Capítulo 43
Chegamos em casa numa comitiva de quatro carros e deixamos o de Nick de fora, já que ele optou por deixá-lo estacionado na empresa. Ele se conhecia o bastante para saber que algumas cervejas combinadas com um dia inteiro no trabalho lhe daria muito sono. Achei o instinto de autopreservação dele apurado até demais para um cara solteiro, sem filhos, no auge dos vinte e sete anos. David era o mais novo integrante da trupe – veio transferido da empresa dos Thorpe. Apesar de torcer o nariz diante da junção de negócios, tinha se mostrado um ótimo profissional e um cara bacana.
Abri o portão e deixei meu carro na garagem enquanto os caras esperavam próximos da porta. Era engraçado vê-los quase em fila me esperando abrir a porta e entrar primeiro, como crianças seguindo a professora na escola. Pelo menos demonstraram obediência.
Coitados. Eu tinha estabelecido tantas regras que eles pareciam estar se alistando no exército.
Estranhei o silêncio absoluto de casa – sem choro, barulhos aleatórios de bebê ou o som da voz de , com apenas as luzes da cozinha e sala acesas. Entramos e os caras já foram colocando as pizzas sobre a mesa e as cervejas na geladeira. Afrouxei a gravata e fui até a sala, encontrando a TV ligada e uma pessoa deitada e encolhida no sofá.
Os caras que pretendiam me seguir pararam onde estavam, no parapeito da cozinha, ficando em silêncio imediatamente. Fui até , sabendo que ela não gostaria nem um pouco de saber que foi vista de moletom e cabelos desgrenhados na frente dos meus colegas de trabalho.
Eu sabia que levaria uma bronca depois, e levaria calado porque ela teria razão. Fiquei de ligar para avisá-la, mas, na correria dos compromissos, me esqueci.
— ? — toquei-lhe suavemente as costas, esperando que aquilo a fizesse despertar. Porém, me senti um idiota ao fazê-lo.
Eu mais do que ninguém deveria saber o quão pesado era o sono de , tornando o ato de acordá-la sendo quase uma missão impossível.
— Amor?
Se não estivesse quente e respirando, eu com certeza cogitaria uma morte durante o sono. Já a tinha cutucado várias vezes e nada.
— Leve-a pro quarto, — Jack sugeriu, fazendo Alex concordar, não por se preocupar com a qualidade do sono da minha mulher, mas sim pela ansiedade de ver o horário de início do jogo se aproximar cada vez mais.
Passei o braço por trás das coxas e agarrei o torso de , pegando-a de modo desajeitado. Arrumei seu corpo em meus braços e a senti automaticamente se aconchegar em meu peito, como se fosse um travesseiro. Não pude deixar de rir daquele gesto completamente involuntário, porém, fruto de uma rotina que nenhum de nós dois parecia querer abrir mão de forma alguma.
Os caras também soltaram risinhos. O modo como reconheceu meu cheiro e simplesmente se deixou ser carregada para onde quer que eu a levasse foi visível até mesmo para eles.
— Ela é pesada — sussurrei ao passar pelos caras, que julgavam minha careta de esforço físico enquanto eu a carregava. Eu estava certo; só aquela bunda já devia pesar muita coisa.
Quando cheguei nas escadas, tomei o máximo de cuidado para não deixar órfã pela segunda vez na vida em menos de um ano. Entrei no quarto escuro e tive dificuldade para encontrar o interruptor; acendi as luzes e deixei sobre nossa cama, puxando os acolchoados para cobri-la. Ela continuou completamente desmaiada sobre o colchão, apenas se moveu para arranjar uma posição nova, esparramando-se de barriga para baixo. Ri da preguiça dela, apoiando-me sobre a superfície macia e deixando beijos em sua nuca exposta pelo cabelo preso.
Apaguei a luz e fui para o quarto de , que ressonava esparramada no berço tal qual a mãe, fazendo-me derreter de amores ao reparar sua barriguinha subindo e descendo conforme ela respirava baixinho. Tive vontade de me inclinar e beijar sua testa, mas resisti bravamente por temer acordá-la.
Sobre a cômoda, onde guardávamos as coisinhas dela, avistei alguns papéis dobrados. Recolhi-os e deixei o quarto, chegando ao corredor iluminado. Fechei a porta com o máximo de cuidado que pude ao notar que eram comprovantes de vacina e que tinha tomado não apenas uma, mas sim duas agulhadas nas coxas pequeninas. Sabia bem como ela ficava chatinha quando tomava vacina. Meu coração se apertou dentro do peito, apesar de eu ter plena ciência de que era necessário e para o bem dela.
No entanto, ainda ficava bravo com os cientistas que em pleno 2021 ainda não haviam pensado em um método menos cruel de vacinar bebezinhos sem furá-los com agulhas gigantes.
Desci de volta à sala e encontrei os caras juntos numa roda, com Chace no meio folheando um caderno branco de páginas finas. Na mesa de centro estava a babá eletrônica com a imagem da bebê dorminhoca ao lado de algumas canetas e lapiseiras. Me aproximei ao ver que se tratava do caderno de e o reconheci das caixas de mudança quando a vi organizando as próprias coisas no quarto que seria só dela. Não tinha perguntado o que era; não era como se e eu fôssemos conversar civilizadamente nos nossos primeiros dias de casados. Inclinei a cabeça e espiei um pouco do que tinha ali.
Eram croquis de roupas, em sua maioria lingeries – muito bonitas, por sinal. Não conhecia muito aquele lado de . Lembrava-me de ouvir Grace falar e falar sobre querer que a amiga algum dia desenhasse seu vestido de casamento quando acontecesse de minha irmã arranjar um doido para se casar com ela. desconversava, dizendo que ainda não tinha aprendido a desenhar vestidos muito complexos na faculdade.
Recordava-me também do dia em que levei minha esposa para escolher o próprio vestido de noiva e em como seus olhos azuis brilharam ao contemplar a fachada da loja da Vera Wang.
Limpei a garganta, chamando a atenção deles.
— Chace que pegou — Nick acusou, como se estivessem sido pegos por fazerem merda.
— Caramba, , não sabia que sua mulher desenhava tão bem — Jack exclamou, pegando o caderno das mãos do loiro, que protestou de imediato. — Olha isso aqui! Su com certeza usaria um desses — folheou, mostrando um vestido preto com alguns pontos de transparência. — estuda moda? Ela não comentou que estava na faculdade.
— É porque não está — peguei o caderno e o fechei, me direcionando então ao restante das coisas, tentando mudar de assunto.
— O que foi, ? Por que ficou desse jeito?
Terminei de guardar as canetas no estojo e respirei fundo ao encará-los:
— não gosta de falar sobre isso.
Eu sabia como ela ficava pra baixo quando o assunto era seus estudos parados. Era nítido o quanto minha esposa gostaria de voltar a estudar, mas eu sabia que ela não o faria agora por conta de .
Trabalhar com moda parecia um sonho gigante que tinha medo de não conseguir realizar, então o abafava dentro de si e torcia para que ninguém a lembrasse dele.
E também tinha toda a questão financeira. jamais aceitaria minha ajuda para voltar para a faculdade. Sentia-me impotente, mesmo tendo a certeza de que poderia ajudá-la sem fazer esforço algum. Às vezes a teimosia de minha esposa me dava nos nervos, apesar de não ser mais do mesmo jeito que eu me sentia em relação a ela no passado. Daquela vez, era vontade de ampará-la – mas sem que ela concordasse, eu não poderia fazer nada.
— Por favor, não comentem com ela que viram isso. Ela não mostrou nem mesmo pra mim.
Me arrependi de expor o fato de que não se abria totalmente para mim em algumas coisas. Mesmo após quatro meses naquela farsa, nosso casamento ainda permanecia acima de qualquer suspeita para todos à nossa volta. Eu esperava que a surpresa estampada nos rostos à minha frente fosse o bastante para fazê-los não incomodar sobre aquele assunto em específico, e que também não gerasse dúvidas sobre a veracidade do nosso relacionamento.
— Seguinte, tomou duas vacinas hoje, e se ela acordar, vai chorar por horas — avisei, e as caretas deles foram sincronizadas. Esperava que não acontecesse, mas caso despertasse, pelo menos iria conscientizá-los de se protegerem para não terem filhos tão cedo. — Por isso, vou reforçar. Sem muito barulho.
— Entendido, — Jack acenou com a cabeça. — Vamos ligar a TV, já vai começar.
Os outros o imitaram, jogando-se no sofá enquanto ele pegava o controle remoto.
Ainda com as coisas de e os comprovantes de , fui para a cozinha pegar uma cerveja. Notei Chace atrás de mim e não me importei, abrindo a geladeira e atraindo seu olhar para as poucas fotos pregadas ali por ímãs. Em uma delas, Grace exibia a barriga de oito meses de gravidez, enquanto a outra era de em seu primeiro dia em casa.
Era triste ver que não tínhamos registros dela na maternidade. Eu sabia que minha irmã teria guardado sua pulseirinha de identificação de recordação, mas em sua chegada ao mundo, não teve sequer um nome. Eu não gostava de pensar nela sozinha naquela espécie de orfanato que a levaram quando teve alta do hospital. Não deveria ter sido daquele jeito, e hoje e eu nos esforçávamos ao máximo para fazê-la se sentir em casa, mesmo que corrêssemos o risco de perdê-la por decisão da justiça.
A ideia de que aquilo poderia ser em vão me assombrava dia e noite.
— Cara, isso é tão legal, não sabia que era tão talentosa — Chace comentou enquanto eu tirava a tampinha da minha cerveja, olhando-o de canto de olho.
O loiro estava encostado sobre a pia, sorrindo abertamente, visivelmente impressionado. Eu podia notar seus olhos claros brilhando, e meu estômago se revirava ao notar sinais do quanto meu amigo era a fim de minha esposa. Sabia que ele tentava evitar, mas aquele tipo de coisa não dava para esconder. O modo como ficamos quando estamos apaixonados é nítido. Pelo menos ele tentava disfarçar, e vê-lo se forçar era até reconfortante.
Porém, assim como Chace, eu não conseguia evitar sentir o que sentia. E eu não gostava mais de falar sobre com ele, justamente por saber o que devia se passar em sua cabeça: o desejo que devia sentir por ela. Eu, mais do que ninguém, entendia que minha esposa era irresistível, mas no meu caso, não tive escolha. estava junto de mim o tempo todo, seja em casa ou impregnada em minha cabeça, aonde quer que eu fosse.
— Você tem muita sorte. é maravilhosa, é engraçada, gente boa e uma boa mãe — Chace continuou. Respirei fundo, pensando em algo para acabar com aquele assunto. — Fico muito feliz por isso, você merece.
Encarei sua mão repousada em meu ombro. Pensei em como as coisas poderiam ser diferentes se Grace ainda estivesse viva, se eu e não tivéssemos nos envolvido naquela nossa amizade esquisita. Se Chace a tivesse conhecido solteira, com certeza se interessaria por ela. Se já o faz tendo-a casada diante de si, solteira, então, eu não queria nem imaginar o quão de quatro ele seria por ela. E como meu melhor amigo fazia exatamente o tipo dela, e ele seriam um casal.
Virei o restante da garrafinha e senti a cerveja gelada descer pela garganta, deixando um gosto amargo em minha boca.
Chace com certeza a trataria bem. Ele era muito melhor que eu em relacionamentos. Só tinha medo de compromissos a longo prazo, mas nada que e seu jeito responsável não o fizessem mudar de ideia. Fui “vítima” dessa característica dela. No inicio daquela farsa, realmente cheguei a pensar que seriam meses a fio de tortura, preso naquele casamento. Porém, o que me ofereceu foi uma vida confortável e estável, apesar dos problemas externos.
Como o próprio Chace tinha acabado de listar, minha esposa era divertida, inteligente, e se tirássemos o sexo incrível, ainda sobraria uma vida boa ao lado dela.
— , vem cá rapidinho — David surgiu no batente da porta.
Salvo pelo gongo. Eu não sabia o que diria a Chace depois de todos aqueles pensamentos que me deixaram confuso e irritado. Não queria ser grosso com ele. Naquele ponto, eu até conseguiria me colocar no lugar de em relação a Anne, apesar de nitidamente não ser a mesma situação.
Quando cheguei na sala, me deparei com um programa infantil, com adultos vestidos de personagens e um fundo extremamente chamativo piscando atrás deles. A musiquinha enjoativa me fazia pensar seriamente se aquilo não era um instrumento de tortura para priosioneiros que cometeram crimes hediondos. Se não fosse, poderiam adotar aquele método.
Jack apertou o número do canal de esportes e a TV permaneceu tocando aquele som insuportável combinado às imagens psicodélicas.
— Que estranho, o ESPN estava incluso no nosso pacote — franzi o cenho. Em seguida, peguei o controle e naveguei na programação para verificar se tinha algo de errado com a configuração. — não deixa ver TV, nós não contratamos esses canais infantis.
— Que você saiba, né?
Encarei Nick, contrariado. Eu não poderia reclamar com sobre deixar a bebê ver ou não televisão. Primeiro porque eu mesmo já deixava quando assistia aos jogos com ela no colo, e também porque eu tinha quebrado a regra da chupeta. Não teria moral alguma para isso.
Sobre o canal substituído… eu não iria reclamar também. Era só ligar na operadora e pedir que incluíssem o canal ao pacote novamente.
— E agora, o que faremos? — David indagou, fazendo todos se entreolharem, pensativos.
— Podemos tentar ver no celular — Jack sacou o aparelho do bolso, procurando uma forma de assistirmos. O restante se acomodou desanimado sobre o sofá.
— Foi mal, gente — murmurei sem graça, largando o controle na mesa de centro após desligar a TV.
— Tudo bem, cara. não deve ter feito por mal — surpreendendo o total de zero pessoas, Chace foi o primeiro a defendê-la.
— Claro que não. Nem tinha como ela saber que viríamos pra cá assistir o jogo — Jack continuou. — Quem se lascou foi o , que vai ficar sem ver futebol e Fórmula 1 até a operadora arrumar isso.
— Faz tempo que não assisto — dei de ombros, a fim de acabar com a zoada que começou contra mim na sala. Fiz sinal para que calassem a boca. — Tenho mais o que fazer, se é que me entendem — pisquei, deixando a sala para ir atrás de um pedaço de pizza.
Fui seguido pelos demais. Já que não veríamos o jogo, que pelo menos enchêssemos a barriga. Jack ainda se empenhava em tentar fazer o nosso programa combinado dar certo. enquanto ele fuçava o próprio celular, eu e os demais nos servimos.
Depois do meu primeiro pedaço, já com o jogo rolando no celular apoiado na mesa, ouvimos um barulho no andar de cima. Me senti um idota por ter deixado a babá eletrônica na sala e ter me esquecido da vida. Era se esgoelando em seu berço. Fui pegá-la, torcendo para não acordasse junto, o que felizmente deu certo. Atravessei o corredor bem rápido para seu choro não incomodá-la.
— Olha quem está de mau humor.
ainda chorava, mas baixinho por conta da chupeta que eu tinha colocado em sua boca para distraí-la. Provavelmente estava com fome.
— Oi, — Jack tentou entretê-la, mas sem sucesso. A neném se esquivou quando ele tentou pegá-la para si. Ri baixinho, segurando-a quando ela praticamente esperneou e agarrou minha camisa com as mãozinhas pequenas. — Não quer papo mesmo, hein.
— Isso aqui é uma oncinha — “Igual a mãe”, pensei. — Vou fazer a mamadeira dela.
Não adiantou o rodízio de braços oferecidos para ampará-la. continuou com a manha, dessa vez sem choro, deitada em meu ombro. Preparei tudo com uma mão só e recebi ajuda dos quatro patetas, que eram desastrados até mesmo para preparar uma simples mamadeira. Então, subi de novo para buscar suas coisas, já que suspeitava que ela estava de fralda cheia.
Quando desci, deitei a neném no sofá após cobri-lo e constatei que eu estava certo. O cheiro do número dois subiu e eu aconselhei os caras a permanecerem na cozinha se quisessem continuar sem sentir o odor quase que radioativo que só um bebê poderia produzir. Também, é claro, porque eram todos homens, e eu quis manter a privacidade da minha filha.
— Posso dar mamadeira a ela? — Jack pediu, e eu o encarei com a sobrancelha arqueada, me perguntando se ele e Su não estavam querendo agendar uma visita da cegonha. Entreguei-lhe , ensinando como fazia e ficando de olho em seus movimentos. — Fique tranquilo, , eu já dei de mamar a minha sobrinha. Não vou engasgá-la.
— Sua sobrinha tem um ano de idade — respondi, mantendo a atenção nele.
Achei engraçado o modo como os olhinhos da neném encararam com desconfiança o homem de barba. Eu não sabia dizer se bebês tinham uma boa memória, afinal, Jack já brincou com ela em Tulum, mas definitivamente não estava acostumada a ter outra pessoa lhe dando mamadeira que não fosse , eu ou Elisabeta.
Depois que ela arrotou, foi passada para o colo de Chace. Porém, a neném não pareceu ir com a cara dele naquela noite e reclamou, fazendo-o repassá-la derrotadamente para Nick. Depois do segundo tempo, no fim do jogo, até mesmo David a pegou para brincar.
— Acho que vou chamar vocês mais vezes — brinquei de braços cruzados, encostado na pia.
babava a própria mão e encostava os dedinhos molhados na cara de Nick, que fazia uma expressão de agonia, mas não deixava de brincar com ela.
No fim das contas, o Liverpool ganhou de dois a um do PSG com direito a um Neymar irritadinho e birrento se jogando no chão para tentar ganhar alguma vantagem. O fato da TV não ter dado certo não mudou em nada nossa diversão, apesar de eu saber bem que aqueles folgados só foram até lá por conta dela.
Era uma raridade tê-los em casa. Sempre fomos somente , e eu. Mesmo que isso pudesse soar um tédio só para o do passado, o atual até que gostava de como as coisas se moldaram e passaram a ser. Somente nós três, no nosso espaço, vivendo nossas vidas.
O celular de Nick vibrou sobre a mesa, atraindo a curiosidade de Jack para o visor. Nunca vi alguém pular tão rápido em cima de um aparelho, e olha que o casado da história era eu.
— Essa por acaso não é a Jordyn que nós conhecemos, é? — arqueei as sobrancelhas em direção a Nick.
— E o que tem? Tenho certeza de que não liga — deu de ombros. David me encarou pasmo, fazendo-me negar veementemente com a cabeça.
— Foi bem antes do meu casamento, somente uma transa, nada de mais — me expliquei, nervoso, como se estivesse prestando esclarecimentos numa delegacia.
— Até porque sabemos que dá de dez a zero na Jordyn. não seria louco de trair a esposa com ela.
Encarei Chace, casualmente encostado no balcão da minha cozinha.
Um silêncio constrangedor se instalou no cômodo. Era capaz de ouvirmos até os grilos do lado de fora da casa. Alternei meu olhar em todos os presentes ali, e os únicos ilesos foram e David, que ainda não conhecia . Tirando os dois, todos eram suspeitos de achar minha esposa atraente.
E talvez corressem um sério risco de serem demitidos.
— Caras, sem rivalidade feminina.
Rimos muito. Pareceu uma fala que seria facilmente tirada do Twitter.
— Não tenho nada com Jordyn, é claro que prefiro minha mulher. Fique à vontade, Nick.
— Achei que você estava saindo com Caroline — Jack indagou. Parecia até que Nick tinha traído ele, e não a ficante-amiga da namorada dele.
— Também não tenho nada com Caroline — replicou minha fala. — Mas vamos falar sério. Aqui, entre nós, quem vocês pegariam lá da empresa?
Levei a mão ao rosto, quase abafando um risinho. Aquele era um clássico do Happy Hour: beber cerveja e fazer o que adolescentes geralmente fazem em festinhas. Era ridículo. Primeiro porque Jack e eu éramos comprometidos; segundo porque se Chace citasse mais alguma vez naquela conversa, eu mesmo o colocaria pra fora pelo colarinho.
— Beatrice é gatinha, eu pegava — Jack soltou e eu o olhei perplexo. Primeiro pela traição, e também pela falta de cerimônia dele em participar daquele joguinho idiota. — Se fosse solteiro, é claro.
— Cara, pelo amor de Deus — não me segurei. — Ela até que é bonita, mas quando abre a boca… é insuportável! Mandona, folgada, quer tudo na hora dela…
— Segura essa raiva toda, vai que acontece o mesmo que aconteceu com ? — Chace soltou um risinho de onde estava.
Eu já me encontrava prontinho para jogá-lo lá fora; não somente por ter citado o nome de , mas também pela insinuação que fez. Só se eu estivesse louco! Ficar com a mulher que ajudou meu pai a me punir.
— Boa noite — surgiu na soleira da porta, encostada e de braços cruzados. O rosto inchado de quem acabou de acordar e um sorrisinho sem graça.
Mesmo toda amassada daquele jeito, eu ainda a preferia a qualquer outra.
— Oi, !
A loira permaneceu onde estava, acanhada como um animal indefeso. Apenas se moveu quando a chamei com a mão para mais perto.
— Oi, amor — a puxei pela mão, fazendo-a se sentar em meu colo.
o fez, levando um dos braços ao meu ombro quando retribuiu o selinho casto para logo após lhe beijar a bochecha quando tive seus lábios longe dos meus. Ela estava quente, provavelmente por ter acabado de sair debaixo dos cobertores. Afaguei suas costas devagar, sentindo seu corpo tenso. não me olhava no rosto direito. Aquele sorrisinho amarelo estava durando tempo demais para algo genuíno.
Eu tentava não avaliá-la na frente dos caras, não queria deixar transparecer que poderia ter algo errado. Afinal, éramos perfeitos naquela farsa. Mas eu conhecia com a palma da minha mão, e sentia que algo ali estava fora do lugar.
Houve um silêncio que soava esquisito no cômodo que há pouco estava preenchido por vozes e risadas. Os caras pareciam crianças que se calavam quando um adulto chegava por perto. Não pude deixar de comparar a cena da minha infância e achar no mínimo engraçado. , por sua vez, parecia desconfortável com tamanha atenção.
— O que estão fazendo? — ela olhou distraída para as caixas de pizza e para a pequena bagunça que fizemos.
— Viemos ver o Liverpool jogar contra o PSG, mas a televisão está desconfigurada. Ao invés do ESPN, está aparecendo um canal infantil.
nem ao menos se concentrou no que Nick lhe respondeu, apenas me olhou receosa de canto de olho. Apertei meu braço em volta de seu tronco, acariciando-lhe uma das coxas por baixo da mesa, tentando tranquilizá-la.
— Mas o jogo já acabou, está tarde. Tenho certeza que e devem estar cansados. Vamos embora, rapazes — Jack se levantou, instigando os outros que fizessem o mesmo.
ficou parada feito estátua enquanto os caras se aprontavam para ir. David foi até ela entregar e acabou se apresentando por cima; sequer puxou assunto com ele, como normalmente faz com todo mundo. Estava estranha demais.
Levei todos para fora, dando um tchau superficialmente enquanto entravam nos carros. Eu os veria no dia seguinte, mesmo. Não precisava de tanta cerimônia.
Quando retornei, peguei de pé na cozinha ninando , que tinha a cabeça encostada em seu ombro. Cheguei devagar, não queria assustá-la. Até porque minha esposa parecia concentrada nos próprios pensamentos e no próprio mundo.
Apesar de parecer fazer anos que estávamos juntos, eu ainda não sabia bem quando tinha ou não permissão para entrar nele. Ainda parecia ser exigido algum tipo de senha, resolver uma enorme e complicada charada, ou simplesmente merecer sua permissão. Mesmo que parecesse impossível, lá estava eu, batendo a porta uma, duas, quantas vezes fossem necessárias. Sabia que valia a pena. Quando me permitia entrar em seu mundo, eu via que todo o esforço anterior era nulo comparado à sorte de poder estar ali.
— Eu… vou juntar essa bagunça. Amanhã o lixeiro passa e…
— Você sabe quando o lixeiro passa? — murmurou, ainda imersa em pensamentos.
Abri a boca, mas não saiu som algum. Esperei até que ela olhasse para mim. Não entendi seu tom de voz. Ao mesmo tempo em que me pareceu uma pergunta genuína, também me pareceu uma grosseria gratuita. Parecia a antiga ali, sendo sarcástica e fazendo piadinhas sobre eu ser um riquinho metido a besta que não sabia o que era acordar cedo para trabalhar.
— Deixe que eu cuido disso — respondi. Ia protestar, falar que estava tarde, mas principalmente lhe dizer que eu cuidaria daquilo. Afinal de contas, eram meus amigos e eu os tinha levado para casa e organizado aquela bagunça. — Amanhã.
Finalmente tive seus olhos em mim.
Os vi caídos, cansados, mesmo após ela ter passado as últimas horas dormindo como se fosse um urso em hibernação. Parecia que não era apenas uma privação de sono, até porque mesmo com tão pequena, nós dois sempre dividimos muito bem as tarefas noturnas. Parecia ser mais do que só sono acumulado.
O modo como ajeitou a bebê no colo, disfarçando a careta de dor em seu ombro, os cabelos sendo puxados pelos dedinhos nada delicados de ... os tirou de sua mãozinha pacientemente, porém, até mesmo aquele gesto parecia deixá-la exausta.
— Vou levá-la pra cima. Apague a luz e tranque a porta quando subir — ela passou por mim, ainda deixando-me sem palavras.
Vi pela sua postura que eu não era bem-vindo. Os portões e muros com cacos de vidro afiados estavam ali, erguidos à sua volta. Decidi esperar até o dia seguinte, quando ela se acalmasse e eventualmente me contasse o que tanto a preocupava. Já tínhamos passado daquela fase de trancafiar coisas dentro de si. Não era benéfico para nenhum de nós dois, pelo contrário, machucava um ao outro.
— Ah, e me desculpe pela TV. Não vai acontecer novamente — ela parou na sala enquanto eu estava na cozinha. Suspirei quando a vi tomar ainda mais distância, em todos os sentidos possíveis.
— Não se preocupe com isso, acontece — dei de ombros. baixou os olhos, mas logo se recompôs e voltou a andar em direção às escadas. — Amanhã ligo na operadora.
— Não precisa, eu mesma faço isso.
deixou a chupeta cair. respirou fundo antes de se abaixar para pegá-la, tão rápido que nem tive tempo de chegar até ela e ajudá-la.
— A TV é sua, eu não deveria ter mexido nas configurações e mudado tudo. Ainda mais hoje que seus amigos vieram ver o jogo aqui.
Franzi o cenho.
— Não é minha, é nossa — reforcei, mas discordou em silêncio. — , essa casa é sua, você também mora aqui.
— A casa é minha, os móveis, não. Você comprou, você contratou a assinatura da TV e vai levar tudo quando for embora — deu de ombros, falando como se fosse óbvio. Não era.
Eu não pretendia levar nada além das minhas roupas. Seria ridículo da minha parte deixá-la com minha filha numa casa sem mobília. Pra falar a verdade, eu nem pensava naqueles detalhes! Mas, aparentemente, havia pensado. E muito. Porque não tinha explicação nenhuma ela ter entrado naquele assunto do nada, somente por conta de uma droga de canal que poderia ser recolocado em questão de horas.
— Não vou — fui categórico. — Tudo o que tem nessa casa é seu, . Inclusive eu — tentei descontrair, apontando para mim mesmo enquanto soltava um risinho. Mas nada. não riu junto.
A neném voltou a alcançar seus cabelos.
— , não! — ela foi incisiva, tirando mais uma vez os fios aprisionados entre os dedinhos da neném. — Não pode! Isso dói.
fez bico, prestes a chorar. Estava aprendendo a ouvir “não”. Pensei em como ela já devia estar se acostumando com aquilo, poruqe tudo o que parecia sair da boca de era acompanhado de um sonoro “não”. Eu já havia me habituado, mas não julgava . Às vezes dava mesmo vontade de chorar.
— Me dê ela aqui, vou colocá-la na cama — estiquei os braços e a tive segurando a bebê ainda mais contra si. — Vai dormir, você parece cansada.
— Não precisa. Esse é o meu trabalho, não é?
Comprimi os lábios, as assistindo sumir da minha vista pelos degraus da escada.
(...)
Tomei um banho e logo depois desci para a cozinha, onde juntei as embalagens de pizza e separei as garrafinhas de cerveja vazias. Assim que tudo ficou organizado e limpo, subi. Me deitei sozinho na cama, sentindo minhas costas doerem. Uma massagem seria muito bem-vinda naquele momento, mas eu não incomodaria lhe pedindo aquele favor. Não queria reclamar de cansaço para ela como se o fato de ter saído para trabalhar fosse mais pesado que ficar em casa com a neném.
Até porque o semblante que encontrei nela desde que cheguei em casa me fez ver o quão exausta ela estava.
Encarei a porta do banheiro de frestas iluminadas, e a madeira branca mais me pareceu uma grande muralha. A situação conseguiu piorar ainda mais, e cada vez mais me incomodava. Poderia parecer loucura, mas eu sabia reconhecer que não era uma boa ideia tentar confrontá-la naquele momento somente pelo modo como ela entrou e fechou a porta. Jurei ter ouvido o barulho da tranca se fechando, mas não tinha muita certeza.
Não fui checar; tentei dar espaço para ela se abrir. Eu esperava que se sentisse segura o suficiente para me reconhecer como seu confidente. Depois de tudo o que já ouvi dela, de conhecer seu lado mais divertido e também suas feridas mais profundas, meio que eu estava disposto a continuar a recebê-la em meus braços. Deixava meu ombro disponível para que minha esposa pudesse chorar quando sentisse necessidade.
Só que, ao mesmo tempo, esperar me fazia sentir um idiota!
Meu coração se apertou quando ela abriu a porta e finalmente deixou o banheiro. O quarto estava parcialmente iluminado pela luz do abajur ao lado dela na cama. Minha visão ficou prejudicada pela escuridão e também pela esquiva de , que se esgueirou pelas sombras até a cama e inclinou-se em direção ao interruptor.
Olhei de relance e vi seu nariz vermelho. Mais do que isso: a ouvi fungar e tentar disfarçar ao se remexer sobre a cama. Encarei suas costas em meio ao breu e suspirei, tocando sua cintura suavemente. Não era daquele jeito que dormíamos todas as noites, ao menos não mais.
Estava preparado para uma negativa vinda dela. Porém, se virou pra mim, me permitindo aconchegá-la em meus braços.
Era um começo.
Ela fungou novamente e eu senti seu nariz gélido encostar em minha pele. Estremeci ao constatar seu choro recente. Queria saber o que houve, e queria reparar qualquer que fosse o problema que havia a deixado abatida daquele jeito em meus braços.
— Não gosto quando você chora — afaguei seus cabelos devagar. prendeu a respiração por um instante.
— Eu não estava chorando — sua voz a denunciou, falha e trêmula.
— Não gosto quando você mente.
Foi uma questão de segundos até que eu a tivesse trêmula sobre mim. Apertei-a em meus braços, não querendo soltá-la até que estivesse melhor. Mesmo que aquele choro desenfreado durasse horas.
Não falei nada enquanto a ouvia soluçar. Senti seu peito subir e descer com rapidez, levando-me a lhe afagar as costas enquanto eu encarava o teto, sentindo-me impotente. Eu torcia para acabar logo, e parecia uma eternidade à medida em que minha blusa ficava mais molhada por suas lágrimas.
Até que tudo finalmente cessou. Seu corpo se relaxou aos poucos e a respiração frenética se acalmou. Esperei mais algum tempo antes de finalmente tomar a iniciativa.
Me sentia muito reativo quando se tratava de . Eu queria sempre ir à frente, pegá-la para mim, beijá-la primeiro, falar o que sentia, tirá-la de situações ruins ou resolver seus problemas. Mas devido à nossa situação complicada, eu tentava sempre me frear. Ir com calma era minha maior luta na nossa vida a dois. Na maioria das vezes eu não queria deixar de ter pressa, mas o fazia para não assustá-la.
— Quer conversar? — espiei seu rosto vermelho. assentiu, saindo de cima do meu peito.
Estiquei-me para acender o abajur ao lado da cama, vendo-a melhor agora com uma luz iluminando seu rosto e corpo, de joelhos sobre o colchão. passou as mãos no rosto, tentando secar qualquer resquício de lágrimas, mas ambos sabíamos que era em vão – ela não parecia ter chorado e colocado tudo o que a tinha magoado para fora.
— Primeiro eu quero pedir que, por favor, não duvide do que e eu sinto por . Por favor, você sabe o quanto eu a amo e das coisas que eu seria capaz de fazer por ela — sua voz voltou a embargar, porém se esforçou para não chorar mais.
Sentei-me na cama, me aproximando de seu corpo trêmulo. Assenti veementemente, jamais duvidei. Mas se era tão importante para ela, concordei imediatamente.
— Essa semana, nos últimos dias… Enfim, desde quando fui demitida, sinto que não existo mais — encolheu os ombros. — Só pareço voltar a ser alguém quando você volta pra casa ou quando preciso levar ao pediatra. E ainda assim, quando converso com outras pessoas, o assunto ainda se resume a ela. E por mais que eu ame ser a mãe dela, eu ainda sou eu. Mas cada dia que passo trancafiada nessa casa apenas em função dela, sinto que desapareço um pouco.
Tinha notado seu desânimo pelo que ela dizia em forma de piadas para amenizar o que vinha sentindo. Mas como eu a via rir de si mesma como sempre fazia, acho que não levei muito a sério a ponto de investigar a fundo com ela.
— Quando você ficou em casa com a gente, foi incrível. Eu desejei que pudesse ficar sempre, porque você é a única pessoa que parece me enxergar ultimamente. O único que me olha nos olhos e me deixa ser a , e não a mãe de . Mas quando você vai embora e ela dorme, me vejo sozinha e me sinto tão solitária — soluçou, fazendo-me correr para envolvê-la em meus braços. — Sei que foi uma decisão que tomei, mas não quero mais isso. Não aguento ver a vida passar enquanto estou aqui, parada, olhando tudo da janela de casa.
— Me desculpe por te sobrecarregar, por não perceber o quanto isso estava te magoando. Não quero te ver infeliz, . Me dói te ver chorando — me afastei minimamente para olhar em seu rosto, e, após ajudar a secar suas lágrimas, a puxei pela nuca, beijando sua boca superficialmente.
— Não foi sua culpa, já disse, foi uma decisão minha. Você apenas me apoiou como qualquer marido faria — ela segurou meu queixo, dessa vez aprofundando o beijo e deslizando a língua contra a minha num beijo lento e sem mãos atrevidas, apenas meus dedos emaranhados em seus cabelos loiros. — Me desculpe pela grosseria lá embaixo. É que eu tenho pensando muito no futuro, em como vou fazer com se eu continuar desempregada até o divórcio.
— Esqueça que esse divórcio existe, está longe ainda. E não se preocupe, não vou te deixar desamparada, jamais faria isso.
assentiu, fungando, e eu afastei seus cabelos de seus olhos.
— Se quer voltar a trabalhar, tudo bem, vamos falar com Elisabeta. Ela sempre manda mensagem falando que está com saudades de nós três. Quem sabe não topa voltar?
— Espero que ela volte. adora ela —
murmurou, ressabiada.
Sorri sutilmente ao reparar no quão adorável ela ficava quando estava de nariz vermelho, e me perguntei se era certo continuar a achá-la linda até mesmo chorosa.
— Vai dar tudo certo — selei nossos lábios. — Agora vamos dormir, sim?
concordou, se ajeitando em seu lado favorito da cama. Depois de algum tempo, me vi abrindo mão daquela disputa boba. Não importava o lado em que eu dormia; o calor de seu corpo era o que deixava qualquer parte da cama aconchegante.
Respirei fundo e, após se ajeitar em cima de mim, fechei os olhos, mas demorei a cair no sono. Por mais cansado que eu estivesse, ainda não conseguia desligar meu cérebro; meus pensamentos processavam tudo o que tinha me dito há pouco. Me senti mal por, de alguma forma, fazer parecer que eu a queria em casa me esperando com tudo limpo e o jantar na mesa. Esperava que ela não achasse que era algo proposital.
Depois de viver anos tentando em vão agradar meu pai, preocupado com o que ele iria pensar ou não sobre mim, eu achava que não me sentiria naquela obrigação com mais ninguém depois de ter me libertado daquela vida. Mas me peguei preocupado com o que acharia de mim mais de uma vez enquanto estávamos juntos. Porém, era diferente do que eu sentia com meu pai; ao contrário dele, eu queria realmente fazer aquilo.
Queria ser melhor por ela e por .
— Você vai ser um ótimo marido, . — sorriu fraco, como se tivesse acabado de ouvir meus pensamentos. — Independente de quem for a escolhida para merecer estar ao seu lado, vai ter muita sorte.
Franzi o cenho e afastei seus cabelos claros do rosto, expondo sua testa para que eu a beijasse. Me remexi debaixo de seu corpo quente, respirei fundo e só assim olhei de volta para seu rosto. tinha o olhar perdido em algum canto do breu do quarto atrás de mim. Suspirei, atraindo seu olhar.
— Lembra do que eu disse ontem? — perguntei e minha esposa negou, confusa. Ri pelo nariz. — Eu quero viver o agora. Quero cuidar de você, do jeito que disse à sua mãe que cuidaria.
— Você não precisa…
— Eu quero — a interrompi. — Você merece.
alternou os olhos nos meus, séria. Me perguntei o que se passava em sua cabeça naquele momento. Se ela duvidava do que eu disse, não queria deixar nenhuma sombra de dúvidas. Eu tinha certeza do que dizia a ela.
— Quando conversou com minha mãe sobre mim? — esticou o pescoço, franzindo o cenho.
— Na noite que você saiu, no aniversário da Anne — respondi.
Lembrei-me com desgosto de sua volta pra casa. Imaginei o que sentiria se a recebesse bêbada falando que tinha transado com outro. Não gostava de pensar. Apesar de na época não ter ligado muito, hoje eu sabia que iria odiar o tal Alex só de saber de sua existência.
— Nem sabia o que estava prometendo a ela quando conversamos sobre você — ri fraco, mexendo em seu cabelo.
Aquela noite pareceu tão distante ao meu ver, visto que já tínhamos percorrido um longo caminho até ali, onde estávamos seguros na confiança que construímos entre nós dois, e eu finalmente conhecia suas mágoas mais profundas. Sentia que era a única pessoa que a conhecia cem por cento e, de algum modo, me sentia o homem mais sortudo do mundo.
— Obrigada — ela beijou minha boca levemente quando esbarrou os lábios nos meus e abaixou a cabeça.
Tive uma espécie de déjà vu. Respirei fundo, lembrando-me do dia em que a busquei no hospital, da atmosfera de medo em que a encontrei, do modo como me senti ao imaginar o que poderia ter acontecido caso tivesse se machucado seriamente naquele acidente. De como quis cuidar dela, como pela primeira vez na vida senti a necessidade de protegê-la. Lembrei-me vividamente de como a despi em nosso quarto e a ajudei a tomar um banho. De como tratei suas feridas e, principalmente, do modo como ela dormiu seminua colada em meu peito.
Meu nervosismo com aquele simples contato foi ridículo. Eu mal podia imaginar que ainda a teria nua sobre mim mais vezes do que poderia contar. E também teve aquele beijo…
— Você se lembra daquela noite… — também se lembrava.
— Sim — tentei conter um sorriso quando a tive se esticando para me espiar. — Por quê? Você queria aquele beijo?
A curiosidade me tomou. Foi a primeira vez que a beijei sem nenhum tesão envolvido; por alguma espécie de impulso, uma carícia inocente. Queria saber se ela pensou no que houve quando desgrudou os lábios dos meus. Porque eu pensei. Me recordava de ter me arrependido de não ter continuado.
Se foi tão bom, por que precisava ter sido tão rápido?
Quanto tempo tínhamos perdido pensando no que o outro iria pensar caso um de nós cedesse. Saber que ainda tínhamos aquele receio me deixava frustrado.
— Não — murmurou, pensativa. — Acho que foi apenas um reflexo.
Tentei não murchar diante de seus olhos.
— Reflexo das nossas vontades, isso sim — comentei, e ela riu junto de mim. Então selou nossos lábios, concordando, por fim.
— Estava na cara que isso não daria certo, desde a festa de casamento.
Pela primeira vez na vida, eu teria que concordar com Anne. Desde que nos agarramos por horas naquela pista de dança, mesmo com meus planos de transar com ela em nossa lua de mel, eu ainda tentei por muito tempo negar que eu a queria.
Mentimos compulsivamente para nós mesmos, era inevitável. Independente de ter passado a noite com outra, de quem tomou a iniciativa primeiro, quais mãos baixaram o zíper… Nada daquilo fazia muita diferença. Afinal, ali estávamos nós, juntos.
— Acha que demos errado? — ela arqueou uma sobrancelha.
— Muito — beijei sua boca. — Muito errado — invadi seu short com a mão, apertando a bunda que eu tanto amava. — Boa noite, — murmurei quando ela voltou a se aconchegar em meu peito.
— Boa noite, .
’s point of view.
Assim que o ouvi respirar mais pesadamente, me desvencilhei de seu abraço. Eu faria aquilo uma hora ou outra durante a madrugada enquanto estivéssemos dormindo. sempre acabava achando uma posição confortável apesar das minhas peripécias na cama. Era assim todas as noites. Era bonitinho ver como ele estava acostumado com minhas peculiaridades.
Apoiei-me em meu ombro dolorido e fiquei quietinha, olhando para seu perfil bem desenhado, observando-o ressonar. Me senti culpada por ter surtado um pouquinho. Não queria ter encarado as coisas daquele jeito, fazê-lo se sentir culpado por eu estar sobrecarregada. sempre me ofereceu todo o suporte do mundo, tanto que às vezes eu nem sabia como corresponder seu carinho e cuidado comigo.
Me aproximei devagarinho, lhe beijando a têmpora após afastar seus cabelos castanhos. Soltei um risinho ao notar que estava ficando calvo, mas nada que o dinheiro que ele tinha não pudesse consertar quando ele bem entendesse. Senti o cheiro de seu shampoo e me aconcheguei em seu travesseiro, em busca de prolongar o aconchego que enterrar meu nariz ali me causou.
Ele não se moveu, apenas passou a respirar pesadamente. Parecia dormir um sono cansado. Passei a emaranhar meus dedos em seus fios sedosos, tentando retribuir o conforto que me proporcionava acordado. Mesmo que ele não pudesse me ver ali, ou ao menos se lembrar de como o toquei e o beijei durante aquela noite, ali estava eu, partilhando minha insônia com ele.
Mesmo se parecendo muito com a solidão, o fato de eu estar ali, sozinha no quarto e a única acordada na casa, ainda não me sentia daquela forma. Naquela noite descobri que me fazia companhia mesmo desacordado, e que ainda era gostoso estar com ele mesmo sem beijos ou suas mãos em meu corpo.
Peguei no sono um tempo depois, sentindo minhas pálpebras pesando toneladas. Não lutei contra, apenas encostei minha cabeça na dele e me entreguei à escuridão dos meus olhos cerrados.
Não durou muito tempo. Logo chorava, provavelmente com uma fralda suja e, com toda a certeza, com fome. se remexeu um pouco, porém me prontifiquei a ir cuidar dela. Mesmo cansada de estar em casa e até do fardo pesado da maternidade, eu ainda amava ser a mãe dela.
Apaguei depois da segunda vez que a coloquei adormecida no berço. Despertei só algumas horas depois, não sabia quantas. Pude ver que já tinha amanhecido e que já era tarde o suficiente para ter saído da cama.
Na verdade, era para eu ter acordado primeiro; ia trabalhar e tinha que se aprontar para sair. Fora que eu tinha dormido demais no fim da tarde de ontem e nas pausas em que consegui fazer dormir. Acho que meu cansaço influenciou nas minhas últimas horas desacordada. Me senti descansada quando me espreguicei na beira da cama e segui para o banheiro.
Desci após escovar os dentes e lavar o rosto. Cheguei na cozinha meio esbaforida, esperando encontrar numa correria para preparar o próprio café e cuidar da bebê. Porém, o que vi na cozinha foi uma cena adorável: preparava panquecas no balcão e balançava a neném agarrada em seu ombro enquanto cantarolava alguma música infantil. A mesa estava posta, com uma xícara junto de um prato, e no centro dela tinha um copo comprido com água e uma rosa solitária dentro.
Ri pelo nariz, estranhando as sensações que aquele detalhe extremamente bobo me causaram.
— Bom dia — tentei comprimir o sorriso, mas não consegui. Ainda parada na soleira da porta, o assisti se virar em minha direção.
— Bom dia, . — também me olhou, não largando de jeito nenhum o tecido molhado da camiseta do pai, preso entre suas mãozinhas. — Venha, preparei o café da manhã.
— Você está atrasado pro trabalho. Me dê ela aqui e vá se arrumar — me aproximei dele, estendendo os braços.
— Não, nada disso. Senta e toma café, eu já deixei avisado que vou chegar mais tarde. Estou ocupado em casa.
Franzi o cenho com a cena de dono de casa que eu estava presenciando. Quem era aquele e o que fizeram com o meu marido?
Ri brevemente diante de sua pose autoritária, mas obedeci, indo me sentar. Ainda fascinada, o vi me servir duas panquecas e despejar café com leite em minha xícara – tudo isso com um braço só, já que ocupava o outro, tatuado. Não pude deixar de reparar naquele bíceps flexionado, com os músculos à mostra enquanto agia naturalmente, se servindo de um pouco de café puro antes de se sentar na cadeira ao lado e ajeitar a neném em seu colo.
A mamadeira dela já estava por ali também, tornando a cena ainda mais familiar – estávamos todos na mesa fazendo uma refeição. Era algo que nunca tive com minha família, algo que eu invejava sempre que acontecia na casa de Grace quando eu estava por lá. Quem diria que um dia eu me sentiria em família sentada à mesa com . Apesar da estranheza de vê-lo ali, ocupando aquele lugar que ainda era vazio em minha mente quando eu imaginava a cena quando era menor, ainda podia sentir o coração se aquecer dentro do peito.
— Prove, você gostou da última vez — disse ele, presunçoso.
Eu só não sabia se era porque estava se sentindo o vencedor do Masterchef ou se tinha alguma coisa a ver com a descoberta constrangedora de Tom sobre estarmos transando. Conhecendo bem , eu apostaria que eram as duas alternativas.
Comi um pouco, achando delicioso como da última vez, e balancei a cabeça positivamente enquanto mastigava. sorriu satisfeito enquanto segurava a mamadeira de .
— Continua muito bom. Acho que você tem jeito pra coisa, só precisa praticar mais — comentei e ele concordou, bebendo um pouco de café.
Olhei em volta e vi que as embalagens de pizza e as garrafinhas de cerveja já não estavam mais ali; a louça estava lavada e não havia nenhum resquício de que minha cozinha esteve cheia de homens na noite passada. Lembrei-me de algo que quis comentar com , mas por causa da confusão, não consegui achar uma brecha.
— Hum, aquele seu amigo de ontem… — comecei e franziu o cenho, desconfiado. — Ele é solteiro?
— …
Ri de seu tom. Era o mesmo que eu usava para repreendê-lo ou censurá-lo. Os papéis estavam realmente invertidos naquela manhã.
— Não é pra mim! — exclamei, ainda rindo. desaprovou meu divertimento, me dando ainda mais vontade de rir.
— Não sei, ele não usa aliança e nunca o ouvi falar de namoradas… ou namorados, não sei — ele deu de ombros e eu concordei silenciosamente. É, nunca se sabe. — Por que quer saber?
— É que ele é o tipo de uma certa amiga minha…
me olhou, curioso, mas houve uma rápida mudança de expressão quando ele parou para pensar em quem poderia ser.
— Não é a Anne — revirei os olhos. — É a Tiffany.
— Ah, sim! Se for ela, tudo bem. Eu até ajudo a juntar os dois.
Dei-lhe um tapa pela implicância, aproveitando o contato para tocar seu braço musculoso.
— Obrigada — me aproximei, selando nossos lábios. — Tente descobrir e me fale, então.
— Nós poderíamos sair os quatro juntos — ele sugeriu, e eu ponderei. É, até que não seria ruim. — Saímos para jantar, pra se distrair um pouco, e de quebra não teremos que fingir nada, porque para David nós somos um casal.
Fiquei receosa. Sentia que todas as vezes que saímos da nossa casa com o objetivo de nos divertirmos, voltávamos com algum problema. O que tínhamos parecia estar fadado ao anonimato. Sempre que tentávamos levar para o mundo fora de nosso quintal, parecia que tudo conspirava contra essa ideia de exposição. A nossa casa ainda era o lugar mais seguro do mundo para se estar ao lado de .
— O que me diz? — ele beijou minha bochecha duas vezes, tirando-me das minhas paranoias. — Se está preocupada com , podemos pedir para Vitória olhá-la, ou até mesmo a própria Elisabeta. Aí já verificamos se ela vai estar disponível para voltar a trabalhar conosco.
Assenti, deixando para lá e ocupando a boca com mais panqueca. Não acho que deveria compartilhar aquela bobagem minha com . Não queria que ele pensasse mais uma vez que eu tinha vergonha de estar com ele ou receio de que minhas amigas nos descobrissem. Digo, ainda não queria que elas soubessem, mas não tinha a ver com o que ele pensava. Não era vergonha, era receio do que Anne iria pensar, da forma como ela se magoaria.
e eu estávamos juntos por comodidade, pela família que construímos juntos, pela amizade e os laços que formamos após passar por tudo aquilo lado a lado. Mas eu sabia que quando ele se visse livre aquela aliança que lhe apertava o dedo, parasse de dormir e acordar ao meu lado todos os dias, se interessaria por outra – ou outras, no caso dele. E eu esperava também conseguir fazer o mesmo.
— Falando nisso, estive pensando sobre ontem e acho que você deveria considerar a ideia de não voltar a trabalhar agora, e sim voltar a estudar.
Mordisquei meu lábio, incerta. Eu também tinha pensado sobre aquilo, mas não com a mesma certeza que tinha quando pensava em voltar a trabalhar. Sabia que desempregada eu não conseguiria arcar com os gastos da faculdade. Foi pensando naquilo que ontem tirei da caixa meus materiais de desenho. Cada lágrima que derramei olhando tudo aquilo me fez perceber que talvez eu nunca pudesse voltar a estudar moda.
Com e prestes a ficar solteira, eu teria que me dedicar a trabalhar, apenas. Não haveria tempo nem dinheiro para estudos.
— Sei que isso significa mais gastos e que te incomoda quando eu te pago coisas, que meu pai te fez achar que te sustento de alguma forma… mas não é verdade, . Não quero que se sinta assim toda vez que receber ajuda e…
Ri sem humor, percebendo o quanto sabia sobre mim. Ele me conhecia tanto que até parecia ler meus pensamentos, o que foi assustador naquele instante, quando acabei de pensar aquilo e ele já se prontificou a resolver meus problemas. Comprimi os lábios, emocionada. era passageiro em minha vida como marido, mas nunca como amigo. Jamais me esqueceria de tudo o que ele fez por mim.
Depois do meu pai, Collin e todos os homens que já passaram em minha vida, eu jamais imaginei que outro entraria e faria tanto por mim. Tinha perdido as esperanças. Não esperava encontrar tamanho companheirismo em .
— O quê? — ele quis saber. E em meio a lágrimas embaçando minha vista, enxerguei seu semblante se tornar preocupado. — Eu falei alguma coisa errada ou…
— Não — ri, secando meus olhos molhados e negando com a cabeça. continuou a me olhar em dúvida, com a pequena ruga entre as sobrancelhas aparente. — Eu pularia no seu colo agora se já não estivesse ocupando o lugar.
Nossas atenções foram para a neném relaxada, aproveitando sua mamadeira aconchegada no colo do pai. Quis rir ao pensar que a pobrezinha finalmente estava tendo seus dias de glória depois de tantos dias de luta convivendo conosco. Agora sem nenhuma briga ou troca de farpas que pudessem estressá-la, apenas aproveitava os momentos em que era paparicada e finalmente tinha paz.
— Também pensei muito sobre minha faculdade nesses últimos dias — funguei, reparando em meus cadernos cuidadosamente empilhados sobre o balcão. — Principalmente em como seria se eu ao menos tivesse me formado. Talvez poderia estar trabalhando na minha área agora, e não pensando em como será voltar para a vida caótica de garçonete.
reprovou aquela ideia com a expressão que fez. Hoje eu já não levava mais como ofensa, deduzindo que ele tinha preconceito com pobres. Parecia-se mais com uma preocupação. O ambiente não era muito propício para mulheres; havia muito assédio, fora a saúde mental abalada por ter que lidar diretamente com o público.
Olhando para trás e vendo tudo o que eu já tinha passado ao lado de Anne e Fanny, com certeza comecei a pensar um pouco como ele – o que, no passado, me daria nos nervos. Mas agora, com um relacionamento mais… evoluído, entendi que aprendemos um com o outro e que estava tudo bem mudar de ideia uma vez ou outra.
— , eu quero ajudar justamente por isso. Como estava dizendo, não quero que pense que estou te sustentando. Quero que pense como um investimento, assim como foi essa casa. Você vai estar mais feliz fazendo o que gosta, vai crescer e tenho certeza que vai querer você mais em casa, e não se matando no trabalho.
Sorri, não conseguindo evitar de imaginar a vida que sonhei em ter sendo descrita pela voz deliciosamente rouca de .
— E eu também quero isso — ele continuou. — Então, por favor, me deixe investir em você.
Foi inevitável não lembrar do início daquele plano maluco, de quando tomava decisões sozinho e eu só ficava sabendo quando as coisas já estavam acontecendo. Vê-lo conversar antes me deixou satisfeita por saber que, de um jeito ou de outro, estávamos crescendo em meio àquele processo todo. E não sairíamos daquele casamento igual entramos.
— Obrigada por isso, por tentar entender as complicações da minha cabeça.
ficou parado, me encarando sério demais para alguém concentrado em apenas segurar uma mamadeira e um bebê. Às vezes queria saber o que se passava em sua cabeça. Naquele momento, era tudo o que eu queria saber.
— Estaria mentindo se dissesse que não queria voltar a estudar agora, então saber que posso contar com alguém é realmente um alívio.
Depois de deixar a casa dos meus pais tão nova e perder minha única parceira recentemente, eu conseguia reconhecer a pessoa que Grace era em minha vida em .
Por mais irônico que pudesse ser constatar aquilo.
— Você não é complicada de ser amada, .
Engoli o nó que me surgiu na garganta, ainda sob o olhar intenso de . Meus olhos voltaram a se encher de lágrimas, porém, eu mais uma vez não os deixei transbordar. Eu não iria chorar por aquilo. Não mais.
— Hoje sei quem foram as pessoas que te fizeram acreditar nisso, mas também sei que estavam mentindo pra você, o tempo todo.
Senti o coração acelerar tão rápido que eu poderia dizer que fiquei tonta por um milésimo de segundo. O rosto queimou, as bochechas com certeza ficaram rubras. Na verdade, meu corpo inteiro queimava por ele. E não era uma sensação parecida com o tesão que me deixava praticamente em brasa diante dos olhos dele. Não, parecia-se mais com… ternura.
Nunca senti nada parecido na vida.
— Venha cá. Sou que nem coração de mãe, sempre cabe mais uma no meu colo.
Se estivéssemos num filme, aquela seria a hora em que a música romântica de fundo pararia de tocar abruptamente.
Parei onde estava, encarando-o com as sobrancelhas arqueadas. Que história era aquela de sempre caber mais uma? Tratando-se de , eu não duvidaria de que já havia acontecido alguma situação e que ele tinha colocado aquela frase à prova.
— Estou brincando, amor — ele puxou-me pela mão, selando sua boca na minha, e o senti rir silenciosamente durante o beijo. Palhaço. — Agora ele está completo.
Me afastei ainda tomando cuidado para não esbarrar em , que permaneceu como estava, mamando completamente alheia a nós dois.
— Bobo — murmurei, beijando sua boca antes de ir até a pia com meu prato sujo. — Agora é sério, me dê ela e vá se aprontar para o trabalho.
Peguei a neném já calculando que ela logo teria sua primeira soneca do dia. Assim eu poderia ligar para Fanny e atrapalhar a folga dela para fofocarmos e contar sobre seu novo pretendente. Eu sentia saudades das nossas conversas.
— O que é isso? — murmurou, abrindo a sacola sobre o balcão como quem não queria nada.
Arqueei a sobrancelha. conhecia o logotipo da loja de Megan, e ele mesmo já deve ter visto o que tinha dentro da sacola porque limpou a cozinha mais cedo. Certeza que estava jogando verde.
— Megan me trouxe pra eu ver se queria algo. Acho que ela pensa que somos coelhos que transam — sussurrei, tapando o ouvido da neném e arrancando uma risada do meu marido. — Quinhentas vezes por semana. Você viu ela insinuando coisas na festa aquele dia?
— Mas nós somos, só não fazemos mais por falta de tempo — ele deu um sorrisinho cínico enquanto mexia no conteúdo da sacola. Pensei em protestar, mas não aguentei e ri antes de formular uma frase.
era um idiota mesmo.
— Gostei desse aqui — ele comentou, e eu ajeitei no colo antes de me virar para olhar.
— Eu não vou comprar dados eróticos, .
Às vezes eu tinha que usar frases prontas e entonações que com certeza usaria com quando ela tivesse idade o suficiente para levar broncas.
— Deixa de ser chata, . Olhe só, tem regras e é um jogo, tudo o que você gosta numa coisa só!
— Não vai se incluir nu no meio disso? Está doente?
Ele revirou os olhos e colocou a sacola de volta no balcão; porém, mantendo os dados na embalagem em mãos.
— Se você não ficar, eu vou — avisou, mas dei de ombros. O dinheiro era dele, mesmo. — Terá que usar comigo de qualquer forma.
Ri com sarcasmo.
— Seguindo essa sua lógica, vamos ter que usar juntos o vibrador que ganhei, então — encarei-o sem nem piscar, doida para ver sua reação e já pronta para morrer de rir.
— O prazer anal não é exclusividade de mulheres.
Arregalei os olhos, perplexa. Não consegui parar de rir. Concordei com a cabeça. Iríamos usar, então.
— Estou brincando, . Nem pense nisso!
— Ok, não está mais aqui quem falou — tentei conter meu riso.
— Vamos usar hoje à noite? Abrimos um vinho…
Tentei. Não consegui segurar por muito tempo.
— Os dados, , vamos usar os dados — se aproximou sério demais, o que só me atiçou a continuar.
— Vai tomar seu banho — retribuí seu beijo. — Mas pense bem na minha proposta — zombei quando ele se afastou o suficiente para ter uma distância segura.
— Já pensei, e a resposta continua sendo “não”.
Gargalhei, atraindo os olhinhos curiosos de para mim. Eu pagaria para ver aquela cena.
O dia se passou arrastando, como sempre, mas tinha algo diferente: o começo do fim da minha angústia. Eu sentia que todo o peso nas minhas costas tinha sido tirado delas. Pensar no que me disse sobre eu voltar a estudar e ter a certeza de seu apoio me deixou nas nuvens o dia todo.
Falei sobre o tal David com Fanny quando ela sugeriu de nos encontramos para ir à minha consulta da ginecologista. Eu iria sozinha com , então foi um alívio ter alguém para ficar com ela durante minha consulta. Tive que inventar uma desculpa esfarrapada para não deixá-la entrar no consultório comigo, onde eu basicamente falei sobre minha vida sexual nos últimos meses e do meu receio em engravidar.
Nos despedimos após um sorvete no shopping ao lado da clínica, onde falamos desde a nova garçonete que foi contratada para me substituir até mesmo do DIU que me foi sugerido pela médica. Claro que Tiffany saiu achando que eu estava tendo encontros casuais; não neguei e a deixei criar toda uma história em sua cabeça.
Fui para casa, dei banho em e, depois de brincar um pouco com ela, consegui fazê-la dormir. Preparei o jantar após tomar um banho e decidi colocar a camisola que tinha comprado para mim na noite do acidente. Quando estava próximo da hora de ele chegar, subi para passar um perfume e um batonzinho. Também prendi o cabelo, deixando minhas costas à mostra.
O carro adentrou a garagem e meu coração acelerou em ansiedade. Tudo parecia prestes a acontecer pela primeira vez entre nós. Eu podia sentir minhas mãos suarem enquanto finalizava o jantar ao lado do fogão.
Aquela fantasia de ser a esposa recatada que esperava o marido depois de um dia de trabalho geralmente me fazia torcer o nariz. Eu não estava ali porque queria, e sim pelas circunstâncias do momento. Mas eu não poderia negar que era divertido e excitante vê-lo voltar para casa e vir direto para os meus braços, vestido naquelas roupas sociais e completamente cheio de saudades de mim.
se fez presente quando deixou o celular, carteira e as chaves sobre a mesinha de centro, indo em direção à cozinha como fazia sempre. Espiei pelo reflexo do vidro da janela à minha frente, e desfez a cara amarrada quando seu olhar pousou-se em mim, queimando em minhas costas e bunda.
— Oi.
Me virei ao percebê-lo ainda distante demais para que eu pudesse finalmente ter suas mãos em mim e seu nariz em meu pescoço. Encostei-me na pia, vendo-o desanimado. Algo com certeza havia acontecido na empresa.
— Dia ruim no trabalho? — fiz careta, recebendo uma afirmativa. — Quer me contar o que é?
negou, desfazendo o nó da gravata.
— Beatrice tem algo a ver com isso? — perguntei, e meu marido assentiu. — Não vou defendê-la, prometo.
Me aproximei dele, sendo finalmente tocada por suas mãos gigantes. me trouxe para perto pela cintura e eu suspirei, beijando sua boca devagar. Minhas mãos passaram por seu peito e subiram até os ombros largos, tensos demais.
— Tome um banho quente. Quando descer, jantamos, e depois vamos namorar um pouco na sala, o que acha? — selei nossos lábios superficialmente.
— Gosto da ideia — ele acariciou meu quadril. — Onde está ?
— Dormindo, por enquanto — consegui arrancar um sorriso dele e me dei por satisfeita. Tinha preparado um dos seus pratos favoritos, e esperava ver mais de onde tinha saído aquele ali.
subiu, deixando-me sozinha na cozinha. Quando voltou, cheiroso e vestindo pijamas, sentou-se ao meu lado, colando sua cadeira na minha, ficando bem juntinho de mim. Percebi que ele estava um pouco carente naquela noite, mas eu não me importava nem um pouco de ser quem supriria sua necessidade de afeto.
Tombei minha cabeça em seu ombro. Enquanto mastigava, depositou um beijo no topo da minha cabeça e deu sua primeira garfada na comida.
— Hum… Isso está muito bom — ele elogiou e eu me afastei, sorrindo em sua direção. — E você está uma delícia nessa camisola — sussurrou ao pé do ouvido. Me encolhi, arrepiada. — Cheirosa…
— Obrigada, que bom que gostou — murmurei risonha, sentindo o rosto esquentar. Tentei disfarçar que aquilo tudo tinha sido calculado para atraí-lo.
— Como foi seu dia hoje? Encarei-o, admirada. Ninguém nunca tinha me perguntado aquilo, pelo menos não com um real interesse em me ouvir contar.
— Já viu as coisas da faculdade?
— Foi normal… — respondi. — Não consegui ter tempo para isso. Fui ao ginecologista só.
bebeu um pouco de vinho, olhando-me com interesse. Era um assunto relacionado a ele também, de certa forma.
— Ela me aconselhou a colocar um DIU. Depois, quando eu quiser ter filhos, é só retirar.
— Quantos dias de abstinência?
Revirei os olhos diante do drama.
— A doutora disse que são vinte e quatro horas só.
— Oh, céus, não sei se vou resistir.
Gargalhei, lhe batendo no braço.
— Mas, sério, você quem sabe. É seu corpo, de qualquer forma.
Concordei em silêncio. Até porque eu não planejava deixar de usar camisinha com ele por conta dos outros parceiros que poderíamos eventualmente ter. Por mais que ferisse meu orgulho pensar naquilo, era a nossa realidade.
— Vou tentar marcar os exames o mais rápido possível — comentei, levando mais uma garfada à boca.
— Que pressa é essa? Tudo isso pra não correr o risco de engravidar de mim?
Confirmei cinicamente, vendo-o ofegar em descrença.
— Pois fique a senhorita sabendo que nós dois faríamos um filho lindo.
— Você só pode estar brincando.
Estávamos passando por perrengue atrás de perrengue com um neném de quatro meses para criar e educar pelos próximos anos; seria muita loucura nossa sequer pensar em ter outro. Principalmente pelo fato de não sermos um casal.
— Não estou, não. Pense bem, — era ele quem não estava pensando. — já se parece comigo, agora está faltando outro bebê parecido com você. Imagine só? Um menininho loirinho correndo pela casa!
Neguei com a cabeça, me recusando veementemente. Eu me arrepiava só de imaginar. Tinha medo de atrair algum espermatozóide para meu óvulo pela força do pensamento.
Pensando bem, acho que seria uma ótima ideia se entrássemos numa espécie de ano sabático de sexo, no qual não correríamos nenhum risco de ter outra criança nos prendendo àquele casamento falso. Já dizia minha mãe, “abstinência é o maior anticoncepcional já inventado, de graça e extremamente natural. Só vantagens!”
não conseguiu segurar por muito tempo o riso que ecoou pela cozinha. Eu o ignorei e voltei a comer. Mesmo fazendo todos aqueles planos de evitar uma gravidez, sabia que o que nos restava mesmo era o DIU e usar preservativos. E parar de transar com ele, àquela altura do campeonato, era impossível – pelo menos enquanto ainda dividíssemos a mesma cama. Até porque nada me tirava da cabeça que tudo entre nós começou a desandar quando passamos a ter que dormir juntos.
Talvez, se tivéssemos permanecido em quartos separados…
Meu marido me despertou de meus devaneios com alguns beijos no pescoço. Me arrepiei instantaneamente quando ele grudou a boca em meu ouvido e respirou contra minha pele. Fechei os olhos, já sentindo o corpo todo esquentar.
A quem eu estava querendo enganar? Aquele casamento todo era uma puta armadilha. Iríamos transar, uma hora ou outra iríamos sucumbir ao desejo! Falando por mim, eu não achava que seria capaz de aguentar ter um homem daqueles de 1,80 andando pela casa vestindo o que quer que fosse sem molhar minha calcinha uma única vez.
Ri do meu pensamento, atraindo sua atenção. Um sorriso divertido lhe ocupou o rosto à medida em que seus olhos verdes me analisavam.
— Qual é a graça, huh? — ele mordiscou o lóbulo da minha orelha. Suspirei audivelmente, virando-me para tomar seus lábios.
— Nada — murmurei contra sua boca.
Não me atrevi a lhe dizer o que se passava na minha cabeça naquele instante, não de novo. já sabia o desejo que eu sentia por ele. Eu já havia soltado tudo o que ele me provocava durante frases entrecortadas entre um gemido e outro. tinha ciência de que eu era completamente louca por ele e que eu jamais mediria esforços para ter mais do que ele já me dava quando me beijava e me tocava do jeito que só ele sabia.
Chegou a me dar uma pontada de raiva ao vê-lo desentendido diante do meu corpo praticamente em combustão. Porém, eu sabia que era incoerente culpá-lo por não saber o quão a fim dele eu estava, afinal de contas, ele mal tinha me tocado direito. Mas eu arriscava a dizer que já não precisava fazê-lo; eu mesma conseguia fazer acender o fogo que ele alastrava por todo meu corpo sozinha, só de reviver todas as cenas que já protagonizamos juntos e completamente nus.
— Já terminou? Vamos logo pra sala.
arqueou as sobrancelhas, praticamente lendo meus últimos pensamentos, já que sorriu safado antes de concordar calado e se levantar com os nossos pratos na mão.
Estava tão prestativo, meu maridinho.
Peguei a garrafa ainda cheia de vinho e nossas taças. foi atrás de outra coisa que me fez revirar os olhos de pura implicância quando vi em sua mão, já sentada sobre o tapete da sala.
— Que comecem os jogos — ele balançou a embalagem engrossando a voz, fazendo-me desdenhar de imediato.
Eu sinceramente não via graça naquilo, mas estava merecendo um agrado, vai. Além disso, não seria um grande sacrifício.
— Me dê logo isso — rasguei a embalagem, soltando-os do plástico e lendo por cima do que tinha escrito em algumas das faces dos cubos. — “Quando o clima está morno, a sugestão é confiar a sorte do relacionamento aos dados” — li, achando graça. Parecia que estávamos casados há anos e sem sexo. Não precisávamos de dois dados de plástico para ter clima para transar.
— “Nesta embalagem contém dois dados eróticos para apimentar a relação por meio de um jogo divertido em que, individualmente, os dois dados devem ser jogados e seus resultados combinados realizados em seu parceiro. Para aumentar a ansiedade, que tal proibir um ao outro de fazer qualquer outra coisa além dos comandos dos dados?” — encarei , que riu após beber um pouco do vinho. — Nossa, divertidíssimo — a monotonia em minha voz deixava tudo explícito.
— Toda vez que desdenha de algo, você adora e depois quer de novo — ele me repreendeu, se aproximando quando neguei com a cabeça, apesar de saber que ele tinha razão. Virei o rosto quando tentou me beijar.
— Nada de beijos, jogue os dados primeiro — o empurrei levemente pelo ombro. — Está nas regras — justifiquei quando riu desacreditado.
— Primeiro as damas.
Apanhei os dados contra minha vontade. Já previa que pagaria minha língua depois. Porém, como tudo o que já fiz com , até mesmo ter meu orgulho ferido era delicioso.
— “Morder. Boca.” — ri em deboche. Nós fazíamos aquilo sem precisar gastar dinheiro com dados.
Engatinhei até ele e notei seu olhar passeando por meu corpo exposto pela camisola curta. Aquela foi a coisa mais sensual que fiz naquele joguinho idiota, e advinha só? Não precisei de dados para isso. Levei minhas mãos em seu rosto, tomei sua boca e a invadi com a língua. instintivamente levou as mãos até meus quadris, puxando-me para perto. Quando lhe dei a primeira mordida, ele prendeu seu lábio inferior em meus dentes.
— Não pode me agarrar — tirei suas mãos dali.
— Está me torturando… — ele riu antes que eu o calasse com outro beijo urgente e molhado. Sua boca era tão gostosa que acho que poderia beijá-lo por horas ininterruptas.
Mordi de novo, com vontade, vendo-o arriscar me agarrar novamente, mas parando no meio do caminho. Tá bom, aquilo até que era divertido. Ao invés disso, tentou se aproximar ainda mais, avançando com a cabeça em minha direção. Outra mordida. Daquela vez, puxei seu lábio superior antes de mordiscar o inferior pela última vez.
— Sua vez — falei, voltando para meu lugar. Me dei conta de que meu coração tinha acelerado só por beijá-lo.
jogou os dados e eu soltei uma gargalhada. “Beijar. Orelha.”
— Eu avisei que essa idiotice não daria em nada — joguei na cara quando ele se aproximou, rindo. tirou meus cabelos do caminho e beijou minha orelha. — Essa é a coisa mais boba da face da Terra.
— Estamos apenas começando.
Então tinha como ficar pior. Suspirei, recebendo outro beijo na orelha.
— Deixe de ser apressada. Isso tudo é pressa pra dar pra mim? — ele sussurrou, deliciosamente perto. Arqueei as sobrancelhas e engoli em seco.
Pior que era mesmo.
— Vá pro seu lugar, minha vez de jogar — resmunguei, jogando os dados contra o chão. “Beijar. Peito.” — Tire a camisa, bonitão.
Eu não iria reclamar daquela, não. Só se eu estivesse louca me recusaria a fazer aquilo.
Mordi o lábio e o vi jogar o tecido cinza para cima do sofá, onde ele estava encostado. Me ajoelhei diante de seu corpo, ainda sob seu olhar penetrante, e prendeu a respiração quando me aproximei demais de seu rosto. Vi quando sua íris mirou em meus lábios recém-umedecidos.
Sorri satisfeita pela provocação e me abaixei um pouco, resistindo à tentação de beijar aquele pescoço e descendo mais um pouco. Meus travesseiros estavam bem ali, movendo-se à medida em que respirava ansiosamente. Decidi ir logo em frente e beijar sua pele.
Ele não resistiu e mais uma vez colocou as mãos em mim; daquela vez seus dedos se emaranharam em meus cabelos loiros, acariciando-os enquanto eu deslizava meus lábios em seu peito quente. Desci minha boca mais um pouco e alcancei sua tatuagem de borboleta. Sabia que estava roubando, mas foi mais forte que eu. Passei a língua nela, sentindo-o ofegar involuntariamente enquanto jogava a cabeça para trás. Eu sabia que quanto mais eu descia, mais próxima do que nós dois queríamos chegar eu estava. Mas ele tinha proposto aquele jogo, então iríamos jogá-lo.
Quando fiz menção de me afastar, vi pegar a camiseta de volta.
— Não, nada disso! — puxei de sua mão. — Se tirou, não veste mais — criei uma regra na cara dura. Quanto menos roupa a gente vestisse, menos resistiríamos e aquele joguinho acabaria mais rápido.
— Tem certeza? Está de camisola. Se tiver que tirar, vai ficar nua.
— É que estou com pressa, sabe? — joguei a camiseta de lado, recebendo um sorriso cheio de segundas intenções dele.
— Minha vez.
Não tinha nenhum espelho por perto, mas tive certeza que minha cara deve ter sido impagável.
— “Morder. Pescoço.”
— Vamos logo com isso, Edward Cullen — revirei os olhos, impaciente.
gargalhou, esticando a mão para tirar meus cabelos do caminho, de novo. Igual a primeira vez, eu não estava criando muita expectativa com aquela combinação. É claro que a simples presença dele e suas mãos mexendo no meu cabelo já eram capazes de me deixar mole. Quando meu marido me deu a primeira mordida no pescoço, eu não aguentei.
Comecei a rir como se estivessem me fazendo cócegas, mas ao mesmo tempo, era dolorido ter seus dentes espetando minha pele.
— Ai! — reclamei, e gargalhou contra meu pescoço, apoiando a mão no chão coberto pelo tapete felpudo. — Isso não é nada sexy! — protestei.
Meu marido me ignorou, acho que pela diversão que meu sofrimento estava lhe proporcionando. Eu tentava me desvencilhar dele, mas a risada me tirou as forças, então me vi encurralada entre o sofá e seus braços fortes.
— Para, eu não consigo respirar — a dificuldade de dizer aquilo entre minha gargalhada apenas o divertiu mais. — Certeza que você me deixou toda marcada — resmunguei, vendo-o sorrir satisfeito.
— Quando deixa marcas, quer dizer que foi bom — ele parafraseou Fanny naquele dia da carona.
— Engraçadinho — tentei arrumar meus cabelos desgrenhados. beijou minha bochecha repetidas vezes. — Cadê a bosta dos dados?
Procuramos pelo tapete e nos demos conta de que eu havia os chutado para longe enquanto esperneava. Joguei-os novamente, vendo que tinha caído “morder” e “orelha” justo na vez dele de receber carinhos.
Estreitei os olhos em sua direção.
— Isso é um roubo. Você adulterou os dados — acusei por pura implicância. Acho que, na verdade, os próprios dados estavam escutando meus comentários negativos e se vingando de mim.
negou com a cabeça, rindo tranquilamente. Virou até o rosto, apontando para a própria orelha enquanto me chamava com a mão.
— Sempre pega as melhores — reclamei pela décima vez naquela noite, e apenas sorria. Como ele me aguentava sendo uma velha rabugenta todos os dias, calmo daquele jeito?
Perceber que viramos aquele casal o qual um é estressado demais enquanto o outro é calmo demais só reforçou minha crença de que não via a hora de se divorciar de mim.
— Sorte de principiante — ele passou o braço pelas minhas costas, trazendo-me para perto quando me apoiei em seus ombros.
Àquela altura eu já não me importava mais com a regra que tinha criado. Estava até arrependida, e quase implorava para que me tocasse. Com o azar que eu estava tendo naquele jogo idiota, talvez poderia me beneficiar com a animação de enquanto eu lhe proporcionava algum prazer.
Sabia que aquele jogo não se tratava de uma competição. Mas se fôssemos contar algum placar, eu com certeza estaria perdendo.
Se iria mesmo perder, que ao menos eu tirasse uma casquinha durante minha derrota. Tomei seus lábios com volúpia, lhe dando um beijo daqueles de cinema, porém com direito à minha língua explorando sua boca inteira. O jeito como seu aperto em minha cintura se intensificou apenas me deixou saber o quanto ficou aceso e ansioso.
De repente passei a entender a diversão do jogo. Ele estava se gabando por estar por cima, mas se esqueceu que aquela era a minha posição favorita.
Larguei sua boca, sedenta por mais. Encostei minha testa na dele e aproximei meus lábios molhados dos seus, até que ele avançou já com a boca entreaberta, pronto para devorar a minha, mas me afastei, deixando-o passar vontade. Rumei para meu objetivo: mordisquei o lóbulo de sua orelha e senti uma satisfação enorme ao notar seu corpo todo estremecer com meu ato. Tornei a morder, daquela vez na lateral da orelha; respirou mais forte, apertando-me mais ainda.
— Se arrepiou, foi? — sussurrei sensualmente, já sorrindo vitoriosa. fez menção de se afastar para me olhar no rosto, porém, eu o segurei pelos ombros mais firmemente. — É horrível, não? Querer tanto uma coisa e não poder ter, mesmo estando literalmente na palma das suas mãos, ao alcance do toque.
Rocei meus lábios em sua orelha à medida que eu continuava a sussurrar, como se lhe contasse um segredo: que nosso desejo um pelo outro já era indisfarçável. Quando, na verdade, nada do que estávamos sentindo ali era realmente um segredo. e eu éramos apenas palavras não ditas. Até mesmo Anne percebia que havia um incêndio entre nós, mas não falava com todas as letras porque não queria acreditar. Ela via a fumaça olhando de fora, não apenas ela, todos à nossa volta.
— Essa ansiedade inquietante é culpa sua, querido — levei uma das mãos até seu cabelo, enterrando meus dedos em seus fios macios e passeando até sua nuca. — Poderíamos estar fodendo em qualquer canto dessa casa agorinha mesmo, mas nããão, você inventou esse joguinho de merda, sendo que sabe que sou sua a qualquer hora que me quiser.
Engoli em seco, tentando me manter sóbria quando senti seus dedos subirem pela parte de trás da minha coxa, que chegaram até minha bunda. a estapeou com força, arrancando-me um gemido involuntário de tão deliciosa que foi a ardência que senti. Ele se deleitou com o som sensual soando ao pé do ouvido.
— Deixando dois dados de plástico decidirem o que iremos fazer um no outro… sendo que você sabe bem que pode fazer o que quiser comigo, não sabe? — me afastei, encarando seu rosto vermelho, sério como nunca. Sua mandíbula marcada demonstrava o quanto ele se segurava para não me lançar logo ao chão e tornar todas as minhas palavras realidade.
Eu adorava o pai que vinha demonstrando ser e o modo como às vezes ele não se importava em provar sua masculinidade. Mas quando demonstrava toda a virilidade que tinha em si, céus, eu tinha orgasmos sem receber estímulo algum.
Os braços fortes, as tatuagens, os ombros largos e escápulas proeminentes, o quão delicioso ele ficava quando estava bravo, até mesmo seus músculos do abdômen marcando em camisetas… Eu olhava para e tinha a certeza de que estava diante de um dos homens mais gostosos que já pisou nesse planeta.
E ele estava me agarrando naquele exato momento.
Foi tudo muito rápido, como um ataque feroz de um leão, que observou paralisado sua presa se distrair para então atacar. me agarrou e me levou ao chão, já se enfiando entre minhas pernas e beijando minha boca com voracidade, deixando-me trêmula enquanto o correspondia e tentava acompanhar sua intensidade.
Tá bom, eu tinha provocado. Mas por mais que quisesse muito consumar tudo ali, naquele momento, admitia a mim mesma que queria fazê-lo esperar mais um tiquinho.
Sabia que era maldade minha, mas tudo bem, vai. Ninguém nunca morreu de tesão, certo?
— Não, não, não, ainda não acabamos o jogo — falei, ofegante.
— Está brincando, não? — seus olhos chegaram a lacrimejar.
— Não era isso o que você queria? — me fiz de desentendida. — Jogue os dados, amor, agora é a minha vez — me afastei o máximo que pude, sabendo que não aguentaria resistir à sua pegada mais uma vez e em tão pouco tempo. Mordi o lábio ao vê-lo desorientado ao procurar os dados, ainda sem camisa e com os cabelos castanhos bagunçados.
“Chupar”. “Livre”.
Desviei meus olhos do chão para encontrar os dele cada vez mais próximos à medida em que ele se aproximava de um jeito sorrateiro, praticamente se arrastando até mim. Suspirei quando ele parou diante de mim e levou as mãos até a barra da minha camisola. a levantou e seus dedos ágeis foram até as barras da minha calcinha de renda pequena – eu estava usando-a especialmente para ele, que mordeu o lábio desejoso quando a viu em mim.
Abri minhas pernas quando a renda delicada terminou de passar por elas e foi tirada de meu corpo. se deitou de barriga para baixo sobre o tapete, beijando as partes internas da minha coxa, assistindo meu abdômen se contrair com a camisola levantada acima dele.
Quando sua língua me tocou lá, a única coisa que consegui fazer foi jogar a cabeça para trás e me apoiar no sofá. O sangue pulsava cada vez mais rápido pelas minhas veias, e eu sempre queria mais e mais. Não me sentia capaz de me ver sem aquela sensação, era um vício delicioso demais para deixar. logo passou a avançar a cabeça contra minha buceta, chupando-a devagar, sem a mínima pressa de acabar. Ele sugava com maestria e, mesmo sendo contra as regras, usou os dedos para me estimular.
Eu gemia manhosa, com as mãos em seus cabelos, rebolando contra sua boca quente, tendo-o cada vez mais dedicado a me dar prazer. Gozei após ter seus dedos me penetrando ao mesmo tempo em que usava a língua habilidosa para fazer aquela combinação perfeita.
Ele sabia muito bem o que estava fazendo, já eu apenas comemorava por ter me casado com ele.
Ainda ofegava quando ele se levantou, apoiou-se no chão e me agarrou pela nuca, com aquela firmeza excitante. Então, me tomou os lábios, fazendo com que eu provasse do meu próprio gosto.
— Eu amo esse jogo — murmurei, ainda com a respiração entrecortada.
— Só o jogo, é? — ele gargalhou contra meus lábios. Assenti, sorrindo cinicamente, fazendo a cara de sonsa que ele adorava, o que o fez voltar a me beijar imediatamente. — Sua vez, amor.
Joguei os dados e, daquela vez, apenas um caiu sobre o tapete: “massagear”. O outro quicou e foi parar debaixo do sofá. Não perdi a oportunidade de torturar meu marido; abaixei-me ali para espiar onde o bendito tinha caído e aproveitei para me empinar em sua direção. Poderia jurar que ouvi seu sangue borbulhar em suas veias, de tão desconcertado que ele estava quando me sentei novamente já com o dado em mãos.
— Bom, já que não vimos qual foi, vamos considerar assim.
Posicionei os dados na seguinte ordem: “Massagear”. “Livre”.
me olhou desejoso, pareceu ler meus pensamentos nada limpos. Assim que o alcancei, fui até o cós de seu moletom cinza e o puxei até que sua cueca clara ficasse à mostra. Beijei sua boca superficialmente, que estava sedenta enquanto procurava a minha. Eu brincava de chocar nossos narizes somente pelo prazer de fazê-lo ansiar pelo meu toque, seja em seu pau ou em seus lábios.
Beijei-o devagar à medida em que invadia sua cueca e libertava seu pau já ereto e molhado. Sorri ao notar seu abdômen se contrair com minhas mãos apenas deslizando por toda sua extensão rosada e repleta de veias.
gemeu quando continuei a me divertir e passei a fazer movimentos com o polegar, circundando a cabecinha quando a alcancei. Olhei para seu rosto retorcido em prazer e senti um poder absoluto por ele, como se tudo estivesse em minhas mãos: seu tesão, sentidos e coração. Se eu fechasse os olhos, podia ouvir suas batidas frenéticas ecoando junto de nossas respirações falhas. Saber que tudo aquilo estava acontecendo por minhas mãos me fazia sentir incrível.
— Um dos meus sons favoritos no mundo — confessei após ouvi-lo gemer rouco novamente à medida em que aumentei a velocidade da punheta.
pegou meu rosto com ambas as mãos, afastou meus cabelos do caminho e beijou demoradamente cada ponto ao seu alcance. Os dedos largos passearam por meus ombros, descendo leves pelos braços e arrepiando por onde passavam, levando consigo as alças da camisola que eu ainda usava apesar do calor insuportável que fazia naquela casa.
Em momentos como aquele, em que nos entregávamos aos nossos desejos, sem máscaras ou meias verdades, até mesmo uma simples calcinha parecia ser roupa demais.
Mordi o lábio com força quando sua mão grande me agarrou um dos seios. Seu tronco rígido veio ao meu encontro e eu revirei os olhos ao senti-lo brincar com o mamilo rijo, massageando enquanto sua boca fazia o trabalho sujo de me deixar completamente molhada ao deslizar sem direção pelo meu pescoço. Gemi quando ele sugou minha pele próxima à clavícula. Meu quadril ganhou vida própria ao se remexer involuntariamente, sonhando em montar e sentar nele como se não houvesse amanhã.
Oh, sim, era o que eu mais queria naquele momento.
Solucei quando ele desceu mais e abocanhou meu seio, trazendo-me para si após passar um dos braços por minhas costas. Nossas coxas se chocavam, o suor nos fazia escorregar um no outro e eu perdi a noção do meus movimentos com a mão. Foi tudo muito rápido. finalmente fez o que eu sonhava acordada naquele instante: me puxou para seu colo e deixou-me de pernas abertas em cima de seu pau.
Esfreguei-me nele, rebolando sobre suas coxas. agarrava meus quadris com tanta força que eu já poderia prever as marcas de seus dedos gravadas na minha pele. Era tanta possessividade que me deixava cada vez mais excitada. Era como se ele me prendesse a si tão forte que nem mesmo eu conseguiria me separar de seu corpo. E eu nem queria. Poderia ficar colada em seu peito daquele jeito por anos se fosse humanamente possível.
— Merda — reclamei depois que as alças da camisola prenderam meus braços e limitaram meus movimentos. percebeu e me ajudou a livrar os braços, só que com toda a afobação, estava difícil de tirar.
Ri junto dele, erguendo os braços para que ele deslizasse o tecido para fora de mim, deixando-me complementarmente nua em seu colo. Me arrepiei toda quando deslizou as pontas dos dedos por minha pele exposta, subindo do meu quadril para meu pescoço, onde agarrou a raiz de meus cabelos para puxar.
— Amor… — disse com sérias dificuldades de formular uma frase sequer.
Queria pedir por ele, implorar se fosse preciso. Felizmente me entendeu com o olhar e sorriu safado quando me percebeu sedenta por si. Porém, não tinha muita moral porque eu sabia bem que ele também me queria e era louco por mim.
Mordi o lábio desejosa quando me levantou um pouco para encaixar-se na minha entrada. Desfaleci em puro êxtase conforme me sentia completamente preenchida. grunhiu contra meu rosto, também imerso em prazer.
Conforme subia e descia, mais suados ficávamos, mais o coração acelerava. E apesar de todos esses sintomas levarem a uma exaustão preocupante, ainda nos movíamos em busca do ápice, que veio primeiro para , que tirou de dentro antes de explodir enquanto se tocava, espirrando em minha barriga.
Me lancei ao seu lado e dedilhei minha intimidade, sendo assistida de perto por ele, que logo substituiu minha mão e penetrou-me com seus dedos ágeis. Joguei minha cabeça para trás, apoiando-me no sofá ao tentar normalizar a respiração.
Ficamos ali na sala, sentados no tapete e bebendo mais um pouco de vinho depois, conversando baboseiras um pouquinho alto pela brisa que o álcool nos trouxera.
(...)
A semana estava no seu fim. e eu nos provamos ótimos cupidos após conseguirmos com que Fanny e David trocassem telefones e conversassem antes de decidirem se queriam realmente tentar se conhecer melhor num encontro conosco – sem muita pressão, é claro. No fim das contas, deu tudo certo. Não era pra menos; Tiffany, além de linda, com aqueles cachos maravilhosos ainda por cima, era muito engraçada e divertida. Sempre lhe disse que o cara que conseguisse tratá-la como ela merecia seria muito sortudo. Pelo pouco que e os caras do trabalho conheciam David, ele parecia um bom candidato ao cargo de meu cunhado. Tanto que o próprio comentou que, se ainda tivéssemos Grace conosco, ele seria a favor de tê-la namorando alguém como o amigo.
O aniversário de estava bem próximo, e aquele comentário sobre a irmã não tinha sido feito aleatoriamente como ele quis que soasse quando o fez. Eu o tinha notado meio pensativo nos últimos dias. Estava como no Natal: cabisbaixo. Datas comemorativas ganhavam outro significado quando alguém tão importante para nós vai embora. Mas eu esperava poder fazer algo para animá-lo. Afinal, era seu primeiro aniversário sem Grace, mas o primeiro com .
O bebê de apenas quatro meses se mostrava cada vez mais ser um novo significado de vida para nós, mesmo sendo tão pequenina e inocente. Mesmo sem saber da importância que tinha sua simples existência.
— Pronto, deixei ela com Victoria — murmurou após adentrar o quarto e se sentar na cama. — Os gêmeos ficaram loucos. Eles adoram .
Sorri pelo espelho, terminando o risco do delineado preto.
— Sinto que ela também gosta de outras crianças — comentei. No aniversário que fomos, a vi animadinha assistindo às outras crianças correndo pra lá e pra cá. — Fiquei sem jeito de pedir o favor a Victoria. Ainda bem que ela topou cuidar dela.
— Não se preocupe com isso, . Ela mesma disse que é bom para matar a saudade dos filhos bebês.
Arrumei meus cabelos e, após borrifar perfume nos pontos certos, já estava pronta.
— E nós voltaremos logo, não vai nem dar tempo de ela dar trabalho.
Ri pelo nariz, ajeitando minhas roupas em frente ao espelho. Elisabeta estava fora da cidade naquela noite, mas disse que voltaria a tempo de ficar com para o aniversário de e nos próximos dias assim que eu resolvesse os trâmites de voltar para a faculdade. Nós três conversamos por um tempão. Nada havia mudado; ela ainda era a mesma babá responsável e apaixonada por . Foi um alívio saber que a teríamos de volta e que não precisaríamos colocar uma estranha dentro de casa.
— Tem certeza que não estou muito simples? — analisei minhas roupas, incomodada por sair para jantar de jeans. Mesmo com a sandália de salto, fiquei com medo de estar muito despojada.
— Está linda, já disse — ele surgiu atrás de mim no espelho.
— Não foi isso o que te perguntei — arqueei as sobrancelhas.
— Não é um restaurante chique. Eu não te levaria num lugar desses, você não gosta.
Concordei, tentando conter o sorrisinho satisfeito que lutava para ficar à mostra.
— Isso responde sua pergunta? — passou o braço por minha cintura, forçando-me a virar em sua direção.
Finalmente deixei o sorriso escapar. Assenti no meio do caminho que fiz ao avançar até seu rosto, onde o beijei antes de tomar sua boca devagar. Suspirei quando nos separamos um pouquinho para respirar. Passei os braços para seu ombro e o tive se inclinando para mais um beijo seguido de outro, e mais outro. Tive que parar quando já o sentia apertar minha bunda e me puxar cada vez mais para perto.
— Acho que já deu tempo de eles decidirem se vão se pegar ou não, né — ri, me desvencilhando dele.
Meu marido concordou, puxando-me pela mão para deixarmos o quarto. Apaguei as luzes e fomos para o carro.
Estávamos nos atrasando propositalmente, deixando os dois sozinhos no restaurante para não cortar o clima do primeiro encontro de ambos estando presentes nos primeiros minutos em que se conheceram. A nossa desculpa foi . Não foi uma grande mentira, afinal de contas, antes de levá-la para a vizinha, eu lhe dei um banho e arrumou sua bolsa com tudo o que seria necessário para ficar com ela por algumas horas. Além, claro, da nossa despedida dramática de pais de primeira viagem.
Quando chegamos ao restaurante, fiquei mais tranquila quanto à minha roupa. Era um local bem gostosinho de comer; havia algumas mesas ao ar livre no salão extenso do lado de fora, e dentro era um ambiente descontraído. Fanny acenou em nossa direção quando nos viu passar pela porta de entrada.
Notei seu olhar brilhoso e sorri empolgada. Acho que desencalhei uma amiga! Agora só faltava Anne e… eu. Bom, meu caso seria um pouco mais difícil. Além de mãe solteira, eu ainda não poderia contar com o seleto círculo de amigos do . Acho que nem se revelássemos a farsa toda, seria estranho me envolver com algum deles depois de já ter me casado com .
— Nos desculpem pela demora, com o bebê e ter que deixá-la com alguém… — começou, dando a desculpa esfarrapada. O bom era que os dois não tinham desconfiado de nada.
— Bom, antes tarde do que nunca, não é? — Rimos brevemente e troquei um olhar cúmplice com meu marido. — Já pediram algo pra comer?
— Não, estávamos esperando vocês — Fanny respondeu, sorrindo em direção a David, que se remexeu na cadeira ao lado de e devolveu o sorrisinho a ela.
— Pedimos apenas algo pra beber quando ficamos um pouco no bar, esperando a mesa ficar disponível.
Assenti para ele, cutucando com o pé debaixo da mesa enquanto cutucava Fanny com o cotovelo discretamente. Ela tinha a obrigação de me contar tudo em detalhes.
— Então já deu para se conhecerem um pouquinho, vai? — sorri sugestiva, deixando-os sem graça. David, tudo bem, mas eu sabia que Fanny era tudo, menos tímida.
— Amor, pare de envergonhá-los — a mão de alcançou a minha por cima da mesa. Quem ficou envergonhada fui eu. Pedi desculpas a David somente, porque Fanny já tinha me feito passar vergonhas maiores que aquela.
— Está tudo bem, — o amigo de desdenhou. — É normal ter curiosidade, afinal, vocês nos apresentaram.
— Se importaria se nós mudássemos de lugar? — sugeriu e Fanny o encaroum confusa. — Quero ficar mais perto da minha esposa.
David concordou de imediato, até porque ainda era o chefe dele, no fim das contas. Talvez aquele fosse o motivo de toda sua compreensão diante da minha “curiosidade”.
Me prontifiquei a levantar para ir onde ele estava, sentando-me mais próxima e sendo recebida por um beijo na bochecha. Entendi que, na verdade, queria deixá-los mais próximos. Mas no início não ficou muito claro, principalmente para Tiffany, que ficou nos olhando estranho pelos próximos minutos.
Tentei me afastar e puxei a cadeira para mais perto da mesa, o que não passou despercebido por , que suspirou e avisou que iria ao banheiro. Me senti mal enquanto ele não vinha. Queria que as coisas pudessem ser diferentes, queria poder contar a Fanny.
Mas tinha receio do que ouviria dela, do que ela iria pensar. Eu já previa que ela não acreditaria na nossa versão da história e que criaria uma alternativa alegando diversas coisas que não aconteceram e nem iriam acontecer. Diria que estávamos apaixonados, que confundimos as coisas e blá, blá, blá, sendo que eu e nunca demonstramos nada disso um pro outro. Aquilo nem ao menos passava pela cabeça dele.
E nem na minha, é claro.
Imaginava que ninguém de fora conseguiria acreditar em nós, que seria possível transar e dormir na mesma cama mas, ainda assim, não desenvolver sentimentos.
Meu marido voltou, e com ele o garçom com nossos pratos. Com a distração da comida e o papo que estava tendo com David, Fanny desencanou de nos analisar, dando assim uma folga ao meu nervosismo. Apesar da culpa que eu sentia, sabia que estávamos melhor assim.
parecia mais tranquilo. Ele tentou não me tocar muito durante o jantar, somente quando necessário, como quando David perguntou há quanto tempo estávamos juntos. Eu sabia o quão difícil era mascarar nossa intimidade para alguém tão próximo de nós como Tiffany. Eu mesma tive que disfarçar sorrisos quando deu um jeito de me tocar discretamente, tentando suprir sua necessidade de sempre ter as mãos em mim, o que no caso dele parecia também ser um vício. Sua mão grande procurou pela minha por baixo da mesa. Ele também tocou minha coxa algumas vezes, acariciando-me.
O jantar fluiu bem. Conversamos bastante e também lhes demos espaço para conversarem sozinhos na mesa. No fim, a estratégia de se mostrou muito eficiente. Estar casada com ele e vendo-o mais tranquilo em relação às mulheres de vez em quando me fazia esquecer que tinha me casado com a versão britânica de Hitch, o conselheiro amoroso feito pelo Will Smith naquela comédia romântica. Eles beberam vinho branco, coisa que Fanny e sua alma de pobre rica adorava, e sabia. Eu não bebi, não estava muito bem do estômago e, como tudo o que os ricos gostavam, eu não ia muito com a cara.
— Vamos ligar para Victória? — levou a mão ao meu rosto, tirando meus cabelos dos olhos. Fanny, que conversava com David, se distraiu no que ele falava nos ouvindo discretamente.
Não no meu caso. Eu já a conhecia muito bem para saber que ela era uma fofoqueira de mão cheia, e que por mais que tentasse disfarçar, eu sabia que ela era ótima em ouvir a conversa alheia.
— Sim, eu vou lá no balcão — tentei alertá-lo com o olhar de que éramos observados, mas não se tocou e se inclinou para me beijar.
Me levantei rápido morrendo de dó, afinal, eu mais do que ninguém sabia o quanto ele estava se esforçando. Só tinha me beijado uma vez desde que nos sentamos, e na bochecha ainda!
Liguei para o celular de Victoria, que não atendeu de primeira, porém me retornou em uma chamada de vídeo, melhor que encomenda. Vi dormir tranquila na cama, bem agasalhada e acompanhada de seu inseparável jacaré de pelúcia que ganhou do pai de Natal. Contei como estava sendo o jantar e desliguei quando ela me deixou tranquila ao relatar que foi muito boazinha e que eu não deveria me preocupar com o horário de volta.
Quando voltei à mesa que eu ocupava há pouco, a encontrei praticamente vazia. Somente estava ali, mexendo em algo no celular. Assim que me sentei ao seu lado, o vi deixar o aparelho sobre a mesa. Ele focava em seus e-mails pelo conteúdo que aparecia na tela.
Fiquei intrigada com o fato de ele ter deixado o celular de tela pra cima para que eu pudesse ver que não trocava mensagens com ninguém específico. Pareceu bem proposital, e eu não esticaria o pescoço para olhar caso ele tivesse mantido o telefone longe do meu alcance.
Não poderia agir como namorada dele. Mas estava satisfeita por não precisar me preocupar com a ideia de ele estar conversando com outra pessoa.
Não que eu deveria ligar, aliás.
— está ótima, no décimo quinto sono na cama de Victória — sorri sem graça, esperando que ele não estivesse bravo pelo que fiz antes de deixar a mesa.
e eu até que tínhamos um relacionamento saudável, digo, teríamos se fôssemos realmente um casal. Aquele meu receio de começar uma briga não era comum entre nós agora, e só acontecia por nossa necessidade de nos esconder. Em casa era tudo muito tranquilo. Eu podia ver como tínhamos uma boa amizade, companheirismo e respeito. Voltei a pensar no que tinha dito a ele quando me consolou; era um marido incrível.
— Eu vou te levar pra jantar outro dia, e aí será só nós dois.
Aquele não era o assunto que eu tinha acabado de começar; na verdade, era o que eu queria evitar. Era o que parecia estar entalado em sua garganta, e me surpreendeu sua compreensão.
— E vou te beijar a cada garfada que dermos na comida — ele pegou meu queixo, sendo incisivo e muito sexy com toda a certeza que pronunciou cada uma das palavras ditas.
Deixei me beijar.
Nossa, que frase ridícula, principalmente se tratando do meu próprio marido.
Apesar de adorar o fato de ter sido convidada para um jantar enquanto já estava sendo levada para jantar, amar o gosto do seu beijo e ter certeza de que queria que ele me beijasse a cada piscada que meu olho desse aquela noite, tive que me afastar por medo do casal vinte voltar.
Vi que tinha uma notificação em meu celular e o desbloqueei assim que vi que fui marcada em um story.
— Eu não acredito no que Fanny postou — murmurei, visualizando a foto de nós quatro no restaurante. — Anne vai ter um filho quando ver. Se é que já não viu.
Fanny não contou a Anne que iríamos àquele encontro duplo e foi completamente repreendida por mim. Porém, eu entendia que minha amiga não queria contar a ninguém enquanto não desse certo com David. Ainda mais sendo Anne, que eu conseguia admitir – mesmo amando muito –, às vezes era ciumenta e pegajosa. Ela com certeza falaria algo sobre não ter sido convidada, apesar de ser meio que óbvio que não a chamaríamos, já que era solteira. Eu esperava que ela entendesse, porém, já previa ter que explicar aquilo no mínimo duas vezes até que ela deixasse de ficar emburrada.
— Ah, vai — comentou e eu me arrependi de pensar alto. Ele tinha um radar ligado quando o assunto era falar mal de Anne. — E se for menina, ela vai chamar de “”, de tão invejosa que é.
— Amor — o censurei, devolvendo o celular à mesa. Ele às vezes parecia a personificação da Regina George. Coincidentemente, essa face dele só vinha à tona quando o assunto era Annelise.
Fanny e o amigo de tinham ido ao banheiro, e, depois de demorarem mais que o normal, comecei a entender o que deviam estar fazendo longe de nós. Basicamente o que fizemos na casa de Megan: se pegando.
Já estava preparando minha cara de paisagem quando eles voltassem à mesa. Depois ela me contaria tudo, mesmo.
— O que foi? — o encarei de volta, estranhando seu sorrisinho idiota. Eu o tinha repreendido e ele tinha gostado?
— Você — me indicou com o queixo. — Me chamando de amor…
Ah, era isso.
— O que tem? — revirei os olhos. Não era nada de mais. — Você me chama assim o tempo todo.
— Porque você é.
Será que ele tinha noção do que falava pra mim? Às vezes parecia que não.
Ri em sua direção. Ao mesmo tempo em que sorria, eu sentia meu estômago se desdobrar. Se as famosas borboletas realmente existirem, as minhas estavam fazendo um verdadeiro carnaval dentro de mim naquele exato momento.
se aproximou e selou nossos lábios.
— Sou, é? — sussurrei de olhos semicerrados, imersa em nossa atmosfera particular, inertes a todos aqueles desconhecidos que jantavam nas mesas vizinhas.
— É.
Suspirei contra sua boca, que tomou a minha com um beijo mais duradouro daquela vez. Aquela sensação de estar de coração aquecido era simplesmente viciante. Me perguntei como nosso corpo poderia reagir a algo tão simples de uma maneira tão gostosa.
— É o meu amor — ele sussurrou, chocando o nariz contra o meu.
Um frio intenso me atingiu a barriga. Ofeguei, sentindo meu corpo todo reagir à sua voz soando tão próxima.
— Não tem ninguém olhando — o alertei. Seria algo que ele deveria dizer na frente de nossos vizinhos, por exemplo. não precisava ser o marido atencioso e apaixonado em alto e bom tom; estávamos sozinhos naquela mesa.
— Eu não preciso de platéia pra expressar o que sinto.
O friozinho de antes se transformou num vendaval. As borboletas que mencionei anteriormente agora voavam desordenadamente pelo meu estômago. Eu sentia como se algo tivesse acabado de explodir dentro de mim. E por mais que aquela descrição pudesse simbolizar algo ruim como uma destruição, era uma sensação incrível.
— Eita, como meu marido está romântico hoje — não resisti e me permiti lançar meus braços em seus ombros, sendo abraçada para mais perto. — Me leve pra jantar todos os dias, eu aceito.
— Eu posso te acostumar com isso.
Sorri, selando nossos lábios. Eu também poderia me acostumar.
Me dispersei ao perceber a presença de David ali. Nunca fiquei tão aliviada em ver seu rosto.
— . Fanny está te chamando no banheiro.
Assenti, deixando-os na mesa e torcendo para que e eu não fôssemos o assunto de David e Tiffany na volta pra casa. Se ele relatasse que nos pegou tão perto um do outro sem necessidade, minha amiga sacaria tudo.
— Ah, você veio — ela recebeu-me ansiosa na porta do banheiro espaçoso.
Minhas atenções foram direto para o espelho atrás dela. Não era nem por vaidade, era só para checar se minha arrumação a caminho dali tinha surtido efeito. Meus cabelos estavam no lugar, mas o batom já tinha ido com Deus após os beijos trocados a mesa. Esperava que sua euforia a distraísse.
— E aí? O que está achando? — Fanny pegou-me pelas mãos. Reparei em seus olhos castanhos brilhosos e sorri.
— O que VOCÊ está achando?! — devolvi a pergunta, a chacoalhando. — Eu acho que você está finalmente desencalhando.
— Olha quem fala! Seu casamento é falso, querida, esse título ainda te pertence.
A loira peituda da mesa ao lado nos olhou estranho enquanto lavava as mãos.
— Sério que acha isso? — minha amiga continuou. — Imagina que sorte a minha, um gato desses!
Concordei meio sem graça. Na verdade, eu não tinha reparado muito em David, não. Devia ser porque ele era amigo de ou porque logo que o vi, pensei em quanto ele e Fanny ficariam lindos juntos.
— Falando nisso, eu te devo uma. Sei que não suporta ter que ficar de romancinho com o , mas essa ajuda que estão me dando será recompensada. Fico de babá sempre que precisarem transar com outras pessoas.
Limpei a garganta e sorri amarelo.
— Está tudo bem, amiga — desdenhei, disfarçando. — e eu agora estamos mais… mais amigáveis — suspirei após finalmente soltar aquilo. Nunca tinha sido tão difícil mentir para ela, principalmente depois de sair daquela mesa após ouvir o que ouvi e sentir todo aquele turbilhão de sensações.
Parecia mentira até mesmo para mim.
— É muito bom saber disso. Não falei antes porque tinha medo de você me matar, mas eu gosto muito do e fico muito feliz de saber que agora são amigos.
Sorri em sua direção, sabendo que se quisesse contar a ela, tudo ficaria bem. Mas eu não poderia esconder algo tão grande de Anne. Ela surtaria, principalmente se Tiffany soubesse de tudo e ela não.
— Resolvemos seguir seu conselho. Você estava certa quando disse que não era bom pra viver no meio das nossas brigas — reconheci genuinamente. — Mas sobre sua amizade com , contanto que você não goste mais dele do que de mim, por mim tudo bem.
— Impossível — ela me abraçou de lado.
— Tá, agora vamos logo antes que pensem que estamos fazendo hora pra fugir da conta. — apressei a morena, ainda abraçada a mim enquanto íamos em direção à saída.
— Não seja boba. É óbvio que não vão nos deixar pagar — Fanny revirou os olhos. — E eu nem quero, também. — Ri junto dela. — Parece até que não conhece . Ele pode ser de mentira, mas te trata melhor que muito marido real por aí.
Concordei, fechando bem minha boca. Se eu fosse listar as qualidades de marido de para ela, ficaríamos ali por bastante tempo.
— Ah, mais uma coisa. Acha cedo pra… você sabe?
— O quê, transar? — Não entendi a censura e muito menos a pergunta. Desde quando aquilo era um tabu para nós? — Claro que não!
O sorrisinho dela me fez perceber o quanto estava encantada com David. Entendi o receio de ir para cama com ele no primeiro encontro; ela estava preocupada com o que ele acharia dela. O que era inédito, tratando-se de Fanny.
— Ele me chamou pra casa dele depois daqui.
— E o que você disse?
— Talvez…
Revirei os olhos fazendo-a rir baixinho.
— Tá bom, eu vou — falou, como se fosse fazer um grande sacrifício, o que nós duas sabíamos que era mentira, puro drama. — Algum casal tinha que transar essa noite, não é mesmo?
Não segurei o riso sarcástico.
Não tínhamos planos para nada quando chegássemos em casa, mas a vida de casados era daquele jeito mesmo – não fazíamos planos de transar, e, na maioria das vezes, eu estava com as calcinhas mais feias possíveis. Mas tudo bem, afinal, nunca sequer reparou nelas quando as arrancava de meu corpo.
— Aí estão elas — David anunciou quando nos viu chegando.
me estendeu a mão, puxando-me para perto assim que estive numa distância pequena de seu tronco. Espiei por cima do ombro e vi a loira do banheiro nos observar, curiosa. Passei o braço por trás das costas dele e o abracei pela cintura.
Era de mentira, mas era meu.
Eles, é claro, pagaram a conta e fomos em pares em direção a saída. Cutuquei quando vi David abrir a porta do carro para minha amiga, que entrou toda idiota e acenou para nós lá de dentro. Ela parecia uma princesa de contos de fadas, quase suspirava diante de nós.
O manobrista ficou de pegar o carro, então aguardamos no meio-fio do restaurante.
— Amor — me chamou e eu murmurei algo, o esperando terminar de falar. — Acha que consegue levar o carro hoje?
— Ai, — reclamei, já sendo envolvida por seus braços. — Quanto de vinho você tomou hoje?
— Se não quiser, tudo bem. Eu só perguntei porque estou um pouco sonolento, só isso. Não estou bêbado nem nada, podemos ir tranquilos.
Respirei fundo, o analisando com receio. Sempre tive mania de fazer tudo certo; quando se tratava de nossa segurança, então, o meu senso de responsabilidade apenas se aflorava ainda mais. Éramos tudo o que tinha nesse mundo. Não poderia nem pensar em algo ruim nos acontecendo.
— Tudo bem, eu dirijo.
— Tem certeza? — ele beijou minha testa num gesto carinhoso que me fez sorrir timidamente. Assenti, mesmo não tendo muita certeza, na verdade. — Sei que você consegue. Vou estar ao seu lado o tempo todo. Se não quiser mais, trocamos.
Concordei, já sendo solta. O manobrista desembarcou do veículo e foi em direção a para lhe entregar as chaves de volta. Ri baixinho quando vi meu marido recusar e apontar para mim, dizendo que eu era a dona do carro. estava levando a sério demais aquela história de que “o que é meu é seu também”.
Entrei já realizando meu ritual, que consistia em tirar a sandália de salto, ajustar o banco e o retrovisor, afivelar o cinto de segurança e fazer uma prece para que o airbag estivesse funcionando, mas ao mesmo tempo, torcendo pra não precisar testar. Fiz tudo nervosa demais para notar que estava sendo observada.
— O que foi? — espiei de canto de olho. O sorrisinho que ele lutava para esconder estava ali, cada vez mais aberto.
— Nada, é que você fica tão bonitinha concentrada.
Revirei os olhos, não conseguindo evitar de acompanhá-lo no riso.
— Para, você está me desconcentrando — estiquei o braço para bater nele de leve. Porém, antes mesmo que o tocasse, segurou minha mão no ar, levando-a até a boca e depositando um beijo no dorso dela.
Como se ignorasse completamente meu apelo anterior, meu marido se lançou em minha direção mesmo com o cinto o puxando para trás. Pegou meu rosto e o levou para si, beijando minha boca com selinhos simples.
— Me leve pra casa, — sussurrou ao pé do ouvido, deixando beijos pelo meu pescoço. Encolhi meus ombros, arrepiada.
Queria poder nos teletransportar para nossa casa, na cama, para ser mais específica.
— Vá para seu lugar — falei risonha, empurrando-o pelo ombro. — E se comporte.
ergueu ambas as mãos em sinal de rendição, mas ainda manteve os olhos de esmeralda pousados em mim durante todo o início do trajeto. Como se aquele olhar já não fosse o suficiente para me atrapalhar em minha concentração, ele ainda fez questão de ligar o som e deixar tocando The Weeknd, cantando e dançando preso no banco.
Em meio aos meus risos e tentativas de estapeá-lo para que ele parasse, notei pelo retrovisor um carro escuro que vinha atrás de nós. O carro de David era cinza, então descartei a possibilidade de ser ele com Fanny no passageiro. Me senti estúpida ao pensar que tinha algo ali, mas ao mesmo tempo, senti algo estranho.
Troquei de faixa para conferir e ele veio atrás. Apertei o volante para descontar meu nervosismo, me perguntando se não estava ficando paranoica. Fiz de novo e fui acompanhada novamente. estava distraído com o celular e não notou nada. Tive medo de parecer uma louca, então fiquei quieta.
Respirei aliviada quando a cancela do condomínio subiu e permitiu minha passagem, depois abaixou. Reduzi a velocidade para ter visão da portaria enquanto seguia para a rua de casa e notei que não apareceu outro carro atrás do nosso.
Talvez aquele carro nos seguindo tenha sido apenas coisa da minha cabeça.
— Vamos lá buscar ?
Concordei, ainda meio atordoada, fechando a porta do carro já na garagem. Saímos pelo portão e apertou o botão para baixá-lo. Esperei por ele no meio-fio, ainda olhando para longe, como se esperasse que o carro preto surgisse ali e dobrasse a esquina.
— O que foi? Foi pior que a última vez?
Franzi o cenho ao ser tirada de meus pensamentos ruins.
— Pegar o carro…
— Ah! Sim, fiquei receosa — disfarcei, sorrindo amarelo. Só queria pegar e voltar para casa, trancar as portas e fechar os olhos para dormir sabendo que estávamos juntos e seguros.
— Achei que você foi muito bem hoje — ele tinha razão, mas não era muito difícil dirigir pelas ruas praticamente vazias. O que me amedrontava, geralmente, era disputar espaço na rua com outros carros. — Está perdendo o medo.
Mal sabia ele que o medo que me dominou atrás daquele volante dessa vez era outro.
Encarei nossas mãos quando entrelaçou os dedos nos meus, puxando-me para andarmos mais rápido. Me senti estranha, mas no bom sentido. Sabe quando se anda de mãos dadas pela primeira vez com o namoradinho na adolescência? Então, a mesmíssima sensação. Chegamos na casa de Victoria assim; só largamos as mãos quando ela nos trouxe a neném sonolenta.
Ao contrário de Fanny e David, e eu realmente não transamos naquela noite. Além do sono causado pelo vinho que ele tomou, eu insisti para que dormíssemos com na cama, alegando que morri de saudades dela naquele meio tempo em que a deixamos sob cuidados alheios. Sabia que só conseguiria dormir com ela deitadinha ao meu lado. E assim foi. A neném no meio e eu e em cada ponta da cama. Caí no sono com sua mão esticada acariciando meus cabelos e me deixando ciente, mesmo desacordada, que ele estava por perto e não deixaria nada de ruim nos acontecer.
(...)
A semana voou e já era quinta à noite, véspera do aniversário de . Talvez tenha passado rápido porque tive outra ocupação além de cuidar de : tinha me encarregado de organizar uma festa surpresa para meu marido. Primeiro porque eu não tinha dinheiro para lhe comprar um presente, além do fato de já ter tudo. E também porque acho que estar com quem ele ama será a melhor coisa, considerando o fato de que a saudade de Grace será mil vezes maior do dia de amanhã.
Me juntei a Jack e Chace para combinar algo e devo ressaltar minha surpresa por não ter ficado nem um pouco nervosa ao falar com Chace por telefone. Tenho certeza que se fosse antigamente, eu morreria por conta da minha quedinha momentânea.
Felizmente eu era uma nova mulher. Madura, casada e, para todos os efeitos, completamente apaixonada pelo meu marido.
O plano era bem simples: escolhemos um barzinho (bem caro, por sinal) com um karaokê, o que eu fiz questão que tivesse. Sabia o quanto adorava cantar quando mais novo, e eu achava que ele amaria se apresentar depois de tantos anos após o desmanche de sua bandinha do tempo da escola. Jack ficaria encarregado de convidar os amigos mais próximos do trabalho, e Chace era responsável por enrolar e levá-lo até o local após o expediente. Eu cuidei para que as reservas fossem feitas e combinei com Elisabeta que levaria para passar uma noite com ela. No mais, tinha que ficar gostosa para ele, e isso eu conseguia com uma facilidade absurda.
Eu estava tão nervosa e ansiosa que me tranquei no banheiro quando tive vontade de instigá-lo sobre o que iria acontecer no dia seguinte.
— O que foi? — franziu o cenho enquanto eu passava pela cama para me deitar do outro lado. Eu o deixaria pegar meu lado favorito, afinal, em poucas horas seria seu aniversário.
— Nada — sorri, contida, segurando minha língua dentro da boca. — Como se sente prestes a fazer vinte e seis anos? — apoiei-me no cotovelo para observá-lo.
Já que não poderia falar sobre a surpresa, eu poderia pelo menos falar sobre o aniversário. Era bom que eu saberia mais ou menos se ele já tinha se animado depois dos últimos dias em que o senti cabisbaixo.
Pela carinha que ele fez, percebi que não.
Não daria para julgá-lo. Após suspeitar que tinha a ver com a ausência de Grace, ontem me peguei pensando e talvez não seria apenas dela que sentiria saudades naquela data. Também tinha seus pais. Apesar das últimas brigas, eu sabia que ainda não conseguia ser indiferente a eles. Principalmente a mãe.
— Anime-se, é seu primeiro aniversário com ! — tentei ver o copo meio cheio. Se é que tinha como, afinal, ao contrário de mim, viveu a vida toda com a família ao seu lado. Mas agora não tinha sobrado ninguém. — E também tem eu.
— Você sempre esteva nos meus aniversários, sua penetra.
Revirei os olhos. Eu estava tentando animá-lo e o que ganhei em troca? Acusações.
— Sua mãe me convidava — justifiquei-me, brava, ajeitando os travesseiros. — E eu não ia porque queria, ia para ajudar minha mãe.
me abraçou por trás, apoiando o queixo em meu ombro descoberto.
— Agora você e são minhas convidadas de honra.
Sorri, sentindo seus beijos em minha pele. Então me virei na cama, ficando de frente para ele e sob a vigilância daqueles olhos verdes. Suas mãos voltaram a me agarrar e me puxaram para perto de seu corpo.
— Bom saber disso, porque vamos sempre estar aqui pra você — selei nossos lábios. — Mesmo quando encontrar uma outra mulh…
me interrompeu com outro beijo, fazendo-me rir enquanto era prensada contra o travesseiro.
— Não vamos começar com essa história, sim?
— Mas é o que vai acontecer!
— Eu vou dormir — ele me ignorou e fechou os olhos, fazendo-me encará-lo incrédula.
— É uma pena. Logo quando eu ia te dar um presente de aniversário antecipado — corri os dedos por seu abdômen, parando mais embaixo.
— Aceito se você parar de falar sobre isso — abriu um dos olhos verdes, olhando-me desconfiado. Estava muito exigente para alguém que ganharia um presente.
— Por que não gosta de falar sobre o futuro? — indaguei genuinamente confusa.
suspirou, conferindo se era realmente curiosidade minha ou se eu estava sendo insistente por pura implicância.
— Porque está bom assim — ele deslizou a ponta dos dedos pelo meu braço. — Porque sei que no futuro não tem nós dois assim, dormindo juntos, e também imagino que terá outro em meu lugar, fazendo amor com você nessa cama, sendo o padrasto de … e eu não quero pensar nisso. Assim está bom.
— Agora que você falou da cama… acho melhor trocar de quarto depois que você ir embora — fingi estar pensativa. — Ou sei lá, virar o colchão…
bufou e tirou o braço de volta de mim, me dando as costas. Eu já gargalhava sem ar, encostando o rosto em suas costas largas. Depois de me divertir um pouquinho, fiquei receosa se ele não estava realmente chateado e tratei de me redimir.
realmente levava aquele tipo de coisa pro coração.
— Estou brincando, amor — repliquei sua frase de hoje mais cedo, porém, não obtive a mesma reação vinda dele. Os contextos eram diferentes.
De manhã, tinha feito uma piada sobre seu passado enquanto eu estava, naquele momento, caçoando do provável futuro que teríamos. Ao que parecia, ele não era muito fã de piadas preditivas.
Brincar com o futuro poderia ser extremamente perigoso, principalmente para nós, que éramos campeões quando o assunto era pagar a língua. Mas sobre nosso divórcio, eu não sentia medo algum de fazer minhas previsões malucas, afinal de contas, aquele era o combinado desde o início. Não era uma adivinhação, e sim um fato que logo seria consumado.
— Me desculpa, sim? — apoiei o queixo em seu braço antes de depositar beijinhos em seu bíceps delicioso. — Sabe que sou somente sua — beijei seu pescoço e consegui com que se virasse e ficasse de barriga para cima.
Eu sabia o quanto ele adorava me ouvir falando aquilo.
Seus olhos verdes me encararam intensamente, e ele levou uma das mãos até o meu cabelo, colocando a mecha fujona para trás da orelha.
— Até quando? — piscou devagar, com um semblante confuso que só me deixou ainda mais desconcertada.
Achei que fosse óbvio.
— Oito… — tentei falar, porém, minha garganta secou e a voz saiu baixa como um sussurro. — S-Sete meses… — pisquei rapidamente, meio incerta das minhas contas. Mas por incrível que possa parecer, eu não calculava mais aquele tempo. Tinha dias que eu até me esquecia do nosso “prazo de validade”. — Quando o divórcio sair — concluí por fim. — Ainda temos muito tempo.
Raciocinei por um segundo. Mesmo que fosse extremamente difícil fazê-lo enquanto era observada daquela forma por , percebi o quanto o que eu disse soava como uma mentira.
Os últimos quatro meses passaram voando, e não era apenas por ficar cada vez mais esperta e grande, mas também pela forma como nos aproximamos. E eu sabia que quanto mais próximos ficávamos, mais rápido passava o nosso tempo juntos. Eu sentia vontade de chorar; nunca tinha sentido algo assim, uma melancolia relacionada a algo tão bom, que me fazia tão bem. Saber que tinha um prazo e que eu não poderia fazer nada para impedi-lo me agoniava.
— E depois? — agarrou minha coxa, puxando-me para cima de seu corpo. Me sentei sobre seus quadris, suspirando com o ato. — De quem você vai ser depois desses sete meses? Vai ter outros e se esquecer de que já esteve em meus braços? — sentou-se na cama ao me confrontar. — Vai lembrar de noites como essa e desejar voltar atrás só para ter um pouco do que estamos tendo agora?
Ao que parecia, eu não era a única cheia daqueles questionamentos na cabeça. Só não era corajosa como ele para abrir a boca e falar.
Apesar da coragem, vi em seus olhos claros um medo enorme refletido. Não sabia dizer se estava encarando meu próprio reflexo ou enxergando suas emoções.
A única certeza que eu tinha era que aquela ideia me apavorava. Muita coisa tinha mudado em minha vida e eu já não era mais a que um dia esteve disposta a largar tudo para trás e começar uma nova vida. Antes eu odiava o inferno que era morar com meus pais e aquela cidadezinha que tanto me machucou. Mas agora… eu sentia que amava cada azulejo daquela casa e cada mínimo detalhe da nossa rotina.
Era difícil pensar na ideia de não ter mais tudo aquilo.
— Eu não… eu não sei — sussurrei, negando com veemência.
Eu realmente não fazia ideia. A única coisa que poderia assegurar a era que eu jamais me esqueceria que já tinha sido dele, mesmo que imersos naquela farsa.
Eu nunca mais seria a mesma depois de ter tido a chance de tê-lo para mim daquela forma.
— Você estava certo — baixei os olhos, evitando seu olhar. Se antes admitir aquilo me causava dor no orgulho, hoje eu sentia que meu coração era o alvo da vez. E ele doeu a cada batida naquele momento.
— Estava? — pegou meu queixo, levantando meu rosto e atraindo meus olhos molhados para os seus.
— Sim, quando disse pra vivermos o agora — me agarrei em seus bíceps proeminentes, como se eu pudesse literalizar o ato de me agarrar a ele por inteiro. Como se estivesse indo embora e eu pudesse segurá-lo comigo mais um pouco. — Pensar em não te ter assim nunca mais… dói, e eu não quero sofrer por antecipação.
Ele tomou meus lábios, pegou-me pelos quadris e juntou nossos corpos cada vez mais. Abracei seus ombros largos enquanto enroscava minha língua com a sua, devagarinho como uma cena de câmera lenta. Se o tempo que tínhamos ia tão rápido, talvez nós só precisássemos desacelerar um pouquinho, por mais difícil que pudesse parecer, devido à urgência que tínhamos em ter um ao outro sempre que estávamos juntos.
— Pare de pensar tanto no futuro — ele grudou sua testa na minha. — Fique aqui comigo, no presente. Me beije, me sinta, diga coisas no meu ouvido… — seus dedos passearam desordenados por minha pele, deixando um rastro de arrepios por onde tocaram. — Me mostre o quanto gosta de estar aqui.
Suspirei contra sua boca quente, me deixando ser envolvida na espécie de feitiço que me lançou com aquela voz deliciosa, toque firme e palavras certas. Se houvesse um antídoto para me despertar daquela hipnose, eu dispensaria prontamente. Eu era simplesmente viciada em tudo que vinha dele.
— Eu amo — murmurei antes de ter meu lábio inferior mordido.
— Isso não tem que acabar se não quiser — ele pegou-me pela nuca. Analisei sua expressão e continuei tão confusa quanto o início.
Eu entendi o que ele quis dizer. Por alguns momentos, aquela ideia absurda já chegou a passar pela minha cabeça. Mas logo eu voltava à realidade e via o quão inviável era aquilo.
Não era o combinado. Estávamos ali, juntos, e as coisas cooperavam para que permanecêssemos daquele jeito harmonioso e tranquilo por conta do combinado. Era algo temporário, por isso e eu estávamos nos esforçando para fazer aquilo dar certo, mas só enquanto corríamos o perigo de perder .
E depois que estivesse tudo certo? Quais seriam nossos planos? Eu sabia que continuaria tranquila com , mas e ele? Eu imaginava o esforço que estava fazendo para ficar mais quieto. Alguém que saía sempre com os amigos, bebia, era acostumado a ter várias no pé e até mesmo teve que abrir mão de sua viagem anual cheia de pegação e diversão para bancar a família feliz ao nosso lado em Tulum. Eu apostava o quanto fosse que não via a hora de se ver livre daquele contrato e voltar à sua vida normal.
— Você é louco — neguei com a cabeça, desconversando, e engoli em seco todas aquelas palavras que ecoavam em minha mente.
Não valeria a pena insistir e argumentar, ou discordar do que ele dizia. estava imerso naquela vida a dois comigo e, como o próprio tinha dito, estava bom daquele jeito. Mas, depois, não teríamos mais um motivo para estarmos juntos.
— Sim, sou louco por você.
Soltei um risinho, querendo chorar, na verdade.
Ele não seria louco o bastante para renunciar tudo o que lhe esperava depois daquele divórcio e ficar comigo. Eu mesma me sentia estúpida só de ter tal tipo de pensamento. Era impossível. Por mais que eu pudesse admitir que estava certo quando o assunto era aproveitar o que tínhamos naquele momento, eu também podia ver as coisas bem claras no nosso futuro.
Bastava apenas olhar para o nosso passado. Aquele homem ao meu lado não era o mesmo que se casou comigo meses atrás. Era apenas alguém que ele precisou se tornar para caber na nossa narrativa. E eu duvidava muito que quisesse abrir mão da vida boa que tinha.
— Ok, ok, chega de falar — selei nossos lábios, afastando meus pensamentos. O que não era muito difícil tendo-o ereto bem debaixo da minha calcinha exposta pela camisola. — Fique quietinho para receber seu presente adiantado.
Empurrei-o sutilmente pelos ombros e o tive deitado sobre nossa cama enquanto eu me aventurava debaixo dos nossos cobertores e ia direto ao ponto. Coloquei-o em minha boca e arranquei gemidos de , que me acariciava os cabelos, tão relaxado que chegou a fechar os olhos.
Abri o portão e deixei meu carro na garagem enquanto os caras esperavam próximos da porta. Era engraçado vê-los quase em fila me esperando abrir a porta e entrar primeiro, como crianças seguindo a professora na escola. Pelo menos demonstraram obediência.
Coitados. Eu tinha estabelecido tantas regras que eles pareciam estar se alistando no exército.
Estranhei o silêncio absoluto de casa – sem choro, barulhos aleatórios de bebê ou o som da voz de , com apenas as luzes da cozinha e sala acesas. Entramos e os caras já foram colocando as pizzas sobre a mesa e as cervejas na geladeira. Afrouxei a gravata e fui até a sala, encontrando a TV ligada e uma pessoa deitada e encolhida no sofá.
Os caras que pretendiam me seguir pararam onde estavam, no parapeito da cozinha, ficando em silêncio imediatamente. Fui até , sabendo que ela não gostaria nem um pouco de saber que foi vista de moletom e cabelos desgrenhados na frente dos meus colegas de trabalho.
Eu sabia que levaria uma bronca depois, e levaria calado porque ela teria razão. Fiquei de ligar para avisá-la, mas, na correria dos compromissos, me esqueci.
— ? — toquei-lhe suavemente as costas, esperando que aquilo a fizesse despertar. Porém, me senti um idiota ao fazê-lo.
Eu mais do que ninguém deveria saber o quão pesado era o sono de , tornando o ato de acordá-la sendo quase uma missão impossível.
— Amor?
Se não estivesse quente e respirando, eu com certeza cogitaria uma morte durante o sono. Já a tinha cutucado várias vezes e nada.
— Leve-a pro quarto, — Jack sugeriu, fazendo Alex concordar, não por se preocupar com a qualidade do sono da minha mulher, mas sim pela ansiedade de ver o horário de início do jogo se aproximar cada vez mais.
Passei o braço por trás das coxas e agarrei o torso de , pegando-a de modo desajeitado. Arrumei seu corpo em meus braços e a senti automaticamente se aconchegar em meu peito, como se fosse um travesseiro. Não pude deixar de rir daquele gesto completamente involuntário, porém, fruto de uma rotina que nenhum de nós dois parecia querer abrir mão de forma alguma.
Os caras também soltaram risinhos. O modo como reconheceu meu cheiro e simplesmente se deixou ser carregada para onde quer que eu a levasse foi visível até mesmo para eles.
— Ela é pesada — sussurrei ao passar pelos caras, que julgavam minha careta de esforço físico enquanto eu a carregava. Eu estava certo; só aquela bunda já devia pesar muita coisa.
Quando cheguei nas escadas, tomei o máximo de cuidado para não deixar órfã pela segunda vez na vida em menos de um ano. Entrei no quarto escuro e tive dificuldade para encontrar o interruptor; acendi as luzes e deixei sobre nossa cama, puxando os acolchoados para cobri-la. Ela continuou completamente desmaiada sobre o colchão, apenas se moveu para arranjar uma posição nova, esparramando-se de barriga para baixo. Ri da preguiça dela, apoiando-me sobre a superfície macia e deixando beijos em sua nuca exposta pelo cabelo preso.
Apaguei a luz e fui para o quarto de , que ressonava esparramada no berço tal qual a mãe, fazendo-me derreter de amores ao reparar sua barriguinha subindo e descendo conforme ela respirava baixinho. Tive vontade de me inclinar e beijar sua testa, mas resisti bravamente por temer acordá-la.
Sobre a cômoda, onde guardávamos as coisinhas dela, avistei alguns papéis dobrados. Recolhi-os e deixei o quarto, chegando ao corredor iluminado. Fechei a porta com o máximo de cuidado que pude ao notar que eram comprovantes de vacina e que tinha tomado não apenas uma, mas sim duas agulhadas nas coxas pequeninas. Sabia bem como ela ficava chatinha quando tomava vacina. Meu coração se apertou dentro do peito, apesar de eu ter plena ciência de que era necessário e para o bem dela.
No entanto, ainda ficava bravo com os cientistas que em pleno 2021 ainda não haviam pensado em um método menos cruel de vacinar bebezinhos sem furá-los com agulhas gigantes.
Desci de volta à sala e encontrei os caras juntos numa roda, com Chace no meio folheando um caderno branco de páginas finas. Na mesa de centro estava a babá eletrônica com a imagem da bebê dorminhoca ao lado de algumas canetas e lapiseiras. Me aproximei ao ver que se tratava do caderno de e o reconheci das caixas de mudança quando a vi organizando as próprias coisas no quarto que seria só dela. Não tinha perguntado o que era; não era como se e eu fôssemos conversar civilizadamente nos nossos primeiros dias de casados. Inclinei a cabeça e espiei um pouco do que tinha ali.
Eram croquis de roupas, em sua maioria lingeries – muito bonitas, por sinal. Não conhecia muito aquele lado de . Lembrava-me de ouvir Grace falar e falar sobre querer que a amiga algum dia desenhasse seu vestido de casamento quando acontecesse de minha irmã arranjar um doido para se casar com ela. desconversava, dizendo que ainda não tinha aprendido a desenhar vestidos muito complexos na faculdade.
Recordava-me também do dia em que levei minha esposa para escolher o próprio vestido de noiva e em como seus olhos azuis brilharam ao contemplar a fachada da loja da Vera Wang.
Limpei a garganta, chamando a atenção deles.
— Chace que pegou — Nick acusou, como se estivessem sido pegos por fazerem merda.
— Caramba, , não sabia que sua mulher desenhava tão bem — Jack exclamou, pegando o caderno das mãos do loiro, que protestou de imediato. — Olha isso aqui! Su com certeza usaria um desses — folheou, mostrando um vestido preto com alguns pontos de transparência. — estuda moda? Ela não comentou que estava na faculdade.
— É porque não está — peguei o caderno e o fechei, me direcionando então ao restante das coisas, tentando mudar de assunto.
— O que foi, ? Por que ficou desse jeito?
Terminei de guardar as canetas no estojo e respirei fundo ao encará-los:
— não gosta de falar sobre isso.
Eu sabia como ela ficava pra baixo quando o assunto era seus estudos parados. Era nítido o quanto minha esposa gostaria de voltar a estudar, mas eu sabia que ela não o faria agora por conta de .
Trabalhar com moda parecia um sonho gigante que tinha medo de não conseguir realizar, então o abafava dentro de si e torcia para que ninguém a lembrasse dele.
E também tinha toda a questão financeira. jamais aceitaria minha ajuda para voltar para a faculdade. Sentia-me impotente, mesmo tendo a certeza de que poderia ajudá-la sem fazer esforço algum. Às vezes a teimosia de minha esposa me dava nos nervos, apesar de não ser mais do mesmo jeito que eu me sentia em relação a ela no passado. Daquela vez, era vontade de ampará-la – mas sem que ela concordasse, eu não poderia fazer nada.
— Por favor, não comentem com ela que viram isso. Ela não mostrou nem mesmo pra mim.
Me arrependi de expor o fato de que não se abria totalmente para mim em algumas coisas. Mesmo após quatro meses naquela farsa, nosso casamento ainda permanecia acima de qualquer suspeita para todos à nossa volta. Eu esperava que a surpresa estampada nos rostos à minha frente fosse o bastante para fazê-los não incomodar sobre aquele assunto em específico, e que também não gerasse dúvidas sobre a veracidade do nosso relacionamento.
— Seguinte, tomou duas vacinas hoje, e se ela acordar, vai chorar por horas — avisei, e as caretas deles foram sincronizadas. Esperava que não acontecesse, mas caso despertasse, pelo menos iria conscientizá-los de se protegerem para não terem filhos tão cedo. — Por isso, vou reforçar. Sem muito barulho.
— Entendido, — Jack acenou com a cabeça. — Vamos ligar a TV, já vai começar.
Os outros o imitaram, jogando-se no sofá enquanto ele pegava o controle remoto.
Ainda com as coisas de e os comprovantes de , fui para a cozinha pegar uma cerveja. Notei Chace atrás de mim e não me importei, abrindo a geladeira e atraindo seu olhar para as poucas fotos pregadas ali por ímãs. Em uma delas, Grace exibia a barriga de oito meses de gravidez, enquanto a outra era de em seu primeiro dia em casa.
Era triste ver que não tínhamos registros dela na maternidade. Eu sabia que minha irmã teria guardado sua pulseirinha de identificação de recordação, mas em sua chegada ao mundo, não teve sequer um nome. Eu não gostava de pensar nela sozinha naquela espécie de orfanato que a levaram quando teve alta do hospital. Não deveria ter sido daquele jeito, e hoje e eu nos esforçávamos ao máximo para fazê-la se sentir em casa, mesmo que corrêssemos o risco de perdê-la por decisão da justiça.
A ideia de que aquilo poderia ser em vão me assombrava dia e noite.
— Cara, isso é tão legal, não sabia que era tão talentosa — Chace comentou enquanto eu tirava a tampinha da minha cerveja, olhando-o de canto de olho.
O loiro estava encostado sobre a pia, sorrindo abertamente, visivelmente impressionado. Eu podia notar seus olhos claros brilhando, e meu estômago se revirava ao notar sinais do quanto meu amigo era a fim de minha esposa. Sabia que ele tentava evitar, mas aquele tipo de coisa não dava para esconder. O modo como ficamos quando estamos apaixonados é nítido. Pelo menos ele tentava disfarçar, e vê-lo se forçar era até reconfortante.
Porém, assim como Chace, eu não conseguia evitar sentir o que sentia. E eu não gostava mais de falar sobre com ele, justamente por saber o que devia se passar em sua cabeça: o desejo que devia sentir por ela. Eu, mais do que ninguém, entendia que minha esposa era irresistível, mas no meu caso, não tive escolha. estava junto de mim o tempo todo, seja em casa ou impregnada em minha cabeça, aonde quer que eu fosse.
— Você tem muita sorte. é maravilhosa, é engraçada, gente boa e uma boa mãe — Chace continuou. Respirei fundo, pensando em algo para acabar com aquele assunto. — Fico muito feliz por isso, você merece.
Encarei sua mão repousada em meu ombro. Pensei em como as coisas poderiam ser diferentes se Grace ainda estivesse viva, se eu e não tivéssemos nos envolvido naquela nossa amizade esquisita. Se Chace a tivesse conhecido solteira, com certeza se interessaria por ela. Se já o faz tendo-a casada diante de si, solteira, então, eu não queria nem imaginar o quão de quatro ele seria por ela. E como meu melhor amigo fazia exatamente o tipo dela, e ele seriam um casal.
Virei o restante da garrafinha e senti a cerveja gelada descer pela garganta, deixando um gosto amargo em minha boca.
Chace com certeza a trataria bem. Ele era muito melhor que eu em relacionamentos. Só tinha medo de compromissos a longo prazo, mas nada que e seu jeito responsável não o fizessem mudar de ideia. Fui “vítima” dessa característica dela. No inicio daquela farsa, realmente cheguei a pensar que seriam meses a fio de tortura, preso naquele casamento. Porém, o que me ofereceu foi uma vida confortável e estável, apesar dos problemas externos.
Como o próprio Chace tinha acabado de listar, minha esposa era divertida, inteligente, e se tirássemos o sexo incrível, ainda sobraria uma vida boa ao lado dela.
— , vem cá rapidinho — David surgiu no batente da porta.
Salvo pelo gongo. Eu não sabia o que diria a Chace depois de todos aqueles pensamentos que me deixaram confuso e irritado. Não queria ser grosso com ele. Naquele ponto, eu até conseguiria me colocar no lugar de em relação a Anne, apesar de nitidamente não ser a mesma situação.
Quando cheguei na sala, me deparei com um programa infantil, com adultos vestidos de personagens e um fundo extremamente chamativo piscando atrás deles. A musiquinha enjoativa me fazia pensar seriamente se aquilo não era um instrumento de tortura para priosioneiros que cometeram crimes hediondos. Se não fosse, poderiam adotar aquele método.
Jack apertou o número do canal de esportes e a TV permaneceu tocando aquele som insuportável combinado às imagens psicodélicas.
— Que estranho, o ESPN estava incluso no nosso pacote — franzi o cenho. Em seguida, peguei o controle e naveguei na programação para verificar se tinha algo de errado com a configuração. — não deixa ver TV, nós não contratamos esses canais infantis.
— Que você saiba, né?
Encarei Nick, contrariado. Eu não poderia reclamar com sobre deixar a bebê ver ou não televisão. Primeiro porque eu mesmo já deixava quando assistia aos jogos com ela no colo, e também porque eu tinha quebrado a regra da chupeta. Não teria moral alguma para isso.
Sobre o canal substituído… eu não iria reclamar também. Era só ligar na operadora e pedir que incluíssem o canal ao pacote novamente.
— E agora, o que faremos? — David indagou, fazendo todos se entreolharem, pensativos.
— Podemos tentar ver no celular — Jack sacou o aparelho do bolso, procurando uma forma de assistirmos. O restante se acomodou desanimado sobre o sofá.
— Foi mal, gente — murmurei sem graça, largando o controle na mesa de centro após desligar a TV.
— Tudo bem, cara. não deve ter feito por mal — surpreendendo o total de zero pessoas, Chace foi o primeiro a defendê-la.
— Claro que não. Nem tinha como ela saber que viríamos pra cá assistir o jogo — Jack continuou. — Quem se lascou foi o , que vai ficar sem ver futebol e Fórmula 1 até a operadora arrumar isso.
— Faz tempo que não assisto — dei de ombros, a fim de acabar com a zoada que começou contra mim na sala. Fiz sinal para que calassem a boca. — Tenho mais o que fazer, se é que me entendem — pisquei, deixando a sala para ir atrás de um pedaço de pizza.
Fui seguido pelos demais. Já que não veríamos o jogo, que pelo menos enchêssemos a barriga. Jack ainda se empenhava em tentar fazer o nosso programa combinado dar certo. enquanto ele fuçava o próprio celular, eu e os demais nos servimos.
Depois do meu primeiro pedaço, já com o jogo rolando no celular apoiado na mesa, ouvimos um barulho no andar de cima. Me senti um idota por ter deixado a babá eletrônica na sala e ter me esquecido da vida. Era se esgoelando em seu berço. Fui pegá-la, torcendo para não acordasse junto, o que felizmente deu certo. Atravessei o corredor bem rápido para seu choro não incomodá-la.
— Olha quem está de mau humor.
ainda chorava, mas baixinho por conta da chupeta que eu tinha colocado em sua boca para distraí-la. Provavelmente estava com fome.
— Oi, — Jack tentou entretê-la, mas sem sucesso. A neném se esquivou quando ele tentou pegá-la para si. Ri baixinho, segurando-a quando ela praticamente esperneou e agarrou minha camisa com as mãozinhas pequenas. — Não quer papo mesmo, hein.
— Isso aqui é uma oncinha — “Igual a mãe”, pensei. — Vou fazer a mamadeira dela.
Não adiantou o rodízio de braços oferecidos para ampará-la. continuou com a manha, dessa vez sem choro, deitada em meu ombro. Preparei tudo com uma mão só e recebi ajuda dos quatro patetas, que eram desastrados até mesmo para preparar uma simples mamadeira. Então, subi de novo para buscar suas coisas, já que suspeitava que ela estava de fralda cheia.
Quando desci, deitei a neném no sofá após cobri-lo e constatei que eu estava certo. O cheiro do número dois subiu e eu aconselhei os caras a permanecerem na cozinha se quisessem continuar sem sentir o odor quase que radioativo que só um bebê poderia produzir. Também, é claro, porque eram todos homens, e eu quis manter a privacidade da minha filha.
— Posso dar mamadeira a ela? — Jack pediu, e eu o encarei com a sobrancelha arqueada, me perguntando se ele e Su não estavam querendo agendar uma visita da cegonha. Entreguei-lhe , ensinando como fazia e ficando de olho em seus movimentos. — Fique tranquilo, , eu já dei de mamar a minha sobrinha. Não vou engasgá-la.
— Sua sobrinha tem um ano de idade — respondi, mantendo a atenção nele.
Achei engraçado o modo como os olhinhos da neném encararam com desconfiança o homem de barba. Eu não sabia dizer se bebês tinham uma boa memória, afinal, Jack já brincou com ela em Tulum, mas definitivamente não estava acostumada a ter outra pessoa lhe dando mamadeira que não fosse , eu ou Elisabeta.
Depois que ela arrotou, foi passada para o colo de Chace. Porém, a neném não pareceu ir com a cara dele naquela noite e reclamou, fazendo-o repassá-la derrotadamente para Nick. Depois do segundo tempo, no fim do jogo, até mesmo David a pegou para brincar.
— Acho que vou chamar vocês mais vezes — brinquei de braços cruzados, encostado na pia.
babava a própria mão e encostava os dedinhos molhados na cara de Nick, que fazia uma expressão de agonia, mas não deixava de brincar com ela.
No fim das contas, o Liverpool ganhou de dois a um do PSG com direito a um Neymar irritadinho e birrento se jogando no chão para tentar ganhar alguma vantagem. O fato da TV não ter dado certo não mudou em nada nossa diversão, apesar de eu saber bem que aqueles folgados só foram até lá por conta dela.
Era uma raridade tê-los em casa. Sempre fomos somente , e eu. Mesmo que isso pudesse soar um tédio só para o do passado, o atual até que gostava de como as coisas se moldaram e passaram a ser. Somente nós três, no nosso espaço, vivendo nossas vidas.
O celular de Nick vibrou sobre a mesa, atraindo a curiosidade de Jack para o visor. Nunca vi alguém pular tão rápido em cima de um aparelho, e olha que o casado da história era eu.
— Essa por acaso não é a Jordyn que nós conhecemos, é? — arqueei as sobrancelhas em direção a Nick.
— E o que tem? Tenho certeza de que não liga — deu de ombros. David me encarou pasmo, fazendo-me negar veementemente com a cabeça.
— Foi bem antes do meu casamento, somente uma transa, nada de mais — me expliquei, nervoso, como se estivesse prestando esclarecimentos numa delegacia.
— Até porque sabemos que dá de dez a zero na Jordyn. não seria louco de trair a esposa com ela.
Encarei Chace, casualmente encostado no balcão da minha cozinha.
Um silêncio constrangedor se instalou no cômodo. Era capaz de ouvirmos até os grilos do lado de fora da casa. Alternei meu olhar em todos os presentes ali, e os únicos ilesos foram e David, que ainda não conhecia . Tirando os dois, todos eram suspeitos de achar minha esposa atraente.
E talvez corressem um sério risco de serem demitidos.
— Caras, sem rivalidade feminina.
Rimos muito. Pareceu uma fala que seria facilmente tirada do Twitter.
— Não tenho nada com Jordyn, é claro que prefiro minha mulher. Fique à vontade, Nick.
— Achei que você estava saindo com Caroline — Jack indagou. Parecia até que Nick tinha traído ele, e não a ficante-amiga da namorada dele.
— Também não tenho nada com Caroline — replicou minha fala. — Mas vamos falar sério. Aqui, entre nós, quem vocês pegariam lá da empresa?
Levei a mão ao rosto, quase abafando um risinho. Aquele era um clássico do Happy Hour: beber cerveja e fazer o que adolescentes geralmente fazem em festinhas. Era ridículo. Primeiro porque Jack e eu éramos comprometidos; segundo porque se Chace citasse mais alguma vez naquela conversa, eu mesmo o colocaria pra fora pelo colarinho.
— Beatrice é gatinha, eu pegava — Jack soltou e eu o olhei perplexo. Primeiro pela traição, e também pela falta de cerimônia dele em participar daquele joguinho idiota. — Se fosse solteiro, é claro.
— Cara, pelo amor de Deus — não me segurei. — Ela até que é bonita, mas quando abre a boca… é insuportável! Mandona, folgada, quer tudo na hora dela…
— Segura essa raiva toda, vai que acontece o mesmo que aconteceu com ? — Chace soltou um risinho de onde estava.
Eu já me encontrava prontinho para jogá-lo lá fora; não somente por ter citado o nome de , mas também pela insinuação que fez. Só se eu estivesse louco! Ficar com a mulher que ajudou meu pai a me punir.
— Boa noite — surgiu na soleira da porta, encostada e de braços cruzados. O rosto inchado de quem acabou de acordar e um sorrisinho sem graça.
Mesmo toda amassada daquele jeito, eu ainda a preferia a qualquer outra.
— Oi, !
A loira permaneceu onde estava, acanhada como um animal indefeso. Apenas se moveu quando a chamei com a mão para mais perto.
— Oi, amor — a puxei pela mão, fazendo-a se sentar em meu colo.
o fez, levando um dos braços ao meu ombro quando retribuiu o selinho casto para logo após lhe beijar a bochecha quando tive seus lábios longe dos meus. Ela estava quente, provavelmente por ter acabado de sair debaixo dos cobertores. Afaguei suas costas devagar, sentindo seu corpo tenso. não me olhava no rosto direito. Aquele sorrisinho amarelo estava durando tempo demais para algo genuíno.
Eu tentava não avaliá-la na frente dos caras, não queria deixar transparecer que poderia ter algo errado. Afinal, éramos perfeitos naquela farsa. Mas eu conhecia com a palma da minha mão, e sentia que algo ali estava fora do lugar.
Houve um silêncio que soava esquisito no cômodo que há pouco estava preenchido por vozes e risadas. Os caras pareciam crianças que se calavam quando um adulto chegava por perto. Não pude deixar de comparar a cena da minha infância e achar no mínimo engraçado. , por sua vez, parecia desconfortável com tamanha atenção.
— O que estão fazendo? — ela olhou distraída para as caixas de pizza e para a pequena bagunça que fizemos.
— Viemos ver o Liverpool jogar contra o PSG, mas a televisão está desconfigurada. Ao invés do ESPN, está aparecendo um canal infantil.
nem ao menos se concentrou no que Nick lhe respondeu, apenas me olhou receosa de canto de olho. Apertei meu braço em volta de seu tronco, acariciando-lhe uma das coxas por baixo da mesa, tentando tranquilizá-la.
— Mas o jogo já acabou, está tarde. Tenho certeza que e devem estar cansados. Vamos embora, rapazes — Jack se levantou, instigando os outros que fizessem o mesmo.
ficou parada feito estátua enquanto os caras se aprontavam para ir. David foi até ela entregar e acabou se apresentando por cima; sequer puxou assunto com ele, como normalmente faz com todo mundo. Estava estranha demais.
Levei todos para fora, dando um tchau superficialmente enquanto entravam nos carros. Eu os veria no dia seguinte, mesmo. Não precisava de tanta cerimônia.
Quando retornei, peguei de pé na cozinha ninando , que tinha a cabeça encostada em seu ombro. Cheguei devagar, não queria assustá-la. Até porque minha esposa parecia concentrada nos próprios pensamentos e no próprio mundo.
Apesar de parecer fazer anos que estávamos juntos, eu ainda não sabia bem quando tinha ou não permissão para entrar nele. Ainda parecia ser exigido algum tipo de senha, resolver uma enorme e complicada charada, ou simplesmente merecer sua permissão. Mesmo que parecesse impossível, lá estava eu, batendo a porta uma, duas, quantas vezes fossem necessárias. Sabia que valia a pena. Quando me permitia entrar em seu mundo, eu via que todo o esforço anterior era nulo comparado à sorte de poder estar ali.
— Eu… vou juntar essa bagunça. Amanhã o lixeiro passa e…
— Você sabe quando o lixeiro passa? — murmurou, ainda imersa em pensamentos.
Abri a boca, mas não saiu som algum. Esperei até que ela olhasse para mim. Não entendi seu tom de voz. Ao mesmo tempo em que me pareceu uma pergunta genuína, também me pareceu uma grosseria gratuita. Parecia a antiga ali, sendo sarcástica e fazendo piadinhas sobre eu ser um riquinho metido a besta que não sabia o que era acordar cedo para trabalhar.
— Deixe que eu cuido disso — respondi. Ia protestar, falar que estava tarde, mas principalmente lhe dizer que eu cuidaria daquilo. Afinal de contas, eram meus amigos e eu os tinha levado para casa e organizado aquela bagunça. — Amanhã.
Finalmente tive seus olhos em mim.
Os vi caídos, cansados, mesmo após ela ter passado as últimas horas dormindo como se fosse um urso em hibernação. Parecia que não era apenas uma privação de sono, até porque mesmo com tão pequena, nós dois sempre dividimos muito bem as tarefas noturnas. Parecia ser mais do que só sono acumulado.
O modo como ajeitou a bebê no colo, disfarçando a careta de dor em seu ombro, os cabelos sendo puxados pelos dedinhos nada delicados de ... os tirou de sua mãozinha pacientemente, porém, até mesmo aquele gesto parecia deixá-la exausta.
— Vou levá-la pra cima. Apague a luz e tranque a porta quando subir — ela passou por mim, ainda deixando-me sem palavras.
Vi pela sua postura que eu não era bem-vindo. Os portões e muros com cacos de vidro afiados estavam ali, erguidos à sua volta. Decidi esperar até o dia seguinte, quando ela se acalmasse e eventualmente me contasse o que tanto a preocupava. Já tínhamos passado daquela fase de trancafiar coisas dentro de si. Não era benéfico para nenhum de nós dois, pelo contrário, machucava um ao outro.
— Ah, e me desculpe pela TV. Não vai acontecer novamente — ela parou na sala enquanto eu estava na cozinha. Suspirei quando a vi tomar ainda mais distância, em todos os sentidos possíveis.
— Não se preocupe com isso, acontece — dei de ombros. baixou os olhos, mas logo se recompôs e voltou a andar em direção às escadas. — Amanhã ligo na operadora.
— Não precisa, eu mesma faço isso.
deixou a chupeta cair. respirou fundo antes de se abaixar para pegá-la, tão rápido que nem tive tempo de chegar até ela e ajudá-la.
— A TV é sua, eu não deveria ter mexido nas configurações e mudado tudo. Ainda mais hoje que seus amigos vieram ver o jogo aqui.
Franzi o cenho.
— Não é minha, é nossa — reforcei, mas discordou em silêncio. — , essa casa é sua, você também mora aqui.
— A casa é minha, os móveis, não. Você comprou, você contratou a assinatura da TV e vai levar tudo quando for embora — deu de ombros, falando como se fosse óbvio. Não era.
Eu não pretendia levar nada além das minhas roupas. Seria ridículo da minha parte deixá-la com minha filha numa casa sem mobília. Pra falar a verdade, eu nem pensava naqueles detalhes! Mas, aparentemente, havia pensado. E muito. Porque não tinha explicação nenhuma ela ter entrado naquele assunto do nada, somente por conta de uma droga de canal que poderia ser recolocado em questão de horas.
— Não vou — fui categórico. — Tudo o que tem nessa casa é seu, . Inclusive eu — tentei descontrair, apontando para mim mesmo enquanto soltava um risinho. Mas nada. não riu junto.
A neném voltou a alcançar seus cabelos.
— , não! — ela foi incisiva, tirando mais uma vez os fios aprisionados entre os dedinhos da neném. — Não pode! Isso dói.
fez bico, prestes a chorar. Estava aprendendo a ouvir “não”. Pensei em como ela já devia estar se acostumando com aquilo, poruqe tudo o que parecia sair da boca de era acompanhado de um sonoro “não”. Eu já havia me habituado, mas não julgava . Às vezes dava mesmo vontade de chorar.
— Me dê ela aqui, vou colocá-la na cama — estiquei os braços e a tive segurando a bebê ainda mais contra si. — Vai dormir, você parece cansada.
— Não precisa. Esse é o meu trabalho, não é?
Comprimi os lábios, as assistindo sumir da minha vista pelos degraus da escada.
Tomei um banho e logo depois desci para a cozinha, onde juntei as embalagens de pizza e separei as garrafinhas de cerveja vazias. Assim que tudo ficou organizado e limpo, subi. Me deitei sozinho na cama, sentindo minhas costas doerem. Uma massagem seria muito bem-vinda naquele momento, mas eu não incomodaria lhe pedindo aquele favor. Não queria reclamar de cansaço para ela como se o fato de ter saído para trabalhar fosse mais pesado que ficar em casa com a neném.
Até porque o semblante que encontrei nela desde que cheguei em casa me fez ver o quão exausta ela estava.
Encarei a porta do banheiro de frestas iluminadas, e a madeira branca mais me pareceu uma grande muralha. A situação conseguiu piorar ainda mais, e cada vez mais me incomodava. Poderia parecer loucura, mas eu sabia reconhecer que não era uma boa ideia tentar confrontá-la naquele momento somente pelo modo como ela entrou e fechou a porta. Jurei ter ouvido o barulho da tranca se fechando, mas não tinha muita certeza.
Não fui checar; tentei dar espaço para ela se abrir. Eu esperava que se sentisse segura o suficiente para me reconhecer como seu confidente. Depois de tudo o que já ouvi dela, de conhecer seu lado mais divertido e também suas feridas mais profundas, meio que eu estava disposto a continuar a recebê-la em meus braços. Deixava meu ombro disponível para que minha esposa pudesse chorar quando sentisse necessidade.
Só que, ao mesmo tempo, esperar me fazia sentir um idiota!
Meu coração se apertou quando ela abriu a porta e finalmente deixou o banheiro. O quarto estava parcialmente iluminado pela luz do abajur ao lado dela na cama. Minha visão ficou prejudicada pela escuridão e também pela esquiva de , que se esgueirou pelas sombras até a cama e inclinou-se em direção ao interruptor.
Olhei de relance e vi seu nariz vermelho. Mais do que isso: a ouvi fungar e tentar disfarçar ao se remexer sobre a cama. Encarei suas costas em meio ao breu e suspirei, tocando sua cintura suavemente. Não era daquele jeito que dormíamos todas as noites, ao menos não mais.
Estava preparado para uma negativa vinda dela. Porém, se virou pra mim, me permitindo aconchegá-la em meus braços.
Era um começo.
Ela fungou novamente e eu senti seu nariz gélido encostar em minha pele. Estremeci ao constatar seu choro recente. Queria saber o que houve, e queria reparar qualquer que fosse o problema que havia a deixado abatida daquele jeito em meus braços.
— Não gosto quando você chora — afaguei seus cabelos devagar. prendeu a respiração por um instante.
— Eu não estava chorando — sua voz a denunciou, falha e trêmula.
— Não gosto quando você mente.
Foi uma questão de segundos até que eu a tivesse trêmula sobre mim. Apertei-a em meus braços, não querendo soltá-la até que estivesse melhor. Mesmo que aquele choro desenfreado durasse horas.
Não falei nada enquanto a ouvia soluçar. Senti seu peito subir e descer com rapidez, levando-me a lhe afagar as costas enquanto eu encarava o teto, sentindo-me impotente. Eu torcia para acabar logo, e parecia uma eternidade à medida em que minha blusa ficava mais molhada por suas lágrimas.
Até que tudo finalmente cessou. Seu corpo se relaxou aos poucos e a respiração frenética se acalmou. Esperei mais algum tempo antes de finalmente tomar a iniciativa.
Me sentia muito reativo quando se tratava de . Eu queria sempre ir à frente, pegá-la para mim, beijá-la primeiro, falar o que sentia, tirá-la de situações ruins ou resolver seus problemas. Mas devido à nossa situação complicada, eu tentava sempre me frear. Ir com calma era minha maior luta na nossa vida a dois. Na maioria das vezes eu não queria deixar de ter pressa, mas o fazia para não assustá-la.
— Quer conversar? — espiei seu rosto vermelho. assentiu, saindo de cima do meu peito.
Estiquei-me para acender o abajur ao lado da cama, vendo-a melhor agora com uma luz iluminando seu rosto e corpo, de joelhos sobre o colchão. passou as mãos no rosto, tentando secar qualquer resquício de lágrimas, mas ambos sabíamos que era em vão – ela não parecia ter chorado e colocado tudo o que a tinha magoado para fora.
— Primeiro eu quero pedir que, por favor, não duvide do que e eu sinto por . Por favor, você sabe o quanto eu a amo e das coisas que eu seria capaz de fazer por ela — sua voz voltou a embargar, porém se esforçou para não chorar mais.
Sentei-me na cama, me aproximando de seu corpo trêmulo. Assenti veementemente, jamais duvidei. Mas se era tão importante para ela, concordei imediatamente.
— Essa semana, nos últimos dias… Enfim, desde quando fui demitida, sinto que não existo mais — encolheu os ombros. — Só pareço voltar a ser alguém quando você volta pra casa ou quando preciso levar ao pediatra. E ainda assim, quando converso com outras pessoas, o assunto ainda se resume a ela. E por mais que eu ame ser a mãe dela, eu ainda sou eu. Mas cada dia que passo trancafiada nessa casa apenas em função dela, sinto que desapareço um pouco.
Tinha notado seu desânimo pelo que ela dizia em forma de piadas para amenizar o que vinha sentindo. Mas como eu a via rir de si mesma como sempre fazia, acho que não levei muito a sério a ponto de investigar a fundo com ela.
— Quando você ficou em casa com a gente, foi incrível. Eu desejei que pudesse ficar sempre, porque você é a única pessoa que parece me enxergar ultimamente. O único que me olha nos olhos e me deixa ser a , e não a mãe de . Mas quando você vai embora e ela dorme, me vejo sozinha e me sinto tão solitária — soluçou, fazendo-me correr para envolvê-la em meus braços. — Sei que foi uma decisão que tomei, mas não quero mais isso. Não aguento ver a vida passar enquanto estou aqui, parada, olhando tudo da janela de casa.
— Me desculpe por te sobrecarregar, por não perceber o quanto isso estava te magoando. Não quero te ver infeliz, . Me dói te ver chorando — me afastei minimamente para olhar em seu rosto, e, após ajudar a secar suas lágrimas, a puxei pela nuca, beijando sua boca superficialmente.
— Não foi sua culpa, já disse, foi uma decisão minha. Você apenas me apoiou como qualquer marido faria — ela segurou meu queixo, dessa vez aprofundando o beijo e deslizando a língua contra a minha num beijo lento e sem mãos atrevidas, apenas meus dedos emaranhados em seus cabelos loiros. — Me desculpe pela grosseria lá embaixo. É que eu tenho pensando muito no futuro, em como vou fazer com se eu continuar desempregada até o divórcio.
— Esqueça que esse divórcio existe, está longe ainda. E não se preocupe, não vou te deixar desamparada, jamais faria isso.
assentiu, fungando, e eu afastei seus cabelos de seus olhos.
— Se quer voltar a trabalhar, tudo bem, vamos falar com Elisabeta. Ela sempre manda mensagem falando que está com saudades de nós três. Quem sabe não topa voltar?
— Espero que ela volte. adora ela —
murmurou, ressabiada.
Sorri sutilmente ao reparar no quão adorável ela ficava quando estava de nariz vermelho, e me perguntei se era certo continuar a achá-la linda até mesmo chorosa.
— Vai dar tudo certo — selei nossos lábios. — Agora vamos dormir, sim?
concordou, se ajeitando em seu lado favorito da cama. Depois de algum tempo, me vi abrindo mão daquela disputa boba. Não importava o lado em que eu dormia; o calor de seu corpo era o que deixava qualquer parte da cama aconchegante.
Respirei fundo e, após se ajeitar em cima de mim, fechei os olhos, mas demorei a cair no sono. Por mais cansado que eu estivesse, ainda não conseguia desligar meu cérebro; meus pensamentos processavam tudo o que tinha me dito há pouco. Me senti mal por, de alguma forma, fazer parecer que eu a queria em casa me esperando com tudo limpo e o jantar na mesa. Esperava que ela não achasse que era algo proposital.
Depois de viver anos tentando em vão agradar meu pai, preocupado com o que ele iria pensar ou não sobre mim, eu achava que não me sentiria naquela obrigação com mais ninguém depois de ter me libertado daquela vida. Mas me peguei preocupado com o que acharia de mim mais de uma vez enquanto estávamos juntos. Porém, era diferente do que eu sentia com meu pai; ao contrário dele, eu queria realmente fazer aquilo.
Queria ser melhor por ela e por .
— Você vai ser um ótimo marido, . — sorriu fraco, como se tivesse acabado de ouvir meus pensamentos. — Independente de quem for a escolhida para merecer estar ao seu lado, vai ter muita sorte.
Franzi o cenho e afastei seus cabelos claros do rosto, expondo sua testa para que eu a beijasse. Me remexi debaixo de seu corpo quente, respirei fundo e só assim olhei de volta para seu rosto. tinha o olhar perdido em algum canto do breu do quarto atrás de mim. Suspirei, atraindo seu olhar.
— Lembra do que eu disse ontem? — perguntei e minha esposa negou, confusa. Ri pelo nariz. — Eu quero viver o agora. Quero cuidar de você, do jeito que disse à sua mãe que cuidaria.
— Você não precisa…
— Eu quero — a interrompi. — Você merece.
alternou os olhos nos meus, séria. Me perguntei o que se passava em sua cabeça naquele momento. Se ela duvidava do que eu disse, não queria deixar nenhuma sombra de dúvidas. Eu tinha certeza do que dizia a ela.
— Quando conversou com minha mãe sobre mim? — esticou o pescoço, franzindo o cenho.
— Na noite que você saiu, no aniversário da Anne — respondi.
Lembrei-me com desgosto de sua volta pra casa. Imaginei o que sentiria se a recebesse bêbada falando que tinha transado com outro. Não gostava de pensar. Apesar de na época não ter ligado muito, hoje eu sabia que iria odiar o tal Alex só de saber de sua existência.
— Nem sabia o que estava prometendo a ela quando conversamos sobre você — ri fraco, mexendo em seu cabelo.
Aquela noite pareceu tão distante ao meu ver, visto que já tínhamos percorrido um longo caminho até ali, onde estávamos seguros na confiança que construímos entre nós dois, e eu finalmente conhecia suas mágoas mais profundas. Sentia que era a única pessoa que a conhecia cem por cento e, de algum modo, me sentia o homem mais sortudo do mundo.
— Obrigada — ela beijou minha boca levemente quando esbarrou os lábios nos meus e abaixou a cabeça.
Tive uma espécie de déjà vu. Respirei fundo, lembrando-me do dia em que a busquei no hospital, da atmosfera de medo em que a encontrei, do modo como me senti ao imaginar o que poderia ter acontecido caso tivesse se machucado seriamente naquele acidente. De como quis cuidar dela, como pela primeira vez na vida senti a necessidade de protegê-la. Lembrei-me vividamente de como a despi em nosso quarto e a ajudei a tomar um banho. De como tratei suas feridas e, principalmente, do modo como ela dormiu seminua colada em meu peito.
Meu nervosismo com aquele simples contato foi ridículo. Eu mal podia imaginar que ainda a teria nua sobre mim mais vezes do que poderia contar. E também teve aquele beijo…
— Você se lembra daquela noite… — também se lembrava.
— Sim — tentei conter um sorriso quando a tive se esticando para me espiar. — Por quê? Você queria aquele beijo?
A curiosidade me tomou. Foi a primeira vez que a beijei sem nenhum tesão envolvido; por alguma espécie de impulso, uma carícia inocente. Queria saber se ela pensou no que houve quando desgrudou os lábios dos meus. Porque eu pensei. Me recordava de ter me arrependido de não ter continuado.
Se foi tão bom, por que precisava ter sido tão rápido?
Quanto tempo tínhamos perdido pensando no que o outro iria pensar caso um de nós cedesse. Saber que ainda tínhamos aquele receio me deixava frustrado.
— Não — murmurou, pensativa. — Acho que foi apenas um reflexo.
Tentei não murchar diante de seus olhos.
— Reflexo das nossas vontades, isso sim — comentei, e ela riu junto de mim. Então selou nossos lábios, concordando, por fim.
— Estava na cara que isso não daria certo, desde a festa de casamento.
Pela primeira vez na vida, eu teria que concordar com Anne. Desde que nos agarramos por horas naquela pista de dança, mesmo com meus planos de transar com ela em nossa lua de mel, eu ainda tentei por muito tempo negar que eu a queria.
Mentimos compulsivamente para nós mesmos, era inevitável. Independente de ter passado a noite com outra, de quem tomou a iniciativa primeiro, quais mãos baixaram o zíper… Nada daquilo fazia muita diferença. Afinal, ali estávamos nós, juntos.
— Acha que demos errado? — ela arqueou uma sobrancelha.
— Muito — beijei sua boca. — Muito errado — invadi seu short com a mão, apertando a bunda que eu tanto amava. — Boa noite, — murmurei quando ela voltou a se aconchegar em meu peito.
— Boa noite, .
’s point of view.
Assim que o ouvi respirar mais pesadamente, me desvencilhei de seu abraço. Eu faria aquilo uma hora ou outra durante a madrugada enquanto estivéssemos dormindo. sempre acabava achando uma posição confortável apesar das minhas peripécias na cama. Era assim todas as noites. Era bonitinho ver como ele estava acostumado com minhas peculiaridades.
Apoiei-me em meu ombro dolorido e fiquei quietinha, olhando para seu perfil bem desenhado, observando-o ressonar. Me senti culpada por ter surtado um pouquinho. Não queria ter encarado as coisas daquele jeito, fazê-lo se sentir culpado por eu estar sobrecarregada. sempre me ofereceu todo o suporte do mundo, tanto que às vezes eu nem sabia como corresponder seu carinho e cuidado comigo.
Me aproximei devagarinho, lhe beijando a têmpora após afastar seus cabelos castanhos. Soltei um risinho ao notar que estava ficando calvo, mas nada que o dinheiro que ele tinha não pudesse consertar quando ele bem entendesse. Senti o cheiro de seu shampoo e me aconcheguei em seu travesseiro, em busca de prolongar o aconchego que enterrar meu nariz ali me causou.
Ele não se moveu, apenas passou a respirar pesadamente. Parecia dormir um sono cansado. Passei a emaranhar meus dedos em seus fios sedosos, tentando retribuir o conforto que me proporcionava acordado. Mesmo que ele não pudesse me ver ali, ou ao menos se lembrar de como o toquei e o beijei durante aquela noite, ali estava eu, partilhando minha insônia com ele.
Mesmo se parecendo muito com a solidão, o fato de eu estar ali, sozinha no quarto e a única acordada na casa, ainda não me sentia daquela forma. Naquela noite descobri que me fazia companhia mesmo desacordado, e que ainda era gostoso estar com ele mesmo sem beijos ou suas mãos em meu corpo.
Peguei no sono um tempo depois, sentindo minhas pálpebras pesando toneladas. Não lutei contra, apenas encostei minha cabeça na dele e me entreguei à escuridão dos meus olhos cerrados.
Não durou muito tempo. Logo chorava, provavelmente com uma fralda suja e, com toda a certeza, com fome. se remexeu um pouco, porém me prontifiquei a ir cuidar dela. Mesmo cansada de estar em casa e até do fardo pesado da maternidade, eu ainda amava ser a mãe dela.
Apaguei depois da segunda vez que a coloquei adormecida no berço. Despertei só algumas horas depois, não sabia quantas. Pude ver que já tinha amanhecido e que já era tarde o suficiente para ter saído da cama.
Na verdade, era para eu ter acordado primeiro; ia trabalhar e tinha que se aprontar para sair. Fora que eu tinha dormido demais no fim da tarde de ontem e nas pausas em que consegui fazer dormir. Acho que meu cansaço influenciou nas minhas últimas horas desacordada. Me senti descansada quando me espreguicei na beira da cama e segui para o banheiro.
Desci após escovar os dentes e lavar o rosto. Cheguei na cozinha meio esbaforida, esperando encontrar numa correria para preparar o próprio café e cuidar da bebê. Porém, o que vi na cozinha foi uma cena adorável: preparava panquecas no balcão e balançava a neném agarrada em seu ombro enquanto cantarolava alguma música infantil. A mesa estava posta, com uma xícara junto de um prato, e no centro dela tinha um copo comprido com água e uma rosa solitária dentro.
Ri pelo nariz, estranhando as sensações que aquele detalhe extremamente bobo me causaram.
— Bom dia — tentei comprimir o sorriso, mas não consegui. Ainda parada na soleira da porta, o assisti se virar em minha direção.
— Bom dia, . — também me olhou, não largando de jeito nenhum o tecido molhado da camiseta do pai, preso entre suas mãozinhas. — Venha, preparei o café da manhã.
— Você está atrasado pro trabalho. Me dê ela aqui e vá se arrumar — me aproximei dele, estendendo os braços.
— Não, nada disso. Senta e toma café, eu já deixei avisado que vou chegar mais tarde. Estou ocupado em casa.
Franzi o cenho com a cena de dono de casa que eu estava presenciando. Quem era aquele e o que fizeram com o meu marido?
Ri brevemente diante de sua pose autoritária, mas obedeci, indo me sentar. Ainda fascinada, o vi me servir duas panquecas e despejar café com leite em minha xícara – tudo isso com um braço só, já que ocupava o outro, tatuado. Não pude deixar de reparar naquele bíceps flexionado, com os músculos à mostra enquanto agia naturalmente, se servindo de um pouco de café puro antes de se sentar na cadeira ao lado e ajeitar a neném em seu colo.
A mamadeira dela já estava por ali também, tornando a cena ainda mais familiar – estávamos todos na mesa fazendo uma refeição. Era algo que nunca tive com minha família, algo que eu invejava sempre que acontecia na casa de Grace quando eu estava por lá. Quem diria que um dia eu me sentiria em família sentada à mesa com . Apesar da estranheza de vê-lo ali, ocupando aquele lugar que ainda era vazio em minha mente quando eu imaginava a cena quando era menor, ainda podia sentir o coração se aquecer dentro do peito.
— Prove, você gostou da última vez — disse ele, presunçoso.
Eu só não sabia se era porque estava se sentindo o vencedor do Masterchef ou se tinha alguma coisa a ver com a descoberta constrangedora de Tom sobre estarmos transando. Conhecendo bem , eu apostaria que eram as duas alternativas.
Comi um pouco, achando delicioso como da última vez, e balancei a cabeça positivamente enquanto mastigava. sorriu satisfeito enquanto segurava a mamadeira de .
— Continua muito bom. Acho que você tem jeito pra coisa, só precisa praticar mais — comentei e ele concordou, bebendo um pouco de café.
Olhei em volta e vi que as embalagens de pizza e as garrafinhas de cerveja já não estavam mais ali; a louça estava lavada e não havia nenhum resquício de que minha cozinha esteve cheia de homens na noite passada. Lembrei-me de algo que quis comentar com , mas por causa da confusão, não consegui achar uma brecha.
— Hum, aquele seu amigo de ontem… — comecei e franziu o cenho, desconfiado. — Ele é solteiro?
— …
Ri de seu tom. Era o mesmo que eu usava para repreendê-lo ou censurá-lo. Os papéis estavam realmente invertidos naquela manhã.
— Não é pra mim! — exclamei, ainda rindo. desaprovou meu divertimento, me dando ainda mais vontade de rir.
— Não sei, ele não usa aliança e nunca o ouvi falar de namoradas… ou namorados, não sei — ele deu de ombros e eu concordei silenciosamente. É, nunca se sabe. — Por que quer saber?
— É que ele é o tipo de uma certa amiga minha…
me olhou, curioso, mas houve uma rápida mudança de expressão quando ele parou para pensar em quem poderia ser.
— Não é a Anne — revirei os olhos. — É a Tiffany.
— Ah, sim! Se for ela, tudo bem. Eu até ajudo a juntar os dois.
Dei-lhe um tapa pela implicância, aproveitando o contato para tocar seu braço musculoso.
— Obrigada — me aproximei, selando nossos lábios. — Tente descobrir e me fale, então.
— Nós poderíamos sair os quatro juntos — ele sugeriu, e eu ponderei. É, até que não seria ruim. — Saímos para jantar, pra se distrair um pouco, e de quebra não teremos que fingir nada, porque para David nós somos um casal.
Fiquei receosa. Sentia que todas as vezes que saímos da nossa casa com o objetivo de nos divertirmos, voltávamos com algum problema. O que tínhamos parecia estar fadado ao anonimato. Sempre que tentávamos levar para o mundo fora de nosso quintal, parecia que tudo conspirava contra essa ideia de exposição. A nossa casa ainda era o lugar mais seguro do mundo para se estar ao lado de .
— O que me diz? — ele beijou minha bochecha duas vezes, tirando-me das minhas paranoias. — Se está preocupada com , podemos pedir para Vitória olhá-la, ou até mesmo a própria Elisabeta. Aí já verificamos se ela vai estar disponível para voltar a trabalhar conosco.
Assenti, deixando para lá e ocupando a boca com mais panqueca. Não acho que deveria compartilhar aquela bobagem minha com . Não queria que ele pensasse mais uma vez que eu tinha vergonha de estar com ele ou receio de que minhas amigas nos descobrissem. Digo, ainda não queria que elas soubessem, mas não tinha a ver com o que ele pensava. Não era vergonha, era receio do que Anne iria pensar, da forma como ela se magoaria.
e eu estávamos juntos por comodidade, pela família que construímos juntos, pela amizade e os laços que formamos após passar por tudo aquilo lado a lado. Mas eu sabia que quando ele se visse livre aquela aliança que lhe apertava o dedo, parasse de dormir e acordar ao meu lado todos os dias, se interessaria por outra – ou outras, no caso dele. E eu esperava também conseguir fazer o mesmo.
— Falando nisso, estive pensando sobre ontem e acho que você deveria considerar a ideia de não voltar a trabalhar agora, e sim voltar a estudar.
Mordisquei meu lábio, incerta. Eu também tinha pensado sobre aquilo, mas não com a mesma certeza que tinha quando pensava em voltar a trabalhar. Sabia que desempregada eu não conseguiria arcar com os gastos da faculdade. Foi pensando naquilo que ontem tirei da caixa meus materiais de desenho. Cada lágrima que derramei olhando tudo aquilo me fez perceber que talvez eu nunca pudesse voltar a estudar moda.
Com e prestes a ficar solteira, eu teria que me dedicar a trabalhar, apenas. Não haveria tempo nem dinheiro para estudos.
— Sei que isso significa mais gastos e que te incomoda quando eu te pago coisas, que meu pai te fez achar que te sustento de alguma forma… mas não é verdade, . Não quero que se sinta assim toda vez que receber ajuda e…
Ri sem humor, percebendo o quanto sabia sobre mim. Ele me conhecia tanto que até parecia ler meus pensamentos, o que foi assustador naquele instante, quando acabei de pensar aquilo e ele já se prontificou a resolver meus problemas. Comprimi os lábios, emocionada. era passageiro em minha vida como marido, mas nunca como amigo. Jamais me esqueceria de tudo o que ele fez por mim.
Depois do meu pai, Collin e todos os homens que já passaram em minha vida, eu jamais imaginei que outro entraria e faria tanto por mim. Tinha perdido as esperanças. Não esperava encontrar tamanho companheirismo em .
— O quê? — ele quis saber. E em meio a lágrimas embaçando minha vista, enxerguei seu semblante se tornar preocupado. — Eu falei alguma coisa errada ou…
— Não — ri, secando meus olhos molhados e negando com a cabeça. continuou a me olhar em dúvida, com a pequena ruga entre as sobrancelhas aparente. — Eu pularia no seu colo agora se já não estivesse ocupando o lugar.
Nossas atenções foram para a neném relaxada, aproveitando sua mamadeira aconchegada no colo do pai. Quis rir ao pensar que a pobrezinha finalmente estava tendo seus dias de glória depois de tantos dias de luta convivendo conosco. Agora sem nenhuma briga ou troca de farpas que pudessem estressá-la, apenas aproveitava os momentos em que era paparicada e finalmente tinha paz.
— Também pensei muito sobre minha faculdade nesses últimos dias — funguei, reparando em meus cadernos cuidadosamente empilhados sobre o balcão. — Principalmente em como seria se eu ao menos tivesse me formado. Talvez poderia estar trabalhando na minha área agora, e não pensando em como será voltar para a vida caótica de garçonete.
reprovou aquela ideia com a expressão que fez. Hoje eu já não levava mais como ofensa, deduzindo que ele tinha preconceito com pobres. Parecia-se mais com uma preocupação. O ambiente não era muito propício para mulheres; havia muito assédio, fora a saúde mental abalada por ter que lidar diretamente com o público.
Olhando para trás e vendo tudo o que eu já tinha passado ao lado de Anne e Fanny, com certeza comecei a pensar um pouco como ele – o que, no passado, me daria nos nervos. Mas agora, com um relacionamento mais… evoluído, entendi que aprendemos um com o outro e que estava tudo bem mudar de ideia uma vez ou outra.
— , eu quero ajudar justamente por isso. Como estava dizendo, não quero que pense que estou te sustentando. Quero que pense como um investimento, assim como foi essa casa. Você vai estar mais feliz fazendo o que gosta, vai crescer e tenho certeza que vai querer você mais em casa, e não se matando no trabalho.
Sorri, não conseguindo evitar de imaginar a vida que sonhei em ter sendo descrita pela voz deliciosamente rouca de .
— E eu também quero isso — ele continuou. — Então, por favor, me deixe investir em você.
Foi inevitável não lembrar do início daquele plano maluco, de quando tomava decisões sozinho e eu só ficava sabendo quando as coisas já estavam acontecendo. Vê-lo conversar antes me deixou satisfeita por saber que, de um jeito ou de outro, estávamos crescendo em meio àquele processo todo. E não sairíamos daquele casamento igual entramos.
— Obrigada por isso, por tentar entender as complicações da minha cabeça.
ficou parado, me encarando sério demais para alguém concentrado em apenas segurar uma mamadeira e um bebê. Às vezes queria saber o que se passava em sua cabeça. Naquele momento, era tudo o que eu queria saber.
— Estaria mentindo se dissesse que não queria voltar a estudar agora, então saber que posso contar com alguém é realmente um alívio.
Depois de deixar a casa dos meus pais tão nova e perder minha única parceira recentemente, eu conseguia reconhecer a pessoa que Grace era em minha vida em .
Por mais irônico que pudesse ser constatar aquilo.
— Você não é complicada de ser amada, .
Engoli o nó que me surgiu na garganta, ainda sob o olhar intenso de . Meus olhos voltaram a se encher de lágrimas, porém, eu mais uma vez não os deixei transbordar. Eu não iria chorar por aquilo. Não mais.
— Hoje sei quem foram as pessoas que te fizeram acreditar nisso, mas também sei que estavam mentindo pra você, o tempo todo.
Senti o coração acelerar tão rápido que eu poderia dizer que fiquei tonta por um milésimo de segundo. O rosto queimou, as bochechas com certeza ficaram rubras. Na verdade, meu corpo inteiro queimava por ele. E não era uma sensação parecida com o tesão que me deixava praticamente em brasa diante dos olhos dele. Não, parecia-se mais com… ternura.
Nunca senti nada parecido na vida.
— Venha cá. Sou que nem coração de mãe, sempre cabe mais uma no meu colo.
Se estivéssemos num filme, aquela seria a hora em que a música romântica de fundo pararia de tocar abruptamente.
Parei onde estava, encarando-o com as sobrancelhas arqueadas. Que história era aquela de sempre caber mais uma? Tratando-se de , eu não duvidaria de que já havia acontecido alguma situação e que ele tinha colocado aquela frase à prova.
— Estou brincando, amor — ele puxou-me pela mão, selando sua boca na minha, e o senti rir silenciosamente durante o beijo. Palhaço. — Agora ele está completo.
Me afastei ainda tomando cuidado para não esbarrar em , que permaneceu como estava, mamando completamente alheia a nós dois.
— Bobo — murmurei, beijando sua boca antes de ir até a pia com meu prato sujo. — Agora é sério, me dê ela e vá se aprontar para o trabalho.
Peguei a neném já calculando que ela logo teria sua primeira soneca do dia. Assim eu poderia ligar para Fanny e atrapalhar a folga dela para fofocarmos e contar sobre seu novo pretendente. Eu sentia saudades das nossas conversas.
— O que é isso? — murmurou, abrindo a sacola sobre o balcão como quem não queria nada.
Arqueei a sobrancelha. conhecia o logotipo da loja de Megan, e ele mesmo já deve ter visto o que tinha dentro da sacola porque limpou a cozinha mais cedo. Certeza que estava jogando verde.
— Megan me trouxe pra eu ver se queria algo. Acho que ela pensa que somos coelhos que transam — sussurrei, tapando o ouvido da neném e arrancando uma risada do meu marido. — Quinhentas vezes por semana. Você viu ela insinuando coisas na festa aquele dia?
— Mas nós somos, só não fazemos mais por falta de tempo — ele deu um sorrisinho cínico enquanto mexia no conteúdo da sacola. Pensei em protestar, mas não aguentei e ri antes de formular uma frase.
era um idiota mesmo.
— Gostei desse aqui — ele comentou, e eu ajeitei no colo antes de me virar para olhar.
— Eu não vou comprar dados eróticos, .
Às vezes eu tinha que usar frases prontas e entonações que com certeza usaria com quando ela tivesse idade o suficiente para levar broncas.
— Deixa de ser chata, . Olhe só, tem regras e é um jogo, tudo o que você gosta numa coisa só!
— Não vai se incluir nu no meio disso? Está doente?
Ele revirou os olhos e colocou a sacola de volta no balcão; porém, mantendo os dados na embalagem em mãos.
— Se você não ficar, eu vou — avisou, mas dei de ombros. O dinheiro era dele, mesmo. — Terá que usar comigo de qualquer forma.
Ri com sarcasmo.
— Seguindo essa sua lógica, vamos ter que usar juntos o vibrador que ganhei, então — encarei-o sem nem piscar, doida para ver sua reação e já pronta para morrer de rir.
— O prazer anal não é exclusividade de mulheres.
Arregalei os olhos, perplexa. Não consegui parar de rir. Concordei com a cabeça. Iríamos usar, então.
— Estou brincando, . Nem pense nisso!
— Ok, não está mais aqui quem falou — tentei conter meu riso.
— Vamos usar hoje à noite? Abrimos um vinho…
Tentei. Não consegui segurar por muito tempo.
— Os dados, , vamos usar os dados — se aproximou sério demais, o que só me atiçou a continuar.
— Vai tomar seu banho — retribuí seu beijo. — Mas pense bem na minha proposta — zombei quando ele se afastou o suficiente para ter uma distância segura.
— Já pensei, e a resposta continua sendo “não”.
Gargalhei, atraindo os olhinhos curiosos de para mim. Eu pagaria para ver aquela cena.
O dia se passou arrastando, como sempre, mas tinha algo diferente: o começo do fim da minha angústia. Eu sentia que todo o peso nas minhas costas tinha sido tirado delas. Pensar no que me disse sobre eu voltar a estudar e ter a certeza de seu apoio me deixou nas nuvens o dia todo.
Falei sobre o tal David com Fanny quando ela sugeriu de nos encontramos para ir à minha consulta da ginecologista. Eu iria sozinha com , então foi um alívio ter alguém para ficar com ela durante minha consulta. Tive que inventar uma desculpa esfarrapada para não deixá-la entrar no consultório comigo, onde eu basicamente falei sobre minha vida sexual nos últimos meses e do meu receio em engravidar.
Nos despedimos após um sorvete no shopping ao lado da clínica, onde falamos desde a nova garçonete que foi contratada para me substituir até mesmo do DIU que me foi sugerido pela médica. Claro que Tiffany saiu achando que eu estava tendo encontros casuais; não neguei e a deixei criar toda uma história em sua cabeça.
Fui para casa, dei banho em e, depois de brincar um pouco com ela, consegui fazê-la dormir. Preparei o jantar após tomar um banho e decidi colocar a camisola que tinha comprado para mim na noite do acidente. Quando estava próximo da hora de ele chegar, subi para passar um perfume e um batonzinho. Também prendi o cabelo, deixando minhas costas à mostra.
O carro adentrou a garagem e meu coração acelerou em ansiedade. Tudo parecia prestes a acontecer pela primeira vez entre nós. Eu podia sentir minhas mãos suarem enquanto finalizava o jantar ao lado do fogão.
Aquela fantasia de ser a esposa recatada que esperava o marido depois de um dia de trabalho geralmente me fazia torcer o nariz. Eu não estava ali porque queria, e sim pelas circunstâncias do momento. Mas eu não poderia negar que era divertido e excitante vê-lo voltar para casa e vir direto para os meus braços, vestido naquelas roupas sociais e completamente cheio de saudades de mim.
se fez presente quando deixou o celular, carteira e as chaves sobre a mesinha de centro, indo em direção à cozinha como fazia sempre. Espiei pelo reflexo do vidro da janela à minha frente, e desfez a cara amarrada quando seu olhar pousou-se em mim, queimando em minhas costas e bunda.
— Oi.
Me virei ao percebê-lo ainda distante demais para que eu pudesse finalmente ter suas mãos em mim e seu nariz em meu pescoço. Encostei-me na pia, vendo-o desanimado. Algo com certeza havia acontecido na empresa.
— Dia ruim no trabalho? — fiz careta, recebendo uma afirmativa. — Quer me contar o que é?
negou, desfazendo o nó da gravata.
— Beatrice tem algo a ver com isso? — perguntei, e meu marido assentiu. — Não vou defendê-la, prometo.
Me aproximei dele, sendo finalmente tocada por suas mãos gigantes. me trouxe para perto pela cintura e eu suspirei, beijando sua boca devagar. Minhas mãos passaram por seu peito e subiram até os ombros largos, tensos demais.
— Tome um banho quente. Quando descer, jantamos, e depois vamos namorar um pouco na sala, o que acha? — selei nossos lábios superficialmente.
— Gosto da ideia — ele acariciou meu quadril. — Onde está ?
— Dormindo, por enquanto — consegui arrancar um sorriso dele e me dei por satisfeita. Tinha preparado um dos seus pratos favoritos, e esperava ver mais de onde tinha saído aquele ali.
subiu, deixando-me sozinha na cozinha. Quando voltou, cheiroso e vestindo pijamas, sentou-se ao meu lado, colando sua cadeira na minha, ficando bem juntinho de mim. Percebi que ele estava um pouco carente naquela noite, mas eu não me importava nem um pouco de ser quem supriria sua necessidade de afeto.
Tombei minha cabeça em seu ombro. Enquanto mastigava, depositou um beijo no topo da minha cabeça e deu sua primeira garfada na comida.
— Hum… Isso está muito bom — ele elogiou e eu me afastei, sorrindo em sua direção. — E você está uma delícia nessa camisola — sussurrou ao pé do ouvido. Me encolhi, arrepiada. — Cheirosa…
— Obrigada, que bom que gostou — murmurei risonha, sentindo o rosto esquentar. Tentei disfarçar que aquilo tudo tinha sido calculado para atraí-lo.
— Como foi seu dia hoje? Encarei-o, admirada. Ninguém nunca tinha me perguntado aquilo, pelo menos não com um real interesse em me ouvir contar.
— Já viu as coisas da faculdade?
— Foi normal… — respondi. — Não consegui ter tempo para isso. Fui ao ginecologista só.
bebeu um pouco de vinho, olhando-me com interesse. Era um assunto relacionado a ele também, de certa forma.
— Ela me aconselhou a colocar um DIU. Depois, quando eu quiser ter filhos, é só retirar.
— Quantos dias de abstinência?
Revirei os olhos diante do drama.
— A doutora disse que são vinte e quatro horas só.
— Oh, céus, não sei se vou resistir.
Gargalhei, lhe batendo no braço.
— Mas, sério, você quem sabe. É seu corpo, de qualquer forma.
Concordei em silêncio. Até porque eu não planejava deixar de usar camisinha com ele por conta dos outros parceiros que poderíamos eventualmente ter. Por mais que ferisse meu orgulho pensar naquilo, era a nossa realidade.
— Vou tentar marcar os exames o mais rápido possível — comentei, levando mais uma garfada à boca.
— Que pressa é essa? Tudo isso pra não correr o risco de engravidar de mim?
Confirmei cinicamente, vendo-o ofegar em descrença.
— Pois fique a senhorita sabendo que nós dois faríamos um filho lindo.
— Você só pode estar brincando.
Estávamos passando por perrengue atrás de perrengue com um neném de quatro meses para criar e educar pelos próximos anos; seria muita loucura nossa sequer pensar em ter outro. Principalmente pelo fato de não sermos um casal.
— Não estou, não. Pense bem, — era ele quem não estava pensando. — já se parece comigo, agora está faltando outro bebê parecido com você. Imagine só? Um menininho loirinho correndo pela casa!
Neguei com a cabeça, me recusando veementemente. Eu me arrepiava só de imaginar. Tinha medo de atrair algum espermatozóide para meu óvulo pela força do pensamento.
Pensando bem, acho que seria uma ótima ideia se entrássemos numa espécie de ano sabático de sexo, no qual não correríamos nenhum risco de ter outra criança nos prendendo àquele casamento falso. Já dizia minha mãe, “abstinência é o maior anticoncepcional já inventado, de graça e extremamente natural. Só vantagens!”
não conseguiu segurar por muito tempo o riso que ecoou pela cozinha. Eu o ignorei e voltei a comer. Mesmo fazendo todos aqueles planos de evitar uma gravidez, sabia que o que nos restava mesmo era o DIU e usar preservativos. E parar de transar com ele, àquela altura do campeonato, era impossível – pelo menos enquanto ainda dividíssemos a mesma cama. Até porque nada me tirava da cabeça que tudo entre nós começou a desandar quando passamos a ter que dormir juntos.
Talvez, se tivéssemos permanecido em quartos separados…
Meu marido me despertou de meus devaneios com alguns beijos no pescoço. Me arrepiei instantaneamente quando ele grudou a boca em meu ouvido e respirou contra minha pele. Fechei os olhos, já sentindo o corpo todo esquentar.
A quem eu estava querendo enganar? Aquele casamento todo era uma puta armadilha. Iríamos transar, uma hora ou outra iríamos sucumbir ao desejo! Falando por mim, eu não achava que seria capaz de aguentar ter um homem daqueles de 1,80 andando pela casa vestindo o que quer que fosse sem molhar minha calcinha uma única vez.
Ri do meu pensamento, atraindo sua atenção. Um sorriso divertido lhe ocupou o rosto à medida em que seus olhos verdes me analisavam.
— Qual é a graça, huh? — ele mordiscou o lóbulo da minha orelha. Suspirei audivelmente, virando-me para tomar seus lábios.
— Nada — murmurei contra sua boca.
Não me atrevi a lhe dizer o que se passava na minha cabeça naquele instante, não de novo. já sabia o desejo que eu sentia por ele. Eu já havia soltado tudo o que ele me provocava durante frases entrecortadas entre um gemido e outro. tinha ciência de que eu era completamente louca por ele e que eu jamais mediria esforços para ter mais do que ele já me dava quando me beijava e me tocava do jeito que só ele sabia.
Chegou a me dar uma pontada de raiva ao vê-lo desentendido diante do meu corpo praticamente em combustão. Porém, eu sabia que era incoerente culpá-lo por não saber o quão a fim dele eu estava, afinal de contas, ele mal tinha me tocado direito. Mas eu arriscava a dizer que já não precisava fazê-lo; eu mesma conseguia fazer acender o fogo que ele alastrava por todo meu corpo sozinha, só de reviver todas as cenas que já protagonizamos juntos e completamente nus.
— Já terminou? Vamos logo pra sala.
arqueou as sobrancelhas, praticamente lendo meus últimos pensamentos, já que sorriu safado antes de concordar calado e se levantar com os nossos pratos na mão.
Estava tão prestativo, meu maridinho.
Peguei a garrafa ainda cheia de vinho e nossas taças. foi atrás de outra coisa que me fez revirar os olhos de pura implicância quando vi em sua mão, já sentada sobre o tapete da sala.
— Que comecem os jogos — ele balançou a embalagem engrossando a voz, fazendo-me desdenhar de imediato.
Eu sinceramente não via graça naquilo, mas estava merecendo um agrado, vai. Além disso, não seria um grande sacrifício.
— Me dê logo isso — rasguei a embalagem, soltando-os do plástico e lendo por cima do que tinha escrito em algumas das faces dos cubos. — “Quando o clima está morno, a sugestão é confiar a sorte do relacionamento aos dados” — li, achando graça. Parecia que estávamos casados há anos e sem sexo. Não precisávamos de dois dados de plástico para ter clima para transar.
— “Nesta embalagem contém dois dados eróticos para apimentar a relação por meio de um jogo divertido em que, individualmente, os dois dados devem ser jogados e seus resultados combinados realizados em seu parceiro. Para aumentar a ansiedade, que tal proibir um ao outro de fazer qualquer outra coisa além dos comandos dos dados?” — encarei , que riu após beber um pouco do vinho. — Nossa, divertidíssimo — a monotonia em minha voz deixava tudo explícito.
— Toda vez que desdenha de algo, você adora e depois quer de novo — ele me repreendeu, se aproximando quando neguei com a cabeça, apesar de saber que ele tinha razão. Virei o rosto quando tentou me beijar.
— Nada de beijos, jogue os dados primeiro — o empurrei levemente pelo ombro. — Está nas regras — justifiquei quando riu desacreditado.
— Primeiro as damas.
Apanhei os dados contra minha vontade. Já previa que pagaria minha língua depois. Porém, como tudo o que já fiz com , até mesmo ter meu orgulho ferido era delicioso.
— “Morder. Boca.” — ri em deboche. Nós fazíamos aquilo sem precisar gastar dinheiro com dados.
Engatinhei até ele e notei seu olhar passeando por meu corpo exposto pela camisola curta. Aquela foi a coisa mais sensual que fiz naquele joguinho idiota, e advinha só? Não precisei de dados para isso. Levei minhas mãos em seu rosto, tomei sua boca e a invadi com a língua. instintivamente levou as mãos até meus quadris, puxando-me para perto. Quando lhe dei a primeira mordida, ele prendeu seu lábio inferior em meus dentes.
— Não pode me agarrar — tirei suas mãos dali.
— Está me torturando… — ele riu antes que eu o calasse com outro beijo urgente e molhado. Sua boca era tão gostosa que acho que poderia beijá-lo por horas ininterruptas.
Mordi de novo, com vontade, vendo-o arriscar me agarrar novamente, mas parando no meio do caminho. Tá bom, aquilo até que era divertido. Ao invés disso, tentou se aproximar ainda mais, avançando com a cabeça em minha direção. Outra mordida. Daquela vez, puxei seu lábio superior antes de mordiscar o inferior pela última vez.
— Sua vez — falei, voltando para meu lugar. Me dei conta de que meu coração tinha acelerado só por beijá-lo.
jogou os dados e eu soltei uma gargalhada. “Beijar. Orelha.”
— Eu avisei que essa idiotice não daria em nada — joguei na cara quando ele se aproximou, rindo. tirou meus cabelos do caminho e beijou minha orelha. — Essa é a coisa mais boba da face da Terra.
— Estamos apenas começando.
Então tinha como ficar pior. Suspirei, recebendo outro beijo na orelha.
— Deixe de ser apressada. Isso tudo é pressa pra dar pra mim? — ele sussurrou, deliciosamente perto. Arqueei as sobrancelhas e engoli em seco.
Pior que era mesmo.
— Vá pro seu lugar, minha vez de jogar — resmunguei, jogando os dados contra o chão. “Beijar. Peito.” — Tire a camisa, bonitão.
Eu não iria reclamar daquela, não. Só se eu estivesse louca me recusaria a fazer aquilo.
Mordi o lábio e o vi jogar o tecido cinza para cima do sofá, onde ele estava encostado. Me ajoelhei diante de seu corpo, ainda sob seu olhar penetrante, e prendeu a respiração quando me aproximei demais de seu rosto. Vi quando sua íris mirou em meus lábios recém-umedecidos.
Sorri satisfeita pela provocação e me abaixei um pouco, resistindo à tentação de beijar aquele pescoço e descendo mais um pouco. Meus travesseiros estavam bem ali, movendo-se à medida em que respirava ansiosamente. Decidi ir logo em frente e beijar sua pele.
Ele não resistiu e mais uma vez colocou as mãos em mim; daquela vez seus dedos se emaranharam em meus cabelos loiros, acariciando-os enquanto eu deslizava meus lábios em seu peito quente. Desci minha boca mais um pouco e alcancei sua tatuagem de borboleta. Sabia que estava roubando, mas foi mais forte que eu. Passei a língua nela, sentindo-o ofegar involuntariamente enquanto jogava a cabeça para trás. Eu sabia que quanto mais eu descia, mais próxima do que nós dois queríamos chegar eu estava. Mas ele tinha proposto aquele jogo, então iríamos jogá-lo.
Quando fiz menção de me afastar, vi pegar a camiseta de volta.
— Não, nada disso! — puxei de sua mão. — Se tirou, não veste mais — criei uma regra na cara dura. Quanto menos roupa a gente vestisse, menos resistiríamos e aquele joguinho acabaria mais rápido.
— Tem certeza? Está de camisola. Se tiver que tirar, vai ficar nua.
— É que estou com pressa, sabe? — joguei a camiseta de lado, recebendo um sorriso cheio de segundas intenções dele.
— Minha vez.
Não tinha nenhum espelho por perto, mas tive certeza que minha cara deve ter sido impagável.
— “Morder. Pescoço.”
— Vamos logo com isso, Edward Cullen — revirei os olhos, impaciente.
gargalhou, esticando a mão para tirar meus cabelos do caminho, de novo. Igual a primeira vez, eu não estava criando muita expectativa com aquela combinação. É claro que a simples presença dele e suas mãos mexendo no meu cabelo já eram capazes de me deixar mole. Quando meu marido me deu a primeira mordida no pescoço, eu não aguentei.
Comecei a rir como se estivessem me fazendo cócegas, mas ao mesmo tempo, era dolorido ter seus dentes espetando minha pele.
— Ai! — reclamei, e gargalhou contra meu pescoço, apoiando a mão no chão coberto pelo tapete felpudo. — Isso não é nada sexy! — protestei.
Meu marido me ignorou, acho que pela diversão que meu sofrimento estava lhe proporcionando. Eu tentava me desvencilhar dele, mas a risada me tirou as forças, então me vi encurralada entre o sofá e seus braços fortes.
— Para, eu não consigo respirar — a dificuldade de dizer aquilo entre minha gargalhada apenas o divertiu mais. — Certeza que você me deixou toda marcada — resmunguei, vendo-o sorrir satisfeito.
— Quando deixa marcas, quer dizer que foi bom — ele parafraseou Fanny naquele dia da carona.
— Engraçadinho — tentei arrumar meus cabelos desgrenhados. beijou minha bochecha repetidas vezes. — Cadê a bosta dos dados?
Procuramos pelo tapete e nos demos conta de que eu havia os chutado para longe enquanto esperneava. Joguei-os novamente, vendo que tinha caído “morder” e “orelha” justo na vez dele de receber carinhos.
Estreitei os olhos em sua direção.
— Isso é um roubo. Você adulterou os dados — acusei por pura implicância. Acho que, na verdade, os próprios dados estavam escutando meus comentários negativos e se vingando de mim.
negou com a cabeça, rindo tranquilamente. Virou até o rosto, apontando para a própria orelha enquanto me chamava com a mão.
— Sempre pega as melhores — reclamei pela décima vez naquela noite, e apenas sorria. Como ele me aguentava sendo uma velha rabugenta todos os dias, calmo daquele jeito?
Perceber que viramos aquele casal o qual um é estressado demais enquanto o outro é calmo demais só reforçou minha crença de que não via a hora de se divorciar de mim.
— Sorte de principiante — ele passou o braço pelas minhas costas, trazendo-me para perto quando me apoiei em seus ombros.
Àquela altura eu já não me importava mais com a regra que tinha criado. Estava até arrependida, e quase implorava para que me tocasse. Com o azar que eu estava tendo naquele jogo idiota, talvez poderia me beneficiar com a animação de enquanto eu lhe proporcionava algum prazer.
Sabia que aquele jogo não se tratava de uma competição. Mas se fôssemos contar algum placar, eu com certeza estaria perdendo.
Se iria mesmo perder, que ao menos eu tirasse uma casquinha durante minha derrota. Tomei seus lábios com volúpia, lhe dando um beijo daqueles de cinema, porém com direito à minha língua explorando sua boca inteira. O jeito como seu aperto em minha cintura se intensificou apenas me deixou saber o quanto ficou aceso e ansioso.
De repente passei a entender a diversão do jogo. Ele estava se gabando por estar por cima, mas se esqueceu que aquela era a minha posição favorita.
Larguei sua boca, sedenta por mais. Encostei minha testa na dele e aproximei meus lábios molhados dos seus, até que ele avançou já com a boca entreaberta, pronto para devorar a minha, mas me afastei, deixando-o passar vontade. Rumei para meu objetivo: mordisquei o lóbulo de sua orelha e senti uma satisfação enorme ao notar seu corpo todo estremecer com meu ato. Tornei a morder, daquela vez na lateral da orelha; respirou mais forte, apertando-me mais ainda.
— Se arrepiou, foi? — sussurrei sensualmente, já sorrindo vitoriosa. fez menção de se afastar para me olhar no rosto, porém, eu o segurei pelos ombros mais firmemente. — É horrível, não? Querer tanto uma coisa e não poder ter, mesmo estando literalmente na palma das suas mãos, ao alcance do toque.
Rocei meus lábios em sua orelha à medida que eu continuava a sussurrar, como se lhe contasse um segredo: que nosso desejo um pelo outro já era indisfarçável. Quando, na verdade, nada do que estávamos sentindo ali era realmente um segredo. e eu éramos apenas palavras não ditas. Até mesmo Anne percebia que havia um incêndio entre nós, mas não falava com todas as letras porque não queria acreditar. Ela via a fumaça olhando de fora, não apenas ela, todos à nossa volta.
— Essa ansiedade inquietante é culpa sua, querido — levei uma das mãos até seu cabelo, enterrando meus dedos em seus fios macios e passeando até sua nuca. — Poderíamos estar fodendo em qualquer canto dessa casa agorinha mesmo, mas nããão, você inventou esse joguinho de merda, sendo que sabe que sou sua a qualquer hora que me quiser.
Engoli em seco, tentando me manter sóbria quando senti seus dedos subirem pela parte de trás da minha coxa, que chegaram até minha bunda. a estapeou com força, arrancando-me um gemido involuntário de tão deliciosa que foi a ardência que senti. Ele se deleitou com o som sensual soando ao pé do ouvido.
— Deixando dois dados de plástico decidirem o que iremos fazer um no outro… sendo que você sabe bem que pode fazer o que quiser comigo, não sabe? — me afastei, encarando seu rosto vermelho, sério como nunca. Sua mandíbula marcada demonstrava o quanto ele se segurava para não me lançar logo ao chão e tornar todas as minhas palavras realidade.
Eu adorava o pai que vinha demonstrando ser e o modo como às vezes ele não se importava em provar sua masculinidade. Mas quando demonstrava toda a virilidade que tinha em si, céus, eu tinha orgasmos sem receber estímulo algum.
Os braços fortes, as tatuagens, os ombros largos e escápulas proeminentes, o quão delicioso ele ficava quando estava bravo, até mesmo seus músculos do abdômen marcando em camisetas… Eu olhava para e tinha a certeza de que estava diante de um dos homens mais gostosos que já pisou nesse planeta.
E ele estava me agarrando naquele exato momento.
Foi tudo muito rápido, como um ataque feroz de um leão, que observou paralisado sua presa se distrair para então atacar. me agarrou e me levou ao chão, já se enfiando entre minhas pernas e beijando minha boca com voracidade, deixando-me trêmula enquanto o correspondia e tentava acompanhar sua intensidade.
Tá bom, eu tinha provocado. Mas por mais que quisesse muito consumar tudo ali, naquele momento, admitia a mim mesma que queria fazê-lo esperar mais um tiquinho.
Sabia que era maldade minha, mas tudo bem, vai. Ninguém nunca morreu de tesão, certo?
— Não, não, não, ainda não acabamos o jogo — falei, ofegante.
— Está brincando, não? — seus olhos chegaram a lacrimejar.
— Não era isso o que você queria? — me fiz de desentendida. — Jogue os dados, amor, agora é a minha vez — me afastei o máximo que pude, sabendo que não aguentaria resistir à sua pegada mais uma vez e em tão pouco tempo. Mordi o lábio ao vê-lo desorientado ao procurar os dados, ainda sem camisa e com os cabelos castanhos bagunçados.
“Chupar”. “Livre”.
Desviei meus olhos do chão para encontrar os dele cada vez mais próximos à medida em que ele se aproximava de um jeito sorrateiro, praticamente se arrastando até mim. Suspirei quando ele parou diante de mim e levou as mãos até a barra da minha camisola. a levantou e seus dedos ágeis foram até as barras da minha calcinha de renda pequena – eu estava usando-a especialmente para ele, que mordeu o lábio desejoso quando a viu em mim.
Abri minhas pernas quando a renda delicada terminou de passar por elas e foi tirada de meu corpo. se deitou de barriga para baixo sobre o tapete, beijando as partes internas da minha coxa, assistindo meu abdômen se contrair com a camisola levantada acima dele.
Quando sua língua me tocou lá, a única coisa que consegui fazer foi jogar a cabeça para trás e me apoiar no sofá. O sangue pulsava cada vez mais rápido pelas minhas veias, e eu sempre queria mais e mais. Não me sentia capaz de me ver sem aquela sensação, era um vício delicioso demais para deixar. logo passou a avançar a cabeça contra minha buceta, chupando-a devagar, sem a mínima pressa de acabar. Ele sugava com maestria e, mesmo sendo contra as regras, usou os dedos para me estimular.
Eu gemia manhosa, com as mãos em seus cabelos, rebolando contra sua boca quente, tendo-o cada vez mais dedicado a me dar prazer. Gozei após ter seus dedos me penetrando ao mesmo tempo em que usava a língua habilidosa para fazer aquela combinação perfeita.
Ele sabia muito bem o que estava fazendo, já eu apenas comemorava por ter me casado com ele.
Ainda ofegava quando ele se levantou, apoiou-se no chão e me agarrou pela nuca, com aquela firmeza excitante. Então, me tomou os lábios, fazendo com que eu provasse do meu próprio gosto.
— Eu amo esse jogo — murmurei, ainda com a respiração entrecortada.
— Só o jogo, é? — ele gargalhou contra meus lábios. Assenti, sorrindo cinicamente, fazendo a cara de sonsa que ele adorava, o que o fez voltar a me beijar imediatamente. — Sua vez, amor.
Joguei os dados e, daquela vez, apenas um caiu sobre o tapete: “massagear”. O outro quicou e foi parar debaixo do sofá. Não perdi a oportunidade de torturar meu marido; abaixei-me ali para espiar onde o bendito tinha caído e aproveitei para me empinar em sua direção. Poderia jurar que ouvi seu sangue borbulhar em suas veias, de tão desconcertado que ele estava quando me sentei novamente já com o dado em mãos.
— Bom, já que não vimos qual foi, vamos considerar assim.
Posicionei os dados na seguinte ordem: “Massagear”. “Livre”.
me olhou desejoso, pareceu ler meus pensamentos nada limpos. Assim que o alcancei, fui até o cós de seu moletom cinza e o puxei até que sua cueca clara ficasse à mostra. Beijei sua boca superficialmente, que estava sedenta enquanto procurava a minha. Eu brincava de chocar nossos narizes somente pelo prazer de fazê-lo ansiar pelo meu toque, seja em seu pau ou em seus lábios.
Beijei-o devagar à medida em que invadia sua cueca e libertava seu pau já ereto e molhado. Sorri ao notar seu abdômen se contrair com minhas mãos apenas deslizando por toda sua extensão rosada e repleta de veias.
gemeu quando continuei a me divertir e passei a fazer movimentos com o polegar, circundando a cabecinha quando a alcancei. Olhei para seu rosto retorcido em prazer e senti um poder absoluto por ele, como se tudo estivesse em minhas mãos: seu tesão, sentidos e coração. Se eu fechasse os olhos, podia ouvir suas batidas frenéticas ecoando junto de nossas respirações falhas. Saber que tudo aquilo estava acontecendo por minhas mãos me fazia sentir incrível.
— Um dos meus sons favoritos no mundo — confessei após ouvi-lo gemer rouco novamente à medida em que aumentei a velocidade da punheta.
pegou meu rosto com ambas as mãos, afastou meus cabelos do caminho e beijou demoradamente cada ponto ao seu alcance. Os dedos largos passearam por meus ombros, descendo leves pelos braços e arrepiando por onde passavam, levando consigo as alças da camisola que eu ainda usava apesar do calor insuportável que fazia naquela casa.
Em momentos como aquele, em que nos entregávamos aos nossos desejos, sem máscaras ou meias verdades, até mesmo uma simples calcinha parecia ser roupa demais.
Mordi o lábio com força quando sua mão grande me agarrou um dos seios. Seu tronco rígido veio ao meu encontro e eu revirei os olhos ao senti-lo brincar com o mamilo rijo, massageando enquanto sua boca fazia o trabalho sujo de me deixar completamente molhada ao deslizar sem direção pelo meu pescoço. Gemi quando ele sugou minha pele próxima à clavícula. Meu quadril ganhou vida própria ao se remexer involuntariamente, sonhando em montar e sentar nele como se não houvesse amanhã.
Oh, sim, era o que eu mais queria naquele momento.
Solucei quando ele desceu mais e abocanhou meu seio, trazendo-me para si após passar um dos braços por minhas costas. Nossas coxas se chocavam, o suor nos fazia escorregar um no outro e eu perdi a noção do meus movimentos com a mão. Foi tudo muito rápido. finalmente fez o que eu sonhava acordada naquele instante: me puxou para seu colo e deixou-me de pernas abertas em cima de seu pau.
Esfreguei-me nele, rebolando sobre suas coxas. agarrava meus quadris com tanta força que eu já poderia prever as marcas de seus dedos gravadas na minha pele. Era tanta possessividade que me deixava cada vez mais excitada. Era como se ele me prendesse a si tão forte que nem mesmo eu conseguiria me separar de seu corpo. E eu nem queria. Poderia ficar colada em seu peito daquele jeito por anos se fosse humanamente possível.
— Merda — reclamei depois que as alças da camisola prenderam meus braços e limitaram meus movimentos. percebeu e me ajudou a livrar os braços, só que com toda a afobação, estava difícil de tirar.
Ri junto dele, erguendo os braços para que ele deslizasse o tecido para fora de mim, deixando-me complementarmente nua em seu colo. Me arrepiei toda quando deslizou as pontas dos dedos por minha pele exposta, subindo do meu quadril para meu pescoço, onde agarrou a raiz de meus cabelos para puxar.
— Amor… — disse com sérias dificuldades de formular uma frase sequer.
Queria pedir por ele, implorar se fosse preciso. Felizmente me entendeu com o olhar e sorriu safado quando me percebeu sedenta por si. Porém, não tinha muita moral porque eu sabia bem que ele também me queria e era louco por mim.
Mordi o lábio desejosa quando me levantou um pouco para encaixar-se na minha entrada. Desfaleci em puro êxtase conforme me sentia completamente preenchida. grunhiu contra meu rosto, também imerso em prazer.
Conforme subia e descia, mais suados ficávamos, mais o coração acelerava. E apesar de todos esses sintomas levarem a uma exaustão preocupante, ainda nos movíamos em busca do ápice, que veio primeiro para , que tirou de dentro antes de explodir enquanto se tocava, espirrando em minha barriga.
Me lancei ao seu lado e dedilhei minha intimidade, sendo assistida de perto por ele, que logo substituiu minha mão e penetrou-me com seus dedos ágeis. Joguei minha cabeça para trás, apoiando-me no sofá ao tentar normalizar a respiração.
Ficamos ali na sala, sentados no tapete e bebendo mais um pouco de vinho depois, conversando baboseiras um pouquinho alto pela brisa que o álcool nos trouxera.
A semana estava no seu fim. e eu nos provamos ótimos cupidos após conseguirmos com que Fanny e David trocassem telefones e conversassem antes de decidirem se queriam realmente tentar se conhecer melhor num encontro conosco – sem muita pressão, é claro. No fim das contas, deu tudo certo. Não era pra menos; Tiffany, além de linda, com aqueles cachos maravilhosos ainda por cima, era muito engraçada e divertida. Sempre lhe disse que o cara que conseguisse tratá-la como ela merecia seria muito sortudo. Pelo pouco que e os caras do trabalho conheciam David, ele parecia um bom candidato ao cargo de meu cunhado. Tanto que o próprio comentou que, se ainda tivéssemos Grace conosco, ele seria a favor de tê-la namorando alguém como o amigo.
O aniversário de estava bem próximo, e aquele comentário sobre a irmã não tinha sido feito aleatoriamente como ele quis que soasse quando o fez. Eu o tinha notado meio pensativo nos últimos dias. Estava como no Natal: cabisbaixo. Datas comemorativas ganhavam outro significado quando alguém tão importante para nós vai embora. Mas eu esperava poder fazer algo para animá-lo. Afinal, era seu primeiro aniversário sem Grace, mas o primeiro com .
O bebê de apenas quatro meses se mostrava cada vez mais ser um novo significado de vida para nós, mesmo sendo tão pequenina e inocente. Mesmo sem saber da importância que tinha sua simples existência.
— Pronto, deixei ela com Victoria — murmurou após adentrar o quarto e se sentar na cama. — Os gêmeos ficaram loucos. Eles adoram .
Sorri pelo espelho, terminando o risco do delineado preto.
— Sinto que ela também gosta de outras crianças — comentei. No aniversário que fomos, a vi animadinha assistindo às outras crianças correndo pra lá e pra cá. — Fiquei sem jeito de pedir o favor a Victoria. Ainda bem que ela topou cuidar dela.
— Não se preocupe com isso, . Ela mesma disse que é bom para matar a saudade dos filhos bebês.
Arrumei meus cabelos e, após borrifar perfume nos pontos certos, já estava pronta.
— E nós voltaremos logo, não vai nem dar tempo de ela dar trabalho.
Ri pelo nariz, ajeitando minhas roupas em frente ao espelho. Elisabeta estava fora da cidade naquela noite, mas disse que voltaria a tempo de ficar com para o aniversário de e nos próximos dias assim que eu resolvesse os trâmites de voltar para a faculdade. Nós três conversamos por um tempão. Nada havia mudado; ela ainda era a mesma babá responsável e apaixonada por . Foi um alívio saber que a teríamos de volta e que não precisaríamos colocar uma estranha dentro de casa.
— Tem certeza que não estou muito simples? — analisei minhas roupas, incomodada por sair para jantar de jeans. Mesmo com a sandália de salto, fiquei com medo de estar muito despojada.
— Está linda, já disse — ele surgiu atrás de mim no espelho.
— Não foi isso o que te perguntei — arqueei as sobrancelhas.
— Não é um restaurante chique. Eu não te levaria num lugar desses, você não gosta.
Concordei, tentando conter o sorrisinho satisfeito que lutava para ficar à mostra.
— Isso responde sua pergunta? — passou o braço por minha cintura, forçando-me a virar em sua direção.
Finalmente deixei o sorriso escapar. Assenti no meio do caminho que fiz ao avançar até seu rosto, onde o beijei antes de tomar sua boca devagar. Suspirei quando nos separamos um pouquinho para respirar. Passei os braços para seu ombro e o tive se inclinando para mais um beijo seguido de outro, e mais outro. Tive que parar quando já o sentia apertar minha bunda e me puxar cada vez mais para perto.
— Acho que já deu tempo de eles decidirem se vão se pegar ou não, né — ri, me desvencilhando dele.
Meu marido concordou, puxando-me pela mão para deixarmos o quarto. Apaguei as luzes e fomos para o carro.
Estávamos nos atrasando propositalmente, deixando os dois sozinhos no restaurante para não cortar o clima do primeiro encontro de ambos estando presentes nos primeiros minutos em que se conheceram. A nossa desculpa foi . Não foi uma grande mentira, afinal de contas, antes de levá-la para a vizinha, eu lhe dei um banho e arrumou sua bolsa com tudo o que seria necessário para ficar com ela por algumas horas. Além, claro, da nossa despedida dramática de pais de primeira viagem.
Quando chegamos ao restaurante, fiquei mais tranquila quanto à minha roupa. Era um local bem gostosinho de comer; havia algumas mesas ao ar livre no salão extenso do lado de fora, e dentro era um ambiente descontraído. Fanny acenou em nossa direção quando nos viu passar pela porta de entrada.
Notei seu olhar brilhoso e sorri empolgada. Acho que desencalhei uma amiga! Agora só faltava Anne e… eu. Bom, meu caso seria um pouco mais difícil. Além de mãe solteira, eu ainda não poderia contar com o seleto círculo de amigos do . Acho que nem se revelássemos a farsa toda, seria estranho me envolver com algum deles depois de já ter me casado com .
— Nos desculpem pela demora, com o bebê e ter que deixá-la com alguém… — começou, dando a desculpa esfarrapada. O bom era que os dois não tinham desconfiado de nada.
— Bom, antes tarde do que nunca, não é? — Rimos brevemente e troquei um olhar cúmplice com meu marido. — Já pediram algo pra comer?
— Não, estávamos esperando vocês — Fanny respondeu, sorrindo em direção a David, que se remexeu na cadeira ao lado de e devolveu o sorrisinho a ela.
— Pedimos apenas algo pra beber quando ficamos um pouco no bar, esperando a mesa ficar disponível.
Assenti para ele, cutucando com o pé debaixo da mesa enquanto cutucava Fanny com o cotovelo discretamente. Ela tinha a obrigação de me contar tudo em detalhes.
— Então já deu para se conhecerem um pouquinho, vai? — sorri sugestiva, deixando-os sem graça. David, tudo bem, mas eu sabia que Fanny era tudo, menos tímida.
— Amor, pare de envergonhá-los — a mão de alcançou a minha por cima da mesa. Quem ficou envergonhada fui eu. Pedi desculpas a David somente, porque Fanny já tinha me feito passar vergonhas maiores que aquela.
— Está tudo bem, — o amigo de desdenhou. — É normal ter curiosidade, afinal, vocês nos apresentaram.
— Se importaria se nós mudássemos de lugar? — sugeriu e Fanny o encaroum confusa. — Quero ficar mais perto da minha esposa.
David concordou de imediato, até porque ainda era o chefe dele, no fim das contas. Talvez aquele fosse o motivo de toda sua compreensão diante da minha “curiosidade”.
Me prontifiquei a levantar para ir onde ele estava, sentando-me mais próxima e sendo recebida por um beijo na bochecha. Entendi que, na verdade, queria deixá-los mais próximos. Mas no início não ficou muito claro, principalmente para Tiffany, que ficou nos olhando estranho pelos próximos minutos.
Tentei me afastar e puxei a cadeira para mais perto da mesa, o que não passou despercebido por , que suspirou e avisou que iria ao banheiro. Me senti mal enquanto ele não vinha. Queria que as coisas pudessem ser diferentes, queria poder contar a Fanny.
Mas tinha receio do que ouviria dela, do que ela iria pensar. Eu já previa que ela não acreditaria na nossa versão da história e que criaria uma alternativa alegando diversas coisas que não aconteceram e nem iriam acontecer. Diria que estávamos apaixonados, que confundimos as coisas e blá, blá, blá, sendo que eu e nunca demonstramos nada disso um pro outro. Aquilo nem ao menos passava pela cabeça dele.
E nem na minha, é claro.
Imaginava que ninguém de fora conseguiria acreditar em nós, que seria possível transar e dormir na mesma cama mas, ainda assim, não desenvolver sentimentos.
Meu marido voltou, e com ele o garçom com nossos pratos. Com a distração da comida e o papo que estava tendo com David, Fanny desencanou de nos analisar, dando assim uma folga ao meu nervosismo. Apesar da culpa que eu sentia, sabia que estávamos melhor assim.
parecia mais tranquilo. Ele tentou não me tocar muito durante o jantar, somente quando necessário, como quando David perguntou há quanto tempo estávamos juntos. Eu sabia o quão difícil era mascarar nossa intimidade para alguém tão próximo de nós como Tiffany. Eu mesma tive que disfarçar sorrisos quando deu um jeito de me tocar discretamente, tentando suprir sua necessidade de sempre ter as mãos em mim, o que no caso dele parecia também ser um vício. Sua mão grande procurou pela minha por baixo da mesa. Ele também tocou minha coxa algumas vezes, acariciando-me.
O jantar fluiu bem. Conversamos bastante e também lhes demos espaço para conversarem sozinhos na mesa. No fim, a estratégia de se mostrou muito eficiente. Estar casada com ele e vendo-o mais tranquilo em relação às mulheres de vez em quando me fazia esquecer que tinha me casado com a versão britânica de Hitch, o conselheiro amoroso feito pelo Will Smith naquela comédia romântica. Eles beberam vinho branco, coisa que Fanny e sua alma de pobre rica adorava, e sabia. Eu não bebi, não estava muito bem do estômago e, como tudo o que os ricos gostavam, eu não ia muito com a cara.
— Vamos ligar para Victória? — levou a mão ao meu rosto, tirando meus cabelos dos olhos. Fanny, que conversava com David, se distraiu no que ele falava nos ouvindo discretamente.
Não no meu caso. Eu já a conhecia muito bem para saber que ela era uma fofoqueira de mão cheia, e que por mais que tentasse disfarçar, eu sabia que ela era ótima em ouvir a conversa alheia.
— Sim, eu vou lá no balcão — tentei alertá-lo com o olhar de que éramos observados, mas não se tocou e se inclinou para me beijar.
Me levantei rápido morrendo de dó, afinal, eu mais do que ninguém sabia o quanto ele estava se esforçando. Só tinha me beijado uma vez desde que nos sentamos, e na bochecha ainda!
Liguei para o celular de Victoria, que não atendeu de primeira, porém me retornou em uma chamada de vídeo, melhor que encomenda. Vi dormir tranquila na cama, bem agasalhada e acompanhada de seu inseparável jacaré de pelúcia que ganhou do pai de Natal. Contei como estava sendo o jantar e desliguei quando ela me deixou tranquila ao relatar que foi muito boazinha e que eu não deveria me preocupar com o horário de volta.
Quando voltei à mesa que eu ocupava há pouco, a encontrei praticamente vazia. Somente estava ali, mexendo em algo no celular. Assim que me sentei ao seu lado, o vi deixar o aparelho sobre a mesa. Ele focava em seus e-mails pelo conteúdo que aparecia na tela.
Fiquei intrigada com o fato de ele ter deixado o celular de tela pra cima para que eu pudesse ver que não trocava mensagens com ninguém específico. Pareceu bem proposital, e eu não esticaria o pescoço para olhar caso ele tivesse mantido o telefone longe do meu alcance.
Não poderia agir como namorada dele. Mas estava satisfeita por não precisar me preocupar com a ideia de ele estar conversando com outra pessoa.
Não que eu deveria ligar, aliás.
— está ótima, no décimo quinto sono na cama de Victória — sorri sem graça, esperando que ele não estivesse bravo pelo que fiz antes de deixar a mesa.
e eu até que tínhamos um relacionamento saudável, digo, teríamos se fôssemos realmente um casal. Aquele meu receio de começar uma briga não era comum entre nós agora, e só acontecia por nossa necessidade de nos esconder. Em casa era tudo muito tranquilo. Eu podia ver como tínhamos uma boa amizade, companheirismo e respeito. Voltei a pensar no que tinha dito a ele quando me consolou; era um marido incrível.
— Eu vou te levar pra jantar outro dia, e aí será só nós dois.
Aquele não era o assunto que eu tinha acabado de começar; na verdade, era o que eu queria evitar. Era o que parecia estar entalado em sua garganta, e me surpreendeu sua compreensão.
— E vou te beijar a cada garfada que dermos na comida — ele pegou meu queixo, sendo incisivo e muito sexy com toda a certeza que pronunciou cada uma das palavras ditas.
Deixei me beijar.
Nossa, que frase ridícula, principalmente se tratando do meu próprio marido.
Apesar de adorar o fato de ter sido convidada para um jantar enquanto já estava sendo levada para jantar, amar o gosto do seu beijo e ter certeza de que queria que ele me beijasse a cada piscada que meu olho desse aquela noite, tive que me afastar por medo do casal vinte voltar.
Vi que tinha uma notificação em meu celular e o desbloqueei assim que vi que fui marcada em um story.
— Eu não acredito no que Fanny postou — murmurei, visualizando a foto de nós quatro no restaurante. — Anne vai ter um filho quando ver. Se é que já não viu.
Fanny não contou a Anne que iríamos àquele encontro duplo e foi completamente repreendida por mim. Porém, eu entendia que minha amiga não queria contar a ninguém enquanto não desse certo com David. Ainda mais sendo Anne, que eu conseguia admitir – mesmo amando muito –, às vezes era ciumenta e pegajosa. Ela com certeza falaria algo sobre não ter sido convidada, apesar de ser meio que óbvio que não a chamaríamos, já que era solteira. Eu esperava que ela entendesse, porém, já previa ter que explicar aquilo no mínimo duas vezes até que ela deixasse de ficar emburrada.
— Ah, vai — comentou e eu me arrependi de pensar alto. Ele tinha um radar ligado quando o assunto era falar mal de Anne. — E se for menina, ela vai chamar de “”, de tão invejosa que é.
— Amor — o censurei, devolvendo o celular à mesa. Ele às vezes parecia a personificação da Regina George. Coincidentemente, essa face dele só vinha à tona quando o assunto era Annelise.
Fanny e o amigo de tinham ido ao banheiro, e, depois de demorarem mais que o normal, comecei a entender o que deviam estar fazendo longe de nós. Basicamente o que fizemos na casa de Megan: se pegando.
Já estava preparando minha cara de paisagem quando eles voltassem à mesa. Depois ela me contaria tudo, mesmo.
— O que foi? — o encarei de volta, estranhando seu sorrisinho idiota. Eu o tinha repreendido e ele tinha gostado?
— Você — me indicou com o queixo. — Me chamando de amor…
Ah, era isso.
— O que tem? — revirei os olhos. Não era nada de mais. — Você me chama assim o tempo todo.
— Porque você é.
Será que ele tinha noção do que falava pra mim? Às vezes parecia que não.
Ri em sua direção. Ao mesmo tempo em que sorria, eu sentia meu estômago se desdobrar. Se as famosas borboletas realmente existirem, as minhas estavam fazendo um verdadeiro carnaval dentro de mim naquele exato momento.
se aproximou e selou nossos lábios.
— Sou, é? — sussurrei de olhos semicerrados, imersa em nossa atmosfera particular, inertes a todos aqueles desconhecidos que jantavam nas mesas vizinhas.
— É.
Suspirei contra sua boca, que tomou a minha com um beijo mais duradouro daquela vez. Aquela sensação de estar de coração aquecido era simplesmente viciante. Me perguntei como nosso corpo poderia reagir a algo tão simples de uma maneira tão gostosa.
— É o meu amor — ele sussurrou, chocando o nariz contra o meu.
Um frio intenso me atingiu a barriga. Ofeguei, sentindo meu corpo todo reagir à sua voz soando tão próxima.
— Não tem ninguém olhando — o alertei. Seria algo que ele deveria dizer na frente de nossos vizinhos, por exemplo. não precisava ser o marido atencioso e apaixonado em alto e bom tom; estávamos sozinhos naquela mesa.
— Eu não preciso de platéia pra expressar o que sinto.
O friozinho de antes se transformou num vendaval. As borboletas que mencionei anteriormente agora voavam desordenadamente pelo meu estômago. Eu sentia como se algo tivesse acabado de explodir dentro de mim. E por mais que aquela descrição pudesse simbolizar algo ruim como uma destruição, era uma sensação incrível.
— Eita, como meu marido está romântico hoje — não resisti e me permiti lançar meus braços em seus ombros, sendo abraçada para mais perto. — Me leve pra jantar todos os dias, eu aceito.
— Eu posso te acostumar com isso.
Sorri, selando nossos lábios. Eu também poderia me acostumar.
Me dispersei ao perceber a presença de David ali. Nunca fiquei tão aliviada em ver seu rosto.
— . Fanny está te chamando no banheiro.
Assenti, deixando-os na mesa e torcendo para que e eu não fôssemos o assunto de David e Tiffany na volta pra casa. Se ele relatasse que nos pegou tão perto um do outro sem necessidade, minha amiga sacaria tudo.
— Ah, você veio — ela recebeu-me ansiosa na porta do banheiro espaçoso.
Minhas atenções foram direto para o espelho atrás dela. Não era nem por vaidade, era só para checar se minha arrumação a caminho dali tinha surtido efeito. Meus cabelos estavam no lugar, mas o batom já tinha ido com Deus após os beijos trocados a mesa. Esperava que sua euforia a distraísse.
— E aí? O que está achando? — Fanny pegou-me pelas mãos. Reparei em seus olhos castanhos brilhosos e sorri.
— O que VOCÊ está achando?! — devolvi a pergunta, a chacoalhando. — Eu acho que você está finalmente desencalhando.
— Olha quem fala! Seu casamento é falso, querida, esse título ainda te pertence.
A loira peituda da mesa ao lado nos olhou estranho enquanto lavava as mãos.
— Sério que acha isso? — minha amiga continuou. — Imagina que sorte a minha, um gato desses!
Concordei meio sem graça. Na verdade, eu não tinha reparado muito em David, não. Devia ser porque ele era amigo de ou porque logo que o vi, pensei em quanto ele e Fanny ficariam lindos juntos.
— Falando nisso, eu te devo uma. Sei que não suporta ter que ficar de romancinho com o , mas essa ajuda que estão me dando será recompensada. Fico de babá sempre que precisarem transar com outras pessoas.
Limpei a garganta e sorri amarelo.
— Está tudo bem, amiga — desdenhei, disfarçando. — e eu agora estamos mais… mais amigáveis — suspirei após finalmente soltar aquilo. Nunca tinha sido tão difícil mentir para ela, principalmente depois de sair daquela mesa após ouvir o que ouvi e sentir todo aquele turbilhão de sensações.
Parecia mentira até mesmo para mim.
— É muito bom saber disso. Não falei antes porque tinha medo de você me matar, mas eu gosto muito do e fico muito feliz de saber que agora são amigos.
Sorri em sua direção, sabendo que se quisesse contar a ela, tudo ficaria bem. Mas eu não poderia esconder algo tão grande de Anne. Ela surtaria, principalmente se Tiffany soubesse de tudo e ela não.
— Resolvemos seguir seu conselho. Você estava certa quando disse que não era bom pra viver no meio das nossas brigas — reconheci genuinamente. — Mas sobre sua amizade com , contanto que você não goste mais dele do que de mim, por mim tudo bem.
— Impossível — ela me abraçou de lado.
— Tá, agora vamos logo antes que pensem que estamos fazendo hora pra fugir da conta. — apressei a morena, ainda abraçada a mim enquanto íamos em direção à saída.
— Não seja boba. É óbvio que não vão nos deixar pagar — Fanny revirou os olhos. — E eu nem quero, também. — Ri junto dela. — Parece até que não conhece . Ele pode ser de mentira, mas te trata melhor que muito marido real por aí.
Concordei, fechando bem minha boca. Se eu fosse listar as qualidades de marido de para ela, ficaríamos ali por bastante tempo.
— Ah, mais uma coisa. Acha cedo pra… você sabe?
— O quê, transar? — Não entendi a censura e muito menos a pergunta. Desde quando aquilo era um tabu para nós? — Claro que não!
O sorrisinho dela me fez perceber o quanto estava encantada com David. Entendi o receio de ir para cama com ele no primeiro encontro; ela estava preocupada com o que ele acharia dela. O que era inédito, tratando-se de Fanny.
— Ele me chamou pra casa dele depois daqui.
— E o que você disse?
— Talvez…
Revirei os olhos fazendo-a rir baixinho.
— Tá bom, eu vou — falou, como se fosse fazer um grande sacrifício, o que nós duas sabíamos que era mentira, puro drama. — Algum casal tinha que transar essa noite, não é mesmo?
Não segurei o riso sarcástico.
Não tínhamos planos para nada quando chegássemos em casa, mas a vida de casados era daquele jeito mesmo – não fazíamos planos de transar, e, na maioria das vezes, eu estava com as calcinhas mais feias possíveis. Mas tudo bem, afinal, nunca sequer reparou nelas quando as arrancava de meu corpo.
— Aí estão elas — David anunciou quando nos viu chegando.
me estendeu a mão, puxando-me para perto assim que estive numa distância pequena de seu tronco. Espiei por cima do ombro e vi a loira do banheiro nos observar, curiosa. Passei o braço por trás das costas dele e o abracei pela cintura.
Era de mentira, mas era meu.
Eles, é claro, pagaram a conta e fomos em pares em direção a saída. Cutuquei quando vi David abrir a porta do carro para minha amiga, que entrou toda idiota e acenou para nós lá de dentro. Ela parecia uma princesa de contos de fadas, quase suspirava diante de nós.
O manobrista ficou de pegar o carro, então aguardamos no meio-fio do restaurante.
— Amor — me chamou e eu murmurei algo, o esperando terminar de falar. — Acha que consegue levar o carro hoje?
— Ai, — reclamei, já sendo envolvida por seus braços. — Quanto de vinho você tomou hoje?
— Se não quiser, tudo bem. Eu só perguntei porque estou um pouco sonolento, só isso. Não estou bêbado nem nada, podemos ir tranquilos.
Respirei fundo, o analisando com receio. Sempre tive mania de fazer tudo certo; quando se tratava de nossa segurança, então, o meu senso de responsabilidade apenas se aflorava ainda mais. Éramos tudo o que tinha nesse mundo. Não poderia nem pensar em algo ruim nos acontecendo.
— Tudo bem, eu dirijo.
— Tem certeza? — ele beijou minha testa num gesto carinhoso que me fez sorrir timidamente. Assenti, mesmo não tendo muita certeza, na verdade. — Sei que você consegue. Vou estar ao seu lado o tempo todo. Se não quiser mais, trocamos.
Concordei, já sendo solta. O manobrista desembarcou do veículo e foi em direção a para lhe entregar as chaves de volta. Ri baixinho quando vi meu marido recusar e apontar para mim, dizendo que eu era a dona do carro. estava levando a sério demais aquela história de que “o que é meu é seu também”.
Entrei já realizando meu ritual, que consistia em tirar a sandália de salto, ajustar o banco e o retrovisor, afivelar o cinto de segurança e fazer uma prece para que o airbag estivesse funcionando, mas ao mesmo tempo, torcendo pra não precisar testar. Fiz tudo nervosa demais para notar que estava sendo observada.
— O que foi? — espiei de canto de olho. O sorrisinho que ele lutava para esconder estava ali, cada vez mais aberto.
— Nada, é que você fica tão bonitinha concentrada.
Revirei os olhos, não conseguindo evitar de acompanhá-lo no riso.
— Para, você está me desconcentrando — estiquei o braço para bater nele de leve. Porém, antes mesmo que o tocasse, segurou minha mão no ar, levando-a até a boca e depositando um beijo no dorso dela.
Como se ignorasse completamente meu apelo anterior, meu marido se lançou em minha direção mesmo com o cinto o puxando para trás. Pegou meu rosto e o levou para si, beijando minha boca com selinhos simples.
— Me leve pra casa, — sussurrou ao pé do ouvido, deixando beijos pelo meu pescoço. Encolhi meus ombros, arrepiada.
Queria poder nos teletransportar para nossa casa, na cama, para ser mais específica.
— Vá para seu lugar — falei risonha, empurrando-o pelo ombro. — E se comporte.
ergueu ambas as mãos em sinal de rendição, mas ainda manteve os olhos de esmeralda pousados em mim durante todo o início do trajeto. Como se aquele olhar já não fosse o suficiente para me atrapalhar em minha concentração, ele ainda fez questão de ligar o som e deixar tocando The Weeknd, cantando e dançando preso no banco.
Em meio aos meus risos e tentativas de estapeá-lo para que ele parasse, notei pelo retrovisor um carro escuro que vinha atrás de nós. O carro de David era cinza, então descartei a possibilidade de ser ele com Fanny no passageiro. Me senti estúpida ao pensar que tinha algo ali, mas ao mesmo tempo, senti algo estranho.
Troquei de faixa para conferir e ele veio atrás. Apertei o volante para descontar meu nervosismo, me perguntando se não estava ficando paranoica. Fiz de novo e fui acompanhada novamente. estava distraído com o celular e não notou nada. Tive medo de parecer uma louca, então fiquei quieta.
Respirei aliviada quando a cancela do condomínio subiu e permitiu minha passagem, depois abaixou. Reduzi a velocidade para ter visão da portaria enquanto seguia para a rua de casa e notei que não apareceu outro carro atrás do nosso.
Talvez aquele carro nos seguindo tenha sido apenas coisa da minha cabeça.
— Vamos lá buscar ?
Concordei, ainda meio atordoada, fechando a porta do carro já na garagem. Saímos pelo portão e apertou o botão para baixá-lo. Esperei por ele no meio-fio, ainda olhando para longe, como se esperasse que o carro preto surgisse ali e dobrasse a esquina.
— O que foi? Foi pior que a última vez?
Franzi o cenho ao ser tirada de meus pensamentos ruins.
— Pegar o carro…
— Ah! Sim, fiquei receosa — disfarcei, sorrindo amarelo. Só queria pegar e voltar para casa, trancar as portas e fechar os olhos para dormir sabendo que estávamos juntos e seguros.
— Achei que você foi muito bem hoje — ele tinha razão, mas não era muito difícil dirigir pelas ruas praticamente vazias. O que me amedrontava, geralmente, era disputar espaço na rua com outros carros. — Está perdendo o medo.
Mal sabia ele que o medo que me dominou atrás daquele volante dessa vez era outro.
Encarei nossas mãos quando entrelaçou os dedos nos meus, puxando-me para andarmos mais rápido. Me senti estranha, mas no bom sentido. Sabe quando se anda de mãos dadas pela primeira vez com o namoradinho na adolescência? Então, a mesmíssima sensação. Chegamos na casa de Victoria assim; só largamos as mãos quando ela nos trouxe a neném sonolenta.
Ao contrário de Fanny e David, e eu realmente não transamos naquela noite. Além do sono causado pelo vinho que ele tomou, eu insisti para que dormíssemos com na cama, alegando que morri de saudades dela naquele meio tempo em que a deixamos sob cuidados alheios. Sabia que só conseguiria dormir com ela deitadinha ao meu lado. E assim foi. A neném no meio e eu e em cada ponta da cama. Caí no sono com sua mão esticada acariciando meus cabelos e me deixando ciente, mesmo desacordada, que ele estava por perto e não deixaria nada de ruim nos acontecer.
A semana voou e já era quinta à noite, véspera do aniversário de . Talvez tenha passado rápido porque tive outra ocupação além de cuidar de : tinha me encarregado de organizar uma festa surpresa para meu marido. Primeiro porque eu não tinha dinheiro para lhe comprar um presente, além do fato de já ter tudo. E também porque acho que estar com quem ele ama será a melhor coisa, considerando o fato de que a saudade de Grace será mil vezes maior do dia de amanhã.
Me juntei a Jack e Chace para combinar algo e devo ressaltar minha surpresa por não ter ficado nem um pouco nervosa ao falar com Chace por telefone. Tenho certeza que se fosse antigamente, eu morreria por conta da minha quedinha momentânea.
Felizmente eu era uma nova mulher. Madura, casada e, para todos os efeitos, completamente apaixonada pelo meu marido.
O plano era bem simples: escolhemos um barzinho (bem caro, por sinal) com um karaokê, o que eu fiz questão que tivesse. Sabia o quanto adorava cantar quando mais novo, e eu achava que ele amaria se apresentar depois de tantos anos após o desmanche de sua bandinha do tempo da escola. Jack ficaria encarregado de convidar os amigos mais próximos do trabalho, e Chace era responsável por enrolar e levá-lo até o local após o expediente. Eu cuidei para que as reservas fossem feitas e combinei com Elisabeta que levaria para passar uma noite com ela. No mais, tinha que ficar gostosa para ele, e isso eu conseguia com uma facilidade absurda.
Eu estava tão nervosa e ansiosa que me tranquei no banheiro quando tive vontade de instigá-lo sobre o que iria acontecer no dia seguinte.
— O que foi? — franziu o cenho enquanto eu passava pela cama para me deitar do outro lado. Eu o deixaria pegar meu lado favorito, afinal, em poucas horas seria seu aniversário.
— Nada — sorri, contida, segurando minha língua dentro da boca. — Como se sente prestes a fazer vinte e seis anos? — apoiei-me no cotovelo para observá-lo.
Já que não poderia falar sobre a surpresa, eu poderia pelo menos falar sobre o aniversário. Era bom que eu saberia mais ou menos se ele já tinha se animado depois dos últimos dias em que o senti cabisbaixo.
Pela carinha que ele fez, percebi que não.
Não daria para julgá-lo. Após suspeitar que tinha a ver com a ausência de Grace, ontem me peguei pensando e talvez não seria apenas dela que sentiria saudades naquela data. Também tinha seus pais. Apesar das últimas brigas, eu sabia que ainda não conseguia ser indiferente a eles. Principalmente a mãe.
— Anime-se, é seu primeiro aniversário com ! — tentei ver o copo meio cheio. Se é que tinha como, afinal, ao contrário de mim, viveu a vida toda com a família ao seu lado. Mas agora não tinha sobrado ninguém. — E também tem eu.
— Você sempre esteva nos meus aniversários, sua penetra.
Revirei os olhos. Eu estava tentando animá-lo e o que ganhei em troca? Acusações.
— Sua mãe me convidava — justifiquei-me, brava, ajeitando os travesseiros. — E eu não ia porque queria, ia para ajudar minha mãe.
me abraçou por trás, apoiando o queixo em meu ombro descoberto.
— Agora você e são minhas convidadas de honra.
Sorri, sentindo seus beijos em minha pele. Então me virei na cama, ficando de frente para ele e sob a vigilância daqueles olhos verdes. Suas mãos voltaram a me agarrar e me puxaram para perto de seu corpo.
— Bom saber disso, porque vamos sempre estar aqui pra você — selei nossos lábios. — Mesmo quando encontrar uma outra mulh…
me interrompeu com outro beijo, fazendo-me rir enquanto era prensada contra o travesseiro.
— Não vamos começar com essa história, sim?
— Mas é o que vai acontecer!
— Eu vou dormir — ele me ignorou e fechou os olhos, fazendo-me encará-lo incrédula.
— É uma pena. Logo quando eu ia te dar um presente de aniversário antecipado — corri os dedos por seu abdômen, parando mais embaixo.
— Aceito se você parar de falar sobre isso — abriu um dos olhos verdes, olhando-me desconfiado. Estava muito exigente para alguém que ganharia um presente.
— Por que não gosta de falar sobre o futuro? — indaguei genuinamente confusa.
suspirou, conferindo se era realmente curiosidade minha ou se eu estava sendo insistente por pura implicância.
— Porque está bom assim — ele deslizou a ponta dos dedos pelo meu braço. — Porque sei que no futuro não tem nós dois assim, dormindo juntos, e também imagino que terá outro em meu lugar, fazendo amor com você nessa cama, sendo o padrasto de … e eu não quero pensar nisso. Assim está bom.
— Agora que você falou da cama… acho melhor trocar de quarto depois que você ir embora — fingi estar pensativa. — Ou sei lá, virar o colchão…
bufou e tirou o braço de volta de mim, me dando as costas. Eu já gargalhava sem ar, encostando o rosto em suas costas largas. Depois de me divertir um pouquinho, fiquei receosa se ele não estava realmente chateado e tratei de me redimir.
realmente levava aquele tipo de coisa pro coração.
— Estou brincando, amor — repliquei sua frase de hoje mais cedo, porém, não obtive a mesma reação vinda dele. Os contextos eram diferentes.
De manhã, tinha feito uma piada sobre seu passado enquanto eu estava, naquele momento, caçoando do provável futuro que teríamos. Ao que parecia, ele não era muito fã de piadas preditivas.
Brincar com o futuro poderia ser extremamente perigoso, principalmente para nós, que éramos campeões quando o assunto era pagar a língua. Mas sobre nosso divórcio, eu não sentia medo algum de fazer minhas previsões malucas, afinal de contas, aquele era o combinado desde o início. Não era uma adivinhação, e sim um fato que logo seria consumado.
— Me desculpa, sim? — apoiei o queixo em seu braço antes de depositar beijinhos em seu bíceps delicioso. — Sabe que sou somente sua — beijei seu pescoço e consegui com que se virasse e ficasse de barriga para cima.
Eu sabia o quanto ele adorava me ouvir falando aquilo.
Seus olhos verdes me encararam intensamente, e ele levou uma das mãos até o meu cabelo, colocando a mecha fujona para trás da orelha.
— Até quando? — piscou devagar, com um semblante confuso que só me deixou ainda mais desconcertada.
Achei que fosse óbvio.
— Oito… — tentei falar, porém, minha garganta secou e a voz saiu baixa como um sussurro. — S-Sete meses… — pisquei rapidamente, meio incerta das minhas contas. Mas por incrível que possa parecer, eu não calculava mais aquele tempo. Tinha dias que eu até me esquecia do nosso “prazo de validade”. — Quando o divórcio sair — concluí por fim. — Ainda temos muito tempo.
Raciocinei por um segundo. Mesmo que fosse extremamente difícil fazê-lo enquanto era observada daquela forma por , percebi o quanto o que eu disse soava como uma mentira.
Os últimos quatro meses passaram voando, e não era apenas por ficar cada vez mais esperta e grande, mas também pela forma como nos aproximamos. E eu sabia que quanto mais próximos ficávamos, mais rápido passava o nosso tempo juntos. Eu sentia vontade de chorar; nunca tinha sentido algo assim, uma melancolia relacionada a algo tão bom, que me fazia tão bem. Saber que tinha um prazo e que eu não poderia fazer nada para impedi-lo me agoniava.
— E depois? — agarrou minha coxa, puxando-me para cima de seu corpo. Me sentei sobre seus quadris, suspirando com o ato. — De quem você vai ser depois desses sete meses? Vai ter outros e se esquecer de que já esteve em meus braços? — sentou-se na cama ao me confrontar. — Vai lembrar de noites como essa e desejar voltar atrás só para ter um pouco do que estamos tendo agora?
Ao que parecia, eu não era a única cheia daqueles questionamentos na cabeça. Só não era corajosa como ele para abrir a boca e falar.
Apesar da coragem, vi em seus olhos claros um medo enorme refletido. Não sabia dizer se estava encarando meu próprio reflexo ou enxergando suas emoções.
A única certeza que eu tinha era que aquela ideia me apavorava. Muita coisa tinha mudado em minha vida e eu já não era mais a que um dia esteve disposta a largar tudo para trás e começar uma nova vida. Antes eu odiava o inferno que era morar com meus pais e aquela cidadezinha que tanto me machucou. Mas agora… eu sentia que amava cada azulejo daquela casa e cada mínimo detalhe da nossa rotina.
Era difícil pensar na ideia de não ter mais tudo aquilo.
— Eu não… eu não sei — sussurrei, negando com veemência.
Eu realmente não fazia ideia. A única coisa que poderia assegurar a era que eu jamais me esqueceria que já tinha sido dele, mesmo que imersos naquela farsa.
Eu nunca mais seria a mesma depois de ter tido a chance de tê-lo para mim daquela forma.
— Você estava certo — baixei os olhos, evitando seu olhar. Se antes admitir aquilo me causava dor no orgulho, hoje eu sentia que meu coração era o alvo da vez. E ele doeu a cada batida naquele momento.
— Estava? — pegou meu queixo, levantando meu rosto e atraindo meus olhos molhados para os seus.
— Sim, quando disse pra vivermos o agora — me agarrei em seus bíceps proeminentes, como se eu pudesse literalizar o ato de me agarrar a ele por inteiro. Como se estivesse indo embora e eu pudesse segurá-lo comigo mais um pouco. — Pensar em não te ter assim nunca mais… dói, e eu não quero sofrer por antecipação.
Ele tomou meus lábios, pegou-me pelos quadris e juntou nossos corpos cada vez mais. Abracei seus ombros largos enquanto enroscava minha língua com a sua, devagarinho como uma cena de câmera lenta. Se o tempo que tínhamos ia tão rápido, talvez nós só precisássemos desacelerar um pouquinho, por mais difícil que pudesse parecer, devido à urgência que tínhamos em ter um ao outro sempre que estávamos juntos.
— Pare de pensar tanto no futuro — ele grudou sua testa na minha. — Fique aqui comigo, no presente. Me beije, me sinta, diga coisas no meu ouvido… — seus dedos passearam desordenados por minha pele, deixando um rastro de arrepios por onde tocaram. — Me mostre o quanto gosta de estar aqui.
Suspirei contra sua boca quente, me deixando ser envolvida na espécie de feitiço que me lançou com aquela voz deliciosa, toque firme e palavras certas. Se houvesse um antídoto para me despertar daquela hipnose, eu dispensaria prontamente. Eu era simplesmente viciada em tudo que vinha dele.
— Eu amo — murmurei antes de ter meu lábio inferior mordido.
— Isso não tem que acabar se não quiser — ele pegou-me pela nuca. Analisei sua expressão e continuei tão confusa quanto o início.
Eu entendi o que ele quis dizer. Por alguns momentos, aquela ideia absurda já chegou a passar pela minha cabeça. Mas logo eu voltava à realidade e via o quão inviável era aquilo.
Não era o combinado. Estávamos ali, juntos, e as coisas cooperavam para que permanecêssemos daquele jeito harmonioso e tranquilo por conta do combinado. Era algo temporário, por isso e eu estávamos nos esforçando para fazer aquilo dar certo, mas só enquanto corríamos o perigo de perder .
E depois que estivesse tudo certo? Quais seriam nossos planos? Eu sabia que continuaria tranquila com , mas e ele? Eu imaginava o esforço que estava fazendo para ficar mais quieto. Alguém que saía sempre com os amigos, bebia, era acostumado a ter várias no pé e até mesmo teve que abrir mão de sua viagem anual cheia de pegação e diversão para bancar a família feliz ao nosso lado em Tulum. Eu apostava o quanto fosse que não via a hora de se ver livre daquele contrato e voltar à sua vida normal.
— Você é louco — neguei com a cabeça, desconversando, e engoli em seco todas aquelas palavras que ecoavam em minha mente.
Não valeria a pena insistir e argumentar, ou discordar do que ele dizia. estava imerso naquela vida a dois comigo e, como o próprio tinha dito, estava bom daquele jeito. Mas, depois, não teríamos mais um motivo para estarmos juntos.
— Sim, sou louco por você.
Soltei um risinho, querendo chorar, na verdade.
Ele não seria louco o bastante para renunciar tudo o que lhe esperava depois daquele divórcio e ficar comigo. Eu mesma me sentia estúpida só de ter tal tipo de pensamento. Era impossível. Por mais que eu pudesse admitir que estava certo quando o assunto era aproveitar o que tínhamos naquele momento, eu também podia ver as coisas bem claras no nosso futuro.
Bastava apenas olhar para o nosso passado. Aquele homem ao meu lado não era o mesmo que se casou comigo meses atrás. Era apenas alguém que ele precisou se tornar para caber na nossa narrativa. E eu duvidava muito que quisesse abrir mão da vida boa que tinha.
— Ok, ok, chega de falar — selei nossos lábios, afastando meus pensamentos. O que não era muito difícil tendo-o ereto bem debaixo da minha calcinha exposta pela camisola. — Fique quietinho para receber seu presente adiantado.
Empurrei-o sutilmente pelos ombros e o tive deitado sobre nossa cama enquanto eu me aventurava debaixo dos nossos cobertores e ia direto ao ponto. Coloquei-o em minha boca e arranquei gemidos de , que me acariciava os cabelos, tão relaxado que chegou a fechar os olhos.
Capítulo 44
Acordei duas vezes na madrugada para ver . Não tinha muito noção de quem era a vez naquela noite, mas se não fosse a minha, estava tudo bem. teria aquela colher de chá por ser o aniversariante do dia. Na minha última ida lá fora, planejei como faria minha surpresa para ele quando amanhecesse. Foi de última hora mesmo, tive a ideia no fim da tarde já.
Antes de voltar a me aconchegar em seus braços na cama, peguei o celular dele em cima da cômoda e fui de fininho para o banheiro. Sabia que se ele me pegasse ali, poderia ser interpretado erroneamente, mas para dar certo eu tinha que tentar.
Eu apenas precisava que o celular não despertasse. Poderia apenas desligar o telefone, mas aí o deixaria incomunicável caso acontecesse algo no trabalho.
Me surpreendi quando vi que o aparelho não tinha senha, que era uma das minhas preocupações no momento. Fui até o despertador para desligá-lo e sem querer cliquei numa notificação que subiu na tela, indo parar no aplicativo de mensagens.
Saí rápido, não era aquilo que eu queria ver ali. Porém, após desabilitar os alarmes, me toquei de algo e minha curiosidade me levou de volta ao WhatsApp. Meu contato estava salvo como “Gostosa”, e arregalei os olhos pensando que nunca mais ligaria para quando soubesse que ele estava entre os amigos. Imagina a cara deles quando lessem o nome piscando na tela?!
Soltei um riso desacreditado, tampando a boca em seguida para abafar. Eu não era nada criativa. O nome de estava salvo como mesmo, jeito que sempre foi desde o nascimento de , quando fui obrigada a salvar o número dele para manter contato.
Voltei à página inicial e vi nossa foto tirada no primeiro mêsversário da neném, a que Amélia tirou no momento em que deu um sorriso babão. Sorri com a lembrança e senti um pequeno aperto no coração de saudades da minha mãe. Quando ela veio, estava tudo tão confuso com e eu tentando não cometer um assassinato com com o outro. Ela devia vir agora que estava tudo mais calmo.
Me dispersei, bloqueando o aparelho e colocando-o em seu devido lugar. Também retornei para o meu, me aconchegando em meu travesseiro e já sentindo o braço de me enlaçar quando ele chegou mais perto. Fechei os olhos e foi questão de tempo para que voltasse a abri-los pela manhã.
Tive que acordar mais cedo, o que normalmente não acontecia. Antes, quando corria, eu permanecia na cama até o horário de me arrumar para trabalhar. Mas agora que estava em casa, eu geralmente me levantava um pouquinho depois dele. Aproveitava seu banho para me demorar na cama e assim apreciava, ainda debaixo dos cobertores, a visão de saindo do banho com a toalha enrolada na cintura.
Eu chegava a suspirar quando ele aparecia de cabelos molhados, as gotas descendo pela nuca e pescoço… que delícia.
Depois de escovar os dentes e dar um jeito em meu rosto e cabelos, fui em direção à babá eletrônica e levei-a comigo para a cozinha, onde passei a preparar o café da manhã. Quando acordou e eu vi pela câmera, corri para buscá-la para que não despertasse antes da hora. O bolo pequeno que eu tinha comprado e escondi na geladeira já estava a postos, então peguei uma vela e isqueiro. Dei minha vida para não derrubá-lo, nem ele nem enquanto eu subia para o quarto.
Quando cheguei na porta, encontrei um obstáculo: a maçaneta. Eu tinha as duas mãos ocupadas e estudava um jeito de abrir a porta quando, como num passe de mágica, ela se abriu.
— O que…
— Ah, não, não foi isso o que planejei!
me encarava ainda confuso, passando os olhos do bolo para a bebê em meu colo. Bom, também tinha o balão, que ela agarrava a cordinha entre os dedinhos, mas não lhe dei muito tempo para reparar nele também.
— Volte pra cama. Quando eu entrar, faça cara de surpresa, sim? — falei e ele franziu o cenho, fazendo-me bufar. — Vamos, !
Provando que a idade chegava rápido, deu meia-volta resmungando feito um velho reclamão e, quando tive seu ok, empurrei de leve a madeira branca para que pudéssemos entrar.
— Parabéns pra você, parabéns pra você!
Ele sorriu abertamente, segurando o celular enquanto me filmava passando aquela vergonha de camisola.
— Parabéns pro papai… — lhe dei . — De nós duas, no caso — acrescentei rapidamente, arrancando-lhe uma gargalhada. — Parabéns pra você! — deixei o bolo sobre a cama para pegar o isqueiro. — Espere eu acender a vela — murmurei enquanto era metralhada por beijos na bochecha. Ri pelo nariz. Eu, que tinha acordado cedo e preparado tudo, não ganhava nada. Agora a fofinha que estava dormindo até o momento e foi apenas segurar o balão ganhava milhões beijos. — Prontinho. Faça um pedido — foi quase uma ordem. Eu sabia o quão cético era com aquela coisa de pedido.
No fundo eu também era, mas fazia por desencargo de consciência. Né, vai que… Eu não queria criar sem aquelas pequenas doses de fantasia e esperança bobas da vida. Acredito que o dinheiro de ainda tornaria as coisas mais críveis a ponto de ela achar que “manifestou” o iPhone mais recente no mercado que vai ganhar do pai no Natal. daria tudo o que ela quisesse, na hora que ela quisesse.
Ele revirou os olhos antes de suspirar e fechá-los de novo por um milésimo de segundo. Estreitei os olhos, desconfiada, quando abriu os dele. Ele não tinha feito um desejo. Não existia nenhum desejo tão rápido assim de ser pensado. Ou vai ver que ele não tinha nada para pedir, mesmo… o que era estranho.
— Vem cá, me deixa te dar um beijo — ele riu levemente, pegando-me pela nuca. Selou nossos lábios algumas vezes enquanto ainda segurava o celular e eu ainda tinha o bolo em mãos. — Você não existe, mesmo. Obrigado — outro selinho. Sorri abertamente, encolhendo os ombros.
Comemos o bolo enquanto checava algumas mensagens que já tinha começado a receber, apesar de ser bem cedo ainda. Olhei de relance e o vi digitar um agradecimento para Dafne, que provavelmente foi um dos contatos que lembrou do aniversário.
Não falei nada e tentei conter o monstrinho que crescia dentro do meu peito. Odiava sentir ciúmes, principalmente por saber que eu estava errada. Afinal, se fosse meu aniversário e Tom me enviasse felicitações, eu responderia por educação.
precisou trabalhar e eu fiquei na ansiedade para a festa que aconteceria mais tarde. Fui dar um passeio pelo condomínio com no carrinho e me deparei com um salão de beleza numa rua afastada de portaria. Pensei bem se eu deveria gastar meu dinheiro com uma futilidade daquelas, mas também sabia que era uma data especial.
Cortei um pouco os fios e pedi para que a cabeleireira me deixasse um tantinho mais loira, nada muito exagerado e diferente do tom que já estava. Tinha me esquecido do quão demorado aquele tipo de procedimento poderia ser; e eu praticamente moramos no salão por um dia. Arrumei as coisas da bebê e logo Elisabeta chegava para buscá-la.
Eu estava morta de saudades dela, e comentamos que era uma pena não estar ali para que ela matasse as saudades dos três juntos. Mas no sábado de manhã, iríamos nós dois buscar . A babá foi embora levando consigo um pedacinho do meu coração.
Eu sabia que era drama, mas não deixava de sentir aquele aperto no peito toda vez que sabia que iria me separar da minha filha, nem que fosse só por algumas horas.
Fui fazer algo que ainda não tinha feito desde que me mudei para aquela casa: arranquei minhas roupas e enchi a banheira de água morna. Fiquei ali por um tempão, apenas relaxando de olhos fechados. Confesso que, no início, não consegui me concentrar nem descansar. Sempre abria os olhos, achando que estava esquecendo de checar no berço.
De qualquer forma, meu celular permaneceu no alcance da minha mão caso alguém me ligasse.
Era estranhamente satisfatório estar sozinha. Digo “estranhamente” porque normalmente eu não sentia aquela necessidade tão forte quando estava com e em casa. Eu gostava da companhia deles, como quando passava pela sala e via sentado no sofá, bebendo uma cerveja com a neném no colo e vendo jogo. Apesar de ter morado tanto tempo só, tendo apenas Salém como companhia, me acostumei muito rápido a ter a presença de outras pessoas comigo o tempo todo.
Antes eu achava que gostava de ficar só, mas, na verdade, acho que era apenas por não conhecer alguém que me deixasse confortável em sua presença.
Meu celular começou a tocar e abri os olhos para ver quem era, e o nome de piscava na tela. Mais aliviada por não ser Elisabeta, estiquei-me para pegá-lo após secar a mão na toalha.
— Oi — murmurei, ainda relaxada demais para alguém que estava acordada.
— Te acordei?
— Não — ri baixinho, tratando de me arrumar na banheira para me forçar a ficar mais consciente.
— Espera, você está na banheira?
Confirmei com um murmúrio e logo a ligação ficou muda. Afastei o celular do ouvido e vi que a ligação tinha caído. Percebi que não caiu quando o aparelho voltou a tocar e, daquela vez, era uma chamada de vídeo. Ri ao deslizar o dedo para o lado e atender.
— Oi, casada.
Gargalhei, reprovando o comportamento depravado do meu marido, que não aguentou e, após fazer uma pose sedutora, caiu no riso junto.
— Você é ridículo, sabia?
negou, discordando. Vendo-o com aquele terno cinza e gravata escura, também discordei imediatamente da minha própria fala.
— Onde está ?
— Dormindo — respondi ao checar a hora. Ela não costumava dormir naquele horário, mas pareceu acreditar. — O que aconteceu?
— Nada, só liguei pra avisar que vou chegar um pouco mais tarde. Chace marcou uma reunião justo hoje, disse que se esqueceu que era meu aniversário.
Comprimi os lábios, concordando. Era mentira, com certeza. Mas não deixei de pensar em como era um chefe bonzinho por relevar uma gafe daquelas e ainda ficar depois do horário para comparecer à tal reunião.
— Deve ser muito chato, não é… — joguei um verde, fazendo-me de desentendida. — Fazer hora extra no dia do seu aniversário e ainda por cima não comemorar de verdade.
maneou a cabeça e sorriu fechado, deixando à mostra suas covinhas.
— Você que era acostumado a dar grandes festas e encher a cara… — eu estava doida para revelar a surpresa. Mas não o faria; seria bem melhor guardar a ansiedade e ver sua reação no momento certo. — Nem precisava ter avisado. Não vamos fazer nada de especial, mesmo.
— E o bolo de hoje cedo? Já até assoprei a vela e fiz um pedido — estava sendo rico e apreciando as coisas simples da vida; ri daquele meu pensamento. — Mesmo que não façamos nada hoje à noite, eu quero comemorar com você.
Ele estava de volta, o frio na barriga. Sorri, remexendo-me na banheira.
— Não deixe dormir muito, senão ela passa a noite acordada.
Estreitei os olhos, vendo-o rir. Estava sacando os planos dele.
— Nós vamos jantar e depois ir pra cama? Chato… — fingi me lamentar. ficaria tão feliz em ver a festa que preparamos para ele.
— Está brincando? Pensei em você o dia inteiro e agora estou conversando com você sabendo que está nua a quilômetros de distância de mim e não posso te tocar.
Quase me retorci na banheira. Meu Deus, o que era aquele efeito que ele causava em mim?
— Eu tô doido pra chegar em casa!
— Sim, sim, até porque minha touca de banho é bem sexy mesmo — apontei para ela, vendo-o revirar os olhos. Ainda bem que eu estava de touca, não queria estragar a surpresa do cabelo novo. Reparei no que estava fazendo e me senti boba. — Então está bom, vou tentar preparar algo diferente no jantar.
— Suba em cima da mesa nua, está perfeito.
— !
Não sei como eu ainda me surpreendia.
— Estou brincando. O que você preparar está bom, é o suficiente pra mim.
Suspirei, pensando em como ele conseguia sair de um safado para um fofo em menos de um minuto. Ouvi batidas na porta e o observei desviar o olhar.
— Sim, Jordyn? Ah, tudo bem, já vou lá — ele ficou sério. De repente, virei a safada por reparar em sua mandíbula marcada e desejar mordê-la inteira. — Tenho que ir, então até mais tarde. Beijo.
— Beijo — desliguei, afundando-me na água e esticando meu braço para manter o celular a salvo.
Credo. Mentir realmente tinha virado uma habilidade que antes eu não sabia que tinha.
(...)
Ainda de toalha, eu passava hidratante por minha coxa enquanto pensava em qual lingerie usaria naquela noite. Poderia não ficar em casa jantando com , como ele achava que aconteceria, mas o nosso desfecho na cama seria o mesmo. Queria estar bonita para ele. Tirei a touca e vi os fios claros envoltos nos bobs que enrolei há um tempo. Fui até o closet e escolhi um conjunto preto em que o sutiã tinha uma sustentação maravilhosa, que juntava meus seios e os deixava fartos como se eu realmente os tivesse volumosos. Parei para me ver no espelho e tive uma ideia. Coisa boba, sabe? Só para deixá-lo ainda mais ansioso para me ver.
Nunca tinha feito aquilo, justamente por não confiar em homem nenhum. Mas agora com a modernidade das fotos que só podem ser vistas uma vez e sem prints, decidi que eu faria aquilo pelo menos uma vez na vida. Se eu não confiasse em meu marido naquele sentido, em quem mais eu confiaria, então?
Enquadrei na foto apenas minha boca pintada e delineada de vermelho e meus seios envoltos no sutiã, fazendo jus ao nome do contato salvo no celular dele. Cliquei no botão “enviar” e larguei o celular de lado, sentindo o coração acelerar. Era a minha primeira vez mandando nudes. Não sabia ao certo o que esperar da resposta, nem se teria que ter um contexto antes de mandar.
Será que teria que ter uma legenda? Céus, eu tinha me casado sem saber o básico da solteirice, que era mandar sacanagem por mensagem.
: “Não sei se tive muito tempo pra apreciar a foto.”
Cínico. Gargalhei, indo buscar o vestido que usaria. Quando voltei, o celular voltou a vibrar.
: “Estava na reunião quando abri.”
Um emoji de palhaço foi acrescentado. Hora errada, .
: “Mas tudo bem, vou ver melhor quando chegar em casa.”
Calcei meus sapatos após deslizar o vestido de seda vermelho pelo corpo. Eu estava comportadinha apesar da fenda grande em uma das coxas. Espirrei perfume nos pontos certos e, por fim, tirei os bobs do cabelo, tendo os fios ondulados caindo pelos meus ombros. Recebi uma mensagem de Jack dizendo que já estavam indo para o local da festa e me apressei em sair de casa. Como não estava sabendo de nada, quem os recepcionaria seria eu.
Mandei mensagem para Anne e Tiffany. Sabia que não convidaria Annelise para nenhum evento por vontade própria, mas como lá estariam os amigos dele, eu também queria que as minhas estivessem. Além disso, teríamos poucos convidados: apenas o pessoal da viagem que fizemos e elas duas. Não convidei ninguém do condomínio além de Victoria, que estava ocupada e não poderia comparecer.
Acabei falhando na missão e peguei um trânsito infernal antes de chegar de Uber. David já tinha passado para buscar as meninas, e o restante do pessoal também já tinha chegado. Não precisei apresentar Anne e Fanny para ninguém; já estavam todos bem entrosados.
Perguntaram muito de , mas entenderam que o lugar não era propício para um bebê tão novo quanto ela estar. Tentamos fechar o local para nós; porém, como a reserva foi feita em cima da hora, não foi possível. E apesar de ter outras pessoas ali, conseguimos a área do karaokê para nós.
— Pessoal, ele está chegando — dei o sinal para um dos garçons, que pediu para desligarem a música.
Chace me mandou mensagem dizendo que tinha inventado para que precisava passar em outro lugar rapidinho antes de levá-lo para casa. O carro do foi travado no estacionamento da empresa propositalmente, o que já o deixou puto da vida. Parei de respondê-lo no WhatsApp, mas acompanhei seu ódio pelas mensagens que ele me enviou.
Aquela surpresa toda pareceu mais um teste cardíaco pro coitado.
Quando ele sugeriu na entrada, gritamos “surpresa” e todos no estabelecimento gritaram junto e bateram palmas para , que realmente ficou surpreso. Eu estava mais atrás da primeira mesa de convidados, junto de Anne, David e Tiffany, por isso não fui a primeira a abraçá-lo. Mesmo assim, o acompanhei com o olhar enquanto ele vinha se aproximando e cumprimentando os amigos e as meninas.
Quando chegou mais perto de mim, arqueou as sobrancelhas, mais uma vez surpreso. A luz não tinha ajudado muito, mas acho que tinha notado a ligeira diferença nos meus cabelos. Dali para frente, ele abraçou todos com os olhos em mim, que ainda sorria satisfeita porque tudo tinha enfim dado certo.
— Vai logo abraçar ela, depois você me cumprimenta — Su resmungou, percebendo sua ansiedade. — Eu, hein, parece que nunca viu.
Eu ainda ria quando ele se aproximou, agarrando-me e levando meu corpo para próximo do seu. Envolvi seus ombros com os braços e retribuí o beijo que recebi. Logo direcionava os lábios para o canto de minha boca, onde deixou outro beijo, e foi parar na bochecha, trilhando um caminho até meu ouvido.
— O seu cabelo… Você está maravilhosa.
Sorri ainda mais, sentindo um arrepio atingir meu corpo com sua voz soando ao pé do meu ouvido.
— Não vejo a hora de te levar pra casa — suas mãos deslizaram por minhas costas e apertaram meus quadris.
— Depois. Primeiro a festa — controlei minha respiração, sendo obrigada a me afastar dele.
— Eu amei, muito. Muito obrigado — ele selou nossos lábios várias vezes.
— Agora posso dar um abraço no aniversariante? — Suzanne pediu e a encarou fingindo estar em dúvida, ainda com os braços em volta de mim. Então, beijou minha bochecha antes de ir até ela.
Fanny e Anne se aproximaram já fazendo a fila. Ele foi primeiro em Tiffany, que o chamou de cunhadinho de um jeito irônico, mas que arrancou risadas minhas e de ele. Depois Anne, que devia estar morta de ansiedade para poder tocar em , passou a me encarar séria, o que desmanchou meu sorriso instantaneamente.
não quis abraçá-la muito, apenas sorriu forçadamente enquanto se livrava dos braços dela o mais rápido que conseguiu, para logo depois esboçar felicidade genuína ao abraçar David.
— Hoje você vai ter que fingir muito, minha cara — Fanny comprimiu os lábios. — Aquela ali parece ser a maior fã de vocês dois — se referiu a Su.
discordaria prontamente se ouvisse aquilo. Com certeza diria que era a Anne.
— Bom que agora vocês são amigos, não precisam mais fingir que se gostam.
— Amigos, é? — Anne arqueou as sobrancelhas. Assenti, engolindo em seco. — Quem diria, hein?
Pois é, Anne. Amigos que transam, ainda por cima. Quem diria.
voltou ao meu encontro, animado, e não pude conter meu sorriso. Apesar de normalmente estar preocupada com minhas amigas descobrindo sobre a gente, não consegui evitar de agir com naturalidade com meu marido.
— Viu que tem um karaokê? — pegou-me pela mão, tirando-me do meio das meninas.
— Foi por isso que escolhemos esse lugar.
Fui com ele, sabendo que elas entenderiam caso eu ficasse mais afastada. E também porque eu queria estar ao lado dele, aproveitando a festa com ele.
Pegamos bebidas e todos começaram com uma ou duas cervejas, menos Chace e Su, que eram os motoristas da noite. Socializei com os amigos de , sentada ao lado dele, mas me afastei quando senti os olhos de Annelise pousados demais em mim, certamente com ciúmes das minhas novas amizades.
Fiquei com elas quando Jack puxou David, Chace e para começar a cantoria. Eles escolheram As Long as You Love Me dos Backstreet Boys. Sentei-me pertinho do palco improvisado que tinha ali, e não fui a única a babar em quando ele abriu a boca e começou a cantar em meio aos amigos desafinados que tinha. Me lembrava da nossa adolescência, de quando o via, contra a minha vontade, se apresentar com sua banda.
Eles aproveitaram o embalo e cantaram Toxic da Britney Spears, fazendo gracinhas para o público que estava amando vê-los ali. Depois foi a vez de Su subir e enxotar os marmanjos, arranjando microfones extras para dar a Caroline, Anne e Tiffany. Elas cantaram o clássico da Shania Twain: Man, I Feel Like A Woman, e depois Lady Marmalade, que fez pelo menos uma das cantoras originais se revirarem, onde quer que estivessem, por estragarem a música com tanta gritaria.
Anne e Fanny ficaram no palco para cantar Don't Cha, das The Pussycat Dolls. Foi meio ridículo Anne rebolando e olhando discretamente para ? Foi, mas ele não ligou e ninguém pareceu perceber, então me fingi de cega também.
“Don't cha wish your girlfriend was hot like me?”
(Você não gostaria que sua namorada fosse gostosa como eu?)
“Don't cha wish your girlfriend was a freak like me?”
(Você não gostaria que sua namorada fosse maluca como eu?)
“Don't cha? Don't cha?”
(Não gostaria? Não gostaria?)
Ele me chamou com a mão e me fez sentar em seu colo, mesmo tendo cadeiras vazias ao lado. Beijei sua boca sabendo que Anne estava de olho em nós, como sempre. Àquela altura, já tinha se livrado do blazer e da gravata que usava, então aproveitei os primeiros botões de sua camisa abertos e raspei minhas unhas na região, fazendo-o me apertar em seus braços e gemer durante o beijo. Ainda bem que a música estava alta.
— Não vai cantar? — murmurou contra minha boca.
— Não, estou bem aqui, sabe? Assistindo e rindo dos outros — espiei as duas no palco, cruzando olhares com Anne.
— Canta uma comigo, sim? — ele pediu, mas neguei com a cabeça. — Por favor, amor, é meu aniversário. Eu disse que queria comemorar com você.
Ri da chantagem emocional que ele fez. pegou o celular e escolheu uma música para nós. Assim que a pontuação das meninas apareceu na tela, ele se levantou comigo e puxou-me pela mão enquanto as duas já desciam, ainda sendo aplaudidas.
Uma contagem de cinco segundos apareceu no telão e eu agarrei o microfone contra a minha vontade. A batida da música começou com uma guitarra conhecida por mim, e eu ri de nervoso enquanto olhava em volta e via todas aquelas pessoas me assistindo. Eu não tinha bebido o bastante para ficar solta como aconteceu em Tulum. Além do mais, arriscaria dizer que eu era melhor dançando do que tentando cantar.
Ainda com o microfone na mão, nervosa, o observei cantar os primeiros versos sozinho:
— Side by side. Walking home, stumbling home, getting curious (Lado a lado. Indo para casa, caindo pelo caminho, ficando curiosos).
— What's on your mind? Cause what's on mine's a dirty mind. Why so serious? (O que você está pensando? Porque eu estou pensando besteira. Por que está tão séria?).
Ele pegou-me pela cintura, sorrindo travesso.
— Baby the stars above will light the way. Just take my hand and hear the words I say (Amor, as estrelas lá em cima vão iluminar o caminho. Pegue minha mão e escute o que eu digo) — segurou minha mão e andou pelo palco comigo, tirando-me do cantinho sem muita iluminação.
— Yeah, when the morning comes, I'll always stay (Quando a manhã chegar, eu sempre ficarei) — levou a mão que segurava até os lábios e beijou. — You gotta know, you gotta know that I'm feeling this, ow” (Você tem que saber, tem que saber que eu me sinto assim).
— Come and roll with me. We'll rock them body moves (Venha curtir comigo, vamos mexer nossos corpos).
dançou em volta de mim, incentivando-me a fazer o mesmo. Me soltei um pouquinho, tentando acompanhá-lo; porém, ainda não curtia a sensação de ter literalmente um holofote em cima de mim.
Me arrependi de ter tentado cantar junto com . Era humilhante, ele cantava muito bem, além de ser confiante em cima do palco. Apesar de estar arrasando e saber bem daquilo, em momento algum ele desviou os olhos de mim para quem assistia.
— Me and you (Eu e você) — encorajou-me, sorrindo. — Vamos, . Body moves (Mexer nossos corpos).
— Yeah, just a little bit (Só um pouquinho) — fechei os olhos e arrisquei o trechinho que, na música, era feito pelos backing vocals.
Bom, já era alguma coisa.
— I don't need it, but you know how bad I want it (Eu não preciso, mas você sabe o quanto eu quero) — suas veias do pescoço ficaram à mostra quando ele cantou as notas altas. — And your touch has got me haunted, but I li-i-ike it (E o seu toque me deixou enfeitiçado, mas eu gosto).
Aquele verso era muito o que nós dois tínhamos. Senti tudo parar quando o assisti cantar me olhando nos olhos.
— Come and roll with me, oh baby, let it loose. Me and you, oh, just a little bit (Venha curtir comigo, oh querida, se solte. Eu e você, oh, só um pouquinho).
Continuei a cantar somente os backing vocals na segunda parte do refrão, mas já tinha me soltado um pouco para dançar.
— Got all night (Temos a noite toda) — sorriu safado, fazendo-me suspirar. — Show me more, a little more, it's getting scandalous (Me mostre mais, um pouco mais, está ficando escandaloso).
Rebolei enquanto delineava minha cintura e quadril com uma das mãos. O pessoal soltou gritinhos para me incentivar, apesar de eu ainda não ter tido coragem de encarar nossa platéia.
— Yeah, all my life, yeah. Waiting for the girl next door to get real dangerous (Yeah, toda minha vida esperando a garota comportada ficar perigosa).
Mais um trecho muito pessoal, deu pra notar no tom em que ele cantou. Tive um beijo roubado quando me agarrou pela cintura. Com certeza perdemos pontos pelos versos vazios que ficaram enquanto ele esteve ocupado enroscando sua língua com a minha.
— Come and roll with me, we'll rock them body moves. Me and you (Venha curtir comigo, vamos mexer nossos corpos. Eu e você).
— Oh, just a little bit (Oh, só um pouquinho) — a cada vez que eu aproximava o microfone da boca, o som saia pior.
— Body moves.
— Yeah, just a little bit.
— No fim das contas eu só subi ali para dançar com ele, porque acabou cantando toda a música praticamente sozinho. Ganhou os merecidos 80 pontos na avaliação do jogo, então descemos do palco sendo aplaudidos enquanto eu queria cavar um buraco para me esconder.
Cantaram mais algumas músicas, porém logo foram se cansando do karaokê. Logo as músicas foram voltando a tocar no local e os convidados começaram a se dispersar das mesas.
Dancei com as meninas até tirar os sapatos com dor nos pés, já desencanou um pouco de ficar comigo para poder conversar com os amigos. Pude vê-lo virar alguns shots de tequila e fiquei levemente preocupada no que aquilo daria de ressaca no dia seguinte. Mas tudo bem, afinal, era o aniversário dele.
Anne era outra que andava exagerando no álcool. Dançava cada vez mais provocante ao nosso lado, chegando ao ponto de descer até o chão e mostrar a calcinha. David, que estava sentado com , chegou a arregalar os olhos quando viu; , se viu, fingiu muito bem não se importar.
— Anne, pare de se humilhar. não vai te comer — me espantei com Tiffany pegando-a pelo braço quando ela ia ao chão novamente.
— Ele já transou comigo uma vez. O que impede de querer de novo?
Mordi meu lábio para segurar o riso sarcástico que quase me escapou. Ela falava como se não estivesse bêbado naquela noite e tivesse ido pra cama com ela por livre e espontânea vontade.
— Você, no caso. Não vê que quanto mais você se aproxima, mais ele te ignora? não te suporta.
— Ele odiava e hoje são amigos. Isso não quer dizer nada.
Fanny me olhou irritadiça e eu neguei com a cabeça, pedindo silenciosamente para que ela deixasse pra lá. Eu já tinha a solução para a minha própria irritação: mandei mensagem para , mandando-o ir para a escada de incêndio do prédio.
— Gente, vou lá fora ligar para a babá e checar se está tudo bem.
— Quer que eu vá com você?
— Não precisa, amiga — sorri para Fanny. — Só fique de olho na mocinha aqui.
já tinha se levantado e ido para os fundos. Segui para o lado de fora e entrei na porta lateral do estabelecimento, onde a proprietária tinha nos mostrado que era a saída de incêndio quando fui visitar para reservar a festa de .
Andei pelo corredor e abri a outra porta, encontrando-o próximo à escada que dava para o segundo andar.
— Vem — puxei meu marido pela mão e subimos até a porta de cima, que estava aberta e dava para o escritório, onde assinei e fiz o pagamento.
Tranquei a porta e fui agarrada de imediato. Sua boca se chocou com a minha, não me dando tempo sequer de respirar direito, tamanha a urgência que ela me tomou. Demos passos às cegas pela sala de iluminação precária, onde a luz só entrava pelas frestas da persiana que vazava o clarão dos postes da rua.
me jogou sentada sobre a mesa que ali tinha, já pegando a carteira e sacando a camisinha de dentro dela. Ele sabia que seria apenas uma rapidinha, por isso se apressou em baixar o zíper e a calça. Em seguida, vestiu a camisinha enquanto eu esperava inquieta, beijando e chupando seu pescoço.
Eu já estava mais do que pronta para ele, de pernas bem abertas, apenas esperando ele colocar minha calcinha de lado e me invadir. Porém, suas mãos foram de encontro às minhas costas.
— Me deixe ver — sussurrou em meu ouvido quando encontrou o que procurava e baixou o zíper do vestido, deixando-o frouxo em meu tronco.
Ajudei-o descendo as alças para deixar meus seios à mostra, apertados naquele sutiã e quase pulando para fora. tinha os olhos verdes vidrados na dupla, então tirou meus cabelos do caminho para poder olhá-los sem nada atrapalhando.
— Esperei muito pra isso.
Ri baixinho. Como era dramático. Não foi muito tempo de espera.
se inclinou e beijou meu pescoço enquanto eu praticamente agonizava ali, sentada, esperando-o me penetrar logo e acabar com o desejo que me fazia querer esfregar uma coxa na outra para amenizar.
— Sabe, eu vi sua amiguinha se insinuando pra mim lá embaixo.
Prestei atenção no que ele dizia, ou pelo menos tentei. Era difícil quando estava com tanto calor e o tinha tão perto e tão delicioso respirando com aquele hálito de álcool e limão contra minha pele.
adentrou meu vestido com uma das mãos, puxando minha calcinha com os dedos habilidosos.
— Será que ela não percebe que eu só tenho olhos pra uma mulher?
Avancei com o quadril e o vi sorrir em aprovação. Mordi o lábio quando ele encaixou a cabecinha na minha entrada, avançando devagarinho. levantou a cabeça, olhando-me nos olhos enquanto eu desfalecia cada centímetro adentro.
— A mais gostosa de todas.
Gemi quando o senti inteiro, já sentada sobre a ponta da mesa. Fechei os olhos e joguei a cabeça para, trás vendo que estava brincando comigo, parado, sem entrar ou sair de dentro.
— Abra os olhos, amor.
Fiz o que mandou e os mantive bem abertos quando ele encostou a testa na minha e passou a estocar mais rápido.
Eu beijava sua boca e sentia meu rosto querer se rasgar de tanto que queria sorrir. Não controlei os pensamentos maldosos que tive quando pensei em Anne fazendo todo aquele esforço para ter a atenção de e mesmo assim ele só olhou para mim. Era eu quem ele estava beijando, puxando os cabelos e dando tudo de si para dar prazer. Não ela.
Nunca seria ela.
Saí do escritório um pouco depois de e fiquei para arrumar a mesa que bagunçamos, depois fui dar a volta no prédio para entrar pelo mesmo lugar que saí. Quando retornei, não vi sinal das duas. estava sentado no mesmo lugar de onde o tirei com a mensagem, bebendo como se nada tivesse acontecido. Porém, em seu pescoço tinha uma pequena marquinha vermelha.
Sorri satisfeita e fui ao banheiro, dando de cara com Fanny e Anne paradas no lavabo. Os olhos de Anne estavam vermelhos e molhados. Eu não sabia explicar o motivo, mas não consegui sentir nada ao vê-la daquele jeito.
— Você viu? — Tiffany revirou os olhos e a segurou para que ela não caísse. Me fiz de desentendida. — Viu quem foi a puta que estava se agarrando agorinha?
— Fale baixo, alguém pode te escutar — Fanny interveio, sendo afastada pela loira chorosa. — Isso nem é da sua conta.
— Não sabia nem que tinha saído. Estava lá fora conversando com Elisabeta.
— Pois é, ele sumiu uns minutinhos e essa aqui deu chilique — a cacheada resmungou. — Vamos pra mesa tomar uma água, chega de álcool por hoje.
Assenti, concordando, e passei por elas para ir a um dos boxes do banheiro. Quando saí, me olhei no espelho e vi que a minha situação não estava tão suspeita assim. O vestido estava abarrotado, porém, durante a noite e com toda a dança, seria normal que aquilo acontecesse. O mesmo valia para os cabelos e o suor estragando a maquiagem.
Dei um jeito em tudo da melhor forma que consegui e saí, já pegando uma bebida com um garçom e sentando-me para descansar um pouco. A festa continuou a todo vapor; já se passavam das duas da manhã e o som ainda estava alto, as bebidas e a pista ainda funcionavam normalmente.
tinha bebido mais; já estava começando a enrolar a língua quando Chace interveio e tirou o copo da mão dele. Parecia que tinha lido meus pensamentos, porque eu mesma iria me levantar para fazer aquilo. Tiffany estava certa, chega de álcool.
— Vai tomar uma água — ouvi o loiro direcioná-lo ao bar. sentou-se numa das banquetas e pediu uma garrafinha ao funcionário.
— Pare de chorar. Alguém morreu, por acaso? — Tiffany reclamou, o que me fez desviar os olhos para Annelise. Ela ainda estava chorando por ? Meu Deus. — Quer saber? Vamos embora.
— Não, amiga, espera. Su ficou de levar vocês pra casa. Está muito tarde pra vocês pegarem Uber sozinhas — interferi quando ela fez menção de se levantar e levar a loira trôpega consigo.
— Minha nossa, mais um bêbado chorão. O que tinha nessas bebidas, afinal?
Olhei na direção em que Fanny apontava e vi debruçado sobre o balcão, soluçando.
— Eu vou lá ver o que é — fingi desdenhar, mas quando lhes dei as costas, senti meu coração ficar minúsculo dentro do peito. Mesmo sem perguntar a o motivo do seu choro, eu já tinha ideia do que era.
Toquei seu ombro, vendo-o desenterrar o rosto e me olhar com o rosto vermelho e molhado em lágrimas. Abri a boca para dizer algo, mas perdi as palavras em algum lugar quando percebi que nada do que eu dissesse resolveria o motivo de seu choro.
— Se eu te dissesse que esperei o dia inteiro por uma ligação dela, você acreditaria?
Assenti e o abracei forte, já sentindo lágrimas descendo pelo meu rosto.
Era o primeiro de muitos aniversários dele sem Grace. tinha vivido pouquíssimos anos sem tê-la em sua vida. Como filho único, eu imaginava que talvez seria impossível para ele se esquecer da presença dela, principalmente em dias como aquele.
A saudade apertava mais a cada dia que passava; porém, no dia a dia, era mais fácil nos distrairmos com as coisas cotidianas. Era como se Grace tivesse ido morar longe e não fizesse muito contato, como acontece normalmente. Mas em datas comemorativas, é impossível pensar daquele jeito, principalmente quando a pessoa era Grace, que ligava pontualmente à meia-noite em todos os aniversários. Ela queria ser a primeira a dar os parabéns para quem amava.
, em sua negação, talvez não tivesse se dado conta de que a meia-noite já tinha passado. Um dia inteiro já tinha passado e ele não teria nenhuma ligação com a voz da irmã.
— Eu sinto muito — falei em meio ao choro e afastei-me para secar seu rosto, mesmo estando com o meu tão molhado quanto.
As pessoas à nossa volta nos olhavam com pesar. Os desconhecidos talvez achassem que éramos um casal discutindo a relação aos prantos, mas os amigos de e as meninas sabiam bem o motivo do nosso choro. Por isso ninguém foi até lá nos incomodar, apenas nos deixaram chorar em paz.
— Sei que ela deve estar muito orgulhosa de você, . Onde quer que ela esteja — lhe assegurei, tendo seus olhos claros sobre mim. Ele me sorriu triste, assentindo.
— De nós dois — fungou. — Eu sei disso.
Concordei e beijei o topo de sua cabeça, aproveitando que eu estava de pé e ele sentado.
— Obrigado, . Por estar vivendo toda essa loucura comigo, por amar tanto … por tudo.
Solucei, tornando a abraçá-lo. Eu não deveria deixá-lo me agradecer por nada daquilo, mas apenas deitei minha cabeça em seu ombro e ali fiquei por um tempinho.
— Olhando tudo isso agora…
Bêbado daquele jeito? Me afastei para olhá-lo, esperando uma daquelas reflexões sem pé nem cabeça pelo efeito da bebida.
— Acho que entendo o motivo de tudo isso ter acontecido — ele completou e eu franzi o cenho, olhando-o nos olhos. pegou minha mão e acariciou o dorso dela com o polegar. — Coisas ruins podem trazer coisas boas.
Encarei nossas mãos e voltei a olhar para seu rosto sério. Enrubesci, sentindo meu coração acelerar tanto que quase saiu pela boca. Desviei meus olhos dos dele e saí do transe instaurado entre nós para ver o funcionário trazendo consigo um bolo cheio de velas acesas:
— Parabéns pra você, nesta data querida…
Os convidados de vieram até nós e cantaram Parabéns juntos, com direito a ajuda na hora de apagar tantas velas e chantilly no rosto dos desavisados que ficaram perto demais do bolo, dando sopa para serem melecados.
N/A: Esse trecho está mais detalhado no POV do Chace disponível no perfil do Instagram ou no grupo do Facebook. Os links estão depois das notas da autora.
Deixamos o local da festa um pouco depois disso, quando as pessoas já tinham deixado o salão e só restou o nosso grupo. Comemos o bolo, depois os funcionários começaram a dar sinais sutis de que era para irmos embora.
Como prometido, Su levou as meninas em casa e eu as acompanhei antes de ser deixada na minha, onde já me esperava esparramado no gramado junto de Chace. Coitado. Eu tinha muito a agradecer a ele por ter me ajudado a planejar tudo, além de cuidar do bêbado do .
Após levá-lo ao portão, fui em direção à minha casa, finalmente. Arranquei os sapatos dos pés e tranquei a porta, então subi para o quarto e dei de cara com de calças arriadas próximo ao banheiro. Aquele tempo todo ali e nem as calças ele tinha conseguido tirar sozinho.
— Ótimo, termine de tirar a roupa e tome um banho.
fez o instruído e ficou apenas de cueca. Porém, não completou o que lhe foi dito, já que ao invés de ir para o banheiro, veio em minha direção, sorrindo faceiro.
— Nem pense nisso.
— Amor.
— — tentei soar autoritária, só tentei. Não consegui segurar o sorriso quando ele me agarrou forte, com a camisa social evidenciando seus bíceps deliciosos pelo tecido fino. — É sério!
Ele me ignorou, beijando minha boca com vontade. Eu já o conhecia e sabia o que ele queria. E por mais excitada que me deixasse, eu não iria ceder, não com ele naquele estado.
— Eu quero você.
Não tive tempo de protestar. Senti meu corpo se chocar contra a cama macia e soltei um grito involuntário.
— ! Não! — tentei impedi-lo de subir em cima de mim, mas o riso por si só já me tirava as forças. E parecia saber o quanto me deixava fraca quando me olhava daquele jeito.
Por mais embriagado que estivesse, ele não deixava de ser um gostoso filho da puta, me encarando firme com seus olhos verdes, se aproximando devagar como um leão rondando sua presa. Fiquei imóvel, sentindo minha calcinha umedecer ao notar sua mandíbula travar à medida em que ficava cada vez mais próximo de me beijar e a poucos passos de se encaixar entre minhas pernas.
Suspirei ao recebê-lo entre meus braços. se apoiou no colchão e passou a beijar meu pescoço, sendo cuidadoso para não depositar todo seu peso sobre mim, mas bêbado o bastante para me fazer prever um pequeno acidente.
— Amor, não — com muito custo, o empurrei pelos ombros e fez cara de cachorro que caiu da mudança. — Vamos dormir, sim?
Minha vontade era deixá-lo fazer o que quisesse comigo ali. Mas pela quantidade de álcool que ingeriu, mesmo que quisesse fazer milhares de coisas na nossa cama, ele não duraria mais que dez minutos acordado.
— Mas… — ele tentou argumentar, tombado para o lado sobre o colchão. Ri, negando com a cabeça. — não está em casa hoje, Anne também não.
Franzi o cenho com ele listando nossos impedimentos para transar. Sua mão alcançou minha perna, que se arrepiou com a ponta de seus dedos passeando por toda sua extensão até chegar na barra do vestido. o puxou para cima com rapidez, exibindo minha bunda, que ele apertou com força ao de aproximar.
Aquilo era uma tortura.
— Precisamos dormir, amanhã acordamos cedo pra buscá-la — avisei, mas se arrastou ainda mais para o meu lado.
— Isso não é justo.
Ri baixinho de sua malcriação, tirando seus cabelos bagunçados do rosto.
— Eu quero fazer amor com você — ele propôs, mas eu neguei com a cabeça, recebendo um beijo na bochecha. — Eu amo você.
Me afastei bruscamente. Lá íamos nós de novo.
— O quê? Diga de novo! — estiquei-me na cama em busca do meu celular.
— Eu quero…
— Não! Não isso — foi difícil, mas consegui apanhar o aparelho em cima da cômoda. — Repete o que falou depois.
Liguei a câmera. Ele duvidou de mim da última vez, mas eu lhe mostraria aquele vídeo no dia seguinte e toda vez que ele me irritasse!
— Ah, não! — resmungou, tentando tirar o celular da minha mão.
— Por favor — pedi aos risos. — Vai, , só mais uma vez.
— Está bem.
Foquei a câmera em seu rosto, feliz da vida com minha maior vigarice planejada contra em anos. Porém, fui surpreendida pela sua mão ágil demais para um bêbado. Tentei travar uma luta pelo meu celular, mas me vi presa entre seus braços fortes e tatuados.
— , repete o que disse — pedi novamente, esticando o pescoço e vendo o celular caído no colchão próximo de nós.
— Eu te amo, — sua voz saiu um pouco abafada pelos meus cabelos, já que ele encostou sua cabeça na minha.
— Obrigada. Agora vamos dormir, sim? — falei, risonha. Eu infernizaria a vida dele se tivesse gravado aquilo.
— Mas eu não quero dormir… — numa contradição hilária, fechou os olhos e foi caindo no sono. Estiquei o braço para acariciar seus cabelos e logo era eu quem se entregava ao cansaço depois de uma noite tão louca.
Despertei algumas piscadas depois, com a cama tremendo. Abri os olhos incomodada e, quando consegui focar minha visão, enxerguei um pálido e desesperado.
— O que foi? — reclamei, sentando-me contra a vontade. Meu corpo quase tombou para o lado, dolorido da noite de festa que passamos.
— A …
Franzi o cenho.
— Sim? O que tem ? Elizabeta já a trouxe?
Nós é quem iríamos buscá-la, aquele foi o combinado. Mesmo que ela tenha trazido , eu ainda não entendia aquela tremedeira toda. Seus olhos verdes me encararam temerosos, e vi hesitar na ponta da cama.
— , o que tem a ? — cocei os olhos, incomodada. Minha cabeça parecia prestes a explodir de ressaca.
— Ela sumiu.
Pisquei algumas vezes, confusa. Como uma criança de quatro meses poderia sumir desse jeito? Não, eu só poderia ter entendido errado.. Não era possível que tivesse sumido!
— Levaram ela. Machucaram Elisabeta e levaram ela.
Senti o chão sumir de meus pés. Minha voz se perdeu em algum lugar dentro de mim. Cheguei a abrir a boca, mas não saiu som algum, como se estivesse entalada na minha garganta. Meus olhos transbordaram e perdi as forças do meu corpo, sendo amparada pelos braços de , que veio até mim preocupado e chorando copiosamente.
A dor que eu sentia se espalhou por toda parte. Meu coração estava despedaçado dentro do peito. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo, não queria acreditar que tínhamos perdido .
— Meu bebê. Meu bebê…
Tudo queimava por dentro. Eu nem ao menos conseguia pensar direito. Meu sistema nervoso entrava em colapso a cada segundo em que eu lutava para processar aquela informação.
me apertava contra si como se tentasse se livrar da dor que sentia, como se eu pudesse conter seu desespero. Mas, mais uma vez estávamos juntos em meio à tristeza e eu não poderia ajudar muito, estava desolada assim como ele.
— Quero ela de volta, minha ! — eu puxava sua roupa, exigindo que ele fizesse alguma coisa, sabendo que não tinha o que fazer. Ele estava tão sem ação quanto eu no momento. Mas eu precisava falar, externar aquilo dentro de mim até encontrar quem pudesse me ajudar a achar a porta de saída daquele pesadelo horrível, a solução para a pior notícia que ouvi na vida.
Antes de voltar a me aconchegar em seus braços na cama, peguei o celular dele em cima da cômoda e fui de fininho para o banheiro. Sabia que se ele me pegasse ali, poderia ser interpretado erroneamente, mas para dar certo eu tinha que tentar.
Eu apenas precisava que o celular não despertasse. Poderia apenas desligar o telefone, mas aí o deixaria incomunicável caso acontecesse algo no trabalho.
Me surpreendi quando vi que o aparelho não tinha senha, que era uma das minhas preocupações no momento. Fui até o despertador para desligá-lo e sem querer cliquei numa notificação que subiu na tela, indo parar no aplicativo de mensagens.
Saí rápido, não era aquilo que eu queria ver ali. Porém, após desabilitar os alarmes, me toquei de algo e minha curiosidade me levou de volta ao WhatsApp. Meu contato estava salvo como “Gostosa”, e arregalei os olhos pensando que nunca mais ligaria para quando soubesse que ele estava entre os amigos. Imagina a cara deles quando lessem o nome piscando na tela?!
Soltei um riso desacreditado, tampando a boca em seguida para abafar. Eu não era nada criativa. O nome de estava salvo como mesmo, jeito que sempre foi desde o nascimento de , quando fui obrigada a salvar o número dele para manter contato.
Voltei à página inicial e vi nossa foto tirada no primeiro mêsversário da neném, a que Amélia tirou no momento em que deu um sorriso babão. Sorri com a lembrança e senti um pequeno aperto no coração de saudades da minha mãe. Quando ela veio, estava tudo tão confuso com e eu tentando não cometer um assassinato com com o outro. Ela devia vir agora que estava tudo mais calmo.
Me dispersei, bloqueando o aparelho e colocando-o em seu devido lugar. Também retornei para o meu, me aconchegando em meu travesseiro e já sentindo o braço de me enlaçar quando ele chegou mais perto. Fechei os olhos e foi questão de tempo para que voltasse a abri-los pela manhã.
Tive que acordar mais cedo, o que normalmente não acontecia. Antes, quando corria, eu permanecia na cama até o horário de me arrumar para trabalhar. Mas agora que estava em casa, eu geralmente me levantava um pouquinho depois dele. Aproveitava seu banho para me demorar na cama e assim apreciava, ainda debaixo dos cobertores, a visão de saindo do banho com a toalha enrolada na cintura.
Eu chegava a suspirar quando ele aparecia de cabelos molhados, as gotas descendo pela nuca e pescoço… que delícia.
Depois de escovar os dentes e dar um jeito em meu rosto e cabelos, fui em direção à babá eletrônica e levei-a comigo para a cozinha, onde passei a preparar o café da manhã. Quando acordou e eu vi pela câmera, corri para buscá-la para que não despertasse antes da hora. O bolo pequeno que eu tinha comprado e escondi na geladeira já estava a postos, então peguei uma vela e isqueiro. Dei minha vida para não derrubá-lo, nem ele nem enquanto eu subia para o quarto.
Quando cheguei na porta, encontrei um obstáculo: a maçaneta. Eu tinha as duas mãos ocupadas e estudava um jeito de abrir a porta quando, como num passe de mágica, ela se abriu.
— O que…
— Ah, não, não foi isso o que planejei!
me encarava ainda confuso, passando os olhos do bolo para a bebê em meu colo. Bom, também tinha o balão, que ela agarrava a cordinha entre os dedinhos, mas não lhe dei muito tempo para reparar nele também.
— Volte pra cama. Quando eu entrar, faça cara de surpresa, sim? — falei e ele franziu o cenho, fazendo-me bufar. — Vamos, !
Provando que a idade chegava rápido, deu meia-volta resmungando feito um velho reclamão e, quando tive seu ok, empurrei de leve a madeira branca para que pudéssemos entrar.
— Parabéns pra você, parabéns pra você!
Ele sorriu abertamente, segurando o celular enquanto me filmava passando aquela vergonha de camisola.
— Parabéns pro papai… — lhe dei . — De nós duas, no caso — acrescentei rapidamente, arrancando-lhe uma gargalhada. — Parabéns pra você! — deixei o bolo sobre a cama para pegar o isqueiro. — Espere eu acender a vela — murmurei enquanto era metralhada por beijos na bochecha. Ri pelo nariz. Eu, que tinha acordado cedo e preparado tudo, não ganhava nada. Agora a fofinha que estava dormindo até o momento e foi apenas segurar o balão ganhava milhões beijos. — Prontinho. Faça um pedido — foi quase uma ordem. Eu sabia o quão cético era com aquela coisa de pedido.
No fundo eu também era, mas fazia por desencargo de consciência. Né, vai que… Eu não queria criar sem aquelas pequenas doses de fantasia e esperança bobas da vida. Acredito que o dinheiro de ainda tornaria as coisas mais críveis a ponto de ela achar que “manifestou” o iPhone mais recente no mercado que vai ganhar do pai no Natal. daria tudo o que ela quisesse, na hora que ela quisesse.
Ele revirou os olhos antes de suspirar e fechá-los de novo por um milésimo de segundo. Estreitei os olhos, desconfiada, quando abriu os dele. Ele não tinha feito um desejo. Não existia nenhum desejo tão rápido assim de ser pensado. Ou vai ver que ele não tinha nada para pedir, mesmo… o que era estranho.
— Vem cá, me deixa te dar um beijo — ele riu levemente, pegando-me pela nuca. Selou nossos lábios algumas vezes enquanto ainda segurava o celular e eu ainda tinha o bolo em mãos. — Você não existe, mesmo. Obrigado — outro selinho. Sorri abertamente, encolhendo os ombros.
Comemos o bolo enquanto checava algumas mensagens que já tinha começado a receber, apesar de ser bem cedo ainda. Olhei de relance e o vi digitar um agradecimento para Dafne, que provavelmente foi um dos contatos que lembrou do aniversário.
Não falei nada e tentei conter o monstrinho que crescia dentro do meu peito. Odiava sentir ciúmes, principalmente por saber que eu estava errada. Afinal, se fosse meu aniversário e Tom me enviasse felicitações, eu responderia por educação.
precisou trabalhar e eu fiquei na ansiedade para a festa que aconteceria mais tarde. Fui dar um passeio pelo condomínio com no carrinho e me deparei com um salão de beleza numa rua afastada de portaria. Pensei bem se eu deveria gastar meu dinheiro com uma futilidade daquelas, mas também sabia que era uma data especial.
Cortei um pouco os fios e pedi para que a cabeleireira me deixasse um tantinho mais loira, nada muito exagerado e diferente do tom que já estava. Tinha me esquecido do quão demorado aquele tipo de procedimento poderia ser; e eu praticamente moramos no salão por um dia. Arrumei as coisas da bebê e logo Elisabeta chegava para buscá-la.
Eu estava morta de saudades dela, e comentamos que era uma pena não estar ali para que ela matasse as saudades dos três juntos. Mas no sábado de manhã, iríamos nós dois buscar . A babá foi embora levando consigo um pedacinho do meu coração.
Eu sabia que era drama, mas não deixava de sentir aquele aperto no peito toda vez que sabia que iria me separar da minha filha, nem que fosse só por algumas horas.
Fui fazer algo que ainda não tinha feito desde que me mudei para aquela casa: arranquei minhas roupas e enchi a banheira de água morna. Fiquei ali por um tempão, apenas relaxando de olhos fechados. Confesso que, no início, não consegui me concentrar nem descansar. Sempre abria os olhos, achando que estava esquecendo de checar no berço.
De qualquer forma, meu celular permaneceu no alcance da minha mão caso alguém me ligasse.
Era estranhamente satisfatório estar sozinha. Digo “estranhamente” porque normalmente eu não sentia aquela necessidade tão forte quando estava com e em casa. Eu gostava da companhia deles, como quando passava pela sala e via sentado no sofá, bebendo uma cerveja com a neném no colo e vendo jogo. Apesar de ter morado tanto tempo só, tendo apenas Salém como companhia, me acostumei muito rápido a ter a presença de outras pessoas comigo o tempo todo.
Antes eu achava que gostava de ficar só, mas, na verdade, acho que era apenas por não conhecer alguém que me deixasse confortável em sua presença.
Meu celular começou a tocar e abri os olhos para ver quem era, e o nome de piscava na tela. Mais aliviada por não ser Elisabeta, estiquei-me para pegá-lo após secar a mão na toalha.
— Oi — murmurei, ainda relaxada demais para alguém que estava acordada.
— Te acordei?
— Não — ri baixinho, tratando de me arrumar na banheira para me forçar a ficar mais consciente.
— Espera, você está na banheira?
Confirmei com um murmúrio e logo a ligação ficou muda. Afastei o celular do ouvido e vi que a ligação tinha caído. Percebi que não caiu quando o aparelho voltou a tocar e, daquela vez, era uma chamada de vídeo. Ri ao deslizar o dedo para o lado e atender.
— Oi, casada.
Gargalhei, reprovando o comportamento depravado do meu marido, que não aguentou e, após fazer uma pose sedutora, caiu no riso junto.
— Você é ridículo, sabia?
negou, discordando. Vendo-o com aquele terno cinza e gravata escura, também discordei imediatamente da minha própria fala.
— Onde está ?
— Dormindo — respondi ao checar a hora. Ela não costumava dormir naquele horário, mas pareceu acreditar. — O que aconteceu?
— Nada, só liguei pra avisar que vou chegar um pouco mais tarde. Chace marcou uma reunião justo hoje, disse que se esqueceu que era meu aniversário.
Comprimi os lábios, concordando. Era mentira, com certeza. Mas não deixei de pensar em como era um chefe bonzinho por relevar uma gafe daquelas e ainda ficar depois do horário para comparecer à tal reunião.
— Deve ser muito chato, não é… — joguei um verde, fazendo-me de desentendida. — Fazer hora extra no dia do seu aniversário e ainda por cima não comemorar de verdade.
maneou a cabeça e sorriu fechado, deixando à mostra suas covinhas.
— Você que era acostumado a dar grandes festas e encher a cara… — eu estava doida para revelar a surpresa. Mas não o faria; seria bem melhor guardar a ansiedade e ver sua reação no momento certo. — Nem precisava ter avisado. Não vamos fazer nada de especial, mesmo.
— E o bolo de hoje cedo? Já até assoprei a vela e fiz um pedido — estava sendo rico e apreciando as coisas simples da vida; ri daquele meu pensamento. — Mesmo que não façamos nada hoje à noite, eu quero comemorar com você.
Ele estava de volta, o frio na barriga. Sorri, remexendo-me na banheira.
— Não deixe dormir muito, senão ela passa a noite acordada.
Estreitei os olhos, vendo-o rir. Estava sacando os planos dele.
— Nós vamos jantar e depois ir pra cama? Chato… — fingi me lamentar. ficaria tão feliz em ver a festa que preparamos para ele.
— Está brincando? Pensei em você o dia inteiro e agora estou conversando com você sabendo que está nua a quilômetros de distância de mim e não posso te tocar.
Quase me retorci na banheira. Meu Deus, o que era aquele efeito que ele causava em mim?
— Eu tô doido pra chegar em casa!
— Sim, sim, até porque minha touca de banho é bem sexy mesmo — apontei para ela, vendo-o revirar os olhos. Ainda bem que eu estava de touca, não queria estragar a surpresa do cabelo novo. Reparei no que estava fazendo e me senti boba. — Então está bom, vou tentar preparar algo diferente no jantar.
— Suba em cima da mesa nua, está perfeito.
— !
Não sei como eu ainda me surpreendia.
— Estou brincando. O que você preparar está bom, é o suficiente pra mim.
Suspirei, pensando em como ele conseguia sair de um safado para um fofo em menos de um minuto. Ouvi batidas na porta e o observei desviar o olhar.
— Sim, Jordyn? Ah, tudo bem, já vou lá — ele ficou sério. De repente, virei a safada por reparar em sua mandíbula marcada e desejar mordê-la inteira. — Tenho que ir, então até mais tarde. Beijo.
— Beijo — desliguei, afundando-me na água e esticando meu braço para manter o celular a salvo.
Credo. Mentir realmente tinha virado uma habilidade que antes eu não sabia que tinha.
Ainda de toalha, eu passava hidratante por minha coxa enquanto pensava em qual lingerie usaria naquela noite. Poderia não ficar em casa jantando com , como ele achava que aconteceria, mas o nosso desfecho na cama seria o mesmo. Queria estar bonita para ele. Tirei a touca e vi os fios claros envoltos nos bobs que enrolei há um tempo. Fui até o closet e escolhi um conjunto preto em que o sutiã tinha uma sustentação maravilhosa, que juntava meus seios e os deixava fartos como se eu realmente os tivesse volumosos. Parei para me ver no espelho e tive uma ideia. Coisa boba, sabe? Só para deixá-lo ainda mais ansioso para me ver.
Nunca tinha feito aquilo, justamente por não confiar em homem nenhum. Mas agora com a modernidade das fotos que só podem ser vistas uma vez e sem prints, decidi que eu faria aquilo pelo menos uma vez na vida. Se eu não confiasse em meu marido naquele sentido, em quem mais eu confiaria, então?
Enquadrei na foto apenas minha boca pintada e delineada de vermelho e meus seios envoltos no sutiã, fazendo jus ao nome do contato salvo no celular dele. Cliquei no botão “enviar” e larguei o celular de lado, sentindo o coração acelerar. Era a minha primeira vez mandando nudes. Não sabia ao certo o que esperar da resposta, nem se teria que ter um contexto antes de mandar.
Será que teria que ter uma legenda? Céus, eu tinha me casado sem saber o básico da solteirice, que era mandar sacanagem por mensagem.
: “Não sei se tive muito tempo pra apreciar a foto.”
Cínico. Gargalhei, indo buscar o vestido que usaria. Quando voltei, o celular voltou a vibrar.
: “Estava na reunião quando abri.”
Um emoji de palhaço foi acrescentado. Hora errada, .
: “Mas tudo bem, vou ver melhor quando chegar em casa.”
Calcei meus sapatos após deslizar o vestido de seda vermelho pelo corpo. Eu estava comportadinha apesar da fenda grande em uma das coxas. Espirrei perfume nos pontos certos e, por fim, tirei os bobs do cabelo, tendo os fios ondulados caindo pelos meus ombros. Recebi uma mensagem de Jack dizendo que já estavam indo para o local da festa e me apressei em sair de casa. Como não estava sabendo de nada, quem os recepcionaria seria eu.
Mandei mensagem para Anne e Tiffany. Sabia que não convidaria Annelise para nenhum evento por vontade própria, mas como lá estariam os amigos dele, eu também queria que as minhas estivessem. Além disso, teríamos poucos convidados: apenas o pessoal da viagem que fizemos e elas duas. Não convidei ninguém do condomínio além de Victoria, que estava ocupada e não poderia comparecer.
Acabei falhando na missão e peguei um trânsito infernal antes de chegar de Uber. David já tinha passado para buscar as meninas, e o restante do pessoal também já tinha chegado. Não precisei apresentar Anne e Fanny para ninguém; já estavam todos bem entrosados.
Perguntaram muito de , mas entenderam que o lugar não era propício para um bebê tão novo quanto ela estar. Tentamos fechar o local para nós; porém, como a reserva foi feita em cima da hora, não foi possível. E apesar de ter outras pessoas ali, conseguimos a área do karaokê para nós.
— Pessoal, ele está chegando — dei o sinal para um dos garçons, que pediu para desligarem a música.
Chace me mandou mensagem dizendo que tinha inventado para que precisava passar em outro lugar rapidinho antes de levá-lo para casa. O carro do foi travado no estacionamento da empresa propositalmente, o que já o deixou puto da vida. Parei de respondê-lo no WhatsApp, mas acompanhei seu ódio pelas mensagens que ele me enviou.
Aquela surpresa toda pareceu mais um teste cardíaco pro coitado.
Quando ele sugeriu na entrada, gritamos “surpresa” e todos no estabelecimento gritaram junto e bateram palmas para , que realmente ficou surpreso. Eu estava mais atrás da primeira mesa de convidados, junto de Anne, David e Tiffany, por isso não fui a primeira a abraçá-lo. Mesmo assim, o acompanhei com o olhar enquanto ele vinha se aproximando e cumprimentando os amigos e as meninas.
Quando chegou mais perto de mim, arqueou as sobrancelhas, mais uma vez surpreso. A luz não tinha ajudado muito, mas acho que tinha notado a ligeira diferença nos meus cabelos. Dali para frente, ele abraçou todos com os olhos em mim, que ainda sorria satisfeita porque tudo tinha enfim dado certo.
— Vai logo abraçar ela, depois você me cumprimenta — Su resmungou, percebendo sua ansiedade. — Eu, hein, parece que nunca viu.
Eu ainda ria quando ele se aproximou, agarrando-me e levando meu corpo para próximo do seu. Envolvi seus ombros com os braços e retribuí o beijo que recebi. Logo direcionava os lábios para o canto de minha boca, onde deixou outro beijo, e foi parar na bochecha, trilhando um caminho até meu ouvido.
— O seu cabelo… Você está maravilhosa.
Sorri ainda mais, sentindo um arrepio atingir meu corpo com sua voz soando ao pé do meu ouvido.
— Não vejo a hora de te levar pra casa — suas mãos deslizaram por minhas costas e apertaram meus quadris.
— Depois. Primeiro a festa — controlei minha respiração, sendo obrigada a me afastar dele.
— Eu amei, muito. Muito obrigado — ele selou nossos lábios várias vezes.
— Agora posso dar um abraço no aniversariante? — Suzanne pediu e a encarou fingindo estar em dúvida, ainda com os braços em volta de mim. Então, beijou minha bochecha antes de ir até ela.
Fanny e Anne se aproximaram já fazendo a fila. Ele foi primeiro em Tiffany, que o chamou de cunhadinho de um jeito irônico, mas que arrancou risadas minhas e de ele. Depois Anne, que devia estar morta de ansiedade para poder tocar em , passou a me encarar séria, o que desmanchou meu sorriso instantaneamente.
não quis abraçá-la muito, apenas sorriu forçadamente enquanto se livrava dos braços dela o mais rápido que conseguiu, para logo depois esboçar felicidade genuína ao abraçar David.
— Hoje você vai ter que fingir muito, minha cara — Fanny comprimiu os lábios. — Aquela ali parece ser a maior fã de vocês dois — se referiu a Su.
discordaria prontamente se ouvisse aquilo. Com certeza diria que era a Anne.
— Bom que agora vocês são amigos, não precisam mais fingir que se gostam.
— Amigos, é? — Anne arqueou as sobrancelhas. Assenti, engolindo em seco. — Quem diria, hein?
Pois é, Anne. Amigos que transam, ainda por cima. Quem diria.
voltou ao meu encontro, animado, e não pude conter meu sorriso. Apesar de normalmente estar preocupada com minhas amigas descobrindo sobre a gente, não consegui evitar de agir com naturalidade com meu marido.
— Viu que tem um karaokê? — pegou-me pela mão, tirando-me do meio das meninas.
— Foi por isso que escolhemos esse lugar.
Fui com ele, sabendo que elas entenderiam caso eu ficasse mais afastada. E também porque eu queria estar ao lado dele, aproveitando a festa com ele.
Pegamos bebidas e todos começaram com uma ou duas cervejas, menos Chace e Su, que eram os motoristas da noite. Socializei com os amigos de , sentada ao lado dele, mas me afastei quando senti os olhos de Annelise pousados demais em mim, certamente com ciúmes das minhas novas amizades.
Fiquei com elas quando Jack puxou David, Chace e para começar a cantoria. Eles escolheram As Long as You Love Me dos Backstreet Boys. Sentei-me pertinho do palco improvisado que tinha ali, e não fui a única a babar em quando ele abriu a boca e começou a cantar em meio aos amigos desafinados que tinha. Me lembrava da nossa adolescência, de quando o via, contra a minha vontade, se apresentar com sua banda.
Eles aproveitaram o embalo e cantaram Toxic da Britney Spears, fazendo gracinhas para o público que estava amando vê-los ali. Depois foi a vez de Su subir e enxotar os marmanjos, arranjando microfones extras para dar a Caroline, Anne e Tiffany. Elas cantaram o clássico da Shania Twain: Man, I Feel Like A Woman, e depois Lady Marmalade, que fez pelo menos uma das cantoras originais se revirarem, onde quer que estivessem, por estragarem a música com tanta gritaria.
Anne e Fanny ficaram no palco para cantar Don't Cha, das The Pussycat Dolls. Foi meio ridículo Anne rebolando e olhando discretamente para ? Foi, mas ele não ligou e ninguém pareceu perceber, então me fingi de cega também.
“Don't cha wish your girlfriend was hot like me?”
(Você não gostaria que sua namorada fosse gostosa como eu?)
“Don't cha wish your girlfriend was a freak like me?”
(Você não gostaria que sua namorada fosse maluca como eu?)
“Don't cha? Don't cha?”
(Não gostaria? Não gostaria?)
Ele me chamou com a mão e me fez sentar em seu colo, mesmo tendo cadeiras vazias ao lado. Beijei sua boca sabendo que Anne estava de olho em nós, como sempre. Àquela altura, já tinha se livrado do blazer e da gravata que usava, então aproveitei os primeiros botões de sua camisa abertos e raspei minhas unhas na região, fazendo-o me apertar em seus braços e gemer durante o beijo. Ainda bem que a música estava alta.
— Não vai cantar? — murmurou contra minha boca.
— Não, estou bem aqui, sabe? Assistindo e rindo dos outros — espiei as duas no palco, cruzando olhares com Anne.
— Canta uma comigo, sim? — ele pediu, mas neguei com a cabeça. — Por favor, amor, é meu aniversário. Eu disse que queria comemorar com você.
Ri da chantagem emocional que ele fez. pegou o celular e escolheu uma música para nós. Assim que a pontuação das meninas apareceu na tela, ele se levantou comigo e puxou-me pela mão enquanto as duas já desciam, ainda sendo aplaudidas.
Uma contagem de cinco segundos apareceu no telão e eu agarrei o microfone contra a minha vontade. A batida da música começou com uma guitarra conhecida por mim, e eu ri de nervoso enquanto olhava em volta e via todas aquelas pessoas me assistindo. Eu não tinha bebido o bastante para ficar solta como aconteceu em Tulum. Além do mais, arriscaria dizer que eu era melhor dançando do que tentando cantar.
Ainda com o microfone na mão, nervosa, o observei cantar os primeiros versos sozinho:
— Side by side. Walking home, stumbling home, getting curious (Lado a lado. Indo para casa, caindo pelo caminho, ficando curiosos).
— What's on your mind? Cause what's on mine's a dirty mind. Why so serious? (O que você está pensando? Porque eu estou pensando besteira. Por que está tão séria?).
Ele pegou-me pela cintura, sorrindo travesso.
— Baby the stars above will light the way. Just take my hand and hear the words I say (Amor, as estrelas lá em cima vão iluminar o caminho. Pegue minha mão e escute o que eu digo) — segurou minha mão e andou pelo palco comigo, tirando-me do cantinho sem muita iluminação.
— Yeah, when the morning comes, I'll always stay (Quando a manhã chegar, eu sempre ficarei) — levou a mão que segurava até os lábios e beijou. — You gotta know, you gotta know that I'm feeling this, ow” (Você tem que saber, tem que saber que eu me sinto assim).
— Come and roll with me. We'll rock them body moves (Venha curtir comigo, vamos mexer nossos corpos).
dançou em volta de mim, incentivando-me a fazer o mesmo. Me soltei um pouquinho, tentando acompanhá-lo; porém, ainda não curtia a sensação de ter literalmente um holofote em cima de mim.
Me arrependi de ter tentado cantar junto com . Era humilhante, ele cantava muito bem, além de ser confiante em cima do palco. Apesar de estar arrasando e saber bem daquilo, em momento algum ele desviou os olhos de mim para quem assistia.
— Me and you (Eu e você) — encorajou-me, sorrindo. — Vamos, . Body moves (Mexer nossos corpos).
— Yeah, just a little bit (Só um pouquinho) — fechei os olhos e arrisquei o trechinho que, na música, era feito pelos backing vocals.
Bom, já era alguma coisa.
— I don't need it, but you know how bad I want it (Eu não preciso, mas você sabe o quanto eu quero) — suas veias do pescoço ficaram à mostra quando ele cantou as notas altas. — And your touch has got me haunted, but I li-i-ike it (E o seu toque me deixou enfeitiçado, mas eu gosto).
Aquele verso era muito o que nós dois tínhamos. Senti tudo parar quando o assisti cantar me olhando nos olhos.
— Come and roll with me, oh baby, let it loose. Me and you, oh, just a little bit (Venha curtir comigo, oh querida, se solte. Eu e você, oh, só um pouquinho).
Continuei a cantar somente os backing vocals na segunda parte do refrão, mas já tinha me soltado um pouco para dançar.
— Got all night (Temos a noite toda) — sorriu safado, fazendo-me suspirar. — Show me more, a little more, it's getting scandalous (Me mostre mais, um pouco mais, está ficando escandaloso).
Rebolei enquanto delineava minha cintura e quadril com uma das mãos. O pessoal soltou gritinhos para me incentivar, apesar de eu ainda não ter tido coragem de encarar nossa platéia.
— Yeah, all my life, yeah. Waiting for the girl next door to get real dangerous (Yeah, toda minha vida esperando a garota comportada ficar perigosa).
Mais um trecho muito pessoal, deu pra notar no tom em que ele cantou. Tive um beijo roubado quando me agarrou pela cintura. Com certeza perdemos pontos pelos versos vazios que ficaram enquanto ele esteve ocupado enroscando sua língua com a minha.
— Come and roll with me, we'll rock them body moves. Me and you (Venha curtir comigo, vamos mexer nossos corpos. Eu e você).
— Oh, just a little bit (Oh, só um pouquinho) — a cada vez que eu aproximava o microfone da boca, o som saia pior.
— Body moves.
— Yeah, just a little bit.
— No fim das contas eu só subi ali para dançar com ele, porque acabou cantando toda a música praticamente sozinho. Ganhou os merecidos 80 pontos na avaliação do jogo, então descemos do palco sendo aplaudidos enquanto eu queria cavar um buraco para me esconder.
Cantaram mais algumas músicas, porém logo foram se cansando do karaokê. Logo as músicas foram voltando a tocar no local e os convidados começaram a se dispersar das mesas.
Dancei com as meninas até tirar os sapatos com dor nos pés, já desencanou um pouco de ficar comigo para poder conversar com os amigos. Pude vê-lo virar alguns shots de tequila e fiquei levemente preocupada no que aquilo daria de ressaca no dia seguinte. Mas tudo bem, afinal, era o aniversário dele.
Anne era outra que andava exagerando no álcool. Dançava cada vez mais provocante ao nosso lado, chegando ao ponto de descer até o chão e mostrar a calcinha. David, que estava sentado com , chegou a arregalar os olhos quando viu; , se viu, fingiu muito bem não se importar.
— Anne, pare de se humilhar. não vai te comer — me espantei com Tiffany pegando-a pelo braço quando ela ia ao chão novamente.
— Ele já transou comigo uma vez. O que impede de querer de novo?
Mordi meu lábio para segurar o riso sarcástico que quase me escapou. Ela falava como se não estivesse bêbado naquela noite e tivesse ido pra cama com ela por livre e espontânea vontade.
— Você, no caso. Não vê que quanto mais você se aproxima, mais ele te ignora? não te suporta.
— Ele odiava e hoje são amigos. Isso não quer dizer nada.
Fanny me olhou irritadiça e eu neguei com a cabeça, pedindo silenciosamente para que ela deixasse pra lá. Eu já tinha a solução para a minha própria irritação: mandei mensagem para , mandando-o ir para a escada de incêndio do prédio.
— Gente, vou lá fora ligar para a babá e checar se está tudo bem.
— Quer que eu vá com você?
— Não precisa, amiga — sorri para Fanny. — Só fique de olho na mocinha aqui.
já tinha se levantado e ido para os fundos. Segui para o lado de fora e entrei na porta lateral do estabelecimento, onde a proprietária tinha nos mostrado que era a saída de incêndio quando fui visitar para reservar a festa de .
Andei pelo corredor e abri a outra porta, encontrando-o próximo à escada que dava para o segundo andar.
— Vem — puxei meu marido pela mão e subimos até a porta de cima, que estava aberta e dava para o escritório, onde assinei e fiz o pagamento.
Tranquei a porta e fui agarrada de imediato. Sua boca se chocou com a minha, não me dando tempo sequer de respirar direito, tamanha a urgência que ela me tomou. Demos passos às cegas pela sala de iluminação precária, onde a luz só entrava pelas frestas da persiana que vazava o clarão dos postes da rua.
me jogou sentada sobre a mesa que ali tinha, já pegando a carteira e sacando a camisinha de dentro dela. Ele sabia que seria apenas uma rapidinha, por isso se apressou em baixar o zíper e a calça. Em seguida, vestiu a camisinha enquanto eu esperava inquieta, beijando e chupando seu pescoço.
Eu já estava mais do que pronta para ele, de pernas bem abertas, apenas esperando ele colocar minha calcinha de lado e me invadir. Porém, suas mãos foram de encontro às minhas costas.
— Me deixe ver — sussurrou em meu ouvido quando encontrou o que procurava e baixou o zíper do vestido, deixando-o frouxo em meu tronco.
Ajudei-o descendo as alças para deixar meus seios à mostra, apertados naquele sutiã e quase pulando para fora. tinha os olhos verdes vidrados na dupla, então tirou meus cabelos do caminho para poder olhá-los sem nada atrapalhando.
— Esperei muito pra isso.
Ri baixinho. Como era dramático. Não foi muito tempo de espera.
se inclinou e beijou meu pescoço enquanto eu praticamente agonizava ali, sentada, esperando-o me penetrar logo e acabar com o desejo que me fazia querer esfregar uma coxa na outra para amenizar.
— Sabe, eu vi sua amiguinha se insinuando pra mim lá embaixo.
Prestei atenção no que ele dizia, ou pelo menos tentei. Era difícil quando estava com tanto calor e o tinha tão perto e tão delicioso respirando com aquele hálito de álcool e limão contra minha pele.
adentrou meu vestido com uma das mãos, puxando minha calcinha com os dedos habilidosos.
— Será que ela não percebe que eu só tenho olhos pra uma mulher?
Avancei com o quadril e o vi sorrir em aprovação. Mordi o lábio quando ele encaixou a cabecinha na minha entrada, avançando devagarinho. levantou a cabeça, olhando-me nos olhos enquanto eu desfalecia cada centímetro adentro.
— A mais gostosa de todas.
Gemi quando o senti inteiro, já sentada sobre a ponta da mesa. Fechei os olhos e joguei a cabeça para, trás vendo que estava brincando comigo, parado, sem entrar ou sair de dentro.
— Abra os olhos, amor.
Fiz o que mandou e os mantive bem abertos quando ele encostou a testa na minha e passou a estocar mais rápido.
Eu beijava sua boca e sentia meu rosto querer se rasgar de tanto que queria sorrir. Não controlei os pensamentos maldosos que tive quando pensei em Anne fazendo todo aquele esforço para ter a atenção de e mesmo assim ele só olhou para mim. Era eu quem ele estava beijando, puxando os cabelos e dando tudo de si para dar prazer. Não ela.
Nunca seria ela.
Saí do escritório um pouco depois de e fiquei para arrumar a mesa que bagunçamos, depois fui dar a volta no prédio para entrar pelo mesmo lugar que saí. Quando retornei, não vi sinal das duas. estava sentado no mesmo lugar de onde o tirei com a mensagem, bebendo como se nada tivesse acontecido. Porém, em seu pescoço tinha uma pequena marquinha vermelha.
Sorri satisfeita e fui ao banheiro, dando de cara com Fanny e Anne paradas no lavabo. Os olhos de Anne estavam vermelhos e molhados. Eu não sabia explicar o motivo, mas não consegui sentir nada ao vê-la daquele jeito.
— Você viu? — Tiffany revirou os olhos e a segurou para que ela não caísse. Me fiz de desentendida. — Viu quem foi a puta que estava se agarrando agorinha?
— Fale baixo, alguém pode te escutar — Fanny interveio, sendo afastada pela loira chorosa. — Isso nem é da sua conta.
— Não sabia nem que tinha saído. Estava lá fora conversando com Elisabeta.
— Pois é, ele sumiu uns minutinhos e essa aqui deu chilique — a cacheada resmungou. — Vamos pra mesa tomar uma água, chega de álcool por hoje.
Assenti, concordando, e passei por elas para ir a um dos boxes do banheiro. Quando saí, me olhei no espelho e vi que a minha situação não estava tão suspeita assim. O vestido estava abarrotado, porém, durante a noite e com toda a dança, seria normal que aquilo acontecesse. O mesmo valia para os cabelos e o suor estragando a maquiagem.
Dei um jeito em tudo da melhor forma que consegui e saí, já pegando uma bebida com um garçom e sentando-me para descansar um pouco. A festa continuou a todo vapor; já se passavam das duas da manhã e o som ainda estava alto, as bebidas e a pista ainda funcionavam normalmente.
tinha bebido mais; já estava começando a enrolar a língua quando Chace interveio e tirou o copo da mão dele. Parecia que tinha lido meus pensamentos, porque eu mesma iria me levantar para fazer aquilo. Tiffany estava certa, chega de álcool.
— Vai tomar uma água — ouvi o loiro direcioná-lo ao bar. sentou-se numa das banquetas e pediu uma garrafinha ao funcionário.
— Pare de chorar. Alguém morreu, por acaso? — Tiffany reclamou, o que me fez desviar os olhos para Annelise. Ela ainda estava chorando por ? Meu Deus. — Quer saber? Vamos embora.
— Não, amiga, espera. Su ficou de levar vocês pra casa. Está muito tarde pra vocês pegarem Uber sozinhas — interferi quando ela fez menção de se levantar e levar a loira trôpega consigo.
— Minha nossa, mais um bêbado chorão. O que tinha nessas bebidas, afinal?
Olhei na direção em que Fanny apontava e vi debruçado sobre o balcão, soluçando.
— Eu vou lá ver o que é — fingi desdenhar, mas quando lhes dei as costas, senti meu coração ficar minúsculo dentro do peito. Mesmo sem perguntar a o motivo do seu choro, eu já tinha ideia do que era.
Toquei seu ombro, vendo-o desenterrar o rosto e me olhar com o rosto vermelho e molhado em lágrimas. Abri a boca para dizer algo, mas perdi as palavras em algum lugar quando percebi que nada do que eu dissesse resolveria o motivo de seu choro.
— Se eu te dissesse que esperei o dia inteiro por uma ligação dela, você acreditaria?
Assenti e o abracei forte, já sentindo lágrimas descendo pelo meu rosto.
Era o primeiro de muitos aniversários dele sem Grace. tinha vivido pouquíssimos anos sem tê-la em sua vida. Como filho único, eu imaginava que talvez seria impossível para ele se esquecer da presença dela, principalmente em dias como aquele.
A saudade apertava mais a cada dia que passava; porém, no dia a dia, era mais fácil nos distrairmos com as coisas cotidianas. Era como se Grace tivesse ido morar longe e não fizesse muito contato, como acontece normalmente. Mas em datas comemorativas, é impossível pensar daquele jeito, principalmente quando a pessoa era Grace, que ligava pontualmente à meia-noite em todos os aniversários. Ela queria ser a primeira a dar os parabéns para quem amava.
, em sua negação, talvez não tivesse se dado conta de que a meia-noite já tinha passado. Um dia inteiro já tinha passado e ele não teria nenhuma ligação com a voz da irmã.
— Eu sinto muito — falei em meio ao choro e afastei-me para secar seu rosto, mesmo estando com o meu tão molhado quanto.
As pessoas à nossa volta nos olhavam com pesar. Os desconhecidos talvez achassem que éramos um casal discutindo a relação aos prantos, mas os amigos de e as meninas sabiam bem o motivo do nosso choro. Por isso ninguém foi até lá nos incomodar, apenas nos deixaram chorar em paz.
— Sei que ela deve estar muito orgulhosa de você, . Onde quer que ela esteja — lhe assegurei, tendo seus olhos claros sobre mim. Ele me sorriu triste, assentindo.
— De nós dois — fungou. — Eu sei disso.
Concordei e beijei o topo de sua cabeça, aproveitando que eu estava de pé e ele sentado.
— Obrigado, . Por estar vivendo toda essa loucura comigo, por amar tanto … por tudo.
Solucei, tornando a abraçá-lo. Eu não deveria deixá-lo me agradecer por nada daquilo, mas apenas deitei minha cabeça em seu ombro e ali fiquei por um tempinho.
— Olhando tudo isso agora…
Bêbado daquele jeito? Me afastei para olhá-lo, esperando uma daquelas reflexões sem pé nem cabeça pelo efeito da bebida.
— Acho que entendo o motivo de tudo isso ter acontecido — ele completou e eu franzi o cenho, olhando-o nos olhos. pegou minha mão e acariciou o dorso dela com o polegar. — Coisas ruins podem trazer coisas boas.
Encarei nossas mãos e voltei a olhar para seu rosto sério. Enrubesci, sentindo meu coração acelerar tanto que quase saiu pela boca. Desviei meus olhos dos dele e saí do transe instaurado entre nós para ver o funcionário trazendo consigo um bolo cheio de velas acesas:
— Parabéns pra você, nesta data querida…
Os convidados de vieram até nós e cantaram Parabéns juntos, com direito a ajuda na hora de apagar tantas velas e chantilly no rosto dos desavisados que ficaram perto demais do bolo, dando sopa para serem melecados.
N/A: Esse trecho está mais detalhado no POV do Chace disponível no perfil do Instagram ou no grupo do Facebook. Os links estão depois das notas da autora.
Deixamos o local da festa um pouco depois disso, quando as pessoas já tinham deixado o salão e só restou o nosso grupo. Comemos o bolo, depois os funcionários começaram a dar sinais sutis de que era para irmos embora.
Como prometido, Su levou as meninas em casa e eu as acompanhei antes de ser deixada na minha, onde já me esperava esparramado no gramado junto de Chace. Coitado. Eu tinha muito a agradecer a ele por ter me ajudado a planejar tudo, além de cuidar do bêbado do .
Após levá-lo ao portão, fui em direção à minha casa, finalmente. Arranquei os sapatos dos pés e tranquei a porta, então subi para o quarto e dei de cara com de calças arriadas próximo ao banheiro. Aquele tempo todo ali e nem as calças ele tinha conseguido tirar sozinho.
— Ótimo, termine de tirar a roupa e tome um banho.
fez o instruído e ficou apenas de cueca. Porém, não completou o que lhe foi dito, já que ao invés de ir para o banheiro, veio em minha direção, sorrindo faceiro.
— Nem pense nisso.
— Amor.
— — tentei soar autoritária, só tentei. Não consegui segurar o sorriso quando ele me agarrou forte, com a camisa social evidenciando seus bíceps deliciosos pelo tecido fino. — É sério!
Ele me ignorou, beijando minha boca com vontade. Eu já o conhecia e sabia o que ele queria. E por mais excitada que me deixasse, eu não iria ceder, não com ele naquele estado.
— Eu quero você.
Não tive tempo de protestar. Senti meu corpo se chocar contra a cama macia e soltei um grito involuntário.
— ! Não! — tentei impedi-lo de subir em cima de mim, mas o riso por si só já me tirava as forças. E parecia saber o quanto me deixava fraca quando me olhava daquele jeito.
Por mais embriagado que estivesse, ele não deixava de ser um gostoso filho da puta, me encarando firme com seus olhos verdes, se aproximando devagar como um leão rondando sua presa. Fiquei imóvel, sentindo minha calcinha umedecer ao notar sua mandíbula travar à medida em que ficava cada vez mais próximo de me beijar e a poucos passos de se encaixar entre minhas pernas.
Suspirei ao recebê-lo entre meus braços. se apoiou no colchão e passou a beijar meu pescoço, sendo cuidadoso para não depositar todo seu peso sobre mim, mas bêbado o bastante para me fazer prever um pequeno acidente.
— Amor, não — com muito custo, o empurrei pelos ombros e fez cara de cachorro que caiu da mudança. — Vamos dormir, sim?
Minha vontade era deixá-lo fazer o que quisesse comigo ali. Mas pela quantidade de álcool que ingeriu, mesmo que quisesse fazer milhares de coisas na nossa cama, ele não duraria mais que dez minutos acordado.
— Mas… — ele tentou argumentar, tombado para o lado sobre o colchão. Ri, negando com a cabeça. — não está em casa hoje, Anne também não.
Franzi o cenho com ele listando nossos impedimentos para transar. Sua mão alcançou minha perna, que se arrepiou com a ponta de seus dedos passeando por toda sua extensão até chegar na barra do vestido. o puxou para cima com rapidez, exibindo minha bunda, que ele apertou com força ao de aproximar.
Aquilo era uma tortura.
— Precisamos dormir, amanhã acordamos cedo pra buscá-la — avisei, mas se arrastou ainda mais para o meu lado.
— Isso não é justo.
Ri baixinho de sua malcriação, tirando seus cabelos bagunçados do rosto.
— Eu quero fazer amor com você — ele propôs, mas eu neguei com a cabeça, recebendo um beijo na bochecha. — Eu amo você.
Me afastei bruscamente. Lá íamos nós de novo.
— O quê? Diga de novo! — estiquei-me na cama em busca do meu celular.
— Eu quero…
— Não! Não isso — foi difícil, mas consegui apanhar o aparelho em cima da cômoda. — Repete o que falou depois.
Liguei a câmera. Ele duvidou de mim da última vez, mas eu lhe mostraria aquele vídeo no dia seguinte e toda vez que ele me irritasse!
— Ah, não! — resmungou, tentando tirar o celular da minha mão.
— Por favor — pedi aos risos. — Vai, , só mais uma vez.
— Está bem.
Foquei a câmera em seu rosto, feliz da vida com minha maior vigarice planejada contra em anos. Porém, fui surpreendida pela sua mão ágil demais para um bêbado. Tentei travar uma luta pelo meu celular, mas me vi presa entre seus braços fortes e tatuados.
— , repete o que disse — pedi novamente, esticando o pescoço e vendo o celular caído no colchão próximo de nós.
— Eu te amo, — sua voz saiu um pouco abafada pelos meus cabelos, já que ele encostou sua cabeça na minha.
— Obrigada. Agora vamos dormir, sim? — falei, risonha. Eu infernizaria a vida dele se tivesse gravado aquilo.
— Mas eu não quero dormir… — numa contradição hilária, fechou os olhos e foi caindo no sono. Estiquei o braço para acariciar seus cabelos e logo era eu quem se entregava ao cansaço depois de uma noite tão louca.
Despertei algumas piscadas depois, com a cama tremendo. Abri os olhos incomodada e, quando consegui focar minha visão, enxerguei um pálido e desesperado.
— O que foi? — reclamei, sentando-me contra a vontade. Meu corpo quase tombou para o lado, dolorido da noite de festa que passamos.
— A …
Franzi o cenho.
— Sim? O que tem ? Elizabeta já a trouxe?
Nós é quem iríamos buscá-la, aquele foi o combinado. Mesmo que ela tenha trazido , eu ainda não entendia aquela tremedeira toda. Seus olhos verdes me encararam temerosos, e vi hesitar na ponta da cama.
— , o que tem a ? — cocei os olhos, incomodada. Minha cabeça parecia prestes a explodir de ressaca.
— Ela sumiu.
Pisquei algumas vezes, confusa. Como uma criança de quatro meses poderia sumir desse jeito? Não, eu só poderia ter entendido errado.. Não era possível que tivesse sumido!
— Levaram ela. Machucaram Elisabeta e levaram ela.
Senti o chão sumir de meus pés. Minha voz se perdeu em algum lugar dentro de mim. Cheguei a abrir a boca, mas não saiu som algum, como se estivesse entalada na minha garganta. Meus olhos transbordaram e perdi as forças do meu corpo, sendo amparada pelos braços de , que veio até mim preocupado e chorando copiosamente.
A dor que eu sentia se espalhou por toda parte. Meu coração estava despedaçado dentro do peito. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo, não queria acreditar que tínhamos perdido .
— Meu bebê. Meu bebê…
Tudo queimava por dentro. Eu nem ao menos conseguia pensar direito. Meu sistema nervoso entrava em colapso a cada segundo em que eu lutava para processar aquela informação.
me apertava contra si como se tentasse se livrar da dor que sentia, como se eu pudesse conter seu desespero. Mas, mais uma vez estávamos juntos em meio à tristeza e eu não poderia ajudar muito, estava desolada assim como ele.
— Quero ela de volta, minha ! — eu puxava sua roupa, exigindo que ele fizesse alguma coisa, sabendo que não tinha o que fazer. Ele estava tão sem ação quanto eu no momento. Mas eu precisava falar, externar aquilo dentro de mim até encontrar quem pudesse me ajudar a achar a porta de saída daquele pesadelo horrível, a solução para a pior notícia que ouvi na vida.
Capítulo 45
Parecia um déjà vu, o mesmo pavor e sensação de impotência me tomavam o corpo. Era agoniante, sufocante, parecido com tudo o que senti na noite em que Miguel esteve em nosso quintal ameaçando nossa segurança, mais uma vez. A única coisa nova era o medo que me rondava. Na noite da invasão, não temi mais nada ao ver com nos braços na cozinha de casa. Elas duas estarem seguras sempre foi minha prioridade; se estávamos juntos e bem, nada mais importava no mundo para mim.
Mas, de repente, acordei após uma noite incrível e divertida sem minha filha e com minha mulher completamente destruída nos braços.
Lhe dar aquela notícia tinha sido a coisa mais difícil que eu já tinha feito na vida. Nunca imaginei que nosso maior medo fosse se tornar realidade algum dia. Perder era algo que nos perturbava, mas que sabíamos que só seria possível caso a juíza decidisse tirá-la de nós. Era algo que estávamos tentando evitar dia após dia, cuidando dela da melhor forma que conseguíamos. Mas o jeito como ela tinha sido tirada de nós…
Eu sentia vontade de matar aquele covarde desgraçado. Jurei fazer aquilo no instante em que os policiais apareceram na nossa porta, e não sei como não verbalizei minhas vontades de acabar com a raça de Miguel na frente deles. A verdade era que eu estava tão em choque com a capacidade dele de ser a pior pessoa desse mundo que fiquei sem ação.
As lágrimas ainda estavam presas dentro de mim em algum lugar bloqueado. Não conseguia sequer lembrar do que falei a eles antes de subir as escadas em disparada até . Tudo aconteceu de forma automática, quase que robótica.
— Eu sei, eu sei.
O choro de preenchia o quarto todo, mesmo com o rosto dela enterrado em meu peito, abafando o barulho. Seu coração batia tão rápido que eu podia sentir ao abraçá-la. Lhe apertei ainda mais contra mim, sentindo o meu ficar cada vez mais minúsculo dentro do peito. Ela não merecia isso. Sempre foi uma mãe incrível, uma amiga maravilhosa, se dedicou a desde o primeiro minuto em que soube da existência dela. Se prontificou a amá-la e protegê-la, mesmo quando ainda estava crescendo na barriga de Grace.
— Nós precisamos descer — com muito custo, tentei desvencilhar seu corpo do meu. negou veementemente, ainda aos prantos. Não parecia raciocinar direito no momento, estava tomada pela dor. — Amor, precisamos falar com a polícia.
Consegui desgrudá-la do meu peito. Olhar para o estado de seu rosto só me fez ter vontade de puxá-la de volta e não soltá-la nunca mais. Eu entendi ao ver seus olhos molhados o motivo de sua resistência em falar com os policiais. Seria como encarar a realidade, e no momento ela não incluía dormindo em seu berço no quarto ao lado.
Beijei sua testa e fui atrás de algo para cobri-la e de uma calça para mim. A maquiagem da noite anterior terminava de se desfazer em sua pele à medida em que chorava, ainda sobre a cama, trêmula e desolada. Me vesti e tive que vesti-la com o robe que encontrei no closet, já que não tinha forças nem para se aprontar para descer.
— Ele poderia ter me feito qualquer coisa, e-eu não me importo se quisesse me machucar de novo — ela murmurou, rouca e encarando-me de forma inconsolável. — Mas ela? Por que com ela, ? Ela é apenas um bebê. Eu não acredito que isso está acontecendo.
— Não fale isso, . Por favor, não fale isso — a abracei forte, sabendo que adiaria nossa descida até o andar de baixo.
Já não bastava tudo o que ela tinha passado nas mãos daquele filho da puta. Eu não aguentaria pensar em tê-la machucada de novo, só queria que aquele pesadelo acabasse logo e voltasse para nós.
Esperava que os policiais entendessem a situação e tivessem paciência. Tudo o que eu queria era poupá-la de, mais uma vez, ter que lidar com a bagunça que Miguel trazia para dentro da nossa vida. Queria enrolá-la em nossos cobertores e me deitar com ela, chorar e deixá-la colocar toda aquela angústia para fora, levando o tempo que precisasse.
Mas o tempo era algo valioso naquelas situações, e não tínhamos como perdê-lo, mesmo que fosse doloroso ter que lidar com tudo aquilo de forma tão brusca.
Descemos as escadas devagar, de mãos entrelaçadas e corações despedaçados dentro do peito. A expressão do policial, quando colocou os olhos na loira ao meu lado, dizia tudo. Ele abaixou a cabeça, evitando olhar para seu estado; a pena estava estampada em seus olhos. Engoliu em seco e se dirigiu ao sofá junto do parceiro, que já tinha um bloco de notas e caneta à mão.
— Sinto muito pelo ocorrido, senhora . Imagino o quanto deve estar sendo difícil lidar com isso agora. Quero que saiba que estamos à disposição e faremos o possível para trazer sua filha de volta pra casa.
— Agora é um pouco tarde, não acha? — os olhos vermelhos de o encaravam em puro ódio. Eu conhecia bem aquela expressão facial dela, a enfrentei durante anos.
Ele devia agradecer, minha esposa ainda estava se segurando para tentar ser educada. Afinal de contas, dependíamos deles para dar um basta em Miguel. Mesmo sendo da nossa vontade fazê-lo desaparecer da face da Terra, não podíamos fazer nada a não ser confiar nos dois homens sentados próximos a nós.
— Ele nos persegue há meses, me machucou diversas vezes. Nós pedimos ajuda em todas que ele tentou contra a nossa família, por que vocês não nos deram ouvidos? Estavam esperando o pior acontecer? É pra isso que estão aqui, sentados no meu sofá, me oferecendo seus serviços para procurar um bebê de quatro meses de vida? A situação está grave o suficiente agora?
Seu queixo tremia, assim como o resto do corpo. Peguei sua mão, tentando acalmá-la, apesar de achar que talvez precisasse extravasar o ódio de alguma forma.
— Então já existe um suspeito, no caso.
Levei a mão à cabeça e puxei meus cabelos para trás com força, reprimindo um desacato.
— Poderiam ter nos poupado e mandado os policiais que vieram da última vez — não resisti e resmunguei, atraindo o olhar feio do projeto de escrivão. — Miguel Hernandez, o nome dele. É o pai biológico de , porém não detém a guarda dela, e se dependesse de nós, nunca encostaria um dedo nela.
— E o que a menina estava fazendo fora de casa?
Apertei levemente os dedos de entre os meus diante daquela pergunta. Eu não a julgaria se ela os mandasse se foder. Inclusive, se fosse presa, eu ainda pagaria a fiança no mesmo momento.
— Desculpem o meu parceiro, ele se expressou mal — o responsável pela investigação se dirigiu a nós, temeroso, para logo depois fuzilar com o olhar o idiota do bloco de notas. — Mas realmente precisamos saber mais informações do ocorrido, como por exemplo, onde estavam na noite passada.
Troquei olhares com , vendo-a se indignar ainda mais, se é que era possível. Não parecia sério, parecia-se muito com uma pegadinha de mal gosto. Por algum acaso poderíamos virar suspeitos de algo?
— Estávamos comemorando meu aniversário, foi uma festa surpresa que minha esposa organizou junto aos meus amigos. Deixamos com a antiga babá, não era uma mera desconhecida.
— Não acham que deveríamos levar um bebê para uma balada, né? — riu em escárnio, completamente puta da vida. — Elisabeta é e sempre foi de muita confiança, praticamente da família. Não fizemos nada de errado em deixar com alguém que sabíamos que cuidaria dela tão bem quanto nós.
— Tem certeza disso, senhora ?
Franzimos o cenho, praticamente sincronizados.
— A babá sabia sobre o pai da menina? — ele continuou a perguntar e assentimos. — Ela o conhecia? Porque eles podem muito bem ser cúmplices. Já vimos emboscadas piores antes.
— O quê? Não! — minha esposa se exaltou novamente.
A presença da polícia ali estava se provando cada vez menos eficiente. Ao invés de nos deixar tranquilos, apenas plantavam paranóias em nossas cabeças. Minha vontade era de dispensá-los e colocar um detetive particular para descobrir o paradeiro daquele lixo humano; o resto eu daria um jeito de resolver com minhas próprias mãos antes de entregá-lo à polícia.
— Vocês não vão nos fazer colocar a credibilidade de Elisabeta em cheque.
— Estamos apenas fazendo perguntas para conectar os fatos — o policial se esquivou, defensivo. — E o que não encaixa nesse caso é o fato de sequer questionarem a lealdade da babá, e a casa dela, de onde sua filha foi levada, não ter o mínimo sinal de arrombamento.
me olhou novamente. Pude notar seus olhos azuis perdidos, sua pele ficou pálida em questão de segundos. Se não estivesse amparada pelo sofá, com certeza cederia no chão.
— Amor? — peguei em seu rosto, sentido-a gélida e com o corpo mole, e a amparei em meus braços enquanto lançava um olhar censurador para os dois homens. — Calma, por favor, fique calma.
— É apenas uma linha de investigação, senhora . Vamos explorar várias delas até chegar no criminoso que sequestrou sua filha.
Afastei , que tornou a chorar desesperadamente, e mais uma vez lhes lancei um olhar significativo.
— Vou buscar um pouco de água pra você, sim? — tirei seus cabelos do rosto molhado e vermelho, beijando sua testa. Ao me levantar, indiquei a cozinha com o queixo para o policial que estava liderando a investigação; ele entendeu o recado e me acompanhou até lá. — Mande o bosta do seu parceiro calar a boca. Já não basta tudo o que estamos passando, ainda precisam nos torturar com “linhas de investigação” sem pé nem cabeça? — bradei, tentando manter o tom de voz baixo e não deixar que nos ouvissem da sala.
— Me desculpe, senhor , mas acho melhor não conversarmos sobre o sequestro com sua esposa.
Suspirei já em direção à pia, enchendo o copo grande de água. Infelizmente ele tinha razão. não parecia que iria aguentar, estava extremamente abalada e fragilizada. Senti meus olhos marejarem ao pensar em seu estado.
— Daqui pra frente trate sobre isso comigo. Eu repassarei para ela de um jeito mais gentil. — Ele concordou prontamente. — Mas peço para que não adotem essa linha de investigação sobre a babá, o foco é em Miguel. Ele é o culpado, só ele e mais ninguém.
Eu não acreditava naquela história conspiratória de que Elisabeta ajudou Miguel. Não fazia o menor sentido. Se ela fosse alguma cúmplice dele, teriam levado a menina há muito tempo. Eu confiava em Elisabeta, tanto que a deixávamos com na nossa própria casa todos os dias e voltávamos sabendo que nada tinha sido mexido e que a bebê tinha sido cuidada da melhor maneira possível.
também não acreditava, mas estava assustada demais. Pensar na possibilidade de trazer uma pessoa que pudesse planejar algo de ruim para de volta pra nossa casa a desolava.
— Vamos dar privacidade a vocês. Vou à delegacia pedir um mandato para investigar a casa de Miguel.
Assenti, contrariado. Por mim poderiam colocar a casa abaixo com ele dentro sem precisar de mandato nenhum.
— Vou mandar um dos meus homens para ficar aqui caso ele entre em contato.
— Espera, acha que ele vai ligar?
— Vendo pelo patrimônio que aparentam ter, é bem provável que Miguel peça algum tipo de resgate. — Arfei em puro ódio. — Caso ele não ligue, prepare fotos da menina para espalharmos por aí.
Engoli em seco. Provavelmente o policial quis dizer que Miguel poderia fugir com ela. Imaginei o que faríamos caso ele decidisse brincar de gato e rato e resolvesse levá-la pra longe de nós. Eu temia que aquele pesadelo durasse dias ao invés de horas, o que já estava nos consumindo aos poucos.
— A-Acho que não podemos publicar fotos de . — O policial me olhou estranho, impotente. Derrotado, apoiei o copo sobre a pia para explicar: — Ainda não temos a guarda definitiva dela. Para expor a imagem de , antes precisaríamos de autorização da justiça.
— Fale com um advogado sobre isso urgentemente. Temos que impedi-lo de sair da cidade ou do país com sua filha. Quanto mais longe ele for, mais demorado será para encontrá-los.
Assenti, já mandando mensagem para Amélia. Minhas mãos chegaram a tremer ao digitar tudo o que estava acontecendo. Queria acordar na minha cama e ter certeza de que estava vivendo um sonho muito realista – eu desejava sentir o alívio de ver que tudo voltou ao normal. A angústia estava me tomando aos poucos, mas eu precisava me manter são por .
— Senhor , falei sério quando disse que iremos trazer sua filha de volta pra casa.
— Eu não acredito em nenhum de vocês — encarei sua mão estendida em minha direção e a ignorei. — Só vou acreditar e lhes agradecer quando eu tiver em meus braços novamente.
A cara do policial não foi das melhores, porém, ele mesmo veria nos registros anteriores que nem eu nem éramos obrigados a fingir simpatia ou demonstrar gratidão por nenhum deles. Não havia o que agradecer, e eu não estava colocando nem um pouco de fé no trabalho deles. Continuava com a ideia do detetive particular na cabeça, e mais, caso Miguel desse um jeito de escapar de ser preso dessa vez, iríamos nos mudar daquela casa e eu tomaria medidas para aumentar nossa segurança. Aquela tinha sido a gota d’água.
O acompanhei até a sala e os deixei livres para acharem o caminho da porta sozinhos. Eu tinha outras preocupações e tentar parecer educado não era uma delas.
— Aqui, beba um pouco de água — tirei as mãos de do rosto, não surpreso ao encontrá-la aos prantos novamente. Ela deu alguns goles, ainda soluçando.
— S-Será que… — Afaguei suas costas ao vê-la perdida em pensamentos e paranoias, e senti meu ódio daqueles dois patetas triplicar. — Meu Deus, , será que eles estão certos? E-Eu entreguei nos braços dela, eu tive a ideia de deixá-la com alguém para que pudéssemos comemorar…
— Não, , isso não é sua culpa! — Eu a assistia se afogar no próprio choro enquanto sentia o meu vir à tona. A abracei forte, chorando em seu ombro, finalmente colocando um pouco pra fora o que me matava por dentro desde que tudo aquilo começou. — Não faça isso consigo mesma, por favor — supliquei, segurando seu rosto próximo ao meu.
— Se eu não tivesse tido a ideia de deixá-la, ela estaria aqui com a gente, e eu nunca o deixaria chegar perto dela, e-ele nunca a tiraria de nós.
Neguei com a cabeça, discordando. Não adiantava se torturar daquela maneira. Eu entendi aquela sensação horrível de tentar imaginar as coisas acontecendo diferente do que se sucedeu. Fiz inúmeras vezes quando perdi Grace, tentei criar cenários em minha cabeça para me sentir mais culpado ainda por não ter conseguido salvar minha irmã mais nova. Eu tinha tentado substituir a dor com culpa, mas hoje, vendo tudo o que houve, sei que as coisas acontecem por um motivo.
Ainda não o entendia muito bem, afinal de contas, se pudesse voltar no tempo, ainda tentaria impedir a morte de Grace. De certa forma, porém, estava feliz que tinha nós dois para cuidar dela. Acredito que, independente de onde esteja, ela está em paz por isso.
— Não fique pensando nisso, não vale a pena se remoer por coisas que não estão sob o nosso controle. A culpa não é sua — levei as mãos até seu rosto, tentando secá-lo delicadamente. — Vamos lá em cima, tomar um banho…
negou com a cabeça e eu suspirei em desespero. Queria fazê-la relaxar um pouco, porque via em seu rosto o nível de seu sofrimento, e queria ocupá-la daquilo. Vê-la ser consumida pela tristeza me matava por dentro.
Eu entendia o que estava se passando dentro dela. Aquela vontade de não fazer nada além de ter nos braços e sentir seu cheirinho.
— Por favor, amor, eu vou até lá com você — beijei sua testa e me levantei, erguendo seu corpo junto.
se apoiou em mim e passou um dos braços pelo meu ombro enquanto eu a pegava pela cintura, seguindo seus passos lentos. Fui paciente e subi degrau a degrau, devagarinho, ouvindo-a soluçar baixinho no caminho.
Chegamos no quarto e eu a guiei até o banheiro, onde lhe despi de suas roupas da noite passada. Me apoiei no box e a assisti debaixo do chuveiro, em volta da água morna escorrendo pelos cabelos loiros, encolhida, abraçando o próprio corpo.
De todas as vezes que me vi em posição de cuidar dela, aquela tinha sido a pior, principalmente pelo fato de eu estar tentando ser forte e não desmoronar junto.
Removi sua maquiagem na água do chuveiro com delicadeza e paciência, e a tirei dali debaixo um tempinho depois. Torci para que o policial estivesse errado, que não passasse nem mais uma hora sequer longe de casa. estava se arrastando de um lado para o outro e eu não sabia mais o que fazer. Ela parecia ter se dissociado da realidade enquanto chorava sem parar desde que recebemos aquela notícia.
Vesti roupas confortáveis nela e, quando me pus a pentear seus cabelos molhados, meu celular começou a tocar em cima da cômoda. Fui correndo atendê-lo e a esperança que nasceu em mim no mísero segundo de ignorância se esvaiu.
— É a Fanny, a chamei para ficar um pouco com você aqui — me abaixei diante dela, que, sentada na cama, encarava o chão pensativa. — Vou lá embaixo buscá-la, sim?
assentiu, finalmente olhando para mim. Me levantei e peguei seu rosto, deixando alguns beijos nos lábios entreabertos. Sabia que não poderia fazer aquilo tão cedo enquanto Tiffany estivesse ali, e naquele momento frágil dela, era quando eu mais queria beijá-la e trazê-la para perto.
Estava com raiva, não só da situação em que de repente nos vi afundados após uma noite tão incrível, mas também por saber que não poderíamos ficar juntos dali pra frente.
Sabia que eu tinha escolhido aquela opção quando liguei para Fanny, mas não poderia deixar sozinha num momento daqueles. No fim das contas, foi um sacrifício que tive que fazer.
— Obrigada — disse num fio de voz ao agarrar minha camiseta úmida após ajudá-la no banho. Nem pude sorrir, eu havia esquecido como fazê-lo. — Por cuidar tão bem de mim.
— Eu sempre vou cuidar de você — selei nossos lábios antes de deixar o quarto.
Desci as escadas ouvindo vozes conhecidas. Quando abri a porta e saí quintal afora, eram Tiffany e o encosto da Anne paradas, tentando passar pelo policial prostrado diante do meu portão.
Eu não entendia o esforço que a polícia de repente passou a ter para nos proteger. Era tarde demais para aquilo.
— Deixe-as passar — falei a contragosto. — Conhecemos elas.
Infelizmente, no caso de Anne.
— Como ela está?
Encarei a morena na minha frente e indiquei o segundo andar da casa com a mão.
— Está lá em cima, no quarto — respondi num fio de voz, já assistindo Megan atravessar a rua, assustada com a viatura em frente a nossa casa. — Fica com ela, por favor? — disfarcei a voz trêmula, recebendo um afago no antebraço.
— Sabe que não precisa nem pedir — ela me sorriu fraco, puxando a loira que inspecionava Megan curiosa consigo.
— , querido, o que houve?
Meu Deus, como era difícil falar aquilo em voz alta sem ter a mísera esperança de que tudo não fosse apenas um sonho terrível.
— foi sequestrada.
Não consegui segurar as lágrimas que se acumularam em meus olhos. A vizinha levou as mãos à boca, horrorizada, e eu apenas assenti choroso. Quem poderia fazer mal a um bebê de quatro meses? Aposto que era aquela a pergunta que pairava em sua cabeça.
— E-E …
— está no nosso quarto…Está péssima, e eu não sei o que fazer — confessei exasperado, surpreso ao encontrar consolo na última pessoa que eu poderia pensar em recorrer caso precisasse de um ombro pra chorar.
— Eu sinto muito, — ela afagou minhas costas durante o abraço, que foi completamente sem segundas intenções como ela normalmente agia em relação a mim. — Se precisarem de qualquer coisa, podem contar conosco.
Assenti, já tendo algo em mente. Não para mim, mas para acalmar um pouco. Lhe pedi um daqueles calmantes naturais que Tom havia dado a minha esposa no ataque anterior do desgraçado do Miguel. Megan não hesitou em ir buscar e me trouxe o comprimido, mais uma vez oferecendo qualquer ajuda que pudéssemos precisar.
No fim das contas, só nos restou nossos amigos para nos proporcionar alguma rede de apoio, fazer o papel de nossas famílias. Estavam todos distantes, e eu não me referia à distância física. A única que poderíamos recorrer era Thereza, mas não seria eu quem decidiria dar aquela notícia terrível a ela. Eu iria esperar descansar para que decidíssemos juntos depois.
As meninas ficaram cuidando de , Quando voltei para dentro, ouvi o barulho do secador de cabelo e soube que ela estaria em boas mãos. Apesar do meu ódio por Anne, eu estava disposto a deixar o que sentia de lado para que nada mais piorasse naquele dia infernal.
Fiz algumas ligações e Amélia me ligou assim que pôde. Ela estava fora da cidade trabalhando em outro caso e lamentou profundamente enquanto chorou comigo ao telefone. Eu entendi perfeitamente a sensação de impotência que ela sentiu por não estar junto de nós naquele momento difícil. Eu também queria estar com alguém específico e não podia.
Me peguei desejando ter Grace ao meu lado. Depois de tanto tempo de sua partida, senti a saudade dela me apertar o peito com mais força. Queria que ela me abraçasse, ouvir seus comentários esperançosos de que tudo ficaria bem logo, mesmo num cenário desastroso como o que estávamos vivendo. Eu ficava feliz por ter pessoas para estar com ela quando tudo em volta estava desabando.
Eu, ultimamente, só tinha ela e , mas Miguel fez questão de me tirar as duas de uma vez só, pois mesmo estando de corpo presente no nosso quarto, eu sabia bem que aquela não era a mulher com quem eu tinha me casado, e sim alguém que passou a definhar nas últimas horas. Se eu pudesse, mataria Miguel com minhas próprias mãos de tanto ódio que eu sentia.
Apesar de ainda não poder divulgar o rostinho de nas redes sociais, pedi ajuda a alguns amigos para informar o “desaparecimento” dela. Tinha fé que alguém a veria nos braços de um estranho por aí e acionaria a polícia. Ainda era ridículo não poder dizer com todas as letras que ela tinha sido sequestrada pelo pai biológico, mas era um trato feito com : não espalharíamos nada sobre Miguel para que o casamento falso não ficasse evidente. E, afinal de contas, éramos um casal perfeito e sem grandes problemas. Tínhamos conseguido chegar aos quatro meses sem levantar suspeitas, e assim permaneceríamos até ter a guarda definitiva de .
Recebi uma foto do investigador responsável pelo caso. Eu continuaria não confiando nele e na efetividade do trabalho da polícia, mas poderia admitir que ao menos estavam se esforçando para consertar toda a merda que provocaram ao serem omissos por tanto tempo. Ele tinha conseguido o mandato para averiguar a casa de Miguel e me enviou a prova que apenas a polícia precisava para saber quem tinha levado minha filha. Sua chupeta estava jogada no chão de algum canto da casa dele, provando que esteve ali. Meus olhos se encheram de lágrimas ao encarar a foto. Me lembrei dela em meu colo, quietinha enquanto eu assistia algo na TV e apenas cheirava seu cabelinho castanho. Fechei os olhos e jurei poder sentir de novo o cheirinho de bebê que ela estava sempre emanando pela casa.
Eu tentava ser como Grace, me manter positivo mesmo sem ver saídas para aquele pesadelo, mas ao mesmo tempo tinha medo de nunca mais poder segurá-la nos braços novamente.
— Como ela está? — disfarcei minhas lágrimas após ler a última mensagem enviada pelo policial, que disse que um mandado tinha sido emitido para prender Miguel.
Nem no auge dos seus quatro meses de vida era tão inocente a ponto de achar que um pedaço de papel resolveria aquela merda. O tempo que perderam duvidando de nós para procurar o óbvio na casa de Miguel podia ser crucial para termos nossa filha de volta, e aquilo me tirava do sério.
— Aérea, quase não responde quando falamos com ela — Fanny abraçou o próprio corpo, consternada. Assenti, compartilhando do mesmo sentimento. Era agoniante ver alguém que gostamos destruído daquela maneira. — Eu nunca a vi assim…
— Não deve ter reagido muito bem à notícia.
Tentei ignorar Anne; fiz o máximo que pude e evitei olhá-la com obviedade. Ela parecia ter dificuldade de se colocar no lugar de . Era óbvio que não reagiria bem. Que mãe em sã consciência estaria bem longe da filha daquela maneira?
— Ela precisa dormir um pouco — fui até a pia, enchendo a chaleira de água para esquentar um pouco.
Preparei um chá para tomar junto do comprimido de calmante que Megan me cedeu. Ela precisava descansar, e o único jeito que faria aquilo em meio àquele pesadelo seria desacordada. Imaginei o tanto de coisas que deviam passar pela cabeça dela. Não só imaginei como também estava passando pelo mesmo, só que em silêncio, sabendo que um de nós precisaria racionalizar e ficar firme, mesmo no olho do furacão.
— Deixa que a gente leva, — Fanny se ofereceu, tendo aquela sombra ao seu lado por onde quer que fosse. — Sei que ela provavelmente quer ficar só, e talvez você não seja muito bem-vindo nesse momento. Somos mais próximas dela.
Deixei Fanny tirar a xícara de minhas mãos, sentindo-me mais uma vez impotente. Queria protestar contra aquilo, discordar da convicção que ela tinha de que e eu não éramos tão próximos quanto a amizade que elas tinham, reivindicar meu lugar na vida e no coração de .
Minha esposa sabia da minha importância na vida dela, era recíproco o quanto nos cuidávamos e nos preocupávamos um com o outro. Vê-las pegar o que sentíamos e reduzir tudo o que já vivi com àquela mentira estúpida me enraivecia.
Pior, me magoava saber que eu não poderia falar nada.
Fanny me deu as costas enquanto Anne permanecia parada diante de mim.
— Gente… Eu não acho que deveríamos dopar ela.
Encarei Anne, incrédulo. Ninguém tinha pensado naquela possibilidade. Tiffany apenas ofereceria o remédio caso ela quisesse descansar a cabeça um pouco.
— Prefere ela acordada, chorando e se arrastando pelos cantos dessa casa parecendo um zumbi? — Meu sangue ferveu ao encarar aquela carinha de sonsa se multar em pura surpresa com meu tom de voz nada amigável. — Se são tão próximas assim, você deveria saber que desconta em si mesma as frustrações e raiva que sente. Se estivesse mesmo tão preocupada assim, não estaria discordando de algo que é para o bem dela.
Fanny parou próximo à porta, engoliu em seco e encarou as costas de Anne, que ofegou, se fazendo de ofendida. Eu não me importava mais em soar educado com ela. Estava tudo desmoronando, estava péssima e a última coisa que precisávamos era Annelise nos enchendo a porra do saco.
— Nossa, , também não precisa falar assim! Só dei a minha opinião — Fanny fez o papel de , me censurando com o olhar ao longe. Entendi que exagerei e respirei fundo, levando uma das mãos aos rosto para tentar me controlar. — Eu só acho que a não vai querer ficar dormindo enquanto a filha está por aí, desaparecida.
Sequestrada.
Tive vontade de cuspir aquela palavra em seu rosto, mas mais uma vez me controlei. Parecia ingenuidade minha esperar alguma noção vinda daquele ser.
— Enquanto essa for a minha casa e for a minha esposa, sua opinião não é bem-vinda por aqui.
Sim, eu talvez estivesse me aproveitando do fato de não ter por perto para dizer tudo o que sempre quis a Anne. Talvez. Porque o que saiu da minha boca não era nem metade do que eu ainda guardava em respeito a .
Queria me desengasgar de vez, dizer a ela tudo o que eu e fazíamos entre quatro paredes, do quão bom era quando estávamos juntos sem Anne para nos atrapalhar. Deixar claro que eu nunca mais queria beijá-la, sequer olhar para sua cara, que era mil vezes melhor que ela e que não adiantava toda aquela inveja pra cima da minha esposa. Anne nunca seria como , nem se tentasse, como sempre fazia.
— E se discordar e quiser sair, já sabe onde fica a porta — saí de perto dela, completamente enojado pela cena de choro que a loira estava protagonizando. — Ofereça o calmante a , sim? Se ela não quiser, tudo bem.
— Claro — Fanny assentiu ressabiada, apesar de olhar com dó para a amiga que chorava na cozinha. Ela sabia muito bem que aquele era o meu limite e que também devia ter o dela bem próximo de estourar.
Fui determinado em direção ao meu escritório, me trancaria ali por míseros cinco minutos para me dar ao luxo de fugir daquele furacão todo que revirava cada canto da casa. Me arrependi de ter aberto a boca – me castraria quando soubesse daquilo, e ela iria saber, porque a sonsa faria questão de se fazer de vitima pro lado dela.
— , espera. — Parei onde estava, impaciente. — Sei que ainda está chateado comigo por eu ter saído com Miguel, mas está sendo injusto. Eu fui tão vítima dele quanto vocês, ele me usou!
Levei a mão ao rosto, massageando o espaço entre minhas sobrancelhas. Anne havia passado dos limites bem ali. Aquele papinho de vítima talvez colaria com , mas comigo não. Até mesmo no pior momento Annelise tinha que se colocar no centro de tudo? Queria eu que ela fosse a vítima da vez, porque me livraria de dois coelhos com uma cajadada só, caso Miguel decidisse levá-la consigo para a puta que o pariu.
— Pare com esse drama. — Não me dei ao trabalho de me virar, estava farto da cara dela. — Não estou magoado. Estaria se me importasse com sua existência, não é o caso aqui. Não me venha com essa historinha de vítima, porque Miguel sabia muito bem como chegar até , muito antes de você cair no papinho dele. já sabia que ele estava atrás dela. Existem coisas neste casamento que você nem sonha, e nunca vai saber, sabe por quê, Annelise? Porque você não faz parte dele.
Voltei a caminhar corredor adentro, esperando muito que ela fosse atingida por uma onda de bom senso e seguisse meu “conselho” anterior. Já podia imaginá-la indo até a porta e tomando o próprio rumo.
— Pobre … se apaixonou justo por você.
Cessei meus passos novamente. Era a primeira vez que algo que saía de sua boca me causava algo além de puro asco.
— Logo ela, que se achou esperta a ponto de jurar que sequer gostaria de você como amigo. — O humor em sua voz me subiu o sangue. Me virei, tendo que olhar em seu rosto retorcido num sorrisinho irônico. Ela estava se deleitando, e eu não entendia o motivo.
Não era ela quem ficaria brava caso descobrisse sobre nós? Por que Anne não estava infernizando a vida de como achávamos que ela faria? Por que estava tão satisfeita?
— sempre falou como se eu fosse uma burra, uma idiota por ser apaixonada por você, e agora está na mesmíssima situação.
— Do que está falando? — franzi o cenho, genuinamente confuso. Era muita pretensão dela achar que algum dia poderia se comparar a .
Anne jamais seria ao menos metade da mulher que minha esposa era. Nunca chegaria perto de ser a mãe que se tornou. Mesmo que Anne quisesse muito a vida que ela tinha conquistado, e eu não estava nem falando do nosso relacionamento, mas sim de todo o amadurecimento e as conquistas que teve, Annelise não seria capaz construir tudo aquilo nem que passasse a vida inteira tentando.
— Disse que existem coisas no casamento fajuto de vocês que eu não sei, mas não preciso fazer parte dele para ver o que está na cara, . gosta de você, essa coisa de amigos não cola. Eu vi o jeito como ela te abraçou ontem, como te olhava com os olhos brilhando feito uma adolescente — riu novamente. Respirei fundo. Ela transbordava inveja. — Sinto pena dela. Até mesmo eu tive mais de você, uma noite ao menos, muito melhor do que ela, que além de te beijar só quando estão em público, ainda tem que te ouvir fodendo outra debaixo do próprio teto.
Entendi o motivo da satisfação. Anne estava feliz por achar que gostava de mim além daquela farsa, pensava que não era correspondida e que levava aquela vida miserável de ver o homem por quem estava apaixonada com outras na frente dela.
Era tudo o que ela desejava para a “amiga”, o que ela tanto recebia de mim: desprezo e desafeto. Anne sonhava com estando no lugar dela, sofrendo e não tendo minha atenção.
— Você me enoja. — Como ela podia ir à minha casa naquele momento tão difícil e ainda debochar de daquela maneira? — Você tem inveja dela e espera momentos como esse pra ficar em cima feito um urubu sobrevoando carniça.
— Não, , não tenho inveja dela. Eu sei o que ela sente e estou aqui para ajudá-la.
— Já te disse, não adianta esse fingimento todo. Você continua não sabendo de nada, e pra variar, não está ajudando em nada.
Resolvi partir de vez. Ela não merecia nem mesmo que eu perdesse tempo discutindo o que achava ou deixava de achar sobre nós. Meu coração estava passando por uma provação enorme naquele dia, eu parecia prestes a explodir de raiva a qualquer momento.
— Eu vou sair para colocar a cabeça no lugar. Quando voltar, não quero ver sua cara aqui, me entendeu?
Anne deu de ombros ainda de olhos molhados. Como sempre, uma péssima atriz.
— vai ficar sabendo disso.
Arqueei a sobrancelha, apesar de não estar nem um pouco surpreso. Anne sabia bem do poder que tinha sobre o emocional de . Eu até poderia temer o que ouviria da minha esposa quando a sonsa fosse me dedurar para ela, mas sabia que tínhamos coisas mais importantes para resolver e que Anne sempre permaneceria no mesmo patamar em nossas vidas: insignificante.
— Vai, sim, eu mesmo vou contar a ela.
Quando finalmente pude ficar sozinho, me vi trancado no escritório e percebi que era ali onde eu me escondia quando tinha problemas que achava que nem mesmo poderia me animar. Me sentei de frente à mesa e debrucei o corpo, descansando o rosto contra a madeira escura enquanto liberava tudo o que eu estava sentindo através de lágrimas.
Meu celular vibrou no bolso e o peguei rapidamente. Sabia que seria tolo da minha parte esperar algo digno de um milagre acontecer num desbloquear de tela. Sabia que não abriria o aplicativo de mensagens e receberia o endereço de onde estavam mantendo meu bebê e um convite para ir buscá-la fácil como foi para eles levarem ela, tampouco receberia qualquer pedido de dinheiro vindo de Miguel para me entregá-la. Ele não resolveria as coisas tão cedo assim, devia estar achando incrível não precisar conferir com os próprios olhos para mesmo assim ter certeza de que e eu estávamos morrendo aos poucos sem saber notícias de .
Abri a mensagem sabendo de onde vinha: era o policial de mais cedo com uma foto que demorou a carregar, só para atiçar ainda mais minha ansiedade. Quando bati o olho na chupeta lilás, soube de quem era e como ela devia estar sem sua chupeta, seu jacaré de pelúcia predileto e nosso colo para ampará-la.
Li o que estava escrito abaixo e confirmei o que já sabíamos: a chupeta foi encontrada na casa de Miguel, vazia desde cedo, segundo os vizinhos.
Meu corpo todo tremia, de raiva, de ódio, de rancor. Queria que as coisas fossem um pouco mais fáceis para nós. Desde que embarcamos naquela empreitada, tivemos problemas. Eu me perguntava sinceramente como tínhamos aguentado até ali. Logo tive minha resposta, clara como a luz do sol: era porque estávamos juntos. Por isso doía tanto. Faltava um de nós, e aquela falta seria devastadora se fosse permanente.
Tinha evitado pensar naquela possibilidade. A grande maioria das crianças que desaparecem não são encontradas, e quando são…
Respirei fundo, esfregando meu rosto. Não, não queria nem pensar. ficaria destruída, eu também. Perder Grace ainda era e pra sempre seria muito doloroso para nós, mas … Tivemos tão pouco tempo com ela, não seria justo a perdemos assim tão cedo, por meio de uma covardia daquelas.
Ainda debruçado sobre a mesa, caí num sono frágil e leve. Me permiti fechar os olhos e desligar minha mente por míseros minutos, talvez tenha passado a última hora ali. Não foi uma tarefa fácil. Toda vez que encarava o escuro de minhas pálpebras, algo horrível me vinha à mente, forçando-me a abrir os olhos e ver que apesar das coisas estarem péssimas, ainda havia esperança.
— …
Levantei-me num pulo, encarando a porta ainda fechada. A voz suave soou mais uma vez, acompanhada das mesmas batidas leves.
— Sim? — passei as mãos no rosto enquanto cambaleei até lá, me deparando com Fanny preocupada do lado de fora. — O que houve, alguma novidade?
A morena franziu o cenho, confusa. Como ela poderia ter novidades se quem estava responsável por monitorar tudo era eu? Suspirei derrotado, sentindo-me culpado por ter caído no sono. Deveria me manter vigilante a todo momento. Tinha descoberto da pior maneira que algumas horas poderiam mudar nossa vida drasticamente.
— É a , estou preocupada. Fui levar uma sopa que preparei mas ela se trancou no quarto, não me deixa entrar e…
— Ela está respondendo ao menos? — a interrompi, alarmado.
— Sim, me manda ir embora, diz que não quer ver ninguém.
Assenti já saindo da sala e fechando a porta. Tiffany me seguiu em direção à cozinha, dizendo que não sabia o que fazer, que ela precisava comer. Concordei com tudo o que ouvi, reconhecendo nela uma sinceridade que nem precisei olhar em seu rosto para comprovar.
— Vai destrancar a porta? — ela indagou ainda me seguindo, depois de passarmos pela cozinha e eu recolher a cumbuca com sopa quentinha. — Eu posso ficar com ela pra ter certeza que vai comer tudo.
Quando pisamos os pés na sala, vi uma cena que não queria ver, porém não poderia afirmar que estava surpreso. Anne estava sentada no meu sofá, mexendo no celular calmamente. Mesmo depois de eu enxotá-la, ela permanecia ali feito o encosto que sempre foi. Não esbocei reação – sabia que Annelise estava ali em busca de atenção e a minha ela nunca mais teria novamente.
— Não precisa, ficaremos bem.
Subi as escadas e fui direto para nosso quarto. Mal bati a porta e já levei uma negativa dela. Se a vida estivesse normal, eu daria risada. não imagina o quanto de “não’s” ouvi dela desde que começamos tudo aquilo, e acho que ainda não fazia ideia do quanto eu poderia insistir para fazê-la ceder.
E ali, mais do que nunca, eu não desistiria.
— Sou eu, abra a porta — encostei o ouvido na porta gélida. negou, novamente chorosa. — Por favor, amor, me deixe entrar. Me deixe ficar com você…
Esperei um tempinho, encostei-me pacientemente ali até ouvir o barulho da porta sendo destrancada. Seu corpo quente grudou-se ao meu no instante em que não tivemos mais nada nos separando, e tentei abraçá-la de volta enquanto equilibrava a sopa em uma das mãos. Fechei a porta com o pé, dando-lhe a privacidade que ela tanto queria quando se recusou a abrir a porta para as amigas.
— Obrigado — murmurei contra seus cabelos cheirosos. me apertou ainda mais, mesmo estando fraca. Beijei o topo de sua cabeça algumas vezes, fechando os olhos com a mesma força em que me agarrava na esperança de estarmos juntos novamente, nós três.
Ainda éramos apenas dois, mas pelo menos tínhamos um ao outro.
— Obrigado por me deixar entrar — fechei os olhos com força, ainda naquele abraço sôfrego, mas ao mesmo tempo aconchegante, como nenhuma casa que morei já foi. — Preciso de você, , hoje mais do que jamais imaginei precisar.
Não estava ali apenas para convencê-la a comer, era por mim também. Estar com ela me acalmava pelo menos um pouquinho; sentir seu cheiro e sua presença me aqueceram o coração. Abri mão de tê-la como apoio emocional para o bem dela, a deixei dormir durante todo aquele tempo para evitar vê-la sofrer, mas era inegável o quanto eu precisava daquele abraço.
— Alguma novidade? — a voz saiu sufocada por conta de seu rosto estar enterrado na curva do meu pescoço.
Suspirei derrotado. Queria muito ter alguma para contar.
— Para nós, nenhuma. — Decidi não contar sobre a chupeta na casa de Miguel. Como disse a ela, não era nenhuma novidade para nós o envolvimento dele no sequestro. — Estão procurando ele.
— E o que fazemos agora?
Me afastei um pouco dela, olhando em seu rosto iluminado apenas pela luz do dia invadindo a janela sem a cortina.
Acho que estávamos passando pelo pior pesadelo que pais poderiam passar: o de deixar o bem estar de nossos filhos nas mãos de outra pessoa. No nosso caso era a polícia, a mesma que falhou conosco todos aqueles meses.
— Odeio ter que te dar essa resposta. Mas o que nos resta agora é esperar.
Queria poder ter uma solução, queria ter alguma ideia de onde estava, buscá-la e levá-la pra casa, de onde ela nunca deveria ter saído, mas não tinha. E aquilo, além de me fazer sentir inútil, deixava cada minuto mais aflita.
— Eu não aguento mais esperar, , parece uma eternidade.
Concordei, afastando seus cabelos do rosto molhado e inchado de tanto chorar.
— Não quero comer nada — ela deu as costas assim que viu a sopa em minha mão.
— …
— Não, ! Como posso comer, beber e viver normalmente sabendo que está lá fora, sabe-se lá onde com aquele filho da puta? — esbravejou diante da cama. — Sem saber se ela mamou, se está com fome, com frio, com sede, ou se está assustada com aquele desconhecido? Sabe que ela sente falta do ursinho dela, que estranha quando alguém desconhecido tenta lhe dar de mamar.
Meu coração já estava esfarelado pelo chão. Eu só pensava em tê-la de volta e evitava imaginar como ela estaria. Nada daquilo importaria quando estivéssemos juntos outra vez. Qualquer coisa seria reversível além da ausência dela.
— Eu sei, amor, mas você precisa comer, não comeu nada o dia todo — me aproximei, cauteloso, enquanto recuava para o canto da cabeceira. Negava com a cabeça e já recomeçava a chorar. — Precisamos ficar fortes agora, vai voltar e vai precisar de nós.
— Eu tô com medo — sussurrou em meio às lágrimas.
Entendi olhando em seus olhos molhados o que ela quis dizer. Aquilo me rondou o dia inteiro, aquele pensamento maldito. E mesmo após passar o dia todo pensando e pensando, eu ainda não tinha uma resposta para a pergunta que escapou dos lábios trêmulos da minha esposa.
— E se nunca mais a tivermos de volta?, você s-sabe o que acontece com a maioria das crianças desaparecidas, e-elas…
— Não, não, chega de pensar nisso — deixei a sopa na cômoda ao lado da cama e fui até ela de imediato. — Vai dar tudo certo, . Eles já vão trazê-la de volta, você vai ver.
Peguei-a em meus braços e nos guiei até a cama. se agarrou a mim enquanto teve uma crise de ansiedade tão forte que chegou a tremer o corpo todo colado ao meu. Sentei-a em meu colo e apertei meus braços em volta dela. Não sabia mais até onde iríamos – aquilo era demais até pra mim, que estava tentando me manter são. , que era a mais racional e pé no chão de nós dois, estava completamente assombrava com todas as possibilidades horríveis do que poderia acontecer à nossa filha. Eu queria fazê-la acreditar no que lhe disse há pouco, mas a cada minuto que passávamos sem notícias, menos eu mesmo acreditava naquilo.
No fim das contas, consegui fazê-la comer um pouco. Não era muito, mas já era um alívio vê-la fazendo algo além de chorar. Fiquei ali com ela quando a vi recusar o restante da sopa e voltar para a cama. Parecia um pouco tonta pelo remédio que tomou. Cheguei a afagar os cabelos enquanto ela voltava a dar indícios de que dormiria de novo.
O celular em cima da cômoda acendeu, chamando minha atenção. virou a cabeça repousada em meu ombro para olhar também e se alarmou quando o celular começou a vibrar e patinar pelo móvel a alguns passos de distância de nós. Não tive tempo nem de ao menos piscar. Minha esposa já corria para encurtar o caminho que já era curto e pegava o próprio celular com as mãos trêmulas.
— A-Alô. — Seu olhar disse tudo. ficou pálida no instante em que ouviu a voz do outro lado da linha. Lágrimas brotaram de seus olhos azuis e sua expressão se tornou dura, repleta em ira. — Me devolva minha filha, seu infeliz desgraçado. Eu juro que te mato se fizer algo contra ela!
Quando dei por mim, já tinha praticamente voado até ela, que ouvia o que Miguel dizia atentamente sem ao menos respirar. Não disse nada, apenas recuperou o fôlego quando, aparentemente, ele desligou na cara dela, finalizando a chamada. Segurei-a pelo braço, ansioso, estranhando o fato de seu olhar ter parado fixo na parede atrás de mim. Ela parecia em choque, e aquilo me fez temer o que Miguel poderia ter dito para deixá-la naquele estado.
— O que ele disse?
— Cinquenta mil. — Arregalei os olhos. Caralho, era muito dinheiro, só assim pude entender sua reação. — Ele quer cinquenta mil para devolver . Hoje, no parque aqui perto de casa.
Meu sangue já não fervia mais, borbulhava num nível que até pensei ter perdido os sentidos por um mísero instante. Ele não conseguiria o que tanto queria, não iria comprá-la de nó. Eu não permitiria que Miguel vencesse depois de tanto tempo tirando a nossa paz e colocando em perigo.
— Temos que avisar a polícia, , não daremos dinheiro nenhum a ele.
O problema não era financeiro. Eu poderia ligar para meu banco e pedir um saque naquele valor, pagaria quanto fosse para ter de volta, mas não para Miguel. Não depois de ele ter tirado minha irmã de mim, não depois de vê-lo mês após mês infernizar minha família.
— N-Não podemos. — Minha esposa correu até mim, interceptando-me já na porta do quarto. Estava assustada; custei a discordar dela, não queria piorar sua situação emocional. — Ele disse que se avisarmos, a polícia some com ela, . Não podemos arriscar desse jeito.
— Amor…
— Por favor, — soluçou, suplicando com o olhar, e eu desviei o meu de seu rosto. Não aguentaria ouvi-la me pedir nada daquela forma, sabia que cederia.
— Como podemos fazer isso sem que saibam, ?
Tinha dois policiais na frente da nossa casa, não daria para eu sair e buscar o dinheiro sem levantar suspeitas. E eu continuava a bater na tecla: não daria o que ele queria.
— Eu entrego o dinheiro e pego , mas e depois? Vamos voltar a temer que ele volte e nos faça mal? Não, não podemos ceder e…
Me perdi no meu raciocínio ao ser interrompido por sua voz trêmula:
— Sou eu quem vai levar.
— O quê?
Era impossível que eu tivesse ouvido errado.
— Ele disse que eu tenho que levar. — Neguei, soltando um riso em puro escárnio. não iria a lugar algum, eu não iria permitir. — Miguel disse que só entregará a neném a mim.
— , você não vai.
— E se avisarmos a polícia e conseguirmos fazer uma emboscada? E-Eu posso levar o dinheiro e pegá-la de volta — desatou a falar, me ignorando completamente. — V-Vamos lá em baixo falar com eles — saiu na frente, fazendo-me dar passos largos em seu encalço enquanto eu repetia cada vez mais firme que ela não se arriscaria àquele ponto só porque aquele filho da puta queria.
— , está me ouvindo? — aumentei meu tom de voz, me arrependendo no mesmo instante ao ver a dupla de policiais, Tiffany e Anne parados próximos à escada, nos olhando atentos ao barulho que fizemos ao discutir pelo caminho.
— Ele ligou, quer cinquenta mil para devolver , hoje no parque aqui perto — se antecipou, dando as instruções que recebeu aos policiais. — Disse que eu tenho que levar o dinheiro numa mala grande e esperar até que ele me leve num canto mais afastado das pessoas.
— Você. Não. Vai. — Insisti mais uma vez, tendo seu olhar sobre mim. — Ele já tentou contra sua vida três vezes e nada impede que o faça de novo. Miguel sempre te ataca porque é um covarde de merda e te acha mais fraca. Eu vou naquela porra de parque e vou trazê-la de volta.
— Ele quer a mim, . Miguel não vai te entregar — negou com veemência. Levei a mão ao rosto, esfregando-o com força. Mas que teimosia do caralho! — Eu também estou com medo, mas temos que tentar. Eu a quero de volta, não aguento mais esperar!
— Mas amor, não é seguro! — Discutíamos enquanto os olhares de fora nos assistiam aflitos, eu não estava nem um pouco disposto a ceder. Por mim, não sairia daquela casa e ponto final! — Temos que achar outro jeito, você não entende? E-Eu não posso perder mais ninguém!
— Nós podemos acompanhá-la escondidos, para deixá-la segura e pegar ele quando a bebê for entregue e as duas estiverem fora de perigo.
concordou de imediato, olhando-me em expectativa. Não disse nada, parecia que nada era capaz de fazê-la mudar de ideia ou reconsiderar.
— Você pode ir com ela escondido no carro, se isso te deixar mais tranquilo.
— É óbvio que vou com ela — resmunguei de cara fechada. Até parece que eu a deixaria só numa situação daquelas. Se não poderia impedi-la de ir, que ao menos pudesse estar por perto, caso ela precisasse de mim.
— Ótimo, quanto tempo temos?
— Ele disse em quarenta minutos.
— Ok, vamos pesquisar a planta do parque e localizar onde será o encontro. Vou pedir reforços à paisana na área para interceptá-los caso tentem fugir ou tentar contra você. Vamos conseguir a mala e traçamos o plano. Tudo bem? — Os olhos castanhos do homem fardado se alternaram entre nossos rostos. Assenti, ainda contrariado enquanto respirava fundo ao concordar.
Eu estava temeroso. O plano não era ruim, mas me preocupava a rapidez com que foi montado. Eu tinha certeza que Miguel deu um prazo pequeno justamente para nos encurralar e não nos dar a chance de planejar nada. Sentado no sofá, eu assistia ao policial tentar disfarçar o colete balístico que foi colocado em por baixo das roupas de frio que ela vestia. Eu a via cada segundo mais tensa, porém, tentando disfarçar. Não conseguia tirar meus olhos dela. Notei suas mãos trêmulas e suadas, que ela passava nos jeans o tempo todo para secar, e seus olhos molhados e meio perdidos.
Sabia que ela estava tentando parecer corajosa. Todas as vezes em que os policiais perguntavam se ela queria mesmo fazer aquilo, concordava com veemência, mas eu a conhecia o bastante para saber o quão assustada estava. Ao mesmo tempo em que me preocupava, sabia bem o que uma mãe poderia ser capaz de fazer por um filho. Vi de perto a braveza de Grace para enfrentar a gravidez difícil que teve para dar a luz a um bebê saudável. E ao lado de , a vi enfrentar seus maiores medos e virar sua vida ao avesso para chamar de filha.
Pensei no tanto de coisa que abriu mão para ficarmos com a bebê e imaginei que, no passado, se a pedissem para escolher entre se casar comigo ou levar um tiro, ela estaria como naquele momento: vestida com seu colete e pronta para o impacto da bala.
— Vamos lá — me levantei, ansioso. As meninas também se levantaram do sofá ao lado. — Pronta?
assentiu. Ele as deixou se aproximar da amiga e ambas lhe abraçaram apertado. Evitei observá-las e vê-las chorar; não aguentava aquele clima de despedida. Queria fechar os olhos e, num segundo depois, com uma piscada, ter voltando pra casa com nos braços.
— Vai dar tudo certo — ela me abraçou forte, fazendo-me sentir o colete duro entre nós e deixando-me desconfortável. — Se lembra do que me disse hoje? — tentou sorrir em meio ao choro entalado na garganta.
O que me restou foi tentar encorajá-la a ser a melhor mãe de todas, como já conseguia ser em dias normais.
— Não precisa se fingir de corajosa pra mim, — sequei suas lágrimas do rosto. — Te conheço o bastante pra saber que está se cagando, mas também sei o quanto pode fazer isso. — Peguei-a pela nuca e selei nossos lábios trêmulos, depois deixei um beijo em sua testa.
— Vamos?
De mãos dadas seguimos até o quintal, onde nosso carro esperava para nos levar àquela missão difícil. sentou-se ao volante, tão nervosa que me deu vontade de tirá-la dali e dirigir em seu lugar. Eu sabia de suas dificuldades e não queria vê-la passar por aquela prova de fogo sozinha, mas seria muito perigoso se eu fosse visto. Me segurei onde estava, encolhido no banco de trás.
O carro morreu várias vezes, e quando acontecia, eu a encorajava a tentar mais uma vez. Estávamos cada vez mais perto de , eu podia sentir. Tinha medo da euforia toda nos condicionar a cair num golpe, e parando para pensar um pouco, era até perigoso irmos com tanta certeza de que Miguel nos entregaria a neném tão fácil. Ele era traiçoeiro. Não podíamos esquecer que até de Anne ele se aproximou para chegar até num passado próximo.
Mas eu não queria desmotivar minha esposa, por isso me mantive calado durante o restante do caminho curto até o parque. estacionou no local indicado por Miguel e estava escurecendo já; ao olhar pra cima, eu conseguia ver o céu estrelado azul-escuro. Mas o que queria mesmo era ver aquele par de olhinhos verdes e brilhosos.
— ? — sussurrou do banco da frente, e murmurei algo para incentivá-la a continuar. O silêncio era preenchido apenas por grilos moradores do local repleto de árvores. — Não estou vendo ninguém…
— Vamos esperar um pouco, sim? — estiquei a mão, pegando a sua trêmula e gelada. — Você está bem?
— Sim. Acho que sim. — Parecia que eu podia sentir seu coração acelerado por trás do banco. deitou a cabeça pra trás, a imaginei de olhos fechados e quis poder olhar pra ela. — Como está aí atrás? Desconfortável?
— Já estive melhor, não vou mentir. — Ela soltou uma risadinha fraca. — Mas logo estaremos em casa. Vai valer a pena, amor, você vai ver.
— Sei que vai, tudo o que fazemos por ela sempre vale.
Sorri fraco, afagando sua mão. Seria, mais uma vez, por .
De repente, os sons da natureza à nossa volta foram preenchidos por um barulho de pneus vindo devagar pela estradinha do parque. ofegou e entendi o que ela provavelmente viu. Meu coração disparou no instante em que minha esposa praticamente arrancou o cinto de segurança e saltou do carro.
— Eu estou aqui, ok? Vai ficar tudo bem — disse a ela quando o porta-malas foi aberto.
Vi seu rosto pela última vez quando ela contornou o carro já com a mala em mãos. Os policiais nos garantiram que as cédulas falsas que tinham ali dentro eram convincentes, aquele era outro receio meu. Tinha medo de que percebessem que estavam sendo passados para trás e fizessem algo com ela ou sumissem com . Falando nela, ouvi seu choro de dentro do carro e quase cometi a loucura de sair de onde estava escondido para ir atrás dela.
Era um alívio comedido. Fechei os olhos e me segurei ali, porém, não pude conter o choro que veio sem aviso. Tive muito medo de nunca mais ouvir aquele som, e agora ela estava tão perto… mas ainda estava em perigo.
Ouvi a voz chorosa de pedindo a neném de volta. Miguel gritou algo que não consegui compreender e fiquei tenso, chorava cada vez mais e encobria as vozes. Quando estive prestes a alcançar a maçaneta e sair para fora, ouvi o barulho de pneus cantando e um carro acelerando. Abri a porta rapidamente; se alguém me perguntasse como saí e me recompus tão rápido depois daquele longo período encolhido no canto entre os bancos, eu não saberia explicar.
Inexplicável também foi o que senti dentro do peito quando coloquei meus olhos nelas. Era a cena mais cotidiana possível para mim, mas naquele instante, percebi que nunca mais queria passar um dia sequer sem olhar para as duas juntas daquela forma. se virou em minha direção, aos prantos, segurando a cabeça dela enquanto mantinha os lábios pressionados contra a testa da menina, que ainda chorava assustada.
Corri até lá e as recebi em meus braços, finalmente tendo de volta. Meu coração parecia querer sair pela boca. Beijei minha filha sentindo o fôlego se esvair cada vez mais do meu corpo trêmulo. Queria chorar, gritar, queria ir atrás do carro de Miguel, encontrá-lo e descontar toda a minha raiva nele e em quem quer que estivesse junto daquela palhaçada. Mas não fiz nenhuma das alternativas – apenas peguei abraçando-a com o braço livre e fomos rapidamente até o carro. Eu nos levaria para casa em segurança, somente aquilo bastava no momento.
Mais à frente ouvimos tiros, diminuímos a velocidade e troquei olhares com . Quando nos aproximamos das viaturas paradas na saída do parque, parei o carro para assistir Miguel sendo enfiado na parte de trás da viatura, algemado. Logo atrás dele vinha seu comparsa.
Eu conhecia aquele rosto. Precisei forçar a memória para conseguir me recordar de onde…
— O filho de Elisabeta. — A loira ao meu lado franziu a testa, esticando-se para olhar melhor, porém, sua expressão permaneceu confusa. — É ele ali, com Miguel, eu tenho certeza, !
— Será que ele armou contra a própria mãe?
— É bem possível que sim. Por dinheiro, então…
— , temos que falar com ela.
Assenti, recebendo um aceno do policial responsável pelo caso. Eu iria agradecê-lo, mas naquele momento, não pensava em reviver nada do que tínhamos acabado de passar.
— Amanhã. Vamos cuidar de primeiro, sim?
concordou ao ajustar a bebê no colo. Dei partida novamente e seguimos para casa, deixando aquele capítulo com Miguel finalmente para trás.
’s point of view.
Coloquei o corpinho quentinho de entre as barreiras improvisadas na cama, ali, no meio de nós, onde ela dormiria até que eu não sentisse mais sua falta a cada dez minutos. Arrisco dizer que talvez ela dormiria na nossa cama até chegar na adolescência e não querer mais ter os pais roncando em seus ouvidos ou se achar grandinha demais para dormir entre nós dois.
Me toquei de que, ao imaginar adolescente, veio junto no combo como se ainda fosse meu marido depois de anos sendo pais de .
Ri sozinha, chamando a atenção de , que deixava o banheiro após um banho para relaxar os músculos tensos depois daquele dia infernal. Suspirei ao ver seu semblante cansado após vestir a camisa, já dentro de sua calça de moletom escura, pronto para enfim dormir.
— Nem deu tempo de te dar boa noite, meu amor — sussurrou próximo da neném dorminhoca, que chorou muito quando chegou em casa após todo aquele evento traumático.
Me perguntei se aquele dia a afetaria quando crescesse, ou se, por ser muito pequena, esqueceria tudo e viveria como se nada tivesse acontecido. Sabia que teríamos que contar tudo a ela algum dia, sobre a mãe e tudo o que aconteceu quando veio ao mundo. Talvez falar sobre o sequestro e todos os ataques que o pai biológico dela promoveu contra nós nos ajudasse a lhe explicar o motivo de nunca a deixarmos ter contato ou conhecer Miguel ou os avós.
Meu coração se apertava só de imaginá-la sabendo de todas as rejeições que sofreu apenas por existir. Mas contaríamos a ela quando tivesse idade o suficiente para entender que, independente de tudo o que houve, ela era muito amada e foi muito esperada por nós. E aquilo era tudo o que importava no fim do dia.
— Cuidado para não acordá-la — abaixei o tom, atraindo sua atenção. tinha mexido os bracinhos quando se inclinou para beijar sua testinha.
Ela tinha passado por tanta coisa num período de tempo tão curto! Quando chegamos em casa, a perícia foi solicitada para examiná-la. Não foram comprovados maus tratos nem nada do tipo, a bebê só tinha chegado em casa faminta e um pouco assada. Provavelmente por não ter deixado lhe darem mamadeira, por se tratarem de dois estranhos. Sobre as assaduras, confesso que fiquei aliviada ao saber que nem ao menos tentaram lhe tirar as fraldas para trocá-las.
Meu marido se aproximou mais uma vez e cheirou seus cabelinhos ralos antes de se afastar completamente, bocejando ao se levantar da cama já feita para nós três.
— Está cansado, né?
não fez cerimônia, só assentiu calado. Ele não demonstrou cansaço algum durante todo o sequestro, muito pelo contrário, se manteve firme e forte. Me acolheu quando chorei e me fez acreditar que sairíamos logo daquela situação desesperadora. Infelizmente não pude fazer o mesmo, estar ali para ele. Quando soube que tinha sido tirada de nós, fui junto dela. Sequer me lembrava direito de alguns detalhes daquela tarde em que passei grande parte medicada.
— Quer que eu te faça uma massagem? — ofereci, mas negou, sentando-se ao meu lado na cama.
— Não, quero que vá dormir também. Está tão cansada quanto eu.
Discordei de imediato. Fora que eu estava tão feliz em ter de volta que achava que nem pregaria os olhos naquela noite. Se pudesse, ficaria olhando para seu rostinho a noite toda.
— Você foi incrível hoje, sabia?
Me surpreendi com sua fala, sentindo sua mão afastar meus cabelos do rosto devagar.
— Sabe que eu não teria sido capaz de fazer nada sem você do meu lado, não sabe? — peguei sua mão, levando até a boca e beijando seu dorso.
me sorriu de olhos brilhantes, molhados. Eu não estava diferente; o enxergava com dificuldades através das lágrimas acumuladas na linha d’água.
Lembrei-me da sua expressão preocupada quando eu estava sendo preparada com coletes a prova de balas e instruções que eu rezei para não precisar usar. Felizmente deu tudo certo no fim, mas não pude deixar de pensar no quanto iria se culpar caso algo saísse do controle da polícia durante aquela ação. Não queria ter depositado todo aquele fardo nas costas dele. Mesmo tendo feito o que era certo, senti que o sobrecarreguei demais quando reagi repentinamente e agi por puro impulso, sem pensar em mim ou nas pessoas que me rodeavam. Principalmente nele.
— Me desculpa, fui muito teimosa hoje. Sei o quanto foi difícil pra você correr o risco de perder mais alguém…
abaixou a cabeça e concordou, pensativo. Ele sabia do que eu estava falando. Algo em seu olhar me disse que chegou a experienciar novamente o que sentiu mais cedo só de relembrar.
Apertei sua mão, uma, duas vezes para trazê-lo de volta ao presente, onde tudo estava bem e ele já não precisava se preocupar com nossa segurança. Eu o vi se martirizar por isso todas as vezes em que Miguel nos atacou, sempre se culpando por não ter chegado no momento certo, se torturando por não tê-lo impedido de se aproximar de nós.
— Eu não sei o que faria se algo acontecesse com você, … — Uma lágrima solitária escorreu por seu nariz reto e caiu sobre nosso colchão. fungou, tratando de parar a próxima que seguia o mesmo curso. — E com . Me apavora a simples ideia de não ter vocês comigo.
Afaguei sua mão grande, ainda entrelaçada à minha. Eu me sentia do mesmo jeito. Era engraçado como e eu estivemos sempre no mesmo “lugar” em relação a um ao outro. Sempre sentíamos as mesmas coisas, mas eram em conversas como aquelas que externávamos tudo e descobríamos que não estávamos sentindo sozinhos.
Era reconfortante. Todas as vezes em que senti medo, ele sentiu também, e isso de certa forma me fazia ter coragem junto dele.
— Isso é muito novo pra mim — riu fraco, ainda secando os olhos. A voz embargada denunciava que tinha muito mais choro de onde tinha vindo aquele. não admitia, mas era um chorão, ou pelo menos tinha se tornado um depois que nasceu. — Me desculpe se fui grosso mais cedo, mas é que… vocês duas são minha maior fraqueza, e eu fiquei sem raciocinar direito quando você se prontificou a se colocar em risco.
— Tudo bem, eu também ficaria preocupada se fosse você lá — me inclinei para beijar sua boca superficialmente. — Mas vamos esquecer isso, sim? Miguel está preso, e depois de tudo o que ele fez, vai permanecer assim por muito tempo. Acabou, . Finalmente esse pesadelo acabou.
Não consegui segurar o misto de emoções que me tomaram após dizer aquilo em voz alta. Eu tinha esperado tanto por aquele momento.
— Acabou, — fui puxada por um abraço forte, esmagada por aquele par de bíceps. E apesar de sufocante, era um carinho muito bem-vindo.
Nos deitamos para dormir após nos desgrudarmos daquele abraço que pareceu durar horas de tão reconfortante que foi. Apesar de não gostar mais de dormir longe do meu travesseiro oficial, ouvindo as batidas do coração de para cair no sono, ter nos separando na cama era a melhor coisa que tinha nos acontecido em meses.
•••
Os últimos quatro dias que se seguiram foram de muito chamego com , de ambas as partes. Fui até a faculdade destrancar meu curso e começaria na próxima segunda-feira. Assim como as pessoas geralmente prometiam começar dietas nesse mesmo dia da semana e nunca de fato iniciam, eu queria fazer o mesmo com minhas aulas. Mas infelizmente não foi bem assim – eu teria que me obrigar a ir e me separar de por algumas horas.
Já , todos os dias que chegou do trabalho, a pegou para si para ver TV ou lhe mostrar suas músicas antigas da banda da adolescência. Nos dois casos era engraçado vê-lo explicar e até apontar coisas para a bebê, que apenas o encarava com seus grandes olhos e reproduzia sons incompreensíveis. Eu os espiava vez ou outra, me derretendo com as reações positivas que tinha com alguns sons e imagens específicas.
Tínhamos conversado com Elisabeta, esperamos os policias nos retornarem com o parecer do que foi concluído após a investigação e ouvir Miguel e o filho de Elisabeta. Grande foi o nosso alívio quando ambos negaram a participação da babá em todas as tentativas de Miguel de nos atingir e no dia do sequestro. Fomos visitá-la e era visível o quanto ela estava abalada pela traição do filho, que fez o que fez por dinheiro e sob a péssima influência daquele filho da puta.
Foi descoberto, inclusive, como Miguel tinha entrado no condomínio quando nos atacou a tiros naquela madrugada: o cartão de identificação de Elisabeta foi “pegado emprestado” escondido pelo filho e depois colocado no lugar de sempre na bolsa dela.
e eu pensamos muito e, por fim, decidimos mantê-la trabalhando conosco, afinal de contas, ela era tão vítima naquela história quando nós dois. Fora que seria doloroso demais como mãe ter o filho preso depois de uma decepção daquelas e ainda ser afastada bruscamente de , que ela mesma disse várias vezes considerar uma neta.
Seguiríamos em frente, provando para Miguel e para quem quisesse ver o quanto éramos unidos e que não nos resumíamos àquela briga estúpida judicial, que após a prisão de Miguel, ganhou novos desdobramentos vantajosos para o nosso lado.
Mais tarde falaríamos sobre como tudo ficaria após tantas reviravoltas. Tentei não criar muita expectativa, até porque, mesmo com Miguel fora da jogada, nós ainda teríamos que lutar pela guarda definitiva de .
Amélia tinha nos convidado para um jantar de aniversário. Fiquei lisonjeada por saber o quanto ela queria nossa presença num momento mais íntimo, já que seria uma comemoração pequena para poucos convidados. Seria nossa primeira vez saindo com depois do sequestro. No início fiquei receosa e pensei em negar, mas tínhamos que seguir em frente sem deixar que aquilo nos abalasse. Tiramos aquela semana para ficar a sós em casa, sem quase não nos comunicarmos com ninguém de fora, mas já era hora de voltarmos a ativa.
Eu já ia num Uber em direção a empresa – encontraria lá e depois seguiríamos para a casa da advogada. Coloquei um vestidinho em , que estava especialmente mais charmosa que o normal naquele fim de tarde, se é que era possível. Estava toda sorridente, até mesmo o motorista, um senhor de idade simpático ganhou um de seus sorrisos sem dente algum.
Desci em frente a empresa sem conseguir evitar olhar o café do outro lado da rua. Suspirei, colocando a bolsa da bebê no ombro enquanto a levava no bebê-conforto com o outro braço. Era um alívio saber que Dafne não entraria mais no meu caminho. Apesar de saber que não existia uma concorrência entre nós, de estar ciente de que não deveria me sentir daquele modo, eu ainda tinha ciúme. E ter em casa, conosco, sem o mínimo sinal de que ele tinha outra em seus pensamentos, me acalmava.
Entrei no elevador me sentindo estúpida, mas não poderia negar que estava feliz. Pela primeira vez estávamos tranquilos, sem Miguel nos atazanando, sem Dafne, sem Tom. Tínhamos construído um companheirismo delicioso, uma intimidade aconchegante. estava conosco, ganhou peso, estava saudável. Eu voltaria pra faculdade, retomaria parte da minha vida que jamais imaginei conseguir retornar. Estava plenamente feliz como não tinha estado há um bom tempo.
Nem mesmo tive medo de subir até o último andar daquele prédio enorme sozinha no elevador. Encarei a bebê quietinha e me dei conta de que, na verdade, eu não estava só. Reparei também que a última vez que me senti feliz daquele jeito estava com Grace ao meu lado, planejando tudo sobre a gravidez inesperada dela. conseguia não apenas se parecer com a mãe a cada dia que se passava, como também trazia a presença dela consigo por onde estivesse.
— Oi, Jordyn — sorri contida para a secretária, que terminava de anotar um recado e se despedia da pessoa em ligação.
— Oi, Sra. ! — ela colocou o telefone no gancho, se inclinando sobre a mesa para olhar melhor a bebê. — Oi, , que vestido mais lindo!
Seu rosto ficou vermelho quando se deu conta de que falava com a voz que geralmente usamos para falar com bebês. Ri, relevando, não achava possível arranjar outro tom para usar com um ser tão adorável quanto ela.
— O Sr. está numa reunião, mas já avisou que a senhora vinha e me pediu para deixá-la esperando na sala dele.
Assenti, agradecendo antes de ir até a porta ao lado. Era muito esquisito aquela história de senhor e senhora, mas não falei nada, afinal de contas, era o modo como as coisas pareciam funcionar no ambiente de trabalho do meu marido. E não me restava outra opção a não ser acatar.
Me sentei no sofá, lembrando-me da minha primeira vez ali e em como eu queimava de ciúmes por dentro. Não sabia como tinha conseguido disfarçar tudo que se passou dentro de mim naquele dia. Poderia ser pura hipocrisia minha, mas ver se morder de ciúme na minha frente quando anunciei que iria jantar com Tom… Mordi o lábio sem conseguir segurar um sorriso. A sensação de saber, de vê-lo sendo louco por mim era impagável.
Após esperar mais um pouquinho, decidi lhe mandar uma mensagem avisando que estava esperando. O celular vibrou rapidamente em minhas mãos enquanto eu me distraía com .
: “Oi, linda, estou indo já.”
— Sabe quem está atrasado? É, o seu pai — sorri para , ironizando, já que sempre se gabava que nunca estava atrasado enquanto me criticava por demorar pra me arrumar quando íamos sair.
sorriu de volta, batendo as perninhas. Porém, com o tempo, ela passou a ficar vermelhinha ao fazer força e caretas muito engraçadinhas. Fiquei ali conversando com ela enquanto a assistia fazer as necessidades na fralda, esperando-a terminar para poder trocá-la. Depois de minutos sofridos para a pobrezinha, parecia que ela tinha enfim acabado.
Levei-a para o banheiro junto de sua bolsa para limpá-la direitinho sem correr o risco de sujar o sofá do pai dela.
Chequei o celular novamente enquanto trocava a fralda e vi que tinha mandando mensagens reclamando de Beatrice e de sua enrolação. Sabia que tortura psicológica não era entretenimento, mas eu só sabia rir daquela implicância toda que ele tinha com ela.
Quando saí do banheiro, atrapalhada com a bolsa e a bebê agitada em meu colo, quase dei um grito de susto ao encarar a figura parada na porta da sala.
— Me desculpe, Sra. , eu disse que tinham um compromisso e sairiam mais cedo, mas…
— Está tudo bem, Jordyn — a interrompi, vendo-a trêmula com o olhar frio de Angelina. — já está vindo. Quando ele chegar, veremos o que vamos fazer.
— Tudo bem, com licença — ela se retirou, lançando-me um olhar de puro alívio. Compreendi, afinal, se eu pudesse iria embora junto dela.
Porém, permaneci onde estava, tentando manter o queixo o mais erguido possível enquanto segurava um pouco mais firme que o normal. Eu poderia interpretar aquele gesto involuntário como um trauma após o sequestro, mas também era meu corpo tentando mantê-la o mais próxima de mim e protegida de quem não gostava de sua existência.
— Olá, Sra. . — Segurei minha expressão diante de seu sarcasmo aparente.
Ela, claro, não mudou nada com o tempo – fisicamente ainda era a mesma mulher enxuta e cheia de botox que deu muito certo no rosto dela. Tão certo que eu ainda poderia identificar muito bem suas expressões, e a que ela estava me dando naquele momento era um desprezo misturado com ódio. Mas, claro, tudo envolto de muita classe e mascarado num sorrisinho prepotente.
— Olá, Angelina — lhe devolvi o cinismo. Até porque eu era mesmo a senhora . Tinha me casado com o filho dela, quer ela queira ou não.
— Olha só, eu não vim para brigar com você. já está bem grandinho para saber dos próprios erros — Angelina se aproximou em cima dos saltos escuros e pontudos. Mantive-me sorrindo, ignorando a vontade que eu tinha de mandá-la ir se fod…
— Ah, mas que ótimo. Mesmo que quisesse falar comigo, eu não poderia ficar e te ouvir. Como Jordyn disse, e eu temos um compromisso.
— Então acho melhor você ir para esse compromisso sozinha, eu preciso falar com meu filho e vou falar com ele.
A todo momento eu a via desviando o olhar de meu rosto, e eles escorregavam numa região mais embaixo dele, mais especificamente nas costas de , que estava a coisa mais fofa do universo com sua calcinha de babados por cima da fralda recém-trocada. Mas parecia que Angelina era incapaz de se derreter com a cena, já que tinha acabado de fazer questão de insinuar que eu sairia sozinha dali, mesmo tendo junto de mim o tempo todo.
Não imaginava que espécie de mentira fantasiosa ela e o marido tinham inventado para viver acreditando, mas no mundo real existia e era o bebê mais amado do mundo.
— Como eu disse anteriormente, vamos esperar chegar. Ele irá decidir se vai ou se fica.
Era ridículo aquela competição que estávamos criando, mas era mais que necessária.
O pai de desdenhava de nosso casamento sempre que podia, agora tinha ela, minha adorada sogra fazendo o mesmo ao insinuar que o filho me largaria por aí sozinha com uma criança só para ouvi-la criticar suas escolhas de vida.
Estava na hora de colocar a obediência que ele costumava ter pelos pais à prova, e o melhor: diante dos olhos dela.
— Se coloque no seu lugar — ela riu, olhando-me de cima a baixo. — Eu sou a mãe dele. Não tente competir pela atenção dele dessa forma, vai acabar envergonhada.
Eu precisava lembrar a querida de tudo o que ela e o marido fizeram desde que descobriram da gravidez de Grace?
— Estou te dando a chance de ir enquanto ainda não está aqui.
Eu não estaria tão confiante assim no lugar dela.
— E eu sou a esposa e mãe dos filhos dele…
Eu estava prontíssima para lacrar em cima dela, mostrando que não importava quem ela fosse – ainda assim viria comigo. Mas resolveu acabar com minha pose de fodona quando se agitou em meu colo e abriu o berreiro, puxando meus cabelos entre seus dedinhos pequenos.
A chupeta lilás escapou de sua boca quando ela abriu o berreiro porque eu não a deixei arrancar todos os meus fios embolados em suas mãozinhas. Estava muito rebelde e nem era uma adolescente ainda.
— E digo que vou ficar e esperar até que… — Fui distraída atrás da chupeta que caiu longe, porém, de repente enxerguei em meu campo de visão os sapatos escuros de Angelina. Ela se abaixou mais rápido, apanhando o objeto, que atraiu a atenção de imediatamente. — … Ele venha — terminei minha frase, levantando-me rapidamente.
Não tive tempo de me afastar para impedi-la de chegar perto da bebê. Não era um instinto de proteção, apenas quis escondê-la por saber que minha filha era renegada pela avó. Eu não queria expor a nenhum dos sentimentos ruins e rejeição que eles poderiam proporcioná-la.
Mas recuei quando percebi seu olhar analisando o rostinho dela. Angelina mal piscou enquanto a observava agitada em meu colo. Assisti seus olhos verdes como os de se encherem de lágrimas em segundos.
— Ela é exatamente igual a…
— Sim, igual a Grace quando era bebê. me mostrou fotos.
Não soube identificar se ela prestou atenção no que eu disse. Angelina ainda parecia hipnotizada pela imagem da neta, que ainda chorava no meu colo. Balancei-a devagar, tentando ninar seu corpinho, mas a bebê não parecia que iria parar tão cedo. Estava com sono, por isso aquele show todo.
Mas tinha que ser justo na frente de Angelina?
— , não! — tirei sua mãozinha de perto dos meus cabelos soltos.
— Oh… — a ouvi ofegar e encarei seu rosto rubro. Os olhos, que antes estavam vidrados na neném, agora transbordaram de vez.
Paralisei no mesmo instante. Eu já não sabia o que fazer quando via alguém chorando, e naquele caso, então, aí mesmo que me vi completamente sem ação.
— — sussurrou, abaixando a cabeça —, Grace tinha uma boneca quando era bem pequena. Passou a chamá-la de sempre que estava brincando com ela. Acho que viu em algum desenho animado, não sei…
Ela ria em meio ao choro, olhando para longe enquanto tentava se autoconsolar. Senti meu nariz arder de repente. Apesar de tudo o que ela fez a Grace, imaginei o quão doloroso poderia ser perder um filho. Tudo o que tinha passado nos últimos dias tinha me feito imaginar como seria, e eu tive a impressão de que me faltava um pedaço do corpo quando tive longe de mim por apenas algumas horas.
Imagine pelo restante da vida inteira? Nunca mais ver, não poder abraçar, beijar e ouvir a voz pessoalmente, ter a pessoa que você trouxe ao mundo permanentemente desaparecida.
— E-Eu não sabia dessa história — engoli o choro, me lembrando de que o pai de disse que ela se referia a nós duas como meras desconhecidas na vida do filho.
Nunca fui conhecida por ser coração mole, e não era para ela que eu iria amolecer o meu.
— Pra você ver o quanto Grace sonhava com a filha. Ela sempre me dizia o quanto queria ser mãe um dia. Estive com ela durante todos os momentos da gravidez e vi com meus próprios olhos o quanto ela estava feliz. Apesar de tudo o que passou, eu via o quanto ela ansiava em conhecer a filha.
Senti o choro vir à tona novamente. Me revoltava demais lembrar de toda aquela história, de como a própria mãe de Grace virou as costas justo no momento em que mais precisava dela. Eu jamais deixaria , não importava o que ela dissesse ou fizesse!
— Talvez se ela tivesse tido o apoio que tanto precisou, talvez ainda estivesse…
— Ah, por favor, Grace tinha dezenove anos — o rosto abatido de Angelina mudou, logo ela exibia um sorrisinho prepotente. — Acha mesmo que era isso o que ela queria? Ter um filho para depender dela e roubar sua juventude? Já não basta o que fez com Grace, ainda arrastou pra essa vida? Meu filho era livre antes de inventar essa droga de casamento.
— Tinha dezenove, mas seria uma mãe muito melhor do que você foi — solucei, tomada pela raiva. — não é uma criança, é um homem, um marido e pai maravilhoso que ele jamais teria se tornado se tivesse continuado a viver na sua sombra e do seu marido. ama a mais que qualquer coisa nesse mundo. Não se ache no direito de colocar isso à prova.
— ? — abriu a porta apressado, vindo em minha direção em passos largos. — Está tudo bem? O que ela te fez?
— Nada, está tudo ótimo — forcei um sorriso, secando o rosto com a mão livre.
Angelina fez o mesmo, disfarçando. Ela ao menos teve tempo de fazê-lo, já que lhe deu as costas para checar e eu.
— Oi, filho.
se virou, encarando a mãe impassível:
— Oi, mãe. O que está fazendo aqui?
— Vim porque precisava falar com você e…
— Hoje não posso, marque um horário com minha secretária. — se jogou em seu colo fazendo manha, e me vi livre do risco de ter os cabelos arrancados. — Oi, amor, o que aconteceu? Fala pro papai.
— Ela está com sono, tá na hora de dormir.
se inclinou sobre o sofá e pegou o jacaré de pelúcia dela. A mãe reconheceu na hora, afinal, era o mesmo que era extremamente apegado quando criança e até na adolescência, por mais que ele tentasse negar até a morte que manteve seu cheirinho de criança até quase o fim do ensino médio.
— Mas…
— Minha esposa e eu temos um compromisso, marque amanhã e conversamos.
— Está bem — Angelina respirou fundo e deu passos para trás, contrariada. Não era a resposta que ela esperava ter. — Meu voo é só à tarde, passo aqui para almoçarmos juntos.
assentiu, deitando a cabecinha da neném no ombro junto da pelúcia. Angelina não ganhou um beijo na bochecha sequer. Apesar de em algum lugar de mim eu sentir que venci, não pude deixar de sentir pena dela. Jamais imaginei como deveria ser uma rejeição de um filho.
— Vamos, amor? Estamos atrasados.
Assenti, pegando a bolsa e levando ao ombro. Olhei de relance para a mão de Angelina, recolhida um pouco na lateral da coxa, e vi a chupeta de . Ela parecia estar escondendo de nós. Fingi não ver e segui para fora da sala.
Esperava que ela olhasse para aquela chupeta e se arrependesse por cada segundo que perdia da vida da neta que tanto lembrava a filha que ela desprezou por um simples erro.
Acenei para Jordyn ao passar pela recepção e entramos no elevador juntos. parecia sob efeito de um sonífero chamado “colo do papai”, sempre foi tiro e queda para ela.
— O que aconteceu? — ele murmurou com os lábios encostados na testa da bebê em seu colo após beijá-la. — E não venha me dizer que não foi nada, eu vi você chorando.
— Mas realmente não foi nada, ela apenas me acusou de levar sua irmã para o mal caminho e agora a loucura da vez é que eu estou te forçando a ser pai. — riu em escárnio. — Pois é, a culpa é sempre minha, nada mudou.
— Imagina ser culpada por fazer os filhos dela felizes. — Olhei para ele pelo espelho e concordei enquanto tentava disfarçar a vermelhidão do meu rosto. — Ela devia te agradecer, isso sim.
Foi um caminho silencioso no carro até a casa de Amélia, um pouquinho longe dali. Ela disse gostar de morar distante do centro e levou o conceito bem a sério na hora de comprar uma casa. Nos identificamos na portaria e entramos, tocando a campainha da grande casa branca.
— Você está bem? — indagou, me analisando com preocupação. Eu não costumava ser tão quieta assim ao lado dele.
Fiquei pensativa sobre o que tinha acontecido há pouco. A forma como Angelina olhou para não sairia da minha cabeça tão cedo. Pareceu… afeto? Eu não me sentia no direito de compartilhar aquela impressão com . Apesar de estar bravo com os pais, eu sabia que lá no fundo ele desejava que as coisas fossem diferentes, e ao invés de desprezar a filha, os pais pudessem amá-la e acolhê-la como pessoas normais fazem com os netos. Grace e eram muito apegados aos avós, eram os xodós deles. Devia ser doloroso para ele não ver o mesmo acontecendo com .
Não queria lhe dar falsas esperanças, e apesar da impressão que tive, não poderia negar que meu orgulho talvez estivesse me incomodando naquele momento. No fim das contas, não importava muito se era afeto ou não; Angelina nunca poderia desfazer o mal que nos fez e disse num passado bem recente.
— Sim, estou bem — me despertei dos meus devaneios. — E você, está bem?
Não devia ser fácil para ver a mãe e ter que tratá-la com indiferença. Eu o conhecia o bastante para imaginar o aperto no coração que sentiu.
— Se vocês estão bem, eu também estou.
O beijei imediatamente, enrugando o nariz e não conseguindo segurar o som meloso que saiu da minha boca. Aquilo foi definitivamente muito fofo.
— Ai, ai… Parece até que estou sonhando — me afastei de enquanto revirava os olhos. Amélia estava na porta vestida elegantemente de vermelho, parecendo uma senadora classuda.
— Olá para você também, Amélia — fingiu implicar e foi até ela, que já estava de braços abertos.
Me juntei a eles e também desejei um feliz aniversário para ela. dormia na cadeirinha, o que fez a advogada lamentar ao acariciar devagarinho a bochecha da neném. Ao entrarmos, subiu junto da funcionária para deitar o bebê na cama. Ainda achava estranho ter alguém fazendo o mesmo trabalho que minha mãe nas casas de amigos, eu nunca me acostumaria.
Me enturmei bem pouco, e não era porque não tinha gostado dos convidados de Amélia – eram amigos próximos dela, bem parecidos no jeito de agir e conversar, então claro que me dei bem com a maioria com quem conversei –, mas eu suspeitava que o problema era eu. Ainda me sentia travada no meio de outros adultos, talvez por ter me casado tão cedo e ter assumido a responsabilidade de ser mãe tão apressadamente.
A verdade era que eu não me encaixava naqueles assuntos tão maduros. Estava doida de vontade de comentar sobre a próxima regravação da Taylor Swift ou sobre o fiasco da série do The Weekend, mas sabia que estaria falando grego com eles.
Olhei por cima do ombro para e ele pareceu pedir socorro com o olhar, enfiado numa roda de conversa de homens falando sobre investimentos nas moedas de bitcoin. Aquilo sim era grego, e nenhum de nós dois parecia querer entender.
Fui saindo de fininho. Eu não estava agregando muita coisa naquele papo de horta caseira; na verdade, matei todas as plantas que já tentei ter algum dia. fez o mesmo, escapulindo-se para a cozinha atrás de mim.
Era engraçado perceber o quanto estávamos afiados naquela coisa toda de comunicação silenciosa. Aprendemos uma linguagem só nossa que talvez não seria compreendida por ninguém de fora. Não era apenas um jeito de falar ou olhar, era algo corporal. Não precisei dizer que estava querendo fugir dali; me olhou e soube daquilo.
Sempre pensei que intimidade era algo relacionado a sexo, anos de convivência, algo que levava tempo para ser estabelecida e construída. Mas não era. Não pareceu ser com ele. Ainda não entendia o que tinha ou fazia para conseguir me ler tão facilmente, me abrir como se soubesse todas as minhas senhas e possuísse todas as chaves que nem eu mesma sabia onde tinha escondido. Era louco como o tempo para nós parecia voar, e aquilo me deixava confusa com a rapidez com que ele me fez sentir tudo aquilo que jamais imaginei sentir com alguém.
Ouvimos o barulho das patas de Derik atrás de nós e suspeitei que ele também não aguentava mais ouvir todos aqueles humanos falando e falando palavras difíceis. Imaginava que cães poderiam ter um repertório de palavras que reconheciam quando ouviam, mas acho que elas se resumiam a “passeio” ou qualquer coisa sobre petiscos. Algo em chamou sua atenção, já que ele estava o seguindo há um tempinho pela casa, inclusive na nossa chegada, quando tentou enfiar o focinho na cadeirinha onde dormia.
— Olhe só para ele… — chamou minha atenção enquanto eu me servia de mais um pouco de vinho no balcão da cozinha.
No chão estava o cão de pelagem curta e escura, arreganhado com a barriga para cima, sabendo que aquele truque era certeiro quando queria ganhar um carinho. o fez imediatamente, como um bom amante de cães que era.
Eu estava mais para os gatos, e acho que aquele pequeno detalhe dizia muito sobre nós e nossas personalidades.
— Lembra do Duke? O cachorro dos Jackson? Eu era louco para ter um daqueles.
Assenti. O pastor alemão era mesmo muito bonito e bem treinado; o dono inclusive proibia e as outras crianças de brincar com ele. Ao que parecia, ele estava em treinamento para servir a polícia.
— Eu sentia tanta dó dele. Era louco para correr no meio de vocês pela rua.
Recordei-me do cachorro de orelhas pontudas e olhar atento, vendo o movimento da rua pela janela como uma criança de castigo.
— Cachorros amam crianças. Imagina um desse brincando lá no nosso quintal com ?
Cheguei a inclinar o rosto para conseguir ver seu sorrisinho aberto ao imaginar por conta própria. Sabia que ele não conseguia ficar muito tempo só na imaginação quando queria algo. Eu mesma caí no seu papinho quando começamos com as provocações e beijos e quando estávamos a sós.
— , nós não vamos ter um cachorro — decretei, autoritária como se estivesse falando com uma criança.
’s point of view.
Revirei os olhos, não conseguindo evitar um sorrisinho ao continuar a acariciar o cão serelepe esparramado no chão.
Eu nem tinha como argumentar, não tinha ao menos feito uma sugestão ainda, tinha apenas jogado um verde. Mas já sabia o que eu queria dizer antes mesmo de abrir minha boca. A infeliz tinha nascido pra ser mãe.
— Vocês dois implicando um com o outro, como sempre… Algumas coisas nunca mudam mesmo — Amélia riu, negando com a cabeça em reprovação.
Troquei um olhar significativo com minha esposa, me levantei e fui para o lado dela.
Esperava mesmo que nunca mudassem, adorava aquelas trocas de farpas e nosso joguinho de mandar e obedecer. Eu era o que obedecia, claro. Ultimamente tinha a certeza de que me tinha nas mãos, e não havia nada nesse mundo que eu lhe negaria caso ela me pedisse.
— Só melhoram — enlacei a loira pela cintura, deixando um beijinho em seu ombro descoberto.
desmanchou a pose de mandona e sorriu tímida, coisa que eu bem sabia que ela não era. Cobriu minha mão com a sua, despertando em mim uma série de correntes elétricas como se eu fosse um adolscente idiota.
— Olhe só pra vocês, apaixonadinhos — os olhos de Amélia chegaram a brilhar de felicidade. Aparentemente ela não estava brincando quando disse que parecia estar sonhando ao nos ver juntos.
Apesar de ser mais nova que minha mãe, senti uma energia maternal vinda dela e me senti acolhido de alguma forma. O olhar da minha mãe mais cedo me veio à cabeça, fazendo-me ameaçar murchar o sorriso que me rasgava o rosto.
Não era hora de lembrar de coisas ruins, não quando eu estava finalmente fazendo pagar com a língua na frente de alguém que sabia de nossa mentira desde o início.
— Não estamos apaixonados.
Meu sorriso, que já não estava muito inflado, murchou de vez. Tirei minha mão de sua cintura, percebendo seu olhar acompanhá-la para longe do próprio corpo.
— Ah, claro, é apenas sexo — sorri com a voz repleta de sarcasmo, como se estivesse relembrando as duas daquele pequeno detalhe.
Quem devia ser lembrado na verdade era eu. Mas não me preocupei com meu esquecimento momentâneo, sempre daria um jeito de me manter atualizado sobre o assunto.
— Vou dar uma olhada em , com licença — mantive-me impassível. Ou ao menos tentei, mas acredito que a vermelhidão em meu rosto quente devia estar visível até mesmo do outro lado do continente.
De qualquer forma, eu não ficaria ali ouvindo mentir descaradamente para si mesma e externar toda aquela palhaçada. Já era doloroso demais ouvi-la nos resumir a sexo. Na frente dos outros, então, beirava a humilhação.
Dei passos largos em direção ao corredor que ligava a cozinha à sala de jantar, onde os demais convidados estavam. Porém, ouvi algo que me impediu de prosseguir:
— Desculpa me intrometer, mas acho que não é só sexo pra ele.
Aleluia. finalmente teria uma amiga para avisá-la.
Eu já tentei dizer aquilo de diversas formas, mas ela sempre se esquivava de algum jeito. Estava cansado de tentar fazê-la enxergar o que tínhamos construído até ali. E pela enésima vez fazê-la entender que não, não era apenas sexo.
— As coisas entre nós são muito intensas desde o início. É tudo tão a flor da pele… — Não podia vê-las, mas já imaginava a confusão estampada em seu rosto. — Mas não é possível que estejamos apaixonados. Nos odiávamos, um sentimento tão oposto não mudaria em apenas quatro meses!
Encostei a testa na parede, respirando fundo para não ir até lá e denunciar que estava ouvindo tudo.
Era perfeitamente possível! Eu nem ao menos conseguia me lembrar por que sentíamos tanta raiva um do outro, nem mesmo o que sentia quando jurava que nutria ódio por ela. Agora, depois de tudo o que passamos, a única coisa que eu sabia era que o mais próximo de ódio que me despertava era justamente nos momentos em que se negava sentir algo bom por mim.
Porque era mentira. E ela não tinha aquele direito. Mentia para qualquer um ou até para si mesma, mas não para mim.
— Tem certeza disso?
Um pequeno silêncio. Ouvi seus passos indecisos pelo piso escuro da casa. Ela estava montando mais uma de suas desculpas esfarrapadas para mascarar o que sua cabeça projetava ali dentro, em seus pensamentos. Estava ganhando tempo para continuar a mentir.
— Absoluta.
Respirei fundo, negando com a cabeça. Como podia ter a coragem de falar aquilo? Por que ela não conseguia simplesmente baixar a guarda e ser sincera?
— Eu acho que estamos tão envoltos nessa mentira, e ela é tão certa, sabe? , e eu, como uma família… Às vezes pode parecer bem real, e é até certo ponto. Nos tornamos uma família, mas não com esse tipo de sentimento envolvido.
Ri sozinho em escárnio. Que tipo de sentimentos estávamos envolvidos, então? Minha vontade era de regredir meus passos e confrontá-la. Estava muito curioso para saber quais sentimentos eram aqueles.
Eu sabia bem quais eram, mas ao que parecia, morreria se abrisse a boca para dar o nome correto a eles.
— Bom, fico feliz em ouvir isso, não sabe o quanto torci por vocês. Vê-los tão comprometidos com me emociona muito. Como vocês cresceram…
Controlei minha raiva, sentindo as poucas lágrimas que se acumularam em meus olhos descerem pelo meu rosto. Sequei-o, aliviado ao ouvir Amélia mudar de assunto. Duvidava muito que a advogada tinha caído naquele papinho. Ela devia reconhecer alguém mentindo de longe.
— Também tem isso. Estou cem por cento comprometida nela e, agora com a faculdade, em mim também. Não tenho por que arrumar problemas me envolvendo emocionalmente com alguém como .
— Puta que pariu — sussurrei para mim mesmo, de abdômen retraído, como se realmente tivesse acabado de levar um soco na região do estômago.
Parecia que nada do que eu sentia era levado em consideração, nem mesmo o que fazia.
Comecei a me perguntar, genuinamente confuso, se estava falhando em algo. O que estava fazendo de errado para que continuasse a me olhar como o moleque que eu era antes? Tinha que haver algo, mas por mais que eu tentasse, não conseguia entender. Desde o início me esforcei para ser o homem que ela precisava ter ao lado, mas não parecia ser o suficiente.
— Entendo.
Franzi o cenho com o modo como Amélia falou. tudo bem, eu já estava acostumado, mas ela? Precisava ter concordado assim tão rápido?
— Ele ainda está com a moça do café?
— Não sei, ele me disse que não. Disse que iria parar de vê-la.
Disse e parei já tinha um tempo. A mentirosa da história era , não eu.
— Olha, , sei que não está mentindo pra mim. Mas se me permite te dar um conselho, tome cuidado com essa indiferença em relação a . Se ele estava tendo algo sério com essa moça ou conhecer alguém por aí e você realmente sentir algo por ele, vai sair machucada dessa história.
— Ah, não, está tudo bem — riu falsamente. Eu não precisava vê-la para saber que não era genuíno. — Eu estou bem resolvida com essa questão do . Como já disse, é só sexo.
— Sabe onde estão os pais da bebezinha que está no quarto? — Ouvi a voz da governanta de Amélia e tratei de me recompor para ir até onde eu deveria ter ido.
Mais uma vez fui traído pela minha curiosidade. Já devia saber que não importava com quem conversava sobre nós, ela nunca daria o braço a torcer e ser totalmente sincera.
O restante da noite foi uma bela bosta. Não consegui encontrar uma outra descrição para o que aconteceu depois de ouvir aquela conversa. Não me esforcei muito para disfarçar minha cara de bunda – jantei calado ao lado de na mesa com os outros amigos de Amélia. Depois peguei para brincar com Derik, que realmente devia achar os pezinhos dela deliciosos, porque os lambeu sempre que teve a oportunidade.
também iria adorar ter um cachorro, e teria um quando eu me mudasse após o divórcio. Ele, assim como o apocalipse, deixou de ser um medo e se tornou uma esperança depois daquela noite.
Fomos embora no mesmo silêncio que chegamos. A diferença era que na ida pelo menos tínhamos uma culpada externa para ter estragado nosso clima, mas na volta para casa, a culpa da festa ter virado um enterro era toda de . E o pior é que ela nem se deu conta do que fez.
Tentou pegar minha mão no trânsito, mas esquivei, deixando ambas grudadas ao volante. No fim, apenas pousou a sua em minha coxa, acariciando enquanto se distraía no celular.
Ignorei-a enquanto pensava em como faria para lidar com o fato de que só lembrava que éramos um casal quando lhe convinha e ela queria.
Cheguei em casa e usei o trabalho como desculpa para me isolar no escritório. Por sorte minha mulher não estranhou nada, dei uma introduzida no assunto no carro, reclamando de Beatrice e falando sobre um projeto. Sabia que não iria querer me ouvir falar mal dela, portanto, não me questionaria sobre.
Saí de lá quando comecei a ficar com sono. Estava assistindo um filme e nem terminei, porque achei ruim demais. Ou talvez eu não tenha prestado atenção no enredo, me sentindo estúpido por literalmente me esconder de no escritório.
Tomei um banho, fui para o quarto e a encontrei na cama passando algo no rosto. Joguei-me no colchão já me ajeitando no lado em que me habituei a dormir – o outro, que eu costumava preferir, tinha roubado e nunca mais pude ocupar. Até mesmo das pequenas coisas eu tinha aberto mão, e a mágoa voltou a me rondar sobre aquele assunto. Virei-me na cama e encarei suas costas expostas pelo pijama de alcinhas.
Pensei em milhões de coisas para falar, mas me mantive calado. Estava farto de abordar sempre o mesmo assunto e não ser ouvido em todas minhas tentativas.
— Onde está ? — Tive que falar algo, já que se virou para me olhar por cima do ombro.
— No berço, já vou pegá-la para dormir conosco.
Assenti ressabiado. Adorava quando ela dormia ao meu lado, ter a noite toda seu cheirinho de bebê nos embalando e saber que estava bem ali, pertinho. Mas naquela noite em específico, eu estava ainda mais aliviado de tê-la entre nós na cama, assim eu não teria que ter deitada sobre meu peito como se fôssemos um casal real. Se ela iria nos tratar com indiferença, talvez deveríamos passar a agir da mesma forma.
se deitou de barriga para baixo, aproximando seu corpo quente do meu. Apesar de planejar ignorá-la, eu não conseguia seguir o que meus pensamentos ordenavam, não tendo-a tão perto. Seu toque delicado me atingiu o rosto e eu fechei os olhos involuntariamente, sentindo espalhar um pouco do creme que passava em si no meu rosto. Suspirei, mantendo-me quieto. Se eu abrisse a boca, falaria demais como sempre.
— Aconteceu alguma coisa?
Aconteceu, , aconteceu você, de novo, em negação enquanto suas atitudes demonstram o contrário. Mantive os olhos cerrados, não queria nem ao menos olhar em seu rosto. Como poderia? O mesmo rosto que me fazia sorrir e os lábios que me despertavam tantas coisas boas também serem os responsáveis por me magoar daquela maneira?
— Não.
Com as pontas dos dedos, desfez a ruga que se formou entre minhas sobrancelhas sem que eu percebesse.
— Tem certeza?
Murmurei que sim, respirando fundo e tentando fugir do cheiro e do calor que emanava dela. Senti o coração acelerar e pensei em quanto tempo fazia que vinha fodendo com minha cabeça enquanto me acariciava daquela maneira.
Eu nem saberia contar, mas pelo meu estado de exaustão, parecia uma eternidade.
— Ficou chateado pelo que eu disse sobre nós para Amélia?
Se ela já sabia, então por que ainda perguntava?
— Depois de quatro meses juntos, você ainda nos resume a isso? Sexo? Uma mentira? — abri meus olhos, encarando-a de baixo para cima. Seu rosto estava maior pelo ângulo, mas apesar da distorção, eu também atribuía seu tamanho ao meu grande medo de me comprometer, o que me perseguiu a vida toda.
Pensar aquilo apenas me deixou mais revoltado pela situação em que me encontrava com . Eu queria me comprometer, já o tinha feito, porque sabia que o que eu sentia era maior que meu medo. Tinha enfrentado aquilo por ela, eu faria tudo por ela, mas o que eu recebia em troca?
Além de tudo isso, ainda me incomodava como as pessoas de fora nos viam juntos. Amélia concordava com o que pensava sobre mim; Fanny e Anne me afastaram dela, alegando que eu não era próximo o bastante para ampará-la durante o sequestro. Todos nos resumiam àquela droga de mentira, e eu sabia que não éramos mais os mesmos do início daquela história toda. Por que parecia que eu era o único a ver aquilo?
Sabia que não poderia culpar Amélia ou as amigas de por não saberem de tudo, claro. Elas não passaram por tudo aquilo conosco. Mas sobre … Eu tinha chegado no meu limite.
— E você ainda usa Dafne para se isentar de admitir o que sente?
— Ouviu minha conversa? — ela se afastou, ofendida. Usou aquilo como desculpa para se distanciar do assunto principal ali.
— Sim, , eu ouvi sua conversa. Me desculpe se eu tenho que te ouvir falar de nós para outras pessoas porque você não tem coragem de dizer as coisas na minha cara.
Me sentei na cama, mesmo que dentro de mim existisse uma voz interior me mandando deitar e calar a boca, como era o plano inicial.
— Eu não quero falar sobre isso com você — bradou, vermelha de raiva, pegando os cremes com uma certa brutalidade e fechando-os sem a menor paciência.
— Por que não? Diz respeito a mim também! — rebati, vendo-a se deitar e puxar a coberta toda para si. Ofeguei com a cena, mas não puxei de volta. Não fazia questão também.
— Porque você me deixa confusa! — ela se virou para me encarar. — Se não é só sexo, é o quê então?
Abri a boca para responder. Eu tinha milhões de palavras para descrever o que nós dois éramos, não parecia ser muito difícil encontrá-las e sabia que não estava ao menos se esforçando para procurá-las. Minha esposa só era confiante para desdenhar do que sentia por mim com terceiros, mas quando estávamos sós, se mostrava de verdade, como alguém que procura o colo escondido do resto das pessoas.
— Você bebe e diz que me ama, quando está sóbrio, fica bravo quando te lembro do que falou. Depois me vem com esse papo de que não tem que acabar se eu não quiser. E se eu não quiser, , como ficamos?
Ela iria mesmo jogar algo que eu disse uma vez só enquanto estava bêbado na minha cara? Eu quis rir e o fiz, vendo seu semblante se retorcer ainda mais em ira. Péssima hora para rir, aliás.
já tinha resolvido aquele “grande problema” sozinha e sem precisar pensar muito. Ficaríamos juntos, pronto. Se os dois quisessem, então, daria certo. Não acho que Amélia iria se opor a nossa desistência do divórcio, que já era esperado desde o início.
— Do jeito que estamos, nada precisa mudar — sorri para ela, puxando-a para um beijo.
— Precisa, sim. Eu preciso de certezas, , e isso você não pode me dar — ela tirou minhas mãos de si, desviando-se do meu beijo. — Por favor, não jogue a responsabilidade de definir o que temos em cima de mim, não me cobre isso. Não quando você me deixa insegura de sentir algo, sabendo que se eu me arriscar em te dizer, sei que vou correr o risco de me magoar.
Eu nunca faria nada para magoá-la, e o fato de evitar se envolver comigo já prevendo que eu a machucaria só me provava que eu estava certo – ela não via o quanto amadureci e por isso não confiaria em mim.
— Qual o sentido de sentir algo sem correr riscos, ?
Era o que estávamos fazendo desde o início. Mesmo que mascarado de sexo sem compromisso no começo, foi invitável não nos envolvermos, e estávamos dando certo.
— Eu não sei, . Mas não quero descobrir com alguém como você — ela me deu as costas, cobriu-se e se deitou para o lado oposto.
Fiquei ali paralisado, olhando-a enquanto processava o que ela tinha dito. Não foi a primeira vez que se referia a mim daquela maneira. E eu que achei que estávamos dando certo, mas parecia que tinha se dado conta de quem eu era no passado, e aí já não estávamos mais.
Levantei da cama, peguei apenas meu travesseiro, fui até o quarto de e a peguei para colocá-la deitada na cama com a mãe. Desci para o andar de baixo e me deitei no sofá, onde planejei que dormiria quando começamos aquele casamento de fachada e onde eu pensei que odiaria dormir ao lado de todas as noites.
Mas acho que nunca fui tão a fundo naquele sentimento como naquela noite. Parecia que nada iria nos fazer deixar aquele ódio para trás, e assim como eu dormir no sofá já era previsto e inevitável, estragar tudo como seus medos e inseguranças também era.
’s point of view.
Acordei no meio da noite, sonolenta. Era minha vez de cuidar da bebê, então me forcei a sair da cama e deixei quietinha com sua chupeta e o pai dela na cama, depois fui para o andar de baixo preparar sua mamadeira. Coçava os olhos enquanto descia os degraus devagar, para não cair escada abaixo, e já na cozinha acendi a luz, levando um puta susto ao ver algo em cima do sofá da sala.
Ainda com a mão no peito, me aproximei devagar, identificando os cabelos de no travesseiro dele. Recuei meus passos quando me dei conta do que aconteceu e engoli em seco. Voltei para a cozinha imediatamente, ofegando ao perceber que devia tê-lo magoado pelo que disse.
Preparei o leite de enquanto aqueles pensamentos me ocupavam a cabeça. A culpa me tomava, mas ao mesmo tempo, eu sabia que apenas tinha sido sincera sobre meus sentimentos em relação a ele e a nós.
Quando passei de volta pela sala e cheguei até o início das escadas, parei ainda enxergando sua sombra deitada ali. A minha vontade era chamá-lo de volta pra cama, onde ele parecia pertencer desde o início do nosso casamento, mas me contive por saber o que exatamente o tinha magoado. E ser egoísta chamando-o de volta para mim, quando na verdade tinha acabado de praticamente dispensá-lo, faria de mim uma filha da puta.
Por mais que eu quisesse muito tê-lo ao meu lado, tinha que aprender a respeitar seu espaço quando não desejasse mais estar comigo. Antes de me deitar, após dar de mamar a bebê, pensei no que Amélia me disse sobre encontrar outra pessoa para ficar.
Respirei fundo, tentando em vão segurar o choro que me subiu à garganta. Eu sabia que aquela era uma possibilidade, ainda mais vendo o quão maduro e comprometido ele estava, não seria nem um pouco difícil para seguir em frente e desencanar de mim. E aquilo de certa forma me machucava e me deixava com medo.
•••
Despertei cedo no dia seguinte. Apesar de não ter pregado o olho desde que descobri que estava apenas com na cama, teria que levantar e ir para a faculdade.
Tomei um banho rápido e me maquiei minimamente, apenas para esconder a noite mal dormida e tentar disfarçar a cara péssima que tinha me levantado aquela manhã. Estava chateada. Não foi daquele jeito que planejei meu retorno à faculdade. tinha dito que me levaria, e apesar de eu ser bem grandinha pra pegar um ônibus e ir sozinha, não podia negar que estava com medo e nervosa demais para gostar de ir sozinha.
Eu devia estar feliz, mas não era daquele jeito que me sentia.
Quando fui até a cozinha, não encontrei no sofá. Cheguei a pensar que talvez ele tivesse ido para um dos quartos de hóspedes. Não tive coragem de conferir, tive medo de dar de cara com ele. Talvez fosse melhor assim, eu sairia mais cedo e ele ficaria para deixar com Elisabeta antes de ir trabalhar. Só o veria quando ele chegasse à noite, e talvez eu pudesse evitar encontrá-lo me deitando antes. Se ele fosse dormir no sofá ou em qualquer outro quarto da casa para não me ver… Bom, foi por aquele motivo que escolhemos aquela casa tão grande mesmo, para ficarmos bem distantes um do outro.
Enquanto fazia o café, fui olhar minhas mensagens do celular após lembrar de que tinham nos enviado as fotos do aniversário do na mesma noite, e com a confusão do sequestro, não tive tempo e nem cabeça para ver. Na minha galeria, algo me chamou atenção e desviou completamente o foco das fotos em si.
Me deparei com um vídeo, gravado no nosso quarto. Tudo nele era extremamente confuso e caótico. Nossas risadas se misturavam com os barulhos que a cama fazia cada vez que nos movíamos naquela briga travada pelo celular. Ouvir me dizer “eu te amo” de novo depois de ontem à noite me despertou um aperto no peito.
Encarei a imagem final, que era eu acariciando seus cabelos até que ele pegasse no sono, beijando seu rosto após ter conseguido o que eu queria. Era para ser um vídeo engraçado, mas eu acabei de assisti-lo com os olhos cheios de lágrimas.
Ouvi passos na sala e bloqueei a tela rapidamente.
— Bom dia.
Apoiei-me na pia, ouvindo sua movimentação pela cozinha. Não precisei olhar muito para vê-lo ir até a geladeira vestindo suas roupas de correr.
-— Bom dia — funguei, disfarçando meu estado anterior.
Quando ele se sentou já com o leite em mãos, me virei para olhá-lo de costas. Lamentei pela frieza que aquela cena tinha se desenrolado. Parecia que tínhamos voltado no tempo, nos nossos primeiros dias naquela casa.
Cruzei os braços, frustrada. Ao menos antes tínhamos uma possibilidade de nos tornar o que éramos hoje, mas depois de tudo o que foi dito, acho que já não tinha mais um jeito de voltar a nos relacionar de novo.
olhou em volta da mesa e entendi que ele procurava a cafeteira, mas antes que eu pudesse dizer algo, o vi levantando e vindo em minha direção buscá-la, sem ao menos olhar pra mim. Me retorci onde estava, sentindo o choro vir à tona.
Tinha que tomar café também, mas desisti ao ver que estava sendo tratada como se não estivesse ali. Se os dias naquela casa passassem a ser daquele jeito, então talvez eu devesse dar um jeito de acordar mais cedo para não encontrá-lo também na cozinha de manhã.
— Não vai tomar café?
Parei já próxima da porta. Não me virei, apenas respondi secamente:
— Vou comer algo na faculdade.
— , olhe pra mim.
Respirei fundo antes de me virar e encarar seu rosto. suspirou, me analisando. Eu devia mesmo estar péssima.
— Vem cá.
Fui quase correndo, regressando meus passos até ele. me tomou nos braços, sentando-me em seu colo e me abraçando. Tomei seus lábios com urgência, parecia que eu tinha ficado dias sem beijar sua boca. Eu ofegava aliviada, não tinha gostado da sensação de perder aquilo.
— Não gosto mais de brigar.
riu fraco, concordando comigo.
— Você me magoou ontem.
Me afastei um pouquinho para olhar seu rosto sério.
— Me desculpa — franzi a testa, realmente arrependida. Mesmo que nada tivesse sido proposital, eu ainda sentia muito.
— O que quis dizer com “alguém com você”?
— … — supliquei para não voltarmos àquele assunto.
— Tá, entendi. Não quer falar sobre. Mas ao menos pense no que Amélia te disse.
— Por quê? Por acaso está querendo voltar com a Dafne? — meu coração se acelerou.
— Está vendo?
Reviro os olhos, ameaçando sair de seu colo. Lá íamos nós de novo.
— Eu não quero Dafne, eu quero você!
— Para com isso… — Apesar do frio na barriga, eu tinha medo de ir tanto pela emoção. E no caso de e tudo o que ele me despertava… era muito arriscado.
— Não, , pare você com essa indiferença fingida em relação a nós dois.
— Isso não importa, . Eu te conheço o bastante pra prever que vou sair magoada dessa história toda.
— Se me conhecesse tanto como diz, veria que não sou o mesmo, que nada mais é como antes.
Eu via! Mas não era somente aquilo que era preciso para me convencer. Na verdade, àquela altura nem eu sabia mais que provas eu queria para ceder.
— Você não está nem tentando!
Meu celular despertou em cima da mesa, chamando minha atenção. Era o horário de ir, caso contrário, perderia meu ônibus. Suspirei, frustrada por estarmos no mesmo lugar de antes. Me perguntei se seria sempre assim para nós, já estávamos desgastados de tudo aquilo.
— Tenho que ir pra aula — saí de seu colo, mas ele segurou minha mão antes que eu pudesse me afastar.
— Pensa sobre isso, por favor?
Relutante, acenei com a cabeça, recebendo aquela bomba nas mãos. O nosso destino estava nelas, aparentemente. já tinha tomado uma decisão, mas precisava que eu concordasse. E por mais que eu quisesse muito dizer sim, ainda era a medrosa que sempre fui.
me seguiu até a sala, onde minha bolsa estava me esperando no sofá. Aquela discussão até me distraiu do nervosismo do primeiro dia de aula.
— Boa sorte no primeiro dia de aula — disse ele, e eu sorri nervosa, deixando-o ajeitar meus cabelos para trás da orelha. — Amanhã prometo que te levo.
— Obrigada — separei-me dele e saí porta afora, repassando o caminho que faria pela cabeça para não me perder. Eu já era uma negação em transporte público, ainda mais depois de tanto tempo sem andar em um.
No caminho fiz o que tinha me pedido antes que eu saísse de casa. Dessa vez ele não me pediu para pensar com carinho, mas eu o faria mesmo assim. Não havia mais nada que eu não fizesse que o envolvia que não existia ao menos um resquício de sentimentos bons no meio.
Eu sabia o motivo de ser tão difícil de ser acessada, tinha noção de que afastava mais do que aproximava, e admirava muito a persistência de de tentar durante todos aqueles meses. Ele parecia sincero no que dizia, no que sentia. Nunca imaginei ver o que conheci e odiei por tantos anos fazer tudo o que ele vinha fazendo por uma mulher.
Ele deu muito azar de esbarrar comigo daquela maneira. Justo eu? Que tinha medo de me machucar, de rejeição ou qualquer outro tipo de receio que poderia se comprar a uma paranoia preocupante? Eu sempre me antecipava, criando os piores e mais catastróficos cenários em minha cabeça para me paralisar diante de um futuro que eu não conhecia, portanto não conseguiria me defender de mágoas se o que eu previa pudesse acontecer.
E o que eu previa? Não sabia mais o que realmente me amedrontava em relação a ele, só tinha certeza de que eu era muito fechada e cercada de defesas para alguém tão aberto e de mãos vazias. Éramos opostos naquele aspecto; enquanto ele demonstrava, eu retraía. Era uma grande guerra de avanços da parte dele e recuos meus.
Me perguntava até onde sua teimosia o permitiria avançar, ou até quando eu aguentaria me encolher e sufocar tudo aqui dentro.
Às vezes queria deixar de ser eu, nem que fosse um pouquinho, e avançar contra ele sabendo que nenhuma guerra jamais foi vencida com tantos recuos. Pode até ter sobrevivido mais soldados, porém, nenhum deles deve ter sentido o real gosto da vitória em si.
Pensei na frase que ouvi de noite passada, sobre qual seria a lógica de sentir algo sem correr riscos. Era a mesma linha de raciocínio: qual o sentido de estar vivo e viver preso dentro de si, sufocado por tudo o que sente?
Me vi temendo algo diferente do medo inicial, que era me abrir para e me machucar, mas sim de me arrepender de não tê-lo feito.
De qualquer forma, me vi tendo que dar o braço a torcer, e para isso eu teria que me arriscar um pouco.
Quando meu marido voltou, já ao anoitecer pra casa, conversei com ele sobre a possibilidade de tentarmos fazer um teste para ver se funcionaríamos bem como um casal real. Mesmo que já estivéssemos naquela há um tempo depois que paramos de ficar com outras pessoas, ainda assim era uma nova fase no relacionamento. Se é que poderíamos chamar assim.
Na cama, antes de dormir, desabafei com ele sobre como me senti péssima na faculdade. Eu não me lembrava como se fazia amigos mais, senti a falta de Grace a aula inteira e fui colocada num grupo de trabalho com três meninas e um cara que pareciam bem entrosados enquanto eu não conhecia ninguém ali. Senti que eles não queriam mais alguém no grupo, mas o professor me encaixou e eu tive que ir.
Como se não bastasse, eu ainda recebi a notícia de que provavelmente teria que fazer meu TCC sozinha, já que estávamos no fim do último semestre e os grupos já estavam formados e lotados.
— Nós te achamos muito legal, se quer saber — indicou adormecida na cama ao nosso lado com o queixo.
Me aconcheguei em seu peito, sorrindo de forma contida. Era bonitinho como tentava me consolar sobre meus problemas de adaptação na faculdade, como se ele e pudessem fazer parte do meu grupo de TCC.
Mesmo que fosse uma alternativa inconcebível, me consolava um pouquinho imaginar aquilo acontecendo.
— Vocês não contam — murmurei risonha contra o tecido macio de seu pijama.
— Quer opinião mais relevante do que a da sua filha e do seu… namorido?
Levantei a cabeça imediatamente, tentando ver seu semblante no breu que estava no nosso quarto. Não consegui ver sua expressão, se segurava o riso ou se apenas sorria serenamente. Ele também não pôde ver a minha, que estava mais para confusão do que para qualquer outra coisa.
— Vamos evitar usar rótulos, sim? — voltei a me deitar, ainda contrariada. Aquela era uma discussão frequente, e justamente por já ter acontecido mais vezes que podíamos contar, eu decidi não iniciar outra. Começaria a me fazer de doida que nem ele, parecia funcionar para . — Não se esqueça que estamos fazendo um test drive.
— Você não me deixa esquecer, — murmurou, emburrado feito uma criança. Ri e beijei seu pescoço, deixando alguns beijos em sua boca.
Estiquei-me para desligar o abajur enquanto bocejava, caindo de sono. Amanhã teria mais aula e eu tinha que aprender a lidar com minhas frustrações se queria me formar de vez. O que me consolava era saber que faltava muito pouco.
Mas, de repente, acordei após uma noite incrível e divertida sem minha filha e com minha mulher completamente destruída nos braços.
Lhe dar aquela notícia tinha sido a coisa mais difícil que eu já tinha feito na vida. Nunca imaginei que nosso maior medo fosse se tornar realidade algum dia. Perder era algo que nos perturbava, mas que sabíamos que só seria possível caso a juíza decidisse tirá-la de nós. Era algo que estávamos tentando evitar dia após dia, cuidando dela da melhor forma que conseguíamos. Mas o jeito como ela tinha sido tirada de nós…
Eu sentia vontade de matar aquele covarde desgraçado. Jurei fazer aquilo no instante em que os policiais apareceram na nossa porta, e não sei como não verbalizei minhas vontades de acabar com a raça de Miguel na frente deles. A verdade era que eu estava tão em choque com a capacidade dele de ser a pior pessoa desse mundo que fiquei sem ação.
As lágrimas ainda estavam presas dentro de mim em algum lugar bloqueado. Não conseguia sequer lembrar do que falei a eles antes de subir as escadas em disparada até . Tudo aconteceu de forma automática, quase que robótica.
— Eu sei, eu sei.
O choro de preenchia o quarto todo, mesmo com o rosto dela enterrado em meu peito, abafando o barulho. Seu coração batia tão rápido que eu podia sentir ao abraçá-la. Lhe apertei ainda mais contra mim, sentindo o meu ficar cada vez mais minúsculo dentro do peito. Ela não merecia isso. Sempre foi uma mãe incrível, uma amiga maravilhosa, se dedicou a desde o primeiro minuto em que soube da existência dela. Se prontificou a amá-la e protegê-la, mesmo quando ainda estava crescendo na barriga de Grace.
— Nós precisamos descer — com muito custo, tentei desvencilhar seu corpo do meu. negou veementemente, ainda aos prantos. Não parecia raciocinar direito no momento, estava tomada pela dor. — Amor, precisamos falar com a polícia.
Consegui desgrudá-la do meu peito. Olhar para o estado de seu rosto só me fez ter vontade de puxá-la de volta e não soltá-la nunca mais. Eu entendi ao ver seus olhos molhados o motivo de sua resistência em falar com os policiais. Seria como encarar a realidade, e no momento ela não incluía dormindo em seu berço no quarto ao lado.
Beijei sua testa e fui atrás de algo para cobri-la e de uma calça para mim. A maquiagem da noite anterior terminava de se desfazer em sua pele à medida em que chorava, ainda sobre a cama, trêmula e desolada. Me vesti e tive que vesti-la com o robe que encontrei no closet, já que não tinha forças nem para se aprontar para descer.
— Ele poderia ter me feito qualquer coisa, e-eu não me importo se quisesse me machucar de novo — ela murmurou, rouca e encarando-me de forma inconsolável. — Mas ela? Por que com ela, ? Ela é apenas um bebê. Eu não acredito que isso está acontecendo.
— Não fale isso, . Por favor, não fale isso — a abracei forte, sabendo que adiaria nossa descida até o andar de baixo.
Já não bastava tudo o que ela tinha passado nas mãos daquele filho da puta. Eu não aguentaria pensar em tê-la machucada de novo, só queria que aquele pesadelo acabasse logo e voltasse para nós.
Esperava que os policiais entendessem a situação e tivessem paciência. Tudo o que eu queria era poupá-la de, mais uma vez, ter que lidar com a bagunça que Miguel trazia para dentro da nossa vida. Queria enrolá-la em nossos cobertores e me deitar com ela, chorar e deixá-la colocar toda aquela angústia para fora, levando o tempo que precisasse.
Mas o tempo era algo valioso naquelas situações, e não tínhamos como perdê-lo, mesmo que fosse doloroso ter que lidar com tudo aquilo de forma tão brusca.
Descemos as escadas devagar, de mãos entrelaçadas e corações despedaçados dentro do peito. A expressão do policial, quando colocou os olhos na loira ao meu lado, dizia tudo. Ele abaixou a cabeça, evitando olhar para seu estado; a pena estava estampada em seus olhos. Engoliu em seco e se dirigiu ao sofá junto do parceiro, que já tinha um bloco de notas e caneta à mão.
— Sinto muito pelo ocorrido, senhora . Imagino o quanto deve estar sendo difícil lidar com isso agora. Quero que saiba que estamos à disposição e faremos o possível para trazer sua filha de volta pra casa.
— Agora é um pouco tarde, não acha? — os olhos vermelhos de o encaravam em puro ódio. Eu conhecia bem aquela expressão facial dela, a enfrentei durante anos.
Ele devia agradecer, minha esposa ainda estava se segurando para tentar ser educada. Afinal de contas, dependíamos deles para dar um basta em Miguel. Mesmo sendo da nossa vontade fazê-lo desaparecer da face da Terra, não podíamos fazer nada a não ser confiar nos dois homens sentados próximos a nós.
— Ele nos persegue há meses, me machucou diversas vezes. Nós pedimos ajuda em todas que ele tentou contra a nossa família, por que vocês não nos deram ouvidos? Estavam esperando o pior acontecer? É pra isso que estão aqui, sentados no meu sofá, me oferecendo seus serviços para procurar um bebê de quatro meses de vida? A situação está grave o suficiente agora?
Seu queixo tremia, assim como o resto do corpo. Peguei sua mão, tentando acalmá-la, apesar de achar que talvez precisasse extravasar o ódio de alguma forma.
— Então já existe um suspeito, no caso.
Levei a mão à cabeça e puxei meus cabelos para trás com força, reprimindo um desacato.
— Poderiam ter nos poupado e mandado os policiais que vieram da última vez — não resisti e resmunguei, atraindo o olhar feio do projeto de escrivão. — Miguel Hernandez, o nome dele. É o pai biológico de , porém não detém a guarda dela, e se dependesse de nós, nunca encostaria um dedo nela.
— E o que a menina estava fazendo fora de casa?
Apertei levemente os dedos de entre os meus diante daquela pergunta. Eu não a julgaria se ela os mandasse se foder. Inclusive, se fosse presa, eu ainda pagaria a fiança no mesmo momento.
— Desculpem o meu parceiro, ele se expressou mal — o responsável pela investigação se dirigiu a nós, temeroso, para logo depois fuzilar com o olhar o idiota do bloco de notas. — Mas realmente precisamos saber mais informações do ocorrido, como por exemplo, onde estavam na noite passada.
Troquei olhares com , vendo-a se indignar ainda mais, se é que era possível. Não parecia sério, parecia-se muito com uma pegadinha de mal gosto. Por algum acaso poderíamos virar suspeitos de algo?
— Estávamos comemorando meu aniversário, foi uma festa surpresa que minha esposa organizou junto aos meus amigos. Deixamos com a antiga babá, não era uma mera desconhecida.
— Não acham que deveríamos levar um bebê para uma balada, né? — riu em escárnio, completamente puta da vida. — Elisabeta é e sempre foi de muita confiança, praticamente da família. Não fizemos nada de errado em deixar com alguém que sabíamos que cuidaria dela tão bem quanto nós.
— Tem certeza disso, senhora ?
Franzimos o cenho, praticamente sincronizados.
— A babá sabia sobre o pai da menina? — ele continuou a perguntar e assentimos. — Ela o conhecia? Porque eles podem muito bem ser cúmplices. Já vimos emboscadas piores antes.
— O quê? Não! — minha esposa se exaltou novamente.
A presença da polícia ali estava se provando cada vez menos eficiente. Ao invés de nos deixar tranquilos, apenas plantavam paranóias em nossas cabeças. Minha vontade era de dispensá-los e colocar um detetive particular para descobrir o paradeiro daquele lixo humano; o resto eu daria um jeito de resolver com minhas próprias mãos antes de entregá-lo à polícia.
— Vocês não vão nos fazer colocar a credibilidade de Elisabeta em cheque.
— Estamos apenas fazendo perguntas para conectar os fatos — o policial se esquivou, defensivo. — E o que não encaixa nesse caso é o fato de sequer questionarem a lealdade da babá, e a casa dela, de onde sua filha foi levada, não ter o mínimo sinal de arrombamento.
me olhou novamente. Pude notar seus olhos azuis perdidos, sua pele ficou pálida em questão de segundos. Se não estivesse amparada pelo sofá, com certeza cederia no chão.
— Amor? — peguei em seu rosto, sentido-a gélida e com o corpo mole, e a amparei em meus braços enquanto lançava um olhar censurador para os dois homens. — Calma, por favor, fique calma.
— É apenas uma linha de investigação, senhora . Vamos explorar várias delas até chegar no criminoso que sequestrou sua filha.
Afastei , que tornou a chorar desesperadamente, e mais uma vez lhes lancei um olhar significativo.
— Vou buscar um pouco de água pra você, sim? — tirei seus cabelos do rosto molhado e vermelho, beijando sua testa. Ao me levantar, indiquei a cozinha com o queixo para o policial que estava liderando a investigação; ele entendeu o recado e me acompanhou até lá. — Mande o bosta do seu parceiro calar a boca. Já não basta tudo o que estamos passando, ainda precisam nos torturar com “linhas de investigação” sem pé nem cabeça? — bradei, tentando manter o tom de voz baixo e não deixar que nos ouvissem da sala.
— Me desculpe, senhor , mas acho melhor não conversarmos sobre o sequestro com sua esposa.
Suspirei já em direção à pia, enchendo o copo grande de água. Infelizmente ele tinha razão. não parecia que iria aguentar, estava extremamente abalada e fragilizada. Senti meus olhos marejarem ao pensar em seu estado.
— Daqui pra frente trate sobre isso comigo. Eu repassarei para ela de um jeito mais gentil. — Ele concordou prontamente. — Mas peço para que não adotem essa linha de investigação sobre a babá, o foco é em Miguel. Ele é o culpado, só ele e mais ninguém.
Eu não acreditava naquela história conspiratória de que Elisabeta ajudou Miguel. Não fazia o menor sentido. Se ela fosse alguma cúmplice dele, teriam levado a menina há muito tempo. Eu confiava em Elisabeta, tanto que a deixávamos com na nossa própria casa todos os dias e voltávamos sabendo que nada tinha sido mexido e que a bebê tinha sido cuidada da melhor maneira possível.
também não acreditava, mas estava assustada demais. Pensar na possibilidade de trazer uma pessoa que pudesse planejar algo de ruim para de volta pra nossa casa a desolava.
— Vamos dar privacidade a vocês. Vou à delegacia pedir um mandato para investigar a casa de Miguel.
Assenti, contrariado. Por mim poderiam colocar a casa abaixo com ele dentro sem precisar de mandato nenhum.
— Vou mandar um dos meus homens para ficar aqui caso ele entre em contato.
— Espera, acha que ele vai ligar?
— Vendo pelo patrimônio que aparentam ter, é bem provável que Miguel peça algum tipo de resgate. — Arfei em puro ódio. — Caso ele não ligue, prepare fotos da menina para espalharmos por aí.
Engoli em seco. Provavelmente o policial quis dizer que Miguel poderia fugir com ela. Imaginei o que faríamos caso ele decidisse brincar de gato e rato e resolvesse levá-la pra longe de nós. Eu temia que aquele pesadelo durasse dias ao invés de horas, o que já estava nos consumindo aos poucos.
— A-Acho que não podemos publicar fotos de . — O policial me olhou estranho, impotente. Derrotado, apoiei o copo sobre a pia para explicar: — Ainda não temos a guarda definitiva dela. Para expor a imagem de , antes precisaríamos de autorização da justiça.
— Fale com um advogado sobre isso urgentemente. Temos que impedi-lo de sair da cidade ou do país com sua filha. Quanto mais longe ele for, mais demorado será para encontrá-los.
Assenti, já mandando mensagem para Amélia. Minhas mãos chegaram a tremer ao digitar tudo o que estava acontecendo. Queria acordar na minha cama e ter certeza de que estava vivendo um sonho muito realista – eu desejava sentir o alívio de ver que tudo voltou ao normal. A angústia estava me tomando aos poucos, mas eu precisava me manter são por .
— Senhor , falei sério quando disse que iremos trazer sua filha de volta pra casa.
— Eu não acredito em nenhum de vocês — encarei sua mão estendida em minha direção e a ignorei. — Só vou acreditar e lhes agradecer quando eu tiver em meus braços novamente.
A cara do policial não foi das melhores, porém, ele mesmo veria nos registros anteriores que nem eu nem éramos obrigados a fingir simpatia ou demonstrar gratidão por nenhum deles. Não havia o que agradecer, e eu não estava colocando nem um pouco de fé no trabalho deles. Continuava com a ideia do detetive particular na cabeça, e mais, caso Miguel desse um jeito de escapar de ser preso dessa vez, iríamos nos mudar daquela casa e eu tomaria medidas para aumentar nossa segurança. Aquela tinha sido a gota d’água.
O acompanhei até a sala e os deixei livres para acharem o caminho da porta sozinhos. Eu tinha outras preocupações e tentar parecer educado não era uma delas.
— Aqui, beba um pouco de água — tirei as mãos de do rosto, não surpreso ao encontrá-la aos prantos novamente. Ela deu alguns goles, ainda soluçando.
— S-Será que… — Afaguei suas costas ao vê-la perdida em pensamentos e paranoias, e senti meu ódio daqueles dois patetas triplicar. — Meu Deus, , será que eles estão certos? E-Eu entreguei nos braços dela, eu tive a ideia de deixá-la com alguém para que pudéssemos comemorar…
— Não, , isso não é sua culpa! — Eu a assistia se afogar no próprio choro enquanto sentia o meu vir à tona. A abracei forte, chorando em seu ombro, finalmente colocando um pouco pra fora o que me matava por dentro desde que tudo aquilo começou. — Não faça isso consigo mesma, por favor — supliquei, segurando seu rosto próximo ao meu.
— Se eu não tivesse tido a ideia de deixá-la, ela estaria aqui com a gente, e eu nunca o deixaria chegar perto dela, e-ele nunca a tiraria de nós.
Neguei com a cabeça, discordando. Não adiantava se torturar daquela maneira. Eu entendi aquela sensação horrível de tentar imaginar as coisas acontecendo diferente do que se sucedeu. Fiz inúmeras vezes quando perdi Grace, tentei criar cenários em minha cabeça para me sentir mais culpado ainda por não ter conseguido salvar minha irmã mais nova. Eu tinha tentado substituir a dor com culpa, mas hoje, vendo tudo o que houve, sei que as coisas acontecem por um motivo.
Ainda não o entendia muito bem, afinal de contas, se pudesse voltar no tempo, ainda tentaria impedir a morte de Grace. De certa forma, porém, estava feliz que tinha nós dois para cuidar dela. Acredito que, independente de onde esteja, ela está em paz por isso.
— Não fique pensando nisso, não vale a pena se remoer por coisas que não estão sob o nosso controle. A culpa não é sua — levei as mãos até seu rosto, tentando secá-lo delicadamente. — Vamos lá em cima, tomar um banho…
negou com a cabeça e eu suspirei em desespero. Queria fazê-la relaxar um pouco, porque via em seu rosto o nível de seu sofrimento, e queria ocupá-la daquilo. Vê-la ser consumida pela tristeza me matava por dentro.
Eu entendia o que estava se passando dentro dela. Aquela vontade de não fazer nada além de ter nos braços e sentir seu cheirinho.
— Por favor, amor, eu vou até lá com você — beijei sua testa e me levantei, erguendo seu corpo junto.
se apoiou em mim e passou um dos braços pelo meu ombro enquanto eu a pegava pela cintura, seguindo seus passos lentos. Fui paciente e subi degrau a degrau, devagarinho, ouvindo-a soluçar baixinho no caminho.
Chegamos no quarto e eu a guiei até o banheiro, onde lhe despi de suas roupas da noite passada. Me apoiei no box e a assisti debaixo do chuveiro, em volta da água morna escorrendo pelos cabelos loiros, encolhida, abraçando o próprio corpo.
De todas as vezes que me vi em posição de cuidar dela, aquela tinha sido a pior, principalmente pelo fato de eu estar tentando ser forte e não desmoronar junto.
Removi sua maquiagem na água do chuveiro com delicadeza e paciência, e a tirei dali debaixo um tempinho depois. Torci para que o policial estivesse errado, que não passasse nem mais uma hora sequer longe de casa. estava se arrastando de um lado para o outro e eu não sabia mais o que fazer. Ela parecia ter se dissociado da realidade enquanto chorava sem parar desde que recebemos aquela notícia.
Vesti roupas confortáveis nela e, quando me pus a pentear seus cabelos molhados, meu celular começou a tocar em cima da cômoda. Fui correndo atendê-lo e a esperança que nasceu em mim no mísero segundo de ignorância se esvaiu.
— É a Fanny, a chamei para ficar um pouco com você aqui — me abaixei diante dela, que, sentada na cama, encarava o chão pensativa. — Vou lá embaixo buscá-la, sim?
assentiu, finalmente olhando para mim. Me levantei e peguei seu rosto, deixando alguns beijos nos lábios entreabertos. Sabia que não poderia fazer aquilo tão cedo enquanto Tiffany estivesse ali, e naquele momento frágil dela, era quando eu mais queria beijá-la e trazê-la para perto.
Estava com raiva, não só da situação em que de repente nos vi afundados após uma noite tão incrível, mas também por saber que não poderíamos ficar juntos dali pra frente.
Sabia que eu tinha escolhido aquela opção quando liguei para Fanny, mas não poderia deixar sozinha num momento daqueles. No fim das contas, foi um sacrifício que tive que fazer.
— Obrigada — disse num fio de voz ao agarrar minha camiseta úmida após ajudá-la no banho. Nem pude sorrir, eu havia esquecido como fazê-lo. — Por cuidar tão bem de mim.
— Eu sempre vou cuidar de você — selei nossos lábios antes de deixar o quarto.
Desci as escadas ouvindo vozes conhecidas. Quando abri a porta e saí quintal afora, eram Tiffany e o encosto da Anne paradas, tentando passar pelo policial prostrado diante do meu portão.
Eu não entendia o esforço que a polícia de repente passou a ter para nos proteger. Era tarde demais para aquilo.
— Deixe-as passar — falei a contragosto. — Conhecemos elas.
Infelizmente, no caso de Anne.
— Como ela está?
Encarei a morena na minha frente e indiquei o segundo andar da casa com a mão.
— Está lá em cima, no quarto — respondi num fio de voz, já assistindo Megan atravessar a rua, assustada com a viatura em frente a nossa casa. — Fica com ela, por favor? — disfarcei a voz trêmula, recebendo um afago no antebraço.
— Sabe que não precisa nem pedir — ela me sorriu fraco, puxando a loira que inspecionava Megan curiosa consigo.
— , querido, o que houve?
Meu Deus, como era difícil falar aquilo em voz alta sem ter a mísera esperança de que tudo não fosse apenas um sonho terrível.
— foi sequestrada.
Não consegui segurar as lágrimas que se acumularam em meus olhos. A vizinha levou as mãos à boca, horrorizada, e eu apenas assenti choroso. Quem poderia fazer mal a um bebê de quatro meses? Aposto que era aquela a pergunta que pairava em sua cabeça.
— E-E …
— está no nosso quarto…Está péssima, e eu não sei o que fazer — confessei exasperado, surpreso ao encontrar consolo na última pessoa que eu poderia pensar em recorrer caso precisasse de um ombro pra chorar.
— Eu sinto muito, — ela afagou minhas costas durante o abraço, que foi completamente sem segundas intenções como ela normalmente agia em relação a mim. — Se precisarem de qualquer coisa, podem contar conosco.
Assenti, já tendo algo em mente. Não para mim, mas para acalmar um pouco. Lhe pedi um daqueles calmantes naturais que Tom havia dado a minha esposa no ataque anterior do desgraçado do Miguel. Megan não hesitou em ir buscar e me trouxe o comprimido, mais uma vez oferecendo qualquer ajuda que pudéssemos precisar.
No fim das contas, só nos restou nossos amigos para nos proporcionar alguma rede de apoio, fazer o papel de nossas famílias. Estavam todos distantes, e eu não me referia à distância física. A única que poderíamos recorrer era Thereza, mas não seria eu quem decidiria dar aquela notícia terrível a ela. Eu iria esperar descansar para que decidíssemos juntos depois.
As meninas ficaram cuidando de , Quando voltei para dentro, ouvi o barulho do secador de cabelo e soube que ela estaria em boas mãos. Apesar do meu ódio por Anne, eu estava disposto a deixar o que sentia de lado para que nada mais piorasse naquele dia infernal.
Fiz algumas ligações e Amélia me ligou assim que pôde. Ela estava fora da cidade trabalhando em outro caso e lamentou profundamente enquanto chorou comigo ao telefone. Eu entendi perfeitamente a sensação de impotência que ela sentiu por não estar junto de nós naquele momento difícil. Eu também queria estar com alguém específico e não podia.
Me peguei desejando ter Grace ao meu lado. Depois de tanto tempo de sua partida, senti a saudade dela me apertar o peito com mais força. Queria que ela me abraçasse, ouvir seus comentários esperançosos de que tudo ficaria bem logo, mesmo num cenário desastroso como o que estávamos vivendo. Eu ficava feliz por ter pessoas para estar com ela quando tudo em volta estava desabando.
Eu, ultimamente, só tinha ela e , mas Miguel fez questão de me tirar as duas de uma vez só, pois mesmo estando de corpo presente no nosso quarto, eu sabia bem que aquela não era a mulher com quem eu tinha me casado, e sim alguém que passou a definhar nas últimas horas. Se eu pudesse, mataria Miguel com minhas próprias mãos de tanto ódio que eu sentia.
Apesar de ainda não poder divulgar o rostinho de nas redes sociais, pedi ajuda a alguns amigos para informar o “desaparecimento” dela. Tinha fé que alguém a veria nos braços de um estranho por aí e acionaria a polícia. Ainda era ridículo não poder dizer com todas as letras que ela tinha sido sequestrada pelo pai biológico, mas era um trato feito com : não espalharíamos nada sobre Miguel para que o casamento falso não ficasse evidente. E, afinal de contas, éramos um casal perfeito e sem grandes problemas. Tínhamos conseguido chegar aos quatro meses sem levantar suspeitas, e assim permaneceríamos até ter a guarda definitiva de .
Recebi uma foto do investigador responsável pelo caso. Eu continuaria não confiando nele e na efetividade do trabalho da polícia, mas poderia admitir que ao menos estavam se esforçando para consertar toda a merda que provocaram ao serem omissos por tanto tempo. Ele tinha conseguido o mandato para averiguar a casa de Miguel e me enviou a prova que apenas a polícia precisava para saber quem tinha levado minha filha. Sua chupeta estava jogada no chão de algum canto da casa dele, provando que esteve ali. Meus olhos se encheram de lágrimas ao encarar a foto. Me lembrei dela em meu colo, quietinha enquanto eu assistia algo na TV e apenas cheirava seu cabelinho castanho. Fechei os olhos e jurei poder sentir de novo o cheirinho de bebê que ela estava sempre emanando pela casa.
Eu tentava ser como Grace, me manter positivo mesmo sem ver saídas para aquele pesadelo, mas ao mesmo tempo tinha medo de nunca mais poder segurá-la nos braços novamente.
— Como ela está? — disfarcei minhas lágrimas após ler a última mensagem enviada pelo policial, que disse que um mandado tinha sido emitido para prender Miguel.
Nem no auge dos seus quatro meses de vida era tão inocente a ponto de achar que um pedaço de papel resolveria aquela merda. O tempo que perderam duvidando de nós para procurar o óbvio na casa de Miguel podia ser crucial para termos nossa filha de volta, e aquilo me tirava do sério.
— Aérea, quase não responde quando falamos com ela — Fanny abraçou o próprio corpo, consternada. Assenti, compartilhando do mesmo sentimento. Era agoniante ver alguém que gostamos destruído daquela maneira. — Eu nunca a vi assim…
— Não deve ter reagido muito bem à notícia.
Tentei ignorar Anne; fiz o máximo que pude e evitei olhá-la com obviedade. Ela parecia ter dificuldade de se colocar no lugar de . Era óbvio que não reagiria bem. Que mãe em sã consciência estaria bem longe da filha daquela maneira?
— Ela precisa dormir um pouco — fui até a pia, enchendo a chaleira de água para esquentar um pouco.
Preparei um chá para tomar junto do comprimido de calmante que Megan me cedeu. Ela precisava descansar, e o único jeito que faria aquilo em meio àquele pesadelo seria desacordada. Imaginei o tanto de coisas que deviam passar pela cabeça dela. Não só imaginei como também estava passando pelo mesmo, só que em silêncio, sabendo que um de nós precisaria racionalizar e ficar firme, mesmo no olho do furacão.
— Deixa que a gente leva, — Fanny se ofereceu, tendo aquela sombra ao seu lado por onde quer que fosse. — Sei que ela provavelmente quer ficar só, e talvez você não seja muito bem-vindo nesse momento. Somos mais próximas dela.
Deixei Fanny tirar a xícara de minhas mãos, sentindo-me mais uma vez impotente. Queria protestar contra aquilo, discordar da convicção que ela tinha de que e eu não éramos tão próximos quanto a amizade que elas tinham, reivindicar meu lugar na vida e no coração de .
Minha esposa sabia da minha importância na vida dela, era recíproco o quanto nos cuidávamos e nos preocupávamos um com o outro. Vê-las pegar o que sentíamos e reduzir tudo o que já vivi com àquela mentira estúpida me enraivecia.
Pior, me magoava saber que eu não poderia falar nada.
Fanny me deu as costas enquanto Anne permanecia parada diante de mim.
— Gente… Eu não acho que deveríamos dopar ela.
Encarei Anne, incrédulo. Ninguém tinha pensado naquela possibilidade. Tiffany apenas ofereceria o remédio caso ela quisesse descansar a cabeça um pouco.
— Prefere ela acordada, chorando e se arrastando pelos cantos dessa casa parecendo um zumbi? — Meu sangue ferveu ao encarar aquela carinha de sonsa se multar em pura surpresa com meu tom de voz nada amigável. — Se são tão próximas assim, você deveria saber que desconta em si mesma as frustrações e raiva que sente. Se estivesse mesmo tão preocupada assim, não estaria discordando de algo que é para o bem dela.
Fanny parou próximo à porta, engoliu em seco e encarou as costas de Anne, que ofegou, se fazendo de ofendida. Eu não me importava mais em soar educado com ela. Estava tudo desmoronando, estava péssima e a última coisa que precisávamos era Annelise nos enchendo a porra do saco.
— Nossa, , também não precisa falar assim! Só dei a minha opinião — Fanny fez o papel de , me censurando com o olhar ao longe. Entendi que exagerei e respirei fundo, levando uma das mãos aos rosto para tentar me controlar. — Eu só acho que a não vai querer ficar dormindo enquanto a filha está por aí, desaparecida.
Sequestrada.
Tive vontade de cuspir aquela palavra em seu rosto, mas mais uma vez me controlei. Parecia ingenuidade minha esperar alguma noção vinda daquele ser.
— Enquanto essa for a minha casa e for a minha esposa, sua opinião não é bem-vinda por aqui.
Sim, eu talvez estivesse me aproveitando do fato de não ter por perto para dizer tudo o que sempre quis a Anne. Talvez. Porque o que saiu da minha boca não era nem metade do que eu ainda guardava em respeito a .
Queria me desengasgar de vez, dizer a ela tudo o que eu e fazíamos entre quatro paredes, do quão bom era quando estávamos juntos sem Anne para nos atrapalhar. Deixar claro que eu nunca mais queria beijá-la, sequer olhar para sua cara, que era mil vezes melhor que ela e que não adiantava toda aquela inveja pra cima da minha esposa. Anne nunca seria como , nem se tentasse, como sempre fazia.
— E se discordar e quiser sair, já sabe onde fica a porta — saí de perto dela, completamente enojado pela cena de choro que a loira estava protagonizando. — Ofereça o calmante a , sim? Se ela não quiser, tudo bem.
— Claro — Fanny assentiu ressabiada, apesar de olhar com dó para a amiga que chorava na cozinha. Ela sabia muito bem que aquele era o meu limite e que também devia ter o dela bem próximo de estourar.
Fui determinado em direção ao meu escritório, me trancaria ali por míseros cinco minutos para me dar ao luxo de fugir daquele furacão todo que revirava cada canto da casa. Me arrependi de ter aberto a boca – me castraria quando soubesse daquilo, e ela iria saber, porque a sonsa faria questão de se fazer de vitima pro lado dela.
— , espera. — Parei onde estava, impaciente. — Sei que ainda está chateado comigo por eu ter saído com Miguel, mas está sendo injusto. Eu fui tão vítima dele quanto vocês, ele me usou!
Levei a mão ao rosto, massageando o espaço entre minhas sobrancelhas. Anne havia passado dos limites bem ali. Aquele papinho de vítima talvez colaria com , mas comigo não. Até mesmo no pior momento Annelise tinha que se colocar no centro de tudo? Queria eu que ela fosse a vítima da vez, porque me livraria de dois coelhos com uma cajadada só, caso Miguel decidisse levá-la consigo para a puta que o pariu.
— Pare com esse drama. — Não me dei ao trabalho de me virar, estava farto da cara dela. — Não estou magoado. Estaria se me importasse com sua existência, não é o caso aqui. Não me venha com essa historinha de vítima, porque Miguel sabia muito bem como chegar até , muito antes de você cair no papinho dele. já sabia que ele estava atrás dela. Existem coisas neste casamento que você nem sonha, e nunca vai saber, sabe por quê, Annelise? Porque você não faz parte dele.
Voltei a caminhar corredor adentro, esperando muito que ela fosse atingida por uma onda de bom senso e seguisse meu “conselho” anterior. Já podia imaginá-la indo até a porta e tomando o próprio rumo.
— Pobre … se apaixonou justo por você.
Cessei meus passos novamente. Era a primeira vez que algo que saía de sua boca me causava algo além de puro asco.
— Logo ela, que se achou esperta a ponto de jurar que sequer gostaria de você como amigo. — O humor em sua voz me subiu o sangue. Me virei, tendo que olhar em seu rosto retorcido num sorrisinho irônico. Ela estava se deleitando, e eu não entendia o motivo.
Não era ela quem ficaria brava caso descobrisse sobre nós? Por que Anne não estava infernizando a vida de como achávamos que ela faria? Por que estava tão satisfeita?
— sempre falou como se eu fosse uma burra, uma idiota por ser apaixonada por você, e agora está na mesmíssima situação.
— Do que está falando? — franzi o cenho, genuinamente confuso. Era muita pretensão dela achar que algum dia poderia se comparar a .
Anne jamais seria ao menos metade da mulher que minha esposa era. Nunca chegaria perto de ser a mãe que se tornou. Mesmo que Anne quisesse muito a vida que ela tinha conquistado, e eu não estava nem falando do nosso relacionamento, mas sim de todo o amadurecimento e as conquistas que teve, Annelise não seria capaz construir tudo aquilo nem que passasse a vida inteira tentando.
— Disse que existem coisas no casamento fajuto de vocês que eu não sei, mas não preciso fazer parte dele para ver o que está na cara, . gosta de você, essa coisa de amigos não cola. Eu vi o jeito como ela te abraçou ontem, como te olhava com os olhos brilhando feito uma adolescente — riu novamente. Respirei fundo. Ela transbordava inveja. — Sinto pena dela. Até mesmo eu tive mais de você, uma noite ao menos, muito melhor do que ela, que além de te beijar só quando estão em público, ainda tem que te ouvir fodendo outra debaixo do próprio teto.
Entendi o motivo da satisfação. Anne estava feliz por achar que gostava de mim além daquela farsa, pensava que não era correspondida e que levava aquela vida miserável de ver o homem por quem estava apaixonada com outras na frente dela.
Era tudo o que ela desejava para a “amiga”, o que ela tanto recebia de mim: desprezo e desafeto. Anne sonhava com estando no lugar dela, sofrendo e não tendo minha atenção.
— Você me enoja. — Como ela podia ir à minha casa naquele momento tão difícil e ainda debochar de daquela maneira? — Você tem inveja dela e espera momentos como esse pra ficar em cima feito um urubu sobrevoando carniça.
— Não, , não tenho inveja dela. Eu sei o que ela sente e estou aqui para ajudá-la.
— Já te disse, não adianta esse fingimento todo. Você continua não sabendo de nada, e pra variar, não está ajudando em nada.
Resolvi partir de vez. Ela não merecia nem mesmo que eu perdesse tempo discutindo o que achava ou deixava de achar sobre nós. Meu coração estava passando por uma provação enorme naquele dia, eu parecia prestes a explodir de raiva a qualquer momento.
— Eu vou sair para colocar a cabeça no lugar. Quando voltar, não quero ver sua cara aqui, me entendeu?
Anne deu de ombros ainda de olhos molhados. Como sempre, uma péssima atriz.
— vai ficar sabendo disso.
Arqueei a sobrancelha, apesar de não estar nem um pouco surpreso. Anne sabia bem do poder que tinha sobre o emocional de . Eu até poderia temer o que ouviria da minha esposa quando a sonsa fosse me dedurar para ela, mas sabia que tínhamos coisas mais importantes para resolver e que Anne sempre permaneceria no mesmo patamar em nossas vidas: insignificante.
— Vai, sim, eu mesmo vou contar a ela.
Quando finalmente pude ficar sozinho, me vi trancado no escritório e percebi que era ali onde eu me escondia quando tinha problemas que achava que nem mesmo poderia me animar. Me sentei de frente à mesa e debrucei o corpo, descansando o rosto contra a madeira escura enquanto liberava tudo o que eu estava sentindo através de lágrimas.
Meu celular vibrou no bolso e o peguei rapidamente. Sabia que seria tolo da minha parte esperar algo digno de um milagre acontecer num desbloquear de tela. Sabia que não abriria o aplicativo de mensagens e receberia o endereço de onde estavam mantendo meu bebê e um convite para ir buscá-la fácil como foi para eles levarem ela, tampouco receberia qualquer pedido de dinheiro vindo de Miguel para me entregá-la. Ele não resolveria as coisas tão cedo assim, devia estar achando incrível não precisar conferir com os próprios olhos para mesmo assim ter certeza de que e eu estávamos morrendo aos poucos sem saber notícias de .
Abri a mensagem sabendo de onde vinha: era o policial de mais cedo com uma foto que demorou a carregar, só para atiçar ainda mais minha ansiedade. Quando bati o olho na chupeta lilás, soube de quem era e como ela devia estar sem sua chupeta, seu jacaré de pelúcia predileto e nosso colo para ampará-la.
Li o que estava escrito abaixo e confirmei o que já sabíamos: a chupeta foi encontrada na casa de Miguel, vazia desde cedo, segundo os vizinhos.
Meu corpo todo tremia, de raiva, de ódio, de rancor. Queria que as coisas fossem um pouco mais fáceis para nós. Desde que embarcamos naquela empreitada, tivemos problemas. Eu me perguntava sinceramente como tínhamos aguentado até ali. Logo tive minha resposta, clara como a luz do sol: era porque estávamos juntos. Por isso doía tanto. Faltava um de nós, e aquela falta seria devastadora se fosse permanente.
Tinha evitado pensar naquela possibilidade. A grande maioria das crianças que desaparecem não são encontradas, e quando são…
Respirei fundo, esfregando meu rosto. Não, não queria nem pensar. ficaria destruída, eu também. Perder Grace ainda era e pra sempre seria muito doloroso para nós, mas … Tivemos tão pouco tempo com ela, não seria justo a perdemos assim tão cedo, por meio de uma covardia daquelas.
Ainda debruçado sobre a mesa, caí num sono frágil e leve. Me permiti fechar os olhos e desligar minha mente por míseros minutos, talvez tenha passado a última hora ali. Não foi uma tarefa fácil. Toda vez que encarava o escuro de minhas pálpebras, algo horrível me vinha à mente, forçando-me a abrir os olhos e ver que apesar das coisas estarem péssimas, ainda havia esperança.
— …
Levantei-me num pulo, encarando a porta ainda fechada. A voz suave soou mais uma vez, acompanhada das mesmas batidas leves.
— Sim? — passei as mãos no rosto enquanto cambaleei até lá, me deparando com Fanny preocupada do lado de fora. — O que houve, alguma novidade?
A morena franziu o cenho, confusa. Como ela poderia ter novidades se quem estava responsável por monitorar tudo era eu? Suspirei derrotado, sentindo-me culpado por ter caído no sono. Deveria me manter vigilante a todo momento. Tinha descoberto da pior maneira que algumas horas poderiam mudar nossa vida drasticamente.
— É a , estou preocupada. Fui levar uma sopa que preparei mas ela se trancou no quarto, não me deixa entrar e…
— Ela está respondendo ao menos? — a interrompi, alarmado.
— Sim, me manda ir embora, diz que não quer ver ninguém.
Assenti já saindo da sala e fechando a porta. Tiffany me seguiu em direção à cozinha, dizendo que não sabia o que fazer, que ela precisava comer. Concordei com tudo o que ouvi, reconhecendo nela uma sinceridade que nem precisei olhar em seu rosto para comprovar.
— Vai destrancar a porta? — ela indagou ainda me seguindo, depois de passarmos pela cozinha e eu recolher a cumbuca com sopa quentinha. — Eu posso ficar com ela pra ter certeza que vai comer tudo.
Quando pisamos os pés na sala, vi uma cena que não queria ver, porém não poderia afirmar que estava surpreso. Anne estava sentada no meu sofá, mexendo no celular calmamente. Mesmo depois de eu enxotá-la, ela permanecia ali feito o encosto que sempre foi. Não esbocei reação – sabia que Annelise estava ali em busca de atenção e a minha ela nunca mais teria novamente.
— Não precisa, ficaremos bem.
Subi as escadas e fui direto para nosso quarto. Mal bati a porta e já levei uma negativa dela. Se a vida estivesse normal, eu daria risada. não imagina o quanto de “não’s” ouvi dela desde que começamos tudo aquilo, e acho que ainda não fazia ideia do quanto eu poderia insistir para fazê-la ceder.
E ali, mais do que nunca, eu não desistiria.
— Sou eu, abra a porta — encostei o ouvido na porta gélida. negou, novamente chorosa. — Por favor, amor, me deixe entrar. Me deixe ficar com você…
Esperei um tempinho, encostei-me pacientemente ali até ouvir o barulho da porta sendo destrancada. Seu corpo quente grudou-se ao meu no instante em que não tivemos mais nada nos separando, e tentei abraçá-la de volta enquanto equilibrava a sopa em uma das mãos. Fechei a porta com o pé, dando-lhe a privacidade que ela tanto queria quando se recusou a abrir a porta para as amigas.
— Obrigado — murmurei contra seus cabelos cheirosos. me apertou ainda mais, mesmo estando fraca. Beijei o topo de sua cabeça algumas vezes, fechando os olhos com a mesma força em que me agarrava na esperança de estarmos juntos novamente, nós três.
Ainda éramos apenas dois, mas pelo menos tínhamos um ao outro.
— Obrigado por me deixar entrar — fechei os olhos com força, ainda naquele abraço sôfrego, mas ao mesmo tempo aconchegante, como nenhuma casa que morei já foi. — Preciso de você, , hoje mais do que jamais imaginei precisar.
Não estava ali apenas para convencê-la a comer, era por mim também. Estar com ela me acalmava pelo menos um pouquinho; sentir seu cheiro e sua presença me aqueceram o coração. Abri mão de tê-la como apoio emocional para o bem dela, a deixei dormir durante todo aquele tempo para evitar vê-la sofrer, mas era inegável o quanto eu precisava daquele abraço.
— Alguma novidade? — a voz saiu sufocada por conta de seu rosto estar enterrado na curva do meu pescoço.
Suspirei derrotado. Queria muito ter alguma para contar.
— Para nós, nenhuma. — Decidi não contar sobre a chupeta na casa de Miguel. Como disse a ela, não era nenhuma novidade para nós o envolvimento dele no sequestro. — Estão procurando ele.
— E o que fazemos agora?
Me afastei um pouco dela, olhando em seu rosto iluminado apenas pela luz do dia invadindo a janela sem a cortina.
Acho que estávamos passando pelo pior pesadelo que pais poderiam passar: o de deixar o bem estar de nossos filhos nas mãos de outra pessoa. No nosso caso era a polícia, a mesma que falhou conosco todos aqueles meses.
— Odeio ter que te dar essa resposta. Mas o que nos resta agora é esperar.
Queria poder ter uma solução, queria ter alguma ideia de onde estava, buscá-la e levá-la pra casa, de onde ela nunca deveria ter saído, mas não tinha. E aquilo, além de me fazer sentir inútil, deixava cada minuto mais aflita.
— Eu não aguento mais esperar, , parece uma eternidade.
Concordei, afastando seus cabelos do rosto molhado e inchado de tanto chorar.
— Não quero comer nada — ela deu as costas assim que viu a sopa em minha mão.
— …
— Não, ! Como posso comer, beber e viver normalmente sabendo que está lá fora, sabe-se lá onde com aquele filho da puta? — esbravejou diante da cama. — Sem saber se ela mamou, se está com fome, com frio, com sede, ou se está assustada com aquele desconhecido? Sabe que ela sente falta do ursinho dela, que estranha quando alguém desconhecido tenta lhe dar de mamar.
Meu coração já estava esfarelado pelo chão. Eu só pensava em tê-la de volta e evitava imaginar como ela estaria. Nada daquilo importaria quando estivéssemos juntos outra vez. Qualquer coisa seria reversível além da ausência dela.
— Eu sei, amor, mas você precisa comer, não comeu nada o dia todo — me aproximei, cauteloso, enquanto recuava para o canto da cabeceira. Negava com a cabeça e já recomeçava a chorar. — Precisamos ficar fortes agora, vai voltar e vai precisar de nós.
— Eu tô com medo — sussurrou em meio às lágrimas.
Entendi olhando em seus olhos molhados o que ela quis dizer. Aquilo me rondou o dia inteiro, aquele pensamento maldito. E mesmo após passar o dia todo pensando e pensando, eu ainda não tinha uma resposta para a pergunta que escapou dos lábios trêmulos da minha esposa.
— E se nunca mais a tivermos de volta?, você s-sabe o que acontece com a maioria das crianças desaparecidas, e-elas…
— Não, não, chega de pensar nisso — deixei a sopa na cômoda ao lado da cama e fui até ela de imediato. — Vai dar tudo certo, . Eles já vão trazê-la de volta, você vai ver.
Peguei-a em meus braços e nos guiei até a cama. se agarrou a mim enquanto teve uma crise de ansiedade tão forte que chegou a tremer o corpo todo colado ao meu. Sentei-a em meu colo e apertei meus braços em volta dela. Não sabia mais até onde iríamos – aquilo era demais até pra mim, que estava tentando me manter são. , que era a mais racional e pé no chão de nós dois, estava completamente assombrava com todas as possibilidades horríveis do que poderia acontecer à nossa filha. Eu queria fazê-la acreditar no que lhe disse há pouco, mas a cada minuto que passávamos sem notícias, menos eu mesmo acreditava naquilo.
No fim das contas, consegui fazê-la comer um pouco. Não era muito, mas já era um alívio vê-la fazendo algo além de chorar. Fiquei ali com ela quando a vi recusar o restante da sopa e voltar para a cama. Parecia um pouco tonta pelo remédio que tomou. Cheguei a afagar os cabelos enquanto ela voltava a dar indícios de que dormiria de novo.
O celular em cima da cômoda acendeu, chamando minha atenção. virou a cabeça repousada em meu ombro para olhar também e se alarmou quando o celular começou a vibrar e patinar pelo móvel a alguns passos de distância de nós. Não tive tempo nem de ao menos piscar. Minha esposa já corria para encurtar o caminho que já era curto e pegava o próprio celular com as mãos trêmulas.
— A-Alô. — Seu olhar disse tudo. ficou pálida no instante em que ouviu a voz do outro lado da linha. Lágrimas brotaram de seus olhos azuis e sua expressão se tornou dura, repleta em ira. — Me devolva minha filha, seu infeliz desgraçado. Eu juro que te mato se fizer algo contra ela!
Quando dei por mim, já tinha praticamente voado até ela, que ouvia o que Miguel dizia atentamente sem ao menos respirar. Não disse nada, apenas recuperou o fôlego quando, aparentemente, ele desligou na cara dela, finalizando a chamada. Segurei-a pelo braço, ansioso, estranhando o fato de seu olhar ter parado fixo na parede atrás de mim. Ela parecia em choque, e aquilo me fez temer o que Miguel poderia ter dito para deixá-la naquele estado.
— O que ele disse?
— Cinquenta mil. — Arregalei os olhos. Caralho, era muito dinheiro, só assim pude entender sua reação. — Ele quer cinquenta mil para devolver . Hoje, no parque aqui perto de casa.
Meu sangue já não fervia mais, borbulhava num nível que até pensei ter perdido os sentidos por um mísero instante. Ele não conseguiria o que tanto queria, não iria comprá-la de nó. Eu não permitiria que Miguel vencesse depois de tanto tempo tirando a nossa paz e colocando em perigo.
— Temos que avisar a polícia, , não daremos dinheiro nenhum a ele.
O problema não era financeiro. Eu poderia ligar para meu banco e pedir um saque naquele valor, pagaria quanto fosse para ter de volta, mas não para Miguel. Não depois de ele ter tirado minha irmã de mim, não depois de vê-lo mês após mês infernizar minha família.
— N-Não podemos. — Minha esposa correu até mim, interceptando-me já na porta do quarto. Estava assustada; custei a discordar dela, não queria piorar sua situação emocional. — Ele disse que se avisarmos, a polícia some com ela, . Não podemos arriscar desse jeito.
— Amor…
— Por favor, — soluçou, suplicando com o olhar, e eu desviei o meu de seu rosto. Não aguentaria ouvi-la me pedir nada daquela forma, sabia que cederia.
— Como podemos fazer isso sem que saibam, ?
Tinha dois policiais na frente da nossa casa, não daria para eu sair e buscar o dinheiro sem levantar suspeitas. E eu continuava a bater na tecla: não daria o que ele queria.
— Eu entrego o dinheiro e pego , mas e depois? Vamos voltar a temer que ele volte e nos faça mal? Não, não podemos ceder e…
Me perdi no meu raciocínio ao ser interrompido por sua voz trêmula:
— Sou eu quem vai levar.
— O quê?
Era impossível que eu tivesse ouvido errado.
— Ele disse que eu tenho que levar. — Neguei, soltando um riso em puro escárnio. não iria a lugar algum, eu não iria permitir. — Miguel disse que só entregará a neném a mim.
— , você não vai.
— E se avisarmos a polícia e conseguirmos fazer uma emboscada? E-Eu posso levar o dinheiro e pegá-la de volta — desatou a falar, me ignorando completamente. — V-Vamos lá em baixo falar com eles — saiu na frente, fazendo-me dar passos largos em seu encalço enquanto eu repetia cada vez mais firme que ela não se arriscaria àquele ponto só porque aquele filho da puta queria.
— , está me ouvindo? — aumentei meu tom de voz, me arrependendo no mesmo instante ao ver a dupla de policiais, Tiffany e Anne parados próximos à escada, nos olhando atentos ao barulho que fizemos ao discutir pelo caminho.
— Ele ligou, quer cinquenta mil para devolver , hoje no parque aqui perto — se antecipou, dando as instruções que recebeu aos policiais. — Disse que eu tenho que levar o dinheiro numa mala grande e esperar até que ele me leve num canto mais afastado das pessoas.
— Você. Não. Vai. — Insisti mais uma vez, tendo seu olhar sobre mim. — Ele já tentou contra sua vida três vezes e nada impede que o faça de novo. Miguel sempre te ataca porque é um covarde de merda e te acha mais fraca. Eu vou naquela porra de parque e vou trazê-la de volta.
— Ele quer a mim, . Miguel não vai te entregar — negou com veemência. Levei a mão ao rosto, esfregando-o com força. Mas que teimosia do caralho! — Eu também estou com medo, mas temos que tentar. Eu a quero de volta, não aguento mais esperar!
— Mas amor, não é seguro! — Discutíamos enquanto os olhares de fora nos assistiam aflitos, eu não estava nem um pouco disposto a ceder. Por mim, não sairia daquela casa e ponto final! — Temos que achar outro jeito, você não entende? E-Eu não posso perder mais ninguém!
— Nós podemos acompanhá-la escondidos, para deixá-la segura e pegar ele quando a bebê for entregue e as duas estiverem fora de perigo.
concordou de imediato, olhando-me em expectativa. Não disse nada, parecia que nada era capaz de fazê-la mudar de ideia ou reconsiderar.
— Você pode ir com ela escondido no carro, se isso te deixar mais tranquilo.
— É óbvio que vou com ela — resmunguei de cara fechada. Até parece que eu a deixaria só numa situação daquelas. Se não poderia impedi-la de ir, que ao menos pudesse estar por perto, caso ela precisasse de mim.
— Ótimo, quanto tempo temos?
— Ele disse em quarenta minutos.
— Ok, vamos pesquisar a planta do parque e localizar onde será o encontro. Vou pedir reforços à paisana na área para interceptá-los caso tentem fugir ou tentar contra você. Vamos conseguir a mala e traçamos o plano. Tudo bem? — Os olhos castanhos do homem fardado se alternaram entre nossos rostos. Assenti, ainda contrariado enquanto respirava fundo ao concordar.
Eu estava temeroso. O plano não era ruim, mas me preocupava a rapidez com que foi montado. Eu tinha certeza que Miguel deu um prazo pequeno justamente para nos encurralar e não nos dar a chance de planejar nada. Sentado no sofá, eu assistia ao policial tentar disfarçar o colete balístico que foi colocado em por baixo das roupas de frio que ela vestia. Eu a via cada segundo mais tensa, porém, tentando disfarçar. Não conseguia tirar meus olhos dela. Notei suas mãos trêmulas e suadas, que ela passava nos jeans o tempo todo para secar, e seus olhos molhados e meio perdidos.
Sabia que ela estava tentando parecer corajosa. Todas as vezes em que os policiais perguntavam se ela queria mesmo fazer aquilo, concordava com veemência, mas eu a conhecia o bastante para saber o quão assustada estava. Ao mesmo tempo em que me preocupava, sabia bem o que uma mãe poderia ser capaz de fazer por um filho. Vi de perto a braveza de Grace para enfrentar a gravidez difícil que teve para dar a luz a um bebê saudável. E ao lado de , a vi enfrentar seus maiores medos e virar sua vida ao avesso para chamar de filha.
Pensei no tanto de coisa que abriu mão para ficarmos com a bebê e imaginei que, no passado, se a pedissem para escolher entre se casar comigo ou levar um tiro, ela estaria como naquele momento: vestida com seu colete e pronta para o impacto da bala.
— Vamos lá — me levantei, ansioso. As meninas também se levantaram do sofá ao lado. — Pronta?
assentiu. Ele as deixou se aproximar da amiga e ambas lhe abraçaram apertado. Evitei observá-las e vê-las chorar; não aguentava aquele clima de despedida. Queria fechar os olhos e, num segundo depois, com uma piscada, ter voltando pra casa com nos braços.
— Vai dar tudo certo — ela me abraçou forte, fazendo-me sentir o colete duro entre nós e deixando-me desconfortável. — Se lembra do que me disse hoje? — tentou sorrir em meio ao choro entalado na garganta.
O que me restou foi tentar encorajá-la a ser a melhor mãe de todas, como já conseguia ser em dias normais.
— Não precisa se fingir de corajosa pra mim, — sequei suas lágrimas do rosto. — Te conheço o bastante pra saber que está se cagando, mas também sei o quanto pode fazer isso. — Peguei-a pela nuca e selei nossos lábios trêmulos, depois deixei um beijo em sua testa.
— Vamos?
De mãos dadas seguimos até o quintal, onde nosso carro esperava para nos levar àquela missão difícil. sentou-se ao volante, tão nervosa que me deu vontade de tirá-la dali e dirigir em seu lugar. Eu sabia de suas dificuldades e não queria vê-la passar por aquela prova de fogo sozinha, mas seria muito perigoso se eu fosse visto. Me segurei onde estava, encolhido no banco de trás.
O carro morreu várias vezes, e quando acontecia, eu a encorajava a tentar mais uma vez. Estávamos cada vez mais perto de , eu podia sentir. Tinha medo da euforia toda nos condicionar a cair num golpe, e parando para pensar um pouco, era até perigoso irmos com tanta certeza de que Miguel nos entregaria a neném tão fácil. Ele era traiçoeiro. Não podíamos esquecer que até de Anne ele se aproximou para chegar até num passado próximo.
Mas eu não queria desmotivar minha esposa, por isso me mantive calado durante o restante do caminho curto até o parque. estacionou no local indicado por Miguel e estava escurecendo já; ao olhar pra cima, eu conseguia ver o céu estrelado azul-escuro. Mas o que queria mesmo era ver aquele par de olhinhos verdes e brilhosos.
— ? — sussurrou do banco da frente, e murmurei algo para incentivá-la a continuar. O silêncio era preenchido apenas por grilos moradores do local repleto de árvores. — Não estou vendo ninguém…
— Vamos esperar um pouco, sim? — estiquei a mão, pegando a sua trêmula e gelada. — Você está bem?
— Sim. Acho que sim. — Parecia que eu podia sentir seu coração acelerado por trás do banco. deitou a cabeça pra trás, a imaginei de olhos fechados e quis poder olhar pra ela. — Como está aí atrás? Desconfortável?
— Já estive melhor, não vou mentir. — Ela soltou uma risadinha fraca. — Mas logo estaremos em casa. Vai valer a pena, amor, você vai ver.
— Sei que vai, tudo o que fazemos por ela sempre vale.
Sorri fraco, afagando sua mão. Seria, mais uma vez, por .
De repente, os sons da natureza à nossa volta foram preenchidos por um barulho de pneus vindo devagar pela estradinha do parque. ofegou e entendi o que ela provavelmente viu. Meu coração disparou no instante em que minha esposa praticamente arrancou o cinto de segurança e saltou do carro.
— Eu estou aqui, ok? Vai ficar tudo bem — disse a ela quando o porta-malas foi aberto.
Vi seu rosto pela última vez quando ela contornou o carro já com a mala em mãos. Os policiais nos garantiram que as cédulas falsas que tinham ali dentro eram convincentes, aquele era outro receio meu. Tinha medo de que percebessem que estavam sendo passados para trás e fizessem algo com ela ou sumissem com . Falando nela, ouvi seu choro de dentro do carro e quase cometi a loucura de sair de onde estava escondido para ir atrás dela.
Era um alívio comedido. Fechei os olhos e me segurei ali, porém, não pude conter o choro que veio sem aviso. Tive muito medo de nunca mais ouvir aquele som, e agora ela estava tão perto… mas ainda estava em perigo.
Ouvi a voz chorosa de pedindo a neném de volta. Miguel gritou algo que não consegui compreender e fiquei tenso, chorava cada vez mais e encobria as vozes. Quando estive prestes a alcançar a maçaneta e sair para fora, ouvi o barulho de pneus cantando e um carro acelerando. Abri a porta rapidamente; se alguém me perguntasse como saí e me recompus tão rápido depois daquele longo período encolhido no canto entre os bancos, eu não saberia explicar.
Inexplicável também foi o que senti dentro do peito quando coloquei meus olhos nelas. Era a cena mais cotidiana possível para mim, mas naquele instante, percebi que nunca mais queria passar um dia sequer sem olhar para as duas juntas daquela forma. se virou em minha direção, aos prantos, segurando a cabeça dela enquanto mantinha os lábios pressionados contra a testa da menina, que ainda chorava assustada.
Corri até lá e as recebi em meus braços, finalmente tendo de volta. Meu coração parecia querer sair pela boca. Beijei minha filha sentindo o fôlego se esvair cada vez mais do meu corpo trêmulo. Queria chorar, gritar, queria ir atrás do carro de Miguel, encontrá-lo e descontar toda a minha raiva nele e em quem quer que estivesse junto daquela palhaçada. Mas não fiz nenhuma das alternativas – apenas peguei abraçando-a com o braço livre e fomos rapidamente até o carro. Eu nos levaria para casa em segurança, somente aquilo bastava no momento.
Mais à frente ouvimos tiros, diminuímos a velocidade e troquei olhares com . Quando nos aproximamos das viaturas paradas na saída do parque, parei o carro para assistir Miguel sendo enfiado na parte de trás da viatura, algemado. Logo atrás dele vinha seu comparsa.
Eu conhecia aquele rosto. Precisei forçar a memória para conseguir me recordar de onde…
— O filho de Elisabeta. — A loira ao meu lado franziu a testa, esticando-se para olhar melhor, porém, sua expressão permaneceu confusa. — É ele ali, com Miguel, eu tenho certeza, !
— Será que ele armou contra a própria mãe?
— É bem possível que sim. Por dinheiro, então…
— , temos que falar com ela.
Assenti, recebendo um aceno do policial responsável pelo caso. Eu iria agradecê-lo, mas naquele momento, não pensava em reviver nada do que tínhamos acabado de passar.
— Amanhã. Vamos cuidar de primeiro, sim?
concordou ao ajustar a bebê no colo. Dei partida novamente e seguimos para casa, deixando aquele capítulo com Miguel finalmente para trás.
’s point of view.
Coloquei o corpinho quentinho de entre as barreiras improvisadas na cama, ali, no meio de nós, onde ela dormiria até que eu não sentisse mais sua falta a cada dez minutos. Arrisco dizer que talvez ela dormiria na nossa cama até chegar na adolescência e não querer mais ter os pais roncando em seus ouvidos ou se achar grandinha demais para dormir entre nós dois.
Me toquei de que, ao imaginar adolescente, veio junto no combo como se ainda fosse meu marido depois de anos sendo pais de .
Ri sozinha, chamando a atenção de , que deixava o banheiro após um banho para relaxar os músculos tensos depois daquele dia infernal. Suspirei ao ver seu semblante cansado após vestir a camisa, já dentro de sua calça de moletom escura, pronto para enfim dormir.
— Nem deu tempo de te dar boa noite, meu amor — sussurrou próximo da neném dorminhoca, que chorou muito quando chegou em casa após todo aquele evento traumático.
Me perguntei se aquele dia a afetaria quando crescesse, ou se, por ser muito pequena, esqueceria tudo e viveria como se nada tivesse acontecido. Sabia que teríamos que contar tudo a ela algum dia, sobre a mãe e tudo o que aconteceu quando veio ao mundo. Talvez falar sobre o sequestro e todos os ataques que o pai biológico dela promoveu contra nós nos ajudasse a lhe explicar o motivo de nunca a deixarmos ter contato ou conhecer Miguel ou os avós.
Meu coração se apertava só de imaginá-la sabendo de todas as rejeições que sofreu apenas por existir. Mas contaríamos a ela quando tivesse idade o suficiente para entender que, independente de tudo o que houve, ela era muito amada e foi muito esperada por nós. E aquilo era tudo o que importava no fim do dia.
— Cuidado para não acordá-la — abaixei o tom, atraindo sua atenção. tinha mexido os bracinhos quando se inclinou para beijar sua testinha.
Ela tinha passado por tanta coisa num período de tempo tão curto! Quando chegamos em casa, a perícia foi solicitada para examiná-la. Não foram comprovados maus tratos nem nada do tipo, a bebê só tinha chegado em casa faminta e um pouco assada. Provavelmente por não ter deixado lhe darem mamadeira, por se tratarem de dois estranhos. Sobre as assaduras, confesso que fiquei aliviada ao saber que nem ao menos tentaram lhe tirar as fraldas para trocá-las.
Meu marido se aproximou mais uma vez e cheirou seus cabelinhos ralos antes de se afastar completamente, bocejando ao se levantar da cama já feita para nós três.
— Está cansado, né?
não fez cerimônia, só assentiu calado. Ele não demonstrou cansaço algum durante todo o sequestro, muito pelo contrário, se manteve firme e forte. Me acolheu quando chorei e me fez acreditar que sairíamos logo daquela situação desesperadora. Infelizmente não pude fazer o mesmo, estar ali para ele. Quando soube que tinha sido tirada de nós, fui junto dela. Sequer me lembrava direito de alguns detalhes daquela tarde em que passei grande parte medicada.
— Quer que eu te faça uma massagem? — ofereci, mas negou, sentando-se ao meu lado na cama.
— Não, quero que vá dormir também. Está tão cansada quanto eu.
Discordei de imediato. Fora que eu estava tão feliz em ter de volta que achava que nem pregaria os olhos naquela noite. Se pudesse, ficaria olhando para seu rostinho a noite toda.
— Você foi incrível hoje, sabia?
Me surpreendi com sua fala, sentindo sua mão afastar meus cabelos do rosto devagar.
— Sabe que eu não teria sido capaz de fazer nada sem você do meu lado, não sabe? — peguei sua mão, levando até a boca e beijando seu dorso.
me sorriu de olhos brilhantes, molhados. Eu não estava diferente; o enxergava com dificuldades através das lágrimas acumuladas na linha d’água.
Lembrei-me da sua expressão preocupada quando eu estava sendo preparada com coletes a prova de balas e instruções que eu rezei para não precisar usar. Felizmente deu tudo certo no fim, mas não pude deixar de pensar no quanto iria se culpar caso algo saísse do controle da polícia durante aquela ação. Não queria ter depositado todo aquele fardo nas costas dele. Mesmo tendo feito o que era certo, senti que o sobrecarreguei demais quando reagi repentinamente e agi por puro impulso, sem pensar em mim ou nas pessoas que me rodeavam. Principalmente nele.
— Me desculpa, fui muito teimosa hoje. Sei o quanto foi difícil pra você correr o risco de perder mais alguém…
abaixou a cabeça e concordou, pensativo. Ele sabia do que eu estava falando. Algo em seu olhar me disse que chegou a experienciar novamente o que sentiu mais cedo só de relembrar.
Apertei sua mão, uma, duas vezes para trazê-lo de volta ao presente, onde tudo estava bem e ele já não precisava se preocupar com nossa segurança. Eu o vi se martirizar por isso todas as vezes em que Miguel nos atacou, sempre se culpando por não ter chegado no momento certo, se torturando por não tê-lo impedido de se aproximar de nós.
— Eu não sei o que faria se algo acontecesse com você, … — Uma lágrima solitária escorreu por seu nariz reto e caiu sobre nosso colchão. fungou, tratando de parar a próxima que seguia o mesmo curso. — E com . Me apavora a simples ideia de não ter vocês comigo.
Afaguei sua mão grande, ainda entrelaçada à minha. Eu me sentia do mesmo jeito. Era engraçado como e eu estivemos sempre no mesmo “lugar” em relação a um ao outro. Sempre sentíamos as mesmas coisas, mas eram em conversas como aquelas que externávamos tudo e descobríamos que não estávamos sentindo sozinhos.
Era reconfortante. Todas as vezes em que senti medo, ele sentiu também, e isso de certa forma me fazia ter coragem junto dele.
— Isso é muito novo pra mim — riu fraco, ainda secando os olhos. A voz embargada denunciava que tinha muito mais choro de onde tinha vindo aquele. não admitia, mas era um chorão, ou pelo menos tinha se tornado um depois que nasceu. — Me desculpe se fui grosso mais cedo, mas é que… vocês duas são minha maior fraqueza, e eu fiquei sem raciocinar direito quando você se prontificou a se colocar em risco.
— Tudo bem, eu também ficaria preocupada se fosse você lá — me inclinei para beijar sua boca superficialmente. — Mas vamos esquecer isso, sim? Miguel está preso, e depois de tudo o que ele fez, vai permanecer assim por muito tempo. Acabou, . Finalmente esse pesadelo acabou.
Não consegui segurar o misto de emoções que me tomaram após dizer aquilo em voz alta. Eu tinha esperado tanto por aquele momento.
— Acabou, — fui puxada por um abraço forte, esmagada por aquele par de bíceps. E apesar de sufocante, era um carinho muito bem-vindo.
Nos deitamos para dormir após nos desgrudarmos daquele abraço que pareceu durar horas de tão reconfortante que foi. Apesar de não gostar mais de dormir longe do meu travesseiro oficial, ouvindo as batidas do coração de para cair no sono, ter nos separando na cama era a melhor coisa que tinha nos acontecido em meses.
Os últimos quatro dias que se seguiram foram de muito chamego com , de ambas as partes. Fui até a faculdade destrancar meu curso e começaria na próxima segunda-feira. Assim como as pessoas geralmente prometiam começar dietas nesse mesmo dia da semana e nunca de fato iniciam, eu queria fazer o mesmo com minhas aulas. Mas infelizmente não foi bem assim – eu teria que me obrigar a ir e me separar de por algumas horas.
Já , todos os dias que chegou do trabalho, a pegou para si para ver TV ou lhe mostrar suas músicas antigas da banda da adolescência. Nos dois casos era engraçado vê-lo explicar e até apontar coisas para a bebê, que apenas o encarava com seus grandes olhos e reproduzia sons incompreensíveis. Eu os espiava vez ou outra, me derretendo com as reações positivas que tinha com alguns sons e imagens específicas.
Tínhamos conversado com Elisabeta, esperamos os policias nos retornarem com o parecer do que foi concluído após a investigação e ouvir Miguel e o filho de Elisabeta. Grande foi o nosso alívio quando ambos negaram a participação da babá em todas as tentativas de Miguel de nos atingir e no dia do sequestro. Fomos visitá-la e era visível o quanto ela estava abalada pela traição do filho, que fez o que fez por dinheiro e sob a péssima influência daquele filho da puta.
Foi descoberto, inclusive, como Miguel tinha entrado no condomínio quando nos atacou a tiros naquela madrugada: o cartão de identificação de Elisabeta foi “pegado emprestado” escondido pelo filho e depois colocado no lugar de sempre na bolsa dela.
e eu pensamos muito e, por fim, decidimos mantê-la trabalhando conosco, afinal de contas, ela era tão vítima naquela história quando nós dois. Fora que seria doloroso demais como mãe ter o filho preso depois de uma decepção daquelas e ainda ser afastada bruscamente de , que ela mesma disse várias vezes considerar uma neta.
Seguiríamos em frente, provando para Miguel e para quem quisesse ver o quanto éramos unidos e que não nos resumíamos àquela briga estúpida judicial, que após a prisão de Miguel, ganhou novos desdobramentos vantajosos para o nosso lado.
Mais tarde falaríamos sobre como tudo ficaria após tantas reviravoltas. Tentei não criar muita expectativa, até porque, mesmo com Miguel fora da jogada, nós ainda teríamos que lutar pela guarda definitiva de .
Amélia tinha nos convidado para um jantar de aniversário. Fiquei lisonjeada por saber o quanto ela queria nossa presença num momento mais íntimo, já que seria uma comemoração pequena para poucos convidados. Seria nossa primeira vez saindo com depois do sequestro. No início fiquei receosa e pensei em negar, mas tínhamos que seguir em frente sem deixar que aquilo nos abalasse. Tiramos aquela semana para ficar a sós em casa, sem quase não nos comunicarmos com ninguém de fora, mas já era hora de voltarmos a ativa.
Eu já ia num Uber em direção a empresa – encontraria lá e depois seguiríamos para a casa da advogada. Coloquei um vestidinho em , que estava especialmente mais charmosa que o normal naquele fim de tarde, se é que era possível. Estava toda sorridente, até mesmo o motorista, um senhor de idade simpático ganhou um de seus sorrisos sem dente algum.
Desci em frente a empresa sem conseguir evitar olhar o café do outro lado da rua. Suspirei, colocando a bolsa da bebê no ombro enquanto a levava no bebê-conforto com o outro braço. Era um alívio saber que Dafne não entraria mais no meu caminho. Apesar de saber que não existia uma concorrência entre nós, de estar ciente de que não deveria me sentir daquele modo, eu ainda tinha ciúme. E ter em casa, conosco, sem o mínimo sinal de que ele tinha outra em seus pensamentos, me acalmava.
Entrei no elevador me sentindo estúpida, mas não poderia negar que estava feliz. Pela primeira vez estávamos tranquilos, sem Miguel nos atazanando, sem Dafne, sem Tom. Tínhamos construído um companheirismo delicioso, uma intimidade aconchegante. estava conosco, ganhou peso, estava saudável. Eu voltaria pra faculdade, retomaria parte da minha vida que jamais imaginei conseguir retornar. Estava plenamente feliz como não tinha estado há um bom tempo.
Nem mesmo tive medo de subir até o último andar daquele prédio enorme sozinha no elevador. Encarei a bebê quietinha e me dei conta de que, na verdade, eu não estava só. Reparei também que a última vez que me senti feliz daquele jeito estava com Grace ao meu lado, planejando tudo sobre a gravidez inesperada dela. conseguia não apenas se parecer com a mãe a cada dia que se passava, como também trazia a presença dela consigo por onde estivesse.
— Oi, Jordyn — sorri contida para a secretária, que terminava de anotar um recado e se despedia da pessoa em ligação.
— Oi, Sra. ! — ela colocou o telefone no gancho, se inclinando sobre a mesa para olhar melhor a bebê. — Oi, , que vestido mais lindo!
Seu rosto ficou vermelho quando se deu conta de que falava com a voz que geralmente usamos para falar com bebês. Ri, relevando, não achava possível arranjar outro tom para usar com um ser tão adorável quanto ela.
— O Sr. está numa reunião, mas já avisou que a senhora vinha e me pediu para deixá-la esperando na sala dele.
Assenti, agradecendo antes de ir até a porta ao lado. Era muito esquisito aquela história de senhor e senhora, mas não falei nada, afinal de contas, era o modo como as coisas pareciam funcionar no ambiente de trabalho do meu marido. E não me restava outra opção a não ser acatar.
Me sentei no sofá, lembrando-me da minha primeira vez ali e em como eu queimava de ciúmes por dentro. Não sabia como tinha conseguido disfarçar tudo que se passou dentro de mim naquele dia. Poderia ser pura hipocrisia minha, mas ver se morder de ciúme na minha frente quando anunciei que iria jantar com Tom… Mordi o lábio sem conseguir segurar um sorriso. A sensação de saber, de vê-lo sendo louco por mim era impagável.
Após esperar mais um pouquinho, decidi lhe mandar uma mensagem avisando que estava esperando. O celular vibrou rapidamente em minhas mãos enquanto eu me distraía com .
: “Oi, linda, estou indo já.”
— Sabe quem está atrasado? É, o seu pai — sorri para , ironizando, já que sempre se gabava que nunca estava atrasado enquanto me criticava por demorar pra me arrumar quando íamos sair.
sorriu de volta, batendo as perninhas. Porém, com o tempo, ela passou a ficar vermelhinha ao fazer força e caretas muito engraçadinhas. Fiquei ali conversando com ela enquanto a assistia fazer as necessidades na fralda, esperando-a terminar para poder trocá-la. Depois de minutos sofridos para a pobrezinha, parecia que ela tinha enfim acabado.
Levei-a para o banheiro junto de sua bolsa para limpá-la direitinho sem correr o risco de sujar o sofá do pai dela.
Chequei o celular novamente enquanto trocava a fralda e vi que tinha mandando mensagens reclamando de Beatrice e de sua enrolação. Sabia que tortura psicológica não era entretenimento, mas eu só sabia rir daquela implicância toda que ele tinha com ela.
Quando saí do banheiro, atrapalhada com a bolsa e a bebê agitada em meu colo, quase dei um grito de susto ao encarar a figura parada na porta da sala.
— Me desculpe, Sra. , eu disse que tinham um compromisso e sairiam mais cedo, mas…
— Está tudo bem, Jordyn — a interrompi, vendo-a trêmula com o olhar frio de Angelina. — já está vindo. Quando ele chegar, veremos o que vamos fazer.
— Tudo bem, com licença — ela se retirou, lançando-me um olhar de puro alívio. Compreendi, afinal, se eu pudesse iria embora junto dela.
Porém, permaneci onde estava, tentando manter o queixo o mais erguido possível enquanto segurava um pouco mais firme que o normal. Eu poderia interpretar aquele gesto involuntário como um trauma após o sequestro, mas também era meu corpo tentando mantê-la o mais próxima de mim e protegida de quem não gostava de sua existência.
— Olá, Sra. . — Segurei minha expressão diante de seu sarcasmo aparente.
Ela, claro, não mudou nada com o tempo – fisicamente ainda era a mesma mulher enxuta e cheia de botox que deu muito certo no rosto dela. Tão certo que eu ainda poderia identificar muito bem suas expressões, e a que ela estava me dando naquele momento era um desprezo misturado com ódio. Mas, claro, tudo envolto de muita classe e mascarado num sorrisinho prepotente.
— Olá, Angelina — lhe devolvi o cinismo. Até porque eu era mesmo a senhora . Tinha me casado com o filho dela, quer ela queira ou não.
— Olha só, eu não vim para brigar com você. já está bem grandinho para saber dos próprios erros — Angelina se aproximou em cima dos saltos escuros e pontudos. Mantive-me sorrindo, ignorando a vontade que eu tinha de mandá-la ir se fod…
— Ah, mas que ótimo. Mesmo que quisesse falar comigo, eu não poderia ficar e te ouvir. Como Jordyn disse, e eu temos um compromisso.
— Então acho melhor você ir para esse compromisso sozinha, eu preciso falar com meu filho e vou falar com ele.
A todo momento eu a via desviando o olhar de meu rosto, e eles escorregavam numa região mais embaixo dele, mais especificamente nas costas de , que estava a coisa mais fofa do universo com sua calcinha de babados por cima da fralda recém-trocada. Mas parecia que Angelina era incapaz de se derreter com a cena, já que tinha acabado de fazer questão de insinuar que eu sairia sozinha dali, mesmo tendo junto de mim o tempo todo.
Não imaginava que espécie de mentira fantasiosa ela e o marido tinham inventado para viver acreditando, mas no mundo real existia e era o bebê mais amado do mundo.
— Como eu disse anteriormente, vamos esperar chegar. Ele irá decidir se vai ou se fica.
Era ridículo aquela competição que estávamos criando, mas era mais que necessária.
O pai de desdenhava de nosso casamento sempre que podia, agora tinha ela, minha adorada sogra fazendo o mesmo ao insinuar que o filho me largaria por aí sozinha com uma criança só para ouvi-la criticar suas escolhas de vida.
Estava na hora de colocar a obediência que ele costumava ter pelos pais à prova, e o melhor: diante dos olhos dela.
— Se coloque no seu lugar — ela riu, olhando-me de cima a baixo. — Eu sou a mãe dele. Não tente competir pela atenção dele dessa forma, vai acabar envergonhada.
Eu precisava lembrar a querida de tudo o que ela e o marido fizeram desde que descobriram da gravidez de Grace?
— Estou te dando a chance de ir enquanto ainda não está aqui.
Eu não estaria tão confiante assim no lugar dela.
— E eu sou a esposa e mãe dos filhos dele…
Eu estava prontíssima para lacrar em cima dela, mostrando que não importava quem ela fosse – ainda assim viria comigo. Mas resolveu acabar com minha pose de fodona quando se agitou em meu colo e abriu o berreiro, puxando meus cabelos entre seus dedinhos pequenos.
A chupeta lilás escapou de sua boca quando ela abriu o berreiro porque eu não a deixei arrancar todos os meus fios embolados em suas mãozinhas. Estava muito rebelde e nem era uma adolescente ainda.
— E digo que vou ficar e esperar até que… — Fui distraída atrás da chupeta que caiu longe, porém, de repente enxerguei em meu campo de visão os sapatos escuros de Angelina. Ela se abaixou mais rápido, apanhando o objeto, que atraiu a atenção de imediatamente. — … Ele venha — terminei minha frase, levantando-me rapidamente.
Não tive tempo de me afastar para impedi-la de chegar perto da bebê. Não era um instinto de proteção, apenas quis escondê-la por saber que minha filha era renegada pela avó. Eu não queria expor a nenhum dos sentimentos ruins e rejeição que eles poderiam proporcioná-la.
Mas recuei quando percebi seu olhar analisando o rostinho dela. Angelina mal piscou enquanto a observava agitada em meu colo. Assisti seus olhos verdes como os de se encherem de lágrimas em segundos.
— Ela é exatamente igual a…
— Sim, igual a Grace quando era bebê. me mostrou fotos.
Não soube identificar se ela prestou atenção no que eu disse. Angelina ainda parecia hipnotizada pela imagem da neta, que ainda chorava no meu colo. Balancei-a devagar, tentando ninar seu corpinho, mas a bebê não parecia que iria parar tão cedo. Estava com sono, por isso aquele show todo.
Mas tinha que ser justo na frente de Angelina?
— , não! — tirei sua mãozinha de perto dos meus cabelos soltos.
— Oh… — a ouvi ofegar e encarei seu rosto rubro. Os olhos, que antes estavam vidrados na neném, agora transbordaram de vez.
Paralisei no mesmo instante. Eu já não sabia o que fazer quando via alguém chorando, e naquele caso, então, aí mesmo que me vi completamente sem ação.
— — sussurrou, abaixando a cabeça —, Grace tinha uma boneca quando era bem pequena. Passou a chamá-la de sempre que estava brincando com ela. Acho que viu em algum desenho animado, não sei…
Ela ria em meio ao choro, olhando para longe enquanto tentava se autoconsolar. Senti meu nariz arder de repente. Apesar de tudo o que ela fez a Grace, imaginei o quão doloroso poderia ser perder um filho. Tudo o que tinha passado nos últimos dias tinha me feito imaginar como seria, e eu tive a impressão de que me faltava um pedaço do corpo quando tive longe de mim por apenas algumas horas.
Imagine pelo restante da vida inteira? Nunca mais ver, não poder abraçar, beijar e ouvir a voz pessoalmente, ter a pessoa que você trouxe ao mundo permanentemente desaparecida.
— E-Eu não sabia dessa história — engoli o choro, me lembrando de que o pai de disse que ela se referia a nós duas como meras desconhecidas na vida do filho.
Nunca fui conhecida por ser coração mole, e não era para ela que eu iria amolecer o meu.
— Pra você ver o quanto Grace sonhava com a filha. Ela sempre me dizia o quanto queria ser mãe um dia. Estive com ela durante todos os momentos da gravidez e vi com meus próprios olhos o quanto ela estava feliz. Apesar de tudo o que passou, eu via o quanto ela ansiava em conhecer a filha.
Senti o choro vir à tona novamente. Me revoltava demais lembrar de toda aquela história, de como a própria mãe de Grace virou as costas justo no momento em que mais precisava dela. Eu jamais deixaria , não importava o que ela dissesse ou fizesse!
— Talvez se ela tivesse tido o apoio que tanto precisou, talvez ainda estivesse…
— Ah, por favor, Grace tinha dezenove anos — o rosto abatido de Angelina mudou, logo ela exibia um sorrisinho prepotente. — Acha mesmo que era isso o que ela queria? Ter um filho para depender dela e roubar sua juventude? Já não basta o que fez com Grace, ainda arrastou pra essa vida? Meu filho era livre antes de inventar essa droga de casamento.
— Tinha dezenove, mas seria uma mãe muito melhor do que você foi — solucei, tomada pela raiva. — não é uma criança, é um homem, um marido e pai maravilhoso que ele jamais teria se tornado se tivesse continuado a viver na sua sombra e do seu marido. ama a mais que qualquer coisa nesse mundo. Não se ache no direito de colocar isso à prova.
— ? — abriu a porta apressado, vindo em minha direção em passos largos. — Está tudo bem? O que ela te fez?
— Nada, está tudo ótimo — forcei um sorriso, secando o rosto com a mão livre.
Angelina fez o mesmo, disfarçando. Ela ao menos teve tempo de fazê-lo, já que lhe deu as costas para checar e eu.
— Oi, filho.
se virou, encarando a mãe impassível:
— Oi, mãe. O que está fazendo aqui?
— Vim porque precisava falar com você e…
— Hoje não posso, marque um horário com minha secretária. — se jogou em seu colo fazendo manha, e me vi livre do risco de ter os cabelos arrancados. — Oi, amor, o que aconteceu? Fala pro papai.
— Ela está com sono, tá na hora de dormir.
se inclinou sobre o sofá e pegou o jacaré de pelúcia dela. A mãe reconheceu na hora, afinal, era o mesmo que era extremamente apegado quando criança e até na adolescência, por mais que ele tentasse negar até a morte que manteve seu cheirinho de criança até quase o fim do ensino médio.
— Mas…
— Minha esposa e eu temos um compromisso, marque amanhã e conversamos.
— Está bem — Angelina respirou fundo e deu passos para trás, contrariada. Não era a resposta que ela esperava ter. — Meu voo é só à tarde, passo aqui para almoçarmos juntos.
assentiu, deitando a cabecinha da neném no ombro junto da pelúcia. Angelina não ganhou um beijo na bochecha sequer. Apesar de em algum lugar de mim eu sentir que venci, não pude deixar de sentir pena dela. Jamais imaginei como deveria ser uma rejeição de um filho.
— Vamos, amor? Estamos atrasados.
Assenti, pegando a bolsa e levando ao ombro. Olhei de relance para a mão de Angelina, recolhida um pouco na lateral da coxa, e vi a chupeta de . Ela parecia estar escondendo de nós. Fingi não ver e segui para fora da sala.
Esperava que ela olhasse para aquela chupeta e se arrependesse por cada segundo que perdia da vida da neta que tanto lembrava a filha que ela desprezou por um simples erro.
Acenei para Jordyn ao passar pela recepção e entramos no elevador juntos. parecia sob efeito de um sonífero chamado “colo do papai”, sempre foi tiro e queda para ela.
— O que aconteceu? — ele murmurou com os lábios encostados na testa da bebê em seu colo após beijá-la. — E não venha me dizer que não foi nada, eu vi você chorando.
— Mas realmente não foi nada, ela apenas me acusou de levar sua irmã para o mal caminho e agora a loucura da vez é que eu estou te forçando a ser pai. — riu em escárnio. — Pois é, a culpa é sempre minha, nada mudou.
— Imagina ser culpada por fazer os filhos dela felizes. — Olhei para ele pelo espelho e concordei enquanto tentava disfarçar a vermelhidão do meu rosto. — Ela devia te agradecer, isso sim.
Foi um caminho silencioso no carro até a casa de Amélia, um pouquinho longe dali. Ela disse gostar de morar distante do centro e levou o conceito bem a sério na hora de comprar uma casa. Nos identificamos na portaria e entramos, tocando a campainha da grande casa branca.
— Você está bem? — indagou, me analisando com preocupação. Eu não costumava ser tão quieta assim ao lado dele.
Fiquei pensativa sobre o que tinha acontecido há pouco. A forma como Angelina olhou para não sairia da minha cabeça tão cedo. Pareceu… afeto? Eu não me sentia no direito de compartilhar aquela impressão com . Apesar de estar bravo com os pais, eu sabia que lá no fundo ele desejava que as coisas fossem diferentes, e ao invés de desprezar a filha, os pais pudessem amá-la e acolhê-la como pessoas normais fazem com os netos. Grace e eram muito apegados aos avós, eram os xodós deles. Devia ser doloroso para ele não ver o mesmo acontecendo com .
Não queria lhe dar falsas esperanças, e apesar da impressão que tive, não poderia negar que meu orgulho talvez estivesse me incomodando naquele momento. No fim das contas, não importava muito se era afeto ou não; Angelina nunca poderia desfazer o mal que nos fez e disse num passado bem recente.
— Sim, estou bem — me despertei dos meus devaneios. — E você, está bem?
Não devia ser fácil para ver a mãe e ter que tratá-la com indiferença. Eu o conhecia o bastante para imaginar o aperto no coração que sentiu.
— Se vocês estão bem, eu também estou.
O beijei imediatamente, enrugando o nariz e não conseguindo segurar o som meloso que saiu da minha boca. Aquilo foi definitivamente muito fofo.
— Ai, ai… Parece até que estou sonhando — me afastei de enquanto revirava os olhos. Amélia estava na porta vestida elegantemente de vermelho, parecendo uma senadora classuda.
— Olá para você também, Amélia — fingiu implicar e foi até ela, que já estava de braços abertos.
Me juntei a eles e também desejei um feliz aniversário para ela. dormia na cadeirinha, o que fez a advogada lamentar ao acariciar devagarinho a bochecha da neném. Ao entrarmos, subiu junto da funcionária para deitar o bebê na cama. Ainda achava estranho ter alguém fazendo o mesmo trabalho que minha mãe nas casas de amigos, eu nunca me acostumaria.
Me enturmei bem pouco, e não era porque não tinha gostado dos convidados de Amélia – eram amigos próximos dela, bem parecidos no jeito de agir e conversar, então claro que me dei bem com a maioria com quem conversei –, mas eu suspeitava que o problema era eu. Ainda me sentia travada no meio de outros adultos, talvez por ter me casado tão cedo e ter assumido a responsabilidade de ser mãe tão apressadamente.
A verdade era que eu não me encaixava naqueles assuntos tão maduros. Estava doida de vontade de comentar sobre a próxima regravação da Taylor Swift ou sobre o fiasco da série do The Weekend, mas sabia que estaria falando grego com eles.
Olhei por cima do ombro para e ele pareceu pedir socorro com o olhar, enfiado numa roda de conversa de homens falando sobre investimentos nas moedas de bitcoin. Aquilo sim era grego, e nenhum de nós dois parecia querer entender.
Fui saindo de fininho. Eu não estava agregando muita coisa naquele papo de horta caseira; na verdade, matei todas as plantas que já tentei ter algum dia. fez o mesmo, escapulindo-se para a cozinha atrás de mim.
Era engraçado perceber o quanto estávamos afiados naquela coisa toda de comunicação silenciosa. Aprendemos uma linguagem só nossa que talvez não seria compreendida por ninguém de fora. Não era apenas um jeito de falar ou olhar, era algo corporal. Não precisei dizer que estava querendo fugir dali; me olhou e soube daquilo.
Sempre pensei que intimidade era algo relacionado a sexo, anos de convivência, algo que levava tempo para ser estabelecida e construída. Mas não era. Não pareceu ser com ele. Ainda não entendia o que tinha ou fazia para conseguir me ler tão facilmente, me abrir como se soubesse todas as minhas senhas e possuísse todas as chaves que nem eu mesma sabia onde tinha escondido. Era louco como o tempo para nós parecia voar, e aquilo me deixava confusa com a rapidez com que ele me fez sentir tudo aquilo que jamais imaginei sentir com alguém.
Ouvimos o barulho das patas de Derik atrás de nós e suspeitei que ele também não aguentava mais ouvir todos aqueles humanos falando e falando palavras difíceis. Imaginava que cães poderiam ter um repertório de palavras que reconheciam quando ouviam, mas acho que elas se resumiam a “passeio” ou qualquer coisa sobre petiscos. Algo em chamou sua atenção, já que ele estava o seguindo há um tempinho pela casa, inclusive na nossa chegada, quando tentou enfiar o focinho na cadeirinha onde dormia.
— Olhe só para ele… — chamou minha atenção enquanto eu me servia de mais um pouco de vinho no balcão da cozinha.
No chão estava o cão de pelagem curta e escura, arreganhado com a barriga para cima, sabendo que aquele truque era certeiro quando queria ganhar um carinho. o fez imediatamente, como um bom amante de cães que era.
Eu estava mais para os gatos, e acho que aquele pequeno detalhe dizia muito sobre nós e nossas personalidades.
— Lembra do Duke? O cachorro dos Jackson? Eu era louco para ter um daqueles.
Assenti. O pastor alemão era mesmo muito bonito e bem treinado; o dono inclusive proibia e as outras crianças de brincar com ele. Ao que parecia, ele estava em treinamento para servir a polícia.
— Eu sentia tanta dó dele. Era louco para correr no meio de vocês pela rua.
Recordei-me do cachorro de orelhas pontudas e olhar atento, vendo o movimento da rua pela janela como uma criança de castigo.
— Cachorros amam crianças. Imagina um desse brincando lá no nosso quintal com ?
Cheguei a inclinar o rosto para conseguir ver seu sorrisinho aberto ao imaginar por conta própria. Sabia que ele não conseguia ficar muito tempo só na imaginação quando queria algo. Eu mesma caí no seu papinho quando começamos com as provocações e beijos e quando estávamos a sós.
— , nós não vamos ter um cachorro — decretei, autoritária como se estivesse falando com uma criança.
’s point of view.
Revirei os olhos, não conseguindo evitar um sorrisinho ao continuar a acariciar o cão serelepe esparramado no chão.
Eu nem tinha como argumentar, não tinha ao menos feito uma sugestão ainda, tinha apenas jogado um verde. Mas já sabia o que eu queria dizer antes mesmo de abrir minha boca. A infeliz tinha nascido pra ser mãe.
— Vocês dois implicando um com o outro, como sempre… Algumas coisas nunca mudam mesmo — Amélia riu, negando com a cabeça em reprovação.
Troquei um olhar significativo com minha esposa, me levantei e fui para o lado dela.
Esperava mesmo que nunca mudassem, adorava aquelas trocas de farpas e nosso joguinho de mandar e obedecer. Eu era o que obedecia, claro. Ultimamente tinha a certeza de que me tinha nas mãos, e não havia nada nesse mundo que eu lhe negaria caso ela me pedisse.
— Só melhoram — enlacei a loira pela cintura, deixando um beijinho em seu ombro descoberto.
desmanchou a pose de mandona e sorriu tímida, coisa que eu bem sabia que ela não era. Cobriu minha mão com a sua, despertando em mim uma série de correntes elétricas como se eu fosse um adolscente idiota.
— Olhe só pra vocês, apaixonadinhos — os olhos de Amélia chegaram a brilhar de felicidade. Aparentemente ela não estava brincando quando disse que parecia estar sonhando ao nos ver juntos.
Apesar de ser mais nova que minha mãe, senti uma energia maternal vinda dela e me senti acolhido de alguma forma. O olhar da minha mãe mais cedo me veio à cabeça, fazendo-me ameaçar murchar o sorriso que me rasgava o rosto.
Não era hora de lembrar de coisas ruins, não quando eu estava finalmente fazendo pagar com a língua na frente de alguém que sabia de nossa mentira desde o início.
— Não estamos apaixonados.
Meu sorriso, que já não estava muito inflado, murchou de vez. Tirei minha mão de sua cintura, percebendo seu olhar acompanhá-la para longe do próprio corpo.
— Ah, claro, é apenas sexo — sorri com a voz repleta de sarcasmo, como se estivesse relembrando as duas daquele pequeno detalhe.
Quem devia ser lembrado na verdade era eu. Mas não me preocupei com meu esquecimento momentâneo, sempre daria um jeito de me manter atualizado sobre o assunto.
— Vou dar uma olhada em , com licença — mantive-me impassível. Ou ao menos tentei, mas acredito que a vermelhidão em meu rosto quente devia estar visível até mesmo do outro lado do continente.
De qualquer forma, eu não ficaria ali ouvindo mentir descaradamente para si mesma e externar toda aquela palhaçada. Já era doloroso demais ouvi-la nos resumir a sexo. Na frente dos outros, então, beirava a humilhação.
Dei passos largos em direção ao corredor que ligava a cozinha à sala de jantar, onde os demais convidados estavam. Porém, ouvi algo que me impediu de prosseguir:
— Desculpa me intrometer, mas acho que não é só sexo pra ele.
Aleluia. finalmente teria uma amiga para avisá-la.
Eu já tentei dizer aquilo de diversas formas, mas ela sempre se esquivava de algum jeito. Estava cansado de tentar fazê-la enxergar o que tínhamos construído até ali. E pela enésima vez fazê-la entender que não, não era apenas sexo.
— As coisas entre nós são muito intensas desde o início. É tudo tão a flor da pele… — Não podia vê-las, mas já imaginava a confusão estampada em seu rosto. — Mas não é possível que estejamos apaixonados. Nos odiávamos, um sentimento tão oposto não mudaria em apenas quatro meses!
Encostei a testa na parede, respirando fundo para não ir até lá e denunciar que estava ouvindo tudo.
Era perfeitamente possível! Eu nem ao menos conseguia me lembrar por que sentíamos tanta raiva um do outro, nem mesmo o que sentia quando jurava que nutria ódio por ela. Agora, depois de tudo o que passamos, a única coisa que eu sabia era que o mais próximo de ódio que me despertava era justamente nos momentos em que se negava sentir algo bom por mim.
Porque era mentira. E ela não tinha aquele direito. Mentia para qualquer um ou até para si mesma, mas não para mim.
— Tem certeza disso?
Um pequeno silêncio. Ouvi seus passos indecisos pelo piso escuro da casa. Ela estava montando mais uma de suas desculpas esfarrapadas para mascarar o que sua cabeça projetava ali dentro, em seus pensamentos. Estava ganhando tempo para continuar a mentir.
— Absoluta.
Respirei fundo, negando com a cabeça. Como podia ter a coragem de falar aquilo? Por que ela não conseguia simplesmente baixar a guarda e ser sincera?
— Eu acho que estamos tão envoltos nessa mentira, e ela é tão certa, sabe? , e eu, como uma família… Às vezes pode parecer bem real, e é até certo ponto. Nos tornamos uma família, mas não com esse tipo de sentimento envolvido.
Ri sozinho em escárnio. Que tipo de sentimentos estávamos envolvidos, então? Minha vontade era de regredir meus passos e confrontá-la. Estava muito curioso para saber quais sentimentos eram aqueles.
Eu sabia bem quais eram, mas ao que parecia, morreria se abrisse a boca para dar o nome correto a eles.
— Bom, fico feliz em ouvir isso, não sabe o quanto torci por vocês. Vê-los tão comprometidos com me emociona muito. Como vocês cresceram…
Controlei minha raiva, sentindo as poucas lágrimas que se acumularam em meus olhos descerem pelo meu rosto. Sequei-o, aliviado ao ouvir Amélia mudar de assunto. Duvidava muito que a advogada tinha caído naquele papinho. Ela devia reconhecer alguém mentindo de longe.
— Também tem isso. Estou cem por cento comprometida nela e, agora com a faculdade, em mim também. Não tenho por que arrumar problemas me envolvendo emocionalmente com alguém como .
— Puta que pariu — sussurrei para mim mesmo, de abdômen retraído, como se realmente tivesse acabado de levar um soco na região do estômago.
Parecia que nada do que eu sentia era levado em consideração, nem mesmo o que fazia.
Comecei a me perguntar, genuinamente confuso, se estava falhando em algo. O que estava fazendo de errado para que continuasse a me olhar como o moleque que eu era antes? Tinha que haver algo, mas por mais que eu tentasse, não conseguia entender. Desde o início me esforcei para ser o homem que ela precisava ter ao lado, mas não parecia ser o suficiente.
— Entendo.
Franzi o cenho com o modo como Amélia falou. tudo bem, eu já estava acostumado, mas ela? Precisava ter concordado assim tão rápido?
— Ele ainda está com a moça do café?
— Não sei, ele me disse que não. Disse que iria parar de vê-la.
Disse e parei já tinha um tempo. A mentirosa da história era , não eu.
— Olha, , sei que não está mentindo pra mim. Mas se me permite te dar um conselho, tome cuidado com essa indiferença em relação a . Se ele estava tendo algo sério com essa moça ou conhecer alguém por aí e você realmente sentir algo por ele, vai sair machucada dessa história.
— Ah, não, está tudo bem — riu falsamente. Eu não precisava vê-la para saber que não era genuíno. — Eu estou bem resolvida com essa questão do . Como já disse, é só sexo.
— Sabe onde estão os pais da bebezinha que está no quarto? — Ouvi a voz da governanta de Amélia e tratei de me recompor para ir até onde eu deveria ter ido.
Mais uma vez fui traído pela minha curiosidade. Já devia saber que não importava com quem conversava sobre nós, ela nunca daria o braço a torcer e ser totalmente sincera.
O restante da noite foi uma bela bosta. Não consegui encontrar uma outra descrição para o que aconteceu depois de ouvir aquela conversa. Não me esforcei muito para disfarçar minha cara de bunda – jantei calado ao lado de na mesa com os outros amigos de Amélia. Depois peguei para brincar com Derik, que realmente devia achar os pezinhos dela deliciosos, porque os lambeu sempre que teve a oportunidade.
também iria adorar ter um cachorro, e teria um quando eu me mudasse após o divórcio. Ele, assim como o apocalipse, deixou de ser um medo e se tornou uma esperança depois daquela noite.
Fomos embora no mesmo silêncio que chegamos. A diferença era que na ida pelo menos tínhamos uma culpada externa para ter estragado nosso clima, mas na volta para casa, a culpa da festa ter virado um enterro era toda de . E o pior é que ela nem se deu conta do que fez.
Tentou pegar minha mão no trânsito, mas esquivei, deixando ambas grudadas ao volante. No fim, apenas pousou a sua em minha coxa, acariciando enquanto se distraía no celular.
Ignorei-a enquanto pensava em como faria para lidar com o fato de que só lembrava que éramos um casal quando lhe convinha e ela queria.
Cheguei em casa e usei o trabalho como desculpa para me isolar no escritório. Por sorte minha mulher não estranhou nada, dei uma introduzida no assunto no carro, reclamando de Beatrice e falando sobre um projeto. Sabia que não iria querer me ouvir falar mal dela, portanto, não me questionaria sobre.
Saí de lá quando comecei a ficar com sono. Estava assistindo um filme e nem terminei, porque achei ruim demais. Ou talvez eu não tenha prestado atenção no enredo, me sentindo estúpido por literalmente me esconder de no escritório.
Tomei um banho, fui para o quarto e a encontrei na cama passando algo no rosto. Joguei-me no colchão já me ajeitando no lado em que me habituei a dormir – o outro, que eu costumava preferir, tinha roubado e nunca mais pude ocupar. Até mesmo das pequenas coisas eu tinha aberto mão, e a mágoa voltou a me rondar sobre aquele assunto. Virei-me na cama e encarei suas costas expostas pelo pijama de alcinhas.
Pensei em milhões de coisas para falar, mas me mantive calado. Estava farto de abordar sempre o mesmo assunto e não ser ouvido em todas minhas tentativas.
— Onde está ? — Tive que falar algo, já que se virou para me olhar por cima do ombro.
— No berço, já vou pegá-la para dormir conosco.
Assenti ressabiado. Adorava quando ela dormia ao meu lado, ter a noite toda seu cheirinho de bebê nos embalando e saber que estava bem ali, pertinho. Mas naquela noite em específico, eu estava ainda mais aliviado de tê-la entre nós na cama, assim eu não teria que ter deitada sobre meu peito como se fôssemos um casal real. Se ela iria nos tratar com indiferença, talvez deveríamos passar a agir da mesma forma.
se deitou de barriga para baixo, aproximando seu corpo quente do meu. Apesar de planejar ignorá-la, eu não conseguia seguir o que meus pensamentos ordenavam, não tendo-a tão perto. Seu toque delicado me atingiu o rosto e eu fechei os olhos involuntariamente, sentindo espalhar um pouco do creme que passava em si no meu rosto. Suspirei, mantendo-me quieto. Se eu abrisse a boca, falaria demais como sempre.
— Aconteceu alguma coisa?
Aconteceu, , aconteceu você, de novo, em negação enquanto suas atitudes demonstram o contrário. Mantive os olhos cerrados, não queria nem ao menos olhar em seu rosto. Como poderia? O mesmo rosto que me fazia sorrir e os lábios que me despertavam tantas coisas boas também serem os responsáveis por me magoar daquela maneira?
— Não.
Com as pontas dos dedos, desfez a ruga que se formou entre minhas sobrancelhas sem que eu percebesse.
— Tem certeza?
Murmurei que sim, respirando fundo e tentando fugir do cheiro e do calor que emanava dela. Senti o coração acelerar e pensei em quanto tempo fazia que vinha fodendo com minha cabeça enquanto me acariciava daquela maneira.
Eu nem saberia contar, mas pelo meu estado de exaustão, parecia uma eternidade.
— Ficou chateado pelo que eu disse sobre nós para Amélia?
Se ela já sabia, então por que ainda perguntava?
— Depois de quatro meses juntos, você ainda nos resume a isso? Sexo? Uma mentira? — abri meus olhos, encarando-a de baixo para cima. Seu rosto estava maior pelo ângulo, mas apesar da distorção, eu também atribuía seu tamanho ao meu grande medo de me comprometer, o que me perseguiu a vida toda.
Pensar aquilo apenas me deixou mais revoltado pela situação em que me encontrava com . Eu queria me comprometer, já o tinha feito, porque sabia que o que eu sentia era maior que meu medo. Tinha enfrentado aquilo por ela, eu faria tudo por ela, mas o que eu recebia em troca?
Além de tudo isso, ainda me incomodava como as pessoas de fora nos viam juntos. Amélia concordava com o que pensava sobre mim; Fanny e Anne me afastaram dela, alegando que eu não era próximo o bastante para ampará-la durante o sequestro. Todos nos resumiam àquela droga de mentira, e eu sabia que não éramos mais os mesmos do início daquela história toda. Por que parecia que eu era o único a ver aquilo?
Sabia que não poderia culpar Amélia ou as amigas de por não saberem de tudo, claro. Elas não passaram por tudo aquilo conosco. Mas sobre … Eu tinha chegado no meu limite.
— E você ainda usa Dafne para se isentar de admitir o que sente?
— Ouviu minha conversa? — ela se afastou, ofendida. Usou aquilo como desculpa para se distanciar do assunto principal ali.
— Sim, , eu ouvi sua conversa. Me desculpe se eu tenho que te ouvir falar de nós para outras pessoas porque você não tem coragem de dizer as coisas na minha cara.
Me sentei na cama, mesmo que dentro de mim existisse uma voz interior me mandando deitar e calar a boca, como era o plano inicial.
— Eu não quero falar sobre isso com você — bradou, vermelha de raiva, pegando os cremes com uma certa brutalidade e fechando-os sem a menor paciência.
— Por que não? Diz respeito a mim também! — rebati, vendo-a se deitar e puxar a coberta toda para si. Ofeguei com a cena, mas não puxei de volta. Não fazia questão também.
— Porque você me deixa confusa! — ela se virou para me encarar. — Se não é só sexo, é o quê então?
Abri a boca para responder. Eu tinha milhões de palavras para descrever o que nós dois éramos, não parecia ser muito difícil encontrá-las e sabia que não estava ao menos se esforçando para procurá-las. Minha esposa só era confiante para desdenhar do que sentia por mim com terceiros, mas quando estávamos sós, se mostrava de verdade, como alguém que procura o colo escondido do resto das pessoas.
— Você bebe e diz que me ama, quando está sóbrio, fica bravo quando te lembro do que falou. Depois me vem com esse papo de que não tem que acabar se eu não quiser. E se eu não quiser, , como ficamos?
Ela iria mesmo jogar algo que eu disse uma vez só enquanto estava bêbado na minha cara? Eu quis rir e o fiz, vendo seu semblante se retorcer ainda mais em ira. Péssima hora para rir, aliás.
já tinha resolvido aquele “grande problema” sozinha e sem precisar pensar muito. Ficaríamos juntos, pronto. Se os dois quisessem, então, daria certo. Não acho que Amélia iria se opor a nossa desistência do divórcio, que já era esperado desde o início.
— Do jeito que estamos, nada precisa mudar — sorri para ela, puxando-a para um beijo.
— Precisa, sim. Eu preciso de certezas, , e isso você não pode me dar — ela tirou minhas mãos de si, desviando-se do meu beijo. — Por favor, não jogue a responsabilidade de definir o que temos em cima de mim, não me cobre isso. Não quando você me deixa insegura de sentir algo, sabendo que se eu me arriscar em te dizer, sei que vou correr o risco de me magoar.
Eu nunca faria nada para magoá-la, e o fato de evitar se envolver comigo já prevendo que eu a machucaria só me provava que eu estava certo – ela não via o quanto amadureci e por isso não confiaria em mim.
— Qual o sentido de sentir algo sem correr riscos, ?
Era o que estávamos fazendo desde o início. Mesmo que mascarado de sexo sem compromisso no começo, foi invitável não nos envolvermos, e estávamos dando certo.
— Eu não sei, . Mas não quero descobrir com alguém como você — ela me deu as costas, cobriu-se e se deitou para o lado oposto.
Fiquei ali paralisado, olhando-a enquanto processava o que ela tinha dito. Não foi a primeira vez que se referia a mim daquela maneira. E eu que achei que estávamos dando certo, mas parecia que tinha se dado conta de quem eu era no passado, e aí já não estávamos mais.
Levantei da cama, peguei apenas meu travesseiro, fui até o quarto de e a peguei para colocá-la deitada na cama com a mãe. Desci para o andar de baixo e me deitei no sofá, onde planejei que dormiria quando começamos aquele casamento de fachada e onde eu pensei que odiaria dormir ao lado de todas as noites.
Mas acho que nunca fui tão a fundo naquele sentimento como naquela noite. Parecia que nada iria nos fazer deixar aquele ódio para trás, e assim como eu dormir no sofá já era previsto e inevitável, estragar tudo como seus medos e inseguranças também era.
’s point of view.
Acordei no meio da noite, sonolenta. Era minha vez de cuidar da bebê, então me forcei a sair da cama e deixei quietinha com sua chupeta e o pai dela na cama, depois fui para o andar de baixo preparar sua mamadeira. Coçava os olhos enquanto descia os degraus devagar, para não cair escada abaixo, e já na cozinha acendi a luz, levando um puta susto ao ver algo em cima do sofá da sala.
Ainda com a mão no peito, me aproximei devagar, identificando os cabelos de no travesseiro dele. Recuei meus passos quando me dei conta do que aconteceu e engoli em seco. Voltei para a cozinha imediatamente, ofegando ao perceber que devia tê-lo magoado pelo que disse.
Preparei o leite de enquanto aqueles pensamentos me ocupavam a cabeça. A culpa me tomava, mas ao mesmo tempo, eu sabia que apenas tinha sido sincera sobre meus sentimentos em relação a ele e a nós.
Quando passei de volta pela sala e cheguei até o início das escadas, parei ainda enxergando sua sombra deitada ali. A minha vontade era chamá-lo de volta pra cama, onde ele parecia pertencer desde o início do nosso casamento, mas me contive por saber o que exatamente o tinha magoado. E ser egoísta chamando-o de volta para mim, quando na verdade tinha acabado de praticamente dispensá-lo, faria de mim uma filha da puta.
Por mais que eu quisesse muito tê-lo ao meu lado, tinha que aprender a respeitar seu espaço quando não desejasse mais estar comigo. Antes de me deitar, após dar de mamar a bebê, pensei no que Amélia me disse sobre encontrar outra pessoa para ficar.
Respirei fundo, tentando em vão segurar o choro que me subiu à garganta. Eu sabia que aquela era uma possibilidade, ainda mais vendo o quão maduro e comprometido ele estava, não seria nem um pouco difícil para seguir em frente e desencanar de mim. E aquilo de certa forma me machucava e me deixava com medo.
Despertei cedo no dia seguinte. Apesar de não ter pregado o olho desde que descobri que estava apenas com na cama, teria que levantar e ir para a faculdade.
Tomei um banho rápido e me maquiei minimamente, apenas para esconder a noite mal dormida e tentar disfarçar a cara péssima que tinha me levantado aquela manhã. Estava chateada. Não foi daquele jeito que planejei meu retorno à faculdade. tinha dito que me levaria, e apesar de eu ser bem grandinha pra pegar um ônibus e ir sozinha, não podia negar que estava com medo e nervosa demais para gostar de ir sozinha.
Eu devia estar feliz, mas não era daquele jeito que me sentia.
Quando fui até a cozinha, não encontrei no sofá. Cheguei a pensar que talvez ele tivesse ido para um dos quartos de hóspedes. Não tive coragem de conferir, tive medo de dar de cara com ele. Talvez fosse melhor assim, eu sairia mais cedo e ele ficaria para deixar com Elisabeta antes de ir trabalhar. Só o veria quando ele chegasse à noite, e talvez eu pudesse evitar encontrá-lo me deitando antes. Se ele fosse dormir no sofá ou em qualquer outro quarto da casa para não me ver… Bom, foi por aquele motivo que escolhemos aquela casa tão grande mesmo, para ficarmos bem distantes um do outro.
Enquanto fazia o café, fui olhar minhas mensagens do celular após lembrar de que tinham nos enviado as fotos do aniversário do na mesma noite, e com a confusão do sequestro, não tive tempo e nem cabeça para ver. Na minha galeria, algo me chamou atenção e desviou completamente o foco das fotos em si.
Me deparei com um vídeo, gravado no nosso quarto. Tudo nele era extremamente confuso e caótico. Nossas risadas se misturavam com os barulhos que a cama fazia cada vez que nos movíamos naquela briga travada pelo celular. Ouvir me dizer “eu te amo” de novo depois de ontem à noite me despertou um aperto no peito.
Encarei a imagem final, que era eu acariciando seus cabelos até que ele pegasse no sono, beijando seu rosto após ter conseguido o que eu queria. Era para ser um vídeo engraçado, mas eu acabei de assisti-lo com os olhos cheios de lágrimas.
Ouvi passos na sala e bloqueei a tela rapidamente.
— Bom dia.
Apoiei-me na pia, ouvindo sua movimentação pela cozinha. Não precisei olhar muito para vê-lo ir até a geladeira vestindo suas roupas de correr.
-— Bom dia — funguei, disfarçando meu estado anterior.
Quando ele se sentou já com o leite em mãos, me virei para olhá-lo de costas. Lamentei pela frieza que aquela cena tinha se desenrolado. Parecia que tínhamos voltado no tempo, nos nossos primeiros dias naquela casa.
Cruzei os braços, frustrada. Ao menos antes tínhamos uma possibilidade de nos tornar o que éramos hoje, mas depois de tudo o que foi dito, acho que já não tinha mais um jeito de voltar a nos relacionar de novo.
olhou em volta da mesa e entendi que ele procurava a cafeteira, mas antes que eu pudesse dizer algo, o vi levantando e vindo em minha direção buscá-la, sem ao menos olhar pra mim. Me retorci onde estava, sentindo o choro vir à tona.
Tinha que tomar café também, mas desisti ao ver que estava sendo tratada como se não estivesse ali. Se os dias naquela casa passassem a ser daquele jeito, então talvez eu devesse dar um jeito de acordar mais cedo para não encontrá-lo também na cozinha de manhã.
— Não vai tomar café?
Parei já próxima da porta. Não me virei, apenas respondi secamente:
— Vou comer algo na faculdade.
— , olhe pra mim.
Respirei fundo antes de me virar e encarar seu rosto. suspirou, me analisando. Eu devia mesmo estar péssima.
— Vem cá.
Fui quase correndo, regressando meus passos até ele. me tomou nos braços, sentando-me em seu colo e me abraçando. Tomei seus lábios com urgência, parecia que eu tinha ficado dias sem beijar sua boca. Eu ofegava aliviada, não tinha gostado da sensação de perder aquilo.
— Não gosto mais de brigar.
riu fraco, concordando comigo.
— Você me magoou ontem.
Me afastei um pouquinho para olhar seu rosto sério.
— Me desculpa — franzi a testa, realmente arrependida. Mesmo que nada tivesse sido proposital, eu ainda sentia muito.
— O que quis dizer com “alguém com você”?
— … — supliquei para não voltarmos àquele assunto.
— Tá, entendi. Não quer falar sobre. Mas ao menos pense no que Amélia te disse.
— Por quê? Por acaso está querendo voltar com a Dafne? — meu coração se acelerou.
— Está vendo?
Reviro os olhos, ameaçando sair de seu colo. Lá íamos nós de novo.
— Eu não quero Dafne, eu quero você!
— Para com isso… — Apesar do frio na barriga, eu tinha medo de ir tanto pela emoção. E no caso de e tudo o que ele me despertava… era muito arriscado.
— Não, , pare você com essa indiferença fingida em relação a nós dois.
— Isso não importa, . Eu te conheço o bastante pra prever que vou sair magoada dessa história toda.
— Se me conhecesse tanto como diz, veria que não sou o mesmo, que nada mais é como antes.
Eu via! Mas não era somente aquilo que era preciso para me convencer. Na verdade, àquela altura nem eu sabia mais que provas eu queria para ceder.
— Você não está nem tentando!
Meu celular despertou em cima da mesa, chamando minha atenção. Era o horário de ir, caso contrário, perderia meu ônibus. Suspirei, frustrada por estarmos no mesmo lugar de antes. Me perguntei se seria sempre assim para nós, já estávamos desgastados de tudo aquilo.
— Tenho que ir pra aula — saí de seu colo, mas ele segurou minha mão antes que eu pudesse me afastar.
— Pensa sobre isso, por favor?
Relutante, acenei com a cabeça, recebendo aquela bomba nas mãos. O nosso destino estava nelas, aparentemente. já tinha tomado uma decisão, mas precisava que eu concordasse. E por mais que eu quisesse muito dizer sim, ainda era a medrosa que sempre fui.
me seguiu até a sala, onde minha bolsa estava me esperando no sofá. Aquela discussão até me distraiu do nervosismo do primeiro dia de aula.
— Boa sorte no primeiro dia de aula — disse ele, e eu sorri nervosa, deixando-o ajeitar meus cabelos para trás da orelha. — Amanhã prometo que te levo.
— Obrigada — separei-me dele e saí porta afora, repassando o caminho que faria pela cabeça para não me perder. Eu já era uma negação em transporte público, ainda mais depois de tanto tempo sem andar em um.
No caminho fiz o que tinha me pedido antes que eu saísse de casa. Dessa vez ele não me pediu para pensar com carinho, mas eu o faria mesmo assim. Não havia mais nada que eu não fizesse que o envolvia que não existia ao menos um resquício de sentimentos bons no meio.
Eu sabia o motivo de ser tão difícil de ser acessada, tinha noção de que afastava mais do que aproximava, e admirava muito a persistência de de tentar durante todos aqueles meses. Ele parecia sincero no que dizia, no que sentia. Nunca imaginei ver o que conheci e odiei por tantos anos fazer tudo o que ele vinha fazendo por uma mulher.
Ele deu muito azar de esbarrar comigo daquela maneira. Justo eu? Que tinha medo de me machucar, de rejeição ou qualquer outro tipo de receio que poderia se comprar a uma paranoia preocupante? Eu sempre me antecipava, criando os piores e mais catastróficos cenários em minha cabeça para me paralisar diante de um futuro que eu não conhecia, portanto não conseguiria me defender de mágoas se o que eu previa pudesse acontecer.
E o que eu previa? Não sabia mais o que realmente me amedrontava em relação a ele, só tinha certeza de que eu era muito fechada e cercada de defesas para alguém tão aberto e de mãos vazias. Éramos opostos naquele aspecto; enquanto ele demonstrava, eu retraía. Era uma grande guerra de avanços da parte dele e recuos meus.
Me perguntava até onde sua teimosia o permitiria avançar, ou até quando eu aguentaria me encolher e sufocar tudo aqui dentro.
Às vezes queria deixar de ser eu, nem que fosse um pouquinho, e avançar contra ele sabendo que nenhuma guerra jamais foi vencida com tantos recuos. Pode até ter sobrevivido mais soldados, porém, nenhum deles deve ter sentido o real gosto da vitória em si.
Pensei na frase que ouvi de noite passada, sobre qual seria a lógica de sentir algo sem correr riscos. Era a mesma linha de raciocínio: qual o sentido de estar vivo e viver preso dentro de si, sufocado por tudo o que sente?
Me vi temendo algo diferente do medo inicial, que era me abrir para e me machucar, mas sim de me arrepender de não tê-lo feito.
De qualquer forma, me vi tendo que dar o braço a torcer, e para isso eu teria que me arriscar um pouco.
Quando meu marido voltou, já ao anoitecer pra casa, conversei com ele sobre a possibilidade de tentarmos fazer um teste para ver se funcionaríamos bem como um casal real. Mesmo que já estivéssemos naquela há um tempo depois que paramos de ficar com outras pessoas, ainda assim era uma nova fase no relacionamento. Se é que poderíamos chamar assim.
Na cama, antes de dormir, desabafei com ele sobre como me senti péssima na faculdade. Eu não me lembrava como se fazia amigos mais, senti a falta de Grace a aula inteira e fui colocada num grupo de trabalho com três meninas e um cara que pareciam bem entrosados enquanto eu não conhecia ninguém ali. Senti que eles não queriam mais alguém no grupo, mas o professor me encaixou e eu tive que ir.
Como se não bastasse, eu ainda recebi a notícia de que provavelmente teria que fazer meu TCC sozinha, já que estávamos no fim do último semestre e os grupos já estavam formados e lotados.
— Nós te achamos muito legal, se quer saber — indicou adormecida na cama ao nosso lado com o queixo.
Me aconcheguei em seu peito, sorrindo de forma contida. Era bonitinho como tentava me consolar sobre meus problemas de adaptação na faculdade, como se ele e pudessem fazer parte do meu grupo de TCC.
Mesmo que fosse uma alternativa inconcebível, me consolava um pouquinho imaginar aquilo acontecendo.
— Vocês não contam — murmurei risonha contra o tecido macio de seu pijama.
— Quer opinião mais relevante do que a da sua filha e do seu… namorido?
Levantei a cabeça imediatamente, tentando ver seu semblante no breu que estava no nosso quarto. Não consegui ver sua expressão, se segurava o riso ou se apenas sorria serenamente. Ele também não pôde ver a minha, que estava mais para confusão do que para qualquer outra coisa.
— Vamos evitar usar rótulos, sim? — voltei a me deitar, ainda contrariada. Aquela era uma discussão frequente, e justamente por já ter acontecido mais vezes que podíamos contar, eu decidi não iniciar outra. Começaria a me fazer de doida que nem ele, parecia funcionar para . — Não se esqueça que estamos fazendo um test drive.
— Você não me deixa esquecer, — murmurou, emburrado feito uma criança. Ri e beijei seu pescoço, deixando alguns beijos em sua boca.
Estiquei-me para desligar o abajur enquanto bocejava, caindo de sono. Amanhã teria mais aula e eu tinha que aprender a lidar com minhas frustrações se queria me formar de vez. O que me consolava era saber que faltava muito pouco.
Capítulo 46
O dia se passou sem muitas surpresas aparentes, Jordyn tinha me lembrado sobre a visita da minha mãe e estranhei o fato de que ela não tinha aparecido para almoçar como disse que faria, parecia tão determinada a falar comigo e depois simplesmente sumiu? Estive tão distraído com toda a situação com que nem me toquei daquele detalhe.
Chegar cansado do trabalho ainda seria algo que minha vida caótica não me permitiria abrir mão por muitos anos até a velhice e a sonhada aposentadoria, mas por sorte, chegar em casa e encontrar aquelas duas também fazia parte dela e mesmo exausto pela rotina eu sentia que de alguma forma minhas energias se recarregavam no momento em que as via.
Vim o caminho todo pensando em e em como devia ter sido seu dia na faculdade, me deixava triste saber que ela tinha dificuldades de se enturmar aos vinte e um anos. Era engraçado ao mesmo tempo, afinal esse tipo de problema acomete apenas crianças. Ou pelo menos era o que eu achava. Não pude deixar de compará-la a crianças também quando lamentei o fato de não ter conseguido levá-la pra faculdade aquela manhã.
Apesar do infortúnio e de ter tido a mesma discussão nos únicos três meses que passamos juntos, daquela vez eu me permiti ter alguma esperança de que iríamos avançar um pouco. Ou, ao menos, que saíssemos do lugar onde estávamos estacionados desde o início.
Subi as escadas sentindo a casa silenciosa, o que não era muito comum principalmente depois que passou a dar seus gritinhos e balbuciar. Todos os dias e eu parávamos o que estávamos fazendo para olhá-la em expectativa, inocentes, achando que ela soltaria sua primeira palavra tão nova, mas o máximo que conseguíamos eram sorrisos bangelas e muita, muita baba.
O que não deixava de ser incrível também.
Adentrei nosso quarto e me deparei com ambas deitadas na cama, com ocupando a maioria do espaço mesmo que fosse fisicamente impossível. enchia a cama de barreiras para se auto impedir de esbarrar em cima da neném enquanto dormia, era uma cena adorável e ao mesmo tempo engraçada pelo exagero dela.
Desde que aquele pesadelo acabou, senti cada vez mais grudada em , chegou até a cogitar desistir da faculdade mesmo com as provas de que Elisabeta não teve nada a ver com o sequestro, e não era por não confiar na babá, era por medo de ficar longe da filha novamente. dormiu no nosso quarto desde a primeira noite que passou de volta em casa, e assim permaneceu, ocupando o berço portátil ao lado da nossa cama desde então.
Fui até o banheiro nas pontas dos pés para não acordá-las e após tirar meu blazer, liguei a água da banheira, voltando para o quarto após ouvir sua voz rouca de sono me chamar.
— Oi. — Me inclinei sobre o colchão, beijando seus quadris por cima da camisola e subi com a boca, deixando mais alguns beijos pelo caminho até que encontrasse seu pescoço e rosto quentes.
Os dedos de me afagaram os cabelos devagarinho, trazendo-me um aconchego familiar.
— Oi. — Observei seu sorriso na meia luz do quarto iluminado pelo banheiro aberto.
Acariciei sua barriga, voltando a beijar seu rosto na lateral, indo a caminho de sua orelha, onde mordisquei seu lóbulo. suspirou enquanto minha mão passeou por seu corpo deitado.
— Quer ir pra banheira comigo? — Lhe sussurrei ao pé do ouvido, sentindo-a encolher os ombros.
Não transávamos há alguns dias, e apesar de pra mim parecer meses, era compreensível que toda a situação envolvendo o sequestro e o estresse causado nos tiraria a vontade. Mas depois que passou, não consegui tomar iniciativa, e esteve tão focada em e agora na faculdade, que não tive coragem de abordar minhas vontades.
Não queria ser o cuzão que via a esposa como feita apenas para sexo, sabia que não era meu caso, por isso por mais que estivesse morrendo de saudades, fiquei quieto e fui paciente.
Aquele convite foi um ato repentino de coragem.
virou o rosto ainda com a mão em meus cabelos e me beijou devagar, senti um alívio enorme quando sua língua tocou a minha e ela aprofundou o beijo mais e mais.
Ou aquilo era um sim ou eu estava ficando doido de abstinência.
Quando ela deixou a cama devagar com medo de despertar a bebê já senti meu coração se acelerar, lhe agarrei os quadris grudando meu corpo ao dela, fazendo-a me sentir duro contra sua pélvis, ofegou enquanto íamos aos amassos em direção ao banheiro.
Quando chegamos na porta, a encostei no batente branco, abaixando-me para desamarrar os sapatos e me livrar da meia que vestia, a loira esperou pacientemente ainda ofegando e em brasa com o simples contato entre nós depois de tantos dias. queria tanto quando eu, e saber daquilo apenas aumentava ainda mais meu tesão.
Aproveitei minha posição para me ajoelhar diante dela e levantar aquela camisola fina, revelando sua calcinha preta que a aquela altura já estava molhada. Puxei para baixo, tendo sua ajuda após passar a peça pelos tornozelos, enfiei a cara debaixo da saia, sentindo seu cheiro e beijando sua intimidade. arfou silenciosa, ainda preocupada com a bebê adormecida na nossa cama.
Tinha que tirá-la dali, queria ouvi-la gemer, fode-la tão forte que o barulho ecoaria pela casa em silêncio.
Subi minhas mãos até sua cintura e à medida em que me levantava, levava comigo a peça revelando seu corpo desnudo pouco a pouco e assistindo-a as arrepiar em desejo e ansiedade à medida em que ficava nua pra mim.
Só pra mim.
A peguei pela nuca tomando sua boca, lhe guiei para o banheiro enquanto a encoxava, segurando seu quadril contra meu corpo, ouvindo seu ofegar a cada passo torto que andávamos colados um no outro.
— Eu sempre fico pelada primeiro. — resmungou quando a prensei contra a pia gélida de mármore.
Ri junto dela, não seja por isso, desafivelei meu cinto e desabotoei minhas calças, passei a beijar e morder seu pescoço fino a medida em que sofria ao tentar abrir os botões da camisa preta que eu usava, completamente sem coordenação de tão trêmula que estava.
Quando enfim conseguiu, passou as mãos pelo meu peito exposto, raspando as unhas por minha tatuagem no abdômen e me deixando cada vez mais duro dentro da cueca. Seus dedos deslizaram por minha pele, suaves até que sua boca encontrasse a minha e, num movimento só, ela arrancou a peça passando-a com rapidez por meus braços. Baixei minhas calças junto com a cueca, finalmente libertando meu pau dolorido de tanto esperar.
o pegou ao me olhar safada, ofeguei com seus movimentos lentos, a mão subindo e descendo por toda a extensão. Tudo o que eu mais quis nos últimos dias foi ter seu toque em mim de alguma maneira, não estava conseguindo aguentar me aliviar no banho, não era a mesma coisa sem aqueles olhos azuis, sem seu cheiro, os cabelos longos entre meus dedos e a maciez daquela pele.
Minha mulher virou-se de costas, empinando aquela bunda gostosa para mim, mordi o lábio com força, perdendo o ar que tinha acabado de inspirar. ainda me deixaria louco e o pior é que daquela vez ela realmente estava tentando e eu poderia afirmar com todas as letras que tinha dado muito certo.
Sua olhadinha para trás enquanto a mão delicada direcionava meu pau até sua entrada me fez gemer, a deixei colocar a cabecinha dentro e fazer tudo no próprio tempo, também pudera, eu estava num completo estado de êxtase e o melhor de tudo era que não tínhamos nem começado.
Meti devagarinho, observando sua reação pelo espelho à nossa frente. se inclinou sobre a pia e eu pude assistir de camarote sua expressão de dor inicial se transformar em um prazer desconcertante. Passei a movimentar o quadril aumentando a velocidade gradualmente, ela me tocava a bunda, puxando-me para cada vez mais adentro de si, gemendo e ronronando cada vez mais alto.
Quando dei por mim já fodia com força, fazendo o que ela tanto me implorava em meio ao tesão incontrolável, aguentava toda minha extensão e adorava quando ainda por cima eu lhe estapeava a bunda que a aquela altura já estava vermelha. gemia feito uma vadia, deixando-me cada vez mais instigado, eu estava quase gozando, mas me segurava porque queria que ela fosse primeiro.
Tirei de repente, amparando-a suada e de pernas trêmulas, num impulso a subi em cima da pia. Iria deixá-la gozar e também estava louco para fazê-lo, mas não a queria de costas, queria cara a cara, assistir de camarote seus olhos se revirarem e vê-la soluçar de prazer diante dos meus olhos.
Abri suas pernas, chupando sua buceta que aquela altura já escorria de tão excitada que estava. escorregava sobre o mármore vez ou outra, simplesmente por não conseguir ficar parada enquanto rebolava gostoso contra meu rosto, a fiz gozar ali, metendo dois dedos dentro dela, que descontava tudo na pobre torneira, que era de ótima qualidade aliás, pois aguentou firme e forte os trancos que ela dava em meio ao desespero delicioso que lhe tomava por completo.
A deixei respirar um pouco, fui desligar a água que já tinha enchido até demais a banheira, abri uma das gavetas em busca de camisinha, quando encontrei vesti já voltando a mulher ainda sentada sobre a pia. A loira sorria abertamente em minha direção, atenta a qualquer movimento meu.
— Ainda quer mais? — Fui irônico e muito hipócrita, afinal de contas eu também queria mais, sempre queria mais quando se tratava de .
Ela assentiu veemente, satisfeita com minha aproximação. Eu praticamente rastejei até ela, hipnotizado com a imagem dela completamente aberta para mim.
— Que safada essa minha namorada é. — Me encaixei entre suas pernas e grudei minha testa na dela, riu baixinho concordando descaradamente.
Que era uma safada.
E que era minha namorada.
Sabia que ela não era confiável enquanto eu estivesse nu diante dela, pelo meu pau era capaz até de confessar um crime que não cometeu, mas aquilo pelo menos era um começo.
No início negávamos tanto que nos desejávamos, e olhe aonde a gente chegou, não é mesmo?
— Me fode, .
Bom, o desejo dela era uma ordem que eu jamais seria capaz de não acatar, é claro.
***
— E sua mãe, por onde anda? — Ri pelo nariz ao notar a aleatoriedade da pergunta.
Tínhamos praticamente acabado de nos sentar ali, suados após toda a ação que protagonizamos em cima da pia e encostados no balcão do banheiro.
Adorei o experimento de transar em frente ao espelho, jamais esqueceria da cena que era vê-la se assistindo enquanto atingia ápices de prazer inimagináveis. Quando pensei que não poderia ser mais linda e sexy, me vi surpreendido como sempre ao constatar que sim, não só podia como sempre arranjava um jeito de me fazer ficar cada vez mais obcecado por ela.
— Não sei…Ela não apareceu para almoçar como disse que iria. Se tivesse, eu teria te ligado pra contar como foi. — sorriu orgulhosa por ter me tornado um marido fofoqueiro como ela sempre sonhou em ter.
Notei seu olhar fixo na parede após o pequeno silêncio que fizemos a partir da minha resposta. Me remexi debaixo dela, ajeitando-a sobre minhas coxas e despertando-a do transe.
— Realmente aconteceu só o que me contou? — Minha esposa assentiu ainda calada. Não fiquei satisfeito com a resposta, afinal de contas se eu tinha que ser fofoqueiro, queria que fosse recíproco da parte dela. — …
— Eu não sei, . Sua mãe ficou estranha quando viu … — Murmurou receosa. — E eu posso estar ficando doida, mas notei que a chupeta dela sumiu…
— O que está dizendo, que ela roubou a chupeta da neném? — Ri incrédulo.
— Sim. — me encarou por cima do ombro. Desfiz meu sorrisinho, ela estava falando sério mesmo. — Sua mãe pegou do chão quando caiu e…meio que escondeu atrás de si para que eu não pedisse de volta caso visse…Será que ela é cleptomaníaca agora?
Gargalhei sem conseguir me conter. Eu adorava as teorias da conspiração que criava na própria cabeça, era fascinado com tudo o que saia de sua boca e em como sua mente funcionava. Além de ser criativa com moda, ela ainda era uma ótima contadora de histórias.
— É sério, ! Porque então ela pegaria uma chupeta? Se nem gosta da . — Cruzou os braços emburrada.
— Não sei, amor, mas com certeza não é porque ela resolveu sair por aí roubando de crianças de colo. — Lhe apertei em meus braços, beijando sua bochecha. Tive que fazer uma força descomunal para não rir do que tinha acabado de dizer. — Vamos mudar de assunto, não quero lembrar que existe alguém nesse mundo que não é apaixonado por .
— Tem razão, é inacreditável mesmo. — Sorriu fraco, sendo manhosa enquanto ainda era amassada entre meus bíceps.
— Vamos falar de coisa boa, vamos falar de nós dois. — franziu a testa gargalhando.
— E qual seria o tópico da vez? — Arquei as sobrancelhas, não era nenhuma novidade, era o mesmo de sempre. — Vai em frente, desembucha. — O tédio em sua voz me fez ficar ofendido por um segundo antes de eu começar a falar.
Era um milagre somente o fato de se mostrar aberta a uma discussão.
— Vamos retomar aquele assunto do test drive? — Tentei mascarar o receio em minha voz, mas como sempre nada passou despercebido daquele par de olhos claros e atentos. — Você pensou no que falamos hoje?
Talvez fosse muito cedo para cobrá-la de alguma coisa. Mas eu estaria mentindo se dissesse que não pensei e muito durante todas as horas daquele dia. Era inconcebível que, se ela estivesse na mesma página que eu, tivesse conseguido fazer qualquer outra coisa além de pensar em nós.
Se não pensou, então eu deveria me preocupar por estar sozinho naquela história.
suspirou antes de girar o tronco em minha direção. Me preparei para o pior, quase cheguei a fechar os olhos para receber mais um dos seus quinhentos “nãos”.
Às vezes nutria a esperança idiota de que tinha um número de nãos para sair distribuindo por aí, e que algum dia ela gastaria todos e passaria a apenas dizer sim para tudo o que lhe propusessem.
Ah, se pudesse ler mentes, pularia direto para os “sim”s e aproveitaria o melhor que a vida poderia lhe dar ao meu lado. Porque ao contrário dela, eu não conseguia negar nada que ela me pedisse.
— Sim, eu pensei… — Comprimiu os lábios antes de prosseguir. — E percebi que estamos nessa já tem um tempo, só ainda não nomeamos nada, nunca tivemos que decidir isso…
Concordei, dentre todas as decisões drásticas que tivemos que tomar desde que adotamos , por incrível que poderia parecer, aquela estava sendo a mais difícil delas.
Quer dizer, difícil para , né? Eu mesmo estava convicto do que queria, arriscaria dizer que nunca estive tão certo de algo em toda a minha vida.
— Essa é a questão. Estamos namorando? — A encarei em expectativa.
O que eu faria se ela dissesse não? Nunca tinha chegado naquela parte.
— Sim, . Satisfeito?
Bom, felizmente eu nunca saberia.
Abri a boca para falar algo, mas fechei rapidamente com medo de escapulir uma reação exagerada como um grito agudo demais para um pai de família, ou algo másculo demais como a comemoração bizarra de um gol digno de final de copa do mundo.
Limitei-me em assentir respondendo sua pergunta retórica.
— Quer ligar pros meus pais e pedir permissão a eles também?
Neguei com a cabeça de olhos estreitos. O que tinha de gostosa, tinha de atrevida. O que apenas a tornava ainda mais gostosa aos meus olhos.
— Não precisa, sua permissão já está de bom tamanho. — Apesar de achá-la deliciosa quando era provocado, fiquei na minha, hasteando minha bandeira branca e tentando esconder o tamanho do sorriso que lutava para me rasgar o rosto.
— O que foi? Tá tão apaixonado que não consegue parar de me olhar? — Encarei suas costas desnudas e molhadas diante de mim e não resisti a tentação de passear com as pontas dos dedos por sua pele macia.
— Sim. — Disse simplesmente a verdade.
No meio de tantas mentiras ditas, estar a sós com ela era o único momento em que eu poderia ser cem por cento sincero.
E com nosso novo status de relacionamento, corajoso também.
— Engraçadinho. — Notei seu rosto vermelho antes que pudesse escondê-lo deitando-se sobre meu peito para disfarçar.
Mordi o lábio cutucando sua cintura e lhe fazendo cócegas.
— Eu falo sério. — Sussurrei em seu ouvido, sentindo-a se encolher sobre mim com o ato.
Ouvi sua risada e sorri acompanhando aquele som melodioso, tomei sua boca quando a vi se virar para mim e aproximar nossos rostos. Sua mão pousou-se em minha nuca, onde ela deixou um carinho enquanto enroscava a língua a minha devagar e demoradamente.
Céus, eu poderia facilmente fazer aquilo por horas.
— Vou considerar isso como um “eu também”.
Senti-la assentir contra meu peito fez meu coração acelerar tanto que se fosse antes eu me preocuparia se ela iria perceber, mas hoje, depois de tudo o que foi dito e feito, já não pensava antes de falar mais nada. Estava colocando todas as cartas na mesa, sendo cem por cento honesto com meus sentimentos como nunca fui antes com outra pessoa.
estava se abrindo pra mim, eu estava sendo paciente, os pequenos passos que ela dava em direção a mim me causavam efeitos duradouros e seus pés não pareciam querer recuar. Eu estava há tanto tempo lhe confessando o que sinto, que quando recebia algo de volta apenas confirmava de que era certo.
Não tinha certeza ainda, não era algo concreto. Mas a forma como tudo parecia certo quando estávamos juntos me deixava seguro, e esperava que também pudesse se sentir igual.
Eu faria de tudo para que sim.
— Essa banheira é um pouco pequena pra nós dois, não? — Se remexeu em cima de mim, fazendo-me rir.
Eu tinha percebido no momento em que nos sentamos ali, cheguei a ajeitá-la entre minhas pernas, apesar de parecer desconfortável no início me acostumei com seu peso em meu peito e abdômen. Era para aquilo que eu malhava no fim das contas.
— Não compramos a casa para dividirmos os mesmos espaços, lembra? — se virou rindo fraco, percebi seu olhar longe e imaginei que estava se lembrando assim como eu da nossa primeira visita a aquela casa.
— Ainda tem aquela foto minha com cara de susto? — Gargalhei relembrando sua expressão quando falei que a casa seria dela. — Porque fez aquilo? Digo, sei que queria me deixar com um lugar pra viver com quando o divórcio saísse, mas…você me odiava, como você compra uma casa pra alguém que não suporta?
Encostei-me na banheira pensativo.
— Talvez não odiasse tanto quanto dizia. Entende?
— É, costumávamos falar com tanta certeza que nunca cheguei a me questionar os motivos…
— No fim das contas era tudo uma bobagem. — A envolvi em meus braços, beijando sua bochecha.
O do passado me esganaria se ouvisse desdenhar de sentimentos tão fortes e vívidos dele daquela forma. A vida era engraçada, antes eu vomitaria só de pensar em beijá-la, mas agora é tudo o que eu quero fazer pelo resto da vida.
— Você se deu conta disso primeiro, lembro que eu ainda tinha certeza que te odiava quando começou a se preocupar comigo sem nem perceber.
Me mantive calado, foi tão imperceptível que nem me recordava quando comecei.
— Lembra daquela noite, depois da delegacia? Você odiava que comessem no seu carro, quase infartou quando abri um salgadinho, mas depois no hospital, comprou um pra mim comer no caminho porque sabia que eu estava faminta.
— Eu estava fazendo uma boa ação. — Tentei justificar. Não me lembrava de ter sido tão cachorrinho dela tão cedo assim.
Naquela noite nem juntos nós morávamos ainda! Nem tínhamos nos beijado direito, não fazia o mínimo sentido eu já estar doido por ela tão rapidamente.
Ou fazia? Considerando o fato de que eu não percebi no momento em que estava sentindo algo por ela, resolvi não arriscar e tentar adivinhar.
— Ah, corta essa, você estava doido pra me ter, isso sim.
Presunçosa demais, depois era eu quem tinha o ego do tamanho daquela casa gigantesca. Não pude deixar de rir contra sua nuca, como não tinha argumentos para continuar negando, permaneci calado.
Esvaziamos a banheira antes de voltar para o quarto, havia algo extremamente relaxante na atmosfera do ambiente naquela noite. Não sabia se era a maciez do tecido do pijama que vestíamos ou o cheirinho de neném que estava por todo canto onde estava. Suspirei antes de me entregar para o sono sabendo que depois de muito tempo temendo perdê-las ou me preocupando com o que eu sentia, finalmente poderia estar em paz.
Estávamos juntos. E daquela vez, por mais surreal que pudesse parecer, era de verdade.
***
Despertei antes dela como sempre, sem nenhuma surpresa, a notei esparramada em seu lado da cama, já descoberta de tanto que se mexeu durante a noite. ressonava junto dela intacta, realmente conseguia cuidar para não atingi-la com seus pés e braços durante a noite, achava engraçado que eu não recebia o mesmo cuidado.
Não que eu tenha do que reclamar, já era de praxe acordar com sua mão em meu rosto do nada, arriscava a dizer que sentiria falta caso não a tivesse mais invadindo meu espaço em todo amanhecer.
Ri ainda encarando-as, sem me importar de atrasar um pouco minha corrida matinal. Voltei a ver Megan pelo condomínio vez ou outra, porém desde o sequestro de , ela passou a manter uma certa distância de mim. Não entendia o que tinha mudado para ela, já que eu mesmo não tinha notado nada de novo em meu comportamento que a fizesse se tocar de que não rolaria absolutamente nada entre nós dois.
— Bom dia. — Beijei a bochecha enorme de diversas vezes e segui para o balcão, onde descartava as rosas já murchas no lixo.
— Bom dia. — Virou-se deixando um selinho casto em meus lábios. — Olha que dó, morreram todas. — Ri de sua cara.
Talvez a implicância de com ganhar flores fosse apenas por saber que iriam morrer e ela teria que jogar fora.
— Eu compro outras pra você. — Lhe abracei por trás, percebendo que ela nem se importou de eu estar suado e estar grudado nela.
— Hum, então vai ser assim daqui pra frente? — Beijei seu ombro ouvindo seu risinho de pertinho. — Vou ganhar rosas toda semana? Qual é o próximo passo, ?
A soltei franzindo o cenho. não desfez o sorrisinho esperto do rosto, me olhando em expectativa.
— Como assim, próximo passo?
— Sua conquista, o modus operandi…O que mais faz para atrair uma mulher pra si? — Revirei os olhos diante dela.
nunca se cansaria de se colocar no mesmo patamar de todas as outras mulheres que passaram por minha vida? Não via que era diferente de todas elas?
— Com você eu não preciso dessas fórmulas todas, já aconteceu, você é minha agora. — Peguei sua cintura, beijando sua têmpora.
Não precisei de joguinhos para tê-la, mas aquilo não significava que tinha sido fácil. Estava bem longe de ser.
Foi como escalar a mais alta e desafiadora montanha desse mundão, era demorado, me cansou por diversas vezes, mas eu tinha certeza, a chegada ao topo valeria todo o esforço.
E a vista, ah, a vista era de tirar o fôlego.
— Cuidado com essa história de que já está tudo ganho, viu? — Ri contra sua orelha. Eu sabia que ela iria protestar. — Eu preciso de manutenção.
— Relaxa, eu não vou mudar em nada com você, o que eu tenho contigo… — Respirei fundo, atraindo sua atenção. se virou sem se desvencilhar do meu abraço. — o que eu sinto com você…
Seus olhos azuis se focaram nos meus, passearam por cada ponto do meu rosto, o sorriso dela se fechou. Apesar de parecer um mal sinal, pude vê-la sorrir com os olhos, algo que nunca tinha reparado ninguém fazer mas que nela era notável há quilômetros de distância.
Coisa que eu antes julgava ser impossível, mas descobri que não era muito difícil reparar coisas tão pequenas quando se estava tão fixado em algo.
Eu simplesmente não conseguia tirar os olhos dela.
— Nunca tive com nenhuma outra. — Soltei um risinho constrangido, me senti como se estivesse completamente nu em plena avenida movimentada. — Por isso não há motivos pra seguir regras ou coisas do tipo.
— Mas todo mundo tem regras! — Joguei a cabeça para trás rindo, eu tinha previsto que ela diria aquilo.
— Não, , você tem regras pra todo mundo. Lembra-se? Aquele lance de não deixar ver Tv, não deixar chupar chupeta…Não se apaixonar por mim…
— Essa regra nunca existiu! — Protestou depois de me ouvir listar as duas primeiras calada, já que não poderia negar que as estabeleceu.
Foi um esforço bem grande para ela, eu sabia bem daquilo.
— Se existisse você teria quebrado junto com as anteriores. — me deu a língua, voltando a se virar para as rosas. Aquela era a minha deixa, porque senão, eu ficaria ali com ela a manhã inteira se pudesse. — Bom, vou ir tomar meu banho e…
— ? — Parei onde estava, uns passos de distância dela.
Os olhos azuis que me encaravam com curiosidade do outro lado da cozinha vacilaram um instante. Arquei a sobrancelha a incentivando a continuar. negou com a cabeça desdenhando, mandando-me voltar a subir para meu banho.
— Amor?
— Não é nada…é só que… — Respirou fundo largando o que estava fazendo antes. — Você me acha chata pelo meu jeito de ser?
Comprimi os lábios segurando um riso inocente, arregalou os olhos ofendida. Tive que ir até ela novamente, se não dissesse ou fizesse nada, ela acharia que minha resposta era sim.
Mas eu só estava achando engraçado aquela preocupação nessa altura do campeonato. Se eu fosse me importar com suas crises autoritárias ou seu jeito sistemático de ser, não estaria com ela daquela forma. Eu poderia afirmar antes de tudo o que passamos que sim, a achava insuportável com suas regras e vontades impostas.
Mas agora…Acho que não saberia mais viver de outra forma.
— Eu adoro seu jeitinho mandona de ser. — Tirei a mecha da frente de seu olho, guardando-a atrás da orelha. baixou a cabeça envergonhada, não deixando-me beijar sua boca. Não foi um problema para mim, deixei beijos em todas as partes de seu rosto que meus lábios alcançaram. — Você é muito fácil de ser amada. Já disse isso mil vezes e posso repetir outras mil.
praticamente ronronou em meus braços, fazendo-me apertá-la ainda mais em meu abraço.
— Estou gostando da sua versão namorado. — Ri contra seus cabelos enquanto ela só aceitava ser esmagada.
— Sou namorado, marido, inimigo…sou tudo o que você quiser que eu seja. — Agora já não me preocupava mais com rótulos, lógico que foi porque consegui o que queria.
Mesmo sendo tão insistente com aquele assunto, nunca compreendi ao certo o motivo da minha busca por um título durante todo aquele tempo. Antes de tudo, achava ser algo relacionado à posse, lembrava-me de relacionamentos passados onde as mulheres com quem eu saia praticamente exigiam serem chamados logo de namoradas. Mas no nosso caso acreditava que não era aquela a justificativa.
Tinha algo muito além do que uma nomenclatura, sentia que era uma evolução no relacionamento. Começamos do avesso como tudo entre nós desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Normalmente as pessoas se conhecem, se gostam, se amam e no fim tudo acaba no ódio. e eu tínhamos começado do final e depois tudo se embaralhou dentro de nós, o que éramos também se transformou aos poucos e acho que eu só queria definir tudo por receio de voltar ao início e retornar ao posto de inimigo.
— Não quero mais ser sua inimiga. — Algo explodiu dentro de mim, acontecia toda vez em que parecia ler meus pensamentos.
— Ótimo. — Beijei demoradamente sua bochecha. — Porque não quero mais brigar.
— Se bem que a reconciliação é tão gostosa… — A soltei para olhá-la em dúvida, seu sorriso faceiro apenas me fez rir em descrença.
Poderia parecer que minha personalidade tinha sido trocada em algum experimento científico louco e improvável, mas fazia um tempinho que tinha percebido que eu na verdade odiava brigar com ela. Mesmo com reconciliação depois, eu sinceramente não achava que precisávamos passar por nenhuma tensão para ter desejo um pelo outro. Descobri que gostava mais da calmaria do que do caos que estávamos acostumados a lidar.
— Gostosa é você. — Respondi por fim, afinal não queria discutir. Tomei seus lábios e migrei os beijos pelo pescoço, onde funguei sentido o cheiro de seu creme de cabelo.
— Vai tomar seu banho, vai se atrasar. — Fugiu de meus braços vermelha feito um pimentão.
Concordei me afastando novamente, afinal por trás de uma mulher mandona sempre haveria um marido obediente.
A rotina de sempre se seguiu durante aquele e os últimos três dias, passávamos as manhãs grudados em e eu me despedia delas pela manhã, depois de horas longe voltava louco para tê-las de volta durante o trajeto de trânsito intenso e infelizmente sempre previsível até demais.
Naquela manhã recebi a notícia de que depois de dias minha mãe finalmente tinha entrado em contato. Apesar de me sentir culpado em relação a isso, não fui atrás, estava focado em minha família, e ela mesma nunca se mostrou disposta a estar presente na nova fase da minha vida.
Achei que sentiria mais saudades dela e de meu pai caso tivéssemos uma separação brusca como foi a nossa, pensava que não suportaria perdê-los assim como perdi Grace. Mas era engraçado como, por mais doido que pudesse parecer falar algo assim em voz alta, a ausência deles não chegou a me fazer diferença. e preencheram todo o vazio que um dia pensei existir após aquela perda devastadora, sentia que tinha crescido tanto nos últimos meses, e acho que crescer significa cortar alguns laços, mesmo que seja com pessoas tão importantes como meus pais.
Precisei sair debaixo da proteção deles para me reconhecer como homem, tomar as rédeas da minha vida e até mesmo ser um funcionário melhor na empresa. Olhando hoje, eu poderia dar razão a do passado quando ela debochava do meu cargo na empresa, mas agora que assumi 100% a diretoria junto de Beatrice, posso ver que antes eu não tinha maturidade e nem comprometimento para levar o negócio pra frente. E sobre minha colega de trabalho, mesmo depois de ter esperneado muito e ainda ser dolorido dar o braço a torcer, ao analisar os números atuais eu pude ver que tínhamos feito um progresso muito grande juntos.
Apesar de ter confirmado com Jordyn sobre a ligação da minha mãe, além das brincadeiras na banheira, ainda não tinha falado sério com sobre o assunto. Sabia que ainda iria demorar para chegar em casa e que poderia ligar para ela contando, cheguei a falar com ela por mensagem como fazíamos todos os dias o tempo todo, mas eu simplesmente não tive coragem…
Nunca pensei que seria completamente sincero daquele jeito com mais ninguém além de Grace, mas com era muito difícil omitir informações, sequer me imaginava mentindo para ela. Mas me segurei durante todas aquelas horas, pensei muito sobre qual seria sua reação quando lhe contasse sobre ter aceitado ver minha mãe, conhecia o bastante para saber que ela ainda guardava mágoa por tudo o que meus pais fizeram desde o nascimento de , compreendia aquele sentimento e me sentia da mesma forma.
Mas também não consegui deixar minha mãe sem uma resposta. Estava curioso para saber o que ela tanto queria falar comigo, o que ela estava fazendo em Londres desde aquele dia e porque tinha viajado sozinha. Vê-la novamente me despertou uma saudade que estava escondida lá no fundo do meu peito, e apesar de saber que nada nunca mais será igual novamente, senti uma pequena chama de esperança de ter algo parecido caso ela ou meu pai tivessem se arrependido do que fizeram.
O que, mais uma vez, me levava até . Eu não sabia se ela algum dia os perdoaria. Nem mesmo eu tinha aquela resposta.
Quando cheguei em casa horas mais tarde, me peguei receoso mais uma vez ao abrir a porta da frente. Ouvi a voz de e tomei a decisão de omitir aquela informação, claro que sem nem saber até quando eu conseguiria, já que falávamos sobre tudo nos momentos em que tínhamos juntos. Talvez eu aguentasse ao menos até o dia seguinte, após o encontro, talvez fosse melhor até mesmo para , que não teria que ficar ansiosa para saber o que falamos, eu já lhe contaria tudo de uma vez.
Entrei em silêncio ao avistá-la de costas para a entrada, com o notebook aberto sobre a bancada, inclinada na mesa anotando algo em suas folhas espalhadas pela mesa. Sorri ao contemplá-la, algumas coisas nunca mudavam, permanecia a mesma nerd super dedicada aos estudos do tempo da escola.
Lhe abracei por trás surpreendendo-a.
— Oi, meu amor. — reagiu com um gritinho agudo, gargalhando em seguida.
— ! Eu estou em reunião com meu grupo de trabalho! — Só então notei a tela acesa diante de nós e as repartições de câmeras abertas na chamada de vídeo. — Saia, está nos atrapalhando.
Ofeguei ofendido, sua reação se assemelhou a de uma adolescente sendo envergonhada pelos pais.
Apesar do comentário, se virou para me dar um beijo casto antes de se livrar de minhas mãos ainda vermelha feito um pimentão.
— Me desculpa, eu não tinha visto. — Ri de sua reação, acenando para o pessoal, que era em sua maioria mulheres, restando apenas um homem no canto da tela. — Vou deixar vocês trabalharem. — Sai do campo da câmera e olhei em volta confuso. — Onde está minha filha?
— está dormindo. — me sorriu ainda sem graça. — Ela também apareceu na ligação de penetra, a coloquei na cama agora há pouco.
— Está tudo bem, isso acontece sempre por aqui. — A voz feminina soou do notebook. — Já está tarde mesmo, acho que foi a nossa deixa, depois continuamos a discussão.
— Ah, , eu revisei as medidas que tiramos hoje, estão corretas, agora é só botar a mão na massa e costurar. — Me atentei quando notei a voz masculina soar.
não pareceu notar, já que estava feliz demais por seus cálculos de medida estarem realmente corretos. Resumindo: ela nem ao menos notou que eu ainda estava ali.
— Não vejo a hora de ver isso pronto. Que pena que não estamos no mesmo grupo de TCC. — Outra participante lamentou.
— Também estou ansiosa pra ver o que vocês estão aprontando.
— Bom, de qualquer forma, se precisar de ajuda estamos por aqui. — O amigo tornou a falar.
— Muito obrigada gente, acho que até agora está tudo certo. — fez careta, juntando as mãos num nervosismo visível. — Já que vamos encerrar por aqui, boa noite pessoal.
Os demais se despediram e minha esposa baixou a tela, fechando o aparelho antes de se empenhar em arrumar a bagunça de papéis sobre a mesa.
— Ei, mocinha, nada disso. — A puxei pela mão, sentando-me numa das cadeiras próximas. — Quero que me conte tudo, como assim já conseguiu fazer tantos amigos?
— Não são bem amigos, é só um grupo que o professor me colocou para que eu participasse de algo junto da sala nesse semestre. — A loira se ajeitou em meu colo.
Como ela estava fazendo seu último semestre e os outros não, minha esposa tinha comentado o quanto aquilo contribuiu para fazê-la sentir deslocada na sala.
— Que nada, tenho certeza que é uma questão de tempo pra eles te adotarem de vez no grupo de amigos. — me olhou meio incerta. — Quem não iria te querer num grupo? Você é linda, inteligente, talentosa, uma gostosa.
A loira se encolhia enquanto ria das cócegas que sentia a cada vez que meus lábios lhe tocavam a pele quente.
— Pare de me beijar, não consigo pensar desse jeito! — Ri contra seu pescoço quente, ainda desobedecendo-a ao voltar a beijar a região.
sempre perdia toda a pose de mandona quando eu tinha meus lábios nela de alguma forma.
— E eu não consigo tirar os lábios de você. — Eu não poderia caçoar daquela fraqueza dela, afinal de contas parecia que nada conseguia me distrair de beijá-la a cada segundo que estava com ela.
Não importava o quão confuso, cansado ou estressado eu estivesse, sabia que era irresistível.
— Faça esse esforço então. — Me afastou de si ainda risonha, fazendo-me segura-la mais firme em meu colo.
— Não sei se consigo. Já estou me esforçando muito para relevar o fato de você ter contado tudo sobre seu projeto do TCC para seu amigo gay antes de mim.
— Quem é gay? — inclinou a cabeça para o lado feito um cachorro.
— Seu novo amigo, o Daniel. — Sorri como se fosse óbvio. Eu esperava que fosse, pelo menos.
— O que? Não, Dan não é gay. — Meu sorriso murchou no mesmo instante.
— Está me dizendo que hoje um hétero pegou todas as suas medidas com as próprias mãos?
Consegui imaginar um par de mãos tocando seu corpo, esbarrando os dedos sujos e podres nos quadris, barriga, na bunda da minha esposa com a desculpa de que estavam ajeitando a fita métrica.
— . — censurou. A encarei de sobrancelhas arqueadas. — Pare de besteiras, ele é só um amigo. Não acredito que vai implicar isso!
Maneei a cabeça contrariado. Eu não devia implicar mesmo, tinha voltado a estudar, era completamente normal ter amigos de ambos os sexos, eu mesmo tive amigas na faculdade que não tinha interesse algum.
E, ainda assim, Daniel nos viu juntos, ele não era nem louco de tentar alguma coisa com uma mulher muito bem casada.
— Eu não estou implicando. — Sinceramente? Estava sim. — Só estou surpreso.
Tentei fazer cara de inocente, mas acho que tudo o que enxergava ao olhar em meu rosto era a palavra “culpado” em letras garrafais escritas em minha testa.
Eu tentava me manter focado em nós, principalmente após nosso novo status de relacionamento em que eu não tinha que me preocupar com outros caras em cima dela.
Mas é que, era tão…, que eu ficaria era surpreso se o tal Daniel não quisesse algo com ela.
— E é muito preconceituoso da sua parte, achar que ele é gay só por cursar moda. — Hasteou o dedo pra mim, fazendo-me encolher na cadeira abaixo dela.
— Não é! Eu gosto de moda também!
— Moda, , não de modelos. Eu bem me lembro da sua obsessão pela Adriana Lima. — Ofeguei ofendido. Quem nunca foi obcecado por aquela deusa que atire a primeira pedra!
— Eu nem gosto de morenas. Prefiro loiras. — Desconversei tentando sair daquele assunto bobo. Me arrependi de ter começado aquela história, estava tendo razão de novo. Como sempre.
— Loiras, no plural, né? — Gargalhei voltando a tentar desmontá-la com beijos no pescoço. não deixava nada passar, impressionante.
— Nada disso. Só tenho olhos pra você. — Minha esposa me olhou de canto de olho. — Mas voltando ao projeto, conte-me.
— Na verdade eu queria te mostrar o restante só quando estivesse pronto. — A encarei calado por um tempo, pensando no motivo de não ter sido incluído no processo de criação dela.
Será que ela tinha medo de eu criticar ou não gostar? Talvez fosse receio de eu não entender nada sobre moda e acabar fazendo algum comentário ruim…Vai ver era por isso que ela tinha mostrado apenas para as novas amigas e para o Daniel.
Me peguei sendo um puta hipócrita, não gostando de tê-la me escondendo algo tão banal ao lado de notícia de que eu encontraria minha mãe no dia seguinte.
— Queria te preparar uma surpresa. — Seu sorrisinho com segundas intenções me trouxe de volta ao eixo, fazendo-me tentar esquecer o pensamento ruim que rondou minha cabeça o dia todo. — Mas já que quer participar do processo todo, te mostro depois com mais calma.
— Tudo bem então. — Beijei sua boca demoradamente, levantando-me junto dela. — Seja lá o que for, tenho certeza que vou adorar. — se encolheu envergonhada diante de mim, fazendo-me não resistir e abraçá-la. — Vamos pedir uma pizza?
— Ótima ideia. — Murmurou contra meu peito.
— Pede enquanto eu tomo um banho? — Ela concordou antes de ser liberta após mais alguns beijos pelo rosto.
Subi sentindo minhas costas doerem, imaginei ser o peso da coisa errada que estava fazendo. O de antigamente não perderia um segundo sequer de sono ao mentir ou esconder algo de uma namorada, mas o atual provavelmente passaria alguns minutos em claro na cama, encarando o rosto sereno de tentando imaginar de que jeito ela tentaria me matar quando descobrisse tudo.
A tensão foi se dissipando aos poucos conforme o tempo foi passando, desci de pijamas encontrando já organizando as coisas para jantarmos, ficamos em silêncio por um tempo, com as bocas ocupadas mastigando ou apenas beijando. Era a coisa mais cotidiana possível beijar minha esposa, mas tinha algo diferente a cada vez que nossos lábios se chocavam, não parecia ser possível mas sentia pequenos choques elétricos me atingirem o corpo a cada vez que acontecia. Sempre era como se fosse a primeira vez, de novo e de novo.
tomou um banho antes de se juntar a mim na cama, permanecia adormecida, a assisti ressonar no berço, encantado como num filme de animação gracioso. Quando retornou do banho, minha esposa deitou sobre mim no nosso ritual de sempre, onde minha mão se pousava em seus cabelos loiros e a dela acariciava meu peito até que pegássemos no sono.
— Amor?
— Hum?
— Preciso confessar uma coisa. — Franzi o cenho, eu quem deveria falar aquilo. Lembrei-me da minha recém descoberta da sexualidade de seu novo colega de faculdade e fiquei levemente preocupado.
— O que? — Observei desconfiado se apoiar sobre mim para me olhar em meio a luz escassa do quarto.
sorriu antes de se inclinar e aproximar os lábios do meu ouvido.
— Ver você com ciúmes me deixa molhada. — Lhe empurrei levemente pelo ombro, mesmo sentido o arrepio de ouvi-la me sussurrar aquilo ao pé do ouvido, não pude deixar de rir aliviado.
— Não era ciúme. — Era sim. estreitou os olhos. — Eu só não gosto de pensar em outro homem com as mãos na minha esposa.
— Minha esposa. — Repetiu ainda risonha. Franzi o cenho novamente.
— É, você é minha.
Era óbvio!
— Uh, possessividade, que delícia. — Gargalhei enquanto ela subia em cima de mim, sentando-se em meus quadris. — Isso é tão tóxico, mas é tão bom.
Não consegui parar de rir da pequena sessão de confissões feitas naquela noite, mas não foi um problema, afinal de contas mesmo sem forças de tanto gargalhar, conseguimos nos livrar das roupas entre nós.
’s point of view.
As manhãs em casa tinham mudado completamente desde que voltei a estudar, depois da calmaria que foi ficar desempregada e apenas cuidar de , voltar a ativa tinha sido um desafio pra mim nos primeiros dias. Tinha que acordar mais cedo e acostumar meu corpo com a nova rotina, tomar banho, ficar ao menos apresentável para sair de casa.
Notei a diferença na forma como costumava me aprontar pra ir a faculdade quando cheguei em Londres e comecei a estudar, depois de algum tempo, mesmo namorando alguém na época, eu geralmente me emperiquitava toda. Não era na intenção de chamar atenção de outros caras, acho que era porque eu via meu namorado na faculdade e aí me esforçava para parecer bonita para ele e ficar ao lado dele. Hoje não tinha mais todo aquele apreço por parecer alguma coisa diante de meus colegas, ia confortável, prestava atenção apenas nas aulas e torcia pra acabar logo e poder ir pra casa.
estava cada vez mais esperta, e eu sentia a falta dela a cada segundo que passava fora de casa. Era completamente contraditório ao meu sentimento anterior, aquela coisa de sair de casa e querer voltar logo. Mas eu sentia que aquela sensação jamais iria passar, depois que me tornei mãe, tive a certeza de que nunca mais iria pensar somente em mim, ocuparia meus pensamentos e coração até meu último suspiro de vida.
No entanto, a sensação de ansiedade era suportável quando eu pensava que ela era necessária para que eu pudesse explodir de felicidade quando chegasse em casa e a pegasse no meu colo.
Atualmente tinha muito mais tempo com ela do que quando trabalhava na lanchonete. Voltava da faculdade no início da tarde e Elisabeta ia embora, tinha todas aquelas horas com minha bebê, lhe dava banho quando a noite caia e preparava o jantar com ela no carrinho ao meu lado. Logo chegava e se juntava a nós duas, fazendo o sentimento de aconchego triplicar como eu nunca achei que poderia ser possível.
Naquela manhã em específico, eu entraria um pouco mais tarde, já que o professor iria se ausentar nas primeiras aulas, os grupos iriam presencialmente no horário habitual, discutir sobre seus projetos de TCC. Como eu estava sozinha, decidi ficar em casa e dar uma pequena folga daquelas horas a Elisabeta.
Infelizmente meu relógio biológico já tinha se acostumado, acordei no horário de sempre, com se arrumando para correr e uma faminta chorando a plenos pulmões.
Sentei-me para tomar café enquanto espalhava meus papéis sobre a mesa, tentando ter visão de tudo, organizar minha apresentação e tudo o que tinha que ser entregue.
Aquilo estava me comendo o juízo. , apesar de ter passado a vida se interessando por moda e lingerie apenas uma vez ao ano e na exata duração do tempo de transmissão dos shows da Victoria’s Secrets, começou a me ajudar dando palpites aqui e ali quando lhe pedia alguma opinião. Obviamente que também tinha Anne e Fanny me dando sugestões, até porque e os demais homens apenas nos viam vestindo a lingerie, não eram eles quem usavam as peças, portanto não sabiam o que era confortável e nos fazia sentir bem.
A campainha tocou distraindo-me de uns ajustes que eu fazia num modelo de calcinha. Fui até a porta estranhando ter alguém tão cedo na porta, não tinha esquecido as chaves e a portaria não tinha telefonado avisando de entregas.
— Bom dia . — Uma Megan sorridente surgiu na porta, segurando a mão do menininho de cabelo castanho e tigelinha uniformizado para a escola. — Posso te pedir um favorzinho?
Olhei mais uma vez a criança aos seus pés, e ele me encarava de volta curioso, fazendo-me piscar em sua direção tentando ser amigável.
— Claro. — Contato que não seja emprestar meu marido, eu poderia sim fazê-lo.
Quando Megan me aparecia na porta da minha casa me pedindo algo, eu automaticamente pensava naquela possibilidade.
— Pode olhá-lo um pouquinho até o horário da escola? — Arregalei os olhos apavorada.
Uma coisa era cuidar de , que ainda não falava, portanto não fazia perguntas; não andava, portanto não mexia onde não devia e nem sequer tinha uma unidade de pensamento sequer se passando por sua cabecinha. Jake tinha seis anos até onde eu sabia, e apesar de habitar essa Terra há tão pouco tempo, podia apostar quanto fosse que ele não devia ser uma criança tranquila. Nenhuma naquela idade era! Sabia que um dia teria seis anos, e já me preparava psicologicamente para isso, mas ainda estava longe, então no momento eu não tinha preparo nenhum para olhar Jake.
— Ele é comportadinho, prometo. O pestinha do mais velho está na casa de um amiguinho, não se preocupe. — Entrou em casa sem esperar que eu a convidasse. Mas a culpa era minha, afinal eu tinha dito “claro” sem saber do que se tratava.
O “claro!” dispensava explicações da parte dela. Quando pensei sobre fazer qualquer coisa por ela desde que não fosse dividir eu falei sério, mas também não consegui prever o que seria além disso.
— O que houve para precisar deixá-lo aqui? — A segui até a cozinha.
— O detetizador veio hoje, quer dizer, eu já sabia que viria, mas não calculei o horário direito, não era para Jake estar em casa quando ele chegasse, não quero meu filho respirando aquele ar nem que seja por um minuto. — Assenti compreensiva, eu também não iria querer aquilo para , e a atendia quanto a confusão de horários. Ser mãe nos tirava muito da nossa sanidade e memória. — A perua já vem buscá-lo para a escola, só preciso que fique com ele uns minutos.
— Claro. — Repeti sentindo-me trêmula.
Não poderia negar um favor tão bobo a ela. Iria ficar mal o dia todo se o fizesse, já estava me sentindo péssima ao vê-la praticamente me implorar ali, entendia o que ela estava passando pois já tinha feito aquele mesmo pedido pra Victoria. Mesmo morrendo de medo de fazer algo errado, respirei fundo vendo-a soltando a mãozinha do menino e tirando sua mochilinha das costas.
— Ele já comeu, é só esperar a perua buzinar e entregá-lo. É simples. — Me tranquilizou. Ela parecia confiar em mim, logo, eu também deveria fazer o mesmo. — Deixe-o ver TV ou dê algo pra ele rabiscar, vocês ficarão bem.
— Acho que tenho umas folhas em branco aqui, lápis de cor também. — Aliviada por perceber que poderia lidar com a situação, remexi minhas coisas da faculdade sabendo que o que mais tinha eram itens de papelaria para entreter uma criança.
— O que são esses desenhos? — Pegou nas mãos um amontoados de croquis já prontos.
— Coisas da faculdade. — Respondi sentindo o rosto esquentar. — Me dê aqui, vou guardar para não correr o risco de serem pintados. — Ri nervosa.
— Não, não, um minuto! — Se afastou de minhas mãos analisando os traços e as cores. — que coisa mais linda! Você que fez todos?
— S-Sim, eu gosto de cores. — Expliquei sem graça, vendo-a folhear todas elas com a mesma atenção da primeira.
Os meus croquis tinham cores que normalmente não faziam sucesso em lingerie, como amarelo ou verde. Na verdade não eram as cores que me deixaram envergonhada, é que eu não costumava mostrar meus desenhos aos outros, não a quem não conhecia ou confiava que seria compreensivo caso não gostasse de algo ou achasse algum defeito.
Tinha medo de não ser boa o suficiente, de ser mais do mesmo, ou de ser simplesmente péssima aos olhos dos outros. Porque às vezes eu mesma pensava daquela forma sobre minhas criações.
— Ainda vou fazer alguns ajustes nesse…
— Você acha que precisa? — Se esquivou novamente quando tentei pegar uma das folhas. — Isso está perfeito, ! Você também confecciona? Quero um desse na minha mesa pra ontem!
— Ah, obrigada! — Ri completamente sem graça, mas sentindo algo como uma felicidade enorme, que irradiava meu corpo à medida em que meu rosto queimava em vergonha. — E-Eu posso fazer pra você. São pro meu TCC, eu não pretendo confeccionar todas, na verdade iria fazer só uma como amostra, pra mim mesmo, m-mas se você quiser eu posso sim.
Desatei a falar sendo completamente ignorada por ela, que ainda olhava detalhe por detalhe do conjunto de calcinha e sutiã trabalhados em renda num vermelho vivo.
— Só preciso das suas medidas.
— Ótimo, vou te mandar depois então. — Finalmente me estendeu os papéis olhando-me desconfiada. — Onde você guardou esse talento todo, menina? As outras vão enlouquecer se virem isso. — Ri desdenhando, quando estiquei a mão para pegá-los, ela os afastou novamente. — Não vá roubar minhas clientes, hein.
— Oh, não, não tenho essa intenção. — Fiquei tão sem graça que quase cavei um buraco no chão da minha cozinha para enterrar a cabeça. Megan riu do meu desespero, antes de pegar o filho e sentá-lo na mesa.
— Obrigada pela ajuda, vou avisar o perueiro para que buzine aqui em frente. — Assenti tentando me recompor enquanto ela se despedia do filho, saindo porta a fora logo em seguida.
Jake me encarou calado, acho que estava com mais medo de mim do que eu dele. Fiquei tímida diante de seu olhar curioso, o menininho olhou no carrinho e depois olhou pra mim em dúvida. Aposto que pensou em como queria que ela pudesse brincar com ele.
Eu também quis que fosse possível, porque eu nunca tinha cuidado de uma criança mais velha como ele. Percebi que por mais difícil que fosse trocar fraldas e interpretar choros de , ainda era mais fácil que lidar com um serzinho pensante, que geralmente fazia perguntas inapropriadas inocentemente ou eram extremamente sinceros e sem tato com o que falavam.
Ajeitei meus cabelos diante de seus olhos escuros.
— Se precisar de qualquer coisa, é só pedir, tá? — Me aproximei mais, tentando parecer simpática.
— Tia, desenha um carro pra mim?
Fiquei estática onde estava.
Ele me chamou de tia? Minha primeira reação foi me segurar para não chorar de emoção ao ver o quão boba eu fui de temer uma interação que na verdade tinha tudo para ser fofa e tranquila, afinal era só uma criança e não um bicho de sete cabeças.
E a segunda reação, bom, eu também quis chorar, mas foi por pensar que estava velha ao ponto de uma criança me chamar de tia.
— Da Fórmula 1. — Especificou.
Eu não sabia desenhar nem os normais, quem dirá os da Fórmula 1.
— C-Claro meu amor. — Sorri nervosa, pegando o papel da mesa e escolhendo um lápis que daria para apagar.
Porque eu poderia sim ser boa em desenhar lingerie e vestidos, peças de roupas em geral, mas se tinha algo que eu era péssima, era em desenhar carros. Eu mal sabia dirigi-los!
A porta da frente se abriu e respirei aliviada por reconhecer os passos de em seus tênis de corrida se aproximando. Estava prestes a ser humilhada por uma criança quando terminasse de desenhar a maior aberração automobilística já vista, pior ainda que os carros da Haas.
— Graças a Deus você chegou, eu não sei desenhar essa merda de carro. — Sussurrei afastando-me da mesa. — O tio vai desenhar pra você, tá meu amor. — Disse alto sorrindo pra ele.
— Ei cara, beleza? — fez um soquinho com a mão e logo foi imitado por Jake, que abriu um sorrisão banguela em sua direção e o olhou como se fosse uma espécie de super herói.
Eu entendia, com aquelas roupas de corrida, cabelos bagunçados e bíceps à mostra quando ele tirou a corta vento ficando apenas de regata…pra mim ele também era como o Superman.
Ele observou interessadíssimo nos detalhes que esboçava no papel antes em branco. Até eu me aproximei curiosa, não que eu duvidasse da capacidade do meu marido, mas ele desenhou um carro parecido com os que via na TV quando passava por trás do sofá e o pegava vendo alguma corrida. Nunca entendi o fascínio por ver carros correndo um atrás do outro, sempre via meu pai comentar da época de ouro de Senna e Michael Schumacher, falava sobre como era emocionante a rivalidade dos dois. Pelo que eu ouvia reclamando com os amigos, hoje o tal Verstappen e a Red Bull invencível tinham acabado com a graça de assistir.
Mas ele continuava assistindo mesmo assim, vai entender.
— Vou tomar banho, pinta o desenho pro tio ver depois, sim? — Jake assentiu pegando os lápis de cor com uma mão só, sem sucesso, pois era muito pequena. Ri de seu desespero e fui ajudá-lo. — Já venho. — Deixou um beijo em minha bochecha e subiu, explodindo de gostoso naquele short preto.
O tempo realmente voou, Megan estava certa quando disse que o filho não daria trabalho nenhum. Mesmo sabendo que ele já tinha comido, lhe ofereci um danone torcendo para que ela não o estivesse privando de comer doces ou coisas do tipo. Ela não tinha especificado nada, e ele aceitou quando ofereci.
logo desceu ajeitando a gravata, cheiroso demais como sempre e invadindo a cozinha com seu perfume. Segurava nos braços enquanto observava a criança à minha frente pintar o desenho todo fora das linhas, mas com as cores certas. Quando eu era menor, pintava bonecos com cores diferentes em cada parte do corpo, mas Jake parecia respeitar a realidade e pintou os quatro pneus de preto como um adulto faria. As crianças de hoje em dia eram realmente mais evoluídas.
— Já vai? — Estranhei. — Não vai nem tomar café da manhã?
A cara que fez me deixou desconfiada. Estava com cara de quem ia aprontar.
— Na verdade…eu não te contei porque não sabia qual seria sua reação. — Esperei que ele dissesse logo antes de reagir de acordo com meus pensamentos. E eles foram longe, imaginando algo relacionado a uma certa mulher. — Minha mãe ligou ontem, e me chamou para tomar café com ela.
Respirei aliviada, não era tão pior do que minha cabeça me fez pensar que era.
Mordi o lábio tentando processar como aquela informação me afetou.
Meses atrás eu estaria furiosa, tentaria lembrar a de tudo o que os pais fizeram e o que não fizeram em relação a . Mas ele estava bem grandinho e ciente de tudo o que passou ao meu lado, sabia inclusive do teor da conversa que tive com sua mãe dias atrás.
— Tudo bem. — Ponderei, mascarando minhas emoções.
Seja lá o que Angelina queira falar ou resolver com , não era da minha conta. Desde que não fosse tentar convencê-lo a me deixar e abrir mão da guarda de , é claro. No mais, eu não poderia e nem tinha autoridade para impedir ou falar alguma coisa.
Até porque, só de ter ficado receoso em me contar, já sabia bem minha opinião sobre os pais.
— É sua mãe e sua escolha. — Encolhi os ombros indiferente. sorriu fraco, afastando meus cabelos e beijando minha boca. — Tem criança no recinto…
riu me soltando após tentar aprofundar o beijo e receber as atenções de Jake, que largou o desenho para nos espiar. Ele já devia entender algumas coisas, e mesmo que não, era constrangedor tê-lo nos assistindo.
— Ah, você me lembrou de algo! — Me largou, indo em direção a mesa e pegando o desenho já finalizado. — Isso mesmo, garotão! — Seu sorriso se abriu de orelha a orelha enquanto analisava os rabiscos.
Não entendi a felicidade, era só um desenho.
— Está vendo? — Olhei de novo, não era possível que tivesse algo de mais ali. — Pintou o carro de vermelho.
— E?
— Todo mundo é fã da Ferrari. — Piscou sorrindo presunçoso. — Não é, Jake? — O menino apenas assentiu, acho que ele concordaria com qualquer coisa que seu novo super herói favorito dissesse.
— Meu Deus, você é doido para ser pai de menino. — Exclamei após constatar que aquela alegria por um desenho era a maior bobagem do universo, mas que seus olhos verdes estavam brilhando.
— Estou satisfeito com minha menininha. Se quiser me dar um, não vou reclamar. — Neguei com a cabeça, duvidando de sua sanidade mental.
— Vai trabalhar, , que você ganha mais. — Me desviei de seus beijos, vendo-o atacar a pobre bebê em meus braços antes de se despedir de Jake e sair porta afora.
Chegar cansado do trabalho ainda seria algo que minha vida caótica não me permitiria abrir mão por muitos anos até a velhice e a sonhada aposentadoria, mas por sorte, chegar em casa e encontrar aquelas duas também fazia parte dela e mesmo exausto pela rotina eu sentia que de alguma forma minhas energias se recarregavam no momento em que as via.
Vim o caminho todo pensando em e em como devia ter sido seu dia na faculdade, me deixava triste saber que ela tinha dificuldades de se enturmar aos vinte e um anos. Era engraçado ao mesmo tempo, afinal esse tipo de problema acomete apenas crianças. Ou pelo menos era o que eu achava. Não pude deixar de compará-la a crianças também quando lamentei o fato de não ter conseguido levá-la pra faculdade aquela manhã.
Apesar do infortúnio e de ter tido a mesma discussão nos únicos três meses que passamos juntos, daquela vez eu me permiti ter alguma esperança de que iríamos avançar um pouco. Ou, ao menos, que saíssemos do lugar onde estávamos estacionados desde o início.
Subi as escadas sentindo a casa silenciosa, o que não era muito comum principalmente depois que passou a dar seus gritinhos e balbuciar. Todos os dias e eu parávamos o que estávamos fazendo para olhá-la em expectativa, inocentes, achando que ela soltaria sua primeira palavra tão nova, mas o máximo que conseguíamos eram sorrisos bangelas e muita, muita baba.
O que não deixava de ser incrível também.
Adentrei nosso quarto e me deparei com ambas deitadas na cama, com ocupando a maioria do espaço mesmo que fosse fisicamente impossível. enchia a cama de barreiras para se auto impedir de esbarrar em cima da neném enquanto dormia, era uma cena adorável e ao mesmo tempo engraçada pelo exagero dela.
Desde que aquele pesadelo acabou, senti cada vez mais grudada em , chegou até a cogitar desistir da faculdade mesmo com as provas de que Elisabeta não teve nada a ver com o sequestro, e não era por não confiar na babá, era por medo de ficar longe da filha novamente. dormiu no nosso quarto desde a primeira noite que passou de volta em casa, e assim permaneceu, ocupando o berço portátil ao lado da nossa cama desde então.
Fui até o banheiro nas pontas dos pés para não acordá-las e após tirar meu blazer, liguei a água da banheira, voltando para o quarto após ouvir sua voz rouca de sono me chamar.
— Oi. — Me inclinei sobre o colchão, beijando seus quadris por cima da camisola e subi com a boca, deixando mais alguns beijos pelo caminho até que encontrasse seu pescoço e rosto quentes.
Os dedos de me afagaram os cabelos devagarinho, trazendo-me um aconchego familiar.
— Oi. — Observei seu sorriso na meia luz do quarto iluminado pelo banheiro aberto.
Acariciei sua barriga, voltando a beijar seu rosto na lateral, indo a caminho de sua orelha, onde mordisquei seu lóbulo. suspirou enquanto minha mão passeou por seu corpo deitado.
— Quer ir pra banheira comigo? — Lhe sussurrei ao pé do ouvido, sentindo-a encolher os ombros.
Não transávamos há alguns dias, e apesar de pra mim parecer meses, era compreensível que toda a situação envolvendo o sequestro e o estresse causado nos tiraria a vontade. Mas depois que passou, não consegui tomar iniciativa, e esteve tão focada em e agora na faculdade, que não tive coragem de abordar minhas vontades.
Não queria ser o cuzão que via a esposa como feita apenas para sexo, sabia que não era meu caso, por isso por mais que estivesse morrendo de saudades, fiquei quieto e fui paciente.
Aquele convite foi um ato repentino de coragem.
virou o rosto ainda com a mão em meus cabelos e me beijou devagar, senti um alívio enorme quando sua língua tocou a minha e ela aprofundou o beijo mais e mais.
Ou aquilo era um sim ou eu estava ficando doido de abstinência.
Quando ela deixou a cama devagar com medo de despertar a bebê já senti meu coração se acelerar, lhe agarrei os quadris grudando meu corpo ao dela, fazendo-a me sentir duro contra sua pélvis, ofegou enquanto íamos aos amassos em direção ao banheiro.
Quando chegamos na porta, a encostei no batente branco, abaixando-me para desamarrar os sapatos e me livrar da meia que vestia, a loira esperou pacientemente ainda ofegando e em brasa com o simples contato entre nós depois de tantos dias. queria tanto quando eu, e saber daquilo apenas aumentava ainda mais meu tesão.
Aproveitei minha posição para me ajoelhar diante dela e levantar aquela camisola fina, revelando sua calcinha preta que a aquela altura já estava molhada. Puxei para baixo, tendo sua ajuda após passar a peça pelos tornozelos, enfiei a cara debaixo da saia, sentindo seu cheiro e beijando sua intimidade. arfou silenciosa, ainda preocupada com a bebê adormecida na nossa cama.
Tinha que tirá-la dali, queria ouvi-la gemer, fode-la tão forte que o barulho ecoaria pela casa em silêncio.
Subi minhas mãos até sua cintura e à medida em que me levantava, levava comigo a peça revelando seu corpo desnudo pouco a pouco e assistindo-a as arrepiar em desejo e ansiedade à medida em que ficava nua pra mim.
Só pra mim.
A peguei pela nuca tomando sua boca, lhe guiei para o banheiro enquanto a encoxava, segurando seu quadril contra meu corpo, ouvindo seu ofegar a cada passo torto que andávamos colados um no outro.
— Eu sempre fico pelada primeiro. — resmungou quando a prensei contra a pia gélida de mármore.
Ri junto dela, não seja por isso, desafivelei meu cinto e desabotoei minhas calças, passei a beijar e morder seu pescoço fino a medida em que sofria ao tentar abrir os botões da camisa preta que eu usava, completamente sem coordenação de tão trêmula que estava.
Quando enfim conseguiu, passou as mãos pelo meu peito exposto, raspando as unhas por minha tatuagem no abdômen e me deixando cada vez mais duro dentro da cueca. Seus dedos deslizaram por minha pele, suaves até que sua boca encontrasse a minha e, num movimento só, ela arrancou a peça passando-a com rapidez por meus braços. Baixei minhas calças junto com a cueca, finalmente libertando meu pau dolorido de tanto esperar.
o pegou ao me olhar safada, ofeguei com seus movimentos lentos, a mão subindo e descendo por toda a extensão. Tudo o que eu mais quis nos últimos dias foi ter seu toque em mim de alguma maneira, não estava conseguindo aguentar me aliviar no banho, não era a mesma coisa sem aqueles olhos azuis, sem seu cheiro, os cabelos longos entre meus dedos e a maciez daquela pele.
Minha mulher virou-se de costas, empinando aquela bunda gostosa para mim, mordi o lábio com força, perdendo o ar que tinha acabado de inspirar. ainda me deixaria louco e o pior é que daquela vez ela realmente estava tentando e eu poderia afirmar com todas as letras que tinha dado muito certo.
Sua olhadinha para trás enquanto a mão delicada direcionava meu pau até sua entrada me fez gemer, a deixei colocar a cabecinha dentro e fazer tudo no próprio tempo, também pudera, eu estava num completo estado de êxtase e o melhor de tudo era que não tínhamos nem começado.
Meti devagarinho, observando sua reação pelo espelho à nossa frente. se inclinou sobre a pia e eu pude assistir de camarote sua expressão de dor inicial se transformar em um prazer desconcertante. Passei a movimentar o quadril aumentando a velocidade gradualmente, ela me tocava a bunda, puxando-me para cada vez mais adentro de si, gemendo e ronronando cada vez mais alto.
Quando dei por mim já fodia com força, fazendo o que ela tanto me implorava em meio ao tesão incontrolável, aguentava toda minha extensão e adorava quando ainda por cima eu lhe estapeava a bunda que a aquela altura já estava vermelha. gemia feito uma vadia, deixando-me cada vez mais instigado, eu estava quase gozando, mas me segurava porque queria que ela fosse primeiro.
Tirei de repente, amparando-a suada e de pernas trêmulas, num impulso a subi em cima da pia. Iria deixá-la gozar e também estava louco para fazê-lo, mas não a queria de costas, queria cara a cara, assistir de camarote seus olhos se revirarem e vê-la soluçar de prazer diante dos meus olhos.
Abri suas pernas, chupando sua buceta que aquela altura já escorria de tão excitada que estava. escorregava sobre o mármore vez ou outra, simplesmente por não conseguir ficar parada enquanto rebolava gostoso contra meu rosto, a fiz gozar ali, metendo dois dedos dentro dela, que descontava tudo na pobre torneira, que era de ótima qualidade aliás, pois aguentou firme e forte os trancos que ela dava em meio ao desespero delicioso que lhe tomava por completo.
A deixei respirar um pouco, fui desligar a água que já tinha enchido até demais a banheira, abri uma das gavetas em busca de camisinha, quando encontrei vesti já voltando a mulher ainda sentada sobre a pia. A loira sorria abertamente em minha direção, atenta a qualquer movimento meu.
— Ainda quer mais? — Fui irônico e muito hipócrita, afinal de contas eu também queria mais, sempre queria mais quando se tratava de .
Ela assentiu veemente, satisfeita com minha aproximação. Eu praticamente rastejei até ela, hipnotizado com a imagem dela completamente aberta para mim.
— Que safada essa minha namorada é. — Me encaixei entre suas pernas e grudei minha testa na dela, riu baixinho concordando descaradamente.
Que era uma safada.
E que era minha namorada.
Sabia que ela não era confiável enquanto eu estivesse nu diante dela, pelo meu pau era capaz até de confessar um crime que não cometeu, mas aquilo pelo menos era um começo.
No início negávamos tanto que nos desejávamos, e olhe aonde a gente chegou, não é mesmo?
— Me fode, .
Bom, o desejo dela era uma ordem que eu jamais seria capaz de não acatar, é claro.
— E sua mãe, por onde anda? — Ri pelo nariz ao notar a aleatoriedade da pergunta.
Tínhamos praticamente acabado de nos sentar ali, suados após toda a ação que protagonizamos em cima da pia e encostados no balcão do banheiro.
Adorei o experimento de transar em frente ao espelho, jamais esqueceria da cena que era vê-la se assistindo enquanto atingia ápices de prazer inimagináveis. Quando pensei que não poderia ser mais linda e sexy, me vi surpreendido como sempre ao constatar que sim, não só podia como sempre arranjava um jeito de me fazer ficar cada vez mais obcecado por ela.
— Não sei…Ela não apareceu para almoçar como disse que iria. Se tivesse, eu teria te ligado pra contar como foi. — sorriu orgulhosa por ter me tornado um marido fofoqueiro como ela sempre sonhou em ter.
Notei seu olhar fixo na parede após o pequeno silêncio que fizemos a partir da minha resposta. Me remexi debaixo dela, ajeitando-a sobre minhas coxas e despertando-a do transe.
— Realmente aconteceu só o que me contou? — Minha esposa assentiu ainda calada. Não fiquei satisfeito com a resposta, afinal de contas se eu tinha que ser fofoqueiro, queria que fosse recíproco da parte dela. — …
— Eu não sei, . Sua mãe ficou estranha quando viu … — Murmurou receosa. — E eu posso estar ficando doida, mas notei que a chupeta dela sumiu…
— O que está dizendo, que ela roubou a chupeta da neném? — Ri incrédulo.
— Sim. — me encarou por cima do ombro. Desfiz meu sorrisinho, ela estava falando sério mesmo. — Sua mãe pegou do chão quando caiu e…meio que escondeu atrás de si para que eu não pedisse de volta caso visse…Será que ela é cleptomaníaca agora?
Gargalhei sem conseguir me conter. Eu adorava as teorias da conspiração que criava na própria cabeça, era fascinado com tudo o que saia de sua boca e em como sua mente funcionava. Além de ser criativa com moda, ela ainda era uma ótima contadora de histórias.
— É sério, ! Porque então ela pegaria uma chupeta? Se nem gosta da . — Cruzou os braços emburrada.
— Não sei, amor, mas com certeza não é porque ela resolveu sair por aí roubando de crianças de colo. — Lhe apertei em meus braços, beijando sua bochecha. Tive que fazer uma força descomunal para não rir do que tinha acabado de dizer. — Vamos mudar de assunto, não quero lembrar que existe alguém nesse mundo que não é apaixonado por .
— Tem razão, é inacreditável mesmo. — Sorriu fraco, sendo manhosa enquanto ainda era amassada entre meus bíceps.
— Vamos falar de coisa boa, vamos falar de nós dois. — franziu a testa gargalhando.
— E qual seria o tópico da vez? — Arquei as sobrancelhas, não era nenhuma novidade, era o mesmo de sempre. — Vai em frente, desembucha. — O tédio em sua voz me fez ficar ofendido por um segundo antes de eu começar a falar.
Era um milagre somente o fato de se mostrar aberta a uma discussão.
— Vamos retomar aquele assunto do test drive? — Tentei mascarar o receio em minha voz, mas como sempre nada passou despercebido daquele par de olhos claros e atentos. — Você pensou no que falamos hoje?
Talvez fosse muito cedo para cobrá-la de alguma coisa. Mas eu estaria mentindo se dissesse que não pensei e muito durante todas as horas daquele dia. Era inconcebível que, se ela estivesse na mesma página que eu, tivesse conseguido fazer qualquer outra coisa além de pensar em nós.
Se não pensou, então eu deveria me preocupar por estar sozinho naquela história.
suspirou antes de girar o tronco em minha direção. Me preparei para o pior, quase cheguei a fechar os olhos para receber mais um dos seus quinhentos “nãos”.
Às vezes nutria a esperança idiota de que tinha um número de nãos para sair distribuindo por aí, e que algum dia ela gastaria todos e passaria a apenas dizer sim para tudo o que lhe propusessem.
Ah, se pudesse ler mentes, pularia direto para os “sim”s e aproveitaria o melhor que a vida poderia lhe dar ao meu lado. Porque ao contrário dela, eu não conseguia negar nada que ela me pedisse.
— Sim, eu pensei… — Comprimiu os lábios antes de prosseguir. — E percebi que estamos nessa já tem um tempo, só ainda não nomeamos nada, nunca tivemos que decidir isso…
Concordei, dentre todas as decisões drásticas que tivemos que tomar desde que adotamos , por incrível que poderia parecer, aquela estava sendo a mais difícil delas.
Quer dizer, difícil para , né? Eu mesmo estava convicto do que queria, arriscaria dizer que nunca estive tão certo de algo em toda a minha vida.
— Essa é a questão. Estamos namorando? — A encarei em expectativa.
O que eu faria se ela dissesse não? Nunca tinha chegado naquela parte.
— Sim, . Satisfeito?
Bom, felizmente eu nunca saberia.
Abri a boca para falar algo, mas fechei rapidamente com medo de escapulir uma reação exagerada como um grito agudo demais para um pai de família, ou algo másculo demais como a comemoração bizarra de um gol digno de final de copa do mundo.
Limitei-me em assentir respondendo sua pergunta retórica.
— Quer ligar pros meus pais e pedir permissão a eles também?
Neguei com a cabeça de olhos estreitos. O que tinha de gostosa, tinha de atrevida. O que apenas a tornava ainda mais gostosa aos meus olhos.
— Não precisa, sua permissão já está de bom tamanho. — Apesar de achá-la deliciosa quando era provocado, fiquei na minha, hasteando minha bandeira branca e tentando esconder o tamanho do sorriso que lutava para me rasgar o rosto.
— O que foi? Tá tão apaixonado que não consegue parar de me olhar? — Encarei suas costas desnudas e molhadas diante de mim e não resisti a tentação de passear com as pontas dos dedos por sua pele macia.
— Sim. — Disse simplesmente a verdade.
No meio de tantas mentiras ditas, estar a sós com ela era o único momento em que eu poderia ser cem por cento sincero.
E com nosso novo status de relacionamento, corajoso também.
— Engraçadinho. — Notei seu rosto vermelho antes que pudesse escondê-lo deitando-se sobre meu peito para disfarçar.
Mordi o lábio cutucando sua cintura e lhe fazendo cócegas.
— Eu falo sério. — Sussurrei em seu ouvido, sentindo-a se encolher sobre mim com o ato.
Ouvi sua risada e sorri acompanhando aquele som melodioso, tomei sua boca quando a vi se virar para mim e aproximar nossos rostos. Sua mão pousou-se em minha nuca, onde ela deixou um carinho enquanto enroscava a língua a minha devagar e demoradamente.
Céus, eu poderia facilmente fazer aquilo por horas.
— Vou considerar isso como um “eu também”.
Senti-la assentir contra meu peito fez meu coração acelerar tanto que se fosse antes eu me preocuparia se ela iria perceber, mas hoje, depois de tudo o que foi dito e feito, já não pensava antes de falar mais nada. Estava colocando todas as cartas na mesa, sendo cem por cento honesto com meus sentimentos como nunca fui antes com outra pessoa.
estava se abrindo pra mim, eu estava sendo paciente, os pequenos passos que ela dava em direção a mim me causavam efeitos duradouros e seus pés não pareciam querer recuar. Eu estava há tanto tempo lhe confessando o que sinto, que quando recebia algo de volta apenas confirmava de que era certo.
Não tinha certeza ainda, não era algo concreto. Mas a forma como tudo parecia certo quando estávamos juntos me deixava seguro, e esperava que também pudesse se sentir igual.
Eu faria de tudo para que sim.
— Essa banheira é um pouco pequena pra nós dois, não? — Se remexeu em cima de mim, fazendo-me rir.
Eu tinha percebido no momento em que nos sentamos ali, cheguei a ajeitá-la entre minhas pernas, apesar de parecer desconfortável no início me acostumei com seu peso em meu peito e abdômen. Era para aquilo que eu malhava no fim das contas.
— Não compramos a casa para dividirmos os mesmos espaços, lembra? — se virou rindo fraco, percebi seu olhar longe e imaginei que estava se lembrando assim como eu da nossa primeira visita a aquela casa.
— Ainda tem aquela foto minha com cara de susto? — Gargalhei relembrando sua expressão quando falei que a casa seria dela. — Porque fez aquilo? Digo, sei que queria me deixar com um lugar pra viver com quando o divórcio saísse, mas…você me odiava, como você compra uma casa pra alguém que não suporta?
Encostei-me na banheira pensativo.
— Talvez não odiasse tanto quanto dizia. Entende?
— É, costumávamos falar com tanta certeza que nunca cheguei a me questionar os motivos…
— No fim das contas era tudo uma bobagem. — A envolvi em meus braços, beijando sua bochecha.
O do passado me esganaria se ouvisse desdenhar de sentimentos tão fortes e vívidos dele daquela forma. A vida era engraçada, antes eu vomitaria só de pensar em beijá-la, mas agora é tudo o que eu quero fazer pelo resto da vida.
— Você se deu conta disso primeiro, lembro que eu ainda tinha certeza que te odiava quando começou a se preocupar comigo sem nem perceber.
Me mantive calado, foi tão imperceptível que nem me recordava quando comecei.
— Lembra daquela noite, depois da delegacia? Você odiava que comessem no seu carro, quase infartou quando abri um salgadinho, mas depois no hospital, comprou um pra mim comer no caminho porque sabia que eu estava faminta.
— Eu estava fazendo uma boa ação. — Tentei justificar. Não me lembrava de ter sido tão cachorrinho dela tão cedo assim.
Naquela noite nem juntos nós morávamos ainda! Nem tínhamos nos beijado direito, não fazia o mínimo sentido eu já estar doido por ela tão rapidamente.
Ou fazia? Considerando o fato de que eu não percebi no momento em que estava sentindo algo por ela, resolvi não arriscar e tentar adivinhar.
— Ah, corta essa, você estava doido pra me ter, isso sim.
Presunçosa demais, depois era eu quem tinha o ego do tamanho daquela casa gigantesca. Não pude deixar de rir contra sua nuca, como não tinha argumentos para continuar negando, permaneci calado.
Esvaziamos a banheira antes de voltar para o quarto, havia algo extremamente relaxante na atmosfera do ambiente naquela noite. Não sabia se era a maciez do tecido do pijama que vestíamos ou o cheirinho de neném que estava por todo canto onde estava. Suspirei antes de me entregar para o sono sabendo que depois de muito tempo temendo perdê-las ou me preocupando com o que eu sentia, finalmente poderia estar em paz.
Estávamos juntos. E daquela vez, por mais surreal que pudesse parecer, era de verdade.
Despertei antes dela como sempre, sem nenhuma surpresa, a notei esparramada em seu lado da cama, já descoberta de tanto que se mexeu durante a noite. ressonava junto dela intacta, realmente conseguia cuidar para não atingi-la com seus pés e braços durante a noite, achava engraçado que eu não recebia o mesmo cuidado.
Não que eu tenha do que reclamar, já era de praxe acordar com sua mão em meu rosto do nada, arriscava a dizer que sentiria falta caso não a tivesse mais invadindo meu espaço em todo amanhecer.
Ri ainda encarando-as, sem me importar de atrasar um pouco minha corrida matinal. Voltei a ver Megan pelo condomínio vez ou outra, porém desde o sequestro de , ela passou a manter uma certa distância de mim. Não entendia o que tinha mudado para ela, já que eu mesmo não tinha notado nada de novo em meu comportamento que a fizesse se tocar de que não rolaria absolutamente nada entre nós dois.
— Bom dia. — Beijei a bochecha enorme de diversas vezes e segui para o balcão, onde descartava as rosas já murchas no lixo.
— Bom dia. — Virou-se deixando um selinho casto em meus lábios. — Olha que dó, morreram todas. — Ri de sua cara.
Talvez a implicância de com ganhar flores fosse apenas por saber que iriam morrer e ela teria que jogar fora.
— Eu compro outras pra você. — Lhe abracei por trás, percebendo que ela nem se importou de eu estar suado e estar grudado nela.
— Hum, então vai ser assim daqui pra frente? — Beijei seu ombro ouvindo seu risinho de pertinho. — Vou ganhar rosas toda semana? Qual é o próximo passo, ?
A soltei franzindo o cenho. não desfez o sorrisinho esperto do rosto, me olhando em expectativa.
— Como assim, próximo passo?
— Sua conquista, o modus operandi…O que mais faz para atrair uma mulher pra si? — Revirei os olhos diante dela.
nunca se cansaria de se colocar no mesmo patamar de todas as outras mulheres que passaram por minha vida? Não via que era diferente de todas elas?
— Com você eu não preciso dessas fórmulas todas, já aconteceu, você é minha agora. — Peguei sua cintura, beijando sua têmpora.
Não precisei de joguinhos para tê-la, mas aquilo não significava que tinha sido fácil. Estava bem longe de ser.
Foi como escalar a mais alta e desafiadora montanha desse mundão, era demorado, me cansou por diversas vezes, mas eu tinha certeza, a chegada ao topo valeria todo o esforço.
E a vista, ah, a vista era de tirar o fôlego.
— Cuidado com essa história de que já está tudo ganho, viu? — Ri contra sua orelha. Eu sabia que ela iria protestar. — Eu preciso de manutenção.
— Relaxa, eu não vou mudar em nada com você, o que eu tenho contigo… — Respirei fundo, atraindo sua atenção. se virou sem se desvencilhar do meu abraço. — o que eu sinto com você…
Seus olhos azuis se focaram nos meus, passearam por cada ponto do meu rosto, o sorriso dela se fechou. Apesar de parecer um mal sinal, pude vê-la sorrir com os olhos, algo que nunca tinha reparado ninguém fazer mas que nela era notável há quilômetros de distância.
Coisa que eu antes julgava ser impossível, mas descobri que não era muito difícil reparar coisas tão pequenas quando se estava tão fixado em algo.
Eu simplesmente não conseguia tirar os olhos dela.
— Nunca tive com nenhuma outra. — Soltei um risinho constrangido, me senti como se estivesse completamente nu em plena avenida movimentada. — Por isso não há motivos pra seguir regras ou coisas do tipo.
— Mas todo mundo tem regras! — Joguei a cabeça para trás rindo, eu tinha previsto que ela diria aquilo.
— Não, , você tem regras pra todo mundo. Lembra-se? Aquele lance de não deixar ver Tv, não deixar chupar chupeta…Não se apaixonar por mim…
— Essa regra nunca existiu! — Protestou depois de me ouvir listar as duas primeiras calada, já que não poderia negar que as estabeleceu.
Foi um esforço bem grande para ela, eu sabia bem daquilo.
— Se existisse você teria quebrado junto com as anteriores. — me deu a língua, voltando a se virar para as rosas. Aquela era a minha deixa, porque senão, eu ficaria ali com ela a manhã inteira se pudesse. — Bom, vou ir tomar meu banho e…
— ? — Parei onde estava, uns passos de distância dela.
Os olhos azuis que me encaravam com curiosidade do outro lado da cozinha vacilaram um instante. Arquei a sobrancelha a incentivando a continuar. negou com a cabeça desdenhando, mandando-me voltar a subir para meu banho.
— Amor?
— Não é nada…é só que… — Respirou fundo largando o que estava fazendo antes. — Você me acha chata pelo meu jeito de ser?
Comprimi os lábios segurando um riso inocente, arregalou os olhos ofendida. Tive que ir até ela novamente, se não dissesse ou fizesse nada, ela acharia que minha resposta era sim.
Mas eu só estava achando engraçado aquela preocupação nessa altura do campeonato. Se eu fosse me importar com suas crises autoritárias ou seu jeito sistemático de ser, não estaria com ela daquela forma. Eu poderia afirmar antes de tudo o que passamos que sim, a achava insuportável com suas regras e vontades impostas.
Mas agora…Acho que não saberia mais viver de outra forma.
— Eu adoro seu jeitinho mandona de ser. — Tirei a mecha da frente de seu olho, guardando-a atrás da orelha. baixou a cabeça envergonhada, não deixando-me beijar sua boca. Não foi um problema para mim, deixei beijos em todas as partes de seu rosto que meus lábios alcançaram. — Você é muito fácil de ser amada. Já disse isso mil vezes e posso repetir outras mil.
praticamente ronronou em meus braços, fazendo-me apertá-la ainda mais em meu abraço.
— Estou gostando da sua versão namorado. — Ri contra seus cabelos enquanto ela só aceitava ser esmagada.
— Sou namorado, marido, inimigo…sou tudo o que você quiser que eu seja. — Agora já não me preocupava mais com rótulos, lógico que foi porque consegui o que queria.
Mesmo sendo tão insistente com aquele assunto, nunca compreendi ao certo o motivo da minha busca por um título durante todo aquele tempo. Antes de tudo, achava ser algo relacionado à posse, lembrava-me de relacionamentos passados onde as mulheres com quem eu saia praticamente exigiam serem chamados logo de namoradas. Mas no nosso caso acreditava que não era aquela a justificativa.
Tinha algo muito além do que uma nomenclatura, sentia que era uma evolução no relacionamento. Começamos do avesso como tudo entre nós desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Normalmente as pessoas se conhecem, se gostam, se amam e no fim tudo acaba no ódio. e eu tínhamos começado do final e depois tudo se embaralhou dentro de nós, o que éramos também se transformou aos poucos e acho que eu só queria definir tudo por receio de voltar ao início e retornar ao posto de inimigo.
— Não quero mais ser sua inimiga. — Algo explodiu dentro de mim, acontecia toda vez em que parecia ler meus pensamentos.
— Ótimo. — Beijei demoradamente sua bochecha. — Porque não quero mais brigar.
— Se bem que a reconciliação é tão gostosa… — A soltei para olhá-la em dúvida, seu sorriso faceiro apenas me fez rir em descrença.
Poderia parecer que minha personalidade tinha sido trocada em algum experimento científico louco e improvável, mas fazia um tempinho que tinha percebido que eu na verdade odiava brigar com ela. Mesmo com reconciliação depois, eu sinceramente não achava que precisávamos passar por nenhuma tensão para ter desejo um pelo outro. Descobri que gostava mais da calmaria do que do caos que estávamos acostumados a lidar.
— Gostosa é você. — Respondi por fim, afinal não queria discutir. Tomei seus lábios e migrei os beijos pelo pescoço, onde funguei sentido o cheiro de seu creme de cabelo.
— Vai tomar seu banho, vai se atrasar. — Fugiu de meus braços vermelha feito um pimentão.
Concordei me afastando novamente, afinal por trás de uma mulher mandona sempre haveria um marido obediente.
A rotina de sempre se seguiu durante aquele e os últimos três dias, passávamos as manhãs grudados em e eu me despedia delas pela manhã, depois de horas longe voltava louco para tê-las de volta durante o trajeto de trânsito intenso e infelizmente sempre previsível até demais.
Naquela manhã recebi a notícia de que depois de dias minha mãe finalmente tinha entrado em contato. Apesar de me sentir culpado em relação a isso, não fui atrás, estava focado em minha família, e ela mesma nunca se mostrou disposta a estar presente na nova fase da minha vida.
Achei que sentiria mais saudades dela e de meu pai caso tivéssemos uma separação brusca como foi a nossa, pensava que não suportaria perdê-los assim como perdi Grace. Mas era engraçado como, por mais doido que pudesse parecer falar algo assim em voz alta, a ausência deles não chegou a me fazer diferença. e preencheram todo o vazio que um dia pensei existir após aquela perda devastadora, sentia que tinha crescido tanto nos últimos meses, e acho que crescer significa cortar alguns laços, mesmo que seja com pessoas tão importantes como meus pais.
Precisei sair debaixo da proteção deles para me reconhecer como homem, tomar as rédeas da minha vida e até mesmo ser um funcionário melhor na empresa. Olhando hoje, eu poderia dar razão a do passado quando ela debochava do meu cargo na empresa, mas agora que assumi 100% a diretoria junto de Beatrice, posso ver que antes eu não tinha maturidade e nem comprometimento para levar o negócio pra frente. E sobre minha colega de trabalho, mesmo depois de ter esperneado muito e ainda ser dolorido dar o braço a torcer, ao analisar os números atuais eu pude ver que tínhamos feito um progresso muito grande juntos.
Apesar de ter confirmado com Jordyn sobre a ligação da minha mãe, além das brincadeiras na banheira, ainda não tinha falado sério com sobre o assunto. Sabia que ainda iria demorar para chegar em casa e que poderia ligar para ela contando, cheguei a falar com ela por mensagem como fazíamos todos os dias o tempo todo, mas eu simplesmente não tive coragem…
Nunca pensei que seria completamente sincero daquele jeito com mais ninguém além de Grace, mas com era muito difícil omitir informações, sequer me imaginava mentindo para ela. Mas me segurei durante todas aquelas horas, pensei muito sobre qual seria sua reação quando lhe contasse sobre ter aceitado ver minha mãe, conhecia o bastante para saber que ela ainda guardava mágoa por tudo o que meus pais fizeram desde o nascimento de , compreendia aquele sentimento e me sentia da mesma forma.
Mas também não consegui deixar minha mãe sem uma resposta. Estava curioso para saber o que ela tanto queria falar comigo, o que ela estava fazendo em Londres desde aquele dia e porque tinha viajado sozinha. Vê-la novamente me despertou uma saudade que estava escondida lá no fundo do meu peito, e apesar de saber que nada nunca mais será igual novamente, senti uma pequena chama de esperança de ter algo parecido caso ela ou meu pai tivessem se arrependido do que fizeram.
O que, mais uma vez, me levava até . Eu não sabia se ela algum dia os perdoaria. Nem mesmo eu tinha aquela resposta.
Quando cheguei em casa horas mais tarde, me peguei receoso mais uma vez ao abrir a porta da frente. Ouvi a voz de e tomei a decisão de omitir aquela informação, claro que sem nem saber até quando eu conseguiria, já que falávamos sobre tudo nos momentos em que tínhamos juntos. Talvez eu aguentasse ao menos até o dia seguinte, após o encontro, talvez fosse melhor até mesmo para , que não teria que ficar ansiosa para saber o que falamos, eu já lhe contaria tudo de uma vez.
Entrei em silêncio ao avistá-la de costas para a entrada, com o notebook aberto sobre a bancada, inclinada na mesa anotando algo em suas folhas espalhadas pela mesa. Sorri ao contemplá-la, algumas coisas nunca mudavam, permanecia a mesma nerd super dedicada aos estudos do tempo da escola.
Lhe abracei por trás surpreendendo-a.
— Oi, meu amor. — reagiu com um gritinho agudo, gargalhando em seguida.
— ! Eu estou em reunião com meu grupo de trabalho! — Só então notei a tela acesa diante de nós e as repartições de câmeras abertas na chamada de vídeo. — Saia, está nos atrapalhando.
Ofeguei ofendido, sua reação se assemelhou a de uma adolescente sendo envergonhada pelos pais.
Apesar do comentário, se virou para me dar um beijo casto antes de se livrar de minhas mãos ainda vermelha feito um pimentão.
— Me desculpa, eu não tinha visto. — Ri de sua reação, acenando para o pessoal, que era em sua maioria mulheres, restando apenas um homem no canto da tela. — Vou deixar vocês trabalharem. — Sai do campo da câmera e olhei em volta confuso. — Onde está minha filha?
— está dormindo. — me sorriu ainda sem graça. — Ela também apareceu na ligação de penetra, a coloquei na cama agora há pouco.
— Está tudo bem, isso acontece sempre por aqui. — A voz feminina soou do notebook. — Já está tarde mesmo, acho que foi a nossa deixa, depois continuamos a discussão.
— Ah, , eu revisei as medidas que tiramos hoje, estão corretas, agora é só botar a mão na massa e costurar. — Me atentei quando notei a voz masculina soar.
não pareceu notar, já que estava feliz demais por seus cálculos de medida estarem realmente corretos. Resumindo: ela nem ao menos notou que eu ainda estava ali.
— Não vejo a hora de ver isso pronto. Que pena que não estamos no mesmo grupo de TCC. — Outra participante lamentou.
— Também estou ansiosa pra ver o que vocês estão aprontando.
— Bom, de qualquer forma, se precisar de ajuda estamos por aqui. — O amigo tornou a falar.
— Muito obrigada gente, acho que até agora está tudo certo. — fez careta, juntando as mãos num nervosismo visível. — Já que vamos encerrar por aqui, boa noite pessoal.
Os demais se despediram e minha esposa baixou a tela, fechando o aparelho antes de se empenhar em arrumar a bagunça de papéis sobre a mesa.
— Ei, mocinha, nada disso. — A puxei pela mão, sentando-me numa das cadeiras próximas. — Quero que me conte tudo, como assim já conseguiu fazer tantos amigos?
— Não são bem amigos, é só um grupo que o professor me colocou para que eu participasse de algo junto da sala nesse semestre. — A loira se ajeitou em meu colo.
Como ela estava fazendo seu último semestre e os outros não, minha esposa tinha comentado o quanto aquilo contribuiu para fazê-la sentir deslocada na sala.
— Que nada, tenho certeza que é uma questão de tempo pra eles te adotarem de vez no grupo de amigos. — me olhou meio incerta. — Quem não iria te querer num grupo? Você é linda, inteligente, talentosa, uma gostosa.
A loira se encolhia enquanto ria das cócegas que sentia a cada vez que meus lábios lhe tocavam a pele quente.
— Pare de me beijar, não consigo pensar desse jeito! — Ri contra seu pescoço quente, ainda desobedecendo-a ao voltar a beijar a região.
sempre perdia toda a pose de mandona quando eu tinha meus lábios nela de alguma forma.
— E eu não consigo tirar os lábios de você. — Eu não poderia caçoar daquela fraqueza dela, afinal de contas parecia que nada conseguia me distrair de beijá-la a cada segundo que estava com ela.
Não importava o quão confuso, cansado ou estressado eu estivesse, sabia que era irresistível.
— Faça esse esforço então. — Me afastou de si ainda risonha, fazendo-me segura-la mais firme em meu colo.
— Não sei se consigo. Já estou me esforçando muito para relevar o fato de você ter contado tudo sobre seu projeto do TCC para seu amigo gay antes de mim.
— Quem é gay? — inclinou a cabeça para o lado feito um cachorro.
— Seu novo amigo, o Daniel. — Sorri como se fosse óbvio. Eu esperava que fosse, pelo menos.
— O que? Não, Dan não é gay. — Meu sorriso murchou no mesmo instante.
— Está me dizendo que hoje um hétero pegou todas as suas medidas com as próprias mãos?
Consegui imaginar um par de mãos tocando seu corpo, esbarrando os dedos sujos e podres nos quadris, barriga, na bunda da minha esposa com a desculpa de que estavam ajeitando a fita métrica.
— . — censurou. A encarei de sobrancelhas arqueadas. — Pare de besteiras, ele é só um amigo. Não acredito que vai implicar isso!
Maneei a cabeça contrariado. Eu não devia implicar mesmo, tinha voltado a estudar, era completamente normal ter amigos de ambos os sexos, eu mesmo tive amigas na faculdade que não tinha interesse algum.
E, ainda assim, Daniel nos viu juntos, ele não era nem louco de tentar alguma coisa com uma mulher muito bem casada.
— Eu não estou implicando. — Sinceramente? Estava sim. — Só estou surpreso.
Tentei fazer cara de inocente, mas acho que tudo o que enxergava ao olhar em meu rosto era a palavra “culpado” em letras garrafais escritas em minha testa.
Eu tentava me manter focado em nós, principalmente após nosso novo status de relacionamento em que eu não tinha que me preocupar com outros caras em cima dela.
Mas é que, era tão…, que eu ficaria era surpreso se o tal Daniel não quisesse algo com ela.
— E é muito preconceituoso da sua parte, achar que ele é gay só por cursar moda. — Hasteou o dedo pra mim, fazendo-me encolher na cadeira abaixo dela.
— Não é! Eu gosto de moda também!
— Moda, , não de modelos. Eu bem me lembro da sua obsessão pela Adriana Lima. — Ofeguei ofendido. Quem nunca foi obcecado por aquela deusa que atire a primeira pedra!
— Eu nem gosto de morenas. Prefiro loiras. — Desconversei tentando sair daquele assunto bobo. Me arrependi de ter começado aquela história, estava tendo razão de novo. Como sempre.
— Loiras, no plural, né? — Gargalhei voltando a tentar desmontá-la com beijos no pescoço. não deixava nada passar, impressionante.
— Nada disso. Só tenho olhos pra você. — Minha esposa me olhou de canto de olho. — Mas voltando ao projeto, conte-me.
— Na verdade eu queria te mostrar o restante só quando estivesse pronto. — A encarei calado por um tempo, pensando no motivo de não ter sido incluído no processo de criação dela.
Será que ela tinha medo de eu criticar ou não gostar? Talvez fosse receio de eu não entender nada sobre moda e acabar fazendo algum comentário ruim…Vai ver era por isso que ela tinha mostrado apenas para as novas amigas e para o Daniel.
Me peguei sendo um puta hipócrita, não gostando de tê-la me escondendo algo tão banal ao lado de notícia de que eu encontraria minha mãe no dia seguinte.
— Queria te preparar uma surpresa. — Seu sorrisinho com segundas intenções me trouxe de volta ao eixo, fazendo-me tentar esquecer o pensamento ruim que rondou minha cabeça o dia todo. — Mas já que quer participar do processo todo, te mostro depois com mais calma.
— Tudo bem então. — Beijei sua boca demoradamente, levantando-me junto dela. — Seja lá o que for, tenho certeza que vou adorar. — se encolheu envergonhada diante de mim, fazendo-me não resistir e abraçá-la. — Vamos pedir uma pizza?
— Ótima ideia. — Murmurou contra meu peito.
— Pede enquanto eu tomo um banho? — Ela concordou antes de ser liberta após mais alguns beijos pelo rosto.
Subi sentindo minhas costas doerem, imaginei ser o peso da coisa errada que estava fazendo. O de antigamente não perderia um segundo sequer de sono ao mentir ou esconder algo de uma namorada, mas o atual provavelmente passaria alguns minutos em claro na cama, encarando o rosto sereno de tentando imaginar de que jeito ela tentaria me matar quando descobrisse tudo.
A tensão foi se dissipando aos poucos conforme o tempo foi passando, desci de pijamas encontrando já organizando as coisas para jantarmos, ficamos em silêncio por um tempo, com as bocas ocupadas mastigando ou apenas beijando. Era a coisa mais cotidiana possível beijar minha esposa, mas tinha algo diferente a cada vez que nossos lábios se chocavam, não parecia ser possível mas sentia pequenos choques elétricos me atingirem o corpo a cada vez que acontecia. Sempre era como se fosse a primeira vez, de novo e de novo.
tomou um banho antes de se juntar a mim na cama, permanecia adormecida, a assisti ressonar no berço, encantado como num filme de animação gracioso. Quando retornou do banho, minha esposa deitou sobre mim no nosso ritual de sempre, onde minha mão se pousava em seus cabelos loiros e a dela acariciava meu peito até que pegássemos no sono.
— Amor?
— Hum?
— Preciso confessar uma coisa. — Franzi o cenho, eu quem deveria falar aquilo. Lembrei-me da minha recém descoberta da sexualidade de seu novo colega de faculdade e fiquei levemente preocupado.
— O que? — Observei desconfiado se apoiar sobre mim para me olhar em meio a luz escassa do quarto.
sorriu antes de se inclinar e aproximar os lábios do meu ouvido.
— Ver você com ciúmes me deixa molhada. — Lhe empurrei levemente pelo ombro, mesmo sentido o arrepio de ouvi-la me sussurrar aquilo ao pé do ouvido, não pude deixar de rir aliviado.
— Não era ciúme. — Era sim. estreitou os olhos. — Eu só não gosto de pensar em outro homem com as mãos na minha esposa.
— Minha esposa. — Repetiu ainda risonha. Franzi o cenho novamente.
— É, você é minha.
Era óbvio!
— Uh, possessividade, que delícia. — Gargalhei enquanto ela subia em cima de mim, sentando-se em meus quadris. — Isso é tão tóxico, mas é tão bom.
Não consegui parar de rir da pequena sessão de confissões feitas naquela noite, mas não foi um problema, afinal de contas mesmo sem forças de tanto gargalhar, conseguimos nos livrar das roupas entre nós.
’s point of view.
As manhãs em casa tinham mudado completamente desde que voltei a estudar, depois da calmaria que foi ficar desempregada e apenas cuidar de , voltar a ativa tinha sido um desafio pra mim nos primeiros dias. Tinha que acordar mais cedo e acostumar meu corpo com a nova rotina, tomar banho, ficar ao menos apresentável para sair de casa.
Notei a diferença na forma como costumava me aprontar pra ir a faculdade quando cheguei em Londres e comecei a estudar, depois de algum tempo, mesmo namorando alguém na época, eu geralmente me emperiquitava toda. Não era na intenção de chamar atenção de outros caras, acho que era porque eu via meu namorado na faculdade e aí me esforçava para parecer bonita para ele e ficar ao lado dele. Hoje não tinha mais todo aquele apreço por parecer alguma coisa diante de meus colegas, ia confortável, prestava atenção apenas nas aulas e torcia pra acabar logo e poder ir pra casa.
estava cada vez mais esperta, e eu sentia a falta dela a cada segundo que passava fora de casa. Era completamente contraditório ao meu sentimento anterior, aquela coisa de sair de casa e querer voltar logo. Mas eu sentia que aquela sensação jamais iria passar, depois que me tornei mãe, tive a certeza de que nunca mais iria pensar somente em mim, ocuparia meus pensamentos e coração até meu último suspiro de vida.
No entanto, a sensação de ansiedade era suportável quando eu pensava que ela era necessária para que eu pudesse explodir de felicidade quando chegasse em casa e a pegasse no meu colo.
Atualmente tinha muito mais tempo com ela do que quando trabalhava na lanchonete. Voltava da faculdade no início da tarde e Elisabeta ia embora, tinha todas aquelas horas com minha bebê, lhe dava banho quando a noite caia e preparava o jantar com ela no carrinho ao meu lado. Logo chegava e se juntava a nós duas, fazendo o sentimento de aconchego triplicar como eu nunca achei que poderia ser possível.
Naquela manhã em específico, eu entraria um pouco mais tarde, já que o professor iria se ausentar nas primeiras aulas, os grupos iriam presencialmente no horário habitual, discutir sobre seus projetos de TCC. Como eu estava sozinha, decidi ficar em casa e dar uma pequena folga daquelas horas a Elisabeta.
Infelizmente meu relógio biológico já tinha se acostumado, acordei no horário de sempre, com se arrumando para correr e uma faminta chorando a plenos pulmões.
Sentei-me para tomar café enquanto espalhava meus papéis sobre a mesa, tentando ter visão de tudo, organizar minha apresentação e tudo o que tinha que ser entregue.
Aquilo estava me comendo o juízo. , apesar de ter passado a vida se interessando por moda e lingerie apenas uma vez ao ano e na exata duração do tempo de transmissão dos shows da Victoria’s Secrets, começou a me ajudar dando palpites aqui e ali quando lhe pedia alguma opinião. Obviamente que também tinha Anne e Fanny me dando sugestões, até porque e os demais homens apenas nos viam vestindo a lingerie, não eram eles quem usavam as peças, portanto não sabiam o que era confortável e nos fazia sentir bem.
A campainha tocou distraindo-me de uns ajustes que eu fazia num modelo de calcinha. Fui até a porta estranhando ter alguém tão cedo na porta, não tinha esquecido as chaves e a portaria não tinha telefonado avisando de entregas.
— Bom dia . — Uma Megan sorridente surgiu na porta, segurando a mão do menininho de cabelo castanho e tigelinha uniformizado para a escola. — Posso te pedir um favorzinho?
Olhei mais uma vez a criança aos seus pés, e ele me encarava de volta curioso, fazendo-me piscar em sua direção tentando ser amigável.
— Claro. — Contato que não seja emprestar meu marido, eu poderia sim fazê-lo.
Quando Megan me aparecia na porta da minha casa me pedindo algo, eu automaticamente pensava naquela possibilidade.
— Pode olhá-lo um pouquinho até o horário da escola? — Arregalei os olhos apavorada.
Uma coisa era cuidar de , que ainda não falava, portanto não fazia perguntas; não andava, portanto não mexia onde não devia e nem sequer tinha uma unidade de pensamento sequer se passando por sua cabecinha. Jake tinha seis anos até onde eu sabia, e apesar de habitar essa Terra há tão pouco tempo, podia apostar quanto fosse que ele não devia ser uma criança tranquila. Nenhuma naquela idade era! Sabia que um dia teria seis anos, e já me preparava psicologicamente para isso, mas ainda estava longe, então no momento eu não tinha preparo nenhum para olhar Jake.
— Ele é comportadinho, prometo. O pestinha do mais velho está na casa de um amiguinho, não se preocupe. — Entrou em casa sem esperar que eu a convidasse. Mas a culpa era minha, afinal eu tinha dito “claro” sem saber do que se tratava.
O “claro!” dispensava explicações da parte dela. Quando pensei sobre fazer qualquer coisa por ela desde que não fosse dividir eu falei sério, mas também não consegui prever o que seria além disso.
— O que houve para precisar deixá-lo aqui? — A segui até a cozinha.
— O detetizador veio hoje, quer dizer, eu já sabia que viria, mas não calculei o horário direito, não era para Jake estar em casa quando ele chegasse, não quero meu filho respirando aquele ar nem que seja por um minuto. — Assenti compreensiva, eu também não iria querer aquilo para , e a atendia quanto a confusão de horários. Ser mãe nos tirava muito da nossa sanidade e memória. — A perua já vem buscá-lo para a escola, só preciso que fique com ele uns minutos.
— Claro. — Repeti sentindo-me trêmula.
Não poderia negar um favor tão bobo a ela. Iria ficar mal o dia todo se o fizesse, já estava me sentindo péssima ao vê-la praticamente me implorar ali, entendia o que ela estava passando pois já tinha feito aquele mesmo pedido pra Victoria. Mesmo morrendo de medo de fazer algo errado, respirei fundo vendo-a soltando a mãozinha do menino e tirando sua mochilinha das costas.
— Ele já comeu, é só esperar a perua buzinar e entregá-lo. É simples. — Me tranquilizou. Ela parecia confiar em mim, logo, eu também deveria fazer o mesmo. — Deixe-o ver TV ou dê algo pra ele rabiscar, vocês ficarão bem.
— Acho que tenho umas folhas em branco aqui, lápis de cor também. — Aliviada por perceber que poderia lidar com a situação, remexi minhas coisas da faculdade sabendo que o que mais tinha eram itens de papelaria para entreter uma criança.
— O que são esses desenhos? — Pegou nas mãos um amontoados de croquis já prontos.
— Coisas da faculdade. — Respondi sentindo o rosto esquentar. — Me dê aqui, vou guardar para não correr o risco de serem pintados. — Ri nervosa.
— Não, não, um minuto! — Se afastou de minhas mãos analisando os traços e as cores. — que coisa mais linda! Você que fez todos?
— S-Sim, eu gosto de cores. — Expliquei sem graça, vendo-a folhear todas elas com a mesma atenção da primeira.
Os meus croquis tinham cores que normalmente não faziam sucesso em lingerie, como amarelo ou verde. Na verdade não eram as cores que me deixaram envergonhada, é que eu não costumava mostrar meus desenhos aos outros, não a quem não conhecia ou confiava que seria compreensivo caso não gostasse de algo ou achasse algum defeito.
Tinha medo de não ser boa o suficiente, de ser mais do mesmo, ou de ser simplesmente péssima aos olhos dos outros. Porque às vezes eu mesma pensava daquela forma sobre minhas criações.
— Ainda vou fazer alguns ajustes nesse…
— Você acha que precisa? — Se esquivou novamente quando tentei pegar uma das folhas. — Isso está perfeito, ! Você também confecciona? Quero um desse na minha mesa pra ontem!
— Ah, obrigada! — Ri completamente sem graça, mas sentindo algo como uma felicidade enorme, que irradiava meu corpo à medida em que meu rosto queimava em vergonha. — E-Eu posso fazer pra você. São pro meu TCC, eu não pretendo confeccionar todas, na verdade iria fazer só uma como amostra, pra mim mesmo, m-mas se você quiser eu posso sim.
Desatei a falar sendo completamente ignorada por ela, que ainda olhava detalhe por detalhe do conjunto de calcinha e sutiã trabalhados em renda num vermelho vivo.
— Só preciso das suas medidas.
— Ótimo, vou te mandar depois então. — Finalmente me estendeu os papéis olhando-me desconfiada. — Onde você guardou esse talento todo, menina? As outras vão enlouquecer se virem isso. — Ri desdenhando, quando estiquei a mão para pegá-los, ela os afastou novamente. — Não vá roubar minhas clientes, hein.
— Oh, não, não tenho essa intenção. — Fiquei tão sem graça que quase cavei um buraco no chão da minha cozinha para enterrar a cabeça. Megan riu do meu desespero, antes de pegar o filho e sentá-lo na mesa.
— Obrigada pela ajuda, vou avisar o perueiro para que buzine aqui em frente. — Assenti tentando me recompor enquanto ela se despedia do filho, saindo porta a fora logo em seguida.
Jake me encarou calado, acho que estava com mais medo de mim do que eu dele. Fiquei tímida diante de seu olhar curioso, o menininho olhou no carrinho e depois olhou pra mim em dúvida. Aposto que pensou em como queria que ela pudesse brincar com ele.
Eu também quis que fosse possível, porque eu nunca tinha cuidado de uma criança mais velha como ele. Percebi que por mais difícil que fosse trocar fraldas e interpretar choros de , ainda era mais fácil que lidar com um serzinho pensante, que geralmente fazia perguntas inapropriadas inocentemente ou eram extremamente sinceros e sem tato com o que falavam.
Ajeitei meus cabelos diante de seus olhos escuros.
— Se precisar de qualquer coisa, é só pedir, tá? — Me aproximei mais, tentando parecer simpática.
— Tia, desenha um carro pra mim?
Fiquei estática onde estava.
Ele me chamou de tia? Minha primeira reação foi me segurar para não chorar de emoção ao ver o quão boba eu fui de temer uma interação que na verdade tinha tudo para ser fofa e tranquila, afinal era só uma criança e não um bicho de sete cabeças.
E a segunda reação, bom, eu também quis chorar, mas foi por pensar que estava velha ao ponto de uma criança me chamar de tia.
— Da Fórmula 1. — Especificou.
Eu não sabia desenhar nem os normais, quem dirá os da Fórmula 1.
— C-Claro meu amor. — Sorri nervosa, pegando o papel da mesa e escolhendo um lápis que daria para apagar.
Porque eu poderia sim ser boa em desenhar lingerie e vestidos, peças de roupas em geral, mas se tinha algo que eu era péssima, era em desenhar carros. Eu mal sabia dirigi-los!
A porta da frente se abriu e respirei aliviada por reconhecer os passos de em seus tênis de corrida se aproximando. Estava prestes a ser humilhada por uma criança quando terminasse de desenhar a maior aberração automobilística já vista, pior ainda que os carros da Haas.
— Graças a Deus você chegou, eu não sei desenhar essa merda de carro. — Sussurrei afastando-me da mesa. — O tio vai desenhar pra você, tá meu amor. — Disse alto sorrindo pra ele.
— Ei cara, beleza? — fez um soquinho com a mão e logo foi imitado por Jake, que abriu um sorrisão banguela em sua direção e o olhou como se fosse uma espécie de super herói.
Eu entendia, com aquelas roupas de corrida, cabelos bagunçados e bíceps à mostra quando ele tirou a corta vento ficando apenas de regata…pra mim ele também era como o Superman.
Ele observou interessadíssimo nos detalhes que esboçava no papel antes em branco. Até eu me aproximei curiosa, não que eu duvidasse da capacidade do meu marido, mas ele desenhou um carro parecido com os que via na TV quando passava por trás do sofá e o pegava vendo alguma corrida. Nunca entendi o fascínio por ver carros correndo um atrás do outro, sempre via meu pai comentar da época de ouro de Senna e Michael Schumacher, falava sobre como era emocionante a rivalidade dos dois. Pelo que eu ouvia reclamando com os amigos, hoje o tal Verstappen e a Red Bull invencível tinham acabado com a graça de assistir.
Mas ele continuava assistindo mesmo assim, vai entender.
— Vou tomar banho, pinta o desenho pro tio ver depois, sim? — Jake assentiu pegando os lápis de cor com uma mão só, sem sucesso, pois era muito pequena. Ri de seu desespero e fui ajudá-lo. — Já venho. — Deixou um beijo em minha bochecha e subiu, explodindo de gostoso naquele short preto.
O tempo realmente voou, Megan estava certa quando disse que o filho não daria trabalho nenhum. Mesmo sabendo que ele já tinha comido, lhe ofereci um danone torcendo para que ela não o estivesse privando de comer doces ou coisas do tipo. Ela não tinha especificado nada, e ele aceitou quando ofereci.
logo desceu ajeitando a gravata, cheiroso demais como sempre e invadindo a cozinha com seu perfume. Segurava nos braços enquanto observava a criança à minha frente pintar o desenho todo fora das linhas, mas com as cores certas. Quando eu era menor, pintava bonecos com cores diferentes em cada parte do corpo, mas Jake parecia respeitar a realidade e pintou os quatro pneus de preto como um adulto faria. As crianças de hoje em dia eram realmente mais evoluídas.
— Já vai? — Estranhei. — Não vai nem tomar café da manhã?
A cara que fez me deixou desconfiada. Estava com cara de quem ia aprontar.
— Na verdade…eu não te contei porque não sabia qual seria sua reação. — Esperei que ele dissesse logo antes de reagir de acordo com meus pensamentos. E eles foram longe, imaginando algo relacionado a uma certa mulher. — Minha mãe ligou ontem, e me chamou para tomar café com ela.
Respirei aliviada, não era tão pior do que minha cabeça me fez pensar que era.
Mordi o lábio tentando processar como aquela informação me afetou.
Meses atrás eu estaria furiosa, tentaria lembrar a de tudo o que os pais fizeram e o que não fizeram em relação a . Mas ele estava bem grandinho e ciente de tudo o que passou ao meu lado, sabia inclusive do teor da conversa que tive com sua mãe dias atrás.
— Tudo bem. — Ponderei, mascarando minhas emoções.
Seja lá o que Angelina queira falar ou resolver com , não era da minha conta. Desde que não fosse tentar convencê-lo a me deixar e abrir mão da guarda de , é claro. No mais, eu não poderia e nem tinha autoridade para impedir ou falar alguma coisa.
Até porque, só de ter ficado receoso em me contar, já sabia bem minha opinião sobre os pais.
— É sua mãe e sua escolha. — Encolhi os ombros indiferente. sorriu fraco, afastando meus cabelos e beijando minha boca. — Tem criança no recinto…
riu me soltando após tentar aprofundar o beijo e receber as atenções de Jake, que largou o desenho para nos espiar. Ele já devia entender algumas coisas, e mesmo que não, era constrangedor tê-lo nos assistindo.
— Ah, você me lembrou de algo! — Me largou, indo em direção a mesa e pegando o desenho já finalizado. — Isso mesmo, garotão! — Seu sorriso se abriu de orelha a orelha enquanto analisava os rabiscos.
Não entendi a felicidade, era só um desenho.
— Está vendo? — Olhei de novo, não era possível que tivesse algo de mais ali. — Pintou o carro de vermelho.
— E?
— Todo mundo é fã da Ferrari. — Piscou sorrindo presunçoso. — Não é, Jake? — O menino apenas assentiu, acho que ele concordaria com qualquer coisa que seu novo super herói favorito dissesse.
— Meu Deus, você é doido para ser pai de menino. — Exclamei após constatar que aquela alegria por um desenho era a maior bobagem do universo, mas que seus olhos verdes estavam brilhando.
— Estou satisfeito com minha menininha. Se quiser me dar um, não vou reclamar. — Neguei com a cabeça, duvidando de sua sanidade mental.
— Vai trabalhar, , que você ganha mais. — Me desviei de seus beijos, vendo-o atacar a pobre bebê em meus braços antes de se despedir de Jake e sair porta afora.
Continua...
Nota da autora: Amigas, sei que demorei séculos e que esse capítulo tá muito menor do que os que acostumei vocês a receber hihihi mas queria adiantar logo pra não deixar vocês esperando mais… Espero que gostem e que me perdoem!
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