Ele é apaixonado por escrita. Desde pequeno, tem muita facilidade em colocar seus sentimentos e pensamentos no papel. E tudo o que ele produz tem o mesmo personagem principal: o amor. É no que ele mais acredita. Até um acontecimento trágico acabar com todas as ilusões do que ele considerava ser o sentimento mais forte que o ser humano era capaz de sentir e tirar dele o gosto pelas palavras. Apenas uma única pessoa, que aparece no pior momento de sua vida, poderá reverter a situação e fazê-lo se reapaixonar pela escrita e pelo amor.
A vida é cheia de surpresas, do começo ao fim. Não adianta planejá-la, pensar no que vai acontecer, ou no que poderia ter acontecido. Ela sempre vai arranjar uma forma de te surpreender. Às vezes com algo bom, outras com uma terrível notícia. Essa é a história de como eu enfrentei os dois casos extremos, que, por ironia do destino, se encaixaram perfeitamente, não exatamente nessa ordem.
Meu nome é , 17 anos completados há pouco. Perdidamente apaixonado por livros e escrita. Pretendo estudar Letras na faculdade. Essas pequenas formas, esses pequenos símbolos são capazes de mudar a vida de uma pessoa. Isolados, não parecem ter valor algum, juntos, formam histórias, memórias, frases inesquecíveis, momentos inesquecíveis, piadas internas com seus amigos, que mesmo passando semanas, meses, anos, vocês continuarão rindo. Letras formam vida, formam a História.
Não estou aqui para falar do meu amor absurdo por Literatura, nem pela Língua Portuguesa. Estou aqui para contar a minha história. Poderia estar fazendo algo mais relevante, poderia estar saindo com os meus amigos, se eu realmente me importasse com o que eles estariam fazendo, poderia estar com o meu pai, se ele não estivesse ocupado demais tentando ajeitar sua vida. Aliás, vou começar a minha história pela minha família, minha desajeitada, porém antigamente perfeita, família.
Nasci no Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca. Filho de um advogado chamado Otávio e de uma cineasta chamada Márcia. Acho que foi daí que surgiu a minha paixão pelas letras, pela arte do escrever, pensar, argumentar, demonstrar, inventar, criar, do simples... Manuscrito.
Meus pais se conheceram na escola, durante o complicado e inusitado Ensino Médio. Já ouvi a história tantas vezes que sou capaz de repetir com os mínimos detalhes. Márcia, minha mãe, sentava ao lado do meu pai na sala de aula. Era quietinha, rabiscava no caderno frases e ideias que meu pai sempre tivera a curiosidade de ler. Até que um dia, Otávio não tinha muitos amigos, focado demais nos estudos, tímido, porém decidido, sentou-se na frente dela, uma vez que a aluna que sentara ali tinha faltado.
- Posso ver o que você anda escrevendo aí? – perguntou meu pai.
- Ideias vagas... – Márcia respondeu.
Já deu para perceber que a minha mãe era das difíceis. Não pretendo prolongar muito essa parte da história, não é o meu foco aqui. O que posso dizer é que, naquele vai e vem de garota difícil e garoto insistente, eles finalmente foram ao cinema – esse método já existia faz tempo – e bem... Ficaram. Foi assim durante um mês... Dois meses... Seis meses... Um ano... Dois... Três... Quatro... Vinte anos! Eu nasci nesse meio tempo, lá pelo quarto ano de namoro... É, fui meio inesperado pelos dois, minha mãe tinha apenas vinte anos quando engravidou, mas não faltou nada para mim, não faltou casa, comida e principalmente, amor.
Cresci vendo os meus pais serem completamente prestativos um com o outro, se ajudavam em tudo o que era possível. Aquele negócio de estar junto na saúde e na doença que o padre diz nos casamentos existia realmente ali, apesar deles nunca terem se casado no papel. O que importa, é que eu cresci vendo o amor absoluto que reinava aquele local. Via o olhar apaixonado do meu pai cada vez que ele se chocava com a imagem da minha mãe, seja quando ela dançava com ele, ria com ele ou das suas comédias românticas favoritas, seja quando fazia algo corriqueiro como servir a janta.
Meu pai sempre me ensinou que devemos tratar uma moça com o maior respeito possível. Dizia que elas são joias preciosas, que merecem atenção e cuidado. Eu via que ele cumpria o que falava. Não era da boca para fora.
Meu amor por escrita surgiu dentro dessa minha infância um tanto quanto... Apaixonada. Uma vez a professora pediu para que escrevêssemos uma redação de tema livre. Escrevi sobre os meus pais. Mas escrevi com o coração, seja lá o que isso significava para mim quando eu tinha nove anos. Nunca escutei tantos elogios de qualquer pessoa antes.
- Você tem muito talento! – ela dizia.
Outro dia, um ano depois, entrei na biblioteca da escola e peguei uma pilha de livros para ler, tinha vários lá, desde história sobre super-heróis, até aqueles que meus amiguinhos julgavam ser de garota. Eu não me importava, gostava da essência dos livros, dos personagens, da estória.
Em uma noite, enquanto lia um dos milhares de livros, perguntei por que não tentara ainda escrever como eles? Foi isso que eu fiz. Deixei o livro largado na cama e corri até o escritório da minha mãe. Ela estava mexendo no computador, mas pedi que saísse.
- O que deu em você? – ela perguntou.
- Mãe, eu quero escrever um livro! – Márcia arregalou os olhos, mas depois fechou o que estava fazendo e me deixou usar. Deve ter sido o orgulho de ter um filho de dez anos que estava interessado para escrever.
É... Aquele livro não foi o melhor que eu escrevi... Realmente. Por isso, não vou falar dele aqui, mas vou falar que aquele não foi o último que eu escrevi. Longe disso. Escrevi inúmeros livros depois daqueles. Sobre diversos assuntos, mas normalmente a maioria deles continha um garoto viciado em vídeo games que de um jeito inexplicável entrava no jogo.
Conforme fui crescendo, as histórias foram amadurecendo. Deixaram de ser sobre vídeo games e sim, sobre amores. Sim, eu sou uma pessoa muito romântica. Sempre fui e eu não me envergonho disso. Ou costumava não me envergonhar. Não ligava para o que os outros pensavam sobre isso.
Tive minha primeira namorada com catorze anos, a Letícia, uma loira de olhos azuis que toda a escola era apaixonada. Ela estava naquela onda de encontrar o garoto perfeito, que fosse romântico e gentil e bem... Ela me conheceu, logo, formamos o par perfeito.
Ela chegou a ser minha musa por algum tempo. O namoro terminou seis meses depois, coisa de pré-adolescente, pelo menos para ela. Percebi depois de um tempo que tudo o que ela queria era status por namorar um garoto “que prestasse”. Fiquei um tempo inconformado, mas superei, pois costumava a acreditar no amor, pelo menos até eu chegar aos meus... Complicados dezesseis anos.
Tudo estava indo regularmente bem. Minha mãe estava meio sumida de casa, dizia que passava muito tempo no trabalho, estava cheia de roteiros para escrever e que precisava de concentração, por isso trabalhava no seu escritório da editora. Saía de casa as oito da manhã e voltava as dez da noite.
Meu pai sempre a abraçava, dizendo que sentia saudades, mas ela logo o dispensava.
- Estou exausta, vou tomar um banho e ir para a cama.
Eu observava tudo do sofá, sem suspeitar de nada.
Um belo dia, tive a proeza de comprar um almoço chinês para Márcia, já que ela amava comida chinesa, e fui levar para ela no escritório. Pensei que um almoço com ela pudesse relaxá-la um pouco. Mas tudo depois daquele dia ficou longe de ser relaxado.
Entrei no escritório dela e me deparei com a deplorável cena da minha mãe aos beijos com outro cara, encima da mesa dela. Ela estava com a blusa desabotoada, as pernas envolta do corpo dele, alguém que eu não estava reconhecendo.
Eles rapidamente pararam quando perceberam a minha presença ali. Eu não conseguia sair do lugar, mover um dedo sequer.
- , eu posso explicar. – Márcia se aproximou de mim e eu simplesmente recuei. Olhei para o homem que estava parado atrás dela e o reconheci de uma antiga festa na empresa, era o seu chefe.
Aquilo não podia estar acontecendo. A dor que eu sentia, a raiva, indignação, o nojo que eu sentia da minha mãe naquele momento me sufocavam. Ela se aproximou e encostou sua mão no meu ombro. Vi seus olhos enxerem de lágrimas, mas não senti pena. Me afastei rapidamente e deixei cair uma das caixas com yakissoba cair no chão. Não fiz menção de pegar e limpar a sujeira, não queria ficar mais naquele lugar. Saí correndo para os elevadores daquele andar, pensando ter a minha mãe em meu encalço, mas virei para trás e vi que ela estava discutindo com o chefe, ou amante, fechando a porta logo em seguida. Aquilo era para ser confidencial, é claro.
Saí do prédio atordoado, peguei um táxi e corri para casa. Cheguei lá, meu pai estava trabalhando em casa. Sorriu ao me ver e perguntou:
- E ai, filho. Já voltou do almoço com a sua mãe? Foi rápido.
- Pai, me escuta! – coloquei a outra caixa de comida em cima da mesa de jantar, hesitei primeiramente se deveria contar o que acabara de vi, mas já estava decidido, ia contra os meus princípios esconder aquilo – O que eu tenho para te contar vai ser algo difícil de engolir, mas eu prefiro ser honesto com você, mesmo que doa muito, do que permitir que você seja enganado por aquilo que eu costumava chamar de mãe.
Ele me olhou assustado e me pediu para sentar. Obedeci e soltei a bomba:
- Ela tem outro, pai. Eu a vi. Com o chefe dela.
Ele arregalou os olhos e balançou a cabeça.
- Não é possível, deve ter sido um equívoco.
- Pai, eu não creio que ver a sua própria mãe em cima da mesa aos amassos com o chefe dela tenha sido um equívoco ou uma mera alucinação.
Ele se afastou de mim e depois olhou para cima, ao mesmo tempo que ouvi a porta se abrindo. Era ela.
- Otávio...
- Márcia... O que acabou de me contar é verdade? – ele perguntou calmo, porém sério.
Não tive coragem de olhar para trás e ver a troca de olhares dos dois, um angustiado e a outra provavelmente sem saber o que dizer. Não sabia qual seria a minha reação.
- Eu... Otávio...
- Me responde! – ele gritou.
Fechei os olhos com força e abaixei a cabeça.
- É verdade sim. – Márcia confirmou.
Me levantei rapidamente e fui até o meu quarto, fechando a porta em seguida. Deitei na cama e fiquei olhando para o teto. Conseguia escutar a gritaria da sala.
- Como você pôde? Me trair com o seu próprio chefe, no seu escritório. Nem descrição você teve! E ainda fazer isso com a presença do seu filho!
- Eu não sabia que ele ia para lá!
- Era para ser uma surpresa! O estava preocupado com a mãe dele, porque achava que ela estava lotada de trabalho! – meu pai gritava muito e eu fechei os olhos. – Ele queria te fazer uma surpresa!
- Desculpa, eu não posso prever uma surpresa!
- Esse não é o foco aqui! Você é uma traidora, mal caráter. Me enganou, enganou seu filho! Eu pensei que você me amasse!
- E eu amava! E muito! Mas eu era jovem! – sentei na cama ao ouvir aquilo, para ter certeza de que ela realmente ia falar o que eu pensava que ela iria falar – Eu te conheci na escola! Engravidei muito cedo, não tive muita experiência com nada! Eu precisava experimentar novas coisas!
- NOVAS COISAS? Poderia ter feito isso contando a verdade, se separando antes de me fazer de corno, Márcia! Você é uma vagabunda!
Foi ai que eu escutei o tapa que minha mãe deu no meu pai. Prendi a respiração e logo escutei passos em direção ao meu quarto. A porta se abriu, era o meu pai, com o rosto vermelho e os olhos cheios de lágrima.
- Rápido filho, vamos sair daqui. Não quero ficar com você nessa casa nem por mais um segundo.
Sem pensar para onde iríamos, comecei a arrumar minhas coisas. Peguei uma mala, coloquei todas as minhas roupas, em outra menor coloquei meus tênis e perfumes. Peguei a pasta com as minhas escritas e o meu texto, meu notebook e o violão que ganhara há poucos anos.
Meu pai já estava com tudo pronto também, minha mãe estava sentada no sofá quieta. Não tentou nos impedir. Desviei o olhar dela. Passei pela porta com o meu pai, sem querer dizer adeus ao lar que fora meu desde meu nascimento.
No elevador, perguntei para o meu pai para onde iríamos.
- Recebi uma proposta de emprego em São Paulo. Estava hesitando em aceitar, mas depois das circunstâncias, nunca me pareceu tão certo. – eu ia protestar, mas fui interrompido – Vamos para um hotel por hoje. Vou para o escritório e aceito o emprego. Dá tempo de você se despedir de seus amigos. – fiquei mais aliviado, mesmo sendo quase nada comparado a tristeza que eu sentia de estar naquela situação.
Meu pai ficou quieto o caminho inteiro até o hotel. Não me atrevi a falar nada. Se ele fosse como eu, preferia sofrer quieto.
Chegamos ao local e nos instalamos rapidamente. Deitei na cama branca e peguei meu celular, mandando uma mensagem para todos os meus amigos, dizendo que queria sair, mas tinha algo importante para dizer.
Meu pai avisou que iria para o escritório e depois ia para a minha escola cancelar minha matrícula. Assenti e esperei a resposta dos meus amigos.
“Opa! Social aqui em casa? Eu compro as bebidas!”
Normalmente eu menosprezava esse comportamento deles, mas qualquer lugar com qualquer coisa era melhor do que ficar naquele hotel revendo aquela cena da minha mãe na minha mente.
Peguei o metrô até a casa do meu amigo. No caminho, encontrei aqueles casais, representando qualquer forma de amor. Balancei a cabeça e fiquei observando o caminho do túnel. Aquele breu estava mais interessante do que as pessoas a minha volta, pela primeira vez na vida.
Cheguei à casa do Rafael, meu amigo. A social estava mais para uma pequena festinha. Acabei extrapolando aquela noite. Voltei para o hotel, de carona com a mãe de outro amigo, tarde. Eu estava bêbado. Meu pai estava tomando banho e eu fui cambaleando até a minha cama. As malas estavam todas feitas ainda, não tinha tirado nada de lá. A pasta com os meus textos estavam lá. Comecei a ler os primeiros. Tudo continha a mesma bobagem de sempre. Textos sobre amor, sobre a garota ideal que eu ainda não tinha encontrado, apenas imaginava na minha cabeça. Alguns poemas que eu atrevia a escrever. Ri baixo com aquilo e peguei um isqueiro que estava no meu bolso, porventura. Não me pergunte o que aquilo estava fazendo ali e para que eu usei, eu não me lembro.
Peguei o primeiro texto e acendi o isqueiro. Aproximei o papel da chama e rapidamente ele começou a pegar fogo. Diverti-me com a cena. Quando o fogo estava atingindo o fim da folha, me aproximei da janela e a abri, joguei para baixo, onde sabia que tinha uma piscina. Fiz a mesma coisa com os próximos cinco textos, quando meu pai saiu do banheiro.
- ! O que você está fazendo?! – ele se aproximou e arrancou o isqueiro de mim.
- Não tá vendo? – perguntei enrolado – Estou queimando toda essa bobagem que eu já escrevi. Como fui idiota.
- Filho para! Você vai acabar cometendo um incêndio! – meu pai gritou e eu fui correndo até a janela jogar o sexto texto. Quando olhei para baixo, vi que tinha alguns funcionários envolta da piscina, tentando entender quem fizera a sujeira. Sai da janela rapidamente e deitei na cama de novo. – O que deu em você? Aqueles são seus textos! Os que você guarda com tanto carinho e não deixa ninguém nem relar o dedo!
- O que deu, pai, foi que eu passei a minha vida inteira achando que existia amor verdadeiro, mas depois de hoje, depois de tudo o que aconteceu eu percebi que todos estavam certos: ele não existe. É tudo uma invenção de alguém tão retardado quanto eu.
- Você está pensando isso só por causa da sua mãe? – ele se sentou ao meu lado – Filho, essa é a sua personalidade, não é idiotice!
- Não! – me levantei – Não existe, porque se existisse eu não veria tanta traição, tanto divórcio, tantos filhos abandonados, eu não viveria com amigos que só pensam em beber e transar com milhares de garotas, largá-las como se elas não valessem nada! Pai, o mundo mudou. Eu preciso aceitar. Amor não existe.
Depois dessa pequena discussão, fui até o banheiro e tomei um longo banho. Voltei para me deitar e o meu pai já estava dormindo, ou fingia estar. Deitei-me e peguei no sono rapidamente.
No dia seguinte, acordei com o meu pai me chamando, avisando que partiríamos naquele dia mesmo. Bufei e coloquei o travesseiro na minha cabeça, sentindo que ela seria capaz de explodir a qualquer momento. Dormi por mais quinze minutos, prazo máximo que o meu pai deu até me chamar aos berros novamente.
Abri a minha mala e me vesti com uma roupa qualquer. Segui meu pai até a recepção e pude perceber que ele recebera uma multa. Parecia que descobriram quem era o autor pela sujeirada na piscina. Senti-me mal pelo meu pai, mas ele logo me perdoou.
Seguimos até o aeroporto e todo o processo foi rápido. Não me sentia mal por estar me mudando de cidade, só conseguia pensar em começar uma nova vida, do zero.
Algumas horas mais tarde, chegamos a São Paulo. Nunca tinha ido para lá e me impressionei com a grandeza da cidade. Pegamos um táxi até o hotel onde ficaríamos por tempo indeterminado, até acharmos um apartamento. Novamente fiquei sozinho lá. Meu pai avisara que iria me matricular numa escola que seu chefe indicara e depois iria conhecer o novo escritório. Não o culpei por me largar sozinho num hotel de uma cidade enorme e desconhecida pela minha pessoa. Devia querer se distrair, só pensei que ele poderia ter pensado que eu poderia querer conhecer a escola nova, mas eu também não fazia muita questão.
Passei o dia assistindo TV. Não sentia vontade de fazer nada além disso. Não sentia ânimo também. Teve uma hora que eu escutei meu celular vibrar, era minha mãe. Ri da tentativa dela e rejeitei a ligação. Meu pai chegou logo depois.
- Pronto, filho. Você está matriculado numa escola não muito longe daqui. – ele jogou a matrícula em cima de mim.
Peguei a papelada e li o nome do colégio, qual seria a minha sala, horário das aulas, os livros que eu deveria comprar.
- E o que seria perto daqui? – perguntei com ironia.
- A famosa Avenida Paulista. – já tinha ouvido falar e só tinha visto pela TV – Sua escola é lá. Achei que você fosse gostar do local, tem várias pessoas com estilos e gostos diferentes, eu sei que isso te agrada. – concordei – Comprei seu uniforme já, mas pensei que quisesse ir comigo comprar os livros.
Bufei impaciente.
- Você realmente pensou nisso? – perguntei, arqueando uma sobrancelha.
- Sim... Você vai adorar o lugar onde vamos comprar seus livros, já escutei tanto sobre lá. Pesquisei na Internet e é a sua cara. Você vai se apaixonar.
Perguntei o que teria demais em uma simples livraria, até eu chegar no local, depois de alguns minutos. Era a famosa Livraria Cultura da Avenida Paulista. Sim, também já tinha ouvido falar de lá, de como era grande e bonita. E bem, eu vi a beleza e a grandeza ao vivo e em cores.
- Uau. – respondi.
- É... – meu pai respondeu sorrindo. – Vou lá comprar seus livros e você fique a vontade para comprar o que quiser. – senti que ele queria me agradar, provavelmente pela situação em que estávamos apesar de ter sido eu que fui atrás daquilo.
- Ah pai... – o chamei um pouco depois que ele havia se afastado – Quer saber... Eu não quero comprar nada não, vou te acompanhar.
- Tem certeza? – ele estranhou e eu assenti.
Depois de algumas horas comprando os milhares de livros que eu teria que usar, voltamos para o hotel.
- Bem filho, tenho uma entrevista agora com o meu novo chefe. Te vejo mais tarde? – assenti e fui me deitar.
No dia seguinte, acordei cedo para o primeiro dia de aula – para mim, já que estávamos no meio de Abril -. Não estava nervoso, mas também não estava calmo. Não tinha expectativas e nem medos.
Meu pai alugara um carro e me levou até o colégio, que realmente não era longe do bairro onde estávamos, Paraíso. Ele me avisou que da próxima vez eu iria de metrô. Já estava acostumado.
Passei pelo portão do colégio e as pessoas não pareceram se importar muito comigo. Agradeci mentalmente. Estava com o papel da matrícula na mão, verificando pela vigésima vez qual era a minha sala. Só me bastava descobrir onde é que ela ficava.
Deparei-me com um extenso pátio, cheio de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental até o 3º do Ensino Médio. Uma garota passou por mim e eu me meti na frente dela. Ela se assustou a princípio, mas depois ficou me encarando para saber o que eu queria.
- Só quero saber onde fica a recepção, sou novo aqui e esse é tipo... Meu primeiro dia de aula – a garota, que observei ter cabelos curtos e morenos, olhos verdes marcados por um delineador, sim, eu reparo nessas coisas, riu baixo e apontou para um portão atrás de mim, com uma placa escrita “Recepção”. Ri também e agradeci.
Entrei lá e fui direto falar com a recepcionista. Perguntei onde era a sala 22 e ela me respondeu que ficava no terceiro andar do prédio de portão azul. Agradeci e fui até tal prédio, do outro lado do pátio.
Subi as escadas até o terceiro andar, com milhares de pessoas a minha volta, novamente sem se importarem com a presença de um estranho perdido ali. Andei pelo corredor a procura da sala 22 e logo a encontrei. Entrei na sala, que estava com poucos alunos, um deles era a tal garota que encontrei no pátio, minutos antes. Ela arqueou as sobrancelhas e veio a minha direção.
- Parece que você encontrou sua nova sala. – concordei. – Meu nome é , prazer. – e ela se curvou para me cumprimentar com um beijo na bochecha, como se já fossemos amigos. Correspondi rapidamente e dei um beijo, virando para dar outro, mas acabei quase por beijá-la na boca. se afastou e franziu o cenho. Fiz careta ao perceber o que acabara de acontecer.
- Eu sou do Rio, lá damos dois beijos. – expliquei rapidamente. Ela pareceu aliviada.
- Bom, eu iria achar que você estaria mentindo, mas esse sotaque ao falar “beijos” puxando o “S” prova muita coisa. – eu ri e ela me acompanhou – Mas vai se acostumando, porque aqui é um beijo só e olhe lá. – e ela saiu andando até a sua mesa. – Pode sentar atrás de mim, se quiser. – sorri de lado e me sentei na carteira atrás dela.
chamou minha atenção logo no começo. Não sei se foi o estilo completamente diferente que a garota tinha. Nos poucos minutos que estive naquela escola, eu percebi que todas as meninas tinham o mesmo estilo, mas ela não. O cabelo curtinho, que na verdade era raspado do lado direito e o lado esquerdo era para onde o cabelo preto estava jogado. Sua pele era branquinha, com as bochechas levemente coradas, um olhar marcado pela maquiagem, o que só destacava mais ainda seu olho verde. Sua orelha estava com inúmeros piercings espalhados. Seu rosto era delicado. Seus braços estavam com várias pulseiras, algumas artesanais e outras que eram joias. Suas unhas estavam com o esmalte preto descascado. Sim, eu reparo muito nas pessoas quando eu as conheço. Gosto de captar o estilo delas. É uma mania.
As pessoas da sala não paravam de olhar para mim, provavelmente pelo fato de que eu era um completo estranho ali, sentado no meio da sala como se já estivesse lá há muito tempo. Graças a Deus, ninguém veio me perguntar por que estaria sentado lá, ou ninguém sentava naquele lugar ou simplesmente não queriam me incomodar.
- Bom dia, . – algumas meninas desejavam enquanto sentavam ao nosso lado.
- Bom dia, meninas. – ela se virou para mim – Esse é o , aluno novo. Não o deixem deslocado, por favor... Ah, e cuidado: ele é do Rio, dá dois beijos ao invés de um. – e começou a rir. Eu sorri envergonhado e cumprimentei as meninas. Uma se chamava Juliana e a outra Giovanna.
Eu logo me tornei amigo de bastantes pessoas ali, a sala era bem unida, conversava com todo mundo, mas meio que se tornou a minha melhor amiga. Passávamos o intervalo juntos, ela me mostrava as músicas que ela tinha no celular, suas bandas favoritas e me fez conhecer várias músicas que eu não conhecia antes.
- Música foi a melhor invenção que o homem fez, de verdade. – um dia, na casa dela, ela me falou. – É capaz de nos ajudar a escapar da realidade, não faz mal a ninguém, ao mesmo tempo tira a nossa tristeza. Não sei explicar.
- Eu me sinto assim em relação a livros – confessei – Eles são, para mim, a melhor invenção do homem.
- Hum... – ela fez careta – Eu nunca li um livro na minha vida.
Eu arregalei os olhos e fiquei incrédulo. Comecei a rir.
- Como assim?!
- É verdade, ué... Nem livro de escola. Apenas leio o que é necessário. – estava deitada em sua cama, com o iPod na mão – Nunca li um livro por prazer.
- Isso é muito estranho mesmo, você não sabe o que está perdendo. – Sentei-me na ponta da cama.
- Ah, eu sei. – ela se endireitou e ficou na minha frente – Aquele monte de letras pequenas, mais de cem páginas, ai que preguiça.
- Eles te dão a oportunidade de viver outra vida. É a melhor coisa que existe. – eu estava realmente indignado com aquilo e queria provar a ela que eu estava certo em amar livros. – Já sei! Você não gosta porque nunca deu a chance de ler um.
- Pode ser, mas não tô me sentindo mal por isso.
- Ah, qual é! – me levantei – Você ama música, mas não ama livros? Música não passa de poemas com melodia.
- Pode até ser, mas eu não preciso ler, só escutar.
- Você fala isso porque não encontrou o livro certo... Mas eu vou resolver esse problema. – eu a peguei pela mão e ela ficou confusa – Eu vou te levar para minha pseudocasa.
- Pseudocasa? – ela começou a rir.
- Sim, eu estou morando num hotel, mas lá tem todos os meus livros e eu preciso tirar essa ideia absurda de que eles são chatos da sua cabeça.
Ela concordou e pegamos um ônibus até o meu hotel. No caminho, ela voltou a dividir o fone comigo, colocando uma playlist de MPB. Ela cantava baixinho, enquanto olhava atenta a rua pela janela. Eu fiquei a admirando, a voz dela não era a mais bonita do mundo, mas prendeu minha atenção. Ela cantava sem se importar com os outros, dizia cada palavra baixinho automaticamente. Aquilo me encantou, como outras várias coisas nela que me encantavam cada dia que eu passava com ela.
Quando chegamos ao hotel, peguei o cartão na recepção e subimos. O quarto estava vazio, meu pai estava trabalhando.
- Bela pseudocasa. – elogiou enquanto se sentava na minha cama, observando curiosamente o quarto.
- Obrigado. – agradeci, enquanto pegava a mochila com todos os meus livros. Não tinha aberto aquela desde que tive meu ataque no hotel do Rio.
- Pode parecer uma pergunta inconveniente, ou até uma pergunta com resposta óbvia, mas... – eu olhei para ela, que me retribuía apreensiva – Por que você está morando em um hotel?
Olhei para ela pensando na resposta. Não queria dizer toda a verdade, não me sentia muito preparado, apesar de confiar em .
- Ainda não achamos um apartamento... Só isso. – respondi. Não era uma mentira, mas também omiti grande parte da verdade. – Meu pai foi transferido, foi algo bem rápido.
Ela assentiu e me sentei ao lado dela, segurando três livros.
- Esse é o meu favorito. – entreguei a ela As Vantagens de Ser Invisível – me identifico com o personagem principal, o Charlie. É uma história muito linda.
- E qual seria? – perguntou curiosa, lendo a parte de trás do livro.
- Ele é um garoto meio perturbado devido a um acontecimento do passado dele. Ele começa o Ensino Médio completamente sozinho, mas aí conhece o Patrick e sua irmã postiça, Sam, por quem ele se apaixona. Aí os dois o ensinam a participar mais das coisas, sabe? Aproveitar a vida. E o mais legal do livro, é que ele é todo feito por cartas do Charlie para alguém que nós não sabemos quem é, mas que no final você percebe que a carta é destinada para você mesmo, é como se o Charlie tivesse contando para você suas experiências. – me empolguei e ela começou a rir. Uma risada rouca e linda.
Mostrei mais dois livros para ela, um de romance e outro de drama também. ouvia atentamente às minhas resenhas, parecendo mais interessada do que antes.
Ela começou a ler o primeiro livro na minha frente mesmo, dando opiniões e fazendo comentários durante a leitura. Eu adorava quando ela tinha reações a algumas partes do livro. Eu ria com as caras e bocas que ela fazia.
Passamos aquela tarde assim, até a noite. Meu pai chegou do trabalho e pareceu desconfortável por estar ali, deitada ao meu lado na cama, rindo e lendo pela primeira vez um livro.
- Eu... Já vou embora. – ela se levantou, calçando seu tênis – Eu só vim pegar alguns livros do emprestado.
- Não, espere! – meu pai pediu – Venha jantar com a gente! O falou muito de você, estou feliz por finalmente estar te conhecendo.
Eu senti meu rosto queimar em chamas e olhou surpresa para mim, o que só piorou as coisas.
- Então, tudo bem! – ela respondeu animada, colocando os três livros em sua mochila.
Saímos para uma pizzaria e lá conversamos sobre os mais diversos assuntos. Me senti estranho, mas feliz por estar ali com e com o meu pai. Os dois conversavam animadamente e, algumas vezes, sorria para mim e colocava sua mão sobre a minha, involuntariamente. Ela tinha essa mania. Uma mania que eu aprendi a adorar com o tempo.
Aquela não foi a última vez que ela foi pro hotel comigo para pegar emprestado os meus livros. Digamos que ela começou a mudar de opinião sobre eles. estava muito mais animada com a ideia de ler livros, adorava ficar comentando comigo. Houve dias em que ela lia um livro inteiro na minha frente, quando ele não era muito longo.
Em um deles, eu tive uma ideia. Uma ideia que eu não tinha certeza que seria boa, mas que eu queria tentar. Enquanto ela lia Todo Dia, do David Levithan, eu decidi entregar um dos meus textos para ela.
- O que é isso? – ela perguntou enquanto pegava um conjunto de umas vinte folhas grampeadas.
- É um dos meus textos. – respondi, sentando-me ao seu lado – Eu nunca te contei, mas eu escrevo. E essa é uma das minhas estórias. – sorri inseguro e ela largou o livro. – É sobre uma garota que todo dia sonha com a mesma pessoa, até que ela descobre que sofreu um acidente de carro e que os sonhos na verdade são lembranças... Ela perdera a memória.
olhava encantada para o texto e começou a lê-lo imediatamente.
- Não! Não faz isso. – ela me olhou confusa. – Não lê na minha frente... Eu tenho... Vergonha.
- Ah, para com isso, . – ela voltou a ler, mas eu impedi novamente. – Ai, eu tenho certeza que você escreve muito bem.
- Pode até ser, mas...
- Por que você nunca me falou que escrevia? – me perguntou séria. – Você também demorou para me falar que tinha quatrocentos livros, que morava num hotel... Somos amigos, você pode me contar as coisas, não precisa ter vergonha de ser quem você é.
Achei aquilo muito lindo, mas ela não entendera a real questão. Olhei para meus próprios pés e resolvi contar a verdade. Comecei contando que fazia aquilo desde que era criança, era uma paixão forte minha. Me inspirei no amor que eu via nos meus pais, mas que tudo foi destruído a partir do momento que descobri que aquele amor não existia nos dois lados. Contei sobre a traição da minha mãe e do real motivo para termos nos mudado para São Paulo com tanta pressa, sem nem ver um lugar para morar. Falei sobre ter parado de escrever depois disso, pois simplesmente achei que escrever sobre amor era a coisa mais idiota a se fazer. Contei de como a minha vida virara de cabeça para baixo, mas de como me ajudou a me sentir melhor. De como, naquele momento, estava feliz de estar mostrando um pouco de mim para ela.
Meu coração estava batendo acelerado por estar me abrindo totalmente com ela. prestava toda atenção em mim, sem falar nada. Por um momento, senti meus olhos se enxerem de lágrimas, mas me segurei. Não queria me mostrar sensível perto dela, não sabia exatamente o porquê. Com os batimentos cardíacos ainda acelerados, senti se aproximando para um abraço. O abraço mais confortável que eu já havia sentido. Ela se afastou um pouquinho, mas ainda ficou próxima. Me olhou nos olhos e fechou os dela em seguida, me beijando. Aposto que, assim como eu, ela não sabia se aquilo era o certo a se fazer, só sei que naquele momento, era preciso. Eu correspondi o beijo com paixão. Eu estava agradecendo por aquele momento. O toque macio dos lábios dela estava levando a dor embora. Senti nossos corpos se inclinarem até deitarmos na cama. Continuamos nos beijando, mas não fizemos nada além daquilo. Só queríamos aproveitar.
Me afastei e ela continuou olhando para mim, sorrindo. Eu me deitei do lado dela, que começou a ler meu texto mesmo sem a minha permissão. Eu não liguei. Fiquei pensativo.
Por um momento, passou pela minha cabeça que ela me beijara por dó. Eu tinha acabado de desabafar minha vida, eu estava triste. O aperto no coração voltou. Pensamentos confusos rodeavam minha cabeça.
- Ok – a voz de interrompeu meu devaneio – Eu preciso ler mais textos seus. – ela sentou na cama e ficou me olhando, esperando que eu entregasse os outros para ela. – Por favor.
Levantei apressado da cama e entreguei mais cinco textos para ela, os que eu achava que eram os melhores. O celular dela começou a tocar.
- É a minha mãe. – ela disse. – Tenho que ir. Até amanhã.
Ela pegou sua mochila. Eu não falei nada, mas a acompanhei até a porta. Ela também estava quieta. Antes de sair, me deu um beijo na bochecha. Foi quando o aperto no coração aumentou. Ela provavelmente me beijara por pena. É, ela não devia estar apaixonada por mim.
Depois daquele dia, pareceu que eu e ela nos afastamos, não literalmente, pois continuávamos conversando, mas não era como antes. parecia triste, mas não falava nada. Nem eu perguntava, eu não tinha coragem. Sentia que tínhamos estragado nossa amizade com aquele beijo.
Em uma sexta feira, após a escola, exatamente duas semanas depois do ocorrido, estávamos mais uma vez no hotel. Eu entregara mais dois textos meus para ela e mais um livro, mas não começou a lê-lo na hora, como sempre fazia. Ela ficou segurando-o, mas o olhar estava vago. Percebi que lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. Ela nunca havia chorado na minha frente. Senti uma pontada de preocupação passear por todo o meu corpo. Me agachei na frente dela e segurei sua mão, mas ela soltou em seguida.
- O que aconteceu? – perguntei aflito. Ela não olhou para mim.
- , eu não aguento mais. – ela se desatou em choro – Eu estou apaixonada por você.
Aquela frase me deixou completamente intacto. Meu coração batia rapidamente e eu não conseguia captar o que ela acabara de me falar.
- Mas eu não sei se isso é certo. – continuou – Você não está mais atento comigo como antes. Você me beijou, mas depois não fez mais nada. Eu não me sinto mais a vontade na sua frente, como eu me sentia antes. Quando eu te beijei, foi pra valer, eu já estava gostando de você. Depois de ler todos os seus textos, de enxergar o que você sente, eu acabei me apaixonando completamente, mas você não parece perceber, mesmo eu dando todos os sinais. Acho que você está cego demais com o que aconteceu com os seus pais para enxergar o amor a sua volta, mas eu preciso te dizer uma coisa que eu acho que você não percebeu: ele ainda existe, tá bom?
- , eu... – passei as mãos pelo seu rosto, enxugando suas lágrimas – Eu não fazia ideia, mas eu juro... Eu também gosto muito de você.
- Não parece. – ela respondeu grosseiramente, tirando minhas mãos do seu rosto – Eu só queria que você me mostrasse... Você consegue mostrar o sentimento de todas as suas personagens, entende o sentimento de todas as personagens de qualquer livro, mas será que você consegue fazer o mesmo com você?
Eu não entendi a pergunta dela a princípio, mas depois que ela se levantou e saiu pela porta, eu percebi o que precisava fazer.
Passaram-se duas semanas após esse dia. não veio falar comigo depois disso e eu também não tive coragem de ir falar com ela. Me senti fraco, me senti idiota. Todas as vezes que eu saia com os meus amigos, eu pensava nela. No sorriso dela, nos seus olhos verdes, que brilhavam cada vez que ela me contava sobre suas músicas favoritas. Pensava na mania que ela tinha de torcer o nariz cada vez que errava a letra de uma. Pensava em como eu adorava isso, em como eu me sentia abençoado de tê-la como amiga e como eu queria mais do que isso.
As semanas foram passando. A saudade foi aumentando de forma que me deixava sufocado. O vazio no peito se tornou uma espécie de parasita. Não saia de mim. Não havia remédio que pudesse exterminá-lo. Não havia nenhum suplemento que me desse força o suficiente para levantar da cama. Quando eu conseguia e ia para a escola, fazia pelo meu pai. Eu percebia como ele estava deprimido com a situação que a nossa vida se encontrava. Eu tinha de ser forte por ele. Mas cada vez que eu via , sentada em sua carteira, com o olhar perdido, os dedos agitando rapidamente a caneta em sua mão direita, a mão esquerda dando apoio a sua cabeça como se ela estivesse pesada demais devido aos pensamentos em sua mente, meu coração se despedaçava. Minha garganta secava. Meu peito doída, como se o parasita estivesse soltando seu mais forte veneno contra mim. Sentia-me enjoado. Minhas pálpebras ficavam pesadas. Meus pulmões pareciam não ser mais capazes de puxar o ar necessário para não me deixar morrer sufocado. Quando eu voltava para casa, a sensação ruim não me abandonava. Eu precisava ficar na minha cama. A saudade tomava conta de mim, dos meus movimentos e pensamentos. Pensava no que ela estaria fazendo. Olhava no relógio. Eram três e quarenta e dois da tarde. A essa hora ela deveria estar no curso de inglês. Dali dezoito minutos ela sairia de lá e voltaria para casa, mas não sem antes parar na loja de cd e ver se o novo lançamento da banda favorita dela já estaria disponível para venda, afinal, estava agendado para aquele mês, como ela já tinha me contado.
Foi pensando nisso que eu percebi algo. Algo que eu nunca antes havia percebido. Algo sobre o qual eu já havia cansado de tanto escrever. Algo no qual toda a minha vida foi baseada. Algo pelo qual eu esperei que fosse acontecer comigo. Algo que eu sempre idealizei. Eu estava apaixonado. Apaixonado de verdade. Todos os sentimentos que eu colocava nos meus personagens fictícios eu estava sentindo literalmente por . Era inédito. Era assustador. Eu não podia desperdiçar isso. Eu não podia deixar isso passar. Eu não podia ser o idiota da história que eu mesmo escrevi, sem nem tocar em um lápis ou em um teclado. Eu escrevi com a vida. Com os meus sentimentos. Eu fui idiota o bastante de não demonstrar isso, logo eu, que era tão bom com descrição, tão bom com as palavras, tão bom em representar o amor.
Levantei rapidamente da minha cama. O parasita no meu peito parecia estar se afogando em um mar de esperanças que minha mente liberou para todo o meu corpo. Saí do hotel correndo em direção à loja de cd a um quarteirão do curso de inglês da . Eu estava literalmente correndo pela calçada de uma cidade monstruosamente gigante e desconhecida por mim. As pessoas, tão sérias, com suas vidas tão ocupadas e com problemas muito maiores do que o meu, me olhavam como se eu fosse mais um jovem insano. Talvez eu realmente fosse. Talvez a adrenalina tivesse me deixado louco. Talvez o amor tivesse me deixado louco. Talvez ele fosse o pior dos venenos.
Dez minutos para o fim da aula. Dez minutos para sair do curso e ir para a loja. Eu tinha dez minutos.
Eu corria e corria. Meu pulmão parecia estar prestes a explodir. Minhas pernas queimavam. Eu nunca fui de fazer exercícios. Meu físico é de quem nunca nem viu uma esteira pessoalmente e não sabe o que é um halter. Mesmo assim eu corria como quem estivesse treinando para uma competição.
Oito minutos. Já conseguia ver a loja do outro lado da esquina. Acelerei o passo, sem saber se aquilo era humanamente possível. Seis minutos. Já conseguia ler a placa da loja “Rollings: para todos os gostos musicais” e a sua fachada exótica. Cinco minutos. Entrei na loja ofegante. Os vendedores e clientes estavam assustados com a minha entrada repentina. Perguntei pela banda favorita de . Os CDs haviam acabado de chegar da distribuidora. Comprei um. Embalei para presente. Dois minutos. Saí da loja correndo. Atravessei a rua sem nem olhar se algum carro estava passando. Escutei uma buzina e alguém me xingando, mas ignorei. Segui correndo. Um minuto. Dobrei a esquina e vi o portão do curso sendo aberto. Corri e corri. Trinta segundos. Já estava na frente do portão. Os últimos vinte e cinco segundos eu usei para respirar e tentar recuperar todo meu oxigênio. Minhas pernas ardiam. Meus joelhos e calcanhares estavam doloridos. Eu suava feito um porco. Pensei “foi uma péssima ideia. Como ela vai querer receber algo de alguém tão acabado como eu? Estou fedendo. E fui um completo filho da puta com ela. É... Foi uma péssima ideia”. Andava de um lado para o outro quando escutei a voz doce que foi capaz de aumentar ainda mais meus batimentos cardíacos e me fazer suar mais ainda.
- ? – me virei. Era ela. Com o uniforme da escola. Com o livro do curso em suas mãos. Me olhando como se eu fosse um fantasma. – O que você está fazendo aqui?
Eu não consegui falar de primeira. Nem de segunda. Alguns segundos foram necessários para eu recuperar o fôlego, perdido tanto pela corrida, quanto pela presença de . Após dolorosas semanas, eu estava cara a cara com ela.
- ... – foi a primeira coisa que eu consegui falar – Me perdoe. Eu fui um completo idiota. Eu joguei toda a culpa e raiva que eu sentia pela minha mãe em cima de você. Eu estava inconformado. Eu cresci vendo o amor dos meus pais, cresci acreditando que eles iriam completar bodas de ouro e eu descobri que foi tudo uma farsa. Uma ilusão. Eu não quis mais acreditar que o que eu tanto escrevia sobre realmente existia. Mas você me fez pensar diferente. Você me fez perceber que eu estava certo o tempo todo. O amor existe. Ele existe. É real. Ele é doloroso. É muito doloroso. Chega a ser cruel de tão doloroso. Ele acaba com a gente, nos deixa idiotas, nos deixa fracos. Mas também faz com que sentimos algo tão devastador de tão forte. Algo tão bonito e tão inacreditável de tão real. Pelo menos é o que eu sinto por você. Eu não sei se vamos durar, eu não sei se você vai querer ter algo comigo, para falar a verdade. Eu não sei. Mas o que eu sei é que eu estou sentindo o amor de verdade pela primeira vez com você. Eu estou completamente apaixonado por você. Por tudo o que você faz. Pela de dentro e pela de fora. Você é a garota mais linda que eu já vi. A personalidade mais incrível que eu já conheci. Não podia desperdiçar isso. Não podia deixar o orgulho vencer.
estava com os olhos cheios de lágrimas. Não falava nada. Desceu o olhar para o embrulho nas minhas mãos.
- Isso... – eu falei ao perceber que ela queria saber o que era – Isso não é nada. Só queria te agradar um pouco... Se você não quiser aceitar minhas desculpas, pelo menos aceite isso. – e entreguei o embrulho para ela.
abriu tão delicadamente e sua boca abriu escancaradamente quando viu a capa do álbum da sua banda favorita. As lágrimas rolaram cada vez mais. olhou para mim e finalmente respondeu:
- Você só pode estar completamente louco de pensar que eu vou te perdoar só porque você me deu um cd maravilhoso desse. – o parasita no meu peito pareceu dar uma cambalhota e morder meu coração.
- ...
- Shiu – ela interrompeu – Fica quieto. Eu não vou te perdoar pelo CD, mas sim porque você me fez finalmente sentir o amor que eu tanto ouço falar nas músicas que eu escuto. Você me fez acreditar em algo que eu achava que era coisa de artista. Eu não posso desperdiçar isso também. – e então, jogou seus braços envolta do meu pescoço e me beijou como se o mundo fosse acabar naquele momento mesmo. Eu não me importei com as pessoas que saiam do curso e provavelmente cochichavam sobre a cena. Eu não liguei para os carros passando atrás de nós. Assim como não se importou que eu estivesse completamente suado. A gente se amava. Isso era o que realmente importava.
O parasita no meu peito se transformou em uma borboleta. Essa borboleta fazia uma festa. Agora a única sensação que eu sentia era de uma nova vida. A sensação de que eu não precisava me importar com mais nada além do amor que eu finalmente conheci fora da escrita.
Essa é a minha história. Talvez não seja a mais emocionante. Talvez não seja a mais bem escrita. Mas é minha. Eu a protagonizo. E é a minha musa.
Fim
Nota da autora: Essa shortfic foi inspirada na música "Pra Você Guardei o Amor", do Nando Reis. Daí o nome. Super indico que vocês ouçam antes ou depois de ler, o importante é escutar. É uma bela canção e que eu amo muito. É isso, beijos!