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Prólogo


As nuvens cinzas sobrevoavam a cidade pequena de Ravensight. , que corria pelo campo, parou quando viu a cerca que marcava o final do terreno que pertencia a sua família, sorrindo ao ver que chegou ao lugar mais rápido do que imaginava. Talvez fosse o costume de ir até lá todos os dias e isso já não a cansava mais. Conseguiu pular a cerca como sempre fazia. O longo vestido preto não atrapalhava e ela adentrou no pequeno bosque que levaria a uma rua deserta: uma das ruas que levara ao cemitério, seu destino.
ia ao cemitério todas as tardes. O lugar temido por todos, para ela era o mais interessante. Mas talvez, o que a deixava ansiosa por ir a esse lugar tão tenebroso fosse . e mantinham um romance há anos. Já tinham planejado várias fugas e sempre eram pegos. Após a última, disse que iria embora da pequena cidade e que entraria para as forças armadas. Ao ver que finalmente o filho queria dar rumo a vida, a família o apoiou e o levou até a estação de trem. chorara incontrolavelmente. Ela nunca tinha sentido a dor de ser rejeitada. entrou no trem e seguiu seu rumo, sem nem se despedir de . Ele passou um mês fora da cidade, e assim que pôde, voltou escondido. Ficou na casa do ex caseiro do cemitério, ocupando-a permanentemente quando o senhor morreu, logo após o seu retorno. A fim de deixar sua família assegurada de sua admissão nas forças armadas, escreveu uma carta após três meses, e só depois de ter certeza de que tudo estava sobre controle, voltou a ver .
, diferente de , nunca teria sumido como ele fez. Esperar quatro meses para revê-lo fez com que ela quisesse morrer. Sim, ela sabia que as tentativas de fuga eram todas em vão, mas ela não ligava pra isso. O importante era estar com , nem que isso lhe custasse a vida. Porém, ser enganada por ele foi algo que ela nunca esqueceu, mas seu amor por conseguia superar todas as vezes em que ele a magoou. Momentaneamente, claro. Afinal, sempre que isso acontecia era porque ele estava planejando algo para poder vê-la, e sempre o perdoara.
O cemitério no entanto foi uma aposta arriscada. Pessoas nascem todos os dias, assim como pessoas também morrem todos os dias. Porém, era mais fácil se encontrarem no cemitério do que planejar outra fuga. Os pais de pensavam que a filha finalmente tinha esquecido o rapaz, estavam orgulhosos com a moça, e agora davam-na uma certa liberdade.
Mas, pobre . Mal sabia ela o que lhe aguardava.


Capítulo 1


Ano: 1824

- , eu tenho que voltar, você sabe que eu não posso ficar fora de casa por muito tempo. – Disse , que estava com ele desde o início da tarde. Agora já estava anoitecendo.
- Fique só mais um pouco. – ele implorou.
cedeu ao desejo de , ficando mais alguns minutos no seu encontro não tão romântico. Observar aquelas estátuas e certos rostos e nomes nas lápides não era tão confortável assim, apesar de já estar até, digamos, familiarizada com alguns deles.
Após chegar em casa, encontrou sua mãe. Srª. Amelia era muito rígida em relação ao tempo que a filha passava fora do seu alcance.
- Onde você esteve por todo esse tempo?
- Passeando pelo campo. A senhora sabe que todas as tardes eu faço isso. É a única coisa que me permitem fazer.
- Suba e vá se arrumar. Nós temos um jantar hoje a noite.
- Jantar? – Ela perguntou confusa. Não se lembrava de nenhum aviso que sua mãe tivesse lhe dado sobre isso.
- Sim. Seu pai foi buscar os nossos convidados. Suba e só desça quando estiver pronta.
se perguntava quem eles seriam, e porque sua mãe não lhe contou sobre o jantar.
Ao chegar no quarto, encontrou um vestido em cima da cama, um dos que era pra usar apenas em ocasiões importantes, mas não ligou muito pra isso. Se banhou e após estar devidamente pronta, olhou pela janela e viu a charrete próxima aos degraus que davam acesso a casa. desceu para a sala da grande casa em que morava, encontrando seus pais e os respectivos convidados.
- Essa é minha filha, Sr. Scholz. – Disse o pai de , e a filha curvou-se levemente, segurando com as mãos cada lado do vestido, delicadamente.
- , esse é o , filho dos Scholz. – Disse sua mãe, e , que já tinha desviado o olhar, voltou a olhar para frente. era um rapaz muito bonito, certamente da mesma idade de , e o cumprimentou da mesma maneira que cumprimentou o homem mais velho. O rapaz sorriu para ela.
observou durante alguns minutos, e pôde reparar nos seus jeitos, a sua maneira de sorrir e o olhar sempre atento, prestando atenção no que seu pai e o pai de conversavam perto dele. Sua maneira de andar, postura, roupas... Tudo nele se encaixava perfeitamente, e pela primeira vez se interessou por outro rapaz sem ser .
Os minutos se passaram e todos foram à mesa para o jantar formal, afinal era uma visita de negócios, pensou ela. Seu pai era importante em Ravensight e todos queriam tê-lo como aliado, independente do que fosse: plantações, política... Não importava.
- Bom, eu gostaria de propor um brinde a mais nova sociedade, eu e o Sr. Scholz teremos muito sucesso. – Disse o pai de , e todos levantaram as taças em referência ao brinde.
já imaginava que seria isso, e ela e passaram o jantar inteiro trocando olhares. Após o término, sua mãe indicou que a garota mostrasse ao rapaz um pouco da propriedade, e assim fez a moça.
e passearam um pouco e sentaram em um dos bancos perto do lago.
- Na cidade, todos falam muito da Senhorita. E, eu lamento que não pôde ficar com o rapaz pelo qual era apaixonada. – Disse ele, muito educadamente, e só então, nesse momento, lembrou-se de , e se culpou por tê-lo esquecido por tantas horas.
- Ah. Obrigada. Foi realmente uma infelicidade, mas a vida nunca é como queremos. – Ela disse. Não podia contar sobre estar na cidade. Nunca! Porém, ela achou intrigante o fato dele lamentar o ocorrido. Todos na cidade julgavam a garota de louca e irresponsável, que era uma menina que não se dava ao respeito, e agora, um rapaz que, podia-se notar, vinha de uma família tão rica e importante quanto a dela, entendia perfeitamente pelo o que ela passou. Ou, pelo menos, não a julgou por isso.
As horas se passaram, e a família Scholz foi embora. continuou pensando em , e em ... Ela não sabia em quem pensar direito. era tão bonito e educado. Suas ideias pareciam tão mais sensatas. Já ... Bom, sabia controlar a própria vida. E a dela também! Ele tinha um poder sobre que nem ela mesmo entendia. A cada dia ela tinha mais necessidade de ficar com ele, e ela gostava disso, mas sabia que com ele as coisas eram muito arriscadas. Porém, era ele quem ela amava.
Enquanto se trocava para dormir, sua mãe apareceu, e quis conversar com a garota.
- Você reparou como jovem é bonito? Um rapaz que pretende se tornar Doutor, de posses e que ficou interessado em você, minha filha. Espero que tenha gostado dele, pois com a nova aliança formada, os encontros serão frequentes e tanto nós quanto a família dele fariam muito gosto se vocês... – tentou interromper, mas sua mãe continuou, mudando o rumo da conversa após perceber que a filha queria interrompe-la. – Você já foi muito falada pela cidade, e nós precisamos dar um jeito nisso logo, . A maioria das moças da sua idade já estão casadas, outras noivas, enquanto você se dá ao luxo de passar as tardes percorrendo o campo da fazenda durante mais tempo do que o necessário. Não sei o que vê de importante na propriedade. Logo não haverão rapazes de posses solteiros, e sua beleza não durará para sempre. Pense nisso. – Disse firme, e saiu do quarto.
- Não é o que tem de importante na propriedade mamãe, e sim o que tem após ela. – Disse em sussurro, mais para si mesma do que para qualquer pessoa que poderia está presente no quarto.



Capítulo 2


Uma semana depois


estava na cidade com sua mãe. A mesma a tinha levado para comprarem tecidos, e ao sair da loja, viu quem menos espera ver: . estava resolvendo os assuntos de negócios com o pai. Sua mãe logo tratou de ir cumprimentar o homem, facilitando para que e pudessem conversar.
- Senhora Amélia, gostaria de convidar sua filha para tomar um chá comigo. Me responsabilizo de deixá-la em casa antes do jantar. – Disse , enquanto seu pai e a mãe da moça conversavam, e sentiu algo diferente em si. Nunca tinha sido convidada a nada por um rapaz, a não ser aos passeios ao cemitério e fugas que lhe proporcionava.
- Ah, meu jovem, seria um prazer. irá gostar. E se quiser, jante conosco novamente. Será muito bem vindo. – deu um leve sorriso para , e sua mãe voltou a falar: - Bom, já que é assim, eu deixo o senhor em casa, Sr. Scholz. – E juntos, foram para longe do jovem casal, que seguiram para o encontro.
Apesar da época que viviam, os pais de não podiam se dar ao luxo de sempre manterem a filha em casa. Por ser tão falada na cidade, ela precisava honrar o nome da família, e vê-la acompanhada de um Scholz só faria bem, afinal, a família do rapaz tinha uma ótima reputação, e isso repercutira bem para ambas as famílias, fosse de uma maneira moral ou em negócios.
Enquanto conversavam e bebericavam o chá, os dois não conseguiam desviar o olhar um de outro. pôde reparar com mais precisão como seu rosto era, definitivamente, muito bonito. Os olhos verdes escuros pareciam esconder algo que nem um mago conseguiria revelar. Seu cabelo preto azulado entrava em contraste com a pele branca, limpa, e deixava seu rosto ainda mais perfeito. Seu sorriso era simplesmente encantador, e a barroca na bochecha dava a ele um ar de criança que a deixava abobalhada. As horas se passaram rapidamente, e quando pagou pelo chá e biscoitos que comeram, levantou e estendeu a mão para a garota, conduzindo-a até a charrete. Já estava escurecendo, e enquanto seguiam rumo a sua casa e cruzaram a rua que ligava ao cemitério, falou:
- Esse cemitério me dá medo! Olhe só! Ele é tão... misterioso, não acha? Claro que um lugar onde só ha pessoas mortas dá medo a qualquer um, mas eu já fui em outras cidades e o cemitério daqui é o pior. Na verdade, a cidade inteira é um tanto assombrada. Não entendo porque meus pais querem morar aqui. Claro que os negócio importam bastante para a família, mas acho que se morarmos aqui para sempre, procurarei o cemitério da cidade mais próxima para enterrá-los quando morrerem. Eu não conseguiria entrar nesse cemitério mais de uma vez na vida. Mas, e você , o que acha dele? Já teve que enterrar algum parente seu? – perguntou naturalmente, e só então, olhando para o final da rua que acabaram de cruzar e vendo a imagem do cemitério desaparecer, se lembrou e disse mentalmente: “Ah meu Deus, ! Eu não fui ao cemitério hoje a tarde!” e se culpou mais uma vez por tê-lo esquecido.
- Será que teria como fazer os cavalos andarem um pouco mais rápido? Eu não estou passando muito bem... – Fingiu .
- Desculpe. Acho que o cemitério não foi um assunto apropriado. Ao menos, devo interpretar isso como algo em comum que temos, certo? Você certamente odeia esse cemitério tanto quanto eu. – Vendo como estava parada e não movia um músculo se quer, aflito, pediu para o condutor da charrete apressar o ritmo em que estavam. queria dizer para o quanto ele estava errado, mas ela precisava chegar em casa o mais rápido possível, e, de alguma maneira, ver .

Flashback: 1820 – e : o primeiro contato.

A família de acabara de chegar à cidade, e todos ali já cogitavam a ideia de ter uma relação com eles, seja ela de negócios ou não. A família Bardini era uma família de posses, nobre, e todos que tivessem um envolvimento com eles subiam de status numa sociedade onde tudo, ou pelo menos quase tudo, dependia de negócios. tinha 16 quando chegou a Ravensight, e achou a cidade muito estranha. Fria, apesar da estação que estavam, verão. Escura, cinzenta... Tudo tinha um ar misterioso. Além de que toda cidade costuma ter uma praça ou igreja no centro. Ravensight, diferente de todas elas tinha um cemitério, cujo tinha o mesmo nome da cidade, o que a deixava ainda mais macabra.
Apesar de tudo, gostou daquele aspecto um tanto diferenciado. Já tinha viajado tanto que nenhuma cidade mais lhe chamava atenção, mas com Ravensight foi diferente. De um jeito estranho, ela se sentiu acolhida ali, se sentiu segura, enquanto todos os outros tentavam fugir daquele ar sobrenatural que a cidade passava, mas nunca conseguiam, afinal tudo que se plantava crescia. A cidade tinha ótimos terrenos, uma vizinhança amigável, e tirando toda a sobrenaturalidade habitual da cidade, nenhuma outra conseguia ser tão acolhedora.
Após uma semana morando em uma das maiores casas da cidade e sendo tratados como reis por todos aqueles que necessitavam de alguma ajuda ou, ainda assim, buscavam uma sociedade com os Bardini, teve uma briga com sua mãe, por pura birra. Para ficar longe dela, montou em um dos cavalos e seguiu rumo ao pequeno centro de Ravensight, chegando nas ruas do pequeno comércio já a noite, e, por não conhecer ninguém além de sócios (cujos esses ela nem lembrava direito dos rostos) do seu pai, resolveu que andaria pelas ruas estreitas e praticamente desertas do centro sozinha, aproveitando para conhecer um pouco mais a cidade e observa-la sem ninguém lhe citando regras. O centro era minúsculo, porém era a primeira vez que ia até lá, e não demorou muito para se perder. Em toda rua que ela entrava, era possível ver o cemitério, e ela se sentiu andando em círculos. Parou na entrada dele, buscando reconhecer uma das ruas de paralelepípedos a sua frente como a que a levaria em casa. Tentativa frustrada. Deu voltas e mais voltas ao redor do cemitério, e todas as ruas que levavam para as áreas de moradia pareciam iguais. Esse era outro fato interessante na pequena cidade de Ravensight: os únicos que “moravam” no centro eram os mortos. Todos os que tinham casas moravam em vilas ou fazendas bem longe do centro, e com não era diferente. Cansada de lutar para achar um caminho, resolveu seguir por uma das ruas que lhe parecia a mais iluminada, pois já que continuaria perdida, não queria ficar também no escuro.
Foi um caminho quase sem fim. Parecia que quanto mais cavalgava, menos casas apareciam. Ela passou por cinco casas minúsculas no período de uma hora, e já estava pensando em voltar para o centro e ficar por lá até amanhecer e esperar que alguém desse por sua falta. Afinal, ela saiu escondida, e todos na casa, inclusive os criados, pensavam que ela estava dormindo.
Após mais uma hora cavalgando, avistou ao longe uma casa tão grande quanto a sua, porém muito diferente. Reparou que havia claridade em certos cômodos, claridades visíveis nas janelas, e não teve dúvida: seguiu para lá o mais rápido que pôde. Já começara a chover, e ela não aguentava mais estar montada numa cela após tanto tempo. deu uma volta na casa procurando um lugar onde pudesse descansar um pouco e se aquecer, e encontrou o celeiro. Em outras circunstâncias nunca entraria, mas no momento isso era o mais sensato a se fazer. Desceu do cavalo aflita, olhou para os lados e, a não ver ninguém, abriu o grande portão de madeira e adentrou junto com o cavalo, fechando o portão logo em seguida se sentindo aliviada por nenhum dos cavalos relinchar. Algumas brechas entre as madeiras deixavam um pouco da iluminação natural da noite entrar, mas aquela não era uma noite de luar, e realmente estava tudo muito escuro. Passaram-se alguns minutos para a visão de se acostumar a pouca luminosidade e ela finalmente enxergar onde deveria e podia pisar. Quis gritar de alegria ao ver todo aquele palheiro no fundo do celeiro, e correu para lá, deitando e encolhendo-se, com o objetivo de se aquecer e secar um pouco toda a roupa molhada. já estava mais calma, e agora tentava olhar por uma das brechas da o que se passara ao fundo da casa e como estava o tempo. Parecia que o céu ia desabar e a chuva não cessaria tão cedo. Ela tentou fazer as contas de a que horas conseguiria sair dali, e , até então desconhecido por ela, pareceu ler seus pensamentos, e falou baixo, porém perto demais da menina, que até então pensara estar sozinha no local:
- A chuva só deve parar quando estiver amanhecendo. É melhor você dormir enquanto isso.
gritou de susto!
- Ai meu Deus, eu não sabia que tinha alguém aqui! – E ela encarou o menino. Era pouco o que podia se ver do rosto dele. Ele pôde reparar nos olhos castanhos e o nariz afilado, mas logo ele se levantou e lhe deu as costas, indo em direção ao outro lado do celeiro, e ela continuou imóvel, deitada como antes, mas ainda assustada.
- E eu não sabia que jovens moças procuravam o celeiro de uma casa tão distante como abrigo. Ainda mais quando se tem um cavalo de raça-pura. – Disse irônico.
suspirou e respondeu:
- Eu me perdi e não achei o caminho de casa. Mas fique tranquilo, irei embora assim que a chuva cessar. – Respondeu ranzinza.

- Calma. Acho que começamos do jeito errado. Vamos tentar novamente. Prazer, . - Então ele voltou até , e permaneceu de pé. Dessa vez a pouca luminosidade cooperou e pôde ver seu rosto por completo. Era um belo rapaz. Porém, ela simplesmente deitou de costas, voltando a olhar entre as frechas da madeira. – Tudo bem. Vamos tentar de outro modo. Como alguém se perde no centro tão pequeno dessa cidade? Ou melhor, como uma moça vai ao centro sozinha? Para se perder, imagino que estava só. – suspirou, vendo que não a deixaria só e resolveu responder, ainda de costas.

- Cheguei há uma semana. Resolvi ir ao centro e quando olhei ao redor todas as ruas pareciam iguais. Não soube achar meu caminho de volta. – Ela respondeu, esperando que assim ele parasse de lhe fazer perguntas. O que aconteceu, mas ainda o sentia de pé próximo a ela e isso a incomodou, a ponto dela finalmente virar de frente pra ele, quando ele finalmente resolveu falar outra vez, surpreendendo-a.

- Você é uma Bardini? Você é Bardini? – Ele perguntou um pouco espantado, e franziu o cenho e levantou-se calmamente, ainda desconfiada.
- Como você sabe quem eu sou?
- Você precisa ir embora.
- Eu fiz uma pergunta!
- E eu disse que você precisa ir embora! – Ele falou um pouco mais alto, assustando-a e indo em direção ao cavalo da menina.
- Eu não irei enquanto você não me responder! – disse ela, cruzando os braços e ficando totalmente imóvel, quando ele novamente virou de frente pra ela.
- Vamos ver se assim você entende então. – ele disse. – Eu sou um Pezzini, Pezzini.
pôs a mão sobre os lábios, e após absorver essa informação, disse:
- Eu preciso ir embora. – E agitou-se, indo de encontro ao seu cavalo.

Flashback Off



Capítulo 3



Mais tarde naquele mesmo dia

Ao chegar em casa, tinha um plano: falar com a mãe, e aproveitar sua primeira distração para ir ao cemitério. E, como ela imaginou, deu certo.
nunca correu tanto em toda a sua vida. Desta vez o caminho até o cemitério pareceu mais longo do que todas as outras vezes, e a lua já começara a surgir no céu escuro. pulou a cerca, desta vez com dificuldade, correu pelo bosque e finalmente avistou o cemitério, e observou a claridade amarelada dentro da casa do ex-caseiro, casa esta habitada atualmente por , que dessa vez não a esperava do lado de fora. bateu na porta, ofegante, e esperou que abrisse-a o mais rápido possível.
Explicar o motivo do sumiço não foi fácil, e só conseguia imaginar uma única razão para isso: estava trocando-o. Trocando-o por alguém que lhe daria uma vida segura, alguém que é o que seus pais sempre quiseram para a única filha. Alguém de posses maiores do que a sua família. estava trocando pelo mocinho rico, educado e que, obviamente nunca planejou fugas, afinal, não seria necessário, pois suas famílias não eram inimigas.
Mas era esperto, e sabia que qualquer briga com só pioraria o relacionamento que já estava balançado, e deixaria o caminho livre para o outro. Então, com uma grande dose de astúcia e paciência, acreditou no que lhe contara: que tudo o que estava acontecendo, todos os atrasos e sumiços eram por causa dos pais que insistiam em deixa-la com o garoto Scholz e que, para que eles nunca suspeitassem das suas tardes no campo, que na verdade eram idas ao cemitério, ela preferia sacrificar uma ou duas tardes do que viver todo o tormento que já viveram. Bom, o que disse não deixa de ser verdade, mas o que a garota não percebeu é que Ela não está enxergando a verdade tão claramente quanto . Por maiores que sejam seus esforços e por mais bem contada que seja a sua história, o brilho que havia em seus olhos todas as tardes ao ver começara a brilhar um pouco menos, e toda a sua intensidade voltava quando um outro alguém aparecia.
Após mais de duas horas fora de casa e esquecendo-se totalmente da hora do jantar, quis ter asas para chegar em casa o mais rápido possível e agradeceu mentalmente por ter recusado todos os pedidos da sua mãe para jantar com elas. Seria ainda pior se ela não conseguisse ir ao cemitério de novo, ou se deixasse esperando tanto tempo por ela. abriu cuidadosamente a porta dos fundos da casa e, ao chegar na sala foi surpreendida pela sua mãe:
- Posso saber onde a senhorita estava? – Sua mãe perguntou intimidando a garota.
- Eu fui caminhar pelo campo. A senhora sabe que faço isso todas as tardes.
- Sim, eu sei. A diferença é que já é noite, . Imagine só se o resolvesse ficar para o jantar. Nós estaríamos…
- Mas ele resolveu NÃO ficar para o jantar, mamãe. - disse impaciente, indo em direção a cozinha.
- ! Eu já disse pra você que essas tardes no campo são uma completa perda de tempo. Elas não estão lhe fazendo bem.
- São apenas tardes tranquilas admirando a bela paisagem… - Ou um certo alguém, como pensou .
- Enfim. Por causa de toda essa sua demora e pelo fato do não ter ficado, combinei dele passar por aqui amanhã, logo após o almoço. - arregalou os olhos espantanda.
- Amanhã? Mamãe… Eu já passei a tarde inteira com ele hoje… - a garota choramingou.
- Não importa !
- Claro que importa!
- , o que está acontecendo com você?
- Nada. Eu apenas não acho necessário passar todo esse tempo com ele.
- Mas eu acho. É bom pra você e para a sua reputa…
- Eu não ligo para a minha reputação mamãe! - Respondeu irritada, antes mesmo de sua mãe terminar a frase.
- ! Como você pode não ligar para isso?
- Amélia, o que está acontecendo? - ouviu a voz grave do pai e se sentiu derrotada.
- Nossa filha está ficando louca, George. Ela acabou de dizer que não liga para a reputação! - Disse Amélia, criando ainda mais alarde.
- Minha filha…
- Não papai, o senhor também não! Vocês… Vocês não entendem. - Disse , saindo da cozinha e indo em direção à escada.
- Isso! Vá para o seu quarto, mas desça para o jantar. E lembre-se, amanhã o garoto Scholz virá. E nem adianta fingir está mal como fez hoje . Mesmo que você tivesse ficado em casa eu saberia que era fingimento.
estava fadada ao fracasso. Assim como seu relacionamento conturbado com .



Capítulo 4



Dia Seguinte

O dia está frio e cinzento, como sempre foi em Ravensight, e só queria ficar na cama. Não queria se importar com hoje, nem com a mãe, nem com o . Queria... tranquilidade. Tranquilidade de verdade. Queria ficar só durante um tempo, mas logo uma das criadas apareceu, deixando um dos vestidos de em cima da cama, e dizendo que sua mãe queria que ela usasse este para a tarde. E que descesse logo para tomar o café.
A tarde chegou rápido, e enquanto coloca o vestido escolhido pela mãe, ela pôde ouvir o som da charrete se aproximando da casa. Olhou pela janela e pôde ver se aproximando da entrada principal. Sorriu involuntariamente.
Ela não sabia se era a cidade, se era o clima ou ela mesma. Cada vez era mais interessante e desgastante ficar com ele. Como desta vez passaram a tarde pelos jardins da própria casa, se sentiu menos pressionada, mas havia alguma coisa muito errada com tudo aquilo. aparentava estar perfeitamente bem, diferentemente dela. Parece que pela primeira vez os papéis se inverteram. Porém, tentou conversar.
- Já se acostumou com esta cidade?
- De maneira alguma. Ela... Ela é tão... Sombria. Aquele cemitério é o que mais me intriga. Logo no centro. Nas outras cidades tem-se praças, lojas, padarias, enquanto aqui temos um cemitério. E o mais estranho é o tamanho dele. Nunca vi cemitério tão grande numa cidade tão pequena quanto esta.
- Dizem que algumas pessoas que morrem em cidades vizinhas são enterrados aqui por falta de cemitério nessas cidades. Temos muitos vilarejos ao redor também. Acho que é por esta razão que ele é tão grande.
- Não sei… Ele… As terras daqui são muito boas, os outros vilarejos estão crescendo e eu acredito que logo terão cemitérios nele. Acho que pegarão uma parte das terras do daqui e venderão. Não haveria necessidade deixá-lo do tamanho que está.
Apesar de discordar de , tinha que admitir que ele estava certo. Porém, ninguém nunca despertara interesse por aquele lugar, só ela. Ela e . falava tanto do cemitério que chegou a pensar que ele poderia saber de alguma coisa. Será que ele sabia? Mas logo o jovem casal mudou de assunto. A tarde passou rápido, e o rapaz se despediu.
Três dias se passaram, com idas ao cemitério normalmente, e a esperança em fugir com algum dia começou a brotar novamente em . Mesmo sabendo que seria arriscado, mas ela já tinha conquistado uma certa confiança em casa. Estava sendo a filha perfeita. Eles só não poderiam errar desta vez.
Perto da hora do jantar, e seus pais foram à casa dos Scholz. Era uma casa tão grande quanto a sua. Uma fazenda incrivelmente grande. Não podia se ver o limite das terras. Ao entrarem na grande casa, percebeu que todos os adultos pareciam olhar para os jovens, ela e , que conversavam normalmente, com mais interesse que o normal. Sua mãe e a Senhora Scholz conversavam animadas, enquanto seu pai e o pai de bebiam alguma coisa. Alguns minutos se passaram, e todos se dirigiram à mesa. olhava de maneira diferente esta noite, e por mais que ela tentasse esconder, um sorriso sempre aparecia quando ela percebia que ele olhava para ela. Suas famílias conversavam animadas entre garfadas, até que ficou em pé e começou a falar:
- Eu e meus pais estamos muito contentes por vocês terem aceitado o nosso convite para o jantar. - disse ele. - A ideia deste jantar foi minha, e este não é um simples jantar entre famílias sócias. - ele continuou, e dirigiu-se ao pai de . - Eu posso perceber o quanto o senhor confia em mim, e a senhora - ele agora olhava para a mãe da moça - sempre me tratou muito bem. - então, olhou para . - Com você as tardes não são tão cinzentas quanto a cidade. Elas ganham até um pouco de cor, e por mais que eu não goste daqui, lhe ver fez com que encarar os dias sombrios de Ravensight me trouxessem algum prazer. - ele disse sorrindo, e corou, olhando para baixo, sem conseguir encarar o rapaz. - Eu espero não está sendo precipitado, mas pela aproximação que há em nossa família, eu acredito que não estou. Senhor Bardini, o motivo deste jantar é porquê eu gostaria de saber se o senhor concede-me a mão de sua filha, . Eu gostaria de me casar com ela. - afirmou , e levantou o rosto e viu o sorriso de todos que estavam sentados à mesa.
Seu pai olhou para a Amélia, que sorria, e depois para a filha. tinha certeza que havia um olhar de súplica em seu rosto. E então, seu pai, sério, ficou em pé, olhou para o rapaz e não acreditara no que ouvia.
- Sim, meu rapaz. Eu concedo a mão da minha filha!



Capítulo 5


Flashback - 1820 - Dois meses depois do primeiro contato com


não conseguia entender porque diabos insistia em lhe perseguir. Aparecia em sua casa quando seus pais não estavam. Se escondia nos jardins, no celeiro, onde quer que fosse para poder encontrá-la, e quanto mais ele fazia isso, mais queria que ele se afastasse. Há muitos anos, uma briga por terras fez com que suas famílias traçassem quase uma guerra entre si. Ambas famílias eram muito poderosas e a ambição sempre fez com que uma quisesse superar a outra. Já haviam se passado muitos anos, outras e outras geraçõesvieram, mas a birra inicial fez com que essas famílias se tornassem grandes inimigas, e não importava o motivo: seja lá qual fosse o contato com o outro, você trairia sua família. A não ser que o contato fosse uma briga entre negócios.
Sendo assim, toda vez que aparecia, sabia que poderia ser punida. Ela sabia que a chegada de sua família na cidade não foi muito bem vinda por alguns sócios, mas foi fácil perceber a mudança repentina quando muitos traçaram uma certa aliança com seu pai, além de outros sócios migrarem de cidades próximas para Ravensight, afim de manter as sociedades por muitos e muitos anos. por ser jovem e rica, despertava o interesse de muitos rapazes filhos dos amigos do seu pai, mas nenhum deles lhe parecia interessante. Algo que com , era diferente.
Ela não sabia se era o perigo que ele lhe proporcionava, o risco de ser pega no flagrante, mas passou a ver com frequência. Ele aparecia quase todos os dias, e como não tinha muitas amigas e, ficar sendo observadas como presa por rapazes dia-sim, dia-nãopraticamente, não lhe parecia a melhor opção, passou a percorrer os jardins todas as tardes, ou a esconder-se no celeiro para conversar com o Pezzini, tendo consciência de que traía sua família.
Com o passar dos meses, os jovens foram ficando cada vez mais íntimos, e um sentimento novo começou a brotar no coração da menina. Não importava-lhe mais a família a qual pertencia, sabia que com ele as coisas eram diferentes. sabia que sua família nunca abençoaria essa união, mas ela não conseguia mais conter o sentimento dentro de si. O sentimento para a sua felicidade, ou infelicidade, era recíproco.
A partir daí, começaram as fugas. A primeira veio quando soube que estavam tentando lhe arranjar um casamento. A menina se desesperou e, sua família já sabendo de suas sumidas repentinas passou a vigiá-la. Ela e foram pegos a caminho da estação de trem, e a menina ficou praticamente em cativeiro quase dois meses, além de ter arruinado um ótimo casamento e ter espantado vários outros rapazes junto com o ex-noivo. Todas as outras inúmeras tentativas fracassaram, até que pareceu desistir de lutar por uma vida a dois com e forjou sua ida ao exército em 1822. não podia acreditar, que após jogar tudo para o alto o rapaz simplesmente desistiu.
Porém, cinco meses após sua partida, reapareceu em seu jardim, dizendo que tinha voltado para Ravensight. Por ela. Desde então, o casal se encontra todas as tardes, e sabia que não importara o que o destino lhe reservasse, era com ele que ela ficaria.

Flashback Off
No outro dia


encontrou com no dia seguinte, e lhe implorou por outra fuga:
- , eu não posso casar com . Meus pais vão acelerar isso o mais rápido que conseguirem!
- Nós pensaremos em algo, meu amor, fique tranquila. Teremos tempo suficiente para fugirmos, e dessa vez não seremos pegos! - afirmava enquanto abraçara a menina e depositava um beijo em seus lábios.
passou a tarde quase toda chorando enquanto tentava lhe acalmar. Ela sabia que a chance de escapar desse casamento era mínima. O que mais lhe intrigava não era exatamente o fato de se casar com e sim que antes ela não se via com nenhum outro rapaz além de . Nunca cogitou a possibilidade de ser de outro. Com ela se pegou pensando que poderia ter uma vida feliz, filhos, e apenas esse pensamento fez com que ela ficasse com raiva de si mesma. Ela chorava pelo fato de ter se deixado levar por outro rapaz, de ter se sentido atraída por outro, de ter percebido que era desejada por outro. Por mais que isso lhe parecesse o certo, ela não queria que nenhum outro lhe observasse, assim poderia continuar com sem nenhum problema e não magoar outro alguém em uma fuga. E só de pensar que esse alguém poderia ser , chorava ainda mais. Teria ela alimentado esperanças no atual noivo?
voltava para casa, percorrendo o bosque a passos lentos, quando observou uma senhora muito velha, baixinha e corcunda vindo em sua direção. Alguns fios de cabelos brancos apareciam cobrindo o pouco do seu rosto para fora do capuz. Tudo ao redor da garota parecia ter ficado gélido demais e a menina quis correr ao ver que a senhora se aproximava cada vez mais dela. tentava andar mais rápido, mas suas pernas não obedeciam, até que a senhora tocou em seu ombro, fazendo com que a garota ficasse imóvel. A senhora era tão gelada quanto a sensação térmica que sentia. Seu coração batia rápido e ela quis gritar, quando simplesmente a velhina de cabeça baixa começou a falar:
- Reza a lenda, que a cada 200 anos, uma novata aparece em Ravensight, e ela tem o dom de ver os mortos, de conversar com eles - disse a senhora velha e encapuzada, e não entendia o porquê da senhora lhe dizer isso. - Não sei sobre você minha jovem, mas seu dom é bem maior do que eu esperava. - A senhora disse e deu as costas a rapidamente, sumindo entre as árvores e a névoa que sempre cercara o lugar, antes mesmo de conseguir entender o que ela quis dizer com aquilo.
Enquanto se aproximava da entrada da sua casa após o encontro macabro com a idosa misteriosa e a tarde banhada a choro e pensamentos conturbados no cemitério com , se deparou com uma charrete que não pertencia a sua família, nem a nenhum dos sócios de seu pai. Ela sabia bem quais eram essas carruagens, e aquela ela nunca tinha visto.
Ao entrar, ouviu a voz de seu pai, alta e clara, conversando com um outro homem de uma voz que ela não reconhecera.
ficou na sala principal, a espera, tentando descobrir quem seria o outro homem. Não demorou muito para ela vê-lo, e a menina arregalou os olhos. se fosse mais velho, teria aquela mesma aparência. Não poderia ser. O que um Pezzinifazia em sua casa? Ou melhor: o que o pai de tratara com seu pai na sua casa sem nenhum derramamento se sangue? Ela não acreditava no que via.
Seu pai acompanhou Sr. Pezzini até a saída. Ao fazer o caminho de volta, olhou para e falou sério:
- Sua mãe foi ao centro da cidade. Quando ela chegar teremos uma conversa. Espero que você não tenha absolutamente nada a ver com o assunto e não me decepcione.
engoliu seco e subiu para o seu quarto, ansiosa, mas não muito, pela chegada da sua mãe e descobrir logo do que se tratara a futura conversa.
Não demorou muito e escutou os galopes do cavalo. Pode reconhecer a mãe na charrete e desceu as pressas, sabendo de que não poderia escapar da conversa. Seu pai cochichou algo com a esposa e fez menção para que ambos os três fossem a outra sala da casa, uma mais reservada, onde seu pai fazia suas negociações.
- , o que você sabe sobre Pezzini, atualmente? - Seu pai falou sério e piscou os olhos rapidamente, surpresa com a pergunta.
- Eu... Eu não sei de nada papai. O senhor me proibiu de vê-lo. Eu estou noiva do . - Ela mentiu, descaradamente.
- Não minta para mim, filha. Eu vou perguntar novamente... - seu pai foi interrompido pela esposa.
- Eu sempre soube que havia algo errado. Ela dizia que o amava, e se recuperou muito rápido de sua partida. Ela sabe! - Disse sua mãe, e não entendia mais nada. Sua mãe se aproximou e disse olhando em seus olhos - Seja lá o que você estiver tramando ou como irá reagir a isso... Não importa o que aconteça , você irá se casar com ! - E apenas encarou a mãe, sem saber o que dizer.
- Eu não entendo. O que está acontecendo, papai? - ela perguntou, ansiosa em acabar logo com aquela conversa.
- O senhor Pezzini procurara notícias do filho há alguns meses. Tudo que a família tinha era uma única carta daquele... - seu pai controlou a respiração, irritado só em pensar em , e depois riu. - O moleque era mesmo um artista. Conseguiu mentir para a família toda. - disse com sarcasmo, e então se voltou para filha. - Quase um ano atrás dele , para descobrir que ele nunca foi admito nas forças armadas! Que aquela carta era uma farsa! - a voz do seu pai ia aumentando de volume. - Ele estava nas redondezas da cidade, e sabe por que? Por sua causa ! Me diga que você não encontrara com ele durante este tempo! - seu pai bufava e quis correr. Correr para longe dali. Sabia que suas tardes com agora não aconteceriam mais, sabia disso. Porém, a voz do seu pai cortou seu pensamento. - Me diga, , que você não encontrou com ele enquanto ele estava vivo! Me diga! - Seu pai esbravejava e levou um choque ao escutar essas palavras, e balbuciou baixo, olhando para o pai:
- Estava vivo?
Seu pai respirou fundo e finalmente falou:
- Ele foi enterrado há quase 2 anos no cemitério de South, . Ele está morto, e toda a história da qual sabíamos era uma mentira.


Capítulo 6



Momentos seguintes


saiu correndo de casa, enquanto seus pais gritavam da porta. A menina subiu em seu cavalo que saiu a galopes seguindo a rua de pedras, sem rumo algum, até que chegou ao centro. As lojas já estavam fechando, só os bares permaneciam abertos, e eram poucas as moças que estavam na rua, mas não se importou. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, e a menina só desceu do cavalo quando chegou ao porto, que se encontrara totalmente deserto.
sentou em um dos bancos que havia por ali, e deixou o choro correr livre. Ela não entendia. Como assim ele morreu? Claro que ele não morreu! Sabia que suas tardes estavam condenadas, que o casamento aconteceria em dias, não em poucos meses, como ela tinha imaginado. E essa já era um opção assustadora demais. Agora, ela nem tinha palavras para descrevê-la.
A medida que a Lua ia subindo, a menina sabia que mais tarde ia ficando, mas não se importou nem um pouco com aquilo. Cedo ou tarde algum dos empregados da casa iriam lhe achar, ou até seu pai, e ficar trancafiada num quarto não era mais desesperador, afinal, iria se casar, e estaria presa, porém livre, até o final dos seus dias. Mas, ainda assim, ela não entendia como aquela notícia tinha chegado até as duas famílias. Teria tramado o próprio enterro? Ela sabia que quando o assunto era astúcia, o rapaz fazia o que tinha que fazer numa perfeição sem igual. Mas não. Ele não seria capaz de tanto.
Algumas horas se passaram e percebeu que não estava mais sozinha. Demorou um pouco para virar o rosto, sem coragem de encarar o pai, mas quem estava há poucos metros de distância dela não era ele, e sim . A menina abriu a boca perplexa, sem entender como ele foi parar ali, como ele lhe achou e porquê estava apenas a observando. Ela enxugou as lágrimas e sorriu sem mostrar os dentes, e o rapaz entendeu que poderia se aproximar. sentou no banco ao seu lado, sem falar nada por alguns minutos, para depois, sem encará-la, dizer o que ela nunca imaginou que ouviria:
- Você não precisava ter fingido que estava doente para se ver livre de mim dias atrás. Por quê não me disse a verdade? Sei que você ia vê-lo. Só não entendo como, nem porque, mas eu sei disso. - Ele falou calmo.
- Eu... Eu não queria... Eu não podia lhe contar. Se meus pais descobrissem, eu... O que você ia pensar de mim? - ela disse exaltada, sem conseguir encará-lo.
- , você lembra que no primeiro dia que nos encontramos, eu disse que lamentava por você? Eu não queria que você ficasse comigo, eu queria que fosse feliz.
- Mas como eu seria feliz? A gente se encontrava as escondidas por causa de uma briga antiga de família... Eram encontros rápidos, conturbados, e agora eu sei que isso não vai mais acontecer! - a menina já chorava novamente, e lhe abraçou. - E além de tudo você sabe. Eu não sei como você ainda está aqui.
então segurou o rosto da menina em suas mãos e olhou-a nos olhos:
- Eu estou aqui porquê você precisa de alguém que realmente goste de você e alguém em quem você possa confiar. Você precisa de um amigo.
- Mas, se você quer ser esse alguém, por quê casar comigo? - ela disse, agora encarando .
- Porquê eu sei como você é. Eu admiro a sua coragem em encontrar-se com todas as tardes tão perto de casa, porquê eu sei o quão conturbado era o relacionamento de vocês, e mesmo assim você não deixou se abater. Porquê você é diferente de todas as outras que conheci, tanto no modo de pensar, agir, se vestir... Porquê nós podemos ser felizes, . Nós podemos nos mudar, dar um rumo diferente às nossas vidas! E tudo isso porquê eu me apaixonei por você.


Capítulo 7



Ainda naquela noite


voltara pra casa mais calma, mas sem entender como ou porquê lhe disse tudo aquilo. Teria mesmo ele se apaixonado por ela? Ela não conseguia acreditar.
Ao chegar a casa, a menina cogitou a ideia de voltar para o centro novamente. Seus pais gritavam com ela e lhe repreenderam da atitude rebelde. Falaram da vergonha que passaram quando a família Scholz apareceu sem avisar e teve que ir atrás dela. "Você acha que continuando com essas saídas a tarde ou fugindo desse jeito vai conseguir casar algum dia"?, sua mãe falava alto, enquanto seu pai apenas concordava e relacionava tudo aos negócios, como sempre. Talvez casar não fosse uma ideia tão ruim, pensou ela.
Ao chegar em seu quarto, voltou a pensar em tudo o que aconteceu e parou pra pensar em seus encontros com .

Flashback - um mês atrás - encontro no cemitério

- Mas , você não pode sobreviver com o que eu trago. Você não faz ideia de como é difícil sair de casa trazendo comida pra você.
- E você quer que eu vá ao centro? Você sabe que eu não posso!
- Vá ao centro de South então. Lá você não é tão conhecido. Vigie sua casa e veja os dias que seu pai costuma visitar os arredores da cidade e veja qual o melhor dia para você ir lá. Eu tenho que trazer algo toda semana, e eu não sei o que você faz que faz com que a comida dure tanto.
- Eu não gosto de South, e eu não tenho sentido fome ultimamente.

Flashback Off


encarou o espelho refletindo sobre como momentos assim sempre aconteciam. Como evitava sair, como se sentia bem no cemitério. Como sempre rejeitou South e até a vez que buscaram um novo caseiro pro cemitério mas desistiram, deixando o local praticamente entregue as moscas. A frieza no seu olhar, a falta do perfume que era tão presente nos encontros antes das fugas. O corpo sempre gélido, a falta de apetite.
De repente seus pensamentos foram invadidos pela lembrança da conversa que teve com seu pai mais cedo: "O senhor Pezzini procurara notícias do filho há alguns meses. Tudo que a família tinha era uma única carta [...] Quase um ano atrás dele , para descobrir que ele nunca foi admito nas forças armadas! Que aquela carta era uma farsa!". sentou-se na cadeira em frente a penteadeira, e as palavras do seu pai voltaram a sua mente: "Ele foi enterrado há quase 2 anos no cemitério de South, . Ele está morto, e toda a história da qual sabíamos era uma mentira". As lágrimas voltaram e chorava intensamente, até que houve um estalo vívido em sua mente: "Reza a lenda, que a cada 200 anos, uma novata aparece em Ravensight, e ela tem o dom de ver os mortos, de conversar com eles. Não sei sobre você minha jovem, mas seu dom é bem maior do que eu esperava" agora entendia o que aquilo significava. Entendia o porquê de tudo ser tão estranho. Entendia o porque de se sentir tão acolhida numa cidade que só passava medo à outras pessoas. Ela estava destinada a morar lá, porquê ela era a garota que tinha o dom de conversar com os mortos. Ela era uma Bardini e herdeira desse dom tão escondido. Era por ela que Ravensight esperava a 200 anos.


Capítulo 8



Na manhã do dia seguinte


acordou e pediu para que tudo do que ela se lembrava tivesse sido um pesadelo, mas ao olhar pro lado e vê a mãe sentada encarando-a, soube que tudo era verdade, e a vontade de voltar a dormir lhe invadiu por inteira.
- Desmanche essa cara e levante. Parecia que não ia acordar mais. Quero que desça o mais rápido possível. Precisamos correr com as coisas do casamento antes que os Scholz desistam de você. E precisamos mudar seu guarda-roupa também. Você não é viúva para está sempre de luto. - Sua mãe disse ríspida e saiu do quarto.
A menina desceu e tentou se mostrar interessada em tudo que a mãe falava, mas só de pensar em usar um vestido longo branco, véu, ela quis chorar novamente. Não era isso que ela tinha imaginado. Ao lembrar-se de e de tudo que ele lhe falou, seus olhos marejaram. Ela não queria machucá-lo, acima de tudo. Ela precisava resolver-se com . Ele precisara tomar uma decisão rápida, ou ela estaria destinada a , e não o veria nunca mais.
Enquanto sua mãe discutia com as criadas sobre o almoço, saiu correndo rumo ao cemitério novamente. Chegou a casa que habitara com um certo receio. Ela não queria acreditar que era ela a menina que tinha o Dom. Queria provas de que ele era real. E o mais importante: queria que ele dissesse que lhe amava, e que fugiria com ela, ou que morreriam tentando fugir.
Ela entrou com cautela na casa. Sabia que ainda era de manhã, que ele não estava esperando por ela. Olhou ao redor e não encontrou . Passou pela pequena cozinha, quarto, banheiro e não havia sinal nenhum do garoto. Voltou para a sala e se assustou quando o viu sentado no sofá.
- Eu não vi você. Por quê me deixou percorrer a casa inteira a sua procura? Estava se escondendo de mim?
- Precisamos conversar.
- Precisamos conversar? Eu lhe faço duas perguntas, entro a sua procura e você me diz que precisamos conversar, ?
- ...
- Não! Eu irei falar! Você não faz ideia do que está acontecendo. Meu casamento acontecerá em dias, e ontem o seu pai esteve na minha casa. Ele sabe que você está aqui. Ele e o meu pai. Ou melhor... eles acham que você está morto. E para completar, uma senhora de cabelos brancos me encontrou ontem quando estava voltando para casa e me falou coisas absurdas! - a menina despejou tudo de uma só vez no rapaz, que olhava-a gélido, frio, sem esboçar nenhuma reação. - Nós precisamos sair daqui. Me diga que você pensou em alguma coisa. - ela falava, praticamente implorando.
- Eu... Eu não tenho forças para fugir . E, você sabe o motivo. Nós... Nós não podemos ficar juntos. Eu não posso lhe proporcionar uma vida feliz. - ele dizia. - Eu estou sendo egoísta e não obtive sucesso algum ao tentar espantar o Scholz daqui.
- Espantar o ? , o que você fez? E, como assim não podemos fugir? Como assim eu sei o motivo? Nós nos amamos, claro que seremos felizes. - A menina gritara enquanto andava de um lado ao outro da pequena sala da pequenina casa.
- Eu sou egoísta , mas eu não sou burro. Eu vejo o brilho no seu olhar quando fala dele. Sempre na defensiva, com desculpas esfarrapadas sobre o seu atraso ao vir me ver. Mas confesso que fico até feliz pro você ter encontrado alguém. Há alguns meses eu percebi que... Que eu não estou aqui como deveria estar, e tudo começou a fazer sentido. Eu não sei como você consegue me ver, ou como nunca percebeu, mas eu não tenho sombra, não tenho reflexo... Eu...
sentou-se no sofá sem acreditar no que ouvia. A pele de foi ficando acinzentada, suas roupas um tanto sujas, e cortes apareceram em todas as partes amostras da sua pele. A menina olhava tudo aquilo e queria gritar, queria correr... queria morrer também. Ela tinha perdido seu grande e único amor, estava vivendo uma farsa e tinha um Dom que era, a partir de agora, seu maior pesadelo. Ela estava apaixonada por um fantasma, e ela não conseguia se desligar dele. Sentia isso internamente.
- Como... como assim você percebeu há alguns meses? - ela esbraveja em meio ao choro. - , eu passei meses me arriscando, decepcionando pessoas que me amam, me privando de vários outros momentos durante quase 2 anos, enquanto você sabia? Você sabia que você... - Ela gritava e sua fala foi cortada pelo choro que não conseguia mais controlar. - Novamente você me decepcionando, me enganando...
- Mas eu não desisti de nós. Eu tentei dizer ao que você me amava. Eu tentei assustá-lo, espantá-lo... Venho buscando maneiras de voltar para você... Eu não tinha percebido até ele aparecer na cidade e não me vê quando eu tentava falar com ele.
- Você me enganou novamente ! De novo eu virei sua boneca. Você sempre me teve em suas mãos!
- Eu sou egoísta e eu sei disso, . Mas... eu amo você!
- Se sabia que não poderíamos ter um vida da maneira que estamos, por quê não me disse antes?
- Porque eu era fraco, você era fraca, e eu desejaria que você morresse também, para que fosse unicamente minha... E você faria isso, porque o não era nada além de alguém que você tentava se afastar.
o olhou perplexa, com os olhos arregalados. A casa ficou em completo silêncio, e o frio que ela sentira no dia anterior preencheu o local novamente. Ela se sentia insegura, com raiva, com medo, indefesa e incapaz de qualquer coisa.
- , se você me amasse, você gostaria que eu fosse feliz! - ela falou calma, enquanto abraçara o próprio corpo e ia a passos lentos em direção a porta.
- Não me venha com frases prontas, . Você é melhor do que isso! - O menino caminhava a passos tão lentos quanto os seus em direção a ela.
chegou a porta, mas não conseguia girar a maçaneta. Tentara, mas sem sucesso. se aproximava cada vez mais, com essa nova aparência um tanto assustadora, e a menina começou a gritar por socorro. Até que em um certo momento, sentiu um mal estar e deu as costas para a porta. Ela gritou ao perceber o que estava acontecendo: se tornara um tanto transparente. Seu corpo não tinha mais matéria e seus braços atravessavam o corpo da menina. A imagem da velhinha encapuzada voltou a sua mente junto com a última frase que ela lhe disse: "Não sei sobre você minha jovem, mas seu dom é bem maior do que eu esperava". então olhou nos olhos, e isso foi a última coisa que ela fez antes de desmaiar.


Capítulo 9



Naquela noite

Já era noite quando acordou por completo. Estava em casa, e não fazia ideia de como tinha chegado lá. Estava deitada na sua cama, enquanto sua mãe a observara.
- Mãe, o que aconteceu?
- Você fugiu de mim, como sempre faz, e como demorou a voltar, mandei lhe procurar. apareceu para o almoço, mas preocupado com sua demora saiu a sua procura. Ele lhe encontrou na casa do caseiro do cemitério. O que você fazia lá, ?
não sabia o que responder. Ela não poderia dizer o que aconteceu e isso geraria perguntas. Muitas perguntas. Aflita, disse a primeira coisa que veio em sua mente.
- Eu escutei vozes, pensei que alguém precisava de socorro e entrei na casa. Não lembro o que aconteceu depois disso.
Sua mãe olhou-a curiosa, mas resolveu não insistir no assunto, deixando a menina no quarto, sozinha.
sentou-se perto da janela e ficou se perguntando o que deveria fazer. agora estava morto, mas será que ele continuaria ao seu lado mesmo assim? Ele tinha enganado-a, e dessa vez não tinha volta. Dessa vez ela não poderia continuar com ele. Ela tinha um Dom. Quantos mortos apareceriam na sua frente agora que ela tinha conhecimento sobre isso? Viriam eles lhe atormentar e teria ela que guiá-los em direção a algum caminho? Ela estava perdida, mas ela sabia que havia alguma saída, e sozinha, disse pra si mesma: Eu serei uma Scholz. Eu vou casar com você, . Custe o que custar!
No dia seguinte, a menina desceu para o café da manhã com roupas que não usara a muito tempo: roupas claras. Tão acostumada a ver-lhe sempre de preto, sua mãe se assustou, mas gostou do que viu.
- Finalmente uma roupa decente. - Fria como sempre, Amélia só disse isso, mas entendeu como um elogio.
- Gostaria de ver o hoje mamãe, e agradecer por ter me tirado do cemitério ontem.
Sua mãe sorriu, ainda suspeitando da menina, mas pediu para um dos criados ir a casa dos Scholz avisar do desejo da filha.
ciente do querer de , apareceu, novamente para o almoço, porém surpreso. Ele pensou que depois de toda a conversa que tiveram, ela iria fugir dele, ir embora da cidade com , mas não. Também espantado com sua roupa, elogiou-a, mas nada além disso.
Após o almoço, os dois saíram para caminhar pelos arredores da casa, e falou:
- Não sei porque você me defende. Você está sendo meu cúmplice, espero que saiba.
- Eu já lhe disse o porquê. Não me faça falar tudo de novo. Fiquei surpreso por ele não ter pedido ajuda e por não estar lá quando cheguei. Afinal, o que aconteceu?
pensou bastante e não encontrou algo com sentido para dizer, mudando de assunto.
- Caso nos casarmos, iremos embora daqui? - perguntou olhando para o rapaz, que ficou confuso.
- Eu odeio essa cidade, mas você sempre disse que gosta. Não estava cogitando essa ideia até agora. Você gostaria de se mudar?
sabia que Ravensight que esperara por ela, não todos os mortos. Então, talvez a saída fosse ir embora. Talvez assim ela tivesse a vida que imaginou para os dois. Uma vida normal. Mas, quem ela queria enganar? Não podia sair da cidade sem resolver seu caso com .
- Eu pensei no que você me disse e conclui que essa cidade me marcou tanto com coisas boas, mas bem mais com coisas ruins. Acho que não será bom para nós.
- Então nós podemos ir para South, ou para qualquer outra. Você escolhe! - disse o rapaz, feliz em saber que agora o seu tempo na cidade que tanto detestara estava com seus dias contados. Porém, em seguida, indagou outra pergunta - Por quê está decidindo ir embora ? Por quê está querendo dar uma chance a nós?
respirou fundo, sem querer dar resposta alguma, mas ele precisara saber.
- Eu... O ... Bem, ele não está aqui exatamente. Eu não sei como explicar, sei que você vai sumir da minha vida caso você saiba a verdade, mas eu quero tentar ter uma vida normal. Não pense que eu estou querendo lhe usar, pois não é isso. Sei que, da mesma maneira que gosta de mim, eu posso vir a gostar de você. Eu posso aprender e eu realmente me sinto diferente quando estou com você. Eu quero tentar. Mas não me pergunte o porquê.
- Mas você o ama.
- Não mais. - disse as palavras de maneira tão fácil e ríspidas que se assuntou. Porém, não havia certeza em nenhuma das duas palavras ditas por ela.
- Não mais? , o que aconteceu ontem naquela casa? - disse sério, encarando a menina. - Eu quero apenas ajudá-la.
não tinha saída. Não tinha amigas e sabia que não podia confiar nos pais. Ainda não amava , e seria melhor perdê-lo agora do que depois do casamento. Ainda indecisa o tomou pela mão e disse:
- Só não se assuste.


Capítulo 10



A confusão estava feita e não sabia se tinha tomado a atitude correta. Ela sabia, desde o início, que levar até seria arriscado, mas ele era o único entre todos que nunca a julgou. O único que sempre esteve ao seu lado. O único que só queria a sua felicidade. O único que ela, sem perceber, permitiu se aproximar. O único que, no momento, despertou um brilho no seu olhar e sentimentos desconhecidos, ou talvez esquecidos, nela. Ele era a sua salvação, sua esperança. Sua saída daquela cidade que a acolheu não porque ela se encaixava, e sim porquê Ravensight precisava dela. A única coisa que não pensou era como tudo aquilo podia afetar , e agora que ele encontrava-se desmaiado, ela não sabia o que fazer.

Momentos antes


Eles caminharam apressados em direção ao bosque, e não demorou muito para perceber para onde estava levando-o.
- Eu não vou, não quero e não preciso falar com ele. Você sabe disso. - o garoto falou ríspido, e parou por um instante e olhou-o nos olhos. Ela pensou em várias respostas, mas nenhuma faria sentido, afinal, poucos eram os que sabiam que havia morrido, e não era um desses.
- Se você conseguir falar qualquer coisa com ele, eu ficarei surpresa! - respondeu enquanto entravam no cemitério.
A casa tão conhecida pela menina não parecia-lhe mais tão familiar. Ela estava fria, bagunçada, vazia. Não havia ninguém ali, e ela se perguntou se em algum momento houve alguém além de si mesma em todas as tardes, e só a mera possibilidade dessa resposta ser "não", fez com que todo o seu corpo fosse tomado por um misto de sentimentos entre raiva e tristeza.
O garoto olhou em volta, sem entender.
- Ele não está aqui. Por que viemos? - indagou.
Ela não via saída alguma, a não ser a verdade. "Mas isso não faz sentido algum. Como lhe dizer isto?" pensava.
- Bem, já que vamos casar, eu não queria começar isso com mentiras. - disse. - Com mais mentiras. - corrigiu, enquanto olhava em volta, talvez procurando vestígios de alguém que poderia ter morado naquela casa um tanto minúscula, até que, de repente ele se deu conta do que ela tinha dito, e olhou surpreso para a garota.
- Nós realmente... Você concorda que... vamos casar? - Perguntou, sorrindo pela primeira vez naquele dia, e o coração de se aqueceu. - Sei que você fez muitas perguntas sobre isso hoje, mas...
- Eu pensei no que disse, e de fato não pretendo permanecer nessa cidade. Mas, ainda tenho um assunto inacabado aqui. Neste exato lugar, e eu não faço ideia de como poderei resolver isso.
- Vamos embora! - sugeriu. - Vamos voltar e vamos apressar o casamento. Ele não está aqui. Não tem nada aqui! - falou enquanto gesticulava com os braços abertos, e a menina se encolheu, pensando em como diria tudo que sabia. - Vamos . Por favor. - suplicou o garoto, segurando sua mão.
- Antes, preciso lhe mostrar algo.
- Não há nada para mostrar. Vamos antes que ele volte. Só resultará em brigas.
- Ele não vai voltar.
- Não?
- Não. Ele nunca esteve aqui! - suspirou.
- Como assim? O que você está querendo dizer?
- Ele está morto. - disse. - Há quase dois anos. - Falou por fim. - E, bom, eu o vejo. - despejou, acanhada, no momento em que , desfigurado como da última vez que ela tinha o visto, apareceu atrás de .
A raiva tomava todo o rosto de , enquanto arregalou os olhos, assustada, soltando a mão de e dando passos para trás. O garoto não entendeu o movimento bruto da menina. Sabia que não era o predileto por ela, mas tinha ciência que diante do que estava acontecendo, e sendo ela quem era, essa distância literal repentina não tinha sentido algum. O rapaz reparou no rosto da garota, percebendo o medo instalando-se nele e seu olhar congelado, direcionado, visivelmente a ele, que olhou para trás, e tudo que viu foi um balcão sujo.
- Valentia, o que está havendo? - perguntou, já aflito e assustado com sua expressão. - ! -gritou, tentando chamar sua atenção.
- Ele... ele está aqui. - falou gaguejando. - atrás de você.
olhou novamente para trás, e não viu ninguém. Porém, ao tocar novamente na mão da garota e dizer-lhe que ninguém estava ali, quando olhou em volta, lá estava ele, fantasmagórico e desfigurado. Assustador. A expressão de raiva, o que ele estava sentindo, era visível, e no ato de impulso, soltou a mão da garota e sumiu da sua frente. Surpreso, ele olhou , que ainda o enxergava.
O casal entrou numa quase discussão. O Scholz dizia que aquilo era impossível, enquanto a Bardini tentava explicar o que tinha acontecido. O problema era que: não sabia como aquilo acontecia. Então, subitamente lembrou-se da idosa. Ela pensou que ele ia sorrir quando ela terminou de falar, mas o menino ficou ainda mais nervoso, e demonstrou preocupação.
- Por que você o trouxe aqui?
- Isso é algum tipo de... bruxaria, talvez? - perguntou .
- Porque eu preciso de alguém comigo . Alguém que me entenda. Ou tente, ao menos. - falou enquanto segurava a mão de , ignorando totalmente sua pergunta, e o garoto voltou a ver .
- Você... Você sabe que você...? - perguntou com receio ao outro.
- Sei. Sei há um tempo.
- E por quê você não disse a ela? Ela se sente presa a você, e você está morto! - falou sem medo, um tanto bravo, indignado com toda aquela situação.
- Porque eu não queria perdê-la! Porque eu morri voltando pra cá. Eu morri, em outras palavras, por ela, porque eu sempre amei-a.
se via numa rua sem saída. De um lado, aquele que sempre a amou, que tinha voltado por ela, mas havia morrido. Do outro, o que lhe entendeu desde o princípio, não julgou, esteve do seu lado e tinha a confiança de todos, mas seria isso o suficiente para despertar um sentimento como o que sentia por ? , amor. , paixão. Um morto, o outro vivo. Um, incerteza, o outro também. Quando ela se deu conta, os dois gritavam entre si. Ela tentou soltar a mão de , já que sem o contato com ela, ele não veria . Ela era um amuleto, de fato a escolhida para isso e talvez o "dom maior" ao qual a velhinha se referia fosse esse. Ela não só via como permitia que outros também vissem. As tentativas foram em vão. já apertava tanto a sua mão que chegava a machucar e ela se viu perdida naquela encruzilhada.
Eles gritavam sem parar, esquecendo totalmente que ela estava ali. Falavam coisas sem pensar, sem sentido, sobre si e sobre ela. sempre falando que morreu por ela, e dizendo que estava ali por ela. começou a sentir-se culpada pelo momento, esquecendo totalmente a dor que sentia em sua mão apertada por , e suplicando com olhares a que parece de falar. Tentou puxar o então noivo para a porta, com a esperança de ir embora, mas, novamente, a tentativa foi em vão. Olhou para os dois pensando em como apartar aquilo, se lembrou da velhinha lhe dizendo que ela tinha o dom, e a imagem fixou-se em sua mente. O dom era dela, ela era a única que conseguiria controlar a situação, que até então, fugia de seu controle. Gritou, tentou bater em , tentou soltar de sua mão, que apertava a dela com uma força que ela jurava ser impossível de alguém ter. Nada fazia efeito. Então uma ideia louca lhe correu a mente, ideia essa que não fazia o menor sentido com nada que estava acontecendo. Em um pulo ficou na frente de e o beijou. Sem mais nem menos. Tocou os lábios dele com os seus e esperou o silêncio invadir o lugar. A força com a qual apartava sua mão diminuiu, e parou de falar subitamente. O silêncio finalmente invadiu o ambiente, e soltou sua mão da de e se afastou dele. O menino olhou em volta, atordoado. De repente, direcionou seu olhar para atrás da menina, e, assustado, desmaiou.


Capítulo 11



olhou em volta, vendo irritado e desmaiado. Ela não entendia o porquê do desmaio, mas ela precisava fazer algo em relação àquela situação. Então, lembrou-se novamente da velhinha. Saiu as pressas da casa, não se importando em deixar lá, e correu pelo pequeno bosque enquanto procurava, com os olhos bem atentos, a senhora de rosto desconhecido. Não demorou muito e a névoa e o frio dominaram o local, e a menina soube que ela estava ali.
- Apareça! Eu preciso falar com você! - Gritou.
Ao longe, viu que ela se aproximava e mesmo ansiosa para falar com a figura encapuzada, ela quis correr e ir embora. A senhora ficou mais próxima do que da outra vez, mas seu rosto era impossível de ser visto. Haviam cabelos brancos saindo do capuz, um tanto cacheados, mas que cobriam todo o rosto. As mãos eram enrugadas, como as de velhinhas de 90 anos. Ela parecia tão real, mas ao mesmo tempo semelhante demais a . Não exatamente sua aparência, mas a sua presença, e soube, naquela hora, que ela também fazia parte de um mundo que a menina desejara demorar a conhecer. Um mundo onde só aqueles que já terminaram o que tinham que fazer por aqui conheciam. Ela também havia morrido.
- Você sabia dele! Por quê não me disse? - A menina dizia alto, ainda mantendo distância da idosa.
- Você precisava descobrir isso sozinha. Não foi da maneira que tinha que ser, mas o que importa é que agora você sabe.
- Mas eu não sei o que fazer. O "dom maior" que você disse que tenho permite com que outros, ao estarem em contato físico comigo vejam pessoas como , como você. Eu não sei controlar isso, e agora meu noivo está desmaiado e a única pessoa ao seu lado é um fantasma! - ela dizia quase chorando, com a voz trêmula, mas tentando se manter firme em relação ao ocorrido. E ao que ocorria também. Ela estava a conversar com os mortos, no cemitério, e ao perceber a junção do local e do que era, ela pensou em falar baixo, quis voltar a ser criança, quis que tudo nunca tivesse acontecido. Não queria despertar os outros também.
- Você é dona desse dom, e só você pode nos libertar! - disse a senhora, se aproximando da menina.
- "Nos libertar"? - perguntou, dando pequenos passos para trás, enquanto a velhinha continuava a andar em sua direção.
- Eu estou presa aqui, , e só você pode fazer com que eu consiga finalmente desapegar desse lugar. - E nesse momento a velhinha segurou sua mão e levantou o rosto. A menina pensou que iria gritar quando finalmente conseguisse lhe ver, mas o que viu era a última coisa que podia imaginar. Seu olhos, seus traços... Tirando as mudanças que o tempo fez em seu corpo, a senhora era igual a menina. Era como se fosse um espelho do futuro. Ou do passado talvez. Ela não sabia bem distinguir. Ela continuava segurando a mão da garota, que finalmente sentiu isso e olhou para a sua mão. Havia uma grande aliança ali. Ela havia tido uma vida aparentemente normal. Havia um casamento, e com certeza filhos.
- Você... Eu... - gaguejava e não conseguia formular frase alguma, enquanto a senhora sorriu amigável, e pela primeira vez não sentiu medo dela.
- Eu também sou uma Bardini, esse dom é nosso. Você teve a infelicidade de se apaixonar por um que não devemos manter contato, e logo ele é o escolhido. Essa briga durara anos, e você sabe. Você é corajosa e já enfrentou problemas que eu, na sua idade, não tive coragem de enfrentar. Você precisa usar essa coragem para nos libertar . Para libertar eu e , e ter uma vida normal.
- Mas você... Como você sabe disso tudo?
- Porque eu sou igual a você. Eu fui a escolhida há 200 anos, e continuo presa aqui porquê preciso que você me liberte. Quando cheguei libertei outra, mas agora é a sua vez.
soltou a mão da senhora e parou para pensar, tentando absorver todas aquelas informações. Se a senhora libertou alguém mas continuara ali, isso seria um ciclo sem fim. Anos passariam e a história estaria a se repetir. Famílias continuariam brigando, garotas continuariam a ter sua vida perturbada por aparições de outros seres e, o pior: mesmo que libertasse a velhinha e , ela estaria presa àquela cidade, mesmo que não quisesse, pois teria que esperar 200 anos para passar todo o aprendizado para a outra destinada a esse castigo, pois isso poderia ser tudo, menos um dom.
- Eu não quero fazer isso. Eu não quero ficar igual a você e continuar convivendo com isso! Eu não pedi pra nascer assim e eu não escolhi me apaixonar por alguém que estava destinado a morrer de maneira tão inesperada. Eu não quero morrer daqui há alguns anos e continuar vagando até encontrar alguém como eu. Isso é horrível. Isso não deve se perpetuar.
- Você não tem escolha! Você já aceitou o que tem, e esse já é um grande passo. Me deixe ir embora, deixe ir embora e tente conviver com isso. Eu demorei a entender, mas foi necessário.
- Deve haver alguma maneira de quebrar isso! - a menina dizia, mais a si mesma do que para a velhinha, que insistia em negar. - E eu irei descobrir. Não sei como, mas irei.
- Amor, minha jovem. Ele é o mais poderoso de todos os sentimentos. A gente não escolhe quem amar, mas é ele quem decide quase todas as nossas ações quando nos vemos apenas com aquele alguém, quando o coração decide por nós. O medo de perder a presença daqueles que amamos é algo terrivelmente assustador, e conviver com isso é uma das coisas à qual estamos destinadas a sentir enquanto estivermos vivas.


Capítulo 12



Enquanto caminhava de volta à casa, apareceu no meio do caminho, atordoado.
- Onde você estava? Acordei na casa do caseiro do cemitério e... - Ele olhava para a menina, que passou em sua frente sem se dar conta da sua presença. - ! - chamou. - Me diga que o que aconteceu não foi real.
- Você sabe que foi. - Ela disse enquanto voltava à casa, e se deparou com sentado no sofá. - Eu... Eu não sei como, mas eu preciso que você vá embora. - Ela disse firme, e não esboçou nenhuma reação. - Isso é um ciclo sem fim, e eu preciso acabar com isso. Não sei como, mas sei que o primeiro passo é libertar você. Então, eu te liberto. - A menina disse, esperando que nesse momento houvesse qualquer coisa: uma ventania, cada vez mais transparente... Algo que fizesse com que ele desaparecesse, mas tudo, para a sua infelicidade, continuou normal.
Ela puxou uma das cadeiras da pequena mesa de jantar e sentou-se, sem saber o que fazer, enquanto o choro descia livre. entrou na casa e agachou-se ao seu lado.
- Vamos. Já passamos por muita coisa hoje. Você irá descobrir uma maneira , mas precisamos ir. - ele dizia calmo, estendendo-lhe a mão e escondendo o medo que sentia na intenção de acalmar a menina, que para a sua surpresa segurou em sua mão e dirigiu-se a porta, mas antes, deu um último olhar em :
- Você sabe que você precisa ir, certo? Eu sempre vou lhe amar, mas se você me ama como diz, me deixe ser feliz. Eu estou tentando te dar a liberdade, mas talvez a única coisa que lhe prenda aqui não sou eu, e sim você mesmo. Me dê a liberdade de escolher . Faça por mim, o que estou tentando fazer por você.
Era quase noite quando o casal chegou na grande casa dos Bardini. Amélia não brigara com sua filha desta vez, vendo que, por mais que isso não fosse o certo ou totalmente indicado, ela havera de passar a tarde ao lado do noivo, e a senhora pensou "antes com ele do que solta pelos jardins como antes". O jovem casal sentou em um dos bancos da grande varanda da entrada principal da casa, longe o suficiente de todos que tentassem bisbilhotar ou ouvir a conversa.
- Eu não sei porquê você desmaiou e não sei como acabar com isso, mas agora você entende que preciso resolver essa questão antes de nos... - olhava nos olhos, e o menino apenas sorriu e segurou em sua mão. - Por favor, não me deixe. Só tenho a você. Agora, mais do que nunca, e eu realmente estou disposta a tentar. - Ela sorriu, e ao ver o rapaz ela sentiu que de fato ele sempre estaria ali. A garota não pensou duas vezes e beijou-lhe novamente, e logo em seguida entrou em casa e foi para o seu quarto. Pôde ver de lá, indo embora, e se perguntou: Quando chegará a minha vez de ir com você?


Capítulo 13



não parava de pensar por um segundo no que tinha acontecido. Aquilo lhe perturbara mais do que qualquer outra coisa. Sua mãe, por outro lado, não percebia toda aflição pela qual a menina estava passando, e insistia em tentar discutir as coisas do casamento, mas sempre escapava, dizendo "o que a senhora decidir, estará bom para mim".
Ela voltou à casa do ex caseiro, e permanecia lá, como sempre permaneceu. Ela olhava em volta, procurava algo para tentar entender como "se livrar" dele, já que não havia outra escolha. Ela ainda o amava, por mais que não quisesse admitir, mas a mágoa em seu peito estava começando a ser maior do que o amor que sentia por ele. Ver o quão egoísta ele foi fazia com que o sentimento diminuísse cada vez mais, e ele sabia disso. Mas, por mais que ele evitasse falar com ela, e ela com ele, ambos ainda permaneciam conectados.
procurou em livros, na igreja, através de rezas e pedidos, infinitas maneiras de se separar do menino. Saía com quase todos os dias a procura de uma forma de acabar com isso. Ela sabia do Dom mas não sabia como isso podia libertar um do outro.
Após vários dias de procura se deu uma trégua. Já haviam duas semanas que não aparecia no cemitério, mas ela sabia, ela sentia que ele continuava lá. Ela pensou que realmente estava destinada a isso e que, não importava o que acontece, a vida que ela tivesse, ela ficaria igual a idosa: Destinada a esperar por outra Bardini durante 200 anos, e finalmente ter o descanso merecido.
O dia do casamento se aproximava, e após sua desistência em libertar , a menina focou em ter uma relação no mínimo saudável com . Ela não tinha como escapar disso. Se casariam, cedo ou tarde, e teriam que conviver juntos por vários anos. O Rapaz já procurava casas em Ravensight, tendo completa ciência do problema da menina, e se esforçando o máximo que podia para aceitar a ideia de conviver na bendita cidade que odiara desde o dia que colocou os pés. Porém, apesar de todos os atropelos, a relação entre os dois só melhorava. vez ou outra esquecia de todas as coisas sombrias que rodeavam sua vida, e o garoto sentia, mesmo que bem pequeno, que um sentimento diferente estava crescendo entre eles. ainda tentava negar, mas ela também sentia isso. Ela finalmente estava começando a ter uma vida normal, e pela primeira vez, de verdade, não se sentia culpada por se deixar envolver com outro alguém que não fosse .
Longos dois meses se passaram sem que o nome fosse dito nem pela Bardini e nem pelo Scholz. Estarem juntos já não era tão insuportável ou falso como no início. Era simples, casual e preenchia de maneira perfeita o tempo de ambos. Os planos para uma vida a dois começavam a ser discutidos por eles. Conversas regadas a risadas e beijos nem sempre roubados aconteciam quase que todos os dias, e quando não, ambos sentiam falta um do outro. Porém, por mais que tentasse esquecer, ela sabia que algo estava faltando para que a felicidade fosse completa.
Em uma das poucas tardes que não pôde ir a sua casa, a menina resolveu voltar ao cemitério. Algo lhe levava até lá, algo sempre tentava lhe atrair até lá e por mais que pensar em fosse algo que não acontecia mais, ela não podia negar o fato de que ele continuaria ali, invisível aos olhos de todos, mas menos aos dela. Ao entrar na pequena casa sem pedir licença, a menina encontrou calmo, sentado, como da última vez, porém um pingo de esperança brotou nos olhos do rapaz. Ela havia prometido que só voltaria ali quando soubesse uma maneira de acabar com tudo isso. Dois meses se passaram e ela continuava no mesmo ponto de antes: sem saber o que fazer. Quando ambos se olharam, não foi preciso dizer nada, pois sabiam que estariam destinados a essa vida, um conectado ao outro, e que o final feliz não era possível para eles, mesmo que individualmente.
- Até quando isso vai durar? - O rapaz perguntou, cansado de todo esse tempo angustiante.
- Você sabe que não tem como isso acabar. Isso vai durar 200 anos. Eu realmente desisti.
- Você não pode fazer isso comigo, com nós, com você. Você merece viver, ter uma vida feliz sem ser comigo. - ele disse triste. - E eu preciso ir para onde devia ter ido há dois anos, mesmo que isso me doa. - ele dizia, suplicando por algo que nem ele sabia o que era, mas que diminuísse toda a dor pela qual sempre foram destinados a sentir.
- , eu também não quero continuar com isso. Mas, não sou eu quem controlo. Aconteceu, o tempo me escolheu. É perturbador, mas não há saída. - E quando ela terminou de falar, ouviu batidas na porta, e mesmo antes que pudesse mover um músculo se quer, entrou na casa. Ela sabia que ele não iria a sua procura hoje, mas por algum motivo, ali estava ele, na sua frente.
- Você disse que não viria hoje. - Ela disse ficando de pé, e a presença do menino não parecia mais despertar raiva em .
- Eu sei, mas meu pai resolveu suas negociações no centro mais rápido que o esperado, e eu pensei que podia lhe ver. Ele... ele ainda está aqui? - perguntou receoso, mas não com medo. olhou para o lado e viu em pé, encostado no balcão sujo e velho e respondeu:
- Sim. Ele continua aqui. Ele sempre estará aqui.
Por um momento sentiu medo. Medo de como seria sua vida dali por diante. Medo de ter que continuar vivendo isso. Medo de que as pessoas descobrissem do que ela era capaz, e, por fim, o maior medo de todos: o de perder . Ela sabia que era coisa demais para ambos suportarem. E se ele desistisse? E se ele não aguentasse tudo isso? E se ela enlouquecesse após tantos anos vendo do mesmo jeito? E se eles realmente não arrumassem uma maneira de acabar com todo esse maldito dom que a persegue? começou a chorar repentinamente, surpreendendo e . Ela não podia perder , porque, por mais que ela não percebesse, ele tinha conquistado-a. Ela já não conseguia ver um futuro sem ele. Ela podia pressentir que sem ele, não havia porque tentar encontrar (mesmo que todas as tentativas fossem frustradas no final das contas) uma maneira de acabar com tudo isso. E por um segundo, tudo voltou à mente da menina. Ela não precisava buscar uma "cura" para isso. Ela era a própria cura do próprio problema, ela só não tinha percebido.

"Amor, minha jovem. Ele é o mais poderoso de todos os sentimentos. A gente não escolhe quem amar, mas é ele quem decide quase todas as nossas ações quando nos vemos apenas com aquele alguém, quando o coração decide por nós. O medo de perder a presença daqueles que amamos é algo terrivelmente assustador, e conviver com isso é uma das coisas à qual estamos destinadas a sentir enquanto estivermos vivas."


Era quem ela amava, e não mais . Ao se dar conta disso, um sorriso brotou no rosto da menina, que olhava para um confuso a sua frente. Ela segurou em sua mão e olhou para , finalmente entendo tudo. Então, de repente, ele começou a desaparecer. também conseguia ver a imagem do Pezzini sumindo devagar. conseguia sentir aquilo e, pela primeira vez, em muito tempo, sorriu para ambos.
- Lembre-se : viva! Tenha a vida que espera por você, e não importa o que aconteceu ou o que aconteça daqui pra frente, eu sempre amarei você.


Epílogo



saiu da pequena casa sentindo uma alegria nunca sentida antes. ainda não entendia, e por mais que ele perguntasse, ela insistia em dizer para que ele esquecesse e que nada mais agora importava e que eles poderiam finalmente ir embora dali, serem felizes em outro canto, e que um seria suficiente para o outro. Ela sabia, agora mais do que nunca, que foi o amor desenvolvido por que a libertou de tudo aquilo, e por mais que ela quisesse contar isso a ele, ela ainda não se sentia pronta o suficiente. Na verdade, ela tinha receio de que, ao dizer isso, algo maligno viesse assombrar suas vidas novamente, e ela preferiu esperar e ter a certeza de que tudo finalmente estava bem.
No dia seguinte acordou sorrindo. Faltavam apenas sete dias para o casamento. Uma única semana lhe separava de uma nova vida. Um vida começando do zero, em outra cidade, com alguém que sempre esteve com ela e priorizava sua felicidade acima de tudo. Ao lembrar-se de como tudo começou e o quanto tentou enxotar o Scholz, ela sentia até pena do rapaz, mas agora agradecia secretamente pela insistência dele e da sua mãe, com cuja o relacionamento tinha melhorado. Não muito, mas o suficiente para que não houvessem brigas todos os dias.
caminhava pelos jardins, revivendo os momentos que passou naquela casa e se despedindo lentamente de cada pedaço do terreno, até que avistou ao longe a cerca que pulara tantas vezes. A passos lentos, ela voltou ao local e repetiu o gesto, entrando no pequeno bosque que antes lhe parecia tão dela, e que agora não deixava de ser apenas um local qualquer que divida sua casa do cemitério. De repente, ela pôde sentir aquela presença estranha, e assustou-se. Pensou em correr. Ela não conseguiria passar por tudo novamente. Ela sabia que ele tinha ido embora. Mas, ao tentar mover-se percebeu que não era ele que estava ali, e sim a bendita velhinha. Dessa vez ela vinha sem o capuz, sorrindo de maneira meiga para a menina, que não conseguia entender. Ela tinha libertado . Porque a idosa, ela do passado, continuara lá?
- Eu disso que seu dom era maior. Você sempre teve a resposta dentro de si, menina. Você diferente de mim, se deu uma chance de ser feliz. Você conseguiu amar outro alguém, alguém que vai ser sempre presente na sua vida, coisa que eu não consegui fazer. Você conseguiu libertar todas nós. - ela disse, calmamente, enquanto cada uma daquelas palavras ecoava na cabeça de , e ali ela entendeu tudo que faltava para que aquele assunto finalmente fosse encerrado.
- O problema sempre foi esse. Você... As outras... Eram amores proibidos mas não por brigas de família ou algo parecido, e sim pelo tempo e pela circunstância do toque. Eram pessoas que não estavam aqui, e vocês ficaram presas a elas. Mas, por que eu tive uma chance e você não? - não entendia. Se era só isso, como pôde durar tanto tempo?
- Todas tivemos essa chance, mas não soubemos aproveitar. Quando eu percebi que era isso, já era tarde demais. Eu lhe disse que não parte de uma escolha nossa e que o amor é o sentimento mais forte e poderoso que há. É preciso ser sentido, ser puro e genuíno, e você teve a sorte de conseguir isso. Há diferentes tipos de amor, minha jovem, mas esse é raro, e você conseguiu senti-lo duas vezes. Pena que nem todas tiveram essa oportunidade. Você queria acabar com isso, e você conseguiu. Sem perceber, a cada dia você alimentava um romance que parecia impossível, e fazia com que um novo amor crescesse dentro de si. Esse era o seu dom, o dom de tornar o impossível, possível.

***


Os sete dias passaram rápido, e se viu diante de , com uma aliança no dedo e indo embora da cidade que tanto precisou dela um dia, e que agora nada mais à conectava ali. tagarelava sentado ao seu lado no trem, vendo a cidade ser deixada para trás enquanto a menina apenas sorria, observando-o. Após alguns segundos, intrigado por ela não falar absolutamente nada, perguntou:
- Você ouviu alguma coisa do que eu disse?
olhava para ele e aquilo lhe enchia de alegria. Preenchia todo o seu peito, e ela sabia que agora, mais do que nunca era ele. Sempre foi. Ela se sentia a garota mais sortuda de todo o mundo e grata a tudo que tinha acontecido, enquanto um de olhos verdes esperava atento pela sua resposta.
- Nada do que você disse importa, . - Disse, segurando em sua mão e sorrindo.
- Eu não entendo vo... Por que você está me olhando assim, ? - perguntou desconfiado, segurando firme em sua mão.
- Porque eu simplesmente percebi que eu amo você.



Fim.



Nota da autora: (09/04/2017) Finalmente, após mais tempo do que o esperado, chegamos ao fim. Desde o início eu não queria que a PP terminasse com o Pezzini. Apesar disso, eu queria um final feliz pra todo mundo, e acho que consegui, certo? Bom, essa foi minha primeira fic postada aqui no FFOBS e após alguns meses, finalizada. Quero agradecer a minha beta pela paciência e pela amizade que fora desenvolvida. E aos que leram, obrigada.
Repito como sempre que, se quiserem falar comigo, é só me procurarem no twitter, estou sempre por lá!
Beijos, até a próxima!

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