Finalizada em: 23/06/2020

Parte um: Doces ou Travessuras

— Você não é um pouco velha para estar pedindo doces ou travessuras?
olhou na direção da voz e deparou-se com um rapaz bem alto – se tivesse que adivinhar, diria que ele media em torno de 1,90 – vestido de preto da cabeça aos pés; casaco e calça de moletom e botas. Era bonito e bem atraente, especialmente considerando a altura, mesmo que seu físico não fosse muito visível por baixo das roupas largas.
— Estou acompanhando minha irmãzinha — respondeu e ergueu o pote laranja em formato de abóbora que carregava em uma das mãos. Estava cheio de doces. — Isto é dela.
— Não quer mais uma companhia? — ele perguntou, aproximando-se com as mãos nos bolsos.
— Acho que estamos bem. — ergueu as sobrancelhas debochadamente e desviou o olhar. O rapaz riu.
— Terá uma festa hoje mais tarde, você pode vir se quiser.
— Eu tenho que ficar com ela.
— Qual é, ainda são seis da tarde. Até que horas vão ficar pedindo doces?
— Até a hora que ela quiser — veio a resposta dura e firme. Ela ainda observava a irmã mais nova parada na entrada da casa em sua frente conversando com outras crianças fantasiadas. Mantinha certa distância, pois sabia que a pequena preferia assim.
— Certo. Bom, até mais tarde. Tenho certeza que nos encontraremos de novo. — Ele sorriu e teve um vislumbre de dentes brancos e perfeitos. Era lindo.
— Em seus sonhos — respondeu, suprimindo uma risada.
Imagine sua surpresa quando o rapaz subiu os degraus que levavam até a entrada da casa em que sua irmãzinha acabara de pegar doces. Ele cumprimentou as crianças e ficou um breve minuto conversando bobagens infantis com elas, depois girou a maçaneta e entrou. Mesmo com o barulho de crianças gritando e pais conversando à distância, pôde ouvir quando ele falou “mãe, cheguei”. Antes de fechar a porta atrás de si, porém, deu uma última olhada na jovem e sorriu de canto. ficou boquiaberta, parada na rua.
Uma hora mais tarde, enquanto caminhavam de volta para casa, e a irmã – que mais parecia a personagem Dani Dennison do filme Abracadabra, tanto em aparência quanto na fantasia – conversavam sobre os planos para aquela noite.
— A mamãe e o papai vão me deixar assistir um filme de terror!
— É mesmo? — ergueu as sobrancelhas. — Qual?
— Se chama Convenção das Bruxas!
— Ei, cuidado para não ter pesadelos depois! — A mais velha riu.
— Mas você vai dormir comigo! — argumentou a pequena. — Não vai?
— Eu não sei, . Sabe que ainda tenho que trabalhar naquela casa assombrada hoje. E, talvez... eu vá em alguma festa. Não sei que horas vou chegar em casa.
ficou comicamente espantada enquanto inspirava alto e segurava o ar por um momento, o queixo caído.
— Você nunca vai a festas!
— Bom, hoje eu estou com vontade de ir!
— Você precisa de uma fantasia! — concluiu, animada.
— Você me ajuda a escolher? — perguntou . — Mamãe deve ter algumas coisas legais.
— Sim! Mas só se você for dormir comigo quando chegar. Mesmo que seja só de manhã!
— Eu prometo. — Ela riu e pegou a mão da irmã, continuando o caminho de volta ao lar.


Parte dois: Casa Assombrada

Uma das maiores tradições do Halloween eram as “casas assombradas”: ambientes saídos diretamente dos filmes de terror onde vários atores perfeitamente caracterizados escondiam-se pelos cantos para assustar os desavisados que pagavam para entrar. achou que seria boa ideia inscrever-se para trabalhar em uma naquele ano e fazer uma graninha extra. Portanto, lá estava ela, às oito em ponto, no camarim enquanto esperava por seu maquiador designado.
A sala estava abarrotada, com outros funcionários também sendo maquiados após já terem passado pela troca de figurino. Finalmente, em certo ponto, ela percebeu a porta se abrindo e alguém entrando. Virou na esperança de ser seu maquiador, uma vez que era a única que faltava, e sentiu seu coração bater mais rápido quando viu quem o acompanhava logo atrás. Ele estava impecavelmente caracterizado de zumbi, mas ela o reconheceria em qualquer lugar.
— Eu falei que iríamos nos encontrar de novo! — ele disse alegremente, enquanto sentava-se na cadeira ao lado da de .
— Achei que tivesse uma festa para ir — ela respondeu malcriada.
— Achei que tivesse mais doces para pedir — ele rebateu.
Os dois ficaram encarando-se por um momento até que o maquiador pigarreou e perguntou:
— Estou atrapalhando algum tipo de tensão aqui?
— Não! — responderam em uníssono.
— Certo, então. , querida, desculpe a demora. aqui — apontou para o rapaz — deu um pouco de trabalho então tive que recomeçar a maquiagem dele. Em outra sala, onde certas pessoas não pudessem atrapalhar. — Rolou os olhos.
— A culpa não é minha que as garotas gostam de mim — brincou.
— Ele está de maquiagem? — franziu a testa ironicamente, fingindo confusão e ignorando de propósito o fato de que ele provavelmente estivera flertando com as outras garotas presentes. — Eu nem reparei.
riu pelo nariz, analisando-se no espelho. O figurino parecia muito com o que usava quando viu a garota pela primeira vez, com exceção dos rasgos e todo o sangue falso.
O tempo voou enquanto finalizava seu visual de garotinha fantasma da era vitoriana e, por fim, todos os personagens reuniam-se uma última vez antes de cada um ir para seu posto e as portas da casa se abrirem. deu um leve puxão em uma das tranças de , provocando-a, e um último olhar foi compartilhado entre os dois, que não se viram novamente até a meia-noite, quando a atração terminou.
Após já estarem de volta nas roupas anteriores e com as maquiagens e adereços devidamente removidos, ele aproximou-se dela, que já colocava uma mochila nas costas, pronta para ir embora. Ela deu as costas antes mesmo que ele tivesse a oportunidade de comentar o que tinha em mente, o que fez com que suspirasse pesadamente. No segundo seguinte, entretanto, seu rosto iluminou-se com uma ideia.
não conseguia parar de pensar em ; ele não parecia ao todo ruim, embora as farpas e provocações que vinham trocando desde o início da noite, mesmo nunca tendo se conhecido antes, eram no mínimo viciantes. Era um pequeno jogo de gato e rato que mantinha as coisas interessantes. Ela pensou em virar-se e voltar para o interior do lugar, em uma tentativa de continuar aquelas brincadeiras.
E realmente o fez, mas quando girou nos calcanhares sentiu seu coração afundar de susto e os olhos arregalarem-se. Seu grito veio assim que viu a figura mascarada segurando uma faca logo acima de sua cabeça e, enquanto tentava adequar a respiração, escorada na parede e paralisada pelo medo, ouviu risadas abafadas. Então, ninguém menos que revelou-se por baixo da máscara, removendo-a para que pudesse ver melhor a cara assustada de .
— Seu idiota! — ela gritou, desferindo leves tapas e socos contra o peitoral dele. A expressão assustada havia dado lugar a uma bem irritada.
— Não pode me machucar, você é miniatura — zombou ele, segurando-a pelos pulsos.
— Eu meço 1,75 se quer saber.
— Somos mesmo da mesma espécie? — questionou debochado.
— Isso vai ter volta.
soltou-se do toque dele – sua pele parecia queimar onde ele havia segurado, mesmo sem qualquer força aplicada – e continuou seu caminho para longe dali.
— Ei, você ainda não sabe onde é a festa — comentou em voz alta.
— Quem disse que eu quero ir? — Ela virou-se para trás apenas para lançar um olhar desinteressado.
— Como vai se vingar de mim? — Ele sorriu, ignorando a resposta seca, e pôs um candy corn na boca. Por algum motivo, seu estilo largado e despreocupado era muito atraente. — É na casa dos Strode e já vai começar.


Parte três: Festa

A casa dos Strode já estava tão abarrotada quanto era possível – talvez até um pouco mais do que isso. A música estava alta, proveniente de uma playlist impecável de Halloween, e as pessoas começavam a ficar bêbadas. Talvez não devesse ter passado tanto tempo na frente do espelho admirando a fantasia que havia customizado: uma roupa sexy de policial, porém usada junto a uma máscara de zumbi assustadora para dar um contraste engraçado. Ela estava orgulhosa.
Por sorte, havia levado consigo um pouco de dinheiro, uma vez que para ingressar na tremenda festa que rolava era necessário pagar uma quantia de dez dólares – detalhe que se esquecera de mencionar. Após entregar o dinheiro ao ceifador sinistro parado no jardim, adentrou a sala de estar e caminhou sob as luzes ultravioletas e de neon entre as pessoas fantasiadas dos mais diversos tipos.
Subitamente, sentiu um leve puxão no braço. Um homem com a máscara de Jason Voorhees pendendo do pescoço a parou e começou a puxar assunto, claramente dando em cima dela enquanto a enchia de elogios e a encarava com indivisível interesse, mesmo que o rosto da garota estivesse coberto por uma máscara horripilante.
— Ei, idiota — uma mulher o chamou. — O namorado dela está logo ali, deixe-a em paz.
não entendeu aquele comentário e soltou uma risada um tanto sem graça, agradecendo mentalmente pela confusão. Desvencilhou-se do aperto de “Jason” e continuou a andar. Ela não tinha namorado algum, mas percebeu do que se tratava quando olhou mais adiante e notou um rapaz vestido de uniforme policial similar ao seu, tirando a parte sexy. Como se não bastasse, ele também usava uma máscara; porém era de um palhaço assustador. Ela pensou em se aproximar, mas resolveu procurar por no meio de toda aquela gente primeiro.
Ela ainda não sabia exatamente o motivo, mas sentia-se atraída por ele. E, após alguns copos de ponche alcóolico e outros shots de tequila, já começava a pensar em apimentar um pouco as provocações que trocavam. Isto é, caso conseguisse encontrá-lo. Não o achava em canto algum da enorme casa, exceto em sua mente que já estava ficando enlouquecida com a falta dele.
— Ora, se não é minha namorada — ouviu uma voz abafada e desconhecida proferir a seu lado. Quando virou o rosto, percebeu ser o policial do início da festa. — Já tive que convencer três garotas de que sou solteiro, mas elas não acreditaram muito. Disseram que já haviam visto minha namorada por aqui. Você está estragando minhas chances, estranha.
riu alto com aquilo, metade por realmente ter achado graça e metade por já estar levemente mais animada graças à bebida.
— É, eu também ouvi isso essa noite. Parece que te devo uma, não?
Não sabia o que estava fazendo, mas se não conseguisse encontrar , então teria que se divertir de outra forma, com outra pessoa. Aquela parecia uma boa ideia.
— Eu acho que sim — o rapaz respondeu. — Mas pode me prender também, se quiser, policial. Na verdade, eu imploro. Me prenda.
— Isso só depende de você. Vai se comportar essa noite?
— Nem um pouco.
Os dois compartilharam uma risada sincera e gostosa com aquilo.
— Eu gostei da sua máscara — ela comentou.
— Jura? Obrigado. É uma crítica, na verdade, aos palhaços que temos na polícia.
— Não poderia ser mais perfeito. E eu sou um zumbi do sistema, não vê?
Era óbvio que se dariam muito bem. Os dois passaram mais duas horas sentados ao pé da escadaria da casa dos Strode, apenas levantando-se para irem buscar mais bebidas ou petiscos. surpreendeu-se pelo fato de que, acima de tudo, estavam tendo conversas profundas sobre a vida, o espaço, o destino, entre outras coisas. Além disso, a tensão sexual que se formava aos poucos era óbvia e quase palpável para os dois. Eles mantinham os joelhos colados um no outro e às vezes os dedos das mãos roçavam-se despreocupadamente. Havia apenas um detalhe engraçado sobre tudo isso: ainda não haviam removido a máscara uma única vez.
— Eu me pergunto como você se parece debaixo dessa máscara — ela comentou em certo ponto.
— Eu me pergunto o mesmo sobre você. Se esse rostinho estiver no mesmo nível desse belo corpo... — ele deixou o resto da frase sem continuação.
Ela riu timidamente.
— Cafona! Mas, certo, vamos tirar. No três.
— Um...
— Dois...
— Três! — finalizaram a contagem em uníssono. Então, a coisa mais bizarra aconteceu.
?! — ela exclamou.
. — Ele suspirou.
Ficaram se encarando por alguns segundos com a testa franzida, tentando fazer aquilo ter sentido. Finalmente, a puxou para um beijo. E retribuiu com prazer na mesma intensidade. Poucos minutos depois, em outro lugar da casa, ela sentiu as costas baterem contra uma parede de azulejos.
— Certo, o que está acontecendo? — perguntou ofegante.
— Acho que estamos nos pegando no banheiro dos Strode — respondeu entre um beijo e outro no pescoço da garota, igualmente sem ar.
— Mas você me irrita! — Ela fez charme com uma voz melosa, mas logo cortou o fingimento com um grito divertido quando ele a pegou no colo com ridícula facilidade.
a pôs sentada na pia e apalpou suas coxas, subindo aos poucos até atingir a barra da saia azul-marinho que usava. Um gemido baixo escapou da garganta dela, o que foi correspondido com outro extremamente sôfrego vindo de . Do lado de fora, música alta continuava a tocar e as batidas faziam um ótimo trabalho de abafar os sons que faziam.
— Você tem cheiro de canela — murmurou contra a pele de , que sorriu.
Enquanto ele espalmava cada parte do corpo dela que conseguia – seios, cintura, nádegas –, ela focava em correr os dedos pelos cabelos castanhos e macios do rapaz enquanto o beijava longa e profundamente, aproveitando cada centímetro daqueles lábios carnudos e daquela língua. Hora ou outra, beijava-o no pescoço e gemia baixo com seus toques mais íntimos, sentindo o membro duro do rapaz roçando contra si.
— Quer mesmo fazer isso aqui? — ele perguntou antes de puxar uma camisinha do bolso.
— Quero. — Ela arfou, já suficientemente molhada.
No momento seguinte, porém, batidas violentas na porta assustaram os dois. sentiu o coração acelerar de nervoso.
— Ei, meu amigo está passando mal! Saiam logo daí ou ele vai vomitar a casa inteira!
— Merda — sussurrou, mas colocou-a de volta no chão e olhou-se no espelho para ajeitar as roupas e o cabelo. fez o mesmo.
Aquilo era definitivamente um corta-clímax enorme, então eles apenas abriram a porta do banheiro e voltaram para a festa como se nada tivesse acontecido. Por sorte, graças à pouca iluminação, ninguém pôde notar o membro de latejando contra a calça.
— Quer sair daqui? — ela perguntou. — Conheço o lugar ideal. — Sorriu maliciosamente.
— Só se for agora.


Parte quatro: Abóboras

?
— Oi.
— Quando disse que conhecia o lugar ideal... Eu estava pensando em algo mais... íntimo. — fez uma careta ao mesmo tempo em que um grito ecoou bem a seu lado; apenas alguns adolescentes bêbados tentando assustar uns aos outros e furar fila. riu.
— Essa é a casa mais assustadora da região! Eu sempre quis visitar, mas nunca tive companhia... — explicou e fez biquinho.
— Está me subornando com uma história triste? — ele perguntou, sorrindo.
— Um pouco. — Ela sorriu de volta. — Além disso, nós temos muito tempo para transar ainda. Essa casa só está aqui uma vez por ano.
— Você tem um bom argumento — disse, envolvendo-a pela cintura, por trás, com braços surpreendentemente fortes. Apesar de alto e grande, ele não era exatamente musculoso – parecia mais esbelto, como um modelo. — Quer conhecer a minha depois?
— Sem dúvidas. — Ela aninhou-se naquele abraço por um instante antes de puxá-lo para frente, dizendo animada: — Vamos, é nossa vez!
A casa ficava ao fim de uma imensa e deslumbrante plantação de abóboras; para onde quer que olhassem, viam abóboras grandes, suculentas e de cores vivas. Ali mesmo, no caminho entre o campo de plantio, alguns sustos já eram tomados por conta dos diversos funcionários fantasiados espalhados pela propriedade. Podia-se dizer que a atração já começava ali mesmo, antes mesmo de pagar pelo ingresso, o que era a melhor parte.
tomou a mão de assim que adentraram o casarão junto com outro pequeno grupo de pessoas. Ele decidiu não dizer nada, fingindo não notar, pelo que ela agradeceu mentalmente. Era um local enorme, escuro e arejado, rodeado de mobílias provavelmente datadas da era vitoriana, lustres belíssimos pendendo do teto alto, alguns espelhos cobertos por panos escuros, luzes piscando e saídas de ar frio. Uma comprida escadaria forrada de veludo carmim os aguardava ao fim da sala principal.
Algumas pessoas foram desafiadas pelo guia a retirarem os panos dos espelhos, e pulava de medo pelos sustos que outros levavam com isso, fazendo rir como um bobo. Aparições surgiam quando viravam nas esquinas dos corredores, quando checavam debaixo das mesas e camas e quando olhavam para trás. Quando subiram as escadas, o nível aumentou, fazendo perfeito jus a fama de melhor casa assombrada da cidade.
, você trabalha em uma casa assombrada — relembrou, ainda rindo.
— É diferente! — ela teimou, agarrando-se a ele e quase chorando, mas estava animada ao mesmo tempo. Era divertido porque era inofensivo, mas ainda tenebroso. apenas sacudiu a cabeça e passou um braço ao redor dela para assegurar que tudo estava bem.
Quando finalmente saíram, pela porta dos fundos, perceberam que o campo de abóboras ainda se estendia até ali atrás. Encontraram alguns funcionários sem caracterização que checavam se todos estavam bem. Ali, contavam com um estoque de garrafas d’água e docinhos para acalmar os mais afetados, além de presentarem cada participante com uma pequena abóbora.
— Uau, isso é quase um cuidado pós-sexo sadomasoquista — comentou olhando ao redor.
— Você parece entender muito sobre isso. — rolou os olhos. Era ciúmes? Ele apenas riu, beijando-lhe a testa.
— Venha, vamos esculpir essas abóboras.
— Com o quê?
— Isto. — Ele puxou um canivete suíço de um dos bolsos da mochila, onde também haviam guardado as máscaras de palhaço e zumbi.
— Que tipo de pessoa carrega uma faca na mochila? Um assassino em série! — Ela fez uma cara engraçada e ele riu.
— Ou um ex-escoteiro.
— Uau, isso é fofo. O que mais tem aí?
— Um tabuleiro Ouija — respondeu sem delongas como se aquilo fosse super comum, já começando a trabalhar no desenho de sua abóbora. pausou.
— Está falando sério?
— Pode descobrir depois. Quero dizer, se não tiver medo, é claro... — ele provocou.
— Eu não tenho medo. — Ela cruzou os braços.
, você estava se borrando há cinco minutos dentro dessa casa. — gargalhou sem tirar os olhos do trabalho manual.
— Vai dizer que você não se assustou? — Deu-lhe um tapinha no braço.
— Meu ponto é: essa casa não é real. O tabuleiro é.
Meu ponto é: essa casa é real, porque várias pessoas a fizeram acontecer, eu vi tudo. O tabuleiro não é, porque essas coisas não existem — contra-argumentou.
— Não acredita em fantasmas? — Ele ergueu uma sobrancelha.
— Não.
Ele riu alto. não soube identificar o motivo do sarcasmo por trás daquilo.
— Ok, você está ferrada! Deixe para esculpir sua abóbora depois. Temos que ir a um lugar agora mesmo.
— Achei que íamos para sua casa.
— Você não é a única que sabe fazer surpresas. Só mais um pouco que já estou terminando.
Uns dez minutos se passaram enquanto finalizava seu desenho na abóbora. aguardava deitada na grama. Em alguns momentos, ela virava o rosto para analisar o semblante perfeito do rapaz que a fazia companhia. Era tão estranho como eles se conheciam por cerca de apenas dez horas! Era estranho também o fato de terem se dado tão bem tão rápido – após as birras terem passado, é claro. Na verdade, parando para pensar, nunca realmente chegou a desgostar dele, e sabia que a recíproca era verdadeira. De fato, ele ainda poderia ser um serial killer, mas seus instintos a deixavam completamente à vontade em sua presença.
— Veja — quebrou o silêncio e girou nas mãos a abóbora em que estivera trabalhando por longos minutos, deixando-a de frente para a garota, que assumiu uma expressão doce no rosto.
! — Sorriu com todos os dentes, um pouco sem jeito. — Está lindo.
— Tem que estar, é para combinar com a dona do nome.
Esculpido em letras perfeitamente desenhadas estava escrito “”.
— É para você.
— Mas a minha está vazia! Você merece uma abóbora fofa também.
— Eu não me importo. — Ele se curvou para um selinho rápido. — Pronta para o desafio?
— Certo, vamos logo jogar com esse tabuleiro idiota. — bufou.
— Aqui? — ele debochou e levantou, esticando uma mão para erguê-la também. — Nananinanão. Venha comigo.


Parte cinco: Cemitério

— Fala sério! — exclamou.
— Eu disse que ia ficar com medo. — riu.
— Qual é, as pessoas dizem que esse cemitério é assombrado.
— Achei que não acreditasse em fantasmas. Vamos. Eu te desafio.
Os dois então passaram pelo maciço portão de ferro escurecido e caminharam por entre as decadentes lápides, cruzes cimentadas e estátuas de anjo. Uma neblina começava a se formar e enroscar nos pés do casal enquanto andavam, tornando toda a atmosfera ainda mais sombria e eriçando todos os pelos nos braços de . A lua cheia parecia reluzir no céu escuro salpicado de estrelas igualmente brilhantes. Quando atingiram a fachada de um sinistro, porém belíssimo mausoléu, sentou-se nos degraus e convidou para juntar-se a ele em frente àquela grandiosa tumba.
— Certo, vamos logo com isso.
Ele puxou o tabuleiro Ouija e sua plaqueta da mochila e depositou tudo no espaço ao chão entre os dois, ao lado das abóboras.
— Se quiser, posso ir primeiro, sozinho — sugeriu e concordou.
Logo, ele esticou os dois braços e tocou a plaqueta com apenas os dedos indicadores, fechando os olhos e inspirando fundo. Concentrou-se e fez a primeira pergunta.
— Espíritos... Eu posso brincar?
A plaqueta se moveu até onde estava escrito “SIM” no tabuleiro. zombou.
— Você está empurrando.
Shhh. Não atrapalhe — pediu , abrindo apenas um dos olhos para encará-la. Em seguida, fechou-o de novo para focar na próxima questão. — Espíritos... Será que eu e deveríamos transar aqui e agora?
engasgou e sua gargalhada em seguida ecoou pelo cemitério silencioso, fazendo abrir os olhos e sorrir. Ela apenas observou enquanto a plaqueta movia-se novamente em direção ao “SIM”.
— Você é ridículo! — gritou, rindo, e se jogou em cima de , que caiu para trás, igualmente feliz, sobre o granito frio. então começou a depositar diversos beijos por seu rosto e pescoço. — Os espíritos mandaram, então acho que temos que obedecer.
Já suficientemente despidos de roupas, vestindo apenas as peças íntimas, deitou-se por cima de e trocou um beijo caloroso com ela antes de ir descendo a boca aos poucos por seu corpo, aproveitando cada espaço daquela pele macia que se arrepiava aos poucos.
Quando menos esperaram, após muitos beijos e chupões nos mais diversos lugares, passou a ter a visão perfeita de suas pernas apoiadas sobre os ombros de , envolvendo seu pescoço em um abraço sensual enquanto ele a penetrava com tesão e carinho. , por outro lado, tinha a visão espetacular que era deitada sob si enquanto ele apalpava e acariciava seus seios e a sentia latejar ao redor de seu membro.
Os gemidos de ambos enchiam a noite serena no cemitério e logo se tornaram mais frenéticos conforme o clímax de aproximava. Já em outra posição, mordeu o ombro de enquanto este enterrava o rosto em seu pescoço, inalando o aroma doce de canela em seu perfume enquanto alcançavam o orgasmo no exato mesmo momento em que um lobo uivava ao fundo. Um beijo regado a sorrisos e pequenos risos de alegria selou o fim da relação sexual.
Sentada sobre a pedra escura e fria, já estava terminando de abotoar a camisa da fantasia de volta quando notou algo surreal.
! — ela gritou, agarrando-se a manga da roupa dele com força, mas sem tirar os olhos da plaqueta do tabuleiro Ouija, que agora parecia ter vida própria. — Está se mexendo sozinho! Que tipo de brincadeira é essa? Você armou tudo, não foi?
— Preste atenção nas letras — ele pediu com calma. — O que diz?
— “Você está aí... ?” — A garota juntou as palavras e disse a pergunta em voz alta. — O que... isso quer dizer? Alguém quer falar comigo?
assentiu.
— Você deveria responder.
— Não sei que tipo de brincadeira é essa, mas... O que eu faço?
— Mexa a plaqueta também.
Com isso, ela tocou o objeto com dedos indicadores trêmulos e o guiou até onde dizia “SIM”. O objeto sacudiu algumas vezes, como se alguém o tivesse balançado para lá e para cá com emoção, e viu sorrir de canto. Em seguida, a plaqueta se moveu novamente. Dessa vez, perguntando-a se não conseguia descansar.
— O que isso quer dizer? — Ela olhou para com olhos suplicantes.
— Tente se lembrar. — Ele depositou ambas as mãos grandes em torno do rosto delicado da pessoa confusa em sua frente. — Por favor. Lembre-se. Halloween de 2014.
— Do que está falando? Quem está falando comigo?
suspirou.
— Pergunte.
então levou a plaqueta até cada uma das letras que formavam a pergunta: “Quem é você?” e a resposta quase a fez cair para trás. Houve uma certa demora, mas o tabuleiro acabou soletrando “”.
— Isso é ridículo. — Ela riu sem humor. — , você podia pelo menos ter escolhido alguém mais convincente. Minha irmã só tem oito anos, meus pais nunca deixariam ela brincar com um tabuleiro Ouija.
— Ela não tem mais oito anos, . — Os olhos do rapaz eram cheios de tristeza. Aquilo, somado à frase que ele havia acabado de proferir, a assustou profundamente. — Você quer vê-la?
assentiu, visivelmente perdida e sem esperanças. tocou seu rosto novamente. Ela fechou os olhos e quando os abriu de novo, já não estavam mais no cemitério.
Estavam em um quarto que sem dúvidas pertencia a uma garota adolescente. Pôsteres de boybands e atores infanto-juvenis dos quais ela nunca ouvira falar estavam pendurados nas paredes, assim como fotografias de uma jovem que se parecia muito com ela mesma, mas alguns anos mais nova. Em outra foto, essa mesma garota posava ao lado de seus próprios pais. Quem era aquela? Uma prima distante? Além destas, fotos de e também compunham a decoração do lugar. Foi só quando ela olhou para o pequeno círculo de amigas reunido ao chão no centro do cômodo que ela entendeu.
, ela está demorando a responder — disse uma das meninas que não parecia ter mais de quatorze anos. — Devemos perguntar algo mais?
— Não — respondeu a chamada . Era sua irmã. A única diferença era que ela estava seis anos mais velha. — Vamos esperar. Ela está claramente confusa.
Lágrimas começaram a rolar pelo rosto pálido de e sua expressão era de puro desespero. Logo ela estava em prantos e flashes de uma cena violenta começaram a invadir sua mente.
...
— Estou aqui — disse ele, envolvendo-a em braços fortes. — Está se lembrando, não está? Faça um esforço — pediu. — Você nunca chegou tão longe.
Com o rosto apoiado sobre o peito do rapaz, fechou os olhos e permitiu ser inundada pelas memórias de seis anos atrás, de sua última noite na terra.
Ela e estiveram andando de mãos dadas com saltitando a frente do casal sorridente enquanto pedia doces em todas as casas pelas quais passavam. O clima estava frio como de praxe durante o Outono, mas nem por isso deixava de saborear um picolé de morango. Em seu dedo anelar direito, era possível enxergar um belo anel solitário folheado a ouro branco com um delicado cristal adornando-o. apoiava o braço direito ao redor dos ombros da garota, e um anel similar, com exceção da pedra preciosa, podia ser visto no mesmo dedo. Os dois trocaram um beijo gentil e cheio de alegria. Usavam as mesmas fantasias daquela noite; um casal de policiais com máscaras de zumbi e palhaço sendo carregadas a mão. Mal sabiam que nunca chegariam à festa marcada para mais tarde.
Tudo aconteceu rápido demais. Em poucos minutos, mesmo em meio a tantas famílias passeando com crianças a pedir doces, um assaltante usando uma máscara de um assassino da ficção rendeu e . Eles nem tiveram tempo de conversar. Com extrema rapidez e violência, o desconhecido cortou o pescoço de com um golpe rápido da faca que segurava. A lâmina rasgou a pele fina da garganta e o sangue espirrou para todos os lados, manchando tudo o que tocava – inclusive o rosto antes imaculado de . Ninguém gritou além dela. Até então, tudo parecia apenas mais uma pegadinha de Halloween.
Ela tivera tempo apenas de processar o rosto assustado de sua irmãzinha olhando para trás, vários passos a frente, antes de sentir o fio gelado da faca explorar suas entranhas. Uma, duas, até dez vezes. Foi só então que o tumulto começou. O assassino fugiu e ela caiu na calçada dura ao lado de , já morto, agonizando de dor enquanto gravava o rosto singelo e inocente de uma última vez antes de tudo ficar tudo escuro.
Quando reabriu os olhos, estava de volta ao quarto de , mas parecia que nenhum minuto havia se passado.
— Eu me lembro — sussurrou e engoliu em seco. — Por que... Por que não conseguia antes?
— Todo ano é a mesma coisa. Descansamos um pouco, então o Halloween chega, você desperta e se esquece de tudo. E eu sempre acho que será a última vez, mas não é. E sua irmã tenta contato todos os anos, no aniversário de nossa morte, mas nunca consegue. Você não se lembra até o dia seguinte, quando tudo volta ao normal e nós voltamos ao descanso.
— Eu esqueço de tudo... Até de você?
Ele assentiu.
— E mesmo assim eu tento te dar a melhor noite de Halloween de todas. A que merecíamos ter seis anos atrás. Mas esse ano você se lembrou. Então é hora de dizer adeus, . Precisamos ir embora de vez ou esse ciclo nunca irá acabar.
— Você já conseguiu ver a luz? — ela perguntou.
— Sim... — ele admitiu, um pouco envergonhado.
— E por que não seguiu? Eu perturbo seu sono todos os anos.
— Seguir sem você? Nunca. Está fora de questão.
Após a explicação de , encarou com olhos úmidos sentada no meio do quarto, completamente alheia a sua presença incorpórea ali – ou talvez nem tanto; afinal estava se comunicando com ela através do tabuleiro – e tão, tão corajosa. Ajoelhou-se entre duas das amigas da irmã e pôs as mãos sobre a plaqueta outra vez. Soletrou “estou aqui”.
, você sempre aparece nos meus sonhos — falou em voz alta. olhou para , que deu de ombros. Ela não se lembrava daquilo também. — Está tudo bem?
— Deve ser inconsciente de sua parte, pedir ajuda a sua irmã. Então é por isso que ela sempre tenta contato nessa época. Garota esperta.
sorriu levemente e retomou o controle do tabuleiro para levar a plaqueta até o “SIM”. Em seguida, através das letras do alfabeto espalhadas pelo objeto, passou a seguinte mensagem do jeito mais abreviado que pôde: “Não conseguia descansar. Agora sim. Preciso ir. Com .”
— Eu te amo! — bradou o mais rápido que conseguiu para ter certeza que a irmã não iria embora sem antes ouvir aquilo.
“Eu também te amo” foi o último recado escrito da parte de . Ela então chegou perto do rosto da garota mais nova e depositou um beijo casto em sua bochecha. imediatamente sentiu todos os pelos de seus braços arrepiarem e um delicioso cheiro de canela invadiu o cômodo junto com uma lufada de ar. As outras jovens ficaram impressionadas, de olhos arregalados. apenas riu satisfeita. Finalmente a irmã podia descansar.
— Vamos? — ergueu uma mão para a noiva, agora sorrindo feliz. Ela assentiu.
— Vamos. Acho que mereço descansar pelo resto da eternidade com o cara que me faz me apaixonar por ele todo Halloween.
Foram levados de volta ao cemitério, e dessa vez prestou atenção nos nomes gravados na placa de pedra do mausoléu.
Em memória de (5 de abril de 1990 – 31 de outubro de 2014) e (9 de agosto de 1990 – 31 de outubro de 2014): juntos na vida e na morte e eternamente em nossos corações.
Subitamente, uma forte luz branca iluminou todo o lugar, fazendo e virarem-se para ver. Apesar de tudo, ela não machucava os olhos – pelo contrário, era extremamente prazeroso encará-la. pensou no tanto de força de vontade que tivera de ter e o tanto que ele precisava amá-la para conseguir resistir àquele chamado tão sedutor e hipnotizante. No fim, valera a pena.
Os dois deram as mãos e sorriram um para o outro, caminhando em seguida até o brilho tão especial que finalmente os daria o merecido descanso. Em paz.


Fim.



Nota da autora: Oi gente! Mais uma fic minha aqui e dessa vez eu me inspirei em diversos prompts de escrita para RPG que achei no Tumblr! Eram vários tópicos de sugestões de cenários para dois personagens durante o Halloween e eu resolvi juntar (quase) todos em uma história só, mas esse final mirabolante foi ideia minha hahaha espero que tenham gostado desse surto! Minhas outras fics aqui são: Love on Ice / Thelma e Louise / Tainted Love. Não se esqueçam de comentar e até a próxima!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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