.
Bateu as cinzas do cigarro no cinzeiro do seu criado mudo e apertou com força o lençol da cama com a mão vazia até os nós dos seus dedos ficarem brancos. Não entendia como tudo podia virar de ponta cabeça tão rápido. Em um dia tudo era um mar de rosas, no outro, parecia o inferno na Terra.
Talvez a culpa fosse dela, sim. Todos os gritos, todas as discussões. Por que não? Ela queria que tudo funcionasse à maneira dela, não conseguia admitir quaisquer coisas fora do seu próprio planejamento. Quantas vezes ela não fez por merecer as palavras duras que ele disse, ou quantas vezes ela não desencadeou uma briga que mais parecia uma luta sem lado vencedor?
apertou as pálpebras, colocou o braço sobre a cabeça e segurou outro soluço. Prendeu o ar em seus pulmões até que não aguentasse mais segurar, e seu choro cessou. Finalmente conseguiu respirar fundo.
Entretanto, sua cabeça ainda parecia uma cama de gato. Imagens iam e vinham como flashs, diálogos ecoavam em seu pensamento junto de palavras que eram ditas incessantemente.
Ela queria que aquilo parasse, queria paz ou pelo menos o mais próximo disso que conseguisse.
pegou o cigarro e deu outro trago, desesperada. Sentiu a nicotina entrar no seu sistema nervoso, sua cabeça parecer mais leve. Ela relaxou por um instante. Um instante suficiente para fazê-la reviver outra lembrança já não mais adormecida.
A garota fechou a porta do banheiro e deslizou por ela até atingir o chão. Sentia-se tonta e com dificuldade para respirar. Tinha acabado de ter um desentendimento sério com . Ela havia dito coisas das quais se arrependia e ele havia feito coisas quais a magoaram. temia que não houvesse volta.
Durante toda a vida ela usou sua memória como um tear: trançando o passado e presente até ter um perfeito entrelaçado de acontecimentos guardados em sua mente qual pudesse usar depois. “Qualquer coisa que disser, pode e será usado contra você”, era o que ela dizia. Bastava puxar a ponta da linha, e lá estava. Cada letra juntando-se a outra até formar uma palavra, uma frase, uma história acusatória completa. Era algo tão banal. E ainda assim, quando a raiva tomava conta de si, ela procurava tais meios. Palavras ficavam afiadas como facas.
E ela as usava sem piedade.
Pelo menos era assim que fazia até ver a deixar sozinha, de pé no meio da sala de estar, o rosto tão limpo de qualquer emoção que a desconsertou completamente, transpirando arrependimento.
correu para baixo do chuveiro e o abriu de uma vez, encharcando-se da cabeça aos pés imediatamente, só lembrando de tirar a roupa quando já era tarde demais para isso.
Aos poucos tirou as peças molhadas e a pendurou sobre o box. Tentou se concentrar na sensação da água batendo contra sua pele, mas falhava debilmente em cada tentativa. Queria poder voltar no tempo e engolir suas frases. Desejava ser capaz de retirar cada palavra dita.
se odiava como nunca.
Antes que se desse conta, lágrimas já desciam por seu rosto se confundindo às gostas de água quente vindas do chuveiro. Um soluço irrompeu de seu peito. Mordeu o lábio com força e segurou a onda súbita de tristeza e mal estar que crescia dentro de si.
Esperou por incontáveis minutos que se acalmasse, mas o choro vinha compulsivamente.
Sua pele enrugava com o passar do tempo, mas ela não tinha a intenção de sair dali tão cedo. Se fosse para se desmanchar debaixo da água, então que assim fosse. Não ligava para mais nada.
Foi quando ela sentiu-se prestes a desmoronar que a porta do box se abriu de repente.
olhou assustada e aturdida em direção a mesma, e, para sua surpresa, subitamente viu-se frente a frente com .
Imediatamente prendeu a respiração e deu um passo para trás, quase tropeçando nos próprios pés por causa do susto. Mil coisas passavam por sua cabeça, mas ela não conseguia formular frases completas naquele momento.
Ele estava sem roupa, assim como ela. A água escorria pelo corpo dele como se o desenhasse e contornasse cada músculo. O cabelo caía em mexas por seu rosto de forma hipnotizante.
Ela queria gritar para que ele saísse dali, questionar quem ele pensava que era para voltar e invadir sua privacidade, entretanto as palavras entalaram em sua garganta. Ela se amaldiçoou por ter se deixado abalar e ficar tão vulnerável.
Cobriu seu corpo completamente exposto com seus próprios braços, sem tirar os olhos arregalados do garoto a sua frente. Gaguejando e ainda o olhando em completo desentendimento, perguntou:
- Como entrou aqui?
Ele a observou por um momento. Passou os olhos por seu rosto corado, pelos olhos inchados e tingidos de vermelho. Fez menção de erguer a mão e tocá-la, mas a recolheu logo em seguida.
- Você deixou a porta aberta. – respondeu suavemente. Tão diferente do tom dos gritos que usara momentos antes.
continuou imóvel onde estava, lábios entreabertos e olhos levemente arregalados, completamente perplexa.
- Não devia estar aqui. – Ela se atreveu a dizer, ainda que sua voz soasse fraca e a traísse na seriedade. – Por que voltou?
balançou a cabeça, como se não acreditasse na pergunta que ouvia e então sorriu. Um sorriso de canto quase imperceptível, mas que fez o coração de executar um salto de ginástica artística.
- Porque você significa tudo. – Respondeu. – E eu sempre vou voltar por mais.
Lentamente ela deixou seus braços caírem pela lateral do seu corpo. Seus ouvidos zuniam, seus olhos ardiam. As palavras dele eram tudo o que ela precisava ouvir. Saber que ele não a deixaria, que ele voltaria para ela.
- Me desculpe. – Ela sussurrou, desarmada. A água levando embora tudo o que ela poderia usar contra ele, até mesmo o que poderia usar contra si mesma. – Me desculpe por tudo! Eu sinto tanto...
Contudo, no segundo seguinte, sem permitir que ela continuasse com suas palavras de perdão, o corpo dele estava pressionado contra o dela, arrepiando sua pele, dividia entre a sensação do calor provocada por ele e do frio gélido da parede às suas costas.
Quis perguntar a se estavam ambos perdendo a cabeça enquanto se perdiam em seus próprios corpos. Mas quando os dedos dele corriam por suas pernas, por sua cintura, por seu rosto e os lábios dele se arrastava por seu pescoço e sua própria boca, tudo desaparecia. Não haviam perguntas, não haviam brigas. Apenas os dois e o futuro a frente deles.
Enquanto eram um só, nada mais importava.
voltou ao presente com o coração palpitando forte, tendo uma certeza deprimente que jamais sentiria daquele jeito novamente.
Eles passavam o tempo escolhendo motivos para brigar, batendo portas, engrandecendo seus defeitos. Perguntavam em meio aos gritos como conseguiam aguentar tanto, se precisavam mesmo um do outro apenas para se sentirem bem se no final acabavam alterados daquele jeito. Como faziam isso? Como fariam isso dar certo?
Quantas vezes havia perguntado a se o único motivo dela ainda estar o abraçando a noite era seu medo de estar sozinha? Ela havia perdido as contas. Mas seria aquela a única razão? Seria mesmo o único motivo para estar com ele?
Seria mais fácil acreditar que sim, mesmo tendo completa certeza de que a resposta verdadeira era não. Havia muito mais, tantas outras razões por trás de tudo, que ela poderia passar o dia listando-as. Apesar disso, nunca as disse para ele. Guardou para si mesma cada uma das causas, temendo que, caso as dissesse em voz alta, talvez as fizesse desaparecer.
Por muito tempo eles viveram numa espiral, perdendo o que tinham e quem eram, se esquecendo de tudo o que os mantinha juntos, de tudo o que sentiam. Se esquecerem do que era real e daquilo que era forjado por suas mentes. Mas enquanto ela estava ali, em meio a suas cobertas e ao cheiro do cigarro, se lembrava de cada beijo e de cada toque, assim como se lembrava também de cada sorriso e de cada olhar. De toda a cumplicidade de todo o amor e carinho que criaram e desenvolveram um pelo outro ao passar de cada dia, de cada hora.
Ela começava a perceber que tinha medo sim de ficar sozinha, mas tinha mais medo ainda de ficar sem .
Sentia-se completamente vazia sem ele. Pedia internamente para que ele não a deixasse ir, que ele não fosse embora, mesmo sabendo que o pedido não mudaria nada. Já estava feito.
Chorava pelos erros dela e pelos erros dele também, desejando um fim diferente para aquela história. Tentava reprimir, fingir que não era verdade e que ele voltaria como sempre fizera, entretanto não conseguia mais se enganar. Os dias, as horas passavam e não havia sinal dele.
Seu ultimo pensamento antes de cair no sono naquela noite, foi desejar ter sido, ter agido diferente quando soube que havia algo errado. Que ela tivesse tido o bom senso e procurado ser alguém melhor quando ainda era tempo. Por ela e por , que agora já havia partido.
Sua consciência se apagou, mas fez uma promessa silenciosa de que quando o sol subisse ao céu outra vez, ela jamais repetiria os mesmos erros. Ela seria alguém melhor, alguém que não teve a capacidade de ser antes.
No dia seguinte, quando abriu os olhos outra vez, sua cortina e janela estavam abertas. A brisa entrava livremente no quarto e ele já não mais cheirava a cigarros como antes. Os raios de sol aqueciam sua pele. Tardiamente notou também que estava coberta com uma manta, algo que não se lembrava de ter feito antes de dormir.
Se virou pela cama repentinamente até estar sentada na mesma. A rapidez com a qual fez tais movimentos a deixou ligeiramente tonta, com a visão turva. Mas assim que o foco voltou aos seus olhos, seu coração perdeu uma batida.
Ali, no canto do ambiente, sentado silenciosamente em sua poltrona, a observava. Carregava um sorriso nos rosto, sereno, que chegava até seus olhos.
não acreditou no que estava vendo. Era ele, quase em frente a ela, tão perto que chegava a doer.
Se forçou a ficar calma, mas estava cada vez mais difícil respirar. Subitamente pareceu que todas as luzes do quarto a cegavam.
- ? – Ela deixou escapar incrédula.
Ele abriu o sorriso ainda mais e balançou a cabeça como se algo o divertisse. Olhou para seus próprios pés e por fim subiu seus olhos de encontro aos dela novamente, brilhando provocadoramente.
- – Ele pronunciou como se o nome valesse um milhão de diamantes. –, você tem um péssimo hábito de deixar as portas abertas.
Ela piscou. E enquanto sentia seu peito se aquecer, percebeu. Não se tratava de uma ilusão. Como havia desejado, lá estava sua segunda chance, fantasiada de gente, de , aquele que ela tanto amava, sorrindo para ela, iluminando o mundo, transmitindo tanto amor que já não podia mais conter. Dessa vez ela faria certo, ela lutaria.
Dessa vez ela não falharia.
FIM.
Nota da autora: Olá, leitores! Autora nova aqui no site, espero do fundo do meu heart q vocês tenham gostado desse Oneshot inspirado na música Scared to be lonely – Dua Lipa ft. Martin Garrix.
Participem do grupo no facebook! E comentem aí embaixo, me deixem saber o que acharam de Please, Don’t Go.
Beijos e até a próxima :)