Capítulo 1
Viena, Áustria – junho de 2019
Avisto a fachada verde do Shakespeare Café assim que viro a esquina do quarteirão. Uma brisa agradável bagunça meus cabelos , mas eu não me importo. Sento-me em um banco de madeira que fica em frente à cafeteria, esperando que alguém chegue para abrir o estabelecimento para que assim eu possa iniciar minha manhã de trabalho.
À minha frente, a belíssima Catedral de Santo Estevão brilha com os raios de sol matinais. Os vitrais refletem a luz que irradia do astro, fazendo com que a enorme construção adquira uma aura celestial. Analiso com atenção os arcos da arquitetura gótica do século XII que nunca falha em me impressionar. A imponência da estrutura é simplesmente de tirar o fôlego.
Após alguns minutos observando as primeiras movimentações do dia que começa, vejo Wolf se aproximar. Ela trabalha comigo como barista e garçonete na cafeteria. Confesso que eu tenho um crush nela desde que consegui o emprego há mais ou menos um ano e talvez seja o maior motivo para não ter procurado um trabalho melhor ainda.
Reparo em tudo sobre ela: desde os cabelos que balançam com a brisa ao rosto quase sem maquiagem e até a cor levemente desbotada do all star preto que ela calçava. Um sorriso involuntário se abre em meu rosto. Demoro alguns instantes para perceber que está acompanhada do namorado idiota dela. Vejo que estão de mãos dadas e eu sinto meu estômago revirar.
Ela não entende o que faz comigo quando segura a mão dele.
Eles passam por mim e sorri e acena, me cumprimentando. O imbecil ao lado dela não gosta nem um pouco e me lança um olhar mortal, tenho certeza de que se ele tivesse raio laser nos olhos eu teria virado um monte de pó sobre o banco. Ignorando-o completamente, sorrio de volta e espero enquanto ela abre a loja.
Sentindo minhas mãos tremerem em expectativa, ajeito o lenço rosa bebê em meu pescoço. A iluminação do banheiro de funcionárias é um tanto quanto precária e o espelho manchado pelo tempo, por isso preciso me esforçar para enxergar direito enquanto passo meu batom nude de sempre. Prendo meus cabelos em um coque no topo da minha cabeça, me certificando de que todos os fios estão devidamente presos.
Dou uma última olhada na minha imagem e tento tirar um amassado inexistente na saia do uniforme que também é rosa bebê com alguns detalhes em branco. Após algumas tentativas, julgo estar decente o suficiente para iniciar meu dia de trabalho.
Ao caminhar para a área da cafeteria, amarro o avental branco na cintura. já está devidamente uniformizado com a camisa rosa e avental branco e me espera sentado em uma das mesas para comer algo antes da loja abrir de fato. Meu coração acelera um pouco e sinto um frio na barriga apenas em pensar no sorriso dele ao me cumprimentar alguns minutos antes.
– Bom dia! – falo um pouco animada demais ao me aproximar e entrar atrás do balcão.
Dou uma olhada no forninho e vejo que os muffins com gotas de chocolate que botou para esquentar já estão quase no ponto. O cheiro delicioso deles toma conta de todo o ambiente, assim como o do café que estava acabando de passar.
– Bom dia! – ele responde com um sorriso encantador. – Qual a bebida especial de hoje?
Olho para meu colega de trabalho e não deixo de ficar impressionada com a beleza dele. Toda vez eu me pego encarando-o. Algumas mechas dos cabelos caiam suavemente pela testa, o deixando sempre com um ar despojado e levemente travesso. Ele sempre parecia ter um pouco de barba por fazer e eu amava como isso o deixava ainda mais charmoso. Os olhos brilhavam como se tivessem uma fonte de luz própria para iluminá-los. O belo par de olhos é, sem dúvida alguma, minha coisa favorita nele.
– Ahn... Moccachino! – demoro alguns segundo para assimilar a pergunta e sinto meu rosto esquentar com vergonha. – Com um toque especial, é claro.
Aproximo-me da mesa com duas canecas verdes cheias da bebida cafeinada e um dos bolinhos recém-saídos do forno.
– Tem laranja? – ele questiona após dar um bom gole na bebida quente e eu afirmo com a cabeça. – Muito bom! Achei que o cappuccino com baunilha seria impossível de ser vencido, mas parece que temos um novo campeão.
– Que bom que gostou. – agradeço timidamente, sentindo meu sorriso se alargar um pouquinho mais em satisfação. – Qual música você vai tocar hoje depois do expediente?
sempre tocava uma música no piano depois que a loja fechava. Era uma tradição boba que tínhamos, mas eu gostava de ouvir os lindos vocais dele acompanharem a melodia suave do instrumento.
– Algum pedido em especial? – ele responde com outra pergunta e levo minha caneca aos lábios, ganhando alguns segundos para pensar.
– Me surpreenda.
Ele dá um sorrisinho misterioso, como se eu tivesse falado exatamente o que ele queria ouvir. Meu relógio de pulso apita indicando que era quase hora de abrir a cafeteria. Enquanto ajeito a pequena bagunça que fiz, liga as máquinas de café e começa a distribuir os porta-guardanapo e açucareiros nas mesas.
Assim que está tudo em ordem, viro a plaquinha de “aberto” na vitrine, logo recebendo alguns clientes.
O dia passa rápido, o café é sempre movimentado por ser tão perto de um ponto turístico da cidade. De dentro do estabelecimento eu consigo ver a coloração alaranjada do céu, o que significa que é hora de fechar.
A voz de ecoa pelo ambiente. Ele é um cantor incrível e eu poderia ouvi-lo cantar pelo resto da minha vida. Não conheço a música que ele está performando com tanta paixão, mas isso não me impede de observá-lo enquanto sustento um sorriso besta nos lábios. percebe que eu o olhava e para de tocar quase imediatamente, fazendo um biquinho manhoso ao bater em uma tecla aleatória do piano preto.
– Por que parou? Eu gosto do show particular...
– Confesso que me senti um pouco intimidado.
– Intimidado? – reviro os olhos diante da dramaticidade dele. – , sou só eu. Sempre estou aqui quando você toca a música do dia.
Ele dá um sorriso de lado, que faz meu coração errar as batidas por alguns instantes, e apoia a mão no rosto.
– Mesmo assim, cantar para você é um pouco assustador. – ele diz com um suspiro – Mas eu estava só aquecendo, agora vou tocar a música que pensei para você.
dedilha por alguns instantes e então inicia uma melodia que demoro um pouco para reconhecer como sendo “New Light”, de John Mayer. Ele canta acompanhando o som suave do instrumento e, mais uma vez, abro um sorriso embasbacado. De início, ele mantém os olhos fixos nas teclas. Entretanto, assim que chega ao refrão, seu olhar se encontra com o meu.
But if you give me just one night
(Mas se você me der apenas uma noite)
You're gonna see me in a new light
(Você vai me ver sob uma nova perspectiva)
Nosso olhar não desgruda nem por meio segundo enquanto ele segue cantando. Sinto meu sangue correr rapidamente por meu corpo, me aquecendo, ao mesmo tempo em que o frio na minha barriga me faz tremer em expectativa. Eu não entendo completamente o que está acontecendo – ou talvez eu não queira compreender – e deixo que as várias possibilidades absurdas que consigo pensar encham minha mente de besteiras.
What do I do with all this?
(O que eu faço com todo esse?)
What do I do with all this love that's running through my veins for you?
(O que eu faço com todo esse amor que está correndo em minhas veias por você?)
finaliza a música e eu fico estática. Ele abre a boca para falar, mas é abruptamente interrompido:
– Mas que porra é essa? – parado na porta da cafeteria está Jordan, meu atual namorado. – Você acabou de se declarar para a minha namorada? – a raiva é evidente no tom de voz dele.
Saio de trás do balcão com rapidez, indo em direção ao meu namorado com o intuito de acalmá-lo. Ele está completamente furioso.
– Por favor, Jordan, não seja absurdo! – falo com uma voz trêmula ao passar minhas mãos em seu peitoral. – É só uma música!
Eu sei que as palavras que saíram da minha boca são completamente mentirosas. Ele desvia o olhar, que estava fixo em , até mim. Seu rosto relaxa um pouco, mas ainda vejo o ódio queimando em seus olhos. As palmas das minhas mãos suam um pouco com o nervosismo.
– Vamos lá atrás buscar minhas coisas. Já acabei de arrumar tudo, nós podemos ir embora.
Tomo a mão dele e o arrasto até os fundos da cafeteria. Jordan respira fundo e aperta minha mão com um pouco mais de força que o necessário. De canto de olho, vejo que está cabisbaixo e me sinto mal por colocá-lo nessa situação.
Paramos ao lado do meu armário e me viro para meu namorado. Preparo-me para a discussão que eu sei que vamos ter. Ele sempre fala que meu colega é apaixonado por mim, ao passo que eu digo que ele está falando besteira, mesmo que no fundo eu soubesse que ele não está errado. Jordan nunca gostou de e não vai perder a chance de jogar na minha cara que estava certo o tempo todo.
As batidas aceleradas do meu coração ecoam por meus ouvidos desde que o namorado de apareceu na cafeteria. Não faço a menor ideia de quanto tempo ele ficou lá parado vendo eu me declarar para a namorada dele, só sei que foi o suficiente para deixá-lo a ponto de me matar.
Passo minhas mãos trêmulas pelos meus cabelos e solto um suspiro inconformado. Logo hoje que tomei coragem de falar para tudo o que sinto, o Universo olha na minha cara e dá uma gargalhada.
Eu não estou pedindo muito, só quero que seja eu e ela para sempre.
Escuto alguns gritos vindos da sala para funcionários e me levanto rapidamente. Jordan esbraveja com e uma onda de ódio corre por minhas veias ao escutá-lo falando com ela daquela maneira.
– Você não precisa gritar. – a garota fala com um tom comedido.
Do meu lugar meio escondido atrás da parede que divide os ambientes, Jordan está de costas para mim e tapa parcialmente minha visão de , que está encurralada contra o armário da sala. Ela parecia acuada e fico com medo de que algo possa acontecer.
– Sabe, , – Jordan fala com uma voz baixa e, de alguma maneira, aquele falso tom calmo parecia mais perigoso do que os gritos dele. – Eu te amo. Você é minha primeira namorada de verdade. Meus pais adoram você e sua família. E eu sei que seus pais também gostam de mim.
– E o que isso tem a ver?
– QUE NÓS FOMOS FEITOS UM PARA O OUTRO! – o grito de Jordan faz pular no lugar que estava e arregalar os olhos. – QUE EU NÃO VOU DEIXAR AQUELE IMBECIL ROUBAR A MINHA GAROTA!
– Eu não vou falar de novo que você não precisa gritar. – diz incisivamente. – O não é um imbecil, ele é uma pessoa incrível. E eu não sou sua. Pare de agir como um babaca possessivo, não é uma faceta bonita da sua personalidade.
Fico impressionado com o controle e calma de . Minha vontade é correr até ela e abraça-la. E talvez meter um murro no meio da cara de Jordan, mas isso não vem ao caso.
– É claro que você vai sair em defesa do pobre desamparado. – o rapaz fala com uma risada de deboche. – Pra defender ele do tanto que você faz, no mínimo ele deve transar bem. Estou certo?
Vejo no rosto de que aquela fala do namorado foi a gota d’água.
– Saia agora. – ela caminha até a porta dos fundos e abre com um empurrão violento. Jordan fica parado, parecendo arrependido das palavras que proferiu. – QUE MERDA, JORDAN. SAIA AGORA! VÁ EMBORA!
– , eu...
– SOME. DA. MINHA. FRENTE. NESSE. INSTANTE! – ela berra as palavras e ele sai com a cabeça baixa. Jordan se vira para tentar falar algo, mas ela diz antes: – Acabou tudo! Vá à merda! – e fecha a porta na cara dele.
larga o corpo sobre o banco de madeira e eu escuto os soluços que irrompem de sua garganta. Um pouco incerto, caminho devagar até ela e sento ao seu lado. Coloco minha mão direta em suas costas e a afago, tentando oferecer meu apoio. Ela chora copiosamente por vários minutos e eu apenas faço companhia, sentindo meu coração ficar mais apertado com cada lágrima que escorre pelas bochechas dela.
– Sinto muito que você tenha presenciado isso. – ela diz ao secar o rosto no avental do uniforme. – Eu nem sei o que dizer...
está com os olhos inchados e o nariz vermelho, mas mesmo assim é a criatura mais adorável que eu já vi na vida. Sem pensar duas vezes, passo meu braço ao redor dos ombros dela, a puxando para um abraço.
– Não precisa falar nada. – respondo enquanto ela me abraça pela cintura e deita a cabeça no meu ombro. – Eu que te devo desculpas. Se não fosse aquela música, nada disso teria acontecido.
– A verdade é que a culpa é do Jordan. – diz com a voz exausta. – Ele vem agindo como um grande imbecil e eu já estava farta disso.
Bom, eu sempre soube que ele é um imbecil; penso, porém não falo nada. Me limito a pressionar meus lábios para conter uma risada.
– De qualquer maneira, eu ainda me sinto culpado. E gostaria de te compensar, se você permitir. – a garota se solta de mim e apruma o corpo, me encarando com dúvida no olhar. – Posso me oferecer para te levar para um passeio? Eu vou lhe mostrar como é belo este mundo.
– Você acabou de citar Aladdin? – a risada dela preenche o ambiente e sorrio satisfeito por ter atingido meu objetivo.
– Se estiver fazendo efeito para você ficar mais alegre, sim. Caso contrário, não sei nem o que é. – replico com um sorrisinho esperto. – Falando sério agora. Não é nada muito elaborado, só uma voltinha pela cidade pra te ajudar a espairecer.
Os lábios de se abrem em um sorriso repleto de gratidão e as borboletas no meu estômago de remexem em felicidade.
– Tudo bem. – ela concorda com a cabeça
.
***
Levo para uma praça perto da cafeteria. O local estava lotado de pessoas, algumas em filas para comprar algo em barracas de comida e outras apreciavam a música ao vivo sendo tocada por uma banda de senhores idosos. observa tudo com um sorriso no rosto e fico aliviado que ela gostou da feira improvisada.
– Eles têm Sachertorte! – fala animadamente ao agarrar minha mão e me arrastar até a barraca mais próxima.
Paramos no final da pequena fila e reparo que continuamos de mãos dadas. Ela me dá um sorriso tímido e desentrelaça nossos dedos, o que me deixa triste por alguns instantes.
compra sua fatia de torta e rapidamente come um pedaço.
– Ah! Como eu amo isso! – ela diz suspirando, parecendo genuinamente apaixonada pelo doce. – Essa torta é a perfeição em forma de chocolate e geleia de damasco!
– Damasco é ruim. – comento e os olhos de se arregalam em indignação.
– Como ousa falar isso!
– É apenas a verdade! – eu ri e ela revira os olhos, dispensando meu comentário com um aceno de mão. – Vamos nos sentar um pouco, eu sou um homem cansado.
Sentamos no banco mais próximo. Perto dali, um casal de adolescentes protagoniza uma cena clichê em que o rapaz suja o rosto da namorada com um pouco de chantilly e ela esfrega o rosto no dele, o sujando de volta. abaixa o olhar, parecendo triste novamente.
– Jordan foi meu primeiro namorado – ela fala baixo e limpa os lábios com um guardanapo – Nossas mães eram professoras na escola que estudamos. Eu o conheço desde... sempre. E eu realmente achei que ele fosse o cara certo pra mim. – desvia o olhar do chão para o meu – Acho que esse pensamento me deixou um pouco cega para o mundo ao meu redor. Apesar de que uma parte de mim queria terminar com ele, mesmo que eu não admitisse para mim mesma.
Em um impulso, estico minha mão e acaricio a dela com meu dedo indicador.
– Então por que não terminou antes? – pergunto com curiosidade.
– Parte pela minha família. Eu tenho plena certeza que minha mãe já escolheu todos os detalhes do meu casamento com ele. – dá uma risada seca – E parte por insegurança. – meu semblante se contorce em confusão e ela esclarece – De não encontrar outra pessoa que goste de mim e que eu goste também. O ruim do amor é que não é como um perfume, que a gente escolhe.
– Eu sei bem como se sente. – digo e aperto a mão dela.
– Você?! – ela balança a cabeça, descrente – Conta outra, ! A última coisa que você tem que se preocupar é com encontrar alguém. Você é um cara legal e já deve ter namorado, sei lá, um milhão de vezes.
– Apenas uma vez, para sua informação. – digo ao negar profusamente com a cabeça e ela ri debochada, não acreditando em mim.
– Tenho certeza que você tem uma fila de mulheres atrás de você. – ela finaliza e dá de ombros.
– Não tem, eu te garanto. E mesmo se tivesse, nenhuma delas seria a garota que eu quero. – digo com um tom baixo.
morde o lábio inferior e desvia o olhar.
– E quem seria essa garota sortuda? – vejo que suas bochechas ficam cada vez mais vermelhas.
– Eu cantei uma música pra ela. – o sorriso que carrega nos lábios aquece meu coração. – E o namorado idiota dela quase me bateu. – nós rimos juntos e esconde o rosto com as mãos. – Já mencionei que o namorado dela é um idiota? Tipo, um completo babaca mesmo?
– Imagino que ele seja mesmo.
Ficamos em silêncio, apenas apreciando a música que tocava na praça. Em algum momento, que não sei definir muito bem quando, se encosta em mim e eu apoio meu queixo no topo de sua cabeça.
Nunca imaginei que estaria na situação em que estou: com em uma praça no meio de Viena e livre de um relacionamento que há anos me sufoca. E arrisco dizer que, além disso, nunca imaginei que assumiria para mim mesma meus sentimentos pelo . Desde que apareceu, minha vida ficou cheia de “e se?”.
E se Jordan não for o cara certo?
E se eu terminar? Será que encontro outra pessoa?
E se essa pessoa for ?
E se eu estiver gostando dele?
Faz alguns meses desde que percebi que gosto de mais do que como amigo. De início, tentei reprimir o sentimento. Eu achava que era errado me sentir assim, que era errado gostar de alguém que não fosse Jordan. Com o tempo, entendi que o sentimento não iria embora, porque eu estou me apaixonando pelo .
E existe uma grande liberdade em finalmente admitir isso.
Será que ele também gosta de mim?
E se ele gostar? Será que daríamos certo como casal?
Confesso que a ideia de ficar com vem rondando minha mente há alguns meses. Porém, sempre tive medo de tentar qualquer coisa com ele por achar que não é recíproco, mesmo com Jordan insistindo que o gosta de mim.
De qualquer maneira, agora eu sei que é.
– ? – o chamo e viro meu rosto levemente para cima. – Obrigada. Por me trazer aqui e me ouvir. Significa muito pra mim.
O sorriso que ele dirige para mim faz minhas mãos formigarem de felicidade. Sem dúvida alguma eu quero receber esse sorriso pelo resto da minha vida.
– Sem problemas. – ele diz e dá uma piscadinha – Quando estiver comigo, você pode ser você mesma. Sem julgamentos.
Ele dá um beijo na minha testa e eu me derreto por completo.
Volto a observar alguns casais que dançam pela praça. A banda inicia uma nova música e todos soltam sons de aprovação por se tratar de “Vienna” de Billy Joel. se levanta e estica a mão para mim, me convidando para dançar com ele. O olho um pouco incerta.
– Sem julgamentos, lembra?
Reviro os olhos e tomo a mão dele ao me levantar. Eu apoio minhas mãos nos ombros de , ao passo que ele repousa as mãos na minha cintura. Nos mexemos conforme o ritmo semi-acelerado, me faz rodopiar algumas vezes e então eu o faço rodopiar também. Rimos da nossa dança e ele me puxa de volta, iniciando uma valsa desengonçada. Nosso olhar congela no do outro.
But then if you're so smart, then tell me
(Mas se você é tão esperta, então me diga)
Why are you still so afraid?
(Por que ainda tem tanto medo?)
aproxima nossos rostos, encostando o nariz no meu. O olhar dele transmite uma clara pergunta. Solto um suspiro fraco, fecho meus olhos e espero. Segundos depois, sinto os lábios de beijarem um canto da minha boca. Ele beija o outro lado, me fazendo tremer em expectativa.
E então ele finalmente me beija.
Os lábios de são macios. Minha mão direita repousa na bochecha dele enquanto o puxo para mais perto com o braço livre. coloca a mão direta em meus cabelos e sinto sua outra mão apertar minha cintura. Passo minha língua nos lábios dele e logo nossas línguas tocam a outra, enviando choques elétricos por todo meu corpo. me beija com vontade, arrancando todo o ar remanescente em meus pulmões. Nos sentimos como se estivéssemos pegando fogo. Assim que a necessidade de respirar se faz presente, ele puxa meu lábio inferior devagar, finalizando o beijo, e nós dois sorrimos.
And you know that when the truth is told
(E você sabe que quando a verdade é falada)
That you can get what you want or you could just get old
(Você pode ter o que você quer ou você pode apenas envelhecer)
Uma onda de timidez me atinge e escondo meu rosto, passando meus braços pelo pescoço dele. Inalo o perfume suave dele, que me remete à sensação de sair de um banho. me abraça também, me puxando para ainda mais perto. Ele canta baixinho junto com a música e nos movemos devagar, ambos com um sorriso bobo no rosto. Ficamos nessa posição por algumas músicas, apenas aproveitando a companhia do outro.
***
Apesar de eu insistir para que vá direto para a casa dele, ele faz questão de me acompanhar até onde eu moro com Jordan. Desço do táxi assim que pego o troco com o motorista e segura a porta aberta para mim.
Parados na calçada, me olha como se aquela fosse a última vez que nos veríamos. Abro minha bolsa, pego um perfume miniatura e borrifo algumas gotas em mim para disfarçar o cheiro de . Mesmo que eu esteja tecnicamente solteira agora, sinto que é falta de respeito chegar em casa com cheiro de outro homem.
– Se ele sentir meu cheiro em seu cabelo, – começa a falar com um sorriso convencido no rosto – Desculpe, meu amor, mas eu realmente não me importo.
Solto uma risada baixa e dou um beijo na bochecha dele antes de andar até a entrada de casa. Encaixo a chave na fechadura, mas não abro a porta. Viro-me para , que ainda está parado na calçada.
– Mais uma vez, obrigada. – agradeço e seguro uma risada antes de continuar. – Obrigada por me mostrar um mundo que eu nunca vi e que agora eu posso ver.
– Você acabou de citar Aladdin? – ele repete as mesmas palavras que eu falei para ele horas antes.
– Se estiver te convencendo que estou grata, sim. Caso contrário, não sei nem o que é. – dou uma piscadinha para ele e abro a porta, finalmente entrando em casa.
– ? – me chama assim que começo a fechar a porta. – Eu não me importo com o que as pessoas vão dizer. E você também não deveria. – ele fala ao passar a mão pelos cabelos, claramente nervoso. – Você me deu uma noite, espero que consiga me ver sob uma nova perspectiva.
Reconheço a referência feita à música que ele dedicou para mim e meus lábios formam um sorriso involuntário. Sei que temos um longo caminho para percorrer e estou disposta a dar uma chance para ele.
– Pode ter certeza que sim.
– Então, por favor, venha comigo.
O tom de voz dele é suplicante e por alguns instantes fico tentada a jogar tudo para o alto e simplesmente ir com ele. Porém, meu lado racional grita mais alto e decido que é melhor não meter os pés pelas mãos. Preciso resolver uma série de coisas comigo mesma e na minha vida antes de engatar em outro relacionamento.
Nego com a cabeça e o olhar desapontado de faz meu coração doer.
– Não se preocupe. – ele diz antes que eu possa pedir desculpa. – Eu entendo. Quando você estiver pronta, eu estarei esperando. Mesmo que seja daqui um ano. Ou dez. – ele solta um suspiro triste. – Eu irei esperar.
– Boa noite, . – digo com a voz trêmula por conta do choro que seguro e fecho a porta sem esperar por uma resposta.
À minha frente, a belíssima Catedral de Santo Estevão brilha com os raios de sol matinais. Os vitrais refletem a luz que irradia do astro, fazendo com que a enorme construção adquira uma aura celestial. Analiso com atenção os arcos da arquitetura gótica do século XII que nunca falha em me impressionar. A imponência da estrutura é simplesmente de tirar o fôlego.
Após alguns minutos observando as primeiras movimentações do dia que começa, vejo Wolf se aproximar. Ela trabalha comigo como barista e garçonete na cafeteria. Confesso que eu tenho um crush nela desde que consegui o emprego há mais ou menos um ano e talvez seja o maior motivo para não ter procurado um trabalho melhor ainda.
Reparo em tudo sobre ela: desde os cabelos que balançam com a brisa ao rosto quase sem maquiagem e até a cor levemente desbotada do all star preto que ela calçava. Um sorriso involuntário se abre em meu rosto. Demoro alguns instantes para perceber que está acompanhada do namorado idiota dela. Vejo que estão de mãos dadas e eu sinto meu estômago revirar.
Ela não entende o que faz comigo quando segura a mão dele.
Eles passam por mim e sorri e acena, me cumprimentando. O imbecil ao lado dela não gosta nem um pouco e me lança um olhar mortal, tenho certeza de que se ele tivesse raio laser nos olhos eu teria virado um monte de pó sobre o banco. Ignorando-o completamente, sorrio de volta e espero enquanto ela abre a loja.
Dou uma última olhada na minha imagem e tento tirar um amassado inexistente na saia do uniforme que também é rosa bebê com alguns detalhes em branco. Após algumas tentativas, julgo estar decente o suficiente para iniciar meu dia de trabalho.
Ao caminhar para a área da cafeteria, amarro o avental branco na cintura. já está devidamente uniformizado com a camisa rosa e avental branco e me espera sentado em uma das mesas para comer algo antes da loja abrir de fato. Meu coração acelera um pouco e sinto um frio na barriga apenas em pensar no sorriso dele ao me cumprimentar alguns minutos antes.
– Bom dia! – falo um pouco animada demais ao me aproximar e entrar atrás do balcão.
Dou uma olhada no forninho e vejo que os muffins com gotas de chocolate que botou para esquentar já estão quase no ponto. O cheiro delicioso deles toma conta de todo o ambiente, assim como o do café que estava acabando de passar.
– Bom dia! – ele responde com um sorriso encantador. – Qual a bebida especial de hoje?
Olho para meu colega de trabalho e não deixo de ficar impressionada com a beleza dele. Toda vez eu me pego encarando-o. Algumas mechas dos cabelos caiam suavemente pela testa, o deixando sempre com um ar despojado e levemente travesso. Ele sempre parecia ter um pouco de barba por fazer e eu amava como isso o deixava ainda mais charmoso. Os olhos brilhavam como se tivessem uma fonte de luz própria para iluminá-los. O belo par de olhos é, sem dúvida alguma, minha coisa favorita nele.
– Ahn... Moccachino! – demoro alguns segundo para assimilar a pergunta e sinto meu rosto esquentar com vergonha. – Com um toque especial, é claro.
Aproximo-me da mesa com duas canecas verdes cheias da bebida cafeinada e um dos bolinhos recém-saídos do forno.
– Tem laranja? – ele questiona após dar um bom gole na bebida quente e eu afirmo com a cabeça. – Muito bom! Achei que o cappuccino com baunilha seria impossível de ser vencido, mas parece que temos um novo campeão.
– Que bom que gostou. – agradeço timidamente, sentindo meu sorriso se alargar um pouquinho mais em satisfação. – Qual música você vai tocar hoje depois do expediente?
sempre tocava uma música no piano depois que a loja fechava. Era uma tradição boba que tínhamos, mas eu gostava de ouvir os lindos vocais dele acompanharem a melodia suave do instrumento.
– Algum pedido em especial? – ele responde com outra pergunta e levo minha caneca aos lábios, ganhando alguns segundos para pensar.
– Me surpreenda.
Ele dá um sorrisinho misterioso, como se eu tivesse falado exatamente o que ele queria ouvir. Meu relógio de pulso apita indicando que era quase hora de abrir a cafeteria. Enquanto ajeito a pequena bagunça que fiz, liga as máquinas de café e começa a distribuir os porta-guardanapo e açucareiros nas mesas.
Assim que está tudo em ordem, viro a plaquinha de “aberto” na vitrine, logo recebendo alguns clientes.
O dia passa rápido, o café é sempre movimentado por ser tão perto de um ponto turístico da cidade. De dentro do estabelecimento eu consigo ver a coloração alaranjada do céu, o que significa que é hora de fechar.
A voz de ecoa pelo ambiente. Ele é um cantor incrível e eu poderia ouvi-lo cantar pelo resto da minha vida. Não conheço a música que ele está performando com tanta paixão, mas isso não me impede de observá-lo enquanto sustento um sorriso besta nos lábios. percebe que eu o olhava e para de tocar quase imediatamente, fazendo um biquinho manhoso ao bater em uma tecla aleatória do piano preto.
– Por que parou? Eu gosto do show particular...
– Confesso que me senti um pouco intimidado.
– Intimidado? – reviro os olhos diante da dramaticidade dele. – , sou só eu. Sempre estou aqui quando você toca a música do dia.
Ele dá um sorriso de lado, que faz meu coração errar as batidas por alguns instantes, e apoia a mão no rosto.
– Mesmo assim, cantar para você é um pouco assustador. – ele diz com um suspiro – Mas eu estava só aquecendo, agora vou tocar a música que pensei para você.
dedilha por alguns instantes e então inicia uma melodia que demoro um pouco para reconhecer como sendo “New Light”, de John Mayer. Ele canta acompanhando o som suave do instrumento e, mais uma vez, abro um sorriso embasbacado. De início, ele mantém os olhos fixos nas teclas. Entretanto, assim que chega ao refrão, seu olhar se encontra com o meu.
But if you give me just one night
(Mas se você me der apenas uma noite)
You're gonna see me in a new light
(Você vai me ver sob uma nova perspectiva)
(O que eu faço com todo esse?)
What do I do with all this love that's running through my veins for you?
(O que eu faço com todo esse amor que está correndo em minhas veias por você?)
– Mas que porra é essa? – parado na porta da cafeteria está Jordan, meu atual namorado. – Você acabou de se declarar para a minha namorada? – a raiva é evidente no tom de voz dele.
Saio de trás do balcão com rapidez, indo em direção ao meu namorado com o intuito de acalmá-lo. Ele está completamente furioso.
– Por favor, Jordan, não seja absurdo! – falo com uma voz trêmula ao passar minhas mãos em seu peitoral. – É só uma música!
Eu sei que as palavras que saíram da minha boca são completamente mentirosas. Ele desvia o olhar, que estava fixo em , até mim. Seu rosto relaxa um pouco, mas ainda vejo o ódio queimando em seus olhos. As palmas das minhas mãos suam um pouco com o nervosismo.
– Vamos lá atrás buscar minhas coisas. Já acabei de arrumar tudo, nós podemos ir embora.
Tomo a mão dele e o arrasto até os fundos da cafeteria. Jordan respira fundo e aperta minha mão com um pouco mais de força que o necessário. De canto de olho, vejo que está cabisbaixo e me sinto mal por colocá-lo nessa situação.
Paramos ao lado do meu armário e me viro para meu namorado. Preparo-me para a discussão que eu sei que vamos ter. Ele sempre fala que meu colega é apaixonado por mim, ao passo que eu digo que ele está falando besteira, mesmo que no fundo eu soubesse que ele não está errado. Jordan nunca gostou de e não vai perder a chance de jogar na minha cara que estava certo o tempo todo.
Passo minhas mãos trêmulas pelos meus cabelos e solto um suspiro inconformado. Logo hoje que tomei coragem de falar para tudo o que sinto, o Universo olha na minha cara e dá uma gargalhada.
Eu não estou pedindo muito, só quero que seja eu e ela para sempre.
Escuto alguns gritos vindos da sala para funcionários e me levanto rapidamente. Jordan esbraveja com e uma onda de ódio corre por minhas veias ao escutá-lo falando com ela daquela maneira.
– Você não precisa gritar. – a garota fala com um tom comedido.
Do meu lugar meio escondido atrás da parede que divide os ambientes, Jordan está de costas para mim e tapa parcialmente minha visão de , que está encurralada contra o armário da sala. Ela parecia acuada e fico com medo de que algo possa acontecer.
– Sabe, , – Jordan fala com uma voz baixa e, de alguma maneira, aquele falso tom calmo parecia mais perigoso do que os gritos dele. – Eu te amo. Você é minha primeira namorada de verdade. Meus pais adoram você e sua família. E eu sei que seus pais também gostam de mim.
– E o que isso tem a ver?
– QUE NÓS FOMOS FEITOS UM PARA O OUTRO! – o grito de Jordan faz pular no lugar que estava e arregalar os olhos. – QUE EU NÃO VOU DEIXAR AQUELE IMBECIL ROUBAR A MINHA GAROTA!
– Eu não vou falar de novo que você não precisa gritar. – diz incisivamente. – O não é um imbecil, ele é uma pessoa incrível. E eu não sou sua. Pare de agir como um babaca possessivo, não é uma faceta bonita da sua personalidade.
Fico impressionado com o controle e calma de . Minha vontade é correr até ela e abraça-la. E talvez meter um murro no meio da cara de Jordan, mas isso não vem ao caso.
– É claro que você vai sair em defesa do pobre desamparado. – o rapaz fala com uma risada de deboche. – Pra defender ele do tanto que você faz, no mínimo ele deve transar bem. Estou certo?
Vejo no rosto de que aquela fala do namorado foi a gota d’água.
– Saia agora. – ela caminha até a porta dos fundos e abre com um empurrão violento. Jordan fica parado, parecendo arrependido das palavras que proferiu. – QUE MERDA, JORDAN. SAIA AGORA! VÁ EMBORA!
– , eu...
– SOME. DA. MINHA. FRENTE. NESSE. INSTANTE! – ela berra as palavras e ele sai com a cabeça baixa. Jordan se vira para tentar falar algo, mas ela diz antes: – Acabou tudo! Vá à merda! – e fecha a porta na cara dele.
larga o corpo sobre o banco de madeira e eu escuto os soluços que irrompem de sua garganta. Um pouco incerto, caminho devagar até ela e sento ao seu lado. Coloco minha mão direta em suas costas e a afago, tentando oferecer meu apoio. Ela chora copiosamente por vários minutos e eu apenas faço companhia, sentindo meu coração ficar mais apertado com cada lágrima que escorre pelas bochechas dela.
– Sinto muito que você tenha presenciado isso. – ela diz ao secar o rosto no avental do uniforme. – Eu nem sei o que dizer...
está com os olhos inchados e o nariz vermelho, mas mesmo assim é a criatura mais adorável que eu já vi na vida. Sem pensar duas vezes, passo meu braço ao redor dos ombros dela, a puxando para um abraço.
– Não precisa falar nada. – respondo enquanto ela me abraça pela cintura e deita a cabeça no meu ombro. – Eu que te devo desculpas. Se não fosse aquela música, nada disso teria acontecido.
– A verdade é que a culpa é do Jordan. – diz com a voz exausta. – Ele vem agindo como um grande imbecil e eu já estava farta disso.
Bom, eu sempre soube que ele é um imbecil; penso, porém não falo nada. Me limito a pressionar meus lábios para conter uma risada.
– De qualquer maneira, eu ainda me sinto culpado. E gostaria de te compensar, se você permitir. – a garota se solta de mim e apruma o corpo, me encarando com dúvida no olhar. – Posso me oferecer para te levar para um passeio? Eu vou lhe mostrar como é belo este mundo.
– Você acabou de citar Aladdin? – a risada dela preenche o ambiente e sorrio satisfeito por ter atingido meu objetivo.
– Se estiver fazendo efeito para você ficar mais alegre, sim. Caso contrário, não sei nem o que é. – replico com um sorrisinho esperto. – Falando sério agora. Não é nada muito elaborado, só uma voltinha pela cidade pra te ajudar a espairecer.
Os lábios de se abrem em um sorriso repleto de gratidão e as borboletas no meu estômago de remexem em felicidade.
– Tudo bem. – ela concorda com a cabeça
.
– Eles têm Sachertorte! – fala animadamente ao agarrar minha mão e me arrastar até a barraca mais próxima.
Paramos no final da pequena fila e reparo que continuamos de mãos dadas. Ela me dá um sorriso tímido e desentrelaça nossos dedos, o que me deixa triste por alguns instantes.
compra sua fatia de torta e rapidamente come um pedaço.
– Ah! Como eu amo isso! – ela diz suspirando, parecendo genuinamente apaixonada pelo doce. – Essa torta é a perfeição em forma de chocolate e geleia de damasco!
– Damasco é ruim. – comento e os olhos de se arregalam em indignação.
– Como ousa falar isso!
– É apenas a verdade! – eu ri e ela revira os olhos, dispensando meu comentário com um aceno de mão. – Vamos nos sentar um pouco, eu sou um homem cansado.
Sentamos no banco mais próximo. Perto dali, um casal de adolescentes protagoniza uma cena clichê em que o rapaz suja o rosto da namorada com um pouco de chantilly e ela esfrega o rosto no dele, o sujando de volta. abaixa o olhar, parecendo triste novamente.
– Jordan foi meu primeiro namorado – ela fala baixo e limpa os lábios com um guardanapo – Nossas mães eram professoras na escola que estudamos. Eu o conheço desde... sempre. E eu realmente achei que ele fosse o cara certo pra mim. – desvia o olhar do chão para o meu – Acho que esse pensamento me deixou um pouco cega para o mundo ao meu redor. Apesar de que uma parte de mim queria terminar com ele, mesmo que eu não admitisse para mim mesma.
Em um impulso, estico minha mão e acaricio a dela com meu dedo indicador.
– Então por que não terminou antes? – pergunto com curiosidade.
– Parte pela minha família. Eu tenho plena certeza que minha mãe já escolheu todos os detalhes do meu casamento com ele. – dá uma risada seca – E parte por insegurança. – meu semblante se contorce em confusão e ela esclarece – De não encontrar outra pessoa que goste de mim e que eu goste também. O ruim do amor é que não é como um perfume, que a gente escolhe.
– Eu sei bem como se sente. – digo e aperto a mão dela.
– Você?! – ela balança a cabeça, descrente – Conta outra, ! A última coisa que você tem que se preocupar é com encontrar alguém. Você é um cara legal e já deve ter namorado, sei lá, um milhão de vezes.
– Apenas uma vez, para sua informação. – digo ao negar profusamente com a cabeça e ela ri debochada, não acreditando em mim.
– Tenho certeza que você tem uma fila de mulheres atrás de você. – ela finaliza e dá de ombros.
– Não tem, eu te garanto. E mesmo se tivesse, nenhuma delas seria a garota que eu quero. – digo com um tom baixo.
morde o lábio inferior e desvia o olhar.
– E quem seria essa garota sortuda? – vejo que suas bochechas ficam cada vez mais vermelhas.
– Eu cantei uma música pra ela. – o sorriso que carrega nos lábios aquece meu coração. – E o namorado idiota dela quase me bateu. – nós rimos juntos e esconde o rosto com as mãos. – Já mencionei que o namorado dela é um idiota? Tipo, um completo babaca mesmo?
– Imagino que ele seja mesmo.
Ficamos em silêncio, apenas apreciando a música que tocava na praça. Em algum momento, que não sei definir muito bem quando, se encosta em mim e eu apoio meu queixo no topo de sua cabeça.
E se Jordan não for o cara certo?
E se eu terminar? Será que encontro outra pessoa?
E se essa pessoa for ?
E se eu estiver gostando dele?
Faz alguns meses desde que percebi que gosto de mais do que como amigo. De início, tentei reprimir o sentimento. Eu achava que era errado me sentir assim, que era errado gostar de alguém que não fosse Jordan. Com o tempo, entendi que o sentimento não iria embora, porque eu estou me apaixonando pelo .
E existe uma grande liberdade em finalmente admitir isso.
Será que ele também gosta de mim?
E se ele gostar? Será que daríamos certo como casal?
Confesso que a ideia de ficar com vem rondando minha mente há alguns meses. Porém, sempre tive medo de tentar qualquer coisa com ele por achar que não é recíproco, mesmo com Jordan insistindo que o gosta de mim.
De qualquer maneira, agora eu sei que é.
– ? – o chamo e viro meu rosto levemente para cima. – Obrigada. Por me trazer aqui e me ouvir. Significa muito pra mim.
O sorriso que ele dirige para mim faz minhas mãos formigarem de felicidade. Sem dúvida alguma eu quero receber esse sorriso pelo resto da minha vida.
– Sem problemas. – ele diz e dá uma piscadinha – Quando estiver comigo, você pode ser você mesma. Sem julgamentos.
Ele dá um beijo na minha testa e eu me derreto por completo.
Volto a observar alguns casais que dançam pela praça. A banda inicia uma nova música e todos soltam sons de aprovação por se tratar de “Vienna” de Billy Joel. se levanta e estica a mão para mim, me convidando para dançar com ele. O olho um pouco incerta.
– Sem julgamentos, lembra?
Reviro os olhos e tomo a mão dele ao me levantar. Eu apoio minhas mãos nos ombros de , ao passo que ele repousa as mãos na minha cintura. Nos mexemos conforme o ritmo semi-acelerado, me faz rodopiar algumas vezes e então eu o faço rodopiar também. Rimos da nossa dança e ele me puxa de volta, iniciando uma valsa desengonçada. Nosso olhar congela no do outro.
(Mas se você é tão esperta, então me diga)
Why are you still so afraid?
(Por que ainda tem tanto medo?)
E então ele finalmente me beija.
Os lábios de são macios. Minha mão direita repousa na bochecha dele enquanto o puxo para mais perto com o braço livre. coloca a mão direta em meus cabelos e sinto sua outra mão apertar minha cintura. Passo minha língua nos lábios dele e logo nossas línguas tocam a outra, enviando choques elétricos por todo meu corpo. me beija com vontade, arrancando todo o ar remanescente em meus pulmões. Nos sentimos como se estivéssemos pegando fogo. Assim que a necessidade de respirar se faz presente, ele puxa meu lábio inferior devagar, finalizando o beijo, e nós dois sorrimos.
(E você sabe que quando a verdade é falada)
That you can get what you want or you could just get old
(Você pode ter o que você quer ou você pode apenas envelhecer)
Apesar de eu insistir para que vá direto para a casa dele, ele faz questão de me acompanhar até onde eu moro com Jordan. Desço do táxi assim que pego o troco com o motorista e segura a porta aberta para mim.
Parados na calçada, me olha como se aquela fosse a última vez que nos veríamos. Abro minha bolsa, pego um perfume miniatura e borrifo algumas gotas em mim para disfarçar o cheiro de . Mesmo que eu esteja tecnicamente solteira agora, sinto que é falta de respeito chegar em casa com cheiro de outro homem.
– Se ele sentir meu cheiro em seu cabelo, – começa a falar com um sorriso convencido no rosto – Desculpe, meu amor, mas eu realmente não me importo.
Solto uma risada baixa e dou um beijo na bochecha dele antes de andar até a entrada de casa. Encaixo a chave na fechadura, mas não abro a porta. Viro-me para , que ainda está parado na calçada.
– Mais uma vez, obrigada. – agradeço e seguro uma risada antes de continuar. – Obrigada por me mostrar um mundo que eu nunca vi e que agora eu posso ver.
– Você acabou de citar Aladdin? – ele repete as mesmas palavras que eu falei para ele horas antes.
– Se estiver te convencendo que estou grata, sim. Caso contrário, não sei nem o que é. – dou uma piscadinha para ele e abro a porta, finalmente entrando em casa.
– ? – me chama assim que começo a fechar a porta. – Eu não me importo com o que as pessoas vão dizer. E você também não deveria. – ele fala ao passar a mão pelos cabelos, claramente nervoso. – Você me deu uma noite, espero que consiga me ver sob uma nova perspectiva.
Reconheço a referência feita à música que ele dedicou para mim e meus lábios formam um sorriso involuntário. Sei que temos um longo caminho para percorrer e estou disposta a dar uma chance para ele.
– Pode ter certeza que sim.
– Então, por favor, venha comigo.
O tom de voz dele é suplicante e por alguns instantes fico tentada a jogar tudo para o alto e simplesmente ir com ele. Porém, meu lado racional grita mais alto e decido que é melhor não meter os pés pelas mãos. Preciso resolver uma série de coisas comigo mesma e na minha vida antes de engatar em outro relacionamento.
Nego com a cabeça e o olhar desapontado de faz meu coração doer.
– Não se preocupe. – ele diz antes que eu possa pedir desculpa. – Eu entendo. Quando você estiver pronta, eu estarei esperando. Mesmo que seja daqui um ano. Ou dez. – ele solta um suspiro triste. – Eu irei esperar.
– Boa noite, . – digo com a voz trêmula por conta do choro que seguro e fecho a porta sem esperar por uma resposta.
Fim
Nota da autora: Oi gente! Espero que tenham gostado dessa fic! É um projeto mais curtinho, mas em breve volto com uma continuação da história desse casal fofo. Obrigada por lerem e até a próxima <3
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