Halsey - Strange Love
- Eu sei que eu não deveria estar me metendo,
mas... – Eu acabo de erguer a mão para interromper Anna, minha assistente. Ela tem os cabelos ruivos presos no topo da cabeça em um coque donut perfeito, e, ressaltando em suas mãos pálidas como porcelana, unhas pretas perfeitamente lixadas.
Seu caderno de anotações está apoiado em um dos braços, enquanto eu consigo
ouvir o barulho chato que seus saltos fazem quando ela vira seus pés para fora em uma mania irritante. Mania essa que só parece existir quando Anna está verdadeiramente preocupada com algo. A pilha de papéis que ela me trouxe pela manhã ainda repousa sobre o canto da minha mesa, exatamente onde ela deixou. Assim como a xícara de chá e meu almoço. Eu não tive tempo para absolutamente nada hoje, nem mesmo para reparar no sol raro que adentra pelas persianas de minha sala e caem sobre o piso de porcelanato claro. A luz que tanto gosto de apreciar é alaranjada, rosada, um misto de cores incríveis que me fazem rodar a cadeira para conseguir enxergá-la encostando a neve branca que cobre a calçada lá embaixo.
Somente quando Anna solta seu famoso pigarreio envergonhado é que rodo a cadeira mais uma vez para frente da minha mesa. Como em um passe de mágica, meus pensamentos são tomados por dezenas de coisas para fazer, todas embaralhadas que no fim só me deixam passar os olhos pelo calendário do Marc Jacobs e depois para meu iMac, sem conseguir raciocinar. Eles ficam lá por alguns instantes, medindo a janela do Skype piscando e as dezenas de listas fixadas na área de trabalho. E então eu percebo que, de súbito, eu esqueci completamente onde eu e Anna paramos. Respiro fundo, desgostosa.
- Eu estava dizendo que não deveria me meter quando você me interrompeu. – Ela adivinha quando percebe toda a minha inquietude.
Meus olhos se erguem abruptamente para os dela e eu sinto toda a sua hesitação daqui. É verdade que quando se é editora-chefe de uma das mais renomadas revistas de moda do mundo, você não precisa se esforçar muito para fazer com que os outros sintam medo de você.
- E eu ia dizer que se você sabe que não deveria se meter, - cruzo meus braços e relaxo na cadeira - por que você continua se metendo?
Anna parece querer se esconder entre os ombros, mas eu também sei que ela não vai desistir de falar. Ela passa os olhos rapidamente em sua volta, mirando a correria da redação do outro lado das paredes de vidro e depois retorna para mim. Ela respira fundo e abre espaço entre as cadeiras em frente à minha mesa para se inclinar misteriosamente.
- É sobre aquele garoto, Sra. Terris. – Giro os olhos e penso em me erguer, mas suas mãos se espalmam em minha frente em um sinal claro de nervosismo. É como uma súplica misteriosa para continuar falando. – Eu sei que você não quer ouvir sobre isso, mas as pessoas estão comentando. E hoje com a festa de Natal, acham que você...
- Antes de tudo, chame-o pelo nome. E outra, eu não me importo com isso. – Interrompo-a novamente, erguendo-me da cadeira e ignorando suas mãos espalmadas em minha frente outra vez. – Tenho milhares de coisas para resolver e um rumor idiota em uma redação não é um deles.
Pego alguns croquis em minha estante e caminho até os sofás do outro lado da sala, mas Anna bloqueia meu caminho com todo seu ar desesperado.
- Sra. Terris, isso é muito sério. – Sua voz é um fiapo angustiante. – As pessoas estão dizendo que você é louca de se envolver com ele, que
você mal o conhece.
- Isso não é verdade. E
louca? – Sinto-me confusa. –
Por quê? Você já
olhou para ele? – Rio, contornando-a e sentando finalmente em um dos sofás de veludo. – Ele é um belo pedaço de mau caminho, Anna, por favor.
Ela aperta os lábios, aflita, se mantendo em minha frente, virando os pés para fora e me medindo com um olhar preocupado. Eu sei que ela se sente pressionada por ser a única que realmente sabe sobre meu caso com , o assistente de Ashlie Ford, a editora executiva. E eu fico grata -
mesmo que nunca tenha dito ou expressado - com toda a sua preocupação com os rumores que surgiram quando o viram saindo de meu carro no início do mês. Como também fico realmente agradecida por ela sempre me alertar sobre tudo, mesmo eu não pedindo.
- Estão apostando que hoje à noite vocês serão pegos no flagra. – Sua voz sai em um sussurro e eu vejo o quanto dizer aquilo a torna corajosa. – Eu ouvi essa conversa vindo da redação, Sra. Terris, achei que deveria saber. Eles estão esperando por um descuido seu, esperando que você o chame pelo nome.
Ergo as sobrancelhas, um tanto surpresa pela petulância de um grupo de jornalistas metido à besta. Por fim, passo a ponta de meus dedos sobre minha testa, coçando suave e cuidadosamente minha sobrancelha esquerda para que nenhuma maquiagem saia dali; depois olho para Anna outra vez.
- Eu não me importo. Eles podem esperar o que quiserem, não vão ter nada de mim. Estamos nisso
há meses, Anna, não será agora que irão descobrir. – Falo, cruzando as pernas e apoiando os croquis da nova coleção de Tory Burch nas coxas, prestes a começar a folhá-los. – E outra, eu nem sei por que você se dá ao trabalho de se importar com esses rumores, lembra da vez em que diziam que eu sumi aquelas semanas todas porque estava em um centro de reabilitação?
- Aquela vez que você estava em uma convenção secreta da Chanel? – Pergunta e eu assinto. –
Lembro.
- Pois então, esse rumor vai morrer logo como esse das drogas. – Dou de ombros, voltando minha atenção para os desenhos sobre meu colo, concluindo a seguir: - Até porque ninguém acredita realmente que eu me envolveria com um garoto treze anos mais novo.
Quase sinto vontade de rir por me lembrar desse detalhe, mas consigo me conter e apenas sacudir os ombros com indiferença. Começo a analisar, então, os desenhos da coleção limitada de sportswear americano clássico de Burch. A saia plissada rosa forrada com manta me toma a atenção por um instante, mas não o bastante para eu perceber que Anna permanece exatamente no mesmo lugar. Percebo um anorak de seda na outra folha, mas não consigo voltar minha atenção para ele, não quando o som dos saltos de minha assistente volta a me incomodar.
- O que foi? – Pergunto, já impaciente, olhando-a com todo o mau humor que começo a juntar. Seus olhos apenas me medem por alguns instantes, assustados. – Desembucha logo, não tenho tempo, Anna.
Ela puxa o ar com força e fecha os olhos, apertando-os tanto que por um instante penso que sua cabeça irá explodir.
-
Tem mais uma coisa. – Diz o óbvio e eu suspiro sem paciência. – Eu sei, eu sei que não é de minha conta, , mas...
Digo, Sra. Terris, - ela se corrige rapidamente – mas pediu para eu adicionar o nome de uma garota como sua acompanhante.
-
Minha acompanhante?
-
Não. – Responde nervosa. – Acompanhante
dele. veio conversar comigo hoje e pediu para que eu incluísse a moça na lista, o nome é Pippa Twyla. – Fala e eu percebo que ela o anotou em sua agenda. – Eu pesquisei, ela participou de uma sessão de fotos para a revista na semana retrasada.
Sem eu pedir, ela desliza uma foto da garota sobre os croquis apoiados em minha coxa. Meus olhos captam rapidamente a sueca vestindo Burberry perto de algumas árvores, os cabelos brancos quase tão longos quanto suas pernas. Engulo a seco, não conseguindo desviar dos meus sentimentos despedaçados que acabaram de cair no meio da sala.
- Eu não contei antes, porque eu não sabia como.
Passo a língua pelos lábios, lentamente, depois assinto, absorvendo cada detalhe dessa última informação passada.
-
Bem, - ergo o rosto, tomando o ar necessário para que eu consiga prosseguir e entregar a fotografia para ela – pelo menos agora você não vai precisar se preocupar de nos verem juntos.
- Eu sinto
mui...
- Nem termine essa frase. – Rio sem humor, quase a medindo ofendida. – Se você pensa que eu me envolveria emocionalmente com um garoto como ele, você não merece ser minha assistente.
Os ombros de Anna travam e ela fica pouco mais de cinco segundos em um choque real. Depois assente, elétrica, juntando suas coisas de minha sala e pedindo licença para, finalmente, me deixar sozinha.
Enquanto o caos se faz presente na redação do outro lado das minhas paredes de vidro, ouço o tique-taque do Rolex feito exclusivamente para minha sala. E, com isso, fico algum tempo com os dois braços repousados ao lado do corpo, sentindo o tecido aveludado do sofá acariciar minha pele com delicadeza. Todos os pensamentos mais variados passam por minha cabeça como um caminhão desgovernado. Quando eu finalmente consigo posicioná-los, remexo minha boca em um mudo “
filho da puta” carregado de tristeza e frustração.
A grande verdade é que,
sim, eu me envolvi emocionalmente com um garoto treze anos mais novo que eu.
Como não poderia? É inevitável não se apaixonar por . É inevitável não se envolver seriamente com seus beijos tão invasivos que parecem acolher sua alma em um leito doce de ilusões. E eu preciso admitir, foi vergonhoso;
eu, Terris, me apaixonei no minuto que o vi. Estava lá, entregue, no meio de um estacionamento mal iluminado de um evento que nem sequer me lembro. Os arbustos que separavam os pedregulhos do jardim me protegiam do frio, enquanto o meu objetivo era só me manter escondida tempo o bastante para terminar meu cigarro. Eu estava aos frangalhos com meu recente divórcio de um casamento lixo que durou seis anos, quando ele apareceu; completamente alheio a quem eu era. Tinha as mãos nos bolsos da calça e um sorriso travesso de canto. me ganhou ali, malicioso, com sua cartela gentil de palavras que me pegou desprevenida.
A pele acariciada pelo sol, os lábios em uma linha misteriosa e os olhos de um verde tão intenso que me levavam a sensação de me afundar em sua essência. Ele impregnou meus pensamentos, infestou minha vida. Eu me vi enlouquecida por aquele garoto no mesmo instante em que o olhei. Sua delicadeza ao encostar em mim não era como o medo que todos os outros sentiam, ele era -
e é - puro e simplesmente único. Seu cuidado ao me guiar pelos pedregulhos me fez perceber que eu queria mais, muito mais. O beijo singelo de despedida que ele depositou nos meus lábios sem aviso prévio não me era o suficiente. Eu o queria
todo. Queria o devorar, ler cada parte dele com todo cuidado, bebendo todas as informações daquele garoto como veneno.
Era quase como uma obsessão adolescente.
As reuniões não faziam o menor sentido na semana seguinte e eu me vi irritada por ter sido fisgada tão vergonhosamente por um desconhecido. Ter sido fisgada por gestos que há tempos não eram direcionados a mim. Eu me vi a beira do precipício da loucura, sem saída. Mas quando tudo pareceu fugir completamente de meu controle, foi que eu o encontrei. Suas roupas eram bem mais despojadas do que as sociais que o vi usar na primeira vez, mas isso só fez aumentar a minha vontade de tê-lo. corria apressado pelo corredor, carregando pastas e mais pastas de croquis quando parou em frente à minha porta. Ele me olhou por alguns instantes, verdadeiramente surpreso e a abriu.
- Essas pastas são para... – Ele disse, franzindo o cenho consideravelmente. –
Terris?
-
Oi. – Sorri, vendo-o caminhar até a frente de minha mesa e parar.
soltou um riso e eu percebi estar tão confusa quanto ele.
- Eu pensava que você era bem diferente, - confessou e eu poderia jurar que seus olhos tinham um
quê de vergonha, mas isso logo desapareceu quando ele os correu para minhas pernas descobertas e se sentiu à vontade em deixá-los por lá -
Sra. Terris.
Ergui as sobrancelhas, verdadeiramente curiosa e verdadeiramente doida por ele. Naquele curto período de tempo, eu repassei nos pensamentos meu sobrenome saindo de seus lábios quase como uma sinfonia pornográfica.
- E como você pensava?
-
Bem, - ele começou, um riso baixo - eu definitivamente não imaginava que você costuma beijar desconhecidos em estacionamentos.
Ele nem sequer titubeou, corou ou se arrependeu. disparou sem vergonha, assim como suas mãos arrancando meu vestido àquela noite em minha casa. Nós nos devoramos entre lençóis egípcios até amanhecer, incansáveis.
No início era só carnal, eu não posso negar. Mas todo o seu tato e o jeito como meu apelido tão pessoal e incomum era pronunciado por ele, me fez ver que era inevitável.
Como não se apaixonar?
Os dias com sempre foram mágicos. E eu sempre me senti viva perto dele. Nós costumávamos nos encontrar à noite e aos fins de semana, sempre escondidos. Lembro a primeira vez que entrei em sua quitinete minúscula em Islington, um apartamento 6mx4m. A cozinha ficava há dois passos da cama e a cama há dois passos do banheiro. Mas, por mais que Anna sempre me alertasse, eu nunca consegui vê-lo com olhos preconceituosos. Para mim, aquele apartamento era realmente pequeno, mas não para se viver, mas para abrigar o coração enorme que eu sempre soube que tinha.
Eu o testei de várias formas, a maioria delas foi muito injusta. Até porque, no fim, eu sempre tive a mesma resposta: ele não estava aqui por outra coisa a não ser por mim. E eu gostava –
e gosto – de lembrar sempre que posso desse detalhe. Como também gosto, apesar de doer, de lembrar que estamos em páginas diferentes, bem diferentes, e que precisa viver tudo aquilo que eu não faço mais questão alguma de passar.
Meço meu rosto no espelho amplo do outro lado de meu closet. Eu tento não comparar meus cabelos recém-tingidos com os de Pippa Twyla, como tento não comparar minhas pernas e olhos. Como eu também tento não me afundar em lamúrias e em suposições dolorosas. Eu deveria prever que isso um dia iria acontecer. O que eu estava pensando,
afinal? Eu tenho 35 anos, sou consideravelmente nova para assumir o posto de editora-chefe de uma revista tão renomada.
Mas para um garoto de 22? Eu sei que não.
Coloco meus brincos e meu colar da Cartier, separados anteriormente sobre a penteadeira recém-limpa pelo meu maquiador. Eu estou pronta, vestindo um conjunto branco de saia longa e top cropped feito exclusivamente para mim por Roberto Cavalli. Enquanto atiro meus cabelos para trás, penso que, de fato, me sinto bonita, me sinto viva e perfeitamente pronta para arcar com todas as consequências que preciso sofrer.
Eu preciso fazer isso tanto por mim, quanto por .
Pego a taça de champanhe em cima da bancada de perfume e a bebo em um gole desesperado. Lembrando sutilmente da vez em eu e ele passamos um fim de semana em Veneza. Sua imagem coberto de preto dos pés à cabeça na ponta de uma das gôndolas, me olhando e sorrindo, iluminam meus dias mais sombrios. Eu lembro que ele tinha as unhas pintadas de preto e o cabelo comprido completamente bagunçado. Foi esse mesmo dia que soube que ele fazia parte de uma banda de garagem e soube também que, a partir dali, eu havia ganhado um companheiro para ouvir Lynyrd Skynyrd deitado no chão de meu quarto.
A festa de Natal da revista é feita todos os anos no dia 24 de dezembro e essa não poderia ser diferente. Ela é organizada sempre, desde que assumi, em minha casa, pegando boa parte do salão de festas e se estendendo por todo o jardim. Os lustres esse ano são tomados por rosas vermelhas que aparecem em cada mínimo detalhe da decoração, combinando com o tapete rubro e o dourado que ganha espaço em arranjos de mesa e talheres. Há convidados espalhados por todos os cantos; estilistas, modelos, atores, cantores, socialites. E, por um instante, penso como Anna foi ingênua ao pensar que alguém estaria prestando atenção em mim e .
Caminho pelo salão cumprimentando pessoas e agradecendo presenças importantes, quando encontro minha assistente. Os cabelos estão exatamente iguais como da última vez que a vi em minha sala hoje à tarde, amarrados em um coque donut perfeito. Entretanto, o vestido que julgo ser Valentino –
e de uma das araras da edição de moda da revista – cai muito melhor que seu típico terninho sem graça.
- Preciso só que você cumprimente Hedi Slimane, - ela avisa, carregando sua agenda de sempre nos braços - depois você estará livre.
E com isso eu a sigo, caminhando levemente, tentando driblar minha vontade insaciável de procurar por ele, de
perguntar por ele. A música, que começa a ganhar um volume consideravelmente alto, é pop. Ela se alastra por entre as pessoas, fazendo-as dançar, cantar, sorrir. E me faz precisar desviar de movimentos bruscos demais. Converso por pouco mais de cinco minutos com o novo talento por detrás da Saint Laurent, sabendo então, com um desvio de olhar por cima de seu ombro que, sim, definitivamente trouxe Poppy Twyla para a festa. Vestida em verde, Calvin Klein, ao lado dele tomado pela elegância de Hugo Boss. Sinto-me tomada pela infelicidade do destino e me permito deslizar, traiçoeiramente, para a sala da lareira quando encerro minha conversa com Slimane e encaro significativamente até ter seu olhar em mim.
O cômodo fica no segundo andar, escondido em um dos corredores de difícil acesso da casa. Ele é amplo e claro, com cortinas de seda e um conjunto de sofás brancos postos no meio da sala. Daqui consigo ter uma visão aberta da outra parte do jardim, tomada por neve, e no limite do terreno, mais além, vejo a calmaria do condado de Hampstead. As luzes natalinas tomam a fachada das casas com sutileza e sofisticação, não existe estátuas enormes do Papai Noel por aí, como eu costumava encontrar em Essex quando criança. Nem mesmo árvores coloridas no jardim. Tudo aqui é feito com elegância e maestria.
- Sabia que tinha sido você. – Ouço soar atrás de mim. Quando viro-me, o encontro perto da porta fechada, mirando meu mais novo quadro de Jean-Michel Basquiat na parede contrária a lareira. – Trinta milhões de dólares e o comprador era de Londres, quem mais poderia ser?
Ele abre um sorriso e me olha.
- Você estava acompanhando o leilão pela TV? – Pergunto, interessada. – Pensava que odiava isso.
- Passei a gostar por causa de você. – Ele remexe as mãos nos bolsos da calça. – Muitas coisas eu comecei a gostar por causa de você.
- Meu ex-marido também era assim.
- Eu odeio quando você fala dele. - Diz, fechando o sorriso abruptamente. - E eu queria que fosse só por ciúmes, mas eu o odeio por todas as coisas que ele já fez com você.
Ergo as sobrancelhas e assinto, dando-lhe as costas para mirar por mais algum tempo a paisagem vazia de meu jardim. Sinto-o se aproximar de mim, parando seu corpo centímetros do meu. Observo com atenção sua mão ir de encontro a janela embaçada e escrever ali “
Feliz Natal”. Rio de leve, os olhos correndo para o relógio mais próximo e percebendo que, de fato, já se passa da meia noite.
Para você também, respondo, escrevendo logo abaixo de suas palavras. Por alguns instantes penso em tudo o que a data significa para mim. A bondade, a felicidade, o amor. E, ironicamente, também significa isso.
Eu te amo.
São as palavras seguintes que grava no vidro embaçado. Miro-as por certo tempo, talvez mais tempo do que o necessário para as entender. Ainda sinto seu corpo próximo do meu, dessa vez exalando um sentimento único que antes eu não sentia quando o tinha perto e que talvez, agora, me faça perceber que eu também, que eu também o amo.
Respiro fundo e me viro para ele, encarando seu rosto sereno tão perto do meu. Eu não me vejo mais tão preparada quanto antes, não me vejo mais certa do que preciso fazer. Entretanto, o faço.
- Você não pode dizer isso. – Digo, o coração apertando quando o vejo franzir o cenho. – Você não pode se prender a mim. Você precisa procurar garotas da sua idade, terminar a faculdade, viajar o mundo. , você tem uma vida inteira pela frente.
- E você também! – Rebate, confuso. - Nós dois temos, .
- O que você espera disso? – Pergunto, apontando para nós. – Você sempre soube que não daríamos certo.
- Não faça isso. – pede, fechando os olhos. – Por favor, , não faça isso.
- Isso um dia teria que acontecer.
- Você sempre faz isso, sempre termina assim. – Ele me olha, a voz forte. – Não me dispense desse jeito. Você sabe que isso pode dar certo.
Tento me afastar, mas ele me segura pela cintura e me arrasta até a parede. Seu rosto se enterra em meus cabelos e eu suspiro com o caminho que suas mãos fazem por mim.
- Você combina com Pippa. – Digo, fazendo-o me olhar. – Vocês são bonitos juntos, , e é assim que tem que ser. Eu fiquei com raiva de você no início, mas eu percebi que é isso que você merece.
-
Não! Eu não quero ela. – Ele segura meu rosto, acariciando minha bochecha com cuidado. – Eu só a trouxe porque pensei que pudesse desviar dos rumores idiotas que estão surgindo, . – Seus dedos escorregam até meus cabelos, agarrando-os com firmeza para que eu o olhe. - Eu quero você. Eu não consigo pensar ou querer outra pessoa, porque é
só você.
- Não diga isso.
- Eu digo. - rebate. - Eu digo quantas vezes forem necessárias para você acreditar.
- Ela é mais bonita que eu, todo mundo sabe disso.
-
Cala a boca. - Diz, respirando fundo e encostando sua testa na minha. - Você é a única que não enxerga que eu só tenho olhos para você. - Então ele me olha com a escuridão verde que me faz afundar em sua alma. - Se não for você, eu não quero mais ninguém.
- Eu não quero que isso acabe como meu
casamen...
- Não vai. - Sua voz é desespero claro, é como se fosse a única chance dele de provar isso. - , deixa eu cuidar de você. Deixa eu te tratar como você deve ser tratada.
Seus dedos contornam os traços de minha boca com sutileza, enquanto seus olhos me devoram com adoração. Engulo a seco. E então eu me vejo vergonhosamente entregue a ele mais uma vez.
- Seu presente de Natal está em meu escritório. – Digo, débil, sem saber como raciocinar com seus lábios agora roçando nos meus. – É um
reló...
- Dane-se, eu não preciso disso. – me interrompe. – Eu tenho meu presente bem aqui.
Ele ergue a saia de tecido leve pelas minhas pernas e agarra minhas coxas com força, erguendo-me e fazendo com que eu as aperte em volta de sua cintura. E eu, sem pensar, o tomo em um beijo desesperado, envolvendo-o com meus braços e meu amor. Seus músculos saltam por baixo do tecido grosso do blazer, que arranco dele poucos instantes depois de eu me ver afogada em uma sensação de inércia prazerosa quando caímos em um dos sofás. Seu quadril pressiona o meu e ele agarra minha bunda com força.
- Isso é uma proposta para tornarmos tudo algo mais sério? – Eu me afasto em um momento raro de lucidez, o segurando pelo rosto.
- Sempre foi pra mim.
- Você tem certeza disso? Tem certeza que quer viver isso comigo?
- Tenho.
- Eu sou treze anos mais velha que você. – Relembro. O que antes me fez quase rir, faz meu peito pesar.
- Pensava que nós já havíamos discutido sobre isso há oito meses, . – Ergue as sobrancelhas, lembrando de um dos testes. – Pensava que você já tivesse certeza que eu não me importo.
- Nós vamos viver escondidos, ouvindo rumores absurdos o tempo inteiro. – Digo, certificando-me que ele sabe todos os riscos que corre. – Ouvindo rumores de que transamos nos banheiros da revista na hora do intervalo.
- Nós já vivemos ouvindo eles. Mas podemos tornar esse do banheiro em verdade, caso incomode o fato dele ser apenas um rumor para você. – Diz, sacana, puxando meus lábios com seus dentes. Para, assim, concluir: – Eu tenho certeza, .
- Eles pensam que eu me drogo, .
-
Bem, - seu rosto para perto de meu pescoço e volta para que seus olhos encontrem os meus - eu posso ir atrás de algo desse porte, caso você queira tornar esse rumor verdade também.
Rio alto, lhe dando um tapa no braço.
- Isso não é para ser engraçado. – Falo, mordendo meu lábio, tentando não continuar rindo, enquanto vejo seu sorriso largo no rosto. – Nós vamos viver escondidos, , você consegue lidar com isso?
Seu cenho se franze consideravelmente com meu questionamento e o garoto parece ponderar por alguns instantes, estudando meu rosto com delicadeza. Seus dedos acariciam minhas bochechas e eu me sinto tomada pelo espírito natalino. Eu quase esqueço, por alguns instantes, que é Natal. Mas, por tê-lo aqui e ser possível sentir todas as coisas boas que sinto, eu quase me convenço de que isso se deve ao velho do Polo Norte.
- Você acha que eu posso contar para alguém? Depois de todo esse tempo?
- Não. – Defendo-me. – Não é isso. É só
que... Nossa relação vai continuar sendo um segredo até eu conseguir saber como torná-la pública.
-
Nossa relação é um segredo? – Ele pergunta e eu assinto. – Eu sempre soube e eu não me importo.
Remexo-me por debaixo dele, ainda presa por seu quadril no meio de minhas pernas.
- Você tem certeza?
- Tenho.
- Como pode saber que está preparado?
Seu olhar passa por mim outra vez, seus lábios roçam nos meus com leveza e, enfim, seu sorriso se abre de novo, cheio de certeza.
- Porque você é meu segredo, , - revela, seu corpo crescendo em cima do meu com segurança - e
essa é a beleza de se ter um segredo, você sabe que precisa guardá-lo com todo o amor que tem.
Eu não percebo quando sorrio, mas percebo quando seus lábios tocam os meus com carinho. E então, nesse momento exato, eu entendo que não existem diferenças entre nós; que não importa meu cargo e muito menos o dele. Não importa que dirijo uma Mercedes e ele um carro velho amarelo que não faço ideia a marca. Não importa sua quitinete mal planejada e nem minha chatice com organização. Não importa a idade e não importa os rumores.
O que importa é a gente e tudo o que tornamos real.