Última atualização: 28/03/2024

“Don't ever become a stranger whose laugh I could
recognize anywhere
— New Year’s day, Taylor Swift


Capítulo 1 — For the hope of it all

ainda tinha seus olhos fechados quando um barulho alto a acordou. A janela entreaberta fazia a cortina balançar suavemente, o sol de julho já dava sinais, mesmo que ainda não fosse quente o suficiente. Do sexto andar de seu apartamento conseguia ver boa parte da cidade e com o verão chegando era extremamente agradável permanecer ali enquanto era banhada pelos raios solares.
Deitada de bruços se espreguiçou e com dificuldades ela se sentou na cama observando o homem tentando vestir sua calça, ele sussurrava palavrões ao perceber que não era uma boa ideia ter calçado os sapatos primeiro. Howard tinha os ombros largos e um corpo tão definido que parecia alguma escultura de Michelangelo e aquela camisa social branca mostrava ainda mais seus músculos. O cabelo estava meio molhado e jogado para trás.
se aproximou por trás de Howard e passou suas mãos no peito do homem, ele beijou o braço dela.
— Por que tanta pressa? — perguntou. — Querendo fugir de mim?
— Não deveria ter dormido tanto, está tarde — sussurrou.
Ela olhou para o relógio em seu pulso e se levantou em um piscar de olhos, também estava atrasada. Ia conhecer a nova família para qual iria trabalhar. Um atraso logo no primeiro dia não era nada bom, pais não costumam ficar muito felizes ao perceber que você se esqueceu do filho deles. O quarto bagunçado dificultava a procura de uma roupa adequada e ali, pela milésima vez, jurou arrumar aquele lugar o mais rápido o possível. A famosa cadeira que nunca serviu para que ela se sentasse estava — como todos os outros dias — recheada de roupas meio sujas e limpas.
Vestiu uma calça jeans largar e uma blusa branca, não era a opção ideal para cuidar de um bebê, mas naquele momento era a única que parecia estar limpa o suficiente. terminava de amarrar o cabelo quando percebeu que Howard ainda estava sentado à cama amarrando os sapatos, ficou por um tempo o olhando e de repente o arrependimento tomou conta de seu corpo e como um grande lapso, disse:
— Isso precisa acabar.
— De novo essa conversa?
— Sim, de novo. Nós dois... Não é certo.
— Não foi o que disse ontem — ele se levantou e a puxou para mais perto, quase selando os lábios. — Não seja medrosa, eu e você é o óbvio. Tudo ao nosso redor é certo quando estamos juntos, não é?
— Então por que agora eu não me sinto assim? Por que todas as vezes que a excitação acaba eu sinto um aperto no coração?
se desvencilhou do braços dele e entregou as últimas peças de roupa que Howard tinha espalhado na noite anterior.
— Isso não é só mais um jeito de me incentivar a pedir o divórcio, é? — Howard arqueou a sobrancelha.
— Não! Eu quero é ficar longe de você, seu...
— Completo gostoso? — riu.
— Narcisista incrivelmente gostoso.
Howard puxou para mais perto e a beijou. Ela se derreteu entre os braços dele e como um passe de mágica a angustia foi embora. Howard se desvencilhou e antes de ir embora sussurrou:
— Está do avesso.
Beijou a testa de e caminhou para fora.
Ela ficou alguns segundos sem entender e ao olhar para a blusa percebeu a etiqueta encostando em seu braço. Tirou o mais rápido possível e a desvirou.
saiu com passos apressados até a entrada do prédio, o porteiro — acostumado com o atraso da mulher — apontou para um táxi que a esperava na porta. não sabia o que seria de sua vida sem Sebastian, o senhor já de idade era o único do prédio que mantinha uma conversa por mais de quatro segundos com ela. Aparentemente os vizinhos não gostavam muito de inquilinos que tinham um karaokê em casa. Sebastian gostava de , ela levava cookies e tortas de morango, do outro lado, ele já pagou o aluguel de muitas vezes, até mesmo sem que ela soubesse disso.
Enquanto ainda corria para a porta sorriu e sussurrou um “obrigada”. Olhava constantemente para o relógio rezando para que ele parasse ou melhor ainda, voltasse no tempo. Já tinha mandado currículo para quase todos os estabelecimentos que podia, quase nunca recebia resposta e quando recebia eram sempre pedidos de desculpa, já que procuravam alguém com formação acadêmica, algo que não tinha. Trabalhar como babá era o único serviço que ainda conseguia fazer, apesar de ser ocupado em sua maioria por adolescentes e senhoras de idade.
Emily era a típica mulher estadunidense, tinha a bandeira dos estados unidos balançando na frente da casa e um cartaz de “Vote for Trump” no gramado. Ela deveria ter quase a mesma idade de , o cabelo castanho longo e solto, parecia ter acabado de sair de um salão de beleza. Emily usava um robe azul marinho de seda, tinha a sobrancelha fina e um pescoço longo, a deixando ainda mais alta. Emily se despedia de uma menina bastante sorridente, saiu do carro e caminhou até a entrada da casa. Quando estava prestes a fechar a porta, colocou o pé dentro de casa a impedindo.
— Senhora Peterson, — ela deu seu melhor sorriso — sou , eu vim para a entrevista.
Emily a olhou de baixo para cima com desprezo.
— Ah, a moça das nove? — olhou para o relógio — uma hora e meia atrasada.
— Eu sinto muito, o trânsito estava infernal.
— Moro aqui a trinta anos, conheço bem o trânsito de Portland para saber que você não teria problemas com isso.
— Tudo bem, olha, a única coisa que precisa saber é que sou ótima com crianças. Elas me adoram.
— E que provavelmente deixaria minha filha esperando uma hora e meia na escola. — fez uma pausa — sabe o quão isso é terrível para a reputação de uma mãe? Vão achar que eu sou uma completa desequilibrada que deixa a criança com uma babá que não consegue chegar na hora.
— Prometo que isso não vai acontecer novamente. Se somente me der uma chance, tenho certeza que não vai se arrepender.
— Se realmente fosse boa, teria chegado na hora. — Se preparava para fechar a porta quando olhou novamente para a blusa de . — É muito atrevimento achar que eu contrataria alguém com esse tipo de vulgaridade.
olhou para a blusa e mesmo estando de cabeça para baixo sabia o que estava escrito “Eu amo meu papai”. Quando olhou para cima a porta já estava fechada, permaneceu encarando o nada por alguns segundos e começou a fazer o caminho de volta para casa a pé. Estava cansada de sentir que seus esforços não estavam adiantando, claro, ela poderia ter chegado mais cedo em muitos deles, mas mesmo que chegasse na hora, era inútil.
Antes de chegar ao seu apartamento entrou em uma das cafeterias que costumava frequentar, o universo parecia ter escutado seus pensamentos quando viu Margo Carter, sua irmã de outra mãe — como costumava dizer para os outros — tomando um café. A barriga de sete meses da mulher a impedia de ter muitos movimentos no lugar apertado que estava. Sentou-se em frente da amiga e deitou sua cabeça na mesa. Margo suspirou entendendo o que aquilo significava.
— Perdeu o horário?
resmungou algo inaudível.
— Estou perdendo a dignidade com a comunidade das grávidas, . Daqui a pouco não vou poder voltar a frequentar os encontros.
— Eu sei, me desculpa.
— Quero muito poder te ajudar, mas todas as vezes que te indico para alguém você não aparece na hora.
— Vou ter que esperar seu bebê nascer para ter um trabalho.
— Não quero que seja a babá do meu filho, quero que seja a tia bonitona dele — as duas riram. — Você ainda tem uma última chance com Leona amanhã, por favor não se atrase dessa vez.
— Uhum
Carter abaixou a cabeça até ficar de frente com a amiga.
— Posso saber por que não chegou na hora?
— Homens Margo, homens — encostou a cabeça na parede.
— O de sempre?
Ela assentiu.
— Por que não pede pra ser a babá dos filhos dele?
— Primeiro que ele não tem filhos e depois, isso seria errado.
— Você já está ficando com um cara casado , acho que ser babá dos filhos é só um bônus.
revirou os olhos.
— E saiba que não vou desistir até você me mostrar a foto do senhor “sempre me deixa atrasada”
— Acredite, não vale a pena.
— Tão feio assim?
— Não — suspirou — o completo oposto.
O choro de uma criança tomou conta do estabelecimento. A voz baixa de um homem parecia tentar acalmar que quer que fosse, mas não parecia resolver. Os olhos raivosos dos clientes caíram sobre o pai e a filha.
! — Margo estalou os dedos. — Não acha que essa é uma boa hora para poder entrar em ação? — apontou com a cabeça para um homem ainda desesperado tentando acalmar a menina.
— Eu não vou sair por aí fazendo crianças pararem de chorar com a esperança que os pais me contratem, Margo.
— Talvez com ele você consiga — ela se aproximou de . — Se lembra de uma Holly que fazia yoga com a gente? — concordou — É a filha dela.
— Eu achei que ela tinha morrido.
— E morreu, é por isso que estou te falando que talvez ali você consiga um emprego. Pai solteiro com uma criança no auge de seus quase cinco anos, é o emprego perfeito.
se deu por vencida e caminhou até os dois. O homem era alto, tinha o cabelo grande com alguns cachos soltos e claramente não tinha nenhum cuidado para arruma-lo, a barba grande e por fazer, tinha também algumas rugas na testa. A descendência indiana dele ficava mais evidente com seu tom de pele e a sua feição.
A menina era totalmente o oposto do pai, tinha o cabelo escuro e perfeitamente penteado com uma florzinha amarrada. Apesar do choro ainda tinha o rosto angelical. conseguiu perceber que ela tinha somente uma covinha do lado esquerdo.
— Posso conversar com ela?
— Não precisa, obrigado — respondeu sem olhar para .
— Você parece....
— Não sou tão incompetente assim — ele colocou a mão sobre a cabeça — Me desculpa — se virou para — Não queria ter sido tão grosso.
assentiu.
— E então? Posso?
Suspirou, deu um passo para o lado deixando que ela pudesse ver a menina. se ajoelhou e sorriu.
— Qual o seu nome?
Antes de responder, ela olhou para o pai e com a permissão dele, se virou novamente.
— Claire.
— Que nome mais lindo e quantos anos tem?
Claire levantou quatro dedos.
— E por que a meninas mais linda desse lugar está chorando?
— Minha vó sempre compra aquele pirulito, mas o papai não quer comprar.
sorriu para Claire.
— Eu também gosto muito daquele ali, mas sabe o que aconteceu? — Claire negou — eu gostava tanto que todo dia eu comia dois. E ai, eu fiquei enjoada de tanto comer. E acho que seu papai não quer que você fique enjoada.
— Mas é que eu queria muito — ameaçou começar a chorar novamente.
— Eu imagino mesmo, mas pensa assim, você ainda pode comer amanhã. Eu nunca mais vou poder comer aquele pirulito, queria que alguém tivesse me tido antes de eu comer tantos.
— É verdade papai? — a menina perguntou assustada.
O pai assentiu. Ela abraçou a perna do homem se escondendo.
— Obrigado — Ele sussurrou — Sabe como é, depois de ficar muito tempo com os avós eles voltam todo estragados.
— Imagino — sorriu.
O homem parecia disposto a terminar a conversa e se retirar do estabelecimento quando esperando pelo pior, ela disse.
— Trabalho com criança...Se caso precisar...talvez — Tentou um sorriso, mas foi interrompida.
— Ah, é muita gentileza sua, mas eu não preciso de uma babá.
— Ah qual é — pegou um papel e a caneta do atendente e anotou seu número, estendeu o papel, mas ele permaneceu estático. — Vamos logo, pegue — colocou o número do bolso do paletó.
— Eu... Acho que você está confundindo as coisas. Agradeço sua ajuda, mas eu realmente não preciso — ele riu. — Eu não te conheço, não sei suas referências.
— Sou e você é?
, mas...
— Todos precisam — passou a mão nos cabelos de Claire — Ter uma criança pode ser difícil as vezes — ela sussurrou.
— Vamos fazer assim — , impaciente, passou os dedos entre os cabelos. — Se um dia surgir a oportunidade você estará no topo da minha lista.
— Maravilha — ela sorriu. — Estarei esperando por sua ligação .
percebeu que ele olhou para a blusa e rapidamente tentou cobrir o que estava escrito. Ainda sem reação no rosto ele pegou nas mãos da filha e deixou a cafeteria. A menina agora mais calma, sorria e cantarolava uma música qualquer.


✤✤✤


Ao chegar em seu carro viu o famoso papel amarelo em seu para-brisa, outra multa. Se continuasse daquela maneira até o final do mês já teria perdido a licença. Retirou o papel e viu o preço marcado, 40 dólares.
— Merda.
— Merda — Claire disse olhando para o pai.
— Não, você não fala isso.
— Merda papai.
— Essa é uma palavra ruim, é feio.
— Mas você falou — a menina tombou a cabeça.
— É eu sei, mas o papai é feio ele pode falar.
colocava a filha na cadeirinha enquanto ela passava a mão nos cabelos do pai.
— Você não é feio!
Ele olhou para a menina que agora tinha um largo sorriso, aquele gesto contagiava qualquer um. Claire era encantadora, igual a mãe — pensou — terminou de ajeitar a cadeirinha e foi para o banco do motorista.
Deixou a filha na escolinha e sentiu o aperto no peito vendo-a caminhar para dentro do lugar, parecia tão pequena e inocente. Poderia ficar ali olhando para não perder nenhum segundo de sua infância, qualquer tempo não parecia suficiente para permanecer ao lado da menina. Quando a perdeu de vista ligou o carro e dirigiu para o hospital.
Alguns paciente esperavam no saguão com cara de entediados e olhando para a televisão que passava alguma notícias qualquer. Kayla Jinkins abriu um grande sorriso ao o ver. Foi ela que tomou o primeiro passo em chamar para um encontro, e assim como nas outras coisas, Kayla era quem tomava as decisões. Quando ela chegou para fazer a entrevista como recepcionista quase não teve outra opção a não dar o emprego a mulher que não parava de tagarelar. Gostava disso já que sempre foi muito calado e quase nunca tinha sobre o que falar, mas não com ela, Kayla tinha muito o que conversar.
Com o cabelo cortado nos ombros e um maxilar extremamente definido, chegou a cogitar que Kayla fosse uma filha perdida de Gal Gadot e Keira ley, era inegável a beleza que tinha.
E sem ao menos perceber o rapaz também a olhava com felicidade, ou tentava dar o seu melhor.
— Bom dia senhor .
— Sério Kayla? Senhor? — ele ria enquanto aproximava o rosto do dela.
— Estamos no trabalho — beijou o homem — Não combinamos assim?
ficou olhando para os olhos dela por alguns segundos, encantado com o brilho que havia ali, ela parecia tão encantadora na maior parte do tempo. Era raro aqueles momentos onde os dois pareciam um casal mais feliz do que realmente eram, então só aproveitou a oportunidade de estar em paz durante aqueles poucos minutos.
— Quantos pacientes hoje? — ele perguntou.
— Por enquanto somente cinco.
— Ótimo, podemos adiantar o horário do restaurante — piscou para Kayla e entrou para sua sala.


Capítulo 2 — Why'd you let me down?

e Kayla esperavam a mãe do rapaz chegar sentados no sofá da sala. Conversavam sobre os casos dos pacientes do dia quando a campainha soou pelo apartamento. Claire correu para a porta esperando o pai a abrir e quando o fez, a criança abraçou a perna da avó. A menina já contava sobre o dia na escolinha e que havia feito novos amigos, tentava puxar Jolene para que ela fosse até seu quarto, mas a mulher antes deu um abraço no filho.
— Desculpe a demora, a médica de seu pai ligou e perdi a noção do tempo — ela beijou o rosto de .
— Não tem problemas, eu e Kayla chegamos mais cedo em casa hoje — Jinkins acenou para a sogra que retribuiu. — Mas como papai está?
— Pior — Jolene suspirou. — Mas Lilyana disse que talvez tenham achado um doador.
— Isso é ótimo mãe, eu disse que tudo ia se resolver.
— É... Espero que esteja certo.
abraçou a mulher. Nos últimos anos o estado de Tarak tem decaído mais do que o normal, e Jolene fingem estar bem e o outro finge acreditar na mentira.
Observava a mãe brincar com Claire enquanto tirava o carro da garagem e ao menos ainda tinha as duas consigo.
A entrada do restaurante tinha uma longa fila quase virando a esquina. achava estupidez tantas pessoas ficarem tanto tempo em pé somente para comer, mas Kayla adorava aquele lugar e honestamente Cielo Nostro tinha uma das melhores comidas da cidade. Não era atoa todos os quase vinte prêmios espalhados pelo lugar. entrelaçou seus dedos com de Kayla e caminhou de encontro até o Maître que os levou para a mesa reservada.
Ele trouxe uma cartela de vinhos e pediu que escolhessem, devolveu sem ao menos olhar pedindo qualquer vinho seco que tivessem. O rapaz assentiu e deixou os dois a sós.
— Sinto que deveríamos fazer isso mais vezes — Kayla disse.
— Eu sei, sinto tanto a sua falta — ele acariciava a mão da namorada — Parece que com essa correria a gente só briga e eu não quero isso.
— O amor faz a gente superar cada coisa, não é? — Jinkins sorriu e o homem pode sentir seu coração se derretendo. — Você se tornou minha família.
— E você a minha — se inclinou e a beijou — Prometo arranjar mais tempo para nós.


✤✤✤


terminava de retocar a maquiagem no banheiro e guardava os pincéis dentro da bolsa. Qualquer pessoa que a visse no estado anterior saberia muito bem o que estava fazendo, o cabelo completamente desgrenhado agora estava devidamente desembaraçado e penteado. O restaurante estava cheio, como de costume e apesar do lugar espaçoso ainda era difícil conseguir circular pelo ambiente. O caminho tão conhecido até a cozinha pareceu ter ficado mais estreito e só percebeu quando a sua bolsa acidentalmente esbarrou em uma das taças de vinho acertando o vestido de uma mulher. Os milésimos de segundos onde ficou paralisada sem saber o que fazer eram os mesmos onde a mulher falava alto.
— Você é cega?!
— Eu sinto muito — pegava o guardanapo de pano e tentava limpar o vestido vermelho, o que só fazia a mancha se espalhar mais.
— Pare de piorar tudo! — ela arrancou o pano da mão de .
— Não foi nada Kayla.
— Estava distraída, me desculpe... — olhou para o homem que secava a mesa — !
? — Kayla perguntou.
— Eu?
— Não se lembra de mim? , da cafeteria. Eu ajudei...
— Sim, a Claire. Eu me lembro de você.
— Duas vezes no mesmo dia, que coincidência, não é?
Kayla estava mais furiosa do que nunca.
— É sério? Você realmente não tem o mínimo de bom senso! Acaba de derramar vinho em mim e está descaradamente dando em cima do meu namorado?
Antes que as duas mulheres iniciassem uma discussão o chef do restaurante colocou as mãos no ombro de a puxando um pouco para trás.
— O que está acontecendo? — Howard falou no tom mais baixo que conseguiu.
— Eu esbarrei sem querer na taça dela.
— Tenho certeza que a senhorita não fez nada por mal. Peço desculpas pela confusão e espero que aceitem uma outra garrafa de vinho, por nossa conta.
— Não será necessário — disse.
— É claro que será! Se o próprio chef conhece a vaca que fez isso eu quero minhas devidas desculpas.
— Vaca não! Você que colocou a merda da taça do lado errado... — Howard puxou o braço de a empurrando levemente para o lado.
O chef sorriu e pediu para que o garçom levasse o vinho para a mesa. Cuidadosamente levou para a porta dos fundos da cozinha.
— Mas que merda ?
— Não foi culpa minha, ela que colocou a taça do lado do corredor. Qualquer ser humano decente o suficiente sabe que não se coloca a taça lá.
— Por favor não cause mais problemas e vá embora — pressionou a têmpora
A boca da mulher se abriu para retrucar, mas O’Connor já havia fechado a porta sem ouvir sua resposta. grunhiu de raiva assustando as poucas pessoas que passavam pelo beco escuro.
Durante o caminho para a casa se pegou pensando no casal no restaurante. A mulher apesar de irritante — pensou — era extremamente bonita, podia jurar que ouviu um leve sotaque britânico em sua voz. Teria ficado furiosa tanto quanto se tivesse seu vestido manchado por uma destrambelhada, e talvez estaria ainda mais furiosa por ter que ser vista com aquele cara, não que fosse feio, ele só é extremamente desarrumado. Sentia que talvez quisesse trabalhar para ele somente para poder ajudá-lo a se cuidar, estava em um restaurante cinco estrelas e ainda assim parecia ter se arrumado para ir à padaria, estava completamente destoado do lugar e não parecia se importar. tinha a sensação que depois dessa noite talvez ela não fosse mais contratada, seu sonho estava cada vez mais distante.
O apartamento ainda bagunçado era a causa da dor de cabeça de e ela tinha mais certeza disso todas as vezes em que voltava para a casa e via os pratos de comida espalhados pela sala e roupas despenduradas em todos os cantos. Se deitou na cama e configurou o alarme para sete e meia, ela não iria se atrasar de novo, não dessa vez. Era a última das amigas de Margo que havia aceitado ao menos conversar com ela, as gravidas pareciam odiar depois de tantas fofocas ao redor de seu nome, que quase sempre eram a verdade.
Talvez fosse a ansiedade ou só o medo de ficar sem emprego, mas logo no primeiro toque do despertador ela se levantou e tentou se enganar que estava feliz com toda a situação. Tudo seria tão mais fácil se tivesse alguns milhões na conta. A roupa que dessa vez foi escolhida com calma e a dedo parecia ter sido a melhor opção dentre todo o guarda roupa que estava ao chão do lado da cama. O café da manhã composto de somente uma maça deveria mantê-la de pé até o horário da entrevista. Conseguiu chegar à casa da mulher uma hora antes da marcada, estava orgulhosa. Leona brincava com o filho na entrada da casa e não pareceu notar a presença de . Usava um body branco e uma calça jeans larga, o cabelo com mechas loiras era bastante volumoso.
— Leona Dawsey?
— Sou eu — pegou o filho no colo. — E você quem é?
, me chamou para fazermos uma entrevista.
? — ela parecia surpresa. — Todos haviam me alertado que você chegaria atrasada.
— Não tenho uma boa fama com pontualidade, senhora.
— Ah sem senhora, temos praticamente a mesma idade — entrou para a casa e colocou o filho dentro do pequeno berço coberto de pelúcias. — Então me diga, o que sabe sobre crianças?
— Praticamente criei meus dois irmãos, ajudei eles na criação de meus sobrinhos e já fui babá em uma família por 7 anos.
— Uau — Leona entregou uma xicara de café para . — E por que decidiu seguir essa carreira?
Terminou apressadamente seu gole para poder responder.
— Na verdade sempre quis ser estilista, mas nunca tive dinheiro para custear uma faculdade. Fazia esses bicos de babá para poder guardar dinheiro e ainda assim não foi o suficiente — riu.
— E já não pensa mais em trabalhar com moda? — bebericou o café.
— Tenho trinta e sete anos, estou velha demais para isso.
— Falando assim eu também me sinto uma completa senhora — riu e olhou para a mulher de baixo a cima. — Sobre o trabalho, creio que Margo havia lhe dito, somente precisarei de você as segundas, quartas e quintas das oito da manhã as cinco da tarde. Pagarei a você dez dólares a hora, o que acha?
— Perfeito, será um prazer trabalhar para a sua família.
— E será o nosso te receber — se levantou. — Venha, vamos conhecer o rapazinho que lhe dará muito trabalho.


✤✤✤


terminava de atender o segundo paciente e o acompanhava até a porta. Antes de pedir a Kayla para chamar o próximo deixou seu peso cair contra a cadeira enquanto se balançava de um lado para o outro. Sua mãe o prometeu dar notícias sobre o possível fígado que seu pai receberia, como médico sabia que a qualquer momento um novo donatário poderia surgir e Tarak teria que voltar mais uma vez para a lista de espera.
O toque do celular ecoou pela sala fazendo seu coração bater mais forte, rezava para ser uma boa notícia.
— Mãe — foi o primeiro a falar. — E ai? Ele conseguiu?
— Ah meu filho — o choro tomou conta da ligação.
Esperou pela resposta da mulher, mas ela não veio.
— O que aconteceu?
— Acharam um fígado para ele meu amor! — mesmo não a vendo sabia que estava com um largo sorriso, ele agora também tinha um.
— Quase me mata do coração — respirou fundo. — Que maravilha mãe, quando você vai para Wisconsin?
— A médica disse que a cirurgia será daqui a alguns dias, mas hoje mesmo vou para lá.
olhou para o calendário e suspirou
— Merda — mesmo sussurrando Jolene conseguiu ouviu.
— Algum problema querido?
— Quinta é o meu plantão e agora que a senhora vai não tenho ninguém para ficar com Claire.
— Bom, eu posso dar um jeito. Talvez eu volte para...
a interrompeu.
— Não, você precisa ficar com o papai. Vou dar um jeito, talvez Kayla possa ficar com ela.
— Duvido muito.
— Mãe...
— Tudo bem, não está mais aqui quem falou. Eu vou começar a arrumar minhas malas, assim que chegar te aviso.
Ele assentiu desligando a chamada. Depois de alguns minutos preparando o discurso deixou sua sala, Jinkins falava ao telefone dando instruções para um dos pacientes, ele sinalizou que precisava conversar e rapidamente ela se apressou.
— Combinado senhor Watson, está marcado para sexta — desligou o telefone. — O que lhe dá esse sorriso tão grande?
— Meu pai conseguiu o transplante.
— Que incrível meu amor!
Se levantou e o abraçou.
— Você vai até lá acompanhar ele?
— Não posso, tenho um plantão — segurou as mãos de Kayla. — Por isso vim até aqui... Preciso de um favor.
E pela cara Kayla sabia o que era, e isso nunca iria acontecer.
— Sem pensar — voltou para sua mesa. — Não posso.
— Querida, por favor.
A relação de Jinkins com Claire nunca foi uma das melhores, sempre disse que não se relacionaria com alguém com filhos e se viu em uma rua sem saída quando se apaixonou por . Não era o tipo de pessoa que odiava crianças, mas detestava ter que ser a madrasta de alguém. Queria ter uma família, mas com seu sangue e não com o de uma outra pessoa.
— É só por um dia.
, não. Já tenho compromisso com amigas.
— Qual é Kayla, por mim.
Negou com a cabeça e antes de responder o telefone tocou novamente. respirou fundo e voltou para a sua sala. Poderia pedir para a mãe levar a criança junto, mas sabia que não conseguiria ficar tanto tempo longe da filha. Tentaria conversar com ela novamente, afinal era sexta-feira teria muitos dias pela frente, talvez Kayla mudasse de ideia.


Capítulo 3 — Words, how little they mean

estava desesperado, quarta já havia chegado e Jinkins ainda mantinha a mesma decisão. Não era mais possível pedir para que Jolene levasse a neta pois já estava em Wisconsin. Voltava para a casa com Claire no banco de trás que dormia tranquilamente, e naquele momento não importava o quão difícil era cuidar dela ou o quão cansativo podia ser, vê-la daquela maneira fazia tudo valer a pena. Sem que a menina acordasse a colocou em sua cama deixando a porta entreaberta caso ela quisesse sair quando despertasse.
Colocou as roupas sujas dentro da máquina de lavar e enquanto colocava as já lavadas na secadora sentiu um papel molhado, se xingou mentalmente quando lembrou do que aquilo se tratava. Se sentou na cadeira da cozinha e cuidadosamente tentava desamassar o mais valioso pedaço de papel. Não era tão claro os números anotados, mas aquilo tinha que servir. Os números escritos estavam com uma péssima caligrafia, aquele 7 parecia um 4 ou será o contrário? Pegou o telefone e esperou que a outra pessoa atendesse.
— Alo? — uma voz feminina atendeu.
?
— Quem?
— É o , da cafeteria.
— Que cafeteria? Quem tá falando?
Aquela era a confirmação que não era ela, pediu desculpas pelo engano e dessa vez digitou o maldito 4. Respirava fundo impaciente, só estava fazendo isso por Claire.
— Alo?
?
— Ela mesmo — agradeceu aos céus.
.
— Ah — ela parecia finalmente interessada na conversa. — O rapaz com a namorada estridente.
— Bem você derrubou vinho no vestido dela ac... — se perguntou por que infernos estava entrando nesse assunto. — Então, disse que caso eu precisasse de uma babá era para ligar para você e bem... Estou precisando.
— Eu não disse? Todos precisam. Para que dia precisa das minhas habilidades?
— Amanhã, das três da tarde as quatro da manhã.
— Hum — resmungou — Às quintas eu trabalho para uma família.
Aquilo só podia ser uma piada.
— Bom, então o que eu faço? Não tem nenhuma outra babá que pode me indicar?
, eu não tenho emprego para mim, acha que eu tenho para outra pessoa?
— Eu pago vinte dólares a hora.
— Setenta
— O que?! — gritou — Está louca?
— Cinquenta.
— Quarenta.
— Está bom — se deu por vencida.
Ia sair mais caro do que esperava, mas era por Claire.
— Vai precisar busca-la na escola, irei te passar o endereço e avisar para a diretora que você é a babá.
Ela assentiu e depois de terem estabelecido os horários desligou o telefone, antes de guardar o aparelho viu algumas mensagens de Kayla, havia trocado poucas palavras com a mulher quando ela negou pela quinta vez cuidar da filha.

Kayla: Qual é , vai mesmo ficar sem me responder?
Kayla: Tá eu sei que errei, mas eu ainda não consigo bancar a mãe de uma criança que não é minha.


Ele hesitou um pouco antes de responder, não queria ter essa conversa pelo telefone, mas também não queria ficar sem dizer nada.

: Sempre soube de Claire, se ainda não estivesse pronta para “bancar” a mãe dela, por que aceitou ficar comigo?
Kayla: Eu não mando na porra do meu coração .
: E eu não posso mudar o DNA da minha filha. Pra falar a verdade você nem ao menos merece esse esforço.
Kayla: Sério? Vai mandar esse discurso pra mim agora? Vai a merda !
: Vai se foder Kayla! Não precisa bancar a mãe de Claire porque você NÃO É A MÃE DELA!


Apagou a última mensagem, não tinha coragem o suficiente para fazer aquilo por telefone e provavelmente nem pessoalmente. Largou o aparelho em cima da mesa e foi até o quarto da filha. Queria dar uma figura materna para Claire, a menina já não parecia mais se interessar nas histórias que ele tentava contar de Holly, e como tentou fazer com que a mãe estivesse sempre presente. Os pais de Holly fizeram questão de deixar bem claro a o desgosto que tinham em compartilhar a genética com Claire, a culpavam pela morte da filha. não insistiu no afeto que nunca veio por parte dos avós para não machucar a filha. Ainda assim achava importante uma mãe por perto, sabia que iria ter alguns assuntos que ela não iria querer falar com o pai ou até algumas coisas que ele simplesmente não poderia ajudar. Enquanto acariciava os cabelos finos da filha, se deitou ao lado dela e adormeceu.


✤✤✤


Na quinta de manhã tentava conversar com Leona que esbravejava andando de um lado para o outro com as mãos na cintura.
— E o que eu deveria fazer? Deixar meu filho sozinho por essas duas horas? E você ainda tem a cara de pau de me avisa isso em cima da hora!
— Eu poderia leva-lo comigo para buscar a menina, os dois ficariam juntos até você chegar e eu ir embora com ela.
— E deixar meu filho ter contato com essa criança desconhecida? E se essa menina tiver alguma doença contagiosa?
revirou os olhos.
— Senhora Dawsey eu sinto muito, eu posso trabalhar de graça no próximo dia.
— Escute, eu só aceitei que visse trabalhar aqui pois Margo deixou bem claro que você não tinha mais nenhuma outra criança para cuidar.
— Isso significa...?
— Que terá que escolher para qual familiar trabalhar — estava visivelmente decidida, tinha certeza que iria escolher ela.
suspirou cansada e com um sorriso triste disse:
— Então peço perdão senhora Dawsey, foi um prazer cuidar do seu filho durante esse tempo.
recolheu sua bolsa no sofá e deixou a casa. Ficou se perguntando o porquê de ter feito essa decisão, não era pelo dinheiro claro, afinal, apesar de receber um pouco mais pelo trabalho seria somente aquele dia e com aquela família poderia ficar anos. Durante o caminho que fazia para distrair, o celular vibrou em seu bolso.
— a voz da mulher surgiu estressada do outro lado da linha.
— Margo Carter.
— Desisto de tentar te ajudar!
— Eu sei, fodi tudo de novo.
parou sua caminhada pelo parque e se sentou em um dos bancos com as mãos na cabeça.
— Por que infernos você fez isso?
— Olha, posso explicar... — Carter murmurou algo inaudível. — Se lembra daquele ? — assentiu. — Ele pediu para que eu cuidasse da filha dele hoje. E eu não sei... Parecia certo.
— Certo? Largar a merda do único emprego que você conseguiu pra trabalhar por um único dia?
— Escuta, eu não estou com cabeça para conversar e se continuarmos com essa discussão vamos acabar brigando e essa é a última coisa que quero.
— Santo pai — fez uma pausa — Tudo bem, venha amanhã para o jantar e você me conta o que deu nessa cabeça oca.
As duas riram abafadamente e depois de se despedir da amiga, desligou o telefone.
O pouco sol que atravessa as folhas da árvore batia no rosto de o aquecendo. Enquanto observava as pessoas caminhando de um lado para o outro pegou uma de suas folhas e a caneta, os rabiscos de um novo vestido surgiam naturalmente. A roupa possuía a cor creme e as flores e folhas o cobriam quase por completo, a manga assimétrica chegava na metade do rosto da mulher desenhada. O corte lateral vinha até o quadril, deixando a perna direita completamente descoberta. No meio do desenho quis descarta-lo e o jogar fora, mas decidiu por refaze-lo cuidadosamente depois.
Estava parada na frente da escola enquanto balançava agitadamente a perna. As horas não pareciam passar rápido o suficiente para e quando o sinal finalmente bateu sentiu seu coração disparar. A menina ia em direção ao portão sorridente com uma coroa de flores na cabeça e a mochila que era quase maior que ela. Ia de encontro a Claire e antes de poder falar algo a menina se pronunciou:
— Papai disse que você ia cuidar de mim — entregou sua mochila para — Podemos tomar sorvete?
A olhou por alguns segundos e sorriu, aquele seria um trabalho fácil.
Observava a garotinha terminar de comer a casquinha do sorvete enquanto dançava pela rua, o caminho até a casa parecia ser menor quando se tinha Claire conversando sobre os professores e os colegas de classe. Para uma criança aquele dia havia sido muito agitado ou talvez ela só fizesse parecer que fosse.
— Seu pai me disse que estaria com as chaves de casa — parou em frente a porta.
— Dentro da mochila — respondeu enquanto tentava dar uma estrelinha na grama.
Enquanto tentava descobrir qual das chaves era a certa ouviu um choro atrás de si, se virou e encontrou a menina caída ao chão com um arranhado na perna. Soltou a mochila e correu até ela.
— Ei — colocou uma mecha do cabelo de Claire atrás da orelha — Ta doendo muito?
Ela assentiu com os olhos marejados.
— Vamos fazer assim, entramos em casa e eu faço a cura da fadinha.
— Cura da fadinha?
— Nunca ouviu falar?
Negou com a cabeça enquanto a carregava até o sofá.
— É assim — a mulher pegou um antisséptico de sua bolsa — Isso aqui é o sopro de uma fada, ele vai deixar o machucado geladinho.
— Por que?
— Porque aqui dentro tem um monte de brilhinhos e são eles que vão te curar — via os olhos de Claire lagrimejados — Posso pedir para fadinha te curar?
Ainda receosa disse que sim.
Apertou o spray no machucado que sangrava um pouco, a menina reclamou da ardência, mas logo colocou o band-aid.
— Agora precisamos cantar uma musiquinha para a fadinha vir.
— Qual?
— É assim — pigarrou — A fadinha já vem me ajudar, e meu machucadinho logo vai se curar. Não sinto doer minha perninha, porque tenho uma grande ajudinha da minha fadinha.
deu um beijo na perna de Claire.
— Prontinho, você está sendo tratada pelo mundo mágico.
— Meu papai vai precisar pagar?
riu por conta da pergunta e negou.
— Quem vai precisar pagar é você — Claire arregalou os olhos — Com um beijinho na bochecha — virou o rosto.
Quando o beijo estalado foi dado se levantou e pediu para que ela a levasse para seu quarto. Como se nada tivesse acontecido a criança saltitando fez o caminho até a segunda porta do corredor, com dificuldade puxou a maçaneta e entrou no quarto.
O lugar tinha a parede do fundo pintada com um marrom claro com algumas nuvens, a cama e a cadeira ao lado eram verdes azuladas. Os brinquedos estavam todos guardados dentro de uma caixa, mal parecia um quarto de criança.
Depois do banho, Claire terminava de vestir seu pijama e penteava seus cabelos.
— O que vai querer para o jantar?
— Batata frita? — pediu com um sorriso.
— Apesar de ser uma ótima ideia, não acho que seu pai vai gostar de saber que te dei isso para jantar e eu preciso passar uma boa impressão.
— Por que?
— Porque eu preciso de um trabalho — respondeu levando a menina para a cozinha.
Já eram oito horas quando acabaram a refeição, depois de muita insistência decidiu por fazer a tão desejada pipoca que Claire queria. Percebeu que a menina já estava sonolenta no meio do filme que assistiam, a pegou no colo levando para sua cama. Antes de sair do quarto deixou uma das luzes do abajur acesa e a porta aberta. Pensou em voltar para a sala, mas a curiosidade falou mais alto, então saiu conhecendo o resto da casa.
A porta ao lado do de Claire era o quarto principal, as paredes acinzentadas e a cama intacta. A quantidade de roupas deixava o closet maior do que realmente era, mal ocupava metade do lugar e sem nenhuma roupa feminina, o que pareceu estranho já que claramente tinha uma namorada. Foi vendo os pijamas que se lembrou de não ter trago nenhuma troca de roupa, ele não iria se importar caso ela usasse um daqueles somente naquela noite, certo? Depois de vestida colocou sua roupa em uma das cadeiras no quarto e voltou para a sala.


✤✤✤


olhava fixamente para o relógio frente a sua mesa esperando ansiosamente as três horas. Não sabia se havia sido um bom dia já que a quantidade de pacientes foi relativamente pequena o que o estressou já que poderia estar em casa a duas horas atrás. Arrumou os papeis na mesa dando graças a Deus por poder voltar para casa. Sabia que não havia sido a melhor ideia dirigir com o sono que sentia, mas qualquer coisa era válida para deitar em sua cama e dormir os próximos dois dias.
As luzes da casa estavam todas apagadas e somente imagem da TV iluminava um pouco da sala, se aproximou do sofá e a mulher dormia tranquilamente. Tocou seu ombro e ela se levantou mais depressa que um ser humano seria capaz.
— Não foi uma boa ideia — disse colocando as mãos na cabeça.
— Tá tonta, não é? — a ajudou a sentar no sofá de novo — Não pode se levantar dessa maneira vai acabar desmaiando e batendo a cabeça.
— Isso se enquadraria em um acidente no trabalho?
— Quer arrancar todo meu dinheiro?
— Você já tem muito, eu pegaria só a metade — riu.
pegou um copo de água na cozinha e esperou o terminar para poder continuar a conversa.
— Como foi com Claire? Ela deu trabalho?
— Aquele anjo? Claro que não, até questionei se eu deveria mesmo ter vindo até aqui.
— É — olhou para o chão — Ela é bem independente.
O silêncio deixava o ambiente um constrangimento enorme, quando ia comentar sobre o acidente ele também resolver falar sobre o pagamento, os dois forçaram uma risada.
— Pode falar — gesticulou com as mãos para que ela prosseguisse.
— Quando estávamos na porta de casa ela acabou caindo tentando fazer uma estrelinha, mas foi só um arranhãozinho. Está dormindo e sem reclamar de dor.
— Quando acordar eu vejo o estrago — sorriu — Então... — pegou a carteira do bolso — Quanto ficou?
— Pode me pagar só cem dólares.
— O que? Por que? Não gostou de cuidar dela?
— Ah não, longe disso — foi tocar no braço dele, mas achou que aquilo seria muita invasão de espaço então desistiu — É uma das melhores que já cuidei, é por que ela dormiu boa parte horário e não vejo motivos para te extorquir dessa maneira.
— Eu insisto — segurava firmemente trezentos dólares.
contou as notas e devolveu os duzentos.
— Mais do que o suficiente.
Foi então que durante todo aquele tempo percebeu seu pijama estava vestido em .
— Santo Deus — ela colocou as mãos no pijama — Sinto muitíssimo é porque eu esqueci de trazer e não queria dormir de calça jeans.
— Era claro que iria dormir aqui, não me importo de pegar um pijama.
— Vou me trocar e já deixo você para descansar.
— São quatro e vinte da manhã e pelo que vi na entrada de casa não tem carro, durma aqui e depois te levo a sua casa — tentou protestar — Não, não adiantar dar desculpas porque primeiro, estou morto e só preciso da minha cama e segundo, Claire vai precisar de alguém com ela de manhã.
concordou, voltou para o sofá e se acomodou para dormir — ele não é tão feio assim, talvez se ele se cuidasse um pouco mais — se xingou mentalmente, será que poderia dormir sem com que ele ocupasse sua cabeça?
Ao chegar em seu quarto viu as roupas de jogadas na cadeira de qualquer jeito e riu, ela realmente não tinha o mínimo de senso. Tirou o celular do bolso e percebeu as vinte chamadas perdidas de Kayla, ainda não tinha tido tempo pare resolverem a briga do dia anterior. Gostava muito dela, mas não aguentava a mesma briga de novo e de novo — e ainda por cima sobre sua filha — estava indo longe demais, se ela não quisesse participar da família então que terminassem o mais cedo possível. Mandou uma mensagem avisando que quando acordasse ligaria para ela e marcariam de se encontrar e conversar.
O cansaço o impediu de trocar de roupa, então sentiu o desconforto da calça e a blusa social quando acordou, os botões da camisa marcaram seus braços e peito. Ainda se sentia meio desnorteado com o sol batendo em seu rosto e as vozes alteradas que vinha da sala, ignorou a última informação e se virou de costas para a janela voltando para o seu sono, finalmente seu cérebro o trouxe para a realidade e se assustou com alguém gritando seu nome, desceu as escadas rapidamente tropeçando nos próprios pés.
Kayla tinha as mãos na cintura e a boca meio aberta, na frente dela estava com os braços cruzados estava encostada na parte traseira do sofá e não parecia querer ouvir as reclamações de Jinkins.
— Aí está o filha da puta! — Kayla o olhou furiosa.
— Deixa ela falar assim da sua mãe? — perguntou.
— O que você está fazendo aqui essa hora? Disse que te ligaria quando acordasse.
— Não queria que eu viesse por que estava dormindo com ela, não é?
— O que? Por que eu faria isso?
— Ela disse que dormiram juntos — Kayla apontou para a mulher que agora tampava a boca para esconder o sorriso.
!
— Ah foi só uma brincadeira, foi ela que se estressou mais do que o necessário.
— Eu vou falar que estava dormindo com seu namoradinho e eu quero ver o que vai achar disso — Jinkins se aproximou de que ainda estava relaxada.
— Honestamente não me importo — deu de ombros.
— Olha — disse — Eu não sei o que te deu para vir uma hora dessa até a minha casa, ainda mais sabendo que no dia anterior eu tive um plantão.
— Achei que Claire iria precisar de alguém pra cuidar dela.
— Você se recusou veementemente quando pedi sua ajuda.
— Ela recusou cuidar da sua filha? — interrompeu.
A expressão estressada de Kayla ordenou silenciosamente para que a babá deixasse os dois conversando sozinhos e ela não teria o feito, mas vendo que parecia cansado e sem forças para discussão ela foi para a cozinha. Ficaram em silêncio alguns segundos enquanto a mulher tentava recuperar sua postura.
— Estou tentando me desculpar, não vê?
— Gritando na minha sala as nove da manhã?
— Ela começou!
— Santo Deus.
passou as mãos pelo cabelo o puxando para trás, bufou e caminhou até a porta. Viu a irritação da namorada crescer, mas estava cansado demais e não queria que a filha acordasse com toda aquela gritaria. Abriu a porta e esperou que ela saísse, Kayla deixou a casa batendo os pés fortemente contra o chão. Mal esperou que ela estivesse totalmente fora e foi de encontro a .
— Não deveria ter dito aquilo.
— Eu sei, desculpe. Não sabia que ela iria ficar tão nervosa.
Ele assentiu e antes de voltar para sua cama ela o chamou.
— Sua mãe ligou, disse que seu pai fez a cirurgia e correu tudo bem.
— Pelo menos uma notícia boa — sorriu — Obrigado, e se você puder...
— Darei o café e o almoço para Claire, pode descansar.
— Obrigado, de novo.
Ele juntou as duas mãos e as apoiou no queixo fechando os olhos, parecia que iria chorar ali mesmo, antes que pudesse dizer algo ele saiu da cozinha.


Capítulo 4 — God, I wish that you had thought this through

lavava a louça do almoço já vestida com as roupas que usava no dia anterior, quando ouviu passos atrás de si, virou esperando ver Claire mais uma vez pedindo pelos cookies que tinha feito, mas encontrou um homem de trinta anos tentando furtivamente pegar um. Ele riu quando viu que havia sido descoberto e então o largou na forma.
— Acho que já estão frios, pode pegar.
sorriu e deu uma grande mordida, quase acabando com ele.
— São uma delícia — disse com a boca cheia.
— Obrigada, receita de família.
Ele se levantou e pegou o pano de prato que tinha colocado no ombro, começou a enxugar e guardar a louça lavada.
— Espero não ter causado nenhum problema entre você e a Kate.
— Kayla, e não, não causou. Já estávamos assim há um tempo.
— É corajoso de sua parte namorar alguém que não gosta de crianças — se sentou.
— Não é que ela não goste — secava o último prato — Só não queria ser a madrasta de uma.
— O que é pior, afinal não gostar de todas as crianças não é o problema, mas não gostar da sua em especifico acho que é.
— Kayla gosta de Claire.
riu abafadamente.
Claire vendo que o pai acordou correu até ele e agarrou fortemente a perna de .
— Que saudade que senti de você meu amor — ele se ajoelhou e a abraçou forte.
— Papai olha — apontou para o arranhão que sofrera no dia anterior — disse que foi o sopro da fadinha que me curou.
? — o pai olhou para .
— Pois é — riu — Quando acordou hoje insistiu em dizer que agora só me chamará por .
Claire puxou o pai mais pra perto e sussurrou em seu ouvido, mas ainda foi ouvido por Knigth.
— Ela vai vir de novo?
— Querida, a já tem um trabalho.
— Mas ela disse que precisava de um — fez bico cruzando os braços.
a olhou surpreso.
— Não disse que já tinha conseguido uma família?
— Tinha — coçou a nuca — Mas quando eu disse a ela que iria cuidar de uma outra criança, ela surtou.
— Então... se demitiu para vir cuidar de Claire?
Ele se levantou com o olhar culpado.
— Para resumir... sim — ficou estático como da primeira vez que se viram, ele frequentemente ficava com aquela expressão de quem acabou de ter uma péssima notícia — Bom, já que acordou posso ir para casa. Foi um prazer cuidar dessa princesa — se abaixou e beijou a testa da menina.
— Olha... Minha mãe não deve voltar tão cedo de Wisconsin, pode ficar com a gente até ela retornar.
— Por favor fica — Claire juntou as duas mãos — Se não as fadinhas não vão me curar sempre que eu machucar.
pensou por alguns segundos. Não tinha nada a perder, na verdade só tinha a ganhar já que não trabalhava mais para ninguém e além do que Claire era uma das crianças mais carinhosas que já conheceu.
— Tudo bem, parece uma boa ideia.
— Maravilha — ele sorriu — Espero que esteja ciente que vai precisar trabalhar alguns sábados e domingos.
— Sem problemas, eu estava mesmo precisando de uma companhia.
se despediu deles e entrou no taxi que insistiu em pagar já que ela não havia aceitado todo o dinheiro. Cumprimentou o porteiro com um sorriso e subiu para o seu apartamento, sua mãe ficaria decepcionada com a bagunça que aquela casa estava. Do que adiantava? Ela não estava mais ali, não poderia reclamar de obrigações que nem mesmo a própria cumpria.

chegava atrasada na casa da amiga para o jantar, mas Margo já a conhecia muito bem para saber que ela não estaria em sua porta no horário combinado. Pressionou a campainha e esperou por alguns segundos até que ele abrisse a porta.
— Cada dia mais linda — sorriu.
— Howard.
Durante o abraço sentiu a mão do homem passear pelas suas costas e agarrar sua bunda, ela deu um leve tapa em seu ombro e foi direto para a cozinha. Margo terminava de tirar a lasanha do forno e abriu um largo sorriso ao ver a amiga.
— A sra. nunca chega na hora!
— Não é como se já não estivesse acostumada — entregou o vinho que comprara no caminho.
— Sempre tenho esperanças que um dia vai me surpreender — Margo levava a comida para a sala de jantar quando Howard tirou a vasilha de sua mão.
— Pare de ser teimosa, está pesado — colocou a lasanha no centro da mesa.
— Estou grávida, não doente — deu um rápido selinho no marido.
— Acredita que ela quase não me deixou cozinhar hoje? — Howard disse — Precisei ajoelhar e implorar para que ficasse em repouso.
— Margo não sabe aproveitar as chances que tem — se sentou em uma das cadeiras — Se eu fosse casada com um chef nunca mais colocaria os pés na cozinha.
Howard puxou a cadeira em frente a para que a esposa pudesse sentar e se acomodou na cadeira ao lado.
— Falar nisso — Margo se servia com a comida — Por que não apresenta para Joe?
— Achei que ela já estivesse se envolvendo com alguém — Howard rebateu.
— Digo um homem que não esteja em um relacionamento com uma outra pessoa.
— Eu não preciso de ninguém Margo.
— Então por que não larga o senhor misterioso?
engoliu em seco e deu uma rápida olhada a Howard que permanecia a encarando com um sorriso.
— Não sei — respondeu — Talvez eu o largue no momento certo.
— Eu duvido que consiga — o homem disse enquanto dava um gole no copo com vinho.
— É claro que ela vai conseguir. Quando põe algo na cabeça ninguém tira.
— É... A pessoa certa só ainda não apareceu — disse.
— E quando essa pessoa aparecer o que vai fazer? — Howard arqueou a sobrancelha.
— Largar o senhor misterioso — respondeu seca.
O jantar havia passado tranquilamente, as mulheres relembravam de sua infância e os sonhos que tinham e como queriam ter filhos ao mesmo tempo para que eles também fossem amigos como elas eram. Depois da sobremesa insistiu que Margo fosse descansar já que seus olhos mal permaneciam abertos ao fim da conversa. Arrumava a mesa de jantar quando ouviu o pigarreio do homem encostado no batente da porta.
— Achei que estaria no quarto com sua esposa.
— Não iria deixar que arrumasse tudo sozinha.
— Não preciso da sua ajuda.
— Qual é ? — caminhou até ela — Que merda te deu hoje?
— Não sei Howard, o que será? — colocou os pratos na pia — Hum, já sei! Quem sabe porque eu preciso olhar e sorrir para a minha melhor amiga enquanto o marido dela me encara e discretamente passa a mão por mim — sussurrou a última frase.
— Você nunca viu problema em todas essas coisas há anos trás.
— Eu sempre vi Howard! Eu detestei isso tudo desde o início.
— Então por que nunca pediu para que eu parasse? — colocou as mãos ao redor do corpo de a prendendo na bancada da cozinha — Se me pedir agora, eu vou para meu quarto e nunca mais te tocarei.
Ela permaneceu em silêncio olhando para os olhos azuis que refletiam o desejo dos dois, sem resposta ele a beijou. tentou o empurrar, mas cedeu e colocou as mãos no cabelo de Howard.
— Me peça para parar — sussurrou em seu ouvido e a sentou na bancada de mármore.
— Eu te odeio — puxou o cos da calça o deixando mais perto.
Ele riu a beijando mais intensamente, suas mãos foram de encontro as pernas descobertas de . Howard passou os dedos lentamente pela cintura dela até chegar em seu pescoço, sentiu seus pelos se arrepiarem e fez uma trilha de beijos molhados até o colo de seus seios. Ela gemeu. Ele colocou a mão em sua boca.
— Não estamos na sua casa — Howard massageou os seios dela enquanto continuava com os beijos no pescoço.
— Querido? — a voz de Margo ecoou pela casa.
Ele se afastou rapidamente e foi em direção a ponta da escada.
— Sim?
— Não consigo dormir sem você aqui.
— Já estou indo meu amor — gritou de volta e caminhou para a cozinha. já estava pegava sua blusa de frio e a bolsa.
— Não, não vá embora — Howard puxou seu braço.
— Eu não consigo — respondeu com a cabeça abaixada — Conversamos outro dia.
Deu um rápido beijo na bochecha dele e saiu da casa. Durante o caminho da volta deixou que as lagrimas tomassem conta de seu rosto. Odiava ter se tornado aquilo que tanto julgou a mãe ser, uma traidora. Odiava não ter o controle de seu próprio corpo e sentimento. Eram amigas desde os quatro anos e estava a apunhalando pelas costas como se não fosse nada, sorria e chorava para mulher que entraria no fogo para lhe defender. Queria tanto contar tudo e tirar aquele peso das costas, mas sempre que dizia isso a Howard ele contava o quanto aquilo iria afetar Margo, principalmente em um momento tão delicado da gravidez.
Sentia o coração apertar só de pensar no rosto de decepção que a amiga teria se ela contasse e como a vida perderia o sentido se não pudesse a ter ao seu lado todos os dias. Limpou as últimas lagrimas e tomou a decisão que mais a assustava, iria contar tudo e mesmo que aquilo destruísse as duas, não iria mais carregar aquela dor imensa.


Capítulo 5 — Look at how my tears ricochet

acordou com as pequenas mãozinhas da filha tentando o balançado para frente e para trás. Sorriu e permaneceu com os olhos fechados, como queria que aquele momento nunca terminasse. Claire o chamou quase em um sussurro e quando abriu os olhos viu a menina com um largo sorriso, mas notou algo faltando.
— Meu dente caiu — Claire abriu a boca o máximo que pode e mostrou um espaço faltando.
— Olha isso — se sentou na cama pegando o dente que a filha colocou em sua mão — Sabe o que isso significa?
— Fada do dente! — ela pulava na cama.
— Isso mesmo. Hoje, talvez ela venha te visitar.
— O que será que vou ganhar?
— No que estava pensando? — aproximou a filha de si a abraçando. Claire ficou pensativa por alguns segundos.
— Eu queria um daqueles cookies que fez para mim. — Mas já comeu muito deles ontem, não acha?
A menina fez bico e cruzou os braços, sabendo o que viria em seguida apenas concordou com a cabeça e colocou uma mecha do cabelo de Claire atrás da orelha. Os olhos dela eram amendoados e pareciam até grandes demais para o rosto tão pequeno e delicado que tinha. Se olhasse bastante para aquele castanho escuro e iluminado poderia ver Holly. Sentia tanta falta dela, a maneira em como ria e jogava o corpo para trás. A maneira como a franja caia tão perfeitamente em seu rosto. As falsas tentativas de uma expressão furiosa, que sempre terminava com Holly segurando o sorriso. Queria tanto contar tudo isso para a filha, mas ela já não queria mais falar sobre Holly. achava que ela se sentia abandonada pela mãe, que foi por escolha que não estivesse ali com Claire, mesmo falando
repetidamente o quanto Holly queria passar o resto da vida com a filha. Talvez fosse somente a idade e logo ela entenderia e então poderia conversar sobre como a mulher era extraordinária.
Queria ter tido um último adeus, queria ter dado um último beijo, o último abraço e o último “eu te amo”. Se soubesse que ela nunca teria saído daquela maldita sala de cirurgia, não teria feito hora extra no trabalho, não teria chegado tarde em casa para o jantar e perder o “boa noite” que prometeram nunca dormir sem.
desvencilhou seus pensamentos e voltou o olhar para a filha, relutante concordou com o pedido de Claire.
— Então o que acha de ligarmos para ? Avisar a ela sobre sua novidade. Talvez a fada do dente precise da receita do cookie. — A gente podia chamar para comer aqui! — Claire sorriu. — Acho que ela já tem planos para o almoço de hoje — antes da filha protestar ele continuou — mas ligue e pergunte se ela pode dar a receita para a mi... para a fada — ele consertou a fala.
iniciou a chamada e deu o telefone para a menina, ela segura o aparelho com força.
— Alo?
? Sou eu! — Claire disse animadamente.
— Cerejinha! — respondeu na mesma entonação.
— Preciso da sua ajuda.
— É claro, o que aconteceu? — sua voz parecia preocupada. — Meu dente caiu e eu pedi de presente para a fada do dente o seu cookie, mas papai disse que ela vai precisar da receita.
ouviu a mulher rir do outro lado.
— Tudo bem, diga ao papai que mandarei o mais rápido o possível. — Vem almoçar aqui? — Claire disparou e assustou o homem. tirou o celular das mãos da menina o mais rápido que pode. — Desculpe por Claire, tenho certeza que já tem um lugar para ir. — Na verdade, não tenho — respondeu calmamente — iria comer algo
enlatado, mas essa ideia parece ser melhor — sussurrou algum palavrão — A não ser que você não queira, não tem problemas... — Não — a interrompeu — Me perdoe, eu não quis soar rude, eu só...
— Tudo bem, não precisa se explicar. Estou sendo completamente enxerida, é o seu dia de descanso e não irei atrapalhar o momento em família. Já te mando a receita.
... Me desculpe...— sentia uma pontada no coração. — não estou magoada, de verdade — fez uma pausa — Qualquer dúvida sobre como fazer os cookies é só me ligar — sussurrou a última frase — Até segunda!
...
Ela encerrou a chamada. estava completamente mortificado, não era para que ela tivesse ouvido. Só achava estranho almoçar em família com uma mulher que até a pouco tempo era uma total desconhecida, e se Kayla aparecesse de surpresa novamente ela ficaria furiosa. Deixaria um pedido de desculpas na segunda e um dinheiro extra. Sua mãe o esbofetearia por ter tratado alguém daquela maneira, não se nega um almoço assim para conhecidos.
— Ela vem? — Claire perguntou sorridente.
— Não meu amor, ela já tinha planos — acariciou a mãozinha da menina — Mas ela disse que vai dar a receita para a fada do dente. Claire assentiu e ainda tristemente desceu da cama com dificuldade. Domingos sempre foram os preferidos de , sua mãe e seu pai sempre iam para sua casa e tornava o almoço e o lanche da tarde os melhores. O sabor da torta de pêssego que Jolene fazia poderia deixar qualquer um entorpecido. A comida indiana do pai aproximava um pouco mais da família paterna que nunca conseguiu conhecer, Tarak sempre prometeu levar o filho para seu país de origem, mas um pouco antes da viagem descobriu o câncer no fígado e iniciou a quimioterapia. Já fazia seis meses que os domingos de e Claire era composto por somente eles e um grande buraco no coração.
O relógio em seu pulso marcava oito e vinte da manhã, saiu do quarto e no caminho para a cozinha viu a menina na sala, ela segurava uma caixinha de achocolatado e se cobria com uma manta do Scooby-Doo que Holly tinha comprado uma semana depois de descobrir que a criança que esperavam era um menino, riu baixinho ao se lembrar do rosto de confusão da esposa quando o médico anunciou que era uma menina muito saudável. O rosto de alegria de se transformou em tristeza. Aquela foi a única risada que
deu por algum tempo depois do parto de Claire, segundos depois de Holly segurar a filha pela primeira e última vez a mulher teve uma eclâmpsia levando em seu óbito, não parecia ter passado somente quatro anos, para foram bem mais do que isso.
Claire assistia um desenho que passava na televisão e não parecia focar em mais nada ao seu redor, mal conseguia tomar o achocolatado. se sentou ao lado da filha e ela se aconchegou nos braços do pai. Claire parecia crescer rápido demais, todo tempo com ela era pouco.
— Promete nunca crescer? — sussurrou.
— Por que eu iria crescer? — Claire encarou o pai.
— Também não sei — beijou a testa dela — Assim é bem melhor. O celular tocando o obrigou a sair do seu pequeno casulo e odiando quem quer que fosse. O nome da mãe piscava na tela e ele atendeu no mesmo segundo.
— Como papai está? — disparou.
— Estou muito bem também meu filho — a mãe disse.
— Desculpe... Eu só estou muito preocupado.
— Eu sei meu amor. Ele está bem, a medica disse que ele vai precisar ficar em observação por uns onze dias para ver se o corpo dele vai aceitar o novo fígado.
— Vou tenta arranjar um tempo para ir visitar o papai, prometo. — Nós três sabemos que você é muito ocupado . Não precisa se apressar, ele vai voltar para casa comigo.
— Estarei esperando.


✤✤✤


Durante o almoço olhava para a parede branca um pouco suja, a mesa de madeira grudada em um dos cantos da casa pequena era o único lugar que poderia comer tranquilamente. O silêncio dentro e fora do apartamento deixava tudo um pouco mais triste. Comeu menos da metade do que havia colocado no prato e permaneceu sentada encarando o teto que goteava. O sindico disse que arrumaria há duas semanas e nada foi feito. Três batidas em sequência ecoaram pela sala, caminhou até a porta e olhou pelo olho mágico, Howard.
— Não tô afim de conversar.
— E quem disse que vamos conversar?
— Por que está fazendo isso? — perguntou com a voz trêmula. — Não estou fazendo nada meu amor — silêncio — Por favor abra a porta.
— Não — ela começava a chorar baixinho.
... Por favor — O’Connor mexia na maçaneta — Eu preciso tanto de você. Do seu sorriso, da cor dos seus olhos, da sua boca. — Já me decidi, eu vou contar para Margo.
Ele ficou em silêncio, pensou que ele tivesse ido embora, mas a porta se abrindo a assustou. Howard tinha uma chave nas mãos e os olhos arregalados.
— Não pode fazer isso.
— Como infernos você tem a minha chave?
— Margo está prestes a ganhar nosso filho se você contar, sabe se lá Deus o que pode acontecer.
— Como você tem a minha chave?!
— Sabe muito bem o quanto ela sonhou com esse momento — ele fechou a porta atrás de si — Só por que você ainda não realizou o seu quer destruir o dela?
— A MINHA CHAVE!
— Eu fiz uma cópia! — gritou de volta.
— Você o que? — pegou a chave da mão de Howard.
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos quando deu o primeiro passo e o beijou furiosamente. O homem a pegou no colo enquanto ela entrelaçava as pernas em sua cintura. A blusa que usava logo foi de encontro ao chão juntamente com a camisa social que O’Connor usava. Ele beijava o pescoço e o seio da mulher enquanto caminhava cuidadosamente até a primeira parede que achou e a prendeu ali. As mãos grandes de Howard apertavam cada centímetro do corpo de , o bafo quente do homem no pescoço de a arrepiava. Howard colocou as mãos por dentro da calça de , ela estremeceu puxando mais o cabelo ondulado que estava entre seus dedos.
Deitada na cama nua se cobria com metade do cobertor, o homem ao seu lado dormia tranquilamente. Sentia a garganta arder e as mãos
suarem, mais uma vez tinha sido fraca e se rendido a alguém que não era seu. Vestiu a calcinha jogada aos pés da cama e a blusa de moletom em cima da cadeira, foi até o banheiro e viu algumas lagrimas se formarem, rapidamente olhou para cima e segurou o choro que vinha. De volta a sala viu uma luzinha piscando no celular, desbloqueou a tela e clicou na mensagem.

Margo: Está ocupada? Preciso conversar.
: Desculpe a demora.
: Pode falar, estou ouvindo.


A resposta veio em poucos segundos e acertou em cheio no estomago de .

Margo: Estou me sentindo sozinha. Howard tem estado tão distante.

permaneceu encarando a mensagem sem conseguir responde-la. Digitou e apagou boas vezes até finalmente respirar fundo e digitar a resposta.

: Por que acha isso?
Margo: Ele sempre foi muito ocupado, e eu sei disso, mas ultimamente parece que mal o vejo.
: Converse com ele, com certeza deve ter um motivo. Margo: Não sei, não quero parece a mulher que implora por atenção. : É o seu marido Margo, você tem esse direito. E além do mais que está quase ganhando um filho.
Margo: Queria que as coisas fossem fáceis. Graças a Deus tenho pelo menos a você.
: E eu a você.
Margo: Te amo para sempre.


Uma lágrima caiu na tela do celular e depois dela não conseguiu segurar a tristeza que veio em seguida. Sentada no chão da sala em posição fetal chorava compulsivamente. Não houve um único momento onde Margo não estivesse ao seu lado, depois do pai abandonar sua família e criar
uma outra a mãe se viciou em drogas e permanentemente deixava os três filhos sozinhos. Sem a ajuda da família de Margo provavelmente ela e os irmãos Logan e Rhyan também teriam ido para o caminho errado.
Como poderia ser tão egoísta ao ponto de dormir com o marido da única pessoa que sabia que daria sua vida por ela. Por Deus havia feito um discurso no dia do casamento dizendo o quanto estava feliz pelos dois e três horas depois estava dentro de um banheiro minúsculo beijando o noivo. No dia em que Margo contou sobre a gravidez e Howard tinham acabado de transar no banco do carro do homem.
? — Howard encostou no ombro dela.
— Vai embora — bruscamente tirou as mãos do homem que agora pareciam ser nojentas.
Howard revirou os olhos e bufando se vestiu e ao sair bateu a porta. chorava ainda mais. Batia fortemente no peito, mas a dor física ainda não era maior do que a emocional, a cabeça começava a dor pelo choro prolongado.
O sol já havia se posto e ela continuava ali sentada. Estava sem fome e cansada. O banho rápido a permitiu para que deitasse mais cedo, o relógio marcava quase oito da noite, era a primeira vez em alguns meses que dormiria antes das uma da manhã. A mãe de Margo sempre disse que a alegria vinha pela manhã e naquele momento era tudo o que queria acreditar.


Capítulo 6 — I said “don't be a jerk, don't call me a taxi”

acordou às sete da manhã na segunda, sentia uma dor espalhado pelo corpo, mas tentou ignora-la. Só precisaria buscar Claire na escola as três da tarde então teria boas horas para se recuperar. Precisava urgentemente se sentir desgastada e cansada, vestiu a roupa de academia que não usava há algumas semanas. O parque mais próximo de seu apartamento ficava há cinco quilômetros, aquilo em um dia comum seria exaustivo, porém não hoje. Ao chegar continuou correndo em volta do parque, o coração já batia tão rapidamente que podia senti-lo por fora do corpo. O ar gelado dificultava a respiração durante a corrida, só parou quando sentiu que poderia desmaiar.
Assim que chegou em casa tomou banho, colocou um vestido e o cabelo com rabo de cavalo. esperava Claire na porta da escola, o sinal finalmente bateu e então pode ver o pequeno solzinho vindo correndo em sua direção. Claire abraçou forte a perna de , só soltou quando se abaixou e a abraçou.
— Senti sua falta !
— Eu também meu amor — beijou a bochecha rosadinha de Claire. Assim como da outra vez, durante o caminho a menina contava da professora que havia a elogiado por ter conseguido somar quatro mais cinco sem as mãozinhas.
— É impressionante, eu mesma preciso delas até hoje — comentou.
Claire riu.
— Mentira! Você já é grande assim — deu um pulo com as mãos erguidas — Tem que saber.
— Eu sei... — levantou as mãos e contou nos dedos — É onze, não é? A gargalhada que deu fez rir também.
— É nove!
— Tá vendo — bufou — Já está mais inteligente que eu.
Quando abriu a porta da casa a menina correu para o quarto. Na mesa de centro da sala havia um bilhete e um dinheiro ao lado.

“Sinto muito por ontem, não queria que tivesse me interpretado mal. Será bem-vinda para almoçar conosco quando quiser. Beijos Ps: Vou sair mais tarde hoje e para não te atrapalhar Kayla vai ficar com Claire.
Ps2: Por favor pegue o dinheiro extra, estou me sentido um babaca pelo o que fiz e se não pegar vou entender que ficou magoada.”


Tinha dez dólares a mais do que o combinado, ela pegou o dinheiro e jogou o bilhete fora. Por alguma razão saber que ele preferia deixar Claire com Kayla do que a encontrar pessoalmente ou avisar para ficar até mais tarde a deixou estressada. Ela poderia muito bem ficar até a hora que fosse necessário, poderia até não cobrar pelo serviço a mais. Ainda assim ele decidiu pedir ajuda a pessoa que não gosta de sua filha. Pensou em escrever uma mensagem de volta, mas sabia que Kayla provavelmente jogaria fora.
Claire voltou com dois brinquedos, Woody e Buzz Lightyear. — Brinca comigo?
— Acho que temos um tempinho antes de começar a preparar o jantar — se ajoelhou — Qual dos dois quer ser?
Claire ficou pensativa por alguns segundos e então estendeu o Buzz. — A suas ordens capitã! — prestou continência.

As oito e vinte a campainha ecoou pela sala, pausou o filme que assistia e foi até a porta. Kayla tremia de frio mesmo usando um casaco grosso e um cachecol que cobria metade de seu rosto.
— Queria me deixar congelando até a morte? — entrou na casa. — Você, literalmente, acabou de tocar a campainha.
— Eu estou há cinco minutos batendo na porta. Sabia que Claire estaria dormindo e não queria acorda-la.
— Estava vendo filme, não ouvi.
— Não sabia que te pagava uma fortuna para ficar assistindo filmes.
riu abafadamente e respirou fundo. Jinkins andava pela casa olhando cada centímetro. desligou a televisão e pegou a bolsa na cadeira.
— É provável que Claire acorde para tomar leite e fazer xixi... — Eu sei — a cortou — Já dormi aqui outras vezes senhorita...? — .
— repetiu com desdém — disse que já havia lhe pagado então... — apontou para a porta — Por favor.
Seria muito inapropriado talvez só empurrar ela? Não iria machucar, iria? sorriu e saiu da casa. Se sentiu péssima por não ter se despedido de Claire, queria voltar somente para dar um beijo, mesmo que ela não fosse notar. Não, balançou a cabeça, estava ficando muito apegada novamente a uma família, sabia como aquilo iria terminar. Um dia não iriam mais precisar dos serviços dela e então ficaria triste por não poder fazer parte do crescimento da criança. Como sentia falta do primeiro menino que cuidou, ele já deveria ser um homem agora, talvez até já tenha se casado. Apesar de aquele não ser o seu trabalho dos sonhos, era algo que havia aprendido a gostar e amar fazer.


✤✤✤



A casa estava toda escura, foi até o quarto da filha e ela dormia tranquilamente, o abajur aceso deixava todo o quarto em um tom roxo. Beijou os cabelos de Claire e foi para o seu quarto. Kayla estava debaixo das cobertas dormindo. trocou de roupa e se deitou junto a ela.
— Você chegou — sorriu.
— Cheguei — a beijou — Como foi com Claire?
— Tudo bem, ela é realmente um anjo.
— Como o pai — riu.
— Estava pensando — Kayla brincava com o cabelo de — Nós três podíamos sair algum dia, sabe, cinema ou parque.
— Parece uma boa ideia — se aconchegou mais perto da mulher — Assim você poderia se aproximar mais de Claire.
— Eu adoraria — sussurrou e viu sorrir.
No outro dia ao acordar se viu sozinho na cama, chamou por Kayla mas ela não respondeu. Desceu para a cozinha e a viu sentada a mesa tomando o café da manhã. Ela permanecia focada lendo um livro, ficou atrás dela enquanto fazia uma massagem na cabeça. O cabelo cortado em channel facilitava os beijos distribuídos no pescoço de Kayla. Ela colocou o livro de lado enquanto aproveitava o momento.
— Eu pedi férias — Kayla disse.
— Sério? — se sentou em frente a ela.
— Fiquei a noite toda pensando em nossa situação e você está certo. Eu não deveria ter sido tão rude com a situação de Claire, ela é sua filha e se eu te amo também deveria ama-la — dizia enquanto a olhava atentamente — Nesses 30 dias de férias eu quero passar juntinho a Claire.
— Uau — ele ficou paralisado — Eu nem sei o que dizer. — Não precisa — sentou no colo de — Quero fazer isso por você, por mim, por nós.
— Não sabe como isso me deixa feliz — deu um rápido selinho. — Assim você não precisaria se preocupar com Claire e nem pagar uma babá.
Ele então fechou o rosto, sabia que aquele era a única renda de e não queria de um dia para o outro simplesmente a deixar desamparada. — Claire gosta muito de .
— Oh meu amor — apertou o nariz dele — Ela é uma criança, em algumas semanas nem vai se lembrar da babá.
Assentiu ainda ressentido e enquanto ela mudava para algum outro assunto ainda estava perdido em seus pensamentos. A voz de Kayla foi gradualmente desaparecendo até que ele mal a ouvisse. Não sabia como falar com e nem ao menos sabia se queria mesmo fazer isso, mas se não fizesse Kayla ficaria furiosa, “como assim você escolheu a ela e não a mim” diria ela. Será que deveria ligar ou mandar uma mensagem? Teve uma ideia que parecia não ser tão boa, mas era a melhor que tinha.
— Deixe-a pelo menos se despedir de Claire.
, elas mal se conhecem.
— Claire adora e pelo serviço que ela fez com a minha filha eu quero proporcionar pelo menos uma despedida.
Kayla bufou e assentiu.


✤✤✤



esperava a menina com um largo sorriso no rosto, e cada dia que ouvia o sinal bater parecia ser uma alegria diferente. Claire veio correndo em direção de e a abraçou com força. Hoje a menina carregava uma folha consigo e ao perguntar sobre ela escondeu atrás do corpo.
— É um desenho — respondeu.
— Eu quero ver — fazia cocegas em Claire — Que desenho que é? — A professora pediu para fazer um amigo que a gente gosta muito — entregou a folha — Fiz você.
sorria de orelha a orelha, o amor de uma criança era o mais sincero e honesto que poderia ganhar.
— Eu adorei cerejinha — a beijou no rosto.
poderia ficar ouvindo a menina conversar por horas, e hoje por algum motivo decidiu fazer um caminho mais longo. Parou para comprar o sorvete que ela tanto queria e tomaram enquanto via o lago com alguns peixinhos. Antes mesmo de atravessar a cerca pode ver Kayla parada a porta da casa com os braços cruzados.
— Está atrasada.
— Paramos para tomar um sorvete — disse ainda de mãos dadas com Claire.
— Sorvete essas horas?
— São quatro da tarde, está calor. O que tem demais?
Kayla não respondeu e pegou a mochila das mãos de . — Se despeça da babá Claire.
se abaixou e deu um longo abraço nela. Jinkins pediu para que Claire levasse a mochila para o quarto e quando ela havia sumido dentro dele Kayla se virou novamente para .
— Não precisará voltar — disse seca.
— Perdão?
— Ficarei de férias por um mês e obviamente quando voltar ao trabalho a mãe de já estará de volta. Não será mais necessária. riu.
— Olha — coçou a cabeça — O meu compromisso é com , não você.
— Então mande uma mensagem a ele — sorriu.
permaneceu estática. Kayla adentrou para a casa e voltou com dinheiro em mãos.
— Ele insistiu em te dar, já que não tem mais para onde ir — olhou para o envelope nas mãos de Kayla.
— Eu não preciso disso.
Kayla revirou os olhos e balançou o dinheiro.
— Pare de fingir autossuficiência. Pegue logo a droga do envelope. Queria esbofetear o rostinho macio que ela tinha. Queria enfiar a mão garganta abaixo naquele sotaque britânico. sabia que se não pegasse o dinheiro iria precisar pedir emprestado, de novo, para Margo. E mesmo que tinha plena certeza que a amiga não hesitaria em dar a quantidade que pedisse não queria ser inconveniente. Engoliu todo o orgulho dentro de si e com rispidez pegou o dinheiro.
— Passar bem senhorita .
Quando chegou em sua casa digitou uma mensagem para , com certeza Kayla estava inventando qualquer desculpa. Ele não seria covarde o suficiente para mandar a namorada a despedir daquela maneira.

: Fui até sua casa hoje e sua namorada me disse que me despediu, é verdade?

A resposta demorou um tempo, mas chegou. Leu e releu a mensagem e ainda assim permanecia boquiaberta, como ele tinha a ousadia de fazer aquilo com ela? Era como terminar um namoro de três anos por mensagem, a única diferença era que na verdade era um trabalho para uma família que ela mal conhecia há uma semana.

: Oi, então, Kayla decidiu tirar umas férias e vai ficar com Claire por esse tempo. Agradeço demais o seu trabalho.
: Deve estar brincando. Não pode fazer isso comigo. : Eu sinto muito, de verdade. Não queria, mas Kayla insistiu.
: Será a primeira pessoa que mandarei mensagem quando precisar que alguém olhe Claire.
: Não sei se estarei disponível.


Ele iria voltar a trás, claro que iria.

: Bom... Tudo bem. Espero que consiga uma boa família, eles vão ser muito felizes se tiver você ao lado.

esbravejou e se jogou no sofá, era somente nove da manhã e o dia já estava péssimo. Talvez a melhor ideia era voltar a dormir e só acordar depois de três anos. Aonde ela estava com a cabeça em simplesmente deixar uma família que poderia lhe acolher por bons seis anos por uma que só pediu uma noite. Na televisão, Friends reprisava mais uma vez e aquilo parecia ser o único motivo para dar minimante uma risada. Estava se sentindo envergonhada demais para pedir ajuda a Margo, aquela mulher já havia dado tudo por ela. Pegou o telefone novamente e começou a passar pelos homens do tinder e nenhum parecia ser minimamente interessante. Chegou a jurar que o aplicativo tinha acabado com todo o estoque de homens desesperados por alguém.


Capítulo 7 — You couldn’t loved me better

estava no caminho para a casa de Margot. Às terças de vinho e pizza, que agora estavam mais para água e pizza, era o único dia que Howard ficava até de madrugada no restaurante, então poderiam voltar a época que tinham quinze anos e sonhavam com a vida que teriam, ou ao menos fingir que ainda eram adolescentes. Margot tinha realizado todos os seus desejos, um ótimo emprego em uma galeria conhecida, suas pinturas começavam a ter o reconhecimento que mereciam. E apesar de Howard, não tinha inveja da amiga, adorava ver o quão longe ela poderia ir.
Alguns segundos depois de tocar a campainha Margot abriu a porta com o rosto sujo de tinta e abraçou .
— Eu tenho uma surpresa.
— Deveria ficar com medo?
— Talvez?
Margot a guiou até o estúdio no fundo da casa.
— Há alguns dias eu estive meio pensativa sobre algumas coisas. Acho que pela data do parto estar se aproximando fiquei imaginando como seria a infância do bebê e isso me fez lembrar da minha. — Estava com um quadro em mãos. — E era simplesmente impossível lembrar dessa época sem lembrar de você.
A pintura era uma representação das duas. Estavam brincando na entrada da casa de Margot com Bubble, o cachorrinho que ela tinha quando criança. usava um vestido lilás, o cabelo louro grande e solto, já Margot, vestia uma blusa listada e um short amarelo.
— Eu mal lembrava do senhor Bubble — riu.
— Nem eu, precisei pedir para minha mãe alguma foto dele para poder recriar.
— Posso pegar?
— Claro, só não pode encostar seus belos dedinhos na pintura. Ficou algum tempo olhando cada detalhe. A escada descascando, a árvore que adoravam escalar e onde conseguiu a cicatriz no queixo. Precisou ir ao hospital e levou quatro pontos, lembra de não ter nem a mãe nem o pai presente no dia, somente Margot e a senhora Carter.
— É uma pintura realista contemporânea — disse com receio.
Margot sorriu.
— Como soube?
— Tive uma ótima professora.
riu e ficou olhando para o quadro, parecia ter voltado no tempo. Podia ouvir a risada das duas enquanto brincavam pelo gramado da casa. Quando estava com Margot, não lembrava da angústia e o pavor que era estar em casa.
— Estava pensando em expor na abertura da galeria na próxima semana. O que acha?
— Acho que iria adorar passar por lá e ver um pedacinho de nós. — Foi o que pensei — ela voltou o quadro para o cavalete e assinou o nome no canto inferior.
Na sala de estar, a pizza estava em cima da mesa de centro. Quando Margot abriu a caixa o cheiro tomou conta do lugar. — Aqui está, metade portuguesa, metade margherita.
— Ah Deus eu poderia comer isso pelo resto da minha vida — se levantou e pegou uma fatia.
Estavam sentadas no sofá e comiam em silêncio enquanto ouviam
alguma música do Coldplay.
— Você lembra quando a gente foi no show deles?
riu.
— Isso faz tanto tempo, foi o que, em 2000?
— 2002. Lembra que dizia que ia casar com o Chris? — riram — Você foi toda arrumada no show, levou cartaz e ficava gritando que amava ele.
cobriu o rosto com as mãos.
— Para! Que vergonha.
— Ah qual é, foi muito divertido. Você até ficou com o segurança deles.
— Foi o mais perto do Chris que cheguei — riu — Por que você não me dava um peteleco na cabeça?
— Ah a gente era adolescente. E eu era do mesmo jeito com o Heath Ledger.
— Ah Heath... — jogou a cabeça para trás.
— Como ele era gostoso, meu Deus!
— E aquela cena do beijo em “Coração de cavaleiro”. — A gente deve ter ido no cinema umas oito vezes só para ver aquela cena.
— Foi o dinheiro mais bem gasto das nossas vidas.
Margot continuou comendo, mas permaneceu com os olhos a encarando.
— Eu não acho que já tenha dito isso, mas desde que ficou grávida você está literalmente brilhando.
Margot riu.
— Aonde? No trabalho?
— Não, você. A cor da sua pele, seus olhos, o cabelo. Você nem engordou, que ódio Margot! E sabe o pior? Eu li em uma matéria que a pele negra só começa a sentir os efeitos da velhice aos 50 anos, você vai continuar com esse rostinho por um bom tempo ainda.
— Vou poder adiar minhas plásticas por um tempo então — riu — Estava pensando, abriu uma vaga na galeria, talvez você pudesse se candidatar, trabalharíamos juntas.
— Margot, acho que já viu minhas habilidades com um quadro. — Realmente são terríveis — a empurrou de leve — Mas o trabalho é para falar sobre as pinturas. Quem as pintou, o ano, a explicação por trás delas.
— Parece bem chato — pensou um pouco — Adorei. Margot parou de comer e permaneceu olhando , o sorriso dela perecia triste.
— Tenho medo de quando me olha assim.
— Você sabe que eu pagaria a faculdade para você — suspirou — Eu sei, eu sei. Não quer ninguém te bancando, mas ser estilista era o seu sonho.
— Alguns sonhos não são feitos para se realizar, Margot. — Qual é , só diz isso porque quer se convencer que é a verdade. Sonhos são feitos para ser realizados e alcançados. — Eu sonhava em ser estilista, mas talvez não fosse isso que o destino estava me reservando.
...
— Não Margot, por favor. Não vamos falar sobre isso. Carter se deu por vencida e assentiu. Aquele assunto sempre aparecia no meio da conversa e um dia, Margot gostaria que ela aceitasse a proposta. Pelo menos por uma vez queria ver a amiga feliz com a vida.


✤✤✤


Era a tão esperada sexta-feira e se despedia da paciente a sua frente com um aperto de mão e um sorriso no rosto. Após a mulher fechar a porta ele permaneceu olhando para o computador. Mais cinco pacientes o esperavam do outro lado, e antes de chamar o próximo, seu telefone tocou. A foto de sua mãe piscava na tela.
— Mãe? Aconteceu alguma coisa?
? — a voz de uma mulher diferente soou pelo telefone.
O coração de gelou, aquilo não era nada bom.
— Sim — gaguejou.
— Lilyana Miler, a médica de seu pai — sem a resposta ela continuou — Como deve saber o corpo do senhor Bakshi não reagiu bem ao novo fígado.
— Minha mãe havia dito que iriam fazer uma outra cirurgia. — E fizemos, mas infelizmente seu pai não aguentou. Ele teve duas paradas cardíacas durante a cirurgia e acabou falecendo. Depois das amaldiçoadas palavras parou de ouvir o que a médica dizia. Aquele era o curso natural das coisas não era? Pais
primeiros e depois os filhos, mas ainda assim doía como o inferno. Seu pai merecia mais, ele tinha muito pelo que viver. Colocou o celular em cima da mesa e podia ouvir de longe a voz da médica e suas infinitas lamentações, do que aquilo adiantava? Se qualquer uma daquelas palavras trouxesse seu pai de volta ele poderia ficar aqui escutando pelo resto da vida, mas nada adiantaria. E afinal onde estava o filho quando o pai mais precisava? Havia dito que iria visitá-lo e assim como todas as outras vezes era uma mentira, deu uma desculpa qualquer porque não queria perder o dia fora do hospital, e agora havia perdido a vida de quem o criou.
Todas as vezes que Tarak deixou o trabalho sem pensar duas vezes porque o filho estava com uma simples febre. As vezes que ficou sem jantar somente para poder ver comer o doce que tanto gostava. A maneira em como o pai comemorou na formatura do menino, os milhares de “eu te amo” e abraços que poderia ter dito. Jogaria fora todo e qualquer prêmio em sua estante só para poder ver os olhos do pai brilhando.
saiu do consultório de cabeça baixa e os olhos avermelhados, pediu para que a recepcionista transferisse seus últimos pacientes para um outro médico.
Depois de ficar vagando pela cidade, encarava a porta de casa com a chave na mão, ainda não tinha preparado em como falar sobre isso com a filha. Quebraria o coração de Claire e sentiria o mundo despedaçar por inteiro ao ver o rosto de tristeza dela. Respirou fundo, girou a maçaneta e entrou. Claire estava sentada no chão da sala colorindo um desenho, ao ver o pai se levantou e foi correndo até ele.
— Estava morrendo de saudades suas — disse beijando o cabelo de Claire.
— Eu também! Você quer ver meu desenho?
— Claro que quero.
Claire entregou a folha para .
— Fiz uma sereia conversando com uma girafa.
— Uau, eu tenho uma artista na minha casa. Ficou lindo meu bem.
A menina sorriu.
— Onde está Kayla?
— Não sei papai.
— Ela não estava aqui com você?
Claire negou.
Subiu as escadas e a encontrou deitada na cama enquanto mexia no telefone.
— Por que deixou Claire sozinha?
— Nossa, olá para você também.
permaneceu sério.
— Foi só por alguns minutinhos, tá? Ela já é grandinha pra não ficar fazendo bagunça por ai.
— Esse não é o ponto... — passou as mãos pelo cabelo. — Quer saber? Não vou falar sobre isso agora, preciso conversar sobre outra coisa.
— O que aconteceu?
— O meu pai — começou a falar e sentiu as lagrimas voltarem. — A médica me ligou hoje e... ele não...
— Sinto muito, querido — o abraçou.
Kayla continuou segurando-o em seus braços enquanto chorava baixinho. Odiava chorar, e por alguma razão detestava que quem o consolava agora era ela. Queria tanto gostar de estar naquele abraço e se esforçou para acreditar que era tudo coisa da sua cabeça.
Ele se recompôs e limpou as lagrimas do rosto.
— Minha mãe deve querer fazer o funeral em Atlanta. — E você vai?
— Claro que sim. Não vem comigo?
— Não gosto de enterros , sabe disso.
— É o meu pai, Kayla. Pelo menos esteja lá por mim, por Claire. — Eu sei meu amor, mas...
Ela tentou se aproximar, mas se afastou.
— Olha, eu tinha prometido a minha mãe que cuidaria da minha vó esse fim de semana. Ela vai fazer em uma consulta e preciso acompanhá-la.
— E Claire?
— O que tem ela?
— O que faria com Claire já que estaria cuidando da sua vó? Não tinha dito que ficaria de férias para cuidar dela? Me fez demitir a babá por conta disso.
— A gente daria um jeito.
riu ironicamente. O ambiente ficou em silêncio, nem mesmo a voz de Claire preenchia a casa. Kayla o abraçou mais ele logo a empurrou.
— Eu vou conversar com Claire.
Na sala a menina tinha os olhos vidrados na televisão assistindo algum desenho. Ele se sentou ao lado dela que quase nem percebeu a presença do pai. Tomou coragem e finalmente disse:
— Se lembra do filme que assistimos esses dias? — perguntou.
— Qual?
— Aquele que tocava um piano, que tinha um gatinho. — Lembro sim papai.
Tentou continuar, mas parecia ser mais difícil do que o planejado. A menina percebeu a hesitação do pai e colocou uma das mãos no rosto dele. deixou escorrer uma lágrima que foi rapidamente limpada pela mão de Claire.
— Lembra o que aconteceu com ele?
— Ele foi para o céu cuidar dos bebezinhos.
sorriu.
— O vovô agora está ajudando a cuidar dos outros bebezinhos. — Hum... — sua feição entristeceu — Então não vou mais ver ele?
negou com a cabeça. A puxou para o colo e a abraçou espalhando beijos pela cabeça da filha. Ouviu Claire fungar em seu braço e se segurou para não chorar também.
— Mas não precisa ficar triste meu bem. O vovô te amava demais e para sempre vai estar juntinho de você.
— Promete?
— Com todo meu coração.
Depois de um tempo Claire se desvencilhou do abraço e deu um beijo estalado na bochecha do pai.
— O que acha de dormir um pouco? Já está bem tarde. Ela assentiu.
— Então vamos guardar os brinquedos e logo vou para o seu quarto para ler uma histórinha, pode ser?
Ela negou.
— Não vai querer ouvir?
— Hoje não.
sentiu o coração doer, cada dia parecia que ela estava mais independente. Claire recolheu seu desenho e os lápis de cor e os levou para o quarto. Ainda ficou sentado olhando para a tv desligada. Tirou o celular do bolso e clicou nas mensagens. Provavelmente não teria respostas, mas ao menos iria tentar. Alguns segundos depois de ter enviado, recebeu a mensagem de volta.

: Está ocupada?
: Um pouco.
: Bem, não tem maneira fácil de falar isso então vou direto ao ponto.
: Irei ao enterro do meu pai em Atlanta amanhã e acho que Claire gostaria de uma companhia. Realmente acho que ela iria se sentir melhor com você por perto.
: Sinto muito pelo que aconteceu.
: Eu posso tentar.
: Não se preocupe com passagem, eu comprarei para você.
: Farei o possível.


Capítulo 8 — But I’m here in your doorway

— Você deve estar brincando comigo! — Margot impedia a amiga de colocar as roupas na mala.
— O pai dele morreu Margot.
— E o que você tem com isso? , me escuta — pegou as roupas que estavam na mão da amiga — Essa é a segunda vez que está largando um emprego por essa família. Ele não merece isso, você não merece isso.
— Nós duas sabemos que eu não daria certo na galeria — voltou para o armário e pegou mais algumas peças de roupa. — Não! Não sei, porque hoje à noite seria o seu primeiro dia. Eu só estou pedindo para pensar nisso direito.
terminava de fechar a mala.
— E sem contar na forma em como ele despediu você, pelo amor de Deus ele pediu a namorada louca para te mandar embora. — Margot, eu já me decidi. Não estou fazendo isso pelo , é pela menina que perdeu a mãe e acabou de perder o avô. Carter suspirou. beijou a bochecha da amiga e sorriu para ela.
— Eu sei que deve me achar louca, mas confie em mim. Por favor — pediu.
— Eu tenho outra escolha?
— Não — sorriu — Te amo para sempre.
Saiu do apartamento e esperou pelo táxi.
Havia apertado a campainha e ouvia o barulho soar pela casa. A porta foi aberta e o rosto mais desagradável que poderia ver tão cedo apareceu.
— Você? — Kayla olhou para dentro da casa — Chamou ela?
— Qual o problema? — surgiu na porta — Obrigado de novo por ter vindo.
— Sem problemas — sorriu — Onde está Claire?
! — a menina gritou.
— Cerejinha! — correu até ela e a abraçou — Que saudades que eu estava de você.
— Olha a minha mochilinha — ficou de costas.
— Ela é linda, o dinossaurinho tem nome?
Claire pensou.
— Bob?
— Não escolheria um melhor.
olhou para trás de viu Kayla discutindo com , iria levar Claire para o andar de cima, mas ao perceber o olhar de ele encerrou a conversa e chamou as duas.
Dentro do avião não conversava, tinha os olhos grudados do outro lado da janela. Claire dormia abraçada com um dos seus milhares bichinhos de pelúcia. estava desconfortável, não havia sentido nenhum remorso quando a mãe morreu e o pai, ela nem sabia se ainda estava vivo. Era estranho ver alguém tão deprimido e não conseguir dizer nada. Deveria falar “meus pêsames”? Dar um abraço? Falar que tudo iria ficar bem ou que agora ele estava em um lugar melhor? Odiava velórios, eram sempre tão silenciosos, tão mórbidos, afinal deveriam ser. odiava o silêncio, gostava de ouvir as conversas calorosas pelo ambiente, risadas altas e a música no último volume. Nem ao menos sabia o dia que voltaria para Portland, será que trouxe roupa o suficiente? Pegou o batom que gostava? Ah por Deus o que estava pensando? O pai de alguém acabou de falecer e estava preocupada com maquiagem? Balançou a cabeça negativamente e se ajeitou na cadeira apertada do avião.
Depois de algumas horas sem ouvir a voz de nenhum dos dois se levantou da sua cadeira e pedindo licença ele caminhou para o banheiro. ficou com as pernas encolhidas esperando que voltasse para a cadeira, mas ele não o fez. Olhou para o corredor e nenhum sinal de qualquer pessoa. Esperou mais cinco minutos e ainda sem sinal dele. Preocupada, se levantou e
caminhou até o banheiro. A porta estava fechada, encostou o ouvido para tentar ouvir alguma coisa. Silencio. Quando pressionou mais forte a porta foi aberta. deu uma pequena desequilibrada, mas logo se recuperou. Os olhos dela estavam arregalados, enquanto a olhava confuso.
— O que você estava fazendo?
— Eu queria usar o banheiro, mas a porta estava fechada, ai eu não conseguia ouvir nada e pensei que na verdade não tinha ninguém ai eu tentei ver se escutava alguma coisa do outro lado — despejou as palavras rapidamente.
— Ah — juntou as sobrancelhas — Bem fique à vontade — saiu do cubículo e deu espaço para que ela entrasse.
Antes que voltasse para sua poltrona o chamou. — Qual era o nome do seu pai?
— Tarak.
— Sinto muito pelo que aconteceu.
Ele sorriu tristemente.
— Obrigado.
— Eu também perdi a minha mãe.
— Meus pêsames — respondeu suavemente.
— Ah não, faz muito tempo — gesticulou com as mãos — E nós nem erámos tão próxima assim.
abriu e fechou a boca algumas vezes, sem ter o que responder.
— Eu vou — apontou para o banheiro — A gente se vê lá na poltrona.
Ele assentiu.
Assim que entrou trancou a porta e se encostou nela. “A gente se vê lá na poltrona”, quem fala isso? Ele sabia que iriam se encontrar de novo, estavam indo para o mesmo lugar. Bateu a cabeça algumas vezes na porta e se olhou no espelho minúsculo, estava vermelha. Jogou água gelada no rosto e voltou para o assento. Claire estava acordada e conversava com o pai.
— A tia Ananya vai tá também?
— Talvez sim
— Anyana? — perguntou.
Claire riu e a risada dela fez sorrir um pouco.
— Ananya, é minha tia. Nome indiano.
— Ah então é por isso — estalou os dedos.
— O que?
— Eu sabia que você vinha de algum lugar da Ásia! Os traços nunca mentem. Eu sempre quis conhecer a Índia, enquanto estudava fiquei fascinada pela cultura.
— Nunca conheci também, meu pai me dizia que iriamos para visitar sua família e dias antes de irmos ele adoeceu.
não respondeu, somente deu um sorriso de lado e o silêncio havia se instaurado novamente.


✤✤✤


carregava quase todas as malas, mesmo depois dos protestos de dizendo que levaria as suas próprias. A casa era enorme, a parte de fora era em nos tons de preto e cinza, as janelas que iam do teto ao chão eram espalhadas pelo lugar, iluminando a casa.
— Que cidade estamos?
— Bremen. É uma cidadezinha pequena com seis mil habitantes, não estamos tão longe da capital.
Assim que entraram a mãe de veio de encontro ao filho e o abraçou. Ela tinha os olhos avermelhados e o nariz da mesma maneira. A mulher era magrinha e agora que parecia estar carregando o mundo nas costas ela ficara bem menor. Ela não se parecia em quase nada com , tinha o cabelo loiro e os olhos azuis. Depois de Jolene também abraçar a neta finalmente olhou para .
— Você eu não conheço — forçou um sorriso — É uma nova namorada? — olhou para o filho.
— Ah não — disse — Eu sou só a babá de Claire. — E aonde Kayla está? — perguntou pegando a neta no colo. — Ficou em Portland, disse que tinha que cuidar da avó. Jolene riu ironicamente.
— Aquela lá não me engana meu filho — caminhava para a cozinha — Venham, preciso que experimentem as comidas que fiz. Seu pai voltaria dos mortos se soubesse que eu não preparei um banquete para ele.
— Um banquete? — cochichou.
— Se chama Shraddha, é uma tradição hinduísta — respondeu.
Jolene colocou Claire sentada em uma das cadeiras ao lado da bancada. A cozinha dava uma visão clara para a sala de estar e a mesa de jantar ao lado. A ilha era feita em mármore branco e a parte de baixo da bancada de madeira. Espalhado pela mesa estavam diversos pratos de comidas.
— Fiz aquele frango tandoori que seu pai amava.
— Espero que goste de comida apimentada — disse olhando para — É a única coisa que vai comer.
— Não seja bobo ! Não coloquei tanta pimenta — Jolene pegou um prato e entregou para — Prove.
— Se chama Samosa, é uma massa feita de farinha de trigo recheado de batata, cebola, ervilha, milho e o que mais imaginar — disse — Acho que vai gostar.
deu uma mordida e parecia estar comendo um pedaço do céu, os temperos que compunham a comida a fazia suas papilas gustativas dançarem.
— Isso é incrível — disse de boca cheia.
— Espere até experimentar o meu Pakora, vai enlouquecer — Jolene ia falar outra coisa, mas então parou — Onde eu estava com a cabeça? Eu nem perguntei o seu nome — pegou as mãos da mulher. — .
— repetiu para si mesma — Acho que é isso que nossa família vai precisar daqui para frente, esperança.
sorriu.
— Vem — chamou — Vou te mostrar o quarto que vai ficar.
O segundo andar da casa tinha ao menos três quartos e mais duas suítes. a levou até o final do corredor em uma sala de jogos.
— É aqui que vou dormir?
Ele riu.
— Claro que não, só queria te mostrar aqui antes, caso quisesse jogar, ou — apontou para a sacada do lugar — ficar ali de fora olhando a floresta.
O lugar era composto por uma mesa de pebolim, ping pong e um Playstation conectada a tv.
— Meu pai adorava isso daqui — passou a mão na mesa de ping pong — Parecia uma criança quando víamos para cá, minha mãe tinha que tirá-lo arrastado para almoçar com a gente. — E você não gostava?
— Eu era um adolescente chato, queria saber de estudar e tirar notas altas na escola — suspirou — Me arrependo de não ter aproveitado um pouco mais essa fase da minha vida. Acho que é por isso que incentivo tanto que Claire brinque todos os dias, já que eu me obrigava a ficar enfurnado dentro do quarto aprendendo sobre física quântica.
— É — fez uma pausa — Somos bem diferentes um do outro. — Já sei — encostou na mesa cruzando os braços — Era a garota popular que saia para todas as festas e só passou na escola por que os professores gostavam de você.
riu e ficou parada ao lado de .
— Na verdade não — respondeu baixinho — Só não tinha tempo para estudar. Quando meu pai largou a minha mãe de um dia para o outro ela enlouqueceu, começou a usar todo tipo de droga. Esquecia de fazer o almoço, isso quando tínhamos comida em casa, já que ela gastava todo o dinheiro com cocaína — estava com a cabaça baixa olhando para os próprios pés — Tive que me redobrar para colocar dinheiro dentro de casa enquanto cuidava dos meus irmãos.
⸻ Uau, estou me sentindo um completo babaca agora. riu.
⸻ Tudo bem, eu sei que tenho cara de mimada.
— Quantos anos você tinha quando tudo isso aconteceu? — Doze — respondeu agora olhando para . Ele viu que estava com os olhos marejados.
— Sinto muito — colocou uma das mechas do cabelo de atrás da orelha — Como sua mãe se chamava? — Giuliana Giordano — riu ironicamente — Filha de italianos extremamente conservadores que lutavam pelo direito de serem racistas. Se soubessem que a filha tinha virado uma viciada divorciada morreriam de desgosto.
Ela secou rapidamente algumas lágrimas que caíram. Manteve o olhar para o teto evitando que mais alguma caísse e então continuou. — Se não fosse por Magot e a mãe dela eu não teria sobrevivido nem ao primeiro ano que foi aquele inferno.
sentia a garganta dá um nó, estava difícil engolir a própria saliva. Odiava ter que lembrar da infância e odiava ainda mais chorar por ela. Como uma mãe tinha coragem de fazer aquilo com seus três filhos? sabia que uma hora ou outra o pai sumiria e tinha dias que rezava para que isso acontecesse, mas nunca pensou que com isso perderia a pessoa que deveria lhe proteger do mundo. Nunca pensou que precisaria se tornar uma adulta aos doze anos. Aos vinte e nove anos quando recebeu a notícia pelos irmãos que a mãe havia falecido, ficou aliviada. A dor de ver a mulher que havia lhe ensinado a falar, a andar e contado histórias toda noite se transformar em uma viciada em cocaína, com o cabelo ralo, pesando quarenta quilos e sem metade dos dentes deixava em pedaços.
Chorou por quase um mês inteiro quando sua mãe foi a visitar no novo apartamento que havia alugado. Giuliana usava uma regata pequena toda rasgada, o short largo e um chinelo nos pés. Conseguia ver os ossos do ombro e costela. O rosto que antes era rosado com as bochechas gordinhas davam um lugar para um rosto magro e olhos caídos. Via que ela estava morrendo de fome porque assim que passaram pela cozinha ouviu o estomago da mãe roncar, ela tentou disfarçar, mas é claro que sabia o que realmente estava acontecendo.
poderia ter qualquer sentimento em relação a mãe, mas nenhum deles era o de culpa, afinal tentou de tudo. A chamou para morar com ela por alguns meses, assim teria o que comer e um bom lugar para dormir. Aquilo não durou três semanas, logo Giuliana
começara a sumir no meio da noite e só voltava no outro dia totalmente bêbada e drogada. Uma outra vez tentou a colocar em uma clínica de reabilitação, dois meses depois a médica ligou para dizendo que sua mãe havia fugido. se estressou e pediu que Giuliana escolhesse, a filha ou as drogas. Sem remorso, ela escolheu as drogas. não poderia ajudar quem não queria a sua ajuda.
— Desculpe, isso não era para ter se tornado uma história tão deprimente — sorriu entre as lagrimas — Se me permitir, eu adoraria ouvir mais histórias suas. Como por exemplo: por que o velório está sendo em Bremen?
respirou fundo e encarou a parede.
— Desde que me entendo por gente meu pai diz que queria ser enterrado aqui. Dois motivos: Um, ele adorava essa casa. Era onde passava os melhores dias e onde tinha as melhores risadas. E segundo, ele dizia que queria morrer onde havia nascido.
— Achei que ele tinha nascido na Índia.
— E nasceu — sorriu — Em Khandwa, mas o senhor Tarak só se considerou vivo quando conheceu minha mãe, dizia que foi só a partir dali que começou a entender o que era a vida e porque ela era tão bonita.
— Imagino que ele foi muito feliz ao lado dela.
— E foi, acho que a pessoa mais feliz do mundo. Nunca nem por um segundo o vi triste ou chorando. E quando questionei se ele nunca ficava deprimido, ele me respondeu “Como posso ser triste se tenho a melhor das vidas?”.
— Eu não quero chorar de novo — o empurrou de leve. Ele riu e permaneceu com o olhar sobre . Sentiu que poderia ficar eternamente ali, contando e ouvindo aquelas histórias. — Bom — cortou o silêncio — Onde fica o meu quarto? — Ah sim, claro.
A levou para o segundo quarto do corredor. Abriu a porta e deixou que ela entrasse primeiro. As paredes eram de um verde água bem claro, a cama estava com a cabeceira encostada na parede a direita com duas mesas de cabeceira preta de cada lado. No fundo do quarto uma porta de vidro estava escancarada dando para uma pequena sacada
com mesa e duas cadeiras de metal, uma escrivaninha e uma cadeira completava o ambiente. O quarto era sem dúvidas maior do que qualquer cômodo do seu apartamento.
— O banheiro fica na terceira porta à esquerda do corredor — estava parado no batente da porta — O meu quarto é logo do lado, normalmente não tenho o costume de trancar a porta então pode entrar a hora que quiser.
As palavras tinham saído naturalmente e só percebeu o que havia dito quando viu a expressão confusa de .
— Por conta de Claire, digo.
— Sim, claro. Eu não tinha pensado em outro motivo. mordeu o lábio e batia as mãos nas próprias pernas. o olhava em silêncio.
— Eu vou — apontou para o corredor — Ajudar minha mãe. Fique à vontade — saiu do quarto fechando a porta. deitou na cama e ao colocar as mãos nas bochechas sentia elas queimarem. O estômago estava dando cambalhotas. Era só a fome, claro, tinha passado muito tempo dentro de um avião sem comer. Não era nenhum sentimento esquisito surgindo.
A cena de mordendo os lábios continuou passando em loop em sua cabeça, até ela começar a sorrir. Talvez ele fosse um pouco atraente, não o suficiente para fazer com que ela se apaixonasse, claro. Passou as mãos na mecha onde ele havia colocado atrás da orelha e sentiu as bochechas arderem pelo sorriso.
Mas por Deus o que ela estava fazendo? Tinha se transformado em uma adolescente de 15 anos de novo? Se sentou rapidamente na cama e sentiu o quarto rodar. Fechou os olhos até a cabeça parar de girar. Quando se pôs de pé percebeu que não tinha tanta força quanto queria.


Capítulo 9 — The devil’s in the details, but you got a friend in me

Jolene e estavam em silêncio na cozinha enquanto ele ajudava a mãe com as comidas. Claire ainda no banco roubava alguns Jalebi escondido da avó. A mulher fritava a comida com os olhos perdidos na foto emoldurada em cima do balcão. O sorriso do marido a fez sentir vontade de sorrir também. A voz baixa da médica lhe avisando sobre o que havia acontecido na cirurgia repetia incessantemente em sua cabeça, queria poder apagar essa memória e permanecer somente com as boas. Queria poder esquecer como Tarak estava debilitado e mal conseguia comer sozinho, mas no momento essa era a única coisa que passava em sua mente.
O barulho no andar de cima fez os dois se entreolharem. voltou a atenção para a massa que sovava furiosamente. Tinha as mãos cobertas de farinha de trigo e um pouco em seu rosto em decorrência dos vestígios que voava dos movimentos repetidos com a massa. — Não é melhor ir até lá? — Jolene perguntou ao filho.
— Deve ter sido só algo que caiu.
— E isso não é motivo para que você vá até lá ajudá-la? — o encarou. — Achei que tinha criado um cavalheiro.
Bufou e limpou as mãos no pano de prato em cima da mesa. Subindo as escadas de dois em dois degraus chegou até o quarto de . Ela estava terminando de levantar se apoiando na mesa de cabeceira.
— Você se machucou? — a segurou pelos braços — O que aconteceu? — Não sei, acho que me levantei rápido da cama.
— Eu já te avisei sobre essa sua mania.
tirou o celular do bolso e ligou a lanterna. Ele apontou a luz forte para os olhos de .
— Precisa mesmo disso? Foi só uma fraqueza.
— Fraquezas não são sem razão. Quero saber o que aconteceu — respondeu puxando a pálpebra inferior de para baixo. — Vasos sanguíneos estão bons. Esclera esbranquiçada — se afastou de , mas continuou a encarando. — Acho que é melhor fazer um check-up quando voltarmos para Portland.
— Entendo que você seja o médico — se levantou. — Mas deve ter sido só a fome. Estou a muito tempo sem comer.
— Ainda assim...
— o interrompeu. — Estou bem, vou comer algumas das especiarias que sua mãe fez e devo ficar melhor.
— Mas se não melhorar vai até o médico e isso não é um pedido. — concordou com a cabeça. — Venha, não vai passar mal na casa da minha mãe porque está com fome. Mesmo negando a ajuda, auxiliava a descer as escadas. Ajudou para que ela se sentasse na cadeira e trouxe um prato de comida. Estava se sentindo com cinco anos novamente, quando a mãe ainda era uma das mulheres mais lindas e gentis que já havia conhecido. Quando ela ainda tinha o cabelo loiro quase branco muito brilhoso e penteado, com a dentição perfeita.
As roupas sempre cheirosas e passadas, o batom vermelho fazia uma combinação espetacular com as joias de ouro que usava.
Era rotina toda manhã se sentar na cadeirinha rosa com flores amarelas ao lado do sofá enquanto esperava a mãe trazer seu cereal com leite. E sempre quando terminava o prato recebia beijos e abraços. Mesmo quando já precisava fazer toda essa mesma tarefa com três filhos, Giuliana nunca perdia o sorriso, até o fatídico dia onde seu pai saiu pela porta da frente sem explicação. Desde então, não se lembra de ver a mãe sorrir.
— É alérgica a alguma coisa? — Jolene perguntou.
— Só a frutos do mar — saiu dos seus devaneios olhando para Jolene, olhando agora ela até se parecia um pouco com a sua mãe. Deveria ser os olhos maternos que as duas compartilhavam.
— Então vai precisar tomar cuidado com algumas das comidas — disse. — Acha que é melhor fazer um outro tipo de comida? — Jolene perguntou ao filho. — Não! Eu não quero dar trabalho — gesticulou com as mãos para dar mais ênfase. — Vai dar trabalho se precisarmos te levar para o hospital com uma garganta fechada — respondeu ríspido.
— Não seja rude com a menina, ela só não quer atrapalhar a ninguém.
Jolene deu um tapa no ombro de .
— Tenho uma ideia — abriu uma das gavetas, retirou uma fita adesiva vermelha e pegou uma das comidas em cima do balcão. — Isso daqui? De jeito nenhum -— colou a fita e pegou outro prato. — Também não.
Enquanto ele colocava as fitas Jolene se sentou ao lado de e passou as mãos no braço de .
— Ele se importa demais quando gosta de alguém — a mãe disse sorrindo. — Sempre foi assim — fez uma pausa. — Um dia eu precisei fazer uma cirurgia e fiquei dez dias acamada, esse menino todos os dias trazia a minha comida, fazia massagem nos meus pés e lia o livro que eu pedia.
— Parece ter sido um bom filho.
— O melhor — era visível o brilho que refletia nos olhos de Jolene.


✤✤✤


Alguns dos parentes de Tarak chegaram pela noite, três irmãs — a tão esperada Ananya —, um irmão e dois primos. As mulheres vestidas com seus sari’s e os homens seus dhoti’s. tinha achado exagerado a quantidade de comida que Jolene havia feito, mas boa parte dela já havia sido devorado por todos da casa. precisava procurar por fitinhas vermelha em cada prato onde ia comer.
No início o hábito de comer com as mãos a estranhou, mas ela se sentia envergonhada demais para ser a única a comer com talhares e com uma falsa naturalidade pegava as comidas com as mãos. Depois de um tempo, elas pareciam ficar até mais saborosas quando comidas daquele jeito.
estava parada encostada no batente da porta que dava para o quintal, as pessoas ainda estavam sentadas no chão da sala comendo. se levantou e foi de encontro a mulher. — Para que serve esse tudo isso? — sussurrou.
riu.
— É um banquete que os hindus fazem para homenagear os mortos.
cobriu a boca.
— Eu estava zombando de um ritual religioso?
— Tecnicamente sim — viu o desespero no rosto de e começou a rir. — Tá tudo bem, você não sabia.
— O que mais eu preciso saber? Eu não quero passar vergonha.
parou por um tempo pensando e disse:
— Amanhã iremos até um templo Hindu, vai ser lá que meu pai vai ser cremado. Não se assuste se as pessoas parecerem mais felizes do que deveriam, na religião a morte é uma coisa boa, é quando a alma ganha sua eternidade.
— Decidiram por cremá-lo?
— Parte da religião, acreditam que o fogo liberta a alma do corpo e a purifica. — Uau — estava extasiada. — É uma religião e tanto.
— Pois é — olhou para baixo. — Acho que tudo isso acaba fazendo com que me esqueça que ele não está mais aqui. Para essas pessoas a morte é um momento de renascimento e, honestamente, queria ter toda essa crença. Assim não doeria tanto como agora. Esse homem era tudo pra mim, ele me ensinou a andar, a falar, a respeitar os outros, me ensinou sobre a alegria da vida, sobre rir e agradecer mesmo quando não tiver nada. Dói demais não o ter aqui para me
ajudar com toda essa coisa de paternidade — riu abafadamente. — Vai me fazer muita falta. não disse nada, somente permaneceu ali ao lado de passando a mão em suas costas. Sabia que ele só precisava desabafar e não escutar suas condolências. Quando percebeu que ele estava chorando, e sem muito pensar, o abraçou. Apesar de ser alto, deveria ser somente 15 centímetros mais baixa que ele. tinha as duas mãos cobrindo o rosto enquanto os braços de o envolviam.
se recompôs e tentou um sorriso. A irmã mais nova de Tarak — Nilaya — se aproximou dos dois e enxugou as lágrimas de . Ela deu um largo sorriso para o menino e passou o dedo na testa dele, fazendo um símbolo que parecia ser um tridente com as pontas para cima.
— Seu pai está em um lugar melhor — disse. — Era um bom homem que tinha uma boa família — beijou a testa de . — Que Shiva lhe dê esperança e transforme sua vida. Nilaya se virou para e sorriu.
— Qual o seu nome?
.
— Olhe só , parece que Shiva já lhe deu a sua esperança.
riu.
— Que coincidência, é a segunda pessoa que diz isso hoje.
— A segunda vez nunca é coincidência — Nilaya disse. — É destino.
A mulher fez o mesmo símbolo na testa de e os deixou sozinhos novamente. — Desculpa pela minha família, eles são sempre assim. Fizeram a mesma coisa com Kayla quando a viram pela primeira vez.
E aquelas palavras foram as responsáveis por acabar com toda a felicidade que tinha. Forçou um sorriso e o silêncio tomou conta dos dois. mentiu que já estava com sono, se despediu das pessoas e deu um beijo estalado em Claire que conversava alegremente com a tia Ananya. Ela subiu para o quarto e trancou a porta.
Se sentou na cadeira da varanda e abraçou as pernas. Nem mesmo ela sabia o porquê de toda a tristeza repentina, mas sabia que tinha relação com o nome de Kayla. Não estava apaixonada por então por qual motivo todas as vezes que ele a citava sentia o sague ferver
e a raiva surgir? Uma das únicas vezes que foi ao psicólogo ela havia dito que tinha problemas com abandono. Mas como não teria? A mãe, o pai e até os irmãos que ela cuidou a abandonaram. Até mesmo o seu emprego era um constante abandono, cuida de uma criança como se fosse sua e depois nunca mais a ver. Não queria mais uma vez dizer adeus, não queria olhar nos olhos de mais uma criança e ver as lagrimas se formarem.
Enquanto olhava o nada viu a silhueta de alguém caminhar a floresta mal iluminada. Levantou-se e apoiou-se na cerca de madeira. A pessoa carregava um cigarro entre os dedos e calmamente os levou até a boca e tragou. Soltou a fumaça para cima e colocou a mão livre dentro do bolso da calça. o olhava fixamente. Ele se virou e ainda olhando para cima deu de cara com a mulher que tentou desviar o olhar.
— Achei que estivesse com sono — disse alto.
— Vim ver a lua — apontou para cima.
seguiu o dedo de e encarou a lua cheia, estava bem mais próxima do que os outros dias. Conseguia ver as partes escuras nitidamente.
— Não sabia que fumava — ele olhou para o cigarro.
— Só em casos especiais.
— E o conselho médico aprova isso? — riu.
— Não vão saber se não contar — piscou.
Antes de ir para dentro do quarto ele a chamou.
— Está indo dormir?
— Acho que vou ler um pouco antes. Por quê?
— Queria saber mais sobre a sua história. Me deixou curioso para saber como sua vida continua.
olhou para dentro do quarto e pensou por alguns segundos. Também precisava de alguém para conversar, alguém para escutar e aprender junto. Mas não hoje. — Podemos deixar para um outro dia? Estou meio cansada.
Ele assentiu com um pequeno sorriso e voltou para dentro da casa.
trocou de roupa e se aconchegou debaixo dos lençóis quentes. Se virou de um lado para o outro por bons minutos. Os pensamentos vagavam entre Margot, , Howard, Claire, velório, a morte da mãe. O que sua mãe diria sobre as coisas que ela andava fazendo com a melhor amiga? Giuliana provavelmente acariciaria os cabelos da filha e diria que tudo iria se resolver. Como ficaria a relação de Margot e Howard? Será que Margot iria perdoá-lo e odiar pelo resto da vida? Não, ela nunca faria isso. Um dia Claire chamaria Kayla de “mãe” e se esqueceria completamente de que um dia foi ela que deu beijinhos no machucado?
Se virou novamente na cama e os olhos castanhos de foi a única coisa que veio em sua cabeça. As pequenas pintinhas que tinha do lado direito do rosto. A sobrancelha grossa e tão escura quanto o cabelo. Os cílios extensos e curvados. O cabelo cacheado e muita das vezes bagunçado.
Sabia de todos os detalhes porque prestava muita atenção nas pessoas, claro. Ela sempre memorizava as feições de todos, como por exemplo Howard, os olhos dele eram verdes... ou será azul? Do que aquilo importava? Ela só estava embriagada de sono e pensando em qualquer coisa, mas sabia com toda certeza de que tinha uma mancha quase transparente em cima do nariz.
acordou com batidas na porta. Os raios de sol que passavam pela porta indicavam que era manhã, não estava acostumada a dormir sem uma cortina, mas ali isso não parecia ser um problema. Se levantou e abriu a porta do quarto. Claire tinha um sorriso no rosto e segurava um pedaço de bolo nas mãos.
— Trouxe para você! — disse ofegante.
Antes que pudesse agradecer viu subindo as escadas correndo e parando quando viu que a mulher já estava acordada.
— Desculpe por Claire — ficou atrás da filha segurando os ombros da menina. — Tentei impedir que ela te acordasse, mas sabe como é criança. Ela me deu um drible e veio. riu e se agachou ficando do tamanho de Claire.
— Não tem problemas — olhou para o relógio no pulso. — Afinal já são oito da manhã. Estava na hora do café.
— Não precisa descer agora, pode continuar dormindo...
— Está tudo bem — o cortou. — Só me deem um segundo — deu um beijo na testa de Claire.
Fechou a porta e aproveitou que a mala ao chão estava aberta e vestiu uma calça de moletom com um cardigã. Abriu a porta novamente e fez uma reverencia.
— Estou pronta para o café da manhã com a vossa senhoria.
Claire puxou a mão de até a cozinha, ninguém além de Jolene estava a mesa. puxou a cadeira para e logo em seguida para Claire.
— Como foi sua noite? — Jolene perguntou.
— Melhor impossível — despejava o café no copo. — O colchão que tem curou a minha dor nas costas.
Jolene riu.
— Esse é o melhor elogio que um anfitrião pode receber — bebericou o chá que tomava. — Por quanto tempo vão ficar?
— Ainda não sei — respondeu. — Tenho mais quatro dias de folga, estava pensando em continuar aqui por esses dias. Fazer companhia para a senhora.
— Eu agradeço meu filho — pegou a mão de . — Ficará conosco também? Olhou para , ela havia acabado de colocar um pedaço do waffle na boca. — Eu... — terminou de engolir e olhou para o homem ao seu lado, tentava procurar a
respostas nos olhos de , e eles imploravam para que ela ficasse também. — Claro, sem problemas.
— Ótimo — Jolene se animou. — Irei lhe mostrar o vídeo de dançando vestido de príncipe na escola. É uma graça.
— Mãe! — protestou.
— Ah agora eu quero ver — sorriu. — E onde está o resto da família? — Eles gostam de acordar mais cedo para poder rezar. Devem descer daqui a pouco — respondeu enquanto ajudava Claire a comer a panqueca.
Ao final da refeição subiu com a filha para que pudessem trocar de roupa. Jolene estava parada do lado de fora da casa olhando para cima com os olhos fechados. viu alguns pratos na mesa da varanda e silenciosamente tentou tirá-los dali para lavar. Após juntar os seis pratos Jolene se pronunciou.
— Obrigada por ter vindo — a voz dela saiu docemente.
— Não precisa agradecer.
— Momentos como esse é importante ter alguém.
Ela se virou para trás e olhou para . A chamou com a mão e então se posicionou ao lado dela. O vento estava gelado e então abraçou os próprios braços para se esquentar. Jolene a abraçou de lado enquanto esfregava as mãos para cima e para baixo nos ombros de . — Ainda assim Kayla não veio.
— O que? — perguntou.
— Disse que em momentos assim é importante ter alguém e ainda assim a namorada de meu filho não veio.
— Tenho certeza de que ela deve ter um motivo.
— Motivo? Minha querida, uma mãe sabe reconhecer as pessoas boas para seus filhos de longe.
— Já ouvi isso — sorriu.
— Sua mãe já lhe contou isso? — se desvencilhou do abraço.
Assentiu sorrindo. Apesar do silêncio as duas se sentiam confortáveis.
pediu licença e voltou para dentro da casa. Subiu as escadas e antes de entrar no quarto ouviu as ridas de Claire no cômodo do lado. A porta estava aberta, permitindo-a de ver o que estava acontecendo. estava ajoelhado ao chão tentando agarrar as pernas da filha que corria dele. se encostou no batente da porta enquanto via a cena.
A menina usava uma blusa branca de manga longa e uma saia rodada da mesma cor. O cabelo de Claire era longo e castanho, então o laço amarelo se destacava ainda mais. Percebeu ali também que ela tinha covinhas nas bochechas.
Claire notou a presença de e então correu até ela se escondendo atrás de suas pernas. se virou para a filha ainda ajoelhado.
— Acho que o monstro está perdendo as forças — disse colocando a mão no peito. Claire riu.
deitou ao chão com a língua para fora. A menina correu até ele e pulou em cima de sua barriga.
— Tudo bem — enchia a filha de beijos. — Agora a senhorita pare de pular antes que fique toda suada e precise de outro banho.
— Quer que eu fique com ela enquanto se troca?
— Não precisa — ficou de pé. — Vou deixar que se arrume tranquilamente. sorriu e foi para o quarto. Ainda ouvia as risadas dos dois pela parede. Se trocou rapidamente, colocando uma calça, blusa e um casaco que ia até metade de suas coxas. Ao descer as escadas notou a presença de mais pessoas do que o dia anterior, essas agora se pareciam mais com Jolene do que com Tarak.
conversava com uma mulher de cabelos castanhos que pegava nas mãos do homem com um olhar triste. Viu no fim da escadaria e a chamou.
— Pronta?
— Você está?
— Não tem como estar — respondeu desoladamente — Não sei se levar Claire é uma boa ideia, afinal não é como os outros velórios. Ela vai ver o avô ser cremado. — Ficarei com ela, não se preocupe. Tenha seu momento com seu pai.
Ainda com a feição entristecida assentiu.


✤✤✤


Era por volta das três da tarde quando voltavam para a casa. balançava as pernas freneticamente e tinha as mãos suadas. Claire dormia ao seu lado no carro. Ninguém havia dito uma única palavra a viagem inteira, somente o choro baixinho de Jolene era ouvido. A família de Jolene e Tarak se despediam deles na entrada da casa. levou Claire para o quarto a colocando na cama. Ananya seria a responsável por levar as cinzas do irmão e jogá-lo no rio Ganges.
estava na sala quando e Jolene entraram na casa. A mulher pediu licença e subiu para o quarto. estava visivelmente cansando. Os olhos avermelhados e o rosto inchado.
— Quer que eu faça um chá? Café?
— Uísque parece melhor — sussurrou.
foi até o minibar e serviu dois copos. Entregou um para sentado no sofá. Ele virou o copo rapidamente.
— Vai beber o seu? — apontou para o copo de .
Negou e entregou para . Ele virou o segundo do mesmo jeito, sem nenhuma feição. se sentou ao lado dele em silêncio. passava os dedos lentamente na borda do copo com o olhar perdido. Aquela foi a primeira vez que se sentiu levemente desconfortável perto de , não sabia o que dizer e nem se deveria falar algo. Aquele era um sentimento que ela nunca havia presenciado, pelo menos não com ele. Não deveria ser ela ali do lado dele, não deveria ser ela a abraçar e presenciar todo o luto e a tristeza da família. Era somente a babá que havia sido despedida e estava ali sem nem ao menos saber o porquê. Margot estava certa, era loucura tudo aquilo. O que ela sabia sobre o sentimento de perda? O que sabia sobre a família que passava por esse momento? Desejou ter ficado em Portland e estar trabalhando na galeria.
Por outro lado, estava extremamente grato. Não ter alguém ali do seu lado, mesmo que em silêncio, deixaria tudo pior. Assistir o corpo do pai lentamente se transformar em pó era pior do que ver o caixão descendo para debaixo da terra.
— Vou para o meu quarto — disse se levantando. — Caso precise de mim é só chamar.
Queria ter pedido para que ela ficasse um pouco mais, para ao menos ouvir a respiração de um outro alguém além de sua própria. Estava sem forças até mesmo para responder, então assistiu ela subir as escadas. Aquela casa poderia ser assustadora, mesmo de tarde, quando se está sozinho. Era grande demais para uma só pessoa. Sem vizinhos conversando ou barulho de carro na rua, sem cachorros latindo e crianças brincando. se sentiu completamente sozinho.


Capítulo 10 — We all need someone to stay

observava a filha dormindo tranquilamente. A respiração era devagar e o corpinho encolhido estava abraçado em um dos ursinhos de pelúcia. A noite já havia caído e os sons de algumas corujas preenchia o silêncio. Ele se levantou da cama e pegou a garrafa de uísque que havia levado até lá. Foi até a sala de jogos e se sentou no sofá ao canto. Nunca é fácil se acostumar com a morte, mesmo que já tenha a visto levar tantas pessoas. Principalmente enquanto fazia sua residência, quase sempre dando notícias de doenças terminais e cirurgias mal-sucedidas. Ainda assim, o sentimento nunca diminuiu, a vontade de chorar junto com aquela mãe que perdeu o filho, ou com o namorado que nunca teve a chance de pedir a mão da parceira em casamento e o filho que não conseguiu perdoar o pai a tempo.
Pegou o telefone do bolso e permaneceu um tempo encarando a tela preta. Abriu o Instagram sem querer e ao atualizar a página, ela apareceu, Kayla. Com um grande sorriso segurando uma taça de vinho e mais duas amigas ao lado, como poderia estar tão feliz quando ele estava tão miserável? Guardou o celular no bolso novamente. Estava sendo egoísta, pensou, ela tinha o direito de se divertir, afinal não era nenhum parente dela, certo? Ou ele só estava tentando criar desculpas para não brigar. Olhando pela janela viu uma escada ao chão da sacada e se lembrou para onde ia quando se sentia tão triste. Ainda com a garrafa, posicionou a escada no telhado e subiu com dificuldade, diferente de quando tinha onze anos e fazia esse trajeto em poucos segundos.
O telhado estava mais empoeirado do que as outras vezes, afinal ninguém deveria ir ali tanto quanto ele, e fazia muito tempo que não ia. A cadeira de plástico que nunca saia do mesmo lugar contava agora com algumas folhas secas e gotas de água. Limpou o assento com a manga da camisa e se sentou.
Cada gole do uísque parecia pesar um pouco mais sua cabeça, em compensação o frio era quase imperceptível.
Depois de terminar um desenho, ela foi para a cozinha e não encontrou ninguém. Jolene ainda estava no quarto com as portas fechadas, ela não tinha saído dali o resto do dia. encheu um copo com água e voltou para o andar de cima. A porta que dava para a sala de jogos estava aberta e a luz acesa. Chegando lá encontrou uma escada na sacada apoiada no telhado. Deixou o copo em cima da mesa de ping pong e cuidadosamente subiu a escada.
O telhado não era totalmente inclinado, a parte onde estava sentando era completamente na horizontal. caminhou até lá e até pensou que ele nem tinha notado sua presença. Ele tirou o telefone do bolso, desbloqueou e o entregou para . Tinha a foto de Kayla com mais duas amigas no que parecia ser um bar.
— Ela disse que ia cuidar da vó — riu. — E eu acreditei.
— Tenho certeza que ela deve ter uma explicação.
— Claro que tem, e eu sei qual é. Vai dizer que não gosta de enterros e ficaria devastada por ter que assistir meu pai ser cremado. Mas está tão preocupada que saiu para beber com as amigas.
— Para distrair...? — perguntou hesitante.
— Por que está defendendo Kayla? Achei que a repulsa era mútua. — Ah não, é sim. Eu só não quero ser a pessoa a colocar minhocas na sua cabeça sobre um relacionamento que não conheço.
— Fique tranquila, meu cérebro já virou um saco de isca de peixe. — Então me sinto livre para dizer que ela é uma filha da puta. riu abafadamente.
— Vai poder me contar sobre você agora? — perguntou olhando para os olhos que ainda não tinha decidido se eram azuis ou verdes. Naquele momento pareciam mais azulados. — Preciso distrair minha cabeça de tudo isso.
Ao ver que ela se sentaria no chão se levantou e ofereceu a cadeira. — Tudo bem eu fico aqui — recusou e se sentou ao chão.
— Se quer assim.
Colocou a cadeira um pouco afastada e se sentou no chão ao lado de , ela revirou os olhos e sorriu.
— Sobre o que quer saber?
— Hum — pensou. — Desde quando trabalha cuidando de crianças? — Acho que desde os quatorze.
— Está a vinte anos trabalhando como babá?
riu.
— Não. Aos dezenove eu parei e comecei a trabalhar como secretária de um escritório de advocacia. Fui demitida porque o meu chefe deu em cima de mim e eu prestei queixa. Ele alegou que eu ia com a saia colada demais, o que significava que eu claramente estava querendo. O que honestamente era um absurdo, aquela era a vestimenta que ele me obrigava a usar. Depois disso trabalhei em uma lanchonete de estrada, era longe demais da minha casa então pedi demissão. Comecei um outro trabalho como vendedora e fiquei lá por seis anos. Então um belo dia uma “colega” de trabalho — fez as aspas com as mãos. — Disse para a minha supervisora que eu estava roubando os colares de lá. Ela pediu para ver a minha bolsa e adivinhe só.
— O colar estava lá.
— Na mosca.
— Foi uma vida bem agitada — ofereceu a mesma garrafa de uísque que estava no mini bar. Ela negou.
— Continua sendo agitada — suspirou — Ainda tenho muita coisa para enfrentar.
O sorriso de desapareceu.
— E sua vida amorosa? Pelo menos ela deve ser tranquila.
— Uma vez abandonada no altar, tipo literalmente, e duas vezes traída. — Você foi abandonada ao altar? — perguntou incrédulo.
— Acredita? O desgraçado saiu no meio da cerimônia porque um cara surgiu do nada dizendo que ainda o amava. Então fugiram no carro que levaria eu e ele para a lua de mel.
segurava uma risada.
— Vai, pode rir — o empurrou de leve com o ombro.
Então ele não aguentou. Segurava a barriga e ria alto. nunca tinha achado graça daquele momento, mas hoje aquela parecia ter sido o momento mais engraçado de sua vida
— Me desculpa — disse tentando recupera o fôlego. — Pelo menos aproveitou a festa? — limpava as lagrimas que caiam pela risada prolongada. — O que? É óbvio que sim. Estava com tanto ódio que agarrei o irmão dele e devo dizer que ele beijava muito melhor que o meu ex. — Eu nunca conseguiria. Teria ficado mortificado.
— Ah qual é. Ele foi o babaca. Eu fiz de tudo que alguém poderia fazer por amor. Porque a pessoa envergonhada deveria ser a pessoa que foi traída? Foi ele quem perdeu uma esposa maravilhosa.
— Eu concordo.
viu as bochechas de corarem. Mesmo que a lua não estivesse tão presente quanto o outro dia, podia ver cada detalhe do rosto dela. O cabelo castanho passava um pouco a altura dos ombros, o maxilar bem definido e duas pintinhas acima da sobrancelha. já não olhava mais para , mas ele continuou a encarando. Viu uma pequena marca no queixo de , parecia ser de algum machucado que teve na infância. Queria perguntar, mas sentiu que estava sendo invasivo demais. Gostava de conversar com ela, era como poder escapar da realidade por alguns segundos. E estar ali no telhado a noite realmente parecia ter voltado aos dezessete anos.
— Não achei que iria namorar ninguém depois de Holly — disse depois do curto silêncio.
— Deve ter sido uma dor imensa.
— E foi — voltou o olhar para as estrelas. — Meu primeiro amor, primeiro beijo, primeiro tudo. Quando ela morreu, achei que eu tinha ido junto. E quando olhei para Claire, uma parte voltou ao normal. Foi por ela que eu permaneci forte.
— Criou uma menina incrível, .
Ele sorriu.
— Eu nem ao menos sei por que eu comecei a namorar Kayla. Acho que era o desespero para dar uma mãe para Claire.
— Não tinha ninguém melhor? — ele riu olhando para as próprias mãos. — Acho que se tivesse esperado um pouco mais estaria mais feliz. E agora eu simplesmente não consigo terminar, me acostumei com toda essa situação.
— Sei como é... Já continuou por tanto tempo com o erro que parece ser impossível se livrar da angustia que sente. E você até quer se libertar, mas sempre que tenta, um imprevisto acontece e então volta para a estaca zero.
A cada palavra que dizia sentia o coração apertar mais. Nunca havia desabafado com ninguém sobre esse assunto, e mesmo que não falasse explicitamente, era como botar tudo para fora. Havia perdido as contas de quantas vezes quase contou tudo a Margot.
— Parece entender muito bem desse assunto.
— É — contorceu o rosto em uma expressão triste — Infelizmente. suspirou.
— Acho que é melhor entrarmos — se levantou e pegou a garrafa das mãos de . — E é melhor parar de beber, sabe que não faz bem. — Achei que eu era o médico — sorriu.
— Não aqui — estendeu a mão para poder ajuda-lo a levantar. — Enquanto estivermos nessa casa você é somente , o pai de Claire e filho de Jolene e Tarak.
Assentiu e caminharam até a escada. Ele desceu primeiro e permaneceu aos pés da escada esperando que ela também fizesse o mesmo. Com as mãos na cintura de , cuidadosamente a auxiliou para que descesse. Agradeceu a quando já estavam na sacada. Ele sentiu uma necessidade enorme de um abraço, aquilo poderia fechar algumas pequenas feridas. Como se pudesse ler seus pensamentos, ficou na ponta dos pés e o abraçou. Ficou ali por alguns segundos, passando gentilmente as mãos nas costas de . Soltou do abraço e o encarou.
— Precisamos dormir — apontou para um relógio de parede que marcava quase onze da noite.
Caminharam em silêncio até os seus quartos. Antes de entrar ele acenou para ela que retribuiu. Ao terminar de vestir seu pijama, Claire acordou e sentada na cama ela coçava os olhos. Pediu um copo de leite e enquanto buscava na cozinha Claire foi até o banheiro fazer xixi. Voltou e assistiu ela beber com cuidado. Ela tomou até metade e se deitou novamente na cama.
se acomodou ao lado da filha, mas não conseguia pregar os olhos. Fazia alguns bons meses que não tinha uma conversa com alguém onde o assunto não fosse sobre seu pai, o hospital ou alguma briga idiota com Kayla.
Tinha esquecido de qual era a sensação de poder rir e só por alguns minutos esquecer toda a dor de cabeça e as angustias. Talvez fosse por aquele motivo que Claire gostasse tanto de , ela era fácil de conversar, fazia você se divertir e honestamente dava bons abraços. não merecia ter passado por tudo aquilo, não que alguém merecesse, mas na maioria das vezes aquelas pessoas se tornam introvertidas, tímidas e assustadas.
era o oposto de tudo aquilo ou só pensasse assim porque não a conhecia tão bem, ela certamente deveria ter uma parte onde se sentia insegura. não queria que se sentisse daquele jeito, parecia ser até mesmo um certo tipo de pecado que alguém como ela tivesse aquele pensamento tão mentiroso.
Quando acordou não viu Claire ao seu lado, mas ouvia gritos e risadas vindo do andar de baixo. Se levantou, caminhou até a sacada e logo abaixo e Claire brincavam. corria atrás da menina que tentava escapar dos braços de , involuntariamente sorriu.
— Socorro vovó! — gritava enquanto a pegava no colo. — Você disse que ela não conseguiria te alcançar — Jolene respondeu rindo.
Antes de descer as escadas checou o telefone e leu a nova mensagem que piscava na tela.
Kayla: Olá meu amor, não deu nenhuma notícia. Está bem? Kayla: Vai ficar até quando ai? Acho que consigo pegar um voo.
Deveria ter saído de um sonho para um pesadelo, ter ela ali nos únicos dias com sua mãe definitivamente estragaria qualquer clima minimamente agradável.
: Acho que mais uns três dias.
Respondeu e desceu as escadas. A mesa estava posta com algumas comidas do café da manhã, mas ninguém estava sentado ali. Jolene tinha os braços cruzados e um sorriso enquanto assistia a neta se desvencilhar das
cosquinhas. Deu um beijo no topo da cabeça da mãe e ficou ao seu lado. e Claire não pareciam ter notado a presença dele ali.
— Elas se dão muito bem.
— Estava preocupado quando chamei uma babá — disse. — Achei que Claire iria a odiar e eu teria que pedir desculpas ao fim da noite para . — Ela me disse que havia a demitido — olhou para o filho. — Por que fez isso?
— Kayla disse que cuidaria de Claire pelo resto do mês.
— E vejo que está cuidando muito bem — disse com deboche. não respondeu.
e Claire pareciam ter se cansado da brincadeira e então a mulher trazia Claire a segurando como um macaquinho.
— Nós estávamos esperando você papai! Agora podemos tomar o café da manhã.
Conversando entre si eles comeram quase toda a comida posta a mesa. O bolo de chocolate estava pela metade, as panquecas haviam acabado e comia o resto do ovo mexido. Claire descera da cadeira e caminhou até a sala para assistir os desenhos que passavam.
— Já tinha vindo até Bremen? — Jolene perguntou.
— Não — respondeu bebericando o suco de maça. — Na verdade eu nunca nem tinha saído de Oregon
Mesmo sem dizer nada olhou incrédulo para . Ela tinha trinta e sete anos e nunca havia saído do próprio estado?
— Por que não a leva para conhecer a cidade? — olhou para o filho. O ovo mexido parecia ter passado pelo lado errado, tossiu para desengasgar enquanto as duas mulheres o olhavam assustadas. — Claro — bebeu o café. — Assim que eu e Claire nos trocarmos nós iremos.
— Ah não — Jolene protestou. — Deixe a comigo, sinto tanta falta da minha netinha. Vão só vocês dois, assim podem se divertir sem se preocupar com uma criança.
— Não tem muito o que fazer em Bremen — sussurrou para . — Pode leva-la para aquele aquário em Georgia, não é tão longe daqui — pegou o prato do filho e colocou na pia.
— Ela é alergia a frutos do mar, mãe.
riu e Jolene o olhou com cara feia. Ele também não segurou a risada, a mulher terminou de retirar os pratos e copos com a ajuda dos dois. Jolene agora também estava na sala com Claire, lavava a louça e enxugava.
— O aquário deve ser uns cinquenta minutos de viagem, se quiser já ir se arrumando quando terminarmos aqui.
Ela assentiu e ele continuou.
— Depois de lá podíamos ir no cinema, o que acha? Estava morrendo de vontade de assistir um filme já que eu e Claire não tivemos nossa noite do cinema.
sentiu o coração disparar, limpou a garganta e engoliu em seco. — Uhum — concordou. — Parece bom.
— A não ser que tenha uma outra ideia — apoiou as costas na bancada para encara-la. — Não parece ter gostado muito da minha.
— Ah não, eu gostei. Só estava meio distraída.
Ele mordeu o canto do lábio e assentiu.
Quando terminaram de lavar a louça subiram para os seus quartos. Ele não sabia exatamente o que vestir. Algo mais casual? Quem sabe uma roupa formal? Estava quente, mas provavelmente esfriaria. Uma roupa mais simples era a melhor opção, não tinha motivos para vestir uma roupa social. Era somente um passeio com uma amiga, um passeio com uma amiga. Repetia a frase constantemente na cabeça. Vestiu uma blusa bege e uma calça clara. Calçou seus sapatos pretos e antes de sair vestiu uma jaqueta jeans. Colocou o celular no bolso e deixou o quarto.
terminava de se vestir quando o celular apitou, leu a mensagem que piscou na tela e engoliu em seco. Tinha esquecido completamente do dia que era.
Howard: Onde está? Achei que iria comemorar meu aniversário comigo. : Estou trabalhando.
Howard: Qual é vem logo pra cá, estou morrendo de saudades suas. Howard: Se preferir posso esperar Margot dormir e te encontro na sua casa.


Será que ele não sentia o mínimo de remorso pelo o que faziam? Não se sentia culpado e com nojo de si mesmo? Como podia falar com tanta naturalidade sobre trair a esposa e como ela poderia deixar aquilo acontecer? Ouviu batidas na porta que pareciam ter sido um enorme alivio, deixou o celular na cômoda e depois de alguns segundos abriu. Usava o cabelo solto e ele parecia um pouco mais liso do que antes, um vestido branco longo e mesmo solto acentuava sua cintura e seios. Também tinha algumas flores distribuídas por todo ele. segurava uma bolsa em uma das mãos e na cabeça um óculos de sol.
— Uau.
— Exagerei? — perguntou. — Acha que eu deveria, sei lá, colocar uma calça?
— Não, está linda. Sou eu que estou desleixado demais andando perto de você.
Os dois riram envergonhados.
Na sala se despediram de Claire e Jolene que assistiam um filme na televisão. abriu a porta do carro para , ela agradeceu e então deram partida. Ouviam a música que passava na rádio em silêncio, algumas vezes podia ouvir a mulher cantarolar baixo alguns versos. A maior parte do caminho era na rodovia rodeado por árvores, ela pediu para que desligasse o ar e abrissem as janelas. Deixou a cabeça cair um pouco para fora enquanto sentia o vento bater em seu rosto. Era uma cena bonita de se observar e ele queria não estar dirigindo para poder aproveitar um pouco mais.
Depois de procurar alguma vaga estacionou perto ao aquário. Caminhando para entrada viu que o lugar estava cheio, algumas famílias caminhavam com suas crianças pelo ambiente externo comprando algodão doce. entregou os dois ingressos para o segurança na portaria, ele deu passagem para ela fosse em sua frente. Já na entrada haviam alguns peixes dentro de um aquário que ia do chão até o teto. O centro do ambiente era composto por diversas sessões, uma especifica para baleias, para os animais de águas geladas e lojas de presentes
a levou até uma das sessões do lugar chamado “Ocean Voyager”, andaram por um corredor escuro até que finalmente entraram em um túnel que
era coberto pela água. As milhares de espécies de peixes nadavam em cima de suas cabeças. Algumas placas grudadas na parede indicavam o nome de alguns. O lugar não tinha muita iluminação, deixando o túnel azulado.
— O aquário de Georgia é o maior do mundo, 30 milhões de litros de água — disse enquanto olhava atentamente cada peixe que passava. — Eles até tem um tubarão-baleia.
o olhou assustada.
— Eles têm um tubarão dentro de um aquário?
— Na verdade três — sibilou. — Se andarmos mais um pouquinho — a segurou pelos ombros gentilmente e ficou atrás dela — Espere um pouco. viu de longe o tubarão nadando entre os outros milhares de peixes. Aos poucos ele foi se aproximando mais do vidro, iria dar um passo para trás, mas ainda estava ali com as mãos em seu ombro a impedindo de se mexer. Um pouco antes de quase bater no vidro o tubarão se virou e ficou paralisada.
— Isso é maravilhoso.
— Também acho — respondeu olhando para o sorriso que ela tinha. Era quatro e meia quando saiam do aquário, decidiram por almoçar no restaurante dentro do lugar. Mesmo após a pizza grande que comeram juntos, terminava de comer um cachorro quente.
— Isso está absurdamente delicioso — dizia com a boca cheia. — Viu pinguins, tubarões e cavalos-marinhos, mas o que realmente te deixou alegre foi comida?
Engoliu o ultimo pedaço.
— Eu estava com fome.
Caminharam até onde o carro estava estacionado e antes de entrar checou o celular.
— Qual vai ser? — entregou o aparelho para .
Estava aberto no site de um dos cinemas da cidade. Nenhum dos filmes ali era lançamento.
— Por que não me surpreende? — devolveu o celular.
— Péssima decisão, querida.
estava a alguns metros de distância de onde comprava o ingresso. Como era segunda-feira o cinema contava com a presença de somente alguns adolescentes e mães com seus bebês no colo. O cheiro da pipoca amanteigada estava por todo o ambiente. olhava fixamente para a mulher que entregava um balde grande para o casal que se abraçava constantemente. Sentia falta daquele romance, daquele que você não consegue manter suas mãos longe da pessoa por mais de dois minutos, os beijos que você deseja que nunca termine e os olhos com as pupilas dilatadas. Quando se é jovem o amor parece ser mais fácil, ou talvez ela só tenha perdido a esperança em um sentimento daquele jeito. Alguns metros a frente viu uma menina com seus dezenove anos com um copo de refrigerante em uma das mãos e na outra checava o celular, parecia triste com quer que seja o que via ali. sentiu um aperto no coração, perdeu a conta de quantas vezes havia ficado exatamente igual a garota, esperando alguém que nunca veio. Antes que a menina pudesse notar o olhar fixo de , ela voltou sua atenção para as comidas a sua frente.
se aproximou de e viu que ela salivava pelos doces da vitrine. — Qual o seu preferido? — perguntou parando ao seu lado. — Hm — pensou. — É difícil escolher, cada um tem um gostinho especial.
— Gosto dos com caramelo — disse. — Honestamente os melhores.
— Caramelo com amendoim — fechou os olhos e sorriu.
riu.
— Parece que já temos nossa escolha então.


✤✤✤


Saiam da sala de cinema junto com algumas pessoas que tinham os olhos inchados e as outras que ainda choravam. e eram os únicos rindo de toda a reviravolta que a personagem principal havia passado. Era humanamente impossível alguma pessoa ter sobrevivido a todos aqueles acontecimentos e ao final ter um grande sorriso no rosto.
— Realmente não deveria ter deixado você escolher.
riu enquanto se aproximavam do carro.
— Ah qual é, não gosta de musicais?
— Musicais são feitos para o teatro, não cinema.
abria a porta do carro quando ele pegou em sua mão.
— O que acha de andarmos um pouco?
— Às oito da noite?
— O que foi? Está com medo de dar meia noite e precisar sair correndo? o empurrou de leve e fechou a porta.
não queria que aquele momento terminasse, gostaria de poder deixar aquele dia em um loop. Mesmo que muitas das vezes não tinham assunto ou até mesmo conversas que não levaria a lugar nenhum.
— Disse ontem que também era azarada no amor, isso significa que desistiu de encontrar alguém?
— Não é bem que eu desisti... Eu apenas parei de fechar as portas, entende?
— Não muito, mas continue — gesticulou com as mãos para que ela prosseguisse.
— Tudo bem — parou no meio da rua. — Me acompanhe nessa analogia. Ele parou um pouco mais a frente e a encarou sorrindo com os braços cruzados.
— Toda vez que alguém entrava na minha vida, eu corria para trancar a porta e fechar as janelas. Assim ela não conseguiria sair e ficaria ali para sempre — acompanhava o raciocínio. — Acontece que essas pessoas sempre davam um jeito de sair, independente do que eu fizesse. Eu poderia dar todo o amor e carinho do mundo, ainda iam embora. Então parei de fechar a porta, porque quando o cara certo chegar ele mesmo vai a fechar trás de si e mesmo que a janela esteja aberta, não sairia.
— Uau ⸻ ficou em silêncio um tempo ⸻ você tá muito encalhada. — ! — ele riu enquanto ela fechou a cara.
— Estou brincando — colocou as mãos nas costas de para que voltassem a andar. — Entendi o que quis dizer, não vai forçar ninguém a ficar, e, se aquela pessoa quiser ir embora você estará na porta acenando para ela. O que é uma ótima coisa a se fazer, não se doa tanto por quem não faz o mesmo por você.
— Se sabe disso, por que ainda está insistindo em Kayla?
o olhou séria. Ele respirou fundo e ficou em silêncio por alguns segundos.
— É medo? — perguntou, mas não respondeu.
— Acho melhor voltarmos — disse fazendo o caminho de volta. ficou parada no mesmo lugar assistindo-o andar sozinho com as mãos no bolso. Depois de alguns passos ele se virou para ela. Por causa da noite fria abraçava os próprios braços, sentiu uma pontada no coração e voltou até ela. Tirou a jaqueta e colocou por cima do ombro de . — Eu não sou forte o suficiente para terminar — disse olhando para baixo. — Porque sempre acho que ela vai mudar, que vai olhar para Claire com o amor de mãe e finalmente poderei dar para a minha filha a família que merece. E eu... — respirou fundo. — Tenho medo de ficar sozinho, ninguém quer namorar um solteirão de quase quarenta anos com diversos problemas de autoestima e uma filha para criar.
— Claire não precisa de uma mãe, — abaixou um pouco para que ele olhasse para os olhos dela. — Ela já tem um pai, você é a família dela. Pare de se machucar por achar que isso é o certo a fazer. Aquela garotinha te ama mais do que tudo, com ou sem uma esposa.
Com o olhar triste ele assentiu. Voltaram a caminhar para o carro em silêncio. Talvez estivesse certa, Claire nunca deu falta de uma presença feminina, afinal sua avó sempre esteve presente. Estava decidido, iria terminar com aquela sensação de aflição que sentia sempre que olhava para Kayla. Não era justo com ele e bem menos com ela, os dois estavam fingindo para si mesmos.
O caminho de volta para a casa foi um pouco mais tenso do que a ida, sem música e sem conversa, somente o pensamento de gritando em sua cabeça. E não parecia estar diferente, seus olhos não focavam em nada do lado de fora do carro. Estacionou o carro na garagem e enquanto caminhavam até a porta de entrada, ele decidiu ter uma última confirmação.
— Acha mesmo que o certo a fazer é terminar tudo?
respirou fundo.
— Como já diria uma grande poeta, desistir as vezes é a coisa mais forte a se fazer.
juntou as sobrancelhas.
— Quem disse isso?
— Taylor Swift.
Ele riu e assentiu.
Dentro da casa, somente a luz da cozinha estava acesa. A parede da sala impedia de ver quem estava ali e enquanto ele tirava o sapato e colocava ao lado da porta ouviu a voz caminhando até si.
— Demoraram, achei que só iriam até o aquário — Kayla cruzou os braços.
Sem responder olhou para .
— Fomos ver um filme — ele respondeu seco.
— Poderia nos dar licença por favor? — Kayla pediu e assentiu saindo sem ao menos olhar para . — Agora leva garotas para o cinema? — O que você está fazendo aqui?
Caminhou até a cozinha e encheu um copo de água.
— Como assim o que? Eu vim ficar com você.
— É? — se virou para ela. — Achei que estava ocupada demais saindo com as amigas, não espera, me perdoe, cuidando da sua avó. — Nós já tínhamos marcado aquele encontro.
revirou os olhos e jogou o resto da água na pia. Tinha perdido todas as forças e convicções que havia o possuído até dois minutos atrás. O medo tomava conta de seu corpo de novo, a sensação de aflição voltou mais forte do que nunca. De costas para Kayla sentiu as mãos dela o abraçar por trás, não conseguia tira-las dali ou pedi para que se afastasse, então deixou que ficasse ali. E mais uma vez ela achava que a discussão havia acabado e que tudo estava bem. Como todas as outras vezes, ele cedeu.
Ao abrir a porta do quarto viu que Claire não estava ali.
— Pedi para a sua mãe ficar com ela, não ia caber nós três nessa cama minúscula.
Kayla não percebeu o rosto amargurado de , ele queria fugir dali. Passou as mãos entre os cabelos e foi para a sacada enquanto a mulher trocava de roupa. Olhou para o céu, sem sinal de lua ou estrelas, somente uma escuridão.
— Sua mãe nunca pensou em trocar esses colchões? — Kayla perguntou passando creme nas pernas. — Eles são terríveis.
não respondeu.
Todo o dia que havia vivido agora só parecia ter sido um sonho, estava tão distante da felicidade de alguns minutos atrás que até mesmo se questionou se era o mesmo . Não pensou nem por um único momento sobre sua vida, sobre o hospital, seu pai e qualquer outro problema. Estar com era como entrar em um mundo paralelo onde tem dezenove anos e ainda mora com os pais, sem obrigações de alguém adulto. Era como morar em uma daquelas cidades pequenas no interior, onde todos se conhecem e se reúnem todo quatro de julho para ver os fogos.
era o tipo de pessoa em que você não consegue tirar os olhos e não era somente porque ela poderia ser considerada uma mulher dentro dos padrões, era bem mais que isso. tinha aquela beleza que somente a confiança pode te dar, o amor próprio e muita terapia. Uma vez que a notasse nunca mais conseguiria olhar para outra coisa, era como achar água depois de caminhar pelo deserto por dias.
Deitado na cama olhou para a mulher do seu lado e até mesmo dormindo ela tinha as sobrancelhas tensionadas. Viver com Kayla era como pisar em ovos, encostar em cacto rezando para que ele não lhe espetasse, mas afinal de tudo era um cacto, o que estava esperando? por muito tempo acreditou que aquela planta espinhosa poderia surgir flores, porém Kayla não parecia ser esse tipo de cacto.
Enquanto a olhava pela luz do abajur amarelo percebeu o porquê achou que a amava, porque assim que a viu pela primeira vez decidiu que a chamaria para sair. Os olhos castanhos amendoados, o nariz arrebitado e a boca com um pequeno arco do cupido. Kayla era idêntica à Holly.


✤✤✤


Quando desceu para a cozinha todos já estavam acordados, mas diferente das outras vezes ninguém ali conversava. Até mesmo Claire comia em silêncio. Sibilou “bom dia” ao se sentar à mesa e começou a tomar o café. Poderia até saborear o clima pesado que estava ali, tinha um gosto aMargot e ninguém parecia gostar.
— Cansada? — Kayla cutucou ao seu lado.
a olhou confusa.
— De Bremen, eu mesma não aguento ficar aqui por mais de dois dias. Deve estar louca para ir embora.
— Ela pode ficar quanto quiser — Jolene protestou.
— Claro que pode, mas tenho certeza que não quer — riu. — Para falar a verdade não acho que nenhum lugar dos Estados Unidos se compara a Inglaterra. Até mesmo as cidades pequenas são como grandes metrópoles naquele lugar.
— Não vejo problemas em ficar em Bremen, é um belo lugar — disse.
— Tentando passar uma boa impressão para a anfitriã hum? — levantou as sobrancelhas.
voltou sua atenção para o omelete em seu prato. Jolene comia devagar saboreando sua panqueca coberta de mel. nunca se importou com o som de mastigação, mas a cada mordida que Kayla dava em seu pão com bacon e ovo sentia um arrepio na nuca. Queria enfiar a comida goela abaixo para ver se ela parava por um segundo com aquele barulho crocante.
contava de um até dez mentalmente, queria ter dado mais atenção nos dias que sua mãe lhe obrigava a fazer meditação. Quando Kayla estava distraída demais para observar cada movimento do namorado, olhava de canto de olho para . Parecia tão incomodada quanto ele.
— Sogrinha — fechou os olhos e implorou para o universo que ela não falasse nada. — Tem uma confeitaria muito boa perto da minha casa — de boca cheia continuou — eles fazem um cheesecake delicioso, se quiser posso pedir para eles a receita.
— Eu sei como fazer querida, não preciso da receita — sorriu suavemente.
— Claro que sabe, mas o deles fica com uma massa bem crocante e a cobertura de cereja é deliciosa.
olhou de volta para Kayla, ela comia com boas garfadas o cheesecake que havia acabado de criticar. Será que ninguém tem coragem o suficiente para tirar Kayla daqui? Jolene assentiu com a cabeça e sorriu, se levantou e levou seu prato até a pia.
— O que acha de irmos ver a plantação de moranguinhos da sua avó? — Kayla perguntou a Claire.
A garotinha terminava de beber seu leite e ao tirar o copo da boca deixou um pouco em seu buço. riu e limpou com a manga da blusa. Antes de responder Claire olhou para , tinha os olhos perdidos e parecia pedia uma confirmação. assentiu.
— Tudo bem — desceu com alguma dificuldade da cadeira. Kayla e Claire saíram da cozinha para a sacada, depois de atravessarem algumas das arvores.
se levantou e com os pratos em mãos levou até a pia. Jolene agora estava de braços cruzados olhando para a janela que dava para a entrada da casa. — Estava delicioso a cheesecake — sussurrou.
— Eu sei — Jolene se virou para . — O que ela disse não me afetou — olhou com tristeza para o filho. — É aquilo que me deixa destruída. olhou para . Ainda estava sentado à mesa com a comida que não havia tocado. Parecia que passava tanta coisa na cabeça de que ele mal conseguia organizar tudo. Jolene passou carinhosamente as mãos nas costas de e fez o mesmo com antes de subir para o seu quarto. Ao terminar de lavar o último prato percebeu que talvez ele precisasse de um pouco de distrações e já que era tão interessado na histórias das outras pessoas, teve uma ideia. foi até o seu quarto pegou uma pasta que carregava em todo lugar consigo e levou até a cozinha. Se sentou em frente a ele e o entregou a pasta, a olhou confuso.
— O que é isso?
— Eu sempre quis ser estilista — disse pegando um dos desenhos. — Mesmo nunca conseguindo um trabalho na área, nunca parei de desenhar. Entregou a folha e observava cada expressão que fazia.
Mesmo sem entender de moda estava extasiado. A modelo usava uma blusa de manga longa solta e nos cotovelos e pulsos o tecido se afinava. A calça social estava por cima da blusa e no pescoço levava um cachecol roxo.
— Fiz esse no primeiro dia que estive aqui, a cor da parede do meu quarto me inspirou a fazer esse modelo. O verde água combina muito bem com o roxo. entregou um outro desenho para ele. Esse a modelo usava um vestido longo nude com alguns bordados brancos no corpo, sem manga. Para complementar nos cotovelo um longo tecido da mesma cor, assim quando os braços fossem levantados parecessem asas.
— São incríveis — pegou alguns dos outros desenhos na pasta. — Você nasceu para isso .
Ela suspirou.
— Margot também costumava dizer isso.
— Margot?
— Minha amiga, foi por causa dela que comecei a desenhar — procurou algo dentro da pasta. — Quando éramos crianças ela sempre dizia que não gostava das roupas que usava e queria um modelo único, então todos os dias eu criava uma nova peça de roupa para ela.
Entregou um desenho, que agora já estava amarelado e amassado. — Não ria ok? Eu tinha sete anos.
A parte de cima do vestido era laranja e tinha mangas bufantes, a parte de baixo era rodada e era divido em quatro cores, vermelho, azul, amarelo e roxo. A menina ainda usava um chapéu laranja com um laço preto.
— Sem sombras de dúvidas esse é o melhor, olha as cores, o modelo. Impecável — disse.
riu e pegou a folha de volta. Por alguns segundos voltou a infância onde sua única preocupação era colorir dentro das linhas. Aquele desenho, por algum motivo, tinha até mesmo um sabor.
— Papai olha o que eu trouxe — Claire segurava dois morangos, um em cada mão.
— Parecem deliciosos meu amor — se ajoelhou.
— É para você!
Claire entregou os morangos na mão estendida de . Ele agradeceu e comeu um morango. O sabor doce tomou conta do seu paladar enquanto ele saboreava cada momento. Entregou o outro para que também o comeu.
— O que é isso? — Kayla pegou um dos desenhos espalhados na mesa. — Alguns modelos que criei — se levantou e tirou a folha da mão de Kayla.
— Uau, estudou moda?
— Não — respondeu guardando os desenhos na pasta.
— Dá para ver — riu baixinho.
se virou furiosa para a mulher. Era agora, iria quebrar cada dente daquela boca. Se aproximou mais de Kayla até que pudesse quase sentir sua respiração.
— Não vai falar assim comigo.
— Assim como? — disse pausadamente.
cerrou o punho.
— É sempre assim, não é? Você acha que pode fazer e falar o que bem entender com qualquer um. Não comigo!
— Não é culpa minha se você não consegue receber críticas no seu trabalho.
— Meu Deus! — prensou as mãos na têmpora — eu cansei de você, cansei das suas risadinhas irônicas e comentários ofensivos para cima de mim.
... — disse com a voz passiva.
— Não — Kayla sorriu — deixe-a continuar com todo o discurso. Vamos conhecer a verdadeira face de nossa querida .
riu.
— Você é uma sociopata.
— Por que? Porque eu simplesmente falo o que todo mundo pensa? Não me torne a vilã por ser honesta.
— Isso não é honestidade! — tentou puxar pelo braço, mas ela rapidamente se livrou dele — você é uma parasita, sugando a alegria de todo mundo a sua volta.
Kayla engoliu em seco.
— Você é desprezível — cuspiu as palavras — e é por isso que não aguenta mais ficar ao seu lado.
— Chega ! — afastou Kayla e Claire — Vocês duas saiam daqui por favor.
Ainda encarando , a mulher assentiu. Subiu acompanhada de Claire que aparentava assustada com a discussão.
— Não deveria ter feito isso.
— O que? Impedir que ela suba em cima da minha dignidade? — Falar aquilo para Kayla.
— Só pode estar brincando comigo ⸻ riu ⸻ achei que era você que estava pronto para dar um ponto final nessa história!
— Eu não consigo, tá bom? — falou mais alto. — Se não consegue lidar com toda essa situação, então não pode lidar comigo e Claire. — Que grande inútil você é. Diz fazer tudo por sua filha, mas continua nesse teatro ridículo de fingir que ama uma mulher que claramente detesta Claire. Só sendo um completo idiota para não ver que ela só traz desgraça para sua vida.
— Você não vai me dizer o que é melhor para minha filha, não tem esse direito!
— Quer saber? Eu realmente não posso lidar com você. É um completo fracote que quer justificar o medo de acabar sozinho num asilo dizendo que “estou fazendo pela minha família”, mas adivinhe só, VOCÊ É UM PÉSSIMO PAI !
— Vai embora daqui. AGORA!
abriu levemente a boca, e riu abafadamente. Não sabia quem era esse homem na sua frente, ele não tinha nada a ver com aquele mesmo do dia anterior. Ou talvez ela também não se parecesse nada com a de ontem.
— Kayla tem razão, estou louca para voltar para Portland! — pegou a pasta com seus desenhos.
— Ótimo! Fique à vontade para comprar a passagem que eu pago. — Não preciso da merda do seu dinheiro.
Ao passar por ele bateu forte seu ombro com o dele, sem esperar pela reação ele cambaleou. Subiu as escadas e quando chegou ao quarto trancou a porta atrás de si. Sentia os olhos arderem, queria chorar de raiva. Como agora ela parecia ser tão insignificante para quem havia contado tanto sobre sua vida. Essas coisas não deveriam acontecer, quando você compartilha sobre suas história e inseguranças essas pessoas deveriam ser boas para você. Depois de alguns minutos ouviu a porta de entrada se fechar e logo em seguida o carro dar partida. Pegou o celular e ligou para Margot.
— Preciso de um favor — disse assim que ela atendeu.


Capítulo 11 — I know I’m just a wrinkle in your new life

Eram duas e vinte da tarde quando , Kayla e Claire voltaram para a casa. Jolene estava na sala assistindo algum programa sobre reforma de casas. Parecia estar estressada, mas sua feição se suavizou quando a neta se sentou ao seu lado a beijando no rosto. Kayla caminhou até a cozinha pegando uma das maçãs dentro do cesto, deu uma mordida barulhenta na fruta. veio o caminho inteiro pensando na melhor maneira de se desculpar pelo surto que teve com um pouco antes de sair, não conseguiu aproveitar quase nada no parque, sua mente continuava voltando para o rosto assustado que ela tinha.
está no quarto? — perguntou subindo as escadas.
— Ela foi embora — Jolene respondeu seca.
Kayla se engasgou com um pedaço da maça que comia.
— Ela o que? — desceu os degraus que havia percorrido até ficar de frente com a mãe. — Disse que uma amiga precisava da ajuda dela — olhou para o filho.
— E você acreditou nisso? — Kayla perguntou. — Claro que só queria uma desculpa para ir embora depois da briga.
— É... Deve ser — ela suspirou. — Pode sair da minha frente, por favor?
se moveu para o lado e engoliu em seco. Kayla disse que iria tomar banho e subiu as escadas. Quando estava longe o suficiente, ele perguntou de novo.
— Onde ela está?
— Voltou para Portland, .
— Não, ela não faria isso. Não sem se despedir de Claire.
— Acho que depois de você expulsá-la daqui, sim, é exatamente o que qualquer um faria. — Eu não a expulsei.
— Acho que deu para ouviu você gritando para que ela fosse embora num raio de 10 km. — Se tivesse escutado o que ela disse para mim, teria falado a mesma coisa. Não ache que ela pegou leve também.
Antes de Jolene responder, Claire desceu as escadas com uma folha em mãos.
— Olha o que fez para mim! — entregou o papel para .
Na folha havia um desenho de Claire segurando um morango, usava um vestido amarelo e tinha um sorriso de orelha a orelha. No canto superior direito escreveu “Cerejinha” e um coração. — Onde foi? Queria contar da borboletinha que pousou na minha mão, ela vai falar que sou muito corajosa não vai?
praguejou, mas disse.
voltou para casa meu amor.
— Mas ela disse que ia embora com a gente.
— Eu sei meu bem, acontece que uma amiga precisou da ajuda dela.
— Eu também sou amiga dela! — Claire bateu os pés. — Eu quero !
— Claire...
— Ela não gosta mais de mim? Eu fiz alguma coisa de errado?
queria arrancar o próprio coração, como ela poderia pensar que alguém não gostaria dela? Claire era o anjo mais gentil e bondoso que já havia pisado na terra, não merecia ter aquele sentimento. Se ajoelhou e limpou algumas das lágrimas que caiam do rostinho dela.
— Não meu amor, te adora. Ela só precisou ir alguns dias antes.
— É mentira, ela me odeia porque não chamei ela pra ir no parquinho também! — ela correu para o andar de cima.
subiu as escadas atrás de Claire. Ela estava na sala de jogos encolhida no canto do cômodo atrás da mesa de bilhar. Chorava compulsivamente abraçando os próprios joelhos. Sem saber o que fazer se sentou na frente da filha em silêncio.
— Posso te dar um abraço?
Claire negou e continuou com a cabeça abaixada enquanto chorava.
— Nem minha mamãe gosta de mim, ela me deixou também.
E foi ali que sentiu que uma parte sua morreu.
— A mamãe de todo mundo na minha escolinha ficou, menos a minha. Ninguém gosta de mim. Ninguém te ensina o que fazer quando esses sentimentos atingem uma criança de quatro anos. Ninguém te explica como agir ou o que falar. Como você conforta a pessoa que você mais ama no mundo quando ela diz que ninguém gosta dela? O que você faz quando seu filho pergunta sobre sua mãe morta? Como você explica para uma criança o quanto sua mãe queria ter tido a oportunidade de beijar sua bochecha, ter o rosto pintado com tinta e acordar de madrugada quando o filho teve pesadelo? queria chorar alto e rasgar o peito a cada fungada que Claire dava.
— Posso te dar um abraço? — ele perguntou novamente, mas dessa vez ela assentiu. No meio dos braços do pai, Claire quase sumia. a apertava forte enquanto fazia cafuné em seu cabelo. Se balançava para frente e para trás ninando a filha. Quando o choro finalmente se cessou pós a filha de pé e a olhou nos olhos.
— Sua mãe te amava mais do que qualquer coisa nesse mundo — colocava uma mecha do cabelo escuro de Claire atrás da orelha. — Um dia você vai poder entender o porquê dela não estar aqui. Ela assentia limpando o nariz escorrendo.
— Não diga que as pessoas não gostam de você, sempre terá a mim.
— Desculpa papai.
— Não se desculpe meu amor, eu entendo que se sinta assim. Estou aqui por você.
Ela deu um sorriso fraco.
Ao mesmo tempo que não queria que Claire crescesse e perdesse sua inocência, queria poder falar sobre Holly.
— Quer assistir um filme depois?
— Uhum.
— Então vá se preparar para tomar banho e depois assistimos o filme que quiser.
Depois que ela deixou a sala pegou o celular e discou o número de . A ligação caiu na caixa de mensagem as três vezes que ligou. Até pensou em deixar um recado, mas se ela não queria conversar com ele agora, não iria forçar.


✤✤✤


Assim que pousou em Portland, procurava por Margot no meio da multidão de pessoas caminhando para um lado e para o outro. Finalmente avistou um rosto assustado que olhava para cada mulher que passava.
Sorriu e caminhou até a amiga, a abraçou da melhor maneira que conseguiu. Sentir o corpo quente de Margot fez com que a tristeza desaparecesse.
— Como você está? — Margot acariciava o rosto inchado de
— Agora, tô bem — sorriu — e eu sei o que vai dizer, que me avisou e que eu deveria ter te escutado. — Não... Fazer isso agora só seria muito cruel.
sorriu e agradeceu por ter alguém que ainda se importava com ela.
Margot não fez uma única pergunta sobre o que aconteceu durante o caminho, somente deixou a música do rádio preencher o silêncio. agradeceu por isso. Não queria ter que reviver os últimos acontecimentos tão cedo. O sentimento de abandono tomou conta de de novo, ela se sentia novamente como a criancinha abandonada quando seu pai foi embora e quando viu sua mãe bater a porta na sua cara. Aquilo só parecia um ciclo vicioso em sua vida, alguém sempre ia mandá-la embora e não tinha nada que pudesse fazer. Poderia chorar, espernear, gritar ou somente ficar parada olhando, não adiantava. Ou talvez ela sempre fosse o problema, talvez fosse ela que afastava a todos e quando olhou de relance para Margot dirigindo sabia que aquele relacionamento estava com os dias contados. E assim como todos os outros, Margot também iria embora.
— Sabia que você estaria meio triste, então fiz aquela torta holandesa que você adora — disse, entrando em casa.
— Eu não mereço você.
— É minha família, . Faço o que puder pra ver você feliz — sorriu.
Carter colocou um pedaço em um prato e o entregou para .
— Santo Deus — disse entre a primeira colherada — Isso aqui parece um pedaço do céu. — Margot riu — é sério, as nuvens devem ter gosto disso.
— Venha eu quero te mostrar o que fizemos no quarto do bebê.
Subiu as escadas ainda com o prato em mãos.
O quarto tinha três paredes pintadas em um bege acinzentado e a parede de frente com a janela tinha o desenho de uma floresta com algumas montanhas no fundo. A decoração tinha uma combinação de verde e branco. O berço era de madeira e ficava no meio do quarto, dentro dele a raposa de crochê que comprou.
— A gente mandou fazer duas plaquinhas com nome, um se for menina e outro se for menino. — Eu estaria morrendo por dentro se ainda não soubesse o sexo.
— E acha que não estou? Eu quero que essa coisa saia de mim logo pra eu poder dar um nome — riu. ficou encarando Margot, não queria ter feito tudo o que fez, ela não merecia isso. — E ainda não viu o melhor.
Margot fechou as cortinas, deixando o ambiente todo escuro e em alguns segundos o teto começou a se iluminar sozinho. Ela tinha colado uma grande lua no teto e algumas estrelas ao redor. Os olhos de se encheram de lágrimas. Queria poder ajoelhar e chorar tudo o que tinha dentro de si, mas como todas as outras vezes ela só sorriu e engoliu seco.


✤✤✤


Vinte e três dias haviam se passado desde o ocorrido em Bremen. Não que ela estivesse contando, apenas coincidentemente se lembrava. A noite de quarta-feira estava quente, o que deixava ainda mais nervosa. Depois de muita insistência de Margot, ela aceitou a ter um encontro com Joe Windrob, um dos chefes de cozinha que ajudava Howard. O calor significava que suaria bem mais do que o normal e ninguém quer estar fedido em um encontro. Depois de passar desodorante pela terceira vez foi para frente do espelho passar um batom nude. Usava um vestido vermelho bordô que vinha até metade de suas coxas. As mangas apertadas e curtas não pareciam ter sido uma boa ideia, mas não queria usar um decote tão amostra e nem um que tampasse
tudo e a cintura que aquele vestido dava era realmente de tirar o fôlego. O colar em formato de coração descia até a divisão de seus seios.
Joe era levemente mais alto que , então ela decidiu por não usar um salto. Calçou seu tênis branco e colocou o celular na bolsa. Não iriam para nenhum lugar especial, Joe deu a ideia de que ele cozinhasse o prato na casa dele. Parecia ser um grande cavalheiro, um que realmente merecia ser agarrado para que ninguém o roubasse, mas não pensava assim.
Esperou pacientemente até que finalmente algum táxi livre parou, deu o endereço e acompanhou a viagem olhando cada casa passando pelo lado de fora da janela. Depois de alguns minutos percebeu que as residências haviam ficado mais modernas e relativamente maiores, era um dos bairros ricos da cidade. Sempre que passava por esse tipo de bairro sua mãe dizia que um dia seriam eles morando ali, o sonho nunca aconteceu. O carro parou em uma casa com uma garagem grande com o portão preto e logo acima uma sacada que provavelmente dava para o quarto principal. Pagou o motorista e durante o caminho até a porta de entrada repensou se aquela era uma boa ideia, não parecia ser.
Apertava as mãos esperando a porta se abrir depois de Joe gritar um “estou indo”. Ele estava com uma blusa social azul clara e um pano de prato nos ombros, a calça jeans com alguns rasgos e descalço. Joe não era exatamente o homem mais bonito do mundo, tinha uma barba rala abaixo do nariz e boca. O era cabelo castanho claro repartido de lado, tinha olhos pequenos e redondos da mesma cor.
— Ei, chegou cedo. Entre — deu espaço para que ela passasse — Me perdoe pela bagunça. Não estava bagunçado e ele sabia disso. A casa estava impecavelmente limpa e organizada. O chão de porcelanato brilhava refletindo os moveis. Da entrada já podia ver a cozinha com algumas panelas em cima do fogão. A mesa de jantar estava no meio do caminho entre a sala e o balcão da cozinha. — Você está... -— a olhou de baixo a cima — absurdamente incrível.
agradeceu.
— Estou terminando de cozinhar nossa janta. Aceita um vinho? — a acompanhou até o sofá. — Claro, obrigada.
A televisão na sua frente deveria ter 65 polegadas e a estante compunha alguns livros de Dostoiévski, Maquiavel, J.R.R. Tolkien e Nietzsche. duvidava bastante que ele tivesse lido pelo menos um deles. Se desvencilhou dos seus pensamentos, só estava tentando criar motivos para não gostar dele. Joe entregou uma taça para ela e serviu os dois, se sentou ao seu lado com os braços posicionado atrás do corpo de .
— Fiquei muito feliz quando aceitou meu convite. Você é como uma obra de arte, intocável. — Está me deixando envergonhada — bebeu um pouco.
— É sério, é uma das mulheres mais lindas que eu já vi. E não só isso, sempre que vai até o restaurante te vejo falando tão bonito, parece tão inteligente. Qualquer homem morreria por alguns segundos do seu tempo. forçou um sorriso e voltou seu olhar para a estante na sua frente. Sentia os olhos de Joe percorrer por seu corpo, desconfortável puxou o vestido para baixo.
— Onde mora?
— Na parte sul de Woodstock.
— Sério? — sorriu. — Já fiz muito trabalho voluntário lá. É um lugar muito bonito. desejava que alguém tocasse a campainha, que o celular tocasse ou até mesmo que uma ex-namorada louca aparecesse querendo impedir aquele encontro. Aquela era a pior ideia que poderia ter tido em meses. Por algum ato divino ele se lembrou da comida ainda no fogo e se levantou rapidamente, deixando a taça na mesinha de centro. voltou a respirar normalmente e virou a taça de vinho de uma vez. Ouviu os passos de Joe atrás de si então voltou com o sorriso forçado.
— Vamos? — estendeu a mão para ela.
assentiu e se levantou segurando em sua mão quente.
Joe a levou até a mesa puxando a cadeira e voltou para a comida no fogo. O cheiro era incomum para , não parecia de uma refeição qualquer. Windrob trouxe o prato e colocou na frente de e logo em seguida encheu novamente as duas taças com vinho.
— Chama-se risoto de sururu — disse se sentando do lado oposto da mesa.
— Nunca ouvi falar — bebericou um pouco o vinho.
— Vai se apaixonar — sorriu dando a primeira garfada — Então, o que faz da vida? terminou de mastigar e respondeu.
— Eu cuido de crianças. Na maioria das vezes.
— Sério? Tipo uma pediatra?
— Tipo uma babá.
— Legal — voltou a dar outra garfada. — É um trabalho digno.
O arranhar do garfo no prato de cerâmica preenchia o som do ambiente. Joe realmente parecia estar dando o seu melhor para que ela se sentisse confortável e desejada, mas algo dentro de a impedia de sentir qualquer atração por ele.
— Tem filhos?
estava se sentindo em uma entrevista de emprego, qual o motivo de tantas perguntas? Novamente balançou a cabeça, se queria alguém para se relacionar precisava passar por todo esse momento constrangedor. — Nunca tive muito tempo.
— Mas tem vontade?
Terminou de mastigar e assentiu.
— Com a pessoa certa, claro.
sentia a pele começar a queimar, detestava o calor. Parecia que a qualquer momento poderia desmaiar. Até mesmo sua respiração começou a pesar dez vezes mais. Comer já tinha se tornado uma tarefa difícil. Uma onda de coceira tomou conta de seu corpo. A garganta seca implorava pelo vinho na sua frente. — Você tá bem? — Joe se levantou e caminhou até ela.
— Uhum — respondeu terminado de beber o líquido escuro.
— Está vermelha e parece inchada.
olhou para os braços e viu diversas machas vermelhas espalhadas pelo corpo, passou as costas da mão no nariz e percebeu que estava escorrendo.
— Deve ser o calor — pegou um guardanapo e tampou a boca um pouco antes de tossir. — Quer que eu abra as janelas?
— É uma boa ideia.
Joe caminhou até as duas janelas mais próximas e a abriu. O vento mínimo não parecia ter surtido efeito. Sentia seu estomago se contorcer e estava prestes a vomitar.
— Onde é o banheiro?
Windrop apontou para o corredor.
— Primeira porta a direita.
Se levantou e com fraqueza caminhou até o lavabo e assim que fechou a porta atrás de si se ajoelhou na frente do vaso e vomitou. As mãos estavam brancas, suadas e tremiam. Se levantou, deu descarga e lavou a boca. O gosto ácido ainda permanecia. Se olhando no espelho parecia que havia sido picada por abelhas. Voltou para a cozinha e Joe estava de pé apoiado na cadeira.
— O que tinha no prato? — perguntou.
— É um risoto de sururu.
— Sururu?
— É um peixe, um molusco. Não tenho certeza.
A resposta parecia ter feito tudo pior, a falta de ar tomou conta de . Ter uma alergia alimentar no primeiro encontro, check. Não tem como ficar melhor. A língua parecia ter aumentado vinte vezes de tamanho e a garganta diminuído cinquenta. Se apoiou no encosto do sofá enquanto tentava puxar o ar. Desesperado Joe se posicionou na frente dela.
— O que eu faço? Você toma remédio? Quer que eu compre um?
A voz de quase não saia, ela colocava as mãos no pescoço sentindo um enorme aperto. Com um sussurro quase inaudível disse.
— Hospital.
Joe pegou as chaves do carro e ajudou que ela entrasse. No banco do passageiro fazia um grande esforço para puxar o mínimo de ar. Era como estar de afogando rapidamente. Durante o caminho sentiu os olhos ficarem menores e pelo espelho viu o inchaço os deixando minúsculos. As marcas vermelhas se espalham por todo o seu corpo. Quando jurava que iria desmaiar viu as luzes do hospital se aproximando, tentou ao máximo ficar acordada se beliscando devagar.
Windrob ajudou a descer do carro e assim que a porta se abriu alguns enfermeiros se aproximaram e a colocaram em uma cadeira de rodas adentrando rapidamente no lugar.


✤✤✤


— Agora o importante é ficar em casa e caso ele sinta dor dar algumas gotinhas de paracetamol. E claro não coçar as bolinhas, vai ser difícil principalmente para uma criança dessa idade, mas evita que ele não fique com manchas na pele.
— Não tem nada que eu possa passar para amenizar a coceira? — a mãe ninava o bebê em seus braços. — Eu posso receitar uma loção para ajudar um pouco.
A mulher assentiu e então escreveu o nome de um creme para catapora e entregou para a mãe. Ela agradeceu e saiu da sala. checava o computador e ficará aliviado quando viu que ela havia sido a sua última paciente do dia. O relógio no canto inferior direito do computador marcava nove horas, mal podia esperar para voltar para casa.
terminava de guardar seus papeis em sua pasta quando a porta foi aberta abruptamente pela enfermeira.
— Paciente com alergia alimentar, estado grave.
Ela anunciou e deixou a pasta jogada de qualquer jeito em cima da mesa. Correndo pelo hospital seguindo a enfermeira finalmente chegou à sala de emergia e viu algumas outras pessoas ao redor de um leito. Deram espaço para que pudesse ter uma visão ampla da situação. estava com uma máscara de oxigênio e não parecia consciente. Por alguns segundos não soube o que fazer e ficou ali parado olhando para ela. Um dos enfermeiros gritou seu nome e ele voltou para a realidade.
pediu uma injeção de adrenalina e quase no mesmo instante que a enfermeira o entregou ele aplicou na coxa esquerda de . Ficou alguns segundos olhando para os sinais vitais no monitor. — Saturação do oxigênio em 98% — um enfermeiro alertou.
Quando os batimentos se estabilizaram os enfermeiros começaram a se dispersar nos outros leitos, ficando somente e . Ela abriu os olhos devagar, percebeu que ela queria tirar a máscara de oxigênio. — Precisa ficar com ela — sussurrou.
negou e a tirou. Inspirou com dificuldade e expirou devagar. Enquanto repetia o processo algumas vezes. a observava atentamente caso ela sentisse falta de ar.
— O que aconteceu? — perguntou acariciando o cabelo bagunçado dela.
— Peixe — ela respondeu com a voz baixa.
— Sabia que era alérgica, por que comeu?
! — um homem caminhou rapidamente até o encontro dela — graças a Deus, está bem, fiquei tão preocupado — beijou as mãos pálidas e finas de . Se virou para e estendeu a mão. — Obrigado doutor.
— É o meu trabalho — apertou com força. — Pode me dizer o que aconteceu?
— Fiz um jantar para nós e não sabia que ela tinha alergia.
— Que tipo de pessoa faz um jantar para alguém e não pergunta se ela tem restrições ou alergias? Joe o olhou confuso.
— Eu me esqueci, estava ansioso e...
— E foi por sua incompetência que ela quase morreu — o cortou bruscamente. — ! — disse.
— Não, é sério. Você poderia ter morrido pelo erro de um idiota.
— Olha eu entendi, foi um erro estupido, mas poderia ter acontecido com qualquer um. — Eu nunca faria algo assim — disse dando um passo se aproximando de Joe. — Pelo amor de Deus — disse rouca. — Estou sentindo o cheiro de testosterona de longe, parem com isso.
Joe se afastou olhando para .
— Posso ficar aqui com você se quiser — pegou na mão de — Acho que consigo uma folga do restaurante.
— Não precisa — sorriu — só peça para que Margot venha.
— Tem certeza?
assentiu.
— Amanhã assim que sair do trabalho te ligo — beijou a testa dela e saiu da sala de emergência. acompanhava com os olhos ele desaparecer de sua vista.
— Sério? Esse babaca? — perguntou.
— Não me lembro de ter pedido a sua opinião, doutor.
abriu e fechou a boca algumas vezes gaguejando.
— O que deu em você? Por que está agindo assim?
riu e não respondeu.
— Vai mesmo ficar em silêncio?
Sem resposta ele continuou.
— Ótimo, como quiser.
Saiu da sala batendo forte com os pés contra o chão. Havia acabado de apertar o botão do elevador quando a súbita vontade de dizer tudo o que estava entalado em sua garganta surgiu. Seus pés caminhavam de volta sozinhos até o leito de . Ele puxou as cortinas impedindo que as outras pessoas vissem a discussão.
— Escuta, eu aguentei o seu gelo por semanas. Não fui atrás e não te perturbei, mas não vou deixar que me trate assim pessoalmente. Sempre fui extremamente educado você — dizia sem pausa — não mereço todo esse descaso.
— Educado? Quem apagou sua memória em Bremen? Foi Kayla? Ela agora faz lavagem cerebral também?
— Não aja como se também não tivesse dito coisas horríveis. Foi somente um erro no calor do momento. — Joe também só cometeu um erro e você o tratou como se tivesse me matado
— Há uma grande diferença aqui , ele quase te matou — colocou o cabelo bagunçado para trás. — E acha que Kayla também não me atingiu com o que ela disse? Ao menos Joe não é um egoísta, ele se importa comigo, se importa com os meus sentimentos.
As palavras atingiram como uma facada.
— Eu não sou egoísta.
riu abafada desviando seu olhar para a cortina verde claro. Ela mordia o lábio inferior enquanto balançava a cabeça negativamente. Queria despejar todo seu ódio em cima dele até que ele se sentisse minúsculo e se ajoelhasse pedindo perdão e até se segurou, mas decidiu continuar. — Você que é extremamente sentimental. Kayla só foi mal interpretada.
— Não acredito que disse isso — o fuzilou com os olhos. — Você é um idiota ! Como consegue ser tão cego?
— Eu...
— Ainda não terminei! Não queria conversar? Então vai escutar o que tenho a dizer ⸻ sentou na cama ⸻ deixei dois empregos que finalmente havia conseguido pra poder te ajudar a cuidar de Claire, e mesmo que você não tenha pedido por isso eu acreditei em você, acreditei que estava ajudando um homem maduro, um homem que queria o melhor para sua família, mas que estava completamente perdido. Me responde, para quem ligou quando precisou de alguém para te acompanhar até o funeral do seu pai porque a sua namoradinha não consegue fazer um único esforço por você? E ainda assim, me expulsou da sua casa porque eu não aceitei ouvir os comentários maldosos de Kayla. E quer saber? Eu faria tudo de novo, eu falaria tudo o que eu falei mais um milhão de vezes.
ficou em silêncio. Uma enfermeira apareceu entre a cortina com o rosto nada amigável. — Isso é um hospital senhores! Temos pacientes em recuperação e que não precisam escutar essa discussão.
se desculpou e ela foi embora. já não olhava para . Ela sentia a garganta fechar de novo, mas dessa vez não era por causa da alergia.
— Você deveria ter me dito que havia conseguido um emprego novo.
— E isso iria ter te impedido de me ligar? Não, porque você só olha para o próprio umbigo. Se fosse um pouquinho mais altruísta teria visto tudo isso desde o primeiro minuto ⸻ disse baixo. — Se veio aqui para terminar de brigar comigo, ótimo serviço completo, agora vá embora.
olhou para baixo e mordeu o lábio inferior, não queria nada daquilo, não queria brigar com ela. Se sentou na cadeira ao lado da cama e permaneceu olhando para os seus pés.
— Eu sinto muito.
não respondeu. Ele sentiu os olhos arderem, mas permaneceu estático ali.
— Se não se importa, ficarei aqui. Precisa de acompanhante.
— Já pedi para chamarem uma amiga.
— Ótimo, vou ficar até ela chegar.
revirou os olhos e sentiu a cabeça girar. Por que ela precisava ser tão teimosa assim? O que custa ser um pouco mais amigável? pensava enquanto brincava com as próprias mãos. Pegou o celular e mandou uma mensagem para Kayla avisando que demoraria um pouco mais para chegar e recebeu um “Não demore muito” em resposta. As coisas pareciam estar bem entre eles, não como um dia já sonhou, mas melhores. Kayla as vezes colocava Claire para dormir, ainda assim não parecia ser de boa vontade. Talvez só precisassem de tempo, nenhum amor surge do nada. Então por que parecia tão apaixonada por Claire? Por que para ela era mais fácil?
— Como está Claire? ⸻ não queria que ele pensasse que tudo estava resolvido, mas queria saber sobre a menina. Sentia falta dela.
— Bem. Ela gostou bastante do desenho que fez.
— Que bom.
— Apesar de ter achado que você tinha começado a odiá-la já que não se despediu.
se virou rapidamente para ele.
— O que? Não, de jeito nenhum. Eu adoro Claire, será que ela pensa que fez algo de errado? Você disse para ela que não, né? Ah Deus eu deveria ter dado tchau aquele dia.
— Pode ficar tranquila — respondeu — acho que Claire só entrou na fase de perceber que todos os amiguinhos tem uma mãe e ela não. A psicóloga me alertou que uma hora ou outra isso iria acontecer. De pensar que foi abandonada e que a mãe não gostava dela.
— Não tem nada que pode fazer para diminuir essa dor? As vezes pedir para que os pais de Holly conversem com Claire.
a olhou triste.
— Os pais de Holly não gostam de Claire, na verdade ela nem sabe da existência deles — contorceu o rosto — acham que é culpa dela Holly ter morrido.
— Claire nunca os conheceu?
negou. Sem responder caiu seu olhar sobre o teto branco do hospital. O tempo que ficou olhando para a luz fez seus olhos arderem e lacrimejarem. Como alguém poderia rejeitar a própria neta? Como poderiam rejeitar Claire? Como alguém rejeitaria um outro ser humano?
Se lembrou da dor que foi ter esses mesmos pensamentos quando seu pai saiu de casa sem lhe dar ao menos um beijo ou explicação. Por Deus ele tinha dado um beijo no cachorro que tinham, mas não nela. Ficou por anos pensando que a culpa da separação era sua. Ele nunca a procurou, mesmo depois de todos os anos.
sabia sobre ele, como estava e sobre sua nova família. Mason , pai de dois gêmeos que agora tinham quase vinte e três anos. Mason tinha uma esposa encantadora. Dentista, ruiva e com olhos realmente fascinante. Eram a famosa família americana. tinha certeza de que ele nunca deveria ter mencionado seus outros três filhos, a ex-esposa drogada e agora morta. A filha malsucedida que nunca foi capaz de fazer algo grandioso. Aos olhos de sua nova família, Mason era o herói deles. O químico que havia ganhado diversos prémios e de uma reputação impecável.
até encontrou a agora senhora em um supermercado, na época as crianças eram bem pequenas. perguntou pelas horas e com um belo sorriso ela respondeu “Três e meia, querida”. Ela agradeceu e disse “Seus filhos são lindos” a mulher sorriu e olhou para os meninos “São, não é? Puxaram totalmente o pai” ela riu e continuou “Você tem filhos?” respondeu que sim “Uma menina, uma verdadeira espoleta” e também riu. Se despediram e a mulher seguiu sua vida normalmente, nunca passaria pela cabeça dela que aquela poderia ser filha do seu marido. Para ela, aquele foi só mais um dia, para foi como ter levado facas no peito, chorou por horas aquele dia.


Capítulo 12 — I’m selfish so I’m hating it

A cortina foi aberta abruptamente e Margo ofegante apareceu com os olhos arregalados. Ela estava com uma das mãos na barriga e usava um vestido alguns números maiores segurando uma bolsa bege. já dormia por conta dos medicamentos. Assustado se levantou da cadeira.
... — Margo mal olhou para ele. Colocou sua bolsa aos pés da cama e passou com a mão no rosto dela. — Como ela está?
— Agora ela está estabilizada, foi só um susto.
— Um susto que podia ter matado ela — beijou a mão de . — Eu sempre alerto para que ela avise sobre a alergia, mas sempre esquece — Margo finalmente olhou para — E você? O que você está fazendo aqui?
Ele olhou para trás achando que ela conversava com uma outra pessoa. — Eu? — apontou para si mesmo e ela assentiu. — Eu trabalho aqui. — Claro, extremamente conveniente. Parece que você está sempre em
todos os lugares, não é? Sempre na espreita parecendo um parasita. estava confuso.
— Me desculpe, não estou entendendo. Acho que está me confundindo com alguma outra pessoa.
— Não estou, reconheço covardes de longe, .
— Que tal começarmos isso de novo? Eu não sei quem você é e aparentemente você me conhece muito bem. — Ele estendeu a mão — .
— Margo Carter — ela o deixou no vácuo.
Ele riu abafado enquanto olhava para os pés. Se não tivesse visto o estado de alguns minutos antes definitivamente procuraria pelas câmeras escondidas, aquilo deveria ser uma pegadinha de mal gosto. Respirou fundo algumas vezes antes de voltar sua atenção para os olhos castanhos de Margo.
— Eu ficaria mais do que feliz para poder explicar o mal entendido que tem entre nós, mas para isso vou precisar que me diga o que fiz — cruzou os braços.
— Vai mesmo bancar o bom samaritano ? — a distância entre os dois era preenchida somente pela barriga de Margo. — Na verdade não fico muito surpresa de não saber o que fez já que o seu egoísmo preenche todo o ambiente.
— Por Alá, é a segunda pessoa em menos de uma hora que me chama de egoísta.
— E talvez já parou pra pensar que essa seja a verdade?!
ainda estava com os braços cruzados, mas agora sua postura se encolheu. Estava terminando de processar o que havia escutado. — Olha, ela não me disse nada sobre o emprego novo, simplesmente aceitou me acompanhar na viagem. Não é culpa minha.
Margo revirou os olhos.
— É claro que não seu idiota. nunca faria isso com ninguém, muito menos com Claire. Mas você é tão cego que pouco se importa com as pessoas a sua volta. Você se quer perguntou como ela estava? Perguntou se ela tinha conseguido algum outro emprego? Não , você não perguntou.
— Não é assim também.
Margo o interrompeu.
— Eu não me importo como é, senhor . Tudo que eu quero é que por um único momento tenha um único segundo de felicidade. E enquanto estiver a rodeando sei que isso nunca vai acontecer, ou você cria vergonha na sua cara e trate ela como um ser humano de verdade ou vai embora daqui e nunca mais apareça.
Por alguns segundos perdeu a noção de tempo, era como estar em uma realidade alternativa, não fazer parte do próprio corpo. A saliva teve uma dificuldade maior para passar pela garganta. Era terrível ter uma outra pessoa apontando o quão egoísta você é, e talvez o pior era saber que no fundo era verdade. pegou as mãos de Margo e se desculpou, deu uma última olhada para e voltou para sua sala.
No caminho de volta para casa pequenas epifanias faziam com que ele se sentisse pior do que antes. Abriu a porta e ouvi Kayla resmungar algo na cozinha e em silêncio ficou parado na porta.
— Que susto! — colocou as mãos no coração. — Por que está parado aí desse jeito?
— Acha que sou egoísta? — disparou.
— Sem sombra de dúvida — respondeu terminando de guardar os pratos na gaveta. — Mas afinal, você nasceu em uma família rica, é filho único então é normal que seja egoísta.
— Por que nunca me disse isso antes?
— Tem 37 anos é um homem bem crescidinho, deveria saber. Ainda assim eu te amo de qualquer jeito — deu leves tapinhas no rosto de . — Eu nunca... Percebi.
— Claro que não, quando temos todo mundo fazendo o que queremos nunca paramos para pensar se aquilo vai machucar a outra pessoa — beijou a
bochecha de ainda estático — esqueça isso e aproveite que hoje estou afim de namorar um pouco — disse enquanto subia as escadas. Pelo uso de palavra provavelmente Claire ainda estava acordada. A porta do quarto de Claire estava aberta e somente o abajur estava aceso. olhou para o relógio no pulso que apontava quase onze horas, se aproximou da cama e a menina fingiu estar dormindo. sorriu.
— Que pena que meu bebê está dormindo, queria tanto contar uma historinha para ela.
Viu a menina segurar uma risada e então fez cocegas nos braços descobertos de Claire. Ela se sentou na cama pedindo para que ele parasse, quando a crise de risada cessou beijou a testa dela.
— Por que ainda está acordada? Está muito tarde.
— Eu... — ela não fazia contato visual com o pai. — Tô com saudade. O coração de se desfez em milhões de pedacinhos. O pior pesadelo de um pai é ouvir de um filho que ele é ausente, mesmo que essas palavras não foram ditas diretamente. Desde que Kayla estava de férias havia pegado quase todos os plantões e não se importando a hora de chegar em casa, ele dizia que era para aproveitar enquanto tinha alguém para cuidar de Claire, mas era mentira. Só não tinha coragem de passar mais de três horas com Kayla, mas isso também fazia com ele não passasse mais de cinco minutos com a filha. — Eu sinto muito — abraçou Claire.
E pela terceira vez no dia, percebeu seu egoísmo. Preferia deixar quem mais ama no mundo de lado só porque não conseguia ser corajosos o suficiente para colocar um fim em algo que vêm adiando a meses. Era isso. Aquilo era o fim.
— Prometo que logo vamos poder ficar grudadinhos o dia inteiro. Depois de Claire pegar no sono caminhou para o seu quarto. Somente a luz do abajur estava acesa e Kayla vestia um robe de seda em um tom salmão. Queria fugir dali.
— Achei que não viria mais — sussurrou se levantando da cama. Kayla trancou a porta atrás de e o abraçou. Suas mãos caminhavam até a calça dele e quando iria abrir o botão ele gentilmente tirou as mãos dela. — Não tô no clima hoje — disse se afastando.
— Não , você não está no clima a três semanas. O que te deu? Qual é, éramos insaciáveis. Não se lembra? A gente transava em todos os lugares, na coz...
— Eu só não quero, ta bom? — a cortou. — Estou cansando, trabalhei que nem camelo hoje — ficou de costas para Kayla enquanto desabotoava a camisa.
Ela riu abafado.
— Realmente, extremamente difícil ficar sentado receitando medicamento para os outros.
se virou furioso. Em que momento aquele relacionamento tinha virado aquilo? Em que momento os beijos e ansiedade para encontrá-la se transformou em uma vontade imensa de chorar? Só hoje percebeu que toda aquela situação não estava somente acabando consigo mesmo, mas também estava acabando com a sua relação com sua filha, sua autoestima, sua felicidade.
— Sério? Disse isso mesmo? — jogou a camisa na cadeira.
— Sabe o que dizem quando o namorado da gente fica muito tempo sem “estar no clima”? Que ele “ta no clima” com uma outra.
Ele revirou os olhos e entrou no banheiro deixando a porta aberta. — Não vou discutir com você Kayla.
— Então não vai negar? É por que realmente tem, não é? É aquela babá? Desde que ela apareceu você anda muito estranho.
— Mas que inferno Kayla! Eu não tô te traindo, eu mal consigo lidar com uma de você. Acredite sua personalidade já é o suficiente para eu querer nunca mais encostar em outra mulher.
Ela colocou uma das mãos no peito e deixava a boca aberta. viu os olhos dela lacrimejarem. Respirou fundo e a puxou para perto, a abraçou enquanto ouvia ela chora baixo. Acariciava gentilmente as costas de Kayla.
— Eu só tenho medo de te perder — ela dizia entre as lágrimas. Em alguns meses ele teria dito para que ela não se preocupasse, que tudo ficaria bem e que estaria ao lado dela até o fim da vida. Hoje já não se sentia assim. Ele tinha que terminar toda essa dor, só não sabia como. Estava magoando mais do que acalentando qualquer um dos dois. Aquele relacionamento já havia acabado há muito tempo. Kayla secou as lagrimas e se deitou na cama. ainda no banheiro ficou algum tempo se encarando no espelho.
Odiava a imagem que via, odiava o cabelo já grande e a barba mal feita. Odiava o fato de nunca ter percebido o egoísmo que tinha. Odiava tratar Kayla daquela maneira. Será que alguém realmente era feliz ou quando estavam sozinhos eles se detestavam da mesma maneira que ele fazia? Terminou de tirar a roupa e entrou debaixo do chuveiro quente. Queria poder esfregar o ódio pra fora, como sujeira, mas ela parecia ter se impregnado nele. Depois de se trocar deitou de costas a Kayla que já dormia. Passou quase a noite inteira planejando na melhor maneira de terminar com a mulher ao lado. Pensava na desculpa e em cada palavra de perdão. Kayla tinha o direito de poder seguir a vida e não ficar estagnada em um relacionamento sem futuro.
No outro dia acordou sozinho. Queria que não fosse verdade, mas se sentia mais alegre em acordar sem ela ali. Ainda de olhos fechados respirava
fundo tentando se concentrar. Só percebeu Kayla ali na sua frente quando ela limpou a garganta.
— Bom dia — disse segurando uma bandeja com dois copos de café e um prato com algumas panquecas e frutas. — É o meu pedido de desculpas por ontem, eu não deveria ter dito o que disse. Me desculpa.
Certo, ele só precisaria ser gentil e tudo ficaria bem. Já havia terminado namoros antes, era só dizer que o problema era ele e não ela, que adorou cada momento juntos e nunca esquecia o que fez por ele. Não poderia ser tão difícil assim.
— Kayla... — pegou a bandeja e deixou ao lado da cama — Precisamos conversar.
— Não meu amor — o beijou — por favor, vamos esquecer isso. Por favor não faz isso comigo.
Os olhos dela lacrimejavam enquanto ela repetia “por favor”. — Não podemos continuar assim — sussurrou. — Isso só está acabando com nós dois lentamente. Precisamos parar de mentir um para o outro que isso está funcionando.
— Isso é mentira, foi alguém que colocou isso na sua cabeça — segurava o rosto dele com as mãos. — acredita em mim, eu te amo e eu sei que você me ama, nós vamos conseguir superar essa incerteza.
Ele ficou em silêncio enquanto via qualquer resquício de esperança esvair lentamente dos olhos de Kayla. As pupilas que quase nunca era distinguida pela cor escura dos olhos dela agora estavam enormes. Ela ia surtar.
— Eu te dei tudo! — se levantou — tudo que estava ao meu alcance! Tudo o que me pediu e mais! E é assim que vai me retribuir? Com um pé na bunda?
— Estou te dando a sua liberdade de volta. Vai poder encontrar alguém e criar sua própria família e não ficar a preso a mim ou a Claire. — Que liberdade ? Eu não quero a merda dessa liberdade! Eu quero a minha vida com você, como um dia me prometeu em cada canto dessa casa! — juntou as mãos na cabeça enquanto respirava pesado. — Como eu fui burra, burra burra.
Kayla andava de um lado para o outro puxando os fios de cabelo. se levantou e tentou faze-la parar de bater na própria cabeça, em vão. A abraçou com força segurando em seus braços enquanto ela se debatia para sair dali. Depois de um tempo Kayla desistiu e como na noite passada se deixou levar pelas lágrimas.
— Sinto muito — repetia no ouvido dela. — Eu queria muito essa vida com você, eu juro. Pensei que pudesse fazer dar certo, mas não consigo. Me perdoe.
Ela não respondeu.
Alguns segundos depois se desvencilhou dos braços de e foi até o armário. Ficou parada olhando para suas roupas e em uma piscada de olhos já tirava elas dali. A raiva e o desespero a impedia de tirar o cabide de algumas das roupas. E apesar da mala ser pequena conseguiu colocar mais da metade de seus pertences. esperava pacientemente sentado na beirada da cama.
Se levantou quando Kayla se posicionou na sua frente. Abriu e fechou a boca algumas vezes, mas ela estendeu a mão impedindo que continuasse o discurso de desculpas.
— Eu espero que a sua vida se transforme em um verdadeiro inferno. Espero que um dia sinta pelo menos um terço da dor que estou sentindo agora. Espero que sofra todos os dias...
— Kayla...
— Não vem com “Kayla” pra cima de mim. Você é o pior dos seres humanos que eu já conheci. Atrai as mulheres pra sua casa pra que elas cuidem da sua filhinha que você não consegue criar e então as manda embora. E se quer saber, quem deveria ter morrido era você e não Holly.
sentiu a dor no peito aumentar.
— Você é um verme .
Ela deixou o quarto e ouviu Claire a chamar enquanto passava pela sala. Depois do estrondo feito pela porta a menina veio correndo para o quarto do pai. pegou a filha e a abraçou enquanto a ninava.
— Está tudo bem — balançava para os lados fazendo cafuné em Claire. — Vamos, precisa se arrumar para a escola.


✤✤✤


Quando acordou sentia alguém segurando sua mão, com dificuldade olhou para a cadeira ao seu lado e encontrou Howard dormindo. Puxou a mão com rapidez o fazendo acordar. Ele se levantou posicionando-se frente a ela.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntou com desdém. — Margo precisou voltar para casa e pediu que eu ficasse aqui com você. — Era melhor ter ficado sozinha — desviou o olhar do dele. — É? — se aproximou mais de , colocando suas mãos em cada lado
do corpo dela — Queria que eu tivesse negado e quando Margo perguntasse o motivo eu dissesse “oh minha querida esposa é porque eu e a sua amiguinha de anos que venho fodendo há um tempo tem sido um verdadeiro pé no saco e quer me ver bem longe dela” — sussurrou — me responda , era isso que queria que eu tivesse respondido?
Sem pensar ela deu um tapa no rosto dele, o soro em seu braço repuxou com o movimento brusco. Howard colocou uma das mãos no rosto agora ardendo.
— Mas que...? — ele disse sorrindo enquanto esfregava a mão no rosto. A cortina foi aberta abruptamente fazendo Howard se afastar. parecia cansado e tinha algumas olheiras. Ele estranhou o novo homem no lugar, afinal quantos mais iriam aparecer ali para ficar com ela? Voltou sua atenção para que por algum motivo parecia assustada.
— Bom dia, eu posso conversar a sós com ela?
— Tudo o que tiver que contar para ela pode contar a mim — Howard deu alguns passos à frente.
não queria passar pela mesma situação do dia anterior então somente respirou fundo e depois de abrir os olhos disse:
— Me desculpe. Eu fui um completo idiota com você.
— Já me pediu desculpas ontem — disse.
— Sim — se aproximou mais dela — mas eu não tinha noção das outras coisas que fiz. Quando sua amiga esteve aqui ontem ela me deu um belo sacode — sorriu. — Por isso estou aqui de novo, me desculpando.
— Tudo bem.
negou com a cabeça e pegou nas mãos de .
— Por favor , brigue comigo. Me xingue e diga que eu sou um ser humano terrível. Diga que nunca mais quer me ver na vida, não fale que me perdoa.
Ela riu apertando mais a mão dele.
— Eu gosto de você, só queria que fosse um pouco menos babaca. — Que cena mais tocante. ⸻ Howard colocou as mãos no peito. o olhava confuso. Quem era o babaca na sua frente?
— Me desculpe, a gente se conhece?
— Howard O’Connor, amigo e amante de nas horas vagas. — O que? Não!
Howard riu do desespero dela.
— É só uma brincadeira, sou o marido da amiga que te um sacode. — — sem muita vontade ele apertou a mão ainda estendida dele e pode jurar que ele apertou mais forte do que o normal. O’Connor pediu licença por alguns segundos e foi até o banheiro. — Tem algum homem que você conheça que não seja um completo babaca?
— Joe é um cara legal, .
Ficaram em silêncio por alguns segundos. colocou as mãos no bolso e olhava para os próprios pés. mantinha os olhos no rosto de , tudo nele parecia ter sido perfeitamente esculpido. A luz do sol que emanava
pela janela o deixava com a pele mais morena, o pouco de pele a mostra fazia querer beijar cada centímetro visível, principalmente a boca pequena e rosada.
— Dei...
— Eu e... — os dois falaram ao mesmo tempo e deram uma risada abafada. — As damas primeiro.
— Deixou a barba crescer mais.
Ele sorriu.
— É eu não tive muito tempo pra cuidar dela — passou as mãos pelo rosto sentindo os fios entre os dedos. — Acho que vou cortar hoje. — Eu gostei, ficou bonito.
Ele sorriu.
— E você? O que iria dizer?
— Ah nada demais — sorriu. — E aquele cara de ontem? — a pergunta parecia ter saído sem ao menos perceber.
— Joe?
— Vocês dois estão juntos?
abriu e fechou a boca algumas vezes antes de responder. — Não sei... nós só saímos uma única vez.
— Ele meio que quase te matou ontem.
revirou os olhos.
— Vai mesmo voltar nesse assunto?
levantou os braços em forma de rendição.
— Tudo bem, meus lábios estão selados. Não irei falar mais nada sobre isso.
Quando Howard voltou percebeu a marca de dedos no rosto dele, o lugar estava avermelhado. juntou as sobrancelhas enquanto olhava para a mão de e a marca em Howard. Ao olhar para ela engolia em seco e O’Connor fingia não perceber o que estava acontecendo.
— Margo disse que já está voltando e estará finalmente livre de mim. Ele deu um beijo no topo da cabeça de e viu ela tentar recuar um pouco. Howard acenou para e enquanto ele não sumia de vista os dois ficaram em silêncio.
— Quando vou poder ir para casa? — pigarreou
— Provavelmente hoje. Assim que Margo chegar faremos um último check-up e se tudo estiver bem poderá ir.
Ela assentiu.
— Seria bom ter alguém para cuidar de você pelo menos até o fim dessa semana, não acho que seja uma boa ideia ficar sozinha.
— Já sou bem grandinha , sei me cuidar.
— Falo sério . Crises alérgicas não são brincadeiras. Se quiser poderia dormir na minha casa, pedi folga esses dois dias.
podia quase ouvir o próprio coração. A vida por poucos segundos parecia não ser real, e o celular vibrando em sua mão fez com que ela desviasse sua atenção. O nome de Joe piscava na tela, tentando fugir dos olhos de ela atendeu.
— Ei, como está? — parecia preocupado.
— Estou bem melhor.
— Que ótimo — fez uma pausa — olha me desculpa, de novo. Eu realmente deveria ter perguntando sobre sua alergia, aqui no restaurante sempre fazemos questão de falar cada ingrediente nos pratos.
— Tudo bem Joe, eu também deveria ter avisado.
Ela viu revirar os olhos e passar as mãos no rosto.
— Eu queria muito poder te recompensar por esse primeiro encontro terrível e te chamar pra um de verdade. Em um restaurante com velas e tudo o que merece.
encarou que parecia ansioso para que ela finalmente desligasse e o respondesse. A respiração pesada de Joe implorava por um “sim” do outro lado da linha.
— Claro, parece ótimo — se arrependeu no segundo seguinte. — Graças a Deus — riu baixo. — Eu não sei quando vai poder sair novamente então...
— Amanhã! Podemos sair amanhã.
se virou para a parede, aquilo parecia uma tortura do pior tipo e ele nem sabia o por que. Por qual razão que ela simplesmente não desligou a merda do telefone e aceitou ir para sua casa? Estava tão mentalmente focado em seus pensamentos que não ouvia o resto da conversa. Respirou fundo e a voz de Margo e o chamando de egoísta repetidas vezes ecoou pela sua cabeça. Não queria sorrir, mas deu seu melhor e se virou novamente para , ela tinha acabado de desligar o telefone.
— Eu...
— Não, tudo bem — se prontificou em dizer. — Ele realmente precisa de uma segunda chance e as vezes ele vai ser o cara. — O cara?
— A pessoa que vai ver a porta aberta e continuar ao seu lado. sorriu e institivamente ele fez o mesmo.
— Assim que Margo chegar peça para que uma enfermeira venha fazer o seu check-up e estará livre pra ir.
Ele saiu assim que assentiu.


Capítulo 13 — Take me back to the night we met

balançava a perna freneticamente sentada no sofá de sua casa. Usava um vestido curto de cor amarelo narciso e mangas bufantes até o cotovelo. Mais uma vez estava arrumada esperando por Joe. Aquele era o quinto encontro dos dois. Duas semanas após a fatídica crise alérgica. Joe era o cara que qualquer uma poderia querer, gentil, sensível e diferente do que acreditava, ele realmente havia lido os livros da estante e era mais inteligente do que parecia. Em nenhum momento Joe tentou a levar para cama e muito menos falava sobre isso, como um bom cavalheiro ele lhe dava um beijo em frente a porta de casa e partia em seu carro. Mas não era ele quem queria. Pela milésima vez se olhava na tela do telefone tentando arrumar o cabelo, não havia sido uma boa ideia o babyliss que Margo insistiu que ela deveria fazer.
O celular apitou com uma mensagem piscando na tela:

Joe: Amor, já estou na porta

levantou e depois de alguns segundos tentando convencer as pernas a saírem do lugar ela saiu do apartamento. Joe estava parado do lado de fora do carro encostado na porta do passageiro. Ele abriu um enorme sorriso ao vê-la se aproximando.
— Não achei que poderia ficar mais maravilhosa, mas esse seu cabelo me provou o contrário — deu um selinho rápido e abriu a porta do carro. entrou e esperou que ele desse a volta. — O que acha de almoçarmos e ir até o Jardim das Rosas? — perguntou dando partida no carro. — Parece que essa época do ano as flores estão encantadoras.
— Uhum, ótima ideia.
Ele sorriu e deu partida.


✤✤✤


— Você precisa sair ! — Jolene seguia o filho até a cozinha — faz semanas que fica dentro dessa casa. Já até começou a ficar mais branco que eu. — Nós dois sabemos que isso é impossível — encheu o copo com água. — Além do que, estou cuidando de Claire.
— Já disse que fico com ela.
— Não. Quero ser um bom pai, quero estar presente na vida da pessoa mais importante pra mim.
Jolene se aproximou de colocando o copo que ele segurava na mesa.
— Você é um bom pai — apertou o rosto dele em suas mãos. — Mas também precisa se divertir um pouco.
— Estou me divertindo muito aqui — disse se livrando das mãos da mãe e saindo da cozinha — Adoro a ladybug e o disfarce dela.
— Chega! — gritou — não quero saber, vai colocar uma roupa bonita e sair.
a olhou assustado.
— Não vou!
, eu vou te dar 3 minutos pra sair da minha frente e vestir uma roupa.
— Ta bom, calma — levantou os braços em rendição. — Estou me sentindo com quinze anos de novo quando me empurrava para as festas da escola.
— Se eu não tivesse feito isso não teria Claire hoje, então pare de reclamar.
Revirou os olhos e caminhou para o quarto a passos de tartaruga. — Se demorar muito eu mesma escolho sua roupa e te levo. riu e ficou parado na frente do guarda roupa. Queria ficar em casa,
assistir um filme com Claire e ficar a olhando enquanto ela dorme agarrada em algum dos milhares de pelúcias que tem. A ideia de sair de casa começou a atormenta-lo e parecia ter ficado quase impossível fazer essa tarefa. Sentia o coração bater mais forte e as mãos suarem. Se sentou na cama e tentava acalmar a crise que estava prestes a chegar.
Ótimo. Estava passando. Pelo menos dessa vez.
Assim que estava vestido desceu as escadas e ficou encarado Jolene até que ela sentisse sua presença.
— Veja se não está o mais encantador dos homens. Dá uma voltinha. — Mãe...
— Vai logo.
Se virou e logo depois voltou seus olhos para o sorriso que a mãe tinha. Ela deu pulinhos e bateu palmas. vestia uma camisa marrom bordo e uma calça social, tinha pensando em levar um casaco, mas a noite estava quente. — Agora some daqui.
— E se acontecer algo com Claire?
— Nós dois temos telefones, eu te ligo — Jolene empurrava o filho para fora.
— E se...
! Eu criei você, acho que sei fazer o mesmo com a minha neta — ela entregou a chave do carro para ele e depois de dar um sorriso fechou a porta.
Só tinha um único lugar que queria ir, fazia anos que não passava nem na porta e sentiu falta do sentimento que ocupava todo seu corpo enquanto estava lá. Depois de algum tempo procurando conseguiu um lugar para estacionar. Estava mais cheio do que o comum. As luzes do sol deixavam as flores do jardim ainda mais bonitas. Logo na entrada uma fila composta por ao menos quinze pessoas que esperavam para tirar foto no arco de rosas. Pediu licença e passou entre eles.
se sentou em uma pequena arquibancada coberta de grama enquanto assistia o movimento. Algumas crianças tentavam arrancar algumas, mas os pais o impediam. As pessoas cercavam a fonte jogando moedas e fazendo pedidos, aquela não era uma fonte de desejos, mas não importava para elas, só queriam sentir que seus pedidos fossem realizados. O sol começava a queimar as costas de , ele não parecia se importar.
— Vai pegar uma insolação — ouviu a voz de quem tanto conhecia. Sabia que nunca iria esquece-la.
— Não sou tão branco quanto você — disse por cima do ombro. Quando encontrou os olhos de sentiu a garganta secar. As pupilas dele estavam pequenas por conta da claridade. O sol atrás de fazia ela parecer uma pintura de algum santo. Ele se levantou e se pôs de frente a ela. Foi quando iria dizer algo que percebeu que estava segurando a respiração. — Quanto tempo.
— Eu sei.
— Claire sente a sua falta.
— Eu também — sussurrou.
Ela prensou os lábios os deixando em uma linha fina. sorriu envergonhado e ela fez o mesmo. A cada segundo que permanecia a encarando sentia o coração bater mais rápido. O vestido amarelo no meio das flores tão vivas fazia aquela cena parecer um sonho. Aquilo deveria ser como o paraíso se parecia. Queria com todas as forças se despedir e sair dali, mas o sorriso que tinha nos lábios era encantador de mais para não olhar.
— O meu aniversário é daqui algumas semanas — disse. — Eu iria adorar ter Claire... e você na festa.
sorriu.
— Claro, é só me mandar o dia e a hora. Estaremos lá.
— Não sabia qual queria então comprei o de morango — Joe entregou o sorvete para .
— Obrigada — continuou com seus olhos em .
Joe olhou para e se desfez do sorriso.
— Doutor — estendeu a mão.
— Me chame de — apertou a mão de Joe. — Me desculpe pela maneira que agi no hospital aquele dia. Realmente perdi a cabeça. — Tudo bem, me contou que era babá de sua filha — abraçou pela cintura. — Eu teria feito o mesmo.
é muito importante para Claire — a olhou. — Ela ficaria arrasada caso a perdesse.
As palavras que Joe dizia foi vagamente escutada por . Ele permanecia estático olhando cada detalhe de e ela fazia o mesmo. — Ainda mora em Woodstock? — perguntou cortando Joe. — Moro — ela respondeu rapidamente.
Joe tinha o olhar confuso para os dois, para ele o silêncio se instaurou ali, mas e conversavam sozinhos com os olhos.
— Vamos ver algumas outras flores, meu amor? — olhou para confuso.
Ela assentiu finalmente desviando seu olhar.
— Foi muito bom te encontrar doutor.
— Igualmente — sorriu.
Acenou com as mãos para e Joe a tirou dali. percebeu que constantemente ela olhava para trás, até que sumiu de vista. continuou ali parado esperando que ela pudesse voltar correndo, não aconteceu.


✤✤✤


tentava colocar a chave na maçaneta da porta enquanto Joe beijava seu pescoço, tentou afasta-lo um pouco, mas ele não cedeu. Depois de errar a entrada boas vezes conseguiu entrar no apartamento.
— Preciso ir no banheiro — disse se afastando — fique à vontade. Acho que tem cerveja na geladeira se quiser.
— Obrigado — piscou.
Assentiu e caminhou até o banheiro. Fechou a porta e deu duas trancas. Apoiou o corpo na pia e tentava puxar o máximo de ar que conseguia. Queria com todas as forças esquecer , queria focar no homem que estava a esperando a alguns metros. Eles nem ao menos se tocaram, mas sentia os dedos dele por todo seu corpo. Deu alguns tapas de leve no rosto e destrancou a porta, voltou para a sala e Joe ainda estava de pé olhando alguns porta-retratos.
— São os meus irmãos
Joe se virou no susto e sorriu.
— Vocês se parecem — olhou novamente para a foto — Nunca fala sobre eles.
— Perdemos o contato — forçou um sorriso.
Ele caminhou até ela se aproximando até sentir o hálito de vinho. Abaixou uma das mangas do vestido de e percebeu a mão dela tremer enquanto segurava em sua cintura.
— Está tudo bem?
— Uhum — balançou a cabeça. — Só estou com um pouco de vergonha. — Estamos velhos demais para termos vergonha, .
Joe começou a beijar o ombro descoberto de .
Enquanto ele terminava de tirar o vestido dela, permaneceu estática pensando na frase que havia acabado de escutar. Raramente parava para pensar que estava chegando aos quarenta e não era nada excitante ter o seu parceiro te lembrando isso no início da transa. Antes que ele pudesse terminar de tirar a calça o telefone dentro da bolsa de começou a tocar, e, normalmente ela ignoraria e retornaria depois, mas naquele momento só queria uma desculpa para sair dali.
— Eu realmente preciso atender — disse se desvencilhando dos braços de Joe. Correu até o telefone e o nome de Margo piscava na tela. — Aconteceu alguma coisa?
— Acho que o bebê vai nascer.
— O que? — sentia o coração bater mais forte — Isso só era pra acontecer daqui há um mês ainda.
— Eu não sei... — ouviu o grito estridente da amiga do outro lado da linha.
— Respire fundo, Ok? Eu estou indo até aí.
Margo assentiu.
— Eu preciso ir — olhou para Joe — Margo acha que entrou em trabalho de parto.
Joe parecia surpreso.
— Uau, está realmente acontecendo — sorriu — ela já avisou Howard? — Acho que não — andava de um lado para o outro — eu não sei o que fazer — colocou as mãos no rosto.
Joe se aproximou e a abraçou.
— Você vai até Margo ajuda-la enquanto eu vou procurar por Howard. concordou ainda estática.
Pensou se deveria tocar a campainha ou simplesmente abrir a porta, e a segunda opção parecia ser a mais óbvia. Assim que adentrou a casa ouviu um gemido de dor vindo do quarto. Subiu as escadas rapidamente e encontrou Margo sentada em uma bola de pilates se movendo para frente e para trás. se ajoelhou em frente dela e estendeu os dois braços para que Margo pudesse
utiliza-los como apoio. Esperou que a contratação acabasse para que pudesse conversar.
— Acho que é melhor irmos para o hospital.
Margo balançou a cabeça negativamente.
— Eu disse que teria aqui em casa e vou comprimir essa promessa. — Margo, ainda está cedo. Talvez a criança precise de...
— Não! — soltou o braço de e segurou a barriga enquanto respirava fundo.
entendeu o recado e não disse mais nada. Margo continuava se balançando e todas as vezes que mais uma contração vinha ela segurava com força os braços de .
— Não é tão ruim assim — Margo repetia a frase tentando se convencer da dor. Mais uma contração veio e ela cravou as unhas nos braços de . — Desculpe.
— Não peça desculpas — sorriu — não me importo.
ajudou que Margo se levantasse para que ela pudesse andar pela casa. Constantemente paravam durante a caminhada. Margo se encostou no sofá enquanto massageava as costas dela.
— Você tem marcado o tempo entre as contrações? — Carter perguntou — A cada quinze minutos. Já ligou para a enfermeira?
Concordou se rastejando pelo sofá até ficar de quatro. Após alguns minutos a contração parou e ela voltou andar.
— Ele não me atende — engoliu seco. — A porra do meu marido não me atende!
— Deve estar ocupado com o restaurante, Margo.
— Deveria estar ocupado comigo e com a nossa criança — se apoiou na mesa da sala de jantar. — Ele disse que estaria aqui e cadê esse filho da puta? — Sinto muito.
Margo levantou uma das mãos pedindo para que ela parasse de falar e então mais uma contração
— Estão vindo mais rápido — comentou.
— Estou bem, estou bem.

Fazia oito horas que Margo havia entrado em trabalho de parto e agora ela gritava de dor dentro da banheira. Rachel, a enfermeira, havia acabado de medir os batimentos cardíacos do bebê quando Margo sentiu a bolsa romper. Ela segurava com força a borda da banheira enquanto respirava fundo. Margo tentava se distrair contando piadas para que ria mesmo das já conhecidas.
Em um certo momento Margo se sentou na banheira e gritou. e Rachel seguravam as mãos dela. O choro do bebê se misturou com o da mãe
que sorria olhando para o rostinho pequeno. Margo abraçou a criança enquanto se balançava para frente e para trás.
— É um menino — sussurrou para .
— Já pensou em um nome? — acariciava o cabelo do bebê. Margo encarou o menino por um tempo e depois de beijar a cabeça dele disse:
— Elijah.
— É um lindo nome — olhou para a amiga —, como a mãe. — Obrigada por estar aqui.
— Eu nunca te deixaria sozinha.
Com o rosto suado e os olhos arregalados Howard apareceu na porta do banheiro. Seu rosto estava vermelho, o cabelo desgrenhado e ofegante. Abriu a boca, mas a voz saiu inaudível. Se aproximou devagar até a banheira e olhou para o filho, sorriu pegando na pequena mão de Elijah. Depois de cortar o cordão umbilical Margo entregou o menino para o Howard enquanto Rachel puxava a placenta. permaneceu ao lado de Carter até ela se sentir forte para sair da banheira. A ajudou a se enxugar e colocar um pijama. Howard estava no quarto olhando encantado para o filho.
— Ele é lindo — Howard disse.
— Aonde estava? — Margo perguntou.
— Estava trabalhando.
Margo olhou para o relógio.
— Até as seis da manhã?
— Nós podemos não fazer isso agora? O nosso filho acabou de nascer. Ela revirou os olhos e se deitou na cama. ajeitou o travesseiro para que ela pudesse se sentir mais confortável. Margo apontou com a cabeça para a porta do quarto, se virou para olhar e Joe estava parado ao lado de Howard olhando para Elijah.
— Tem um filho maravilhoso — Joe disse.
Margo agradeceu.
Um curto silêncio deixou incomodada, Joe permanecia com os olhos sobre ela, parecia impaciente.
— Estou indo para casa, você vem ?
— Eu preciso cuidar de Margo.
— Não precisa, estou bem crescidinha pra cuidar de mim — sorriu — se precisar da sua ajuda eu te ligo.
concordou e depois de dar um beijo em Margo e Elijah saiu da casa acompanhada de Joe. Não sabia o que dizer e muito menos se queria dizer alguma coisa, agradecia por ele não ter forçado nenhuma conversa durante o caminho. Apesar de parecer tão nervoso, o ignorou.
— Ele não estava trabalhando — Joe disparou.
— O que?
— Howard. Ele estava com uma cliente... na cozinha.
olhou incrédula para Joe, esperava que ele falasse que estava brincando.
— Ele disse que foi a única vez e que nunca mais ia fazer novamente. — Babaca — sussurrou.
— Olha eu não deveria estar te contando isso. Eu trabalho para ele e ele pode me demitir quando quiser, mas não achei certo que ele fizesse isso com Margo. E como você é a melhor amiga dela — fez uma pausa — achei que merecia saber, para contar para ela.
assentiu.
Queria pedir para que ele parasse o carro para que pudesse se tacar do precipício. Engoliu o choro que fazia sua garganta arder e fingiu esquecer o que havia escutado, afinal não poderia dizer uma palavra sobre isso para Margo, se contasse Howard falaria tudo o que os dois também já fizeram na cozinha, no quarto, no carro, no banheiro e qualquer beco que coubesse os dois. O sentimento de insignificância aumentava cada vez mais. odiava cada centímetro do seu corpo e de quem era todas as vezes que estava ao lado de Margo.




Capítulo 14 — I'd tell you, "I thought I loved you too"

terminava de arrumar o cabelo de Claire colocando um laço azul no cabelo dela. Claire usava um vestido rosa bebê com flores estampada por todo o tecido. A menina pulava de um lado para o outro implorando para que fossem logo.
— Vamos logo papai! vai pensar que não vamos.
— Se a mocinha parar de se mexer enquanto eu tento arrumar seu sapato talvez poderíamos sair logo.
Claire ficou estática esperando terminar. Ela deu um beijo estalado no rosto do pai e correu para a porta que ainda estava fechada. Ele pegou o presente em cima do sofá e caminhou até a garagem segurando a mão de Claire. Depois de a colocar na cadeirinha e sentar no banco do motorista sentiu a mão ficar gelada. Era um péssimo momento para ficar ansioso. Não precisava disso, era só um aniversário, nada demais. Era só o aniversário de uma das pessoas mais incríveis que havia conhecido, da mulher mais encantadora que já conversou. Olhou pelo retrovisor e viu Claire balançar os pés na cadeirinha e dar um enorme sorriso quando viu o pai pelo espelho.
— Preparada?
— SIM! — ergueu os braços.
sorriu e deu partida no carro.
Só havia ido uma única vez até o prédio de , mas nunca chegou a entrar no seu apartamento. Não queria parecer intrometido demais então pediu para que o porteiro entregasse a roupa que ela havia esquecido em casa. E ao julgar pela cara feia do homem pensou que era melhor ter feito isso pessoalmente. Por sorte, assim que entrou no prédio o homem era diferente daquele dia, então deu boa noite sorrindo para ele, que retribuiu com um aceno de cabeça.
No elevador tentava a todo momento arrumar o cabelo, as mãos suadas dificultavam o trabalho. Claire olhava para o pai com a cabeça tombada sem entender o que estava acontecendo, ela estendeu a mão para que pudesse segurar o braço de . Quando percebeu ele se ajoelhou até Claire.
— Você está bonitinho — beijou o rosto de .
Ele sorriu e deitou a cabeça na mão da filha. A porta do elevador abriu e um pouco antes de bater na porta do apartamento podia sentir o coração sair pela boca. Esperou alguns segundos até que rapidamente a porta foi aberta por
. viu o mundo parar. O sorriso que ela tinha no rosto era magnético, impossível não sorrir junto. Parecia que havia acabado de ouvir alguma piada que a fez se contorcer de rir, os olhos chegavam a lacrimejar. O cabelo estava bagunçado e o rímel borrado embaixo dos olhos. Aquele momento merecia ser fotografado, pintado pelos melhores pintores, merecia um museu só para si.
— Vocês vieram! — abraçou Claire a tirando do chão. — Eu senti tanto a sua falta minha cerejinha — enchia a menina de beijos. — Eu também! — Claire ria tentando se soltar dos braços de . Quando finalmente a colocou no chão olhou para , ainda com o mesmo sorriso de antes. Era bom saber que mesmo o vendo ainda tinha motivos para continuar sorrindo.
se aproximou e o abraçou.
Ali dentro daquele abraço ele sentiu vontade de nunca mais sair. O perfume que usava era adocicado, era como estar comendo algodão doce no céu. O shampoo exalava um cheiro tão agradável quanto todo o resto de seu corpo. Ela deu espaço para que entrassem dentro do apartamento, Margo estava em pé segurando um bebê, o balançando para frente e para trás. Joe estava de costas para a porta enquanto conversava com Margo. Depois de entregar o presente que segurava, Claire correu até os dois e puxou o vestido que a mulher usava, pedindo para ver a criança.
— Sou uma mulher de poucos amigos, como pode ver pela minha festa tão badalada — disse.
— Tem sorte, na minha festa só teria minha mãe e Claire.
— E Kayla.
— Nós terminamos — disse sem pensar.
— O que? — o encarou.
! — Claire a chamou — olha aqui o neném!
caminhou até perto da filha a pegando no colo.
— Olá — cumprimentou Margo e Joe.
Joe somente acenou com a cabeça e caminhou até . Viu eles sumirem para dentro da cozinha. Margo pigarrou chamando a atenção de . — Não sabia que tinha ganhando seu filho — sorriu. — Como se chama? — Elijah.
assentiu e permaneceu em silêncio, ela o olhava com os olhos semicerrados, parecia com raiva. Ele engoliu em seco ainda sem saber o que falar. Olhava em volta pelo lugar e viu que algumas das coisas pareciam fora do lugar, não que fosse nenhum tipo de maníaco da limpeza ou coisa do tipo, mas vassouras e sapatos (em grande quantidade) não pertenciam a sala de estar. O sofá era de couro escuro e tinha algumas almofadas espalhadas por ele. As paredes precisavam de uma pintura e um dos cantos claramente tinha um
vazamento, estava mais úmido e parecia que iria se desintegrar a qualquer momento. Não era um lugar seguro para ninguém viver.
— O que está fazendo aqui? — Margo disse.
— Eu... — olhou para Claire — por que não vai procurar por ? Conte a ela o que aconteceu na escolinha essa semana.
A menina sem titubear desceu dos braços do pai e correu até a cozinha. — Olha, sei que não gosta de mim e honestamente, tudo bem. É a melhor amiga de e sei que quer protegê-la de babacas como eu. Ainda assim, gosto muito... Claire gosta muito dela.
— Você tem uma queda por , não é?
— O que? — riu — não. Quer dizer, gosto dela, é uma pessoa maravilhosa, é incrível com Claire, mas só isso.
— A quanto tempo se sente assim em relação a ela?
— Não sei do que está falando — cruzou os braços e se encostou no sofá de forma desajeitada.
— Julgando pela maneira que está agindo eu diria que somente algumas semanas, deve ter descoberto uma pequena paixonite e agora está se mordendo de ciúmes por conta de Joe. Está tentando ao máximo mostrar que é um cara legal, um bom partido e talvez até se gabe um pouco tentando se mostrar ser melhor que o carinha lá com ela. Mostrar que você se importa mais, que é o homem perfeito para estar ao lado dela e que ele não merece ser quem vai dormir com ela a noite.
engoliu em seco.
— É tão óbvio assim?
— Não, acabei de inventar tudo e você somente confirmou a teoria que criei.
Ele riu abafado.
— É... Me pegou.
Margo pela primeira vez sorriu para ele.
— Só não seja um completo babaca hoje, está bem? Aniversários são importantes para . Eram os únicos dias que a mãe dela ficava sóbria... ou pelo menos boa parte do dia. Então não estrague isso.
— Eu prometo.
Margo caminhava para a cozinha, mas antes de passar pela porta olhou para e suspirou.
— E ... não me faça ter que acabar com o seu rostinho bonito. Ele ergueu os braços mostrando rendição.
Sozinho na sala caminhou em direção a estante vendo as fotos no porta retrato. A maioria delas tinha Margo. Perto dos livros ela guardava uma enorme coleção de DVD’s, a maioria dos filmes eram antigos, afinal ninguém mais comprava filmes em blockbusters.
— Eu sei, coleção esquisita — apareceu atrás de . Ele deu um pequeno pulo com a aproximação que tinham — Psicose, Crepúsculo, O Iluminado, De repente 30, Um estranho no Ninho.
— Não sabia que alguém ainda guardava isso.
— Memorias boas da infância, sabe como é.
— Tem memorias boas com O Iluminado?
riu.
— Eu era uma criança perturbada com um gosto diferente.
assentiu com as mãos no bolso.
— Quer conhecer a casa? Bom quer dizer, conhecer o quarto já que esse casulo só tem quatro cômodos e um deles é o banheiro e não acho que você ia querer um tour lá.
Ele queria. Se dependesse de faria um tour com ela dentro de um armário empoeirado. fazia tudo parecer um pouco melhor. o levou até o quarto, pegando algumas roupas espalhadas pelo cômodo. A parede da cabeceira da cama era pintada de laranja e tinha algumas rachaduras. Na escrivaninha havia diversos desenhos de roupas espalhadas, se aproximou encontrando uma folha diferente. O papel amarelado tinha como título “Coisas para fazer antes dos quarenta”. Antes que pudesse ler o primeiro item, tirou o papel de sua mão.
— Sabia que isso é invasão de privacidade?
riu.
— Não podem ser tão ruins assim.
— Acredite, são — riu abraçando a folha.
— Qual é, me deixa ler um só.
Tentou pegar a folha, mas ela encostou na parede levantando o papel mais alto. sentiu uma falta de ar enquanto olhava para . — Nós estamos parecendo dois adolescentes apaixonados.
— Eu gosto de parecer um adolescente apaixonado com você — De onde estava surgindo aquelas palavras que ele falava? Desde quando começou a agir assim?
O sorriso que tinha foi desaparecendo. Não sabia se aquilo era um bom ou mau sinal. O coração de começou a acelerar, estava esperando o momento em que ela iria mandar ele ir embora e nunca mais voltar. Dizer que ele tinha entendido tudo errado e que aquilo nunca iria acontecer, mas não fez nada daquilo. Só ficou ali parada. Sem reação. Não tinha mais como voltar atrás, mas poderia tentar melhor aquela situação.
— Mas não apaixonados claro. Somente adolescentes, não precisamos estar apaixonados para ser adolescentes. Você entendeu, não é? Quero dizer, não estou apaixonado por você, não que não seja bonita ou qualquer coisa, não é isso. Eu só não... estou... apaixonado.
— É, claro. Eu entendo. — guardou o papel na gaveta da escrivaninha. — Vamos voltar para a sala?
Antes que pudesse responder ela já havia saído do quarto. ficou mais um tempo ali. Passou as mãos no cabelo odiando os últimos segundos. É claro que ela não se sente da mesma maneira, se sentisse não estaria namorando um outro cara e definitivamente não estaria beijando Joe da maneira que estava quando voltou para a sala. Foi uma ideia terrível ter ido até a festa. Ou talvez não, precisava daquele choque de realidade para ver que seus sentimentos não passavam de uma grande ilusão. amava Joe e aquilo estava claro, qualquer um poderia ver.
— Que lindo casal! — uma voz masculina gritou da porta de entrada. — Realmente uma das coisas mais preciosas que mundo já viu. E então viu Howard. Ele estava todo molhado, mas não estava chovendo. O lugar ficou em silêncio.
— O que aconteceu pessoal? A festa já acabou? Vamos animar esse lugar — riu. — Trinta e oito, hein? — Howard caminhou até , a abraçou de lado enquanto bagunçava o cabelo dela — daqui alguns dias vai estar velha demais para alguém te querer.
Margo saiu da cozinha com Elijah no braço.
— Que merda você está fazendo?
— Eu só estou brincando — apertou as bochechas de Margo. — Afinal qualquer um pode sentir a tensão desses dois aqui de longe — Howard apontou para Joe e — quando finalmente decidirem brigar me chamem, quero assistir. Eu aposto 20 dólares no médico.
tinha os olhos fervorosos. Empurrou Howard, mas ele mal saiu do lugar. Ela foi para a cozinha.
Margo ainda estava paralisada no meio do corredor, sem dizer nada. Howard se virou para Joe e casualmente começou a conversar sobre o restaurante. Ele não tinha nenhum pingo de remorso. foi atrás de .
Ela e Claire estavam colocando as velas no bolo. se aproximou e podia ouvir a voz de trêmula, parecia desesperada para chorar. — Trinta e sete — as duas contavam as velas enquanto as distribuíam pelo bolo.
Claire colocou a última vela bem no meio e bateu palmas sorrindo alegremente.
— Meu amor, você consegue levar essas colheres para a mesinha ali? — entregou as colheres para Claire. Ela assentiu e saiu da cozinha. —Você está bem?
— Uhum.
ainda não havia virado o rosto para .
— Precisa de ajuda?
— Por que? Também acha que sou incapacitada demais para fazer qualquer coisa sozinha?
respirou fundo e não respondeu. Ela abaixou a cabeça entre os braços e engoliu em seco.
— Me desculpa — ouviu ela fungar — você não merece ouvir isso. — Sem problemas — deu um sorriso fraco, mesmo sabendo que ela não estava vendo — ele é um cuzão.
Eram quase onze da noite e ainda estava na casa de . Howard contava alguma das suas aventuras de quando tinha vinte e poucos anos, se gabava das montanhas que havia subido e as decisões arriscadas que havia tomado, como por exemplo acampar sozinho em uma floresta conhecida pelos ursos agressivos, essa parte realmente questionou se era verdade. Joe escutava tudo atentamente, Margo fingia não estar dormindo ao lado do marido. Claire e Elijah dormiam no quarto e estava em silêncio. Havia trocado poucas palavras desde o momento que partiu o bolo e distribuiu para todos. Ela brincava com os dedos e parecia estar bem longe de ouvir qualquer coisa que falavam. também não escutava nada, mantinha seus olhos em tentando achar algum tipo de emoção, mas só conseguia encontrar um vazio enorme.
— É melhor ficar esperto Joe — Howard bateu nas costas do homem — Tem alguém querendo roubar seu lugar.
revirou os olhos.
— Para você tudo é sobre “roubar” a mulher de alguém? Tomar o lugar de outra pessoa? — se apoiou nos joelhos — se pensa tanto sobre isso provavelmente é porque está colocando outra pessoa no lugar da sua mulher. Howard se levantou furioso.
— Quem você pensa que é para falar assim de mim?
— Quem você pensa que é? — também se levantou. — Chega aqui e fala coisas insensíveis sobre todo mundo e espera que ouçamos calado? — Entendi — riu. — Você está todo sensível assim porque sabe que no final do dia — chegou mais perto de e sussurrou — não é pra você que ela vai dar. — O silêncio começou a estressar . Ninguém dizia nada, apenas olhavam para baixo e coçavam a cabeça. Aquelas pessoas deveriam ser quem lutariam por , mas ninguém o fez. Deixaram com que Howard desse risada e a humilhasse. viu os olhos de se encherem de lágrimas, seu coração apertou e gostaria de impedir que ela escutasse qualquer outra palavra que Howard falava — Mas não seu preocupe meu velho, ela logo vai acabar dando para você também, é assim que é.
não viu, mas sentiu seu punho indo contra o maxilar de Howard. O choque demorou para chegar em seu cérebro, mas quando aconteceu sentia a
mão latejar e jurava que tinha quebrado algum dedo. Olhou para o punho sangrando e verificou se estava tudo no lugar.
Howard estava caído no chão a poucos centímetros da mesa de centro. Ele havia batido a cabeça no sofá, então ficaria bem. Joe e Margo correram até Howard e cada um se posicionou ao seu lado o ajudando a levantar. O lugar golpeado estava vermelho e ele parecia estar atordoado.
— Vamos Howard — Joe o empurrava para fora do apartamento. Não sabia como, mas Margo, com os olhos vermelhos e chorosos, estava de pé segurando o filho.
— Eu sinto muito — Margo gaguejava — Eu não sei o que aconteceu com ele. Eu... me desculpa. Howard não é assim, você sabe. Me desculpe por estragar o seu aniversário.
forçou um sorriso.
— Tudo bem ele bebeu demais, e afinal, já vivi trinta e sete aniversários esse é só um deles — antes de deixar Margo falar algo, ela continuou — me ligue se precisar de alguma coisa.
Envergonhada Margo foi embora.
Quando a porta foi fechada se debulhou em lágrimas, sentou no sofá com as mãos no rosto tentando não fazer nenhum barulho. Não sabia exatamente o que fazer, ficar ali parado a encarando não parecia ser a melhor opção, então se sentou ao lado dela enquanto passava gentilmente as mãos no cabelo de , ela se aninhou no peito de e voltou a chorar, dessa vez chorava baixinho. Tinha certeza que ela podia escutar seu coração acelerado, poderia até mentir e dizer que estava assim pela raiva, mas sabia que era o simples toque dela que o deixava naquele estado. — Não sou tão chorosa assim — limpou as lágrimas. Mesmo com a maquiagem borrada ela parecia tão linda. — Aniversários me deixam assim. — Todo mundo fica mais sentimental no aniversário, tá tudo bem — ainda fazia cafuné no cabelo de . — E para ser sincero, se eu fosse você eu teria me trancado no banheiro e choraria por dias.
riu.
— Te admiro muito a viu sorrir entre as lagrimas. — Obrigada — Estava tão próximo a ela que sentia sua respiração quente — Ah meu Deus, me desculpa — ela se levantou rapidamente. — O que foi?
— A sua mão, como ela está? Está sangrando muito, será que quebrou alguma coisa?
riu.
— É sério, não ria! Eu acho que tenho um kit de primeiros socorros, posso limpar com álcool e enrolar uma gaze.
— Não precisa, .
Ela não escutou e subiu para o quarto. Segundos depois voltou com um algodão, álcool e um pacote de gaze. Ela pegou sua mão e despejou um pouco do liquido no lugar sangrando. sentiu arder e fez uma careta. Enquanto limpava ao redor com o algodão ele conseguia ver o rosto inchado e vermelho dela. tinha a pele bastante clara, então era perceptível qualquer mudança em seu humor. E a ver daquela forma partia seu coração.
— Quase acabando — ela colocou uma fita para segurar a gaze e deu um sorriso — Pronto.
Joe pigarrou atrás deles.
— Eles já foram embora.
se levantou rapidamente e o agradeceu.
— Já está tarde — olhou no relógio — Claire tem escola amanhã. — Não vá — pediu segurando uma das mãos de — Fique mais um pouco.
viu as sobrancelhas de Joe se juntarem e os seus olhos cerrarem, pareciam pegar fogo. Poderia lutar pela mulher que estava segurando fortemente sua mão, mas sabia que ela já tinha se desgastado demais.
— Sinto muito, Claire deve estar cansada — beijou a testa de — estou sempre com o telefone em mãos, se precisar de alguma coisa. assentiu.
Com Claire no colo deixou o apartamento de . Ela estava parada no corredor e pouco antes de as portas do elevador se fechar acenou com um leve sorriso no rosto.
Claire dormia com a cabeça em seu ombro e não notou quando foi colocada na cadeirinha e nem quando foi gentilmente deitada na cama. ficou mais um tempo acordado, não conseguia tirar da memória o olhar choroso de enquanto Howard falava sobre ela. parecia uma criança desesperada sem amparo, talvez fosse daquela maneira que ela sempre se sentia.


✤✤✤


enxugava a louça que Joe lavava, não haviam trocado uma palavra desde que e Claire saíram do apartamento. não se importava, na verdade, mal havia notado a presença dele ali. Continuava passando em sua memória a mão quente de a abraçando e acariciando seu cabelo enquanto estava deitada em seu peito e ouvia seu coração bater rapidamente.
— Não vai mesmo falar nada? — Joe a chamou.
— O que?
Ele riu.
— Estou há cinco minutos me abrindo com você e não ouviu uma única palavra?
— Desculpe — enxugou as mãos no pano de prato — estava com a cabeça em outro lugar.
— Tenho medo de perguntar qual seria esse lugar.
E esperava mesmo que não perguntasse. Não estava a fim de entrar nessa briga.
— Você me ama? — a pergunta assustou . Ela não respondeu — É uma pergunta simples , sim ou não.
— Eu... não sei.
— É claro que sabe! — sem resposta, Joe continuou — você está me quebrando por dentro ! Me de uma luz, um motivo, qualquer coisa para que eu possa me segurar e continuar aqui.
abriu a boca algumas vezes, mas nada saiu.
— Não sei o que estou sentindo Joe, não pode me pressionar assim. — Claro — riu —, mas tenho certeza que sabe o que sente pelo médico, não sabe?
engoliu em seco. Seria mais fácil negar e dizer que o ama de uma vez, mesmo que não fosse a verdade. Como as pessoas agem quando alguém são perguntadas sobre amor? Sobre ama-las de volta? Alguns respondem que diriam o “eu te amo” em resposta em segundos pois sentiriam o coração se rasgar de felicidade. Sentiriam a garganta finalmente se abrir e as palavras saírem com naturalidade sobre o quanto tempo esperaram para poder dizer aquelas três palavras. Outros mentiriam e diriam com um sorriso no rosto um “eu também”. estava junto aos que não responderam pois amavam uma outra pessoa.
— Por favor se decida para que eu possa te amar completamente. Joe apertava a bancada da cozinha com força. Estava tão nervoso que sentia suas mãos geladas.
— Eu não quero que me ame — disse.
Ele mordeu o lábio enquanto segurava o choro. Cruzou os braços e olhou para o lado esperando que dissesse que era uma brincadeira. Ela não disse. — Sinto muito — sussurrou. — Se você tivesse aparecido em minha vida há alguns meses...
— Mas ele apareceu primeiro, entendi.
— Você vale a pena Joe — caminhou até ele e segurou seu rosto — merece que alguém te ame tão profundamente que somente o som da sua respiração seria o suficiente para anima-la pelo dia inteiro. Merece que façam loucuras de amor por você, que queiram formar uma família ou que somente sua presença seja necessária até ficarem velhinhos. Que façam planos de estarem sentados em cadeiras de balanço com seus netos correndo e ouvindo suas histórias — enxugou a lágrima que caia do rosto de Joe — vai encontrar alguém tão bom para você, que um dia vai se esquecer de toda a dor.
— A pessoa que eu queria viver tudo isso não me quer.
sorriu.
— Não vai ao menos se lembrar de mim quando estiver olhando sua alma gêmea entrar na igreja.
— Eu preciso ir embora — tirou as mãos de de seu rosto. — Então... isso é um adeus?
— Sinto muito. Eu realmente gostaria de te dizer o mesmo.
Ele assentiu.
Antes de fechar a porta da sala Joe parou no batente.
— Feliz aniversário .
— Feliz vida Joe.
Quando ele saiu, sentiu o peso do mundo sair de suas costas. Sentiu o ar entrando pelos pulmões novamente. Não acreditem quando disserem para fugir da luz no fim do túnel, ela é revigorante.
se jogou no sofá e ouviu ele ranger. O mofo deveria estar se espalhando por todos os moveis da casa. Na mesinha de centro um presente com o nome de e Claire a fez sorrir. Se sentou e com cuidado desembrulhou o presente. Quando abriu a caixa quase pode tocar o céu. Haviam uma coleção extensa de lápis, tintas e canetinhas. Um bilhetinho estava grudado na caixa de couro.

“Para que você nunca pare de colorir o mundo.
e Claire.”

notou o sorriso quando sentiu as bochechas arderem. As cores faziam sua mente borbulhar de ideias para novas roupas, correu até o quarto e pegou um bloco de papel e voltou para a sala. Se sentou no chão e deixou que fosse levada pela criatividade.


Continua...



Nota da autora: Sem nota.





Outras Fanfics:
Caso Fechado: Laços [Originais — Finalizada].


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