A crueldade em um homem que desconhece limites levou à morte de garotas lindas e... inseguras. Ele apenas olhava, tocava, desejava o prazer. Talvez se algumas dessas garotas tivessem confiança em si mesma, o seu destino teria sido outro. Ele estava massageando as mãos para entregar outra vida ao lugar de onde veio, mas alguma coisa aconteceu. Porra, talvez ele tenha se viciado em uma calcinha com desenhos de vacas. Aquela garota seria o seu fim.
Prólogo
O líquido vermelho escorria por todo o rosto da adolescente, que já desistira de gritar por socorro. Sua cabeça girava e a falta de oxigênio ia aos poucos dominando o seu cérebro. Lembrou-se dos melhores momentos de sua vida e das pessoas que amava. Nunca imaginou perder a vida daquela forma, tão cruel.
Tentou abrir os olhos lentamente, apenas para levar consigo o rosto daquele que tirava sua vida. Tudo que enxergou foram pequenos vultos, não podia diferenciar a realidade da sanidade. Não naquele momento. Voltou a fechar os olhos, buscando inutilmente algum conforto antes da escuridão total.
Segundos antes de dormir eternamente, ela desejou que seu assassino sofresse tanto quanto a dor que estava sentindo no peito ou em todo o seu corpo. Desejou que ele nunca mais tivesse uma vida, assim como fez com ela. E quando sentiu a escuridão dominar, desejou que o seu assassino confiasse em qualquer um, assim como ela fez.
Único
era uma menina sozinha. Diferente dos adolescentes ao seu redor, não tinha amigos e não frequentava bares lotados. Tinha total certeza que se não fosse a sua avó, seria completamente solitária. E há alguns anos atrás, se alguém lhe falasse isso, choraria por horas encolhida na sua cama. E a razão para tudo isso, todos achavam que sabiam, mas quem vivia na pele era ela. Só ela sabia de verdade. Tudo por causa de um passado sombrio. Um passado que ela fazia questão de esconder, de fingir que nunca existiu, apenas para tentar ser mais forte. Quem sabe um dia conseguisse.
O sinal tocou anunciando o fim da aula de física, e a aglomeração para sair logo foi se desfazendo. A sala estava vazia e mais uma vez, ficara sozinha. Costumava pensar que se não saísse com os outros, a chance de arrumar amigos diminuiria, e isso contava como um ponto positivo para ela. Deitou sua cabeça na mesa, se preparando para dormir até a próxima aula. Assim que fechou os olhos, escutou uma voz rouca acariciar os seus ouvidos.
- Salas de aulas não são quartos, . – se limitou a continuar na mesma posição. Irritá-lo era sempre um bom negócio. – Você sabe que não precisa ser assim.
era o seu professor de inglês e caso de uma noite. No caso deles, várias noites. sentia seu corpo arrepiar ao lembrar-se do seu toque, da forma como ele a possuía. Mas como nada era perfeito pra ela, ele ainda tentava fazer com quê tivesse um problema a mais. Volta e meia queria que ela demonstrasse confiança pra ele.
Alisson sentia raiva. Não queria ninguém dizendo o que deveria ou não fazer, sabia muito bem em quem confiar. Se não tinha amigos e vida social era por que escolhera assim. Foi uma decisão sua. Decidira ter uma vida solitária do que uma vida de mentira. Quando tiveram a primeira noite juntos também fora escolha dela. Ela simplesmente fazia o que bem entendia quando bem quisesse. Confiança era algo autodestrutivo.
- Não estou sozinha. – disse com a voz tediosa. – Mas se você sair, quem sabe.
- Você não acha que tem espaço sobrando demais para tentar afastar as pessoas? – sabia que ele estava se aproximando.
- A solidão ocupa muito espaço, professor. – insistiu.
- Concordo. E também acho que essa calcinha é sua. – tinha um sorriso malicioso quando tirou do bolso um pedaço de pano azul com alguns desenhos de vacas. sentiu o rosto queimar de vergonha, pegando o pano rapidamente das mãos do mais velho.
- Obrigada. – se culparia depois por não ter resposta melhor.
- Não precisa ficar com vergonha, tem mais de onde veio. Sabe, só te trouxe essa pra ver a sua carinha. – riu baixo. – É impagável.
- Como assim ‘tem mais de onde veio’? – quase se esqueceu de que estavam na escola, elevando o tom de voz.
- Você quem vai embora sem calcinha e eu quem tenho que explicar? Se não gosta de perder calcinhas, é só ir sem na próxima vez. Ia ajudar bastante. – jurou por Deus que socaria o rosto bonitinho do seu professor.
- Desculpa, mas não haverá próxima vez. – deu o seu melhor sorriso irônico.
- Você costuma falar muito isso, mas no final do dia, sempre acaba na minha cama. – o olhar de era tão despreocupado que parecia que estavam falando sobre comprar pão.
- Você poderia, por favor, falar baixo? Ainda estamos na escola. – disse olhando para as janelas, checando se não vinha ninguém.
- Como se fizesse alguma diferença pra você. Eu preciso lembrar da gente na sala dos funcionários... – foi interrompido por uma vermelha feito um pimentão. Odiava estar em situações constrangedoras.
- Tá, tá, não precisa me lembrar. – sentiu que foi salva pelo gongo quando o sino tocou. Soltou o ar que não sabia que havia prendido até então.
- Me espera no estacionamento. – sentiu os lábios serem pressionados pelo os de , que fazia pressão contra a boca da mais nova. O beijo era calmo e urgente. A combinação que só eles entendiam. Quando partiram o beijo, estavam ofegantes. piscou para ela e se afastou com passos lentos.
sorriu de lado, balando a cabeça negativamente.
***
analisava uma multidão começar a ser formada ao lado de uma lojinha de doces. A noite já chegara e ele pensou em dar meia volta e voltar para sua casa. Tinha algumas atividades para corrigir. Quando se convenceu de ir embora, escutou o som das sirenes. Os policiais dessa cidade eram tão frustrantes, concluiu. Rolou os olhos quando observou um policial pedir descrição aos que olhavam a cena. se aproximou do local, tentando desviar das pessoas. Parou quando estava em frente a um corpo estraçalhado na caçamba de lixo. Todos em volta olhavam aterrorizados a cena, alguns gritavam e acreditou que fossem da família da jovem morta. Balançou a cabeça negativamente, desejando que as pessoas não tivessem sentimentos.
Estacionou o carro na garagem, observando que algo estava errado. Se lembrava de ter deixado um luz acesa, a mesma que agora via apagada. Franziu as sobrancelhas, estranhando a situação. Abriu a porta lentamente, como se algo fosse surgir de repente. Ninguém entraria em sua casa sem as chaves, seu sistema de segurança era um dos melhores. A não ser...
- Finalmente, achei que viraria pó te esperando – pulou de susto quando viu uma silhueta sentada no seu sofá de uma vaga. Estava tudo escuro e somente a lua iluminava o local, fazendo com que tudo parecesse ainda mais estranho. Ia acender as luzes quando foi interrompido pela mesma voz de segundos atrás. – Gosto de como tem agido, filho. Eu sempre soube que você não iria me decepcionar.
acendeu as luzes e virou-se para o mesmo lugar onde tinha visto a silhueta, já sabendo o que veria a seguir. Robert estava sentado em seu sofá da forma mais despreocupada possível. Folgado, pensou. Deveria ter imaginado que o pai aparecia de repente, ele sempre faz isso.
- O que você está fazendo aqui? –sua voz saiu firme. – Não me lembro de ter feito algo de errado.
- E não fez. É por isso que estou aqui: pra te parabenizar. – Robert sorriu largamente. – Tenho visto o que anda fazendo. Discreto, rápido, inteligente. Tenho muito orgulho de você, filho.
- Eu não preciso do seu orgulho. Nunca precisei. – continuou. – E eu sempre faço um bom trabalho.
Robert balançou a cabeça negativamente, rindo baixo.
- Como nos velhos tempos. Igualzinho a antes, sempre querendo se mostrar mais forte do que é. – olhava friamente para o pai. – Você não nega que é um .
- Para de enrolar, Robert. Veio aqui porque reparou em alguma coisa que não gostou. - esperava que o pai fosse embora logo, não suportava a sua presença. – Fala logo.
- Como eu disse, você é inteligente. – suspirou. – Eu também vim aqui te alertar.
- Eu não preciso de alertas. – franziu as sobrancelhas, achando o pai mais ridículo do que já era.
- Eu não diria isso. – Robert continuou. – Aquela garota vai acabar com você. E não tente fingir que não sabe do que estou falando, nós dois sabemos quem é .
sentiu um incômodo ao ouvir o nome da garota ser pronunciado pelo pai. Nada acaba acabava bem quando ele se incomodava.
- Você não sabe nada sobre ela. – falou mais baixo, como se esperasse que o pai realmente não soubesse. Escutou o pai rir.
- Sei, filho, sei demais. Eu infelizmente participei de uma fase difícil na vida dela. – Robert suspirou teatralmente. – Deve ter sido triste perder os pais em um acidente tão trágico.
- Você não... – ia supor algo que para ele soava errado. Era estranho estar intimidado por esse assunto, aliás, era o que fazia de melhor.
- Sim. Eu tive que tramar um acidente falso e pagar alguns médicos, mas consegui fazer com que a pequena pensasse que tinha realmente sido um acidente. – tentou não parecer surpreso. Já tinha presenciado uma cena parecida antes. Sabia que o pai possuía uma perversidade admirável.
- Eu devo te agradecer ou bater palmas? Não foi muito diferente do que você fez comigo, só que no meu caso você não tentou esconder nada – questionou irônico.
- Você deve acordar, . Porque, se você continuar permitindo que essa garota tenha controle sobre sua mente, ela vai ter controle sobre você. E você vai se tornar um fraco, como era antes. O que eu fiz foi preciso, olha pra você. – Robert apontou para o filho como se elogiasse algo. – Se não tivesse perdido sua mãe, não seria como é hoje. Forte, inteligente.
- Eu não perdi a minha mãe, você a matou. – disse seco. Estava olhando para um homem mau, que fez de tudo para criar um filho como ele. admitia que era cruel, mas nunca seria como Robert.
- Não vim aqui pra falar sobre isso. – rolou os olhos. – O que você vai fazer com a pequena ?
- Eu não preciso fazer nada com ela. E você também não – Robert olhava para o filho receoso, como se não concordasse. – Não é como se ela fosse uma ameaça.
- Eu sei do que estou falando, . Ela vai destruir você, então você precisa agir antes.
- E como ela iria me destruir? – riu baixo. caminhou até sua mesa de bebidas e encheu um copo. – Ela é tão frágil quando todas as suas pobres vítimas, Robert.
- É, mas você não pensa em matá-la... – Robert o encarava sério e parou um instante. – E então, ela se torna uma ameaça. Você não sente nada agora, mas vai começar a sentir. Eu reconheço uma alma perdida, filho. Olhe em volta. Pelo menos três vezes por semana ela está na sua casa. Era só pra você seduzi-la e pronto, fazer seu trabalho. Mas está demorando pra isso acontecer, e você sabe por quê.
desviou seu olhar do pai para o copo em sua mão. Nunca pensou em como algo destrutivo, muito pelo contrário, as horas que passava com a jovem pareciam o tirar do seu inferno. Estar apaixonado não era pra pessoas como ele, inteligentes. Ficar com mostrava um lado da sua sanidade que ele não reconhecia. Mas que fazia, por ora, esquecer-se da maldade que tinha no coração.
- Acabe com isso, filho. Faça como você faz com as outras – Robert se aproximou. – A confiança dela você já tem, tenho certeza disso. Só vá e faça.
- Ela não é como as outras. – admitiu o que estava entalado em sua garganta e que saiu com dificuldade. – Ela é bem mais difícil de controlar. É esperta e não gosta de receber ordens. Ela não demonstra precisar de mim, diferente das outras. – Robert aprecia estar intrigado, mas permaneceu calado. – Não é como se eu estivesse de quatro por ela, eu sei quando agir. E você sabe que eu só faço quando sinto a dependência delas.
- Você não entende. Se continuar com isso, coisa ruins vão acontecer. Eu sei do que estou falando, você precisa confiar em mim.
- Do que você tá falando? – olhava para o homem a sua frente com nojo. – Eu nunca confiaria em você. E por favor, pare de falar. Você não sabe de nada. – apontou com a cabeça em direção à porta. – Agora vai embora.
Robert assentiu, seguindo em passos lentos até a porta. Virou-se quando estava com a mão na maçaneta.
- Depois não diga que eu não avisei. – seus olhos estavam mais escuros do que o normal. não se importou e falou decidido.
- Eu não vou.
***
Naquela sexta, acordou com um problema a mais. Precisava provar pra si mesmo que o pai estava errado. Isso incluía avançar passos com , descobrir o que ela realmente sentia por ele. Ele precisava saber se ela estava pronta. Sabia que não seria fácil, porque conhecia a , e tudo com ela era difícil. Bufou, achando complicada demais para sua paciência.
encarava tediosamente o seu celular. Estava na aula de história e tudo parecia mais interessante do que prestar atenção no que a professora Mackenzie dizia. Ela tinha a capacidade de transmitir sono apenas com o olhar. rolou os olhos, continuando a mexer no seu celular.
- Senhoria , poderia me informar sobre o que estamos debatendo? – levantou o seu olhar até sua professora raivosa. Como sentia pena dela. Só de olhar dava pra notar que era tão solitária quanto ela, e suas roupas não ajudavam. podia jurar que ela imitava a Sibila Trelawney.
- Não sei. Parei de ouvir quando você começou a falar. – deu para escutar algumas risadinhas no fundo. A professora Mackenzie estava furiosa.
- Bom saber, senhora . Muito bom saber. Pois saiba que seu comportamento é errado e desrespeitoso – a encarava com tédio. – Parece que esta aula não está lhe acrescentando em nada. Sou obrigada a lhe encaminhar para a direção. Passar bem! – apontou para a porta sugestiva e a garota apenas se levantou e seguiu para os corredores. Direção seria o último lugar que iria.
Estava enrolando o segundo corredor quando sentiu duas mãos fortes lhe agarrarem. Antes de gritar, o rosto tomou a sua visão. respirou aliviada, dando um tapinha no ombro do mais velho.
- Que susto, . Não tinha hora melhor pra você aparecer? – planejava ficar perambulando pela escola. sorriu de lado e a encostou na parede.
- Por causa do meu bom humor, eu vou ignorar o fato de você ser muito mimada. – deu um cheiro no pescoço da aluna, sorrindo ao perceber que ela se arrepiou. – Vem comigo depois da aula?
-O que aconteceu? A oxigenada burra vai estar ocupada? – falou irônica. Nikki era a professora de que viva atrás do . Já odiava a matéria que ela lecionava, ainda tinha que aturar os suspiros dela pelo seu professor.
- A oxigenada burra é a sua professora de química e tem nome. – achava graça da situação. Muitas mulheres já discutiram com ele por exclusividade, mas simplesmente não sabia pertencer a alguém.
- Que você não vai ousar pronunciar. – disse raivosa, arqueando as sobrancelhas.
- Ciúme não combina com você, . Achei que fosse mais confiante. – a provocava o máximo que podia. Ele só não sabia que dois podiam jogar esse jogo.
- Eu sou confiante, amor. Você nem imagina o quanto. – se aproximou, deslizando as mãos pelo peitoral definido coberto do professor. – Talvez ciúme realmente não combine comigo. Aliás, talvez não combine com a gente. Resolvi aceitar o convite do Ethan, vamos sair amanhã.
- Nem em sonho, amor. Você não vai a lugar algum com ele – escondia sua raiva com uma expressão sarcástica.
- Pensei que fosse mais confiante, . – repetiu as mesmas palavras que ele. O jogo de provocações só havia começado.
- Você acha que eu tenho ciúme daquele moleque? Me poupe, . Eu só não gosto de dividir os meus brinquedos, falta de educação, eu sei – sabia que ele não cederia fácil, nunca cedeu.
- É isso que eu sou pra você? Um brinquedo? – tentou fugir dos braços do professor, que a pressionou com mais força na parede.
- Você não está querendo uma cena romântica, né? Sabe que nunca teria isso de mim.
- Na verdade, eu não espero muita coisa de você mesmo. E não, não quero ter nada que se relacione a romance com você. – fez uma careta estranha. – Acontece que educação é sempre bom. E respeito melhor ainda.
rolou os olhos com o assunto chato que ela escolheu.
- Sabe, vocês mulheres são bem melhores na cama. Fora dela, parecem um monte de bichos indecisos. – revirou os olhos.
- O que indecisão tem a ver com o que eu falei? – questionou.
- Tudo. Nunca vi uma mulher pedir respeito na cama. – arqueou as sobrancelhas, sorrindo malicioso.
- Meu Deus, você só pensa em sexo? – indagou o olhando como se fosse um animal de vinte cabeças.
- Não, eu penso em você também, o que me leva a pensar em sexo. É, acho que só penso em sexo – nunca se acostumaria com o fato de falar sobre isso com tanta facilidade. Podia ser desenrolada em muitas coisas, mas sexo seria sempre um tabu pra ela.
-Você é estranho.
- E você vai pra minha casa depois da aula.
- Não.
- Sim.
- Desde quando você manda em mim, ?
- Desde que você me obrigou a esvaziar uma gaveta pra colocar suas calcinhas.
É, tinha esse tabu também.
***
analisava as fotos de suas vítimas. Garotas bonitas, cheias de vida. Lembrava-se de cada uma. Do jeito como riam, como pegavam no cabelo, como sussurravam coisas ilícitas no seu ouvido. Lembrava-se do prazer. Ah sim, o prazer, o que essas pobres adolescentes ingênuas não fariam pra sentir? Sorriu malicioso. Era sempre tão fácil. Talvez se elas tivessem resistido um pouco mais, se não tivessem confiado nele... Quem sabe ainda estariam aqui, morreriam logo, claro, mas passariam mais tempo sentindo prazer. Uma foto em especial lhe chamou atenção. Jenna Lowell tinha cabelos ruivos, pele branca, e sardas adoráveis. Foi a última que matou e a mesma que viu na caçamba de lixo. Era tão linda e doce, mas confiava fácil nas pessoas, e isso foi a sua morte. Guardou a foto junto as outras e fechou a caixa. A depositou no topo do seu armário, onde sabia que não alcançava.
. Por que não se imaginava guardando uma foto dela na caixa? Só podia estar com sono, pensou. Era claro que um dia a guardaria na caixa, era assim com todas. Pensou no que o pai dissera, o alertando sobre . Deveria mesmo ouvir alguém tão cruel quanto ele? suspirou derrotado, desejando naquele momento que ela fosse como as outras.
***
retirou os fones que usava, sentindo a fome chamar atenção. Desceu as escadas calmamente, pensando que no faria para comer. Às vezes comparava as escadas da casa de sua avó, onde morava agora, com as da sua antiga casa. Sua outra casa, onde vivia com seus pais, estava trancada e guardada, esperando o dia em que ela se sentisse pronta para entrar lá novamente. Céus, pensava que não conseguiria dar um passo para dentro daquela casa sem que sua memória começasse a latejar. Suas melhores lembranças estavam lá, assim como o seu coração. Quando chegou a cozinha, viu Emma colocando os pratos na mesa. Caminhou até ela e lhe deu um beijo na testa.
- O que temos pra hoje? – sentou-se na cadeira. - Me diz, por favor, que é a sua lasanha.
- É ela mesma. – riu, tirando a lasanha do forno e colocando em cima da mesa. – Como foi hoje na escola?
- A mesma coisa de sempre. – respondeu, cortando um pedaço da sua comida preferida e a levando até o seu prato.
- Ainda sem deixar que se aproximem de você? Não gosto de te ver assim, minha boneca. – suspirou pesadamente enquanto olhava para sua neta. – Eles também não gostariam.
soltou os talheres em cima do prado, fazendo um barulho irritante. Encarando o vazio, ela falou o que pesava no seu coração todos os dias, mas que era a única verdade:
- Eu sei que eles não gostam de quem eu me tornei. Mas eles também precisam entender que eu não tive escolhas, vó. Eu fiquei sozinha. – falava baixo, quase inaudível. – Era como se eles fossem os meus pés. Sem eles, eu simplesmente... Despenquei.
Poucas vezes se abria pra alguém, por insegurança, mas aquela era a sua avó. E como ela amava aquela mulher! Ela era a única corda que a segurava do abismo.
- Eu queria ser a que eles amaram. Mas, eu não consigo... Eu não consigo, vó... Eu não... – começou a soluçar, fazendo que com Emma levantasse de sua cadeira e abraçasse sua neta com força, como se tentasse lhe passar segurança.
- Shiu... Está tudo bem, minha boneca. Eu vou cuidar de você, está segura. – se acalmou aos poucos com o abraço de sua avó. - , acho que está na hora de saber. – encarava a neta inexpressiva. enrugou a testa. – Antes de tudo que vou lhe contar, peço para que entenda que não pude te falar isso antes. Como avó, eu não pude. – a neta a encarava com preocupação, esperando paciente por Emma. – Quando os seus pais morreram, eu também perdi uma parte de mim. Era o meu filho e a mulher que ele mais amou na vida, eu fiquei desamparada. O que me mantinha firme era você, pequena. Eu sabia que não podia desistir de tudo, por que precisava cuidar de você. E foi o que eu fiz. Comecei a me aprofundar cada vez mais no ocorrido, ia todos os dias na delegacia, queria estar a par de tudo. Eles diziam que foi acidente, que eles escorregaram e caíram na piscina, mas eu sentia que tinha algo errado. Eu sabia que aquilo não tinha sido um acidente, era improvável demais. Eu estava disposta a deixar a investigação de lado e focar somente em você, mas tudo mudou. Um mês depois, eu fui a sua casa e passei um tempo encarando o local do crime, e encontrei algo. Era quase imperceptível, mas eu vi um rastro. Um rastro completo. Eram pegadas e vinham da porta dos fundos. Quem quer que tenha andado ali daquele dia, não foi convidado a entrar. Mas as pegadas não foram o que me assustaram, , eu vi sangue. Gotas secas de sangue que seguiam exatamente a trajetória dos passos. Não foi um acidente, . Foi um assassinato.
A cabeça de latejava com tanta informação. Seu coração parecia que ia saltar do seu peito e suas mãos estavam trêmulas. Ela encarou Emma, sentindo as lágrimas grossas desceram pelo seu rosto. queria falar, gritar. Gritar exatamente como fez no dia da morte dos seus pais. Agora tudo havia mudado. Ela estava enganada esse tempo todo. Burra! Médicos e policiais podiam ser subornados o tempo todo, por que no caso dos seus pais seria diferente? Amaldiçoou-se pela sua inocência, se ela tivesse sido uma garotinha esperta...
- Me escute, . Quem fez isso com seus pais está solto, vivendo e destruindo famílias. – o olhar de sua avó era de raiva e angústia.
- Você acha que...? – não, isso seria demais para a pouca sanidade que havia restado na sua consciência.
- Que o assassino dos seus pais é o mesmo que está assassinando as jovens da nossa cidade? Sim, , eu realmente não duvidaria disso. – continuou, agoniada. – Está tudo ligado, pequena. Mesmo se eu estiver errada e não for o mesmo assassino, ele vai saber algo sobre quem matou a Nina e o George. – começava a sentir falta de ar, tudo estava muito errado. Ela nem sabia quando algo certo começou em sua vida depois daquela noite.
- Então a gente tem que pegar ele, vó. Se existe alguém culpado pela morte dos meus pais, merece pagar por isso. – falava agitada. Um sentimento de vingança começava a nascer dentro dela.
- NÃO! – Emma tentou se controlar, não podia estragar esse momento despertando a raiva de , aquilo era para salvá-la. – Não foi pra isso que eu lhe criei, . Você está magoada e com raiva, mas ainda é uma boa menina! Quem fez aquilo vai pagar, Deus está no controle de tudo.
- Eu não entendo... – se perdia em meio a pensamentos confusos e conturbados.
- Eu te contei tudo isso para que a sua vida não fosse uma mentira. Contei porque você merece saber a verdade. E porque talvez você esteja em perigo. – sussurrou a última frase, fazendo enrugar a testa.
- Em perigo?
- Não quero que te machuquem, querida. Se algo acontecesse com você, eu... – foi interrompida pela neta.
- Nada vai acontecer comigo, vó. Não precisa se preocupar. – tentou acalmar a mais velha, que balançava a cabeça assentindo.
- Eu preciso que me prometa uma coisa, . – a encarou bem nos olhos, segurando em seus ombros. – Prometa que não vai atrás de quem fez isso, por favor. Por mim, não faça nada.
Como aguentaria ficar parada enquanto o assassino dos seus pais matava mais pessoas? Talvez existissem mais adolescentes como ela, pessoas que perderam seus pais cedo demais. Mas sua avó pediu em desespero, clamou como uma reza para que ela se afastasse de qualquer coisa que lhe colocasse em perigo. E o faria. Ficaria longe o quanto pudesse, por Emma.
- Eu prometo.
***
- Você não pode ficar perto da sua bomba depois que lança, . É suicídio – tentava explicar o jogo a garota, que já perdera diversas vezes. O professor a carregou para sua casa mais uma vez, alegando que suas notas em inglês estavam péssimas e que ela precisava estudar de verdade. Mentira. Estudar seria a última coisa que fariam.
- Quer saber? Cansei. Jogo chato – colocou o controle do videogame no sofá e se acomodou.
- Tá bom, senhorita enjoada. E o que você quer fazer? – deixou o controle de lado também, sentando no chão.
- Conversar. – franziu o cenho.
- Conversar?
- Sim, conversar. – aquilo poderia ser considerado uma surpresa para os dois. Sempre quando paravam o que estavam fazendo existia algo sexual envolvido, não imaginava que ela estava querendo conversar agora. E não imaginava um dia propor isso. Talvez fosse um dia estranho.
- Okay, sobre o que você quer conversar? - indagou. suspirou aliviada.
- Me fale sobre você. – disse após um tempo pensando.
- Eu não tenho o que falar sobre mim. Você já me conhece.
- Não. Eu conheço o que você me deixa conhecer, que é muito pouco. – continuou. – Me fale sobre a sua família, sobre suas manias, o que costuma fazer nos domingos. Coisas que você não contaria a sua ficante. – terminou, olhando bem para ele.
- É assim que você se autonomina? Ficante? – a olhou arqueando a sobrancelha.
- É o que eu sou. – ficou calado. Nem ele sabia o que ela era.
- Bom, eu perdi minha mãe quando tinha oito anos e meu pai não é muito de aparecer. Eu acho que não tenho manias. E a única coisa que eu faço nos domingos é ficar em casa, na maioria das vezes na cama com você. – a última frase o assustou. O baque de saber que isso estava durando tempo de mais estava chegando. não ficou comovida com o fato de ele ter perdido a mãe cedo, foi assim com ela também. Acreditava que os dois conheciam a dor da perda.
- E os seus amigos?
- Não tenho amigos.
- Parece que existe alguém tão solitário quanto eu. – falou casualmente. – Por que foi mesmo que eu comecei a deixar você abusar do meu corpo?
- Eu consigo tudo o que eu quero, bombomzinho. – disse, causando uma crise de risos em seguida.
- Eu me lembro disso. Que horror, ! Bombomzinho? Você podia ter me chamado de galinha que seria mais bonito. – falou aos risos. Bombomzinho seria o apelido que deu a ela quando a conheceu e começou a cantá-la. O que na verdade não durou muito tempo, porque na segunda semana estavam se pegando no estacionamento.
- Foi o melhor que eu consegui, okay? – continuou rindo. – Eu não sabia de que tipo de cara você gostava. Garotas de dezessete anos são difíceis de impressionar.
- Qualquer um que não fale bombomzinho. – continuaram a rir. estava com os olhos lacrimejando, lembrando-se da primeira vez que ele a chamou daquele apelido ridículo. a olhava admirado. Não podia negar a beleza de , admitia que ela era a mais bonita que escolhera.
- Sabe, as meninas na escola te comem com o olhar, você podia ter escolhido qualquer uma. Sempre quis saber por que me escolheu – disse distraída. não sabia de onde vinham tantas perguntas.
- Você é uma peça rara, ! Eu bati meus olhos em você e pensei: é essa que eu quero na minha cama nos finais de semana – respondeu relaxado. – Mas nós dois sabemos que não deu muito certo.
- É, parece que você não consegue controlar esse desejo alucinante que tem por mim – riu baixo. Mal sabia ela que aquilo era verdade. tentava manter sua mente distante das memórias dolorosas da sua última conversa com sua avó, mas nada a fazia parar de pensar. – Desculpa mudar o rumo da conversa, mas você sabe dos assassinatos, não sabe? – perguntou receosa. Era um assunto estranho de se falar com ele.
- Não tem como não saber. Mas, por que a pergunta? – adorava quando sua presa questionava sobre seu predador, mesmo sem saber quem era ele.
- Nada, é que a gente nunca conversou sobre isso e eu considero um assunto interessante.
- Garotas mortas é um assunto interessante? – questionou.
- Garotas mortas pelo mesmo assassino é um assunto interessante. É como um serial killer, mas ele não segue padrões. – olhava para um ponto qualquer.
- Então você entende de seriais killers. – exclamou surpreso.
- Entendo o suficiente. Eles são uns abestalhados – fez uma careta e riu.
- Eu diria que são inteligentes – não conseguia ficar sem se gabar por um minuto.
- Quem mata pessoas não é inteligente, , e sim cruel. Eu não vejo sentido em tirar a vida de uma pessoa que poderia ter um futuro brilhante, sabe? – engoliu em seco. Suspirou e continuou. – Todas essas meninas mortas sem nenhuma razão.
- Não sabia que você tinha sentimentos – brincou, mas parecia estar perdida em pensamentos. Nem o encarava.
- Eu conhecia a Amber, ela era minha vizinha. A gente se distanciou no ensino médio, mas me lembro muito bem dela. Ela era uma das poucas pessoas que eu mantive o contato depois da morte dos meus pais. – suspirou. – Ela era engraçada, gostava de falar muito e vivia criticando minhas roupas nem um pouco estilosas. Quando eu soube que ela havia sido encontrada no lago, eu simplesmente não acreditei. –continuou. – Aquela foi a primeira vez que eu senti alguma coisa depois de muito tempo. Eu não chorei, não gritei, só senti a dor calada. Ela foi a única que eu pude chamar de amiga, sabe? Era a única que me tratava bem, que entendia o meu luto. Ela não merecia aquela morte. – balançou a cabeça, apertando os olhos com força.
se lembrava de Amber também. Era exatamente como descrevera, faladeira e gentil. Quando se encontrava com a garota, quase morria de tédio esperando que ela terminasse seu discurso sobre a extinção dos animais. Ela foi fácil demais e ele só levou algumas semanas com ela. Escutar falar sobre esse assunto era algo diferente, porque nenhuma outra chegou a comentar com ele. Talvez ela realmente não fosse como as outras.
- Chega de assunto triste por hoje, eu quero te mostrar uma coisa – disse se levantando e pegando na mão da garota. Era pequena e macia, gostava de segurá-la.
- Que coisa? – perguntou enquanto era levada por por um caminho que ela reconhecia como o do seu quarto. Riu baixo. - Não sabia que você tinha ficado gentil pra esse tipo de coisa.
- Eu sempre fui gentil com você.
- Se você diz...
O que viu ao entrar no quarto a deixou boquiaberta. Parecia uma cena daqueles filmes românticos de adolescentes virgens. A cama estava coberta de pétalas de rosas vermelhas, assim como no chão e no centro havia uma caixa com champanhe e duas taças de vidro. reparou que a iluminação havia mudado para algo mais sensual. Sempre achou o quarto de lindo, mas agora estava impecável. De repente, sentiu um aperto no peito, uma vontade louca de sair daquele lugar, como se lhe faltasse o ar.
- Por que você fez isso? – sua voz quase não saiu. Encarou-o com uma expressão triste.
- Eu fiz isso pra você. – a olhava sem entender. Ela não havia gostado?
- Não foi isso que eu perguntei. Por que, , por que você fez isso? – sua cabeça girava e ela começava a sentir raiva. – ME DIZ, POR QUÊ?
- EU NÃO SEI, CARALHO, ACHEI QUE VOCÊ FOSSE GOSTAR – gritou desesperado. Não conseguia entender a cabeça daquela menina louca. – TODAS GOSTAM, QUAL O SEU PROBLEMA?
- Eu não sou as outras – disse pausadamente, sentindo a ira dominar seus pensamentos. – Você acha que eu sou idiota, ? Que é só me levar pro seu quarto com pétalas de rosas que eu vou me apaixonar por você? Eu nem gosto de rosas.
- Você não pode simplesmente ignorar o que eu fiz, – falou exaltado. – Eu não pensei que você fosse se apaixonar por mim, eu nem quero isso. Talvez você seja superior – arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa.
- É ótimo você não querer isso, porque eu nunca me apaixonaria por você. – disse se aproximando. – Você sabe como a gente funciona, . Eu tenho alergia a romance e nojo de caras sentimentais. – fazia gestos com as mãos.
- Você é louca. – seu olhar estava preso na boca da garota.
- Talvez um pouco, mas isso não é motivo pra você me chamar de piranha – um pouco mais perto, só um pouco mais perto e os lábios se encostariam.
- Não te chamei de piranha.
- Você me comparou as suas outras, então me chamou sim. – o encarava duramente. A raiva ficou no ar, dando lugar a provocações e o desejo. – Agora eu vou embora e você vai procurar as suas outras pra enganar com rosas. – sorriu sarcástica. Deu o primeiro para sair do quarto.
- Eu não disse que você podia ir. – a essa altura, pensou em desistir de tudo e matá-la ali mesmo. Mas algo mais forte o impediu, como se tivesse um impasse o bloqueando.
- Como é? – parou, o encarando incrédula. – Você tá me dizendo o que fazer?
- É, eu estou te dizendo exatamente o que fazer. – tinha uma expressão fria, como nunca vira antes.
- Você não tem esse direito.
- Na verdade, eu tenho sim. Você sabe quantas horas eu gastei nisso aqui? Só pra te impressionar? E você simplesmente resolveu dar uma de louca e surtar, então eu tenho direito. – a encarava e sentiu um frio passar por todo o seu corpo, como se algo ruim fosse acontecer. Ele começou a andar em círculos ao redor dela. – Sabe de uma coisa, , você é muito mimada. Como eu cheguei a pensar que você era diferente das outras? Se fosse inteligente, se realmente pensasse, só aceitaria de bom agrado o que eu lhe ofereço. Mas não, você tem que ser essa rebelde sem causa. – parou. Encarando-a bem nos olhos. – Para de ser burra.
se perdeu naquele instante. Olhava ao redor, sentindo o mesmo incômodo de antes, dessa vez no peito. Respirou fundo, tentando entender a situação, mas nada aconteceu. Estava ali, perante o seu professor que parecia outra pessoa. Tentou alcançar a porta, mas foi mais rápido e a trancou antes que ela tentasse escapar.
- Me deixa sair. – não moveu um músculo, a deixando irritada. – Agora, .
- Eu gosto desse seu jeito. É sexy – riu baixo, sorrindo maldosamente. – Você confia em mim, ?
- É óbvio que não. – o encarava com desprezo. suspirou.
- É uma pena, eu realmente preciso que você confie em mim. – levou uma mão ao rosto da garota, arrastando uma mecha que caía sobre seus olhos para trás da orelha. Sentiu um tapa forte no seu pulso, sorrindo de lado.
- Quem é você? – perguntou receosa. Algo lhe dizia que a resposta ia mexer ainda mais com a sua cabeça.
- Acredite em mim, você não ia gostar da resposta. – abraçou seu próprio corpo, sentindo insegurança pela primeira vez na noite.
- Eu já não estou gostando de muita coisa, mesmo. – suspirou, continuando. – Você é algum tipo de mafioso ou algo assim? Me deixa sair, eu juro que não conto a ninguém.
gargalhou, jogando a cabeça pra trás.
- Eu não sou mafioso, mas tenho que admitir que essa sua última frase eu costumo ouvir bastante. – se aproximou, colocando suas mãos em volta do pescoço da jovem. – Você é especial, . É corajosa, independente, e difícil demais. Sabe quantas garotas eu machuquei buscando isso? – começava a sentir falta de ar e ele afrouxou o aperto no seu pescoço. – Eu só precisava que elas me mostrassem confiança, mas sempre entendiam do jeito errado. Queria que mostrassem confiança nelas mesmas, mas eram tão burras que preferiram me dar essa confiança. E isso as matava.
sentiu as lágrimas virem de forma violenta, denunciando o seu medo. Como pode se envolver com alguém assim? Como se deixou levar? Sentia-se burra e frágil. Céus, como ela odiava se sentir fraca.
- Você fez aquilo com a Amber? – sua voz saiu fraca. – Você matou todas aquelas garotas? – apertou os olhos com força, esperando a resposta que já sabia.
- Sim. Eu matei a sua amiguinha e algumas outras – sentia o poder nas suas mãos. Podia fazer o que o pai lhe dissera para fazer ou esperar. Qualquer que fosse a resposta para essas dúvidas, sabia que estava em um momento decisivo na sua vida. Tirar a vida de alguém sempre foi algo tão simples pra ele, por que não estava conseguindo simplesmente fazer?
Levou até a cama, ordenando que ela se sentasse. Com medo, ela fez o que ele mandou, ficando na ponta da cama.
- Por quê? – escutou ela dizer. Sua voz parecia desesperada, mas ao mesmo tempo angustiada. – Por que você faz isso?
- Eu tenho alguns traumas, é a única coisa que você precisa saber.
- Todo mundo tem traumas, . Todo mundo tem uma cicatriz aberta, tem um ponto fraco. Mas o que elas decidem fazer com isso é o que mostra quem elas são. –disse seca.
- E o que o seu trauma fez com você? Te tornou uma menina triste e sozinha? Isso só mostra o quanto você é fraca, . E por isso merece morrer.
- Eu não sou fraca. – disse pausadamente e com raiva. – Você pode me matar, pode fazer comigo o que fez com todas aquelas pobres meninas, mas não me chame de fraca. – levantou, depositando toda a coragem que restava na sua raiva. – VOCÊ NÃO ME CONHECE, VOCÊ NÃO SABE NADA SOBRE MIM, ENTÃO NÃO ME CHAME DE FRACA. – continuou a gritar, sabendo que a consequência seria a morte. – O ÚNICO FRACO AQUI É VOCÊ! FRACO E BURRO! EU NUNCA PRECISEI MATAR PESSOAS PRA MOSTAR QUE TENHO ALGUM TIPO DE SUPER CONFIANÇA. E SE VOCÊ FOR ME MATAR POR ISSO, , SE FOR ME MATAR POR SER EXATAMENTE O QUE VOCÊ NÃO É, POR FAVOR, FAÇA LOGO. EU VOU MORRER FELIZ – terminou com um dedo apontado no peito do professor. segurou o seu braço, depositando sua raiva ali.
- Belo discurso, . Mas eu não disse que vou te matar – a jogou na cama, ficando por cima do seu corpo. – Eu ainda preciso da sua confiança, essa que você acabou de mostrar pra mim, você vai me dar. E aí sim, eu vou poder te matar – mordeu o lábio dela com força e sentiu um gosto metálico na boca. – Lento e dolorosamente, como você merece. – enfiou sua mão dentro da blusa dela, acariciando sua cintura descoberta. – Antes disso, você vai aprender a ser como eu: cruel.
Avançou na sua boca, como um animal faminto. tentou resistir, mas foi em vão. Enquanto estava se agarrando com seu assassino, pensou em como poderia salvar a sua vida. Um clique a despertou, ela poderia mostrar confiança a ele, mas não precisava ser de verdade. Entregou-se ao beijo, sentindo que uma batalha pela vida se iniciara. Ela não teria o mesmo fim que as outras. Não teria o mesmo fim que os seus pais.
***
Oxford, Reino Unido.
Cinco anos atrás, 18h45min.
A residência dos exalava elegância e felicidade. Na parte interior da mansão, onde casais dançavam e crianças corriam alegres, se encontrava a pequena . Tímida, sapeca e de uma beleza inexplicável. Toda a vizinhança a admirava, com seu jeito fofo de sempre ser educada e simpática. era a típica filha de pais ricos e generosos, que tinham todo o amor do mundo pela sua pequena. Mas não era egocêntrica, muito pelo contrário. Era bondosa e engraçada, sem nunca ser má. E por isso a casa estava cheia. Era seu aniversário e todos queriam parabenizar a pequena por mais um ano de vida. Todos os dias da vida de eram bons, mas nos seus aniversários eram os melhores.
- Filha, eu estava te procurando. A Amber chegou – Nina olhava para sua filha com um olhar aliviado e carinhoso. Acariciou os cabelos lisos da pequena. – Está se divertindo?
- Sim, mamãe. Obrigada por tudo – sorriu agradecida. Nina beijou os cabelos da filha que antes acariciava. – Vou receber a Amber. – disse, se retirando.
foi saltitante em direção à porta de entrada, tendo que se encolher algumas vezes para desviar das pessoas que dançavam ali. Sorriu admirada, adorava ver os outros se divertindo. Quando chegou ao seu destino, viu Amber parada já dentro da casa, próxima a porta.
- Por que demorou tanto? – Amber fez beicinho e rolou os olhos rindo.
- Não seja dramática, Amber, é meu aniversário. – sorriu, pegando na mão da amiga.
- Eu sei, parabéns amiga. – abraçou a aniversariante. – Infelizmente a gente ainda não tem dezessete anos e não curtimos como adolescentes malucos, mas ainda podemos como crianças espertas. – sorriu sapeca. gargalhou.
- Você é impossível, loura. E é claro que a gente pode se divertir, nem deve ser tão bom ser adolescente – fez uma careta, que Amber reprovou com o olhar. – Só responsabilidades e dor de cabeça.
- Você é louca? Deve ser demais fazer o que bem quiser quando bem entender. Não vejo a hora de crescer. – balançou a cabeça negativamente, como se reprovasse o pensamento da amiga.
- Eu nunca vou me tonar alguém assim. – insistiu.
- Não é a gente quem decide isso, às vezes é só... O universo. – pensou um pouco no que ela disse. Às vezes estranhava a forma como amiga pensava, era se fosse bem mais velha do que mostrava. – Agora vem que a gente que se divertir. - foi levada por Amber.
- Pra aonde a gente vai? – perguntou, estranhando o fato de estarem se distanciando da casa.
- Não é muito longe, eu quero te apresentar alguém – pararam no quintal da vizinha. O barulho diminuía conforme iam chegando aos grandes arbustos, Amber pediu para que ela esperasse ali. Pouco tempo depois, a amiga retornou trazendo consigo um garoto que jurou ter visto algumas vezes na escola.
- , esse é o Tyler. Tyler, essa é a – apresentou os amigos, que olhavam timidamente um para o outro.
- Olá – disse , sorrindo abertamente. O garoto apenas acenou com a cabeça.
- Vou deixar vocês sozinhos. Trate bem a minha amiga, priminho – e dizendo isso, se afastou dos dois.
- Priminho? – perguntou, sem querer parecer invasiva demais. Não queria estar sozinha com ele, mas já que estava, precisavam ao menos conversar.
- É, eu sou primo daquela louca. – respondeu, fazendo rir. – Desculpa aparecer sem ser convidado na sua festa, mas a Amber me forçou a vir. – disse tímido.
- Tecnicamente, nós não estamos na festa. – riu e continuou. – Mas não tem problema, mais convidados é sempre bom.
- Você é legal, como pode ser amiga da Amber? – Tyler perguntou, já sentindo que a conversa estava finalmente fluindo.
- A Amber é minha melhor amiga, dê uma chance a ela. – continuou. – É uma menina maravilhosa.
- Não é não. – riram. Tyler percebeu que a risada da garota era como música para seus ouvidos e que ele poderia escutá-la todos os dias. Sem reclamar.
- Tá com frio? – perguntou, notando que esfregava disfarçadamente suas mãos. Ela não respondeu, apenas sorriu de lado. – Toma. – Tyler retirou a jaqueta que vestia e a colocou em volta dos ombros de , que sorriu agradecida. Quando estava fazendo seu caminho de volta, percebeu que estavam próximos. Tão próximos ao ponto de sentir a respiração um do outro. Os dois ficaram estáticos. Não sabiam como agir, o que fazer, o que pensar. Aquele seria o primeiro beijo de ambos. Tyler nunca havia beijado uma garota antes por medo de errar e não saber onde colocar a língua. nunca passou muito tempo pensando nisso, simplesmente sabia que um dia ia acontecer. Mas não imaginou que seria no seu aniversário de doze anos com um primo da sua melhor amiga. Eles mal se conheciam. O cenário também não colaborava, achava indecente dar seu primeiro beijo atrás dos arbustos. Antes que pudesse ao menos dizer isso ao garoto a sua frente, sentiu o gosto estranho e quente dos lábios nos seus. Então era assim, pensou. Não houve magia, seu pé direito não levantou e ela não sentiu as famosas borboletas no estômago, mas sentiu um aperto no peito. E aquilo foi o bastante para se afastar do garoto. Desequilibrou-se, precisando se apoiar nos ombros de Tyler. Uma sensação de angustia ia aos poucos dominando o seu peito. O que diabos estava acontecendo? Perguntava pra si mesma. Ouviu Tyler perguntar se estava tudo bem, mas preferiu não responder, por que nem ela mesma sabia.
De repente, um grito foi ouvido, seguido de vários outros. imediatamente correu para sua casa, ignorando os gritos do garoto deixado para trás. Não demorou a chegar e tentou localizar de onde vinham os gritos. A angústia no seu peito crescia cada vez mais, a forçando a procurar desesperadamente. Viu um amontoado de pessoas correrem em direção a área da piscina e seguiu o mesmo trajeto que eles. Quando apenas três passos a separavam da borda da piscina, cessou. Toda a angústia que sentia se espalhou por todo o seu corpo, a fazendo cair no chão. Nina e George boiavam estirados na piscina. Os corpos já sem vida encaravam o céu de forma apavorada, como se tivessem tido uma morte assustadora. Os gritos e lástimas dos que assistiam a cena ecoavam pela cabeça da pequena , que sentia sua garganta implorar para que parasse de gritar. Mas foi em vão. Os gritos da pequena não cessaram e pareciam cada vez mais altos e desesperados. gritava por medo, angústia, raiva e saudade. Gritava por que simplesmente não entendia e não conseguia acreditar. Gritou o nome dos seus pais, os chamando de volta, pedindo para ficar mais um pouco. Ela não se despedira, não abraçou os seus pais uma última vez, não sentiu o cheiro que tanto gostava. Seu corpo frágil se inclinava de forma desesperada na borda da piscina, sendo impedida por braços desconhecidos, mas nada importava. Ela precisava alcançar o colar que boiava livre, esperando por ela. Era a joia que sua mãe mais usava, sempre a via com ele. Era também o último presente que sua mãe havia deixado para ela. Como se fosse um abraço de despedida, como se estivesse se desculpando. Quando finalmente o apanhou, agarrou a joia com todo o resto de suas forças, o levando em direção ao coração. Tinha parado de gritar, estava de olhos fechados e deixando sua alma dispersasse conforme não sentia mais nada. Seu coração agora parecia ser feito de vidro. E estava trincado, completamente destruído. Levantou seu olhar para encarar os corpos vazios das pessoas que mais amava na vida. Naquele momento, quando seus olhos encontraram pacientemente o olhar desesperado dos seus pais, sua alma escureceu. A que todos conheciam partira também.
apertou seus dedos envolta do pingente do colar que usava, não permitindo que as lágrimas descessem. Aquela foi a última vez que se permitiu ser fraca. Não tinha mais tempo pra isso. Aprendeu que a dor podia tomar a direção que você quisesse, sendo da sua escolha sofrer ou não. A cicatriz que carregava iria andar para sempre com ela, colada em seu coração. Com o passar do tempo, entendeu o que Amber quis dizer quando falava que a gente não controlava o rumo que a vida tomava, que às vezes era apenas o universo agindo.
Abriu os olhos, encarando no sofá ao lado tomando algo que ela não reconhecia em uma xícara feia, enquanto lia jornal. Dessa vez entendia o que estava acontecendo, sabia que se não fosse inteligente o bastante, teria o mesmo destino das outras garotas inocentes. Mas estranhamente, não sentiu medo. Ela simplesmente reconhecia a derrota e a submissão, sabendo que precisa pensar muito para escapar com vida do jogo do seu professor. Sorriu discretamente, torcendo para que a gaveta de calcinhas estivesse vazia. Enchê-la fazia parte da sua válvula de escape.