Fanfic Finalizada em: 24/01/2019

30- Could this be for real?

"Cause I can't seem to tell if you're fiction or fact."

[…]

- Você vê, Castigo? Ele se importa comigo. Ele finalmente gosta de mim!
Franklin Bert, vestido de corvo, soltou aquele barulho nada parecido com o som de um corvo que vinha treinando.
- Só não se esqueça que não é de verdade! – Exclamou, se remexendo ao meu redor. – Você pode tê-lo feito achar que está apaixonado por você, mas sem a poção de Violeta da Noite ele ainda estaria caidinho pela boba Valerie! Rá-rá-rá!
Em vez de dizer qualquer coisa, fiquei pensando na fala de Castigo, o corvo, e em como ela fazia perfeito sentido na minha vida – como, aliás, toda aquela peça.
- ! – Annabeth sussurrou.
Olhei para baixo, sobressaltada. A professora Elizabeth estava ao lado dela, sussurrando a fala. Balancei a cabeça, voltando a mim.
- Calado, Castigo, ou te transformo em um frango e vendo para o dono da padaria! – Exclamei. Franklin saiu grasnando para longe. – O que importa é que Eric gosta de mim, e só de mim!
- E corta! – Elizabeth gritou lá de baixo. – Perfeito! Vocês dois estão ótimos, mas, Franklin, precisamos conversar sobre esse grasno.
A professora ficou conversando com Bert sobre aquele barulho devastador, enquanto eu me sentei em uma das poltronas, da plateia, pensativa.
- Ei, você está legal? – Annabeth apareceu ao meu lado.
- Humrum. – Assenti. – Só lembrei de uma coisa e perdi a linha de raciocínio.
- Sabe quem mais não consegue encontrar a linha de raciocínio? – Ela ergueu uma sobrancelha. – A Jasmine. Eu cheguei mais cedo para repassar as canções com ela, mas ela simplesmente não conseguia entrar no tom, e errava a letra o tempo todo.
Olhei para Annabeth, estranhando aquilo.
- Pois é. – Ela deu de ombros. – Em toda a minha vida nesse grupo de teatro, eu nunca a vi tão dispersa. Jasmine pode ser uma bruxa, mas é mega profissional. Honestamente, eu fiquei preocupada, porque a peça é na semana que vem!
E eu senti a mesma preocupação, pensando se aquilo teria a ver com o fato de Jasmine não ser a protagonista da peça dessa vez. Mas apesar disso, ela tinha se esforçado até então. Me lembrei então da briga entre ela e Charlie na noite do baile, de como ela estava fora de si. Talvez, por mais bizarro que fosse, alguém devesse falar com ela – alguém que tivesse visto o que aconteceu e que ela não fosse escorraçar. Fazendo o cálculo das opções para isso, percebi que a única que não seria profundamente afetada por uma enxurrada de ofensas vindas dela seria eu. E por mais estranho que fosse, eu também era, entre os presentes naquela noite, quem ela mais respeitava.
Depois que o ensaio acabou, tomei o caminho da minha sala de aula, mas decidi que se visse Jasmine, pararia para saber se estava tudo bem. Secretamente, para ser honesta, estava torcendo para que isso não acontecesse. Mas quando estava passando pelo corredor antes do meu, avistei a garota mexendo em seu armário.
- Beleza. – Falei para mim mesma. – É só perguntar.
O comportamento de Jasmine estava tão esquisito, que seu radar anti-eu nem sequer disparou, de modo que ela não percebeu que eu me aproximei até que falei alguma coisa.
- Jasmine? Ei.
Ela olhou para mim então, de cima a baixo, desconfiada.
- Pie? O que você quer?
-Bom, eu só queria... Saber se está indo tudo bem com os ensaios da peça. – Dei de ombros.
Jasmine bateu a porta do armário com força.
- Aquela fofoqueira da Annabeth já foi atrás de você, não é? – Bufou. – O que ela pensa, que você é a dona da peça?
Engoli em seco, pensando em qual seria a melhor forma de continuar.
- Não, é que... Jasmine, ela só ficou preocupada. Essa peça é importante para a Annabeth. Para todos nós. – Respirei fundo. – E eu... Vi o que aconteceu entre você e o Charlie na noite do baile.
A expressão de Jasmine ficou tão ultrajada que pensei que ela fosse começar um escândalo ou bater na minha cara. Mas continuei:
- Pensei que talvez você quisesse...
- O quê? Conversar? – Ela balançou a cabeça, incrédula. – E por que, de todas as pessoas, eu conversaria com VOCÊ, Pie? Você só pode ter ficado maluca! – Saiu andando.
- Porque... – Falei de longe. – Você não tem mais muita gente com quem conversar.
Jasmine parou de andar pelo que pareceu uma eternidade, mas na verdade foram só alguns segundos. Então ela endireitou as costas e se virou, voltando rápido em minha direção.
- Presta atenção, . – Disse em voz baixa e séria. – Mesmo que eu não tivesse com quem conversar, você ainda seria a última pessoa com quem eu falaria. Por Deus, você só pode estar maluca! – Ela deu uma risada nervosa, passando a mão pelo cabelo. – Se tudo está do jeito que está agora, é porque você veio para esta cidade!
- Eu...
- Ah, quer saber? Esquece. – Ela deu de ombros. – Só não se mete na minha vida, Pie, é sério.
Jasmine foi embora e me deixou ali, sem entender tão bem, mas, de repente, me sentindo mal por ela.

Minha penúltima aula do dia acabou sendo vaga, devido a uma consulta médica remarcada na última hora pela professora. Apesar de gostar de conversar com um ou dois colegas que faziam aquela matéria comigo, eu não queria ficar com ninguém naquele tempo livre. Fui para um ponto distante do gramado ainda baixo e me deitei.
Depois de conseguir deixar um pouco de lado minha conversa com Jasmine, tinha voltado a minha mente o primeiro problema, aquele que surgiu durante o ensaio.
O que eu estava pensando quando esqueci de dizer minha fala era que, assim como acontecera com Ebony e Eric na história, só tinha ficado tão interessado em mim porque eu tinha manipulado a situação para que isso acontecesse.
Afinal, quando nos reencontramos, tinha decidido ficar com a Summer, apesar do que acontecera no verão. Fui eu, com a minha obsessão por fazê-lo gostar de mim – agora eu sabia que era isso, acima das outras coisas – e todos aqueles planos, que tinha desencadeado tantos sentimentos confusos nele.
É claro que isso não fazia de Junior um santo, mas sem dúvida eu tinha uma grande parcela de culpa em tudo que tinha acontecido, e isso estava me deixando preocupada com outras coisas também.
Tirei o celular do bolso, ainda meditativa, e escrevi uma mensagem para Sofia.

Está em aula?

Ela não respondeu de imediato, e fiquei esperando.
- ! – Ouvi a voz me chamar e levei um susto.
Quando olhei para trás, me deparei com .
- Você me assustou. – Falei sem me levantar.
- Desculpe. – Ele disse, se aproximando. – Posso? – Indicou o espaço ao meu lado.
Dei de ombros, sabendo que não poderia repeli-lo para sempre, mas também pensando em minha conversa com Miguel sobre ser honesta com ele também.
- , olha... – Ele disse. – Eu pensei muito no que você disse, sobre viver fazendo a coisa errada e pedindo desculpas depois. Eu percebi que você estava certa.
- Que bom que percebeu, . – Meneei a cabeça. – Fico feliz, de verdade.
- Daqui por diante, isso vai mudar, eu prometo. Eu sei que te deixei muito chateada, mas a última coisa que eu quero é que se afaste de mim por isso justo quando estamos bem.
Engoli em seco e olhei para ele, angustiada com o rumo daquela conversa.
- O que foi? – Ele estranhou minha expressão.
- . – Eu suspirei. – Olha, eu juro que fico alegre em ouvir isso tudo; eu sei que isso vai ser ótimo pra você. Mas não pode mudar por minha causa, entende? Tem que mudar por você mesmo, pelo seu futuro. – Dei um sorriso solidário, segurando sua mão. – Porque eu e você... Nós não somos um casal. Somos só... Bons amigos. – Dei de ombros. – Eu quero que você pense no que quer para a sua vida daqui por diante, entende?
me encarou por alguns segundos, a expressão pensativa. Depois assentiu.
- Entendo sim. – Respondeu sério.
Sorri para ele, apertando sua mão de novo.
- Que bom. – Falei. – Bom, a gente se fala depois.
Saí dali mais leve por sentir que estava fazendo a coisa certa, apesar de ainda um pouco preocupada com . Pelo menos ele parecia bem com o que disse, o que já era um alívio.
Meu celular vibrou quando eu já estava no corredor.
- Sofi. – Eu disse.
- ! – Ela disse feliz. – Que bom que me mandou mensagem, estava doida por um motivo para sair da sala.
- Não era minha intenção te fazer perder aula. – Brinquei.
- Ah, não está acontecendo nada de importante lá, acredite em mim. – Riu. – Mas me conta: aconteceu alguma coisa?
- Algumas. – Ponderei. – Eu quase consegui conversar com o no sábado à tarde, mas aí o apareceu dizendo que tinha terminado com a Amber e começou uma confusão dos infernos.
- O o quê?! – A surpresa na voz dela foi clara.
- É, foi uma loucura. – Balancei a cabeça. – Mas você deve estar feliz em saber. – Provoquei.
- Cala essa boca. – Sofia disse rápido. Era incrível como aquele lance de estar apaixonado por ela a deixava tão sem jeito. Justo ela. – Que pena que não conseguiram conversar! Eu estava doida para saber o que ele ia dizer depois de toda aquela magia do baile.
- Sofia, era sobre isso mesmo que eu queria conversar com você. – Suspirei, me sentando na escada do corredor deserto. – Eu estou... Preocupada com uma coisa.
- O que foi? Pensei que estava tudo bem com vocês dois.
- E está. – Confirmei. – O problema é justamente esse.
- Hum. – Sofia esperou que eu continuasse.
- Acontece que... Hoje de manhã eu estava ensaiando para a peça de Outono a exata parte em que o ajudante da Ebony diz a ela que, se não fossem os feitiços, Eric jamais teria se apaixonado por ela. – Expliquei. – E eu me lembrei do porque, é claro, eu fiz de tudo para deixar ele maluco.
- Sim, faz sentido. – Ela disse.
- É só que depois... Depois eu me lembrei do .
- O quê?! Por quê?!
- Porque a verdade, Sofia, é que eu também posso ter deixado ele confuso com toda a história que criei. – Engoli em seco. – E se o só pensa que está apaixonado por mim porque eu fiz com que ele acreditasse nisso da mesma forma que fiz com o ?
- Não, ! – Ela exclamou, nervosa. – Quer dizer, não, isso... Não é isso. O gosta de você. Ele aceitou entrar na sua farsa por isso.
- Eu bem queria acreditar cegamente nisso, Sofi, mas a verdade é que o sempre foi uma boa pessoa, e podia muito bem estar só tentando me ajudar quando eu baguncei a cabeça dele também. Desde que comecei a pensar nisso...
- . – Ela me cortou. – Eu não posso negar que isso tudo até faria sentido, mas tenta não pirar agora, ok? Quando vocês conversarem, você vai poder esclarecer tudo. Só não se precipite.
- Tá. – Concordei. Mas a verdade era que ainda estava com medo.

🌴💚🌴


Por causa da minha conversa com Sofia e do resto todo, tinha tomado a decisão de ir com calma com . Antes de qualquer coisa, precisávamos conversar sobre o que estava acontecendo, para depois descobrimos o que fazer.
- BU! – Gritaram quando entrei em casa à tarde.
- AH! – Gritei. – Mas que diacho é isso?!
Papai, todo alegre, vestia uma roupa horrorosa que devia ser de quando ele tinha quinze anos, a julgar pelo tamanho.
- Isso é uma roupa que eu costumava usar na época em que você nasceu. – Ele olhou para si mesmo, orgulhoso. – E olha como ainda cai bem!
Eu podia ter errado no palpite da época, mas a roupa ainda era horrorosa.
- O senhor quase me matou. – Coloquei a mão no peito.
- Sabe por que estou usando isso? – Papai perguntou, ignorando meu quase infarto.
- Por que você vai a uma festa à fantasia muito brega? – Chutei.
- Não. Porque nós vamos para New Orleans! – Exclamou.
Meu queixo caiu. Eu não estava entendo nada, mas mesmo assim não podia acreditar.
- O quê? Mas como?
- Bom, uma velha amiga minha e da sua mãe, a Marley, me convidou para o casamento dela. – Explicou, indo para a sala. Eu o segui. – Ela é dona de um bar desde a época em que morávamos lá. É um centro musical maravilhoso, onde eu sempre tocava. E como eu não vou a New Orleans desde que me separei da sua mãe e achei que você pudesse querer conhecer o lugar onde passou seus primeiros anos de vida, confirmei nossa presença.
- É claro que sim! – Exclamei. – Mas a mamãe sabe? E quando vamos?
- Eu telefonei para ela depois que falei com a Marley, mas com o projeto em andamento, ela não vai poder ir. Já nós, vamos na quinta à noite.
- Mas já?!
- Bom, o casamento é no domingo, mas queria que tivéssemos tempo para dar umas voltas e você poder conhecer todo mundo. Além disso, e eu vamos tocar com a banda na festa, então o ideal é que tenhamos tempo pelo menos para um ensaio geral.
- O também vai? – Abri a boca.
- Ele ia avisar a mãe que ia precisar perder aula, mas, sim, ele disse que vai. – Confirmou. Depois pareceu preocupado. – Ah, não! Você não gostou?
- Não, não! Está tudo bem. – Sorri um pouco. – O sempre quis conhecer New Orleans. Vai ser legal.
- É maravilhoso ouvir isso, Rainbow! – Papai se aproximou e me deu um abraço e um beijo. – Estou tão ansioso para mostrar a todo mundo como você cresceu! – Saiu falando pela casa, todo feliz.
A ideia de ir para New Orleans me deixou muito feliz, e ao mesmo tempo, um pouco nervosa – não sabia dizer se por causa do ou se porque aquele havia sido o último lugar em que eu tinha vivido com meus dois pais.
De todo modo, aquela viagem poderia funcionar muito bem. Seria o momento certo para eu saber até que ponto o que sentia por mim era verdade.

🌴💚🌴


- Ah, isso vai ser taaão romântico! – Jodi dizia, rodopiando. – Você e o , dançando sob as luzes de New Orleaaans!
- Jodi, o está indo lá a trabalho, e eu estou indo rever os amigos dos meus pais. – Balancei a cabeça, me alongando.
- Blábláblá! – Emma me ignorou. – "Princesa Tiana e príncipe Naveen, no batuque da cidade!" – Começou a dançar. – Pra completar, você também faz bolos.
Jodi começou a rir e eu fingi estar séria, embora estivesse rindo. Sabia que quando Summer chegasse aquela palhaçada só ia piorar.
- Seu único problema vai ser quando a Amber descobrir que quer abandoná-la do jeito que ela está. – Emma arqueou uma sobrancelha.
- Ah, nem me lembre. – Estremeci. – Ela vai mesmo pirar.
- Até ouço a voz dela. – Jodi fez careta. – “Você não pode fazer isso, !”.
- VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO, !
Olhei para trás e vi com uma cara nada boa se aproximando.
- ? O que foi?
me encarou com os olhos vidrados.
- disse que vocês vão para Nova Orleans, mas você não pode ir enquanto a Amber estiver maluca! – Sacudiu meus ombros. – Não pode deixar ela assim! Não pode me deixar assim!
- , eu sinto muito. – Falei. – Mas meu pai já confirmou nossa presença no casamento. Além disso, você tem que resolver essa situação com a Amber sozinho, e rápido. Eu já tive que enfrentar aquela bruxa da mãe da Summer por sua causa!
- Eu sei. – Ele choramingou. Então olhou para Jodi e Emma. – Por que vocês duas não fazem nada também?!
- Me inclua fora dessa, . – Jodi bateu no ombro dele e se afastou.
- Vou gravar o noticiário quando aparecer a notícia de uma líder de torcida vingativa que atacou o ex-namorado. – Emma acenou, seguindo a amiga.
- Isso nunca vai acabar. – disse, deprimido.
- Vai sim. – Sorri. – Até a mais louca e obcecada das garotas percebe quando é hora de parar, por mais que às vezes demore um pouquinho. – Garanti. – Experiência própria.

Ainda assim, fiquei com pena de e decidi avisar pessoalmente a Amber que estava indo viajar em dois dias. A mãe da garota, que ainda não fazia ideia de que eu era a responsável por colocar na vida dela, me recebeu alegremente.
- Ah, vai ser ótimo para ela te ver! – Ela dizia enquanto me levava ao quarto. – Na minha época de líder de torcida, eu sempre contava com minhas amigas. Na verdade, temos reuniões anuais até hoje.
Não me surpreendeu nem um pouco que ela tivesse sido líder de torcida, a bem da verdade. Se estivéssemos no universo de Digimon, a senhora Hayley seria a digievolução de Amber.
- Pode entrar, querida. – Ela abriu a porta.
O impacto foi grande. Ao contrário da organização que víramos no dia do término, agora havia embalagens de todo o tipo de gordices espalhadas pelo quarto cor de rosa, enquanto a tv na parede reproduzia As Patricinhas de Beverly Hills. Amber estava sentada no meio da cama usando um moletom, com uma tigela de pipoca no colo e a boca toda suja de chocolate.
- ? – Ela disse meio soturna. – Veio assistir As Patricinhas de Beverly Hills comigo? Já está acabando, mas não tem problema; eu coloco de novo no começo.
Amber se esticou para pegar o controle, mas eu corri e segurei seu braço.
- Não precisa! – Dispensei. – Amber, eu vim te avisar uma coisa. Vou viajar depois de amanhã.
Os olhos azuis se arregalaram, como se ela saísse de um transe.
- O quê? Não, você não vai fazer isso comigo, ! – Protestou do jeitinho que as meninas tinham imaginado. – Eu preciso de você! Eu estou deprimida!
- Não, você não está! Você só terminou com um garoto, pelo amor de Deus! – Gritei impaciente. Depois, ao ver a cara dela e pensar na minha hipocrisia, fiquei com pena e me sentei na cama. – Olha só, Amber, desculpa.
- Eu sou uma idiota! – Ela começou a chorar com aquela cara toda suja.
- Não é não! – Segurei a mão dela. – Eu sei que o fim de um namoro, mesmo que um namoro de curto prazo, pode ser muito doloroso e, às vezes, difícil de aceitar. – Meneei a cabeça. – Mas você é uma garota incrível... Quer dizer, olha só pra você! Você é linda, é líder de torcida e ninguém nesse mundo conhece o roteiro de As Patricinhas de Beverly Hills melhor do que você.
Amber deu um sorriso misturado com uma fungada, e então voltou a chorar, me abraçando e me sujando com aquela boca toda suja de chocolate.
- Você é tão boazinha! – Exclamou.
Dei um suspiro, mas sorri. – Nem tanto, Amber. Nem tanto.

🌴💚🌴


Na manhã seguinte, Summer passou na minha casa para me dar uma carona. Claro que ela não deixou passar a história da viagem mais do que as meninas.
- Ah, ninguém merece vocês! – Exclamei.
- Tá, tá bom! Vou parar de te encher! – Ela riu. – Mas eu espero mesmo que vocês se divirtam. A primeira vez que eu viajei com o Junior e a família dele foi tão engraçada!
Em outros tempos, ouvir aquilo doeria um bocado, mas agora não. Eu não conseguia nutrir mais nenhum sentimento de inveja ou ciúme em relação a Summer àquela altura, e perceber isso me fez sentir muito melhor.

- Bom, nos vemos na segunda aula. – Ela disse, seguindo outro caminho, já dentro da escola.
- Até depois. – Acenei. E sem olhar para frente, trombei em alguém que vinha do outro corredor.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Rainbow.
- . – Sorri, meio atrapalhada. – Você... Oi.
- Devia olhar para frente quando anda. – Ele avisou. – Da próxima vez pode esbarrar em alguém bem menos bonito.
Dei risada e rolei os olhos. Era tão bom ter o metido a engraçadinho de volta.
- Então você vai mesmo? – Ajeitei a mochila nas costas. – Amanhã, com a gente.
- Vou sim. Liguei para o seu pai ontem à noite para confirmar.
- Ele estava dormindo quando eu saí.
meneou a cabeça.
- Bom, acho que a gente vai ter tempo para conversar lá. – Disse. – Quero dizer, em New Orleans.
- Acho que sim. – Assenti.
- É... A gente se vê depois então. – Sorriu.
- Tá.
Alguns dias atrás, eu teria dado um beijo na bochecha dele, mas agora que as coisas estavam tão malucas, eu não sabia bem o que fazer. Então, me pegando de surpresa, se inclinou e ele próprio fez isso, dizendo em seguida com um sorriso:
- Tchau, Rainbow.
Ele foi para a aula e eu fiquei ali, a mão na bochecha, sorrindo até me lembrar que 1) eu tinha aula e 2) ainda não tinha certeza sobre .
Assim que me dei conta desses dois fatores, corri para a sala da senhora Turttle, me lembrando do outro fator complicador com o qual teria que lidar naquela manhã:
.
Porque, claro, quarta-feira era o dia da aula de economia doméstica.
- . – O semblante dele se iluminou.
- Oi, .
Por mais que tivesse tido aquela conversa motivadora com sobre mudar de atitude, ainda ficava nervosa em lidar com ele com meus sentimentos como estavam.
- Olha, eu pensei muito no que você disse ontem. – Ele começou.
- Pensou?
- Sim. E descobri que...
- Em seus lugares! – A senhora Turttle chamou nossa atenção, fazendo se calar. – Ou melhor, devo dizer... Em outros lugares. – Riu. – Hoje, queridos, teremos um teste surpresa. E para garantir que ninguém ganhe uma nota que não merece explorando o colega de mesa, vou trocar todos de lugares. Vocês vão ter que fazer uma geleia de frutas!
olhou para mim com uma careta.
- Junior , você vai ficar aqui na frente! – A professora chamou. – Pie, pode ir para a última mesa.
Dei de ombros, enquanto cada um de nós seguia para uma direção. A professora continuou misturando os pares. Para ser honesta, me senti um pouco aliviada por ganhar aquele tempo.

🌴💚🌴


O que quer que quisesse me dizer, não conseguiu naquele dia. Depois daquela aula tive que ensaiar para a peça – onde Jasmine continuava estranha, mas parecia menos pior – e passar um tempo praticando com a torcida também. Na quinta-feira, o próprio faltou à aula, e eu me sentei tranquilamente na mesa VIP com as garotas. Para minha surpresa, Amber finalmente deu as caras, ainda que timidamente, e se sentou conosco. manteve distância, sentando-se com e os garotos em sua antiga mesa.
Minha mala já estava arrumada desde a noite anterior, mas ainda assim quis acrescentar uma ou duas coisas enquanto falava ao telefone com Sofia. Nosso voo sairia em três horas e Miguel nos levaria no aeroporto.
- Cara, eu estou mais ansiosa para essa viagem do que você. – Ela dizia. – Não acredito que finalmente vocês vão se entender e essa fanfic vai acabar!
- Pelo menos a gente vai conversar com calma. – Dei de ombros, um sorriso na voz.
- E se beijar e etc. – Ela riu.
- Eu só espero que dê tudo certo.
- Francamente, prima, eu também.
Meu celular fez um barulho esquisito.
- Ah, tem outra chamada na linha. – Falei. – Espera um minuto, Sofi, eu já te ligo.
- Ok.
Encerrei a ligação com Sofia para atender a outra chamada.
- Vicentini?
- ? – Franzi o cenho. – Não reconheci o número.
- É porque estou usando o celular do meu irmão, ele veio passar o fim de semana aqui. – Explicou. – Escuta, será que a gente podia conversar? Mas tem que ser pessoalmente. Eu te pego em uns minutos e a gente sai pra comer alguma coisa.
Oh, claro, não sabia que eu ia viajar. Não que eu tivesse algum motivo para avisá-lo, especialmente quando tudo tinha acontecido tão de repente, mas talvez tivesse comentado se o visse na escola naquele dia.
- Ah, , sinto muito, mas eu estou indo viajar.
- Viajar? – Ele estranhou. – Mas para onde? Pro Brasil?
- Não, eu estou... – Balancei a cabeça em sinal de desculpas, mesmo ele não podendo ver. – Eu vou para New Orleans com meu pai e com o . É o casamento de uma velha amiga do Jack.
- Oh.
A decepção na voz de e o silêncio que se seguiu me deixaram preocupada.
- ? – Falei.
- Ah, deixa pra lá. Tá tudo bem. – Ele disse, mas sua voz estava estranha. – A gente conversa quando você voltar.
- Certo.
- Tchau, .
desligou, e por mais que ele não tivesse dito nada demais sobre minha viagem, senti um arrepio estranho, uma onda de medo, receio. Claro que era pura besteira. Liguei de volta para Sofia e voltei a arrumar minha mala.


30- Parte 2 – The only exception

“And up until now, I had sworn to myself that I'm content with loneliness… Because none of it was ever worth the risk.”

[…]

- É uma pena que não vá conosco, Miguel! – Papai exclamava a caminho da casa dos . – Marley ia adorar conhecer você.
- Fica pra uma próxima. – Ele respondeu ao volante. – E não se preocupem: eu e o vira-latas vamos nos divertir o final de semana inteiro. – Fez uma careta.
Fui obrigada a rir, sabendo o quanto Stevie e Miguel viviam se estranhando.
Paramos em frente à casa de e papai desceu do carro. Provavelmente ele achava que seria melhor tranquilizar a senhora antes de irmos, visto o estado dela.
A porta se abriu e Henry cumprimentou papai, depois os dois entraram, mas a porta ficou aberta.
- E quanto a você e o ? – Miguel perguntou então.
- Ficamos de conversar durante a viagem. – Respondi. – Se Jack deixar a gente fazer alguma coisa além de conhecer todo mundo da cidade, é claro.
- Algo me diz que Jack não vai ser um empecilho para vocês. – Ele riu, mas não explicou.
Meu pai surgiu à porta de novo, dessa vez acompanhado por . O rapaz abraçou sua mãe e apertou a mão de Henry, e um instante depois eles já estavam entrando no carro. Papai foi rápido em assumir seu lugar no banco da frente, enquanto ficou do meu lado.
- Oi, Rain. – Ele disse.
- Oi. – Sorri.
- New Orleans, aqui vamos nós! – Papai comemorou.

Cerca de meia hora depois, estávamos chegando ao aeroporto de Jacksonville.
- Aqui está. – Miguel disse ao terminar de ajudar com as malas.
- Obrigada, Miguel. – Falei. – Nos vemos semana que vem.
- Até mais, meu amigo. – Papai bateu no ombro dele.
- Nada de beber demais na festa, ouviu, Jack? – Ele ergueu as sobrancelhas. – Depois virou-se para . – Até mais, .
- A gente se vê, Miguel.
Nós três seguimos para o check-in juntos e pegamos nossas passagens. Depois seguimos para a sala de embarque, onde o tempo de espera, na verdade, foi bem curto. Papai passou a maior parte dele falando sobre a época em que vivíamos em New Orleans e contando histórias do bar da Marley, então a voz no alto-falante finalmente nos convidou a entrar no avião.
- Agora vamos achar os lugares... – Papai dizia enquanto passávamos pelo corredor. – E aqui estão!
estendeu a mão para mim.
- Eu te ajudo com a bagagem.
- Valeu. – Entreguei minha mochila a ele e ele a guardou com sua própria no bagageiro, tal qual a bolsa de papai.
- Vão, crianças, sentem-se! – Jack indicou as poltronas do canto. Toda aquela empolgação de papai era assustadora.
esperou que eu passasse para a poltrona da janela e depois se sentou ao meu lado, visto que papai não fez nenhuma menção de me fazer companhia.
- Não gosto de ficar na janela. – Ele disse. – Olhar lá para baixo me dá tontura.
Assim, lá estava eu, sentada ao lado de , enquanto Jack estava no corredor.
- Estão ansiosos, meninos? – Ele perguntou sorridente. – Faz tanto tempo que eu não me mudo que esqueci como era pegar um avião.
Realmente, o tempo que Jack tinha ficado em Jacksonville Beach era um recorde em relação aos últimos anos. Quando fui para a cidade, me perguntava quanto tempo mais papai aguentaria ficar lá, mas agora não conseguia imaginá-lo em nenhum outro lugar.
Percebi inflando as bochechas pouco antes da decolagem.
- Tudo bem? – perguntei.
- Ah, sim, está. – Ele respondeu. – Eu sempre fico nervoso na hora de decolar. Depois passa.
- Às vezes só precisamos de um amigo para segurar nossa mão. – Papai esticou para o nosso lado, dizendo como quem não quer nada.
- E o senhor poderia ser esse amigo, se não tivesse medo de altura! – Devolvi.
riu e eu sorri para ele, mas quando o avião começou a subir, eu realmente segurei de leve o braço dele.
Assim que o avião ganhou estabilidade, papai olhou para nós de novo.
- Bom, eu vou tirar uma soneca. Fiquem à vontade para terem uma boa conversa ex-namorados ou o que quer que sejam. – Sorriu. – Me acordem quando chegarmos. – Então ele colocou seus óculos de dormir e se ajeitou confortavelmente na poltrona.
Fiquei olhando para ele incrédula, e comecei a entender o que Miguel queria dizer sobre papai não querer nos atrapalhar. Por Deus, Jack era o pai menos pai de todos!
- Jack sendo o Jack. – deu de ombros.
- Tinha que ser o meu pai. – Rolei os olhos. deu risada.
- Pelo menos ele é engraçado.
- Ô, se é.
Ficamos em silêncio alguns instantes.
- Em que está pensando? – Ele quis saber.
- Que da última vez que estive em um avião eu estava a caminho de Jacksonville Beach pela primeira vez. – Lembrei. – Parece que faz tanto tempo agora.
- E faz mesmo. Pelo menos alguns meses.
- Eu era... Outra .
- Gosto da que eu vejo agora. – Ele sorriu. Sorri de volta. Então olhei de soslaio para papai.
- Acha que ele está mesmo dormindo? – Perguntei baixinho a .
- Mas não mesmo!
- Oh, pai, mas que droga! – Exclamei em voz baixa, fazendo o garoto rir.
Por sorte, o voo não duraria mais de duas horas.

🌴💚🌴


Quando desembarcamos em New Orleans, descobrimos que tinha um carro nos esperando. Eu realmente não estava esperando por essa, mas fiquei feliz.
- A Marley tem dessas coisas. Ela disse que fazia questão que chegássemos com conforto. – Papai explicou.
Papai recebeu uma ligação do sobrinho de Marley, indicando onde o carro estava estacionado. Logo nós três estávamos do lado de fora, e um rapaz negro alto veio até nós.
- Jack Pie! – Ele abriu um belo sorriso. – Ainda me lembro do seu rosto!
- Mas vejam só! – Papai se aproximou e abraçou o jovem. – Se não é o Max! Você era só um garotinho quando fomos embora.
- Mas minha memória não falha. – Ele riu. – Não acredito que você é a !
Sem jeito, apertei a mão que ele estendeu para mim.
- Eu te vi pequenininha assim! – Ele indicou com a outra mão. – Mas eu também era criança, para falar a verdade. – Olhou para . – Você deve ser o .
- É um prazer. – apertou a mão dele.
- é o baixista da minha banda. – Papai explicou. – Estávamos ansiosos para tocar com vocês.
- Ora, não mais que nós, Jack, pode apostar. – Max garantiu. – Mas vamos parar de falar e entrar logo no carro. Marley está louca para vê-los!

Max era muito falante, e ele e meu pai preencheram nossa viagem até a cidade com todo tipo de conversa. Para nossa sorte – e surpresa – papai não fez nenhum comentário sobre meu relacionamento com ; ele estava muito ocupado falando sobre sua carreira e as histórias com Marley e os músicos da época.
- Nossa, quase destruímos o bar da Marley naquela briga, mas espantamos os arruaceiros. – Ele contava enquanto Max parava o carro no bairro.
- Estamos pertinho. – Max disse. – Por que não descemos e andamos até lá? Para vocês matarem a saudade.
Descemos do carro e Max e papai continuaram andando, mas eu congelei.
- Puxa! – Murmurei.
Eu mal conseguia me expressar. Tudo era tão... Lindo. Tão colorido. Tão... Familiar.
- Rain? – se aproximou. – O que foi?
- Nada, é só... Não é incrível tudo isso aqui?
- E pensar que você passou anos nesse lugar. – Ele assentiu. – Estar aqui não te traz lembranças?
Engoli em seco, e então desconversei:
- Papai está nos deixando para trás! – Agarrei a mão dele. – Vamos!

De fato, meu pai praticamente havia se esquecido de nós, tão distraído que estava. Eu continuava encantada, mas pensativa e, embora soubesse que estava me observando, não fiz mais nenhum comentário.
- E aqui está: o bar da Marley! – Max anunciou quando nos aproximávamos de um estabelecimento lilás com uma janela de vidro larga e uma porta de saloon.
- Vocês pintaram a fachada? – Jack parou de andar e colocou as mãos na cintura, nostálgico. – Puxa, ainda é igualzinho ao que me lembro. Só que era amarelo antes.
- Gostei da porta. – sorriu.
- Vamos, vamos entrar. – Max chamou.
O bar tinha as paredes internas no mesmo tom de lilás que a fachada, e o chão e as estruturas eram de madeira, contrastando com as cadeiras e mesas de metal. Havia uma escada perto da porta, levando para algo no segundo andar.
- Eu não acredito que é mesmo o velho Jack Pie!
Uma mulher negra de cabelos cacheados presos por um turbante dourado veio em nossa direção no instante em que entramos.
- Marley! – Papai exclamou, abrindo os braços para ela.
- Meu bom e velho amigo. – Marley dizia com um sorriso, abraçada a ele. – Achei que nunca mais fosse ter a decência de vir aqui. – Então se afastou um pouco. – Na verdade, toda essa história de casamento foi só um pretexto para forçá-lo a nos visitar.
- Ah, Marley, não me faça pegar as malas e ir embora daqui mesmo. – Papai brincou. – Filha, venha aqui. – Me chamou.
Dei um passo adiante, meio sem jeito, e sorri.
-Oi. – Falei.
- Eu não acredito que você é a pequena Rainbow! – Ela me estudou, abismada, e eu sorri. – Ah, venha aqui, querida!
Me aproximei mais e Marley me deu um abraço apertado, como tinha feito com Jack.
- Meu bem, você se lembra da Marley? – Papai perguntou.
- Um pouco? – Respondi com ar de desculpas.
Marley o empurrou de leve.
- Ela era praticamente um bebê quando saiu daqui, Jack. O que esperava? – Rolou os olhos, depois me olhou com carinho. – Eu lembro de você quando era um pingo de gente, vindo buscar seu pai aqui para ir almoçar, porque ele sempre perdia a hora. – Sorriu.
- Eu ainda faço isso onde ele trabalha agora. – Meneei a cabeça. Marley deu uma gargalhada.
- É bom saber que alguns hábitos nunca mudam. – Disse, olhando então para o meu lado. – E você deve ser , o ex-namorado da .
- Caramba, pai! – Olhei para ele incrédula, mas riu.
- E baixista da banda do Jack. – Acrescentou. – E babá de cachorros. Sim, sou eu. É um prazer.
- Não se preocupe, Jack me falou dessas outras coisas também. – Ela riu. – Só queria que soubessem o quão fofoqueiro ele é.
Max assobiou.
- Me lembre de nunca te contar nada, Jack. – Disse e todos nós rimos.
Marley juntou as mãos, satisfeita.
- Vocês três devem estar exaustos da viagem, então vou mostrar seus aposentos. – Disse, e para minha surpresa, indicou a escada no canto. – Por favor.

Enquanto subíamos, Marley explicava do que se tratava aquilo.
- Quando Jack e Jaqueline vieram para cá, eu tinha acabado de comprar o bar. Na época, eu morava do outro lado da cidade com minha família e vinha para cá para trabalhar toda noite. – Ela lembrou. – Foi assim por algum tempo, mas quando consegui algum dinheiro, comecei a construir no segundo andar. Lembra disso, Jack?
- Ah, lembro sim. – Ele assentiu. – Dormi algumas vezes, quando a Jaqueline me deixava do lado de fora por chegar tarde. Ainda lembro do cheiro de tinta. – Papai sorriu.
Chegamos então ao segundo andar. Era um flat modesto, mas que era uma graça – cheio de cores e quadros. Reconheci o traço em um deles e me aproximei, enquanto os outros conversavam.
- Sua mãe me deu isso de presente. – Marley falou, ao notar minha movimentação.
Parecia um abstrato, cheio de cores vibrantes, mas quando olhado com atenção, formava o rosto de uma mulher de perfil. Afastei meus dedos da tela e enfiei as mãos nos bolsos.
- Atualmente, quem mora aqui é o Max. – Marley explicou. – A minha casa é no terceiro andar, e é lá que você vai ficar, . Jack, você e o se ajeitam aqui, e meu sobrinho vai ficar na casa dos pais. Não se preocupem com o barulho: não vou abrir o bar esse fim de semana por causa do casamento.
- Ah, Marley, não precisa fazer essa movimentação toda por nossa causa... – Papai falou.
- Já está tudo organizado, Jack. – Ela o interrompeu. – Vocês são meus músicos e meus convidados de honra. E eu ainda tenho meu quarto na casa dos meus pais, eu até durmo lá às vezes. Além disso, com tudo que ainda tenho que resolver da cerimônia, o ideal é ficar mesmo com minha família. Vai ser divertido, como em A Convenção das Bruxas, só que com as minhas primas no lugar delas. – Garantiu, fazendo com que ríssemos. – É sério, elas estão em polvorosa por casar a solteirona da família. Vai ser bom ter a ajuda delas em tudo.
- Se você preferir, eu posso ficar lá, no seu quarto, e você fica aqui. – Sugeri.
- Ah, meu bem, é muito gentil da sua parte. – Marley se aproximou e apertou de leve minha bochecha. – Mas você não sobreviveria por dois segundos. – Ergueu as sobrancelhas. – Pode usar tudo que encontrar lá em cima. A casa é sua.
- Tudo bem então. – Falei.
- Max, está na hora de irmos. – Ela chamou o sobrinho. – Eu volto amanhã cedo para ver vocês e apresentá-los ao resto da banda.
Marley deu um beijo em todos nós e a acompanhamos até lá embaixo. Depois papai trancou a porta do bar – escondida atrás da porta de saloon – e subimos de novo.
- Essa viagem me deixou mesmo quebrado! – Papai se espreguiçou.
- Pode ficar com a cama do Max. – ofereceu. – Eu vou dormir no sofá-cama.
- Se você insiste. – Papai se jogou no colchão, se esticando.
- Vamos ver lá em cima? – Falei para . Ele assentiu.
Subimos mais um lance de escadas para chegar no andar de Marley, o que ela construiu depois que já tínhamos ido embora da cidade. A decoração ali era mais suave do que o andar de baixo, mas ainda tinha muitos elementos coloridos. Dava para notar que o som da cidade também era menos forte ali, o que tornava o lugar mais adequado para uma noite de sono. Além disso, ao contrário do andar de Max, havia uma porta que separava o quarto do resto do espaço. Eu adorei o lugar.
- , vem ver isso aqui! – me chamou bem quando eu jogava minha mochila na cama.
Deixei o quarto e fui atrás dele, mas o garoto não estava dentro do flat, e sim na varanda, de costas para mim. Abri a porta de vidro e me juntei a ele, entendendo então o motivo do alvoroço.
- Olha só pra essa vista. – disse, alegre. E eu olhei.
Não era como se fosse o prédio mais alto da cidade, mas dali era possível ver a rua super movimentada de cima, com seus músicos e turistas, e as luzes coloridas. Era como o camarote de um grande baile andante.
- Tudo aqui é tão bonito! – Suspirei, apoiando o cotovelo na sacada e o queixo na mão.
- E tão musical. – suspirou também. – Não vejo a hora de sair por aí. Você vai comigo, não é?
- Eu... Vou sim. – Respondi meio insegura, mas a insegurança passou quando ele sorriu para mim. Eu sorri de volta.
deu um passo para mais perto, fazendo meu coração disparar, e então...
O cortejo nos fez pular de susto, passando lá embaixo com trompetes e saxofones. Nós dois caímos no riso.
- Oh, droga, daqui a pouco papai vai sair atrás deles! – Bati na testa.
- Dormir aqui vai ser... Impossível. – balançou a cabeça com veemência.
- Bom, podemos passar a noite toda assistindo os cortejos.
- Parece bom pra mim. – Ele sorriu.
- Mas algo me diz que não vamos ter tempo para dormir de dia com essa história de casamento. – Dei de ombros.
- Vamos assistir só esse então? – Sugeriu.
- Sem dúvida.
E então nós dois nos voltamos para a rua lá embaixo, onde um enorme cortejo de músicos passava e os turistas dançavam. E era aquele silêncio – aquele silêncio do dia em que nos conhecemos, que eu tinha medo de que fosse constrangedor, mas no fim das contas não era. Porque era o . E porque a música preenchia tudo ao nosso redor. E porque ele estava sorrindo. E ainda que eu não soubesse se ele gostava de mim de verdade ou por engano, eu não ia querer estar naquela sacada, naquela cidade, com mais ninguém.

🌴💚🌴


Se a música ocasional de papai já deixava a mãe de Jodi Slaterton nervosa, um passeio em New Orleans estava fora de cogitação, pois a mulher enlouqueceria. Mas, apesar da música incessante, eu havia dormido como um anjo.
Quando desci as escadas, os rapazes já estavam acordados, conversando.
- , você levantou! – Papai sorriu. – Bom dia, meu bem.
- Bom dia, pai. Bom dia, .
- Bom dia, Rain. – respondeu.
- Nós pensamos em começar nosso próprio ensaio, mas não queríamos te acordar. – Papai comentou.
- Eu não me importo, vocês podem tocar. – Dei de ombros.
Mas bem nesse momento ouvimos a porta se abrir lá embaixo. Marley, provavelmente, estava de volta.
- Pessoal, podemos subir? – Ela chamou.
- Claro, Marley, sinta-se em casa! – Papai gritou de volta. Balancei a cabeça.
Menos de um minuto depois, ela estava lá em cima, acompanhada de Max e um outro homem, esse mais forte.
- Pessoal, quero que conheçam o Daryl. Ele é meu noivo e também o melhor empresário do ramo de sapatos de New Orleans.
- É um prazer, Daryl. – Papai estendeu a mão.
- O prazer é todo meu. Claro que já ouvi falar de você, e a Marley também me contou muitas histórias.
- Espero que boas. – Papai sorriu, educado. – Estes são e .
- É um prazer.
Feitas as apresentações, Marley deu prosseguimento a agenda do dia.
- Bom, rapazes, Max vai levar vocês para conhecerem a banda e serem atualizados do que vai haver no domingo, e ... – Ela se aproximou de mim com um sorriso. – Sei que não se lembra direito de mim, então tecnicamente acabou de me conhecer, mas eu queria muito que fosse uma das minhas damas.
- Marley, eu ia adorar! – Exclamei agradecida.
- Ah, fico muito feliz em ouvir isso! – Ela pulou de alegria. – Sei que deve ter trazido um belo vestido, mas eu já preparei algo para o domingo, então guarde o que tiver para o jantar de ensaio e a despedida de solteira amanhã. Agora, você vem comigo para ajustar o vestido de dama às suas medidas.
- Tudo bem! – Eu estava tão feliz. Eu nunca tinha sido dama de ninguém!
Fomos terminar de nos ajeitar para sairmos de casa, e enquanto os outros conversavam, papai se aproximou de mim.
- . – Ele disse.
- Sim, pai? – Respondi pendurando a bolsa no ombro.
- Eu preciso te dar uma coisa. – Enfiou a mão no bolso. Ele parecia meio desajeitado. – Isso aqui.
Papai abriu minha mão e colocou algo nela. Era uma chave velha.
- Essa é a chave da nossa antiga casa. – Ele disse. – Onde eu, você e sua mãe moramos.
Era como se a cada palavra a chave se tornasse uma batata quente na minha mão. Eu queria jogá-la para outra pessoa. , Marley, qualquer um. Eu não podia ficar com aquilo.
- Eu não acho uma boa ideia eu ir até lá e ter um ataque de nostalgia às vésperas de tocar no casamento. – Papai continuou. – Mas acho que você ia gostar de conhecer o lugar onde vivemos.
- Não. – Falei rápido. – Quer dizer... Eu não vou ter tempo, pai. Tenho que provar o vestido com a Marley.
- Fique com ela mesmo assim. – Ele me impediu de devolvê-la. – Caso surja a oportunidade, o endereço é...
- Depois você me passa! – Cortei. – Eu não vou hoje, de qualquer forma. Marley! – Chamei.
Papai podia ter estranhado minha reação, mas eu não me importava. Joguei a chave na bolsa de qualquer jeito e dei um jeito de escapar dali bem rápido.


🌴💚🌴


- Ah, isso é ridículo. – Uma das primas de Marley reclamava tomando um Martini, enquanto a costureira ajeitava meu vestido. – O que precisa ajustar aí? Nada! Vou te dizer uma coisa: eu daria um rim para voltar aos meus dezoito anos.
- É mais fácil assim do que oferecendo seu fígado, não é? – Outra delas debochou. – A essa altura ele já deve estar todo estragado.
Todas elas riram, inclusive Marley.
- Não liga pra elas, . – Ela disse.
- Está tudo bem. – Sorri. – Sabe, lá em casa somos... Éramos só eu e a mamãe, antes de eu ir morar com o Jack, então eu imaginava às vezes como seria ter uma família grande. E vocês parecem exatamente com minha família do Brasil.
- Ah, eu daria tudo para estar em... Como se chama? Copacabana. Tudo para estar em Copacabana agora. – A primeira prima recostou no sofá.
Marley balançou a cabeça, se sentando no banco perto de mim.
- Eu imagino que morar com seu pai tenha sido bem diferente de morar com a Jaqueline. – Ela riu. – Eu me lembro dos dois: eram como açúcar e sal. Se completavam, mas eram muito diferentes.
- Honestamente, eu achei que seria mais difícil. – Confessei. – Em todos os anos que vivi com a minha mãe, eu criei essa imagem do meu pai de alguém... Inconstante e desorganizado, apesar de eu amá-lo do mesmo jeito. Mas quando eu cheguei à Jacksonville Beach tudo foi muito diferente, porque o papai tinha encontrado o melhor personal organizer do mundo: o . Ele ajudou meu pai a entrar na linha, sabe? Foi como o filho que ele não tinha por perto.
- Espero que seu jeito de ver seu pai tenha mudado agora. – Ela me encarou com sinceridade.
- Mudou, sim. – Assenti. – E eu fico muito feliz por ter tido a oportunidade de passar mais tempo com ele.
- Que bom, porque ele também ficou muito feliz com isso. Quando liguei para convidar vocês para o casamento, ele não parava de falar do quão feliz estava por poder trazer você com ele. – Ela se levantou e colocou o braço sobre os meus ombros, enquanto eu olhava meu reflexo de vestido florido curto. – Espero que saiba que seu pai te ama muito, .
Dei um sorriso emocionado, sem dizer nada, e meneei a cabeça. Eu sabia, porque o amava do mesmo jeito. E aquilo não tornava aquela viagem mais fácil.

Depois das provas de vestido, Marley me chamou para ir buscar meu pai e para almoçar, mas bem quando estávamos saindo do ateliê, o próprio garoto apareceu.
- ! – Marley sorriu. – Onde está o Jack? Íamos chamar vocês para almoçarem.
- O Jack ainda está com os rapazes, falando sobre música. – explicou. – Eu escapei porque queria chamar a para dar uma volta, se não tiver problema.
Marley me lançou um sorriso sugestivo.
- Não tem mesmo. – Disse tranquila. – Eu almoço com o Jack. Mas não vão se perder por aí, hen?
- Pode deixar. – Sorri. – Até depois!
Acenamos para Marley, que balançou a cabeça, sorrindo, e seguiu na outra direção.

Assim que estávamos sozinhos, olhei para .
- Por onde vamos começar? – Perguntei animada. – Antes de qualquer coisa, tenho que dizer que já me sinto muito mais segura agora que você conseguiu nos encontrar sozinho, parabéns.
- Ah, obrigado, senhorita, mas na verdade, estávamos ensaiando ali na esquina. – Ele apontou para o lugar onde Marley entrava, lá no fim da rua. – Agora é que a aventura começa de verdade.
- Minha confiança em você acabou de acabar. – Dei um sorriso debochado. – E eu estou morrendo de fome.
- Não tanto quanto eu, pode apostar. Mas já pensei nisso, e tem uma coisa que a gente precisa experimentar.
- O quê? – Perguntei desconfiada.
apenas ergueu as sobrancelhas, mordendo o lábio.

Quinze minutos depois, eu estava sentada à mesa de uma lanchonete, encarando o prato a minha frente com uma careta.
- Sem chance! – Eu protestava.
- Ah, fala sério! Vai dizer que isso não parece delicioso? – ria, mostrando o cardápio.
- É um sanduíche de camarão! Quem come pão com camarão?
- Claro, porque a comida brasileira faz todo sentido. – Ele provocou, e quando me preparei para rebater, voltou a falar. – O po-boy é um prato típico de New Orleans! Eles te prendem se não comer.
A moça se aproximou e colocou os dois sanduíches que ele havia pedido sobre a mesa, sorriu para nós e se afastou.
- Vai você então. – Cruzei os braços, desafiando.
- Com todo prazer. – deu um meio sorriso, pegando o sanduíche de seu prato e mordendo. Ele ficou me encarando enquanto mastigava, para provar que estava tudo certo.
- E aí? – Perguntei.
fez sinal para que eu esperasse ele terminar de mastigar, e então suspirou.
- Vai ter que comer para saber. – Deu de ombros.
- Você é a pessoa mais chata do mundo! – Exclamei, mas estava rindo.
Peguei o sanduíche do prato e mordi devagar, encarando ele enquanto mastigava. E, para minha total surpresa, o estranho sanduíche era mesmo ótimo.
- E aí? – quis saber.
- Tá, pode ser que seja bom. – Dei de ombros, dando mais uma mordida.
- Pode ser é? – me encarou, divertido. – Já te disseram que você é muito teimosa?
- Já, e eu não concordei. – Dei um sorriso cínico.
Terminamos de comer nossos sanduíches, rindo enquanto discutíamos o que afinal havia de estranho na culinária brasileira.
- Você come feijão demais. – balançava a cabeça enquanto seguíamos pela rua.
- E você come de menos!
- Tá, onde vamos agora? – Ele se virou para mim, andando de costas.
- Eu queria comprar alguma coisa para o , para ver se ele me desculpa por ter deixado ele sozinho com a Amber.
- Eu acho difícil, mas vale tentar. – Deu de ombros. – Vamos perder o bonde!
saiu correndo, eu atrás dele, para que alcançássemos o bondinho vermelho que estava parado. Era quase como se nos transportássemos para o século passado.
- Eu adoro esse lugar! – riu quando nos sentamos e o streetcar começou a se mover.
- É, eu também. – Concordei baixinho, recostando na janela. Mas já estava voltando a me sentir esquisita.

🌴💚🌴


O French Market estava lotado de pessoas de todos os tipos logo na entrada.
- Legal. O que você acha que eu devo comprar? – Perguntei enquanto seguíamos o amontoado de gente em direção ao interior do mercado.
- Sendo o melhor amigo dele, eu poderia sugerir várias coisas interessantes, mas na verdade acho que você devia levar um chapéu ridículo. – opinou.
- Tipo o chapéu de grilo falante do dia da praia? – Ergui uma sobrancelha.
- Exatamente. – sorriu. – Esse lugar, por sinal, me faz lembrar a feira de artesanato da Praia das Ostras. Só que bem maior e mais histórica.
Sorri, e meus olhos se desviaram para o pulso dele, onde estava a pulseira que eu lhe dera de presente naquele dia.
- Você não tirou. – Toquei de leve seu pulso.
- Nem você a sua. – olhou para mim. E era verdade, eu não tinha tirado.
- É minha pulseira da sorte. Ou do azar, considerando tudo que deu errado depois que a coloquei, como brigar com meio mundo e perder o concurso de rainha do baile. – Fiz uma careta.
- Eu devia ter te avisado que ela estava azarada antes de te dar, não é? – provocou. – Bem, nunca é tarde. Agora você sabe.
Parei de andar e o encarei, segurando o riso. fez o mesmo. Então estiquei a mão para a bancada atrás dele e peguei um chapéu coco vermelho, colocando-o na cabeça dele.
- Achei! – Dei risada.
tirou o chapéu da cabeça e o analisou. Depois o jogou de uma mão para a outra, achando graça.
- Sabe de uma coisa? Acho que ele vai até gostar!

Depois de termos rodamos pelo mercado e comprado mais algumas coisas – incluindo um novo chapéu para o Jack também – pegamos o bonde para o centro de volta. No entanto, descemos um pouco mais longe e fomos a pé, carregando as sacolas e conversando, para observar a cidade.
- Bom, acho que é uma boa hora para conversarmos. – disse.
- Era o plano para essa viagem, não é? – Sorri um pouco. – Por onde começamos?
- Eu diria que devíamos começar pela noite do baile, mas na verdade acho que as coisas começaram bem antes disso.
Parei de andar, assentindo. Sentia no meu coração que as coisas estavam prestes a se resolver, e quase deixei passar o que estava bem atrás de , mas meus olhos pareciam querer se fixar ali.
- , eu preciso te dizer que eu...
- Aqui. – Murmurei, de repente.
- O quê?
- Era aqui. – Repeti. E quando vi estava empurrando de leve , meus pés me levando para a porta da casa alta de tijolos vermelhos.
me seguiu, sem nada entender. Nem eu sabia bem o que estava fazendo.
- , o que foi? – repetiu, preocupado.
Eu não respondi. Enfiei a mão na bolsa, cheia de urgência, e peguei a chave que papai tinha me dado pela manhã. Depois enfiei na tranca e girei. Como algo já me dizia que aconteceria, a porta se abriu com um rangido.
- Que lugar é esse? – perguntou intrigado.
- Minha casa. – Respondi baixinho. – Esse lugar era a minha casa.
Entrei no primeiro cômodo – que provavelmente tinha sido um vestíbulo. Ele era aberto para o cômodo seguinte por um arco. O que havia ali antes? Provavelmente uma sala. Havia uma lareira. O que mais havia ali antes?
- Como sabia que era aqui?
- Eu... Reconheci a fachada. – Murmurei.
- Pensei que não se lembrasse de New Orleans.
- Eu também.
Tudo que eu sabia sobre minha vida ali, era o que tinha visto em fitas cassete da mamãe, e o que papai me contava quando eu o visitava. Histórias feitas de outras histórias.
Mas, de repente, eu me lembrava de coisas. Pisando no assoalho agora velho, olhando a tinta amarronzada nas paredes, eu me lembrava de que naquela casa eu tinha comido minha primeira rosquinha de chocolate, e de ter tropeçado naquela escada e assustado minha mãe para valer. Fechei os olhos e quase pude ouvir a música do papai ecoando pelo primeiro andar. Lampejos de uma vida que eu tinha lutado para esquecer.
- Você está bem? – segurou minha mão.
- Estou. – Assenti. – Eu preciso subir.
me acompanhou em silêncio escada acima, o piso rangendo sob nossos pés.
Havia três portas, e logo percebemos que uma era do banheiro.
- Meu quarto! – Apontei para a última, a porta branca.
Apressei o passo até lá e a empurrei.
O quarto era azul – e disso eu não me lembrava – e havia uma janela grande na parede que dava para a rua. O teto era baixo, ideal para uma criança pequena, e não havia mais móveis; mamãe devia tê-los levado quando nos mudamos.
- Isso era para medir sua altura? – perguntou.
Me virei para ele, que estava sorrindo, próximo a porta, onde a parede tinha riscos em giz de cera branco.
- Acho que sim. – Sorri de volta.
- Ei, você está chorando. – franziu o cenho então, se aproximando e limpando uma lágrima da minha bochecha. E só então percebi que era verdade.
- Eu estou. – Confirmei.
Recostei na parede e escorreguei até o chão. se sentou ao meu lado, enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto suavemente.
- Eu estava com medo de vir para New Orleans... E lembrar dessas coisas. – Confessei.
- Por isso está esquisita desde ontem? – Ele quis saber. Eu assenti.
- Quando meus pais se separaram, foi... – Engoli em seco. – Muito difícil para mim. Eu sei que você entende disso também, mas eu era muito pequena, e achava que nós éramos felizes juntos. Todos nós. E ver os dois se separando foi... – Dei de ombros, fungando. – Foi como se o castelo em que eu vivia caísse em pedaços. Não havia mais os quadros da mamãe, não havia mais música.
segurou minha mão entre as dele.
- Eu queria poder fazer alguma coisa. – Ele disse calmo. – Mas sei que não dá.
- Eu me fiz esquecer muito do que eu vivi aqui, até que isso se tornasse só lembrança. Lembranças de uma vida antiga com meus pais juntos, lembranças que não me afetavam mais. – Expliquei. – Mas ver tudo isso de novo... Essa cidade, essa casa. É lindo e triste ao mesmo tempo. – Dei um sorriso fraco.
- O coração às vezes arde por um amor que não pode viver, mas que nunca morre. recitou a velha música de Billie Holiday. – Você era tão pequena quando tudo aconteceu. Mas estar aqui agora... , é uma coisa boa. Porque agora você pode entender o que houve realmente. E entender torna mais fácil aceitar, pode acreditar.
Olhei para ele – com carinho, grata – e encostei minha testa à sua, sorrindo um pouco.
- Obrigada por ficar comigo. – Murmurei.
E então se aproximou mais e nos beijamos. Ali, no chão velho de assoalho, com as teias de aranha sobre nossas cabeças. Quem precisava de um visco? Não tinha como ser mais certo que aquilo.
Então o celular dele tocou.
- Foi mal. – Ele me fitou brevemente com seus olhos . – É o Jack.
- Diga a ele que já estamos indo. – Incentivei.
E então atendeu.

Já estávamos deixando a casa quando passamos em frente ao quarto que fora dos meus pais. Só por curiosidade, empurrei a porta. Tinha as paredes num tom caramelo, e estava vazio como o meu, com exceção de uma coisa.
- O que é aquilo? – quis saber.
Fui até o pedaço de papel misterioso no chão, me abaixei e o apanhei.
Era um envelope, e cheirava a mofo, o que queria dizer que estava ali há algum tempo pelo menos. Como não estava selado, o abri com cuidado.
- Oh! – Murmurei.
Eram fotos. Fotos minhas. Fotos da minha mãe. Fotos do meu pai. Fotos nossas. Uma pequena sentada num muro ao lado de Jack. Minha mãe cozinhando, toda suja de massa de bolo. Os dois se beijando.
Meus olhos se encheram de lágrimas de novo, e um novo sentimento começou a aflorar. Nervosismo, raiva. Era difícil dizer.
- Vou levar isso comigo. – Falei para , que me olhava preocupado. – E vou dizer a minha mãe que o encontrei.

Preferi não ver meu pai, para evitar que ele percebesse meu rosto inchado e descobrisse que eu tinha andado chorando. Pedi a que dissesse a ele que eu estava muito cansada e ia tirar um cochilo.
Mas meu coração estava tão apertado que eu não consegui. Fiquei deitada na cama com aquele monte de fotos, a cabeça cheia.
No fim da tarde, enfim, fui tomar um banho, imaginando que já estava quase na hora de os dois chegarem. Tinha acabado de sair do banheiro, ainda com a toalha na cabeça, quando meu telefone vibrou sobre a cama e o rosto da minha mãe apareceu na tela.
Congelei por um segundo, pensando no que diria a ela, e então atendi.
- Alô. – Falei seca.
- Filha! Sou eu, a mamãe. – Ela disse carinhosa. – Estou ligando para saber se vocês chegaram bem a New Orleans.
- Sim, estamos bem. Estou na casa da Marley.
- Ah, que bom! Eu gostaria de poder ir ao casamento. A Marley era uma boa amiga quando morávamos na cidade.
- Sobre isso... – Falei sem conseguir me conter, minha outra mão fechada com força. – Eu fui à nossa antiga casa hoje.
Mamãe ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo a ideia.
- É mesmo? – Perguntou. – Seu pai que te levou?
- Não, eu fui sozinha. – Respondi.
- Bom, é uma casa linda, não? Costumava ser mais decorada, é claro... – Riu um pouco.
- Eu... – Respirei fundo, nervosa. – Eu achei um envelope lá. Um envelope com fotos.
- Sério? – Ela perguntou surpresa. – Bem, deve ter caído durante a mudança e achamos que um de nós tinha pegado. Eu deixei mesmo alguns objetos para trás em New Orleans.
- Você deixou muito mais do que uns objetos! – Eu disse exaltada, sem conseguir mais me conter. – Você deixou tudo pra trás, deixou nossa vida!
Mamãe se assustou.
- Filha, o que há com você? – Ela perguntou preocupada.
Eis uma coisa difícil de explicar. Mas eu tinha que falar, ou então sufocaria:
- O que há é que eu cheguei aqui sem me lembrar de nada, e aí encontrei uma casa fantasma, cheia dessas coisas que você “deixou para trás”, incluindo nossa família. Você desistiu de tudo que nós tínhamos, de tudo que nós éramos... Por que, mãe? Você me tirou do meu pai! – Comecei a chorar. – E ele nos amava tanto...
Minha mãe ficou em silêncio, e por um instante eu pensei que ela fosse voltar a falar num rompante, brigando comigo e culpando Jack pela minha rebeldia. Mas quando sua voz voltou, estava tranquila.
- Eu também o amava. – Respondeu. – Mas às vezes, um relacionamento, ainda que baseado no amor, pode ser muito mais difícil para uma das partes, e não deveria ser assim, sabe? Seu pai entendeu isso quando eu fui embora. Talvez um dia você entenda também.
Funguei, mais calma, mas ainda profundamente triste.
- Tenho que desligar. – Falei.
- Espero que consiga pensar no que eu disse. – Ela falou com doçura. – E que fique bem, ou vou precisar ligar para o seu pai. – Brincou.
- Não se preocupe. A gente se fala.
- Eu te amo, filha.
Encerrei a ligação e caí na cama, respirando fundo. Estava cansada e me sentia mal pelo que tinha dito a mamãe, mas ao mesmo tempo me sentia melhor agora. O fantasma do passado parecia bem menos assustador. O problema era que agora o presente de repente estava voltando a me assombrar.

🌴💚🌴


Acordei bem mais cedo que os rapazes na manhã seguinte, peguei minha bolsa e saí. Na noite anterior, depois do jantar, tinha vindo me perguntar se estava tudo bem, e eu disse que sim, mas desconversei de qualquer assunto. Na primeira oportunidade concordei que era hora de ir para casa porque o dia seguinte – a véspera do casamento – seria cansativo. Depois de ficar um tempo com eles no andar de baixo, falei para meu pai e que ia dormir. Entrei no quarto e esperei até que eles mesmos fossem se deitar, então me levantei e fiquei assistindo as bandas passarem até as duas da manhã.
Minha cabeça estava cheia de dúvidas – as da minha própria vida misturadas à história dos meus pais. Por mais que eu meditasse, não conseguia resolver nada, mas sabia que a primeira coisa que tinha que fazer para pensar com clareza era não deixar que a presença de me distraísse. Como era uma tarefa difícil, decidi sair sem ele ou papai.
Não era como se fugir dele fosse meu único motivo para fazer isso. A verdade é que eu queria ver um pouco mais da New Orleans da minha infância e tentar lembrar um pouco mais, por mais que soubesse que não lembraria de tudo.
Saí do bar e andei pelo quarteirão, parando para tomar o café-da-manhã em uma lanchonete. Meu telefone tocou quando eu já estava fora há cerca de uma hora.
- Filha, onde foi que se meteu? – Papai perguntou confuso.
- Ah, eu só estou dando uma volta pelo bairro.
- Por que ela não me chamou? – Ouvi dizer.
- está perguntando... – Papai começou.
- Eu só queria comprar umas coisas de garota. – Respondi antes que ele terminasse. –Para o casamento.
- Ah, tudo bem então, filha. Nós vamos nos juntar a banda para o ensaio antes do almoço, então talvez a gente acabe comendo por lá. Quer nos encontrar?
- Ah, não, acho que não vai precisar. – Dispensei. – Vou ligar para Marley e ver se ela pretende almoçar aqui no centro. Depois vou... Não sei, pintar as unhas.
- Certo. Um dia de garota. Você merece. – Ele concordou. – Nos vemos mais tarde então, filhota. Um beijo.
- Um beijo, pai.
Encerrei a ligação e pensei em onde eu iria em seguida. Talvez fosse ao parque, que eu tinha vontade de conhecer. Conferi pelo celular a rota do streetcar e então corri para pegá-lo.

De fato, consegui escapar de até mais ou menos o meio da tarde, quando ele e papai foram para casa para se arrumarem para o ensaio de casamento. Em meu favor, eu estava realmente pintando as unhas quando eles chegaram, e, depois que elas secaram, comi o po-boy que eles tinham levado para mim.
- Bom, o jantar de ensaio começa às sete. – Papai falou. – Então, se tem algum lugar que ainda querem visitar, essa é a chance de vocês, porque amanhã não conseguiremos fazer nada, e vamos decolar bem cedo na segunda-feira.
olhou para mim, ainda mastigando, esperando para ver se eu dizia alguma coisa. Ele estava tão bonito com a camisa preta estampada com o rosto da Peggy Lee... Não, não havia a menor chance de eu sair sozinha com ele. Olhei para papai.
- Não sei, tem algum lugar onde queria nos levar, pai? Acho que é uma boa chance de passearmos juntos. – Sugeri.
- Bem, na verdade tem sim alguns lugares que eu adoraria mostrar a vocês. – Papai coçou a cabeça, começando a sorrir. – Certo então. Já sei onde vou levá-los. Vocês vão adorar!
Papai continuou a falar, eu olhei para e dei de ombros. O rapaz não parecia ter percebido minha intenção ao fazer aquilo e, de todo modo, não havia um lugar que meu pai gostasse que ele não fosse gostar também.

Jack nos levou a todos os lugares que conseguiu no tempo que tínhamos, e ficou feliz em me apresentar a diversas pessoas que na verdade já me conheciam. Todos ficaram muito felizes em ver como eu tinha crescido e em falar com meu pai de novo, e no fim das contas eu fiquei feliz por ter decidido sair com ele.
Quando voltamos para casa, faltavam duas horas para o jantar. Ele aconteceria ali mesmo, no bar, que já estava quase todo pronto para receber os convidados. Mais tarde, haveria a despedida de solteiro dos noivos, mas esta seria um tour pelos bares da cidade.
- Que bom que voltaram! – Max exclamou quando nos viu. – Precisamos mesmo de ajuda para mover essas mesas de lugar.
- Bom, é com vocês. – Sorri para eles e então dei um beijo na bochecha de papai. – Eu vou subir.
- Tudo bem, querida.
Lá em cima, comecei a ajeitar as coisas – tanto as que usaria naquele dia quanto minha própria mala, porque, afinal, não teríamos muito tempo depois. O casamento aconteceria às onze da manhã no domingo, mas papai dissera que, conhecendo a família da Marley, a festa se estenderia até o fim da tarde, e estaríamos exaustos.
Depois que eu tinha deixado tudo em ordem, os dois subiram para se arrumar. Ouvi os passos e desci, para ver se papai precisava de ajuda com a roupa.
- Ah, acho que está tudo bem com minha roupa, filha. – Ele disse despreocupado.
- Deixa eu ver isso. – Falei duvidando. Fui até a cama onde a roupa estava para checar, mas de fato ela parecia impecavelmente passada. – Ué.
- Eu passei nossa roupa de manhã. – explicou, saindo do banheiro com a camisa social branca ainda aberta sobre a calça jeans. – Desculpa, eu não quis correr o risco de queimar o seu vestido.
Encarei ele por um instante e então sorri, achando que poucas vezes ele tinha soado tão fofo.
- Está tudo bem. – Falei. – Já salvou meu tempo.
- Sempre salve o tempo da sua namorada, ou então você nunca chegará a lugar nenhum na hora certa. – Papai comentou.
Rolei os olhos. – Olha só quem fala, o homem que nunca chegou no horário em nada. Além disso...
- Vocês não são namorados, eu sei. – Papai disse em tom de deboche, como se nem me levasse a sério. – E se quer saber, mocinha, eu cheguei no horário exato no dia do meu casamento com a sua mãe.
- Duvido muito que ela concorde com isso, mas, bom... – Uni as mãos, rindo. – Vou subir para me arrumar.
- Nos vemos lá embaixo.
Subi as escadas para o terceiro andar, peguei minha toalha e tomei um banho, ouvindo a rua ficar cada vez mais movimentada do lado de fora. Enquanto estava lá dentro, pensei em e sorri. Ele era mesmo o melhor personal organizer do mundo, e estava tão lindo com aquela camisa...
- Ai meu Deus, , o que você está pensando da vida?! – Repreendi a mim mesma quando me dei conta.
Saí do banheiro nervosa, enrolada na toalha, e entrei no quarto, fechando a porta. Me dei conta de que estava mais do que na hora de dar um jeito na minha vida. Eu não podia ficar beijando em um dia e fugindo dele no outro para sempre!
- Ah, finalmente lembrou que eu existo! – Sofia exclamou quando atendeu o telefone.
- Eu estou ficando maluca! – Exclamei, vestindo um robe que Marley tinha me dado como presente de boas-vindas e me sentando na cama.
- Qual a novidade? – Ela debochou. – O que houve agora?
- O que houve é que eu tinha planejado conversar com o de verdade nessa viagem, e em vez disso comecei a chorar e beijei ele.
- O efeito é o mesmo, não? Vocês fizeram as pazes!
- Não, Sofia, o efeito não é o mesmo. – Suspirei. – Porque essa dúvida infernal continua martelando na minha cabeça.
- Fala sério, . – Ela bufou.
- Sofia, isso é muito complicado. – Me joguei de costas na cama. – O , ele é a pessoa mais incrível do mundo. Mas eu não quero mergulhar de cabeça nessa história só para daqui a dois meses descobrir que ele não sente o que pensava, entende? – Perguntei, sabendo que ela no fundo entendia. – Eu já sofri muito por me enganar assim.
Sofia ficou calada por alguns instantes.
- Eu sei. Eu acho que...
Então alguém bateu à porta.
- Espera só um segundo, Sofi. – Falei me levantando.
Fui até a porta de correr e a abri, só para descobrir que quem estava atrás dela era . E pela forma como estava me encarando em silêncio, deduzi o que de pior poderia acontecer: ele tinha ouvido tudo.
- Sofia, eu preciso desligar. – Falei meio em choque. – Nos falamos depois, tá bom?
Desliguei antes que ela respondesse e fiquei olhando para por alguns segundos.
- Você ouviu? – Perguntei.
- Qual parte? – Ele quis saber. – Aquela em que você disse que eu sou ótimo ou quando disse que acha que eu não sei o que sinto por você? – Disse com rispidez.
- Não é bem isso. – Tentei explicar. – Não do jeito que você está pensando.
- E tem outro jeito de interpretar? – Perguntou com escárnio. – Olha, , eu tinha vindo aqui para te chamar para sair depois do ensaio, mas, quer saber? Já chega.
- Chega? – Repeti, ficando cada vez mais nervosa.
- Honestamente, , se depois de tudo que já aconteceu entre nós você ainda tem alguma dúvida do que eu sinto por você, eu não sei por que estamos sequer tendo essa conversa. Quer que eu te diga o que eu sinto? Ok. Eu gosto de você, eu quis ficar com você desde o dia em que te conheci, eu sou completamente apaixonado por você, sei lá! – Exclamou, me deixando absolutamente estarrecida. – Mas isso não importa, e quer saber por quê? Porque a verdade é que quem não tem certeza do que sente é você, e para ser sincero, eu é que não consigo lidar com isso.
foi embora, pegando no caminho a gravata preta que estava sobre a mesa. E eu fiquei ali, pensando no que ele tinha dito, em como eu era uma idiota e em como ele tinha todas as razões para acreditar no que dissera.

O jantar de ensaio, depois disso, foi a noite mais longa da minha vida – ainda pior do que quando eu descobrira sobre e Summer. mal olhou para mim quando eu desci e logo se ocupou em tocar com os músicos, de modo que eu passei quase toda a noite com Marley ou a sobrinha dela que era pouco mais velha que eu, Alexandra.
Não tive a menor chance de falar com , o que obviamente era culpa minha por ser tão estúpida, e não conseguia tirar da cabeça que ele tinha dito que estava apaixonado por mim. Não que eu era bonita. Não que era divertido ficar comigo. Que estava apaixonado.
E quem era eu para duvidar do ? O garoto que só tinha feito me ajudar em todas as minhas loucuras, que cuidava da minha família como se fosse dele, que arriscou uma amizade de anos por minha causa. O garoto que ainda achava que me amava depois de tudo.
Eu não tinha nenhum motivo para não acreditar nele, mas agora ele tinha seus motivos para duvidar de mim. Afinal de contas, era eu quem sempre estava em cima do muro, quem aceitava sair com ele em um dia e no outro fugia, quem beijava ele e depois dizia não saber se ele gostava de mim.
Ah, Deus, eu sou patética!
Era patética e não sabia o que fazer para consertar as coisas. Parecia que qualquer coisa que dissesse ia soar ridícula e piorar ainda mais as coisas.
A única vez que o vi olhar para mim, para ser franca, foi quando entrei com as outras damas. Nesse momento, desviou rapidamente o olhar do contrabaixo para mim, mas logo voltou a se concentrar na música que dedilhava.
Fiquei lá na frente feito uma estátua, e depois todos voltaram a conversar casualmente, e eu fiquei do mesmo jeito.
- Querida! – Papai apareceu perto de mim quando me sentei à uma mesa. – Você parece chateada.
- Ah é? Na verdade, eu nem... – Ia mentir, mas então olhei para ao longe e desisti. – Eu sou muito idiota. – Bati a cabeça na mesa.
- Ah, não fale assim. – Ele bateu nas minhas costas, claramente achando graça.
- está chateado, e a culpa é toda minha. – Expliquei.
- Você parece eu falando quando ainda era casado com a sua mãe, só que eu estaria bêbado agora. É bom saber que puxou a mim em alguma coisa.
Rolei os olhos, balançando a cabeça.
- Filha, vou te dar um conselho: quase sempre dá tempo de se arrepender e consertar as coisas. Mas não pode esperar demais.
- Esperou demais com a mamãe? – Quis saber. – Por isso deu errado?
- Por isso e outras coisas. Mas cada situação é diferente. – Deu de ombros, bebendo seu vinho.
Olhei para ele e depois para de novo. Ele estava rindo, conversando com Max sobre alguma coisa.
Era isso. Eu ia falar com ele!
Me levantei, cheia de coragem, e quando dei o primeiro passo, alguém agarrou meu braço, me puxando para trás com tanta força que me desequilibrei e tomei um tombo, chamando toda atenção da festa para mim.
- , desculpa! – Alexandra estava olhando para mim do alto. – Eu não calculei bem a força!
Ainda ouvindo o burburinho ao redor, morrendo de vergonha, segurei a mão dela e consegui me levantar.
- Eu só ia te avisar que está na hora de irmos para a despedida de solteira da Marley! – A garota explicou.
- O quê?
Antes que eu falasse, Max já estava subindo em uma cadeira.
- Tá bom, convidados, é aqui que essa festa acaba para que a outra festa comece! – Declarou, fazendo todos aplaudirem. – Homens e mulheres, separados! Está na hora das despedidas!
Um alvoroço começou pelo bar, e de repente um dos músicos apareceu e empurrou Jack de perto de mim.
- Até mais, meu bem! – Papai gritou rindo.
- Mas... – Comecei.
- Vamos, ! – Alex saiu me puxando.
Ainda tentei esticar o pescoço para procurar , mas a última coisa que vi foi um dos rapazes o empurrando também. E assim, minha chance de falar com ele estava arruinada.

Só muito mais tarde, depois de passar por uns dez bares e perder por completo a noção da hora, foi que finalmente as garotas me deixaram na porta do bar-casa.
- Isso foi incrível! – Marley dizia. – Mas por favor, meninas, estejam no salão no horário amanhã! – Avisou. – , querida, eu passo para pegar você.
- Tudo bem. – Sorri. – Descanse bastante, amanhã é um grande dia.
- Eu sei. – Ela assentiu, ansiosa. – Certo, meninas, vamos!
Marley e as garotas continuaram seu percurso barulhento a caminho de casa e eu subi as escadas, imaginando se conseguiria falar com finalmente.
Mas para minha total decepção, descobri que ele e papai ainda não tinham voltado. Eu nem sequer consegui sentir ciúmes pensando onde eles estariam, porque tudo que eu queria no momento era esclarecer as coisas com ele independente de qualquer coisa.
Mas meia hora se passou e eles ainda não tinham voltado. E eu estava tão cansada que acabei pegando no sono na cama de Marley.

🌴💚🌴


Na manhã seguinte, quando me levantei, eles ainda estavam dormindo. Queria acordar e resolver as coisas, mas não queria que ele pensasse que eu estava louca, então tomei meu café da manhã em silêncio, sozinha.
Logo que eu acabei, Marley me ligou avisando que estava indo me buscar para ir ao salão, então troquei de roupa e desci para espera-la lá embaixo.
- Bom dia, meu bem. – Ela disse descendo do carro.
- Bom dia, Marley. – A abracei.
- E os rapazes, como estão?
- Dormindo ainda. Eu deixei um bilhete.
- Ah, que inveja! – Ela exclamou. – Aposto que o Daryl está dormindo também. É a sorte de se nascer homem. – Fez uma careta. – Mas vamos logo! Tem muitas de nós para se arrumarem ainda.
Entrei no carro com ela e fomos até o salão, que ficava num ponto mais tranquilo da cidade. Assim que chegamos, os cabeleireiros nos ofereceram biscoitos e bebidas, e logo um deles agarrou Marley para começar a trabalhosa preparação de noiva. Me sentei lá, esperando alguns minutos até começarem a minha enquanto conversava com os cabeleireiros, e então pouco a pouco as mulheres da família de Marley foram chegando.
A manhã foi cheia de fofocas sobre a família e basicamente todos da cidade. Elas me faziam lembrar da minha família do Brasil, com quem infelizmente não tinha tanto contato pessoalmente.
- Mas você já esteve lá, não é? – A irmã de Marley supôs.
- Já sim, algumas vezes. – Assenti.
- Você fala... O que é que eles falam no Brasil mesmo? – Uma prima indagou.
- Português, sua idiota! – Outra respondeu.
- Tudo bem, nem todo mundo sabe. Eu falo Português, sim. Com a minha mãe quase sempre, pelo menos.
- Muito interessante. – A mãe de Marley sorriu. – Eu também só falava em Francês com a minha mãe.
- Lá vem a velha se exibir! – A primeira prima disse, fazendo as outras rirem.
- O que eu realmente quero saber é: aquele carinha escândalo que veio com você e o seu pai pra cá é seu namorado? – Alexandra perguntou, maliciosa. – Não que eu esteja interessada, mas é sempre bom ter certeza.
- Não seja assanhada, garota! – A mãe dela bateu na cabeça dela.
- Ai!
Não consegui deixar de rir.
- O e eu... É complicado.
- Pois eu vou te dar um conselho, menina. – Outra prima de Marley se aproximou. – É bom descobrir o que ele é seu antes que uma foguenta como essa aí ataque seu homem. – Bateu no meu ombro.
- Muito bem falado! – Alguém apoiou.
Continuei rindo, mas isso só me fez concluir que eu precisava mesmo conversar com , e ficava a cada segundo mais ansiosa. A essa altura tínhamos os penteados prontos.
- Por favor, não destruam tudo! – O cabeleireiro pediu. – Ainda faltam duas horas para o casamento!
- Vamos nos comportar. – Alex brincou.
Então Marley apareceu, vindo da sala especial, com um longo e lindo rabo de cavalo estruturado.
- Oh! – A mãe dela exclamou. – Está linda, filha!
Uma das primas começou a chorar.
- Bom, vamos logo! – Ela as apressou, querendo afastar a emoção. – Ainda tem muito o que fazer.
Marley me levou até o bar, depois se despediu e seguiu para a casa de seus pais. Eu iria dali a uma hora para o casamento com meu pai e , então era hora de me vestir e dar os últimos retoques. Mas o que eu realmente queria fazer era falar com . Não deixaria passar nem mais um minuto!
Subi as escadas decidida, só para encontrar meu pai escovando os dentes.
-Uxa, e atinha! - Ele me elogiou, sorrindo com a boca cheia de espuma.
- Cadê o ? – Perguntei, já procurando o rapaz pela casa.
Papai entrou no banheiro e enxaguou a boca antes de responder.
- Querida… O foi para o cais. – Disse com ar de desculpas. – A balsa ia chegar às 9:30.
- COMO É QUE É?! – Me exaltei, entrando em pânico. – Balsa? Você tá BRINCANDO comigo! – Surtei. – O não pode ir embora assim! Ele precisa me ouvir!
- Filha, espera...

[N/A: Meninas, podem ir na playlist e ouvir The Only Exception do começo.]

E lá fui eu, correndo feito uma louca, o cabelo enfeitado de flores provavelmente sendo destruído pelo vento.
- Alguém para esse ônibus! – Gritei quando avistei o veículo ao longe, na rua em frente à praça.
Como tinha decidido ir embora assim, por Deus?! Ele devia estar mesmo decidido a deixar o que quer que tivéssemos para trás, e eu nem podia culpá-lo. Eu era a pessoa mais indecisa e confusa do mundo. Ele devia mesmo procurar alguma estabilidade.
- Esse ônibus não está andando rápido o suficiente! – Comecei a choramingar no banco.
O senhor ao meu lado me olhava – os olhos cheios de lágrimas, o cabelo com flores e purpurina – sem saber o que fazer.
- Aceita um lenço? – Ele ofereceu então, preocupado.
- Sim! – Exclamei, chorando mais ainda.
- Moça, o que foi que houve? – Uma mulher de um grupo de turistas perguntou.
- Ah, é uma longa história...
E então eu comecei a contar minha história no ônibus, as pessoas prestando atenção total, fazendo comentários eventuais sobre o quão horrível eu tinha sido com Summer ou sobre como nada daquilo era culpa minha. Ao final, todos concordaram em uma coisa: eu tinha que encontrar e dizer a ele o que sentia realmente, porque ele era o meu amor verdadeiro.
- Não se preocupe, você vai conseguir encontrá-lo! – A mulher exclamou com segurança.
- Não sei, não. – Um cara da turma dela olhou em seu relógio de pulso. – Já são 9:45.
- Cale essa boca! – Ela bateu na cabeça dele.
- Ei, essa é a parada do cais! – O velhinho ao meu lado avisou.
- MOTORISTA, PARE ESSE ÔNIBUS! – A mulher berrou.
O ônibus parou tão bruscamente que batemos bati as costas no banco.
- Ai meu Deus, o senhor está bem? – Perguntei ao velhinho.
- Claro que estou, minha filha. – Ele afirmou. – Desça logo desse ônibus!
- Tá!
Me levantei e desci do ônibus correndo. Os turistas desceram logo atrás, pois também tinham que embarcar em sua balsa de passeio.
- Boa sorte, ! – Um deles gritou.
- Obrigada! – Gritei de volta.
Corri como o próprio Barry Allen até lá. Haviam dois barcos parados, e um se afastava aos poucos da costa.
- Não! – Exclamei, meu coração apertado por causa da hora. Eu não podia crer que eu tivesse chegado tarde demais.
Meu mundo estava desabando, quando vi o garoto de camisa branca e calça jeans entrando no segundo barco.
- ! – Chamei.
parou e olhou para trás, estreitando os olhos para ter certeza do que via.
- , não entra nesse barco! – Gritei, correndo de novo para alcança-lo.

[N/A: Ok, podem pausar agora. Vocês vão precisar de atenção haha.]

Quando consegui chegar até lugar onde ele estava, mal tinha fôlego para falar qualquer coisa. Me inclinei e pus as mãos nos joelhos, tentando respirar.
- ? – me olhou com absoluta confusão. – O que está fazendo aqui? Com esse... Cabelo.
- Você... Não pode... Ir embora. – Ofeguei. – Não sem antes me ouvir.
Finalmente consegui me recompor. estava me olhando sério, à espera de uma explicação.
- , eu fui uma idiota. – Falei. – E eu não estou falando só de ontem, estou falando dos últimos três meses e meio. Eu entrei em mil e uma loucuras, eu menti, eu virei outra pessoa... Tudo isso porque a verdade é que eu não conseguia aceitar que o só tivesse gostado de mim por um mês, quando eu achava que ia gostar dele para sempre.
cruzou os braços em frente ao corpo e permaneceu calado, esperando que eu continuasse.
- Eu achava que não era justo, que eu podia deixar tudo do jeito que eu queria, e, por isso, acabei fazendo todas as minhas chances de ter uma vida normal de novo darem errado: na escola, no teatro, com meus amigos. – Admiti. – Mas a pior parte disso tudo, , é que eu estava tão cega por todas as coisas que inventei, que não me dei conta de que a única coisa de verdade nisso tudo era o que eu sentia por você.
O rosto de mudou só o suficiente para a alguém que o conhecia bem perceber. Não foi um sorriso, nem um rolar de olhos. Mas eu sabia que agora ele estava me ouvindo ainda mais do que antes.
- Eu sinto muito se agi como se não confiasse em você. A verdade é que eu confio, confio mais que em qualquer um. Eu só estava com medo de pular de cabeça e ficar sem você depois, mas a verdade é que todo mundo corre esse risco. – Senti uma lágrima descer pela minha bochecha, pensando na minha mãe. – Mas eu prometo, , que nunca mais vou duvidar de você. E, para ser honesta, agora eu sei que ainda que houvesse só uma ínfima chance de você gostar de mim de verdade, eu aceitaria correr o risco de ter meu coração partido de novo, porque isso valeria o risco. Você valeria. Porque eu te amo, .
piscou diante de mim. Então ele olhou para o chão, e depois para mim de novo.
- Pensou mesmo que eu estava indo embora? – Ele perguntou apenas.
- Hanram. – Assenti fungando, confusa. – Papai disse que a balsa ia chegar 9:30.
olhou bem para a minha cara, e então começou a rir.
Fiquei absolutamente ultrajada. Eu não podia acreditar que ele estava zombando da minha declaração de amor!
- Qual é o seu problema? – Perguntei irritada.
- , eu não estou indo embora na balsa! – Ele explicou. – O Daryl alugou a balsa porque a Marley queria casar num barco, mas ela achou que eles não tinham conseguido fechar o negócio. O barco é uma surpresa pra ela. Eu só vim ajudar a colocar os instrumentos lá dentro.

[N/A: Ok, girls, voltem a ouvir a partir do 3:19 até acabar.]

Olhei para ele, depois para a balsa, onde pela primeira vez notei Max zanzando de um lado para o outro, e senti meu rosto queimar. Céus, eu era tão patética!
- , eu não podia ir embora. – disse sério, dando um passo à frente. – Porque não importa se você me deixa irritado, se você me confunde, se você é maluca... Eu continuo apaixonado por você. Eu me apaixonei por você na primeira vez que te vi, e cada vez mais desde aquele dia, mesmo tendo feito um esforço enorme para te detestar várias vezes.
- Não sei como você não conseguiu. – Senti o sorriso se espalhando pelo meu rosto, junto com ainda mais lágrimas.
Dei dois passos à frente e joguei meus braços em volta do pescoço de , que enlaçou minha cintura, e então nos beijamos, daquele jeito como acontecia nas comédias românticas que eu o obrigava a assistir toda sexta-feira.
Meu coração estava explodindo de felicidade, batendo tão forte que devia dar para ele ouvir, abraçados como estávamos. Não que eu me importasse.
- MUITO BEM, ! – Alguém gritou.
Nos afastamos para olhar para a balsa ao lado, onde meus amigos turistas estavam subindo. Eles aplaudiam e gritavam alegremente.
- Quem diabos é essa gente? – franziu o cenho.
- Amigos. – Expliquei, rindo. – Depois eu te conto. Eu tenho muito o que te contar, e quero que você me escute agora mesmo, antes de qualquer coisa.
- Tem mesmo que ser agora? – ergueu uma sobrancelha, rindo.
- Ah, não... Acho que pode esperar um pouco. – Sorri, e então o beijei de novo e de novo.


31- The devil has his eye on you, girl

“No more excuses. No more running. Only God can save you now.”

[…]

POV

- Como está a sopa de abóbora, meu bem? – Minha mãe perguntou.
- Está ótima, querida. Você sempre acerta. – Papai respondeu. – Não é mesmo, ?
O único motivo para eu não ter jogado meu prato na cabeça dele foi que aquele hipócrita ainda estava com o uniforme de polícia, o que quer dizer que podia ter uma arma no bolso e provavelmente atiraria em mim antes que eu pudesse estragar sua farsa de vinte anos de que gostava da sopa de abóbora da minha mãe – que, para o azar de gerações, era uma receita de família.
- Ah, está ótimo, mãe. – Menti. Papai sorriu, satisfeito.
Então, para minha enorme felicidade, a campainha tocou. Papai se preparou para levantar da cadeira, ansioso por se livrar da sopa, mas fui mais rápido que ele, lhe lançando um olhar de deboche.
- Eu atendo, pai. – Falei. – Longe de mim querer te interromper quando está comendo seu prato preferido.
- Tão gentil! – Mamãe achou graça, balançando a cabeça.
Saí da sala de jantar e fui até a porta da frente atender, mas assim que fiz isso, desejei ter ficado comendo a sopa horrorosa.
- Oi, gatinho! – Ela disse feliz.
- Amber?
- Aposto que está pelo menos um pouquinho feliz em me ver, não?
Eu não fazia a menor ideia de como agir com Amber, porque eu 1) não queria ser grosso, porque gostava dela, afinal, mas 2) sabia que era melhor ser direto. Entretanto, 3) quem me garantia que ela não estava com uma faca de novo?
Assim, fiquei olhando para a cara dela, sem saber bem como reagir. Quando ameacei dizer alguma coisa, ela me interrompeu.
- Ambie, eu...
- SHHHHHHH! – Ela tapou minha boca. – Você já falou demais e é minha vez!
Não que eu tivesse qualquer opção, mas deixei que ela dissesse qualquer que fosse a maluquice que a tinha levado até ali.
- Olha, gatinho, eu sei que toda essa história de ser expulso do time titular de repente deve ter mexido com a sua cabeça, então é claro que você não estava raciocinando direito quando a sonsa da Summer te atacou e fez você terminar nosso namoro. – Falou toda carinhosa, sorrindo, e quando eu tentei dizer que aquilo não era verdade, ela tapou minha boca de novo. – Mas não tem problema, bebê, porque eu sei que a verdade é que você me ama, e assim que sair desse surto, vai se dar conta disso. – Deu uma risadinha. – disse que eu devia parar de ficar deprimida por sua causa, e ela estava certa. Afinal, como eu poderia te ganhar de volta deitada numa cama com cinquenta barras de chocolate?
- Amber... Mas O QUÊ? – Fiquei absolutamente bestificado com aquela conversa.
- Tenha uma boa noite, amorzinho, nos vemos na escola! – E com isso ela saiu saltitando de volta até o carro e foi embora.
Entrei, ainda em estado de choque, e recostei na porta.
- Deus, isso NUNCA vai acabar! – Coloquei as mãos na cabeça.
Era como um filme de terror romântico e absurdo. Minha própria Harley Quinn, linda e psicótica.
Voltei para a sala de jantar, visivelmente abalado.
- Quem era, filho? – Minha mãe perguntou.
- A Amber. – Respondi desanimado.
- Filho, eu estou começando a ficar com pena dessa garota. – Papai disse chateado. – Quer dizer, eu nem entendo por que você quer terminar com ela! Amber é tão bonita e te adora!
Claramente meu pai achava que nem em um milhão de anos eu teria a sorte de que uma garota como Amber se interessasse por mim de novo. Não me importava. A garota que eu realmente queria era muito mais incrível, ainda que provavelmente nem se lembrasse do meu nome.
- O sabe o que é melhor para ele, Barney! – Minha mãe me defendeu.
Então a campainha tocou de novo.
- Quer saber? Sei mesmo. – Decidi. – Agora chega dessa loucura!
Marchei até a porta da frente decidido a mandar Amber me deixar em paz e seguir com a vida dela.
- PELO AMOR DE DEUS, ME DEIXA EM PAZ! – Berrei abrindo a porta.
Summer ficou olhando para a minha cara, os olhos arregalados, sem entender nada.
- Beleza, eu posso voltar outra hora. – Disse.
- Ah, é você! – Relaxei, um pouco envergonhado. – Ah, que bom! Quero dizer, desculpa, Summer, eu achei que fosse a Amber.
- ... Tá. – Summer disse, ainda desconfiada. Depois ponderou. – Tá. Eu entendo. Eu meio que já quis fazer isso com ela também.
Summer riu e eu também, apesar da tensão. Então convidei ela para entrar.
- Boa noite. – A garota disse quando entramos na sala de jantar. O garfo caiu da mão da minha mãe.
- Mãe, essa é a Summer. – Falei. – Pai, você a conheceu na noite do baile, lembra?
- Claro, filho. – Ele se colocou de pé e limpou as mãos no guardanapo, depois estendeu a mão direita para ela. – É bom te ver de novo, Summer.
- O prazer é meu. – Ela sorriu.
- Você... Aceita um pouco de sopa de abóbora, querida? – Mamãe ofereceu.
- Ah, eu adoraria, mas na verdade já jantei. – Ela disse. – Mas obrigada.
- Bom, eu vou conversar com a Summer lá no meu quarto. – Avisei antes que oferecessem alguma outra comida estranha a ela.
- Claro, tudo bem. – Mamãe sorriu.
Guiei Summer pelo corredor, ainda ouvindo minha mãe dizer “Dessa aí eu gostei!” quando entrávamos no quarto. Rolei os olhos e fechei a porta.
- Seus pais são simpáticos. – Ela sorriu.
- É, eu sei. Exceto quando eles estão prendendo alguém ou oferecendo aquela sopa de abóbora horrorosa. – Dei de ombros. – Pode se sentar. – Puxei uma cadeira para ela. – Ou pode sentar na cama. Ou onde você quiser. O quarto é seu. – Sorri.
A verdade é que eu ainda ficava um pouco sem jeito na presença de Summer, e ter ela entrando na minha casa e se sentando na minha cadeira giratória era um tanto quanto surreal. Mesmo que fosse amiga do , até aquele ano Summer era uma espécie de celebridade para mim, e era diferente de repente tê-la como amiga, embora eu já a considerasse assim agora.
- Então, para que a rainha precisa dos meus serviços? – Perguntei, me sentando de frente para ela.
- Na segunda-feira é aniversário da , sabia? – Summer respondeu, girando na cadeira. – Adorei essa cadeira. Adorei o seu quarto.
- Sério? – Franzi o cenho. – Caramba, eu não sabia. E olha que vivemos fazendo piada sobre ela não ter dezoito anos ainda.
- O que acha de organizarmos uma festa surpresa? – Sugeriu.
- Acho ótimo! Eu adoro festas! – Me animei.
Summer parou de girar.
- É que... Faz tempo que eu não tenho amigos como vocês, sabe? Pessoas em quem eu possa confiar, que se importam comigo de verdade. – Suspirou. – E a já fez tanto por mim e pelas meninas nos últimos tempos que acho que nada mais justo que prepararmos uma surpresa para ela. – Disse alegre. – Uma grande festa!
Ouvir Summer dizer tudo aquilo me fez engolir em seco. Não dava para deixar de pensar no que aconteceria se um dia ela descobrisse a verdade de tudo que tínhamos feito nos últimos meses.
- Claro. Você está certa. – Falei, tentando soar animado como um segundo atrás.
- Você me ajuda?
- Ajudo, é claro. – Sorri.
- Perfeito! – Ela se esticou e pegou minhas mãos, soltando-as em seguida para procurar um papel em branco na escrivaninha. – Vai ser na segunda-feira à noite, na minha casa. – Definiu.
- No começo da semana?
- Hanram. Assim é mais fácil evitar que alguém fofoque e estrague a surpresa. Sabe que horas eles voltam de New Orleans?
- Acho que de manhã.
- Posso convencê-la a não ir à escola, mesmo se chegar a tempo. – Analisou. – Você fala com o ? Ele pode nos ajudar.
- Falo sim.
- Legal. – Ela sorriu. – Isso vai ser tão divertido!
Continuei ajudando Summer a organizar as coisas, torcendo para que e se entendessem definitivamente naquela viagem, e assim pudéssemos tornar a mentira real e poupar Olsen de descobrir tudo.


🌴💚🌴


No dia seguinte, Summer teve um compromisso, então fui forçado a sair com Slaterton e Hughes para comprar as coisas para a festa.
- Se você pensa que estou mais feliz do que você com isso, , está muito enganado. – Emma resmungava enquanto entrávamos na loja de artigos de festa.
- Aposto que preferia estar com . – Impliquei, escapando por pouco de levar uma cotovelada.
- Parem com isso vocês dois! – Jodi se meteu em nosso meio. – É pela que estamos fazendo isso.
- Tá bom, Slaterton, você está certa. – Concordei. – Por onde começamos?
- Copos! – Ela sorriu, exibindo o aparelho lilás nos dentes. – Quero copos amarelos!
Depois de algum tempo jogando copos, pratos e outras tralhas de festa dentro do carrinho, o celular vibrou em meu bolso. Deslizei o visor para checar o que era, e então meu berro ecoou pela loja inteira.
- AI MEU DEUS! – Gritei.
- , VOCÊ FICOU DOIDO?! – Hughes veio atrás de mim.
- , o que houve? – Jodi correu também, preocupada.
Eu nem tive como falar, mas vendo o celular em minha mão, Emma logo o tomou.
- Ah. Meu. Deus. Essa é a Amber?! – Slaterton perguntou. Emma começou a rir.
Elas deram play no vídeo que Amber tinha acabado de publicar, intitulado “Queremos de volta ao time”.
- Caramba, você voltou com ela?
- Não! – Respondi.
Emma não conseguia parar de rir, enquanto Amber explicava todas as razões pelas quais era ridículo que me tirassem do time titular, começando por “eu ser um gato!”.
- Eu não tô acreditando nisso! – Exclamei.
- Parece bem real pra mim. – Jodi ergueu as sobrancelhas.
- Você nunca vai se livrar dela. – Emma apertou meu ombro de um jeito reconfortante, mas claramente debochando de mim.
Mas que droga!

Naquela noite, fui me deitar seriamente preocupado com o passo que as coisas andavam. Depois de algum tempo, fiquei irritado com Amber por ser maluca. Depois fiquei com pena de novo e, por fim, dormi.
Tive um sonho, um lindo sonho em que eu estava na Praia da Âncora, em cima de uma pedra, e aparecia uma sereia que na verdade era a Sofia. Ela me chamava para nadar com ela, mas antes que eu pulasse na água, Amber aparecia com um arpão e tentava matá-la. Acordei suando frio e não consegui dormir de novo, então fui jogar vídeo game.
Na manhã seguinte, estava com dor nas costas, e quando minha mãe perguntou por que, eu desconversei. A última coisa que precisava era falar sobre minha vida amorosa com meus pais. Por isso, quando ela disse que queria fazer um gnocchi que tinha aprendido na tv, me ofereci para sair e comprar o que ela precisava, antes que isso acabasse acontecendo.
Estava saindo do supermercado com uma sacola de batatas quando meu celular tocou.
- ! – Atendi. – Finalmente lembrou que eu existo, seu infeliz desnaturado!
nem ligou para o meu mau humor. Em vez disso, riu de mim.
- Oi, . Como estão as coisas?
- Nada bem, cara, mas é uma longa história. – Suspirei. – E a viagem? Como vocês estão?
- Era isso mesmo que eu queria te contar... disse. , eu e a nos entendemos. Estamos juntos agora. Dessa vez de verdade.
- Caramba, , tá falando sério?! – Parei de andar, estupefato. – Que ótimo, cara! Você não sabe o quão feliz eu fico em ouvir isso!
- Por que tanta alegria? – Ele riu. – Eu jurava que você ia dizer “não fizeram mais do que a obrigação de vocês”.
- E não fizeram mesmo. – Concordei. – Mas... Sei lá, a gente já se meteu em tanta coisa que acho que eu estou cansado. E agora que vocês dois estão juntos de verdade, vamos poder viver uma vida normal. Pelo menos até ficarmos entediados e inventarmos uma história nova.
- Nem brinca com isso. riu. – Mas é. Nós dois estávamos um pouco cansados também, eu acho.
- E vocês voltam mesmo amanhã, não é?
- Sim, amanhã de manhã.
- Preste atenção agora. – Falei em tom de conspiração. – Ela não está perto de você, ou está?
- Não... Ela foi se vestir para o casamento.
- Beleza, olha só: a Summer está organizando uma festa de aniversário surpresa pra amanhã, na casa dela.
- Sum é um gênio! É uma ótima ideia, eu estava mesmo pensando no que ia fazer.
- Ótimo. Então, nós queríamos garantir que a não soubesse de nada, o que seria mais difícil se ela fosse para a escola amanhã. Sendo assim, pensamos em dar um jeito de não deixar que ela vá. A Summer vai tentar fazer isso, mas na pior das hipóteses, você interfere.
- Por que é tão arriscado? Summer chamou a escola inteira? – Ele se assustou.
- Óbvio que não. Mas ela teve que chamar a Amber, e eu duvido muito que ela consiga conter a língua, o que quer dizer que metade da escola deve aparecer na casa dos Olsen amanhã.
- Isso é verdade. – Ele concordou. – Tá, e aí, o que eu faço além de segurá-la em casa?
- Sua missão é levar a até a casa da Summer às seis da tarde. – Expliquei. – Pode fazer isso?
- Sem problema. Vou adorar ver a cara dela.
- Eu também. – Sorri. – Agora, tem mais uma coisa que eu quero de você.

Fiquei andando de um lado para o outro com o post-it na mão. Eu podia não ser a pessoa mais organizada do mundo, mas gostava de usá-los às vezes quando estudava matemática, e tinha acabado anotando o número em um deles mesmo. Era verde-limão.
- , venha arrumar a mesa para almoçarmos o gnocchi da sua mãe! – Meu pai gritou.
- Eu já vou! – Gritei. – Me dá só um minuto!
Fechei a porta do quarto para evitar qualquer incidente vergonhoso e me sentei no puff, respirando fundo.
- Vai lá, , você consegue fazer isso. – Falei para mim mesmo.
Deslizei o visor e disquei o número do post-it – que àquela altura já tinha até decorado, de tanto reler – e esperei.
- Alô? – A voz suave veio do outro lado da linha.
- Sofia? – Perguntei, idiotamente. – Aqui é o... O . Sou o amigo da...
- . – Ela repetiu. – Eu sei quem é você. Oi.
Certo, é só falar.
- Tudo bem? – Perguntei.
- Tudo sim, e com você?
Sofia estava levando a conversa casualmente, mas eu precisava dar um sentido às coisas antes que ficasse tudo estranho.
- Bem. Bom, eu estou te ligando porque a Summer está organizando uma festa surpresa pra amanhã à noite. – Expliquei. – E eu pensei que... Eu sei que é segunda-feira, mas pensei que talvez você quisesse vir. A sem dúvida ia ficar muito feliz.
- Bom, eu adoro festas. – Ela disse. – E ela vai mesmo ficar feliz, então... Diga ao povo que vou. Uma única falta não vai me matar.
- Perfeito! – Comemorei. – Quer dizer, que bom. Vai ser ótimo. – Corrigi o tom de voz. – E... Eu sei que você não sabe onde fica a casa da Summer e a festa vai ser lá, então pensei que podíamos ir... Juntos. Não, tipo, juntos, mas, você sabe, eu poderia te levar lá, poderia... Ir com você. – Completei baixinho.
Tive a impressão de ouvir Sofia rir do outro lado da linha, e então, para minha total surpresa, ela disse:
- Tá. Por mim tudo bem.
- Sério? – Quase caí de felicidade, mas me controlei. – Tá, eu te pego na casa do Jack ou...
- Eu te busco, . – Ela me interrompeu, rindo. – Tenho que ir agora. Nos vemos amanhã.
- Tá! – Concordei rápido. – Até amanhã então.
Sofia desligou e aí sim comecei a pular pelo quarto feito um maluco.
- Amanhã! – Eu dizia. – Amanhã!
- , VENHA ARRUMAR A MESA, SEUS AVÓS JÁ CHEGARAM! – Papai bateu à porta com força.
- EU JÁ VOU! – Gritei de volta, mas logo estava sorrindo de novo. – Amanhã!

🌴💚🌴


Estava na aula de Física, montando uma equação, quando Jodi me cutucou da cadeira de trás.
- Diz aí. – Falei.
- A lista de músicas. – Ela sussurrou. – Estou te enviando o link.
- Beleza.
Jodi me enviou por mensagem o link da playlist. Me inclinei para trás e fui falando.
- Essa sim. Essa não. Nossa, que ridículo! Quem colocou isso aqui, a Hughes?
Emma – que estava na cadeira ao lado de Jodi – se virou para nos ouvir.
- Eu mesma, otário. – Respondeu. – E é bom deixar aí.
O professor olhou de sua mesa, procurando a origem do barulho, e nós nos abaixamos.
- Ah, tanto faz. Podem colocar o que quiserem, desde que não seja Maroon 5. – Avisei, porque não aguentava a voz do Adam Levine. – Depois eu passo uma lista de jazz pra vocês. A festa é da , afinal.
- Que generoso. – Emma rolou os olhos.
- Sou mesmo. – Concordei. – Eu só quero que essa festa saia perfeita porque, se querem mesmo saber, eu tenho um encontro. – Contei, embora não fosse mesmo um.
- Você está brincando, né? – Jodi me olhou com seriedade. – Com quem?
- Isso é segredo. – Sorri convencido.
- Vai ser um encontro com a morte quando a Amber souber. – Hughes riu.
Engoli em seco, sabendo que Emma estava certa. Mas de todo modo, aquilo teria que parar um dia. E também não era como se eu fosse me agarrar com Sofia no meio da festa. Na verdade, não era nem como se fosse um encontro de verdade. Mas ela tinha aceitado que eu a levasse, e isso me bastava.

Depois da terceira aula do dia, eu estava a caminho do banheiro, quando meu celular tocou.
- Ei, . – Falei ao atender.
- Oi, . – Ele respondeu. – Olha, eu só estou ligando para avisar que vamos nos atrasar.
- Como assim?
- Começou a chover muito aqui essa madrugada e eles adiaram os voos da manhã por causa do mal tempo.
- Que horas vocês vêm então?
- À tarde. Devemos chegar em casa lá pelas seis. – Disse. – Mas não se preocupe, eu dou um jeito de levá-la direto pra festa.
- Ok, então. Vou avisar a Summer.
- Nos falamos depois, .
- Até mais tarde.
Desliguei o telefone, imaginando que as meninas não iam gostar de saber do imprevisto, e bem nessa hora Jodi apareceu no fim do corredor, fazendo sinal para que eu esperasse. Ela estava vermelha, como se tivesse corrido muito para chegar até mim.
- Slaterton, o que houve? – Perguntei preocupado.
- Você precisa ver o que está acontecendo no campo de futebol. – Ela disse séria.
Segui Jodi rapidamente até o lado de fora, onde uma pequena multidão se aglomerava perto do campo de futebol. Como não eram muitos, foi fácil passar por eles. E foi aí que eu vi.
Os jogadores estavam lá, visivelmente irritados, assim como o treinador, porque algo os estava impedindo de treinar. Bem no meio do campo de futebol, estava sentada Amber – um pontinho rosa e jeans no meio do verde. Eles gritavam coisas, mas ela estava tapando os ouvidos com as mãos e cantando bem alto I love it da Icona Pop.
- Parece que ela está fazendo um protesto contra sua saída do time. – Jodi explicou.
- Meu Deus, Amber. – Espremi o rosto com as mãos.
O treinador continuava tentando tirar a garota de lá.
- Menina, é melhor você sair logo daí! – Ele avisou. – Nós temos que treinar, pela santa paciência!
- Devia ter pensado nisso antes de tirar do time! – Ela respondia malcriada.
- Hayley, eu estou perdendo a paciência! – Junior disse sério.
- Sai logo daí, Amber, ou vamos ter que te tirar! – avisou.
- Tenta então! – Ela chamou e deu um passo, mas Brad o segurou.
Sabendo que só eu podia dar um fim naquilo, eu tinha que interferir antes que a coisa piorasse, mesmo correndo o risco de levar um soco.
- Ninguém vai tirar ela a força! – Exclamei, correndo para o campo e entrando na frente de Amber.
- Gatinho! – Ela exclamou feliz.
- Não tem vergonha na cara de colocar sua namorada no meio disso, ? – O treinador perguntou irritado.
- Você devia ter vergonha de deixar seus jogadores ameaçarem uma líder de torcida! – Devolvi e ele ficou praguejando. – Fiquem longe dela! – Avisei. – Ela vai sair.
Estendi a mão para Amber, que a segurou – uma mistura de confusão e felicidade no rosto.
- Idiotas! – Ela os xingou antes de irmos definitivamente.
Levei Amber comigo para o mais longe da confusão possível, do outro lado da escola. Só quando nos aproximávamos de um banco embaixo de uma árvore, comecei a pensar no que diria a ela. Sabia, no entanto, que precisava ser mais firme que da última vez em que tinha terminado com ela, ainda que não quisesse magoá-la.
- , eu estava fazendo aquilo por você. – Ela tentou explicar quando nos sentamos. – O que eles fizeram é muito injusto, você é um jogador incrível, e eu tenho que te apoiar, porque sou sua...
- Não, Amber, você não é. – Falei com delicadeza.
Ela me olhou com os olhos azuis arregalados, estáticos.
- Quando eu terminei com você, eu estava falando sério.
- Você não gosta de mim? – Amber baixou a cabeça e vi uma lágrima escorrendo por sua bochecha.
Para minha surpresa, vê-la daquele jeito, saber que tudo estava chegando ao fim, me fez querer chorar também.
- Eu gosto. – Sorri um pouco, fungando, e me surpreendendo com a sinceridade do que eu dizia. – Mas ainda não é do jeito que você gosta de mim. E isso é que não é justo. Você merece mais do que isso.
Amber olhou para mim, os olhos cheios de lágrimas.
- Você está chorando? – Ela perguntou, porque eu estava do mesmo jeito.
- Estou sim. É difícil para mim também. – Admiti, segurando a mão dela. – Você foi minha primeira namorada. E eu espero que você seja feliz, e que fique famosa e mais linda ainda, para que no futuro eu possa dizer para todo mundo que já saí com você.
Amber riu um pouquinho. Depois me abraçou.
- Amo você, . – Ela disse. – Eu prometo que vou parar. Mas eu nunca vou te esquecer.
Eu a abracei de volta, sabendo que, de um jeito ou de outro, também nunca a esqueceria.

🌴💚🌴


- Ah, finalmente essa tortura acabou! – Hughes exclamou quando saíamos da última aula. – Não vejo a hora de me acabar na festa!
- Pois é, eu também. – Concordei. Ainda estava um pouco melancólico depois de minha conversa com Amber, mas estava passando aos poucos, e pensar que eu logo estaria com a Sofia acelerava esse processo.
- Quer uma carona até o centro? – Emma perguntou, pois indo com ela até o centro da cidade eu podia ir até a pé para casa.
- Não, eu vou depois. – Dispensei. – Tenho que tirar minhas coisas do vestiário de uma vez. Chega de adiar.
Ela assentiu, mais solidária que de costume.
- Sinto muito que tenha saído do time. – Disse. – Mas pensa pelo lado bom: não precisa mais se matar de fazer exercício, enquanto eu... – Fez uma careta.
Ri do comentário, surpreso por ela estar sendo legal comigo.
- Obrigado, Emma. – Falei.
- Nos vemos na festa, . – A menina sorriu. – Não vá deixar a descobrir tudo!
Hughes foi embora e eu segui meu caminho rumo ao ginásio, tentando pensar no lado positivo de não ser mais um jogador titular. Olhei o celular. Eram 16:40. Sem exercícios, pensei comigo. Mas também sem fama.
Ainda estava colocando tudo na balança quando ouvi vozes vindo de uma sala de aula vazia. Eu teria ido embora assim mesmo, mas o reconhecimento de quem estava falando me fez parar. Me aproximei devagar da porta, espiando rápido pelo vidro.
Junior estava sentado na mesa do professor. , sentado numa cadeira de frente para ele, opinava sobre a decisão do amigo.
- Tem certeza disso, cara? – questionava.
- Mais certeza do que tudo. – Junior confirmou. – Eu não aguento mais essa situação. Se tiver que ver a com o de novo, vou arrebentar a cara dele. A disse que eu tinha que pensar no que queria daqui pra frente, e eu entendi o que ela quis dizer. Eu sei a resposta agora.
- Então é isso mesmo? – parecia preocupado.
- Sim, , eu sei o que eu quero. Eu quero ela. – disse seguro, quase me fazendo cair para trás. – Não vou mais deixar que a pense que eu não tenho certeza. Vou pedir a em namoro hoje à noite, na frente de todo mundo.
- Mas e a Summer?
- Ela vai ter que lidar com isso. Eu e a temos uma história.

[N/A: Ok, meninas, a música tema dessa cena é Lies, mas não determinei sincronia para ela. Então ouçam se quiserem, ouçam como quiserem. Eu li a cena com e sem trilha e gostei dos dois jeitos :D ].

Me abaixei rápido, cobrindo a boca com as mãos com toda força para impedir a mim mesmo de fazer um barulho muito alto de pânico.
- Droga. – Murmurei. – Droga, droga, droga!

Saí correndo freneticamente até o vestiário do ginásio. Precisava pegar minhas coisas e sair dali rápido, precisava impedir aquela catástrofe. Seria o fim do mundo.
Empurrei a porta do vestiário, tão tonto com o que ouvira que até me esqueci ao certo onde ficava meu armário.
- Calma, ! – Falei para mim mesmo.
Encontrei a bendita porta e a abri, enfiando a toda velocidade as roupas que estavam ali dentro da mochila. Então peguei meu celular e tentei ligar para . Ele não atendeu. Depois tentei ligar para , mas ela também não. Eles deviam estar no avião àquela hora.
- Mas que inferno vocês dois! – Xinguei depois de tentar os dois números de novo sem resultado.
Constatei que a única coisa que eu podia fazer no momento era enviar um áudio para e torcer para que ele ouvisse antes de ir à festa.
- Escuta, . – Falei. – Você não pode levar a para a festa! O ficou maluco, e ele vai pedi-la em namoro na frente da escola inteira essa noite. Pelo que eu entendi, ele pretende contar toda a verdade a Summer, e aí ela vai acabar descobrindo que o namoro de vocês era mentira também! Vai ser o próprio apocalipse! NÃO LEVE A À FESTA! ELA NÃO PODE NEM IR À ESCOLA ATÉ TERMOS RESOLVIDO ESSA SITUAÇÃO!
Depois, escrevi uma mensagem de texto logo abaixo do áudio: OUÇA ESSE ÁUDIO ANTES DE QUALQUER COISA!
Assim que chegasse em casa, tentaria ligar de novo, e seguiria tentando até conseguir.
Mas tudo que fiz foi dar dois passos em direção à saída do ginásio e dei de cara com eles.
- , você tá ferrado. – disse sério.
Junior, parado ao lado dele, encarava o chão, como se estivesse em estado de choque.
Merda, ele devia ter ouvido tudo que eu falei!
- Todos esses anos bancando os nerds santinhos para agora você e o se revelarem a dupla de safados mais mentirosos que já vi! – continuou, indignado.
- Acho que está nos confundindo com vocês dois, . – Nos defendi. – Porque tudo isso começou por culpa do Junior.
- E vai acabar com você morto! – Ele me ameaçou, dando um passo à frente.
Mas antes que fizesse qualquer coisa, algo desviou nossa atenção. Junior tinha saído do estado de choque e começara a rir. Mas não era uma risada qualquer; o garoto gargalhava, enquanto eu o observava com medo.
- Junior. – O amigo disse, confuso.
- Então, deixa eu ver se entendi. – parou de rir aos poucos, se recompondo. – A , na verdade, nunca namorou o realmente. Tudo isso não passava de um plano para me torturar pelo que eu fiz. É isso mesmo?
- Ela não queria te torturar. – Falei em voz baixa.
- Ela... – Junior continuou, me ignorando. – Aquela filha da puta... Me fez terminar com a Summer e bagunçar toda minha vida social, e tem brincado com a minha cabeça e me feito sentir arrependimento e culpa todos os dias desde que chegou, por que ela queria se vingar de mim?
Agora o ar despreocupado de Junior tinha dado lugar a um olhar sombrio e assustador, e de repente eu soube que tinha que sair dali logo.
- Junior, a intenção da nunca foi te fazer de idiota. Ela não queria te enganar, ela só queria...
- Isso era exatamente o que ela queria, . – Junior disse sério. – E no caminho, ela transformou minha vida num caos.
Por mais que eu achasse que Junior estava tentando transferir a culpa de suas ações para , eu entendia parte do que ele estava dizendo. Ainda assim, eu não me importava – queria mais que ele se explodisse. Eu só queria correr dali e avisar meus amigos.
- Mas não se preocupe. – Ele deu um sorriso frio. – Se o que sua amiga queria era que eu fosse até as últimas consequências por ela, esse desejo será realizado. – Prometeu e eu senti um calafrio, sabendo que as coisas estavam prestes a sair de controle por completo. – Eu não tenho mais nada a perder mesmo.
Dei um passo para trás, nervoso.
- , pega o celular dele. – Junior mandou.
Tentei fugir, mas me puxou de volta e me segurou com toda a força, tomando o celular das minhas mãos e jogando para .
- Me devolve isso! – Gritei, me debatendo.
- Obrigado. – Junior disse. – Sinto muito, , mas essa mensagem de áudio nunca vai chegar. – Ele deletou a mensagem na minha frente. – E infelizmente seu nome acaba de ser retirado da lista de convidados daquela festa.
- Junior, você enlouqueceu! – Apontei o óbvio. – Você tem que conversar com a , você vai entender!
- EU NÃO VOU ENTENDER PORRA NENHUMA, ! – Ele gritou furioso, fazendo até o olhar com medo.
enfiou meu celular em seu bolso então.
- A fez da minha vida um inferno, e agora é vez dela. – Disse com firmeza. – Agora me ajuda, !
Junior veio em minha direção e saiu me puxando pelo braço.
- Junior, o que você... – começou.
- Anda logo, ! – Ele ordenou.
o ajudou a me levar até o lado esquerdo do vestiário, enquanto eu me debatia.
- Me solta! – Eu dizia. – Você ficou louco, ! Me larga!
Finalmente, chegamos às cabines com vasos sanitários, e Junior me empurrou para dentro de uma, depois fechou a porta. Tentei escapar, mas ele quase prendeu minha mão.
- , pega o banco! – Ele exigiu, segurando a porta com as costas, pois a mesma só abria para fora.
- Mas, Junior... – O garoto tentou falar.
- ANDA LOGO OU EU PRENDO VOCÊ TAMBÉM! – ameaçou.
- Me tira daqui, seu desgraçado! – Gritei, esmurrando a porta.
Ouvi o arrastar do banco pesado, e então senti Junior se afastar da porta.
- Sinto muito por não te fazer companhia, , mas temos uma festa para ir. – Ele disse casualmente. – Não se preocupe, você será solto quando minha vingança estiver completa. Ou não.
E alguns instantes depois, ouvi a porta do vestiário bater.
- Desgraçado! Seu desgraçado! – Tentei abrir a porta da cabine, sem nenhum sucesso. – SOCORRO! ALGUÉM ME TIRA DAQUI!
Mas era tarde demais. Àquela hora, todos os jogadores tinham ido embora, e o treinador também. O resto dos alunos devia estar em seu caminho para casa, ansiosos por aquela festa que estava fadada a ser uma catástrofe.
Me sentei na tampa do vaso, desesperado. Eu tinha que conseguir sair dali sozinho e logo, antes que tudo estivesse perdido.


32- We've got no worries in the world

"I'll swing you, girl, until you fall asleep, and when you wake up you'll be lying next to me."

[…]


estava em silêncio ao meu lado, absorvendo tudo o que eu tinha dito. Como Miguel tinha me aconselhado dias antes, eu precisava ser sincera de verdade, e isso incluía contar ao o que eu realmente tinha feito antes de qualquer coisa, evitando que aquilo se tornasse uma bola de neve no futuro.
- Eu sei que tudo que eu fiz parece a maior loucura, e na verdade foi. – Falei. – E eu vou entender se você quiser terminar comigo de uma vez agora que sabe. Mas eu precisava te contar tudo, porque não quero mais mentir.
afrouxou a gravata e se deitou na grama, as mãos atrás da cabeça. Eu esperei ansiosa, mas ao mesmo tempo segura do que estava fazendo.
- Tem razão, o que você fez foi muito errado. – Ele disse. – Mas, e eu sei que isso vai soar horrível, a verdade é que já estávamos mentindo, e tudo tem o mesmo peso, não importa a intenção. Eu sei disso agora porque também tenho uma parcela de culpa nisso tudo. E essa é uma coisa que eu tenho que te contar também.
- O quê? – Fiquei confusa.
se sentou de novo e olhou para mim.
- Se lembra quando você me perguntou por que eu não gostava do ? – Ele quis saber. Eu assenti. – Eu tinha mesmo um motivo, mas nunca te disse.
Franzi o cenho, ainda sem entender.
- Quando eu conheci o Junior, no primeiro ano, ele armou um trote pra mim e pro ... E pra Summer também. – Confessou. – Fazia parte do teste dele para entrar no time. Foi uma aposta, pra fazer eu e o pagarmos o mico do século e pra provar que conseguia ficar com ela.
Eu fiquei tão estarrecida que por alguns instantes só fiz olhar para ele.
- A Summer sabe?
- Não, eu nunca contei. – Balançou a cabeça. – O Junior jurou para mim que tinha descoberto que gostava muito dela, e eu também não quis magoá-la, então não falei nada. O sabia de tudo também, mas fez o mesmo.
Dei um suspiro, imaginando a situação dele.
- Eu não sou ninguém para te julgar; afinal de contas, tudo isso começou porque eu também não queria que ela se magoasse. Só que depois fiquei maluca. – Dei de ombros. sorriu um pouco, mas balançou a cabeça.
- Talvez nada disso tivesse acontecido se eu tivesse contado a verdade a Summer naquela época, ou se tivesse contado a você quem o Junior era quando descobri que ele era o seu crushmisterioso.
- Mas se você tivesse contado tudo a Summer naquela época, vocês provavelmente estariam namorando agora e nós não estaríamos aqui.
- Isso é verdade. Até que não seria tão ruim. – Ele brincou.
Ri e fiz uma careta, um pouco enciumada, e riu, encostando a testa na minha cabeça.
- Eu não queria estar com ninguém além de você aqui agora. – Disse.
- Nem eu. – Sorri.
- Essa é a minha única condição. – disse então, pensativo, segurando minha mão. Olhei para ele. – Eu quero que a gente deixe pra trás toda a loucura que aconteceu, mas tem que ser em nome de algo de verdade agora. O que me importa é saber que você gosta de mim como eu gosto de você.
- Então não vai dar. – Falei séria.
olhou para mim, assustado. Eu sorri.
- Eu acho que gosto muito mais.
inflou as bochechas e fechou os olhos, depois começou a rir.
- É mesmo? – Ergueu uma sobrancelha. – Quer mesmo colocar na balança todas as coisas que eu fiz para demonstrar meu amor por você? Porque a gente vai ficar aqui uma eternidade, e você com certeza vai perder.
- Tá apostado então. – Dei um sorriso torto.
- Beleza. Eu menti para a Summer. – Começou a listar. – Eu sentei com aqueles babacas da mesa VIP...
- Eu te segui numa viatura e assisti O Ataque das Galinhas Zumbi por você! – Protestei.
- Eu dispensei a ROSANA WAYANS por você! – Ele devolveu.
Continuamos ali, discutindo qual era a maior prova de amor de todas, e percebi que era verdade: eu não ia querer estar com mais ninguém naquele momento.


POV

Honestamente, casamentos nunca foram meu tipo preferido de festa, mas naquele dia, eu me diverti com nunca. Participei até daquela coisa patética de trenzinho quando começaram a tocar Macarena. Mas cada instante vergonhoso valeu a pena só por ver a morrer de rir, dançando do outro lado. E poder fugir ao final da música e ir correndo beijá-la sem nenhum receio... Nada pagava isso.
- Vem cá. – Eu disse quando enfim me afastei do beijo. – Por que é que só eu tenho que ficar lá pagando mico enquanto você fica aqui bancando a dama de honra nesse vestido florido?
- Na vida, , ser bonita te traz algumas vantagens. – Ela deu de ombros, ainda abraçada a mim.
- Ah, tá bom. – Ri, beijando-a de novo.
- Além disso, o maior mico da noite ainda está por vir, e desse você está dispensado de participar por ser homem.
- E qual é?
Então uma das primas de Marley gritou:
- A NOIVA VAI JOGAR O BUQUÊ!
olhou para mim com cara de derrota.
- Esse aí. – Falou.
A sobrinha de Marley, Alex, apareceu correndo e a puxou pela mão.
- , vem!
E ela deu de ombros, se deixando levar embora. Um aglomerado de mulheres se formou no jardim do salão de festas, para onde o barco tinha nos levado depois da cerimônia. Elas gritavam como feras, e Alex segurava fortemente no que parecia acreditar ser o lugar perfeito, enquanto Marley se posicionava.
Senti uma mão nos meus ombros.
- Max. – Olhei para o lado.
- E aí, cara? – Max estava rindo, acompanhado de dois outros caras. – Sabe o que vai acontecer se sua namorada pegar aquele buquê, não é? – Ele deu um gole em sua bebida.
- As outras vão matar ela? – Chutei.
- Ih, cara, não! – Um dos rapazes exclamou. – Ela vai ficar maluca. Todas ficam.
- Rezei antes de sair de casa para a Karen não conseguir pegar. – O outro estremeceu.
- Irmão, é melhor jogar uma pedra no pé dela na hora que aquele troço estiver voando. – O primeiro opinou.
- Ele já fez isso, só para constar. – Max lembrou. – Mas o não é assim, beleza? Ele acabou de voltar com a , deixem eles curtirem um pouco do romance dessa cidade!
Os três claramente tinham bebido bastante, embora Max parecesse mais sóbrio que os outros.
Voltei a assistir a cena da jogada do buquê, embora agora estivesse um pouco preocupado. Quer dizer, casar? Caramba, nós tínhamos dezoito anos, e tínhamos acabado de começar a namorar de verdade. Casar.
Mas segundos antes de Marley jogar o buquê, olhou para mim e sorriu, e uma mecha do cabelo purpurinado – quase arruinado em sua declaração naquela manhã – estava colada no rosto. E eu pensei naquilo. Era mesmo tão assustador? Eu sorri de volta e acenei.
- PEGA! – Alguém gritou.
E então o buquê estava voando e minha namorada foi jogada longe pelas mulheres enlouquecidas, tropeçando e cambaleando, quase caindo de cara no chão.
- EU PEGUEI! – Uma das primas de Marley começou a gritar.
- Droga, Deus! – Um dos amigos de Max exclamou irritado, aquele que estivera rezando para que sua namorada não conseguisse.
Me apressei em socorrer , que se recompunha meio tonta em meio a gritaria.
- ! – Chamei.
Ela veio mancando em minha direção.
- Quanta agressividade por um bendito casamento! – Ela resmungou.
- Você está bem? – Olhei para seu pé, lhe oferecendo apoio.
- Estou sim. – Ela riu um pouco. – Está feliz como todos os outros? Eu não peguei o buquê.
- Honestamente... – Falei rindo. – Eu quase torci por você.
me encarou com os olhos arregalados.
- Sério? Então você é doido. – Riu, desajeitada.
- Talvez eu esteja ficando mesmo. – Ri, enlaçando sua cintura e beijando-a de novo.
Jack estava certo sobre a duração do evento. A família de Marley gostava de festejar, e ficamos lá até o início da noite, quando finalmente nos despedimos, exaustos. Marley deixou a festa depois de nós, mas viajaria ainda naquela noite para a lua-de-mel na Colômbia.
- Foi maravilhoso ter vocês aqui! – Ela abraçou nós três quando avisamos que íamos para casa. – Meu velho amigo Jack. – Segurou com força as mãos dele. – Não demore tanto em voltar a nos visitar.
- Prometo que não, meu bem. – Ele sorriu.
Marley então se virou para nós.
- A pequena Rainbow. – Passou a mão pelo cabelo de . – Eu não poderia estar mais feliz em ver a moça que se tornou. E foi ótimo te conhecer, . Fico feliz que meu casamento tenha trazido romance o bastante para fazer com que se acertassem.
- Estou feliz em te conhecer de novo também, Marley. Minha mãe também está muito feliz por você. – sorriu. – Divirta-se na lua-de-mel.
- Foi ótimo te conhecer também, Marley. – Sorri.
- Cuide dela, amigo. – Jack abraçou Daryl. – Essa mulher vale ouro. Não é à toa que levou tanto tempo para ser conquistada.
- E agora me chamou de velha! – Marley riu. Nós também.
- Vamos deixar as chaves com o Max amanhã de manhã. – Jack avisou.
- Tudo bem.
- Divirtam-se na Colômbia. – Desejei.

Chegamos ao apartamento de Marley exaustos, tirando sapatos, paletós e enfeites de cabelo.
- Às vezes eu acho que a melhor parte das festas é quando elas acabam! – se espreguiçou.
- Acho que eu bebi demais... – Jack caiu de costas na cama, fechando os olhos.
- Acha é? – fez uma careta. Então ela olhou para mim rindo. – Vem comigo!
A menina agarrou minha mão e me levou escada acima. Fomos para a varanda, de onde já dava para ver as bandas passarem na rua.
- É o melhor jeito de terminarmos nossa viagem. – Ela sorriu, apoiando as mãos no beiral e o queixo nelas. – Do jeitinho que começamos, olhando tudo isso.
- Eu consigo pensar em jeitos melhores. – Dei risada, puxando ela para mais um beijo; esse mais lento, aproveitando cada segundo como se tudo pudesse acabar junto com aquela viagem.
- Caramba, eu estou tão exausta! – se jogou para trás e eu a segurei. Depois ela se soltou e entrou em casa.
A segui até lá dentro, onde ela empurrou a porta de correr e se jogou na cama rindo, o vestido florido todo espalhado. E eu a achava tão linda.
Me joguei ao lado dela, encarando o teto e pensando em como era possível gostar de alguém assim. Quando eu era mais novo, achava que gostava de Summer. Depois, achei que gostasse da Leslie. Mas agora, deitado ali com Pie, eu sabia que nunca tinha sabido de nada de verdade. Gostar parecia uma palavra tão boba para expressar o que eu sentia.
- Quer dormir aqui? – Ela perguntou.
Olhei para ela, uma sobrancelha arqueada.
- Eu disse dormir! – Ela me empurrou com força, envergonhada.
- Eu sei! – Caí na gargalhada. – Eu entendi!
balançou a cabeça, fingindo estar brava, mas toda sem jeito.
- Eu quero sim. – Falei mais sério.
Ela rolou para mais perto, deitando a cabeça no meu peito, e bocejou.
- Acha mesmo que isso vai dar certo? – Perguntou. – Porque eu quero muito que dê.
- Eu sei que vai. – Respondi, brincando com o cabelo dela. – Porque, francamente, se terminássemos agora, seus amigos da balsa iam me caçar até o fim do mundo.
- É verdade. – sorriu. – A Mara tem meu telefone. – Referiu-se a uma das turistas.
Eu não disse a ela que tinha me perguntado a mesma coisa naquela manhã, enquanto me arrumava para o casamento. Era como se dizer em voz alta pudesse fazer com que tudo se desfizesse de repente.
Seguiu-se um silêncio tão longo que achei que ela já estivesse dormindo. Então ouvi sua voz, bem baixinho:
- .
- Oi? – Respondi do mesmo modo.
- É melhor se levantar antes que meu pai te veja aqui.
Ri baixo e a ouvi fazer o mesmo, e então, menos de cinco minutos depois, ela já estava dormindo de novo. Dessa vez, profundamente.
Brinquei com o cabelo dela mais um pouco, sem querer apagar tão rápido, mas acabei não resistindo ao cansaço, fechei os olhos e dormi, com a sensação de que já estava sonhando há muito mais tempo.

🌴💚🌴


Mesmo não acordando tão cedo quanto pretendíamos, quando nos levantamos Jack ainda estava deitado.
- É melhor tirar ele dessa cama ou vamos perder o voo. – disse. – Pai. – Sacudiu Jack suavemente. – Pai, levanta. Temos que nos arrumar.
Enquanto Jack se colocava de pé e tomava um banho, preparei um café para todos nós. Bebemos juntos, sentados à mesa.
- Estou feliz que tenham voltado, meninos. – Jack comentou alegre, comendo um cookie de pacote.
- Obrigada, pai. – sorriu. Tínhamos decidido contar a Jack sobre o que tínhamos feito depois da viagem. O plano era que fosse ainda naquela semana, mas com a presença de Miguel para aliviar a barra.
- Eu que agradeço. – Jack balançou a cabeça. – A casa ficava muito mais organizada quando vocês dois a arrumavam. Eu já estava ficando preocupado.
- Folgado. – Falei.
Nós três rimos, e então olhou pela janela, só então se dando conta.
- Caramba, que tempo horrível! – Ela exclamou.
Lá fora uma chuva pesada caía, e ventava muito.
- Lembra quando o Katrina destruiu tudo aqui? – Perguntei.
- Quero ir embora logo. – estremeceu. – Que horas o Max vem nos pegar?
- Deve chegar a qualquer minuto.
E não demorou mesmo para que o Max chegasse. Ele nos ajudou com as malas e depois dirigiu o carro até o aeroporto, enquanto nos contava sobre os momentos horríveis da passagem do furacão Katrina, anos antes. Max tinha nossa idade na época.
ficava cada vez mais nervosa com aquela história, mas tentei tranquiliza-la lembrando de outras coisas.
Finalmente chegamos ao aeroporto.
- Foi um prazer rever você e a , Jack. – Apertou a mão dele. – E conhecer você também, .
- Foi legal te conhecer também, Max. – Falei. – Espero que possamos tocar juntos de novo qualquer hora dessas.
- Pode contar com isso. – Ele sorriu.
Depois das despedidas, Max foi embora e entramos no aeroporto. O lugar estava abarrotado de gente – muito mais do que em nossa chegada. Fomos direto para a fila do check-in, mas assim que nos atendeu, a moça fez uma careta.
- Um segundo... Estou vendo que o voo de vocês é o das dez horas, não é?
- Sim, o voo das dez horas para Jacksonville. – Jack confirmou. – Qual o problema?
- Sinto muito, mas o voo das dez horas foi adiado. – Ela informou. – Todos os voos da manhã foram. O tempo está muito ruim para voar.
- Está brincando! – exclamou, nervosa.
- E quando vamos poder ir agora? – Perguntei.
- Segundo nosso contato com a meteorologia, o tempo deve melhorar depois do meio dia. Os voos ainda estão sendo reorganizados, mas garantimos que será o mais rápido possível.
- Bom, fazer o quê? – Jack deu de ombros. – Obrigado.
Saímos da mesa do check-in e fomos nos sentar em um banco.
- Bom, não temos como voltar para casa. – Jack disse. – O Max já foi agora.
- Não queria dar esse trabalho também, mas o que vamos fazer?! – se chateou. – É muito tempo!
- Já sei um jeito de passarmos ele. – Falei. – Esperem aqui.
Deixei os dois e fui para perto das lojas do aeroporto. Na verdade, queria mesmo um motivo para escapar e falar com , avisando que chegaríamos atrasados. Depois que o avisei, entrei numa loja de lembranças aleatória e comprei um baralho. Às vezes, eu, e jogávamos em casa, e antes eu costumava jogar com o Jack também. Pelo menos não íamos morrer de tédio até o tempo melhorar.

Depois de um bom tempo jogando baralho e conversando sobre coisas aleatórias, fomos almoçar em uma lanchonete lá dentro. De vez em quando nos aproximávamos de algum lugar com vista para fora ou checávamos a previsão do tempo. E, enfim, aquela eternidade acabou. Já passava de uma da tarde quando foi anunciado que os voos poderiam sair. Fomos até o check-in e ela nos avisou que o nosso decolaria às duas e meia.
- Ah, finalmente! – exclamou.
- Alguém não aguentava mais perder. – Jack provocou.
- Você estava roubando.
- Ele não estava não. – Ri.
Fomos direto para a sala de embarque, e logo estávamos no avião.
- Eu é que não quero sentar na janela dessa vez. – avisou, se ajeitando entre Jack e eu.
- Vai ficar tudo bem, meu raio de sol. – Jack beijou a testa dela.
sorriu para ele e depois olhou para mim.
- Dessa vez sou eu que estou com medo de decolar. – Confessou.
- Às vezes tudo que precisamos é de um amigo para segurar nossa mão. – Citei Jack e sorri para ela, segurando com força sua mão. Esperamos a decolagem.
- Ei! – Ela disse então, quase pulando da poltrona. – Já desligaram os celulares? Não quero nenhum risco extra nesse voo!
- O meu está descarregado. – Jack respondeu apenas.
- E você? – me encarou.
Tirei o celular do bolso e o desliguei. Tinha mesmo me esquecido.
- Pronto, pode ficar tranquila. – Falei.
- Menos mal. – Ela sorriu e me deu um beijo no rosto, depois se ajeitou de novo em seu lugar.

Apesar do estresse da manhã e de algumas turbulências, o voo foi tranquilo e desembarcamos em Jacksonville horas depois com segurança.
- Minhas costas não aguentavam mais! – Jack se esticou todo.
- Lar doce Flórida! – fez o mesmo. – Estou tão feliz por ter sobrevivido!
- Você fala como se tivesse dançado balé no meio de um tiroteio. – Rolei os olhos, rindo. Ela me deu uma cotovelada.
- , é melhor ligar para a sua mãe e avisar que desembarcamos. – Jack disse. – Ela vai ficar mais tranquila.
Tinha até me esquecido do celular em meu bolso, mas o tirei de lá e liguei o aparelho. Depois de falar com minha mãe, percebi que tinha uma mensagem do . Estava em letras garrafais, dizendo "OUÇA ESSE ÁUDIO ANTES DE QUALQUER COISA!", mas não havia áudio nenhum lá.
Imaginando que pudesse ser algo sobre a festa surpresa, falei para e Jack que precisava ir ao banheiro. Chegando lá, tentei ligar para , mas só caía na caixa postal. Então disquei o número da outra pessoa que poderia me informar de alguma coisa.
- Summer? – Falei quando ela atendeu.
- ! – Ela exclamou feliz. – Vocês já chegaram? me falou do atraso do voo.
- Sim, estamos em Jacksonville. – Confirmei. – Jack está ligando para o Miguel vir nos buscar. Eu só estou ligando para saber se está tudo bem com a festa. O queria me dizer alguma coisa, mas não consigo falar com ele.
- Eu também queria saber onde ele se meteu. – Summer disse. – A Amber chegou aqui cedo para ajudar a decorar tudo, mas não para de beber margaritas, e Emma já está irritada. Quanto à festa, está tudo bem. Pode trazer a lá pelas seis, mas me mande uma mensagem quando vier. Vou tentar achar o enquanto isso.
- Tudo bem então. Nos vemos depois.
- Até lá!
Voltei para perto da e do Jack, que me avisaram que Miguel já estava vindo.
- Ótimo. – Eu disse, já imaginando como faria para leva-la até a casa de Summer.

Já estávamos do lado de fora do aeroporto esperando quando Miguel chegou.
- Miguel! – Jack o abraçou.
- E aí, pessoal? Como foi o casamento? – Ele quis saber, cumprimentando todos.
- Ah, foi incrível, Miguel! – Jack contou com voz saudosa. – Você devia ter ido.
- Bebeu demais por lá, Jack? – Miguel quis saber. – Olha que eu avisei!
- Só o suficiente para esquecer dos problemas.
Desconfiado, Miguel se virou para e eu.
- E quanto a vocês dois?
- Bom... Nós voltamos. – contou feliz.
- De verdade dessa vez. – Ressaltei.
- Bom. – Ele meneou a cabeça, sorrindo um pouco. – Fico feliz. Quero saber mais depois.
- Pode deixar. – Ela assentiu.
- Vamos lá? – Jack chamou. – Estou louco para tomar um café.
Pegamos um trânsito incomum para uma segunda-feira, mas ainda assim chegamos a Jacksonville Beach dentro do tempo esperado.
Miguel me deixou em casa, onde minha mãe me recebeu como um herói de guerra.
- Eu estava tão preocupada com você! – Ela me beijou. – Só conseguia pensar no furacão Katrina!
- É, a também. – Ri. – A propósito, nós voltamos.
- Sério? Que notícia maravilhosa, ! – Me beijou de novo. – Eu e a Amelie ficamos tão felizes em ouvir isso!
- Vocês duas são muito casamenteiras para o meu gosto. – Brinquei, falando com a barriga dela.
- É você quem está falando em casamento. – Mamãe ergueu as sobrancelhas e apontou para mim, vitoriosa. – Mas até que seria divertido.
- Para com isso ou eu conto para o Henry que foi você que comeu o sorvete todo semana passada! – Ameacei, subindo as escadas.
- Devo pedir pizza? – Ela perguntou.
- Não, eu vou ter que passar na casa do Jack de novo!
Coloquei a mala num canto e tomei o banho mais rápido do universo, depois expliquei a mamãe para onde estava indo e saí com o carro.
Quando cheguei a casa dos Pie, estava no banho, e quando contei a Jack do que se tratava minha visita, ele ficou devastado.
- Puxa, não acredito que me esqueci! – Disse deprimido. – Eu nem preparei nada, eu não comprei nada!
- Não se preocupe, acho que ela também não está lembrando. – Falei.
- Vou ter que fazer alguma coisa amanhã. – Ele ficou meditativo.
- Finja que não fez hoje porque não queria atrapalhar a festa dela. – Miguel sugeriu.
Jack estava considerando a possibilidade, quando desceu, usando uma calça jeans e uma camiseta branca.
- O que está fazendo aqui? – Segurou minhas mãos. – Pensei que fosse descansar.
- Na verdade, eu preciso ir a um lugar. – Falei, fazendo mistério. – E você precisa vir comigo.
- soltou minhas mãos e me encarou, desconfiada.
- O que está tramando, ? – Perguntou, sorrindo.
- Eu confiaria nele se fosse você. – Jack opinou do sofá.
Ela olhou para ele, que deu de ombros, e depois me encarou de novo, divertida.
- Você confia? – Perguntei docemente.
- Até debaixo d'água, . – Respondeu por fim. – Mas é melhor eu não me arrepender.
- Vamos, então. – Segurei a mão dela e a levei para o carro.
Em poucos minutos, estaríamos comemorando o aniversário dela e o início de uma nova fase para nós dois.


33- A Hurricane full of Lies

"And no one is getting out alive."

[…]

POV

- Alguém! – Gritei pela milésima vez, já sabendo que ninguém me ouviria. Não havia mais ninguém para me ouvir,afinal.
Tinha conseguido empurrar um pouco a porta, mas tentando sair, acabei com um arranhão gigante no braço.
Só tinha um outro jeito de sair. Baixei a tampa do vaso sanitário e subi nele, segurei nas paredes baixas da cabine e tomei impulso. Me manter em cima foi difícil a princípio, mas assim que consegui algum equilíbrio, pulei para fora da cabine, mas com tanta avidez que acabei caindo bruscamente, me machucando ainda mais.
- Maldito Junior! – Gritei, esfregando o tornozelo.
Depois, me apressei até a porta do vestiário, mas – é óbvio – estava trancada.
- Droga, merda, merda! – Chutei um armário com o pé que ainda estava bom.
Tentei abrir a porta com a força do ódio, mas não adiantou. Bati com força, chamando por ajuda de novo, mas também não deu em nada. Me sentei no chão.
Aquele seria o fim. Quando e chegassem àquela festa... Eu não podia nem pensar. A situação não me pareceu melhor quando lembrei que estava perdendo minha primeira e única chance com a Sofia, que nunca mais ia querer saber de mim depois daquilo.
Se eu tivesse meu celular. Se eu tivesse apenas um bendito celular. Foi então que...
- EUREKA! – Gritei, pulando de onde estava. – Um celular! Eu preciso de um celular!
Podia não fazer ideia de quanto tempo tinha se passado desde que eles tinham me trancado ali, mas se e iam chegar em cima da hora, talvez ainda desse tempo.
- Eu só tenho que achar um telefone. – Respirei fundo e saí andando pelo vestiário, testando as trancas dos armários.
As pessoas esqueciam coisas ali às vezes, eu já tinha visto. Se eu encontrasse um telefone...
Sabia que era difícil. Nenhum adolescente normal perderia o próprio celular e não se daria conta no segundo seguinte. Mas não era com qualquer adolescente que eu estava contando. Era com meu bom e lento Brad Winter, que pelo menos duas vezes por semana deixava o telefone no armário e ia embora, só se lembrando do mesmo quando queria mandar uma mensagem para JodiSlaterton.
- Vamos lá, Brad, não me decepcione. – Rezei, chegando ao armário dele. Eu conhecia a combinação de Brad porque em um de seus esquecimentos Jodi tinha me ligado e pedido que eu pegasse o celular para ele.
- Para lá, para cá, para lá de novo e... – Repeti, girando a tranca.
Clique. O armário se abriu.
- OBRIGADO, DEUS! – Abri a porta e comecei a fuçar entre as coisas, e como meu instinto raramente se enganava, lá estava o celular do Winter.
Mas droga, já passava das seis!
Certo, nada de desespero. Todos estaríamos a salvo logo. Eu só tinha que falar com aqueles dois. Disquei o número de . Mas depois de algumas chamadas...
- Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa postal, e estará...
- Não! Droga, ! – Exclamei irritado. – Vamos lá, , não me sacaneia agora.
Disquei o número da garota.
- Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa postal, e estará...
- Qual é o PROBLEMA de vocês?! – Me revoltei.
Tentei ligar de novo umas três vezes para cada um, mas de nada adiantou. Eu não podia ligar para as meninas, porque o efeito seria semelhante a deixar contar tudo. Eu não podia ligar para o Jack porque não sabia o número dele de cabeça. Só sobrava uma pessoa e, por sorte, eu tinha passado horas decorando o número dela. Agora só tinha que rezar para que ela atendesse o número desconhecido de Brad.
Esperei que chamasse quatro vezes, mas finalmente...
- Alô?
- Sofia! – Exclamei. – Sou eu, o !
- . – Ela disse. – Estou dirigindo, não posso falar agora. Eu peguei um trânsito, mas estou indo para a sua casa, me espera na rua.
- NÃO, VOCÊ NÃO PODE DESLIGAR! – Implorei. – Você precisa me ouvir!
- O que foi? – Sofia pareceu assustada.
- O descobriu toda a verdade sobre o que a fez e vai se vingar dela esta noite, na festa. Vai deixar todo mundo saber.
- Oh, merda! – Ela exclamou revoltada. – Maldito !
- Eu não consegui falar com a e o porque eles não atendem! Estou preso no vestiário da escola agora; o me trancou aqui quando ameacei avisá-los.
- Certo, eu estou indo para aí! – Sofia disse. – Chego em uns dez minutos.
Era bastante tempo, considerando o que estava prestes a acontecer, mas não tinha outro jeito.

Fiquei sentado perto da porta, esperando até ouvir passos se aproximarem.
- ? – A voz dela disse. – , você está aí?
- Sofia! – Respondi, dando um pulo. – Eu estou aqui dentro!
- Certo, eu vou te tirar daí, só me dê um segundo.
Esperei por alguns instantes e então ouvi o clique da porta se abrindo. Como diabos ela tinha feito aquilo?
Sofia empurrou a porta, tão linda quanto eu me lembrava, o cabelo de mechas coloridas caindo sobre a camisa de estampa militar.
- Minha amazona de cavalo branco! – Falei encantado. Sofia sorriu.
- Vamos logo, temos que impedir que aquele canalha estrague tudo!

Nós dois corremos a toda velocidade até o carro dela, que estava na rua devido à pressa. Entramos do mesmo modo, nos jogando nas poltronas.
- Agora me fala onde fica a casa da Olsen! – Sofia exigiu.
- Segue reto aqui! – Apontei. – Eu vou explicando no caminho!
Enquanto íamos à toda velocidade possível, Sofia xingava , questionando como raios ele tinha descoberto tudo.
- O que ele tem? Uma maldita bola de cristal?
Comecei a tossir, nervoso.
- O que foi? – Ela olhou rapidamente para mim.
- Bom, é que... Talvez o Junior tenha ouvido alguém dizendo que a e o nunca tinham namorado de verdade. – Falei inocentemente.
- Mas quem... – A garota franziu o cenho. Então se deu conta. – ! SEU IDIOTA, EU NÃO ACREDITO NISSO! – Ela soltou uma mão do volante e me deu um soco no braço.
- A CULPA NÃO FOI MINHA! – Protestei, tentando escapar. – Ele já tinha pirado; tudo que eu fiz foi tentar avisar ao , e aí ele e o acabaram me ouvindo.
Sofia olhou para mim de novo, furiosa, e bufou. Ameaçou me dar outro soco, mas então voltou sua atenção à estrada.
- Não adianta de nada te bater agora. – Disse. – Temos que chegar logo e impedir aquele babaca.
- Nem doeu tanto assim, mas eu concordo. – Esfreguei o braço sutilmente.
- Para onde eu vou agora? – Ela quis saber.
- Curva a direita na próxima entrada.
E não que nossa velocidade estivesse tão alta a ponto de não conseguirmos parar, mas não pudemos. Levou menos de um segundo para nos darmos conta do outro carro, vindo desenfreado para cima de nós na contramão assim que entramos na rua.
- SOFIA! – Gritei.
E aí tudo escureceu.


33 Parte 2 – A Hurricane full of Lies

[...]

dirigia, cantarolando Isn't she lovely?,do Stevie Wonder, e eu olhava para ele de minuto em minuto, curiosa.
- Não vai mesmo me contar aonde estamos indo? – Indaguei.
- A curiosidade matou o gato. – Ele deu de ombros. – Além disso, você já vai descobrir.
- Então tá. – Cruzei os braços em frente ao corpo, ansiosa.
ficou calado por um instante, mas então o ouvi rindo. Ele olhou para mim, curioso.
- Não sabe mesmo que dia é hoje?
Meneei a cabeça, negando. Ele voltou a rir.
Reconheci o trajeto que estávamos fazendo, mas ainda assim não entendi bem o que estávamos indo fazer ali. Quando paramos em frente a enorme casa branca dos Olsen e desceu, fiquei ainda mais perdida.
Havia pelo menos seis carros parados em volta da residência, e música vinha lá de dentro. Olhei para desconfiada. Ele sorriu e me deu um beijo no rosto, animado.
- Vem! – Me puxou pela mão para fora do carro.
O segui correndo até a porta da frente, rindo sem saber do quê.
abriu a porta da casa sem bater, o que era estranho para mim. E então Summer, Jodi e Emma pularam na minha frente com apitos e chapéus coloridos ridículos.
- SURPRESA! – Elas gritaram juntas.
- O que... – Murmurei, só então me dando conta do que estava acontecendo.
Era dia 26 de outubro. Era meuaniversário.
- Caramba, eu não acredito nisso! – Exclamei, um sorriso enorme e surpreso no rosto.
- Parabéns, ! – Jodi me abraçou apertado.
- Obrigada! – Eu estava tão abobalhada. Eles tinham me pegado direitinho.
- Feliz aniversário, ! – Summer me abraçou.
- Foto para posteridade! – Emma exclamou, me cegando com o flash do celular. Depois me abraçou também. – Parabéns, Pie!
- Como esconderam isso tão bem? – Perguntei.
- Ah, foi fácil. Nós atuamos bem melhor do que você. – sorriu, passando um braço pelos meus ombros.
- Você me enganou! – Ri, cutucando a barriga dele. – Nunca mais vou acreditar em uma palavra que sai da sua boca, .
riu, dando um beijo na minha testa.
- Então vocês voltaram mesmo? – Jodi perguntou feliz.
- Tínhamos voltado até eu descobrir que ele era um mentiroso. – Provoquei. Depois sorri, estendendo as mãos para elas. – É sério, gente, obrigada. Vocês são incríveis!
- Somos mesmo. – Emma concordou.
- Eu não sei quem é metade dessa gente. – ergueu as sobrancelhas, observando o amontoado de alunos da Jacksonville High.
- Nem nós. – Summer deu de ombros, segurando o riso.
- Eu quero comida! – Falei animada. – O que tem para comer?
- Ah, você vai adorar! Tem de tudo! – Jodi saiu me arrastando. Acenei para , que ficou conversando com Emma e Summer.

As pessoas me cumprimentavam, desejando parabéns, enquanto eu comia um cupcake de chocolate e caramelo num canto da sala, junto com JodiLyn e Brad, que tinha chegado perto de nós levando bebidas.
- Ah, eu não consigo decidir se gostei mais da festa surpresa ou desses bolinhos! – Eu exclamava extasiada.
- O Brad gordinho do passado diria que gostou mais dos bolinhos, sem dúvida. – Ele disse, comendo também.
Jodi riu, sentada no colo dele.
- Estou muito feliz que você e o se acertaram, . – Ela disse. – Vocês são meu casal preferido, junto com Monica e Chandler.
- Obrigada, Jodi. – Sorri. – Nós também estamos felizes. Parece que levamos uma eternidade para nos entendermos.
Enquanto conversávamos, Amber entrou na sala – um copo na mão, gritando eufórica. Vê-la ali me fez pensar em . Onde ele estaria?
- Sabe como eles estão? – Perguntei a Jodi.
- Parece que terminaram de vez agora. – Ela balançou a cabeça. – Foi hoje de manhã. Ela não deu piti nem nada, mas está bebendo desde que chegamos aqui.
- Vou conversar com ela.
Me levantei e fui até Amber, que estava dançando e cantando como se fosse o último dia de sua vida.
- Amber? – Falei.
- ! – Ela disse sorrindo, depois me abraçou. – Feliz aniversário! Feliz, feliz, feliz aniversário!
Sorri um pouco, abraçando ela de volta.
- Obrigada. – Falei. – Então você e o ...
A expressão de Amber caiu um pouco.
- Nós terminamos. De verdade dessa vez.
Assenti.
- Sinto muito.
- Ah, tudo bem. – Ela balançou a cabeça, forçando um sorriso. – Nós conversamos e estamos bem, a gente só... Não namora mais. – Suspirou, encarando o vazio.
- Que bom que está aceitando as coisas. – Apertei de leve seu ombro.
- Oh, estou sim! –A garota voltou a sorrir, embora não fosse o mais genuíno dos sorrisos. – Só preciso beber e dançar até esquecer a tristeza. – Ergueu o copo em minha direção. – Tim tim!

Deixei que Amber continuasse a afogar suas mágoas dançando e fui andar por aí. Encontrei Annabeth, algumas outras pessoas do teatro e da torcida. Eles me lembraram que a peça aconteceria na sexta-feira, e eu disse que estava ansiosa.
Por alguns instantes, enquanto procurava por , me lembrei de , e imaginei se ele estava ali ou não. Mesmo já tendo tido uma conversa com ele antes de ir embora, sabia que teria que fazê-lo de novo para dar um fim a tudo. Também teria que conversar com Summer, o que, particularmente, me preocupava muito mais.
- Ei, forasteira!
Me virei para trás e encontrei justamente ela, sorrindo.
- Sum. – Sorri também.
Agora eu já estava acostumada aos cabelos curtos, que faziam com que ela parecesse muito mais forte do que antes. Ainda assim, sabia que aquilo não era totalmente verdade. Por baixo da fachada de futura supermodelo, Summer ainda era a mesma garota risonha que confiava em todo mundo até se provar o contrário.
- E então, está gostando da festa? – Ela se aproximou, passando um braço sobre os meus ombros, e saímos andando. – Deu um trabalhão para tirar minha mãe daqui hoje.
- Onde ela está?
- Digamos que ela, meu pai e a Gwen ganharam três dias grátis em um resort. – Disse em tom de conchavo. Nós duas rimos.
- Eu adorei tudo. – Falei com sinceridade. – Obrigada por pensar nisso.
- Bom, você é provavelmente a melhor amiga que eu tenho agora, então que tipo de pessoa eu seria se não preparasse o melhor aniversário surpresa de todos? – Ela parou e deu de ombros.
Me virei para Summer, o coração carregado com o peso de tudo que eu vinha escondendo dela há meses. Depois de todo aquele tempo, dizer a verdade seria muito mais difícil, porque eu sabia que também significaria perder uma amiga fantástica.
- Summer. – Falei então. – Eu preciso conversar sobre uma coisa muito importante com você.
- Qual o problema? – Ela me olhou preocupada.
- Aqui não é o lugar. Mas queria que você fosse a minha casa amanhã, depois da aula.
Summer assentiu, sem entender, mas aceitando. Então ouvimos vozes altas, discutindo.
- Eu já disse que chega! – A voz mandona que conhecíamos disse.
- Emma? – Olhei para Olsen.
Em um segundo, estávamos indo até a cozinha. Emma estava de braços cruzados, a cara amarrada, e em frente a ela parecia chateado.
- Já chega, eu já falei que já deu. – Ela dizia com firmeza.
- Você nem me deu uma chance de verdade, Hughes! – exclamava frustrado.
- Dei sim, e você não sabe como foi difícil. Mas não tem jeito. Isso não vai acontecer.
O garoto bufou, jogando o envelope em suas mãos no lixo com tanta força que até a própria Emma se assustou.
- Quer saber? – Ele disse. – Dane-se! Estou cansado dessa babaquice.
pegou um copo de bebida e saiu da cozinha a passos de pesados. Nos aproximamos de Emma, que ainda estava congelada.
- Emma. – Segurei seu braço. – O que foi isso?
- Eu disse de uma vez que não queria ficar com ele. – Ela explicou, um pouco irritada, mas deixando transparecer um pouco do temor de segundos atrás. – Vocês sabem que eu tentei, mas a gente não tem nada a ver!
- Ele não reagiu nada bem. – Summer olhou para o corredor, receosa.
- Eu sei. Ele tinha comprado ingressos para o show de uma banda nova em Phoenix, mas eu tinha que falar a verdade. O problema é que ele surtou. Nunca pensei que ficaria tão irritado.
- Irritado demais para o meu gosto. – Observei.
- Agora estou preocupada. – Summer segurou o outro braço dela. – Vê se fica por perto. Ele pode causar problemas.
Emma assentiu e dava para ver como ainda estava nervosa com aquilo, então ficamos com ela até que se acalmasse. Quando achei que a situação estava um pouco melhor, falei que ia procurar o .
- Nos vemos daqui a pouco. – Sorri. – Fique de olho nela. – Pedi a Summer.
- Pode deixar. – Ela sorriu de volta. Emma rolou os olhos, mas agradeceu.
Saí andando pela festa de novo, a luz pulsante vinda da salachegando onde eu estava.E onde ele estava? Parecia que estávamos afastados há tempo demais.
De repente, alguém me puxou pela cintura.
- Finalmente achei você! – Ele riu, beijando minha bochecha.
Me virei para olhar para , abraçando-o e dando um beijo rápido nos lábios dele.
- Foi você quem sumiu. – Falei.
- Você está muito requisitada hoje, eu acho. – Ele brincou. – Eu tenho uma coisa para você.
- Pra mim?
enfiou a mão no bolso e tirou dele um pacotinho de veludo preto.
- Abre. – Disse.
Curiosa, puxei a fitinha que prendia o pacote e o virei em minha mão. Um par de brincos com as máscaras do teatro grego apareceu.
- Oh, mas que graça! – Exclamei encantada. – Onde foi que arrumou isso?
- Comprei em New Orleans na feira, quando você não estava olhando.
- Que esperto você! – Ri, colocando os brincos. – E então, como estou?
- Linda. Como sempre. – Ele me beijou.
- Obrigada. – Sorri, me afastando só um pouquinho. – Eu adorei.
Nos beijamos de novo por alguns minutos.
- Eu preciso ir ao banheiro. – Ele disse então. – Só me dá um segundo.
- Vou te esperar. – Falei.
beijou minha bochecha e então se afastou. Enfiei as mãos nos bolsos, dando alguns passos mais em direção a sala. Amber tinha parado de dançar um pouco, e estava sentada em um puff.
- . – Ouvi atrás de mim e me virei.
se aproximou. Ele parecia bem mais calmo do que minutos atrás, com Emma. Achei melhor não tocar no assunto.
- Ei, .
- Feliz aniversário. – O rapaz ergueu o copo em saudação. – Talvez queira saber que o está te procurando desde que chegou aqui.
- O ? – Perguntei com cautela.
- É. Acho que ele só queria te dar os parabéns, ou aconteceu alguma coisa na casa dele, não sei. – Deu de ombros. – Ele está lá em cima agora, colocando o celular para carregar no quarto de hóspedes.
Apesar de estar com um pé atrás com depois do que tinha acontecido mais cedo, disse a mim mesma que não podia misturar as coisas. E, de todo modo, eu precisava mesmo falar com . Talvez quanto antes o fizesse, melhor.
- Tudo bem, eu vou falar com ele. – Assenti.
- Vai nessa. – sorriu.
Enquanto eu subia as escadas, vi ele se sentando ao lado de Amber e começando uma conversa com ela. Esperava que falar sobre os problemas fizesse os dois pararem de beber um pouco.

Eu não conhecia todos os cômodos da casa de Summer, mas sabia quais quartos eram dela, da irmã e dos pais. Havia outras duas portas no corredor do segundo andar, e enquanto a música e as vozes continuavam lá embaixo, eu entrei justamente na certa.
estava de costas a princípio, mas se virou ao ouvir o barulho da porta. Por mais bobo que fosse, não pude deixar de perceber sua roupa. A regata branca e a bermuda jeans... Até o colar de metal de ponta de flecha. Era exata e perfeitamente como ele estava vestido quando nos despedimos em Venice Beach, meses atrás.
- . – Ele sorriu.
- Você queria me ver?
- Eu queria te dar feliz aniversário. – Ele foi até mim e me abraçou. Fiquei sem reação. – E conversar com você sobre uma coisa muito importante.
- Obrigada. – Assenti. – Eu também preciso falar com você.
- Eu primeiro, por favor. – O rapaz se afastou, indo para perto da janela.
A calma de , aquele ar de tranquilidade... Por algum motivo, estavam surtindo efeito contrário em mim. A cada segundo, eu ficava mais tensa. Algo me parecia estranho ali. Nele.
- , eu pensei muito em tudo que você disse antes de ir viajar. – Ele olhou para mim. – E eu percebi que você está certa. Você esteve certa o tempo todo.
- Do que está falando? – Perguntei desconfiada.
- Estou falando de saber o que eu realmente quero daqui por diante. – Sorriu. – Eu estou falando de nós dois.
Dei um passo para trás quase involuntariamente, a apreensão se espalhando por cada parte do meu corpo.
- . – Falei devagar. – Eu acho que você não entendeu o que eu disse antes.
- Eu entendi, . Posso ter demorado, mas finalmente entendi.
se aproximou de mim num piscar de olhos e segurou minhas mãos.
- Eu sei o que eu quero. – Ele disse com firmeza. – Eu quero ficar com você, e não pretendo mais esconder isso de ninguém.
Eu estava apavorada. Meu coração estava acelerado e eu sentia que ia desmaiar.
- , você ficou maluco. – Falei em voz baixa. – Não é isso que você quer. Não era disso que eu estava falando.
- , eu sei que fiz várias escolhas erradas desde que você chegou aqui. – Ele segurou meu rosto entre as mãos, falando em voz alta. – Mas eu sei agora. Eu te amo. Você me ama. Chega do , chega da Summer. Eu vou fazer o que você me pediu. Vamos contar a verdade a todo mundo. Ninguém mais vai nos separar.
Então ele me beijou.
Por uns dois segundos, fiquei totalmente petrificada. Aquilo era absurdo. Era surreal. Depois o empurrei com força, bem no instante em que ouvi a porta se abrir atrás de nós.
A primeira pessoa que vi quando me virei, foi . Ele nos encarava de cara fechada, as mãos cerradas em punho. Não dava para saber o que estava pensando, mas sem dúvida não era nada de bom.
Logo atrás dele, quase encostada à parede do corredor, havia a segunda pessoa. A boca de batom cor coral de Summer estava entreaberta, em um choque silencioso que se mostrava muito mais em seus olhos azuis arregalados.
- . – Falei, o desespero tomando minha voz. – Summer.
E um segundo depois, o rapaz estava voando para dentro do quarto, agarrando pelo colarinho e o jogando no chão.
- ! – Gritei.
- Eu devia ter te batido muito mais na noite do baile! – exclamou, furioso.
- Isso é um mal-entendido gigante! – Passei as mãos pelo cabelo, desesperada.
- Não, não é. – falou seguro, se soltando e passando um braço pelos meus ombros. – É a primeira vez em meses que as coisas estão como deveriam. e eu finalmente vamos poder contar a todo mundo que estamos juntos. Inclusive pra Summer.
- Você enlouqueceu! – Empurrei o braço dele, furiosa.
- Não, ele não enlouqueceu. – me puxou para perto dele, me protegendo. – Ele só parou de fingir.
- Então vocês... – A voz devastada veio de trás denós.
Olhei para Summer, que parecia estar desaparecendo aos poucos.
- Summer, você precisa me escutar. – Falei, dando um passo em direção à porta.
- Sim, ela precisa. – disse sério. – Ela precisa saber que eu sou o garoto por quem você estava apaixonada quando chegou aqui, e que foi por isso que nosso namoro acabou. Porque eu gostava de você, e você de mim, desde o começo, e a enganamos o tempo todo.
O braço de se moveu tão rápido que quando dei por mim já tinha tombado na cama atrás dele, as mãos no rosto, que sangrava por causa do soco que ele levou.
- Chega, ! – Ele gritou.
- Não acredito que vocês mentiram pra mim esse tempo todo. – Summer encarou o chão, incrédula. – Eu disse que você era minha melhor amiga! – Ela gritou, furiosa, voltando-se para mim então.
- EU SOU SUA AMIGA! – Gritei de volta, desesperada.
- Ela não fez isso sozinha, Summer. – disse com voz arrastada de onde estava, encarando com desprezo. – O sabia de tudo.
olhou para trás devagar. Summer o encarou com tanta dor que eu quase pude sentir de onde estava.
- Eu confiava em você. – Ela murmurou.
Summer deu dois passos em direção a escada, mas parou. Então voltou a passos firmes, decidida, e entrou no quarto.
E me deu um tapa no rosto.
Levei a mão a bochecha, sem ousar reagir. Estava quente. Do atrito. Da vergonha.
Ela se aproximou de e fez a mesma coisa, com ainda mais força, do lado oposto ao que tinha batido.
- Eu nunca pensei que pudesse odiar alguém do jeito que eu te odeio agora. – Ela disse a ele. E então saiu do quarto, desceu as escadas e desapareceu.
- Summer! – chamou. – Summer, espera!
Ele saiu correndo atrás dela e eu desabei ali, no assoalho, a mão no rosto. Senti as lágrimas quentes descerem.
E foi então que ouvi a risada atrás de mim.
Levantei os olhos devagar, para encontrar , que se jogou na cama, rindo como se tivesse acabado de ouvir a melhor piada do mundo.
- Qual é o seu problema?! – Perguntei me levantando. Mal tinha forças para isso. – Por que fez isso agora?!
Mas continuava gargalhando deitado, encarando o teto.
- Ah, mas que maravilha. – Ele disse. – Está feliz agora, Vicentini? Tudo saiu do jeito como queria?
- Não! – Exclamei, esfregando o rosto com as mãos. – Eu não queria nada disso! Você entendeu tudo errado, .
- Ah, não, eu entendi perfeitamente.
se sentou, me encarando sem rir, mas com uma expressão satisfeita no rosto.
- Você queria me fazer de idiota, e pagou por isso.
Pisquei uma vez, sem entender.
- Achou mesmo que podia destruir a minha vida com seu plano de vingança estúpido e depois sair como se nada tivesse acontecido? – Ele questionou. – Pois se enganou, .
Fechei os olhos, processando tudo.
- Eu não acredito nisso. – Falei.
- Eu descobri tudo que você armou pra se vingar de mim! – Ele se colocou de pé, falando alto, e eu fiz o mesmo. – Você e o idiota do estão me enganando com esse namoro de mentira desde que você chegou a essa maldita cidade. – Cuspiu. – Por sua causa, eu passei noites me sentindo um babaca, terminei meu namoro, enfrentei meus amigos naquela campanha idiota! Você acabou com cada pedacinho de coerência que eu tinha, você quis que eu ficasse maluco. Pois bem, você conseguiu. – Sorriu um sorriso cruel. – Minha vida é um inferno, e agora a sua também.
- Eu nunca quis me vingar de você, ! – Gritei de volta. Mas não tinha tempo para explicar aquilo. Agora tinha voltado a mim. Olhei bem para uma última vez, e então saí correndo.

As meninas foram apenas vultos que vi enquanto disparava para fora daquela casa.
- ! – Ouvi atrás de mim quando passei pela porta da frente. Ignorei.
Eu tinha que encontrá-los. Eu tinha que explicar a ela.
- Não é mentira dessa vez. – Eu falava sozinha, descendo a rua deserta.
Minhas mãos estavam geladas. Meu coração batia forte, como se fosse explodir. Eu nem sequer sabia para onde estava indo.
O mundo tinha caído sobre mim, e eu estava perdida em meio aos escombros.
Continuei descendo a rua, e, mesmo achando que não me atenderia, tentei ligar. Uma. Duas. Três vezes. Perdi a conta de quantas.
- Por favor. – Eu continuava falando sozinha. – Por favor, você precisa me ouvir.
Mas ele não atendeu. E Summer também não. Ela nunca mais ia querer me ouvir.
Será que ele tinha conseguido encontrá-la? Alguém tinha que conseguir. Ela precisava de alguém agora, mas não ia chamar ninguém. Porque eu era a pessoa que ela chamaria, e a culpa daquela catástrofe era toda minha. Minha amiga Summer, a Summer tão gentil e alegre que eu conhecera, estava destruída. Eu tinha feito isso a ela.
Dois pré-adolescentes sentados à porta de uma casa me viram passar. Eles me olharam com atenção, certamente percebendo o quão desolada eu parecia. E eu estava.
Tive a impressão de ouvir meu nome. Ignorei. Eu tinha que andar. Eu tinha que encontrá-lo.
De novo. Continuei andando.
- !
Olhei para o lado, assustada.
Do banco do motorista, Miguel me encarava, visivelmente aflito.
- A Summer... – Murmurei, perdida.
- Você precisa entrar no carro. – Ele disse sério. – e Sofia sofreram um acidente e estão no hospital.


34- The boy without a heart

"Cause you, you'll never change, the games that you play… It's just who you are."

Eu estava tão nervosa que não conseguia explicar a Miguel o que havia acontecido. Era evidente, no entanto, que havia sido bem ruim, e ele parecia cada vez mais preocupado.
Minha cabeça também parecia cada vez mais pesada. e Sofia estavam machucados. Eles deviam estar indo para minha festa de aniversário.
- Você está tremendo, . – Miguel me olhou nervoso enquanto entrávamos no hospital.
Ainda apática, abri a boca para dizer alguma coisa, mas então ouvi a voz conhecida no fim do corredor.
- !
- Pai! – Gritei de volta, saindo do transe.
Corri para os braços de Jack, que parecia cansado e angustiado, e – finalmente – chorei.
Eu chorava compulsivamente, abraçada ao meu pai.
- É culpa minha! – Eu dizia. – É tudo culpa minha!
- Querida, eu sei que eles vão ficar bem! – Jack tentava me acalmar.
- Não, eles não vão! – Eu respondia entre soluços. E ele nem sabia do que eu estava falando.
Eu queria Sofia acordada. Eu queria falar com ela e ter certeza de que estava bem, e ouvir dizer algum de seus absurdos, mas não podia. Estava fora do meu alcance.
- A senhora está lá dentro. – Miguel explicou. – Logo vamos saber mais.
- Querida, por que não veio com você? – Meu pai questionou.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ouvimos uma voz aflita na recepção.
- Onde está o meu filho? Eu quero ver meu filho!
Menos de dez segundos depois, o senhor estava entrando na sala de espera, acompanhado por .
Quando nos viram, os dois se apressaram em nossa direção.
- Vim o mais rápido que pude. – foi logo dizendo. – Passei na delegacia para chamar o senhor porque a mãe do não conseguiu ligar para lá.
- Onde está o meu filho? – O senhor perguntou desesperado. – Como ele está?
Miguel enfiou as mãos nos bolsos, chateado.
- Nós não sabemos ainda. Disseram que ele chegou desacordado.
- Sua esposa está lá dentro. – Papai explicou. – Não se preocupe, logo teremos notícias.
Me aproximei de , preocupada com tantas coisas que nem sabia como agir.
- Você a encontrou? – Perguntei baixinho.
me olhou de volta calado e suspirou, e isso me deixou ainda mais desolada. Mas a coisa chegou mesmo ao ápice quando ouvimos outra voz desesperada na recepção e de repente a mãe de Amber Hayley invadiu o lugar onde estávamos.
- Onde está o meu bebê?! – Ela dizia, desesperada. – Eu quero ver o meu bebê!
Dei um passo à frente, sem entender.
- Senhora Hayley?
- !
A mulher correu e me agarrou com força.
- Você veio vê-la?! – Perguntou. – Como ela está?!
- Eu não sei do que a senhora está falando. – Expliquei confusa. – Eu vim porque o sofreu um acidente.
- ? – Ela franziu o cenho, aflita. – Era ele que estava com a Amber?
- Não, ele estava com a minha prima.
Minha ficha foi caindo aos poucos. Amber também tinha sofrido um acidente naquela noite. Minha cabeça voltou a girar.
- O carro que bateu em e Sofia... – Miguel disse perturbado, como se só então se desse conta dos nomes. – Sua filha estava nele, junto com o tal do .
Foi demais para mim. Desabei na cadeira acolchoada e tentei respirar fundo. Senti dor. Mesmo sabendo que a sensação era inteiramente emocional, não conseguia deixar de sentir. Algo dentro de mim estava quebrado.
- O bateu no carro da minha menininha enquanto estava saindo com outra garota?! – A voz de Barbara Hayley estava cheia de ódio, mas eu não vi seu rosto. Continuei de cabeça baixa.
Alguém tocou meu ombro de leve. Olhei para a frente e vi um copo d'água.
Olhei para e peguei o copo.
- Obrigada. – Murmurei.
Ele não respondeu. Em vez disso se abaixou na minha frente, encostando a testa nos meus joelhos. tinha sua própria dor a sentir. Os dois melhores amigos dele tinham sido feridos de formas diferentes em uma única noite, e ele não podia fazer nada, assim como eu. Passei a mão por seu cabelo, sabendo que não podia consolá-lo.
Depois de alguns instantes, ele se levantou e foi para perto do senhor , que agora discutia com a mãe de Amber. Meu pai se sentou ao meu lado, passando um braço pelos meus ombros.
- Se tem uma coisa pela qual eu boto minha mão no fogo, senhora Hayley, é que o meu filho não é culpado pelo que aconteceu. é o garoto mais responsável que conheço!
- Seu filho é tão responsável que encheu a cabeça da minha Amber de fantasias e depois terminou com ela sem mais nem menos! E agora tentou matá-la!
Foi então que meu pai se colocou de pé, para minha surpresa.
- Chega dessa conversa fiada! – Exclamou, impaciente. – Vocês dois não conseguem entender? Não importa agora quem é culpado. É de duas crianças que estamos falando! Quatro crianças, para ser mais exato, e uma delas é minha responsabilidade. – Disse. – Parem com essa picuinha idiota e se preocupem com a vida deles, que é o que realmente importa.
Os dois se calaram de imediato, e então a mãe de Amber começou a chorar. Ironicamente, foi o próprio pai de que a consolou, enquanto todos se sentaram de novo.
Eu só conseguia pensar em como tudo aquilo tinha acontecido. Parecia que o mundo estava do avesso. Joguei a cabeça para trás e fechei os olhos, colocando o copo d'água na mesinha ao meu lado.
- Pessoal?
Abri os olhos. Não sabia há quanto tempo ao certo estava ali, mas devia ter mais de uma hora. Àquela altura, os pais de já tinham chegado e estavam sentados perto de nós.
Todos levantamos as cabeças quando a mãe de reapareceu. Apesar do nariz vermelho de choro, sua expressão não denunciava grande preocupação, o que me tranquilizou.
- Como ela está? – A mãe de Amber se colocou rapidamente de pé. Depois pigarreou, corrigindo. – Como eles estão?
- Os médicos querem falar com os responsáveis pelos outros dois adolescentes envolvidos. Mas acho que não é nada tão grave.
- Graças a Deus. – Barbara murmurou, entrando rapidamente na sala. Os pais de a seguiram.
A mãe de saiu e abraçou o senhor .
- Como ele está? – O homem quis saber.
- Está dormindo, mas os exames não acusaram nada além de uma concussão. Ele vai precisar ficar em observação até amanhã, no mínimo.
O pai de assentiu, abraçando a esposa novamente, aliviado. Ela se virou para papai então.
- Sua sobrinha está consciente, mas sofreu uma lesão no pescoço. – Explicou. – Ela vai ficar bem, mas está muito assustada.
- Podemos vê-la? – Papai perguntou aflito.
- Só uma pessoa. Ela vai precisar de companhia, porque também vai passar a noite aqui.
Papai se mexeu ao mesmo tempo que eu, mas Miguel entrou na nossa frente.
- Eu fico até a mãe dela chegar. Ela já está a caminho. – Ele disse.
- Não, Miguel, eu vou ficar com ela. – Falei.
- O que quer que tenha acontecido, , você não está em condições de ser responsável por ela. – Me descartou. – E, Jack, você tem que ir. Vão para casa e descansem. Eu vou assim que a mãe dela chegar.
- Eu posso ficar. – Meu pai insistiu.
- Não. – Miguel disse com firmeza.
- Então vou esperar aqui fora até tia Karen chegar. – Me sentei.
- Jack... – Miguel começou.
- Deixa ela. – Papai fez uma careta, se sentando ao meu lado. – Nós vamos ficar.
Miguel não pareceu nada feliz com nossa insistência, mas entrou na sala mesmo assim, nos deixando ali. A mãe de pousou a mão na bochecha de .
- Querido, obrigado por tudo. Por que não vai para casa e descansa? Prometo que aviso assim que ele puder receber visitas.
- Vou ficar mais um pouco com o Jack e a . – Ele disse sem pensar duas vezes.
Ela assentiu e então conversou mais um pouco com o pai de . O senhor tinha trabalhado o dia inteiro, por isso ela insistiu que ele fosse dormir um pouco. Como protestos não adiantaram, ele ficou de voltar na manhã seguinte para rendê-la.
Então, comigo, meu pai e sentados na sala de espera em silêncio, a noite foi se estendendo. Às dez da noite, meu choro tinha passado só parcialmente, e as razões para ele já se misturavam – preocupação, angústia, mágoa. Às vezes eu quase chegava ao desespero absoluto.
estava ao meu lado, segurando minha mão gelada como se ainda estivéssemos na decolagem do avião. Segurei a mão de papai com a mão livre e deitei minha cabeça no ombro dele, concentrando meu olhar num vaso de plantas feio no canto da sala de espera.
As últimas 36 horas tinham sido boas demais para durar. Eu devia saber que não seria tão fácil depois de tudo o que eu tinha feito. Mas tinha sido tão maravilhoso, que por um segundo eu tinha acreditado – desejado com todo meu coração – que tudo ia se resolver como mágica. Um desejo muito infantil e pouco realista. E por isso eu queria chorar.
- Querida, aconteceu algo ruim na festa? – Papai sussurrou para mim em determinado momento.
- É melhor conversarmos sobre isso depois. – Funguei o mais disfarçadamente que pude.
Papai assentiu, mas pela cara que fez, ainda estava preocupado. O pobrezinho também tinha muito com o que ocupar a cabeça.
Eram cerca de onze da noite quando a porta do espaço de atendimento se abriu. Papai, que estivera cochilando, deu um pulo. encarou o médico, preparado para ouvir o que viria.
De trás do médico, saiu Miguel.
- Está tudo bem? – Meu pai perguntou preocupado.
- Está. – Miguel respondeu. – Ela tinha dormido um pouco, mas acordou.
- Ela quer falar com a . – O médico acrescentou. – Imagino que seja você.
Me levantei rápido, ansiosa.
- Sou eu sim! – Fui logo para a porta. – Onde ela está?
- Venha comigo, por favor. – Ele me chamou.
- Não vá demorar lá dentro. – Miguel avisou. – Você e seu pai precisam ir pra casa descansar.
Não deixei de ouvir ou compreender, mas não respondi. Tudo que eu queria era ver Sofi, me certificar de que ela estava bem.
Meu coração batia apertado enquanto eu seguia o médico pelo corredor. Enfim chegamos a uma porta branca, que ele empurrou.
- Nada de movimentos bruscos, moça. – Ele avisou a ela antes que eu entrasse. – Sua visita está aqui. Vou deixar vocês conversarem um pouco.
Entrei no quarto devagar, sem conseguir esconder meu choque ao encontrar Sofia em cima da cama, imobilizada por um colar cervical. Havia um curativo em sua testa que sugeria um corte não tão pequeno, e o canto de sua boca estava machucado.
Mas foram os olhos dela, vermelhos ou de sono ou de choro, que me fizeram desabar.
Quando dei por mim, estava chorando compulsivamente de novo.
- Desculpa... – Era tudo que eu conseguia dizer. – Me desculpa, me desculpa.
- Você não tem culpa disso. – Ela disse bem devagar, a voz cansada.
- Eu tenho culpa sim! Tenho culpa de tudo!
Parada ao lado da cama, tudo que eu queria era abraçá-la, mas nem isso eu podia fazer. Me sentia tão incapaz. Tão culpada.
- O ... – Sofia se esforçou para dizer. – Ele conseguiu... Contar para a Summer?
Parei de chorar tão alto por um instante, meus olhos se arregalaram.
- Como você sabe? – Perguntei surpresa.
- e eu... Íamos impedi-lo, quando... – Ela fechou os olhos. Vi uma lágrima descer por sua bochecha. – ... Cadê o ?
- Ele está bem. – Tranquilizei-a. – Está dormindo.
Sofia abriu os olhos.
- E o ?
Quis me assegurar que ela não se sentisse mal pelo que acontecera, mas meus lábios voltaram a tremer.
- Ele contou tudo para Summer. – Confirmei. – Ela me odeia agora.
- Droga! – Sofia exclamou o mais forte que pôde, mas o impulso raivoso fez com que ela se movesse um milímetro e logo ela berrou. – Ai!
- Sofia! – Dei um passo para mais perto.
- Devíamos ter chegado! – Ela começou a praguejar. Estava nervosa, apesar da fraqueza. – Se não fosse o outro carro... Nada disso teria acontecido. Se eu tivesse dirigido melhor...
- Você não tem nenhuma culpa no que aconteceu! Nem o ! – Defendi, entre lágrimas. – Nada disso teria acontecido se eu não tivesse mentido pra Summer, pro , pro meu pai! Eu menti para todos eles, e é por isso que vocês estão aqui agora, e por isso que Summer me odeia, e o meu pai... Ele não faz ideia do que realmente está acontecendo na minha vida. – Cobri o rosto com as mãos, angustiada.
- Você mentiu para mim?
Me virei assustada, dando de cara com Jack, de pé na porta. Sua expressão de choque era tão genuína quanto a minha. Ele tinha me ouvido.
- Pai. – Foi tudo que consegui dizer.
- Tio Jack... – Sofia murmurou.
- Em que você mentiu pra mim, Rainbow?! – Ele perguntou nervoso. – Por que mentiu?
- Me perdoa, pai. – Foi tudo que consegui dizer. – Eu menti. Sobre muita coisa.
Meu pai ficou me encarando por alguns instantes, os olhos duros como eu nunca tinha visto. Tristes. Decepcionados.
Então ele se sentou bruscamente no sofá da sala de espera. Eu não pude entender, e Sofia provavelmente também não.
- Droga! – Ele começou a falar, levando a mão ao peito. – Droga! Inferno!
- Pai? – Fiquei preocupada.
A porta se abriu de novo, e então minha tia Karen apareceu. Primeiro, a mãe de Sofia correu para perto da filha, que pareceu aliviada ao vê-la.
- Que diabos estava pensando, menina?! – Ela perguntou, mas estava claramente muito preocupada. – Você quase matou sua mãe!
- Desculpa. – Sofia, para minha surpresa, começou a chorar.
Tia Karen passou a mão pelo rosto dela com a maior delicadeza possível, os olhos se enchendo de lágrimas também.
- Você está bem agora. – Disse. – Está bem. É o que importa.
Voltei minha atenção ao meu pai, que continuava a murmurar xingamentos, se balançando para frente e para trás. Eu estava ficando muito preocupada, quando tia Karen finalmente se deu conta de nossa presença.
- , o que ele está fazendo aqui? – Perguntou. – Jack, você tem que ir embora! Sabe que não devia nem estar aqui! – Ela se afastou de Sofia muito mais rápido do que eu esperava, indo se ajoelhar perto de Jack. – Droga, o que você tem? , chame um médico!
Totalmente perdida, corri para fora e chamei a primeira pessoa de branco que vi.
- Meu pai está passando mal! – Eu disse nervosa.
A mulher me seguiu e começou a falar com meu pai, mas havia um zumbido no meu ouvido. O que estava havendo?
- Você ainda não contou a ela?! – Tia Karen perguntou.
E foi aí que eu voltei a ouvir.
- Karen... – Papai disse em tom de repreensão, enquanto a enfermeira media sua pressão.
- Jack, ela tem que saber! Não é justo que esconda. Nem com ela nem com você.
- Mãe, do que você está falando? – Sofia quis saber.
Voltei a mim de uma vez.
- O que eu tenho que saber? – Perguntei.
- Karen! – Papai disse sério.
Tia Karen lançou sobre ele um olhar assustador, e então se aproximou de mim. Ela tocou minha bochecha carinhosamente, mas sua voz era séria.
- Querida, escute com atenção. O seu pai descobriu um problema de saúde há algum tempo. Eu achei que ele já tivesse te contado, mas não se preocupe: ele vai te explicar tudo. Agora, se a enfermeira disser que está tudo bem com ele, acho melhor vocês irem para casa para descansarem e conversarem com calma depois.
Problema de saúde. Casa. Nada fazia sentido na minha cabeça.
Olhei para o meu pai, o rosto avermelhado – do estresse, do mal-estar.
De repente, me senti tonta. O zumbido em meu ouvido aumentou. E então tudo apagou.

🌴💚🌴


Fiquei parada no corredor algum tempo depois de ter descido as escadas. Apesar do horário, estava tudo, menos sonolenta.
Depois de ter desmaiado na noite anterior, tinha sido levada para a enfermaria, onde eu tinha me recuperado – do desmaio, mas não do choque. Quando tentei falar com Miguel sobre o assunto, ele disse que eu tinha que conversar com meu pai, mas que ele agora ia precisar fazer um exame, então o melhor que eu podia fazer era ir para casa. me levaria, enquanto ele cuidaria das coisas ali.
Nossa viagem foi silenciosa. Nenhum de nós dois parecia ter força ou ânimo de dizer qualquer coisa, e eu não tinha certeza do quanto tinha sido dito a sobre o que estava acontecendo com papai. Mas ele sabia que havia algo errado. Eu podia ver no rosto dele, no olhar que eu tinha aprendido a decodificar.
Quando o carro parou em frente à minha casa, eu não olhei para ele. Fiquei alguns segundos segurando o cinto, apenas unindo forças para sair. Então levei a mão a porta.
- Eu vou ficar com você. – Ele disse.
Eu voltei meu olhar para ele, mas balancei a cabeça negativamente.
- Obrigada. – Murmurei. – Eu vou ficar bem. Só preciso dormir. Você também.
assentiu e eu saí, mas senti os olhos cansados dele sobre mim, e continuei sabendo que ele me vigiava até eu ter entrado em casa. O carro só foi embora quando enfim acendi a luz do quarto no segundo andar.
Agora eu estava parada ali, na manhã seguinte, no corredor. Sabia que Jack já estava acordado. Tinha ouvido o barulho no banheiro algum tempo atrás. Mas o que ele me diria, afinal?
Empurrei a porta e entrei. Ele estava sentado na cama, encarando a janela, e não se moveu. Era quase como se tivesse estado me esperando.
- Bom dia, Rainbow. – Ele olhou para mim e sorriu então.
Me aproximei alguns passos até estar ao seu lado, de modo que pudesse ver seu rosto direito.
- O que você tem? – Perguntei do jeito mais simples possível.
Papai baixou a cabeça e riu um pouco.
- Ah... – Balançou a cabeça. – Meu bem, por que não se senta?
Eu obedeci, as mãos cerradas em punho.
- Filha... O que eu tenho é uma autoimunidade. Lúpus, para ser mais exato.
- Pai... – Abri a boca, sentindo meu coração apertar.
- Não precisa se desesperar! – Ele balançou a cabeça, impaciente. – Eu estou até muito bem, acredite.
- Há quanto tempo sabe?
- Soube alguns dias antes de você me dizer que vinha morar aqui.
- E por que não disse nada?! – Me exaltei. – Por que deixou que eu viesse?!
- Porque o que poderia ser um remédio melhor do que ter minha menininha por perto por algum tempo? – Riu.
Balancei a cabeça, séria. Estava triste e brava. Com papai, por não ter me contado. Comigo, por não ter percebido.
E tinha sido tão óbvio.
Todos aqueles dias passando mal, todas as vezes em que ele parecia se sentir pior do que dizia, e o motivo pelo qual Miguel sempre insistia em levá-lo ao médico no meu lugar.
- O Miguel sabia desde o começo?
- Sim. – Papai suspirou. – E, honestamente, acho que foi por isso que ele veio.
- E por que não me contou, pai? – Perguntei, meio chorosa. – Não achou que eu desse conta?
- Achei que dava conta até demais. – Ele sorriu. – E não queria que fizesse isso. Foi por isso que não contei.
Balancei a cabeça, sorrindo um pouco, mas ainda triste pelo que descobrira.
- Você fazia caminhadas no sol. – Comentei, me dando conta de todos os absurdos de repente. – Você é maluco?
- É, eu sabia que eventualmente teria que mudar alguns hábitos. – Fez careta. – Mas acho que queria adiar o quanto pudesse, então tomava os remédios direitinho e continuava fazendo uma ou duas coisas. Os resultados você viu. – Deu de ombros. – Acho que eu queria que nós dois tivéssemos um período normal juntos, antes de desfazer tudo.
- Não acho que isso tenha funcionado para nenhum de nós dois. – Falei mal-humorada; não pelos esforços de papai para me poupar, mas porque eu mesma não o tinha feito.
Papai assentiu, apertando de leve meu joelho.
- Karen obrigou a Sofia a me contar a verdade ontem à noite, depois que você veio para casa.
Olhei para ele, o arrependimento honesto em meu rosto.
- Pai, me desculpe por ter mentido. Não era isso que eu queria quando cheguei aqui, eu juro. Eu comecei o meu plano absurdo tentando fazer o que achava certo, mas a coisa toda virou uma bola de neve, uma avalanche.
- Eu sei, a Sofi me explicou tudo. Francamente, fiquei surpreso pelo ter aceitado participar.
- Eu o meti na minha história sem pedir. A culpa não foi dele.
- Mas ele ficou porque quis. – Papai ponderou. – Por que ele gosta mesmo de você, devo presumir?
Assenti.
- E você gosta mesmo dele?
- Gosto. – Sorri um pouquinho ao lembrar do fim de semana. – Poder passar mais tempo com você e conhecer o foram as melhores coisas que me aconteceram esse ano.
- Então passem por cima disso. – Ele bateu no meu joelho. – Não deixem o que houve atrapalhar vocês.
Olhei bem para papai, pensando no que dissera. Antes que eu respondesse, a porta se abriu e tia Karen entrou.
- Eu vim para tomar um banho. – Ela foi logo dizendo. – Bom dia.
A prima de papai se aproximou e me deu um beijo no topo da cabeça, depois o abraçou.
- Como você está, cabeça-dura?
- Estou bem, obrigado.
- Que bom. – Ela disse, o cansaço transparecendo em sua voz. Então virou-se para mim. – Eu falei com sua mãe ontem à noite. Ela está vindo para cá.
Abri a boca, surpresa, mas papai balançou de leve a cabeça para que eu não me preocupasse, então assenti. Sabia que não poderia esconder tudo da mamãe para sempre, especialmente depois da catástrofe que acontecera na noite anterior. Eu teria que enfrentá-la, por mais complicado que isso pudesse ser.

Enquanto esperávamos a chegada de mamãe dali a poucas horas, começamos – já com os ânimos no lugar – a ajeitar as coisas. Como estávamos um pouco cansados para cozinhar, Miguel saiu para comprar donnuts, e quando tia Karen saiu do banho eu já tinha preparado um café. Nós quatro comemos juntos, mas sem tocar no assunto da minha grande mentira. Ou todos achávamos que àquela altura não adiantava de nada, ou ninguém tinha disposição para entrar em um assunto tão complexo depois da noite passada. De todo modo, acabamos falando no problema de saúde de papai; o que foi bom, porque eu pude me atualizar.
- Sinto muito por não ter te falado antes, . – Miguel dizia. – Eu queria, mas o velho caquético não deixou.
Dei risada e papai rolou os olhos.
- Eu entendo, Miguel. – Meneei a cabeça. – Agora eu sei que tem muita coisa que eu também deixei passar enquanto estava obcecada com meu plano maluco. E muita coisa que você estava fazendo sem poder, Jack.
- Não é para tanto também. – Ele franziu o cenho.
- Claro, porque fazer corridas diárias debaixo do sol da Flórida é extremamente recomendável para alguém com Lúpus. – Miguel debochou, levantando-se e recolhendo os pratos da mesa.
- Não se preocupe demais, . – Tia Karen se levantou para ajudar Miguel com a louça. – Tudo que seu pai precisa fazer é adaptar a rotina dele. Vai ver que não vai mudar tanta coisa nas vidas de vocês.
Mas na verdade, eu sabia que algumas coisas teriam que mudar. E me perguntei quando meu pai contaria a , e imaginei a reação dele. Se nada daquilo tivesse acontecido, provavelmente ele – e talvez também e Sofia – estaria conosco naquele momento.

Quando tia Karen estava voltando para o hospital – menos de uma hora depois de ter chegado em casa – eu perguntei pelo meu amigo, se ele podia receber visitas. Ela me disse que a senhora comentara sobre ele ter acordado pouco antes de ela sair do hospital, mas que não sabia se eu podia ir até lá. De todo modo, eu ia ver Sofia mais tarde, quando já tivesse resolvido as coisas com a mamãe, e então tentaria vê-lo.
Enquanto Miguel e papai iam ao mercado comprar algo para o almoço, eu subi e dei uma ajeitada no meu quarto, depois desci e fiz o mesmo no quarto dele e na sala, pensando que talvez um ambiente minimamente organizado fosse capaz de gerar uma sensação de calmaria na minha mãe. Enquanto fazia isso, encontrei minha fita de cabelo amarela de líder de torcida e parei por alguns instantes. Me joguei no sofá, pensando em Summer.
Mesmo já tendo chorado na noite passada, chorei mais um pouco. Será que ela já tinha voltado para casa? A Summer – a Sum –, que me considerava sua amiga e torcia para que desse tudo certo entre e eu. E eu a tinha decepcionado tanto e ainda estragado a amizade dos dois.
Agora que meu desespero tinha passado, eu sabia que ligar para Summer era um direito que eu não tinha – além disso, ela nunca me atenderia. A única coisa decente a fazer era ir até ela, mesmo que ela me batesse de novo, e explicar da maneira certa – existia? – o que tinha acontecido. Não que eu achasse que ela iria me perdoar depois disso, mas queria que ela soubesse que a amizade que eu sentia por ela não era mentira, e que eu realmente desejei, durante todo aquele tempo, que ela ficasse bem no fim das contas.
Eu ia falar com ela depois que me entendesse com a mamãe. Assim como também falaria com Junior, o desgraçado por quem um dia eu tinha achado que estava apaixonada.
Eu ainda não podia acreditar no que ele tinha feito. podia sentir toda a raiva que quisesse de mim por ter mentido, mas quantas pessoas precisavam pagar por isso? Ele tinha prejudicado a própria Summer para me atingir. Não, ele só podia ter perdido o juízo. Ou, como já tinha avisado antes, era uma pessoa horrível – eu é que me recusara a ver.
Meu telefone tocou. O visor informava que era .
- Ei. – Falei.
- Oi. – Ele respondeu. – Está melhor?
- Estou, sim. – Me sentei. – E você? Caramba, eu ainda não consegui te explicar o que aconteceu ontem...
- Eu sei que o Junior armou aquilo. Foi o quem me mandou lá em cima atrás de você. Ele deve ter mandado a Summer também.
- Oh. – Murmurei, entendendo a situação. Senti raiva ao saber daquilo, mas não sabia bem como expressar.
- Eu vou até a sua casa.
- Não é uma boa hora. Mamãe está vindo pra cá.
- Ela está vindo pra Jacksonville Beach? – A voz de era um misto de surpresa e preocupação. – Contaram a ela o que houve?
- Acho que parcialmente. – Concordei, compartilhando daquele sentimento. – Ela deve chegar daqui a pouco.
- Tá, tudo bem. – Ele disse. – Eu preciso mesmo... Tentar resolver as coisas com a Summer. Me liga quando vocês tiverem conversado?
- Ligo, sim. Só espero que ela não me mate.
- Vai dar tudo certo. – Disse, talvez para si mesmo. – Se precisar de ajuda, é só me chamar.
- Obrigada. – Sorri sozinha. – Até mais tarde.
Fiquei ali sentada mais um tempo. Apesar de tudo, era bom saber que eu ainda tinha o . Que eu sempre tinha tido, embora não entendesse isso antes.
Esperava mesmo que ele conseguisse falar com a Summer. Sabia o quanto um significava para o outro e, ainda que às vezes sentisse uma pontinha de ciúmes, daria qualquer coisa para que esse sentimento não fosse destruído.
Depois de mais algum tempo arrumando tudo, papai e Miguel voltaram. Conversando sobre o assunto, decidimos que a abordagem mais segura para lidar com minha mãe era preparar um bom almoço, não deixando ela perceber o quão fora do controle as coisas estavam. Isso, somado a casa arrumada, faria com que ela nos ouvisse sem surtar.
Depois de termos terminado de ajeitar tudo, fomos cozinhar. Eu queria preparar uma torta de legumes – que ela adorava – então deixei papai cortando os legumes enquanto eu preparava a massa. Miguel começou nos ajudando, mas logo percebeu que a hora já avançava e tinha que ir.
- É melhor não me atrasar ou toda essa papagaiada de serenidade vai por água abaixo. – Ele disse. – Se preparem vocês dois.
- Estaremos prontos pra ela. – Papai assentiu para mim.
Miguel nos deixou ali, e fiquei casualmente conversando com papai enquanto ele descascava as batatas.
- Ah, droga! – Ele exclamou de repente.
- O que foi? – Me assustei, aproximando-me dele.
- Cortei meu dedo.
Segurei sua mão para olhar a intensidade do corte e me assustei mais ainda.
- Pai! Isso é um corte de nada, mas seu dedo está enorme de inchado! E não é só esse!
Papai fez uma careta. – Ah, isso acontece às vezes; é parte do problema. Com o tempo eles voltam ao normal.
- Tem algo que eu possa fazer? – Perguntei triste.
- Só... Pegue um band-aid para o corte. O resto eu dou conta.
Fui até a gaveta e peguei um band-aid, colocando-o logo no dedão de papai.
- Obrigado, querida.
- Tudo bem. Pode deixar as batatas aí, você já cortou bastante. – Falei indo até a pia.
Foi então que ouvimos a porta se abrindo.
- ONDE VOCÊ ESTÁ?! – O grito de voz firme, urgente, me fez congelar. Papai também ficou paralisado na cadeira.
- SEU IRRESPONSÁVEL IDIOTA, CADÊ VOCÊ?
E então ela surgiu à porta. Minha mãe. O cabelo castanho avermelhado de que eu me lembrava estava mais ondulado, e as roupas eram novas, mas o olhar de louca neurótica era o mesmo.
Eu estava tão feliz em vê-la que poderia chorar. Era uma saudade que eu nem sabia que estava sentindo. Desesperadora. Maluca.
Mas mamãe não estava preocupada comigo. Era ele que ela queria. Meu pobre pai.
- Jaqueline... – Ele balbuciou.
- AÍ ESTÁ VOCÊ, SEU PATETA!
E aí mamãe voou em cima dele, distribuindo tapa atrás de tapa, enquanto papai tentava inutilmente se defender com aqueles dedos do tamanho de salsichas.
- VOCÊ É RIDÍCULO, JACK! – Ela xingava. – EU NUNCA DEVIA TER DEIXADO ELA FICAR COM VOCÊ! EU SABIA QUE VOCÊ IA METÊ-LA EM CONFUSÃO!
- Mãe! – Exclamei, tentando puxá-la de cima dele. – Mãe deixa ele!
- Esse pilantra! – Ela continuava, furiosa. – Eu vou matar você, Jack! Eu vou matar ele!
- Mãe, para com isso! O papai não pode se defender, ele está doente! – Falei mais rápido do que poderia pensar, preocupada que ela o machucasse mais.
Isso fez ela parar por um instante. Ela olhou para mim, e então para Jack, em dúvida se acreditava ou não.
Então a porta se abriu de novo e Miguel entrou correndo. Olhei para ele sem entender.
- Ela saiu de lá sozinha. – Ele explicou, ofegante. – Vi ela passar dentro do táxi quando estava saindo da cidade e dei meia volta.
Mamãe ainda estava parada, olhando para papai.
- Se isso for uma porcaria de mentira pra se proteger... – Ela disse a ele.
- Jaque. – Papai segurou os pulsos dela, e ao toque ela pareceu perceber o inchaço nos dedos dele, pois seus olhos se desviaram para lá. – Acho que nós precisamos conversar.
- Sobre muita coisa. – Miguel completou.
Cobri o rosto com as mãos. Aquele almoço ia ser longo.

Uma hora mais tarde, mamãe estava sentada no sofá, absorvendo o que tinha ouvido. Meia hora tinha sido para falar do que tinha acontecido na noite anterior, a outra meia hora para explicar o problema de papai.
- Então... Quando nos falamos e pedi para que a ficasse com você...
- Eu já sabia havia alguns dias. – Papai admitiu.
Primeiro mamãe ficou encarando as próprias mãos. Pensei que ela fosse chorar, mas seu rosto logo se transformou no que sempre virava quando lidava com papai: uma careta de impaciência.
- Como você teve a coragem de esconder isso de mim? – Perguntou revoltada. – Por que não me contou tudo antes, quando descobriu?
- Jaqueline... Eu não queria te preocupar com meus problemas. – Ele deu de ombros.
- Seus problemas, Jack?!
Mamãe se levantou, passando a mão pelo rosto. Pude ver a mágoa em seus olhos. Ela voltou a encarar papai, a voz trêmula.
- Te detestando ou não, você é o pai da minha filha; da minha única filha. Era sua obrigação me contar! – Esbravejou.
Olhei para Miguel, que fez uma careta e sinal para que saíssemos de fininho.
- Pelo amor de Deus, você é um irresponsável! – Mamãe continuava reclamando. – O que deu na sua cabeça para ficar morando na praia quando você nem pode pegar sol?!?!
A discussão estava tão acalorada que eles nem nos notaram sair. Mas fazia perfeito sentido, os dois não se viam há tanto tempo que devia estar sentindo falta de ficarem juntos, ainda que brigando feito cão e gato.

Mais tarde, sentada na cama, encarando a janela, ouvi a porta bater. Olhei por cima do ombro e vi mamãe entrando. Ela sorriu um pouco. Respondi do mesmo modo.
O colchão afundou quando ela se sentou ao meu lado.
- Já terminou de aniquilar o Jack? – Perguntei.
- Eu nem comecei. – Ela ergueu as sobrancelhas. – Mas são muitos assuntos para tratar, então fiz um intervalo.
Assenti, pensando que então estava na minha vez de ser aniquilada. Segurei um suspiro resmungão para não piorar a minha situação.
- Então, a Sofia e aquele garoto estavam indo para a sua festa de aniversário ontem, para impedir uma confusão? – Perguntou, relembrando o que ouvira.
- O garoto é o . Ele é meu amigo.
- . – Repetiu. – E o garoto que arrumou o problema era...
- Era o . . – Falei baixinho.
- Por que esse nome não me é estranho?
- Porque é o garoto que eu conheci em Venice Beach, nas férias. A tia Karen te falou sobre ele antes de eu vir pra cá.
Mamãe assentiu, uma expressão preocupada no rosto.
- Essa é a parte em que você me conta tudo que aconteceu, não é? Porque eu estou... Ah. – Suspirou. – Eu estou uma pilha de nervos desde que a Karen me ligou ontem à noite dizendo que você tinha se metido em uma situação complicada. Eu pensei que você tinha outro namorado. Você não está grávida, está? – Me encarou.
- Credo! Não! – Exclamei, estremecendo. Mas talvez depois de saber o que tinha acontecido ela preferisse que eu estivesse.
- Então o que foi que houve, ?! – Ela me apressou a falar.
Respirei fundo, e aí contei a história toda desde o começo.
Foi angustiante ver a cara dela enquanto eu fazia isso, especialmente quando uma nova mentira vinha à tona, mas, honestamente, foi um grande alívio. Eu e minha mãe sempre tínhamos sido grandes amigas e, olhando para ela naquele momento, eu pensei que talvez se ela estivesse por perto eu não tivesse feito as coisas que fiz – especialmente porque ela teria me descoberto rapidinho. Mas, pensando bem, as coisas tinham mudado, e eu não era mais a que não sabia mentir. Eu era a que tinha enganado uma cidade inteira.
Quando terminei, mamãe estava olhando para mim bestificada. Não sabia bem o que estaria se passando pela cabeça dela, mas sem dúvida estava em choque.
- É uma péssima coisa para uma mãe falar – Ela disse então. –, mas eu nem sei bem o que te dizer. Por isso o arrumou uma confusão ontem? Por que você não gostava mais dele?
- O descobriu que eu tinha mentido sobre meu namoro, e ficou furioso porque eu tinha brincado com ele. Por isso decidiu se vingar de mim contando tudo a Summer. – Suspirei. – O descobriu o que ele ia fazer e foi com a Sofia tentar me avisar, mas acabou sofrendo o acidente. E o contou tudo.
- E a Summer?
- Reagiu da forma esperada. Saiu furiosa e o foi atrás dela, mas com a história do acidente, todos fomos parar no hospital. Ele foi procurá-la de novo hoje. – Expliquei. – Espero que ela o escute. Eu não me perdoaria se ela o odiasse por minha causa.
Minha mãe esfregou o rosto com as mãos.
- Eu sei que está decepcionada comigo. Eu também fiquei, no fim das contas.
- Definitivamente não é o tipo de história que eu planejava ouvir sobre sua aventura de seis meses com seu pai. – Ela assentiu. Mas depois, com um pequeno sorriso, me empurrou com o ombro. – Mas, filha, eu estaria muito mais decepcionada se depois de tudo você não tivesse se arrependido do que fez, e sei que não é o caso.
- Não mesmo. – Concordei.
- Então tudo bem. Não cabe a mim te julgar, só... Tentar te orientar. O que, é claro, me faz me sentir péssima por ter feito o absurdo de deixar você ficar aqui com seu pai sozinha, porque ele claramente não sabe fazer isso. – Ela se pôs de pé, passando a mão pelo cabelo.
- Não, não faz isso! – Fiquei de pé. – Por favor, não culpa o Jack. Ele foi o melhor pai do mundo nos últimos meses. Fui eu quem fiz toda essa bagunça com a minha vida... Com a vida de todo mundo.
- E que bagunça, filha. – Ela se sentou de novo.
Fiquei olhando a janela, pensando igual. E que bagunça. Eu não sabia nem por onde começar a resolver tudo.


tinha pedido para avisar quando tivesse resolvido as coisas com minha mãe, mas não atendeu quando eu liguei, e não parecia ter recebido minhas mensagens. Jodi e Emma, pelo contrário, me mandaram várias mensagens confusas que não dei conta de responder; mas pelo teor das mesmas, entendi que as garotas acreditavam que todos tinham saído correndo na noite anterior por causa do acidente – sobre o qual todo mundo da escola sabia agora – então a verdade tinha sido abafada. ainda não tinha contado nada a ninguém.
Embora eu pretendesse visitar e Sofia naquela tarde, queria antes saber se tinha conseguido encontrar a Summer. Como não conseguia falar com ele usando o telefone, decidi dar um pulo na casa dele.
- Não vamos visitar a Sofia? – Minha mãe perguntou, sentada no sofá da sala.
- Vamos sim. – Assenti, colocando o cardigã vermelho. – Eu só preciso falar com o . Ele mora aqui pertinho, não se preocupe. Volto rápido.
- Eu preciso conhecer esse garoto! – Mamãe lembrou, mas não respondi.

Ventava um pouco naquele dia, e apertei o cardigã contra o corpo enquanto andava a passos rápidos até a casa dos . Nas atuais circunstâncias, eu sentia uma necessidade ainda maior de falar com . Ele era meu porto-seguro em meio a toda aquela loucura.
Àquela hora eu sabia que o padrasto e a mãe dele estavam no trabalho, então em vez de tocar a campainha, preferi dar a volta no quintal e chamar debaixo da janela do quarto dele. Eu fazia isso às vezes, por nenhum motivo especial. Era um hábito que eu tinha adquirido desde o início, como um código secreto.
Sorri pensando nisso enquanto andava, mas meu sorriso se dissipou quando cheguei aos fundos da casa. Dali, de onde eu geralmente o chamava, podia ver a sacada do quarto dele. não estava sozinho, mas com Summer Olsen. Eles estavam se beijando.


POV

Depois de encerrar a ligação com , eu tentei ligar para Summer. Como já imaginava que aconteceria, ela não me atendeu. Escrevi a milésima mensagem.
Onde você está?
Uma mensagem que não teve resposta, como todas as outras. Eu só conseguia pensar no jeito como ela tinha me olhado na noite passada, antes de fugir. Como se eu tivesse partido seu coração. E eu tinha.
Como sempre, tudo que envolvia Summer Olsen me atingia com mais força. Eu só conseguia pensar na pequena Sum que vivia comigo na infância e em como eu tinha feito ela sofrer.
Mas não era para aquela criança que eu tinha mentido. Aquela menininha não conseguia ficar magoada por mais de um dia. Eu tinha decepcionado a Summer adulta. Eu tinha estragado tudo.
Mesmo sabendo que não era um direito meu, peguei o carro e fui à casa dela naquela manhã, mas não a encontrei. Toquei a campainha e até cogitei invadir a propriedade, mas desisti. Se Summer estava trancada ali dentro, ela não queria me ver.
Meu telefone tocou quando eu já estava saindo dali.
- ? – A voz disse.
- Senhor ?
- Sou eu, sim. – Ele respondeu. – Só queria te avisar que o acordou. Ele está perguntando por você.
- Estou indo agora.

Levei menos de quinze minutos para chegar ao hospital da cidade. A mãe de tinha ido para casa descansar um pouco enquanto o pai ficava com ele, e foi bem nesse tempo que ele acordou.
- Pode entrar, ele está louco para falar com você, embora ainda esteja meio lento. – O senhor me avisou.
- Tudo bem.
estava deitado na cama, apertando o botão do controle que a fazia se erguer e descer.
- Eu não acho que você devia estar fazendo isso. – Falei com um sorriso na voz. Apesar de claramente não ter se recuperado ainda, eu estava feliz demais em vê-lo acordado.
- ! – exclamou. – Até que enfim. Eu quase morro e você leva esse tempo todo para vir ao meu chamado?
- Eu levei uns dez minutos para chegar aqui, só pra constar. – Cruzei os braços, rindo.
- Papai disse que a gente bateu no outro carro com bastante força. Eu não lembro de nada, só da luz. – Ele disse frustrado. – A Sofia está bem mesmo?
- Está, sim. Ela já estava acordada ontem à noite.
assentiu. Imaginei que não tivessem contado a ele quem estava no outro carro, e achei melhor não o fazer naquele momento.
- Ontem à tarde – Ele continuou. – eu descobri que o Junior ia assumir publicamente que gostava da e tentei avisar vocês por mensagem. Mas aquele imbecil me ouviu e me trancou no vestiário.
Ouvi a história de , ficando com mais raiva de Junior a cada instante. O cara não tinha limite nenhum.
- Eu e a Sofia fomos o mais rápido que pudemos, mas juro que não atravessamos nenhum sinal vermelho sequer.
- Eu sei. – Assenti, lembrando de e Amber bebendo na festa.
- Ele conseguiu contar tudo? Porque quando papai me contou direito do acidente, tive esperanças de que talvez essa confusão tivesse atrapalhado os planos dele para ontem.
- Não atrapalhou, não. – Contei com tristeza. – Quando soubemos do acidente, Junior já tinha armado o circo. A Summer sabe de tudo agora.
fechou os olhos, parecendo frustrado.
- Vocês já...
- Não, eu não consegui falar com ela ainda. Ela fugiu da festa ontem, não atende minhas ligações.
- Que merda, cara.
Dei de ombros.
- Talvez ela só precise de um tempo para processar. – Ele disse depois de alguns instantes. – Não deve estar sendo fácil mesmo.
- Eu sei. Só espero que ela fique bem.

Depois de ter conversado com por mais algum tempo, voltei para casa.
Mamãe e Henry estavam trabalhando àquela hora, então almocei sozinho. Só depois disso, quando quis conferir minhas mensagens, me dei conta de que o celular não estava comigo. Devia tê-lo deixado no carro. Mas, antes que eu saísse para pegá-lo, a campainha tocou.
Fui até à porta imaginando que talvez fosse a , mas me enganei.
Summer Olsen me encarava com um olhar firme, mas, ao mesmo tempo, resignado. Ela não parecia prestes a me bater – embora eu fosse o único que ainda não tinha sido estapeado – nem a gritar comigo. Ela só me olhava com aquela tristeza conformada, me fazendo preferir a bofetada.
- Você bateu à minha porta de manhã. – Disse então. – Imagino que quisesse me dizer alguma coisa.
Assenti, dando um passo para trás, e Summer entrou. Fomos para o meu quarto, porque às vezes minha mãe aparecia de surpresa entre um intervalo e outro, e precisávamos de paz.
A garota foi para a sacada, enquanto eu fiquei parado próximo à porta.
- Eu não sei bem o que deveria te dizer. – Falei. – Mas acredito que o jeito mais aceitável de fazer isso é começar te dizendo que sinto muito por tudo.
- Sente mesmo? – Perguntou com frieza. – Deve sentir, por ter ajudado a garota que você ama a ficar com outro cara.
- A não está com o Junior, ela está comigo. Ele só disse aquilo ontem porque estava com raiva.
- Tem certeza, ? – Summer olhou para mim, amarga. – Eu não teria se fosse você. Ela conseguiu me enganar muito bem.
- Já faz tempo que ela se arrependeu de tudo. – Insisti. – Ela ia te contar tudo essa semana.
Summer engoliu em seco, desviando os olhos de mim. Percebi que ela respirou fundo, talvez se esforçando para não chorar.
- Eu só queria entender esse teatro shakespeariano todo. – Disse. – O tinha terminado comigo... Por que fazer com que nós voltássemos, se ela gostava dele? Por que inventar toda essa farsa absurda?
- Porque ela já tinha te conhecido. – Dei um sorriso triste. – E como todo mundo que te conhece, ela queria evitar que você sofresse.
- Ah, claro, mas é uma santa... – Summer zombou.
- Não é, não. Mas eu não acho justo que você pense que ela foi a grande vilã dessa história. – Falei com firmeza. – A não sabia sobre você quando conheceu o Junior, e quando descobriu quem você era, sofreu muito. Daí o Junior a convenceu que seria melhor se ela fingisse que eles nunca tinham tido nada, e ela acabou concordando. Ela pode até ter continuado a mentira e inventado outras coisas, mas eu estava lá quando isso começou, e juro que ela queria te contar a verdade. – Afirmei. – Se ela, em algum momento, pensou em ficar com o Junior de novo, foi porque ele a fez acreditar que ainda gostava dela, e porque ela achava que estava apaixonada por ele. Mas ela nunca te quis mal, isso você pode ter certeza.
- E por que você concordou com tudo isso?! – Summer saiu do sério, entrando no quarto de novo. – Você diz que estava lá desde o começo... ! – Vi uma lágrima descer por sua bochecha. – Por que você deixou tudo isso acontecer? Por que mentiu para mim?
- Porque... Eu sabia que se nós te contássemos, você podia não acreditar. – Admiti pela primeira vez. – E eu não podia fazer isso com a , porque eu nunca me importei tanto com alguém... Além de você.
Summer ficou me encarando, os olhos cheios de lágrimas, mas sem emitir som algum.
Embora eu nunca tivesse dito aquilo a , estava certo, e Olsen sabia. Se a tivesse contado a verdade no início, Junior poderia ter feito a cabeça dela contra a novata mentirosa.
- Quando te falei que não confiava no Junior, anos atrás, você me disse para te deixar descobrir sozinha quem ele era. – Continuei. – Eu não deveria ter te ouvido, mas ouvi. E aqui estamos, você descobriu. Se quer saber, não acho que você goste dele, Summer, então toda essa raiva é pela mentira, que te magoou, especialmente porque eu menti, e por essa parte, eu peço desculpas. Garanto que a também se arrepende. Mas não me arrependo nem um pouco da bagunça que tudo isso causou na sua vida, porque acho que finalmente você descobriu quem você é, e que para ser essa pessoa você não depende do Junior, das suas amigas populares, da sua mãe... E nem de mim ou de ninguém. E honestamente, eu estou feliz por ter conhecido essa outra Summer.
Ela ficou calada por um segundo. Depois, parou de chorar e voltou para a sacada.
- Tem razão em duas coisas, . – Ela disse sem olhar para mim. – A primeira é que essa bagunça nos últimos meses serviu para que eu me encontrasse. A segunda é que você não deveria ter me ouvido, anos atrás.

Summer ficou na minha casa por mais algum tempo, que se dividiu entre momentos em que ela fazia alguma pergunta sobre os últimos meses e momentos de silêncio absoluto. Em todo esse período, ela ficou sentada na poltrona da sacada, olhando para fora, e eu, sentado na cama, dentro do quarto. Ela chegou até a dizer que estava com fome, e aceitou quando lhe ofereci a salada de frutas que minha mãe tinha feito pela manhã.
- Ela fazia isso quando éramos pequenos. – Observou, perdida em pensamentos.
Passado o tempo, Summer se levantou e olhou para mim.
- Tenho que ir. – Disse.
Eu assenti e ela se aproximou.
- Eu ouvi tudo que você disse. – Disse. – Mas ainda estou com raiva.
Eu não podia culpá-la. – Eu sei. – Falei.
- Não precisa me levar até à porta.
Summer passou por mim, parando ao ver a foto pendurada perto da porta. Éramos nós dois, com uns nove anos, na praia. Não vi se ela sorriu ou não com a imagem.
Fui para a sacada e olhei para o céu, meio nublado naquele dia. E foi então que ouvi os passos. Ela tinha voltado. Summer chegou a mim como um furacão e simplesmente me beijou. E tantas coisas passaram pela minha cabeça, pelo meu corpo, meu coração, naquele momento...
Aquele beijo. Eu tinha imaginado tantas vezes aquele beijo... E agora eu não sabia dizer o que sentia. Era um gosto que misturava passado e presente, com um relance do futuro que eu já tinha imaginado antes e que – agora eu tinha certeza – nunca existiria. E percebi, de repente, que não estava triste por isso. Eu tinha crescido, afinal.
- Por que fez isso? – Perguntei apenas, um pouco atordoado.
Pela primeira vez naquela tarde, Summer sorriu.
- Primeiro porque eu queria, sim, me vingar da . – Disse. – E depois porque... Eu sempre me perguntei como seria.
E então ela foi embora. Eu não questionei. Não a segui. Ela tinha que ir, e eu também. A garota que eu realmente queria beijar, percebi, estava a duas ruas de distância. E eu nunca tinha tido tanta certeza do que sentia por ela.

POV PIE

Fui para casa sem saber o que pensar ou sentir. Apenas meus pés me levavam, mas minha cabeça estava lá ainda.
Eu não sabia bem dizer por que não tinha feito nada. Simplesmente dei as costas aos dois e fui embora. Por quê?
Eu sabia. Era porque, em alguma parte de mim, eu sentia que não tinha esse direito. Não só por tudo que tinha feito, mas porque eram e Summer, a história de amor mais clichê de todos os tempos. Ela era a garota da porta ao lado dele. Eu era só a filha maluca do chefe dele.
Quando cheguei em casa, meus pais estavam na varanda. Papai segurava Stevie, enquanto minha mãe estava reclamando com uma careta.
- Não vai soltá-lo! – Ela exclamava.
- Eu já falei que ele não morde! – Papai protestava.
Finalmente eles me viram.
- Ah, , você voltou! – Papai se alegrou. – Quer fazer o favor de falar para sua mãe que o Stevie é um tão bonzinho quanto um bebê?
- Não vai me convencer! – E ela rapidamente fugiu lá de cima, vindo me encontrar na calçada. – Eu estava só esperando você voltar para irmos ao hospital. Tudo bem com seu namorado?
Dei um sorriso amarelo, assentindo.
- Tudo sim. Vamos lá?


Tanto quanto Sofia ficaram muito felizes em me ver, mas, apesar de eles estarem ávidos por conversar sobre a noite passada e o desenrolar de tudo, não contei a nenhum dos dois o que tinha acontecido na casa de . Parecendo bem ou não, os dois ainda estavam se recuperando. A última coisa que precisavam era de mais drama para preocupá-los.
Tia Karen nos contou que o médico acreditava que Sofia receberia alta no dia seguinte. O pai dela, que estava viajando a trabalho, mas já sabia do acidente, iria buscá-las então. ainda estava em observação, mas confirmando-se que estava tudo bem, ele também poderia ir.
- Bom, acho que podemos passar no Rogers para comer alguma coisa. – Papai comentou quando a visita acabou.
- Ah, não. – Tia Karen disse. – Eu quero ter uma conversa com você antes, cabeça-dura.
- Você e essas conversas. – Papai rolou os olhos.
- Tudo bem, nós esperamos. – Mamãe sorriu para minha tia.
Tia Karen levou papai para longe. Minha mãe sorriu para mim, passando o braço pelos meus ombros, e foi me guiando em direção à saída.
- Eu também quero conversar com você, mocinha. – Ela disse tocando a ponta do meu nariz com o dedo.
- Você e essas conversas. – Imitei papai. Ela riu.

Já do lado de fora do hospital, nos sentamos em um banco de madeira. Mamãe suspirou, olhando em volta.
- Esse lugar é uma graça, não é? – Comentou.
- Humrum. – Concordei. – Vir para cá fez bem para o papai. E tirando tudo que deu errado, eu também gosto muito daqui.
Mamãe assentiu, ficando calada por alguns instantes.
- , eu andei pensando – Disse então. – e eu quero que volte para casa comigo.
Me virei para ela, pega de surpresa.
- O quê? Para o Brasil?
- Não, não! – Ela me tranquilizou. – O projeto no Brasil está quase acabando, e eu sei o trato que fizemos sobre só irmos para lá quando você for fazer faculdade. Eu quero que volte comigo para Denver. Para a nossa casa.
Eu fiquei tão atônita que não soube o que dizer.
- Eu sei que gosta de ficar com seu pai e que, especialmente agora, está preocupada com ele. E sei que gosta do . – Ela continuou. – Mas, filha, depois de tudo que aconteceu, me parece uma pressão tão grande para você ficar aqui... E tínhamos mesmo planejado no início que você só ficaria por um semestre. Eu vou coordenar o projeto a distância nas próximas semanas, já cuidei do principal no Brasil. Tecnicamente, tenho que ir para Denver conversar com meu professor nesse sábado.
Fiquei calada. Não ia fugir assim. Queria responder logo que não, mas não queria que ela ficasse magoada.
- Não sei. – Me ouvi dizer.
Mamãe beijou minha testa.
- Quero que escolha o que for melhor para você.
Eu sabia o que era melhor. Não tinha nem o que discutir.

🌴💚🌴


Eu estava ajudando minha mãe a preparar o jantar naquela noite quando meu telefone tocou. Era Annabeth.
- Ei, Annabeth. – Eu disse.
- ! – Ela falou. – Eu estou ligando para saber como você está. Soube do que houve com seu amigo .
- Eu estou bem, obrigada pela preocupação. já está melhor também. Talvez tenha alta na quinta-feira.
- Ah, que ótimo! – Exclamou Annabeth. – E você acha que vai estar legal para apresentar a peça na sexta?
- Claro. Não precisa se preocupar com isso.
- Que bom ouvir isso! Você vai ao ensaio amanhã?
- De manhã, não é? – Cocei a cabeça, me lembrando. – Vou sim.
- Legal. Então a gente se vê na escola.
- Até lá.
Desliguei e mamãe olhou para mim com expressão indagativa.
- É minha amiga do clube de teatro. A peça estreia na sexta-feira.
- Sério? – Mamãe sorriu. – Que ótimo. Pelo menos vou ter tempo de assistir antes de voltar para Denver.
Fiz uma careta a menção daquela história.
- O papai já sabe que vai tão rápido? – Indaguei.
- Não, vou contar a ele no jantar de hoje. – Falou. Ergui as sobrancelhas. – Ou talvez amanhã de manhã. – Ela considerou. Eu assenti. Achava justo papai ter um pouco de alegria despreocupada com a visita dela, ainda que só levasse puxões de orelha.
A campainha tocou. Passou pela minha cabeça que pudesse ser Jodi, já que eu não respondi suas mensagens direito, e me apressei em atender, sem saber, no entanto, o que ia falar.
Mas os olhos castanhos que me encararam não foram os dela. ficou parado à porta, enquanto eu não fazia nada.
- Eu achei que devia tocar a campainha dessa vez, porque... A sua mãe. – Ele disse.
- Ah. É. – Meneei a cabeça, mas na verdade a visão dele ali me fez lembrar do que eu tinha visto à tarde. E eu, assim como pensei que era Jodi à porta, não sabia bem o que fazer.
- Eu posso entrar?
- Claro. – Voltei a mim. – Estamos preparando o jantar.
Fala com ele, a voz da razão em minha cabeça ordenou. Você tem que falar.
Mas eu preferia fazer uma coisa de cada vez, então em vez de ir logo apontando o elefante na sala.
- Olha, ela não está brava. – Parei de andar antes de entrarmos na cozinha. – Você só precisa... Ser você.
- Tá. – Ele disse, mas inflou as bochechas.
Entramos na cozinha e mamãe se virou ao som do barulho.
- , quem... – Ela parou quando nos viu.
- Mãe... – Falei. – Esse é o .
- Ah, o . – Ela disse séria, mas na verdade esse era o padrão de reação da minha mãe para qualquer garoto que ia a nossa casa desde que eu tinha treze anos. Até meu amigo Ben tinha lidado com isso. Quando eles iam embora, no entanto, ela se ria toda fofocando sobre como eram engraçadinhos.
entrou na cozinha e estendeu a mão para ela.
- É um prazer conhecê-la, senhora Vicentini. – Disse. – A e o Jack falam de você o tempo todo.
- Bom, em primeiro lugar eu agradeço por não ter ido me chamando de senhora Pie. – Ela ergueu as sobrancelhas, sorrindo um pouco. Essa era realmente uma coisa que dava nos nervos dela. – Também é um prazer conhecê-lo, . Ouvi falar de você também. Quero dizer, não só a respeito da história maluca de vocês. – Acrescentou.
Então sorriu – aquele sorriso que fazia qualquer garota se derreter – e eu sabia que qualquer receio dela tinha acabado ali. Logo ela estaria tão apaixonada por ele quanto eu, papai e Stevie. Era a triste sina da nossa família, aparentemente.
Papai desceu depois do banho e jantamos todos juntos. Mamãe conversou com sobre várias coisas, sempre ficando muito feliz com as respostas dele. A preferida, no entanto, foi sobre a faculdade.
- Eu vou fazer, sim. – Ele respondeu. – Acho que consigo equilibrar ser músico com os estudos. Além disso, eu vou estudar Música, então... – Deu de ombros.
- É muito bom ouvir isso, ! – Mamãe falou com um sorriso afetado. – Conheço gente que recusou bolsas de estudo na Julliard sem nenhuma garantia de futuro.
- Conheço garotas que aceitaram sair com caras desse nível! – Papai devolveu. – Dá para acreditar?!
Enquanto eles continuavam discutindo, eu me convencia de que precisava dizer a que tinha visto ele e Summer naquela tarde.
Quando o jantar finalmente acabou, mamãe avisou que ia se deitar, e papai, que também estava exausto, fez o mesmo. Fui levar até à porta, pensativa, mas assim que chegamos à varanda ele segurou minha mão.
Olhei para ele, meio perdida. Os dedos dele entrelaçavam aos meus com delicadeza.
- Hoje aconteceu uma coisa. – Ele disse então. – Summer foi a minha casa. Nós conversamos. Antes de ir, ela me beijou.
Fiquei parada, ouvindo aquelas palavras. Percebi que desde o início queria que ele me contasse sem que eu tivesse que falar, embora não soubesse bem o que viria em seguida.
- Eu vi. – Me ouvi dizer. – Fui lá hoje à tarde. Mas eu... Não soube o que fazer.
abriu a boca, surpreso.
- Aquilo não aconteceu porque ela gosta de mim, ou porque eu gosto dela. – Ele disse então. – Mas foi importante, porque por muito tempo eu tinha certeza de que gostava.
Aquilo doía um pouquinho de ouvir. Mas, caramba, eu tinha passado semanas declarando meu amor eterno ao para . Não devia ser muito diferente. Meu coração só batia mais forte por não saber o que tinha acontecido com os planos dele depois daquela tarde.
- Mas essa conexão que eu não sabia explicar... – continuou. – Eu sinto que acabou hoje.
- Por quê?
- Não sei. Não é como se eu não me importasse mais com ela. – Deu de ombros. – Mas agora eu entendo que sempre tivemos algo mal resolvido. Nos separamos antes que pudéssemos entender o que sentíamos um pelo outro, e essa dúvida foi o que fez com que continuássemos tão ligados até hoje, sabe? Mas eu entendi, e acho que ela também.
- Entendeu o quê? – Engoli em seco.
olhou para mim sério, depois sorriu um pouco.
- Que eu nunca senti por ela o que sinto por você.
O alívio foi tão grande que logo o beijei. Não precisava ouvir muito mais daquela explicação. Eu acreditava em , e sua resposta não poderia ter sido melhor.
Depois que ele foi embora, entrei em casa e brinquei com Stevie. Não, mamãe estivera errada sobre a pressão. Estava tudo tão bem. Por que eu iria querer ir embora dali?

🌴💚🌴


Mesmo indo à escola mais por obrigação do que por qualquer outra coisa na quarta-feira, eu não estava mais tão mal. me dissera na noite anterior que tinha explicado as coisas a Summer, então eu esperava que ela talvez me desse ouvidos, ainda que só tempo o suficiente para eu pedir perdão pessoalmente.
Enquanto andava pelo estacionamento com , me sentia um pouco paranoica. Parecia que a qualquer momento Junior apareceria fazendo um escândalo e acabando com nossa paz.
- Eu não vou deixar que ele faça nada. – afirmava.
Mas não foi necessário impedir. Fomos juntos até o interior da escola e depois cada um foi para sua sala, e em nenhum momento do percurso vi sequer sombra de . , eu sabia, ainda estava no hospital.
- Se ele fizer qualquer coisa na aula, me liga na hora. – tinha me dito antes de me deixar, sabendo que minha primeira aula naquele dia seria economia doméstica.
Honestamente, eu não sabia o que esperar de naquela manhã.
O que aconteceu, entretanto, foi que ao chegar na aula ele não estava lá. Tocaram o primeiro, o segundo, o terceiro sino. Ele não chegou. A senhora Turttle me fez fazer dupla com a parceira de , que também estava sozinha. A aula passou com a sensação de uma segurança que poderia ser abalada a qualquer momento.
Troquei mensagens com ao longo da manhã para deixa-lo tranquilo – assim como ele também me tranquilizava quanto a ser atacado por alguém do time. No horário do almoço, ele me avisou que ia se atrasar um pouco por causa de uma atividade que estava fazendo em aula. Então fiquei parada à porta do refeitório sem saber o que fazer.
- VOCÊ ESTÁ AÍ! – Alguém gritou.
Me virei e vi Emma e Jodi vindo em minha direção. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, elas agarraram meus braços e se puseram a caminhar para o refeitório.
- , eu estava tão preocupada! – Jodi exclamou.
- Qual seu problema com o celular? Brigaram ou algo assim? – Emma reclamou.
- Emma, menos! – A outra a repreendeu. Já estávamos dentro do refeitório então. – Está tudo bem com o ? E sua prima?
Congelei, sem saber o que fazer. Não podia me sentar na mesa VIP.
- Eles estão... Bem. – Falei. – Mas eu quero me sentar com o lá atrás hoje.
As meninas pararam também, me olhando meio confusas. Depois, deram de ombros.
- Então tá. – Emma disse. – Vamos.
Mesmo não esperando por aquela reação, aceitei a companhia delas até a mesa onde costumava me sentar com e . Algumas pessoas me cumprimentaram. Quando já estávamos sentadas, Jodi avistou Brad saindo da fila da comida e acenou para ele. O garoto se juntou a nós, atraindo olhares daquele lado mais tímido do refeitório.
- E aí, , como estão as coisas? – Ele foi logo perguntando.
- A Sofia está muito bem, e o está melhor também. Talvez recebam alta hoje.
- Nossa, que alívio. – O garoto suspirou. – Eu estava mesmo preocupado com isso.
Jodi passou a mão pelo cabelo dele e olhou para mim.
- Todos estávamos. – Disse. – Ficamos sem saber o que fazer quando todos vocês saíram correndo da festa na segunda.
A menção da festa me fez arriscar a pergunta:
- E quanto a Summer, vocês a viram hoje?
- Ela não veio. – A menina respondeu.
Só então respirei no silêncio incomum de Emma.
- Ela está se sentindo culpada pelo acidente por causa do . – Jodi explicou. – Eu tentei convencê-la que não, mas a Emma acha que ele só bebeu e foi dirigir pelo que ela disse a ele.
- Ei, tira isso da cabeça! – Falei séria. – fez o que fez porque é um irresponsável.
- estúpido e Amber idiota. – Emma finalmente disse, irritada. – Eu me senti horrível quando soube o que houve.
Enquanto a consolávamos, as portas do refeitório se abriram de novo e uma figura conhecida entrou.
Junior, com um visual muito menos asseado do que de costume, se arrastou até a mesa VIP, sentando-se na ponta enquanto os outros continuavam conversando.
- A coisa não está nada bonita para o lado do . – Brad comentou, balançando a cabeça. – Ele não tem tido o desempenho que deveria no time nas últimas semanas, e agora provocou o acidente usando o carro dele.
- O quê? – Arregalei os olhos. Eu não sabia daquilo.
- É, pois é. – Brad confirmou. – O treinador e o pai dele estão furiosos. A história parece já ter chegado à faculdade do Pat. Se as coisas não melhorarem logo, Junior corre o risco de perder a bolsa que achava que estava garantida.
- É isso que dá contar com a sorte. – Emma criticou.
Olhei para sentado lá, calado, e, contudo, percebi que sentia pena dele. Mas que bagunça sem tamanho tínhamos causado.

🌴💚🌴


- Eu estou tão feliz que vocês dois finalmente vão poder ir para casa! – Falei, abraçada a minha mãe.
Tia Karen pegou o prendedor de cabelo sobre a mesinha do quarto de hospital.
- Eu também, . Você não faz ideia! – Ela disse.
Sofia se ajeitou na cama e mamãe se aproximou para ajuda-la a descer. A mãe dela também.
- Esse cheiro de remédio ia acabar me deixando maluca. – Minha prima disse, ainda sem poder virar o pescoço por causa do colar cervical.
- Quanto tempo mais vai ter que ficar com isso mesmo?
- Ah, só uns dez dias. – Tia Karen fez pouco caso e Sofia rolou os olhos. – O que importa é que finalmente vamos para casa. – A mãe a beijou.

O pai de Sofia ia buscá-las na manhã seguinte, então ela e tia Karen passariam a noite lá em casa. Mamãe estava dormindo no meu quarto e Miguel foi para o sofá, a fim de deixar as duas no quarto de hóspedes que reformamos para ele.
- Eu preciso muito conversar com você! – Sofia avisou depois que a ajeitamos no quarto.
Eu concordei com a cabeça, imaginando quantas coisas ela ia querer saber. Não por isso, logo tia Karen decidiu tomar um banho antes de dormir, e papai apareceu convidando mamãe para uma partida de baralho, o que ela nunca recusava.
- Até que enfim! – Sofi exclamou. – Amo todo mundo, mas toda essa atenção já estava me sufocando.
- Está reclamando de barriga cheia. – Me sentei na cama, colocando uma almofada no colo.
- Não, , eu estou reclamando de barriga vazia, literalmente: ninguém me dava o que eu queria comer lá!
Dei risada da reclamação, feliz por estar com ela novamente.
- Pelo menos você vai poder comer como uma pessoa saudável de novo agora. ficou muito preocupado quando acordou pensando que tinha te matado.
Sofia rolou os olhos e eu sorri. Ainda que não fosse admitir, eu tinha visto a cara dela quando acordou na noite do acidente e não sabia o que tinha acontecido com . Ela também tinha ficado tão preocupada quanto ele.
- Agora quero que você me conte sobre tudo. – Sofia disse então. – E o , a Summer, o ? Como estão as coisas?
- A Summer não quer me ver nem pintada de ouro, mas falou com o . Ele conseguiu explicar as coisas, mas... – Dei de ombros. – Mesmo sabendo a verdade... Aliás, especialmente sabendo a verdade, não dá para culpa-la por não querer me ouvir.
- Quanto a isso você tem razão. Mas pelo menos você e estão bem?
- Estamos. – Meneei a cabeça. – Nada mudou.
- É o que importa. Aquele idiota do não ameaçou abrir a boca de novo?
- Na verdade não. – Respondi pensativa. – A situação do não está nada boa. O namorado da Jodi disse que ele está correndo o risco de perder a bolsa de estudos depois que o bateu em vocês usando o carro dele. O foco dele no futebol já vinha caindo também.
- Aqui se faz, aqui se paga. – Sofia disse com desdém.
- Olha, por mais que eu quisesse arrebentar a cara do ... Não era desse jeito que eu queria que fosse. É a faculdade, Sofi.
Sofia fez um bico, ponderando.
- É. Isso é bem sério mesmo.
Ficamos caladas por alguns instantes, até que me lembrei.
- Mudando de assunto... – Eu disse, fazendo com que ela olhasse para mim de novo. – Minha mãe me chamou para voltar para Denver.
- O quê?! – Ela arregalou os olhos. – Voltar para a sua casa no Colorado?
- É, isso mesmo. Ela vai embora no final de semana.
- E você aceitou ir?
- Não, é claro que eu não vou! – Franzi o cenho. – Jack precisa de mim aqui e eu estou bem. Ela só quer me levar embora porque sabe o que aconteceu e quer me tirar do fogo cruzado. Eu não vou fugir do que fiz assim.
- Nem sempre deixar algo para trás significa fugir; você sabe disso, não é? – Sofia ergueu uma sobrancelha. – Às vezes é o melhor que podemos fazer por nós mesmos.
- Eu não vou embora. – Insisti. – Está tudo bem por aqui. Não preciso ir.
- Se você diz. – Ela fez o mais próximo de um dar de ombros que conseguiu. – Fico feliz que seja assim, porque é muito mais fácil te visitar aqui do que em Denver.
Sorri, sem conseguir afugentar da cabeça o comentário dela. Não que fosse fazer diferença. Minha decisão estava tomada.

🌴💚🌴


- Bom dia. – Falei descendo as escadas, a mochila já nas costas.
Miguel, em pé perto da geladeira, me serviu um copo de suco.
- Bom dia, pirralha. – Disse. – Como dormiu?
- Melhor que nos dias anteriores. – Falei com sinceridade.
Todos ainda estavam dormindo àquela hora. Desde a volta da viagem, ainda não tinha parado para conversar com Miguel, embora ele soubesse o que tinha feito.
- Estou feliz que esteja bem. – Ele disse, como se imaginasse o que eu pensava.
- Eu sei. – Sorri.
Depois de ter comido alguma coisa, ouvi a buzina na rua. Me despedi de Miguel e corri para encontrar , mas assim que abri a porta dei de cara com alguém bem menor.
- Jodi? – Falei.
- A Summer foi embora! – Ela exclamou, parecendo confusa.
Senti a mãos gelarem.
- Como assim? – Perguntei.

Foi no caminho para a Jacksonville Beach High que Jodi me explicou tudo. Brad, quem havia buzinado na minha rua, dirigia o carro.
- Eu não entendi nada! – A baixinha explicava. – Eu acordei de manhã e fui pegar o jornal como todo dia, e havia essa caixinha na porta com a fita de cabelo preferida dela e um bilhete de boa sorte! Espera, meu telefone está tocando. – Ela atendeu o celular. – Emms! Onde você se meteu?! Eu já te liguei umas trinta vezes!
Se tratando de Jodi, eu sabia que ela não devia estar exagerando.
Eu ainda estava totalmente em choque. Como Summer podia ter ido assim? E ido para onde?
- Mas que merda tá acontecendo?! – Jodi voltou a falar assim que desligou o telefone. Era a primeira vez que eu a via usar um palavrão. – Ela também deixou um bilhete para a Emma! , ela não deixou mesmo nada pra você?!
Dei de ombros. Não sabia até onde devia explicar, ou até que ponto a culpa era minha.

Tinha ligado para , depois que entrei no carro, e explicado o que estava acontecendo. Ele já estava a caminho da minha casa, então instantes depois de estacionarmos na escola ele chegou também.
- Ei, pessoal. – Ele disse um pouco aflito.
- . Não sabemos que diabo está acontecendo. – Brad disse nervoso. A vida de príncipe do pobre Winter nunca devia ter sido tão cheia de emoções.
- , ela não te falou nada? – Jodi perguntou. – Não deixou nada pra você?
Olhei para ele, esperando a resposta. Mas balançou a cabeça. E Emma ia chegar um pouco depois, pois estava indo de ônibus, visto que tinha perdido sua carona, então entramos na escola juntos.
Fui para a aula de Aritmética com , onde passei a hora seguinte me torturando para aceitar aquilo. Depois do que ele tinha me contado sobre a conversa dos dois, não me parecia que Summer estava prestes a fugir de Jacksonville Beach. O que ela tinha era raiva. Mágoa. Mas ir embora... Aquilo tinha me pegado de surpresa.
Na hora do almoço, me encontrei com os outros no corredor. Dessa vez Emma também estava lá.
- Eu não estou acreditando nessa merda! – Exclamava baixinho. – Vou a casa dela hoje à tarde e ai daquela mulher maluca se não me explicar direito o que está havendo! – Referiu-se a mãe de Summer.
Seguimos juntos em direção do refeitório. Já estávamos na metade do caminho quando tive a estranha sensação de estar sendo observada. Olhei para o lado e vi um grupo de alunos do primeiro ano cochichando. Eles pareceram assustados ao perceber que eu tinha notado, e logo foram para longe.
- Alguém viu isso? – Perguntei.
- Vi, sim. – Emma fez uma cara séria. – Winter, vai descobrir o que está acontecendo. Nos encontre no refeitório.
Brad assentiu, afastando-se de nós.
- Vou ao banheiro. – Jodi anunciou.
Eu, Emma e seguimos nosso caminho, e, já dentro do refeitório, passamos pela fila – sem pegar muita coisa, pois nenhum dos três tinha fome – e fomos nos sentar na mesa de .
Pouco depois, Brad apareceu. Ele não parecia nada feliz.
- Aqueles calouros eram terríveis! – Ele contou. – Não consegui tirar nada deles.
- De que serve ser tão bonito se você não consegue nem obrigar um bando de garotinhas a falar, Brad? – Emma reclamou.
cruzou os braços em frente ao corpo.
- Estaca zero então. Mas ainda acho que estão nos vigiando. – Ele olhou para mim de forma sugestiva. Meu coração gelou.
A porta do refeitório se abriu. Jodi ficou parada alguns instantes lá, os olhos arregalados de pavor. Depois andou rapidamente até nós e se sentou.
- Sei qual é o problema. Escutei a conversa dos outros no banheiro.
Nos inclinamos para perto dela.
- O que foi? – Perguntei preocupada.
- A mãe de alguém viu o pai da Summer uma hora atrás na cidade, e ele disse que ela foi para Nova Iorque fechar um contrato. Mas estão dizendo pela escola que a Summer fugiu da festa na segunda-feira e foi viajar porque... – Ela disse com cuidado. – Porque o Junior está a fim de você, .
Fiquei congelada, reagindo apenas o suficiente para engolir em seco.
- Que conversa mais doida. – Brad disse como se aquilo fosse ridículo.
Mas eu continuava parada, e tinha as mãos na cabeça, calado. Emma estava olhando para mim, e logo Jodi se deu conta disso.
- Não tem nada de verdade nisso, né? – A baixinha quis saber.
Já que Summer não estava mesmo ali e não parecia disposto a continuar com aquela exposição pública, eu poderia, é claro, manter a mentira. Logo o boato morreria.
Mas não era mais o que eu queria. As meninas estavam ali na minha frente e essa era a minha chance de tirar aquele peso das minhas costas definitivamente.
- Eu vou explicar tudo a vocês. – Me ouvi dizer. – Mas não pode ser aqui.

🌴💚🌴


As meninas concordaram sem muita dificuldade em matar as aulas da tarde para que eu contasse o que houve. A história que contei a elas foi bastante sucinta, uma vez que eu queria evitar a exposição total dos envolvidos.
Naquela tarde, sentadas num quiosque da praia, expliquei a elas que tinha saído com durante as férias de verão, e que só depois de conhecer as duas e Summer, tinha descoberto sobre o namoro deles. Disse que por isso tinha começado a namorar o e que só depois me apaixonei por ele de verdade, mas que, ao mesmo tempo, a mentira de que eu e éramos só amigos tinha crescido tanto e dado origem a tantas outras mentiras, que eu tinha perdido o controle. E contei, por fim, que na noite da festa, estava com raiva por achar que eu só tinha vindo para essa cidade para bagunçar a vida dele, e decidiu contar tudo a Summer. Essa tinha sido a razão de toda aquela confusão e o motivo de ela ter evitado a escola nos últimos dois dias.
- Santa merda! – Emma estava com o rosto apoiado na mão.
- Como foi que escondeu isso por todo esse tempo? – Jodi estava bestificada.
- Acho que eu minto muito melhor do que pensava. – Brinquei. – Além disso, tinha muita coisa em jogo.
Emma estava pensativa. Eu imaginava que estivesse com muita raiva naquele momento. Então ela disse:
- Isso explica porque o Junior era tão legal com você e mal sabia nosso nome.
- Acho que sim. – Meneei a cabeça. – Vão em frente, podem me odiar. É completamente aceitável e eu mesma já fiz isso quando me dei conta da babaca que era.
As meninas ficaram caladas. Jodi tinha o cenho franzido, me encarando. Então Emma bateu na mesa e exclamou:
- Porra, , nós não vamos te odiar!
Pisquei, sem entender.
- Não?
- Claro que não. Essa merda toda foi culpa do Junior. – Ela continuou. – Eu sei que ele é um babaca desde quando terminou com a Summer, e obviamente você não foi culpada daquilo. Ele só quis te fazer de boba também.
- Vocês duas caíram feito patinhos. – Jodi murmurou. – E agora a Summer foi embora.
Então ela se levantou e apoiou as mãos na mesa com força.
- EU VOU ATRÁS DESSE GAROTO E VOU CHUTAR AS BOLAS DELE!
Mas antes que Jodi deixasse a mesa eu a puxei de volta.
- Jodi, espera! – Falei.
Ela voltou. Olhei para elas.
- Vocês me pegaram de surpresa. – Respirei aliviada. – Estão tirando de mim uma culpa que também é minha, mas, caramba, estou tão feliz por não me odiarem! – Esfreguei o rosto com as mãos.
- É, mas quando essa história se espalhar de verdade, vamos ser as únicas. – Emma lembrou. – Além disso, não pense que não estamos putas por ter escondido tudo de todo mundo. Eu só... Entendo que nada disso teria acontecido se não fosse aquele idiota. – Ela olhou para mim com seriedade. – Eu disse que não ia deixar nada mais fazer a gente brigar, e era sério.
Meus olhos quase se encheram de lágrimas, tamanha minha felicidade em ouvir aquilo.
- Mas a Summer... – Jodi deu um suspiro triste.
- Ela vai mesmo precisar de um tempo. – Emma a consolou. – Temos que respeitar isso.
Eu assenti. Ela estava certa. Era ridículo eu ficar triste por Summer não falar comigo antes de ir. Era um direito absoluto dela.
- E o que vai fazer agora? – Jodi perguntou a mim.
Pensei por um instante.
- Acho que tenho que falar com o Junior. Admito minha culpa, mas depois do que ele fez, vou dizer o que ele precisa ouvir.

🌴💚🌴


Depois da minha conversa com as meninas, decidi que tinha que resolver aquela situação de uma vez. Então quando meu telefone tocou, no fim daquela tarde, eu já estava me vestindo para sair.
- Rain. – A voz doce disse do outro lado da linha.
- . – Respondi. – Ei.
- Você e seus pais têm algum plano para hoje?
Eu ainda não tinha dito a o que ia fazer, e nem pretendia. Além disso, outra coisa me deixava apreensiva: o fato de terem começado a fazer fofocas na escola sobre e eu. Agora que Summer havia ido embora, era com que eu mais me preocupava. O quanto isso afetaria a vida dele?
- Vamos ao Rogers mais tarde, a mamãe quer conhecer. – Respondi colocando casaco, deixando as primeiras horas da noite de fora. – Por quê?
- É que minha mãe achou que seria legal conhecer a Jaqueline, já que ela já conhece o Jack... – parecia meio envergonhado.
- Por que não vão conosco? – Convidei. – Sua mãe adora o hambúrguer do Rogers.
- É, acho que sim. – Ele concordou. – Lá pelas oito, então?
- Perfeito. A mamãe vai adorar esse jantar de noivado. – Brinquei.
Sabendo que já estava mais tranquilo, me despedi e desliguei. Ajeitei o rabo de cavalo no alto da cabeça e desci as escadas.
- Onde está indo? – Mamãe questionou. – Pensei que fôssemos sair!
- E vamos. – Concordei rápido. – Eu só... Preciso resolver uma coisa antes.
Ela me olhou desconfiada.
- Não é nada que eu fosse te proibir, não é?
- Mãe, não é porque eu fingi um namoro que vou virar uma vigarista. – Ri. – Aliás, a mãe do quer te conhecer. Eles vão se encontrar com a gente no Rogers depois.
Mamãe pareceu surpresa.
- Ora, mas eu nunca conheci a mãe de nenhum namorado seu antes. Quer dizer, não oficialmente. – Comentou preocupada. – Acho que não posso usar moletom. – Se olhou no espelho da parede.
- Ótimo, vá se arrumar então, dona Jaqueline. – Tentei parecer despreocupada. – Prometo que não vou demorar.


Enquanto dirigia para a casa de , me lembrava da primeira vez que estivera lá, na noite em que ele terminou com Summer. Agora, no entanto, ninguém havia precisado me dizer o caminho. Eu seguia com a cabeça feita, decidida a pôr um fim a tudo aquilo.
Quando parei meu carro a alguns metros da casa dos , me dei conta de que não estava explodindo de raiva. À essa altura, pensando em tudo que tinha acontecido e a situação em que cada um de nós se encontrava, a verdade é que eu sentia pena de . Mas não era o tipo de pena que vem acompanhada de um sentimento de afeição. Só era triste vê-lo como estava, quando eu o tinha conhecido como alguém tão seguro, claramente destinado ao sucesso. Eu não me culpava por isso – não por completo –, mas não ficava feliz tampouco.
Com um suspiro, soltei o cinto de segurança e desci do carro. Analisando a casa enquanto me aproximava, tive a impressão de que não havia ninguém ali. As luzes do segundo andar estavam apagadas.
A janela da sala – que dava para a varanda –, no entanto, estava acesa, apesar das cortinas fechadas. Me aproximei da porta ao lado dela e ia tocar a campainha, quando algo me fez parar.
Havia vozes vindo daquela sala. Vozes altas. Uma discussão.
Pensei em voltar, temendo interferir num problema de família. Assim que dei um passo para trás, porém, reconheci a voz que vinha lá de dentro.
- Será que percebe o quanto é um idiota?! Veja só o que você conseguiu!
Parei onde estava.
Jasmine?
Sim, era ela. Eu tinha aprendido a reconhecer aquela voz a quilômetros.
O que Jasmine Garcia estava fazendo ali?
- E você veio até minha casa para me ofender? Você está cada dia mais louca! – Era Junior respondendo, nada satisfeito.
Com todo cuidado, me aproximei da janela. Consegui me posicionar de forma a ver o que acontecia lá dentro, com sorte sem ser vista.
estava sentado no sofá, e Jasmine de pé. Eu nunca a havia visto vestida de forma tão simples. O cabelo longo estava solto, e ela usava um moletom vermelho largo. Não fosse por aquele tom de voz mandão, poderia ter pensado que me confundi. O visual dava a impressão de que ela tinha ido para lá com ainda mais urgência que eu.
- Eu só quero que reflita. – Ela continuou falando. – Summer foi embora. Tem noção do quão longe você foi?
- Eu posso ter perdido o controle, mas isso não te dá o direito de vir aqui encher minha paciência.
– Ele respondeu. – Não é como se você se importasse assim com ela, e muito menos comigo, então a porta da rua é a serventia da casa. – Ele apontou para a saída.
Mas Jasmine ficou parada, olhando para ele. Depois de alguns instantes imóvel, ela começou a rir.
- Não é como se eu me importasse? – Repetiu. , você só pode estar de brincadeira comigo! Você é patético!
Jasmine pegou o copo d'água sobre a mesa de centro e jogou em cima de . Levei as mãos a boca, impedindo a mim mesma de fazer barulho.
- Você só pode ter mesmo enlouquecido! – Ele se colocou de pé, irritado.
- Eu me arrependo todas as manhãs do dia em que te conheci. Eu olho pra você e não acredito que eu... Argh! – Exclamou, muito nervosa. – Você pode até ter razão sobre eu não me importar com você. Não me importo, pelo contrário: acho muito divertido ver você quebrando a cara, pra variar. Mas não se atreva a dizer que não me importo com a Summer. Foi porque ficamos amigas que fiz a burrice de não contar com quem você estava saindo quando começou a dar em cima dela por causa daquela aposta estúpida...
- Ah, não vem com essa.
a interrompeu com um sorriso cínico. – Como se você fosse adorar contar a todo mundo que foi trocada.
O ar sumiu dos meus pulmões. Apertei as mãos na boca com mais força. Não podia acreditar naquilo.
Jasmine ficou parada de novo, olhando para ele. Depois balançou a cabeça, um sorriso amargo no rosto.
- Sabe – Ela disse com voz cansada. – Eu tenho pena da Pie por ter te conhecido também.
Então ela se afastou, e eu sabia que passaria pela porta no instante seguinte, mas não consegui me mover. Eu estava petrificada.
Assim que saiu, Jasmine olhou para o lado e me viu. Ela abriu a boca, mas não disse nada. Ela só olhou para mim, e eu olhei para ela, pelo que pareceu uma eternidade.
E então ela se foi. Como um fantasma.
E apareceu.
- ? – Ele arregalou os olhos ao me ver.
Eu não consegui dizer nada. Eu o via, mas era como se, de repente, visse uma pessoa totalmente diferente. O que sempre me dava pistas de ainda estar ali – aquele que eu tinha conhecido e amado durante o verão – tinha sumido. Ele tinha sumido para mim.
Agora eu estava ligando os fatos. A tal história da briga dos jogadores do Blue Eagles com e por causa de uma garota no primeiro ano, que Jodi me contara meses atrás... Jasmine abraçando um jogador deles no campeonato da torcida.
Era ela. Ela era a garota por quem eles tinham brigado. Mas o pivô da confusão não fora . Fora . O tempo todo, tinha sido ele.
Por isso Jasmine era tão amargurada. tinha acabado com o namoro dela por capricho, e depois a dispensou para ficar com Summer. E, por causa de Olsen, ela tinha se calado.
Como eu, ela tinha se calado.
Era por isso que Jasmine não me suportava. Porque ela sabia quem era o . E no momento em que botou os olhos em mim, ela soube quem eu era.
Eu era ela. Como em um reboot.
Eu ainda estava parada quando ouvi me chamar de novo.
- , há quanto tempo está aí?
Olhei bem para ele, minha expressão endurecendo.
- Tempo suficiente. – Disse com desprezo.
Depois comecei a descer as escadas com tanta firmeza que pareceu que abriria um buraco no chão.
- ! – me seguiu. – !
Parei bruscamente e me virei para ele de novo.
- De todas as vezes em que eu desejei nunca ter ido para Venice Beach, essa é a mais séria. – Falei. – Eu queria nunca ter ido àquele lugar. Queria nunca ter te conhecido! – Gritei.
- Que droga, ... – Ele começou sua defesa.
- Droga, ? DROGA, ? – Repeti. – Ah meu Deus, eu não estou acreditando nisso...
Ali, naquele momento, debaixo do sol poente daquela cidade que não era minha, perdida em meio a um turbilhão de sentimentos e flashbacks, me dei conta de que até então eu só tivera um único motivo para não enlouquecer depois de tudo que eu tinha feito. Todas as maluquices que eu fiz, incluindo deixar minha mãe para ir para a Flórida, eu só tinha feito porque acreditava que estava apaixonada. Mais do que isso, eu achava que em algum momento aquele sentimento tinha sido recíproco. Aquilo tinha sido real para mim, e ainda que eu tivesse me arrependido e mudado tanto, era a certeza do que havia acontecido que me fazia ser capaz de me perdoar. Eu tinha errado muito, em nome de algo que agora tinha ficado para trás.
Mas o que eu acabara de ouvir... Saber que tinha feito a mesma coisa antes de mim – e sabe-se lá quantas vezes – me fez acordar por completo daquela fantasia.
Tudo que eu fiz, as coisas das quais eu abri mão, as pessoas que eu magoei... Tudo havia sido absolutamente em vão. Eu tinha feito tudo em nome de algo que nunca foi real. Em nome de nada.
Junior era só um canalha. Ele sempre havia sido.
E eu nunca passara de uma diversão de verão. Se eu tinha conseguido quase fazê-lo ficar comigo, era porque, ao contrário de Jasmine, eu não me conformara tão rápido. Mas mesmo que ficássemos juntos, eu não passaria de uma nova Summer Olsen – uma nova Jasmine Garcia: ele me trocaria por uma nova garota na primeira oportunidade.
- Olha, eu sei o que deve estar pensando... – Junior disse.
- NÃO SABE, NÃO! – Gritei de volta, furiosa. – Você não faz a mínima ideia do que eu estou pensando! – O empurrei. Ele não se moveu. – Você não faz a mínima ideia do que é achar que alguém vale tanto a pena, arriscar tudo por algo que no fim das contas não significava nada. Você não sabe porque nunca se importou com alguém a esse ponto!
- Eu me importei com você! – Ele protestou.
Sem pensar nem por um segundo, fui para cima dele dando socos e pontapés.
Eu estava exausta e comecei a chorar, mas não podia parar. Eu não ia deixar ele fazer aquele teatro. Não para mim. Não depois de tudo.
- Desgraçado! – Eu gritava em meio as lágrimas. – Desgraçado...
O cansaço me fez me afastar. Eu respirava com dificuldade. Me inclinei, apoiando as mãos nas coxas.
- ? – disse, mas sem sair do lugar.
Levantei meus olhos para ele e encarei aquele rosto pelo qual eu fora tão apaixonada. Não sobrara nada. O sentimento inexplicável tinha ido embora como um feitiço desfeito.
Uni forças e me ergui de novo. Limpei as lágrimas da bochecha. Sabia que minha voz não ia mais tremer quando eu falasse.
- Você partiu meu coração... Mais vezes do que achei que seria possível. – Falei, meio grogue. – Mas quer saber, ? Se eu ainda fosse capaz de sentir alguma coisa por você, eu sentiria pena agora. Porque um dia, você vai acordar sozinho e perceber que podia estar aproveitando sua vida com uma pessoa incrível, mas estragou cada chance que bateu à sua porta. – Dei de ombros com um sorriso triste. – Ainda bem que eu aprendi minha lição antes de fazer a mesma coisa.
estava calado, a boca entreaberta. Talvez quisesse se defender, mas não sabia como. Não importava. Eu tinha certeza de que um dia ele entenderia o que eu queria dizer.
Antes de entrar no carro, me virei uma última vez para encará-lo.
- Eu não menti porque queria me vingar de você, . – Falei a verdade. – Eu menti porque achei que amasse você. Que bom que eu estava enganada.
E então eu fui embora. Foi a última vez que estive naquela rua e naquela casa.


35- She Used To Be Mine

"If I'm honest, I know, I would give it all back for a chance to start over and rewrite an ending or two for the girl that I knew."

Depois do que aconteceu, eu quase cancelei meus planos familiares com . Mas quando cheguei em casa e vi minha mãe usando sua blusa preferida, meu pai tão feliz por poder apresentá-la a família de ... Eu simplesmente não pude. Eu não podia estragar aquilo.
Assim, coloquei minha máscara de normalidade e cruzei os braços em frente ao corpo, sorrindo para eles.
- Seu nariz parece vermelho. – Mamãe observou à distância.
- É alergia. – Falei. – Vou lá em cima me trocar bem rápido.

Procurei não deixar ninguém perceber que eu não estava no meu melhor estado durante o percurso de carro até o Rogers. Quando mamãe perguntou o que eu tinha ido fazer, falei que alguém precisava de um script da peça com urgência e eu dei o meu.
- Não vai mesmo precisar dele para amanhã? – Papai perguntou, sem fazer ideia de que eu nem conseguia pensar direito no dia seguinte.
- Eu já decorei. – Respondi casualmente.

Minha mãe ficou encantada com o Rogers. De fato, o lugar era muito charmoso, mas acho que o que mais mexeu com ela foi conseguir ver traços da personalidade de papai espalhados pelos cantos. Eu também os vira quando cheguei. Aquilo dava a sensação de que ele finalmente tinha se prendido a alguma coisa como um adulto normal, o que era ao mesmo tempo bom e assustador.
- Eu sempre soube que a mãe da devia ser bonita para ela ter saído como saiu. – Rogers disse quando entramos na sala da administração e papai os apresentou. – Mas ainda me espanto que uma garota como você tenha sido casada com o Jack.
Mamãe deu risada, lisonjeada não só por ter sido chamada de bonita, mas de garota. Tive vontade de rir.
- Eu era muito jovem. – Ela disse.
- Era jovem, mas não era cega. – Papai provocou, pegando o saxofone no canto da sala. – Sabe muito bem o que viu em mim. Agora vamos, vou tocar com Miguel hoje.
Enquanto esperávamos a família de chegar, papai se juntou a Miguel no palco e eles tocaram Cheek to Cheek, de Ella e Louis. Mamãe estava tomando uma bebida com hortelã que Miguel tinha preparado para ela, e eu estava abismada por vê-la tão feliz na presença de papai. No geral, ela sempre ficava tensa. Eu não sabia ao certo se era porque ele estava doente, se vê-lo tão estabilizado tinha causado um efeito nela, ou se Miguel tinha colocado álcool demais no copo dela, mas estava muito satisfeita em saber que os dois estavam se entendendo.
Ainda assim, eu continuava tensa depois do que tinha acontecido mais cedo.
A porta do bar se abriu e vi entrar, seguido por sua mãe e seu padrasto. Ergui a mão e ele nos viu, acenando de volta.
- Lá estão eles. – Falei.

Mamãe já sabia que a mãe de estava grávida, então logo que se apresentou foi logo cumprimentando também a barriga dela. Brasileiros, pensei comigo.
- Ah, eu estava ansiosa por conhecê-la! – Meg garantiu.
- Vamos, vamos nos sentar. – Mamãe chamou.
Enquanto eles se ajeitavam na mesa, se aproximou e segurou minha mão de leve.
- Tudo bem? – Perguntou.
Levei um segundo, mas assenti.
- Estou, sim.
Não era que eu quisesse mentir, ou que fosse levar aquela confusão toda comigo para o túmulo. Só estava cansada naquele momento, e também não queria estragar nossa noite.
Infelizmente, não dava para simplesmente esquecer tudo. E, ao mesmo tempo em que sorria para de minuto em minuto e ria de minha mãe socializando, eu também me sentia mentalmente exausta.
Quando a noite finalmente acabou, senti um alívio enorme porque finalmente poderia ficar sozinha.
- Vamos indo então. – disse quando fui levá-los lá fora. Ainda teria que esperar papai tocar umas duas músicas para ir.
- Tá bom. – Assenti.
- diria que você está esquisita. – Ele arqueou a sobrancelha.
- O é maluco. – Rolei os olhos.
- Eu sei. Mas às vezes acho que ele te conhece melhor do que eu.
- Está se subestimando. – Sorri um pouco.
se aproximou e me deu um beijo.
- Boa noite, Rain.
Mal ele tinha saído, senti que alguém se aproximava de mim.
- Sabe – Miguel disse numa voz tranquila. – uma pessoa que passa por tudo que você passou, deveria se dar o direito de ser honesta, consigo e com os outros.
- Eu não menti. – Olhei para ele. – Eu estou bem. Estou com o , e ele é a pessoa mais importante para mim. Por que eu não estaria bem?
- Você é quem tem que saber isso, pirralha.
Não respondi. Miguel voltou para dentro, e eu o segui logo depois.


Naquela noite, ao me deitar na cama, não consegui esvaziar minha cabeça de tudo que tinha acontecido. Diferente daquela tarde, eu não chorei. Eu não sentia mais vontade de chorar. Só não conseguia simplesmente dormir. Havia muita coisa dentro de mim.
Era isso que Miguel não sabia quando sugeriu que eu não estava bem. Não era uma questão de estar mal. Era só que minha vida naquela cidade era como uma montanha-russa cheia de altos e baixos, e a cada hora uma nova notícia bombástica me atingia feito um balão cheio d'água numa brincadeira de verão. Um verão que nunca acabava.
No meio do meu dilema sobre estações, rolei na cama e vi o roteiro da peça de outono em cima do criado-mudo.
Percebi que eu tinha que me manter focada. Eu podia ter agido mal com muitas pessoas desde minha chegada, mas tinha aprendido minha lição, e agora que o grupo de teatro precisava de mim, eu não ia estragar tudo com eles também.
Eu ia superar tudo aquilo e dar o melhor de mim na estreia da peça, e então...
Então nada.
Tudo tinha dado errado até então porque eu ficava fazendo planos. Eu tinha que fazer uma coisa de cada vez agora. E no momento, o que eu precisava era de um copo de leite quente para dormir e estar no melhor estado possível para a peça no dia seguinte.

🌴💚🌴


- Caramba, , eu estou surtando! – Annabeth estava sentada ao meu lado naquela tarde, enquanto dávamos os últimos toques no cenário junto com os outros.
- Você não pode surtar agora! – Falei. – Você vai ser uma produtora prodígio da Broadway logo, logo; precisa aprender a controlar suas emoções ou vai ter um ataque cardíaco na estreia da sua primeira produção.
- Eu sei, mas... – Ela se sentou. – Essa peça é muito importante para mim.
Deixei a parede falsa e me sentei ao seu lado.
- Eu nunca me dediquei tanto, não só porque é meu último ano, mas porque... Você é minha amiga, e é uma atriz tão boa! Tudo está do jeito que eu queria, eu não quero que tudo dê errado.
- Pois é melhor começar a se preocupar!
Olhamos para frente e encontramos a tal Ashley dos figurinos, com uma expressão nada tranquila.
- Pelo visto parece que Jasmine desapareceu! – Ela continuou. – A senhorita Elizabeth não consegue encontrá-la e quem temos para cantar?!
A garota saiu andando apressada. Eu e Annabeth olhamos uma para a outra, e então corremos até o lado de fora, onde estava a professora.
- Senhorita Elizabeth, o que aconteceu? – Annabeth perguntou. – Jasmine sumiu mesmo?
- Ah, quem é o fofoqueiro que está querendo desesperar todo mundo? – Ela fez uma careta.
- Professora, eu posso procurá-la... – Comecei.
A senhorita Elizabeth cobriu minha boca com a mão no mesmo instante.
- Nem pensar, ! – Exclamou. – Isso é um assunto para mim. Você não devia nem estar aqui. Quero que vá para a casa e descanse, se prepare para a noite. – Olhou para o lado. – Você também, Annabeth. Tem trabalhado feito uma condenada. Vá descansar.
Ainda pensei em protestar, mas pensei melhor e aceitei. Eu não podia consertar tudo na vida, já tinha aprendido essa lição. Além disso, depois do que eu tinha visto no dia anterior, não me achava no direito de ir até Jasmine, por mais que sentisse vontade de dizer a ela que a entendia melhor agora, que não a odiava.
Ela tinha o direito de ficar sozinha, e, se ela simplesmente não fosse à noite, eu ia seguir o conselho de Annabeth e fazer minha parte da melhor maneira possível. Com ou sem ela, eu ia fazer aquela peça dar certo.


- Filha, acho que nunca te vi tão empenhada! – Mamãe exclamou, enquanto eu fazia meus exercícios vocais em casa, me preparando para sair.
- Devia vê-la tentando aprender os passos da torcida. – Papai riu.
- Muito engraçado! – Fiz uma careta, lembrando meu sofrimento.
- É brincadeira. – Ele se aproximou e beijou minha cabeça. – Sei que essa peça é muito importante pra você.
- Todo mundo está contando comigo. – Respirei fundo.
- Bom, daqui a pouco está na hora de se trocar. – Mamãe se levantou da cama. – vai mesmo te levar lá mais cedo?
- Vai, sim. Vocês vão mais tarde, os lugares estão reservados.
- Perfeito, já preparei minha câmera. – Mamãe fez uma cara de felicidade que me contagiaria se ela não tivesse me feito passar vergonha em todas as peças da minha vida. – Vou lá embaixo preparar um chá para garantir que sua voz não fique rouca.
Ela saltitou para fora do quarto toda alegre. Rolei os olhos e papai riu, indo se sentar ao meu lado.
- Ela está muito animada. – Comentou.
- Ela é sempre assim. – Falei. Ele assentiu.
Ficamos em silêncio alguns instantes.
- . – Ele disse de repente. – Sabe que eu estou bem, não é? Você não precisa se preocupar comigo.
Levei um segundo para me tocar.
- Ela já falou com você. – O encarei.
- Já. Ela já falou.
- Pai, eu não vou embora. – Dei de ombros e me levantei. – Eu quero ficar. Aqui eu tenho você, o , o ...
- Você sempre vai ter a mim, meu amor. – Ele me interrompeu docemente. – E ir embora não quer dizer que vá abrir mão dos seus amigos. Só quero que pense em você e no que precisa agora. O que quer que escolha, estarei feliz. Tenho o Miguel por aqui, e vou passar o Natal em Denver, sua mãe querendo ou não. – Brincou.
Dei um sorriso fraco. Papai se levantou, me deu outro beijo e deu alguns passos em direção à porta. Antes de sair, ele parou.
- Sua mãe... Ela sente a sua falta, sabe? – Ele comentou. – Os últimos meses foram difíceis para ela também. – Sorriu. – Não diga que eu falei.
Então ele saiu do quarto. Meu coração apertou um pouco. Desde a chegada da mamãe, eu só tinha conseguido pensar no quanto eu sentira falta dela, mas nem tinha me tocado que ela também nunca tinha passado tanto tempo longe de mim.

🌴💚🌴


- Tá legal, o que ainda falta? Repassar as falas pela milésima vez? Um chá de camomila? Um pé de coelho para dar sorte?
Sorri, querendo rir, e olhei para . Ele me encarou de volta, divertido, o sol forte do fim de tarde iluminando seus olhos . Tínhamos acabado de parar o carro no estacionamento da escola. Eu precisava entrar e me arrumar, e ele precisava ir para casa, pois ainda daria uma carona para quando voltasse mais tarde.
- Eu trouxe meus pés de coelho. – Falei, afastando o cabelo das orelhas para que ele pudesse ver os brincos que tinha me dado de presente. Ele sorriu.
- Só falta uma coisa.
se aproximou de mim e me deu um beijo intenso, demorado e... Ah! Como eu me arrependia de ter gastado todo meu tempo sozinha com ele fazendo planos mirabolantes quando tinha tanta coisa melhor para fazer. Agora que sempre tinha alguém por perto ou um compromisso, tudo que eu queria era ter mais tempo a sós com ele.
- Eu tenho que ir. – Me afastei, fazendo um bico.
Ele assentiu, fingindo cara de decepcionado. Depois me olhou de novo e sorriu.
- A gente tem tempo. – Disse.
As palavras me fizeram parar por algum motivo, e fiquei encarando ele. Depois voltei a mim, soltei o cinto e saí.
Segui para dentro da escola decidida a fazer aquela noite dar certo.


- Finalmente você chegou! – Annabeth exclamou. – Menos uma preocupação.
Ela foi logo me empurrando para onde estavam as roupas e vi uma garota fazendo a maquiagem de Edward, meu parceiro de cena.
- Minha Ebony chegou! – Ele exclamou alegre. Pisquei para ele.
Logo Franklin, o corvo, e Tori, que faria o papel de Valerie, minha rival, se juntaram a ele na preparação. A maquiagem preta de Franklin realmente o deixava com um aspecto realista de ave.
Annabeth continuou me puxando.
- Quem fez a maquiagem do Franklin? – Perguntei encantada.
- O Doug, e ele também vai fazer a sua. – Ela explicou. – Como ele não é da equipe de teatro, foi mais um favor. Dois maquiadores são mais rápidos que um, e as outras são mais simples de fazer.
Doug, é claro, o menino que tinha me maquiado no fatídico dia em que Amber quase me matou por chegar acabada na escola. Ele era mesmo incrível.
- A estrela! – Ele exclamou, sentado perto de um espelho de parede e uma cadeira.
- Doug! – O abracei rápido e fui me sentando.
Assim que estava posicionada, perguntei:
- Annabeth, e a Jasmine, apareceu?
- Não. É bom que esteja preparada para usar sua própria voz. – Ela respondeu.
- Talvez eu dev...
- SHHH! – Doug exclamou. – Você não vai fazer nada até eu ter acabado.
Apesar de nervosa, não dava para contrariar, porque o tempo estava passando.

A cada segundo que passava, ajeitando meu chapéu de bruxa e a roupa azul escura de Ebony Purplewood, a verdade eminente ficava mais clara: Jasmine não apareceria.
Eu julgava Jasmine uma garota fria e malvada até então, mas no fim das contas, eu, ela e Ebony compartilhávamos a mesma miserável história de amor mal correspondido que resultava em um desastre, e depois de toda aquela briga e de ter revelado a verdade sem querer no dia anterior – especialmente para mim – subir naquele palco e cantar não seria fácil para Jas. Não dava para culpá-la.
- A casa está cheia! – Senhorita Elizabeth entrou nos bastidores, toda animada.
Rapidamente nos juntamos em torno dela.
- Espero que estejam todos prontos. – Ela disse.
- Nunca vão me esquecer nesse papel! – Franklin disse, grasnando em seguida.
- Aposto que não. – Edward concordou.
A professora fechou os olhos e respirou fundo.
- É isso. – Concluiu. – Deem seu melhor, meus monstrinhos talentosos!
Todos comemoraram e correram para suas funções, mas eu fiquei ali, feito uma pateta.
- , vem logo! – Franklin me chamou de seu lugar atrás das cortinas, já que a primeira cena era nossa.
Me virei para a professora, que já ia para seu lugar.
- Senhorita Elizabeth, e a Jasmine? – Perguntei desesperada.
Ela me olhou com ar de conformação.
- Você sabe as letras. – Disse apenas, e foi embora.
Quase tive um treco ali mesmo, mas não era hora. Corri para o cenário que preparáramos com tanto carinho e me preocupei em fazer o melhor.

Logo que as cortinas se abriram e começamos a atuar, eu parcialmente esqueci do problema. Como estava focada no personagem, levei um tempo para conseguir olhar para minha família – mamãe com a filmadora e papai acenando, envergonhando Miguel. , do outro lado dele, também acenava animadamente. sorriu para mim, e tive que conter o impulso de sorrir de volta.
O nervosismo só voltou a toda quando chegamos à metade do primeiro ato, e consequentemente, à primeira canção de Ebony na peça.
Meu estômago embrulhou; eu sabia que minha performance jamais se compararia a de Jasmine Garcia. Podia ver a apreensão no rosto da professora lá embaixo. Discretamente olhei para o lado, de onde Annabeth me encorajava com aquele seu rosto gentil, segurando o microfone sem dona.
Fechei os olhos e me preparei para soltar a voz, mas então...
Nada. Nenhum som saiu do meu microfone.
Em vez disso, me dei conta que outra pessoa estava cantando, e aquele voz poderia ser reconhecida a quilômetros. Olhei para o lado.
Jasmine não tinha se arrumado como a grande estrela da noite; o que fazia sentido, já que ela não ia aparecer, mas ao mesmo tempo não fazia, porque era ela. E talvez por isso mesmo, Annabeth estava lá, olhando sem entender nada, enquanto Jasmine usava o microfone que até segundos atrás estava na mão dela.
Mas ela estava cantando. Jasmine não tinha nos deixado ao Deus dará!
Vê-la ali – ou melhor, ouvi-la – com sua expressão arrogante e sua voz angelical, foi um alívio tão grande, que por alguns segundos me esqueci que tinha que dublar.
- ! – A professora sussurrou de forma um tanto quanto audível.
E então voltei a atuar com energia renovada.

O restante da peça se passou como um sonho, cheio de música e mágica. Eu estava imersa no papel de Ebony, sentindo emoção por emoção. As dela se misturavam as minhas, num turbilhão inexplicável. A primeira decepção, o desejo de vingança, o amor. Estava tudo ali. Era quase como reviver as últimas semanas, mas naquele momento era como se eu visse tudo de outra forma, de outro ponto de vista. Queria poder dizer a Ebony que ela devia parar, mas eu era Ebony agora, e sabia que ela não pararia até descobrir o quanto estava confusa e errada.
A peça foi se desenrolando até que chegou ao seu clímax: Ebony Purplewood enfim se dá conta de que não queria o amor de Eric daquele jeito e se arrepende, mas não sabe como desfazer o feitiço e a bagunça que causou.
Até o momento, aquela tinha sido a cena mais difícil de ensaiar, porque se tratava da penúltima música – a mais intensa – e exigia uma entrega total, tanto de mim quanto de Jasmine, para ficar convincente. E como não tínhamos a mínima sintonia, a coisa nunca funcionava.
Mas as coisas haviam mudado. Naquela noite, provavelmente ninguém me entendia melhor que Jasmine Garcia, o que era tão estranho. Olhei para ela quando ouvi os primeiros acordes do piano, e Jasmine olhou de volta para mim sabendo disso. Havia muito naquele olhar – um pedido de desculpas de ambas as partes, uma aceitação delas. Olhei para baixo, me concentrando.

[N/A: Ok, eu tinha parado de fazer isso, mas dessa vez vou realmente pedir para que vocês escutem a música.]

Enquanto dublava as primeiras notas que saiam da boca de Jasmine – nunca cantadas de forma tão verdadeira, tão verdadeira que fez meu coração doer – olhei para a plateia. Vendo as pessoas que eu amava, que tinham acompanhado toda minha história maluca até ali, tudo que eu queria era chorar, mas não era a hora ainda.

Não é fácil saber...
Não sou nada do que costumava ser.
Embora seja verdade,
Eu nunca fui o centro das atenções.
Ainda me lembro daquela garota...

E enquanto entrava no refrão, um filme passava pela minha cabeça. Tanta coisa. Tanta coisa.

Ela é imperfeita... Mas tenta.
Ela é boa... Mas mente.
Ela é dura consigo mesma...
Ela está destruída, mas não pedirá ajuda.
Ela é confusa... Mas é gentil.
Ela é solitária... A maior parte do tempo.
Ela é isso tudo misturado
E assado em uma linda torta.
Ela se foi, mas costumava ser minha.

Terminei o refrão olhando para Jasmine. E ela sim, estava chorando, embora a voz permanecesse firme. Finalmente, parecia que Jasmine estava se livrando do peso que a atormentara pelo ensino médio todo.
Continuei dublando. Meu coração transbordava de emoções de todos os tipos. Eu era grata por Jodi e Emma, ali me assistindo depois de tudo. Eu sentia falta da minha amiga Summer, embora até então achasse que nem tinha esse direito. Mas naquela noite eu tinha. Eu estava me perdoando.

Para ser honesta, eu daria tudo novamente
Por uma chance de recomeçar
E reescrever um final ou dois...
Para a menina que eu conhecia.

A voz de Jasmine nunca atingira tanta potência, totalmente de acordo com minha atuação.

Que é ousada o suficiente!
Que se machuca,
Mas que aprende a se fortalecer quando se fere
E é usada por um homem que não sabe de amar...
E então ficará parada...
E assustada
Com a vida dentro dela...
Crescendo a cada dia...
Até que isso finalmente a lembrará
De lutar mais um pouco
Pra recuperar aquele brilho em seu olhar...
Que se foi, mas que costumava ser meu...
Costumava ser meu...

Enquanto cantava os últimos acordes, meus olhos cheios de lágrimas, percebi uma pessoa parada perto da porta.
esboçou o que pareceu ser um sorriso. Não como os outros todos que eu conhecia – brilhantes, cheios de carisma. Gentil, como o de um garoto qualquer com quem você esbarra por acidente na rua cheia.
Mas eu sabia. Sabia que ele tinha me ouvido. Que ele tinha entendido. E sorri enquanto cantava o fim da música:

Ela se foi, mas ela costumava ser minha.

E embora a peça ainda não tivesse terminado, o público se levantou e aplaudiu. Eles aplaudiram tanto, e minha mãe estava eufórica, e meu pai chorava. assobiou. Eu não podia sorrir para eles, mas por dentro estava dando o maior dos sorrisos.

🌴💚🌴


Quando a peça chegou ao fim, todos estavam animados, mas ninguém mais do que nós do elenco e da produção. Tínhamos conseguido fazer um espetáculo, com uma estreia maravilhosa.
A cortina se fechou, mas antes que se abrisse para que agradecêssemos, Annabeth agarrou a mão de Jasmine e a puxou para o palco conosco.
- Não, eu não quero! – Ela protestou sem muita força, mas não adiantou.
Jasmine segurou minha mão, nervosa. Me virei para ela rapidamente.
- A professora estava errada. – Falei baixinho. – Esse papel deveria ser seu.
Ela ainda estava olhando para mim quando as cortinas se abriram, mas logo os flashes dos pais malucos roubaram sua atenção. Todos nos curvamos e agradecemos os aplausos. Nosso esforço tinha valido a pena.

Meu coração ainda batia rápido quando fui para a coxia trocar a roupa quente de bruxa. Apresentar a história de Ebony Purplewood na frente de todo mundo tinha sido libertador. Eu estava leve e feliz, exceto por uma coisa que ainda tinha que fazer. A ideia tinha ficado clara em minha mente enquanto atuava, especialmente durante a canção principal.
- Você estava divina!
Olhei para trás e vi Jodi, Brad e Emma.
- Obrigada, Jodi Lyn! – Sorri.
- Caramba, , você conseguiu me fazer chorar hoje. – Brad colocou as mãos na cintura.
- Como se fosse muito difícil. – Emma zombou, e então se aproximou para me abraçar. – Parabéns, Pie. Aturar a Jasmine aqui também valeu a pena.
- Ah, até que não foi tão difícil. – Dei de ombros. Elas me olharam confusas.
Olhando por cima do ombro de Jodi, avistei e tentando ganhar espaço entre a multidão de pais e amigos. Apesar do aperto no coração, agora sabia o que tinha que fazer.
- Vocês me dão licença um instante? – Falei com as meninas e Brad.
Me afastei deles rumo ao resto da bagunça. Vi quando os olhos de me encontraram, e logo seguiu o olhar, acenando alegremente para mim. Antes que eles me alcançassem, no entanto, desviei meu caminho.
Meus pais estavam falando com a professora Elizabeth. Assim que apareci, papai me abraçou com força e eu me enterrei naquele abraço.
- Você foi incrível, Rainbow. – Ele disse. – Maravilhosa.
- Obrigada, pai. – Sorri.
Fui para mamãe então, que parou sua conversa com a professora para olhar para mim, cheia de orgulho. Ela também me abraçou.
- Filha. – Disse. – Ai, eu nem sei o que dizer. Eu chorei feito uma bobona a segunda parte toda, você viu? Você...
- Mãe. – Eu a interrompi. Ela parou por um meio segundo, tempo suficiente para eu lhe dizer o que vinha pensando: - Eu vou embora com você.


36- We got a story

"But I'm about to change the ending."

POV

- , sua cara de mané vale cada centavo desse ingresso.
- Cala a boca. – Eu disse, sem conseguir parar de sorrir.
Caramba, ela estava tão incrível no palco! Mal dava para acreditar que eu tinha dito tantas vezes que ela não sabia atuar. Eu só queria dar os parabéns e agarrá-la.
- Olha sua Anne Hathaway ali! – apontou.
já tinha trocado de roupa, mas ainda estava com o penteado e a maquiagem.
- Ei, Anne Hathaway! – acenou, mas ela não pareceu ouvir. Em vez disso mudou seu caminho.
riu ao meu lado.
- Parece que a fama já subiu à cabeça!
Saí atrás dela e ele me seguiu. A vi abraçar os pais e dizer alguma coisa à Jaqueline. Elas ainda estavam se encarando quando nos aproximamos.
- . – Jaqueline inclinou a cabeça para o lado, estreitando os olhos.
- Depois conversamos sobre isso. – A garota disse apenas.
Ela se virou para nós então.
- E aí? – Sorriu toda tímida.
- Rain, você arrasou lá em cima! – Eu a abracei.
me abraçou de volta com força, depois me soltou.
- Obrigada. – Disse.
- Eu não ganho um abraço? – abriu os braços.
o abraçou também, feliz.
- Que bom que você não quebrou nenhum osso, . – Murmurou.
- Se depender de você, acho que vamos dar um jeito nisso. – Ele brincou se soltando do abraço e fazendo-a rir.

Depois que os cumprimentos acabaram, o que levou algum tempo, Jack nos convidou para ir ao Rogers comer alguma coisa, mas disse que estava cansada e queria ir para casa.
- Eu te levo então.
Jaqueline nos encarou.
- Hum. Acho melhor eu ir junto. – Disse.
- Jaque, não seja boba! – Jack disse. – Vamos comer, os meninos têm juízo. Se quer saber, já dormiu lá em casa várias vezes enquanto eu estava aqui.
- O quê?! – Ela arregalou os olhos.
- Pai... – bateu na testa.
- Não foram tantas vezes assim. – Esclareci.
- Nem namorávamos de verdade. – Ela acrescentou.
Jaqueline ainda estava apreensiva, mas tocou segurou o pulso dela.
- Mãe, não se preocupe. – Insistiu. – Vão vocês comer alguma coisa. Eu quero ficar um pouco com o .
As palavras da filha pareceram causar algum efeito em Jaqueline. Como se de repente se lembrasse de algo, ela balançou a cabeça.
- Ah, deixa para lá. – Disse. – Tudo bem, eu vou com o Jack comer. Mas se comportem.
- Pode deixar, senhora P.! – exclamou. – Estou de olho neles!
Balancei a cabeça e riu. Nós os acompanhamos até a saída, e então cada grupo foi para um carro.


A caminho da casa de , o garoto não parava de falar. Ao que parecia, passaria o resto da vida descrevendo com detalhes para nós sua experiência traumática no acidente; que aparentemente não havia sido tão traumática assim, uma vez que ele não parava de falar no assunto.
- Rain, você falou com a Amber de novo? – Perguntei quando curvávamos na rua dele.
- Eu nem comentei, não é? Passei na casa dela na hora almoço.
- Ela está legal? – perguntou.
- Está sim. Não precisa se preocupar. – respondeu, olhando distraidamente para a janela.
E apesar de eu ter aprendido a temer aquele jeito de quem estava pensando em algo, ela estava tão... Serena.
Falei para mim mesmo que não havia nada com que me preocupar. só devia estar com sono. O dia tinha sido longo para ela.
- Chegamos à minha humilde residência. – anunciou. – Querem entrar? Ah, o que eu tô perguntando? Claro que não. Vocês querem é aproveitar a casa vazia do Jack.
- ! – o repreendeu.
- Entra logo, seu otário. – Falei.
riu, enfiando as mãos nos bolsos e se afastando.
- Até depois, pessoal. – Disse. – Você estava incrível, Anne Hathaway. – Jogou um beijo para .
- Valeu. – sorriu, mordendo o lábio.
Acenei para ele e saí com o carro.

Para ser franco, não estava errado de forma alguma. Eu queria mesmo um tempo sozinho com ela. Tudo estava tão corrido desde a volta da viagem que parecia que nunca ficávamos só nós dois.
- Sua mãe vai me botar para correr se chegar e eu estiver aqui? – Brinquei enquanto caminhávamos para a porta.
- Só se ela te pegar dormindo na minha cama. Ela não é tão calminha quanto o Jack, pode acreditar.
- Ah, eu notei, pode acreditar. – Ergui uma sobrancelha. riu, destrancando a porta.
Assim que entramos, eu a abracei por trás, dando um beijo em seu pescoço. se virou para mim sem fugir do abraço, mas, apesar do sorriso, seus olhos tinham aquele brilho perdido de mais cedo.
- Vem comigo. – Ela disse.
Subimos as escadas e eu a segui até dentro de seu quarto, ainda esperando o que ela ia fazer, porque parecia que tinha algo em mente.
- Lembra do meu primeiro dia aqui? – Perguntou de costas para mim, o riso claro em sua voz.
- Lembro, sim. – Ri um pouco. – Nada como salvar uma garota de Stevie logo cedo.
- Quando eu paro pra pensar... Eu acho que gostei de você assim que te vi, mas com tudo que estava acontecendo na minha cabeça, decidi ignorar o que estava sentindo.
- E por que está lembrando disso justo agora? – Perguntei.
Levou um segundo, mas quando virou para mim, a coisa veio de uma vez:
- ... Eu vou embora com a minha mãe.
Pensei que tivesse ouvido errado. Certamente tinha ouvido errado.
- O quê? – Franzi o cenho.
- Eu vou para Denver com a mamãe no domingo. Vou voltar a morar com ela.
- E por que você faria uma coisa dessas? – A encarei incrédulo.
- Porque parece o certo por ora. – deu um sorriso desanimado e se sentou na cama. – Sei que é meio repentino, mas... Hoje me dei conta de como vocês todos têm sido uma família incrível para mim aqui desde que cheguei, e fiquei tão feliz pelo papai ter tanta gente maravilhosa por perto agora. – Suspirou. – Mas a mamãe está sozinha, e por mais que ela pareça dar conta de tudo, acho que ela é um pouco Jack às vezes. Se ela me deixou vir para cá, é porque achava que eu não aguentaria ficar com o papai por mais de seis meses, e quando ela voltasse para casa eu também voltaria.
- Diz que você tá brincando. – Falei muito sério.
- Desculpa. Nada disso é culpa sua. – Ela continuou, de olhos baixos. – Se eu não fosse uma tonta, poderíamos estar juntos desde que eu cheguei. Eu queria ter tido mais tempo.
- Você está terminando comigo?!
- Não se você não quiser. As coisas não precisam acabar porque eu estou indo. Mas eu entendo se você quiser terminar.
Ela entendia? Aquilo era demais para mim. Tudo era.
- Quer saber de uma coisa, ? – Perguntei nervoso. – Talvez eu queira.
- !
- Não! – Exclamei. – Eu estou cansado! Você resolve os problemas de todo mundo, e mesmo quando eles me envolvem, especialmente quando envolvem, você nunca pergunta o que eu penso antes de decidir o que fazer.
- ... Desculpa. – A voz veio embargada.
Olhei para ela por um instante, mas estava tão bravo que logo me distanciei.
- Eu vou nessa.
- ...

Nem me dei ao trabalho de pegar o carro. Preferi ir para casa a pé. Eu ainda estava muito irritado, e talvez andar ajudasse a me acalmar.
Quem diabos Pie pensava que era para decidir que ia embora desse jeito justo agora que tudo parecia bem? Argh, essa mania dela de resolver tudo sozinha me deixava maluco!
Claro, isso era tudo que ela sabia fazer desde que chegara a cidade: tentar me enlouquecer, bagunçar a minha vida!
Eu devia aproveitar a chance que a vida tinha me dado e terminar com ela de uma vez, ter minha paz de volta.
Mas quem era eu para negar a verdade?
Me sentei na calçada da minha casa, sabendo que não conseguia mentir para mim.
Eu estava triste e com raiva, porque a última coisa que queria era que ela fosse embora.

POV PIE

Eu não corri atrás dele até lá embaixo. Eu não tinha esse direito. Olhei pela janela e o vi indo embora a pé, meu coração apertado. Senti as lágrimas descerem pelas minhas bochechas e nem tentei limpar.
Me sentei na cama e fechei os olhos, chorando. Eu era uma idiota. Se ele não quisesse mais ficar comigo, teria razão.
Mas eu também tinha as minhas, não? Tinha que acreditar nisso para aceitar o que eu estava fazendo.
Ainda assim eu quis chorar. Ele era uma das melhores coisas que tinham me acontecido, e agora eu ia embora.

🌴💚🌴


- Eu francamente acho que você é doida.
Emma estava de cara feia, mastigando o brownie de caramelo que fazia com que todas nós lembrássemos de Summer.
- Eu só estou tentando fazer o que acho melhor. – Falei colocando outra blusa na mala.
- Eu acho que tem mais coisa nessa sua cabecinha do que está contando. – Jodi observou, séria. Podia ser pequena e gentil demais, mas não era boba.
Suspirei e dei de ombros.
- A coisa toda sobre a minha mãe é verdade, mas também... Eu fiz muita bagunça aqui, sabe? Na vida de todos vocês. – Admiti. – Depois de tudo, acho que talvez seja bom deixar que as coisas se ajeitem, sem mais fofocas ou histórias. Um pouco de paz para todo mundo vai ser bom. Para o também, embora ele esteja com raiva de mim.
- E você quer ficar em paz também? – Ela questionou.
- Honestamente, Jodi, eu não me importaria nem um pouco de lidar com tudo isso para estar com o . Ele é a minha paz. – Sorri. – Vocês são.
- Own! – Jodi me abraçou, emocionada. – Você é tão fofinha!
- A questão é que tem muito mais em jogo do que isso. Eu já tomei minha decisão.
- Se é o que você quer, Pie, nós te apoiamos. – Emma se juntou ao abraço.
- Eu vou sentir falta de vocês. Por favor, não ignorem as minhas mensagens. – Ri.
- Não esquenta. – Ela disse. – No primeiro feriado, vamos baixar em Denver. – Riu. – Droga!
- O que foi? – Jodi quis saber.
- Agora vamos ter que chamar Maya Pé-torto de volta à equipe!
Nós três rimos. Por mais que muitas vezes tivesse desejado ter meus melhores amigos de Denver de volta, a saudade que eu sentiria daquelas duas doidas era inegável, assim como de Summer, onde quer que ela estivesse.
A porta do quarto se abriu.
- Você não pode fazer isso! – exclamou.
Dei um sorriso triste e Jodi estendeu um braço para que ele se juntasse ao novo abraço coletivo. Com os olhos já se enchendo de lágrimas, se juntou a nós. Como na noite anterior, eu chorei.
Quem diria que quatro meses com aqueles desconhecidos me deixariam tão sentimental?

🌴💚🌴


- E então, está tudo aí? – Papai perguntou.
- Tudo certo. – Assenti e fui apontando – Roupas, remédios... Minha passagem está na bolsa tiracolo.
- Tudo organizado. – Ele sorriu.
- Sim.
- Só falta uma coisa. – E papai tirou seu chapéu panamá de cor púrpura da cabeça e o colocou na minha. – Para não pegar sol demais.
Olhei para ele, sentindo uma saudade antecipada. Meu bom, velho e maluco papai, que tinha cuidado de mim tão bem nos últimos meses enquanto escondia o quanto precisava cuidar de si mesmo. Eu não estava tão animada para deixá-lo de novo, mas sabia que ele estaria em boas mãos. Além disso, agora que tínhamos passado mais tempo juntos, eu nunca mais ficaria tanto tempo sem vê-lo. Não aguentaria.
- Você vai mesmo me ver no Natal, não é? – Falei. – Está pertinho e vamos poder brincar na neve.
- Eu não perderia isso por nada.
- E promete que vai tomar os remédios direito? E não vai ficar pegando sol?
- Eu tenho um bom carcereiro, filha. Ele se chama Miguel. – Ergueu as sobrancelhas. Eu ri, me sentindo boba. – Não se preocupe. – Papai me abraçou. – Eu vou me comportar. E vamos nos ver o tempo todo, você vai ver.
- Te amo, pai.
- Eu também, Rainbow. – Ele disse. Depois se afastou. – E o ?
- Não responde mensagem nem me atende. E eu não achei justo obrigá-lo a isso.
Papai assentiu. A porta do quarto se abriu e mamãe apareceu.
- E aí, como está tudo? – Ela se sentou na cama.
- Tudo em ordem para amanhã de manhã.
Ela meneou a cabeça. Depois ficou um pouco mais séria.
- Filha, eu sei que insisti muito, mas não quero forçar você a...
- Está tudo bem, mãe. – Falei. – Sério.
Ela deu ombros. Embora não admitisse aos gritos, sabia que ela estava muito feliz.
- Então tá.
De repente ela bateu na testa.
- Me esqueci totalmente de comprar aquele óleo de cabelo que vimos! – Exclamou. – Droga, eu nunca vou achá-lo em Denver por aquele preço.
- Ainda dá tempo. – Papai olhou o relógio de pulso. – Posso te levar lá de carro agora se quiser.
- Ah, eu quero sim. – Ela se colocou de pé. – , você vem?
Balancei a cabeça de leve.
- Não, podem ir. Eu vou conferir as coisas de novo e comer alguma coisa.
- Então tudo bem. – Papai beijou minha testa e os dois foram embora.
Por alguns minutos fiquei ali sentada, encarando a mala.
Me perguntava como deviam estar as coisas na segunda noite de peça, agora que tinha passado meu papel para Jasmine. Apesar do receio extremo da senhorita Elizabeth quando sugeri aquilo, eu sabia que ela devia estar indo bem.
Desci as escadas, me sentei em frente à televisão e comecei a assistir Irmãos à Obra. Enquanto Drew e Jonathan mostravam mais um de seus projetos mirabolantes à um casal de chatos, comecei a pensar e percebi que eu não podia ir embora daquele jeito, sem pelo menos tentar falar com . Ele já achava que eu não me importava com o que ele achava, e dessa forma eu só confirmaria essa suspeita.
Desliguei a tv e calcei meus chinelos, depois escrevi um bilhete dizendo que já voltava para Miguel, que chegaria mais cedo naquela noite, e deixei na mesinha perto da porta. Eu tinha que tentar.

Com as mãos nos bolsos por causa do vento frio, caminhei rapidamente até a casa dos .
- ! – Meg abriu a porta.
- Boa noite, Meg. O está? – Perguntei ansiosa.
Meg me olhou com uma expressão de comiseração e balançou a cabeça.
- Ele saiu há alguns minutos, querida. Disse que ia dar uma volta e não sei quando vai chegar.
- Oh, tudo bem. – Dei de ombros.
- Sinto muito. Mas fico feliz que tenha passado por aqui antes de ir embora. – Sorriu um pouco. – Encontrei seu pai na rua hoje de manhã e ele me explicou tudo. Depois tentei falar com o , mas ele não quis conversar sobre isso.
- Senhora , me desculpe, mesmo. Eu não queria causar...
- , não precisa se explicar! – Ela dispensou. – Eu entendo o que está fazendo pela sua mãe... E pelo . – Acrescentou de forma compreensiva. – Sei que ele também vai entender quando essa maré de revolta baixar.
Dei um sorriso não muito animado, mas com um pouco de esperança.
- Obrigada, Meg.
- Não demore a nos visitar, querida. – Ela me abraçou. – Quero que conheça Amelie quando ela nascer.
- Pode deixar.

Me afastei da casa dos feliz por ter tentado, mas triste porque não tinha conseguido. Tirei o celular do bolso e fui tentando ligar para até chegar em casa, mas ia direto para a caixa postal.
Tudo bem. Eu não estava com raiva.
Entrei em casa e mamãe já estava se arrumando para dormir. Falei para ela que ia me deitar também.
O dia seguinte traria muitos sentimentos à tona. Eu precisava descansar.


POV

Na manhã seguinte, acordei deprimido. Não quis me levantar da cama na primeira hora, e talvez tivesse ficado mais tempo lá se minha mãe não tivesse batido à porta perguntando se as pantufas dela estavam no meu quarto.
- Bom dia, . – Ela disse, provavelmente achando que minha cara emburrada era sono. – Pode olhar se elas estão debaixo da sua cama para mim? Tirei um cochilo aqui ontem à tarde.
Sem dizer nada, fui até a cama e alcancei as pantufas vermelhas que estavam debaixo dela. As levei de volta para minha mãe.
Finalmente ela me olhou com mais atenção.
- Está tudo bem com você?
- Eu só dormi mal.
- Tem certeza?
Eu assenti.
- Bom, pode voltar para a cama se quiser. Hoje é sábado, afinal. – Mamãe me deu um beijo no rosto e foi embora.
Fechei a porta e me sentei na poltrona da sacada, pensando na noite passada e no que eu ia fazer. Francamente eu ainda não sabia, mas continuava zangado.
Algum tempo depois, vi minha mãe sair com sua roupa de caminhada pela porta da frente. Feliz por estar sozinho – Henry ia trabalhar naquele sábado – desci para comer alguma coisa.
Enquanto colocava leite no cereal, meu celular tocou.
- E aí, cara? foi logo dizendo. – Achei um jogo novo irado, mas só vou conseguir comprar em Jacksonville. Preciso que você me leve...
- A vai embora.
ficou calado por uns dois segundos.
- Mas hen?!
- A vai voltar para Denver com a mãe dela amanhã.
- Mas de onde veio isso?! Como?! Por quê?!
- Ela disse que a Jaqueline precisa dela, sente saudade.
- E vocês terminaram?!
- Não sei. – Passei a mão pelo cabelo. – Eu fiquei irritado demais para lidar com isso ontem. Pode soar egoísta, mas a verdade é que eu estou cansado da levando tudo em conta menos o que eu penso.
- Eu vou falar com ela, ! declarou. – Vou amarrar ela no píer se for preciso!
- Valeu, , mas não esquenta com isso. Devia passar na casa dela para se despedir. Duvido muito que ela vá mudar de ideia.
Com isso, desliguei o telefone.
Estava tocando contrabaixo no quarto, algum tempo depois, quando ouvi a porta bater. Mamãe sempre voltava de sua caminhada e ia direto para baixo do chuveiro, mas em vez disso ela apareceu no meu quarto.
- .
- O que foi? – Perguntei sem olhar para ela e sem parar de tocar.
- Eu encontrei com o Jack na rua. – Ela disse cuidadosa. – Ele me contou sobre a .
Fiz um barulho semelhante a um grunhido e não respondi.
- , eu sinto muito. – Ela se aproximou. – Eu estava tão feliz por vocês.
- Eu sei. Tá tudo bem. – Respondi apenas.
- Você deve subestimar muito a minha percepção maternal. – Mamãe deu uma risada nervosa, fazendo com que eu olhasse para ela. – Eu vi esse mesmo olhar no seu rosto quando eu e seu pai nos separamos, . Sei quando não está tudo bem.
Me dando por vencido, coloquei o contrabaixo de lado e me sentei na cama.
- Se você sabe, por que quer que eu diga? – Perguntei, mas não havia agressividade na minha voz.
- Porque sempre que você decide não dizer alguma coisa, isso se torna um peso eterno nas suas costas, vide o que quer que tenha acontecido com você e a Summer quando vocês entraram na escola.
- Como você sabe? – Me espantei.
- Está subestimando minha percepção de novo. – Ela tocou a testa com o indicador.
- Foi mal. – Suspirei. – É só... Complicado. Eu não sei como reagir. Quer dizer, eu reagi, e reagi muito mal. Dizer que não estou irritado seria mentira, porque eu estou, e muito. Mas também estou triste, e por isso não quero falar sobre isso agora.
- Eu entendo. – Ela assentiu, me abraçando de lado. – Vou te dar um espaço, ok? Se precisar, estou lá embaixo.


Depois do almoço, peguei o carro – que descobri que mamãe tinha buscado depois de conversar com o Jack – e fui até o Rogers. Precisava ocupar minha cabeça para esquecer que Rainbow estava indo embora, então decidi me cansar fazendo trabalho braçal, me oferecendo para carregar caixas de comida e instrumentos.
- Fico feliz que esteja tão disposto a trabalhar, , mas você parece péssimo. – Rogers observou. – Tem algum problema?
- Não esquenta. Só quero ocupar minha cabeça. – Falei.
Rogers assentiu como quem não queria se intrometer e me deixou continuar. Trabalhei até estar suando, e quando percebi que o horário de Miguel estava se aproximando, me despedi e fui embora.
Cheguei em casa e tomei um banho demorado, e depois Henry chegou todo feliz dizendo que ia pedir uma pizza. Como não quis ser mal-educado, me juntei a ele e minha mãe para comer.
- E então, , você não vai até lá ver a ? – Ele perguntou aleatoriamente no meio de uma mordida.
Soltei o pedaço de pizza na hora, fechando a cara. Mamãe arregalou os olhos.
- Querido... – Ela o encarou.
- Oh, desculpe! – Ele disse. – Quer dizer, você me disse que ela ia com a mãe, mas não que eles tinham terminado. – A encarou de volta. – Vocês... Terminaram? – Virou-se para mim.
- Eu não sei. – Falei com um sorriso de escárnio. – Olha, eu já acabei. Valeu pela pizza, Henry. – Me levantei. – Vou dar uma volta na rua.
- Querido! – Mamãe chamou quando eu me afastava.
- Não esquenta, mãe! – Gritei da porta. – Eu tô legal.
Continuei dizendo aquilo para mim enquanto caminhava.
- Você tá legal, .


Caminhei pelas ruas do bairro sem saber bem para onde estava indo por algum tempo. Quando dei por mim, tinha ido parar na Praia da Âncora. Me sentei no mesmo banco onde tínhamos selado nosso acordo, meses atrás.
Me peguei sorrindo, lembrando daquele dia. A filha maluca do Jack, era mais ou menos como eu a via.
Depois de alguns minutos de nostalgia, decidi que tinha que falar com ela de novo. Ela tinha que mudar de ideia. Eu tinha que tentar.
Caminhei de volta até à rua do Jack, tomei coragem e fui bater à porta.
- . – Miguel me encarou da soleira. – Como está?
- Miguel. – Meneei a cabeça. – Eu preciso falar com a .
- Bom, eu acabei de chegar, mas acho que ela saiu com o Jack e a Jaqueline.
- Oh. – Senti meu ânimo morrer. – Tudo bem.
- Sinto muito, . De verdade, eu sinto. – Ele disse. – Mas você sabe, não é? A distância não necessariamente é o fim das coisas. Sou uma prova disso. – Garantiu. – Devia conversar com ela amanhã de manhã.
E dizer o quê? Pensei comigo, me sentindo um tonto de repente.
estava decidida. Ela já sabia o que ia fazer, como sempre.


Ao contrário do que geralmente acontecia quando eu tinha um problema, quis falar com dessa vez. Afinal de contas, nada nunca tinha me deixado daquele jeito, e talvez minha mãe estivesse certa sobre as consequências de não falar o que eu estava pensando.
Meu celular, no entanto, tinha descarregado enquanto eu caminhava, e em vez de voltar para casa e pegar o carro, peguei um ônibus e fui até a casa dos .
- Boa noite, tia. – Falei quando ela abriu a porta.
- Oi, . – A mãe de abriu um sorriso. – Está frio aí fora! Vamos, entre.
- Obrigado.
Entrei na casa, que tinha um clima bem melhor que o lado de fora.
- está no quarto, pode ir até lá.
Deixei a senhora ali e segui pelo corredor, abri a porta do quarto e entrei. estava no computador e olhou para mim, mas em vez de dizer qualquer coisa, me joguei na cama sem ânimo nenhum.
- ! – Ele disse. – Não devia estar amarrando a em uma árvore à essa hora?
- Pensei que você ia fazer isso. – Dei uma breve risada. – Não posso fazer nada.
Algo acertou minha cara, e logo descobri que era uma almofada velha dele.
- Você ficou doido?! – exclamou. – Você não pode deixar ela ir embora assim!
- Você falou com ela. – Me sentei. – Adiantou de alguma coisa?
parecia frustrado, mas não disse nada.
- Tá aí a resposta. – Meneei a cabeça.
O garoto arrastou a cadeira giratória até estar mais perto.
- Isso é diferente, . Eu sou amigo dela, mas a é apaixonada por você. – Insistiu. – Amber teria pulado da ponte por mim. Tem que haver um jeito de fazê-la mudar de ideia. – Socou o braço da cadeira. – Foi uma epopeia para chegarem até aqui, não podem se separar assim.
Dei um longo suspiro.
- Eu só... Não sei o que fazer. – Admiti.
não soube o que me dizer, tão triste que estava.


Naquela noite, me deitei na cama sentindo ao mesmo tempo raiva e tristeza, mas ao mesmo tempo, pensando se tinha ainda teríamos chance depois de tudo.
Ao contrário da noite anterior, quando eu não tinha conseguido pregar o olho direito, eu acabei dormindo de cansaço. E então sonhei.
Eu estava na praia da âncora, de pé, e estava de frente para mim. Era o dia em que tínhamos feito o contrato de namoro falso.

- E então, vai me ajudar? – Ela perguntou.
Fiquei calado por alguns instantes, mesmo já tendo decidido. Era divertido ver a cara de ansiedade dela, e ela bem que merecia, depois da palhaçada em que tinha me colocado.
- Sim. – Falei então.
A empolgação de foi instantânea, e eu até deixei que durasse alguns segundos, por uma mistura de compaixão e sadismo.
- Entretanto... – Fiquei de pé e me afastei alguns passos. – Tenho algumas condições.
A alegria de se transformou em uma careta.
- O que você quer?
- Pra começo de conversa, nosso romance épico tem que ter um prazo de validade, mesmo que seja necessário inventar uma desculpa para acabar tudo. Eu te dou quatro dias.
- Dez.
- Uma semana e não se fala mais nisso. – Determinei.
- Mas isso é tão pouco! – Ela protestou. – O que poderia acontecer de tão terrível em uma semana para acabar com tudo que eu inventei?
- Não faço ideia, mas te aconselho a ir pensando. É pegar ou largar.
- Tudo bem, eu aceito. – Bufou. – O que mais?
- tem que saber. – Meneei a cabeça. – Até mesmo porque ele poderia dar um jeito de estragar tudo se não soubesse.
- Tem razão. – Ela assentiu. – é um perigo. É só isso?
- Tem uma última coisa. – Sorri. – Não vou fazer isso de graça.
- O que é você, um gigolô?! – me olhou indignada.
- Não, sou o cara que vai te salvar de ser eleita a mentirosa do ano com unanimidade.
Depois de um segundo em silêncio de cara amarrada, ela voltou a falar.
- Quanto você quer?
- Bom...

Acordei com um susto, a camiseta suada. Olhei o relógio sobre o criado-mudo. Já eram 9:30 da manhã. O voo de Jaqueline partia às 11:00.
Pulei da cama agitado, pegando o telefone e discando enquanto procurava minha camisa.
- ! – respondeu. – Você foi à casa da ? À essa hora ela já...
- , eu já sei o que tenho que fazer! – Falei com urgência. – Vou precisar da sua ajuda, e rápido.

POV PIE

- Promete que não vai se esquecer de mandar mensagem todos os dias?
Sorri e apertei Jodi com mais força.
- Prometo. – Falei.
- E já sabe – Emma lembrou. – Se as datas não baterem...
- Se as datas não baterem, eu venho para o baile. – Completei.
O barulho alto de Brad fungando chamou nossa atenção.
- Puxa, eu odeio despedidas! – Ele enxugou as lágrimas na manga do casaco.
- Eu também.
Para nosso total espanto, a senhora Slaterton estava logo atrás dele, fungando também.
- Esse frio sempre me dá coriza. – Ela disfarçou. Jodi riu e piscou para mim.
Abracei as meninas mais uma vez.
- Nós vamos nos ver em breve. – Eu disse. – Agora tenho que ir.
Eles acenaram enquanto eu corria para atravessar o parquinho e voltar para casa. Miguel àquela altura já estava terminando de guardar as coisas no carro.
- Estou pronta. – Informei.
- Meu amor... – Papai se aproximou, segurando minha mão. – E quanto ao , conseguiu falar com ele?
- Eu decidi que é melhor dar um tempo ao . – Expliquei. – Eu tentei pressioná-lo para aceitar tudo assim, e é óbvio que ele não quer falar comigo agora. Você sabe que não é tão fácil, então... Vou ligar para ele depois que já tivermos nos organizado em casa.
Papai esboçou um sorriso, meneando a cabeça.
- Tudo bem. Também me parece um bom plano.
Sorri um pouquinho, mesmo querendo que tudo fosse diferente. Ouvi então o som ao qual tinha me acostumado em todo e qualquer horário do dia: os latidos escandalosos de Stevie.
- Ok, agora pode ser que eu chore um pouquinho. – Falei me abaixando.
O enorme dálmata veio correndo, quase me derrubando quando o abracei. Ele me lambeu, o que geralmente me faria brigar com ele, mas não fiz isso. Meu coração estava partido por deixar meu monstrinho sem noção ali.
- Bebezão, você tem que me prometer que vai se comportar, ok? – Falei. – Eu te ensinei o caminho da retidão, não se desvie dele: nada de sujar o lugar errado nem de assustar as visitas, e ração é melhor para o seu estômago que os hambúrgueres do Rogers. – Olhei para seu focinho molhado e senti as lágrimas enchendo meus olhos. Eu o abracei de novo. – Não se esqueça de mim. Não vou demorar a voltar. – Então sussurrei. – Cuide do por mim. Eu te amo.
Miguel se aproximou e segurou gentilmente a coleira dele.
- Vamos, Stevie. Vai ficar dentro de casa até voltarmos.
Quando ele já estava chegando a porta, ela se abriu sozinha.
- E então, vamos? – Mamãe sorriu.
Esperamos que Miguel voltasse, entramos todos no carro e deixamos minha casa, minha amada casa branca encardida, com meu quartinho amarelo e meu cachorro dos sonhos. Enquanto avançávamos pela rua, sentia meu coração deixando pedacinhos pelo caminho como João e Maria fizeram para não perder o caminho de casa.

🌴💚🌴


Quando chegamos ao aeroporto, eu ainda estava recebendo mensagens de Sofia perguntando se eu tinha pensando direito sobre o que estava fazendo. Mais do que seria considerável saudável, respondi.
Mas na verdade, a cada instante que se passava, uma vozinha questionava em minha cabeça se eu não estava maluca.
Recostei a cabeça e respirei fundo. Olhei para o lado. Lá estava mamãe, tamborilando os dedos nos joelhos, toda feliz enquanto conversava com Miguel.
Quem era eu para magoá-la assim?
Se eu não tivesse insistido que estava tudo bem, talvez fosse menos pior, mas eu tinha enchido o coraçãozinho neurótico dela de esperança, e agora...
Não, não dava para voltar atrás.

Alguns minutos mais tarde, papai foi ao banheiro, e mamãe o acompanhou no caminho para ir a lanchonete comprar alguma coisa.
- Oi.
Olhei para cima e ela já tinha voltado. Estava me estendendo um copo de cappuccino.
- Obrigada, mãe. – Sorri, pegando o copo e dando um gole.
Minha mãe se sentou ao meu lado, bebericando seu próprio copo.
- É engraçado ver o Miguel assim, adulto, não é? – Ela riu, empurrando meu joelho com o dela.
Miguel estava sentado a algumas cadeiras de distância, lendo um jornal.
- Quero dizer, acho que não para você, porque você era uma garotinha quando o conhecemos, mas para mim... É o tipo de coisa que faz a gente se sentir um pouco velha.
- Você não é velha, mãe. – Falei.
- Ah, eu sei, só me faz sentir mesmo. – Ela brincou. – Eu também sinto isso quando olho para você às vezes.
Olhei para ela, esperando que explicasse.
- Ah, , é que você já é uma moça, legalmente é até adulta. Eu acho que às vezes não sei lidar bem com isso. – Riu, me fazendo rir também. – Quando você morava comigo, era mais fácil, porque, contudo, eu ainda conseguia desempenhar o meu papel de mãe. Aí você veio para cá e eu esperava que voltasse correndo em uma semana. Para ser honesta, essa ideia até me fazia sentir uma certa alegria. – Admitiu. Depois ficou mais séria. – Só que aí você não pediu para voltar. E logo veio me dizendo que o Jack estava mudado, e então você começou a namorar e eu descobri que você conseguia viver sem mim. Confesso que foi um pouquinho chocante.
- Eu não consigo viver sem você, mãe. – Ergui as sobrancelhas. – Não me force a cantar Frozen.
- Não vai me fazer passar vergonha, .
- Nós éramos amigas de coração... – Comecei desafinada.
- Ah, fica quieta. – Ela tampou minha boca com as mãos, rindo.
Depois de ter certeza que eu tinha parado, ela me soltou.
- Eu só queria dizer que... Eu acho que entendi isso agora. – Ela disse. – Eu sou sua mãe e você sempre vai precisar de mim de algum modo, vide o caos que você criou nos últimos meses, mas... – Ela acrescentou quando fiz careta. – Mas eu não preciso estar grudada em você para ser importante na sua vida. Por isso, se você decidisse ficar com seu pai, eu entenderia. Ele também te ama muito.
- Obrigada, mãe. – Sorri para ela, grata.
Honestamente eu não sabia o que mais dizer.


Cerca de uma hora se passou. Nosso voo decolaria logo, então estava na hora das despedidas finais.
- Obrigada por tudo, pai. – Falei, abraçada a Jack. – Te espero para o Natal.
- Eu estarei lá uma semana antes. – Garantiu. – Sou meu próprio chefe, me dou folga quando quiser.
- Achei que seu chefe era o Rogers. – Miguel disse.
- Ah, vá ver se eu estou na esquina. – Jack riu.
Miguel tomou o lugar dele e me abraçou.
- Até mais, tampinha. – Disse. – Vou cuidar do velhote, pode deixar.
- Valeu, Miguel.
Mamãe e papai estavam visivelmente atrapalhados se despedindo, sem saber se se abraçavam ou trocavam um aperto de mão secreto ou o que quer que fosse. Eles nunca deixavam de ser estranhos.
- Bom, então... Nos vemos no Natal! – Ela disse.
- Por favor, não tente fazer nada para me impressionar. – Ele provocou.
- Ora, como se eu...
- Ah, deixa disso. – A puxou para um abraço. Depois de um instante paradinha feito estátua, mamãe o abraçou de volta.
- Até mais, Jack. – Sorriu.
Depois ela se despediu de Miguel e tomamos o rumo da sala de embarque.
Meu coração batia forte por deixar tudo para trás, eu dizia a mim mesma que não ia chorar. Eu não tinha mais o que fazer.
Foi então que alguém passou correndo e esbarrou em mim, fazendo com que meu chapéu caísse da cabeça.
- Que maluco! – Mamãe exclamou. – Tudo bem, filha?
- Tudo sim. – Falei, me abaixando para pegá-lo.
Mas assim que meus dedos tocaram o objeto, algo forte me atingiu. As lembranças dos últimos meses, da vida que eu tinha construído ali com Jack e todo mundo. E eu não pude me levantar na hora, tão absorta que fiquei. Foi quando meus olhos se desviaram para meu pulso e eu vi a pulseira macramê ali.
- Ah. Meu. Deus. O que eu estou fazendo?! – Arfei.
- , tudo bem? – Mamãe perguntou.
Fiquei de pé e olhei para trás. Papai e Miguel nos observavam a distância, curiosos. Me virei para mamãe mais nervosa que nunca, segurando o chapéu panamá em minhas mãos como se minha vida dependesse disso.
- Mãe, me desculpa. – Falei. – Eu sei que isso vai soar maluco agora, mas... Eu não posso ir com você.
Mamãe piscou uma vez, confusa.
- O quê?
- Eu amo você e sinto falta de vivermos juntas, e sinto saudades de Collie e de Ben e de tudo, mas eu construí uma vida aqui. – Expliquei. – Os últimos meses podem ter sido uma loucura, e as pessoas que encontrei aqui podem ser mais malucas ainda, mas eu acabei de perceber que não sei mais viver sem elas. Eu quero ficar. – Dei de ombros, sorrindo. – Você entende?
Mamãe levou alguns segundos, mas sorriu um pouco, dando de ombros também.
- Eu estaria mentindo se dissesse que não. – Disse.
Eu a abracei com força, tão, tão, tão grata. E foi então que ouvimos um grito. - !

[N/A: É a última vez que peço para vocês fazerem isso, então... Ouçam essa.]

Mamãe olhou para trás e eu também.
Um pouco atrás de onde papai e Miguel estavam, vinha correndo, seguido por , que tinha algo nas mãos. Cerrei as mãos em punho, sentindo-as tremerem.
- ?
- Rainbow. – Ele finalmente nos alcançou.
olhou para mim pelo que pareceu ser uma eternidade. Então pigarreou, chamando sua atenção.
- . – Ele disse então. – Você não pode ir embora.
- ... – Comecei, querendo explicar o que tinha acabado de acontecer, mas ele continuou falando sem permitir que eu o fizesse.
- Você foi... Você foi muito babaca quando decidiu voltar para Denver. – franziu o cenho. – E eu fiquei tão irritado que achei que deveria querer que você fosse mesmo.
- Eu não fiz por mal! – Me defendi.
- Eu sei. Sei que fez isso pensando no que é melhor para todo mundo, e não no que quer de verdade. – Assentiu. – Esse é o seu maior defeito e a sua maior qualidade. – Suspirou. – De todo modo, vim aqui para dizer que você não pode ir.
- , na verdade eu...
- Não adianta protestar. Quero dizer que você literalmente, legalmente, não pode. – Ele sorriu triunfante.
Estreitei os olhos, confusa com aquela conversa. Então deu um passo à frente.
- Vicentini Pie. – Ele disse. – No dia 10 de agosto desse ano, você fechou um contrato com meu amigo , e aceitou uma por uma das condições que ele impôs para participar da sua trama Shakespeariana na Jacksonville Beach High.
estendeu o papel para mim e eu o peguei sem entender. Meu coração acelerou quando comecei a ler.
Era o acordo que tínhamos feito na Praia da Âncora, quando aceitou ser meu namorado de mentira. Estava tudo ali. Palavra por palavra. Mas eu só tinha falado! Não dava para acreditar que ele se lembrasse de tudo a ponto de escrever.
- Reconhece o que está escrito? – quis saber.
Mamãe se aproximou para ver do que se tratava também.
- É o nosso contrato. – Falei. Ele assentiu.
- A última cláusula dele é a única que não foi devidamente cumprida até o momento. – O rapaz continuou. – A última condição que eu determinei para te ajudar, era que você teria que me pagar.
- Você não quis meu dinheiro. – Falei baixinho, já sentindo um nó na garganta.
- Não. – Ele concordou. – Eu disse que em algum momento descobriria o que queria de você, . Eu sei agora.
Esperei que ele dissesse, minha respiração quase parando.
- Eu quero que você fique.
Minhas mãos estavam mesmo tremendo agora. Eu sorri, sentindo as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas.
- É oficial. – voltou a falar, apontando o papel para que eu visse. – Eu e meu pai assinamos como testemunhas, então está legalizado. Se for para Denver agora, vai ter que pagar uma multa por quebrar o contrato. E se depender de mim vai ser presa também. Sabe que eu dirijo uma viatura como ninguém e não me importaria de ir atrás de você.
Comecei a rir, assim como mamãe. Olhei o papel de novo. Logo eu gargalhava, sem conseguir parar.
- Vocês são dois tontos! – Exclamei.
- Por essa eu não esperava. – olhou para , sério. – É muito feio zombar dos sentimentos dos outros assim, sabia? – Me questionou.
- Ai, minha barriga! – Me inclinei, tomando ar. – Tão bobinhos. – Olhei para eles, me recuperando.
estava me olhando confuso, e não parecia nada feliz.
- Eu já tinha decidido ficar. – Confessei, mais feliz do que nunca. – Eu não consegui deixar vocês.
abriu a boca, sem saber bem como partir daquele ponto.
- TODA ESSA TRABALHEIRA PARA NADA?! – reclamou, revoltado. – NÃO PODIA TER NOS LIGADO PARA AVISAR?
Eu voltei a rir.
- Vocês falsificaram minha assinatura! – Exclamei.
- Ah, quem liga? – perguntou, e então ele me beijou.
Mesmo que eu ainda tivesse um motivo bom o suficiente para ir embora, ele teria derretido como neve no verão naquele momento. Eu era uma burra por ter pensado que alguma coisa poderia ser mais importante do que o que eu tinha aprendido a sentir por aquelas pessoas, mais importante do que o que eu sentia por ele. Meu amor pela minha mãe e por Denver eram imutáveis, mas parte do meu coração estava em Jacksonville Beach agora, e era lá que eu queria ficar.
- Francamente, filha, não quero que você vá para cadeia por causa desse documento. – Mamãe disse, erguendo as sobrancelhas.
- Devia ouvir os mais velhos. – deu um meio sorriso.
Ainda rindo, olhei para de novo – os olhos dele refletindo o brilho dos meus.
- Então você fica, Rain? Fica comigo? – Perguntou.
Assenti com veemência.
- Eu fico, babá de cachorro. – E o beijei de novo.
Eu tinha finalmente encontrado o que procurava quando fui para Jacksonville Beach: meu amor de Verão, Outono e quantas mais estações viessem.


EPÍLOGO

- Cadê a pipoca? Vocês morreram aí? – Emma perguntou.
- Toda vez a mesma história. – deu risada, sentado ao meu lado no sofá.
Brad terminou de ajeitar a posição da TV e foi se sentar perto de Jodi Lyn.
- Emma, eu acho que essa espera pelo resultado do SAT está te deixando muito estressada. – Ele comentou. – Quer que eu agende um dia no spa da minha tia pra você?
Emma ficou olhando para a cara dele por alguns instantes, e eu estava certa de que ia xingá-lo. Mas em vez disso ela deu de ombros.
- Não, eu vou ficar bem. Só estou ansiosa. – Respondeu.
Olhei para Jodi, chocada.
- Meu Deus, isso foi uma resposta educada? – Perguntei. – Para o Brad?
Jodi tocou o ombro dela.
- Uau, Emms, estou orgulhosa de você. – Sorriu.
- Vão para a merda vocês duas. – Ela respondeu, nos fazendo rir.
Com preguiça, porque minha posição pertinho do estava muito confortável, me levantei do sofá.
- Vou ver o que esses dois arrumaram. – Falei. sorriu, dando um beijo na minha mão.
estava certo: toda sexta-feira do filme – que agora fazíamos todos juntos – as coisas demoravam a sair. Quando não era alguém contrariando a escolha de filme de Brad, era que deixava para comprar a comida de última hora, ou papai, que de última hora ligava para dizer que ia se juntar a nós, mas ainda estava no caminho.
Mesmo que tivéssemos escapado dessas três possibilidades dessa vez, eu já estava esperando um atraso muito maior devido a ilustre presença de Sofia naquele final de semana. Obviamente, tinha sido o primeiro a se oferecer para ajudá-la com a comida.
- Ah, mas que maravilha, . – Ouvi a voz de deboche de Sofia na cozinha.
- Acho que ainda não era pra ter jogado o milho aí dentro, era? – Ele deu de ombros.
Parei na porta, observando os dois, que estavam de costas para mim.
- Agora vamos ter que comer a de micro-ondas. – A garota concluiu. – Você fica me devendo.
- Bom, eu posso pagar. – Ele enfiou as mãos nos bolsos. – Talvez... Amanhã? No cinema?
Sofia parou de mexer na panela e se virou para ele. Embora estivesse de perfil, eu podia ver a expressão nervosa em seus olhos. Uma expressão um tanto quanto rara para ela.
- Pode ser. – Engoliu em seco, voltando a se fazer de descolada. – Mas eu escolho o filme.
- Fico satisfeito em poder escolher ir com a garota que eu quero. – Ele riu um pouco, olhando para baixo.
Sorri, pensando que nunca, nem em um milhão de anos eu teria imaginado aquela combinação. Mas eles eram tão fofos juntos, de um jeito esquisito como só um relacionamento de poderia ser.
Decidi que era melhor chamar os dois antes que os outros aparecessem e Emma começasse a detonar a imagem de para minha prima.
- Ram-ram. – Pigarreei.
Sofia olhou para mim assustada.
- . – Disse. – Você... Está aí há quanto tempo?
Dei de ombros, me fazendo de boba.
- Acabei de chegar. – Menti. – Só vim falar para vocês andarem logo com essa pipoca, porque estamos com fome.
- Nós já vamos. – Sofia assentiu. – Mas vamos ter que fazer outra.
Enquanto ela abria o armário para pegar outro pacote de pipoca, sorriu para mim, os polegares erguidos em um sinal de sucesso.
- Boa! - Movi os lábios sem emitir som, comemorando com ele.
Deixei os dois ali e me encaminhei de volta para a sala, onde encontrei os outros morrendo de rir.
- O que foi? – Quis saber, voltando ao meu lugar.
- É o comercial da Amber, o da pasta de dente. – Brad disse.
Olhei para a tela da tv, onde Amber Hayley plantava um beijo na bochecha de um garoto esquisito que tinha acabado de conquista-la usando o creme dental da Collins.
- Parece um filme sobre a vida do . – Emma riu.
- Eu ouvi isso! gritou da cozinha.
- Então ouça quando mandarmos trazer a pipoca, seu inútil! – Ela gritou de volta.
Balancei a cabeça, rindo. Eles nunca iam parar de brigar.
- Quem diria que a Amber ia virar atriz. – Brad balançou a cabeça.
- Não força a barra, Winter. – Emma fez careta.
Aquilo tinha sido uma surpresa para todos nós, mas, sim, um belo dia perto do natal – que fui passar em Denver com papai e mamãe – um caça-talentos tinha esbarrado com a já recuperada Amber em uma loja e puft! Desde então, esse era o segundo comercial em que ela aparecia. Meus amigos riam de todos, mas eu estava feliz por ela. Amber ainda me considerava sua amiga e eu tinha aprendido a valorizar isso. Além disso, eu sabia que o trabalho a estava ajudando a esquecer seu amor por e seguir em frente.
- Falando em sucesso, adivinhem quem acabou de ser escalada para participar da campanha da nova coleção de Abbie Valentine? – Emma perguntou, olhando a tela do celular.
Nem precisava juntar dois mais dois para saber de quem ela estava falando.
- É, eu sei. – Jodi disse, e então olhou para mim. – Só não falei antes porque...
- Não tem problema, Jodi. – Sorri um pouco. – Eu não fico chateada. Posso ver a foto? – Pedi a Emma. Hughes estendeu o celular para mim.
Na selfie, Summer sorria, deslumbrantemente maquiada de vermelho e purpurina. Parecia que estava na locação das fotos, e dava para ver que era um dia de sol. Um pouco atrás dela, um rapaz ajeitava uma câmera profissional – deduzi que fosse o fotógrafo, que saiu por acaso. Mas mesmo olhando de perfil, tive a estranha sensação de que já o tinha visto em algum lugar.
- Ela é mesmo linda, não é? – Sorri, e assentiu ao meu lado.
Um dia atrás, ele me contou que Summer tinha enviado uma mensagem a ele perguntando como estava tudo. Sem se estender muito, ela tinha perguntado sobre mim também. Podia não ser uma declaração de perdão, mas eu fiquei feliz por saber.
- Aqui está a pipoca! – e Sofia voltaram.
Minha prima se sentou no chão, ao meu lado, e ele perto dela.
- Agora é bom você comer até explodir, Hughes. – avisou.
- Com prazer! – Emma enfiou um punhado de pipoca na boca.
Brad balançou a cabeça.
- Vocês não têm jeito. – Disse. Jodi, na poltrona, passou a mão pelo cabelo dele e riu.
- Podemos começar agora, gente?! – Perguntei.
- Solta isso logo! – Sofia disse.
Apontei o controle para a tela, para enfim...
- ESPERA! – segurou minha mão, olhando a tela do celular.
- Mas o que foi agora?! – olhou para ele.
- Jack disse que vai assistir o filme também. – O rapaz informou. – Ele está saindo do Rogers.
- Argh! – Emma exclamou, deitando no chão.
- Vão ser mais umas cinco horas de espera. – Jodi deu de ombros.
- Alguém pode fazer mais comida? – Brad perguntou. – Eu já estou morto de fome.
Eu, por minha vez, me joguei para trás, morrendo de rir junto com . Stevie, ouvindo a bagunça, veio da cozinha para se aconchegar aos nossos pés, latindo.
Depois de algum tempo, olhou para mim.
- Ainda tem certeza de que fez a escolha certa ficando com a gente? – Perguntou.
- Eu não poderia ter feito escolha melhor. – Sorri, encostando minha testa na dele.
Era verdade. Minha mudança para a Flórida, desde o começo tinha se tratado de encontrar meu grande amor, e isso eu tinha conseguido: ali, no meio dos meus novos amigos, reconstruindo minha vida com meu pai e vendo ele e mamãe se reencontrando, eu tinha encontrado, de fato, grandes amores, todo tipo deles.
Os imprevistos, às vezes, nos caem bem melhor que os planos feitos.


Fim 🌴



Nota da autora: Eu não sei nem o que dizer agora, escrevendo essa nota no momento em que escrevi finalmente a última frase de Stranger in Paradise – que seria uma coisa, mas mudou na última semana e causou um rebuliço.
Tudo que eu quero dizer é meu MUITO OBRIGADA, VOCÊS SÃO OS MEUS AMORES DE TODAS AS ESTAÇÕES, DO FUNDO DO MEU CORAÇÃO.
Eu nunca teria chegado aqui sem vocês. Cada comentário, cada reclamação, cada mensagem no privado e e-mail que vocês me enviaram contando sobre como SIP parecia estar narrando a vida de vocês... Cada uma dessas coisas foi extremamente importante para mim e me deu força para continuar quando eu achava que esse negócio de escrever talvez não fosse para mim, ou quando minha saúde estava me deixando louca – o que acabou sendo refletido na história no pobrezinho do Jack e atrasando a leitura de vocês HAHA.
Agora posso contar para vocês, sem assustá-las, que passamos juntas por 1042 PÁGINAS! VOCÊS NÃO LERAM ERRADO: FORAM MAIS DE MIL PÁGINAS DE STRANGER IN PARADISE!
Sem vocês nada disso teria sido possível, e por isso minha gratidão é honesta, assim como o carinho que aprendi a sentir por vocês.
Quero também fazer um agradecimento muito especial a Anny Chance, minha beta, que acabou se tornando uma das minhas melhores amigas apesar da distância, e que teve um trabalho danado comigo durante todo esse tempo. Obrigada por cada conselho, cada dica e cada palavra de apoio, e desculpe por todos os atrasos. Eu sei que esse momento é tão importante para você quanto para mim.
Antes que vocês perguntem o que será feito de SIP agora que a fanfic acabou: eu ainda não sei, mas certamente ela não vai ficar deixada de lado. Eu só preciso de férias depois desses anos todos, especialmente para trazer mais coisas em 2019.
DESEJO QUE VOCÊS TENHAM O MELHOR ANO DO MUNDO, A MELHOR VIDA POSSÍVEL.
E não deixem de ficar de olho: logo, logo trarei novidades para vocês.

Um beijo e um abraço de meia hora de duração,
Fanny R.








Nota da beta: EU NÃO ACREDITO QUE MINHA FANFIC MEXICANA ACABOU!! O que vou fazer sem meu namoro falso favorito? Sem minhas líderes de torcida? Sem a Jasmine vilã? Sem o pp mais babaca das fics, sem meu babá de cachorro, SEM O STILES, A MELHOR PESSOA FICTICIA DESSE UNIVERSO?? 😭 😭
Sinceramente, Fanny, eu que te agradeço por essa escrita maravilhosa, por essa história gostosa, divertida, que me trouxe momentos incríveis. Foi tão fácil ler essas mais de mil páginas que por mim Stranger in Paradise seria vitalícia, acompanharia a vida de todos esses personagens até o final porque amei cada um. E creio que eu nunca gostei tanto dos personagens “coadjuvantes” de uma fic como nessa, você mostrou a personalidade de cada um deles e nos fez apaixonar por todos.
Então muito obrigada mesmo, foi um prazer ser beta dessa história linda, um prazer te conhecer, virar sua amiga e te ter pra sempre comigo. Sua escrita é boa demais, você nasceu pra isso e por isso eu vou encher seu saco e te apoiar sempre para escrever suas histórias porque o mundo não te merece, mas você merece o mundo e vai conquistar ele com suas palavras.
Um beijo para todas as leitoras maravilhosas de SIP, que comentam aqui embaixo e que leram minhas notas surtadas hahaha E qualquer errinho na fic, já sabem, só me gritar.
xoxo

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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