CAPÍTULOS: [1]





Songs in My Pocket


Capítulo único


Eu não sabia explicar o que estava acontecendo naquele momento. A chuva caía torrencial do lado de fora e eu me encontrava sentada ao lado da janela, meu olhar se perdia por além da paisagem enquanto minha respiração quente batia no vidro, o deixando embaçado. Encostei minha cabeça devagar na quina da parede ao meu lado, fechando os olhos por alguns segundos enquanto as imagens daquelas tardes invadiam meu pensamento. Aqueles olhos dos quais eu sentia tanta falta, aquele sorriso do qual eu precisava tanto para alegrar meu dia.
Senti uma lágrima solitária escorrer pela minha bochecha, me dando conta logo em seguida e automaticamente levei meu polegar até o meu rosto para secá-la. Sorri para mim mesma, afirmando que não tinha motivos para chorar, sacudi a cabeça e deixei que os pensamentos invadissem de vez a minha mente, perdendo meu olhar mais uma vez na imensidão verde-escura que tomava conta da paisagem ao redor da minha casa. Sempre tinha um lado bom de se viver no campo.

Os dois corriam pelo pasto atrás de um dos coelhos que havia fugido naquela manhã. Tinham os rostos vermelhos pelo esforço. Poucos minutos depois a garota se encontrava no chão, exausta, sua respiração ofegante e as bochechas rubras a denunciavam, não aguentaria mais correr, se fosse da vontade do coelho ele voltaria, se não, tinha certeza que seria feliz por ai.
— Eu não aguento mais, . — suspirou.
— Se eu tivesse meu cavalo aqui… — ele disse, sentando-se ao lado da menina.
— O que? Você já teria caído e se machucado e estaríamos no hospital? Tenho certeza que sim — a garota brincou.
— Cale a boca, ! — o garoto parecia ofendido enquanto gargalhava ao seu lado. — Você já está cansada de saber que sou o melhor cavaleiro da região. — acrescentou, estufando o peito.
— Você só tem dez anos. Com certeza não é o melhor cavaleiro. Aliás, todos sabem que nisso eu sou melhor do que você. — provocou enquanto sentia a primeira gota da chuva que viria a ser uma das piores tempestades que o Reino Unido já presenciara tocar sua testa, anunciando que em alguns segundos sua mãe apareceria no batente da porta para avisar que o café estava à mesa e que não deveriam ficar no campo aberto durante a chuva.


As memorias tomavam conta do meu pensamento, naquele momento me encontrava sorrindo em direção àquele mesmo campo onde anos atrás perdera aquele coelho. O mesmo campo onde passara os melhores momentos de minha vida ao lado de . A sensação que aquelas lembranças me traziam eram muito mais do que difíceis de explicar.

O sol brilhava forte naquela tarde. , agora com quatorze anos, puxava seu cavalo em direção à . Marrom, cauda e crina pretas, os olhos parecendo dois grandes mirtilos brilhavam na direção da garota. Ela então se sentiu confortável o bastante para se aproximar do animal e acariciá-lo. Seu jeito com animais era difícil de explicar, mas eles tinham a tendência a gostar da menina, ela os passava segurança, e tal sensação era recíproca. respirou fundo, deixando que um largo sorriso tomasse conta do seu rosto.
— Cavalo novo? Nem foi seu aniversário. Seus pais te mimam demais, . Assim você nunca vai sobreviver no mundo real, sabia? — provocou. Era de longe o que mais gostava de fazer.
— Ha-ha. Muito engraçado. Eu sou muito capaz de me virar sozinho por aí, senhorita . E… — tinha os olhos fixos nas próprias botas e as mãos firmes nas rédeas do animal. — Ele não é para mim, é para você. Feliz aniversário. — sorriu sem graça.
— O-o que? — a garota agora parecia ter perdido a capacidade de montar frases que fizessem sentido. — P-para mim?
— Sim. — agora tinha o olhar fixo na direção de , permitindo-se rir da reação da garota. — Mas me dei a liberdade de lhe dar um nome. Não podia deixar toda a diversão para você.
— E qual é? — agora tinha as mãos nas rédeas, onde antes estavam as mãos de seu amigo, que agora a ajudava a subir na cela — Não vá me dizer que o nomeou em homenagem àquele jogo estúpido que jogou na cidade naquele dia? Não, não, não! — riu.
— Claro que não. O nome dele é Cheddar. — o garoto tentava parecer sério.
— Como o queijo? Queijo Cheddar? Você não pode estar falando sério. — apresentava dificuldades em acreditar naquilo.
— Blueberry. Não é sua favorita? Esse é o nome dele. — a menina agora tinha os olhos fixos nos de , a boca entreaberta, logo em seguida formando um largo sorriso.
— Você é inacreditável, . Você sabe que eu te amo, não sabe?
— Sim, eu sei. — respondeu, sorrindo tímido para os próprios pés.


Era difícil lembrar de tudo isso sem que várias lágrimas tomassem meus olhos, mas eu sabia que tinha que lidar com isso da melhor maneira possível. A memória do meu maior tombo de cavalo da vida aconteceu pouco tempo depois de ganhar aquele cavalo de . Duas semanas depois minha mãe estaria em casa preparando curativos para a minha cabeça e pernas, além é claro de uma tipóia para o meu braço que havia quebrado. Passei três semanas tomando chás para aliviar a dor que sentia ao ir dormir, todos os vizinhos passavam para me desejar melhoras e me dizer que tive sorte por estar viva sem nenhuma lesão grave, afinal mortes por quedas de cavalo não eram assim tão incomuns. adorava dizer a todos que “vaso ruim não quebra” e que era por isso que eu estava ali, e também dizia que alguém tinha que cuidar do Blueberry, e que por isso ele estava ali. O tempo por ali passava muito mais rápido do que eu desejava.

e , agora os dois com dezoito anos, estavam na casa da garota. Se antes passava pouco tempo em casa, agora então, menos ainda. Com a morte do pai há dois anos, sua mãe teve que começar a trabalhar para sustentar seu irmão mais novo. trabalhava desde os quinze anos de idade, diferente de , que começou a trabalhar aos 11, pelo simples fato de sua família ser mais pobre do que a do garoto. Por essa razão, sempre procurava ajudar sua própria família e a de , que o acolhia como se pertencesse a ela. estava prestes a se casar com um homem mais velho e de outra cidade, sua mão vivia lhe dizendo que ele a daria a vida que ela nunca pôde dar. não se importava com aquilo, não se importava com riqueza alguma, mas estava ali, a poucas horas do casamento, com ao seu lado e tudo o que queria era se congelar naquele momento, com ele ao seu lado, e só ele.
— Eu não quero fazer isso, . — tinha os olhos marejados. Estava muito perto de desabar. a tomou nos seus braços, abraçando-a com força.
— Você não precisa fazer isso.
— Não seja estúpido, é claro que preciso, não há condições de continuar morando nessa casa. Minha mãe não aguenta mais trabalhar por nós duas e tudo o que eu faço o dia inteiro não nos é suficiente para colocar um pedaço de pão à mesa.
, … Olhe para mim. — a segurava em frente a si. Chacoalhando-a com cuidado.
Quando os olhos da menina estavam finalmente fixos nos seus, ele fez o que tinha vontade de fazer há anos, e talvez agora fosse tarde demais. Seus lábios frios tocaram os de , quentes e molhados pelas lágrimas que agora escorriam pelo seu rosto. E por um momento eram só os dois, naquele momento. A garota se afastou devagar do menino, com um sorriso tímido nos lábios, aquela fora a primeira vez em que fora beijada e tudo parecia tão certo como deveria ter sido desde o começo.
— Quando que tudo se tornou tão difícil, ? — soluçou — Há pouco tempo éramos somente eu e você correndo atrás de um coelho idiota. Agora sou eu e o homem com quem estou prestes a me casar…
— Case-se comigo. — interrompeu.
— Não seja idiota, . — sorriu.
— Não estou sendo. Vou agora mesmo lá fora e digo a todos que você se casará comigo. É só você dizer que sim.
— Não é assim tão simples. Nada é. Não mais… — a garota se afastou, virando-se em direção à janela onde podia ver toda a decoração para o casamento pronta.
— É só você dizer que sim. — se aproximou de , ajoelhando-se ao seu lado enquanto segurava sua mão, tirando do próprio anelar um anel e colocando-o no de . A menina riu divertidamente ao notar o tamanho do anel em seu dedo.
— Sim. — levantou-se, abraçando com força pela cintura — Mas devo te avisar que não é nada fácil conviver comigo.
— Você acha mesmo que eu não sei disso?


Me permiti rir da minha própria memória. O anel que havia me dado naquela manhã pertencera ao seu pai, depois a ele e em seguida, a mim. Naquele exato momento, minha mão percorreu a gargantilha ao redor do meu pescoço, encontrando como pingente aquele mesmo anel. Virei-o entre os meus dedos algumas vezes antes de ser tomada novamente por outra lembrança.

e estavam casados há pouco mais de três anos quando ele teve de sair do campo para cuidar de alguns papéis a respeito da morte do pai. Algo em seu inventário não estava certo, o que interferia diretamente na vida de e de sua mãe principalmente.
— Não vá demorar ou mando Blueberry atrás de você. — brincou. — Tem certeza que não quer que eu vá? Não tem muito o que eu possa fazer daqui.
— Sem ofensas, mas não tem muito o que fazer de lá também. — fingiu estar ofendida, levando ao riso.
— Posso te fazer companhia, mas já que não quer… — virou-se de costas para ele.
— Eu adoraria, mas prefiro que fique por aqui onde sei que estará a salvo. — lhe beijou a testa e em seguida os lábios. — Mas antes que eu vá, quero te mostrar algo no qual venho trabalhando nos últimos tempos.
— O que é? Aprendeu um jeito novo de fazer tudo errado? — bufou.
— Cale a boca e preste atenção. — riu, seguido por e em seguida começou a cantar uma canção.

Honey I just can't get around it anymore
You make me feel like home is where you are
And baby I just can't run around it every morning
It's time that I believe it, home is where you are


— Você sabe que eu te amo, não sabe ? — correu em direção aos seus braços, beijando-lhe os lábios com paixão e, mais do que tudo, amor.
— Sim, eu sei. — ele a abraçou de volta como se fosse a última vez em que o fizera, colocando na mão de a letra da música que ele havia escrito para ela.


E de fato foi. A última vez em que o vi. Durante sua viagem sofreu um acidente na estrada que, a princípio, fora considerado como nada grave, mas que o deixou doente por alguns dias, o levando a óbito uma semana depois de sua partida. A notícia só chegou até mim três semanas depois, foi quando eu decidi deixar a casa que tinha com ele e viver na casa onde cresci e estou até agora.
E ainda assim, cinco anos depois de tudo isso, não posso dizer que todos esses anos foram um mar de rosas, houveram dias que eu simplesmente quis desistir de tudo, do nosso casamento, e tudo piorou quando descobri que por mais que tentasse não poderia dar um filho a ele, e depois de tudo, quis desistir de procurar uma razão para viver, até que encontrei, guardada em uma caixa de música, aquela letra. E descobri qual era o meu motivo para viver, enquanto eu estivesse aqui, essa seria a casa dele, comigo. Era por mim que depois de cinco anos continuava vivo, ou pelo menos sua memória continuava.
Apertei minha mão ao redor do papel que segurava, abrindo-o devagar deixando que uma única lágrima caísse por ali, tocando sua assinatura no fim do papel onde se lia:

Honey I just can't get around it anymore
You make me feel like home is where you are
And baby I just can't run around it every morning
It's time that I believe it, home is where you are


The End.



Nota da autora: Essa é a música da fic.




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