Era difícil escolher o quê dar de presente para alguém que já tem de tudo.
Tudo mesmo!
Casa grande em bairro nobre?
Ele tinha.
Um carro chique e veloz?
Óbvio que sim.
Um closet com roupas de grife e vários acessórios?
Também — muito mais do que eu!
Os gadgets mais modernos e caros?
Sim, ele tinha.
Então ficava evidente que eu não tinha ideia nenhuma do quê dar de presente de Amigo Secreto para o meu chefe.
ANO 00
A entrevista de emprego era para o cargo de recepcionista.
Não era bem o trabalho dos meus sonhos, mas com minha mãe no hospital e eu sendo a única de meus irmãos com idade o suficiente para trabalhar, coube a mim tomar jeito na vida e agir de maneira responsável.
Alguém lá em cima deveria gostar de mim, pois fui selecionada para o emprego mesmo sem nunca ter trabalhado na vida. Ter o espaço “Experiência Profissional” em branco costumava afugentar qualquer possível contratante, acredite em mim!
Eu tinha praticamente um mês na poderosa e importante Indústrias Fletcher, quando conheci o presidente da empresa.
E não foi nada convencional...
Tratava-se de uma quinta-feira, mês de Natal.
As ruas e casas já estavam tomadas por enfeites e luzes.
A árvore de Natal da empresa tinha acabado de ser disposta na recepção, toda enfeitada nas cores típicas da empresa: azul e vermelho. Era toda alta e robusta.
Eu fingia estar trabalhando, enquanto, na verdade, admirava os enfeites da árvore quando o Papai Noel irrompeu no saguão da empresa. Roupa vermelha, barba branca, barriga de cerveja, botas e tudo mais!
— Hô, hô, hô! — riu escandalosamente.
Estava prestes a apertar o botão de pânico, logo abaixo de minha mesa.
O quê raios era aquilo?
— Funcionária nova? — perguntou-me o bom velhinho. Ainda que parecesse confuso, não deixou de sair do personagem, mantendo sua voz.
Dei apenas um aceno leve com a cabeça. Mamãe sempre me disse para não falar com estranhos. E aquele ser humano se encaixava perfeitamente na descrição dela.
— Muito bem. Seja bem-vinda! Agora... — disse ao se aproximar da minha bancada. — É só colocar a mão no meu saco.
— Quê?!
— Vamos, não seja tímida.
Em seguida, colocou um saco de veludo vermelho sobre o tampo de vidro da bancada e uma sensação de alívio e vergonha percorreu todo o meu corpo.
Acredito que ele notou a percepção equivocada que tive dele a princípio:
— Há prêmios aqui dentro. Você escolhe um e ganha. Vamos lá, retire um papelzinho.
Dei-lhe um sorrisinho amarelo, acanhada ainda.
Peguei um entre os diversos papéis que minha mão sentiu e o entreguei sem nem desdobrá-lo — serviço que ele o fez, vibrando com emoção ao anunciar meu prêmio.
— Você acaba de ganhar... um peru de doze quilos!
— Credo!
Certo, era um prêmio. A empresa não tinha nenhuma obrigação de me dar nada pelo fato de ser Natal e “cavalo dado não se olha os dentes...”... Mas eu odiava peru!
O bom velhinho pareceu hesitar após minha reação espontânea demais. Coçou sua falsa barba (ou seria mesmo verdadeira?) e então dobrou o papel novamente.
— Me desculpe! Eu fico com o prêmio! — meu lado racional e educado me fez dizer, mas meu semblante evidenciava o meu desgosto.
Ele fez apenas um gesto negativo com sua luva branca e aveludada, jogou o papel dentro do saco e o estendeu para mim logo em seguida.
Suspirei, praguejando minha franqueza involuntária, e fiz o que era pedido.
— Muito bem... — ele fez uma pausa para o suspense. — uma árvore de Natal! Ao menos não é um peru!, pensei comigo mesma com alívio.
— Nesse mesmo estilo. — o bom velhinho apontou para a árvore da recepção. — O Papai Noel espera que desse prêmio a funcionária nova goste.
— Ne-nesse estilo?! — aquela puta árvore gigante?!
Aquela monstruosidade não caberia no meu apartamento!
Seus olhos mostraram certo receio por detrás dos óculos meia-lua de armação fina e dourada.
— Eu sempre quis uma árvore assim! — gritei, fingindo-me de emocionada, chorando e me descabelando no âmago do meu próprio ser. — Obrigada... Papai Noel.
O bom velhinho sorriu, parecendo satisfeito.
— Farei com que seja entregue na sua residência. Hô, hô, hô!
Na hora eu não fazia a menor ideia, mas aquele era o jovem presidente da empresa.
Thomas Fletcher.
Era sábado. Doce sábado.
E se você achava que eu dormia até tarde aos sábados, enganou-se.
Sábado cedo pela manhã era dia de visitar minha mãe no hospital. Um horário meio ingrato, entretanto, não se comparava ao infortúnio de minha mãe de ter de ficar lá e não com seus filhos em casa.
— Oi, mãe! — gritaram meus irmãos gêmeos assim que entramos no quarto. Tentei repreendê-los, mas para minha mãe a algazarra era como música para seus ouvidos.
— Queridos! — ela estendeu a mão, a voz debilitada. — ...querida.
— Está tudo bem, mãe. — tentei assegurar-lhe. Minha mãe costumava se preocupar em excesso comigo sustentando sozinha tudo.
Das sete e meia da manhã até as oito e quinze nós éramos uma família quase normal — era preciso relevar o cenário hospitalar e a condição um tanto frágil de minha mãe.
Optei por tomar um segundo café da manhã com os gêmeos na volta para casa, comida do hospital me deprimia.
Depois de me descabelar em uma padaria por conta de meus irmãos, tudo o quê eu queria era poder me jogar na cama e dormir, dormir e dormir. Só que assim que nos aproximávamos do prédio onde vivíamos, temi que isso não fosse possível.
Vi a carcomida da síndica apontar em minha direção enquanto falava com um entregador trajando um colete, cujo logo era o mesmo em um grande caminhão de mudança, estacionado logo em frente ao meu prédio.
— ? — perguntou-me o jovem rapaz quando me acerquei.
— Sim?
— Assine aqui, por favor. — ele me estendeu uma prancheta com vários papéis e uma caneta.
— O quê é? — perguntaram meus irmãos.
— Entrega das Indústrias Fletcher.
— Droga, é a árvore! — praguejei.
— Árvore? De Natal?
— Você comprou uma árvore de Natal nova, mana?
— Não, não... Eu ganhei.
— AÊÊ!
Meus irmãos estavam eufóricos; eu, preocupada.
Desnecessário dizer que meus irmãos me torturaram e manipularam até que eu os obedecesse e montasse a bendita árvore...
Mais desnecessário ainda é ter de dizer que a árvore realmente não cabia em nosso apartamento de teto baixo, assim, o objeto acabou envergando no topo — o que facilitou colocar o enfeite de estrela no galho mais alto.
Os enfeites que adornavam por completo a nossa árvore menor não foram capazes de preencher direito nem um dos lados da árvore maior, enquanto o pisca-pisca só chegava até metade do comprimento dela. Havia mais verde do que enfeites!
Por sorte, aos olhos de meus irmãos pestinhas ela estava incrível: grande e imponente.
A segunda-feira chegou e meu ânimo para trabalhar era zero. Sentia meu corpo cansado e incômodos calos em meus dedos, tudo graças a montagem da árvore.
Praticamente joguei-me na cadeira e dei-me ao luxo de dar um longo suspiro — aproveitando o fato de que não havia ninguém na recepção. Não demorou muito para que o fluxo de pessoas começasse... e até ele chegar.
— Bom dia! Recebeu a árvore, senhorita? — perguntou simpático assim que as portas automáticas lhe abriram passagem. Agora sem a barba branca e roupa vermelha.
Ele não se parecia em n-a-d-a com o Papai Noel roliço, pançudo, barbudo e velho. Não senhor, Thomas Fletcher estava mais para neto do Noel.
Parecia um verdadeiro homem de negócios com seu terno slim fit — aqueles que definem melhor a silhueta por serem rente ao corpo — de cor cinza de três peças. Era o primeiro e único homem que eu via ‘ao vivo e a cores’ utilizar uma gravata borboleta também cinza. E se aquele item já lhe dava um aspecto singular, parecia casar perfeitamente com os óculos de armação grossa do tipo “meu-vovô-usava”.
Seu rosto ainda não havia dado espaço para as rugas da idade, viam-se apenas leves linhas de expressão na testa e onde as sobrancelhas se encontram. E embora seus cabelos parecessem brancos, eram de um loiro muito claro — eu me perguntava se era a cor natural.
— Bom dia... Sim, sim. — esforcei-me para que o sorriso vencesse a expressão apática. Reuni fôlego para lhe contar brevemente sobre a montagem da árvore, quando o telefone tocou. Meus olhos ficaram entre o objeto e ele, que indicou com a cabeça que eu devia atender primeiro.
— Indústrias Fletcher. . Bom dia. — disse no melhor tom simpático possível, ao que o próprio Fletcher me devolveu com um sorrisinho leve sem mostrar os dentes. — Certo... — odiava quando o cliente contava toda a sua história para mim, achando que eu poderia resolver o assunto.
Enquanto esperava que a pessoa do outro lado da linha terminasse para então eu lhe dizer que iria transferir sua ligação para a pessoa correta, peguei meu celular e com a mão livre selecionei a galeria de fotos para mostrar ao meu chefe a foto tirada no dia anterior.
Um grande e espontâneo sorriso desabrochou em seu rosto ao ver a tela do celular. Meus dois irmãozinhos sorriam parados lado a lado em frente à nova árvore montada no canto da sala, encurvada pelo teto baixo.
— Devia ter me dito que ela não iria caber... — comentou ele, tentando voltar a um semblante mais sério, estava na empresa, afinal.
— Hum, não, sem problemas. — comentei após analisar a foto com o celular de volta a minhas mãos. Observei o brilho nos olhos de meus irmãos e uma onda nostálgica e cálida invadiu meu peito: — Eu sempre sonhei em ter uma grande árvore.
Eu adorava o Natal
Mas ainda ia descobrir que Thomas Fletcher era capaz de amar o Natal mais ainda.