November Rain

Última atualização: 1º/12/2023

Prólogo

O céu escuro como o abismo deveria ter sido indicativo o suficiente de que algo ruim estava por vir.
Estava carregado. Havia algo maligno vagando por entre as nuvens, um quê de anormalidade que não deveria estar ali. O vento forte ia e vinha do norte ao sul e carregava consigo uma energia estranha, um odor forte e amargo que entorpecia os sentidos e dava calafrios na espinha. Era como se a própria Morte estivesse presente naquele lugar. No entanto, quando Kim Seokjin entrou no autódromo vestido em seu habitual uniforme azul e branco com um sorriso molha-calcinhas nos lábios rosas, tudo aquilo foi esquecido, a sensação estranha abandonada nas profundezas da mente coletiva. Era a hora do show, o momento pelo qual todos estavam esperando e o Rei tinha que brilhar.
Não seria uma chuvinha estúpida que iria atrapalhá-lo.
Como se não fosse a maior noite da sua carreira, Jin caminhou despreocupado com uma das mãos dentro do bolso em direção a sua equipe, que já estava reunida na garagem com o seu carro pronto para ser usado; como era a noite da final, ele havia feito questão de correr com o seu xodó favorito, a Lanita Veldey, e embora estivesse fazendo um frio de congelar ossos, ele se sentia confiante a respeito da sua vitória – com a sua Lanita do lado, ele sentia que podia tudo, podia até mesmo o impossível.
Ele sentia que podia dominar o mundo.
Sem dizer uma única palavra, ele entrou na garagem como se fosse o senhorio e assobiou, chamando a atenção dos seus colegas de equipe vidrados em uma notícia que passava na TV. Um a um, como se houvesse sido combinado, eles ergueram a cabeça procurando a origem do som, dando a Jin a visão aberta à televisão minutos antes da tela se tornar vermelho carmesim. Com um olhar sereno, ele apontou para o aparelho:
— Eles ainda estão sem comunicação?
Jung Hoseok, o mecânico da equipe, balançou a cabeça em negação.
— Voltaram, mas não dizem nada. Eles mataram o presidente na cerimônia de posse. — respondeu o rapaz com um toque de assombro na voz. Jin ergueu uma sobrancelha, sem acreditar. Não estava esperando que a situação escalasse tanto. — Teve sangue por toda parte. Um deles veio por trás e enfiou a mão no peito do cara. — estremeceu. — Eles mataram o velho com a mão.
Jin assobiou espantado:
Caralho.
— Nem me fale. — murmurou Kim Taehyung, o assessor de impressa, com um olhar perturbado. Logo atrás dele, a reprise do evento se repetia em um loop infinito. De novo e de novo a mão ensanguentada saía do peito do velho, segurando firmemente o coração que ainda batia pulsante para quem quisesse ver. Era de um sadismo inacreditável, um show de narcisismo que dava inveja e Jin sentiu arrepios de algo assim acontecer por ali. Tae suspirou audivelmente. — Eles agora estão em silêncio outra vez.
Do lado dele, Min Yoongi cuspiu em escárnio.
— É um aviso. — ele pontuou sombriamente e todo mundo concordou com um aceno. Yoongi cuidava da segurança e de colocar garotas bonitas no seu camarim. Ele era o mais calmo da equipe, mas não era intimidador, no entanto, naquela noite havia algo diferente nele. — Só trouxa não vê. — então, apontou com o queixo para o céu. — Já deixaram bem claro que eles não medem esforços pra deixar explícito a mensagem que querem passar.
Jin concordou silenciosamente e voltou a olhar a TV. Nela, o jornalista do Canal 8 informava com uma bandeira brasileira atrás de si como um grupo terrorista havia invadido o Planalto e matado o presidente eleito na frente de milhares de pessoas assistindo. Então, a líder do grupo conhecida como a Mãe, tomou de conta do microfone anunciando que uma nova era havia se iniciado naquele país, cortando a transmissão em seguida. Então, não havia mais nada e o mundo inteiro estava perdido sem saber o que fazer. Jin inspirou profundamente e desviou o olhar, enojado com toda a situação.
— Eu me pergunto... — começou Kim Namjoon, o empresário e homem que cuidava das suas finanças. Jin o encarou com os olhos em expectativa e ele se colocou de pé, limpando a poeira imaginária da calça. Ele sacou o celular do bolso e começou a digitar um número. — Se eles vão vir pra cá. Quero dizer, por que parar em um só país?
Hoseok arfou com a mão no coração:
— Nem pense numa coisa dessas, Namjoon. Isso não pode acontecer por aqui. — ele bradou com a indignação inundando a voz. Namjoon já não o escutava mais, ocupado demais com o telefone no ouvido. Jin suspirou, tentando ignorar os próprios pensamentos: ele também não queria imaginar a possibilidade, mas desde a semana passada, ela aparecia como uma fantasma para lhe assombrar. — Eu acho que eu morro. Eu não sirvo pra ser escravo.
Taehyung riu em deboche.
— Você acha que é isso que eles querem? — ele provocou, o olho escuro brilhando com malícia. Hobi afirmou com a cabeça, como se a única coisa que aqueles terroristas fossem querer eram escravos como mão de obra. Tae riu outra vez e balançou a cabeça. — Pois então você tá muito enganado. Eles são canibais. Eles querem o seu corpo, ah querem, mas pra outra coisa.
Yoongi bufou com irritação.
— Cala a boca, Kim. Não tá ajudando.
— Só tô falando a verdade. — Tae se defendeu.
— A verdade que só tem merda. — Suga rebateu.
— Como se você fosse-
— Espero que eles fiquem bem. — Jin murmurou por cima da briga, em um tom solene.
A equipe se entreolhou: ainda que não dissessem em voz alta, todo mundo sentia que aquele era um desejo muito bobo e muito infantil. Não haveria “bem” para aquele país nunca mais. Talvez não houvesse sequer um país quando aquelas pessoas acabassem o que vieram fazer. Com um suspiro cansado, Jin decidiu que era hora de mudar de assunto.
Ele esfregou as mãos uma contra a outra.
— Quanto tempo para a minha garota poder entrar na pista?
Yoongi bufou, revirando os olhos.
— Pronta ela está, mas cadê o rival dela pra valer a corrida? — ele respondeu com um toque de maldade e Jin grunhiu de raiva, não surpreso que Jeon Jungkook e aquela trupe fedida que o acompanhava não houvesse chegado ainda. Ele era um moleque, um cão maldito que não levava nada a sério e Jin sentia vontade de esganá-lo toda vez que ele abria a porcaria da boca. De repente, Yoongi deu uma risadinha cruel. — Ouvi dizer que ele arregou no meio do caminho e tão tentando convencer ele de continuar.
Jin não achou graça nenhuma.
— Mas se ele não chegar, eu não vou poder correr. — ele reclamou indignado. Estava se preparando há semanas por aquele momento e não era justo que um cachorro sarnento como aquele infeliz do Jeon pudesse arruinar tudo só por ser um inútil irresponsável arregão. — É melhor alguém trazer ele aqui ou eu mesmo vou buscar.
Namjoon retornou com um sorriso no rosto.
— Não vai precisar. — ele anunciou, sacudindo o celular no ar. Tal como Jin, aquela corrida era muito importante para ele: as contas não se pagavam sozinhas e o dinheiro que entraria garantiria a sua aposentadoria. A equipe o olhou com expectativa e ele continuou. — Ele já chegou. Já tá se preparando, então, nós devemos fazer o mesmo. Tá pronto, Jin?
Jin inspirou profundamente e olhou para fora, para as nuvens negras que decoravam o céu. O tempo não parecia feito para uma corrida, mas ele não iria cancelar só por uma inconveniência daquelas – tinha certeza de que quando erguesse a taça de primeiro lugar, o céu iria se abrir para um dia bonito sem nuvens feias. Tinha certeza de que tudo ficaria bem.
Ele abriu um sorrisinho.
— Eu nasci pronto.
Namjoon entregou-lhe o capacete, que já continha a logo do patrocinador daquela noite. Jin havia sido informado que o dono da empresa havia vindo em pessoa para vê-lo correr, então ganhar aquela competição não era apenas para satisfazer o seu ego: era questão de honra mesmo. Em uma linha horizontal, os cinco caminharam juntos para fora da garagem, a doce Lanita já os aguardando em toda sua glória magistral. Com o canto do olho, Jin avistou Jeon Jungkook tomando o que parecia ser um esporro daqueles do seu agente e, quando percebeu que Jin estava o observando, ergueu um dedo do meio e o mandou ir se foder.
Jin sorriu, maldoso.
Ele mostraria o que era ser fodido quando o deixasse comendo poeira na pista. Jin entrou na Lanita.
— Então não esquece. — Hoseok estava falando, metade curvado para alcançar a janela. — Eu dei uma turbinada no motor e arrumei o acelerador que tava meio capengado, assim, vê se não pisa com muita força perto da curva, tá bom? É pra ser gentil.
— Tá bom, gentileza, entendi. — Jin respondeu.
— E vê se não cai na pilha daquele corno, beleza? — Yoongi adicionou, do lado oposto do carro. — Ele vai tentar te provocar pra te encurralar, mas foca na linha de chegada. Ficar medindo quem tem o pau maior no meio da competição é coisa de criança.
Jin assentiu novamente.
— Entendi, nada de pau.
Tae apareceu do lado do Yoongi e levantou os dois polegares. Jin ligou o motor, o som potente dele preenchendo os seus ouvidos e acelerando as batidas do seu coração.
— E lembra que você é gostoso e que Oh Hyana quer te dar gostoso, falou? — ele berrou por cima do barulho e Jin sorriu. — E que eu também quero dar pra você.
Jin riu, erguendo um dedo do meio:
— Vai se foder!
— Só se for com você, tesudo!
Então, eles o deixaram sozinho e ele dirigiu o carro até a linha de partida. Haviam mais quatro corredores competindo com ele naquela noite, dentre eles, o porco com quem mantinha uma rivalidade azeda desde o início da sua carreira. Jeon Jungkook abriu um sorriso sacana quando parou o Audi perto da Lanita Veldey, e ergueu uma mão em punho, movendo ela na velocidade da língua dentro da boca pra frente e pra trás. Jin ergueu um dedo do meio e revirou os olhos, disposto a responder às provocações baratas no pódio de primeiro lugar.
Naquela noite, ele iria se consagrar como o melhor piloto de toda Ásia.
Naquela noite, ele levaria o nome dos Kim para um patamar que nenhum outro já foi.
Naquela noite, ele seria uma lenda.
Ele inspirou profundamente e apanhou o capacete no banco do passageiro, prendendo com força na cabeça. Em seguida, agarrou o volante com as duas mãos e colocou o pé em cima do acelerador em uma provocação sensual. No minuto seguinte, o som de largada foi dado e Jin pisou fundo, deixando os outros para trás.
— Chuuuuupa! — ele gritou em animação.
Ele acelerou um pouco mais. O percurso já era conhecido das longas noites que ele havia entrado ali clandestinamente para poder praticar. Ele conhecia cada canto, cada pedrinha, cada linha de asfalto como a palma da sua mão. Não havia ninguém que conhecia o caminho melhor do que ele e, antes de avistar a curva, ele desacelerou para poder virar. Logo atrás dele, o carro número quatro bateu, saindo da competição.
Jin não pode evitar comemorar.
Pisando no acelerador outra vez, ele olhou no espelho retrovisor. Logo atrás dele, o carro do Jeon se aproximava e nele estava o demônio com um sorriso cruel no rosto, como quem arrasta uma alma pura para o inferno. Jin afundou o pé no pedal para evitá-lo, no entanto, no minuto seguinte, Jeon pareou ao lado dele e o saudou com um balançar de cabeça.
Jin o ignorou e acelerou mais.
Jungkook ficou para trás outra vez. Jin não daria àquele moleque malcriado o gosto de nem fechar em segundo ao lado dele; ele não merecia o segundo lugar. Ele não merecia sequer subir no pódio na sua presença. Jin puxou o ar para dentro, determinado a vencer. Naquele mesmo instante, um raio apareceu no céu, o deixando meio cego. Ele piscou duas vezes para ajustar a visão e olhou pelo espelho outra vez, pegando Jeon e uma mão esquelética se formando no céu. Jin franziu o cenho. Então, subitamente, o seu corpo foi inteiro para frente e ele tirou o pé do acelerador, arfando com um choque.
Logo atrás, Jeon Jungkook bateu nele outra vez.
— Vai te foder, porra!
Eles emparelharam outra vez. Com um sorriso maldoso no rosto, Jungkook jogou o carro contra Lanita Veldey, que quase saiu da pista quando Jin perdeu a direção do volante. Rapidamente, porém, ele recuperou o controle e exclamou um palavrão, logo em seguida jogando Lanita contra o carro do rival. Jin gargalhou, repetindo a provocação. Do outro lado, ele viu Jungkook gritar desesperado e pingos de chuva caírem do céu, molhando a pista.
Jin jogou o carro outra vez, tirando Jungkook da pista.
Então, acelerou como se a sua vida dependesse daquilo. Como se estivesse possuída, a chuva começou a cair de forma torrencial, bloqueando a visão do seu para-brisa dianteiro, e ele bufou em indignação se esforçando para ver o que tinha na sua frente. Logo atrás, os outros dois carros restantes estavam se aproximando cada vez mais e, com um suspiro afiado, ele pisou com mais força no pedal. Do lado de fora, a mão macabra apareceu como um raio que caiu no chão do lado de Lanita e, com o susto, Jin jogou o carro para a direita. Em seguida, Jungkook apareceu outra vez e avançou como um trator para cima de Lanita, que subiu no ar.
Jin sentiu o mundo ficar em câmera lenta.
O carro girou e girou como um pião cirandeiro e o estômago de Jin se voltou do avesso, trazendo o almoço e café da manhã à boca. Jin olhou para o lado e viu a mão outra vez, agora mais perto, pairando sobre o ar como lhe debochasse a cara. E então, como se não fosse nada, Lanita caiu no chão com um baque ensurdecedor. Jin sentiu os tímpanos estourarem e uma pontada aguda na coluna, que o fez perder o ar. A chuva parou do lado de fora e um forte cheiro de gasolina invadiu seus sentidos. Ele inspirou, a mente zonza, e sentiu calor nos pés. Então, olhou para baixo.
A última coisa que viu antes de desmaiar foram as suas pernas ardendo em chamas na escuridão.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

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