Última atualização: 19/03/2021

Capítulo Único

Recomendo a leitura da fanfic com a música I Miss You — MAMAMOO tocando, se possível, no repeat.


Seus sussurros, seus toques
Eles não estão mais aqui
Mas apenas tenho você
Eu sinto sua falta

I Miss You – MAMAMOO


Muitas pessoas já haviam se despedido de seus entes queridos após a tragédia que foi o atentado às torres gêmeas, o World Trade Center. A história contada para quem não foi vítima direta ou por tabela deste ato desumano, movido por uma guerra baseada em princípios políticos, era bem real. Mas ainda assim não retrata 100% do que realmente foi colocado em prática. A comoção pode ser verdadeira, mas o sentimento, este é único e de cada um.
E sabia muito bem sobre isso.
Parado naquele corredor, ouvindo do médico responsável pelo caso de sua esposa, , ele não conseguia se concentrar em nada além do sorriso dela que ainda parecia ser muito vívido em sua memória — era uma luta trabalhar para manter isso, já que em três meses corridos tudo o que ele tinha dela era aquela visão sem vida, de um corpo acamado cheio de aparelhos e com uma projeção inexistente de vida. E no fundo do sorriso dela, como o background das lembranças do porquê ela sorria, tinha o pequeno Joey e sua expectativa.
O maior erro do ser humano é criar promessas. Promessas criam expectativas e expectativas podem gerar satisfação, felicidade, animação, entre outras coisas muito boas, mas em contrapartida pode gerar decepção. E todo mundo sabe que sentimentos negativos sobressaem por completo o oposto. O que fazia com que sentisse como se estivesse levando facadas diretas no estômago, porque havia prometido ao filho que voltaria.
Agora ele era o responsável por levar o desapontamento à criança de apenas cinco anos. Mas o que podia fazer? Esteve mais perdido que qualquer outra coisa ou alguém no labirinto que estava sendo sua vida, não conseguiu formular racionalmente qualquer resposta para quando Joey perguntou se a mãe voltaria logo. Talvez apenas tenha respondido ao menino o que queria ouvir.
E ele queria que voltasse.
Não, ele precisava que voltasse.
Seus sentimentos, anseios e sensações se triplicaram conforme o doutor Saanders lhe explicava que tudo o que podia ser feito por ela, havia sido executado de acordo com um protocolo de excelência, e que ali os médicos empenhados no caso da mulher, que já havia chego com um quadro passado do grave, eram os melhores do hospital. Quiçá do país. Embora ele tivesse consciência disso, seu lado emocional não conseguia lidar com aquela informação. Racionalmente ele pensaria, mas não naquele momento.
Naquele instante que ouviu "Se passou o tempo previsto e amanhã procederemos com o desligamento dos aparelhos, como diz no documento assinado pelo senhor", sua vontade era de pegar o médico pelo colarinho e o obrigar a trazer sua esposa de volta, a trazer a mãe de Joey de volta, a filha de Rose, a irmã de Sue e a dona do labrador mais bobão do mundo. merecia algo melhor do que se despedir de todos daquela forma, com sua vida cortada pela raiz quando muitas coisas se encaixaram e estavam vivendo o auge — de tudo, até mesmo da vida como pais de primeira viagem.
— ...Senhor ?
Ouviu a voz do médico um pouco mais alta e soltou o ar que estava preso, sentindo aquele aperto em seu peito.
— Eu sinto muito por isso, senhor … — Doutor Saanders levou a mão gentilmente no ombro de .
— E-eu… — gaguejou, sendo inundado por suas lágrimas.
— Aproveite o dia de hoje para se despedir… tome seu tempo para isso e amanhã conversamos sobre a parte burocrática. — Saanders o disse, recolhendo os papéis sobre doação de órgãos.
apenas suspirou e se manteve no lugar por aquele curto tempo em que o médico juntou os papéis e fez menção de retomar seu caminho para a direção contrária, que o levaria de volta para sua sala. Entretanto, Saanders sentiu em seu coração, um tanto calejado pelos anos de profissão, que deveria ser a luz para o esposo de sua paciente. Naquele momento era tudo o que precisava: alguém que iluminasse seu caminho, nem que fosse uma meia luz.
Sannders compreendia que o que havia acontecido com aquelas milhares de famílias por consequência daquele ato cruel das Torres Gêmeas, afetou por tabela outras pessoas, e quanto mais próximo, mais pesado e forte era sentimento. Ele mesmo havia admitido muitos pacientes e mais do que esperava acabaram caindo na sua ficha de perdidos. era mais uma dentre os vários nomes. Embora o tempo que ela estivesse ali já fosse o suficiente para que ele conhecesse mais sobre o casal e seu filho de cinco anos. Ele não conseguia mais continuar sendo o que daria as notícias ruins ao homem, então de certo modo, aquele fim lhe causava um certo alívio — até mesmo porque encontraria sua paz e acabaria o sofrimento, todos poderiam seguir em frente. Mesmo que isso acontecesse eventualmente.
— Eu não conheço muito sobre a história de vocês, . — Se aproximou mais um passo, colocando sua mão no ombro dele, tendo sua total atenção agora. — Mas eu conheço sobre casos como o de sua esposa, não que tenha compreensão sobre o que de fato os tiram daqui dessa forma, quando temos tantos artifícios para ajudar, e no fim nenhum é o suficiente — suspirou. — E em casos como o dela, só o tempo poderá curar e explicar. Para você, porque ali… — olhou para a direção do quarto de , vendo seu corpo em cima da cama, coberto por fios e sem vida.
Aquela porta de vidro era cruel para quem passava por ali e via a realidade.
-...Porque ali não tem a vida que você tanto quer que tenha. — Suas palavras eram duras, sim, mas era o que Saanders podia oferecer ao rapaz, nada além da realidade. — Ela vai permanecer na sua vida por mais tempo que você achou que a teria, mas como uma lembrança incrível e o que vocês construíram se encarregará de te mostrar isso.
As lágrimas de eram incessantes, assim como sua dor profunda. Ele se sentia solto em um caminho imaginário e nada do que se passava em sua cabeça o ajudava, porque aquele sentimento de perda só o guiava em um caminho sem nenhum outro. Não sentia nada além da falta que ela já fazia em um mix pesado com a dor.
O amor de sua vida estava partindo.

Amelia já havia visto Joey mais animado em outros dias. O garotinho sempre aparecia na UTI do Mount Sinai e, dentre todos os anos de trabalho da chefe de enfermagem, era de se admirar e ver como ele era diferente dos demais. Os sábados e domingos naquele lugar se tornavam mais alegres com o pequeno, mesmo que ele estivesse lá pelos motivos mais tristes possíveis.
Apesar de ter sua mãe em um daqueles leitos, com aquele background trágico, Joey continuava acreditando em um mundo diferente. E Amelia se sentia frustrada por como o mal do mundo podia ser cruel com crianças como ele, que não sabiam e nem tinham tempo para viver a realidade trágica.
— Por que não trouxe girassóis hoje, Joey?
Saiu de trás do balcão e parou apoiada naquele móvel, com uma mão em sua cintura, olhando para o garotinho que estava se aproximando. Ele parou de frente com a senhora, olhando para os próprios pés.
— Papai disse que hoje iremos levar os que estão aqui embora, então não deveríamos trazer mais. — Sua voz saiu baixa, diferente do costume.
Amelia apenas encarou o pai dele, estava péssimo e ela poderia dizer com tranquilidade que o homem não sabia o que era uma cama há meses. Muito menos ferro de passar ou um bom e bem tomado banho.
— Doutor Saanders deixou os papéis aqui em cima, senhor . — A enfermeira suspirou, de forma sutil. — Se quiser ter o seu tempo, eu entro com Joey e vamos arrumando as coisas para vocês levarem.
Ele assentiu e, depois de passar álcool nas mãos, ela pegou a tão pequena e macia de Joey, o guiando para o quarto. A criança entrou correndo quando ela abriu a porta de correr, impulsivamente Joey subiu na cama e se sentou aos pés de . Amelia não fez nada que o impedisse, já era um momento muito difícil para ele, e tão pouco entendia, o mínimo que poderia fazer pelo garoto órfão era deixá-lo ter aquele momento.
Então ela começou a juntar os itens que decoravam o quarto, colocaria na caixa que tinha ali, a mesma usada para trazer.
— Mamãe… — ouviu a voz de Joey, ainda baixa, começar. — Eu perguntei ao papai hoje porque não iríamos trazer girassóis e ele me disse que é porque você vai embora.
O coração de Amelia se apertou, olhou para o lado de fora do quarto, vendo assinar os papéis em cima do balcão. Aquelas assinaturas permitiram que outros médicos tirassem de qualquer órgão que pudessem, para que outras pessoas tivessem uma nova chance. A chance que ela não teria.
— Então eu perguntei para a tia Sue porque você não poderia ir embora com a gente e porque o papai começou a chorar quando disse isso. — Joey aumentou um tanto de sua voz, parecendo mais convencido. — Ela me disse que é porque algumas pessoas precisaram de você em outro lugar e que agora você vai se transformar em uma estrela para cuidar de mim e deles.
Amelia sorriu involuntariamente com a explicação, lembrando-se que as outras pessoas seriam aquelas que receberiam os órgãos de . A tia de Joey havia sido perspicaz.
— Espero um dia poder conhecer todos eles.
entrou neste mesmo instante no quarto, tentando limpar os olhos e encarando o filho. Amelia resolveu que seria sua hora de sair, levando a caixa com os objetos decorativos que juntou. Jolene entraria por aquela porta a qualquer minuto para dar início ao processo de desligamento dos aparelhos e ela não queria encarar aquela cena envolvendo uma criança.
Os minutos se passaram, ele não conseguia mais estar ali sem sentir que o mundo havia acabado, mas precisava se manter firme pelo filho. Era sua obrigação e o que seu coração mandava. Joey não tinha culpa e ele merecia que o pai não desistisse. Jolene entrou e trouxe com ela aquele ar pesado que ele tanto estava tentando evitar, mas pegou o filho no colo e o aninhou em seu peito, enquanto ela ditava o que faria e ia fazendo.
Conforme os fios estavam sendo desconectados, sentia que seu corpo perdia mais um sentido. Mas em contrapartida, ele, agora, compreendia que ali era somente um corpo e que sua esposa não estava mais naquele ambiente. Ele só queria imaginá-la em um ambiente feliz e com muitas, mas muitas, flores. Principalmente girassóis.
O único barulho que se permaneceu naquele ambiente foi o do monitor, contando os batimentos de , que eram comandados pelo aparelho.
— Eu vou desligar e tirar o tubo, quando o corpo dela estiver pronto, o batimento some e o barulho fica continuo. — A enfermeira explicou, tentando não soar uma vilã para a criança que ouvia. Odiava fazer aquilo, e odiava mais a presença dele ali, não era o lugar para se estar. Mas talvez fosse o que estava dando forças para , portanto decidiu não deixar seu julgamento sobressair.
Joey fechou os olhos, apertando o pai. o abraçou mais forte.
Sentiria tanta falta da mulher que não conseguia mais pensar; não tinha mais coragem de ouvir a música escolhida pelos dois como representação do relacionamento, e torcia para que eventualmente conseguisse; a banda favorita dela, Tears For Fears, agora parecia uma tortura no rádio, o que ele gostaria de poder superar em breve; girassóis se tornaram suas flores mais odiadas e em sua casa não havia mais presença nenhuma de amarelo ou qualquer coisa que se remetesse à flor. Mas tudo isso ele sabia que era a consequência de seu luto, de sua dor e incompreensão, e que o tempo seria capaz de o ajudar a superar aquela falta.
Joey seria o motivo disso tudo. Assim como fora, por muito, o motivo de todas as coisas boas em sua vida. E olhando para naquela cama, naquele momento, ele só conseguiu ser grato. Por tudo, desde o primeiro dia de suas vidas juntos. Não haveria nenhuma música seria triste o suficiente, porque era a felicidade, deveria ser lembrada tal como. E, eventualmente, iria se acostumar a dormir apenas com os lençóis e a ausência dela.
Assim como se acostumou com aquele barulho contínuo do monitor.
Apertou os olhos, sentindo-os inundados.
— Papai… nós ficaremos bem. Ela vai cuidar da gente. — Joey, contra seu peito, disse com toda sua calmaria, como se soubesse que isso seria o combustível para guiar os dois.




FIM.



Nota da autora: Olá!
Primeiramente, obrigada por ler e, se possível, não esqueça de comentar. É muito bom saber o que você achou da história. Segundo, I Miss You não iria existir, mas veio aí haha espero mesmo que tenha gostado ♥
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