TASTE

FINALIZADA.

Capítulo Único

– Mal não vai fazer, .
– Eu não sei quem diabos inventou de contar isso pra ele. – Eu encaixei o segundo brinco na orelha e olhei meu reflexo no espelho, pronta. – É isso aí, hora do show.
– Ele já tá lá na frente.
– Não quero lidar com a galera de antes...
– É uma carona de graça, melhor que pagar Uber.
– Não sei não.
– Vamos, , o Christopher não vai te morder.
Revirei os olhos enquanto era empurrada pela minha irmã para fora do quarto.
– Se eu mandar mensagem, você liga com uma desculpa muito dramática, por favor.
– Não vou ligar, vai curtir o aniversário da sua amiga.
– Eu não quero passar por essa torta de climão.
– Anda logo.
E nós chegamos na porta. Botei um sorriso no rosto e saí de casa, dando de cara com Chris parado do lado do carro, checando o relógio. O brilho no olhar apareceu no momento em que Christopher colocou os olhos em mim.
– Você não precisa se esforçar pra me conquistar de novo, se esse for o caso.
– Para de graça, Chris.
– Felix, pula pro banco de trás. – Ele falou, virando-se para o carro. – Eu trouxe um amigo.
– Você falou como se eu não tivesse conhecido os garotos. E não precisa passar pro banco de trás, Felix, eu até prefiro ir lá.
– Tem certeza? – A voz grave saiu pela janela quando ele desceu o vidro.
– Tenho sim, obrigada.
A viagem até o endereço para a festa de Florence foi vergonhosa, para dizer o mínimo. Ela era prima de Christopher, foi como eu o conheci no final das contas, e era a mais velha do grupo de amigos. O trajeto foi completado com Christopher tentando iniciar uma conversa, eu respondendo com poucas palavras e Felix se questionando o porquê de estar ali, claramente. Nossa história tinha acabado em bons termos, ele precisava de tempo para ficar na Coreia, nenhum dos dois tinha maturidade à época para viver um relacionamento à distância, nossos pais muito menos tinham dinheiro pra ficar fazendo as viagens entre os dois países...
Nós nos gostávamos muito e tudo bem, mesmo que eu não imaginasse o quanto ele iria se esforçar para me ver – nem que fosse por míseros minutos – toda vez que ele fosse visitar a família na Austrália durante os anos seguintes à nossa separação. O problema era o grupo. Depois que ele sumiu de vez, a galera foi se afastando até não restar muita coisa. Aquela noite era como se fosse um reencontro. Eu já estava acostumada com o novo Chris, visto as visitas que eu fazia a Coreia eventualmente para acompanhar um evento ou outro do grupo a convite dele mesmo. Eu já fazia parte da nova vida dele. O resto não. E o resto era imaturo até dizer chega, o que preocupava o pouco de saúde mental que me restava.
Discrição era tudo para Christopher e Felix, o carro popular alugado incluso. Como ninguém investigava muito a família de Christopher, a sorte acertou em cheio e o aniversário aparentemente seria apenas o que foi pensado para ser. Ainda no clima estranho por causa da minha tensão prévia, nós estacionamos um pouco depois do restaurante escolhido para a comemoração e seguimos a pé até a porta. Nossa entrada foi autorizada assim que o segurança checou nossas identidades.
Quase uma hora depois, eu estava sentada na parte menos habitada da bancada do bar, com a energia social completamente esgotada. Nem lembrava que nosso círculo de amizades era composto por tanta gente – ou talvez ignorasse o fato por completo já que ela era extrovertida e eu era o completo oposto. O drink à minha frente, que normalmente me alegraria, parecia imaginário.
Entre as mesas, Christopher era só sorrisos e fotos. Dava até pena observar Felix andando atrás dele como se houvesse algum tipo de cordão prendendo os dois. Até na hora das fotos, eu via que o sorriso não saía natural. Era o pouco de entretenimento que eu tinha enquanto o álcool descia garganta mas não fazia efeito no meu cérebro.
A verdade era que aquilo tudo estava me incomodando demais. Eu sabia que chegar com Christopher na festa ia levantar suspeitas indesejáveis por parte de alguns imbecis – ou seja, a maioria. Ele estava bem com isso, eu não. Notar os olhares eventuais na minha direção me perturbava e eu queria correr para fora do restaurante. Talvez até fosse fazer isso, mas a banqueta ao meu lado foi ocupada e eu me senti coagida a ficar.
– Acho que não sou só eu que to me sentindo um peixe fora da água. – Felix deu um sorrisinho sem graça.
– Bem-vindo ao clube. – Eu ofereci minha taça pra um brinde mas vi que ele estava sem drink nenhum na mão. – Finalmente te deram uma trégua com as fotos?
– O Chris me mandou te fazer companhia.
– Surpreendente é ele ter me visto aqui estando tão atarefado.
– Quem viu fui eu, na verdade. Se ele não estivesse tão bêbado, provavelmente ele quem viria.
– Eu também queria estar bêbada.
– Você parece mais extrovertida quando tá com a gente na Coreia.
– É que eu me sinto mais confortável.
– Uau, to me sentindo honrado.
– Bobo. – Eu balancei o corpo e acertei Felix de leve com a lateral do meu ombro. – Você não vai beber?
– Hoje não.
– Pode ser que ajude a passar o tempo mais rápido, porque o Chris provavelmente vai querer ser o último a ir embora. Se bem que o álcool tá lento pra fazer efeito, então...
– Eu só to querendo evitar a ressaca mesmo.
– Ah, isso... – Eu empurrei o copo um pouco para longe e apoiei a base da minha coluna no encosto do banco. – Como estão as coisas em Seul?
– Bem, vamos entrar em ensaio quando voltarmos.
– Pra turnê mundial de três países?
– Exatamente. – Ele riu.
– Christopher comentou que vocês vão ficar um bom tempo na estrada.
– Você podia ir visitar a gente.
– Eu só vou quando o Chris me convida, que aí ele paga a minha passagem porque eu mesma estou sem um centavo sequer.
– Bem, sou eu que estou convidando agora, então eu pago?
– Relaxa, Felix, é brincadeira.
– Eu to falando sério, você deveria ir.
– Vamos pensar nisso, amadurecer a ideia.
– Por que os meus dois australianos favoritos estão aqui escondidos? – Christopher surgiu atrás de nós, praticamente gritando.
– Porque eu descobri que os nossos amigos são um bando de imbecis.
– E eu porque to me questionando o porquê de ter aceitado vir com você.
– Você sabe o porquê. – Christopher disparou sua risada bêbada favorita e deu um tapinha no ombro de Felix, que não parecia exatamente feliz.
– Aproveitando que você tá aqui... – Eu não quis perder um segundo. – Não precisa se preocupar comigo, eu vou voltar pra casa de táxi.
– Mas ...
– Chris, não é pra mim. Sério. Eu vim, falei com a Florence, fiz meu papel de estar presente, mas cara... Como que a gente não percebeu que o grupo era formado por um bando de filho da puta?
– São as mesmas pessoas de onze anos atrás.
– É aí que mora o problema!
– Sabe do que você precisa? Vocês dois. Ar fresco! Vai levar a até o Hyde Park, Felix, deve ser uns cinco minutos de caminhada até lá. Já virou o lugar de vocês, né?
– O quê?! – Toda possível interpretação que passou pela minha mente naquele instante, tentei atribuir à bebida.
– É, ele não parava de falar quando veio pra cá e vocês se encontraram no Hyde Park.
– Eu acho que você bebeu um pouco demais.
– Vai lá, Felix, já te disse o que você tem que fazer.
– Alguém pode me inteirar da conversa? – Pedi.
– Se ele estivesse sóbrio...
– Eu to sóbrio!
– Claro.
– Eu acho melhor eu ir dar uma volta mesmo. – Disse, por fim. – Você vem, Felix?
– Vai lá, Felix.
O garoto levantou da cadeira revirando os olhos para Christopher, que ria solto com o álcool dominando suas faculdades mentais. Arrependidos de termos comparecido à celebração, nós dois tropeçamos para fora do restaurante, direto na calçada da rua Riley. O segurança olhou para nós, mas não notou muita coisa depois de ver que estávamos com as pulseiras do evento fechado.
– Hyde Park então?
– Tá virando um hábito. – Eu brinquei, virando para a direita e começando a caminhar lentamente na direção do parque.
– Daquela vez, foi por acaso, eu juro.
– Então você não estava me perseguindo por aí?
– Não, não. – Ele riu baixinho enquanto virávamos a esquina para a rua William, as mãos dentro do bolso da calça.
– Poxa, tava até já criando a fanfic na minha cabeça... Um idol secretamente apaixonado por mim, fazendo comigo o que as fãs fazem com ele... Será que você é meu sasaeng?
– Você não tá passando tempo demais na internet?
– Talvez?!
Felix não respondeu, só riu. Eu estava um pouco alegre por causa da ainda baixa dose de álcool, com a situação melhorada pela saída do ambiente em que estávamos, a combinação perfeita para falar gracinhas.
– Eu posso pedir um spoiler da turnê?
– Claro, vá em frente.
– Vocês vão cantar Lonely Street?
– O setlist ainda não foi montado, mas acredito que sim. – Ele falava enquanto eu reparava nas duas garotas mais novas que eu vindo na nossa direção na calçada.
– Felix, – Eu sussurrei. – acho que você talvez precise colocar o capuz.
Ele fez como eu pedi sem questionar. Não sei se as garotas teriam notado, talvez não, mas o risco não valia a pena. Eu sabia bem o problema que poderia derivar de um reconhecimento no meio da rua. Podia dar tudo certo, mas podia dar tudo errado, e eu ainda acreditava que era melhor prevenir que remediar. Em silêncio, nós seguimos alguns outros passos até não ter mais ninguém por perto novamente. Felix, no entanto, manteve o capuz.
– O Chris tá muito bêbado pra me fazer promessas, então eu preciso contar com você pra jurar que vai dar um jeito de botar essa música no setlist.
– Só você pra gostar tanto de uma música triste.
– É uma música boa, e não ouse falar da minha queridinha.
– Eu não ousaria, gosto dela também.
Mais uma passos foram dados, nós dois sem dizer uma palavra enquanto eu, inconscientemente, cantarolava um pedaço da música, mil pensamentos correndo pela minha mente em uma fração de segundos.
– Vocês estão tendo tempo pra descansar? – A pergunta escapou.
– O que é descanso?
– Quando você faz algo além de trabalhar.
– O que é ‘além de trabalhar’?
– Felix!
– Já foi pior, se serve de consolo, então tudo bem.
– Eu me pergunto como vocês tiveram tempo de vir até a Austrália.
– Teoricamente, o Minho e o Hyunjin ficaram doentes e tivemos que suspender a programação.
Teoricamente?
– Você conhece um pouco dos dois. – Ele riu e eu acompanhei. – Enfim, é por isso que viemos de supetão e vamos voltar logo também.
– Quando?
– Depois de amanhã.
– Me faz questionar se valia a pena a viagem.
– Encontramos você, o Chris viu um monte de amigo antigo, eu vou passar a noite na casa dos meus pais em vez de um hotel qualquer... Então valeu a pena.
– E você tá com a gente em vez de estar com seus pais.
– Meus pais são menos teimosos quanto a ir pra Coreia. Já você...
– Não é teimosia, é trabalho.
– Você deveria ir, de qualquer jeito. Pelo menos, pro show de abertura.
– Bem, vou pensar nisso. Mas posso ser convencida...
– Como?
– Lonely Street. – Respondi rápido e Felix riu de novo.
Nós dois dávamos os primeiros passos dentro do Hyde Park, no caminho da rua College para o chafariz do jardim memorial de Sandringham. Parecia combinado previamente, nós fomos andando na direção do pergolado sem perceber que o outro mirava o mesmo objetivo. O parque não estava cheio, o que era bom. O chafariz geralmente atraía crianças, mas não naquela noite. Talvez fosse culpa do horário, talvez fosse culpa da sorte. De um jeito ou de outro, um pouco de paz seria amplamente apreciado depois do estresse da convivência com o pessoal da época do colégio.
Eu me sentei primeiro, Felix se sentou ao meu lado. O ponto em si era pouco iluminado. Aranhas estavam à espreita, com certeza, prontas para me fazerem gritar de susto ao menor sinal de vulnerabilidade. Eu ainda preferia as aranhas a pessoas.
– Você vai fazer o quê amanhã de manhã?
– Sábado? Dormir um pouco mais, me arrepender de algumas decisões, comer besteira no café da manhã e assistir série. E você?
– Ia só ficar em casa mesmo, sem nada em mente, mas acordar tarde é uma boa ideia. Eu até pensei em jogar, mas o notebook ficou na Coreia, achei melhor não trazer. Aí o Chris veio com essa de que você chamou a gente pra ir até Bondi depois do almoço e...
– Oi?! – Eu levantei uma sobrancelha. – Ele me disse que você chamou, falou pra eu ir direto pra praia que vocês dois me encontrariam lá.
– Ele me disse exatamente a mesma coisa.
– Mas eu não... Merda.
– Acho que a gente vai descobrir que ele tá aprontando alguma coisa.
– O Chris nunca faz isso. – Ironizei. – Você ainda vai?
– Você vai?
– Bem... Acho que sim. De um jeito ou de outro, eu to curiosa pra saber qual gracinha ele vai inventar dessa vez.
– Então eu devo ir também.
– Isso seria seguro? Quero dizer... Sabem que vocês estão na Austrália a passeio.
– Tá fazendo menos de 20ºC, deve estar vazia.
– Bondi nunca tá vazia.
Menos cheia. – Felix riu de novo.
O som era confortante, de alguma forma, fosse pelo tom grave na risada sempre profunda ou pela forma como os olhos dele se desconectavam do mundo nessas horas. Eu sorri em resposta.
– Chris disse que você tá gostando de uma garota e não quer assumir.
– O quê?! – Ele pulou no banco, o humor mudando por completo de uma hora para a outra. – Esse filho da puta anda falando demais.
– A julgar pela sua reação, não é mentira.
– Você mesma acabou de assumir que ele gosta de inventar besteira.
– E você ainda não negou, bobinho.
Felix suspirou, não me respondeu.
– Eu conheço ela?
– Não, não vamos ter essa conversa.
– Quando foi a sua vez de questionar meus sentimentos pelo Chris, tava tudo certo, né?
– Ele é nosso amigo em comum! Foi porque vocês tiveram um relacionamento que eu conheci você, aliás.
– Então eu não conheço a garota. – Sorri, sentindo-me vitoriosa.
– Isso não quer dizer nada.
– Você quer dizer que eu conheço a pessoa em questão então?
– Não, só quero dizer que nós acabamos conversando sobre o Christopher na vez que a gente se encontrou aqui por acaso, porque ele é o que nos... Une.
– Quando você fica nervoso, você fica tão fofinho... Ainda mais com o cabelo preto, muito melhor que loiro.
– Não to nervoso.
– Duvido. – Eu ri. – Será que é o Hyde Park? Porque você tava nervoso daquela vez também. Ou... Será que sou eu?! Felix, você fica nervoso porque tá perto de mim? Mas eu não mordo, eu juro!
– Acho que você tá um pouco bêbada também.
– Talvez, mas não o suficiente pra não saber as besteiras que estão saindo da minha boca.
– Você e o Chris devem ser irmãos e não sabem.
Eu senti o celular vibrando no meu bolso, uma ligação. Puxei o aparelho e olhei para a tela.
– Falando nele... – Mostrei o telefone para Felix.
Mas antes que eu atendesse, a ligação caiu, revelando a notificação de uma mensagem. A figurinha de um casal junto com um coração se repetia pelo menos dez vezes na conversa. Christopher estava online e digitando, então não estava mais. Curiosa, eu continuei atenta sem perceber que Felix estava ao meu lado, espiando de canto de olho, quando chegou uma enxurrada de GIFs dele mesmo nas filmagens do vídeo de God’s Menu, levantando as duas sobrancelhas enquanto mordia o dedo polegar. A tela mostrou que ele estava digitando novamente e eu, com mais medo que qualquer outra coisa, não sei como fiquei presa ali até as mensagens chegarem.

and Felix
Sitting on a tree
K
I
S
S
I


Eu bloqueei a tela antes do restante chegar. Não precisava. Parte porque eu já sabia o final daquela cantiga idiota, parte porque eu já tinha entendido. Parecia que eu estava sentindo uma pontada no meio do meu estômago.
– Felix? – Minha voz quase não saiu.
Ele estava travado ao meu lado, para não dizer mortificado.
– O Christopher tá bêbado.
– Conveniente.
– É verdade.
– Felix...
– Eu... Eu não...
Depois de quase meia década desde que eu conhecera o grupo, era a primeira vez em que eu via Felix fora do seu sempre tão bem humorado ambiente. Seus ombros caíram ao meu lado e eu suspirei. Não tinha palavras pra continuar aquela conversa de jeito nenhum.
– Eu contei pro Christopher quando voltei da minha última viagem, quando a gente se encontrou aqui. Não disse nada porque eu estava com medo de ter meu coração partido novamente. – Felix disse, baixo, e eu me perguntei se eu deveria ouvir aquelas palavras. – Você vê... Às vezes, você pode confiar em uma pessoa e então, quando as coisas estão ruins, se esquecem de você. Eu só tenho medo de que, se eu realmente confiar em alguém, vou ter meu coração partido.
– E eu parti seu coração?
– Não. Não você. Outra pessoa.
– O que eu tenho a ver com isso tudo, Felix?
– Você... – Felix hesitou. – Eu... Eu acho melhor eu ir pros meus pais.
Ele se levantou, ainda incerto, e deu as costas para mim.
– Felix! É uma pergunta simples.
– Mas a resposta não é.
– E você vai fugir só por causa disso?
– Ficar também não é fácil.
– Qual é, nós não somos duas crianças. Não mais. E isso já faz muito tempo.
– Você é ex dele.
– E daí? Só por isso, não posso fazer mais nada com a minha vida romântica? Vou encomendar um cinto de castidade na Amazon amanhã.
– Eu sou amigo dele.
– Mesmo que nós tivéssemos idade pra estar em um relacionamento há onze anos atrás, o que definitivamente não era o caso, não estamos mais juntos e nossos sentimentos um pelo outro estão muito bem definidos como uma sólida amizade. Sou tão amiga do Chris quanto você é, Felix. Mas ok. Se você não quer me dizer o que tá acontecendo, beleza. Ir embora pra casa tava parecendo uma ideia atraente, de qualquer forma.
– Não fala assim... – Ele murmurou enquanto eu levantava.
– Vou falar de que jeito se você vai responder absolutamente tudo com “o Chris é seu ex”?
– Eu só queria que você entendesse como é confuso.
– Realmente, é difícil entender quando você não explica. – Cruzei os braços.
– Como você acha que meus neurônios ficaram quando eu fui contar pro Chris, me sentindo culpado por gostar de alguém que já namorou o meu melhor amigo, com medo da reação dele, e ele começou a me empurrar pra cima de você?
– O Chris começou a te empurrar pra cima de mim?!
– Eu falei que era confuso.
– Tá, tá bom... Onde entra a minha parte nisso tudo? Por que ninguém falou uma palavra sequer comigo?
– Medo. – Os ombros dele caíram. – Eu preferia não falar nada a ver você me rejeitar. E tudo bem assim, você é uma pessoa incrível e não só eu mas todos os garotos adoramos você, do jeito que você é.
– Não estamos falando dos outros garotos aqui. – Eu disse e suspirei.
– É, eu sei.
– Aquele dia em que você esbarrou comigo aqui no Hyde Park...
– Foi por acaso, eu juro. Dali pra frente que as coisas começaram a mudar.
– E o Chris sabia esse tempo todo?
– Desde que eu voltei pra Coreia, sim.
– Filho da puta... – Eu murmurei e sentei de volta no mesmo banco.
Felix assistia a cena travado, sem saber o que fazer. Eu notei quando o seu corpo pareceu querer seguir de volta para o banco e sentar ao meu lado, mas era como se ele estivesse sob um feitiço, imobilizado.
– Haja álcool pra colocar as coisas nos eixos agora.
– Me desculpa.
– Você não tem pelo quê se desculpar, Felix. Só... É que... Caralho, é confuso mesmo.
– Não é melhor que eu vá embora? – Ele perguntou.
– Eu acho que é melhor que a gente resolva o que tiver pra resolver, pra ser sincera. Ou o desenrolar disso tudo só vai piorar as coisas.
– O que tem pra resolver?
– O que não tem pra resolver? – Eu bufei. – Eu não sei o que te dizer.
– Se você puder dizer que não sente raiva de mim, já vou ficar bem feliz.
– É claro que eu não sinto raiva de você, Felix, que ideia!
Ele sorriu, um sorriso pequeno mas, ainda assim, um sorriso. Parecia um pouco satisfeito. Então Felix voltou a sentar ao meu lado. Nós dois observamos em silêncio os movimentos que as duchas do chafariz faziam um pouco à nossa frente, algumas poucas crianças entretidas com o espetáculo sob a luz fraca dos postes. O primeiro toque da mão de Felix na minha foi como se um bicho estivesse andando por ali, e eu talvez não teria reagido muito bem se não tivesse visto com os meus próprios olhos que ele estava aproximando a sua mão de propósito, lentamente.
Nossos dedos esbarraram uns nos outros, o que levou uma eternidade, longos minutos, até que ele pareceu desistir. Sua mão estava escapulindo para longe quando eu avancei a minha própria mão e segurei na dele por reflexo.
...
– Não pergunta. – Eu o interrompi sem tirar os olhos do chafariz.
– Se você quiser, a gente pode voltar pro restaurante.
Eu virei para ele com a maior cara de deboche que consegui colocar, mas o desprezo deu lugar ao espanto quando Felix avançou na minha direção, sem me dar tempo de reagir. Com a mão ainda na minha, ele apertou meus dedos e, lá longe, dava para sentir que ele estava tremendo bem pouco. Felix recuou em menos de dez segundos. Meus olhos surpresos encontraram os dele, curiosos, enquanto eu ainda processava o gosto sutil dos seus lábios.
– Felix, a gente...
– Desculpa, – Ele me interrompeu prontamente. – eu sei que foi impulsivo e que você é...
– Eu só ia dizer que isso vai virar um problemão se te virem aqui. – Sussurrei, interrompendo-o de volta. – Estamos em público ainda, caso você tenha esquecido.
– Então é só isso?
– Só, eu acho.
– Se você quiser, nós podemos ir pra casa da minha família. O térreo é meio abandonado, tem acesso pros outros andares por fora, minha família nem passa lá. Tem uma sala com sofá e... Mas é só uma sugestão, você não precisa ir se você não quiser, é só que... Pode ser na sua casa também, não tem problema porque... Você tá certa, a gente tá em público. É, talvez seja melhor a gente voltar pro restaurante e... Bem, o que você quer fazer?
Eu olhei para ele e sorri pela primeira vez depois do súbito beijo.
– Minha irmã até tá fora essa noite, mas minha mãe tá em casa e, se você não quiser ser atacado com muitas perguntas inconvenientes e você achar que tá tudo bem, eu não me importo de ir pra sua casa.
– Eu acabei de lembrar que ia levar o Chris embora, na verdade, porque ele tá bebendo. Com certeza, já passou do limite máximo. Lembrei disso agora.
– Bem, eu posso mandar uma mensagem pra ele. – Mostrei meu celular. – Ele parece estar interessado em nós dois de qualquer forma, deve visualizar logo.
– Tudo bem.
– Você pede um carro enquanto isso?
– Pode ser. – Ele pegou o próprio celular enquanto eu digitava a mensagem avisando Christopher. – Tem um carro aqui perto, vamos indo pra rua?
– Claro. – Disse e levantei.
Nós caminhamos em silêncio até lá. O carro chegou e, da mesma forma, nós continuamos em silêncio. Levamos pouco menos de quinze minutos até a casa. A frente era incomum para o padrão arquitetônico australiano, todo fechado com um portão de garagem e outro para pedestres. Felix abriu o maior, me dando passagem primeiro. A garagem tinha um carro mas, de resto, estava completamente vazia. Eu estava inconscientemente andando na ponta do pé, procurando não fazer barulho algum. Andamos até uma porta enorme de vidro que dava para um jardim interno, acessível depois de subir cinco pequenos degraus.
Todos os detalhes eram muito bem desenhados, eu pude notar do pequeno caminho no gramado até a sala de estar cuja porta de correr gigantesca Felix se apressou em abrir parar mim. Eu devia estar parecendo completamente embasbacada, e talvez estivesse. O cenário era o sonho de qualquer designer de interiores.
– Pode sentar onde você achar melhor. – Ele disse e eu escolhi o grande sofá do outro lado da sala, de frente para a televisão.
– Aqui era a fábrica da Oh Boy Candy?
– Era. Como você sabe?
– Esse trabalho foi uma lenda na faculdade. Foi um professor meu que fez, eu quase fiz parte do projeto mas já estava de saída e não ia concluir antes de me formar.
– Você foi aluna do Ethan Watson?
– Sim, fui. – Eu olhei para Felix, curiosa. – Foi sua família que reformou a propriedade?
– O sonho da minha mãe era ter uma casa grande, espaçosa, e aqui tava anunciado por um preço absurdamente baixo. A mãe de um amigo da minha irmã tinha contato com o seu professor, ele orçou um projeto, eu gostei, fizemos e é isso.
– Ficou lindo, Felix.
– Sim, ficou, mas eu não tive nada com isso. – Ele riu. – Eu só paguei.
– Considerando o tanto que você trabalha pelo dinheiro que você ganha, é uma parte importante do processo.
– Você quer alguma coisa pra beber? Eu vou lá em cima rapidinho pra beber um pouco de água. Você pode ir também, se quiser, mas a minha mãe tá lá.
– A sua mãe morde?
– Não, é que...
– Eu to brincando. – Interrompi antes que ele ficasse todo atrapalhado de novo. – Eu to bem, obrigada.
– Acho que tem alguma cerveja perdida na geladeira.
– Chega de álcool por hoje.
– E um lanche? A gente pode pedir alguma coisa também. Não sei se você ainda tá com fome, você mal comeu no restaurante.
– Eu vou olhando as opções enquanto você pega a sua água.
– Pode ser. – Felix sorriu, nervoso e sumiu pelo corredor logo atrás de mim, à minha direita.
Ainda abstraída pela decoração da casa, eu comecei a olhar em meu celular quais restaurantes entregavam ali na área. Fiquei perdida, em algum momento, entre os aplicativos de delivery, as mensagens de Chris e algumas notificações aleatórias. No final dos curtos minutos, Felix estava de volta e eu não tinha chegado a nenhuma conclusão.
– E então? O que vamos comer?
– Eu acho que não estou com fome, na verdade.
– Tudo bem. Eu posso ir lá em cima fazer uma pipoca de micro-ondas se você quiser.
– Se é o que você quer comer, tudo bem, mas não precisa fazer isso só por minha causa.
– Ah... Tudo bem então! Quer jogar? Eu tenho uns jogos no notebook. Ou podemos ver alguma coisa.
– Aceito os jogos.
– Certo. – Ele coçou a cabeça. – Vou pegar as coisas aqui no meu quarto e... Eu já volto.
Dois segundos depois de ele sumir do meu campo de visão, eu levantei. Acredito que ele não tenha escutado meus passos, até porque eu estava propositalmente andando devagar. Levei longos segundos até estar por perto de novo.
– Só me dá um minuto, – Ele ainda falava alto, achando que eu ainda estava na sala. – preciso achar o carregador.
Observando Felix enrolado com suas bolsas largadas no chão, eu encostei no batente da porta. O estranho silêncio na ausência de resposta deve ter me denunciado. Felix parou o que estava fazendo e olhou para trás de repente.
– Se você vai me ignorar, Felix, e fugir de explicar o que foi aquele beijo, você precisa tentar se esforçar um pouco mais.
– Eu não to te ignorando.
– Então para de procurar esse suposto carregador nas suas bolsas. – Eu sorri. – To vendo daqui, tá na tomada.
– Ah, eu esqueci. – Felix foi na direção do carregador.
– Você tá me ignorando de novo.
Os ombros dele caíram. Felix endireitou sua postura e virou para mim.
– Eu não sei o que dizer.
– Talvez seja um bom começo se você me disser exatamente o que te levou a me beijar.
– Acho que eu só... Sei lá, parecia que eu não tava tomando minhas próprias decisões.
– Então você não queria? Bom saber.
– Não, não é isso.
– Então o que é?
– É uma longa história.
– Eu tenho tempo, não se preocupe.
– Pra ser sincero, eu não sei o que te dizer. Eu te beijei, eu queria ter te beijado, o clima ficou estranho depois e é isso.
– Basicamente?
– Basicamente.
– O clima vai continuar estranho então? É isso que você decidiu? Que o clima vai ficar estranho daqui pra frente e tudo bem, a gente se vira com as próximas vezes em que nossos caminhos se cruzarem.
– Me surpreende que você ainda queira me ver depois de hoje.
– Qual é, Felix, somos amigos antes de tudo.
Amigos…
– Não foi isso que eu quis dizer. Mas se insistir tá te incomodando tanto, tudo bem, eu peço um carro e vou pra minha casa.
– Por favor, não.
– Então dá um jeito de me contar o que tá acontecendo.
– O que tá acontecendo é que eu gosto de você. – A voz ficou mais grave, e eu me perguntei se eu acreditava mesmo que aquilo era possível. – É isso. Acho que não tem mais o que desenvolver. Eu gosto de você e queria ter beijado você. Talvez teria beijado antes se tivesse a chance, mas... A gente só se viu uma vez desde então, e eu não ia tentar te beijar na frente de todo mundo se existia a chance de ser rejeitado.
– Você não precisa falar se você não quiser, mas seja lá quem te magoou, eu não sou essa pessoa.
– Eu sei. – Ele disse, desanimado, e sentou na cama, fazendo com que eu sentisse uma súbita vontade de deixar o meu lugar e caminhar até ele para sentar ao seu lado.
E assim eu fiz. Em silêncio, sem trocar mais nenhum olhar, curiosa e tensa ao mesmo tempo. Como longos minutos antes, nossas mãos foram uma na direção da outra como se acontecesse naturalmente, sem qualquer ação intencional.
– Só estamos nós dois aqui agora, não tem chance de você ser rejeitado na frente de todo mundo. E então?
– Quer dizer que você vai me rejeitar, só que no sigilo?
– Não, idiota. – Eu olhei para ele. – Eu vim com você até aqui, não vim?
– Veio.
– Você nunca vai conseguir olhar pras coisas de forma positiva, Felix? Eu sou muito menos inalcançável que você.
– O que você quer dizer com isso?
– Quero dizer que você poderia ter falado e tudo bem. Você é um garoto legal, eu seria uma idiota de não dar uma chance.
– Eu acho que não to entendendo nada.
– Só... – Eu suspirei, perdendo as palavras. – Eu to aberta ao teste. Não estou te dizendo não.
Demorou uns segundos, mas um sorriso pequeno apareceu no canto dos lábios de Felix.
– Então a idade não é um problema? Quero dizer, eu sou mais novo que você.
– Por três anos, Felix
. – Achei que mulheres gostassem de homens mais velhos.
– Minha prioridade é encontrar alguém que seja legal, idade é o de menos.
– Então eu sou legal? – Ele levantou uma sobrancelha. – Legal!
Nós dois rimos da gracinha que ele falou.
– Acho que eu vou insistir na pipoca. Vou lá em cima e já volto, você pode ir escolhendo um filme enquanto isso. – Felix se esticou para pegar o controle remoto da televisão antes de entregá-lo na minha mão.
– Tudo bem então, eu te espero.
– Quer alguma coisa pra beber?
– Só água, bom que me ajuda a mandar o pouco resto do álcool embora.
– Já volto então.
Eu tomei a iniciativa de arrancar meus sapatos e sentar no topo da cama, enfiando minhas pernas debaixo da coberta. Abri o catálogo de um dos aplicativos e dei de cara com a estreia do novo filme da saga Predador. Deixei pronto para começar quando o meu celular vibrou, Christopher avisando que tinha chegado na casa da família dele são e salvo, e justificando ter deixado a festa cedo porque não era tão divertido sem eu e Felix por lá. Eu sorri para o celular e digitei uma resposta breve, abrindo a conversa com minha mãe logo em seguida para avisar que eu chegaria bem tarde em casa mas estava com um amigo – sem muitos detalhes, mandei a minha localização para tranquilizá-la e deixei o celular de lado. Pouco tempo depois, Felix chegou com uma bacia enorme.
– Você chamou quantas pessoas? – Eu perguntei de imediato, os olhos arregalados na direção do pote.
– Digamos que eu não sei calcular o quanto de milho tenho que colocar na pipoqueira.
– Ah! Digamos…
– Tudo bem, eu definitivamente não sei. – Ele riu e, tirando o próprio sapato, caminhou até o meu lado para deixar uma jarra de água com copo plástico na mesa de cabeceira. – Trouxe sua água.
– Obrigada, vai ser útil.
– Achou alguma coisa? – Felix apontou com a cabeça para a televisão, dando a volta na cama king size enorme novamente.
– Você viu o último filme do Predador?
– Não, tava querendo ver.
– Então escolha feita.
– Pode dar play então. – Ele disse e levantou da cama.
– Onde você vai?
– Apagar a luz, ué.
Felix fez como disse que faria e sentou ao meu lado, também enfiando as pernas por debaixo da coberta. O filme começou e nós mergulhamos nossas mãos na pipoca infinita. Eu juro que não foi má intenção ou desinteresse pelo filme. Tudo estava muito bom, principalmente a fotografia, mas eu senti Felix murchando ao meu lado e eu parecia não ter controle sobre meu próprio corpo enquanto murchava na direção dele também. Aos poucos, meus olhos foram fechando e o quarto foi ficando escuro demais. O balde enorme de pipoca, já pela metade, ficou ali no meio como se assistisse a cena patética.
Chequei o celular em um pulo quando acordei no meio da noite, já passava das três da manhã. Meu primeiro instinto chamou pela minha mãe, que poderia estar me esperando ainda. Não havia mensagem dela, mas eu expliquei que tinha apagado sem querer mas que estava tudo bem. Felix respirava fundo e parecia um anjo do meu lado. Na ponta do pé, eu levantei da cama e fui na direção do banheiro, pronta para lavar o rosto e pensar em uma forma de sair dali.
No espelho, eu quase não reconhecia meu reflexo sóbrio que, em silêncio, questionava a evolução dos acontecimentos daquela noite. Eu escutei a cama ranger, denunciando um movimento de Felix, mas ignorei. A porta estava aberta e a luz acesa, afinal, então acordá-lo não era exatamente um desafio.
– Tá tudo bem? – Ele sussurrou na entrada do banheiro, esfregando os olhos. – Desculpa, eu acho que dormi.
– Nós dois dormimos. – Olhei para Felix através do reflexo no espelho.
– Você precisa de alguma coisa?
– Acho que só de alguns segundos pra eu me situar. – Ri. – As coisas estão um pouco confusas. Mas ainda existe uma lembrança bem distante na minha mente sobre você ter me beijado.
Felix, nervoso, riu também.
– Eu também lembro disso. Vagamente.
– Sabe o que eu lembro também? De você fingindo que não me beijou e que não tinha nada pra gente resolver.
– Não foi isso.
– Então o que foi?
– É que essa noite é mais importante pra mim do que eu saberia explicar. Mas acho que você já sabe disso.
– Hm... Estamos progredindo. – Deixei de encará-lo através do reflexo para virar de frente para Felix. – Ainda assim, se eu não te conhecesse, ia achar que você tá brincando comigo.
– Claro que não. É só que...
– É só que...?
– Eu acho que to confuso demais, covarde demais pra diminuir o espaço entre nós dois de novo.
Uma risada escapou dos meus lábios, curvados em um sorriso.
– Não deixe que esse seja o problema. – Sussurrei.
Um pouco sonolenta ainda, eu estiquei minha mão na direção de Felix, que logo esticou a sua também. Talvez aquilo tenha lhe dado a coragem necessária para me puxar para ele de novo, mas sei que quem iniciou propriamente o beijo fui eu. Nossas mãos, unidas ao lado dos nossos corpos, se apertavam em um misto de tensão e euforia. Se eu escorregasse, ele me pegaria, e a recíproca era verdadeira. Mas tudo que era bom precisava de um ponto final.
– Felix...
– Desculpa.
– Eu preciso ir pra casa.
– Não vai. – Ele levou uma mão à lateral do meu rosto. – Por favor, fica.
Os olhos, a milímetros de distância, me encaravam como se fossem capazes de me atravessar por completo. Aquilo espalhava reações inexplicáveis pelo meu corpo.
– Fica.
– E se você simplesmente voltar a...?
– Eu não vou. – Felix ergueu meu rosto. – Eu prometo.
Seu polegar acariciou minha bochecha enquanto ele me tomava em mais um beijo. Eu não sei exatamente como mas, de alguma forma, no quarto iluminado pela luz do banheiro, nós chegamos até a cama. Felix se sentou no colchão, e como ele não era tão mais alto que eu, precisei praticamente me inclinar sobre seu corpo para não cessar o beijo. Ele soltou a minha mão e o meu rosto, suas mãos indo para a minha cintura enquanto eu, inconscientemente cedendo a um desejo que nem sabia que tinha, deixava um joelho de cada lado de seu corpo.
Uma de suas mãos escorregou para o meu quadril, eu levei uma das minhas até sua nuca e aos fios de cabelo um pouco compridos. Foi inevitável que houvesse certo desequilíbrio em algum momento, e o corpo de Felix tomou de vez na cama, o meu logo acima dele enquanto nós dois, ainda presos no beijo inquebrável, ríamos da nossa situação. Por um segundo, eu esqueci completamente que havia outra pessoa no andar de cima, e acho que ele também.
– Acho que isso é pior que eu simplesmente aparecer na frente da sua mãe.
– O quarto dela fica em cima da sala de estar daqui de baixo. – Ele sussurrou. – Não tem problema.
Ali, com os hormônios em pleno surto, ouvir a voz de Felix tão grave e tão baixa espalhava um arrepio sedutor por toda a extensão da minha pele. As sardas me encantavam e os lábios me atraíam de tal forma que eu poderia culpar o álcool, mas sabia que estava mais sóbria que nunca, apenas olhando para ele com os olhos de uma mulher inebriada pelo desejo. Parecia loucura ceder? Sim. Mas parecia mais loucura ainda fingir que, naquele lugar e naquele instante, eu não queria, independente do que aconteceu antes ou do que aconteceria depois.
Sustentei meu peso enquanto podia, a concentração focada em não só sentir o gosto suave dos seus lábios como também das pontas dos seus dedos explorando meu corpo, mesmo que de forma contida. Felix estava com vergonha ou pura tensão, eu não saberia dizer, e tentava pensar que deveria, de certa forma, ajuda-lo. Foi puramente por essa razão que eu quebrei o beijo e levantei meu tronco, desabotoando a camisa lentamente do botão mais alto ao mais baixo.
Os olhos enegrecidos queimavam a minha pele enquanto ele, na posição de espectador, não se deixava distrair. Eu poderia não ser a mulher mais bela em toda a Austrália, mas sabia alguns truques. Seduzir Felix era só um detalhe. Por vezes, eu havia assistido, embasbacada, suas performances em cima de um palco. É verdade, não havia palco naquele quarto, e talvez fosse só questão de definições. Praticamente sentada sobre suas coxas, talvez, eu estivesse me colocando em um palco ao exibir-me para ele.
Com os cotovelos, ele ergueu seu corpo na minha direção também, sem me deixar terminar de tirar a camisa. Os lábios miraram os meus em um primeiro instante, hesitando em focar na pele ao redor da minha mandíbula e, depois, no meu pescoço. Sua respiração estava pesada, tal como a minha.
– Você não precisa fazer nada que você não queira.
– Não seja inocente e pense que eu estou aqui sem querer. – Eu lhe disse enquanto escorregava as mangas da camisa para fora dos meus braços. – Você se subestima demais, Felix. Eu quero estar aqui com você.
De perto, meu busto parecia atrair mais ainda a sua atenção. Os dedos flutuavam inquietos, como se quisessem tocar mas não tivessem certeza sobre estarem autorizados. Peguei suas mãos nas minhas e levei até perto do meu rosto, deixando um beijo em cada uma delas. Naquele instante, eu já tinha entendido que eu precisaria guiar Felix, e tudo bem. Eu estava ligeiramente confortável naquela posição, até que eu vi seu rosto ficar rosa da cor de um pêssego. Uma das minhas sobrancelhas arqueou involuntariamente.
– O que houve?
– Não sei como dizer isso, mas... Mas...
– Pode dizer de uma vez.
– Você tem camisinha? – A pergunta me pegou desprevenida. – Eu não... Eu não tenho.
Abri o melhor sorriso que pude, o que não era exatamente bom.
– Eu nem imaginava que viria pra cá com você, quem dirá... – Seus ombros murcharam enquanto eu falava.
– Acho que eu estraguei tudo.
– Ei... – Toquei seu nariz com a ponta do meu. – Você ainda quer que eu fique?
– Claro que eu quero.
– Tá tudo bem então. – Eu cheguei mais perto e deixei um beijo casto nos seus lábios.
– Tem certeza?
– É claro. Sempre teremos o amanhã, não?
– Sim. – Ele sorriu, adotando uma expressão curiosa em seguida. – Espera, eu acho que o velho Felix pode ter deixado um presente pro Felix do futuro.
Ele levantou, deixando-me de lado gentilmente, e foi até a cômoda na parede lateral à cama. Felix estava mexendo em algumas gavetas enquanto eu, confusa e com um pouco de frio nos braços, assistia a cena. De repente, ele murchou de novo, mas tinha um sorriso no rosto quando virou para mim.
– Eu só não sei se essas coisas têm validade.
– Felix...
– O que foi?
– Você não vai me desapontar se você só passar a noite abraçado comigo.
– Mas eu quero você. – Ele caminhou até a beira da cama, onde eu permaneci. – Não tenho palavras pra dizer o quanto eu quero você, .
– Eu to aqui, não to?
Felix assentiu em vez de responder. Eu aproveitei a pausa e arrastei meu corpo até estar sentada de frente para ele, que continuava em pé.
– Acho que vamos ter que torcer para estar tudo ok com isso aqui então. – Peguei a camisinha da mão dele, girando o pacote entre meus dedos enquanto esforçava a vista para enxergar a data mesmo com pouca iluminação e rindo para mim mesma em seguida. – Válido até o final do ano. Será que você acredita que é um sinal e relaxa agora?
Era uma pergunta retórica, é claro, porque eu seria idiota de esperar por uma resposta. Com a ponta dos dedos, peguei a barra da camisa dele. Eu ia levantando com cuidado, devagar, e deixando beijos rápidos pela pele do seu abdômen. Felix me observava atentamente, a cabeça baixa fazendo com que eu encontrasse seus olhos imediatamente ao terminar o caminho. Ergui a camisa e ele me ajudou a passar a roupa pelos seus braços. Buscar pelos seus lábios logo depois não foi nada além de um mero reflexo do que meu corpo estava pedindo.
As mãos de Felix na pele descoberta das minhas costas faziam um carinho gostoso cuja sensação era tão boa quanto incomparável. Eu baixei minha cabeça até seu pescoço, deixando um beijo ali, e a sua respiração pesada desviou alguns fios do meu cabelo. Minhas mãos, que estavam em seus ombros, desceram na direção da calça jeans que ele usava sugestivamente. O botão foi fácil de tirar, mas o zíper emperrou. Rindo, Felix me ajudou.
– Essa calça tá com defeito.
– Acho que você fez de propósito, pra dificultar.
– Eu jamais faria isso, eu juro.
A calça dele caiu ao chão enquanto eu desabotoava a minha. Bastou livrar-me dela para rastejar de volta para a cama, deitando atravessada nela com Felix por cima de mim. Fui eu quem procurei, de novo, pelos seus lábios. Seminu, Felix estava mais tenso ainda, o que não adiantaria de nada nem para mim muito menos para ele. Tentei inverter as posições, ficar por cima dele novamente, assumir o controle, mas Felix me manteve ali gentilmente. Um sorriso escapou dos meus lábios e, quando ele sentiu, conseguiu relaxar um pouco.
Seus beijos deixaram meus lábios, descendo para meus seios mas tomando uma direção diferente da que eu esperava. Do meu ombro até minha mão, Felix não deixou um centímetro sequer sem receber um de seus beijos enquanto eu fechava os olhos, focando em sentir tudo e tentando não ofegar. Dedo por dedo, Felix deixou um beijo.
Talvez eu estivesse tão interessada em proporcionar e receber carícias que não notei exatamente o momento em que ele se afastou, por poucos segundos, e terminou de se despir. Não conseguia abrir os olhos por completo, cada toque – de suas mãos ou se seus lábios – ainda estava fazendo efeito em mim, mas podia identificar vagamente o que Felix estava fazendo. Quando ele voltou a estar sobre mim, já estava usando a camisinha que eu nem mais sabia onde tinha ficado.
De imediato, Felix se tornou mais delicado ainda. Ele afastou a minha calcinha com delicadeza, beijando meus ombros sem parar enquanto permitia que eu o sentisse pela primeira vez. Cada passo era milimetricamente calculado, demorado, com cautela e dedicação. Pouco a pouco, Felix me preenchia com uma calma que eu jamais havia conhecido. Um suspiro um pouco mais pesado escapou e eu lembrei que não estávamos sozinhos na casa dele.
– Tá tudo bem? – Ele perguntou e eu fiz que sim.
Dizer qualquer coisa seria utópico. Meus dedos acariciaram a lateral do rosto dele, os fios negros caindo na minha direção e completando a beleza que encarava-me de volta. Não aguentei o desejo de ter os lábios dele nos meus de novo e ergui meu rosto em sua direção. Lentamente, do mesmo jeito que nossos lábios tomavam velocidade, as investidas contra o meu corpo também aumentavam, minhas pernas cada vez mais abertas para receber Felix ali.
Tudo estava em um perfeito encaixe: nossos humores, nossos corpos, nossos ângulos, nossas mãos conhecendo o corpo um do outro, nossas bocas sem a menor intenção de se separarem enquanto continham nossos gemidos. Eu estava surpresa de descobrir o quanto eu queria aquilo, mas cada neurônio do meu corpo só sentia que eu estava muito perto de não resistir a qualquer estímulo extra quando Felix, de repente, parou.
– Eu... – A voz grave ofegava bem próximo ao meu ouvido, à minha pele. – Eu não posso... Eu não consigo mais...
– Felix, por favor, não para. – Supliquei.
– Mas se eu não parar...
– Não para. – Insisti, parando um instante para respirar. – Por favor... Não para. Não agora.
Ele parecia saber exatamente que botão apertar. Fundo, certeiro, Felix me penetrou mais uma vez. E depois outra. E outra. E eu já estava perdendo o controle, as unhas fincadas na sua pele como se fosse para descarregar todo o turbilhão de sentimentos que atravessava o meu corpo quanto mais Felix investia contra mim, indo mais fundo cada vez. Quando ele parou de me beijar e deixou a cabeça cair ao lado da minha, eu podia sentir o que estava por vir.
– Você é deliciosa pra caralho.
A voz grossa, baixa, no pé do meu ouvido, enquanto seus braços me apertavam com força... Eu não precisava de mais nada para ceder. Soou como se fosse uma ordem. Apertei meus lábios nos seus, e nem isso foi suficiente para conter o volume do gemido alto que saiu de dentro de mim. Eu ainda estava gozando quando senti Felix me apertar com mais força ainda uma vez e começar a afrouxar o abraço, os lábios nos meus também contendo o som quase gutural que escapava de sua garganta conforme sua respiração ficava mais acelerada ainda.
E do mesmo jeito que, de repente, tudo virou um caos, a paz estava lá novamente, igual no começo. Felix diminuiu o ritmo com calma, esperando que nossas respirações voltassem ao normal enquanto não desistia de ficar dentro de mim, de me preencher. Meu corpo ainda reagia aos estímulos, mesmo que eu menor intensidade. Eu queria mais, e parecia sentir que Felix também, mas não sabia se era capaz de aguentar visto que, no instante que o tesão deixou de falar mais alto, todo o sono voltou ao meu corpo de imediato.
Assim que saiu de dentro de mim, Felix foi ao banheiro. Eu esperei uns segundos, para me recompor, e segui o mesmo destino a tempo de vê-lo dando descarga para eliminar a camisinha. Foi a vez de Felix me encarar através do reflexo do espelho. Ainda vestindo minha calcinha e meu sutiã, eu cheguei mais perto e abracei-o por trás, os braços atravessando o seu corpo pelo seu abdômen.
– Vem pra cama. – Eu deixei um beijo nas suas costas antes de deitar minha cabeça no mesmo local. – Por favorzinho.
Felix se virou ainda dentro do meu abraço. Um beijo levou a outro e, quando dei por mim, estávamos de volta na cama, embaixo dos lençóis. Eu enfiei meu rosto em seu peito, respirando fundo o cheiro que emanava da sua pele. Em algum momento entre processar o quanto eu estava gostando daquele cheiro e como o carinho nas minhas costas estava muito gostoso, eu adormeci em um sono que pareceu, na verdade, um mero piscar de olhos.
As sardas estavam, de algum jeito, mais atraentes. Eu deixei de encará-las apenas para mandar uma mensagem para a minha mãe, dizendo que tinha acordado, que estava bem e que mandaria mais notícias ao longo do dia. Não era obrigação, mas eu gostava de não a deixar preocupada. E depois de fazer isso, eu teria todo o tempo do mundo para observar o quanto aquelas sardas deixavam o rosto de Felix ainda mais bonito.
Eu provavelmente perdi a noção do tempo em algum momento. Um sorriso escapou de seus lábios, denunciando que ele já estava acordado também. Eu não pude evitar também sorrir e voltei aos seus braços.
– Bom dia. – Eu disse, beijando o seu pescoço.
– Bom dia. – Ele devolveu, deixando um beijo no topo da minha cabeça. – Você tava me admirando?
– Admirando suas sardas, mais precisamente. – Murmurei.
– Você gosta delas?
– Quem não gosta delas, Felix?
– Muita gente.
– São todos imbecis então. – Eu me aconcheguei mais ainda. – Elas são minha parte favorita de você.
– Fico feliz de saber disso, gosto delas também.
– Mas se você continuar com o cabelo preto, eu posso mudar de ideia.
– Eu achei que você preferia meu cabelo loiro.
– Claro que não, isso seria uma heresia.
– Ok então, sem cabelo loiro daqui pra frente. Cabelo loiro, nunca mais.
– Idiota. – Eu ri e ele me acompanhou.
– Como vamos fazer? – De repente, o sorriso não estava mais na sua voz. – Quero dizer... Você aqui, eu na Coreia, eu viajando toda hora, seu trabalho...
– Acho que vamos ter que descobrir.
– É quase um dia inteiro viajando pra ir, mais um dia inteiro pra voltar.
– Você já sabia que a distância ia ser um obstáculo.
– Eu quis tentar mesmo assim.
– E tudo bem, somos adultos. – Eu suspirei. – Eu posso aparecer... Por uma semana a cada um mês e meio?
– Não quero atrapalhar seu trabalho.
– É só eu me organizar e levar meu computador. Vocês nunca estão totalmente livres de qualquer forma, e eu consigo trabalhar de qualquer lugar com meu computador em mãos. Eu ia uma vez a cada três meses, vou só aumentar um pouco a frequência.
– Mas eu tenho que vir pra cá também, não pode ser um sacrifício unilateral.
– Quando você puder, você vem, ué.
Bom dia, filho. – Uma voz feminina e abafada veio da porta do quarto após o som de duas batidas, meu coração gelou e eu fiquei estática. – Estou saindo e volto daqui a uma hora, mas tem café da manhã pra vocês dois, o seu preferido. Espero que a goste também, pega algumas roupas da sua irmã pra ela. Te amo.
Meu reflexo instantâneo foi olhar para Felix, que estava tão assustado quanto eu. Os passos ecoaram pela casa, distanciando-se do quarto. Minhas bochechas estavam queimando, e as dele não estavam exatamente diferentes.
– A sua mãe sabe que sou eu?
– Eu não falei, mas acho que ela concluiu.
– Como? Chris?!
– Talvez eu tenha contado pra ela que estava gostando de você.
– Ah... – Eu fiquei sem palavras.
– De qualquer jeito... Você quer tomar café? Minha mãe faz um molho holandês de outro mundo.
Nesse mesmo instante, meu estômago roncou. Felix sorriu.
– Acho que não é uma opção.
– Eu vou pegar uma roupa pra você, minha irmã deixa um monte de roupa em casa e não usa quase nenhuma.
– Felix...
– O que foi?
– Não vou quebrar seu coração. – Eu olhei em seus olhos. – Não se preocupa com isso, tá bem?
Ele sorriu para mim novamente e deixou um beijo lento nos meus lábios antes de levantar. Poucos minutos depois, ele retornou com uma muda de roupa em mãos. Eu me vesti, ele se vestiu, nós subimos e eu fiquei mais alguns segundos embasbacada com a beleza da casa dele. Meu corpo ainda lembrava da madrugada, ainda mais quando Felix insistia em fazer um carinho ou outro. Eu estava curiosa, aguardando ansiosamente pelos próximos acontecimentos nas nossas vidas. De uma forma ou de outra, eu tinha certeza de que o bom pressentimento dançando com as borboletas em meu estômago era um ótimo sinal.





FIM



Nota da autora: Sem Nota.




Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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